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IMPACTOS DE MINERAÇÃO E SUSTENTABILIDADE NO SEMI-ÁRIDO. ESTUDO DE CASO: UNIDADE DE CONCENTRAÇÃO DE URÂNIO – URA (CAETITÉ, BA) 1. LAMEGO SIMÕES F o , F.F. 1 ; FERNANDES, H.R.S.M. 1 ; FRANKLIN, M.R. 1 ; FLEXOR, J-M. 2 ; FONTES, S.L. 2 ; PEREIRA F o , S.R. 3 ; NASCIMENTO, F.M.F. 3 Resumo. Localizada no semi-árido brasileiro (Caetité, BA), a nova instalação de mineração e beneficiamento de urânio que possui uma planta industrial de lixiviação estática, tem assim extrema relevância nos impactos potenciais sobre as águas subterrâneas, uma vez que os aqüíferos são a única fonte de água disponível para a população local. Resultados do programa de monitoração ambiental, conduzido pelo operador, revelaram o aumento das concentrações de Urânio na água subterrânea em áreas sob influência direta da cava da mina. Igualmente, outras fontes de poluição importantes, como o depósito de estéreis e os tanques de licor e efluentes também precisam ser avaliadas. Além disso, foram observadas elevadas concentrações de U, Al, F e Fe em poços localizados fora da área de influência da mineração. Assim, o consumo destas águas não pode ser liberado para população local ou precisa ser submetido a algum tipo de tratamento ou restrição de uso, além do que torna-se necessário provar aos usuários que estas águas não estão sendo impactadas pelas atividades de mineração e beneficiamento. Neste trabalho, apresenta-se alguns resultados preliminares da pesquisa, são discutidos aspectos relacionados ao conflito de uso dos recursos hídricos, dentro da perspectiva ético-social, e propõe-se uma nova metodologia para abordagem da questão. Abstract. The newest Brazilian uranium mining and milling facility consists of a Heap Leach plant and is located at a semi-arid region. Consequently, impacts into the groundwater may be of primary concern since aquifers are the only source of water for the local communities. Data from the monitoring program carried out by the mining operator revealed that increases in uranium concentration in groundwater at the influence area of the open pit is already being observed. Besides the influence of mining activities in the groundwater other pollutant sources have to be assessed like the waste-rock/leached ore piles as well as the leaching tanks. In addition, elevated U, Al, F and Fe concentrations in wells located out of the influence of the mining activities are also observed. Because of that, water from these wells can not be released to the local population and there is a need to prove the inhabitants that these waters are not being affected by the mining and milling operations. This work presents research preliminary data concerning the aspects related to water use conflicts regarded in a social-ethical perspective and proposes a new methodology to approach the drought issue. Palavras-Chave: Impacto, Mineração, Semi-árido, Sustentabilidade, Urânio _______________________________________________________________________________ 1 IRD/CNEN/MCT, Av. Salvador Allende, s/n Rio de Janeiro Tel:(21)3411-8092, fax:2442-2699, [email protected] 2 ON/MCT, R. Gal. José Cristino, 77, Rio de Janeiro. Tel: (21) 3878-9143, fax: 2580-7081, [email protected] 3 CETEM/MCT, Av. Ipê, 900, Rio de Janeiro. Tel: (21) 3865-7265, fax: 2290-9196, [email protected]

IMPACTOS DE MINERAÇÃO E SUSTENTABILIDADE NO SEMI … · lançamento de efluentes líquidos no meio ambiente ou de processos de mobilização e/ou migração ... O domínio das rochas

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IMPACTOS DE MINERAÇÃO E SUSTENTABILIDADE NO SEMI-ÁRIDO. ESTUDO DE

CASO: UNIDADE DE CONCENTRAÇÃO DE URÂNIO – URA (CAETITÉ, BA)

1. LAMEGO SIMÕES F o , F.F. 1; FERNANDES, H.R.S.M.1; FRANKLIN, M.R.1; FLEXOR, J-M.2;FONTES, S.L.2; PEREIRA Fo, S.R.3; NASCIMENTO, F.M.F.3

Resumo. Localizada no semi-árido brasileiro (Caetité, BA), a nova instalação de mineração ebeneficiamento de urânio que possui uma planta industrial de lixiviação estática, tem assim extremarelevância nos impactos potenciais sobre as águas subterrâneas, uma vez que os aqüíferos são aúnica fonte de água disponível para a população local. Resultados do programa de monitoraçãoambiental, conduzido pelo operador, revelaram o aumento das concentrações de Urânio na águasubterrânea em áreas sob influência direta da cava da mina. Igualmente, outras fontes de poluiçãoimportantes, como o depósito de estéreis e os tanques de licor e efluentes também precisam seravaliadas. Além disso, foram observadas elevadas concentrações de U, Al, F e Fe em poçoslocalizados fora da área de influência da mineração. Assim, o consumo destas águas não pode serliberado para população local ou precisa ser submetido a algum tipo de tratamento ou restrição deuso, além do que torna-se necessário provar aos usuários que estas águas não estão sendoimpactadas pelas atividades de mineração e beneficiamento. Neste trabalho, apresenta-se algunsresultados preliminares da pesquisa, são discutidos aspectos relacionados ao conflito de uso dosrecursos hídricos, dentro da perspectiva ético-social, e propõe-se uma nova metodologia paraabordagem da questão.

Abstract. The newest Brazilian uranium mining and milling facility consists of a Heap Leach plantand is located at a semi-arid region. Consequently, impacts into the groundwater may be of primaryconcern since aquifers are the only source of water for the local communities. Data from themonitoring program carried out by the mining operator revealed that increases in uraniumconcentration in groundwater at the influence area of the open pit is already being observed. Besidesthe influence of mining activities in the groundwater other pollutant sources have to be assessed likethe waste-rock/leached ore piles as well as the leaching tanks. In addition, elevated U, Al, F and Feconcentrations in wells located out of the influence of the mining activities are also observed.Because of that, water from these wells can not be released to the local population and there is aneed to prove the inhabitants that these waters are not being affected by the mining and millingoperations. This work presents research preliminary data concerning the aspects related to water useconflicts regarded in a social-ethical perspective and proposes a new methodology to approach thedrought issue.

Palavras-Chave: Impacto, Mineração, Semi-árido, Sustentabilidade, Urânio

_______________________________________________________________________________1 IRD/CNEN/MCT, Av. Salvador Allende, s/n Rio de Janeiro Tel:(21)3411-8092, fax:2442-2699, [email protected]

2 ON/MCT, R. Gal. José Cristino, 77, Rio de Janeiro. Tel: (21) 3878-9143, fax: 2580-7081, [email protected]

3 CETEM/MCT, Av. Ipê, 900, Rio de Janeiro. Tel: (21) 3865-7265, fax: 2290-9196, [email protected]

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INTRODUÇÃO

O gerenciamento holístico da água doce, recurso finito e vulnerável, associado a planos

setoriais e programas governamentais pertinentes ao contexto de uma política sócio-econômica

nacional, é uma ação de extrema importância a perseguir neste terceiro milênio. Este gerenciamento

integrado dos recursos hídricos baseia-se na percepção de que a água é parte integrante da biosfera,

um recurso natural, um bem social e econômico, cuja quantidade e qualidade devem determinar a

natureza de sua utilização. Deste modo, os recursos hídricos devem ser avaliados e protegidos

conciliando-os com as necessidades de água para as atividades humanas. Dentre as atividades

potencialmente poluidoras dos recursos hídricos encontram-se aquelas relacionadas ao ciclo do

combustível nuclear. No caso das atividades de mineração de urânio, em adição aos poluentes não

radioativos, geralmente associados a estas praticas, têm-se ainda os rejeitos radioativos.

Curioso notar a importância da percepção do risco por parte da população e demais órgãos de

governos, i.e., nestas instalações atribui-se mais relevância aos impactos associados a elementos

radioativos do que aos elementos não radioativos, como os metais pesados. Foi demonstrado em um

estudo realizado na área de mineração de urânio de Poços de Caldas [1], que as emissões de Mn

eram muito mais significativas, do ponto de vista da saúde humana, do que aquelas relativas aos

elementos radioativos, que sofriam (e ainda sofrem) um rígido controle pela Comissão Nacional de

Energia Nuclear.

É na verdade a etapa da lavra e beneficiamento do minério de urânio a primeira fase do ciclo

do combustível nuclear A liberação de poluentes nestas atividades pode ocorrer através do

lançamento de efluentes líquidos no meio ambiente ou de processos de mobilização e/ou migração

de metais e radionuclídeos a partir das áreas da cava da mina, das pilhas de estéreis de mineração,

dos pátios de estocagem de minérios, das bacias de rejeitos e áreas decapadas. Importante notar que

após a mineração e o beneficiamento do urânio, os radionuclídeos e os metais presentes nos rejeitos

de mineração e nos rejeitos de processo encontram-se potencialmente muito mais disponíveis para

entrar nos ciclos ambientais do que nas suas condições originais. Dentre os radionuclídeos de maior

toxicidade para o homem destacam-se o próprio 238U, assim como o 226Ra, o 222Rn, o 210Pb e o 210Po

alem 228Ra da serie do 232Th. Estes são chamados de radionuclídeos de meia-vida longa das series

naturais do 238U e 232Th.Dependendo da localização dos projetos de mineração, pode-se ter uma situação de maior

ameaça aos recursos hídricos. Com exemplo, pode-se citar os projetos localizados em áreas onde as

águas subterrâneas se constituem na principal fonte de recurso hídrico para a população. Aqui cabe

lembrar que se por um lado o volume de água existente no nosso planeta é avaliado em cerca de 1,4

x 109 km3 , por outro somente 6%, ou 8,2 x106 km3 , são de água doce. Deste total, quase 80%

consistem em águas subterrâneas que constituem importante fonte de abastecimento de água em

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todo o mundo. Entretanto boa parte não está disponível ou é de difícil utilização por se encontrar em

grandes profundidades nas bacias sedimentares ou em zonas fraturadas do embasamento cristalino

quando podem então ocorrer fortes concentrações em sais minerais.

O semi-árido brasileiro caracteriza-se por um acentuado déficit hídrico, com precipitação

anual média em torno de 800 mmm, com elevada variabilidade na distribuição espacial e temporal

das chuvas (sazonalidade internaual), onde se localizam as áreas com menor índice de

desenvolvimento humano [2]. Essas características climatológicas e hidrológicas, associadas a

conformação do relevo regional com escoamentos para vertente atlântica, dão origem a uma rede

hidrográfica na qual são recorrentes os cursos com nascentes intermitentes, cuja descarga ocorre

apenas durante restritos períodos de chuva torrencial. Assim, a população regional sofre uma forte

dependência de poços e cacimbas para o aproveitamento das águas subterrâneas do cristalino e das

chuvas, respectivamente. Como a ocorrência de água subterrânea depende das características

geológicas e das condições climáticas, a sua distribuição espacial nessa região se faz de maneira

extremamente heterogênea. O domínio das rochas cristalinas, que predomina no semi-árido,

apresenta sistemas aqüíferos do tipo fraturado, de baixa produtividade, onde aos poços estão

geralmente associadas vazões inferiores a 3m3/h. Nos aqüíferos fraturados em áreas desprovidas de

cobertura vegetal, a recarga é ineficiente e a falta de energia do sistema é responsável pelo teor

elevado de sais fazendo com que seja necessário submeter a água a um processo de dessalinização.

O planejamento do aproveitamento desses recursos hídricos deve conter indicadores sócio-

ambientais que identifiquem a disponibilidade, restrições, vulnerabilidades e riscos de extinção dos

mesmos, subsidiando os comitês de bacia com informações que possam estimular ações que

promovam a sustentabilidade. Ao se inserir o conceito de sustentabilidade como paradigma do

gerenciamento, é preciso ter em mente que quando se faz o projeto de um empreendimento privado,

há que se prever os efeitos colaterais produzidos, denominados externalidades que envolvem o

conceito fundamental de que os preços formados pelo mercado não refletem plenamente os efeitos

paralelos dos processos de produção e consumo na utilização dos bens públicos, no caso, os

recursos hídricos. As externalidades podem ser negativas e, por isto, representam um custo externo

para a sociedade, ou podem ser positivas, geradoras de benefícios externos à mesma.

A problemática dos recursos hídricos no semi-árido brasileiro abrange dois aspectos básicos:

1) Oferta de água, que implica na gestão dos estoques e transporte de água e 2) Demanda de água,

que implica na gestão eficiente do aproveitamento de um recurso escasso e no ordenamento do

território. Além disso, deve-se considerar o fato de que, embora necessária, a disponibilidade de

água muitas vezes não é condição suficiente para garantir o desenvolvimento regional, persistindo

sempre uma questão subjacente de ordem econômico-social.

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O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH), estabelecido na Lei

9.433/97, demarca a sustentabilidade dos recursos hídricos em três aspectos: disponibilidade de

água, utilização racional e utilização integrada. Fica implícito que a gestão de recursos hídricos deve

ser feita de forma sistemática envolvendo quantidade e qualidade. Procurou-se adotar a micro ou

sub-bacia como unidade de estudo uma vez que é possível integrar todas as atividades que nela

ocorrem, tornando-a mais adequada para ações de conservação dos recursos naturais.

No semi-arido nordestino, desenvolve-se hoje o projeto de lavra e beneficiamento de urânio

da Unidade de Concentração de Urânio (URA) das Industrias Nucleares do Brasil (INB). É a partir

do urânio gerado por esta unidade que serão abastecidos os dois reatores nucleares de potencia do

Brasil (Angra I e II) e eventualmente um terceiro cuja a construção ainda é objeto de discussão a

nível governamental.

A partir de observações que serão descritas ao longo deste texto, ficou claro que a inserção de

uma unidade industrial desta natureza num local que apresenta escassez de recursos hídricos e

que por isso mesmo dependeria da disponibilidade das águas subterrâneas para o seu

desenvolvimento (e ai já se inserindo a questão de um conflito de uso) seria um estudo de

caso muito apropriado para se colocar em pratica um modelo geral de gerenciamento deste

recurso, a partir de um diagnóstico prévio que pudesse dar conta de uma série de fatores, todos

eles muito importantes, como subsídios para a tomada de decisão. Nesse contexto, foi

elaborado no Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD/CNEN) o projeto

“Sustentabilidade Hídrica em região semi-árida submetida a impactos de atividades de

mineração – Estudo de Caso da URA/INB em Caetite (BA)”. A partir deste núcleo inicial

foram criadas parcerias com o Observatório Nacional e o CETEM (Centro de Tecnologia

Mineral). O escopo do projeto inicial foi expandido e outras áreas piloto estão sendo

consideradas.

São justamente as bases deste projeto que serão discutidas no presente trabalho, com ênfase

na área piloto de Caetité. Serão apresentados alguns resultados preliminares da pesquisa e

serão discutidos, ao final, aspectos relacionados com o conflito de uso do recurso dentro de

uma perspectiva ética-social da questão.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Unidade de Concentração de Urânio (URA)

Trabalhos de prospecção realizados entre 1952 e 1982 descobriram um grande número de

anomalias radioativas (Figura 1) em várias regiões do país (Amorinópolis – GO; Campos Belos, Rio

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Preto – TO; Espinharas – PB; Figueira – PR; Itataia – CE; Lagoa Real – BA; Quadrilátero Ferrífero,

Gandarela, Caldas – MG e Rio Cristalino – PA).

Figura 1 – Localização das principais anomalias uraníferas conhecidas no Brasil, com destaque para

a província de Lagoa Real e a planta da Unidade de Concentração de Urânio (URA): 1 – Tanques de

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efluentes; 2 – Britador; 3 – Pátio de lixiviação; 4 – Tanques de licor; 5 – Área Industrial e 6 – Área

Administrativa.

A província uranífera de Lagoa Real situa-se na região Centro-sul do estado da Bahia,

possuindo depósitos de minério de urânio superficiais com elevada concentração de U3O8, com

média de 0,3 % em U3O8. Devido a estas características, o custo final de obtenção de diuranato de

amônio (DUA) torna-se atrativo. Constituída por 34 anomalias radiométricas, abrange uma área de

1.200km2, onde as jazidas distribuem-se ao longo de uma estrutura em arco, de cerca de 40 km de

comprimento, e sua parte central é definida pelas coordenadas geográficas 13o56’ S e 42o15’ W [3].

As distâncias aproximadas dos núcleos populacionais mais significativos e mais próximos, em

torno da área são: Maniaçu e Juazeiro, pertencentes ao Município de Caetité, a 12 km; da sede do

município de Lagoa Real, 35 Km; São Timóteo, pertencente ao Município Livramento do Brumado,

20 Km. Uma visão geral da planta da URA também pode ser vista na figura 1.

Como a jazida da Cachoeira concentra o maior teor médio de urânio ,i.e., 3500 ppm em U3O8

geológico, e armazena a maior reserva entre as 34 anomalias pesquisadas até o momento, a INB

optou, inicialmente, pelo seu aproveitamento, partindo de uma produção anual de 300 t de

concentrado de urânio. A lavra é desenvolvida à céu aberto, até a profundidade de 140 m, de modo a

produzir minério com teor médio de 1900 ppm em U3O8 recuperável, para o beneficiamento.

Considerando a operação normal e continuada dos sistemas, é estimado um período em torno de 16

anos para as atividades de lavra e beneficiamento desta jazida.

A extração do urânio se dá através da lixiviação estática em pilhas de minério de

aproximadamente 25.000 t, podendo chegar até a 35.000 t. O minério é britado de modo que a

granulometria esteja 45% abaixo do valor de 3/8” (9,4 mm) e 100% abaixo de 1” (25,4 mm).

Nessas condições, a solubilidade estimada do urânio é de 70%. Concluída a extração do urânio, o

minério lixiviado, ou rejeito sólido, é retomado e disposto juntamente com os estéreis da mina em

módulos.

Aspectos Fisiográficos

A descrição dos aspectos fisiograficos mais relevantes da área de estudo [3] reporta que o

clima local é classificado como tropical quente e úmido, com precipitação superior a 700mm anuais

e com duas estações bem definidas: seca, de abril a outubro; e úmida, de novembro a março, durante

a qual se concentram 80% da precipitação anual da qual, em média, 55 % são observados nos meses

de dezembro e janeiro.

A vegetação dominante é do tipo caatinga, sendo que nos pontos mais elevados ocorre cerrado

denso, de natureza semi-agreste e de porte médio. As drenagens perenes são balizadas por matas

galerias e os chapadões, cobertos pelos “campos gerais”.

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O maciço de Caetité, onde se situam as jazidas, é limitado geomorfologicamente, ao norte e

ao sul, respectivamente por superfícies aplainadas de Paramirim e Caculé. As altitudes variam de

750 a 1.100m, sendo o relevo colinoso, modelado pela ação erosiva dos rios São João e Paramirim,

que progressivamente avançam sobre o platô de Maniaçú, correlacionável ao ciclo Sul-americano.

A área de estudo é composta por três unidades principais de relevo: plano, encostas e baixadas

aluvionares. A unidade relevo plano ocupa a porção topográfica mais elevada da área, com

declividades inferiores a 10% e sustentada por litologias graníticas e álcali-gnáissicas. A cobertura é

detrítica-residual com zonas restritas de afloramentos rochosos. A drenagem é incipiente devido ao

baixo gradiente topográfico e os processos de infiltração das águas pluviais são acentuados. A

unidade encosta ocupa a porção topográfica intermediária entre os topos planos e as baixadas,

possuindo declividade variável entre 10 a 20%, e apresentam vertentes desenvolvidas sobre rochas

do tipo granítico e gnáissico. Essa unidade é recoberta na maior parte por solos residuais e/ou

transportados de composição areno-argiloso a silto-argilosa. As vertentes exibem morfologia do tipo

retilínea suave, convexa e raramente côncava. Em função da concentração do escoamento pluvial

apresentam, localmente, formas de erosão associada a sulcos e ravinas. A cobertura vegetal

predominante é secundária, havendo um revezamento entre antigas pastagens e culturas de

subsistências. As baixadas aluvionares ocupam as calhas dos vales e planícies de inundação das

principais drenagens da região e são preenchidas por sedimentos aluvio-coluvionares, de

composição areno-argilosa de granulometria fina a média.

A área de estudo é drenada pelo riacho das Vacas, tributário do alto curso do riacho Fundo,

englobando na margem direita as sub-bacias dos córregos Gameleira, Cachoeira e do Engenho e na

esquerda o córrego Varginha, pertencentes a bacia hidrográfica do rio das Contas. Todos se

caracterizam por regime temporário, seco no inverno e torrencial na estação chuvosa. O padrão de

drenagem é de forma geral dendrítico e com densidade variável. A vazão média do Rio de Contas é

de 106 m3/h.

A região está relacionada ao conjunto de planaltos que constituem o divisor de águas da bacia

hidrográfica de São Francisco, situada a uma dezena de quilômetros a oeste das jazidas, e os rios

pertencentes a bacia do rio das Contas, que flui de leste em direção ao oceano Atlântico.

Geologia Local

Em uma compilação sobre a geologia local [4] foi informado que, no âmbito restrito das

anomalias uraníferas de Lagoa Real, afloram rochas metamórfico metassomático do embasamento

cristalino, com estrutura cataclástica, notadamente granitóides, microclina-plagiclásio-augen-

gnaisses e albititos. Essas rochas são parcialmente recobertas com sedimentos detríticos areno-

argilosos de origem terciária-quatenária, pouco ou nada consolidados, com espessura que não

ultrapassa a 50 metros.

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O metamorfismo regional dos granitóides conduziu à formação dos ortognáisses, à

metassomatose cálcico-sódica e à mineralização uranífera associada. Esta formação constitui a

rocha encaixante dos albititos portadores da mineralização uranífera. A análise mineralógica dos

corpos de minério mostra que o minério apresenta: 65-70% de plagioclásio albítico; 10-20% de

piroxênio (aegirina-augita, ferro-hastingsita ou hornblenda); 2-5% de granada; 2-5% de epidoto; 1-

5% de magnetita e 1-2% de carbonatos. O quartzo não é freqüente e raramente ultrapassa 5% em

volume. O urânio ocorre sob a forma de uraninita através de diminutas inclusões ou grânulos

intersticiais dos minerais máficos, principalmente aegirina-augita, ou estão presentes no interior dos

cristais de albita [5].

Os albititos receberam também, uma classificação de campo baseada nas características

mineralógicas e radiométricas. Assim sendo foram classificados como albititos férteis (potenciais

mineralizações) e estéreis.

Os albititos férteis mineralizados exibem, geralmente radioatividade bastante elevada,

atingindo, por vezes, valores superiores a 15.000 cps (contagem por segundo) ao cintilômetro.

Trata-se de albitito que contém via de regra, uma percentagem de minerais ferro-magnesianos da

ordem de 20 a 30% e carbonatos em inclusões de uraninita ou em veios cortando zonas

mineralizadas [6]. Os albititos estéreis não mineralizados apresentam radioatividade baixa da ordem

de 100cps (que correspondem ao “background”) e são representados por albititos com percentagem

de albita em torno de 80%, contendo acessoriamente biotita e quartzo.

Os resultados da geocronologia U-Pb suportam a seguinte seqüência de eventos para explicar

a evolução geológica da área: a) Intrusão do granito São Timóteo há 1760 Ma; b) Alteração

hidrotermal, formação dos albititos e da mineralização de Urânio há 960 Ma e c) Recristalização

final, remobilização e perda de Pb nos estágios finais do Ciclo Brasiliano há 500 Ma [7].

SISTEMA HIDROGEOLÓGICO REGIONAL

O padrão de fluxo de água subterrânea, assim como a composição dessas águas e a

distribuição de aqüíferos no sistema geológico local está condicionado tanto pelas feições

geológicas (litotipos existentes, estatigrafia e feições estruturais), quanto pela geomorfologia local.

Analisando o sistema geológico e geomorfologico local, para fins de estudos hidrogeológicos,

pode-se inferir com base nas investigações geológicas e geofísicas (sondagens mistas) realizadas,

que a seção geológica típica da área de mineração é constituída por: 1) Coberturas superficiais com

espessura de 8 a 10 metros com geometrias variadas constituídas pelos solos de alteração

(coluvionar e residual) areno-argiloso com permeabilidade variando de 10-4 a 10-5 cm/s; 2) Rochas

cristalinas, constituídas basicamente de granitóides e ortognáisses, com grau de fraturamento

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variado, com permeabilidade muita baixa (Perda específica PE<0.1l/min/m/kg/cm2) e 3) Depósitos

aluvionares e coluvionares de constituição areno-argilosa e distribuição espacial de forma

desordenada nos leitos das drenagens principais da área.

No que tange aos propósitos deste trabalho deve ser entendido que a exploração de águas

subterrâneas nos terrenos cristalinos da bacia do rio das Contas, o sistema relevante da região,

requer basicamente a aplicação de critérios geológico-estruturais. A existência de zonas que foram

submetidas a esforços tectônicos ou próximas a coberturas aluviais, coluviais ou elevações

topográficas, que facilitam a circulação da água subterrânea e a recarga dos aqüíferos, constitui , a

princípio, os locais mais propícios para exploração dos mananciais subterrâneos.

Embora limitado por sua baixa capacidade de produção, este sistema aqüífero tem

tradicionalmente sido suficiente para o suprimento de propriedades rurais e vários núcleos urbanos

em áreas com carência de abastecimento. No entanto com o início das operações de produção de

concentrado de urânio houve acréscimos na demanda, decorrentes não só do consumo de água pela

planta industrial como também da pressão exercida sobre os recursos hídricos pelo crescimento da

população, causado pelo desenvolvimento econômico da região o qual, em boa parte, deve-se as

atividades de mineração conduzidas pela empresa. Em função dessas reservas d’água se

constituírem em recursos estratégicos, é necessário que a sua exploração seja feita de forma

racional, e que este uso esteja definido dentro de um plano de gerenciamento de recursos hídricos da

região.

AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE CONTAMINAÇÃO A PARTIR DAS PRINCIPAIS

FONTES POLUENTES

Como acontece com vários projetos de mineração as fontes de poluição para o meio ambiente,

com repercussão no sistema hidrológico da região, são as liberações de efluentes líquidos para os

cursos superficiais e sistemas subterrâneos. Os efluentes não são somente aqueles relacionados com

a parte industrial, mas há que se considerar também as drenagens, especialmente as acidas, no caso

em que minerais piritosos estejam presentes nas rochas. Não estamos aqui levando em consideração

as emissões para a atmosfera de gases e particulados que podem contaminar cursos d’água através

da sua introdução nestes junto as águas de chuva. Outro aspecto a ser mencionado é que o próprio

desenvolvimento da lavra (que da origem a cava da mina ou as galerias subterrâneas) tem o

potencial de alterar o padrão hidrogeológico local e causar alteração de composição nestas águas

que deverão ser drenadas (e eventualmente tratadas) antes de serem liberadas para o meio ambiente.

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No caso da URA, não esta prevista, no processo de licenciamento, a liberação de efluentes

líquidos para o meio ambiente. Isto implica que toda a água industrial será recirculada no processo.

As fontes potenciais mais significativas seriam as pilhas de estéreis/minério exaurido, que poderiam

ter metais e radionuclídeos mobilizados pela água de chuva, as piscinas (tanques) de licor de

urânio, resultante da lixívia acida com H2SO4 (aqui o problema maior seria no caso de um

vazamento nos tanques e a eventual contaminação das águas subterrâneas) e as piscinas de rejeito. Análises prévias [4] do potencial de contaminação a partir das pilhas de estéreis/minério

exaurido estimaram que numa abordagem realista apenas 0,1% do total de urânio depositado nos

sistemas teriam o potencial de ser mobilizado pela água da chuva. No entanto os autores apontam

para a necessidade de se avaliar o comportamento dos demais radionuclídeos (como o 226Ra e 210Pb).

Quanto a problemas de contaminação devido a vazamentos a partir dos tanques de licor, os

resultados de uma simulação, ainda em caráter preliminar, indicam para a remota possibilidade de

que caso ocorra, venha a trazer conseqüências indesejáveis. Isto, obviamente, desde que o mesmo

seja prontamente detectado e os motivos que deram origem ao problema sejam sanados em curto

espaço de tempo. Deve-se dizer que após a ocorrência de uma ruptura numa das mantas de PEAD

(Poli Etileno de Alta Densidade) de um dos tanques, o operador alterou conceitualmente o projeto

de construção dos mesmos passando a usar um sistema de redundância (duas mantas) com

dispositivos de detecção rápida (DDR) entre as mesmas.

Se as fontes acima aludidas não parecem demonstrar o potencial de causar impactos

relevantes nos recursos hídricos da região, chamou atenção o fato das concentrações de 238U na

águas subterrâneas na área de influencia da cava da mina terem sofrido um aumento após o inicio

das operações de lavra. Observa-se em um poço piezômetro adjacente a área da mina da cachoeira

que as concentrações de U vêm aumentando acentuadamente após o início das operações (Figura 2).

Esse aumento foi detectado através do programa de monitoração, conduzido pelo operador, com o

objetivo de detectar rapidamente qualquer eventual alteração na qualidade das águas subterrâneas,

sendo o mesmo relativo aos dados do programa de monitoração pré-operacional (conduzido

previamente ao inicio das operações e com o objetivo de definir a linha de base das concentrações

de elementos radioativos no meio ambiente antes da entrada em operação da instalação).

Aqui, a possibilidade de que águas da mina (em contacto com as áreas mineralizadas) tenham

infiltrado e contaminado os aqüíferos parece não ser a razão para o que se observa, pois o

monitoramento das águas de escoamento superficial, realizado pela CNEN no ano de 2002, não

indicou qualquer aporte relevante de radionuclídeos dissolvidos (Figura 3). Uma outra possibilidade

seria que, uma alteração (elevação) no nível das águas subterrâneas, em função das operações de

lavra, tenham colocado-as em contato com áreas mineralizadas. Esta via de contaminação vem

sendo avaliada e modelos geoquímicos estão sendo aplicados para discutir os processos de interação

água-rocha e as conseqüências no que diz respeito a mudanças na composição destas águas.

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Figura 2: Concentração de U-total em um piezômetro instalado na área de influência do processo de

lavra. Correlacionar as atividades com o início da operação de atividades em janeiro de 2000.

Figura 3: Concentração de U-238 dissolvido (Bq/L) e valores de pH das amostras de escoamento

superficial coletadas na vetente da cava da mina ao longo do ano de 2002.

DA DISPONIBILIZACAO DAS AGUAS PARA AS COMUNIDADES LOCAIS

Um outro aspecto a ser discutido é a questão da qualidade das águas que são ofertadas a

população como uma espécie de contrapartida do operador da instalação. A principio, este poderia

ser visto como um impacto positivo da entrada em operação do projeto. Todavia, pode haver

restrição ao uso destas águas por parte da população. Se tomarmos os resultados apresentados nas

tabelas 1 e 2 veremos que para o caso do Al e do F- os valores medidos estão acima daqueles

postulados pela Resolução 020 CONAMA de 1986 que para um corpo d’agua classe 1 são

respectivamente de 0,1 e 1,4 mg/L. Há um ponto onde a concentração de Fe solúvel, de 1,6 mg/L,

excede aquela preconizada na resolução acima, que dá o valor de 0,3 mg/L para este elemento.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

jun/94 out/95 mar/97 jul/98 dez/99 abr/01 set/02

Período

U to

tal (

Bq/L

)

U total

fev/00

mai/00

set/00

jan/01

mai/01

set/01

out/01

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Tabela 1: Caracterização das águas subterrâneas coletadas a partir de cinco poços tubulares

posicionados na região de influência da área de lavra. Os valores são relativos a amostras coletadas

ao longo do ano de 2001. Os valores estão expressos em mg/L, exceto pH, Alcalinidade-carbonatos

(ppm), Condutividae (mS/cm) e Turbidez (NTU).

LRpHAlcCondTurbDurezaKMgCaBaMnFeAlSiO2SO4F

ClNO2NO3NH4227,070,795,21789,16,1750,10,31,60,336,519,02,11110,0112,90,04236,8121,000,82248,39,1

740,30,50,20,251,632,92,31160,019,60,12766,890,980,61808,45,3610,10,10,10,454,173,32,91080,0112,60,

052796,8

160,840,91567,36,9490,10,20,10,259,511,32,01270,033,50,12806,9290,900,92767,78,2710,31,80,20,143,55

,20,71220,011,50,9

Tabela 2: Caracterização das águas subterrâneas coletadas a partir de cinco poços tubulares

posicionados próximos ao dique de diabásio. Os valores são relativos a amostras coletadas ao

longo do ano de 2001. Os valores estão expressos em mg/L, exceto pH, Alcalinidade-carbonatos

(ppm), Condutividae (mS/cm) e Turbidez (NTU).

Do ponto de vista da saúde humana, os efeitos decorrentes da ingestão e/ou inalação de

elementos radioativos bem como da exposição externa a radiação podem ser divididos entre efeitos

deterministicos e efeitos estocásticos. Se imaginarmos uma curva dose x efeito haverá um limiar

onde os efeitos da radiação serão proporcionais ao aumento da dose radiológica. No entanto, na

região das chamadas baixas doses a relação entre efeito e dose não é totalmente conhecida. Assume-

PCpHAlcCondTurbDurezaKMgCaBaMnFeAlSiO2SO4F ClNO2NO3NH4057,216,50,890,22069,83,2790,10,20,10,247,831,12,8720,011,

00,01

096,620,71,092,326911,84,31040,10,50,40,541,61295,3970,010,

90,04

107,021,31,120,52379,35,7890,20,10,10,251,131,72,71370,011,

40,01

126,931,20,691,22607,514,8840,30,30,30,255,351,13,31790,019,

00,08

166,820,50,980,71748,35,6610,10,20,10,354,2763,1550,0128,

00,1

1,00E-02

1,10E-01

2,10E-01

3,10E-01

4,10E-01

5,10E-01

6,10E-01

jan/02 mar/02 abr/02 jun/02 ago/02 set/02 nov/02 jan/03

meses

U d

isso

lvid

o (

Bq

/L)

6,9

7,1

7,3

7,5

7,7

U-238pH

pH

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se a hipótese da linearidade sem uma fronteira definida (Linear Non-Treshold – LNT) na premissa

de que um aumento na dose é correspondido por um aumento no risco, sendo a manifestação do

efeito algo totalmente probabilístico. Esta peculiaridade das radiações ionizantes em relação a saúde

dos seres humanos difere de alguns elementos não-radioativos cujos efeitos a saúde são de

característica eminentemente deterministica, i.e., não haverá restrição de uso se os valores de

determinados parâmetros estiverem abaixo de certos limites.

Tomando como exemplo a situação apresentada nas tabelas 1 e 2 fica claro que tais águas

violam os limites de concentração impostos pela legislação no que diz respeito ao Al, F e Fe (o

último no caso apenas de um ponto de coleta). Todavia, há poços localizados na área de influência

da mineração onde as concentrações naturais de radionculideos são importantes. Num desses poços

a concentração de U alcançou valores de cerca de 8 Bq/L (Figura 4). A ingestão da água deste poço

pela população a uma taxa de 2 L/dia iria acarretar um incremento do risco de doenças causadas

pela radiação da ordem de 0,1 %. Bem verdade que o urânio tem uma restrição de consumo maior

devido as suas propriedade toxicológicas do que as radiológicas. No entanto, o cerne da questão se

baseia no seguinte: É aceitável não disponibilizar as águas da região, nas quais as concentrações de

radionuclídeos pudessem, em associação com o seu consumo, ensejar um aumento na probabilidade

do desenvolvimento de doenças (especialmente carcinomas) tendo como contrapartida a escassez do

recurso na região que poderia per si causar problemas mais graves no curto prazo? Assim, torna-se

necessário discutir-se a seguinte questão de natureza ética. Os fundamentos da proteção radiológica,

nos quais se baseiam as normas nacionais preconizam que nenhuma prática pode ser desenvolvida

se os valores de dose para o indivíduo do público excederem os limites estabelecidos, no caso 1

mSv/a. Este limite se aplica para os impactos associados a prática propriamente dita, e é calculado

como incremento sobre o nível de base (valor de background). No entanto, ao se disponibilizar água

para a população a partir da perfuração de poços, mesmo se considerando que os níveis

eventualmente mais altos de radioatividade destas águas sejam naturais da região, a disponibilização

desta água para a população precisa ser avaliada detalhadamente e de forma negociada com os

representantes das comunidades, pois o risco de doenças associadas aos efeitos nocivos da radiação

deve ser ponderado com o benefício da oferta. Assim, a caracterização da qualidade das águas é um

elemento importante na definição das estratégias de uso, assim como é muito importante se

conhecer os mecanismos responsáveis pela composição das mesmas, seja por causas naturais ou de

origem antrópica.

Em seu devido momento, os comitês de bacias hidrográficas deverão tomar para si a tarefa de

acordar níveis aceitáveis de poluição. Isto exigirá balancear os vários interesses dos usuários da

água. A estrutura dos comitês de bacia oferece mecanismos adequados para o desenvolvimento de

soluções que atendam demandas conflitantes sobre os recursos hídricos, porém o que tem faltado é

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algum tipo de enfoque de avaliação e gestão da qualidade da água que leve em conta a superposição

de interesses causadas pelos múltiplos usos da água [8].

Figura 4: Concentração de U total em um poço situado na área de influência da mina, mostrando

valores naturalmente elevados desde a fase pré-operacional.

DOS CONFLITOS DE USO

Assim, o conflito de interesses entre o uso da água para fins industriais e para fins de consumo

humano deve ser encarado como um problema de gerenciamento estratégico. Devem então ser

consideradas as seguintes diretrizes para uma atuação regional no semi-árido. O gerenciamento da

oferta: a) Desenvolvimento de estruturas, antrópicas ou naturais, para o armazenamento, mitigando

os efeitos da evaporação e regularizando o abastecimento; b) Desenvolvimento de sistemas locais

de baixo custo para sistemas de dessalinização; c) Sistemas de informação geo-referenciados para

dar suporte a tomada de decisão e proteção dos mananciais. O gerenciamento da demanda: d)

Redução de desperdícios, melhorando a operação e manutenção dos sistemas; e) Utilização de

instrumentos econômicos para alocação das disponibilidades entre os setores usuários (e.g.

industria, abastecimento, irrigação); e) Ordenamento espacial da demanda com consolidação de

redes urbanas e promoção de reassentamentos. A adequação do SNGRH: f) Flexibilização da

outorga para eventos de curta duração e sujeita a regimes de racionamento; g) Essencialidade do

desenvolvimento de sistemas de informação para tomada de decisão. Os sistemas Institucionais: h)

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

meses

U to

tal (

Bq/

L)

Jan-98 May-98 Sep-98 Jan-99 May-99 Sep-99 Jan-00 May-00 Sep-00 Oct-00 Nov-00 Dec-00

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Dinâmica social dos comitês centrada nos usuários; i) Estabelecimento de circunstâncias

particulares para empreendimentos econômicos; j) Adequação do perfil de atividades ao meio físico

regional.

No caso em questão, a empresa conduziu estudos hidrogeológicos preliminares que

envolveram a perfuração de vários poços. Alguns deles foram disponibilizados para a população,

que sofre com a escassez de água. Importante notar que, como alternativa a este problema, a

população se utiliza de cacimbas, o que confere às águas padrões não desejáveis para o consumo.

Além disso, deve-se ter em conta que, na medida que não existem cursos de água perenes na

região, toda a água a ser utilizada pelo projeto advém dos aqüíferos da região. A situação atual da

relação produção-demanda de água da URA é satisfatória com uma demanda de cerca de 90.000 l/h

e um volume disponível, proveniente dos poços da instalação, em torno de 115.000 l/h, porém esta

condição pode ser rapidamente revertida a medida que vários poços estão se exaurindo. Por outro

lado, apesar do manancial hídrico subterrâneo ser bem superior ao disponível nos cursos d’água, a

empresa realiza também o aproveitamento de águas superficiais através de uma barragem construída

no Riacho das Vacas para armazenar água a ser usada no processo. Entretanto, este projeto de

armazenamento e aproveitamento da água do Riacho das Vacas não parece ser sustentável, uma vez

que o nível da barragem vem caindo acentuadamente, pois o aproveitamento destas águas é feito

sem informações prévias sobre as taxas de infiltração e evaporação das águas superficiais na área.

Nesse contexto, as pressões sócio-econômicas exercidas sobre os recursos hídricos,

notadamente as águas subterrâneas, representam um cenário onde só o planejamento efetivo dos

usos múltiplos das águas, baseado no conhecimento científico do sistema, obtido através de estudos

multidisciplinares, pode evitar conflitos a longo e médio prazo. Do ponto de vista quantitativo é

necessário determinar as reservas de águas subterrâneas existentes, assim como suas taxas de

recarga, e gerenciar o seu aproveitamento de acordo com as necessidades da população local e da

Unidade de Concentração de Urânio (URA). Com relação as alterações qualitativas dos recursos

hídricos da região, poderão ser previstas as alterações provocadas em caso de liberação de fluxos

poluentes da URA, garantindo a conservação dos aqüíferos. Outros impactos podem advir também

em razão do aumento da erosão do solo, devido a sua exposição após a remoção da cobertura

vegetal, resultando no assoreamento dos corpos d’água.

AS BASES CONCEITUAIS DO PROJETO DE PESQUISA

Deve-se ter em mente que quando se pensa em desenvolver um projeto atráves de parcerias

multi-institucionais, a ampla gama de interesses envolvidos facilmente transforma uma boa idéia em

um projeto sem prioridades ou objetivos bem definidos. O louvável desejo de desenvolver

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programas científicos que integrem os vários aspectos da gestão da água tem resultado, com

freqüência, na proposição e aprovação de projetos que parecem verdadeiras “árvores de natal” [8],

cobrindo variada gama de atividades desencontradas, sem muito efeito prático sobre a execução dos

objetivos planejados. Assim, a fase de definição do escopo e linhas de ação prioritárias do projeto

não deve jamais ser vista como uma etapa a ser rapidamente ultrapassada e, mais do que isso,

precisa ser encarada de forma a permitir um questionamento permanente ao longo do seu

desenvolvimento, o qual precisa ser acompanhado com o uso de indicadores de fácil assimilação.Nesse contexto, o presente projeto foi concebido dentro de uma visão sistêmica e sua proposta

básica se fundamenta no desenvolvimento de tecnologias para o diagnóstico e planejamento

ambiental, com simulação de diferentes cenários. Visa implantar uma rede técnico-científica para

subsidiar arranjos de gestão integrada das águas subterrâneas, de modo a garantir a sustentabilidade

hídrica em regiões semi-áridas submetidas a impactos ambientais, sociais e econômicos da industria

extrativa de mineração e da atividade mínero-metalúrgica. Entre seus objetivos, estão:

desenvolver num contexto multi-institucional um conjunto de atividades de investigação e de

desenvolvimento científico e tecnológico necessário ao gerenciamento, proteção e

aproveitamento sustentável do Sistema Aqüífero Fraturado, Sistema Aqüífero Aluvionar e

Bordas de Bacias do Semi-Árido Nordestino;

identificar as estruturas geológicas, mapeando os aqüíferos a partir dos levantamentos

aerogeofísicos e avaliando a disponibilidade de água subterrânea;

mapear zonas de recarga dos aqüíferos e propor ações para preservação;

aplicar, de forma integrada, métodos geofísicos, geoquímicos, isotópicos e ambientais no estudo

hidrogeológico das áreas piloto Lagoa Real (mineração e beneficiamento de urânio) e Guaribas

(jazidas de fosfato) que permitirão compreender os processos dinâmicos associados à recarga e

à explotação;

estudar sistematicamente processos físico-químicos da dessalinização com vistas a um aumento

do rendimento de água doce e valorização do aproveitamento dos rejeitos salinos.

estudar os meios físicos, econômicos e técnicos de conservação da água e sua efetividade sob as

condições socioculturais do semi-árido nordestino;

desenvolver e implementar novas tecnologias ambientais aplicando-as na definição de um

sistema de gestão dos recursos hídricos;

propor formas de ordenamento do uso da água nas sub-bacias e controle dos efluentes

industriais e de impactos ambientais que venham a mitigar a escassez de água;

contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população do semi-árido através do

desenvolvimento de métodos inovadores para a dessalinização e purificação das águas

subterrâneas do cristalino, caracterizadas por sua elevada dureza.

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Assim, o projeto desenvolverá, através do estudo de áreas piloto, uma metodologia estruturada

(Figura 5) para responder às seguintes questões técnico-científicas, ambientais e sócio-econômicas

com impactos esperados no conhecimento científico e tecnológico e no gerenciamento sustentável

dos recursos hídricos :

a. Qual a oferta potencial de água a partir dos aqüíferos da região?

b. Qual a demanda projetada de água a partir desta fonte (demanda social + demanda

industrial)?

c. Quais as taxas de recarga dos aqüíferos da região?

d. Que tipo de restrição a qualidade das águas impõe ao seu uso pela população?

e. Qual o risco à saúde envolvido neste consumo (ingestão direta ou por vegetais

irrigados)? e

f. Que tipo de tecnologia pode ser aplicada para melhorar a qualidade das águas em

benefício da sociedade?

CONCLUSÃO

Do que foi exposto, dois usos concorrentes se estabelecem: a) uso de água pela industria, e

b) uso de água pela população (dentro da nova perspectiva de oferta advinda da implantação da

unidade industrial). A compatibilização de ambas as demandas é fundamental para conferir a

sustentabilidade do uso confrontando com a vazão dos poços perfurados e principalmente com as

taxas de recarga verificadas para a situação. Neste contexto, a possibilidade da ocorrência de

conflitos no aproveitamento das águas, entre a empresa e a população local, deve ser vista como

uma questão a ser encaminhada no plano diretor da bacia, de forma a desenvolver o planejamento

de ações de ordenamento dos múltiplos usos das águas, através de instrumentos como

enquadramento e outorga, que garantam a sustentabilidade regional.

No entanto, o uso da água é condicionado por sua qualidade, que depende em grande escala de

influências das litologias com as quais estão em contacto e também ao uso que se pretende dar a

elas. Mais um fator deve ser adicionado neste cenário que são os possíveis impactos associados a

operação da planta industrial, sendo os principais, as alterações verificadas pelas operações de lavra

e em casos de vazamentos a partir das fontes poluidoras principais, notadamente as piscinas de licor

uranífero e piscinas de rejeitos (drenos sub-aéreos).

Assim, espera-se lograr um acordo entre os usuários de modo a estabelecer um equilíbrio

político entre os custos e os benefícios das metas de qualidade e quantidade, as formas de alocação

da água e a identificação de beneficiários e compradores dos serviços ambientais, a serem

estabelecidos pelo comitê de bacia.

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Figura 5: Fluxograma mostrando a metodologia proposta, com as etapas previstas e o encadeamento

das áreas prioritárias para o atingimento da sustentabilidade do semi-árido.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer as Industrias Nucleares do Brasil (INB) pelo seu efetivo

engajamento no projeto, que reflete a preocupação desta empresa de base tecnologica com a

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responsabilidade social de sua atuacao, particularmente no tocante as questoes relacionadas a

sustentabilidade da regiao semi-arida, onde hoje se inserem suas atividades de mineracao.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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