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8 Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003 Implementação dos PCN em Sala de Aula A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/ 1996) aponta para a necessi- dade de uma reforma em todos os níveis educacionais, que se inspira, em parte, nas visíveis transformações por que passa a sociedade contemporânea. Isso é mais claramente expresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), que tradu- zem os pressupostos éticos, estéticos, políticos e pedagógicos daquela lei sendo, portanto, obrigatórias. Para o nível médio, foram elabo- rados os Parâmetros Curriculares Na- cionais (PCNs) e, mais recentemente, os PCNs+ (MEC, 2002), os quais procuram oferecer subsídios aos pro- fessores para a implementação da reforma pretendida e são divididos por áreas de conheci- mento, a fim de fa- cilitar, conforme as DCNEM, um tra- balho interdisci- plinar. Entretanto, há uma distância entre o que está proposto nesses do- cumentos e a práti- ca escolar, cuja su- peração tem se mostrado difícil. As dificuldades vão desde problemas com a formação inicial e continuada à pouca disponi- bilidade de material didático-pedagó- gicos; desde a estrutura verticalizada dos sistemas de ensino à incompre- ensão dos fundamentos da lei, das Diretrizes e Parâmetros. Especialmente essas últimas é que serão tratadas nes- se texto, discutindo-se ainda possíveis caminhos para sua superação. Um dos pontos centrais da LDB/ Elio Carlos Ricardo Doutorando em Educação Científica e Tecnológica – UFSC E-mail: [email protected] Este artigo discute alguns conceitos presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, cuja incompreensão tem se mostrado um dos entraves à implementação das propostas desses documentos em sala de aula. Aponta ainda para a dimensão da reforma pretendida e a necessidade de rever não só os conteúdos a ensinar, mas as concepções e práticas educacionais correntes. 96 é a nova identidade dada ao Ensino Médio como sendo a etapa final do que se entende por educação básica. Ou seja, espera-se que ao final desse nível de ensino o aluno esteja em con- dições de partir para a realização de seus projetos pessoais e coletivos; é a formação necessária para a constitui- ção do cidadão, na concepção da lei. Assim, não é por outra razão que as DCNEM destacam a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico co- mo objetivo central do Ensino Médio. Somente esse caráter de terminalidade já seria suficiente para compreender que a reforma pretendida transcende a mera alteração de conteúdos a ensi- nar, mas tem a dimensão mais ampla de desenvolver as várias qualidades humanas; daí a idéia de um ensino por competências. Em relação à primeira dificuldade que será aqui tra- tada, qual seja, a es- trutura atual da escola e sua hierar- quia verticalizada, é imperativo que os professores leiam e discutam a LDB/96 e os documentos elaborados pelo Ministério da Educa- ção (MEC), a saber: DCNEM, PCNs e PCNs+. Essa exigência serve até para que os professores não sejam “enga- nados” em nome desses documentos, a partir de discussões isoladas e fragmentadas. Ao contrário, o profes- sor terá que assumir seu papel de ator principal da reforma, assegurado pela lei, e deixar de ser mero executor de programas impostos. Para isso, a Um dos pontos centrais da LDB é a nova identidade dada ao Ensino Médio como sendo a etapa final do que se entende por educação básica. Ou seja, espera-se que ao final desse nível de ensino o aluno esteja em condições de partir para a realização de seus projetos pessoais e coletivos

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8 Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003Implementação dos PCN em Sala de Aula

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ALei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (LDB/1996) aponta para a necessi-

dade de uma reforma em todos osníveis educacionais, que se inspira, emparte, nas visíveis transformações porque passa a sociedade contemporânea.Isso é mais claramente expresso nasDiretrizes Curriculares Nacionais parao Ensino Médio (DCNEM), que tradu-zem os pressupostos éticos, estéticos,políticos e pedagógicos daquela leisendo, portanto, obrigatórias.

Para o nível médio, foram elabo-rados os Parâmetros Curriculares Na-cionais (PCNs) e, mais recentemente,os PCNs+ (MEC, 2002), os quaisprocuram oferecer subsídios aos pro-fessores para a implementação dareforma pretendida e são divididos poráreas de conheci-mento, a fim de fa-cilitar, conforme asDCNEM, um tra-balho interdisci-plinar. Entretanto,há uma distânciaentre o que estáproposto nesses do-cumentos e a práti-ca escolar, cuja su-peração tem semostrado difícil. As dificuldades vãodesde problemas com a formaçãoinicial e continuada à pouca disponi-bilidade de material didático-pedagó-gicos; desde a estrutura verticalizadados sistemas de ensino à incompre-ensão dos fundamentos da lei, dasDiretrizes e Parâmetros. Especialmenteessas últimas é que serão tratadas nes-se texto, discutindo-se ainda possíveiscaminhos para sua superação.

Um dos pontos centrais da LDB/

Elio Carlos RicardoDoutorando em Educação Científica eTecnológica – UFSCE-mail: [email protected]

Este artigo discute alguns conceitos presentesnas Diretrizes Curriculares Nacionais e nosParâmetros Curriculares Nacionais para oEnsino Médio, cuja incompreensão tem semostrado um dos entraves à implementaçãodas propostas desses documentos em sala deaula. Aponta ainda para a dimensão da reformapretendida e a necessidade de rever não só osconteúdos a ensinar, mas as concepções epráticas educacionais correntes.

96 é a nova identidade dada ao EnsinoMédio como sendo a etapa final doque se entende por educação básica.Ou seja, espera-se que ao final dessenível de ensino o aluno esteja em con-dições de partir para a realização deseus projetos pessoais e coletivos; é aformação necessária para a constitui-ção do cidadão, na concepção da lei.Assim, não é por outra razão que asDCNEM destacam a formação ética eo desenvolvimento da autonomiaintelectual e do pensamento crítico co-mo objetivo central do Ensino Médio.Somente esse caráter de terminalidadejá seria suficiente para compreenderque a reforma pretendida transcendea mera alteração de conteúdos a ensi-nar, mas tem a dimensão mais amplade desenvolver as várias qualidades

humanas; daí a idéiade um ensino porcompetências.

Em relação àprimeira dificuldadeque será aqui tra-tada, qual seja, a es-trutura atual daescola e sua hierar-quia verticalizada, éimperativo que osprofessores leiam e

discutam a LDB/96 e os documentoselaborados pelo Ministério da Educa-ção (MEC), a saber: DCNEM, PCNs ePCNs+. Essa exigência serve até paraque os professores não sejam “enga-nados” em nome desses documentos,a partir de discussões isoladas efragmentadas. Ao contrário, o profes-sor terá que assumir seu papel de atorprincipal da reforma, assegurado pelalei, e deixar de ser mero executor deprogramas impostos. Para isso, a

Um dos pontos centrais daLDB é a nova identidade

dada ao Ensino Médio comosendo a etapa final do quese entende por educação

básica. Ou seja, espera-seque ao final desse nível deensino o aluno esteja emcondições de partir para arealização de seus projetos

pessoais e coletivos

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9Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003 Implementação dos PCN em Sala de Aula

leitura, a discussão e a busca de com-preensão dos documentos do MEC emseu todo, assim como do projetopolítico-pedagógico da escola, sãocondições necessárias. Necessáriasmas não suficientes, pois as propostaspor elas mesmas não mudam as prá-ticas de sala de aula, mas a reflexão ea avaliação destas podem levar areorientações signi-ficativas.

Essa apropria-ção do todo da pro-posta, e não apenasde partes isoladas, éenfatizada pelosPCNs e DCNEM,pois, dada a dimen-são da proposta de reforma, inovaçõessolitárias em uma disciplina corremo risco de serem um “clamor nodeserto” e não envolvem a escola. Aelaboração do projeto político-peda-gógico da escola deveria ser umaconstrução coletiva. Isso, por outrolado, não implica inventar novasdisciplinas ou que a escola trabalhecom um único tema, mas que hajauma ação articulada com vistas aosproblemas e desafios da comunidade,da cidade, enfim, que a escola não sejamero cenário, mas que de fato seja umambiente privilegiado das relações so-ciais. E, que a ética, valores e atitudessejam também conteúdos a ensinar.

Nesse sentido, as DCNEM ressal-tam como princípios pedagógicos aidentidade, a diversidade e a autono-mia. Autonomia para a escola elabo-rar seu projeto verdadeiramente polí-tico e substancialmente pedagógico,que contemple as características re-gionais e ao mesmo tempo cumpra abase curricular comum estabelecidaem lei e que será objeto de avaliaçãopelo MEC, envolvendo também adiversidade. E, que cada escola tenhae assuma uma identidade, proporcio-nada especialmente pela parte diversi-ficada do currículo, na qual poderãoser complementados e aprofundadosalguns dos saberes trabalhados no nú-cleo comum. Nessa parte do currículoa escola pode “ousar” mais, ou seja,partir para o desenvolvimento de pro-jetos inovadores, engajar os alunos, acomunidade, enfim, não há uma re-ceita pronta, há sim uma escola que

precisa mudar e os professores que-rem mudar! Como educar um sujeitoautônomo se a escola não dá espaçopara que o aluno discuta, fale, parti-cipe? Como levar os alunos a conti-nuar aprendendo se o professor nãoo faz?

Certamente, essa reorientação nãose dá de uma hora para outra, é um

processo de conti-nuidade e rupturas.Continuidade daspropostas, avalia-ções, reavaliações einovações que dãoresultados satisfató-rios; e rupturas compráticas que se mos-

tram inadequadas ou ineficientes, co-mo o ensino propedêutico, no qual oque se ensina só terá sentido, se é quetem, em etapas posteriores à educaçãoformal. Isso não se aplica mais a umnível de ensino que é etapa final. OEnsino Médio irá preparar não só parao prosseguimento dos estudos, mastambém para que o aluno possa fazerescolhas e, tanto quanto possível,decidir seu futuro, que pode não serum vestibular, mas um curso profis-sionalizante, por exemplo. Isso nãosignifica admitir que haja um cami-nho inevitável ao mercado de traba-lho, significa sim, pensar que nemtodos os alunos egressos do EnsinoMédio irão imediatamente para umcurso superior. Para esses, do que ser-virá a escola? Do que servirá a Física?

Algumas dessas preocupações es-tão presentes nos PCNs+, que trazemimportantes subsí-dios para a imple-mentação da pro-posta de reforma. Oobjetivo central des-se documento éproporcionar umapossibilidade deorganização escolar,dentro de cada áreade conhecimento,buscando esclarecerformas de articu-lação entre as competências gerais eos conhecimentos de cada disciplinaem potencial. Para isso, oferecemainda um conjunto de temas estru-turadores da ação pedagógica. Entre-

tanto, o documento salienta que nãose trata de uma imposição, mas de umexercício que procura contemplar ascompetências gerais e os conhecimen-tos, os quais não se excluem, mas secomplementam, se desenvolvem mu-tuamente.

A partir das três grandes compe-tências de representação e comunica-ção, investigação e compreensão,contextualização sócio-cultural, osPCNs+ sugerem para a Física osseguintes temas: movimentos: varia-ções e conservações; calor, ambiente eusos de energias; som, imagens e infor-mações; equipamentos elétricos e teleco-municações; matéria e radiação; Univer-so, Terra e vida. Cada um desses temassão subdivididos em unidades temáti-cas e evidenciadas suas relações entreas competências mais específicas e osconhecimentos físicos envolvidos. OsPCNs+ se aliam aos PCNs procurandodar um novo sentido ao ensino da Físi-ca, destacando que se trata de “cons-truir uma visão da Física voltada paraa formação de um cidadão contem-porâneo, atuante e solidário, com ins-trumentos para compreender, intervire participar na realidade” (MEC,2002b). É, portanto, de se perguntarnão somente sobre “o que ensinar deFísica”, mas principalmente “para queensinar Física”. Acrescentam ainda osPCNs+ que o nível de aprofunda-mento e as escolhas didáticas depen-dem das necessidades/realidade de ca-da escola, por isso é que o projeto polí-tico-pedagógico terá que ser uma ela-boração coletiva, pois tais decisões

ultrapassam o al-cance de um profes-sor isoladamente.

Mas, o que sepoderia entenderpor competênciasno contexto da re-forma? Ao que pa-rece, a discussãoacerca da noção decompetências naeducação brasileiraganhou força após

a LDB/96. Um dos autores que temsido fonte de leitura e discussão sobreesse tema é Philippe Perrenoud, já comvários livros traduzidos para oportuguês. Paradoxalmente, a com-

O Ensino Médio irá prepararnão só para o

prosseguimento dosestudos, mas também para

que o aluno possa fazerescolhas e, tanto quanto

possível, decidir seu futuro

Os PCNs+ se aliam aosPCNs procurando dar umnovo sentido ao ensino daFísica, destacando que setrata de “construir uma

visão da Física voltada paraa formação de um cidadãocontemporâneo, atuante esolidário, com instrumentospara compreender, intervir e

participar na realidade”

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preensão do que seria um ensino porcompetências ainda está longe deacontecer. Segundo esse autor, a noçãode competências pode ser entendidacomo “uma capacidade de agir eficaz-mente em um determinado tipo de si-tuação, apoiada em conhecimentos,mas sem se limitar a eles” (Perrenoud,1999). As competências seriam entãoa mobilização de recursos cognitivos,entre eles o conhecimento, a fim deresponder a uma situação-problemaem tempo real. Essa utilização, inte-gração e mobilização se dará em umatransposição de contextos, com vis-tas a inferir possíveis soluções ou ela-borar hipóteses.

Assim, é possível dizer que não seensina diretamente competências,mas cria-se condições para seu desen-volvimento. As habilidades, que esta-riam mais ao alcance da escola, nãodeveriam ser compreendidas comoum simples saber-fazer procedimen-tal, mas talvez um saber o que fazer,ou ainda saber e fazer, articulandoassim competências e habilidades, poisestas são indissociáveis.

Entretanto, além de se compreen-der o conceito de competências, étambém essencial repensar a concep-ção de educação presente na escola. Épôr em perspectiva os objetivos educa-cionais e se perguntar que sujeitopretende-se formar e para qual socie-dade? Em um ensino por competên-cias não serão os conteúdos que deter-minarão as competências, mas o con-trário. No ensinotradicional poderiase pensar que a se-qüência para asescolhas didáticas é:conteúdo, trans-posição didática,sala de aula, pré-requisitos, expec-tativa futura a car-go do aluno. Ou se-ja, os conteúdos sãoos primeiros a se-rem escolhidos e o que se vai fazercom eles ao final do Ensino Médio estáa cargo do aluno. Ele “tem” todos ospré-requisitos, basta juntar tudo! Seráque isso ocorre?

O que se pretende em um ensinopor competências é mudar essa

seqüência de modo que as competên-cias gerais norteiem as escolhas didá-ticas e práticas pedagógicas, inclusivedos conteúdos, exigindo uma novatransposição didática. Certamente queesse caminho não é linear, mas dinâ-mico, a partir das exigências do quese pretende conhecer/ensinar. Ao pro-porem novas orientações para o ensi-no por meio de te-mas estruturado-res, os PCNs+ res-saltam que “com-petências e conhe-cimentos são de-senvolvidos emconjunto e se refor-çam reciprocamen-te.” (Perrenoud,1999b)

Um outro au-tor que trata do tema competências éGuy le Boterf (1998), o qual descreveo desenvolvimento de competênciascomo sendo a passagem pelos estadosde incompetente inconsciente, no qualo sujeito não sabe que não sabealguma coisa; de incompetente cons-ciente, onde o sujeito sabe que não sabealgo; de competente consciente, no qualo sujeito sabe o que sabe sobre algo; ede competente inconsciente, onde o su-jeito não sabe o que sabe, pois teriarecursos cognitivos mobilizáveis emsituações-problema que ainda nãoconhece. A palavra incompetente podeparecer pejorativa, mas não é essesentido usual dado ao termo aqui.

Nos textos dePhilippe Perrenoudaparecem ainda ou-tros conceitos, espe-cialmente da didáti-ca francesa, quepodem ser obstácu-los à compreensãoda noção de compe-tências, entre eles ode transposição di-dática e de contratodidático. A idéia de

transposição didática ganhou notorie-dade no ensino das ciências a partirde Yves Chevallard (1991), a qual tra-ta basicamente dos processos dedescontextualização, despersonali-zação, e outros por que passa um sa-ber sábio, ou acadêmico, até chegar

nos programas escolares (saber a en-sinar) e na sala de aula (saber ensi-nado). Essa transposição implica umamudança de forma e conteúdo e umapassagem de um domínio a outro.Philippe Perrenoud alerta que não égarantido que a mera transposição dafísica dos físicos seja seguro para fazeros adolescentes adquirirem noções de

Física, especialmenteos que não se desti-nam à formaçãocientífica. Para esseautor a noção decompetências é umproblema de trans-posição didática, emsentido amplo, poisnão basta a legiti-mação acadêmica doque se pretende ensi-

nar, mas há necessidade de se buscarlegitimação cultural, tanto quanto decompreender esse processo.

Nesse sentido, também as práticassociais, as experiências, os saberes dosalunos entram em jogo e é precisocompreender que muitas regras desse“jogo da aprendizagem” são implí-citas, o que se poderia entender comoum contrato didático. Nessa relaçãoentre o professor, o saber e o aluno/alunos não há um único saber, em-bora exista um programa, mas os alu-nos têm suas relações pessoais comos saberes que, em muitos casos, sãode difícil acesso. “Colocar o aluno emjogo” e fazer com que ele continueessa relação com os saberes, agorasaberes científicos, para além da escolatambém tem a ver com a noção decompetências. Esse é um dos objetivosda “negociação” desse contrato didá-tico, qual seja, de ampliar os espaçosde diálogo, a fim de que a relaçãodidática não se torne um “diálogo desurdos” (Astolfi e Develay, 1995).

Dois outros conceitos presentesnos PCNs e DCNEM, entendidos comoeixos estruturadores da organizaçãocurricular, carecem de discussão: acontextualização e a interdisciplina-ridade. A contextualização visa a darsignificado ao que se pretende ensinarpara o aluno. Ou seja, se o ponto departida é a realidade vivida do aluno,também será o ponto de chegada, mascom um novo olhar e com uma nova

Não se ensina diretamentecompetências, mas cria-se

condições para seu desenvol-vimento. As habilidades, queestariam mais ao alcance da

escola, não deveriam sercompreendidas como um

simples saber-fazerprocedimental, mas talvezum saber o que fazer, ou

ainda saber e fazer

Além de se compreender oconceito de competências, étambém essencial repensara concepção de educaçãopresente na escola. É por

em perspectiva os objetivoseducacionais e se perguntar

que sujeito pretende-seformar e para qual

sociedade

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11Física na Escola, v. 4, n. 1, 2003 Implementação dos PCN em Sala de Aula

compreensão, que transcende o coti-diano, ou espaço físico proximal doeducando. A contextualização auxiliana problematização dos saberes a ensi-nar, fazendo com que o aluno sinta anecessidade de adquirir um conheci-mento que ainda não tem. Todavia, aaprendizagem se dá pela elaboraçãode pensamento ecapacidade de abs-tração, de modoque não se podeconfundir a con-textualização comuma diluição eminformações gené-ricas e superficiais,desprezando o rigorque as disciplinas científicas exigem.

Também a interdisciplinaridade émais que a mera justaposição de me-todologias e linguagens de mais deuma disciplina. É a complexidade doobjeto que se pretende conhecer/com-preender que exige reconhecer e ultra-passar os limites de uma única disci-plina. É o diálogo, o complemento, oconfronto com outros conhecimentoscom vistas a uma melhor compreen-são do mundo. Isso coloca a interdis-ciplinaridade em uma dimensão

Referências BibliográficasMEC, Secretaria de Educação Média e

Tecnológica. PCNs+ Ensino Médio: orientaçõeseducacionais complementares aos ParâmetrosCurriculares Nacionais. Ciências da Natureza,Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC,SEMTEC, 2002. 144 p.

MEC, Secretaria de Educação Média eTecnológica. PCNs+ Ensino Médio: orientaçõeseducacionais complementares aos ParâmetrosCurriculares Nacionais. Ciências da Natureza,Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC,SEMTEC, 2002b, p. 59.

epistemológica e não apenas uma prá-tica metodológica, ou multidiscipli-nar, ou ainda simples exemplos ilus-trativos que envolvam outras áreas.

As DCNEM, os PCNs e os PCNs+ainda são documentos relativamentenovos e, portanto, suas propostasprecisam ser discutidas e debatidas.

Um exemplo dissosão alguns entendi-mentos de que anoção de competên-cias, ao centralizarunicamente no in-divíduo o processoformativo, poderiaesconder a intençãode lhe atribuir a

responsabilidade por não conseguirrealizar seus planos pessoais e cole-tivos, em vez de responsabilizar aspec-tos sócio-econômicos excludentes ain-da presentes em nossa sociedade. Poroutro lado, tais documentos oferecemimportantes subsídios que possibi-litam uma reorientação no ensino dasciências que pode contribuir para asuperação dessa condição. O que aFísica pode fazer pelos alunos? Essa éuma questão fundamental.

Observa-se ainda que há uma

distância a ser vencida entre a propos-ta e a prática, cujo sucesso dependeda superação de algumas dificuldadesdetectadas em pesquisas anteriores(Ricardo, 2002), dentre as quais sedestacam: falta de espaço para discus-são das propostas do MEC em seu to-do e para a elaboração coletiva do pro-jeto político-pedagógico da escola;ausência de programas de formaçãocontinuada; desencontro de informa-ções entre as instâncias federais,estaduais e a escola; pouco materialdidático disponível verdadeiramentecompatível com os PCNs e outras.

No entanto, as mudanças nasociedade atual estão ocorrendo e há,bem ou mal, uma reforma educacio-nal em andamento. Pode-se considerarduas alternativas: protagonizar a re-forma, dentro do alcance de cada um,ou ser atropelado por ela. Espera-seque esse convite à reflexão seja tam-bém um convite a se optar pela pri-meira possibilidade.

AgradecimentoGostaria de agradecer ao Prof. Dr.

Arden Zylbersztajn, do Departamentode Física da UFSC, pelas contribuiçõesdadas a este artigo.

Perrenoud, P. Construir as Competências desdea Escola. Trad. Bruno Charles Magne. PortoAlegre: Artes Médicas Sul, 1999, 90 p.

Perrenoud, P. Construir as Competências desdea Escola. Trad. Bruno Charles Magne. PortoAlegre: Artes Médicas Sul, 1999b, p. 13.

Guy le Boterf. L’ingénierie des compétences.Paris: 1998. Pode ser encontrado resumido nosite: http://www.adbs.fr/site/emploi/guide_emploi/competen.pdf.

Chevallard, Yves. La Transposición Didáctica:del sabe sabio al saber enseñado. Trad. ClaudiaGilman. Buenos Aires: Aique Grupo Editor,1991, 196 p.

Astolfi, J.P. e Develay, M. A Didática dasCiências. Tradução de Magda S. Fonseca. 5.ed. São Paulo: Papirus, 1995, 132 p.

Ricardo, E.C. As Ciências no Ensino Médioe os Parâmetros Curriculares Nacionais: daproposta à prática. Ensaio - avaliação epolíticas públicas em educação. Rio de Janeiro,v. 10, n. 35, p. 141-160, abr/jun. 2002.

Ricardo, E.C. e Zylbersztajn, Arden. OEnsino das Ciências no Nível Médio: um estudode caso sobre as dificuldades na implementaçãodos Parâmetros Curriculares Nacionais.Caderno Brasileiro de Ensino de Física. Floria-nópolis, v. 19, n. 3, p. 351-370, dez. 2002.

As mudanças na sociedadeatual estão ocorrendo e há,bem ou mal, uma reforma

educacional em andamento.Pode-se considerar duas

alternativas: protagonizar areforma, dentro do alcance

de cada um, ou seratropelado por ela

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