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IMPACTOS DO TURISMO NO TERRITÓRIO Introdução No atual contexto da economia globalizada vem se atribuindo ao turismo um papel relevante na busca do desenvolvimento sócio-espacial. Governos nacionais, regionais e locais, administradores e gestores públicos, enfim, todos aqueles que formulam as chamadas políticas de desenvolvimento econômico, tanto nos países desenvolvidos, quanto nos países em desenvolvimento, passaram a ver o turismo como uma poderosa ferramenta para alavancar o desenvolvimento regional. Esse interesse pelo turismo cresce na medida em que se conhece a sua grande capacidade em gerar benefícios para a economia das regiões, tal como criar empregos, ser fonte de renda para as populações residentes, gerar tributos e divisas para os governos, atrair investimentos privados, enfim, contribuir para o dinamismo econômico do território. Entretanto, é preciso atentar para o fato de que o turismo não é portador só de benefícios e vantagens. Isto é verdadeiro apenas em parte, pois diversos estudos demonstram que o turismo também pode provocar uma série de danos às regiões receptoras, ou seja, o seu desenvolvimento pode não ser completamente positivo, visto que implica, muitas vezes, em conseqüências sócio- culturais e ambientais adversas. Como assinala Ioannides: Em vários cenários, desde lugares remotos em países menos desenvolvidos, às áreas metropolitanas em regiões mais adiantadas, administradores políticos perseguem de modo entusiástico o desenvolvimento do turismo e, por meio de incentivos à implantação de infraestruturas básicas (Ex.: aeroportos, estradas, centros de convenção, centros esportivos, complexos hoteleiros, marinas, etc) têm a esperança de atrair investimentos estrangeiros e, assim, gerar crescimento econômico, criar postos de trabalho e, finalmente, diversificar a economia. Igualmente, não obstante as críticas ao turismo terem crescido nos anos mais recentes devido aos custos ambientais e sócio-culturais que ele impõe às sociedades anfitriãs e, à constatação de que não é uma indústria tão “limpa” como se pensava, a atitude de um número cada vez maior de administradores políticos para com este setor têm permanecido completamente favorável (1997: 03). Essa crença acrítica no turismo enquanto um instrumento de estímulo ao crescimento costuma ser muito comum, particularmente, nos países em desenvolvimento. Nestes países, os responsáveis pela formulação das políticas de turismo têm frequentemente se concentrado nos benefícios econômicos que a atividade turística pode trazer consigo, ignorando as demais questões. Texto baseado em: SILVEIRA, Marcos A. T. da. Turismo, políticas de ordenamento territorial e desenvolvimento: um foco no Estado do Paraná no contexto regional. 279 f, 279 f. Tese de Doutorado em Geografia Humana (Programa de Pós-Graduação em Geografia) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. .

IMPACTOS DO TURISMO NO TERRITÓRIO Introdução · em gerar benefícios para a economia das regiões, tal como criar empregos, ser fonte de renda para as populações residentes,

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IMPACTOS DO TURISMO NO TERRITÓRIO◙

Introdução

No atual contexto da economia globalizada vem se atribuindo ao turismo um papel

relevante na busca do desenvolvimento sócio-espacial. Governos nacionais, regionais e locais,

administradores e gestores públicos, enfim, todos aqueles que formulam as chamadas políticas de

desenvolvimento econômico, tanto nos países desenvolvidos, quanto nos países em

desenvolvimento, passaram a ver o turismo como uma poderosa ferramenta para alavancar o

desenvolvimento regional.

Esse interesse pelo turismo cresce na medida em que se conhece a sua grande capacidade

em gerar benefícios para a economia das regiões, tal como criar empregos, ser fonte de renda para

as populações residentes, gerar tributos e divisas para os governos, atrair investimentos privados,

enfim, contribuir para o dinamismo econômico do território.

Entretanto, é preciso atentar para o fato de que o turismo não é portador só de benefícios

e vantagens. Isto é verdadeiro apenas em parte, pois diversos estudos demonstram que o turismo

também pode provocar uma série de danos às regiões receptoras, ou seja, o seu desenvolvimento

pode não ser completamente positivo, visto que implica, muitas vezes, em conseqüências sócio-

culturais e ambientais adversas. Como assinala Ioannides:

Em vários cenários, desde lugares remotos em países menos desenvolvidos, às áreas

metropolitanas em regiões mais adiantadas, administradores políticos perseguem de

modo entusiástico o desenvolvimento do turismo e, por meio de incentivos à implantação

de infraestruturas básicas (Ex.: aeroportos, estradas, centros de convenção, centros

esportivos, complexos hoteleiros, marinas, etc) têm a esperança de atrair investimentos

estrangeiros e, assim, gerar crescimento econômico, criar postos de trabalho e,

finalmente, diversificar a economia. Igualmente, não obstante as críticas ao turismo

terem crescido nos anos mais recentes devido aos custos ambientais e sócio-culturais

que ele impõe às sociedades anfitriãs e, à constatação de que não é uma indústria tão

“limpa” como se pensava, a atitude de um número cada vez maior de administradores

políticos para com este setor têm permanecido completamente favorável (1997: 03).

Essa crença acrítica no turismo enquanto um instrumento de estímulo ao crescimento

costuma ser muito comum, particularmente, nos países em desenvolvimento. Nestes países, os

responsáveis pela formulação das políticas de turismo têm frequentemente se concentrado nos

benefícios econômicos que a atividade turística pode trazer consigo, ignorando as demais questões.

◙ Texto baseado em: SILVEIRA, Marcos A. T. da. Turismo, políticas de ordenamento territorial e

desenvolvimento: um foco no Estado do Paraná no contexto regional. 279 f, 279 f. Tese de Doutorado

em Geografia Humana (Programa de Pós-Graduação em Geografia) – Universidade de São Paulo, São

Paulo, 2002.

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É claro que a contribuição do turismo para a economia de muitos países em desenvolvimento tem

sido significativa, conforme apontam vários exemplos, como é caso de países como o México,

Rússia, Brasil, e outros. Em alguns países o turismo constitui, até mesmo, a principal fonte de

receitas e divisas, assim como, a mais importante fonte de empregos1.

Porém, a literatura sobre o tema também inclui muitos estudos que são críticos ao

turismo, chamando a atenção para as conseqüências negativas que ele pode trazer para as

sociedades, para o meio ambiente e, até mesmo, para a própria economia dos espaços de destino.

Autores como Cazes (1989) falam de miragem ou engodo, como referência ao caráter ilusório que

pode ter o turismo para os países em desenvolvimento. Isto tem suscitado dúvidas sobre esta

atividade constituir uma estratégia segura para se buscar o desenvolvimento territorial.

Desta perspectiva, tornou-se recorrente na literatura especializada abordar a temática dos

impactos2 do turismo nos espaços de destino. Tema que tem alimentado importantes reflexões e

provocado muita polêmica entre os estudiosos. Isso por conta da dicotomia que, como veremos,

parece ser intrínseca ao turismo, segundo a qual, por um lado, ele pode ser benéfico para o

desenvolvimento territorial. Mas, por outro lado, esta atividade pode provocar o aparecimento de

sérios problemas nas regiões receptoras.

De início, é preciso assinalar que os impactos do turismo, não são iguais em todos os

lugares, pois diversos fatores determinam a expansão desta atividade em um dado momento e

espaço, tais como: volume e perfil da demanda turística, características da oferta, acessibilidade,

infraestrutura utilizada (tipo de transporte e meios de hospedagem, etc), localização e distribuição

espacial dos equipamentos turísticos (hotéis, marinas, parques temáticos, etc). E, a própria

organização do território em si (recursos naturais e culturais disponíveis, nível de desenvolvimento

econômico, estrutura social e política, etc). Ou seja, processos de desenvolvimento turístico similar

podem dar origem a impactos diferenciados. Nas palavras de Vera et al:

Seja em que escala for, está claro que os efeitos espaciais da atividade turística são em

função da amplitude, da intensidade, do ritmo e do tempo de ocorrência do fenômeno. A

1 Para alguns países o turismo tem assumido uma importância vital e, para outros, é fator de crescimento incontestável.

Cazes que é um tanto crítico em relação aos benefícios trazidos pelo turismo reconhece que, “visto pelo lado dos países

em desenvolvimento, a oportunidade turística é menos frequentemente ocultada nas estratégias de desenvolvimento,

sobretudo porque ela representa, geralmente, uma alternativa decisiva, o último recurso perante as desilusões

encontradas nos outros setores econômicos. No plano geral, as receitas turísticas internacionais brutas do mundo

subdesenvolvido são avaliadas em mais de uma centena de bilhões de dólares, representando mais que o montante anual

da ajuda ao desenvolvimento e mais que os aportes privados totais. Um estudo detalhado das destinações do sul

demonstra também que em numerosas ilhas e micro-Estados (situados nas Antilhas, Pacífico, Oceano Indico,

Mediterrâneo), o turismo se tornou não apenas a primeira (e até mesmo a única) fonte econômica, mas também o setor

mais dinâmico, impondo-se sobre os outros setores, ou substituindo-os por completo” (1996: 80). 2 O termo impacto é empregado pelos estudiosos como equivalente aos termos efeito e/ou consequência. E, no centro da

discussão dos impactos negativos e positivos de turismo, está o conceito da capacidade de carga. A capacidade de

carga visa estabelecer o limite de utilização de um espaço de destino com base na infraestrutura turística que este dispõe

ou poderia dispor, considerando a preservação/conservação do meio sócio-cultural e natural. Atualmente a capacidade

de carga é uma das ferramentas usadas para definir parâmetros de sustentabilidade para a atividade turística.

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natureza e a organização do espaço, seu grau de integração funcional com a estrutura

produtiva de recepção e com a modalidade turística da qual se tratar são, fatores

condicionantes fundamentais no momento de dimensionar os impactos do turismo (1997:

249).

Impactos econômicos

Do ponto de vista econômico, os impactos mais salientados dizem respeito aos efeitos

benéficos que o turismo produz e que podem contribuir para o desenvolvimento de um determinado

território. Dentre esses efeitos destacam-se sua contribuição no crescimento do Produto Interno

Bruto Regional, na criação de empregos, no incremento da renda da população residente, no

balanço de pagamentos, no tipo de câmbio, na geração de divisas e receitas, no estímulo à

implantação de infraestruturas e na expansão de outras atividades produtivas.

Essa importância econômica do turismo provém das suas potencialidades integrativas e

de sua capacidade de contribuição para o conjunto da economia de um país, região ou localidade.

Neste ponto, deve-se ressaltar o papel exercido pelo chamado “efeito multiplicador do turismo”3,

considerado um dos fatores que mais contribuem para a dinamização da economia regional e

nacional.

Voltando aos aportes econômicos do turismo, entre os que mais despertam interesses

estão a geração de empregos e o incremento da renda dos habitantes das regiões receptoras. Tanto

nos espaços em que a atividade turística é predominante, quanto nos espaços de economia

diversificada, é consenso que o turismo é um poderoso instrumento para gerar empregos e renda

para as populações residentes. Há, até mesmo, ocasiões em que o desenvolvimento da atividade

turística aparece como a única alternativa diante de momentos de recessão econômica nos outros

setores produtivos.

Em termos de empregos, os efeitos do turismo nos espaços de destino são medidos pela

quantidade e variedade de postos de trabalho gerados. Quando se desenvolve, a atividade turística

permite a configuração de um amplo e diversificado mercado de trabalho onde, além dos empregos

diretos, estão incluídos os indiretos, os induzidos e, no caso de regiões menos desenvolvidas, os

empregos gerados no mercado de trabalho informal também chamado de “economia subterrânea”.

No que se refere aos empregos diretos gerados pelo turismo, eles estão relacionados ao

trabalho em hotéis, campings, restaurantes, agências de viagens e excursões, empresas de

3 Muito utilizado nas análises econométricas do turismo o efeito multiplicador visa medir a relação entre a injeção de

gasto turístico em uma economia e a quantidade de atividade econômica criada por este gasto (RABAHY, 1990). A

elaboração do multiplicador turístico baseia-se no reconhecimento de que todos os setores de uma economia são

interdependentes e, assim, uma mudança no nível do gasto em um determinado setor pode gerar efeitos no restante.

O cálculo do multiplicador turístico tem como principal objetivo quantificar o impacto em termos de vendas,

produção, ingressos e ocupação no setor de turismo, uma vez estimado os efeitos diretos, indiretos e induzidos do

gasto turístico. Numa linguagem mais corrente, o efeito multiplicador também denominado “efeito cascata” do

turismo, consiste num conjunto de ganhos decorrentes da distribuição da renda gerada pela atividade turística nos

diferentes setores da economia de um país ou região (BARRETO, 1996).

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transportes, lojas de artesanatos, e outros. Já os empregos indiretos e induzidos, são criados em

outros setores, diferentes do setor turístico, ou seja, em setores indiretamente envolvidos na

produção e no fornecimento de bens e serviços para a atividade turística, tais como agricultura,

pesca, construção civil, arquitetura, indústrias associadas aos serviços turísticos (artesanal,

alimentos e bebidas, mobiliário, transportes, têxteis, e outras), lojas no varejo, casas de câmbio,

museus, teatros, centros de eventos, parques de lazer, segurança e comércio em geral.

Ainda no tocante à criação de empregos, cabe ressaltar aqui o papel do efeito

multiplicador do turismo que, no caso dos empregos indiretos, vai apresentar um coeficiente

multiplicador mais elevado do que as outras atividades, sendo da ordem de dois a três empregos

indiretos e, algumas vezes até mais, por cada emprego direto gerado. Esta significativa participação

do turismo no mercado de trabalho implica, por sua vez, em consideráveis efeitos no que se refere à

redistribuição espacial da população em função da especialização, da modificação sócio-

profissional e de outros aspectos da dinâmica demográfica de um território. Como assinala Vera et

al:

O aspecto mais aparente e, talvez, menos discutível de todas as transformações que gera

o desenvolvimento do turismo é que ele constitui uma fonte de dinamismo demográfico.

Em qualquer escala que se considere, o desenvolvimento do turismo está associado à

importantes níveis de crescimento demográfico, coisa que significa, em certas ocasiões,

a interrupção de dinâmicas demográficas regressivas. A principal razão deste

crescimento é o fornecimento de trabalhadores ativos atraídos pelos empregos reais e

potenciais que se acredita que a atividade turística pode gerar e, nos casos em que o

turismo está diretamente associado à implantação de novos equipamentos e serviços, na

geração de postos de trabalho no setor da construção, por exemplo. Em suma, o turismo

está associado, desde a perspectiva de sua capacidade de gerar trabalho, à complexos

movimentos migratórios, pois além dos “commuters” deve-se considerar os migrantes

sazonais ou temporários, os funcionais e os permanentes que, sem dúvida, re-dinamizam

também o movimento natural da população (1997: 251).

Outra importante contribuição econômica do turismo se dá no nível local, aonde este

setor pode fomentar a capacidade de iniciativa, tanto de empreendedores nativos, quanto de fora,

que se instalam no espaço de destino para explorar atividades turísticas diversas. Esta exploração do

turismo com base local tende, por sua vez, a incrementar o dinamismo econômico do território

como um todo ao repercutir sobre outras atividades produtivas.

Evidentemente que o turismo também assume um significativo papel no nível nacional,

por conta da entrada de moeda estrangeira e da geração de receita fiscal e, especialmente, no nível

regional onde promove, entre outras coisas, a transferência de renda do exterior para dentro da

região receptora através dos gastos com bens e serviços turísticos e do estímulo aos investimentos

diretos em infraestruturas turísticas. Ao lado disso tudo, o turismo gera rendas adicionais aos

governos de todos os níveis, na medida em que contribui para aumentar a arrecadação de impostos

das administrações públicas.

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A essas contribuições econômicas do turismo deve-se somar, ainda, os investimentos em

infraestruturas urbanas nas escalas local e regional4 (implantação de equipamentos urbanos

diversos, planejamento de cidades, renovação de espaços urbanos, etc), em infraestruturas de

transportes (estradas, aeroportos, portos, etc), em infraestruturas sanitárias, energéticas e de

telecomunicações (água e esgoto, luz elétrica, telefone, etc). Tudo isto é necessário para o

incremento do turismo e pode ser, também, utilizado pelas populações residentes.

Em suma, o desenvolvimento do turismo tem rebatimentos variados no território, pois

além de contribuir para dinamizar a economia de países, regiões e localidades, notadamente através

do seu efeito multiplicador, esta atividade pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida das

populações locais ao facilitar a implantação de infraestruturas e de equipamentos coletivos, tais

como infraestruturas de transportes, saneamento básico, parques urbanos, áreas de lazer, etc.

No entanto, portador de muitos impactos econômicos positivos, o turismo pode também

ser um fator negativo em relação à economia de um país, região ou localidade. Os efeitos negativos

do desenvolvimento do turismo já são bem conhecidos, pelo menos em alguns países que estão num

avançado processo de turistificação. As implicações econômicas indesejáveis podem ser muitas.

Uma delas é a excessiva dependência da atividade turística que os espaços de destino podem

adquirir. Isso significa que, se houver queda da demanda e do consumo dos bens e serviços ligados

ao turismo, os efeitos podem ser desastrosos para a economia nacional, regional ou local.

A sazonalidade da demanda turística também constitui um fator de risco para os espaços

de destino, pois faz com que, por exemplo, a maior parte dos empregos criados seja de caráter

temporário, instável, de baixa remuneração, ou sem nenhum amparo legal, como é o caso do

trabalho no mercado informal. A implantação de infraestruturas de suporte, necessárias ao

desenvolvimento do turismo, também, pode trazer implicações não desejadas, à medida que ela gera

custos e penaliza os governos com elevados gastos e endividamentos públicos.

Outros problemas que o turismo pode trazer são os efeitos inflacionários sobre a

economia regional ou local, a especulação imobiliária e a sobrevalorização do solo urbano e rural.

E, há ainda que se destacar os efeitos negativos sobre as atividades industriais e agrícolas

preexistentes que podem sofrer com a competição territorial ou perder importância para setores

4 O chamado turismo urbano e metropolitano (VERA et al, 1997; VALENZUELA, 1992), por exemplo, se tornou o

centro da disputa entre governos regionais e locais, particularmente, no que se refere à atração de novas demandas para

o consumo urbano, tal como é o caso do turismo de negócios, turismo de eventos, turismo cultural, turismo religioso,

turismo de esportes. Esses governos querem os benefícios econômicos do turismo e, também, buscam aproveitar as

oportunidades que esta atividade pode proporcionar às cidades em termos de investimentos em infraestruturas e

equipamentos – construção de hotéis, centros de eventos, parques temáticos, centros comerciais, etc. Neste contexto, um

número cada vez maior de cidades no mundo todo busca se tornar destino turístico, inclusive no Brasil, onde podemos

citar como exemplo as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Brasília, que para atrair turistas investem no

chamado “city marketing” ou marketing do lugar.

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mais dedicados ao turismo como o setor de comércio e serviços, na atração de capitais e de mão-de-

obra. O caso da agricultura é o mais grave, pois em muitos lugares a produção agrícola é substituída

em favor da implantação de equipamentos turísticos, atraindo populações do campo em busca de

trabalho no setor do turismo.

Assim sendo, embora o turismo seja uma atividade que muito contribui para o

crescimento econômico de países e regiões em todo o mundo, os problemas por vezes gerados

podem frustrar as expectativas, particularmente, naqueles países que buscam o desenvolvimento

territorial com base somente no turismo, e que terminam por criar uma monocultura turística

geradora de dependência e dominação econômicas. A esse respeito Urry nota que:

Muitas vezes os benefícios econômicos proporcionados pelo turismo não correspondem

às expectativas. Boa parte do investimento no turismo, no mundo em desenvolvimento,

foi iniciativa de companhias de grande porte, baseadas na América do Norte ou na

Europa ocidental, e a maioria dos gastos com o turismo ficam em poder das companhias

multinacionais, apenas de 22% a 25% do que se gasta no varejo permanece no país

visitado. (...) Em 1978, por exemplo, apenas dezesseis grupos hoteleiros eram

proprietários de uma terça parte de todos os hotéis existentes nos países em

desenvolvimento. Outro problema ocorre onde o turismo é responsável por uma

proporção realmente grande da renda do país. Isto quer dizer que, se algo servir para

solapar a demanda do turismo, o resultado será uma enorme perda de renda nacional.

Eis que surge uma pergunta a fazer: desenvolvimento para quem? (1996: 94).

Em muitos casos o desenvolvimento do turismo tem beneficiado muito pouco, ou quase

nada, as populações locais. Nos países em desenvolvimento, por exemplo, grande parcela da

riqueza gerada pelo turismo é distribuída de maneira extremamente desigual. Isso faz com que esta

atividade seja muito criticada por alguns autores (BRITTON, 1992, URRY, 1996; CAZES, 1996;

BROHMAN, 1996; RODRIGUES, 1997; entre outros).

Impactos Ambientais

Os impactos ambientais5 do turismo – por serem os mais evidentes e bastante

preocupantes – têm monopolizado muito a atenção dos estudiosos do assunto nas duas últimas

décadas. A partir da década de 1980, a questão ambiental conquistou adeptos por todo o lado e em

todo o mundo, e o turismo, por sua vez, que atingiu uma dimensão mais complexa por conta de sua

evolução e massificação, passou a ser criticado devido aos impactos negativos que pode provocar

5 Impacto ambiental e considerado aqui como todo e qualquer efeito causado por alterações de natureza física, biológica

ou social. Impactos de natureza física são causados sobre o ar, a água, o solo; impactos biológicos são causados

sobre a flora e a fauna; impactos sociais, são causados sobre as populações e seu meio socioeconômico e cultural.

Como definição oficial têm-se a do CONAMA, conforme resolução no 0001, de 23.01.86, que considera impacto

ambiental como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por

qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: (I) a

saúde, a segurança e o bem estar da população; (II) as atividades sociais e econômicas; (III) a biota; (IV) as

condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; (V) a qualidade dos recursos ambientais” (MMA, 2001).

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no meio ambiente6.

Na verdade, a relação entre turismo e meio ambiente é, em grande medida, contraditória,

é uma relação biunívoca. Apesar de ser considerada uma “indústria sem chaminés”, porque não

polui o meio ambiente da mesma maneira que a indústria tradicional, o turismo acabou por se tornar

uma faca de dois gumes. Ou seja, se de um lado, é uma atividade que pode trazer muitos benefícios

econômicos para países e regiões, de outro, pode acarretar sérios danos ambientais.

Enquanto fenômeno que movimenta pessoas, o turismo é suportado pela existência

específica de um determinado ambiente físico, natural ou construído, cujo caráter único e/ou

diferenciado é o que atrai, quer em relação aos países de origem, quer em relação aos destinos

concorrentes. Ou seja, o meio ambiente é recurso, é estímulo, é a mola que aciona o fenômeno, é o

verdadeiro “push factor”, o fator que desperta o interesse e atrai os turistas. O meio ambiente é a

“matéria-prima” do turismo para usar a expressão de alguns estudiosos (LOZATO-GIOTART,

1985; RUSCHMANN, 1997)

Entretanto, o desenvolvimento da atividade turística, sobretudo quando ocorre num

contexto alheio a políticas de planejamento e gestão, pode gerar impactos negativos no meio

ambiente de intensidades diretamente proporcionais ao número de pessoas que movimenta e à falta

de infraestruturas de apoio. E assim, o meio ambiente, que antes era responsável pela geração de

fluxos positivos, pode se tornar um fator inibidor desses fluxos. Com efeito, estudos comprovam

que, em muitos casos, a deterioração ambiental resultante do crescimento excessivo e mal planejado

da atividade turística tem causado a perda da atratividade de lugares turísticos. Aqui cabe citar

Krippendorf (1977), que há mais de vinte anos já se perguntava: “Será que o turismo deve destruir

os lugares que são a razão de sua própria existência?”.

Esta pergunta cabe muito bem diante da pressão que o turismo pode exercer sobre o meio

ambiente, especialmente sobre os ecossistemas naturais e, que pode acabar destruindo os atrativos

turísticos de uma região. Assim, neste conflito que marca a relação entre turismo e meio ambiente,

quem acaba por sair perdendo é o próprio turismo.

Em suma, se um lado a relação turismo-meio ambiente é marcada pelo antagonismo e

pelo conflito, de outro, é uma relação simbiótica. As diferenças entre estas situações dependem

muitas vezes da região e do tipo de ambiente em análise. Sendo que depende ainda do grau de

desenvolvimento turístico em questão. Neste sentido, para uma apreciação mais completa e válida e

para que seja possível uma visão mais correta, deve-se tentar identificar os potencias impactos

ambientais, positivos ou negativos. Afinal, só com o conhecimento da ocorrência e intensidade

6 A expressão meio ambiente é usada aqui como referência ao ambiente natural (físico e biológico), ao ambiente

construído (o espaço produzido pelo homem) e ao ambiente sócio-cultural, econômico e político (a sociedade). Para

nós, o meio ambiente inclui todas as relações entre os elementos físico-naturais e a sociedade humana que tem

ocorrência no espaço geográfico. Consideramos o meio ambiente em sua totalidade, natural e construída,

tecnológica e social, entendendo que o mesmo possui uma dimensão cultural, econômica e política.

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desses impactos é possível a definição de estratégias e políticas de desenvolvimento que busquem

conciliar a maximização econômica com a minimização das alterações no meio ambiente.

Dentre os múltiplos impactos negativos que o uso turístico excessivo e não planejado

pode provocar no meio ambiente, está a poluição atmosférica. Em locais de maior afluência turística

pode ocorrer contaminação atmosférica devido, sobretudo, ao congestionamento provocado pelo

tráfego de veículos. Em alguns casos, os veículos utilizados exclusivamente para o transporte

turístico poderão ser a principal fonte de poluição atmosférica de um destino.

Inskeep (1991) afirma que o turismo pode ainda contribuir para a contaminação

atmosférica através de poeiras geradas pela expansão de infraestruturas e equipamentos, sobretudo,

quando não planejada devidamente. Trata-se dos impactos ambientais diretos. Há também os

impactos ambientais indiretos. Fletcher (1993), argumenta que ao se verificarem impactos

ambientais resultantes do aumento da indústria da construção civil, bem como do aumento das

explorações de pedreiras e de meios de transportes associados desde que, motivado por solicitações

do setor turístico, tais impactos deverão ser imputados ao turismo.

O turismo pode afetar também a água no que se refere à quantidade e qualidade da

mesma. Alterações ao nível da quantidade de água subterrânea, por exemplo, podem resultar de

vários fatores, especificamente em relação ao consumo turístico. O turismo exerce grande pressão

em termos de consumo de água (uso em piscinas, meios de hospedagem, centros esportivos,

consumo em geral). Em lugares de grande concentração turística, o consumo de água chega a mais

do que triplicar em comparação com o que é consumido pela população residente. Este impacto

afeta também as águas de superfície quando estas são fonte de abastecimento doméstico.

Assim como, sempre que o turismo implicar na expansão da urbanização e de

infraestruturas associadas, estará contribuindo para o aumento das áreas impermeabilizadas de solo,

o que por sua vez poderá ter implicações nas recargas dos aquíferos. Trata-se de um impacto que

gera problemas, particularmente, quando ocorre em zonas de importante recarga.

As alterações da qualidade da água poderão incluir águas subterrâneas e águas de

superfície. No que concerne às águas subterrâneas, as alterações no nível de quantidade poderão

prejudicar a qualidade, como ocorre, por exemplo, nas zonas costeiras através da intrusão salina

(processo de salinização de aquíferos). Nestas zonas, a superexploração do aquífero de água doce

faz diminuir a pressão permitindo infiltrações de água salgada. O processo de recuperação é lento, o

que acentua a gravidade do problema. Para além do turismo, outras atividades econômicas, bem

como a qualidade de vida da população residente pode ser gravemente afetada por este processo de

degradação ambiental.

Outras formas de contaminação da água são provocadas pelo aumento dos resíduos

sólidos e líquidos. É necessário ter em conta que não existe uma relação direta de causa e efeito

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entre o aumento de resíduos e contaminação. Fatores como capacidade de carga das infraestruturas

receptivas, adequação dos sistemas de coleta e tratamento de esgoto e, a própria localização, terão

de ser considerados (um aterro sanitário que pressupõe a realização de estudos de impacto

ambiental dará muito mais garantias que uma lixeira localizada em zonas de recarga de aquíferos).

O turismo pode contribuir ainda para o aumento de resíduos sólidos com o aumento do número de

pessoas e com o acréscimo de produção e consumo per capta, implicando no descarte de detritos

diversos e de material não-biodegradável.

A atividade turística pode também provocar alterações na qualidade das águas de

superfície através da ação poluidora dos barcos de passeio que afetam, em particular, as águas dos

rios, lagos e marinas. De acordo com estudos efetuados pela Agência de Proteção ambiental dos

EUA, os barcos a motor de dois tempos são altamente poluidores uma vez que vertem cerca de um

terço do combustível que consomem (HILCHEY, 1994). Os resíduos dos barcos provocam também

problemas adicionais nas marinas.

Para Pearce (1989), um fator de grande pressão no ambiente resulta da produção ou

aumento de águas residuais. O problema mais generalizado é a poluição devido às descargas de

efluentes tratados inadequadamente, como o esgoto por exemplo. Em situações extremas pode

ajudar a acelerar o fenômeno de eutrofização com incidência em lagoas, lagos, rios, represas. O

autor cita alguns exemplos, como o caso do lago Millstatter na Aústria, dos lagos Nal e Nagin em

Kasmir e da Lagoa das Sete Cidades, nos Açores.

Já a poluição das águas dos mares depende das descargas e das condições de eliminação

da poluição. O problema é mais grave em mares como o Mediterrâneo7, por exemplo, cuja

renovação das águas é efetuada através do Estreito de Gibraltar. A poluição da água do mar afeta

não só a saúde pública como a fauna e flora marinha. Com base em Pearce (1989) convém salientar,

mais uma vez, que o problema é decorrente de falta de planejamento e gestão e da implantação de

infraestruturas inadequadas.

Outro impacto negativo sobre o meio natural é a destruição da vegetação, um importante

atrativo dos fluxos turísticos e uma das principais vítimas devido ao desenvolvimento descontrolado

do turismo, que pode alterar e destruir habitats naturais devido à ação de colecionadores (coleta de

7 O litoral mediterrâneo é o principal destino turístico do mundo. Nessa região, países como França, Espanha, Grécia,

Portugal, Itália, Marrocos, se veem às voltas com os problemas derivados da excessiva turistificação. Recentemente

vem se tentando de diversas formas reverter o quadro de degradação em que muitos lugares se encontram. A execução

do chamado “Plan Bleu”, um amplo e ambicioso programa de reordenamento do litoral mediterrâneo, é uma das ações

nesta direção (LANQUAR: 1995; CAZES: 1999). No Brasil, a situação não é muito diferente, a ocupação desenfreada e

especulativa do solo, a urbanização excessiva, a concentração espacial dos equipamentos turísticos, a degradação da

paisagem, a perda de biodiversidade, a poluição ambiental, são os principais problemas do mau desenvolvimento do

turismo em nosso litoral conforme apontam diversos estudiosos (RODRIGUES, 1988, 1997a; BECKER, 1995;

SILVEIRA, 1999; e outros).

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flores, plantas, etc.), ao descuido na utilização de fogo em parques provocando incêndios, à

derrubada de árvores (para construção de estacionamentos, de acessos aos atrativos turísticos, e de

equipamentos turísticos diversos), devido ao acúmulo de lixo que provoca alteração no solo, devido

ao tráfego de pedestres e veículos diretamente sobre a vegetação, e à prática do campismo quando

implica na remoção de vegetação.

Com relação à fauna, os principais danos podem ser nos habitats da vida selvagem. O

turismo pode afetar a fauna através das alterações dos ecossistemas de flora, que são seus habitats

de alimentação e de reprodução. A reação das espécies ao impacto do turismo depende de vários

fatores, que varia de espécie para espécie e de região para região. Os efeitos diretos da atividade

turística na vida animal selvagem dependem da intensidade do desenvolvimento turístico, do grau

de resistência das espécies e da sua capacidade de adaptação (Mathieson and Wall, 1988).

Por fim, cabe referência às alterações provocadas nos padrões de comportamento animal,

especificamente, no diz respeito à alimentação, reprodução e migração. Estas alterações podem ter

impacto na quantidade e mesmo na subsistência das espécies. A presença dos turistas (por exemplo,

observadores de aves) pode inclusive alterar as relações entre presa e predador.

O uso turístico impróprio pode também gerar destruição nos ambientes formados por

cavernas, grutas, sítios arqueológicos, e outras formações geológicas peculiares. No que se refere

especificamente às paisagens, merece destaque o problema provocado pela urbanização turística, ou

pela implantação de equipamentos e instalações mal planejados (arquitetura em desarmonia com o

ambiente local, construções impróprias, paisagismo inadequado), excesso de material de

propaganda (cartazes, placas, sinalização).

A urbanização desenfreada e excessiva dos espaços de destino, também, se constitui em

uma agressão às paisagens como bem salienta Rodrigues (1997). E, por fim, a paisagem natural ou

construída sofre ainda danos causados pelo vandalismo (destruição de sítios arqueológicos,

depredação de monumentos históricos, estragos em edificações antigas, etc).

Alguns ambientes, tais como zonas costeiras, áreas de praia, montanhas e desertos, por

serem espaços ecologicamente vulneráveis à ocupação humana, podem sofrer estragos irreversíveis

com o mau uso turístico. Nas zonas costeiras, por exemplo, a ocupação excessiva do solo pelo

turismo, ou o seu uso turístico descontrolado, pode fazer aumentar os processos de erosão e

sedimentação das praias alterando, assim, a cconfiguração da linha de costa, que é resultado de um

processo dinâmico. Certas zonas são afetadas por processos erosivos enquanto, em compensação,

outras são alvo de processos de sedimentação. A ação humana e o mau uso dos ambientes costeiros

e marinhos e de ecossistemas frágeis, particularmente vulneráveis a desenvolvimentos impróprios,

intensificam e aceleram esses processos.

Um dos impactos mais frequentes na paisagem diz respeito à construção de complexos

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turísticos. O turismo está, em via de regra, associado a um crescimento rápido de construções na

forma de hotéis, assentamentos e estradas que, além de alterarem a paisagem num curto espaço de

tempo, funcionam como importantes aceleradores dos processos de erosão sobretudo em zonas

instáveis, tal como é o caso das áreas de falésias e dunas. Também o designe inapropriado e a

localização inadequada de edifícios e estruturas similares, podem alterar ou, acelerar, os processos

de erosão e deposição de sedimentos. As marinas, por exemplo, que são um tipo particular de

construção, também podem originar impactos negativos nas zonas costeiras.

Um outro problema decorrente da expansão da atividade turística é o ruído. Neste caso, o

turismo pode contribuir com várias fontes de ruído, como aqueles resultantes da exploração de

equipamentos turísticos. A exploração de discotecas, parques de diversão, bares e restaurantes é

fonte de freqüentes reclamações de residentes e turistas. A música, por exemplo, é causa frequente

de reclamação.

O turismo é também responsável pela geração de ruído em consequência do aumento do

tráfego e do uso de veículos (carros, motos, lanchas, jetsky, aeroplanos, buggies, etc). O ruído

provocado por estes veículos é resultado da concentração de turistas e pode atingir desconforto e

irritação para residentes e outros turistas. O aumento de tráfego aéreo devido ao movimento

turístico acentua o impacto ambiental afetando residentes (particularmente os que vivem próximo

dos aeroportos). É também particularmente problemático quando os aviões sobrevoam zonas de

lazer e descanso como é o caso das praias.

Como apontamos antes, o turismo tem uma forte ação urbanizadora. As atrações naturais

são insuficientes para satisfazer o turista pelo que têm que ser complementadas com outras

facilidades turísticas e infraestruturas de suporte (MATHIESON AND WALL, 1988). O

desenvolvimento turístico acelerado e sem o enquadramento em linhas de orientação e

planejamento levam frequentemente àquilo que é designado na literatura como poluição visual ou

arquitetônica (PEARCE, 1988). Para este autor, o conceito traduz o resultado da justaposição de

edifícios com diferentes estilos arquitetônicos e a falha na integração das infraestruturas com as

diferentes características do ambiente local.

O recurso à materiais de construção pouco adequados nas superfícies externas, é outro

fator que contribui para a poluição visual devendo ser privilegiado o uso de materiais locais. O uso

de publicidade desenquadrada, bem como a proliferação de cabos de eletricidade e linhas

telefônicas aéreas, antenas (elementos pouco atrativos), bem como o recurso a uma sinalização

inadequada, representam outros tantos fatores de poluição visual. Inskeep (1991), defende que

devem ser incorporados no design urbano todos os elementos de design local e que se deve

promover a urbanização mantendo as características do ambiente local. Deve ainda ser privilegiada

uma arquitetura paisagística apropriada para assentamentos turísticos do tipo resort, sem

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negligenciar a o aspecto funcional.

De modo a garantir uma integração arquitetônica equilibrada Inskeep (1991) defende

também que devem ser definidos e respeitados alguns critérios, como:

- distância mínima requerida entre edifícios (importante sentido de abertura e espaço

suficiente para observação da paisagem, privacidade e questões de

segurança). O não respeito deste critério provoca a obstrução da vista cênica

ou o chamado “ribbon development”;

- distância mínima requerida em relação à linha de costa de 30 a 50 metros podendo ser

superior a 50 metros em função das circunstâncias;

- critérios de densidade das construções, os quais não deverão exceder determinados

limites sob pena de prejudicar a harmonia do local;

-limite da altura dos edifícios. Aspecto particularmente importante que influencia o

caráter do destino turístico, pois pode alterar a visibilidade, atrapalhar a

exposição à luz solar frustrando expectativas dos turistas, que pretendem

uma mudança ambiental relativamente aos seus lugares de origem que, em

geral, são as grandes cidades.

O não cumprimento destes critérios leva, em última análise, à perda do caráter único do

território. A urbanização turística reflete-se também nos edifícios abandonados ou inacabados, o

que pode introduzir ou acentuar problemas estéticos, além de gerar conflito econômico e de uso do

solo.

Por outro lado, o turismo é considerado uma atividade que pode promover a

(re)valorização do meio ambiente ao contribuir, por exemplo, para a recuperação de paisagens

degradadas e/ou para a proteção do patrimônio natural e cultural dos espaços de destino. Nas

palavras de Vera et al:

A complexa relação que se estabeleceu entre turismo e território tem modificado a

percepção que se tem sobre esta atividade, devido à sua capacidade de gerar novos

entornos com qualidade ambiental. Tanto isso é verdade que, o turismo está se

convertendo em um elemento chave para a melhoria da qualidade de espaços

degradados, incluindo mesmo os lugares que foram depreciados por conta do mau

desenvolvimento turístico. Assim ocorre, por exemplo, no caso dos projetos de

regeneração de certos centros históricos e, assim, também acontece em relação aos

processos de reestruturação urbana de estações turísticas tradicionais que, atualmente

fazem importantes reformas ambientais para melhorar sua imagem e, assim, atrair novos

investimentos e novos fluxos de turismo. Nesta perspectiva, o turismo deve ser visto como

um fator de valorização do patrimônio natural e cultural (1997: 258).

Portanto, em muitos casos, o desenvolvimento do turismo ou o uso turístico dos recursos

ambientais, pode trazer benefícios ao meio ambiente. Dentro do rol de efeitos positivos, podemos

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destacar a contribuição do turismo na conservação/preservação de importantes espaços naturais

(reservas florestais, parques naturais, estações ecológicas, refúgios da vida selvagem, sítios

arqueológicos, e outros), incluindo os ambientes marinhos.

Todos esses espaços têm recursos naturais que interessam aos promotores do turismo,

tanto públicos, como privados, pois servem como atração aos fluxos turísticos. Neste caso, a

exploração turística constitui um modo de, não apenas justificar, mas também manter tais espaços

preservados, à medida que o turismo gera rendas e ganhos econômicos que podem ser investidos na

preservação dos mesmos. O desenvolvimento do chamado ecoturismo vem a ser um bom exemplo

disso 8.

Outra face positiva atribuída ao turismo é que ele pode ajudar a melhorar, ou a manter, a

qualidade ambiental dos espaços de destino, considerando aqui a tendência de, cada vez mais, os

turistas preferirem visitar lugares que, além de serem atraentes, sejam limpos, sem poluição, bem

cuidados. Isso revela um outro lado positivo do turismo, que é o de contribuir para reforçar a

conscientização ambiental das populações locais. Tais populações passam a compreender a

importância de se preservar o meio ambiente, pois, entre outras coisas, é ele que representa o

principal motivo de atração dos turistas.

Por sua vez, os próprios turistas acabam se tornando mais conscientes da necessidade de

preservar os lugares que visitam através da participação em campanhas e programas de educação

ambiental, que também se estendem às populações residentes. Em suma, se o turismo é

adequadamente planejado e se desenvolve de modo ordenado, ele pode gerar impactos positivos em

uma determinada região ou lugar ao valorizar e revitalizar paisagens, ao estimular a conservação

dos recursos naturais ali existentes, e ao contribuir para a formação de uma consciência

ambientalista.

Enfim, apesar de o turismo ser uma atividade de serviços e, como tal, sem uma base

transformadora do espaço natural como é o caso da agricultura e da indústria, esta característica não

lhe confere um estatuto menos lesivo para o ambiente, natural ou construído. O turismo não deixa

de provocar alterações e mesmo danificar, muitas vezes irremediavelmente, um ambiente que é na

maioria dos casos o seu principal recurso e atrativo.

8 O ecoturismo tem sido objeto de análise de diversos estudiosos (BOO: 1990; WHELAN: 1991; CATER: 1994;

WESTERN: 1995: RUSHMANN: 1997; e outros). É consenso entre esses estudiosos que o ecoturismo possui

algumas especificidades quando comparado ao turismo de massa. É um novo tipo de turismo que se caracteriza pelo

deslocamento de grupos pequenos de visitantes aos espaços naturais de relevância ecológica e de beleza cênica. Tem

uma forte dependência da qualidade ambiental dos espaços de destino. Pode ter como finalidade o simples contato

com a natureza e com a cultura local, ou o estudo científico do meio ambiente. Tem como missão promover a

conservação dos espaços de destino através da educação ambiental e do uso controlado dos recursos naturais e

culturais. Deve ser planejado em todas as etapas de seu desenvolvimento e ter como princípio básico a participação

das populações locais no processo de planejamento e gestão. Assim como, seu incremento, além de ter que reverter

em benefícios financeiros para a conservação do meio ambiente, o ecoturismo deve favorecer econômica e

socialmente as populações locais. Em suma, o ecoturismo é uma ferramenta que pode ser empregada

simultaneamente na conservação ambiental e no desenvolvimento econômico.

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Impactos socioculturais

Ao lado dos impactos econômicos e dos impactos no ambiente físico-natural, não se pode

deixar de mencionar os impactos provocados no ambiente sociocultural. Isto é, além das

consequências sobre a economia e sobre o meio ambiente, importa também considerar os efeitos do

desenvolvimento turístico sobre as sociedades que habitam um determinado território, pois tais

efeitos envolvem processos de mudanças culturais e significativas transformações sociopolíticas.

A maior parte dos estudos que tratam dos impactos socioculturais do turismo dá mais

ênfase aos efeitos negativos derivados do desenvolvimento desta atividade. Tal propensão a realçar

os efeitos deletérios do turismo nas sociedades dos lugares visitados, tem como fundamento a ideia,

segundo a qual, esta atividade exporta os modelos da sociedade moderna (modelos estandardizados

e vazios de conteúdo, típicos da sociedade ocidental), para as sociedades receptoras que teriam

valores sociais e culturais próprios.

Segundo as análises, a atividade turística implica, na maioria vezes, em transtornos para

as populações dos espaços de destino. Esses transtornos se referem, principalmente, à utilização das

infraestruturas locais (a grande concentração de turistas implica na superlotação das infraestruturas

e equipamentos de uso coletivo como estradas, aeroportos, sistemas de água esgoto, redes elétricas

e telefonia, etc.), no aumento de práticas indesejáveis tais como violência, prostituição, alcoolismo,

tráfico de drogas, jogos de azar, etc., e à perda da integridade cultural por conta das influências nos

costumes locais, na língua e na cultura.

Há, também, referência aos efeitos morais e psicológicos negativos resultantes da atitude

servil e passiva com que muitas populações são inseridas no processo de desenvolvimento do

turismo, como é caso de projetos turísticos que são impostos por governos para atender seus

próprios interesses, ou os interesses de grupos privados externos e de elites regionais e locais. A

esse respeito Cazes faz a seguinte consideração:

Em uma dicotomia cujo simplismo é justamente criticado pelos pesquisadores, os

responsáveis pelas políticas de turismo opõem, amiúde, as incidências econômicas

consideradas globalmente como positivas, aos efeitos sociais derivados, julgados

geralmente negativos e, deste modo, fortemente temidos. (...) De um lado, o

desenvolvimento incontrolado de certas práticas turísticas pode ter efeitos sociais muito

temidos como, por exemplo, as novas extensões do turismo sexual localizadas nos países

em desenvolvimento; de outro lado, a abertura turística deve ser vista somente como um

fator de aculturação e, portanto, de corrupção dos valores tradicionais e, entre os

diversos efeitos, os que sem dúvida são bem marcantes se encontram a influência das

grandes mídias e os processos migratórios de população para o estrangeiro (1996: 81).

Jurdao (1979) chegou até mesmo a falar em turismo etnocida para se referir ao turismo

enquanto um exterminador de culturas tradicionais. Sem ser tão catastrófico, a verdade é que podem

surgir muitos conflitos entre residentes e turistas, por conta das diferenças econômicas, sociais e

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culturais. Um exemplo disso é o chamado "efeito demonstração", que estimula um tipo de

comportamento através do qual a sociedade local, especialmente as pessoas jovens, tentam imitar

formas de falar, de vestir, ou procuram se adaptar aos modelos de comportamento dos turistas. O

"efeito demonstração" pode gerar problemas sociais e a perda da identidade cultural, pois além de

gerar a transformação dos costumes, da língua e da religião, provoca modificações nos tradicionais

padrões de consumo das sociedades visitadas, impondo às regiões receptoras normas de

comportamento estandardizadas e ocidentalizadas, não praticadas antes da chegada do turismo.

Em outras palavras, todas essas conseqüências negativas acabam por reforçar a tese

oposta àquela de que o turismo é um instrumento promotor do conhecimento, entendimento e

compreensão entre povos de diferentes nações e culturas. Para alguns estudiosos como Krippendorf

(1996), acontece justamente o contrário, do modo como vem sendo praticado até agora o turismo

não tem ajudado em nada a aproximação entre viajantes e viajados.

Com efeito, em muitas regiões se verifica que a atual expansão do turismo vem sendo

marcada pela separação física e social entre populações hospedeiras e visitantes, onde estes últimos

usufruem certos padrões de acomodação e serviços que os isola em lugares predeterminados, os

quais aparecem explicitados nos conceitos de “gueto turístico” e de “destino exótico”. Ao abordar

os impactos do chamado turismo de massa, bem como de outras formas de turismo, nos países da

América Latina Gormsen coloca o seguinte:

O impacto do turismo sobre o cultural, o social, o econômico e, sobre as condições de

comportamento da população, pode ser completamente diferente no caso de uma antiga

e estabelecida comunidade rural, com modos de vida de longa existência e, mais ou

menos inalterados, se comparado ao caso de imigrantes recentemente vindos de áreas

rurais e que têm cortadas, ao menos parcialmente, suas tradições étnicas e seus laços

sociais. Todavia, nesta relação, uma questão permanece não resolvida, isto é, qual dos

diferentes tipos de turismo provoca mais dano às manifestações socioculturais dos

nativos? O turismo de massa, que funciona em guetos extra-territoriais do tipo "Club

Med", ou o assim chamado turista alternativo que pretende passar a impressão de que

gosta das populações locais em suas, mais ou menos inalteradas, formas sociais

indígenas?(GORMSEN, 1988: 75).

O que o autor denomina como “guetos extraterritoriais do tipo Club Méd”, têm sido um

dos alvos da crítica contumaz feita por estudiosos que analisam a expansão do turismo nos países da

periferia do sistema turístico mundial. A esse respeito, um dos exemplos mais atuais é a

implantação dos chamados resorts. Os resorts são a expressão maior do turismo globalizado e

constituem destinos chamados de “não lugares”, que são espaços criados exclusivamente para fins

turísticos (RODRIGUES, 1994, 1997). São empreendimentos construídos com uma infraestrutura

física em formato de módulos, concentrando atrativos, instalações, equipamentos e serviços

turísticos, e materializam o surgimento de enclaves, paisagens turísticas estranhas ao território onde

estão localizadas, assumindo explicitamente uma estética do tipo caribenho (modelo Cancun, por

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exemplo).

Por fim, devemos acrescentar aos efeitos negativos do turismo, os processos resultantes

da urbanização e da difusão da mídia, especialmente da televisão, que pode se converter em um

poderoso vetor de mudanças sociais e culturais particularmente nas regiões e lugares menos

desenvolvidos. O turista, que vem de um mundo dominado pela sociedade de consumo, torna-se um

dos principais portadores de impactos culturais. O turismo pode ainda promover a banalização e a

economização de práticas tradicionais como, por exemplo, a arte que passa a dar lugar a produção

em massa de objetos artísticos (souvenires, produtos artesanais, etc.) elaborados de forma a atender

o consumo dos turistas.

É justamente essa norma de conduta de cunho comercial e consumista que guia os

organizadores das viagens e do turismo (operadoras de turismo, agência de viagens, redes de hotéis,

e outros). Estes, na maioria das vezes, reduzem a cultura dos lugares visitados a um monte de

estereótipos nos quais o folclore, as tradições, as festas populares e os costumes, são transformados

em mercadorias a serem comercializadas. Também, o próprio turista vê o espaço de destino com

superficialidade9, com distanciamento, como algo exótico, em suma, como um objeto a ser

apreciado pelo “olhar turístico” (URRY, 1996).

O interessante é que a comercialização e a espetacularização dos lugares pela indústria do

turismo, não afeta apenas os países em desenvolvimento, mas também os países desenvolvidos,

colocando em cheque um dos valores maiores atribuídos ao turismo e às viagens de lazer, segundo

o qual, estes constituem verdadeiros instrumentos de promoção cultural, de aproximação entre

sociedades e de educação das pessoas. Esse, aliás, é um dos argumentos favoráveis ao turismo

muito utilizado por aqueles que procuram apontar seus efeitos positivos nas regiões de destino.

De fato, contrária à visão negativa, há autores que veem o turismo como um instrumento

privilegiado de aproximação entre pessoas e culturas, devido ao encontro de turistas com

populações locais. Para esses autores, o turismo tem, por exemplo, um importante papel na

modernização das sociedades receptoras, repassando conceitos e valores ocidentais como a

igualdade sexual, a emancipação dos jovens, enfim, a modernização dos costumes. E,

principalmente, a atividade turística pode representar um estímulo à conservação ou resgate da

herança cultural de uma região ou localidade. Herança cultural esta que pode ser representada pela

9 A observação de Cohen, ao falar sobre a ausência de “realidade” na viagem turística e sobre os pseudo-acontecimentos

que marcam a experiência do turista moderno, é pertinente a esse respeito. Para este autor “a principal característica

do turismo contemporâneo é a massificação. A viagem ou a excursão é vendida em forma de pacote, estandardizada

e produzida em massa. O transporte, os lugares a visitar, os locais para comer e dormir são fixados previamente. O

estabelecimento turístico fica completamente à disposição do turista do princípio ao fim. Mas a viagem em pacote,

que é vendida pelo estabelecimento turístico, tenta oferecer ao comprador a experiência da novidade e o raro. O

problema do sistema, então, é permitir que o turista em massa ‘conheça’ a novidade do país visitado sem

experimentar nenhum incomodo físico ou, mais exatamente, observar sim experimentar realmente” (apud

MACINTOSH, 1999: 264).

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dança, música, teatro, ofícios, artes, vestimentas, costumes e tradições, cerimônias, etc., e que corre

o risco de se perder face à massificação que caracteriza a sociedade contemporânea. Mas, se for

preservada se torna, com frequência, um importante atrativo de fluxos turísticos.

Dentro desta perspectiva, o incremento do turismo fornece uma justificativa e, ao mesmo

tempo, constitui uma fonte de captação de investimentos que podem ser aplicados na conservação

da história e da cultura de uma população. Neste ponto, é comum se observar o desenvolvimento

turístico financiar a manutenção de museus, centros de tradição, teatros, e outras instalações e

atividades culturais, que são utilizadas, tanto pelos turistas, como pelas populações residentes.

O turismo pode contribuir ainda para renovar o orgulho das populações residentes no

concerne a sua cultura, quando elas observam que os turistas mostram interesse e tem desejo de

aprender sobre a mesma. Assim, o cruzamento cultural entre turista e residente, representa uma

troca em que um aprende a cultura do outro. E isto pode conduzir à compreensão mútua, à aceitação

do outro e à relacionamentos pacíficos entre pessoas de diferentes vivências culturais.

Uma outra face positiva que se atribui ao turismo, é o seu papel na revitalização,

preservação e valorização do patrimônio cultural e arquitetônico, notadamente nas cidades em que

este patrimônio é expressivo. Os espaços urbanos onde se localizam igrejas, monumentos

históricos, edificações e construções de época, que representam a história, a religião, a tradição ou o

estilo arquitetônico de sociedades que viveram no passado possuem, de fato, um caráter

extremamente atraente para o turismo e, em virtude disso, podem ser preservados e protegidos da

degradação e, em muitos casos, da destruição total. Vera et al destaca o efeito positivo do turismo

sobre a preservação de locais urbanos considerados patrimônio cultural e histórico, quando afirma:

O turismo se converteu em uma atividade privilegiada no caso das cidades com

patrimônio. Se intervier em defesa do patrimônio histórico-cultural e monumental é uma

necessidade, se se deseja evitar abandonos e substituições e promover melhorias e

recuperações, o turismo está permitindo não só a proteção do patrimônio, mas também

sua revitalização através da geração de usos diversos (1997: 175).

O desenvolvimento do turismo também pode representar uma excelente oportunidade

para a reestruturação dos espaços urbanos e para a revalorização do meio rural. Em relação ao

espaço urbano, o turismo pode assumir um importante papel não só na dinamização econômica

como já apontamos, mas também na renovação das cidades em termos qualitativos – benfeitorias

em infraestruturas e equipamentos coletivos, criação de áreas verdes, implantação de parques de

lazer e recreação, construção de centros de cultura, esportes, entretenimento, eventos, etc. – que

vem contribuir para a melhora da qualidade de vida da população residente.

Quanto ao meio rural, além dos benefícios econômicos que é capaz de proporcionar10, o

10 A expansão dos chamados “turismos de interior” (VALENZUELA, 1997), que constituem formas alternativas ao

turismo de sol e praia, é uma realidade em diversas regiões no mundo todo. E, neste cenário, apesar de sempre terem

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turismo pode gerar a revalorização das atividades e costumes, e de outras características das

paisagens rurais (VERA et al, 1997). Dentre os efeitos positivos mais notáveis do desenvolvimento

turístico no meio rural estão: o impulso à reabilitação e preservação do patrimônio artístico e

cultural, os intercâmbios culturais entre visitantes e visitados, a manutenção de costumes e tradições

locais, o aumento do interesse da comunidade local por atividades culturais, e o estímulo aos

empreendimentos locais a partir de iniciativas vindas da própria população local.

Finalizando, é importante ressaltar, entretanto, que ao lado das oportunidades de

preservação e/ou de valorização dos elementos socioculturais, o turismo pode comportar riscos não

só para a própria cultura, mas também para o meio ambiente e para a economia de uma região.

Portanto, se o desenvolvimento da atividade turística não for precedido de um planejamento

territorial bem concebido e corretamente executado ou, melhor dizendo, de uma gestão territorial

adequada, o turismo pode trazer mais problemas do que aqueles que pode vir ajudar a resolver.

Além disso, como vimos, os desgastes ambientais diminuem a atratividade das regiões de destino e

neutralizam, no médio e longo prazo, a contribuição do turismo para o desenvolvimento territorial.

Atualmente, muitos estudiosos e pesquisadores defendem que, na elaboração e

implementação das políticas de turismo, se passe a promover um outro modelo de desenvolvimento

turístico, que leve em conta não apenas a dimensão econômica, mas também as questões sociais e a

preservação/conservação do meio ambiente. É neste contexto que o paradigma do desenvolvimento

sustentável tem ganhado importância.

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