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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 36 | agosto de 2016 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA AGOSTO 2016 36 IMPORTÂNCIA DA ONU NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS: CRÍTICAS E PERSPECTIVAS UN Importance On The Settlement Of International Disputes: Critics And Prospects ADRIANO ARTUR JOÃO Doutorando em Direito e Segurança RESUMO O Direito Internacional surgiu como “um elemento de forte consenso, procurando colmatar lacunas éticas e jurídico-constitucionais”, sendo “o sistema de princípios e normas de natureza jurídica, que disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem numa posição jurídico-pública, no âmbito das suas relações internacionais”. Os conflitos são fenómenos sociais complexos, que resultam de uma decisão, comportam vários elementos e apresentam simultaneamente vários aspetos. O recurso a força só se deverá ser utilizado depois de se haverem esgotado todas as hipóteses de sucesso das estratégias, processos, técnicas e mecanismos de resolução das controvérsias. As guerras têm um efeito destrutivo, traduzem-se na perda e destruição de recursos humanos e materiais, atrasando o processo de evolução natural dos Estados e da Comunidade Internacional.

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 36 | agosto de 2016

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DIREITO, SEGURANÇA E

DEMOCRACIA

AGOSTO

2016

Nº 36

IMPORTÂNCIA DA ONU NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS: CRÍTICAS E PERSPECTIVAS UN Importance On The Settlement Of International Disputes: Critics And Prospects ADRIANO ARTUR JOÃO Doutorando em Direito e Segurança RESUMO O Direito Internacional surgiu como “um elemento de forte consenso, procurando colmatar

lacunas éticas e jurídico-constitucionais”, sendo “o sistema de princípios e normas de

natureza jurídica, que disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem

numa posição jurídico-pública, no âmbito das suas relações internacionais”.

Os conflitos são fenómenos sociais complexos, que resultam de uma decisão, comportam

vários elementos e apresentam simultaneamente vários aspetos. O recurso a força só se

deverá ser utilizado depois de se haverem esgotado todas as hipóteses de sucesso das

estratégias, processos, técnicas e mecanismos de resolução das controvérsias.

As guerras têm um efeito destrutivo, traduzem-se na perda e destruição de recursos

humanos e materiais, atrasando o processo de evolução natural dos Estados e da

Comunidade Internacional.

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DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

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A paz é um estado de tranquilidade mental, moral e espiritual; um bem precioso

necessário de se construir através do conhecimento, da sabedoria e do respeito pelos

princípios e valores éticos e morais em que assentam as relações de convivência pacífica.

O Direito à Paz é um direito difuso relativamente aos seus titulares, à oponibilidade e à

sanção organizada aplicável àqueles que perturbam a paz social. Educar para a paz é o

caminho mais seguro para construir a paz mundial.

PALAVRAS-CHAVE Relações Internacionais, Direito Internacional, Conflito, Guerra, Paz, Liberdade, Direitos

do Homem, Organizações Internacionais.

ABSTRACT International law has emerged as "a strong consensus element, try to remedy ethical, legal

and constitutional gaps” where “the system of principles and norms of a legal, governing

members of the international society to act in a legal and public position, within its

international relations”.

Conflicts are complex social phenomena that result from a decision, and suggest several

elements simultaneously present various aspects.

The use of force should only be used after they have exhausted all chances of success of

the strategies, processes, techniques and mechanisms of disputes.

Wars have a destructive effect, reflect on the loss and destruction of human and material

resources, delaying the process of natural evolution of states and the International

Community.

Peace is a state of mental tranquility, moral and spiritual; a precious commodity necessary

to build through knowledge, wisdom and respect for principles and ethical and moral

values which underpin the relationship of peaceful coexistence.

The Right to Peace is a diffuse law on their holders, Enforceability and organized sanction

those who disturb social peace. Education for peace is the surest way to build world

peace.

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DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

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KEYWORDS International Relations, International Law, Peace, War, Conflict, Freedom, Human Rights,

International Organizations.

Abreviaturas, Siglas e Acrónimos Ac. – Acórdão.

ACNUDH - Alto Comissariado da Nações Unidas para os Direitos Humanos, criado

em 1993, organismo subsidiário da Assembleia Geral da ONU.

ACNUR – Alto Comissariado da Nações Unidas para os Refugiados, instituído em

1949 e aprovado em 1951, na Convenção de Genebra sobre a Condição dos Refugiados.

Act. – Actualizado; actualizada.

Amp. – Ampliado; ampliada.

Anot. – Anotado; anotada.

Art.º - Artigo; artigos.

ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático.

Aum. – Aumentado; aumentada.

BAD – Banco Africano de Desenvolvimento.

BM – Banco Mundial, criado pelo Acordo da Conferência de Bretton Woods, de 1 a

22 de julho de 1944, retificado os seus estatutos, em 31 de dezembro de 1945.

BMJ – Boletim do Ministério da Justiça.

CADH - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em 1969, entrou

em vigor em 1978.

CADHP - Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, assinada em 1981.

CADHP - Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, órgão da UA.

CC - Comando e Controlo.

CCPM – Comissão Conjunta Político Militar, Angola.

CCR – Convenção sobre a Condição dos Refugiados, aprovada em 1951, em

Genebra.

CDFUE – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01).

CEDAO - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental.

CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação

Contra as Mulheres, adoptada em 1979, pela Assembleia das Nações Unidas.

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DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

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CEDH - Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

CEDR - Comité para a Eliminação da Discriminação Racial.

CEMAC - Comunidade Económica dos Países da África Central.

CESDHLF - Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais.

Cf. – Confira, conferir.

CI (2011) – Convenção de Istambul, de 2011.

CIA – Central Intelligence Agency.

CIDC - Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989.

CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos, instituída em fevereiro de

1967, na III Conferência Interamericana Extraordinária, órgão da OEA.

CIDM - Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.

CIEDR - Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de

Discriminação Racial, adoptada em 1965, pela Assembleia-Geral das Nações Unidas,

entrado em vigor em 1969.

CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.

CIPCG – Convenção Internacional sobre a Prevenção do Crime de Genocídio,

aprovada em 1948, pelas Nações Unidas.

CNU – Carta das Nações Unidas.

Cód. – Código.

Comp. – Compilação; compilada.

Coord. – Coordenação; coordenações.

COT – Crime Organizado Transnacional.

CP – Código Penal.

CPDHLF – Convenção para a Protecção do Homem e das Liberdades

Fundamentais, adaptada em Roma, a 4 de Novembro de 1950 e entrada em vigor em na

ordem internacional, em 3 de Setembro de 1953, e modificado nos termos do Protocolo

n.º 11, entrado em vigor em 1 de Novembro de1998.

CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

CPP – Código do Processo Penal.

CPS – Conselho para a Paz e Segurança da União Africana.

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CRA – Constituição da República de Angola, aprovada em 3 de Fevereiro e

promulgada em 5 de fevereiro de 2010.

CSE - Carta Social Europeia.

DAW - Divisão para o Avanço das Mulheres, criada em 1946, pela ONU.

DCC – Declaração dos Direitos da Criança, aprovada em 1959, pela ONU.

DD – Declaração dos Direitos, votada pelos representantes do povo da Virgínia,

em 1 de Julho de 1776.

DDHC – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de

1789, integrada na Constituição Francesa de 1791.

DDPMNERL - Declaração sobre os Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias

Nacionais, Étnicas, Religiosas e Linguísticas, adoptada em 1992, pela Assembleia Geral

das Nações Unidas.

DDS – Ciclo de estudos conducente ao grau de “Doutor em Direito e Segurança”,

promovido pela Faculdade de Direito/UNL, no ramo científico “Direito e Segurança”,

aprovado pelo Regulamento n.º 384/2013, de 25 de setembro.

Dec. – Decreto.

Dec. Lei – Decreto-Lei, Decretos-Lei.

DI – Direito Internacional.

DP – Direito Penal.

DUDH - Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Resolução

da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 217 (III), em 10 de dezembro de 1848.

ed. – edição.

EM – Estado-Membro.

EME – Estado-maior do Exército.

et al. – et alli (e outros).

etc. – et cetera (e o resto).

ETPI – Estatuto do Tribunal Penal Internacional.

EU – Europa.

EUA – Estados Unidos de América.

FAA – Forças Armadas Angolanas.

FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.

FMI – Fundo Monetário Internacional.

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GF – Guerra Fria.

GM – Guerra Mundial.

GOL – Linhas Aéreas Inteligentes, Brasil.

GPS – Global Positioning System – Sistema de Posicionamento Global – criado em

1973, é um sistema de navegação por satélite, com um aparelho móvel que envia

informações sobre o posicionamento de algo em qualquer horário e em qualquer condição

climática; tem um poder de encontrar o caminho para um determinado local, saber a

velocidade e direcção do seu deslocamento; utilizado em automóveis com um sistema de

mapas, na aviação geral e comercial, na navegação marítima e por diversas pessoas que

querem saber a sua posição e, principalmente, para viajar.

i. e. – isto é.

Ibid. – no mesmo lugar.

Id. – Idem.

IDN - Instituto de Defesa Nacional.

In – Inclusion - Inclusão.

In. – Inimigo.

INSTRAW - Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para o Progresso

da Mulher, criado em 1976, pela ONU.

interceptores - fazer sentir os efeitos militares da Força (Targeting e actuação

“NRT”).

LCM – Lei dos Crimes Militares, aprovada pela Lei n.º 4/94, de 28 de Janeiro.

LMCPP – Lei sobre as Medidas Cautelares em Processo Penal, aprovada pela Lei

n.º 25/15, de 18 de Setembro, entrada em vigor a 18 de Dezembro de 2015.

LOIC – Lei da Organização e Investigação Criminal, de 27 de agosto de 2008.

LPP – Lei sobre a Prisão Preventiva em Instrução Preparatória, aprovada pela Lei

n.º 18-A/92, de 17 de Julho.

n.º - número.

NBQ – Nitrobenzothiazolo Quinolinium.

NCC – Netword Centric Capability.

NCW – Netword Centric Warfare – Armas Centralizado no Líquido.

network - reunir, comunicar e explorar a informação.

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NRDM – Normas Reguladoras da Disciplina Militar/FAA, aprovadas pela CCPM,

em 22 de Novembro de 1991.

NRT – Net Registered Tonnage – Arqueação Líquida.

NSS – National Serveillance State – sistema desenvolvido desde finais do século

XX pelos Estados Unidos da América, para a recolha, análise e cruzamento de

informações sobre cidadãos no mundo.

NU – Nações Unidas.

ob. cit. – obra citada.

OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico.

OCR - Operações Centradas em Rede - conjunto das operações militares levadas

a cabo por uma força armada interligada de acordo com as características da Era da

Informação.

OCT – Organizações Criminais Transnacionais.

ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milénio.

OEA - Carta da Organização dos Estados Americanos, aprovada na Conferência

de Bogotá, em 30 de Abril de 1948, entrou em vigor em 1951.

OEI – Ordem Económica Internacional.

OFOAPR - Organização e Funcionamento dos Órgãos Auxiliares do Presidente da

República de Angola, aprovada pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de

Outubro.

OI – Ordem Internacional; Organizações Internacionais.

OISE - Órgãos de Inteligência e de Segurança do Estado, criados por força do

Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro.

OMC – Organização Mundial do Comércio.

OMP – Organização Mundial de Propriedade Intelectual.

OMS – Organização Mundial da Saúde.

ONG – Organização Não-Governamental; Organizações Não-Governamentais.

Online – disponível na internet.

ONU – Organização das Nações Unidas.

OPC – Órgãos de Polícia Criminal.

OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo.

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OSAGI – Escritório de Assessoria Especial para as Questões de Género e

Promoção da Mulher, criado em 1977, pela Organização das Nações Unidas.

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, fundada a 4 de abril de 1949,

através do Tratado de Wachington.

OTM – Organização Tutelar das Crianças.

p. – página.

p. ex. – por exemplo.

PA – Protocolos Adicionais.

PALOP – Países de Língua Oficial Portuguesa.

PC – Proteção Civil.

PF – Protocolo Facultativo referente ao PIDCP.

PIDCP - Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

PIDESC – Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

PIN – Personal Identification Number - Número de Identificação Pessoal (NIP).

PJ - Polícia Judiciária.

PNR – Passenger Name Records – Registos de Identificação de Passageiros.

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Policy markers – legisladores.

pp. – páginas.

PPP – Parceria Público-Privada.

Prof. – Professor; Professora.

R.F.D.U.N.L. – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

R.L.J. – Revista da Legislação e Jurisprudência.

R.M.P. – Revista do Ministério Público.

R.O.A. – Revista da Ordem dos Advogados.

Ranking – classificação.

Rev. – Revisto; Revista.

RI – Relações Internacionais.

RMA- Revolução dos Assuntos Militares.

RMC – Revolução Militar em Curso.

s. d. – sem data.

s. l. – sem local.

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SADEC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral.

Séc. – Século; séculos.

SFI – Sociedade Financeira Internacional.

SI – Sistema Internacional no campo das Relações Internacionais.

SIC – Sistema de Investigação Criminal, Serviço de Investigação Criminal.

SIE – Serviço de Inteligência Externa, criado pelo Decreto Legislativo Presidencial

n.º 5/12, de 15 de Outubro, art.º 50º, n.º 1, da OFOAPR.

SIIC – Sistema Integrado de Informação Criminal.

SINSE – Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, criado pelo Decreto

Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro, art.º 49º, n.º 1, da OFOAPR.

SISM – Serviço de Inteligência e Segurança Militar, criado pelo Decreto Legislativo

Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro, art.º 51, n.º 1, da OFOAPR.

SJ - Sistema Judicial.

ss. – seguintes.

STJ – Supremo Tribunal de Justiça.

Supl. – Suplemento.

TADHP - Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, criado em Junho

de 1998, mediante Protocolo assinado pelos Chefes de Estados da OUA.

TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

TIC – Tecnologia de Informação, Comunicação e Conhecimento.

TIE - Tribunais Internacionais Específicos.

TIJ – Tribunal Internacional de Justiça.

TJE – Tribunal de Justiça Europeia.

TO – Teatro Operacional.

TOM - Teatro Operacional Militar.

TPA - Tribunal Permanente de Arbitragem.

TPI – Tribunal Penal Internacional.

TPJ - Tribunal Penal para a Jugoslávia, criado sem 25 de Maio de 1993.

TPR – Tribunal Penal para o Ruanda, criado em 8 de Novembro de 1995.

TV – televisão.

UA – União Africana.

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UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura.

UNICEF – Fundo Internacional das Nações Unidas de Socorro à Infância.

UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, criado

em 1976, pela ONU.

v. – vide.

Vol. – Volume; volumes.

www – World Wide Web.

INTRODUÇÃO O Homem é, por natureza, um animal social e um ser gregário que relaciona-se

com o seu semelhante, estabelecendo formas diversas de relacionamento para a

satisfação e realização de interesses e objetivos comuns.

A história da evolução da humanidade mostra-nos, pois, que o Homem é,

simultaneamente, um animal social, que se relaciona com o seu semelhante, um animal

económico, que produz e consome, e um animal político, que prepara e toma decisões

obrigatórias para todos os membros da colectividade humana a que respeitam.

No planeta Terra, onde habita um rebanho de humanos, encontra-se, hoje, de

diversas formas de organização social: Estados autónomos e independentes, uns

soberanos e outros semi-soberanos, uns Estados-nações, outros Estados plurinacionais e

outros Estados com projecto nacional. Neste sentido, Armando Marques Guedes (2005)

sublinha que «As transformações sofridas pelo caminho são, aliás, assaz instrutivas (…)

na fase fundacional inicial, as preocupações dos antropólogos mantiveram-se focadas no

apuramento das várias configurações segundos as quais o controlo social seria

sustentado e potenciado pela interrelação de “instituições”, ou na descoberta das “regras”

subjacentes à manutenção de uma “ordem” em sociedades particulares.»1

E no interior de cada um dos Estados, coexistem famílias, comunidades de

resistência, associações profissionais, recreativas e culturais, grupos organizados de

diferentes matizes, que se movem e actuam na esfera privada, uns, e na esfera pública,

1 Guedes, Armando Marques. Entre Factos e Razões: Contextos e Enquadramentos da

Antropologia Jurídica. 1.ª ed. Coimbra: Almedina. 2005. pp. 104-105.

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outros, os quais são geralmente designados de grupos de interesses, grupos de pressão,

grupos para-políticos e partidos políticos. Numa “perspectivação tópica inicial da

antropologia jurídica em contexto, o autor referenciado, enaltece que «os obstáculos

confrontados são de facto muitíssimo embaraçosos, no sentido em que não são de fácil

resolução. Efectivamente, a Antropologia Jurídica (…) debruça-se sobre numerosas

sociedades e culturas por vezes muito diferentes uma das outras, e tenta lidar com o

problema peculiar que é suscitado pela ausência, em muitas sociedades, de quaisquer

organismos jurídicos (e até políticos) formais».2

Além desta panóplia de instituições, foram criadas, nos últimos cento e cinquenta

anos, centenas de organizações internacionais públicas e privadas e muitas sociedades

(empresas) multinacionais, enquanto as associações profissionais e os partidos políticos

se internacionalizavam, confederando-se a nível regional e mundial, e se organizavam, a

nível transnacional, grupos de intervenção ilegal, que fazem cair torres, explodir

transportes colectivos, descarrilar comboios, aterrorizam colectividades e atormentam os

governos em todos os cantos da Terra (Fernandes, 2011: 6-7).

Por conseguinte, a comunidade internacional dos nossos dias caracteriza-se pela

existência, no seu seio, de uma pulverização de grupos, sociedades, associações,

organizações e instituições ligadas entre si por uma complexa rede de comunicações,

informações e de relações interpessoais, intergrupais e interinstitucionais. Estas relações

desenrolam-se em espaços intranacionais e internacionais, e revestem formas diversas

que se podem agrupar em duas categorias: relações pacíficas (amigáveis), que decorrem

dentro da normalidade estabelecida, e relações conflituosas, que revestem um aspeto

problemático, e resultam de dificuldade de vária ordem que dão origem as tensões,

descordos, diferendos e mesmo litígios de carácter mais ou menos grave que podem

degenerar em conflitos armados.

A ONU é um modesto elemento do conjunto complexo de instituições que

asseguram as RI, por essa razão concordamos com Maurice Bertrand ao afirmar que «a

ONU é apenas uma ínfima malha de uma imensa rede. As instituições que tratam das

relações internacionais são ao mesmo tempo públicas e privadas. As sociedades

transnacionais ou multinacionais têm filiais, agências e correspondentes que constituem

2Ob. cit. pp. 96-97.

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um sistema mundial, em alerta permanente, que exercem uma grande influência sobre os

governos. Também existe um grande número de associações internacionais, as ONG, ou

organizações não-governamentais, que tratam todos os problemas imagináveis e têm

agências, escritórios e representantes espalhados pelo mundo» (Bertrand, 2004: 13).

Ao longo da história da humanidade, as relações entre as sociedades politicamente

organizadas têm revestido, em certos períodos de tempo e determinados espaços

geográficos, um carácter de normalidade, traduzindo-se em relações de reciprocidade, de

cooperação, de concertação e de integração; enquanto em outros períodos de tempo, por

vezes bastantes longos, em espaços geográficos diversos e de dimensões variáveis, as

relações entre os Estados têm revestido um carácter problemático, gerando situações de

crise, intranquilidade e de conflito.

A ideia da necessidade de um sistema de normas que regule as relações entre os

homens impõe-se antes de mais no que respeita à ordem social que constitui o Estado.

Mas, logo se manifesta a exigência de um sistema jurídico que se estabeleça também nas

relações entre os diversos estados e entre os respetivos cidadãos. Deparamos assim,

num plano ideal, com dois sistemas diferentes – o Direito interno e o Direito internacional,

que deveria chamar-se, mais propriamente, interestadual (Giorgio Del Vecchio, 1968:

166).

O primeiro apresenta-se com contornos muito mais nítidos que o segundo. Há no

Estado um poder central, do qual dimanam formalmente todas as normas que compõem o

sistema; daí conceber-se o Estado como um eterno soberano a ser-lhe atribuídas

jurídicas confirmadas e coordenadas numa sólida unidade.

Os problemas surgem quando se pretende fundamentar, racional e realmente, um

sistema que coordene de modo unitário os diferentes Estados. Admitir um poder central

soberano, que admitisse os Estados, do mesmo modo que na ordem interna em que o

Estado domina os indivíduos, seria pôr em causa aquele atributo pelo qual o Estado se

afirma como suprema postetas. Um sistema de Direito Internacional conduz

inevitavelmente a conceber a formação de um estado único que reunisse todo o género

humano.

A doutrina dominante admite a coexistência dos dois sistemas jurídicos, atribuindo

porém ao interno ou estadual estrutura mais perfeita e validade mais intensa; ao passo

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que o internacional ou interestadual se apresentaria dotado de certeza e de eficácia

inferiores, deixando assim subsistir a autonomia dos diversos Estados.

André Ventura (2015: 21) enaltece que «deve entender-se o direito interno como

ordenamento vital de um Estado ou organização pública (não estatal) enquanto que o

direito internacional deve assumir a configuração de direito global de todo as

comunidades (estatais e não estatais), o que não significa necessariamente diferenças

face à sua juridicidade (…). Nem sequer significará, necessariamente, que ambos os

ordenamentos se encontram em conflito direito e sistemático, podendo verificar-se várias

formas de coordenação e articulação».

A distância conjuntural e acidental da História do Direito, segundo Armando

Marques Guedes, viveu «um período de profunda alteração de coordenadas. A

integridade funcional dos sistemas sociais tornaram-se para todos cada vez menos líquida

e convincente, porventura em consonância com as enormes mudanças e convulsões

sócios-políticas ocorridas nos panoramas nacionais e internacionais então

contemporâneos»3.

Têm sido muitas e variadas as situações conflituosas que perturbam a paz e a

tranquilidade e geram sentimentos de receio, de medo e de pânico, resultante do

comportamentos de certos e determinados protagonistas internacionais. Porquê?

Que características ou critérios identificam o Direito Internacional face ao Direito

Interno?

Qual é a essência do verdadeiro carácter normativo do Direito Internacional no

contexto das Nações?

Quais são as razões de tanta conflitualidade?

Quais as causas das guerras ou dos conflitos entre os principais protagonistas das

Relações Internacionais?

Terá a Organização da Nações Unidas contribuído para evitar a eclosão e

proliferação de conflitos internacionais?

Como proceder para que haja paz, tranquilidade e segurança?

Será possível o estabelecimento de uma paz duradoira entre grupos, os povos e os

Estados?

3 Idem pp. 117-118.

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Por conseguinte, no dealbar do século XXI, em que o homem dispõe de maios e

técnicas de destruição massiva e de suicídio colectivo da humanidade, em que a história

é, muitas vezes ensina como sendo a história das guerras, dos tratados de paz, da

violação destes e de novas guerras, haverá algumas possibilidade da humanidade pôr

termo ao processo de suicídio colectivo e instituir a paz mundial perpétua, que Kant já

preconizava no último quartel do século XVIII?

Poder-se-á orientar e canalizar a agressividade do ser humano para construir uma

paz mundial assente em princípios e valores que assegurem a liberdade e garantam a

felicidade dos povos que integram a própria humanidade?

A estas interrogações procuramos responder neste trabalho, que consta além

desta introdução, de mais cinco partes e uma conclusão.

Na primeira parte, analisa-se o surgimento e desenvolvimento das Relações

Internacionais e do Direito Internacional, as suas características e seus fundamentos,

culminando com uma apreciação crítica da crise do Direito Internacional no actual

contexto das Relações Internacionais.

Na segunda parte, versa-se sobre a análise da problemática dos conflitos, tipologia

e vias de solução e controle de conflitos internacionais, o papel dos Estados,

Organizações Internacionais e técnicas utilizadas na resolução dos conflitos

internacionais numa visão crítica, procurando entender e explicar os diferentes tipos de

conflitos e o aproveitamento das situações conflituosas pelos protagonistas no contexto

das Nações.

Na terceira, examina-se com alguma profundidade a guerra como fenómeno social,

seu significado, suas causas, funções e tipologia, caracterizando o fenómeno subversivo

na Era da Globalização.

Na quarta, debruça-se sobre as dimensões do conceito e problemática da Paz na

actual etapa de desenvolvimento global, referenciando sobre as diversas concepções da

ideia da paz.

Na quinta e última, salientam-se as conexões do Direito à Paz no contexto dos

Direitos Humanos, relacionando-as com os conceitos de educação, compreensão e de

direitos humanos, a fim de perceber se a educação é imprescindível para garantir a paz

mundial e protecção dos direitos do homem e se a Organização da Nações Unidas tem

contribuído para minimizar e reduzir as situações de conflitualidade armada internacional.

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1. Génese e Crise das Relações Internacionais e do Direito

Internacional Quem meditar na gravidade e dificuldade dos problemas globais, nas controvérsias

que reinam ainda em torno deles, e sobretudo na persistência do trágico fenómeno da

guerra, que apesar de inspirações milenárias de paz, continua a alvoroçar a vida dos

povos, terá fartos motivos para desesperar da sorte do género humano.

Mas a inextinguível vocação do nosso espírito, atestando a fraternidade essencial

do género humano, bem como a observação de certos factos da história antiga e

moderna, anima-nos a vencer a desesperança.

Sabe-se que, nas sociedades primitivas, só aos que pertencem ao grupo é

reconhecida personalidade jurídica; o estrangeiro é equiparado, teoricamente, aos

animais selvagens. Todavia, o mendigo, que por acaso se encontre longe da sua pátria,

costuma ser respeitado, até pela ideia de que nele se pode dissimular alguma divindade.

Não será talvez esta ideia, supersticiosa embora, um indício de que, desde as épocas

mais recuadas, a inteligência humana foi capaz de superar o exclusivismo de grupo?

Recorda-se que, no sistema do Direito romano, o escravo caput non habet: é uma

coisa, não uma pessoa. Mas, se tal é a fórmula dogmática, na realidade o mesmo Direito

reconhece indiretamente ao escravo certos direitos: não civiliter, porém naturaliter.

Sabe-se também que, em tempos se tinha delineado um sistema de Direito

Internacional já em épocas remotos foram formuladas e observadas regras nas relações

entre os Povos, mesmo no que à guerra respeita. Tais regras tiveram, a princípio carácter

puramente religioso: por exemplo a declaração de guerra era acompanhada de certos

ritos, o que transparece claramente do jus feciale ou fetiale dos Romani. A religião, já nas

suas formas primitivas, tenha temperado de algum modo a dureza dos costumes e das

leis antigas nas relações entre os Povos.

Com o advento e a difusão do Cristianismo que começou a delinear-se uma certa

ordem internacional, segundo os princípios afirmados e propugnados pelos órgãos mais

autorizados da Igreja e, cuja eficácia encontrou muitos obstáculos e oposições, quer em

face dos povos não-cristãos, quer por efeito de paixões e de ideologias hostis.

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Tal como sublinha André Ventura (2015), o direito internacional surgiu como um

elemento de forte consenso, procurando colmatar lacunas éticas e jurídico-

constitucionais.

Por conseguinte, o Direito Internacional moderno surgiu no Séc. XVII, sendo

usualmente indicado como marco inicial o Tratado de Vestefália de 1648, que pôs fim à

Guerra dos Trinta Anos e «in ocasione del quale lo Stato, da un lado, consolida

definitivamente la propria indipendenza rispetto all`Imperatore, dei quali si disconosce,

portanto, qualsiasi supremazia e, dall`altro, afferma il proprio dominio exclusivo su un

determinato territorio e sulla relativa popolazione, com eliminazione dei vari centri di

potere (feudali o comunali) che si erano formati nei secoli precedenti in una logica

pluralista»4.

O conceito de Direito Internacional tem sido alvo de debate, ou seja, tem sido

problemática a descoberta dum conjunto de critérios específicos de delimitação desta

área do Direito.

Embora seja fácil a apreensão simplista da contraposição em Direito Internacional

e o Direito Interno, Jorge Miranda (2009: 24), afirma que «as diferenças ressaltam quase

à vista desarmada. Não encontramos leis como modo de formação centralizada do Direito

por obra das autoridades com competência para tal. Como modo mais aproximado

apenas encontramos – hoje, não há 100 anos – os tratados multilaterais gerais e as

decisões, ou certas decisões, de órgãos de organizações internacionais e de identidades

afins».

Jorge Bacelar Gouveia (2003: 314) constata que sendo o Direito Internacional um

setor do Direito Público que «melhor se experimenta do que se concretiza, pelo que não

tem sido fácil propor uma afinada definição do mesmo».

Enfrentando esse desafio intelectual existem vários critérios doutrinais sugeridos

pelo autor citado, para se proceder à respetiva delimitação:

a) Critério dos sujeitos intervenientes;

b) Critério das matérias reguladas; e

4 Carbone, Sergio M.: “I soggetti e gli attori nella comunita internazionale”, in Carbone, S.M., Luzzatto, R., &

Santa Maria, A. (a cura di): Istituzioni di diritto internazionale, 3.ª ed., Torino, Giapichelli, 2006, pp. 3-41, pp.

3-5.

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c) Critério das fontes normativas.

Concordamos com a ideia do mesmo autor, segundo a qual «não cremos que

nenhuma destas conceções possa ser, por si só, inteiramente esclarecedoras daquilo que

é o Direito Internacional Público. Nenhuma destas conceções – porque redutores de uma

realidade que é mais vasta – é suficientemente englobantes do Direito Internacional

Público, para além de alguns desses critérios não são diretamente explicativos do setor

jurídico que pretendem identificar.

A nossa definição de Direito Internacional Público apresenta-o do seguinte modo,

numa conceção global: «o sistema de princípios e normas, de natureza jurídica, que

disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem numa posição jurídico-

pública, no âmbito das suas relações internacionais»5.

1.1. Esboço histórico do desenvolvimento das Relações

Internacionais

Giorgio Del Vecchio afirma que “a ideia do Direito natural (…) em substância da

Filosofia grega, e principalmente da escola estóica, foi aplicada pelos juristas romanos

aos institutos do Direito interno, tornando-se um importante factor do seu progresso” e

“veio a frutificar no campo do direito internacional”, devido à “sua recepção pelos

canonistas (1968: 173).

Por outro lado, a Filosofia patrística, e depois dela a escolástica, ao mesmo tempo

que deduziam do Decálogo e do Evangelho os princípios absolutos do Direito natural,

acolheram (…) grande parte da doutrina dos jurisconsultos romanos, inserindo-a num

vasto sistema que, fundado nos dogmas cristãos, iria desempenhar certa função

reguladora em toda civilização ulterior” (Vecchio, 1968: 173-177).

As diferenças de organização interna entre os Estados não impediram que se

reconhecesse a existência de uma comunidade, expressa pela significativa fórmula

communitas communitatum. Segundo Giorgio Del Vecchio, mais correntemente falou-se

de res publica chistiana, ou ainda de res publica sub Deo (1968: 173).

Começou assim a delinear-se um «Direito internacional cristão», que, naturalmente

se estendeu também aos Estados de Oriente europeu, como a Rússia, a Polónia e a

5 Gouveia, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. 4.ª ed. Coimbra: Almedina. 2013. p. 314.

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Hungria, quando estes, cerca do ano 1000, se converteram ao Cristianismo e, por via

disso, cresceram sobremaneira as relações da Rússia e o mundo ocidental, apesar dos

graves conflitos que se arrastaram longamente no campo doutrinal dos Estados cristãos,

dos litígios entre a Igreja e o Império e outros fatos supervenientes (cf. Giorgio Del

Vecchio, 1968: 173-175).

Porém, a Paz de Vestefália (1648) indica-se como o início de uma nova era nas

relações internacionais, caraterizada pelo princípio da absoluta independência e

soberania dos Estados, que substituiu o da subordinação a autoridades universais como a

Igreja e o Império. A marca do secular domínio de Roma permanece visível e opera até

aos nossos dias, sobretudo nas nações neolatinas. Mais forte ainda e profundamente

enraizado se conservou em muitas Nações o laço da fé cristã comum (Giorgio Del

Vecchio, 1968: 175).

Nos tempos modernos, o conceito medieval da «Comunidade dos Povos cristãos»

se veio modificando e ampliando. Com os tratados de Munster e de Osnabrusck, isto é,

com a chamada Paz de Vestefália, reconheceu-se existir entre os Estados uma igualdade

jurídica independente de regimes políticos e credos religiosos, como a igualdade entre os

Estados católicos e protestantes. Posteriormente, o que fora uma comunidade dos povos

europeus dilatou-se até compreender povos de outros continentes (Giorgio Del Vecchio,

1968: 176).

Neste processo de evolução permaneceram firmes alguns princípios, que tinham

constituído de certo modo os fundamentos da antiga Comunidade dos Estados cristão

europeus, aceites também pelos Povos extraeuropeus e não cristãos, na medida em que

correspondiam a interesses comuns e a exigências racionais próprias da natureza

humana (Giorgio Del Vecchio, 1968: 177).

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As raízes intelectuais dos vários estudos que Aron6 elaborou sobre as Relações

Internacionais (RI) estão situadas na sua primeira investigação em torno dos problemas

da filosofia da história. Pensar sobre as questões estratégicas e internacionais supõe uma

racionalidade própria enquadrada pelos limites psicológicos e epistemológicos a que está

sujeito a cognição e a objetividade históricas.

Miguel Morgado sublinha que o problema fundamental neste aspeto é o do que a

realidade histórica – por ser realidade humana – é «ambígua» e «inexaurível». Os factos

e as ideias que vão surgindo, nascendo e morrendo, ocorrem num contexto de

«pluralidade de mundos espirituais», tornando-os equívocos. É preciso acrescentar que a

história e a política são atravessadas por decisões humanas concretas. Estas decisões

têm de ultrapassar as indeterminações filosóficas, não diminuindo no entanto a

necessidade de o observador adquirir um sentimento moderado de relatividade histórica

(2014: 40), que permite discutir as decisões políticas e estratégicas e compreendê-las. Ao

mesmo tempo, torna as decisões livres e abre a possibilidade de se estudar essa

liberdade e o seu carácter essencialmente político.

O estudo da RI é, por conseguinte, eminentemente histórico «em todos os sentidos

do termo»: a) as decisões livres que são tomadas e as suas consequências, desejadas e

não desejadas; b) a mudança incessante e a fragilidade dos sistemas; c) a multiplicidade

das mudanças que transformam o mundo (morais, tecnológicas, socioeconómicas,

culturais, étnicas, linguísticas, raciais, etc.); e d) a sujeição dos atores históricos a

obrigações aparentemente contraditórias.

Todas estas dinâmicas empurram os agentes da história para a possibilidade do

conflito. Uma teoria das RI deve enquadrar uma teoria de conflito e da guerra.

6 Aron (Raymond), filósofo e sociólogo francês (1905-1983), na sua abordagem ao estudo

das Relações Internacionais (RI) coloca-se fora da habitual dualidade de escola

«idealistas» e «realista». Se se quiser atribuir ao seu pensamento uma designação

sintética pode-se falar de um «realismo crítico» que resulta da aplicação de uma

racionalidade específica aos problemas histórico-políticos, que, por sua vez, se podem

denominar-se «razão histórico-política» (Miguel Morgado, 2014: 40). In Enciclopédia das

Relações Internacionais. 1.ª ed. Dom Quixote. 2014. pp. 40-42.

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Por essas razões, Aron colocou como objeto central de estudo e de compreensão

da problemática internacional o regime político, as suas diferentes naturezas, dinâmicas,

valores e propósitos. A primazia da política permite adquirir uma perspetiva dirigida

diretamente ao político decisor, ao estadista, àquele que, em circunstâncias históricas

concretas, com meios e escolhas limitadas, têm de decidir num contexto de incerteza

essencial e de riscos nem sempre mensuráveis (Miguel Morgado, 2014: 41).

Neste sentido, acentua o autor referido, a uma teoria da história e dos limites do

conhecimento histórico temos de acrescentar uma «teoria da prática» ou uma

«praxeologia». Com a importante ressalva aristotélica de que não se deve exigir mais

determinação a um domínio do conhecimento do que aquilo que se pode providenciar.

Atendendo a esta ressalva, Aron explicava não estaria disponível uma «teoria geral das

RI comparável à teoria geral da economia».

Assim, as RI solicitam o exercício da «moral da prudência», que apela ao

julgamento de prudência, de articulação entre os fins e os meios concretos e limitados

que estão disponíveis. O julgamento da prudência não pretende decidir de uma vez por

todas os dilemas e antinomias que se colocam à ação estratégica e diplomática,

(porquanto um julgamento moral e histórico nunca pode ser definitivo, mas que também

não é arbitrário). Tem uma finalidade mais modesta: encontrar, em cada ocasião

concreta, os compromissos mais razoáveis e mais aceitáveis. A política - e a política

externa – nunca é um «conflito entre o bem e o mal», mas entre o «preferível e o

detestável».

Miguel Morgado sublinha que se é certo que a teoria das RI de Aron parte da sua

filosofia da história, também não deve ser descurada a hipótese de ela terminar numa

filosofia política. Em última análise, e além de todas as ambiguidades históricas, a

estratégia e a diplomacia devem estar ao serviço das aquisições mais preciosas da

humanidade. Isso inclui as liberdades de gozarmos enquanto homens e cidadãos. Não há

como fugir a rudeza da História (Miguel Morgado, 2014: 42).

A existência de uma comunidade jurídica internacional, hoje bem extensa do que

no passado, é forçoso reconhecer que ela não saiu ainda, em parte, do estado teórico, e

que os esforços tendentes a realizá-la em concreto estão ainda muito longe de alcançar o

objetivo de uma organização cosmopolítica.

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Ninguém ignora que estes esforços se têm multiplicado nos nossos dias,

especialmente depois das trágicas experiências das guerras mundiais, da queda do morro

de Berlim e dos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos de América.

André Ventura acentua que o Direito Internacional surgiu como «um elemento de

forte consenso, procurando colmatar lacunas éticas e jurídico-constitucionais», sendo «o

sistema de princípios e normas de natureza jurídica, que disciplinam os membros da

sociedade internacional, ao agirem numa posição jurídico-pública, no âmbito das suas

relações internacionais».

1.2. Apreciação crítica da crise do Direito Internacional

A causa primeira da crise do Direito Internacional reside precisamente nos vícios

da concepção que fizemos remontar à Paz de Vestefália, e que, segundo um ponto de

vista largamente difundido, seria o traço característico do moderno Direito internacional.

Essa concepção, segundo Giorgio Del Vecchio (1968: 177) pode resumir-se na

fórmula seguinte: «um Estado está vinculado a observar somente aquelas normas de

Direito internacional, às quais haja dado o concurso da própria vontade»7.

Os autores da escola positivista «admitem que os estados permanecem

vinculados, quando lhes aprouver, mas esses vínculos serão frágeis, sempre que não

assentam numa lei que imponha a respectiva observância (Giorgio, 1968).

Há quem aceita o princípio da obrigatoriedade dos pactos (pacta sunt servanda)

como postulado pré-jurídico ou metajurídico (nós preferimos dizer do Direito natural); esta

máxima não se basta a si própria, havendo de inserir-se num sistema de verdades

racionais que definam e limitem de certo modo o valor: é o que acontece no Direito Civil,

onde a validade dos contratos está subordinada à condição da capacidade dos

contraentes e da ilicitude do objecto (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).

Os Estados são obrigados a reconhecer-se mutuamente como sujeitos de direito.

Não é nem pode ser obrigatório o reconhecimento de um Estado que viole as exigências

fundamentais da humanidade e os princípios gerais do Direito, quer no seu ordenamento

interno, quer nas relações internacionais. E se, em atenção a circunstâncias particulares,

7 Nota do autor: A. Cavaglieri, Corso de Direito internacionale, 2.ª ed., Nápoles, 1932, p. 6.

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o reconhecimento se der, sempre deverá ser condicionado e restrito a determinados

efeitos (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).

Observação análoga se pode fazer a respeito de certas normas implícitas nas

relações entre os Estados, por força de costumes. Segundo as premissas da escola

positivista, a observância do costume dependeria, em última análise, da vontade de cada

um dos Estados: vontade que, bem merece o epíteto de ambulatória… Recai-se,

portanto, aqui também, em pleno arbítrio (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).

A crítica não implica, todavia, a rejeição do processo histórico que levou a modificar

certas doutrinas políticas medievais, como o princípio da igualdade jurídica dos Estados,

quaisquer que sejam os respectivos poder e extensão (princípio proclamado na Paz de

Vestefália e depois geralmente mantido pela doutrina) não deve ser rejeitado; mas há-de

acompanha-lo uma reserva dos Estados legítimos e a formulação específica dos

requisitos de tal legitimação (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).

Conexo com este princípio está a o da independência de todo o Estado perante os

demais, de tal modo que nenhum deles possa reclamar preeminência ou impor

hegemonia, mas propor somente acordos, que devem ser livremente consentidos.

Nenhum acordo, aliás, poderá prejudicar o respeito pelos direitos fundamentais dos

indivíduos e dos povos, do qual depende a legitimidade dos Estados. Pois se estes

direitos forem gravemente violados, deve admitir-se a possibilidade de intervenção

estrangeira que realize a respectiva tutela (Giorgio Del Vecchio, 1968: 179).

A raiz dos equívocos e dos erros, hoje tão frequentes nas doutrinas do Direito

internacional e do Direito público em geral, está na confusão entre arbítrio e liberdade:

dois conceitos que, pelo contrário, deveriam ser rigorosamente discriminados.

A liberdade se apresenta como ausência de toda e qualquer lei; na verdade, não é

livre quem não segue a lei da sua própria natureza. E porque o homem é, de sua

natureza, um ser espiritual, capaz de elevar-se do reino dos sentidos ao mundo da razão,

(…) ele é tanto mais livre que quanto mais se libertar das paixões. Assim doutrinou Santo

Agostinho: Eris liber si fueris servus: liber peccati, servus justitiae. No mesmo sentido se

tinha já exprimido S. Paulo; um e outro sob a inspiração da máxima do Evangelho: «A

verdade vos libertará». As análises da filosofia moderna chegaram às mesmas

conclusões: basta recordar que, segundo a doutrina de Kant, a liberdade se interpenetra

com o respeito da lei moral (Giorgio Del Vecchio, 1968: 181).

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Isto tanto vale na ordem moral, como na ordem jurídica; e tanto para os indivíduos,

quanto para as Nações e os Estados. Mesmo na ordem interna do Estado, a liberdade só

é possível se a lei for respeitada, e estará em tanto maior perigo quanto mais graves e

frequentes forem as infracções às leis. Já Cicero exprimiu esta ideia, ao afirmar: Legum

omnes servi sumus ut liberi esse possimus. E este conceito não foi em nada modificado

pelos estudos jurídicos modernos, antes encontrou reforço e valorização, nomeadamente

na teoria do Estado de Direito (Giorgio Del Vecchio, 1968: 181-182).

De modo semelhante, deve-se reafirmar o princípio do primado da lei no que

concerne às relações internacionais ou interestaduais. Tal como nas relações internas a

soberania do Estado se acha racionalmente vinculada e subordinada ao respeito pelos

direitos dos cidadãos, assim também nas relações entre Estado e Estado a soberania de

cada um deles não pode significar arbítrio desenfreado, antes deve fundar-se naquela lei

que define a unidade essencial do género humano. Assim não é dado renegar os

princípios supremos da Lógica, que permanecem válidos ainda que não sejam objecto de

declarações formais, nem de sanções positivas. Devido à falibilidade da mente humana,

os princípios éticos, assim como os lógicos, podem ser por vezes transgredidos e violados

no plano de facto; mas isso não lhes diminui o valor ideal, e é precisamente em função

deste valor que aqueles erros são reconhecidos, combatidos e corrigidos (Giorgio Del

Vecchio, 1968: 182).

Importa recordar as sábias palavras com que Pio XII, na Encíclica Summi

Pontificatus (de 20 de Outubro de 1939) proclamou algumas máximas que confirmam

plenamente, e de modo autorizado, o que a crítica filosófica se tem aplicado, por várias

formas, a demonstrar: «A concepção que atribui ao Estado autoridade ilimitada não é

somente um erro nocivo à vida interna das Nações, à sua prosperidade, ao maior e mais

ordenado incremento do seu bem-estar; ela traz igualmente prejuízos para as relações

entre os Povos, por quebrar a unidade da sociedade supranacional, negar os

fundamentos e o valor do Direito das gentes, abrir caminho à violação dos direitos

alheios, e dificultar o entendimento mútuo e a coexistência pacífica».

«Para haver contactos harmoniosos e duradouros, e relações frutuosas entre os

Povos, é indispensável que estes reconheçam e observem os princípios de Direito natural

internacional, que regulam o seu desenvolvimento e funcionamento normais… Fundar o

Direito das gentes na vontade autónoma dos Estados e destronar esse mesmo Direito, e

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roubar-lhes os títulos mais nobres e mais válidos, abandonando-o à dinâmica funesta do

interesse privado e do egoísmo colectivo» (Giorgio Del Vecchio, 1968: 182-183).

Jorge Bacelar Gouveia (2007) ao explicitar a história da terminologia «Direito

Internacional» que por vezes aparece simplificadamente como «Direito Internacional»,

esclarece que «tem a sua raiz proposta, feita há muito tempo pelo filósofo britânico

Jeremy Bentham», na sua obra “An Introduction to the Principles of Moral and Legislatin”,

publicada em 1780, contendo a expressão International Law, em oposição ao National

Law ou Municipal Law. Desde então, a locução International Law ganhou adeptos um

pouco por toda a parte e hoje a terminologia largamente triunfante, podendo-se observar

«no âmbito das línguas mais conhecidas: Doit Intenational em França, Diritto

Internacionale em Itália e Direcho Internacional em Espanha, excepto na Alemanha, que

utiliza mais o vocábulo VolKerrecht ».

O autor referido afirma ainda que «não se pense contudo, que a fórmula «Direito

Intenacional Público» ou «Direito Internacional» está isento de críticas, o que passamos a

explicar por três motivos:

primo: a locação, ao referir-se a «nações», pode dar a entender que

não se distingue a nação do Estado, quando é certo ser dois conceitos bem

diferentes, segundo o demonstra a Teoria Geral do Direito;

secundo: os sujeitos internacionais, mesmo com aquela correção,

não são apenas so estados, mas na respetiva categoria se incluem muitas outras

entidades, como ficou claro no repúdio de uma conceção meramente estilista do

Direito Internacional Público;

tertio: são hoje muito relevantes as normas que se afiguram

diretamente multilaterais, não fazendo sentido um intuito meramente inter-

relacional, conexo que está com bilateralismo.

Atendendo a estas críticas, há quem proponha a expressão «Direito das Gentes»

ou «Direito dos Povos», que decerto poderia esquivar-se de algumas daquelas objeções.

Mas ela teria por detrás de si o óbice da ausência de uma tradição, bem como o enorme

perigo de localizar o Direito Internacional Público numa senda excessivamente

sociológica, que não é seu melhor lugar, em demasia alargando a sociedade internacional

aos povos, numa perspetiva mais do futuro longínquo do que propriamente do presente

em que nos situamos».

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Para compreender os conflitos internacionais, importa apreciar o sistema de

política interna e política externa de um estado. Porém, a posição de um estado no

sistema pode actuar de uma maneira semelhante ou não em relação às posições de

outros estados, partindo da análise do que acontece no interior das unidades no sistema,

pois a política interna tem muita relevância no “modus operandi” do estado. O realismo,

que se apoia bastante no nível de análise sistémico, afirma que “os estados actuarão de

forma semelhante devido ao sistema internacional”.

Joseph S. Nye, Jr. afirma: «Duas importantes teorias, Marxismo e leninismo,

baseiam-se fortemente no segundo nível de análise e na proposição de que os estados

actuarão de forma semelhante se possuírem as sociedades internas semelhantes. Para

preverem a política externa, analisam a organização interna do estado. Os marxistas

defendem que a origem da guerra é o capitalismo» (2000: 50-51). Na opinião de Vladimir

Ilich Lenine, o capital monopolista precisa da guerra: «Alianças interimperialistas são

inevitavelmente nada mais do que tréguas nos períodos entre as guerras»8. A guerra

pode ser explicada pela natureza da sociedade capitalista. O marxismo não foi muito

bem-sucedido a explicar o início da I GM. Os argumentos que o capitalismo gera a guerra

não resistem muito bem à experiencia histórica (Joseph S. Nye, Jr., 2000: 51).

O liberalismo clássico, a filosofia que dominou grande parte do pensamento

britânico e americano no século XIX, segundo Joseph, chegou à conclusão contrária: os

estados capitalistas tendem a ser pacíficos porque a guerra é má para o negócio. Uma

corrente do liberalismo clássico era representada por livre-cambistas como Richard

Cobden (1804-1865), que conduziram a luta vitoriosa para a revogação das Leis dos

Cereais inglesas, medidas protecionistas que tinham regulado o comércio internacional

britânico de cerais ao longo de 500 anos. Como outros economistas britânicos da Escola

de Manchester, ele acreditava que era melhor comercializar e prosperar do que fazer a

guerra. Se estamos interessados em ficar mais ricos e melhorar o bem-estar dos

cidadãos, asseverou Gobden, então o mais indicado é a paz (2000: 51-52). Em 1840,

8 Lenine, V.I. Imperialism: The Highest Stage of Capitalism. Nova Iorque. International

Publishers. 1977. p. 119.

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forneceu uma boa expressão da visão clássica ao afirmar: «Podemos preservar o mundo

da realidade da guerra e acredito que o mundo conseguirá fazê-lo através do comércio»9.

As concepções clássicas marxista e liberal são opostas na sua visão acerca do

relacionamento entre guerra e capitalismo, mas aproxima-se ao localizarem as causas da

guerra na política interna e, especialmente, na natureza do sistema económico.

Portanto, Rechard Rosecrancer, em sua obra “The Rise of the Trading State”

acentua a seguinte visão liberal: «O que é interessante e diferente acerca do mundo

desde 1945 é que uma estratégia pacífica de comércio está a desfrutar de uma eficácia

muito maior do que alguma vez no passado. Através de mecanismos de desenvolvimento

industrial-tecnológico e de comércio internacional e podem realizá-lo enquanto outros

estados também beneficiam com a intensificação do comércio e crescimento que a

cooperação económica torna possível»10.

Infelizmente, a retórica do movimento antimundialização (antiglobalização) tende a

opor a democracia ao mercado, a lei da cidade ao capitalismo, como se a liberdade do

comércio tivesse algo de criminoso ou ditatorial. No plano de princípios, ela parece

esquecer que a liberdade de expressão, a propriedade privada e a possibilidade de nos

dedicarmos à actividade económica da nossa escolha – pela mesma razão – são

reconhecidos como direitos do homem em todas grandes declarações (a francesa, a

americana e a da ONU) e que, em geral, os regimes políticos que autoritariamente

atacaram a propriedade privada aboliram todas as outras liberdades. No plano dos factos,

um estudo atendo da situação neste planeta mostraria que, em geral, a economia de

mercado é mais próspera nos países democráticos e com liberdade política do que nas

ditaduras (ou nas culturas fechadas) e isto tanto mais quando a tradição democrática é

antiga e bem segura. Uma lei cívica com vigor – um Estado de direito incontestado – é a

condição sine qua non para o desenvolvimento dos mercados: respeito dos contratos,

protecção da propriedade, combate à criminalidade. Ao contrário, a corrupção, a ditadura

e o poder das máfias desencorajam o crescimento económico. Nos lugares em que o

9 Nota do autor: Richard Gobden, cit. Kenneth N. Waltz, Man, the state, and War: A

Theoretical Analysis, Nova Iorque, Columbia University Press, 1959, p. 104.

10 Nota do autor: Rechard Rosecrancer, The Rise of the Trading State: Commerce and

Conquest in the Modern World, Nova Iorque, Basic, 1986, p. ix.

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poder público só funciona em proveito de uma burocracia, de uma súcia militar, de um clã

ou de uma qualquer feudalidade, quando o governo não tem contas a prestar acerca da

sua gestão ou da sua acção legislativa e judicial, os investidores e os cérebros fogem. Em

contrapartida, a liberdade política (necessariamente garantida pela lei) e a abertura

cultural inspiram confiança. Encorajam o espírito de iniciativa e a circulação de

informações, necessários à vida económica. No princípio do século XXI, um Estado de

direito forte e democrático de forma alguma se opõe ao capitalismo ou à economia de

mercado, são aliados um do outro (Lévy, 2002: 159-160).

O significado mais profundo do movimento contemporâneo de globalização é a

reunificação e segurança humana. O extraordinário crescimento técnico, económico e

demográfico por que passamos solta, de certo modo, o grande grito afirmativo, o «sim»

planetário da humanidade, criador, pensante, comunicante, produtor e comerciante

conquistou a sua potência mundial11.

2. Conflitos: Noções, Tipologia e Vias de Solução e

Controle Embora os conflitos, designadamente as lutas armadas, «constituam um flagelo

que até hoje se encontra associado a todas as formas de sociedades, de Estados e de

organizações políticas e ideológicas» (Bouthoul, 1966: 26), praticamente só a partir do

início da segunda metade do século XX, em virtude da ameaça de uma guerra nuclear e

da proliferação de conflitos regionais, se uma investigação concernente ao estudo da

natureza dos conflitos, das suas características, das estratégias e processos de resolução

e do aproveitamento das situações conflituosas que envolvem a utilização de material

bélico e o emprego de forças armadas.

Um dos pioneiros no estudo dos conflitos foi o professor Quincy Wright que

organizou investigações sobre a guerra enquanto fenómeno social, cujos trabalhos foram

reunidos em 1942 na importante obra «The Study of War».

11 Cfr. Lévy, Pierre. Cyberdemocracia. 1.ª ed. Editions Odile Jacob. Lisboa. 2002. pp. 159-

168.

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Os estudos sobre a problemática dos conflitos mostram-nos que tem sido utilizada

terminologia diversa e diferente para retratar as situações de antagonismo e

conflitualidade entre dois ou mais protagonistas internacionais, falando-se em conflitos

ideológicos, guerras económicas, conflitos revolucionários, guerras religiosas, conflitos

regionais, guerras de civilizações, etc.; ou utilizando-se as designações de crise, tensão,

diferendo, litígio, conflito ou guerra, para fazer referência a diferentes graus de

conflitualidade intranacional e internacional.

2.1. Noções de conflito

Nos dicionários de Língua Portuguesa encontramos diversas noções de conflito

tais como: «encontro de elementos ou coisas que se opõem»; «discussão, por vezes

acompanhada de injúrias e ameaças»; «oposição entre autoridades que disputam entre si

um direito»; «oposição violenta»; «luta entre potências ou países»; «contenda entre duas

potências que disputam o mesmo direito, recorrendo, para tal, à utilização de material

bélico».

António José Fernandes sublinha a existência, portanto, de diferentes definições de

conflito, na medida em que respeitam a conflitos de interesses pessoais, a conflitos

jurídicos, a conflitos entre sociedades politicamente organizadas. Porém, na terminologia

internacional utiliza-se normalmente o termo conflito para referenciar as situações

conflituosas onde se praticam atos violentos com intervenção de forças militares e recurso

a material bélico (2011: 19).

A nível internacional, a existência de interesses divergentes, de natureza política,

ideológica, estratégica e económica, implica não somente uma competição, por vezes,

muito viva, mas também situações de conflito. A passagem da competição à crise, ao

diferendo, ao litígio e ao conflito surge quando um dos protagonistas internacionais,

dotado de poder de coagir, entende impor a sua vontade, usando formas de

constrangimento e ou violando o direito estabelecido. E as condições de conflito estão

criadas a partir do momento em que os outros actores internacionais não aceitam este

comportamento (Fernandes, 2011: 19).

No entanto, esta problemática envolve uma questão teórica que resulta do facto de

que, em política internacional, as noções de conflito e de cooperação não se excluem

reciprocamente. Na cena internacional, a política externa dos Estados não se situa num

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clima de oposição entre a cooperação e o conflito. A própria existência de interesses e

objetivos que implicam um risco grave de conflito entre Estados pressupõe e exige

mesmo um certo nível de cooperação entre eles.

Esta relação dialética singular entre cooperação e conflito, em política

internacional, oferece a melhor explicação das flutuações ocorridas nas relações

diplomáticas entre os Estados, mantendo entre si as relações consulares.

Paz e guerra são dois termos em situações de contrariedade, de oposição. Um

costuma explicar-se pelo outro. Quando há guerra não existe paz, e se vivemos em paz é

porque não existe guerra.

Zbigniev Brzezinski acentua que a informalidade ocupa assim o espaço preenchido

pela formalidade e as contendas desenvolver-se-ão com maior acuidade e sob a capa de

anonimato decorrente da instabilidade geopolítica e das divergências étnicas e religiosas

(1999: 15).

No enquanto, o desenvolvimento das pesquisas com vista a preservação da paz

está ligado aos estudos sobre as guerras, sendo estas ser considerados como um meio

de favorecer aquela. E o perigo reside no facto de os estudos sobre as guerras vierem a

ser desviados do seu objetivo – a preservação da paz – e poderem ser utilizados para

preparar a guerra. Contudo, parece-nos que o desenvolvimento da investigação sobre as

causas e características dos conflitos podem ajudar a definir estratégias de resolução dos

mesmos e evitar que estes degenerem em guerra aberta, já que normalmente se recorre

à guerra para resolver conflitos existenciais entre nações constituídas em Estados ou para

jugular conflitos intraestatais (entre governos e fações ou grupos étnicos) que lutam pela

posse do território e pela conquista do poder (Fernandes, 2011: 20).

As consequências que se deduzem destes conceitos são extremamente

importantes, mesmo no plano prático.

2.2. Tipologia dos conflitos

Sublinhamos que a palavra conflito é utilizada com significações diversas. Tanto

pode respeitar a dissensões interpessoais e a diferendos interinstitucionais, como pode

referir-se a litígios diplomáticos entre governos ou a luta armada entre Estados. E daí que

as tentativas de classificação dos conflitos que envolvem duas ou mais sociedades

politicamente organizadas, e não os conflitos interpessoais e interinstitucionais.

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As tipologias dos conflitos internacionais têm obedecido a diferentes perspetivas

teóricas de análise e assentam em critérios distintos. Alguns autores baseiam-se nas

características dos conflitos para elaborar uma classificação; e outros enumeram os

conflitos em função das causas que presumivelmente lhes estão na origem (Fernandes,

2011: 21).

Robert Bosc, depois de referir que um dos primeiros sociólogos da guerra,

Novicow, distinguia quatro formas de luta das sociedades pela existência (fisiológica,

económica, política e intelectual) e contava que as lutas fisiológicas pela sobrevivência

tendiam a desparecer e mesmo as guerras económicas pela acumulação e apropriação

das riquezas seriam, cada vez mais rapidamente, substituídas pelas guerras políticas de

conquista, de anexação e de prestígio, e pelas guerras ideológicas, religiosas ou

revolucionárias, identificou três tipos de conflitos internacionais (1965: 78-79):

1. Os conflitos ideológicos, onde a luta pelos ideais e pelo modo de vida

é preponderante, sem excluir outros aspetos, eram produtos de rivalidades Leste-

Oeste.

O mundo capitalista e o mundo comunista lutavam menos para conquistar território

do que para possuir o coração dos homens, isto é, para atrair os homens para a sua

escala de valores moldada pela respectiva concepção do mundo e da vida. Onde existe

este tipo de conflitos, não é possível um compromisso no plano das ideias (Fernandes,

2011: 21).

2. Os conflitos de interesses, em que os interesses económicos ou

políticos estão em primeiro plano, são típicos de guerras clássicas por um território,

por uma riqueza natural, por uma fronteira.

O problema das fronteiras físicas tem constituído também objecto de lutas

sangrentas: outrora na Europa, mais recente no Médio Oriente, na Ásia e na África. Ao

contrário dos conflitos ideológicos, os conflitos de interesses podem ser equilibrados pelo

estabelecimento de compromissos: os bens materiais repartem-se mais facilmente do que

as ideias (Fernandes, 2011: 22).

3. Os conflitos revolucionários, característicos das guerras de

emancipação nacional e colonial, apresentam a originalidade de serem

simultaneamente conflitos de interesses e conflitos ideológicos.

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Os conflitos revolucionários são, pois, os mais difíceis de resolver pacificamente,

porque, excluem, à partida, a tolerância e o compromisso. A guerra da Argélia, a revolta

de Mau-Mau no Quénia ou de Fidel Castro em Cuba e as guerrilhas de Mao Tse-Tung na

China os movimentos anticolonialista em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, são tipos

perfeitos da guerra revolucionária (Fernandes, 2011: 22).

Por sua vez, S. P. Huntington, baseando-se nas características dos conflitos,

distingue as guerras civilizacionais dos outros tipos de conflitos comunitários, discorrendo

da seguinte modo: «os conflitos civilizacionais são conflitos comunitários entre Estados.

As guerras civilizacionais são conflitos desse tipo que se tornaram violentos. Estas

guerras podem ocorrer entre Estados, entre grupos não-governamentais e entre Estados

e grupos não-governamentais. (…). Os conflitos civilizacionais são, por vezes, lutas pelo

controlo da população. Contudo, na maior parte das vezes, são lutas pelo controlo do

território (…). As guerras civilizacionais apresentam algumas características comuns com

as guerras comunitárias em geral. São conflitos prolongados (…). Envolvendo questões

fundamentais da identidade e do poder do grupo são difíceis de resolver por via da

negociação ou do conflito (…). Embora as guerras civilizacionais têm em comum com as

outras guerras comunitárias a duração prolongada, altos níveis de violência e

ambivalência ideológica, diferente delas de dois modos. Primeiro, as guerras comunitárias

podem ocorrer entre grupos étnicos, religiosos, raciais ou linguísticos. Contudo, dado que

a religião é a principal característica definidora das civilizações ocorrem quase sempre

entrepovos de religiões diferentes (…). Segundo, as guerras comunitárias tendem a ser

particularistas, e como tal, é muito pouco provável que alastrem e venham a envolver

outros participantes. Em contrapartida, as guerras civilizacionais ocorrem, por definição

entre grupos que pertencem a entidades culturais mais vastas» (1999: 297-298).

Recorrendo ao carácter dimensional dos conflitos, Gonidec (1997: 425),

apresentou uma tipologia dos conflitos internacionais com base na quantidade e

qualidade dos grupos envolvidos no conflito, na extensão geográfica com este abrangida

e na dimensão do objeto do conflito e dos meios utilizados pelos protagonistas, por

exemplo, dois ou vários intervenientes, por um lado, e Estados, organizações

internacionais, sociedades multinacionais e grupos organizados, por outro.

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Se atender à extensão geográfica coberta pelos conflitos, pode-se distinguir os

conflitos internos com dimensão internacional dos conflitos internacionais propriamente

ditos.

Os conflitos internos são, em princípio, excluídos do domínio internacional, em

virtude de constituir um assunto interno. No entanto, hoje, parece ser evidente a realidade

internacional da maior parte dos conflitos internos. O aparecimento e a multiplicação de

movimento de libertação nacional e a intervenção, aberta ou clandestina, imposta ou

solicitada, de potências estrangeiras nas lutas de libertação e independência, tornaram

evidente a dimensão internacional de muitos conflitos internos (Fernandes, 2011: 24).

Quanto aos conflitos internacionais propriamente ditos, o critério geográfico permite

distinguir entre conflitos locais, regionais e planetários. Este critério facilita apreciar

também a gravidade dos conflitos e possibilita determinar, em certa medida, as instâncias

qualificadas para tentar encontrar a sua solução.

O critério relativo ao objecto dos conflitos permite distinguir os conflitos jurídicos

dos conflitos políticos (distinção que interessa sobretudo aos processos de resolução); e

permite também distinguir os conflitos em função dos antagonistas. Os conflitos podem

preservar o essencial do «statu quo» ou introduzir uma transformação de ordem

qualitativa. Esta distinção reveste-se de grande importância, porque permite entender a

diversidade das reacções perante os conflitos (Fernandes, 2011: 25).

Este critério permite, ainda, distinguir os conflitos que têm um objecto preciso e

ilimitado, cujas pretensões são nitidamente afirmadas, dos conflitos que têm um carácter

mais vago, mais difuso, e que podem abranger uma série de questões e problemas.

O critério concernente aos meios utilizados pelas partes em confronto permite

avaliar a intensidade dos conflitos internacionais, bem como o seu carácter legal ou ilegal.

Geralmente, a atenção é polarizada pelos conflitos que envolvem a força armada ou a

ameaça do emprego da força armada. Porém, existem outros meios de fazer a guerra;

isto é, há felizmente muitos conflitos internacionais que não comportam o recurso ao

emprego de forças armadas e à utilização de material bélico.

Silviu Brucan (1977: 101 e segs.), baseando-se na análise da natureza dos

conflitos, identificou os seguintes tipos de conflitos internacionais:

1. Conflitos suscitados pelo jogo das grandes potências, pelas

rivalidades estratégicas e pela evolução do recurso ao armamento;

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2. Conflitos engendrados pelas diferenças de superfícies, de

poderio militar, de população, etc., entre as nações;

3. Conflitos resultantes de situações, criadas há longa data, de

dependência e dominação devidas às diferenças de níveis de

desenvolvimento económico e técnico;

4. Conflitos derivados da oposição entre sistemas e edeologias

socioeconómicas divergentes;

5. Conflitos causados pelas mutações sociais ou pelas guerras

civis nas quais estão implicadas potências estrangeirais;

6. Conflitos provocado por um litígio entre dois países em

circunstâncias particulares.

Silviu Bucan observou que «à medida que prosseguem os estudos demostrou-se

cada vez mais claramente que estes diferentes tipos de conflito não podem ser

considerados isoladamente, porque põem em evidência pontos de encontro e interacções

entre as diferentes causas dos conflitos, de tal sorte que, na maior parte dos casos, os

conflitos reais representam uma combinação de dois ou três tipos».

Não sendo possível determinar corretamente as causas que estão na origem dos

conflitos internacionais, podendo a sua evolução alterar o seu carácter dimensional, as

tipologias atrás explicitadas são passíveis de críticas:

a) Do ponto de vista científico, é difícil distinguir os conflitos de

interesses dos conflitos ideológicos, na medida que o conceito de ideologia

compreende uma certa conceção do mundo e da vida assente numa escala de

valores que implica a defesa de interesses específicos;

b) Não é fácil distinguir os conflitos civilizacionais dos conflitos

comunitários;

c) É mais difícil distingui-los dos conflitos revolucionários e dos conflitos

religiosos;

d) Não é fácil separar os conflitos resultantes da oposição entre

sistemas e ideologias socioeconómicas divergentes dos conflitos suscitados pelo

jogo das grandes potências, pelas rivalidades estratégicas e pela evolução do

recurso ao armamento;

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e) Muito mais difícil é ainda, separar os conflitos jurídicos dos conflitos

políticos, já que todos os conflitos internacionais são indissociáveis de opções

políticas. Aliás foi o próprio Carl von Clausewitz que definiu a guerra como «a

continuação da política por outros meios». Axioma que Vladimir Ilitch Lénine

transformou em «a política é a continuação da guerra por outros meios», e que

encontrou a sua última versão na definição de Joseph Stálin: «a política é a

preparação da guerra».

Os conflitos são, pois, fenómenos sociais muito complexos, que resultam sempre

de uma decisão (acto político), comportam vários elementos e apresentam

simultaneamente várias aspectos. Conforme sublinhou Gaston Bouthoul (1966: 24),

«cada guerra é ao mesmo tempo, política, porque os governos nele desempenham um

papel, - religiosas, porque nas guerras interferem, de uma maneira ou de outra, crenças,

dogmas e princípios, - demografia, porque a guerra utiliza massas humanas, e, quanto

mais não seja, deixa rastos nas estatísticas da mortalidade, - económica, porque não há

guerra sem deslocação e destruição de riquezas, mesmo quando entre os contendores

não exista uma prévia rivalidade económica. Em vão se buscaria um exemplo de conflito

de alguma importância que não apresente todas as características».

Por conseguinte, não é fácil distinguir objetivamente uns conflitos dos outros com

base nas suas características ou nas causas que presumivelmente estão na sua origem.

Por isso, o único critério cientificamente válido para classificar os conflitos parece se

aquele que permite distingui-los em função da sua extensão geográfica e o número de

interveniente de forma dinâmica, parecendo-nos plausível a distinção entre conflitos

locais, conflitos regionais e conflitos mundiais ou planetários.

2.3. Vias de solução e controle dos conflitos internacionais

A problemática da resolução dos conflitos internacionais engloba: i) às vias de

solução e controlo dos conflitos, ii) aos intervenientes nos processos e iii) aos meios e

técnicas utilizados.

Na etapa contemporânea, o recurso à guerra para punir uma violação dos direitos

e liberdades ou para tentar dominar a violência organizada é impensável, torna-se

necessário encontrar vias de solução pacífica das controvérsias internacionais para evitar

que las degenerem em guerras declaradas. E mesmo se a evolução dos conflitos chega

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ao extremo da utilização das forças armadas, mais necessário se torna ainda procurar

vias de solução pacífica, em conformidade com as prescrições da Carta das Nações

Unidas.

Por outro lado, a tentativa de solucionar pacificamente os conflitos implica

compreender as estratégias e os processos de resolução de conflitos internacionais: a) a

escolha de determinada via; b) a opção por este ou aquele mecanismo de resolução; e c),

consequentemente, determina a natureza dos intervenientes no processo de solução.

Não obstante os filósofos, os juristas, os sociólogos e os politólogos entenderem,

muitas vezes, a guerra como um instrumento necessário ao progresso, ou como último

argumento contra a injustiça, tentaram sempre, ao longo da história, controlar, limitar ou

solucionar os conflitos internacionais, sem utilizar, ou aumentar, o emprego da forma

armada.

“Duas vias, então, se lhes depararam: uma consiste em reduzir as manifestações

de violência às regras de direito e da moral; a outra tem por objecto submeter os conflitos

à análise sociológica dos factores que provocam a sua eclosão e desenvolvimento”

(Fernandes, 2011: 50).

A via de redução das manifestações de violência às regras de direito e da moral

deu origem a uma teoria moral da guerra justa e a uma doutrina jurídica da guerra,

prosseguida com a convicção de que a renovação do direito internacional e da diplomacia

e o desenvolvimento de uma educação política permitirão solucionar e controlar mais

eficazmente os conflitos internacionais. Os defensores desta via, rejeitando o dogmatismo

defendem a possibilidade de empreender uma acção combinada para construir uma

comunidade internacional dotada de um aparelho institucional capaz de limitar a violência,

observando o cumprimento da lei e na sua aplicação pela ONU e os Tribunais

internacionais.

A via de submissão dos conflitos à análise sociológica dos factores que provocam

a sua eclosão e desenvolvimento defendida pela «escola behaviorista» entende que a

solução dos conflitos deve partir de uma análise das razões da sua origem e dos

condicionalismos da sua evolução.

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O controlo científico dos conflitos, defendido pelo «Journal of Conflict Resolution12»

e a «Teoria da Paz» de John W. Burton são as expressões mais relevantes da «escola

behaviorista» no que respeita ao controle e soluções dos conflitos internacionais.

A partir da formulação do sociólogo Walter Goldstein, segundo a qual «Como pode

ser suficientemente estabilizado ou remodelado o sistema global das relações

interestaduais de modo a que as disputas entre as nações possam ser resolvidas sem

recorrer à violência anárquica?», John W. Burton, utilizando a técnica behaviorista para

criticar os métodos tradicionais do direito internacional em matéria de prevenção ou de

limitação dos conflitos concluiu que:

a) O desastre repetido dos sistemas de equilíbrio do poder ou da

segurança colectiva resultas de um desconhecimento da natureza dos conflitos

internacionais;

b) Os métodos de constrangimentos que se procura impor copiam

demasiado servilmente os de um polícia, não estando adaptados ao sistema

internacional; e

c) Está em curso uma transformação revolucionária no plano das

realidades políticas internacionais perante a ameaça nuclear, os homens estão

preste a controlar as crises internacionais.

A ideia fundamental da sua «Teoria da Paz» é a de que o constrangimento

imposto, quer por uma organização internacional, quer por cada nação ou grupo de

12 O «Journal of Conflict Resolution», editado pela Universidade de Michigan nos EUA,

desde 1956, serve de tribuna para a divulgação das pesquisa sociológica sobre os

conflitos, onde desenvolve-se um esforço coerente e metódico para submeter as guerras

e as tensões internacionais a uma análise racional. Os investigadores desta Universidade

depositam uma confiança limitada nas OI (ONU), alegando que estas instituições foram

criadas prematuramente sem conhecimento profundo das condições do seu

funcionamento e, por isso, não acreditam na possibilidade do êxito de eventuais

autoridades internacionais. Cf. Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial: A

Importância da ONU. 1.ª ed. Quid Juris? Lisboa. 2011. pp. 50-51.

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nações, não ataca os problemas dos conflitos pela raiz. É preciso ir à própria fonte do

conflito, procurar as condições nas quais se desenvolve. Por isso a acção a empreender

contra o desenvolvimento dos conflitos não deve ser confiada às OI, mas ser uma função

das políticas externas: é a nível das políticas nacionais que o problema se deve ser

colocado e resolvido (Fernandes, 2011: 51).

Normalmente, um conflito nasce da resistência oposta por uma sociedade política à

mudança que o outro grupo político procura introduzir e impor nas RI existentes.

Para que haja paz é necessário a verificação de duas condições favoráveis: a)

vontade e possibilidade de aceitar as mudanças; b) as políticas de defesa sejam

conduzidas de tal modo que não possam provocar reacções agressivas.

Nesta perspectiva, concordamos com António José Fernandes (2011: 52-53) ao

sublinhar a sintetização da «Teoria da Paz» de John Burton, que consubstancia-se na

forma seguinte:

«Parece-nos que a humanidade chegou a uma etapa do seu desenvolvimento que

pode ser caracterizada do seguinte modo:

a) Os conflitos, ou pelo menos a maior parte dos conflitos internacionais,

são provocados mais por frustrações e injustiças do que pelas tendências

irracionais, ou naturais, à agressão e à própria luta armada.

b) Existe hoje, em teoria, senão mesmo na prática, uma compreensão e

uma aceitação dos apelos feitos pelas outras nações a favor da justiça, da

igualdade racial e de outros valores sociais semelhantes. Neste ponto, a nossa

época difere das épocas anteriores.

c) As estruturas e os processos da organização nacional e internacional,

elaborados com vista a preservar o “status quo”, tendem a impedir as mudanças,

mesmo quando parecem politicamente aceitáveis.

d) As armas nucleares tornaram impraticável o emprego dessas

estruturas e processos de constrangimento; e a investigação sociológica mostrou

que esses meios eram inadaptados e ineficazes para estabelecer relações

internacionais pacíficas.

e) Todavia, os processos adaptados às mudanças não estão

desenvolvidos e há um atraso das estruturas em relação à reflexão sociológica.

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O método behaviorista, aplicado às relações internacionais, tende a pôr em

evidência a inevitabilidade da mudança, a necessidade de adaptação à mudança e a pôr

em prática estruturas e processos, que não bloqueiem a mudança, que não provoque a

frustração de onde brotam os conflitos, mas ao contrário, que facilitem adaptação. O

método põe em questão as estruturas actuais da sociedade nacional e internacional, que

procuram conservar as posições estratégicas ou outras por meio de forças, de equilíbrio

de forças e de forças de dissuasão. A partir da concepção tradicional de soberania, cada

nação tem o direito de decidir a sua própria política e de proteger os seus próprios

interesses, sem considerar os efeitos desta política sobre outros Estados. A questão não

é negar esse direito num mundo composto de Estados soberanos e independentes. No

entanto, quando o direito e exercido sem ter em conta as reacções dos outros, é provável

que se desenvolvam situações de conflito, nas quais os interesses a proteger serão na

realidade destruídos. Toda a concepção de defesa nacional contra a competição dos

outros Estados, e toda a estrutura da organização internacional, fundada em alianças e

equilíbrios de poder, com vista a manter o “status quo”, estão em contradição, tanto com

os dados da ciência dos comportamentos (behaviorismo), como com as realidades da

idade nuclear.

Poder-se-ia sustentar que a fonte é possível e a causa mais plausível de uma

guerra aberta no mundo de hoje é a persistência de política e de estruturas (aliança,

segurança colectiva) tradicionalmente utilizadas para impedir que deflagrem conflitos. De

facto, elas impedem que os conflitos sejam resolvidos espontaneamente no exercício

normal das competições entre as nações. Essas políticas e estruturas, baseada na

esperança errada de uma integração social crescente, estão cada vez mais inadaptadas

às condições actuais e são ineficazes.

A paz é uma situação na qual ocorreu ou a absorção das mudanças, ou pelo

menos uma reacção protectora, mas não a violência. (1962, 97 e segs.)».

O mérito da «escola behaviorista» consiste na denúncia do equívoco de um certo

juridismo e de um certo naturalismo, que se remetem a uma dialéctica da lei e di poder,

do direito e da força, para limitar empiricamente os conflitos internacionais. No entanto, a

sociologia behaviorista não evita os dois obstáculos onde chocaram sempre as teorias do

direito natural: uma tendência a dogmatizar seja o que for. Quer dizer que o behaviorista

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também sede as tentações do juridismo abstracto e do naturalismo empirista, que tanto

pretende combater em nome da ciência (Fernandes, 2011: 53).

Desta maneira, a complexidade crescente da vida internacional e a consequente

proliferação de diversas espécies de conflitos implicam a necessidade de recorrer à

análise sociológica dos conflitos e às regras do direito e da moral que norteiam a

convivências social internacional.

Assim, para solucionar e controlar os conflitos internacionais exige: a) à vontade

dos Estados, dado que as políticas nacionais são influenciadas por concepções diversas

e, por vezes, antagónicas do mundo e da vida; b) às Organizações e aos Tribunais

internacionais para garantir o respeito pelas regras de convivência definidas e aceites

pela comunidade internacional e para evitar que as políticas externas de um ou de alguns

Estados se sobreponham às dos outros.

2.4. Papel dos Estados e Organizações Internacionais na

resolução dos conflitos

Comummente, os conflitos podem ser resolvidos pelos próprios antagonistas ou

por terceiros, mas, na prática, é frequente a intervenção de terceiros juntamente com os

antagonistas para solucionar o mesmo conflito. No entanto, existem casos em que a

intervenção de terceiros, mesmo animada de boas intenções, é dificilmente suportada.

Em certos casos os antagonistas não aceitam que terceiros intervenham no conflito, de

maneira que não há outro remédio senão abandonar a sua solução ao egoísmo dos seus

próprios interesses. E não se vê muito bem como os terceiros poderão influenciar a

resolução de um eventual conflito entre os EUA, e a Rússia ou entre os EUA e a China13.

Na verdade, o direito e a prática criaram processos que facilita a intervenção de

terceiros, que pressupõe, em regra, um mínimo de consenso entre os antagonistas,

apesar das divergências e da oposição dos seus próprios interesses, para aceitar que os

terceiros intervenham na resolução de um determinado conflito, ou seja, para tentar

aproximar as duas partes e levá-las a aceitar a solução mais adequada e razoável.

13 Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid

Juris? 2011. p. 54.

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Portanto, o principal papel na resolução dos conflitos internacionais cabe aos

terceiros, todavia, a qualidade e as funções dos intervenientes que pertencem à categoria

de terceiros depende do carácter das intervenções:

a) “Se as intervenções são de carácter político, os intervenientes podem

ser as organizações internacionais ou os representantes dos Estados;

b) Se as intervenções são de carácter jurídico, os intervenientes são os

membros de jurisdição internacional.”

As OI de carácter político que têm competência para analisar qualquer questão que

circunscreve ao espaço geográfico do seu âmbito de acção poderá desempenhar um

importante papel na resolução de conflitos internacionais por via pacífica, como a OEA,

ONU e UA.

A CNU e as cartas de numerosas OI formulam o princípio da interdição do recurso

à força e impõem, por consequência, aos Estados a resolução pacífica dos seus

diferendos. A Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas detêm

competências em matéria de regulamentação das soluções dos conflitos internacionais.

Achamos necessário concentrar mais nas causas dos conflitos do que na “luta

contra o fogo depois de se constatar um sinal de incêndio”, pois a tomada de consciência

de que certas formas de violência são geradas pela própria estrutura da comunidade

internacional e, em consequência, a eliminação da violência pressupõe um ataque às

suas fontes para tomar medidas preventivas contra a eclosão e desenvolvimento dos

conflitos existentes.

Nesta perspectiva, os representantes dos Estados têm um importante papel a

desempenhar para evitar que a paz e a segurança internacionais sejam ameaçadas.

Aliás, «em certos casos, as grandes potências já não aceitam desempenhar um papel

secundário nas operações destinadas à manutenção da paz; com toda a evidência, as

superpotências aperceberam-se cada vez mais que é do seu interesse comum moderar

as acções coercitivas. Não se deve esquecer que a manutenção da paz a

regulamentação de uma confrontação armada mais dos que a procura de uma solução

para o conflito subjacente» (Oran Young, 1968: 243).

A evolução da política internacional caracteriza-se pelo facto de o elemento militar

do poder preponderante durante o período da GF ter dado prioridade aos elementos

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económico, político e diplomático, deixou de ser possível utilizar as forças armadas para

reprimir desobediências económicas dos Estados.

O mundo é cada vez mais interdependente e as consequências de um conflito

reflectem-se praticamente em todos os povos. Daí que os Estados, particularmente as

grandes potências, envidem todos os esforços para evitar que surjam novos diferendos e

para solucionar ou limitar os conflitos que põem em causa os seus interesses

fundamentais (Fernandes, 2011: 60-61).

O recurso á diplomacia tornou-se evidente. Cada vez é mais a intervenção dos

chefes de Estados de terceiros Estados para tentar aproximar as partes num conflito, a

fim de encontrarem fórmulas de resolução. E quando se verificam ocorrências que podem

desencadear um novo conflito, representantes dos governos e diplomatas dos países que

têm grandes responsabilidades internacionais logo procuram evitar que tal venha a

acontecer (Fernandes, 2011: 60-61).

Nas actuais circunstâncias do desenvolvimento das RI, os representantes dos

Estados têm um importante papel a desempenhar na prática para a prevenção de

eventuais novos desentendimentos e dissensões e a solução e controle dos conflitos

internacionais existentes.

2.4.1. Importância dos Tribunais Internacionais

Sabemos que, a solução de um conflito implica que os antagonistas consintam, de

um modo ou de outro, a intervenção de terceiros, tanto no plano político-diplomático,

como no plano jurisdicional. Em matéria de arbitragem seja qual for o processo utilizado é

necessário sempre o consentimento dos Estados em litígio para que esse processo

intervenha, resultante de conclusão de convenções internacionais bilaterais ou

multilaterais.

A conclusão de um certo número de convenções relativas à resolução pacífica dos

conflitos tem efeitos do desenvolvimento do DI de maneira que os Estados que aceitaram

a resolução pacífica dos diferendos internacionais têm a obrigação de recorrer aos meios

de resolução por elas previstas e a necessidade de garantir o respeito das regras

convencionadas suscitou a criação dos Tribunais Internacionais para assegurar a solução

jurídica das controvérsias internacionais, quer se recorra ao processo de arbitragem, quer

à solução judicial.

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Nesta veste, as instituições, as instâncias e os mecanismos de solução jurídica das

controvérsias internacionais são: a) Tribunal Internacional de Justiça (TIJ); b) Tribunal de

Justiça Europeu (TJE), e c) Tribunais Penais Internacionais (TPI).

2.4.1.1. Tribunal Internacional de Justiça

A Carta das Nações Unidas criou, em substituição do Tribunal Permanente de

Justiça Internacional instituído por um tratado em 1921, o TIJ com sede em Haia, como o

principal órgão judicial das Nações Unidas, cujo Estatuto é parte integrante da Carta.

O TIJ é composto por quinze juízes, magistrados independentes, eleitos por nove

anos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas de uma

lista de pessoas apresentada pelos grupos nacionais, que procedem à eleição dos

magistrados independentemente um do outro.

Os membros do TIJ, sem atender às suas nacionalidades, são escolhidos em

função da competência, o Tribunal não pode compreender mais do que um representante

do mesmo Estado. Poderão ainda, fazer parte do Tribunal um ou dois juízes «ad hoc»,

nomeados pelas partes quando ali não tenham assento juízes da sua nacionalidade.

Todos os Estados-partes do Estatuto têm completa liberdade para apresentar

questões ao TIJ e os demais podem levar questões ao Tribunal em condições de fixadas

pelo Conselho de Segurança. Salvo excepções previstas no Estatuto, o TIJ exerce as

suas atribuições em sessões plenárias, cujo quórum de nove membros ser suficiente para

se tornarem decisões definitivas. O TIJ funciona também em Câmaras, que se destinam a

selecionar determinadas categorias de questões, ou a julgar um processo sumário

quando as partem o solicitam.

As decisões do TIJ são tomadas pela maioria dos juízes presentes. Em caso de

empate de votos, o voto do presidente ou do seu representante é preponderante.

O TIJ tem duas competências:

a) «Consultiva»: consiste em dar pareceres, a solicitação dos órgãos

das Nações Unidas e das instituições especializadas.

b) «Contenciosa»: reveste-se de carácter jurisprudencial para julgar

querelas entre os Estados. A competência estende-se a todas questões que lhe

são submetidas pelos Estados e a todos os casos previstos na Carta das Nações

Unidas ou nos tratados e convenções vigentes nos termos do art.º 38º ETIJ.

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Os Estados podem antecipadamente aceitar a jurisdição do TIJ em casos especiais

mediante: a) a assinatura de um tratado ou uma convenção que prevê a intervenção do

tribunal; e b) fazendo uma declaração especial para esse efeito. Os Estados podem fazer

reservas e excluir certas categorias de assuntos na declaração, pela qual aceitam a

jurisdição obrigatória do tribunal.

Para regular os diferendos que lhe são submetidos, o TIJ aplica14:

a) As convenções internacionais que estabelecem regras

expressamente reconhecidas pelos Estados em litígios;

b) O costume internacional como prova de uma prática geral, aceite

como sendo regras de direito;

c) Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações;

d) As decisões judiciais e a doutrina dos autores mais qualificados dos

diferentes países, como meio auxiliar de determinação das regras de direito.

O TIJ poderá decidir segundo a justiça e a equidade, se as partes interessadas

estiverem de acordo a não aplicabilidade das regras gerais do direito.

Os Estados-membros da ONU não são obrigados a submeter os seus diferendos

ao TIJ, mas, quando submetem os seus conflitos jurídicos, a obrigatoriedade consegue-se

por dois processos: a) consiste em inserir, em qualquer convenção internacional, uma

cláusula estipulando que os conflitos relativos à interpretação e aplicação dessa

convenção sejam submetidos ao TIJ; b) traduz-se na aceitação de uma cláusula incerta

no ETIJ, denominada «cláusula facultativa de competência obrigatória», pois facultativa

porque os Estados nunca são obrigados a aceitá-la, e de competência obrigatória porque,

a partir da aceitação, os Estados ficam obrigados a submeter os seus conflitos jurídicos

ao TIJ.

Em matéria de arbitragem, os Estados excluem os diferendos internacionais que

não consideram justificáveis e os que põem em causa os interesses vitais: a

independência, a honra dos Estados e os conflitos que atingem os interesses de terceiras

potências.

Embora não existir uma definição precisa do que pode ser a honra de um Estado

ou os seus interesses vitais, para determinar se a sua honra ou os seu interesses estão

14 Cfr. Art.º 38º, ETIJ.

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ou não em jogo, aceitar ou excluir a competência de uma jurisdição arbitral, «verifica-se

uma tendência nítida para atribuir a este género de reservas um carácter mais preciso.

Porém, as reservas de carácter geral concernentes à independência de um Estado não

desapareceram completamente da prática internacional»15.

A aceitação da cláusula facultativa de competência obrigatória é acompanhada de

reservas: a) cada Estado tem um poder discricionário para decidir se um determinado

problema é da sua competência nacional; b) consequentemente, aceitar ou recusar a

competência do TIJ. Aceite a intervenção, se uma das partes do litígio não cumprir as

obrigações decorrentes da decisão tomada pelo TIJ, a outra poderá recorrer ao Conselho

de Segurança para que tome as medidas adequadas a fim de fazer respeitar a decisão.

2.4.1.2. Tribunal de Justiça Europeu

Em 18 de Julho de 1951, foi criado pelo Tratado de Paris o TJE. A sua esfera de

acção foi alargada depois da assinatura dos tratados de Roma, em 25 de Março de 1957,

e da vigência dos Tratados de Maastricht, de Amesterdão, de Nice e de Lisboas,

denominados por Tratados Reformadores.

No TJE os Estado-membros da EU não têm a faculdades de opção pelo facto de

serem membros, são obrigados a aceitar a competência do Tribunal, ao contrário do que

sucede com o TIJ, onde vincula a «cláusula facultativa de competência obrigatória».

Os diferendos entre os Estados-membros da EU relativos à interpretação e

aplicação dos tratados comunitários e das leis decretadas para os executar são

obrigatoriamente resolvidos pelo TIJ. Isto equivale dizer, a resolução de litígios

internacionais europeus, entre Estados-membros ou entre estes e as instituições da EU,

que decorrem da aplicação dos tratados originários e reformuladores e da sua

regulamentação, são da alçada obrigatória do TJE, como órgão judicial competente da

EU.

O TJE é composto por vinte e sete Juízes provenientes do respectivo Estado-

membro, por quem são nomeados por um período de seis anos, com aprovação de todos

os outros Membros-membros. No exercício das suas funções, os Juízes são assistidos

por advogados-gerais. Os Juízes e os advogados-gerais não podem exercer qualquer

15 Gonidec, P. F. Relations Internacionales. Paris. ed Mont-Chrestiem. 1977. p. 446.

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outra função pública ou privada, durante o seu mandato, remunerada ou não, em parte

alguma, colocando-os acima dos conflitos de interesses doutrinais ou nacionais.

A principal missão do TJE consiste em: a) fazer respeitar os tratados comunitários

vigentes e as respectivas regulamentações; b) julgar os pleitos e as queixas apresentadas

contra as instituições comunitárias e contra os Estados-membros ou os próprios cidadãos;

c) emitir pareceres preliminares sobre as questões que sejam apresentadas pelos

tribunais dos países membros; d) assegurar o respeito da lei e da justiça na interpretação

e aplicação dos tratados e das leis decretadas para os executar; e) accionar os

mecanismos processuais previstos e adoptar acórdãos quando solicitado pelo Estado-

membro, pelo Conselho ou pela Comissão da EU, ou por pessoas singulares e colectivas

afectadas por uma decisão dos instituições comunitárias.

O TJE desempenha dois tipos de funções: a) Consultivas – consistem em emitir

pareceres sobre acordos a realizar com países ou instituições extracomunitárias e sobre

questões que lhe são apresentadas pelos tribunais dos países membros; e b)

Jurisdicionais – funções propriamente ditas do tribunal ao pronunciar-se sobre os

processos levantados pelo Estados, pelas instituições da EU e pelas sociedades ou

indivíduos na interpretação ou aplicação dos tratados comunitários, ou no conflito de

terceiros Estados com os Estados-membros, entregando estes últimos a defesa dos seus

interesses e direitos ao TJE.

As competências jurisdicionais do TJE traduzem-se em dirimir os conflitos de

interesses e os litígios entre as instituições comunitárias, os Estados-membros, a EU e os

particulares, e em resolver as controvérsias que lhe são submetidas pelas jurisdições

nacionais.

As decisões do TJE são definitivas e não podem ser contestadas em tribunais

nacionais e as suas sentenças não têm apelo para os Estados, empresas ou indivíduos

por ele condenados. Esta eficácia do TJE deve-se à sua independência total em relação à

política e aos Estados e ao seu respeito pelas cláusulas dos tratados e pelas normas do

direito comunitário derivado, que em conjunto, constituem a «ordem jurídica

comunitária16».

16 Cf. Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial- Importância da ONU.1.ª ed. Quid

Juris? Lisboa. 2011. pp. 65-67.

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2.4.1.3. Tribunais Penais Internacionais

Os massacres e as atrocidades cometidas durante a II GM que fizeram milhões de

vítimas nos campos de concentração nazis 17 , suscitaram a criação do Tribunal de

Nuremberg, em 1946, para julgar os responsáveis pela perpetração de crimes de guerra

contra a paz e contra a humanidade.

O Estatuto do Tribunal de Nuremberg (ETN), que vigorou também no Tribunal de

Tóquio, com princípios adoptados em 1 de Dezembro de 1946, pela resolução especial da

Assembleia Geral da ONU, constitui um código específico do DI, que visa defender a paz

e a segurança internacional e desencorajar e prevenir os conflitos armados, consagrando

os seguintes crimes contra o DI18: a) os crimes contra a paz – agressão e todos actos

visando preparar a agressão; b) os crimes de guerra – violação do direito das gentes e

das leias da guerra, incluindo a prática de crimes contra a população civil e a destruição

de aldeias, vilas e cidades; e c) os crimes contra a humanidade – perpetrar massacres,

extermínios e persecução por razões políticas, raciais ou religiosas.

O ETN tem um alcance que ultrapassa a singularidade de quadro das

circunstâncias que estiveram na origem da criação do respectivo tribunal, pois constitui a

base dos esforços desenvolvidos para combater os crimes contra a humanidade e o

fundamento do Direito Penal Internacional para a manutenção da paz, da ordem e do

respeito da lei na comunidade mundial.

A evolução da conjuntura mundial e das circunstâncias que lhes são subjacentes

possibilitaram ao DI evoluirão ritmo das convenções que definiram e sancionaram um

certo número de crimes contra a paz e a humanidade, que Morozov classificou como:

a) «A propaganda de guerra (condenada por uma resolução da 11.ª

sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas);

17 Nota do autor: Só no Campo de Concentração de Oswiecim, entre 1 de Maio de 1940 e

1 de Setembro de 1943, foram exterminadas 2.500.000 vítimas do Nazismo, além das

500.000 que pereceram de doenças ou de fome. In obi. cit.

18 Cf. Art. 6º do ETN

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b) O emprego de novos meios ou de novos métodos de guerra sobre o

teatro das operações (napalm, contaminação de fontes de água potável, bombas

lançadas sobre as populações civis, experimentação de novos tipos de armas de

destruição massiva das populações civis);

c) O genocídio (destruição sistemática das populações civis);

d) O ecocídio (crimes que comportam consequências incalculáveis e

muitas vezes irreversíveis para o equilíbrio natural, pondo em perigo a própria

existência da humanidade);

e) O apartheid (regime de terror que isola as populações de cor e as

priva dos seus direitos elementares);

f) O recurso a mercenários (colocados ao serviço de regimes

colonialistas ou racistas para combater os movimentos de libertação);

g) O terrorismo internacional;

h) A captura de reféns e o desvio de aviões»19.

Estes crimes, independentemente do seu grau de gravidade, contribuem para

afectar as RI e constituem violações da carta da ONU. Para contrapor os crimes mais

graves e mais perigosos como a guerra agressiva, crime de genocídio e todos os meios

postos em prática para preparar “políticos, técnicos, económicos e intelectuais” na medida

em que se traduzem em crimes contra a humanidade, como crimes imprescritíveis, a

ONU criou, na última década do séc. XX, Tribunais Internacionais Específicos (TIE) à luz

do disposto no Capitulo VII da Carta das NU.

Em 25 de Maio de 1993, a ONU criou o Tribunal Penal de Jugoslávia (TPJ),

sediado em Haia, para julgar os crimes cometidos na Ex-Jugoslávia desde 1991,

considerados crimes contra a humanidade, incluindo o crime de genocídio; em 8 de

Novembro de 1995, criou o Tribunal Penal Para Ruanda (TPR), que ficou estabelecido em

Arusha (Tanzânia), funcionando também, em Kigali (Ruanda) e Nairobi (Quénia), para

julgar os crimes perpetrados no Ruanda durante o conflito de 1974.

Ambos os tribunais são constituídos por 11 juízes eleitos pela Assembleia Geral da

ONU para um mandato de 4 anos e comuns a estes tribunais funcionam um Tribunal de

19 Morozov, Gregory Igor. Les Crimes Contre L´Humanite. In La Guerra ou la Paix. Paris.

UNESCO. 1980. p. 31.

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Recurso, composto por 5 juízes e um Procurador-Geral, com competência para interrogar

os suspeitos e as testemunhas e promover inquéritos de investigação criminal. Entretanto,

a eficácia destes tribunais tem sido contestada pela falta de equipamentos e meios para

proteger as testemunhas, pois os próprios Estados se desresponsabilizam da obrigação

de procurar, prender e julgar nos seus tribunais internos os presumíveis autores dos

crimes praticados.

A par da criação do ACNUDH e TIE, em 15 de Junho de 1998, a ONU instituiu o

Tribunal Penal Internacional (TPI) com vista também a promover o respeito pelos direitos

humanos, a prevenir a violação destes e a punir crimes de guerra e crimes praticados

contra a humanidade.

A Conferência Diplomática dos Plenipotenciários das NU decidiu criar um Tribunal

Penal Internacional (TPI), que devia ser instalada em Haia, onde funcionaria

permanentemente, dotado de poderes para julgar e punir os crimes mais graves contra a

humanidade, incluindo o crime de genocídio.

O Estatuto do TPI foi aprovado na conferência de Roma, em 17 de Julho de 1998,

por 120 votos a favor, 7 contra e 21 abstenções, tendo entrado em vigor em Julho de

2002, depois de ter sido ratificado por mais de 60 Estados-partes como fora previsto,

onde destacamos os artigos 1º, 5º, 34º (Órgãos) e 36º (Composição de juízes).

O TPI funciona em Haia, podendo reunir em outros locais, actua segundo o

princípio da responsabilidade individual, aplicado de forma idêntica sem excepções a

todas as pessoas que façam parte da hierarquia governativa, ou do comando militar;

funciona como complemento dos Tribunais penais nacionais, e só intervirá se estes se

eximirem de julgar e condenar os autores dos crimes previstos no Estatuto de Roma,

como dispõe o art.º 1º «o TPI será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as

pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de

acordo com o presente Estatuto, e será complementar das jurisdições penais nacionais».

Nos termos do n.º 1, art.º 5º do seu Estatuto «o TPI tem competências para julgar

os seguintes crimes: a) o crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade; c) os

crimes de guerra; d) o crime de agressão».

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O TPI será composto por 18 juízes eleitos pela Assembleia dos Estados-partes

para esse efeito20; e compreenderá os seguintes órgãos: a) Presidência; b) Secção de

recursos; c) Secção de Julgamento de 1.ª instância; d) Secção de Instrução; e) Gabinete

do Procurador; e f) Secretaria. Assim, a estrutura do TPI compreende a Presidência, três

Secções, um Procurador-Geral e a Secretaria administrativa e desempenha a sua função

jurisdicional através do Procurador-Geral e das Secções de Instrução, de Julgamento e de

Recursos21 para julgar os crimes de Genocídio, contra a Humanidade, de Guerra e de

Agressão22.

A destrinça de competências dos Tribunais Penais Internacionais (TPI) e dos

Tribunais de Justiça Internacionais (TIJ e o TJE) consubstancia-se no seguinte: a)

enquanto àqueles (TPI) incidem a sua jurisdição sobre os indivíduos, responsáveis pela

prática de crimes contra a humanidade, crimes de agressão, de guerra, de genocídio, de

ecocídio, etc.; estes (TJI) os Estados; b) enquanto na prevenção e resolução de conflitos

internacionais os TPI julgam pessoas, responsáveis das hierarquias governativas e

militares, acusadas, de cometerem crimes contra a humanidade, os Tribunais de Justiça

Internacionais são demandados para solucionar, juridicamente, situações conflituosas que

envolvem dois ou mais Estados; c) as decisões dos primeiros destinam-se a penalizar os

cidadãos responsáveis pela prática de crimes de agressão, de guerra, de genocídio, de

ecocídio, de terrorismo internacional e evitar a prática desses crimes, prevenindo a

deflagração de novos conflitos; ao passo que os segundos se enquadram na estratégia e

nos mecanismos de resolução pacífica dos conflitos internacionais.

A criação dos TPI contribuem para evitar eclosão de conflitos internacionais e a

prática de crimes contra a humanidade, «parece indicar a emergência de um poder

judicial internacional, que tanto se corporiza em jurisdições supranacionais como um

juízes nacionais, todos apresentados como protectores de uma moral universal»23.

20 Cfr. art.º 36º, ETPI.

21 Cfr. art.º 34º, ETPI.

22 Cfr. art.º 5º, ETPI

23 Defarges, Philippe Moreau. A Humanidade, Última “Grande Ilusão” do Século XX. 1999.

p. 700. In Politique Étrangère, 64. Outubro. pp. 693-705.

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2.5. Técnicas de solução dos conflitos internacionais

J.I. Brierly (1972: 355) ao afirmar «há dois caminhos possíveis para a composição

de conflitos, sejam eles entre particulares ou interestaduais: um consiste em se levar as

partes a aceitarem a solução que lhes é ditada por um terceiro; o outro, em se persuadir

as partes a uma aproximação deixando-se-lhe a elas próprias a escolha da solução. Na

esfera internacional, o primeiro destes caminhos toma a forma de arbitragem ou da

solução judicial; o segundo o dos bons ofícios, a da mediação ou da conciliação»24,

corroboramos com a ideia de que «existem mais caminhos conducentes à solução dos

conflitos, inclusive o próprio recurso à força».25

No art.º 33º da Carta das Nações Unidas estabelecem-se as formas de solução

dos conflitos internacionais: «as partes num conflito procurarão, antes de tudo, chegar a

uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução

judicial, recursos a entidades ou acordos regionais ou a qualquer outro meio pacífico à

escolha». Mas pode acontecer que os antagonistas não aceitem qualquer solução

pacífica, prevendo o recurso à força, para evitar que um conflito degenere em guerra

aberta e ponha em perigo a paz e a segurança internacionais, ou para limitar e controlar

um conflito armado.

Doutrinalmente, as diversas formas de solução dos conflitos internacionais podem

reduzir-se a quadros processos fundamentais que englobam os mais variados

mecanismos de resolução: a negociação, a aplicação do direito, a técnica da insulação e

o recurso à força.

2.5.1. Processo de Negociação

A negociação é o principal meio de resolver um conflito internacional, o que

concede à diplomacia uma importância considerável. Dag Hammarkjold como sublinham

24 Brierly, J. I. Direito Internacional. 3.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1972.

p. 355.

25 Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid

Juris? 2011. p. 71.

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Gonidec e Fernandes, «não hesitava em declarar que as organizações internacionais,

longe de tornarem a negociação inútil ou ultrapassada, contribuíram para aumentar a sua

importância. É a diplomacia, pelos discursos e pelos votos, que continuam a ter a última

palavra no processo de restauração da paz. No fundo, as organizações internacionais

favorecem o que se tem denominado de «negociação tranquila», oferecendo aos

antagonistas a oportunidade para se encontrarem sem despertar a atenção do público, ao

contrário do que sucede com os encontros oficiais de embaixadores, de ministros e de

chefes de Estados» (1977: 447).

No contexto das RI, a negociação é geralmente definida como «um processo de

consulta, de regateio entre as partes, com vista a um acordo» (Druckman, 1977: 81). Ora,

sendo a negociação entendida como o processo no qual são apresentadas propostas

explicitas com o objectivo de chegar a um acordo sobre a realização de um interesse

comum quando estão em conflito interesses divergentes, não fácil de que os antagonistas

aceitem em particular voluntariamente nesse processo. Neste processo procede um jogo

subtil caracterizado pela existência de dois fenómenos: a) o antagonismo; b) a vontade de

cooperar, implica, de um modo geral, a persuasão pelo jogo de argumentações e as

diversas formas de pressão, que podem ser postas em prática pelos próprios

antagonistas e por terceiros. Daí, os «bons ofícios», a «mediação» e a «conciliação» são

processos muito semelhantes ao da negociação, com a diferença de aqueles implicam

sempre a intervenção de terceiros. Desta forma, os bons ofícios, na mediação e na

conciliação, a intervenção de uma terceira potência não visa propriamente impor a

resolução do conflito pelos Estados interessados, mas sim a persuadi-los a chegarem

eles a uma solução.

Brierly afirma que «Entre os bons ofícios e a mediação não há qualquer diferença

de vulto: em rigor, fala-se de “bons ofícios” quando um terceiro Estado se limita a induzir

as partes a entrarem em acordo, e a «mediação» quando este terceiro Estado toma parte

activa nas negociações. Mas, como é evidente o processo vem fundir-se no noutro. Em

ambos os casos, estamos perante processos políticos que só dificilmente poderão caber

no âmbito do direito internacional. As Convenções de Haia para a Resolução Pacífica de

Conflitos Internacionais referem-se aos dois processos, considerado desejável que

potências estranhas ao conflito ofereçam os bons ofícios e a sua mediação, e

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acrescentando ainda que essa oferta não deve ser interpretada pelas partes como um

acto inamistoso» (1972, 384).

As Convenções de Haia definiram uma outra fórmula para a resolução pacíficas

dos conflitos, que se traduziu na criação de «comissões de inquéritos», cujas funções

consistem em averiguar as causas que estão na origem de um conflito, e em fazer sobre

elas um relatório ao qual as partes podem dar o seguimento que intenderem. O recurso à

técnica de inquérito baseou-se no princípio de que talvez fosse possível evitar uma

guerra, desde que se levasse os Estados a consentir numa moratória, que permitisse

entretanto esclarecer e tornar público os factos que estavam na base dos litígios.

A técnica de inquérito consubstancia-se, pois, no que costuma designar-se por

«conciliação», quer dizer, no processo de solucionar litígios mediante o recurso a uma

comissão de pessoas que têm por encargo averiguar os factos que estão na origem

destes litígios e elaborar um relatório com propostas de solução, desprovidas da força

obrigatória que tem uma sentença arbitral ou judicial (Fernandes, 2011: 73).

O carácter não obrigatório dos termos da solução do conflito apresentados pela

comissão de inquérito faz da conciliação um processo der resolução apropriado a todas

as espécies de conflito.

2.5.2. Processo de Arbitragem ou Solução judicial

A aplicação do direito em vigor como meio de regular um conflito internacional

encontra o seu domínio de eleição na submissão dos diferendos jurídicos a um processo

de arbitragem ou a uma solução judicial, ambos, como processos afins.

A arbitragem é uma espécie de solução judicial, já que o árbitro é um juiz, com a

particularidade apenas, em relação aos juízes dos tribunais permanentes, de ser

escolhido pelas partes e de ter funções limitadas ao singular litígio para a resolução do

qual foi designado. Nos dizeres de J.I. Brierly, segundo o art.º 37º da Convenção de Haia,

de 1907, «a arbitragem interna tem como objectivo resolver litígios entre os Estados,

mediante juízes escolhidos por eles na base do respeito pelo direito. O recurso à

arbitragem implica o compromisso por parte dos Estados de se submeterem de boa-fé à

sentença» (1972: 357 e ss).

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Na constituição dos tribunais arbitrais tem-se seguido variados processos: a) por

vezes escolhe-se para árbitro um chefe de Estado estrangeiro; ou b) os árbitros têm sido

representantes dos Estados litigantes, acompanhados ou não de outros membros.

A Convenção de Haia para a Resolução Pacífica de Conflitos Internacionais,

concluída em 1899 e revista em 1907, criou o Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA),

onde cada um dos Estados signatários designa quatro membros do Tribunal. Quando dois

Estados submeter qualquer litígio à apreciação judicial, cada um, salvo acordo em

contrário, escolhe dois árbitros da lista geral assim formada, dos quais apena um pode ser

seu nacional. Os árbitros designados nomeiam depois um árbitro de desempate.

Entretanto, a designação de TPA é contudo enganadora, pois na realidade existe

uma lista permanente de árbitros e o tribunal propriamente dito só é constituído em cada

caso. Este mecanismo tem uma utilidade prática, a julgar pelo número de casos

importantes sobre os quais o tribunal foi chamado a pronunciar-se, como o tratado

celebrado entre a Grã-Bretanha e a França em 1903, sem afectar os interesse vitais, a

independência ou a honra dos dois Estados e os interesses de terceiras potências.

A sentença arbitral tem carácter definitivo, contrário senso se as partes hajam

determinado. Porém, a competências dos árbitros é limitada pelo compromisso ou

documento pelo qual as partes submetem a questão ao TPA. Será írrita e nula toda

decisão que se afaste dos termos do compromisso, pronunciar-se sobre uma questão

diferente da que foi submetida, ou não aplicando as normas enunciadas pelas partes

litigantes.

Diferentemente dos TPA, os Tribunais Judiciais Internacionais (TJI) funcionam com

carácter de permanência e são constituídos por juízes designados por um período

determinado, os quais têm competências para decidir sobre todos os litígios que lhes são

submetidos, sem imposições limitativas dos compromissos assumidos anteriormente

pelas partes litigantes.

Relativamente às competências, funções e eficácia dos TIJ e TJE, já aludidos em

páginas anteriores, mas salientamos as jurisdições regionais existentes à escala

europeia, são mais eficazes do que a jurisdição do TIJ pelas reticências dos Estados em

aceitar as competências deste tribunal: a) os Estados socialistas suspeitavam da

ideologia burguesa da maioria dos juízes do tribunal; b) os países do Terceiro Mundo

desconfiam da aplicação de um direito em cuja elaboração não participaram; c) os

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próprios Estados capitalistas não aceitam submeter muitos dos seus diferendos ao TIJ.

Desta forma, os processos jurisdicionais não têm contribuído para solucionar os conflitos

internacionais. Partilhamos a afirmação de António José Fernandes, segundo a qual o

carácter obrigatório da competência e das decisões do TJE confere-lhe necessariamente

um importante papel na interpretação e aplicação do direito comunitário na jurisdição da

UE (2011: 76).

2.5.3. Técnica da Insulação

Entende-se por técnica de insulação a operação que consiste em isolar um conflito

com o objectivo de impedir a sua extensão e gravidade e em criar, de seguida, as

condições favoráveis à sua resolução rápida e satisfatória.26

Esta técnica utilizada pela ONU fracassada pelo sistema de segurança colectiva

dos seus fundadores não funciona, dada a possibilidade de concluir os acordos militares

previstos na Carta e a profunda divergência das grandes potências no Conselho de

Segurança, sucedendo o mesmo à tentativa de transferir à Assembleia Geral as

responsabilidades pela manutenção da paz. A ONU empreendeu uma série de acções,

que Michel Virally definiu como «operação conservatória e não coercitiva realizada pela

ONU numa base consensual».27

A presença da ONU no local do conflito é uma intervenção não coercitiva porque

não é necessariamente assegurada pelas forças armadas, recorre-se a vários processos:

a) envio de grupos de observadores, de representantes especiais do Secretário-Geral e

de missões de paz, denominados capacetes azuis; e b) mesmo quando são constituídas

verdadeiras forças armadas, a sua função não é combater para obrigar os antagonistas a

submeter-se à vontade da ONU.

A intervenção da ONU é uma operação que visa simplesmente facilitar a cessação

das hostilidades e reduzir a tensão, separando os adversários, devendo os seus

representantes ser absolutamente neutros no plano político e jurídico.

O carácter consensual da intervenção da ONU resulta do facto da contribuição dos

Estados para a criação das forças de intervenção ser sempre voluntária, o que pressupõe

26 Fernandes, António José. Op. cit. pp. 76-77.

27 Nota do autor: Cit. In: Gonidec, 1977, p. 453.

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a conclusão de acordos entre a ONU e os Estados interessados e a presença dessas

forças no território dos Estados interessados não ser viável sem o seu consentimento,

excepto nas missões de imposição da paz destinada a garantir a concretização da ajuda

humanitária.

As operações de manutenção da paz, do estabelecimento da paz, da imposição da

paz e da consolidação da paz, realizadas pela ONU visam facilitar a redução das tensões,

evitar a extensão do conflito e criar as condições propícias à sua solução por outros meios

(negociação, arbitragem, solução judicial). No plano internacional, isolando ou

neutralizando um conflito, a ONU contribui para manter o seu carácter local e evita que se

transforme em conflito planetário.

As demais OI podem também contribuir para isolar os conflitos e facilitar a sua

resolução com destaque a UA, que apesar dos mecanismos criados para regular os

diferendos entre os Estados africanos como a Comissão de Reconciliação, de mediação e

de arbitragem, não terem funcionado, a UA tem exercido uma influência moderada e

evitou a extensão e o agravamento de muitos conflitos entre os Estados-membros.

2.5.4. Recurso à Força

Os textos oficiais de carácter internacional proclamam que os conflitos devem ser

resolvidos por meios pacíficos e apelam para os Estados no sentido de se esforçarem de

boa-fé e com o espírito de cooperação para encontrar soluções rápidas e equitativas, com

base no DI, indicando diversas formas de solução pacífica28. No texto da Acta Final da

Conferência de Helsínquia especifica que, nos casos em que não se chegue a uma

solução mediante negociação, investigação, mediação, conciliação, arbitragem, acordo

judicial ou outros meios pacíficos a escolher, inclusive qualquer procedimento regular

previamente acordado, as partes deverão prosseguir uma via reciprocamente aceitável

para a solução pacífica dos conflitos. Como acentua Romulus Neagu, «o texto adoptado

em Helsínquia exclui toda a possibilidade de recorrer à força» (1977: 78).

Teoricamente, o recurso à força como meio de terminar com reivindicações é

excluído, salvo em casos de legítima defesa, porque a Carta confere à ONU o monopólio

do recurso à força: «o Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem

28 Cfr. Capítulo VI da Carta da ONU e Acta Final da Conferência de Helsínquia.

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envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efectivas as

suas decisões, e poderá convidar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais

medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações

económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais,

telegráficos, radiofónicos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações

diplomáticas»29; e, «no caso do Conselho de Segurança considerar que as medidas

prevista no artigo 1.º seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar a

efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar necessária para

manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais...»30.

É certo que a ONU se tem mostrado incapaz de recorrer à força armada, como

último meio, para resolver os conflitos que perturbam a paz internacional, embora que o

recurso à força não é somente a utilização das forças armadas: há outras formas de

possíveis de recorrer à força, se entender por força as medidas de constrangimento

previstas na Carta da ONU, como as medidas colectivas de bloqueio económico, de corte

de relações político-diplomáticas.

Assim, o recurso à força é efectivamente o último argumento para tentar solucionar

um conflito, e só se deverá utilizar depois de se haverem esgotado todas as hipóteses de

empregar os meios de resolução pacífica.

2.6. Apreciação crítica das Organizações Internacionais em

matéria de resolução dos conflitos internacionais

Os estudos sobre a intervenção das OI nos litígios internacionais mostram que,

embora a ONU se preocupe sobretudo com os conflitos que põem em perigo a paz e

segurança internacionais, ela tem interpretado de uma forma extensiva as suas

competências em matéria de resolução dos conflitos internacionais, que a sua eficácia

tenha ficado muito aquém das espectativas:

a) No período que decorreu entre 1945 e 1965, dos 55 casos

submetidos às Nações Unidas, somente 18 deles foram resolvidos total ou

29 Art.º 41º, Carta da ONU.

30 Ob. cit. art.º 42º.

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parcialmente com base na resolução da ONU e os demais, ou foram resolvidos

fora do quadro da organização, ou não receberam solução;

b) Entre 1946 e 1967, dos 57 litígios internacionais, 29 que a ONU não

teve influência para remediar a situação; e

c) Entre 1992 e 1995, evidenciou-se o fracasso das missões da ONU na

Somália e na Bósnia, e no Ruanda, em 1994.

Quanto às organizações no âmbito continental ou regional como a OEA, Liga

Árabe e UA, têm evidenciado grande incapacidade para resolver as controvérsias entre

os seus membros, mesmo com algumas acções positivas.

As OI têm pouca importância para evitar o desenvolvimento dos conflitos

internacionais, ou para resolverem os litígios depois de começarem as hostilidades:

a) A interdição legal do recurso à força se reveste de carácter bastante

limitado, em virtude de, na esfera das RI não existirem instituições policiais

encarregadas de fazer respeitar a lei;

b) O compromisso moral, que a adesão voluntária à Carta das Nações

Unidas implica para os Estados-Membros, não constitui um meio mais seguro para

evitar o recurso à violência do que a interdição legal;

c) As OI estão equipadas para intervir exclusivamente nas

manifestações de violência directa;

d) Não estão habilitadas, nem jurídica nem funcionalmente, para

intervirem nos casos de violência estrutural ou indirecta, o que se reflecte nas

desigualdades do poder, que desencadeiam por sua vez, a desigualdade das

condições de vida;

e) A OI, cuja concepção foi inspirada pelo sistema estatal moderno,

tende a apresentar as características fundamentais da própria essência da

violência estrutural na comunidade internacional, sendo que só a eliminação da

violência directa, e não da violência estrutural, faça parte das funções da

organização internacional;

f) As OI não foram concebidas para debelarem as principais fontes dos

conflitos, nem para evitarem o conflito entre as nações ricas e nações pobres, p.

ex. no processo da descolonização, a ONU, através dos seus principais órgãos, foi

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um factor de aceleração do processo, enquanto as OI económicas e financeiras

não mostraram a mesma capacidade de adaptação da realidade factual.

A despeito dos esforços dos Países em Via de Desenvolvimento (PVD) no sentido

que as transferências de capitais provenientes das nações desenvolvidas sejam

asseguradas no quadro do funcionamento da ONU, de maneira que os países pobres não

sejam mais abandonados à mendigância de fundos privados ou públicos, as

transferências de capitais continuam a ser regulados pelos países desenvolvidos.

g) O BM e o FMI se esforçam por estimular os investimentos de capitais

privados nos países de Terceiro Mundo, pressionando os seus governos a

modificar a sua política31.

Na Era da Globalização, os países em desenvolvimento que integram o chamado

Terceiro Mundo não estão dispostos a aceitar uma posição marginal nas RI, e estão

resolvidos a utilizar plenamente todos os mecanismos internacionais disponíveis32.

31 Estas políticas preferenciais explicam-se facilmente, na época das Conferencias de

Bretton Woods e de Havana, que levaram a criação de BIRD, do FMI e, indirectamente,

do GATT, que passou a designar-se OMC em 1995, os promotores da criação destas

organizações foram os países industrializados, e puseram em funcionamento instituições

destinadas a regulamentar, no plano internacional, as trocas, o comércio e as transacções

financeiras, em defesa dos seus próprios interesses. O padrão de troca ouro estabeleceu

a supremacia do dólar no sistema financeiro, enquanto o Terceiro Mundo, tal como é

concebido, era única e simplesmente ignorado. v. Fernandes, António José. Conflitos e

Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid Juris? Lisboa. 2011. p. 57.

32 A seguir a iniciativa tomada pela Argélia em nome do «Grupo dos 77», a Assembleia

Geral das Nações Unidas adoptou em Abril e Maio de 1974, duas resoluções importantes

sobre o estabelecimento de uma nova ordem económica internacional e o programa de

acção que permitia instituir essa nova ordem. Porém, a nova ordem económica

internacional prevista na resolução da ONU não chegou a ser estabelecida. E, por isso,

cabe perguntar se as organizações internacionais poderão adoptar-se facilmente às

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Apesar de muitos fracassos das OI, a ONU conta no seu activo sucessos

importantes na resolução dos conflitos que não ponham em causa nenhuma das grandes

potências, e nas situações de urgência para evitar a confrontação nuclear.

A Cartas das Nações Unidas atribui extensos poderes ao Conselho de Segurança

no que respeita à resolução dos conflitos internacionais. O art.º 24º estabelece que «a fim

de assegurar a actuação pronta e eficaz das Nações Unidas, os seus membros atribuem

ao Conselho de Segurança responsabilidade primordial pela manutenção da paz e da

segurança internacionais, e reconhecem que, no cumprimento dos deveres resultantes

dessa responsabilidade, o Conselho de Segurança actua em sua representação. No

cumprimento desses deveres, o Conselho de Segurança deve agir de harmonia com os

objectivos e princípios das Nações Unidas…». O art.º 25º, acrescenta: «Os membros das

Nações Unidas concordam em aceitar e cumprir as decisões do Conselho de Segurança,

de acordo com a presente Carta.

Nos capítulos VI e VII da Carta estabelece uma distinção entre poderes atribuídos

ao Conselho de Segurança para a resolução pacífica dos conflitos e aqueles que dizem

respeito à adopção de medidas coercitivas:

a) O Conselho não tem propriamente poderes, pois limita-se apenas a

fazer recomendações às partes;

b) Se a gravidade de qualquer ameaça à paz, violação de paz ou acto

de agressão exigir medidas rígidas, as deliberações do Conselho podem deixar de

ser simples recomendações para revestirem a forma de ordens, que os membros

das Nações Unidas ficam obrigados a cumprir.

«Quando o Conselho de Segurança entenda que se torna necessário empreender

qualquer acção contra um Estado, para manter a paz e a segurança internacionais, fica

ao seu critério a escolha das medidas a adoptar. Tanto pode recorrer a medidas que não

impliquem a utilização da força armada – tais como a interrupção das relações

diplomáticas com esse Estado – como, caso entenda tais medidas são inadequadas,

pode empreender, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que for

necessário para manter e restabelecer a paz» (Brierly, 1972: 394).

novas realidades, Qual será o seu papel no diálogo Norte-Sul? Fernandes, António José.

Conflitos e Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid Juris? Lisboa. 2011. p. 57.

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Porém, qualquer ameaça à paz, ruptura de paz ou acto de agressão se reveste de

carácter não processual, pelo que de acordo com o art.º 27 da Carta, as deliberações em

matéria de conflitos terão de merecer o consenso de todos os membros permanentes do

Conselho. Cada um dos membros permanentes pode utilizar o veto para impedir que

sejam tomadas quaisquer medidas coercitivas contra um Estado, incluindo ele próprio,

para salvaguardar com certa facilidade os conflitos que não põem em causa interesses

fundamentais de nenhuma grande potência. Daí que o sistema de segurança colectiva,

instituída pela Carta das Nações Unidas, não seja capaz de fazer face a uma agressão ou

a uma intervenção perpetradas por uma das grandes potências.

Face a tal situação, em prol da manutenção da paz e da segurança internacionais,

as Nações Unidas aprovaram em 1950, a Resolução sobre a «União para a Manutenção

da Paz» que estabeleceu um novo sistema centralizado na Assembleia Geral, estipulando

que “no caso de o Conselho de Segurança ser impedido de desempenhar a sua

responsabilidade primordial devido ao veto de uma das grandes potências, a questão

pode ser transferida para a agenda da Assembleia Geral. A Assembleia passará a ter

competência para se ocupar dela, recomendando as partes em conflitos as medidas

destinadas a pôr termo à violação da paz, à ameaça da paz ou ao acto de agressão, e

podendo, em caso de necessidade, fazer recomendações aos membros da Organização

sobre as medidas colectivas a adoptar para a manutenção ou restauração da paz.” Foi

providenciado no sentido de dotar a Assembleia Geral os meios necessários para tomar

medidas efectivas para a manutenção da paz: a) instituiu uma «Comissão de Observação

para a paz», pode ser utilizada pela Assembleia Geral como pelo Conselho de Segurança

para observar a situação em que parte do mundo onde exista um estado de tensão

perigoso para a paz; b) criou a «Comissão de Medidas Colectivas», cuja função consiste

em estudar os métodos que podem ser utilizados para a manutenção e consolidação da

paz, entre os quais se encontra o recurso das forças armadas; e c) recomendou aos

Estados-Membros que mantivessem no seio das suas forças armadas elementos que

pudessem ser postos rapidamente ao serviço das Nações Unidas.

«O mecanismo de segurança colectiva criada pela Resolução União para a

Manutenção da Paz não teve, até ao presente, papel de grande relevo. As Nações Unidas

voltaram-se mais para o Secretário-Geral, ao procurar um instrumento que lhe permita pôr

em execução as suas medidas tendentes à manutenção da paz» (Brierly, 1972: 400). E a

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aprovação da Agenda da Paz de 1922 permitiu à ONU instituir mecanismos ou missões

de restabelecimento e consolidação da paz em diversas zonas geopolíticas onde

eclodiram conflitos intraestatais em Angola, Moçambique, Somália, El Salvador,

Guatemala, Haiti, Camboja, Timor e nos Balcãs, com a finalidade de «fazer respeitar pela

força os acordos que é suposto serem garantidos pela ONU».

Nos primeiros tempos da existência da ONU foi criado um Comité dos Estados-

Maiores que reunia regularmente, mas as verdadeiras disposições de carácter militar do

capítulo VII da Carta e que deviam fazer da ONU um organismo de paz dotado de meios

de intervenção, nunca foram postas em acção. «Em toda a sua história o Conselho de

Segurança invocou o Capítulo VII da Carta uma única vez (contra a Coreia do Norte em

1950) para autorizar a acção militar dos Estados Unidos» (David, 2001: 332).

Na prática, os esforços para a manutenção da paz revestiram diversas formas até

ao momento em que a questão tomou grande importância com o problema da República

Democrática do Congo: a) um carácter mais programático do que institucional; b) a

natureza da acção; e c) a criação das forças necessárias (importância, composição,

comando, instrução), foram definidas especialmente para cada um dos conflitos segundo

as condições políticas positivas, mormente as possibilidades de financiamento33.

Em matéria de arbitragem, os Estados têm o livre arbítrio de excluir os diferendos

internacionais injustificáveis, que põem em causa os interesses vitais, sem, no entanto,

existir uma definição precisa do que pode ser a honra de um Estado ou os seus

interesses vitais, para determinar se a sua honra ou os seus interesses estão ou não em

jogo, aceitar ou excluir a competência de uma jurisdição arbitral.

A ONU é uma das organizações que participa num conjunto público de relações

entre os quase duzentos Estados do planeta, mas não assegura as funções mais

importantes. As questões de segurança dependem de sobretudo das alianças militares (p.

e. OTAN), as questões económicas do FMI, do BM, da OMC ou da OCDE, os problemas

técnicos das organizações especializadas regionais ou mundiais. A ONU preocupa-se,

certamente, com todos os assuntos, mas de modo tão marginal que facilmente se pode

33 O contributo da ONU para prevenir e jugular os conflitos co vista a consolidar a paz

mundial é analisado mais em pormenor nos Capítulos IV e V do presente trabalho de

investigação escrito.

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imaginar um sistema no qual as funções que ela desempenha seriam atribuídas a outras

instituições. A ONU não foi criada para responder a necessidade precisa e concreta. Foi

apenas encarregada de corresponder a um sonho. Este sonho é o da paz34.

Nestes simples considerandos sociais, económicos e culturais, concordamos que

«as práticas judiciais (e jurídicas em geral) muitas vezes alternam entre o cravo e a

ferradura, entre o progresso, o liberal e o conservador, entre uma aparente defesa dos

poderosos e do status quo e o fervor militante em lhes tirar o tapete debaixo dos pés».35

3. Guerra: Significado, Causas, Funções e Tipologia A guerra é um fenómeno essencialmente social, de carácter público e não

privativo. Distingue-se das rixas, dos duelos e das rapinas, precisamente por os

indivíduos não participarem nela enquanto tais, mas só enquanto membros de

organizações políticas, sujeitos a disciplina e autoridade supra individuais. Dai que seja

insuficiente a definição da guerra dada por Grócio, a qual compreende toda a sorte de

conflitos violentos36. Muito mais exata é a que anteriormente propusera gentil, pondo em

relevo o carácter jurídico e público37.

3.1. Critérios, conceitos e significado da Guerra

Ao analisarmos um fenómeno social de carácter público como a guerra, atemos

dois aspectos fundamentais: i) os critérios da sua abordagem ii) os possíveis conceitos e

iii) o seu significado.

34 v. Bertrand, Maurice. O essencial sobre a ONU. 1.ª ed. Editorial Bizâncio. Lisboa. 2014.

pp. 13-46.

35 Guedes, Armando Marques. Entre Factos e Razões: Contextos e Enquadramentos da

Antropologia Jurídica. 1.ª ed. Coimbra: Almedina. 2005. p. 285.

36 Bellum (est) status per vim certantium, qua tales sunt. Grochi, De jure belli ac pacis, L. I, C. 1, 2.

37 Bellum est publicorum armorum justa contentio, Gentili, De jure belli, L. I, C. II.

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3.1.1. Critérios de abordagem e conceitos da Guerra

O facto de a guerra tocar sentimentos e emoções, dificultando um estudo racional

para muitos que a destacam, ou mesmo a inibição completa de a estudar, existem vários

critérios de abordagem do fenómeno, dos quais destacamos os seguintes:

a) A afirmação de Aron que estabelece o elo de ligação entre o estudo

da guerra e das relações internacionais.

A guerra é um problema relacionado com a organização da sociedade humana a

nível mundial e que com grande probabilidade de a ver com a natureza biológica e

constituição psicológica do próprio homem, certamente que ela é um aspeto chave no

estabelecimento de relações entre os grupos humanos, organizados politicamente e que

reclamam avidamente autodeterminação para os seus destinos.

b) O princípio de considerarmos a guerra como uma atividade

desencadeada por uma classe, pelo Estado-Nação, por uma religião, por um grupo

étnico, estando no entanto o Estado-Nação sempre presente em acto ou potência

(quando se procura adquirir a capacidade-legitimidade do Estado-Nação), havendo

tendência para a combinação de actos;

c) A guerra pode também ser feita para alcançar um objetivo

determinado com cálculo de perdas e ganhos, com todos os meios, incluindo

nucleares, pode ser feita a nível universal ou numa área geográfica, obedecendo

ou não as regras;

A guerra constitui uma das principais ameaças para os Estado no cumprimento dos

seus objetivos fundamentais, como a Paz, a Soberania e a Segurança dos seus cidadãos

e bens.

Segundo R. Aron «as unidades políticas, os regimes constitucionais, devem todos

a sua origem à violência»38, atente-se para o papel realçado da violência nas realizações

políticas, mas que violência? Física? Moral? Colectiva? ou a das vontades humanas que

utilizam instrumentos físicos?

De acordo com a Enciclopédia Luso-Brasileira, a violência será «o acto de forçar

contrariando a vontade ou o direito», mas para Johan Galtung, «a violência está presente

quando os seres humanos são influenciados de tal modo que o seu desempenho actual,

38 Aron, Raymond, «Paix et Guerre entre les Nationes» Ed. Callman Levy. p. 6.

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somático e mental, é inferior ao seu desempenho potencial», considerada ainda diferença

entre a violência estrutural ou indireta e a pessoal ou direta, bem como a violência latente.

Aron refere-se à violência física, das armas, pois ao referir que «o conflito torna-se

violento quando um dos adversários recorre à força física para obrigar ao outro a

submeter-se. Fala-se é certo em violência moral (…), mas é a força física que exerce

originalmente a violência e viola a liberdade das pessoas», que é indissociável do

comportamento humano, e está inclusivamente presente no comportamento de todos os

animais. Esta definição é praticada pelos grupos políticos, para fins políticos e que usam

armas, designando de coação todas as outras formas de impor comportamentos não

desejados, para vencer resistências com o uso de ameaças.

O conceito de conflito por vezes é utilizado como sinónimo de guerra quando as

situações envolvem unidades políticas.

Raymond Aron afirma que «No sentido mais geral, dois indivíduos ou dois grupos ,

estão em conflito quando se esforçam por possuir os mesmos bens, ou atingir fins

incompatíveis, o conflito torna-se violento quando um dos adversários recorre à força

física para forçar o outro a submeter-se».

Para Julien Freund «o conflito consiste num afrontamento internacional entre dois

seres ou grupos da mesma espécie que manifestam, um em relação ao outro, uma

intenção hostil, em geral a propósito de um direito, e que para manterem, afirmarem, ou

estabelecerem esse direito, procuraram quebrar a resistência do outro, eventualmente

pelo recurso à violência física, a qual pode tender, se necessário, ao aniquilamento

físico».

Lewis A. Coser define utilmente, conflito como «luta por valores, status, poder ou

recursos, na qual os participantes procuram neutralizar, prejudicar ou eliminar os seus

rivais», que ao nosso ver inclui o exercício da coação e, potencialmente, o da violência,

mas também nos permite a distinção de competição.

Existem situações de conflito, sejam agravadas, passando este conflito agudizado,

na iminências de se transformar em guerra, não desejada na sua efetividade pela partes e

que procuram evitar sem abdicar dos seus interesses, designados por crises que

atualmente têm assumido extrema importância no sistema das Relações Internacionais.

As crises carecem de um controlo seguro e uma ação intensa e urgente que implica

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política, estratégia e diplomacia para evitar eminência que será a guerra. Sendo assim, o

agravamento dos conflitos está na origem das guerras.

A definição dada por Gaston Bouthoul, segundo a qual a guerra é a «luta armada e

sanguinolenta entre grupos organizados» que vai ao encontro de Raymond Aron, que diz

ser esta um «conflito armado entre unidades políticas», mas também em Quincy Wigth39

encontramos a luta armada como definição de guerra «conflito entre grupos políticos,

especialmente entre Estados soberanos, conduzidos por importantes contingentes de

forças armadas durante um período de tempo considerável».

Clausewitz também faz referência que só «existe guerra se existir violência

armada».

Entretanto, estes conceitos referem-se apenas a guerra como confronto físico,

olvidando a existência de situações conflituosas, em que a violência é apenas potencial

onde podemos encaixar outros tipos de guerra, como o de guerra fria, comercial,

económica, biológica, onde o produto armado não é exercido, e cujas consequências

podem ser tão devastadoras como no caso de violência armada.

Clausewitz ao estudar o fenómeno da guerra na sua complexidade social, política e

natureza militar, elaborou no Título I, capítulo I, uma definição racional: «acto de violência

destinado a forçar o adversário a submeter-se a nossa vontade». Sendo assim, a guerra

será um duelo na qual a violência é feita para obter um fim, resultando que será legítimo o

uso da força ilimitada, desde que para atingir um fim concreto, uma «ascensão aos

extremos».

A ascensão a extremos é feita de cordo com três ações recíprocas:

1. Uso ilimitado da força: «(…) a guerra é um acto de violência e não há

um limite para a manifestação dessa violência (…)».

2. Objetivo na guerra: «desarmar o inimigo».

3. «Máximo desenvolvimento de forças»: «(…) se se quer vencer o

adversário, deve-se proporcionar o esforço à sua força de resistência (…)».

A realidade impõe-se sobre a abstração e a guerra, pois é um ato que emerge com

conexão, envolve uma decisão completa tendo em conta a situação política que dela

resulta e sobre ela reage. Nesta perspetiva abstrata, existem duas causas da guerra:

39 Wrigth, Quincy, «A Study of War», pp. 33-41.

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1. A fricção do meio onde a guerra se desenvolve (Livro 1, Cap. VII);

2. A influência e a vontade de quem determina a guerra, considerando

que « (…) é a política que determina a guerra», «(…) a guerra é uma simples

continuação da política por outros meios (…)», «(…) na realidade corresponde aos

objectivos políticos». «Sempre começa a partir de uma condição política e vai em

frente por um motivo político (…)».

Clausewitz sublinha que a guerra é «uma surpreendente trindade em que se

encontra, primeiro que tudo, a violência original do seu elemento, o ódio e a animosidade

que é preciso considerar como um cebo impulso natural, depois o jogo das

probabilidades» e finalmente «a natureza subordinada de instrumentos da política por via

da qual ela pertence à razão pura».

A celebre frase clausewitziana «(…) a guerra é uma simples continuação da

política por outros meios (…)», permite-nos distinguir entre:

a) Os fins da guerra e os fins na guerra, sendo para o primeiro, o

objetivo da guerra, é a paz e, para o segundo, o objetivo será o destruir das forças

militares;

b) Estratégia e táctica, visando a primeira a paz e a segunda procura a

vitória, e considera a política como ciência-arte de dirigir o Estado-Nação face a

outros Estados.

Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia (1993) precisa, [Nesta dialéctica

permanente entre política e guerra não existiriam limites, podendo descer-se «até uma

forma de guerra que consiste numa simples ameaça contra o inimigo, e na negociação»,

conceito este hoje actualizadíssimo em todas as situações de conflito efectivo ou

potenciais, e sendo através desta que as Nações Unidas tentam alcançar a sua finalidade

última, a paz].

A política não se resumiria à guerra, ela comanda a guerra sem se intrometer nos

pormenores militares, mas as relações políticas não param quando a guerra começa,

apenas não reforçadas co meios militares. Confirma-se a teoria de Clausewitz segundo a

qual «(…) a subordinação do ponto de vista político ao da guerra seria absurdo, visto que

foi a politica que preparou a guerra, a política é a faculdade intelectual, a guerra só é o

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instrumento, e não o inverso. Sublinhar o ponto de vista militar ao político é portanto a

única coisa que se pode fazer»40.

Para a Teoria Marxista-Leninista, a guerra só apareceu a partir do momento em

que surgiu a estratificação da sociedade em classes, sendo certo o seu fim quando se

alcançar a sociedade sem classes, sem exploração do homem pelo homem, sendo no

entanto uma fase de ditadura do proletariado “a nova classe” (Francisco Miguel Gouveia

Pinto Proença Garcia, 1993/2003).

A guerra, para os marxistas-leninistas, tem dois aspectos orgânicos:

1. Sociopolítico - expressa a sua ligação com a política, visto a política

ser a ciência-arte de manter dominante a uma classe sobre a outra.

2. Técnico-militar – expressando a sua natureza de luta armada (luta de

classes com meios físicos, violentos e organizados).

Se para Clausewitz a política era apenas política de Estado, dos grupos

divergentes defensores, fundamentalmente dos seus interesses, a teoria marxista-

leninista entende que a política é «a luta de classes», pelo que a diferença nas duas

reside fundamentalmente nas diferentes conceções de política, visto Lenine também

considera que «a guerra é a combinação da política por outros meios», e ser a política

influenciada por esta, pois pode ou não ajudar ou contrariar a revolução.

Esta ideologia considera a principal característica da guerra o uso da força armada,

mas a guerra envolve o todo social e não só os que praticam a luta armada, pois outras

formas, desde a económica à diplomacia, são usadas em conjunto para quebrar a

vontade de resistência do inimigo.

3.1.2. Significado da Guerra

Na vida dos Povos primitivos a atividade bélica desempenhou papel considerável.

Quando a guerra se manifesta, processa-se sempre, não entre indivíduos, mas entre

grupos sociais.

A história de um bellum omnium contra omnes, excogita por alguns teorizadores

como Hobbes, pode talvez ter algum sentido como argumento dialéctico, tendente a

40 Capítulo VIII, Titulo VI.

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mostrar o que poderia suceder, se não existisse a sociedade e o Estado; mas não tem a

mínima base factual.

A ideia de que a guerra, mesmo a ilimitada, deve ser legitimada pela justiça é já

antiga, acompanhando a evolução da humanidade. Mesmo povos que construíram

grandes impérios no Medio Oriente, na China ou na Índia sempre apresentavam os seus

empreendimentos bélicos com atos divinos de extensão da luz sobre as trevas e de

civilização dos povos bárbaros circundantes, ou de recuperação de uma doação divina,

como foram as guerras ordenadas por Yaveh ao povo do Israel (José Pina Delgado,

2014: 242).

Esta noção de que existem guerras santificadas não impediu que a religião

contribuísse para que, a partir de sistemas políticos, jurídicos e morais, emerjam noções

importantes de controlo material e processual da feitura da guerra. Em Israel, as guerras

que tinhas propósitos seculares estavam submetidas a uma tramitação específica prevista

no livro do Deuteronómio e, em Roma, a necessidade simbólica de garantir o apoio das

divindades, levou ao desenvolvimento de um mecanismo (o jus fetiale) para assegurar

que havia causa justa para a guerra e que elas seriam um recurso de última instância. Foi

a internacionalização do conceito de bellum iustum do Direito Público Romano e da sua

apropriação medieval pelos teóricos cristãos que o conceito foi efetivamente incorporado

no vocábulo do Direito das Nações (José Pina Delgado, 2014: 242-243).

Na ótica de Carl Clausewitz, «(…) é a política que determina a guerra (…) a guerra

é uma simples continuação da política por outros meios (…) na realidade corresponde ao

objectivo político. Sempre começa a partir de uma condição política e vai em frente por

um motivo político (…)». Operacionalizando-se também, o conceito de Guerra Total, em

que destaca o seu carácter sociopolítico mais grave, através do envolvimento coletivo e o

uso de todos os meios disponíveis41, guerra preventiva e guerra preceptiva.

Vladimir Ilich Lenine considera que «a guerra é a continuação da política por outros

meios» e ser a política influenciada por esta, pois pode ou não ajudar ou contrariar a

revolução.

41 Cfr. Pereira, Luís Mira. O Que Esperar da Europa. Uma Análise Geopolítica. 2.ª ed.

Causa das Regras. 2012. p. 15.

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Sun Tzu afirma que «a guerra é um assunto grave do Estado: deve ser

profundamente estudado», ou seja, «a guerra é uma preocupação muito séria para o

Estado; ela necessita de ser profundamente estudada».

Francisco Proença Garcia (1993: 823) sublinha que pela análise elaborada de

pensadores como Clausewitz e da teoria Marxista-Leninista, vimos que a guerra é por

vezes a continuação da política por outros meios, e que sem dúvidas estes autores

influenciaram sobremaneira as Relações Internacionais no nosso século.

Por seu turno o autor referido precisa que a guerra é a violação armada e

sangrenta, entre os grupos organizados, que cria e se desenvolve num ambiente hostil,

inerentemente incerto, evolutivo tendo como finalidade a mais evidente o acesso ao, ou a

manutenção do, poder (2003). É um fenómeno global, com expressão em todas as

regiões do mundo, da Europa à Oceânia, das Américas à Ásia, passando por África,

sendo a sua problemática reconhecida como central por todos os estudiosos das

Relações Internacionais (2015).

As consequências que se deduzem destes conceitos são extremamente

importantes, mesmo no plano prático.

3.2. Origens, causas e funções da Guerra

Importa, antes de mais, contextualizar o prelúdio do fenómeno da guerra no

continente africano, particularmente em Angola, depois das I e II GM. Dados disponíveis

revelam que, em Janeiro de 1961, Angola, então considerada uma das mais prósperas

“Províncias Ultramarinas” de Portugal estava no centro das atenções que, depois de um

período sustentado dos anos de 1950, a década de ouro na história portuguesa em África,

tornou-se numa das possessões mais estimadas de Portugal, parecia, a par de

Moçambique, oásis de paz e progresso.

Em Angola implantou-se uma política racial draconiana, segundo a qual a

população do “Estado Novo” (Portugal) fora organizada em três escalões: «nativos»,

brancos e «assimilados» e onde as colónias, com as suas economias florescentes, viviam

dependentes dos ditames do Estado europeu, tendo nos anos de 1960 prosperado uma

panóplias de movimentos politicamente orientados (UPA, FNLA, MPLA, PAIGCV,

FRELIMO, MLSTP, etc.) que promoveu o protesto e a resistência, forçados a entrar na

clandestinidade ou a operar a partir de Estados vizinhos, originaram um profundo

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sentimento de frustração acompanhado de um endurecimento de atitudes insurrecionais

na luta de libertação nacionais.

O Brigadeiro General Sul-Africano, Willem (Kaas) van der Waals, em sua obra

original “Portugal’s War in Angola 1961-1974” sublinha que «A Guerra em Angola é

considerada a mais sangrenta sublevação contra o colonialismo na história de África a sul

do Sara. Evoluiu para o conflito que Portugal acabaria por perder, não no campo de

batalha, mas no coração dos seus próprios cidadãos. Depois de uma guerra exaustiva

que se arrastou durante treze anos, e perante os constantes revezes sofridos nos seus

dois territórios africanos dilacerados pela guerra, Portugal, de nervos em franja, acabaria

por se auto-infligir o golpe de misericórdia.

O novo governo de Portugal viria a perder o controlo sobre o processo de

descolonização de Angola, resultando daí uma sangrenta guerra civil e um dos conflitos

mais preocupantes da Guerra Fria no Terceiro Mundo, que se arrastaria até 2002» (1993).

Do exposto, destacamos infra a origem, as causas, as funções e as tipologias da

guerra no contexto das Relações Internacionais e do Direito Internacional, ou seja, na

lógica duradoura de conflito na política internacional para compreendermos a importância

teórico-prática do seu estudo, por um lado, e municiar aos leitores, estudantes e

académicos uma bibliografia concentrada neste trabalho de investigação escrito no

terceiro ciclo do curso de DDS.

3.2.1. Origens da Guerra

Ortega Y Gasset destaca: «A guerra é um invento dos homens para resolver

determinados conflitos». Por seu turno, Sun-Tzu sublinha: «A guerra é um assunto grave

do Estado: deve ser profundamente estudado».

A guerra é um fenómeno social que tem coexistido em permanência com a vida

humana, pelo que se apontam três níveis de causalidade para o fenómeno:

1. A Guerra como fatalidade de essência humana.

A essência divina constitui a mais antiga convicção sobre o fenómeno, o carácter

louvável das atividades guerreiras, protegida pelos Deuses, como aconteceu na Grécia-

Antiga, em Roma, nas religiões superiores (no Velho Testamento: Geová é referido

«como o Deus dos Exércitos» e para o Islão, sua propagação por força das armas é um

dever de todo o Mao-metano).

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Kant reconhece na guerra o seu carácter inevitável, pretendendo alcançar a paz

perpétua. Hegel encarava-a como factor de progresso da humanidade.

Entretanto, todos estes metafísicos ou representantes da escola religiosas,

consideravam a guerra como uma fatalidade ordenada da providência divina, mas para

além deles subsiste o carácter misterioso da guerra.

2. A Guerra, como fenómeno sociocultural.

Ao encararmos a guerra como um fenómeno cultural, encontramos duas escolas

para as quais os conflitos estão ligados a fatores pessoais, biológicos e sociológicos:

a) Escola Biológica: considera o conflito como fenómeno natural,

produto dos instintos do Homem. Segundo esta perspetiva, os conflitos violentos

são um mecanismo regulador do «espaço vital», originando erupção de violência.

Essa necessidade de equilíbrio biológico seria sempre necessário um estímulo

para haver resposta agressiva.42

b) Escola Psicológica: encara a agressividade do ser humano como uma

consequência direta das frustrações experimentadas no processo de socialização.

As decisões que influenciam o desencadeamento da violência e as tensões entre

os grupos dependeriam do estado de espírito individual, sendo frequentes as

distorções de perceção, constituindo a guerra uma fatalidade resultante da

estrutura psicológica do indivíduo, mais ou menos influenciada pelo processo de

socialização.

O ponto de partida dos conflitos a níveis interno e internacional, situa-se na

estrutura social. Nesta esteira distinguimos várias escolas de interpretação da

causalidade da guerra como produto social:

a) Escola Realista das Relações Internacionais, representada por Aron e

Morgenthau, considera a sociedade internacional uma sociedade anárquica. Nesta

escola, a procura da origem da guerra confunde-se com a identificação do sistema

internacional, mais suscetível de conduzir ao conflito.

b) Escola Sistémica – procura a origem da guerra através da

identificação do sistema internacional menos suscetível de conduzir ao conflito.

42 Pensadores como T. Hobbes, Maquiavel, Nietzche: «O instinto convida o homem a tudo

o que intensifica a vida».

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c) Escola Marxista, para a qual a violência seria gerada no seio da

sociedade em virtude da injustiça e da opressão do próprio sistema social.

d) Escola Radical, onde distinguimos autor Johan Galtung, para o qual

no domínio da sociedade internacional se manifesta uma situação de desigualdade

entre Estados, onde existe uma violência estrutural entre o «centro» e «periferia»,

onde se opõem elites dirigentes a massas exploradas.

e) Guerra e Industrialização: a guerra é produto de uma estrutura social,

que desaparecerá quando for substituída por outra, onde aquele fenómeno não

tenha lugar. Para Augusto Comte a sociedade humana está organizada em um de

dois sentidos: a conquista e a produção, correspondendo o primeiro ao estado

militar e o segundo ao estado industrial.

Esta opinião não se acolhe, porquanto à medida que há avanço tecnológico, maior

e mais terrível é a guerra, com a finalidade de as potências industriais a alimentarem.

Contudo, a guerra de facto é uma fatalidade sociocultural.

3. A Guerra, como acto racional.

A guerra resulta da vontade política de um Estado ou organização política, de

sujeitar outro seu igual ou não a sua vontade. São os valores e interesses vitais os

objetivos dos quais os governos e nações fazem depender a sua existência, necessidade

que deve ser permanentemente aprofundada e preservada, mesmo pela imposição de

terceiros. É de facto a «sobrevivência nacional» que nos conduz a sacrifícios externos do

porquê morrer e viver.

A guerra é acto racional por ter objetivos de:

a) Longo prazo, por razões económicas, ou de prestígio meramente

expansionista;

b) Longo prazo para a modificação da ordem internacional, próprias dos

estados totalitários.

Para Anatole Rapofort, as três possíveis razões de guerra correspondem a três

concepções:

1. Concepção Política – visa alcançar um objetivo determinado, com

base em cálculos racionais de perda/ganho, assumindo esta o papel de jogo.

2. Concepção Escatológica – se com ela pretendemos encaminhar para

um desígnio histórico, a guerra como uma missão.

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3. Concepção Cataclísmica – surge inevitavelmente como uma

catástrofe sem qualquer finalidade consciente ou inconsciente.

3.2.2. Causas da Guerra

As causas da guerra, como se sabe, são muito variadas; algumas são

características de fases históricas ultrapassadas, outras dos tempos modernos e, pela

sua importância teórico-prática, aferimos as seguintes:

a) Entre os Povos primitivos, a guerra é determinada sobretudo pela

cobiça do saque. Não difere muito da caça, na qual, segundo alguns autores, teria

tido origem (associando-se até hábito infame da antropofagia). Nesta fase, os

vencidos são considerados inteiramente à mercê dos vencedores, e portanto, não

exterminados, reduzidos à escravatura;

b) A este motivo de guerra acresce e substitui-se depois o da conquista

do território inimigo. Nas suas várias formas, a conquista teve papel bastante

importante, e por vezes decisivo, nas contendas históricas de quase todos os

Estados; tanto que não seria certamente possível apagar todas as suas

consequências;

c) O alastramento das conquistas militares conduz frequentemente à

formação de governos despóticos; e o despotismo é por natureza propenso à

guerra. Daí uma espécie de círculo vicioso, que Rousseau surpreendeu com

perspicácia43;

d) O arbítrio dos chefes e as megalomanias. Mas na maior parte dos

casos a eclosão das guerras é fruto de razões bem mais profundas;

e) As chamadas «guerras coloniais» ou «de comércio» não se limitaram

a tais objetivos, e tiveram por fim explorar o mais possível populações indígenas e

outros territórios, mantendo-se num estado de sujeição injustificado e contrário a

todo progresso;

43 Nota do autor: D´un côté la guerre et les conquêtes, et de l´autre progrès du despotisme, s´entre`aident

mutuellement. ROUSSEAU, Jugent sur la paix perpétuelle, éd. Lefèvre, pág. 282.

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f) A diversidade de crenças religiosas se torna, por vezes, motivos de

guerras, se bem que, não isoladamente, mas em conjugação com as outras causas

de antagonismo entre os povos. O fanatismo próprio de algumas religiões pode

tornar-se um estímulo nas lutas com Povos de fé diferente, em especial se

prometer eterna recompensa aos exterminadores dos «infiéis», estranho e até

contrário no espírito do Cristianismo, como todos sabem, é na essência uma

religião de paz e tem como princípio fundamental o amor de todo o género

humano;

g) Da aspiração à independência, que é própria de todas as Nações,

brotaram em todas as épocas numerosos conflitos, tanto para a vida internados

Estados, como para as relações interestaduais.

Os Povos, tal como os indivíduos, possuem certos direitos naturais, há que

reconhecer aquela aspiração, não só raízes psicológicas profundas, mas também um

valor ético, e até jurídico. Como se sabe, foram realizados grandes esforços, sobretudo a

partir do séc. XIX, para fazer vingar nas constituições políticas o princípio da

nacionalidade.

O princípio da nacionalidade significa, essencialmente, que nenhuma Nação deve

oprimir outra, e não que todos os Estados existentes tenham de ser imediatamente

dissolvidos e substituídos por tantos Estados quantas as Nações que há no mundo;

h) Reivindicação da autonomia nacional. Enquanto existirem povos

oprimidos por dominação estrangeira, não será possível excluir completamente a

possibilidade de se tornar necessário o recurso àquele meio supremo de afirmação

de um direito natural válido.

Nesta esteira, José Pina Delgado (2014: 244) afirma que: «na atualidade, há uma

notória influência dessa tradição, perpassando juristas, filósofos, politólogos, teóricos das

Relações Internacionais, etc. Correspondendo a uma amostra representativa do

pensamento contemporâneo, apresentam-na a partir de pressupostos liberais (Rawls),

cosmopolitas (Habermas) ou outros (Walzer). Ademais transcendem discussões

académicas, tem feito parte da retórica dos próprios decisores políticos (Bush, Blair,

Obama) que apelam tanto a argumentos jurídicos (licitude) ou políticos

(necessidade/conveniência), mas também da tipologia própria da teoria

(moralidade/justiça-legitimidade), enquadrada numa postura legitimista de muitos

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Estados, no sentido de democratização e proteção aos direitos humanos,

desenvolvimento que promovem reflexões que promovem temas candentes ligados ao

tradicional jus ag bellum (intervenções humanitárias/responsabilidade de proteger, guerra

de autodefesa na luta contra o terrorismo, ataques dirigidos/assassinatos seletivos), ao

jus in bello (utilização de armamento de destruição maciça, limites à invocação de

necessidade militar, danos colaterais) e ao jus post bellum (ocupação militar, anexação de

território, responsabilidade de líderes políticos e militares)».

3.2.3. Funções da Guerra

A Guerra desempenha as funções seguintes:

1. Função judicial.

Pela incapacidade de resolver conflitos por parte das organizações internacionais,

verificada a falta de poder coercivo, surge o recurso á força das armas para a sua

resolução quando o custo/objetivo é compensado e pode constituir um estímulo

(Francisco M. G. P. Proença Garcia, 2003).

2. Função Económica.

Para conquista do território e riqueza, mas situação que tende a desaparecer com

a industrialização se formos ao encontro das ideias de Augusto Comte (Francisco M. G.

P. Proença Garcia, 2003).

3. Função demográfica ou biológica.

Pois pode contribuir para um certo equilíbrio demográfico pela redução

populacional e pelo carácter seletivo da redução, pois são gerações mais novas as mais

afetadas (Francisco M. G. P. Proença Garcia, 2003).

4. Função purificadora.

Para Hegel, a guerra tinha um carácter «civilizador» e terá o seu fim com a

realização do «Espírito absoluto», logo uma «função purificadora», e para Nietzche «a

guerra e a coragem fizeram mais que o amor pelo próximo», sendo então considerado o

sofrimento provocado uma grande escola (Francisco M. G. P. Proença Garcia, 2003).

5. Função de sublimação.

Poderá a guerra desempenhar esta função, segundo Francisco M. G. P. Proença

Garcia «contribuindo onde o ódio e a agressividade são descarregados num inimigo

comum para a coesão de um grupo social».

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6. «Função de evolução e adaptação das estruturas sociais».

Francisco Proença Garcia considera que haverá uma função evolutiva tecnológica,

material e moral, pelo esforço exercido e pelas posteriores reformas estruturais levadas a

cabo.

Assim, independentemente das suas origens, causas ou diferentes conceções, a

guerra é um fenómeno social que provavelmente existiu e existirá, enquanto entre o

Homem houver diferenças sociais, económicas, políticas, étnicas, entre outras.

3.3. Tipologias da Guerra44

São inúmeros os critérios para se atribuírem tipologias à guerra.

Carl von Clausewitz na sua obra Vom Krieg, editada por sua mulher no século XIX,

esclareceu que a guerra não é apenas um camaleão, que se modifica em cada caso

concreto, “ mas é também uma surpreendente trindade, em que se encontra primeiro que

tudo, a violência original do seu elemento, o ódio e a animosidade, que é preciso

considerar como um cego impulso natural, depois, o jogo das probabilidades e do acaso,

que fazem dela uma livre atividade da alma, e, finalmente, a sua natureza subordinada de

instrumento da política por via da qual ela pertence à razão pura. O primeiro destes

aspetos interessa particularmente ao povo, o segundo, ao comandante e ao seu exército,

e o terceiro releva sobretudo do governo” (Clausewitz, 1976: 89).

Na definição mais clássica de Clausewitz, a guerra “não é somente um ato político,

mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma

realização destas por outros meios”, acrescentando este autor que, “é apenas uma parte

das relações políticas, e por conseguinte de modo algum qualquer coisa de

independente”, e destina-se a “forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (1976:

73).

Quincy Wright45, no seu «A Study of War», editado em 1945, entendia a guerra

como «A state of Law and a form of conflict involving a high degree of legal equality, of

44 v. Garcia, Francisco M. G. P. Proença., 2003. “Tipologias de Guerra”. Revista Militar, de Novembro de

2003, pp. 1103-1136.

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hostility, and of violence in the relations of organized human groups, or, more simply, the

legal condition which equally permits two or more hostile groups to carry on a conflict by

armed force (…)» (Wright, 1965: 7).

No continente europeu o fundador da Polemologia, o francês Gaston Bouthol,

entende a guerra como «la lutte armée et sanglante entre mouvements organisés»,

(Bouthol, 1991: 35), e no COW original ela era-nos apresentada como «sustained combat

between/among military contingents involving substancial casualties (minimum of 1000

battle deaths)».

Em Portugal, Abel Cabral Couto, estrategista dedicado ao estudo da Guerra e da

Estratégia no século XX, definiu a guerra como a «violência organizada entre grupos

políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade

potencial, visando um determinado fim político, dirigida contra as fontes de poder do

adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e azares»

(Couto, 1988: 148).

Entretanto, podemos encontrar situações em que seja utilizada a violência

organizada e não se considere uma guerra em si, como ainda referiremos neste livro

quando analisarmos o espectro das operações militares. Quando a força é usada para

infringir dor ou para persuadir um adversário a abandonar ou a abrandar um determinado

comportamento, podemos então falar de operações militares de não-guerra ou, na feliz

expressão de Thomas Scheling (1966) de diplomacia coerciva ou da violência.

Na necessidade de ter um conceito suficientemente abrangente e operacional que

permita integrar a violência armada entre os diversos atores, na mesma linha de

Clausewitz, entendemos a guerra como a «violência armada e sangrenta, entre grupos

organizados, que cria e se desenvolve num ambiente hostil, inerentemente incerto,

evolutivo, tendo como finalidade mais evidente o acesso ao, ou a manutenção do, poder».

Gaston Bouthol (1991: 445-461) adota uma tipologia política e classifica as guerras

como internacionais – oposição entre dois grupos soberanos, ou civis – pertença a um

mesmo Estado no momento em que se inicia o conflito. Um outro critério deste autor é

45 Um dos percursores do estudo da guerra pelo método científico. v. Garcia, Francisco M.

G. P. Proença., 2003. As grandes potências e a guerra e Da Guerra e da Estratégia: A

nova Polemologia. Revista Militar, de Novembro de 2003. pp. 61-92 e 1103-1136.

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psicopolítico, fundamentado na intenção psicológica atribuída aos protagonistas, em que

as guerras são classificadas como ofensivas, defensivas, preventivas, de nervos e paz

armada. Este autor adota ainda um terceiro critério relacionado com o processo de

desenvolvimento das mesmas e de mentalidades: primitiva, de cortesia, nacional e

imperial.

No tradicional espectro da guerra (Couto, 1988 e RC 130), estas podem ser

classificadas entre unidades políticas ou no interior das mesmas, ou seja, internacionais

ou internas, e depois com inúmeras formas de guerra.46 Nas guerras internacionais, as

formas de guerra variam em função do grau de intensidade de emprego da violência.

Estas formas possuem características políticas, psicológicas e técnicas específicas, e o

espectro subdivide-se em guerra fria e guerra quente. Devemos no entanto estar cientes

que a linha de fronteira entre uma tipologia e outra é muito ténue, sendo frequente

surgirem combinações entre elas.

A expressão Guerra Fria foi divulgada pelo jornalista Walter Lippmann, e utilizada

pela primeira vez pelo conselheiro económico do presidente Roosevelt, Bernard Baruch.

Inclui a gama de ações em que são utilizadas todas as formas de coacção (política,

económica e psicológica), sendo que a coação militar está presente apenas como

potencial.

Na Guerra Quente considera-se a guerra clássica ou convencional, e a guerra

nuclear. A primeira inclui o emprego de meios militares e, por vezes, com ameaças do

emprego de meios nucleares; a segunda envolve o emprego efetivo de armas nucleares

de natureza táctica (limitada) ou sem restrições (ilimitada), recorrendo aqui as unidades

políticas ao emprego da força sem limites.

Existe também um critério que permite considerar as guerras limitadas ou não-

limitadas; limitadas sobretudo quanto à utilização dos meios, aos objetivos e ao espaço

geográfico.

Quanto às guerras internas, são consideradas: a Guerra subversiva47, a revolta

militar, o golpe de estado e a revolução, e a guerra civil.

46 O principal critério para distinguir formas de guerra será, de acordo com Kalevi Holsti: 1. O propósito da

guerra; 2. O papel dos civis durante a guerra; 3. As instituições da guerra (Holsti, 1998).

47 Este tema será abordado mais detalhadamente num capítulo específico deste trabalho.

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A Revolta Militar é levantamento militar, em que a totalidade ou uma fração

importante das forças militares procura derrubar pela força o poder estabelecido.

O Golpe de Estado surge como uma ação clandestina de um grupo restrito (elite)

contra o poder estabelecido e em que aquele grupo, atuando com rapidez (o planeamento

pode ser demorado), e aniquilando ou neutralizando determinadas personalidades “de

chefia”, consegue a tomada técnica do poder.

A revolução emerge de um levantamento popular súbito, breve, aparentemente

sem controlo e, por norma, não planeado.

As guerras civis não são um fenómeno recente, e algumas delas foram

extremamente severas para as suas populações, que é quem sofre o maior número de

baixas. A rebelião Tai Ping na China (1859-1864) provocou algo como 30 milhões de

baixas. Porém, a visibilidade destas guerras é mais notória a partir de 1945. Nos anos 80

do século XX iniciaram-se 28 guerras civis, a que podemos adicionar mais 6 que

transitaram da década anterior; e nos anos 90 do mesmo século, 40 unidades políticas

viram-se envolvidas neste tipo de conflito. A disputa pelo acesso ou manutenção do poder

esteve sempre patente (Pearson, e Rochester, 1997: 302).

Nestas guerras, parte da população de uma determinada unidade política entra em

luta contra o governo estabelecido dessa mesma unidade. Uma das partes procura o

reconhecimento do estatuto de beligerante com todos os privilégios de soberania

associados, como enviar uma delegação para negociações e pedir protecção ao abrigo

de convenções internacionais. Apesar de internas, há no entanto uma tendência

crescente para a internacionalização destas guerras: 18% entre 1919/1939, 27% entre

1946/1965, 36% entre 1966/1977 (Pearson, e Rochester, 1997: 303).

Esta foi a norma durante o período da Guerra Fria, tendo ficado para os anais da

história os killing fields do Kampuchea e Angola. Esta última guerra, que só findou no

século XXI com uma solução militar, sendo um excelente exemplo da internacionalização

das guerras civis.

As guerras civis podem assumir um cariz etnopolítico ou de secessão. As de cariz

etnopolítico proliferaram na década de noventa do século passado, período em que 19

das 34 maiores guerras civis visaram a secessão.

É previsível a conjugação de guerras civis e de terrorismo utilizando armas

ultramodernas (inclusive NBQ), que venham a incrementar o número de baixas.

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Podemos, no entanto, considerar outra sistematização efetuada nas escolas militares

nacionais e que é designado por espectro das operações militares (v. Couto, 1988: 152)48.

Aqui só se considera guerra quando o objetivo da operação militar for o de «combater e

vencer um determinado adversário» e as outras operações militares mesmo que haver

combate e até baixas, se o objetivo não for o de combater e vencer, são consideradas

operações de não-guerra, como o combate ao tráfico de droga, a evacuação de não-

combatentes, a ajuda humanitária, a estabilização de uma situação, entre outras.

Alvin e Heidi Toffler, no livro «Guerra e anti-guerra» de 1994, anunciam a divisão

tripartida do mundo e das guerras em vagas:

a) A vaga das “guerras agrárias”, típica do período das revoluções

agrárias;

b) A vaga das “guerras industriais”, produto da revolução industrial; e

c) A vaga da “guerra da informação”, resultante da revolução da

informação e do conhecimento, reservada aos EUA e seus eventuais aliados.

Robert Cooper49, no seu livro «The Breaking of nations. Order and chaos in the

twenty-first century (2004)» descreve a segurança e as guerras no mundo pré-moderno,

moderno e pós-moderno, e explica como a conflitualidade se processa ou dentro ou entre

estas sociedades com desenvolvimentos diferenciados.

Também Bill Lind e Gary Wilson (1989) tipificam as guerras em gerações, da

primeira à quarta, sendo:

a) A primeira assente no poder da massa humana;

b) A segunda no poder de fogo;

c) A terceira na manobra;

d) A quarta geração, a guerra do povo iniciada com Mao Tse Tung.

Com o marco simbólico da queda do Muro de Berlim, a comunidade internacional,

habituada a um equilíbrio de terror, é forçada a reconhecer a importância de outros atores

48 A análise do espectro das operações militares encontra-se sistematizada em diversas publicações

militares. Em Portugal salientamos o Regulamento de Campanha e Operações, editado pelo Exército e

datado de 2005.

49 Nota do autor. Ex-conselheiro de Tony Blair e atual Diretor-geral dos Assuntos Externos

e Político-Militar, do Conselho da União Europeia

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do sistema internacional, os conflitos já possam ser analisados em função do papel

exclusivo do Estado e da relação de forças entre as superpotências na cena internacional.

Foi necessário criar uma nova leitura das situações, o que não implica substituir as

tipologias; as “velhas” devem de facto servir de ponto de partida. Nos novos conflitos, o

ator-Estado está mais autónomo, bem como os atores infra-estatais estão em relação ao

Estado. A perda do monopólio do emprego da violência legítima por parte do Estado já

não é uma novidade histórica, isto apesar de a historiografia recente nos ter habituado ao

contrário.

Do estudo da História Militar depreendeu-se que, no século XIX havia atores não-

estatais (partidos, combatentes irregulares, nações reivindicadoras de espaços de

identidade) que utilizaram a violência na cena internacional; porém, as teorias clássicas

não os consideravam como atores, mas sim como [elementos com práticas desviantes,

perturbadores da ordem estabelecida através das suas «espécies de guerra»], na

classificação de Jomini (1830 e 1938).50

No Pós-Segunda Guerra Mundial, essas guerras menores começaram a ser

frequentes, ficando o confronto entre Estados para segundo plano. Os conceitos

ressurgidos das guerras de libertação, guerras revolucionárias, guerras de pessoas, etc.,

tornaram muito ténue a fronteira entre o interno e internacional, havendo um amplo leque

de tonalidades de transição e, em muitos casos, nem sequer é possível dizer se estamos

perante uma guerra interna ou internacional.

Nas sociedades da terceira vaga ou pós-modernas, podemos considerar que o

espectro tradicional da guerra evoluiu, não quanto às tipologias propriamente ditas, nem

quanto às formas de guerra nelas inseridas, mas sobretudo na terminologia aplicada, que

por vezes apenas atribui ao mesmo objecto em análise uma “designação nova”, uma vez

que também estamos intoxicados por um pensamento padronizado do agrado dos meios

de comunicação social e das elites políticas.

Apesar da diversidade de tipologias possíveis de enunciar, surgem na diversa

bibliografia especializada ou nos meios de comunicação social, de uma maneira muito

genérica, a classificação das guerras em regulares ou convencionais e irregulares ou não

convencionais. Como guerras regulares, consideramos os conflitos que obedecem ao

50 O General Jomini classificava as guerras como de conveniência, com ou sem aliados, de intervenção, de

invasão, de opinião, nacionais, civis e de religião e as guerras duplas.

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modelo clausewitziano. Nesse sentido, nas guerras irregulares ou não convencionais

participam outros e novos atores para além dos definidos por Clausewitz e não envolvem

Forças Armadas num campo de batalha, nem recorrem a operações tradicionais no mar e

no ar (Russet et. al. 2000).

Guerra Revolucionária – sendo certo que incorpora os conteúdos conceptuais da

guerra subversiva, caracteriza-se por ser conduzida nos pressupostos do marxismo-

leninismo e pretender, em última análise, a implantação do comunismo, utilizando uma

amplitude de meios e processos que vão da guerra convencional à guerra subversiva, ou

simples aspetos de Guerra Fria. Ou ainda, o mero esquema de agitação/propaganda

(Pinheiro, 1963).

Guerra revolucionária significa igualmente a transformação da luta em revolução, já

que uma vez destruída a sociedade velha, através de um sistema de educação

revolucionária, emergirá um “Homem novo”.

Guerra Insurreccional – confunde-se com o conceito de guerra interna, sendo “uma

luta armada, de carácter político, levada a efeito num dado país, contra o poder político

constituído” (EME, 1966a).

De acordo com esta definição, diferencia-se da guerra subversiva por não ser

conduzida obrigatoriamente pela população civil. Esclarece-se que estes conceitos se

inserem num mais lato, o de subversão, razão pela qual doravante neste trabalho,

referiremos indistintamente, guerra subversiva, guerra revolucionária, e guerra

insurreccional, dado que todas elas se desenvolvem em ambiente subversivo e

empregam técnicas comuns para obter o controlo político do Estado ou simplesmente

para desgaste do poder instituído. Neste sentido, e porque as guerras subversivas

combinam as diversas formas de violência (da militar, à das vontades, passando pela

pressão económica e pela diplomacia), são uma guerra política na expressão de Paul

Smith (1989), ou, na linha clausewitziana (1976), também elas continuam a política por

outros meios, uma vez que através de uma estratégia total, pretendem, em última análise,

a implantação de um novo sistema político ou, no mínimo, o desgaste do vigente, pela

prática de um desenvolvimento lento, de guerra prolongada e de esgotamento da ordem

constituída. Isto significa que recorrem a outros meios, para além dos políticos, para

alcançarem os objetivos políticos pretendidos.

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Guerrilha – etimologicamente, significa pequena guerra. Considera-se que César já

enfrentara a luta de guerrilhas nas Gálias e na Grã-Bretanha. A divulgação do termo

ocorre a partir da luta dos guerrilheiros espanhóis e portugueses contra os exércitos

invasores de Napoleão I. Quanto a Portugal, ficaram conhecidas as “guerrilhas” do

Remexido do Algarve, dos maçais de Foz Côa51, e no último quartel do século XX,

durante a guerra colonial, as Forças Armadas portuguesas enfrentaram movimentos

independentistas que utilizavam sobretudo a guerrilha como técnica, adaptada às

possibilidades psicológicas, geográficas e políticas e a uma relação de forças (Delmas,

1975).

A guerrilha na realização de operações militares emprega determinado tipo de

meios e processos com um carácter restrito. As circunstâncias e os meios são

determinantes para o coeficiente de agressividade destas guerras.

Terrorismo – Entre 1936 e a atualidade encontra-se mais de uma centena de

definições de terrorismo. Normalmente as definições encontradas remetem o terrorismo

para o quadro da marginalidade violenta, em consonância com as matrizes éticas do

Estado tradicional e com a legitimidade do seu aparelho político, administrativo, de

segurança e defesa.

Esta entidade protoplásmica começou a ocupar lugar de destaque na atividade

política, sensivelmente a partir do início dos anos de 1970. Foi no entanto após o 11 de

Setembro, nos EUA, que a noção de terrorismo foi alterada qualitativamente e este

assumiu posturas radicais, adquirindo também uma categoria transnacional.

John Andrade (1999), na obra «Acção Directa. Dicionário de Terrorismo e

Activismo Político», apresenta uma categorização dos terrorismos, como:

a) Movimento sem verdadeira retaguarda de massa, casos havendo em

que os atores/militantes praticamente se representam apenas a si;

b) Movimentos com variável densidade política e sociológica, recebendo

eventualmente apoios de Estados;

c) Práticas de Estados sobre as próprias populações;

51 v. Garcia, Francisco M. G. P. Proença., 2003. Da Guerra e da Estratégia: A nova

Polemologia. Revista Militar, de Novembro de 2003. pp. 1103-1136.

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d) Práticas secretas de Estados no plano internacional, com uso de

meios humanos próprios sob cobertura, recurso a grupos terroristas manipulados,

ou emprego de “diplomacias coercitivas”, tanto sobre outros Estados, como sobre

pessoas coletivas e individuais.

Guerras Étnicas ou Identitárias: este conceito complexo é frequentemente

apontado como estando na origem de guerras. Esgotada a noção de uma identidade

colectiva, emergem alteridades entre comunidades com as sequentes afirmações

identitárias, e que por vezes podem ser o detonador de guerras de secessão.

O que por vezes parece étnico pode apenas ser o reflexo de movimentos sociais

mais profundos relacionados com o território, poder, ou controlo político ou de recursos

naturais, como a República Democrática do Congo, a Uganda, o Ruanda e o Burundi. A

linha de fratura pode ter sido étnica, onde as pessoas mostram o seu descontentamento

por uma unidade política que não foi capaz, ou não quis satisfazer as suas expectativas, e

em que confiavam para defesa dos seus interesses (Pearson, e Rochester, 1997: 4-12).

Michael Brown (1996: 3-25), apresenta de forma distinta quatro grandes factores

que conduzem a conflito de Guerras Étnicas:

1. Estruturais: Estado fraco, problemas de segurança, geografia étnica;

2. Políticos: discriminação político-institucional, política das elites,

políticas intergrupal, ideologia nacional exclusiva;

3. Socioeconómicos: problemas económicos, sistema discriminatório,

desenvolvimento económico e modernização ou globalização;

4. Culturais: problemas históricos, discriminação de padrões culturais.

No seu estudo, Michael Brown dá grande relevo ao papel desempenhado pelas

elites domésticas e pelos Estados vizinhos, considerando que o fator étnico é quase

sempre instrumental.

Guerra de secessão - quando um grupo pretende deixar de estar vinculado a uma

determinada unidade política e pretende criar a sua própria unidade política. Os motivos

podem ser étnico-culturais, económicos, identitários, etc.. As motivações podem ser

alternativas ou cumulativas. Em princípio nada tem a ver com as guerras da

independência anticolonial, mas de comum têm a afirmação de uma identidade, como na

Americana, Chechénia, ex-Jugoslávia, etc.

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Guerra ilimitada – Esta terminologia é preconizada pelos Coronéis chineses Qiao

Liang e Wang Xiangsui (2000), que alertam para a alteração significativa que a função da

guerra sofreu, passando a ter um papel secundário face a questões mais complexas e

relevantes como a política, a economia, a cultura, que vem demonstrar as limitações dos

meios militares.

Para eles, as Forças Armadas já não servem para submeter o inimigo (In) à “nossa

vontade”, mas sim para obrigar o inimigo a aceitar os “nossos interesses”, utilizando para

isso todos os meios, letais e não letais. Estes autores chineses propõem tácticas para os

países em desenvolvimento, nomeadamente a China, para num conflito de alta tecnologia

compensar a sua inferioridade militar face aos Estados Unidos. Os autores advogam o

uso de uma multiplicidade de meios, militares, mas sobretudo não-militares, tais como a

atuação com hackers nos websites, tendo como alvos as instituições financeiras, o

terrorismo, a utilização dos meios de comunicação social e guerra urbana.

Para Qiao Liang e Wang Xiangsui, tudo o que pode trazer benefícios para a

humanidade, também lhe pode infringir danos, afirmando que atualmente não há nada

que não possa constituir-se como arma, e a primeira e única regra desta Unrestricted

Warfare é que não há regras, tudo é permitido.

Guerra Entre Civilizações – No ano de 1993, Samuel P. Huntington publicou um

artigo na Foreign Affairs, “The Clash of Civilizations”, posteriormente em 1996

desenvolvido no livro “The clash of civilizations and the remaking of World order”, onde

define oito tipos de civilizações: a) Ocidental; b) Japonesa; c) Latino-americana; d)

Confucionista; e) Islâmica; f) Hindu; g) Eslava ortodoxa; e h) Africana.

Para Huntington, o Pós-Guerra Fria é caracterizado pelo ressurgimento de

fenómenos de identidade e religiosos, frustrados pelo quadro de pensamento herdado do

período da confrontação Leste-Oeste.

As relações internacionais e a corrosão ideológica tendem, nessa perspetiva, a ser

substituídas pelas alianças definidas pela Cultura e na Civilização e as guerras já não

seriam entre Estados ou alianças, mas entre civilizações. A política global, alterada pela

modernidade, reformula-se segundo eixos culturais, sendo o eixo central a oposição entre

o Ocidente e o resto do mundo.

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A contestação a esta teoria vem sobretudo da escola francesa, que a considera

demasiado determinista, de onde se destaca a posição de Pascal Boniface, para quem as

guerras não são entre civilizações, mas sim dentro destas (Boniface, 2003: 23-27).

Daí também o facto de, por um lado, os governos muçulmanos se cindirem na

Guerra do Golfo, e, por outro lado, a opinião pública dos respetivos países exprimir desde

o princípio a sua oposição ao Ocidente interventor.

Guerra Económica – Clausewitz já considerava que a guerra constituía um conflito

de grandes interesses, solucionada através do sangue e por isso seria melhor compará-

la, «mais do que a qualquer arte ao comércio, que também é um conflito de interesses e

de atividades humanas» (1976: 164).

As guerras sempre tiveram uma dimensão económica nas suas origens e nas

consequências, sendo que a guerra económica é desenvolvida pelos Estados,

organizações de Estados, ou empresas, para conquistar mercados, ou seja, com fins

essencialmente económicos, mas pode também ser apenas um instrumento para alcançar

um objetivo político e militar.

Hoje já não são os blocos ideológicos e políticos que se enfrentam no mundo, mas

sim os Estados ou os blocos geoeconómicos, concorrentes ou mesmo rivais (Valle, 2001);

considerando até esta guerra como uma das principais formas de conflitualidade

moderna.

Num mundo em que o combate se trava na esfera económica, os Estados ou

empresas precisam de desenvolver os seus sistemas de intelligence, voltados para a

segurança e, sobretudo, para a economia, os mercados e a competitividade, falamos da

Competitive e da Business Intelligence.

Guerra Pelos Recursos – As guerras pelo acesso a recursos naturais no pós-

Guerra Fria são eventos não-isolados, fazem parte de um quadro global, o sistema

geopolítico. Actualmente, estamos perante o emergir de uma nova geografia dos conflitos,

onde a competição pelo acesso a recursos vitais, escassos se está a transformar no

princípio governativo, e onde a disposição para o emprego da força armada se resguarda

(Klare, 2001), pois a desigual distribuição de alguns dos recursos natu rais de que a

humanidade depende conduz sempre a conflitos violentos (Westing, 1986).

Guerra Psicológica – Este tipo de guerra serve-se da arma psicológica, ou seja,

utiliza um conjunto de processos ou meios que se destinam a influenciar as crenças, os

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sentimentos e as opiniões da população, das autoridades e das Forças Armadas, de

forma a condicionar e manipular, dessa forma, o seu comportamento. A sua utilização

será, logicamente, complementar a qualquer outro tipo de guerra.

Guerra de Informação – Entendemos por guerra de informação as ações ofensivas

que visam obter a superioridade da informação, em apoio à política nacional e à

estratégia militar, que afetem a informação do adversário, nos domínios civil e militar, e as

atividades relacionadas com a sua obtenção, tratamento e difusão, a par da proteção e

aumento das potencialidades das nossas atividades correspondentes naquele domínio.

Viegas Nunes (1999), na Academia Militar, define-a como «tudo o que se possa

efetuar para preservar os nossos sistemas de informação, da exploração, corrupção ou

destruição enquanto simultaneamente se explora, corrompe ou destrói os sistemas de

informação adversários, conseguindo obter a necessária vantagem de informação». As

guerras de informação são as guerras típicas das sociedades pós-modernas, sendo que

no espaço de batalha atual o mais importante é o domínio do acesso e utilização oportuna

da informação.

A Network Centric Capability/Warfare – Esta é uma teoria emergente de guerra

(Alberts, 1999). O termo network centric capability é redutor, devendo antes ser

considerada, segundo Beja Eugénio (2002: 3-1), a designação de Operações Centradas

em Rede (OCR), como o conjunto das operações militares levadas a cabo por uma força

armada interligada de acordo com as características da Era da Informação. Está muito

ligada ao Comando e Controlo (CC) e às tecnologias de informação, comunicação e

conhecimento (TIC) e é constituída por sensores (obter a informação), network (reunir,

comunicar e explorar a informação), interceptores (fazer sentir os efeitos militares da

Força).

A questão fulcral é a capacidade para obter, reunir e integrar, disseminar de forma

precisa, informação relevante em tempo real, que permita a compreensão da realidade do

TO a todos os comandantes, aos vários níveis e possibilite a opção quanto a operações

decisivas.

A NCW deve permitir maior precisão no controlo das operações, maior precisão na

aplicação da Força (Targeting e actuação “NRT”), acelerar o Ciclo de Planeamento e

Processo de Decisão; conhecer a situação operacional e aumentar a Segurança e

Proteção da Força empenhada. Estas guerras implicam um domínio ou mesmo uma

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supremacia das comunicações e, na maior parte dos casos, do espaço exterior, como a

quarta dimensão da guerra.

Guerra das Representações – Alexandre Del Valle, geopolítico francês, apresenta-

nos este novo conceito de guerra das representações, cujo propósito é “forjar

interpretações subjetivas, por vezes falaciosas, dos acontecimentos, tem como objetivo

legitimar tal ou tal campo, tal ou tal causa, produzindo nos públicos-alvo, em função da

sua recetividade e referências culturais, os efeitos emocionais e psicológicos previstos”

(Valle, 2001: 219). A guerra das representações é, no fundo, uma nova tipologia para a

tradicional guerra psicológica, a que acrescenta modernos meios tecnológicos de apoio.

Guerra do Espaço – O espaço extra-atmosférico já não é apenas a quarta

dimensão do campo de batalha e hoje começa-se mesmo a falar de nova dimensão

geopolítica: a do espaço. Aqui pretendemos ir mais além da utilização da mesma e

considerar a possibilidade de colocação de sistemas de intervenção globais baseados em

novos tipos de energia (Telo, 2002: 233).

No presente, e cada vez mais, consideramos que se assistirá a uma corrida para a

militarização (Boniface, 2003: 122) do espaço, visando que, pelo menos do ponto de vista

de uma intervenção militar, o tempo passe a contar-se em segundos ou minutos, pois

seria independente da colocação prévia de forças no terreno.

Ciberguerra – Parte integrante da guerra eletrónica que envolve a utilização de

todas as “ferramentas” disponíveis, ao nível da eletrónica e da informática, para derrubar

os sistemas electrónicos e as comunicações do “inimigo/adversário” e manter os nossos

próprios sistemas operacionais (Nunes, 1999: 1726).

Guerra Preventiva – Consiste no assumir da iniciativa e atacar primeiro que o

inimigo identificado, beneficiando do fator surpresa e aproveitando uma oportunidade que

lhe confira um qualquer tipo de superioridade, como foi o desencadear da I GM por parte

da Alemanha; o plano Schliffen teve de ser acionado em 1914, uma vez que em 1916

seria tarde demais. Em vez de uma frente de batalha, os alemães teriam de enfrentar

duas frentes, uma com a França e a outra com a Rússia. Esta terminologia está agora em

voga, pois a Administração norte-americana tem-na utilizado como justificativo da sua luta

contra o terrorismo transnacional.

Guerra Preemptiva – Guerra em que se ataca o inimigo mas apenas depois de

aquele ter mostrado as suas intenções de uma forma explícita; trata-se de atacar antes de

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o inimigo o fazer, mas apenas após a revelação da ameaça, i.é, guerra decidida aquando

da existência de provas de uma ameaça eminente.

Guerra Religiosa – Guerras desta ordem surgem entre sociedades de tendências

promotoras do laicismo e outras de um confessionalismo e/ou no respetivo interior das

mesmas. Esta situação será exponenciada se existirem interesses concorrentes tanto

internos como projetáveis no exterior, como a Turquia em si, e face à Arábia Saudita e ao

Irão.

Segundo Amaro Monteiro, podem também eclodir guerras «entre culturas e grupos

culturais portadores de comportamentos rígidos, com características ou práticas

suscetíveis de influenciar massas consideráveis, como acontece com o hinduísmo

militante, o judaísmo ultraortodoxo, o evangelismo fundamentalista, a seita da “Verdade

Suprema” e outras organizações de vocação similar (controlo da sociedade por uma

elite)»; ou ainda entre o Ocidente cristão e o Islão que, mesmo se não assumido na

Sharia como expressão cultural/transcendente de Estado, transporta nos conteúdos

jurídicos de moderna estruturação formal e nos sedimentos do subconsciente colectivo

um apelo da Comunidade Eleita que requer aquela Referência indeclinável. Tese/antítese

óptima como álibi de agressões» (1999/2000: 18).

Guerras de Terceiro Tipo – Kalevi Holsti (1996) tipifica as guerras em institucionais,

totais e, no seguimento de Edward Rice (1988), surgem como defensor das guerras de

terceiro tipo, que predominam no sistema internacional desde 1945, e que são guerras

fundamentalmente acerca das pessoas. São guerras essencialmente dentro dos próprios

Estados e não entre eles; o próprio Holsti (1996: 189) as identifica também com as

guerras de libertação nacional conduzidas pelos movimentos independentistas.

Guerras Novas – Mary Kaldor na sua obra New and Old Wars – Organized

Violence in a Global Era, de 2001, considera um novo tipo de violência organizada, pós-

queda do Muro de Berlim e que pode ser descrita como uma mistura de guerra, crime

organizado e violação massiva dos Direitos Humanos, e apresenta-nos o caso de estudo

a guerra na ex-Jugoslávia. As guerras novas, em breve devido à uma crescente

dificuldade de recrutamento, terão uma componente de forças privadas muito significativa,

e os combatentes estatais ou não-estatais, possuirão uma organização menos

hierarquizada, com um comando e controlo mais descentralizado, com diversos centros

de gravidade; serão os combatentes pós-modernos.

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Guerras Híbridas – Para Frank Hoffmam (2009) as guerras híbridas são

caracterizadas por uma convergência de frentes em hora e local. O seu desenvolvimento

é físico e informacional, envolve atores estatais e não estatais, combatentes e não-

combatentes. As forças que empregam este tipo de guerra são eminentemente

adaptáveis ao adversário e são capazes de nele encontrar as brechas necessárias para

poder penetrar, podendo os combatentes empregar capacidades de alta tecnologia e em

simultâneo de baixa ou mesmo nula tecnologia. Nestas guerras a violência estatal pode

surgir em simultâneo com a de um grupo fanático atuando irregularmente.

São diferentes das Guerras Compostas, uma vez que estas contêm em si uma

significativa componente de ações regulares e irregulares, mas cuja luta tem apenas uma

frente, havendo um significativo grau de coordenação estratégica entre as diferentes

forças regulares e irregulares. Segundo Hoffman, as Guerras Compostas possuem uma

sinergia a nível estratégico, mas não a complexidade, a fusão e simultaneidade a nível

operacional e táctico que caracterizam as guerras híbridas, onde uma ou ambas as partes

acabam por fundir a ampla gama de tipologias do espectro da guerra.

Guerra e Crime Organizado – Para Steven Metz, a combinação entre a guerra e o

crime organizado constituem uma guerra de zona cinzenta que vê no momento a sua

importância estratégica acrescida. As guerras de zona cinzenta envolvem um inimigo ou

uma rede de inimigos, que possui importância política significativa (2000: 56-57).

A Guerra de Zona Cinzenta também pode ser considerada como uma Guerra

Latente ou Indefinida e pode ser Estratégica, quando dinamizada por uma organização ou

rede de organizações, tendo os seus objectivos e lucros muito bem definidos, recorrendo

à violência de forma incisiva e temporizada; pode ser considerada não-estratégica

(Carriço, 2002: 622), se concretizada entre grupos armados, bandenkriege (guerra de

bandos), entre guerrilhas sem ideologia, no reino dos senhores da guerra e sobretudo

num ambiente de impunidade.

Guerra Limpa – Face à esmagadora superioridade tecnológica tende-se para que

não haja baixas, ou se houver que sejam pouco significativas. Os Centros de Gravidade

não são apenas físicos e entram já no domínio cognitivo. No fundo uma actualização do

preconizado por Sun Tzu, “subjugar o inimigo sem o combater” (1974: 165), de forma a

criar um novo ambiente político com perdas controladas, mesmo para o In, evitando

reacções negativas da opinião pública.

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Guerra Assimétrica – Para Rupert Smith (2006: 4) classificar uma guerra como

assimétrica é um eufemismo, pois a arte na prática da guerra está em conseguir uma

assimetria em relação ao inimigo. Este velho conceito, reaparece associado à

superioridade tecnológica dos meios militares ocidentais. Contudo, é precipitado concluir

que a relação assimétrica tem como origem unicamente a diferença tecnológica. Ela pode

até ser diminuta ou nem existir.

A assimetria pode também ser temporária ou estrutural. Nesse sentido, a

assimetria emerge também da diferenciação na organização, na liderança mas sobretudo

na conceptualização das operações. A guerra assimétrica, como ficou dito, explora

sobretudo o fator surpresa, recusa as regras de combate impostas pelo adversário, utiliza

meios imprevistos e atua em locais onde a confrontação não devia ser provável (Boniface,

2002: 137).

Guerra Dissimétrica – Conceito desenvolvido nos meios militares norte-

americanos. Esta é entendida como a procura de uma superioridade

qualitativa/quantitativa por um dos combatentes (Boniface, 2003: 137).

A superioridade induz qualquer adversário a refugiar-se em respostas assimétricas,

socorrendo-se de métodos tradicionais, por vezes rudimentares (na Somália, os

tambores), à mistura com meios de alta tecnologia disponíveis no mercado civil (GPS,

telefones por satélite, e-mail). É uma guerra de desgaste e que pode expressar a sua

violência através de guerrilha, de terrorismo, do crime organizado – depende muito da

imaginação e da força de vontade do adversário.

Guerra Urbana – As áreas urbanas e as populações que nelas se inserem

constituem o centro de gravidade onde os militares têm que cumprir as missões que a

política externa dos seus países lhes atribui. A guerra em áreas urbanizadas será o

cenário assimétrico mais provável e problemático, no presente e num futuro previsível.

Estas áreas podem caracterizar-se pela existência de um número elevado de refugiados,

deslocados internamente, altos índices de desemprego, de uma economia paralela, falta

de apoio médico, diversidade cultural, étnica, política e religiosa, onde a proximidade em

que grupos sociais distintos vivem uns dos outros promove um ambiente de elevada

tensão (Diliegge, 1998).

A guerra em áreas urbanizadas conduz a um empenhamento operacional de cariz

subversivo, associados a uma alta, média e baixa intensidade. Nas operações nestes

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teatros, onde a atividade de intelligence é primordial, vamos assistir a um incremento de

utilização de meios tecnológicos, de robótica, de armamento não letal e a uma diferente

organização para o combate das forças militares e militarizadas 52 . São inúmeros os

exemplos retirados da operação Restore Hope na Somália, das operações da KFOR no

Kosovo e da operação Enduring Freedoom no Afeganistão, ou as atuais operações de

estabilização no Iraque. O terrorismo também se pode inserir nesta tipologia.

Guerra Informal – Um dos atores é uma entidade não estatal como uma milícia

étnica ou um exército rebelde (Metz, 2000: 48). Será a sucessora dos conflitos de baixa

intensidade, caracterizada por um combate próximo, estando os combatentes misturados

com a população, com os seus objetivos, fluidos, visando, entre outros, a secessão, a

tomada do poder, o acesso e posterior controlo de recursos. Nestes conflitos é normal o

uso da violência de forma indiscriminada.

Guerra Pela Água – Esta será provavelmente uma das causas da guerra deste

século. Cerca de 80 países, representando cerca de 40% da população mundial, sofrem

atualmente de falta de água potável (Santos, 2002: 63).

Enquanto nos EUA cada habitante pode contar com 800 m3 de água por dia, no

Bangladesh só podem contar com 6 m3, e 25% da população mundial não tem sequer

acesso a água potável. A crescente escassez da água está a provocar, por exemplo, na

Argélia uma pressão demográfica regular sobre a linha do litoral fértil. No Médio Oriente,

no constante conflito israelo-árabe, a disputa também se faz pelo acesso e controlo da

água dos Montes Goulã. Perto de 40% da população mundial vive nas bacias

hidrográficas dos 214 principais rios mundiais que por seu lado são partilhados por mais

de um país. A partilha de recursos hídricos representa uma situação indutora de violência

relacionada com a água. Os 261 rios mais importantes cobrem cerca de 45% da

superfície da terra. Cerca de 145 países têm uma parte do seu território numa bacia

hidrográfica e 33 deles tem mais de 95% do seu território no interior dessa bacia. Dos

principais 214 rios partilhados: 155 são entre dois países, 36 entre três países e os

restantes 23 entre 12 países. Para termos uma ideia mais precisa, o Danúbio corre

através de 17 entidades políticas diferentes; o Congo e o Níger são partilhados por 11

52 Sobre a guerra em áreas urbanizadas, v. Peters, Ralph. (1998). «Our Soldiers their

cities».

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países. Daqui rapidamente se conclui o quão difícil se torna gerir um recurso tão

disputado (Santos, 2002: 96).

Guerra e Fluxos Migratórios – Nesta tipologia incluímos tudo o que implique

movimentos de populações, como as migrações de trabalho, os refugiados e os

deslocados. A passagem para o Ocidente próspero, tantas vezes apenas em busca de

uma miséria “dourada”, tornou-se obsessiva para milhões de pessoas. Porém, nem

sempre tudo corre como esperado e muitos acabam por ingressar na ou alimentar a teia

das clandestinidades, desde as do expediente para sobrevivência às da redenção violenta

da miséria (por manipulação de uma cultura do ressentimento).

Guerra Entre Países Desenvolvidos e Países Em Desenvolvimento – Esta tipologia

está em consonância com os conceitos de Alvin e Heidi Toffler e de Robert Cooper. As

desigualdades de desenvolvimento não são um fenómeno novo. Apesar dos discursos

sobre a Nova Ordem Económica Internacional, o fosso entre países ricos e países pobres

tem-se acentuado, e a tendência é para se agravar ainda mais.

Robert Cooper, num artigo publicado pelo Foreign Policy Centre em 2002,

intitulado The post modern State, explica como devem as forças pós-modernas actuar

contra forças irregulares pré-modernas ou modernas: «The challenge of the postmodern

world is to get used to the idea of double standards. Among ourselves, we operate on the

basis of laws and open cooperative security. But when dealing with more old-fashioned

kinds of states outside the postmodern continent of Europe, we need to revert to the

rougher methods of an earlier era – force, pre-emptive attack, deception, whatever is

necessary to deal with those who still live in the nineteenth century world of every state for

itself. Among ourselves, we keep the law, but when we are operating in the jungle, we

must also use the laws of jungle» (Cooper, 2002: 3).

As Guerras RMA/C53 – A RMA/C (Revolução nos Assuntos Militares, ou Revolução

Militar em Curso) (Garcia, 2000 b: 419) está sobretudo ligada aos grandes poderes,

nomeadamente aos EUA e seus aliados, e surgiu como uma das formas possíveis de um

qualquer grande poder conseguir vergar a vontade de outro menor, tendo como

53 A adoção da expressão RMC e não de RMA deve-se ao facto de considerarmos o fenómeno como um

processo dinâmico, em contínua evolução, tratando-se da revolução actual e não um processo findo e

passível de confusão com outros parecidos ocorridos ao longo da História.

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instrumento principal o uso da força, sendo essencial contê-la dentro de limites políticos,

éticos e estratégicos aceitáveis pela comunidade internacional (Telo, 2002: 221).

Os Toffler estão associados aos defensores da RMA/C, e Mary Kaldor (2001), com

uma visão liberal das Relações Internacionais, rompe com o modelo que considera

tradicional ao relacionar as guerras atuais com a RMA, defendendo que a revolução está

nas relações sociais da guerra, não na tecnologia, mesmo que aquelas sejam

influenciadas por esta.

As Guerras RMA/C aparecem-nos muito associadas à guerra cientificada, onde,

numa perspetiva de controlo do mundo e com o objetivo de destruição, há uma

mobilização dos meios científicos para a própria guerra. Mas podemos ainda considerar

muitas mais terminologias para tipificar a guerra.

Pascal Boniface (2002), na sua obra «Guerras do Amanhã», equaciona uma

terminologia que consideramos mais adaptada às formas de guerra do que a uma

tipologia de guerra em si, acrescentando à tipologia aqui apresentada, «as guerras: de

diáspora, da fome, do petróleo, do ambiente». Este autor relaciona ainda «a guerra com

fenómenos como o futebol e o turismo».

3.4. Guerra subversiva

Existe uma confusão frequente entre o conceito de subversão e o de guerra

subversiva. A subversão, entendida como uma técnica «de assalto ou de corrosão dos

poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar, e pôr

em causa o poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo» (Garcia,

2000 a: 78) 54 ; nem sempre conduz à guerra subversiva, mas antecede-a e/ou

acompanha-a, e em regra trava-se no plano militar sob a forma de guerrilhas. No fundo, e

de uma forma abreviada, a guerra subversiva corresponde à subversão em armas.

Nos manuais militares, a guerra subversiva55 surge como a «luta conduzida no

interior de um território, por parte da população, ajudada e reforçada ou não do exterior,

54 v. Monteiro (1993), Lara (1987), Aron (1988) e Muchielli (1976).

55 Abel Cabral Couto (1989) define guerra subversiva como: «a prossecução da política de um grupo político

por todos os meios, no interior de um dado território, com a adesão e participação activa de parte da

população desse território».

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contra a autoridade de direito ou de facto, com o fim de, pelo menos, paralisar a sua

acção» (EME, 1966a). É prolongada, metódica e com o objectivo de conquistar o poder,

sendo considerada a mais hábil e sofisticada forma de conflito (Collins, 2002).

3.4.1. Origem e conceito da Estratégia56

São inúmeras as definições e os critérios de delimitação do conceito de Estratégia.

A estratégia abrange diversos domínios da atividade humana.

No século XIX Clausewitz e Jomini apresentam uma definição de Estratégia que

reflecte as origens da palavra, relacionando o emprego da força militar aos objetivos da

guerra. Para Clausewitz a Estratégia era “a utilização do recontro para atingir a finalidade

da guerra” (1976: 199). Já Jomini, na sua obra Precis de L´Art de la Guerre, considerava a

Estratégia como “l´art de faire la guerre sur la carte, l´art d´embrasser tout le théàtre de la

guerre” (1838: 155).

No século XX, Capitão Liddell Hart, estrategista do período entre a I Guerra

Mundial e a Guerra Fria, deu início da distinção entre uma Grande Estratégia e uma

Estratégia pura, tradicional, a Estratégia Militar. Para ele a Grande Estratégia «serve para

dar um sentido de execução de uma política, pois o seu papel é o de coordenar e dirigir

todos os recursos de uma nação ou de um grupo de nações, para a consecução do

objecto político, visado com a guerra, que é definido pela política” (1966: 406).

Identificando a um nível inferior a Estratégia Militar como “a arte de distribuir e aplicar os

meios militares para atingir os fins da política” (1966: 406).

Porém, General André Beaufre, na sua obra «Introduction a la Stratégie»,

publicada pela primeira vez em 1963 (em plena Guerra Fria), desenvolve uma nova e

diferente teorização em que destaca que a Estratégia já não é do domínio exclusivo dos

militares, considerando relevantes as restantes formas de coacção (económica,

psicológica e política) a par da Estratégia Militar.

56 v. Garcia, Francisco M. G. P. Proença., As guerras do terceiro tipo e a estratégia militar. Revista Militar,

Novembro de 2005, pp. 1349-1371; O fenómeno subversivo na actualidade. Contributos para o seu estudo.

Revista Nação e Defesa do Verão de 2006, pp. 169-191; Descrição do fenómeno subversivo na actualidade.

A estratégia da contra-subversão. Contributos nacionais. Revista Estratégia XVI, de 2007, pp. 27-98.

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Para Beaufre a Estratégia era “l´art de la dialectique des forces ou encore plus

exactement l´art de la dialectique des volantés employant la force pour résoudre leur

conflit” (1985: 16). Com Beaufre (1985: 25-26) surge-nos a sistematização da Estratégia

quanto às formas de coacção subdividida em três níveis distintos: a) Estratégia Total; b)

Diversas Estratégias Gerais e num nível inferior, cada Estratégia Geral tem depois

diversas Estratégias Particulares; e c) Estratégia Operacional ou «operativ», que efetua a

ligação entre a conceção e a aplicação.

A Estratégia Total, encarregue de conceber a Guerra Total, define a missão própria

a cada uma das diversas estratégias gerais (política, económica, diplomática e militar),

assim como a sua combinação.

A Estratégia Geral tem a função de repartir e de combinar as tarefas das ações

compreendidas nos diferentes ramos de atividade da área considerada. Cada EG tem

diversas Estratégias Particulares, identificando uma categoria distinta e interdependente.

A Estratégia Operacional ou «Operativ» a articulação essencial que se situa a

charneira entre a concepção e a execução, entre o que se quer ou deve fazer e o que as

condições técnicas tornam possível, onde intervêm os factores logísticos e tácticos

(Beaufre, 2004: 44-46).

O General Beaufre desde a década de 1960 que constitui uma referência nas

escolas militares57, tendo a sua sistematização ainda hoje especial acuidade. O ensino da

Estratégia nas Escolas Militares portuguesas no último quartel do século XX foi muito

influenciado pelo pensamento do Tenente-General Abel Cabral Couto (1988: 209), para

quem a Estratégia era entendida como «a ciência e a arte de desenvolver e utilizar as

forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem

objectivos políticos que suscitam ou podem suscitar, a hostilidade de uma outra vontade

política».

Neste início de século surgem quatro definições distintas, o que nos continua a

mostrar a falta de consenso em torno do conceito de estratégia.

57 Em Portugal, a sua influência fez-se sentir num conjunto dos nossos principais

estrategistas contemporâneos, dos quais destacamos os Generais Câmara Pina, Loureiro

dos Santos, Pedro Cardoso, os Tenentes-Generais Kaúlza de Arriaga, Lopes Alves, Abel

Cabral Couto e o Vice-Almirante Ferraz Sachetti.

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A definição de Colin Gray (2006: 14), permanece muito próximo de Clausewitz,

referindo que «following Clausewitz (who else), I must insist that Strategy is about the use

made of force and the threat of force for the goals of policy».

Nos manuais do Army War College norte-americano o conceito tem duas leituras:

a) A primeira, mais restrita, apresenta a Estratégia apenas como uma relação entre ends,

ways and means; e b) Uma segunda que entende a Estratégia num conceito mais lato

como «the skillful formulation, coordination, and application of ends (objectives), ways

(course of action), and means (supporting resources) to promote and defend the national

interest» (Bartholomees, 2006: 81).

Outros autores efetuam um alargamento do horizonte ôntico da Estratégia, tendo

Abel Cabral Couto (2004: 215) passado a defini-la como «a ciência e arte de, à luz dos

fins de uma organização, estabelecer e hierarquizar objectivos e gerar, estruturar e utilizar

recursos tangíveis e intangíveis, a fim de se atingirem aqueles objectivos, num ambiente

admitido como conflitual ou competitivo (ambiente agónico)».

Já Lawrence Freedman, na obra «The Transformation of Strategic Affairs», ao

justificar a sua ideia de transformação aplicada aos assuntos estratégicos, apresenta um

conceito demasiado abrangente e que pode levar não a uma generalização do emprego

do termo Estratégia, mas a uma deriva conceptual ou até banalização na sua utilização.

Para Freedman (2006: 9), «strategy is about choice. It depends on the ability to

understand situations and to appreciate the dangers and opportunities they contain. The

most talented strategists are able to look forward, to imagine quite different and more

benign situations from those that currently obtain and what must be done to reach them,

as well as more malign situations and how they might best be prevented. In so doing they

will always be thinking about the choices available to others and how their ownendeavours

might be thwarted, frustrated or even reinforced. It is this interdependence of choice that

provides the essence of strategy and diverts it from being mere long-term planning or the

mechanical connection of available means to set ends».

Hoje, o conceito de Estratégia já não é apenas o da Antiguidade Clássica (a “arte

do General”), nem tão abrangente como o de Freedman. Entende-se a Estratégia, ser

antecipatória e pró-activa, na sua essência e em sentido lato, consistindo na escolha do

melhor caminho para se atingir um determinado objetivo com os meios (de hard power e

soft power) disponíveis, procurando no jogo dialéctico minimizar sempre as

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vulnerabilidades, maximizar as potencialidades e neutralizar as ameaças, tendo a sua

aplicação num ambiente hostil ou competitivo, ou seja, em ambiente agónico.

A Estratégia Militar, é entendida como a aplicação do instrumento militar para

alcançar objetivos políticos.58

3.4.2. Análise do fenómeno subversivo na actualidade

As actuais guerras com cariz subversivo são referidas por outros autores como: a)

Guerras de Terceiro Tipo (Holsti, 1996); b) Guerras de Quarta Geração (Hammes, 2004);

c) Guerras de Debilitação Nacional (Gelb, 1994); d) Guerras Pós-modernas (Luttwak,

1995); e) Guerras Híbridas (Cooper, 2004) e (Hoffman, 2009); e f) Guerras Novas (Mary

Kaldor, 2001).

No seu desenvolvimento utilizam todas as formas de coacção disponíveis (política,

económica, psicológica e militar) para convencerem os líderes políticos adversários que

os seus objectivos são inatingíveis ou muito caros para os benefícios esperados

(Hammes, 2004: 2), provocando consequências no sistema internacional como um todo.

Nestas guerras as maiores vítimas são:

a) Civis inocentes, que representam mais de 90% das baixas (Pearson e

Rochester, 1997: 06) das quais, na última década, 2 milhões eram crianças, numa

média de uma em cada três minutos (Singer, 2005: 4-5), constituindo-se acima de

tudo no principal objetivo;

b) Refugiados e deslocados, vítimas humanas que na década de 70 do

século passado eram cerca de 2,5 milhões, e na de 90 eram já mais de 23 milhões.

Considerarmos o fenómeno subversivo como intemporal e, tal como Clausewitz o

fez em relação à guerra, podemos compará-lo com um camaleão, que modifica um pouco

a sua natureza e se adapta a cada caso concreto (Clausewitz, 1976: 89), assumindo

atualmente, em consequência de diversos factores (intrínsecos e extrínsecos), que

58 Nota do autor: «(…) As leituras dos trabalhos de Horta Fernandes e de Francisco Abreu (dois dos bons

jovens pensadores da Estratégia em Portugal) muito contribuíram para a formulação das minhas ideias e

dúvidas acerca dos fenómenos da guerra e da estratégia. Não posso também deixar de referir as longas

conversas com o Amaral Lopes, Sérgio Marques e com o teimoso do Beja Eugénio».

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caracterizam o sistema internacional e as sociedades políticas, bem como as suas inter-

relações, um carácter e formas qualitativamente novas.

Com o fim da Ordem dos Pactos Militares (Moreira, 1996: 452) houve alterações

significativas que foram introduzidas no conflito subversivo, sendo possível considerar

duas circunstâncias com impacto em tempos diferentes:

a) O impacto imediato produzido pelo fim da Guerra Fria, sobretudo pelo

fim do apoio prestado pelas grandes potências aos conflitos por procuração, sendo

fundamental para se compreender a subversão contemporânea, identificar o papel

das suas novas formas, bem como das fontes de financiamento (Byman, 2001:

XIX);

b) A segunda alteração, o impacto da globalização, porque mais

profundo e extenso, faz-se sentir num período mais dilatado, ainda não terminado

(Mackinlay, 2002: 15).

O fenómeno subversivo na atualidade manifesta algumas linhas de continuidade

em relação ao passado (assimetria, ambiguidade, lassidão, guerra psicológica, terreno

complexo, a mobilização política, uma ideologia unificadora), mas, segundo Steven Metz

(2004: 12-14), a par da melhoria dos métodos e dos meios, apresenta diversas inovações:

a) Transferência do esforço das áreas rurais para as urbanas com a

sequente incapacidade de concentração e atuação em larga escala (o que limita o

atingir das 4.ª e 5.ª fase do ciclo evolutivo);

b) Diversificação de apoios;

c) Criminalização de atividades;

d) Alargamento das ligações; e

e) Capacidade assimétrica de projetar poder com o terrorismo

transnacional.

O desenvolvimento provocou uma alteração nas formas de atuação dos grupos

subversivos, que atualmente recorrem à alta tecnologia de informação e de comunicação

disponível, surgindo o termo infosurgents (Kiras, 2002: 227).

Hoje, as cinco fases do ciclo evolutivo da subversão podem não ser seguidas,

saltando-se etapas, como da primeira diretamente para a terceira fase.

Atualmente, em algumas tipologias de subversão, o tradicional apoio da população

já não é essencial (Mackinlay, 2002: 28-29), Steven Metz (2004: 13) vai mais longe,

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considerando que a subversão contemporânea apenas necessita da passividade da

população, dado que grande parte dos movimentos subversivos precisam somente de

garantir as fontes de abastecimento e instalações que lhes permitam fazer chegar os

recursos dos Estados, ou do que deles resta, ao mercado internacional. Porém, uma vez

que a subversão se movimenta entre a população, aquele apoio é sempre fundamental,

seja para ser manipulado, instrumentalizado, conquistado, ou mesmo para a transformar

apenas em espectadora pouco atenta, conseguindo desta forma a sua inação.

3.4.2.1. Origens e causas da Subversão

Podemos analisar a subversão segundo dois ângulos interdependentes: a) uma

análise racional em função dos objetivos; e b) outra análise segundo as motivações de

quem no terreno efectua as tácticas subversivas, onde os combatentes agem sem

racionalidade e de forma emocional.

Atualmente, os objetivos são idênticos aos do passado, o que há de novo são as

motivações e as diferenças nas tácticas e nos novos recursos utilizados, incluindo

tecnológicos. No fundo, a substância mantém-se, mas a forma varia.

Podemos efetuar uma sistematização com fronteiras ténues e, por vezes,

cumulativas das principais origens e causas do fenómeno subversivo na atualidade:

1. A histórica resistência contra ocupantes, como aconteceu na

Península Ibérica face ao invasor francês no século XIX e agora no Iraque;

2. As formas clássicas da luta de libertação e ideológica, como em

algumas regiões da América Latina;

3. Em áreas menos desenvolvidas, nos Estados fracos e colapsados, o

desencadear de fenómenos violentos de cariz subversivo para conquistar um poder

frágil, como acontece um pouco por toda o Continente africano;

4. Económicas, associadas ou não ao crime organizado;

5. A afirmação de identidades nacionais e conflitos de ajustamento de

fronteiras tem impelido determinados grupos a desencadear guerras de secessão.

As motivações podem ser alternativas ou cumulativas e podem ser étnico-culturais,

económicas, etc.

6. Em princípio, nada tem a ver com as guerras da independência

anticolonial, mas de comum têm a afirmação de uma identidade. Este processo de

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ajustamento é quase sempre endógeno, explorado por potências exógenas, como

no Médio Oriente, na Ásia Central e em algumas regiões de África;

7. As mudanças civilizacionais. O desenvolvimento das sociedades e a

sua transição do pré-modernismo para o modernismo, ou deste para o pós-

modernismo (Cooper, 2004), contêm em si os gérmenes de uma subversão. Este

tipo de mudança cria e altera significativamente as formas e relações de produção,

as estruturas do poder, as relações entre governantes e governados. As

consequências sociais são potencialmente devastadoras, afetando o equilíbrio das

estruturas tradicionais, colocando em risco a sua integridade social e cultural. No

mundo ocidental, é o modelo de Estado providência que é posto em causa;

8. As diferentes formas de migração e a conurbação com o fenómeno

superveniente do desemprego, da “miséria doirada” e de luta/instabilidade social;

9. O populismo (Ropp, 2005)59;

10. As tensões e as manifestações de agressão e violência entre os três

tipos de sociedades já enunciados quando perante os contrastes oferecidos,

sobretudo via das novas TIC, sendo o melhor exemplo a internet);

11. Entre sociedades, ou no respetivo interior, de tendências promotoras

de laicismo e outras de confessionalismo mormente se tal traduz ou veicula

concorrências de interesses tanto internos como projetáveis no exterior (Monteiro,

1999/2000: 18).

3.4.2.2. Subversão vs. Crime organizado transnacional

Quando os Estados têm as suas estruturas de soberania pouco consolidadas,

entram em colapso, perdem o controlo, a legitimidade e a coesão (Pauline e John, 1996:

20), facilitando a criação, disseminação e consolidação de coligações e redes de crime

(Cooper, 2004: 66), as Organizações Criminosas Transnacionais (OCT). Estas, que

possuem objetivos lucrativos muito bem definidos, uma capacidade de planeamento ao

59 Nota do autor: Steve Ropp (2005) refere que a incerteza associada à globalização conduz, nas

democracias representativas, ao desrespeito pelas instituições formais, que pode, em situações extremas,

levar ao desencadear de ações políticas diretas, ilegais, que minam as bases políticas e alteraram o

ambiente estratégico.

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nível estratégico e de condução de conflitos armados, envolvendo um inimigo ou uma

rede de inimigos, socorrendo-se muitas vezes das mais modernas tecnologias (Metz,

2000: 56-57 e Carriço, 2002: 622), desenvolvem a sua atividade criando um ambiente

subversivo, não visando, no entanto, a tomada técnica do poder.

Atualmente, o tráfico de estupefaciente é uma das mais rentáveis das diversas

atividades do crime organizado transnacional (COT). As OCT, com as verbas geradas,

adquirem um nível de poder que compete com o dos Estados pela capacidade para criar

diversas formas de instabilidade nos países onde operam, instabilidade de amplo

espectro, da social à económica, da política à psicológica. Ao mesmo tempo, tentam

conquistar indiretamente o poder político pela corrupção dos seus órgãos de soberania e

dos funcionários. Por outro lado, com a finalidade de intimidar o poder instituído, de forma

a garantirem completa liberdade de ação nas suas atividades criminosas, grupos como o

Mara Salvatrucha60, estão dispostos a usar elevados níveis de violência armada (Santos,

2004; p. 91-92) e, tal como já acontece na Bolívia e na Colômbia, chegam a administrar

partes significativas de um determinado território, assumindo para si os fins de segurança,

bem-estar social e por vezes até de administrar a justiça, substituindo-se plenamente ao

Estado, colocando ao mesmo tempo os conceitos tradicionais de soberania e integridade

territorial em causa.

As novas formas de subversão associadas aos conflitos armados que surgem no

contexto da globalização também têm uma dimensão económica, quer na origem, quer

nas consequências (Williams, 2000: 89).

São ainda indivisíveis do que é criminal, que passa para além das fronteiras e

envolve regiões inteiras, misturando numa rede económica informal o saque e a pilhagem,

o tráfico de seres humanos, de armas e narcóticos, as contribuições de imigrantes

(Angoustures e Pascal, 1996), os “impostos” sobre assistência humanitária, tudo a viver

da insegurança, da guerra, carecendo da continuação do conflito.

60 O maior gang a nível mundial, criado em 1980, conta com cerca de cem mil elementos espalhados nas

Américas do Norte e Central, Canadá e Espanha, dedicando-se aos mais diversos tipos de crime, como a

extorsão, o tráfico de drogas, o tráfico de seres humanos e de viaturas, o roubo, o tráfico de armas, o

homicídio e outros.

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Foram diversas as organizações revolucionárias como o Mouvement des Forces

Democratiques du Casamance e o Sendero Luminoso que se envolveram na

comercialização de estupefacientes, criminalizando as suas atividades, pondo assim um

pouco à parte a vertente ideológica do conflito e transformando-se em narco-guerrilhas

(Labrousse, 1996). Mas este envolvimento, que inicialmente seria apenas para o

financiamento, pode ser depois o próprio motor da guerra.

A criminalização pode também afetar as Forças Armadas (Paquistão, Peru,

Turquia), que ou se deixam corromper entrando numa lógica de enriquecimento pessoal

(narco-corrupção), ou então utilizam os fundos para financiar as suas atividades. Esta

situação acaba por prolongar os conflitos, pois a eliminação das narco-guerrilhas

provocaria também o desaparecimento de uma boa fonte de rendimentos (Labrousse,

1996).

3.4.2.3. Guerras civis vs. Luta urbana

Algumas guerras civis podem assumir, nalgumas fases do seu desenvolvimento,

um carácter subversivo. Os conflitos internos que tendem a disseminar-se e que com

facilidade ultrapassam as fronteiras físicas dos Estados, constituem uma fonte acrescida

da instabilidade internacional (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003: 360), ao ponto de no

presente ser difícil distinguir se uma guerra é interna, internacional ou mista, dado que há

um amplo leque de tonalidades de transição.

Nas guerras civis, onde os motivos são complexos e ambíguos (Kalyvas, 2003:

476) encontramos:

a) Uma disjunção entre identidades e ações ao nível das elites; e

b) Outra disjunção ao nível das massas.

As alianças formadas pela conveniência respondem às oportunidades de cada

momento, e inserem-se num contexto conflitual a nível nacional e outro a nível local, que

estilhaça a autoridade em milhares de fragmentos e micro-poderes (Kalyvas, 2003: 479).

Hoje, no mundo em desenvolvimento, assistimos a uma combinação explosiva

entre o crescimento populacional e a urbanização (Taw e Hoffman, 2005; p. 2). As

populações rurais motivadas pela fome, pobreza e pelas guerras, refugiam-se ou imigram

para os grandes centros urbanos que crescem desreguladamente. Essas comunidades

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migrantes vão-se instalar nas favelas, bairros da lata, vilas miséria, callampas ou

shantytowns, das cinturas suburbanas em condições sub-humanas.

Neste ambiente encontram terreno para emergir as mais diversas formas de

subversão, como os gangs de rua (Manwaring, 2005)61, que ajustam as suas tácticas e

estratégias, no bom reconhecimento de que o centro de poder político-económico-militar

está na conurbação, que o poder pode e deve ser atacado na sua sede e não na periferia

(Laqueur, 1984: 344), sendo a prossecução de objetivos políticos através de atuações

violentas compelida para as cidades e para operações de pequena envergadura; ao

mesmo tempo, a luta urbana inviabiliza ou condiciona a utilização de determinados meios

pela contra-subversão (O´Neil, 1990: 45-47).

Se outrora as cidades eram o culminar do processo subversivo, agora constituem o

seu meio ambiente privilegiado. Tal como na guerrilha rural, nas selvas de zinco e adobe,

os combatentes que se misturam com a população com mais facilidade conseguem a

cobertura dos meios de comunicação social, mostrando a incapacidade do poder para a

proteger (Taw e Hoffman, 2005: 15).

Neste pano de fundo, a subversão acaba por controlar uma determinada área e

estabelecer formas alternativas de poder, beneficiando os seus seguidores com a

prestação de alguns apoios (incluindo a distribuição de alimentos), como a subversão

61 Nota do autor: [A argumentação de Max Manwaring assenta na seguinte base: “gang-related crime, in

conjunction with the instability it wreaks upon governments, is now a serious national security and

sovereignty problem in important parts of the global community. Although differences between gangs and

insurgents exist, in terms of original motives and modes of operation, this linkage infers that the gang

phenomenon is a mutated form of urban insurgency. That is, these nonstate actors must eventually seize

political power to guarantee the freedom of action and the commercial environment they want. The common

denominator that can link gangs and insurgents is that some gangs’ and insurgents’ ultimate objective is to

depose or control the governments of targeted countries. Thus, a new kind of war is brewing in the global

security arena. It involves youthful gangs that make up for their lack of raw conventional power in two ways.

First, they rely on their “street smarts,” and generally use coercion, corruption, and co-optation to achieve

their ends. Second, more mature gangs (i.e., third generation gangs) also rely on loose alliances with

organized criminals and drug traffickers to gain additional resources, expand geographical parameters, and

attain larger market shares” (2005)].

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urbana no Brasil, onde em 1993 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté

(Estado de São Paulo) surgiu o Primeiro Comando da Capital (PCC). Esta organização,

liderada por Marcos Camacho, o “Marcola” inicialmente tinha o intuito de defender os

direitos e bem-estar da população reclusa. Porém, a partir de 2001 começaram a surgir

atentados contra bens públicos e sobretudo contra as forças de segurança, colocando “a

ferro e fogo” várias localidades, cujos atentados eram coordenados a partir da prisão via

telemóvel e aproveitaram muito o sensacionalismo dos meios de comunicação social.

Em entrevista a Armando Jabor do jornal O Globo, quanto à gravidade da situação,

“Marcola” sublinha que estamos perante uma situação de pós-miséria, em que já não há

proletários, há sim uma terceira “coisa” crescendo, sem medo de morrer, que gera uma

cultura assassina ajudada pela tecnologia, com métodos ágeis de gestão, que lutam em

terreno próprio, que estão no ataque e são cruéis. Para o líder, o problema não tem

solução, só a própria ideia é já um erro, afirmando: «vocês não entendem nem a extensão

do problema». A solução só viria «com muitos bilhões de dólares» gastos

organizadamente, e tudo sob a batuta de uma «tirania esclarecida», exercida por um

governante de alto nível, que ultrapassasse as barreiras legislativas e judiciais, o que

implicaria uma mudança psicossocial profunda na estrutura política do país, ou, em

alternativa, só recorrendo a uma bomba atómica sobre as favelas, sugerindo que «a

gente acaba arranjando também umazinha, daquelas bombas sujas … já pensou?

Ipanema radioactiva?».

Armando Marques Guedes (2005) considera ainda que os movimentos urbanos,

como as manifestações e formas de «acção directa anti-hegemónica» da «Esquerda

festiva», por exemplo, em Seattle (1999), os motins urbanos, como aqueles que

ocorreram em Los Angeles (Abril/Maio de 1992) e, mais recentemente, em Paris

(Novembro de 2005), ou os levantamentos populares pró-Democracia ocidental e liberal

na Europa Central e de Leste, constituem casos de “subversão” notoriamente eficaz. Para

Armando Marques Guedes, todos eles “foram desenhados com compasso e esquadria; e

todos se mostram tão acéfalos como localizados nas fronteiras difusas entre a ilegalidade

e a “desobediência civil”, entre a expressão democrática “legítima” e formas nuas e cruas

de exercícios voluntaristas do poder ” (Guedes, 2005).

A luta urbana não é uma técnica nova:

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a) Na América Latina, no final da década de sessenta do século XX, foi

o centro de gravidade da luta subversiva passou do campo para a cidade, o que

rapidamente originou uma nova doutrina da guerrilha urbana. No Brasil

destacaram-se guerrilheiros urbanos como Carlos Lamarca e Carlos Marighella

(1969).

Carlos Marighella (1969: 39) acreditava que uma pequena elite subversiva poderia

explorar o mais ligeiro descontentamento e atuar como catalisador de uma insurreição

popular mais generalizada, sem, no entanto, ser necessário efetuar a construção de uma

organização política, onde o apoio estudantil e da população em geral aumentavam na

razão direta da repressão das autoridades governamentais; tentava, através da

provocação, forçar o Inimigo a transformar a situação política em militar e a liberdade de

ação residia nas pequenas unidades, com uma cadeia de comando simples, sem

comissários políticos, apenas um comando estratégico e uma coordenação regional.

b) As principais qualidades e vantagens da guerrilha urbana seriam a

surpresa no ataque, um melhor conhecimento do terreno, uma maior mobilidade e

velocidade e uma melhor rede de intell.

Nos manuais do Army War College norte-americano, Metz (2004) e Beckett (2005),

discorrem quais os principais alvos (sabotagem de pipelines e transportes, instalações

militares, assassinatos políticos, raptos de polícias e americanos, artistas, figuras

públicas). O rumor era a base da guerra de nervos e essa informação deveria ser

passada às embaixadas estrangeiras, Organização das Nações Unidas (ONU), nunciatura

apostólica, etc.

Assim, o Povo culparia o Governo da situação caótica e pela insegurança

(Marighella, 1969: 99). Na selva de cimento do Uruguai, os Tupamaros – que

combinavam a concentração estratégica com a descentralização táctica – enfrentaram o

problema comum a todas as guerrilhas urbanas: enquanto os seus elementos eram

poucos e a escala das operações reduzida, permaneciam numa segurança relativa;

porém, com o crescimento da organização surgiam os problemas logísticos, de bases, e

com mais facilidade eram identificados e capturados (Laqueur, 1984: 346).

As ações subversivas em ambiente urbano surgiram ainda entre outros países

como na Itália (Brigate Rosse), na Alemanha (Baader-Meinhof), em França (Action

Directe), na Argentina (Montoneros), no Japão (Nihon Sekigun) e no Perú (Sendero

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Luminoso). Todas desafiaram a integridade política e socioeconómica dos seus países,

criando um clima de instabilidade e de insegurança individual e colectiva (Manwaring,

2004: 29), seguindo um processo doutrinário comum de três fases típicas da subversão

urbana: organização, desordem civil e terrorismo (Laqueur, 1984: 377), procurando

sempre a repressão violenta do Poder. No fundo, o aparelho do Estado devia ser

desmoralizado, parcialmente paralisado, destruindo-se assim o mito da sua

invulnerabilidade e ubiquidade.

3.4.2.4. Democracia vs. Subversão

Partindo do princípio que as sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias

de desenvolvimento são aquelas onde surgem as maiores contradições internas, que,

face à uma observação sociológica, se encontrariam particularmente vulneráveis à

subversão de qualquer sinal e procedência.

Porém, autores como Trinquier (1961), Delmas (1975), Laqueur (1984), O´Neil,

(1990), Mackinlay (2002) e Munkler (2003), consideram as democracias ocidentais mais

atreitas ao fenómeno, aproveitando a subversão, a sua organização social e os seus

meios para a enfraquecer. Nestes regimes, se, por um lado, não ignoram as intenções

daqueles agrupamentos (Delmas, 1975: 18), por outro lado, neles, as reações à violência

estão limitadas por restrições constitucionais ao horizonte ético, cuja violação afetaria um

conceito que moldou o próprio Estado.

Os tempos de resposta são lentos, na medida em que os aparelhos jurídicos o são,

por escrúpulo ou força intrínseca (como se queira ver); «as limitações na montagem e

funcionamento de dispositivos preventivos, as restrições à instalação (assumida) dos

repressivos, o fosso tradicional entre pensamento político e pensamento estratégico, a

ausência de estruturas de propaganda e contrapropaganda, a vincada dualidade

civil/militar, não capacitam as democracias ocidentais à contrassubversão, em termos de

isolar eventuais grupos, desencadear, se preciso, a «operação verdade» (para obtenção

de crédito por parte da opinião pública), evitar a situação de «tribunal popular» (onde o

poder aparece réu face à coletividade) e implementar, com eficácia, vigilâncias (milícias,

por exemplo) locais ” (Monteiro, 1993: 22).

Estas fragilidades expõem os governos ao ridículo e ao desprezo (Laqueur, 1984:

407). Deste modo, as democracias ocidentais tornam-se vítimas dos seus próprios

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conceitos. Uma vez conhecedoras da ameaça subversiva, só se podem preparar e reagir

contra ela, em princípio, reorganizando-se de acordo com princípios totalitários (Delmas,

1975: 19) ou quase totalitários62.

Todavia, esta situação implica uma restrição dos seus ideais, pelo que acreditamos

que, para a sobrevivência das democracias, essa preparação e reação passarão

forçosamente pelo recurso, entre outros, a um eficaz sistema preventivo, que preste um

apoio isento e esclarecido aos órgãos de soberania, sem complexos nem “má

consciência”.

A relação entre a democracia interna (liberal) e a propensão de um estado para a

guerra, embora não sendo unânime, os «liberais sugerem que a causa subjacente à

correlação é uma questão de legitimidade. Talvez nas democracias as pessoas seja de

opinião de que é errado combater contra outras democracias, porque há algo de errado

na resolução de disputas através de matança quando outras pessoas possuem direito de

aprovação. Além disso, controlos constitucionais sobre a guerra podem funcionar melhor

quando existir um vasto debate público acerca da legitimidade de uma batalha (…) Se o

número de democratas no mundo aumentar, poderá existir menos propensão para a

guerra, pelo menos entre as democracias»63.

62 Nota do autor: Nos EUA, antes do 11 de Setembro de 2001, o relatório da Commission on America´s

National Interest, de Julho de 2000, alertava para a necessidade de o governo americano na sua luta anti-

terrorista não debilitar a sua legitimidade política e infringir direitos e liberdades dos cidadãos americanos.

Com os atentados esta ideia foi pulverizada e o Congresso aprovou legislação muito restritiva (USA Patriot

Act), que conferiu novos e diferentes poderes ao governo federal, visando sobretudo incrementar a

vigilância, controlo e eventual procedimento criminal sobre indivíduos e empresas suspeitos de apoiarem

organizações terroristas, restringindo seriamente a tradicional liberdade de expressão, de circulação e

mesmo a privacidade.

63 Sobre a Democracia Liberal e a Guerra. In Nye, Joseph S. Jr. Compreender os

Conflitos Internacionais: Uma Introdução à Teoria e à História. 2.ª ed. Gradiva. Lisboa.

2011. pp. 56-58.

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3.5. Caracterização do fenómeno subversivo

A “subversão” e “guerra subversiva” são fenómenos, cuja origem se perde na

história, tendo sido teorizados e desenvolvidos desde a Antiguidade por autores que vão

de Sun Tzu (1974) a Bin Laden (2003), passando por Nguyen Giap (1972) e Amílcar

Cabral (1974), entre tantos outros.

A subversão em armas inicia-se antes de se evidenciarem as suas manifestações

violentas e, subordina-se, em regra, a uma ideologia política de um grupo organizado, que

atua conscientemente, com planeamento, preparação e conduta na atuação contra o

poder estabelecido, não sendo uma ação espontânea e descoordenada da população. Os

meios para a levarem a cabo são avaliados pela eficácia e pelo seu valor relativamente

ao fim em vista, materializando a população o seu centro de gravidade (EME, 1966 a).

A subversão é um fenómeno progressivo que visa um poder, político, ou no interior

de uma instituição qualquer que interesse controlar ou dominar, “alargando-se para o

efeito a todos ou a parte dos aderentes desse poder e exprimindo deste modo a luta entre

o grupo subversivo e a autoridade a abater” (Alves, 1992: 151).

Pode ter como objetivos políticos a criação de uma nova sociedade, a simples

modificação do regime existente, a substituição das autoridades que exercem o poder ou

a modificação de políticas do antecedente (Couto, 1989: 215). A escolha desses objetivos

deve ter em conta as tendências psicológicas da altura, assim como as vulnerabilidades

do adversário e dos parceiros a utilizar (Beaufre, 1985: 101).

Empregando ou não métodos violentos, a subversão como técnica que visa não só

desgastar e eventualmente conquistar o poder como também atingir subtilmente a opinião

pública, utiliza os conhecimentos das leis da psicologia e da psicossociologia, no bom uso

das doutrinas de Tchakotine (1992: 568), para quem a violação psíquica se faz sem que a

isso nada se oponha. A ruína do Estado ou a destruição do inimigo é alcançada por vias

distintas e radicalmente diferentes das da guerra convencional e da revolução. O exército

In cessará o combate porque estará completamente desmoralizado e doente como

resultado do desprezo que o rodeia. Qualquer tentativa de restabelecimento do status quo

ante será uma atuação no vazio e o poder deposto, em virtude da sua própria porosidade,

partirá só, sob o olhar indiferente da população (Mucchielli, 1976: 6).

Baseada na exploração de problemas ou contradições evidentes de natureza

social, ideológica, política, religiosa, racial, económica, geográfica ou mesmo exógena,

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(Couto, 1989: 219 & CECA, 1990: 54-57), suscetíveis de conquistar a adesão de variados

sectores da população, a subversão pode surgir em qualquer tipo de sociedade e

apresentar-se como uma proposta e/ou alternativa para a resolução desses problemas ou

contradições (Beaufre, 1972: 50).

O facto de existirem problemas reais e contradições em determinadas sociedades

não é sinónimo da existência de subversão, embora aqueles sejam propícios a esta. É, no

entanto, necessário um agente catalisador que desperte as consciências para tais

problemas, ampliando-os, se preciso, vencendo a tendência das massas para o

conformismo e outros fatores de inércia.

Porém, devemos distinguir entre condições/fatores favoráveis e causas. As

primeiras serão genéricas; as causas, pelo contrário, são particulares, dinâmicas e

adaptáveis. Apesar de assentes em fatores propícios comuns, cada situação deve ser

estudada de per si. A exploração das causas que devem ser simples, inspiradoras e

convincentes (Laqueur, 1984: 377), a persistência, a atitude humilde, a atuação

psicológica e a atividade de Informações, se bem geridas, permitirão, a seu tempo,

obtenção de frutos.

A estratégia da subversão é total, atua ao nível interno/externo através de uma

manobra indireta e por lassidão, não necessitando de travar batalhas decisivas,

materializando o cúmulo da perícia de Sun Tzu, já referida e que aqui relembramos

“subjugar o inimigo sem o combater” (1974: 165).

Na subversão não há blietzkriegs, o seu alastrar é lento e, procurando convencer

da sua razão e equidade e do inverso quanto à contra-subversão, absorve, como o

fenómeno do mercúrio derramado, a população, que é o seu fator de sucesso

determinante. Assim, procurando controlar áreas territoriais e preservar, sob seu controlo,

as populações fidelizadas, desgastando ao mesmo tempo as restantes e os meios da

contra-subversão, dirige-se ao seu objetivo final: a capitulação da autoridade. Garantida a

mobilidade, a segurança (na forma de negação de alvos ao inimigo), o tempo e a

doutrina, a vitória ficará com a subversão (Lawrence, 1920: 69).

3.5.1. Manobra subversiva

A subversão recorre a um conjunto de técnicas destrutivas e construtivas, que

Cabral Couto (1989: 232) sistematizou em:

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a) Técnicas de organização, são a estrutura da subversão (basta uma

pequena minoria para criar um clima de instabilidade)64;

b) Técnicas de ações gerais (psicológica, política externa e de

informações), que se destinam a apoiarem de forma permanente a globalidade da

luta; e

c) Técnicas de ações especiais (agitação, flagelação e ação militar

clássica) que se referem à luta em si, e têm um ritmo próprio de desenvolvimento

onde estas técnicas são empregues.

Esta sistematização serve de base para a análise da manobra subversiva que não

se dirige apenas ao domínio restrito dos objetivos definidos, “mas, pelo contrário, têm

incidência sobre todos os domínios em que possa encontrar ideia ou bem material que lhe

facilite o caminho para esse objetivo” (Alves, 1992: 151). A manobra subversiva, tal como

a guerra entendida por Clausewitz (1976: 73), destina-se a submeter o adversário à nossa

vontade.

Contudo, os processos da guerra serão sempre violentos, ao passo que os da

subversão podem nem sempre recorrer à violência física, mas apenas à manipulação

frequentíssima das vontades, ou seja, as técnicas da guerra subversiva “ne se bornent

pas à faire apparaître une volonté populaire préexistante, elles sont susceptibles, en

maintes circonstances, de la créer” (Aron, 1988: 685).

O enquadramento coletivo e a preparação psicológica são a base de toda a

manobra subversiva (Pinheiro, 1963; p. 30), sendo o primeiro fundamental para a

mobilização da opinião pública, tarefa que permitirá, através de uma correta ação

psicológica, operar a transferência de universo político/ideológico.

A manobra de ação psicológica deve ser interna e externa. A primeira visa

persuadir a população, desenvolver o moral dos militantes, doutrinar as massas,

substituindo a hierarquia de valores, restringindo a liberdade de ação do adversário e

procurando desgastar e desagregar as forças de contra-subversão; externamente procura

isolar o adversário e criar/promover um clima favorável à subversão (Couto, 1989: 236).

64 Thomas Edward Lawrence, que contribuiu em muito para o entendimento da guerra subversiva, referiu

que a rebelião pode ser feita por 2% de uma força activa e por 98% de simpatizantes pacíficos (1920, p.

69).

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Neste tipo de guerra onde os êxitos são sobretudo psicológicos, as palavras, as

ideias e as perceções desempenham um papel importante, sendo a melhor propaganda

uma operação militar vitoriosa (Laqueur, 1984: 331).

Nas guerras subversivas não podem existir vocábulos apolíticos ou neutrais. As

próprias palavras são armas empregues para isolar e confundir o adversário, motivar

amigos e atrair indecisos (Shy e Collier, 1986; p. 821); a doutrinação das populações

deve conseguir, por um lado, uma atitude permanentemente hostil face aos invasores e,

por outro lado, a proteção e o apoio aos guerrilheiros (Giap, 1972: 69).

A população nestas guerras serve de apoio, fornecendo os elementos para a luta e

permitindo a circulação despercebida do agente subversivo. Nesta ordem de ideias, para

além da sua simpatia, a subversão carece da sua cumplicidade.

Os movimentos subversivos, em certas regiões, podem colocar as populações sob

uma das seguintes situações, conforme a evolução da estabilidade desses grupos

populacionais em relação às áreas controladas pelas Forças Armadas ou pelas

Autoridades Administrativas: controlo por parte da subversão; controlo por parte da

contra-subversão; controlo duplo, ou seja, controlo diurno por parte da contra-subversão e

noturno por parte da subversão ou o inverso.

Clausewitz, a propósito das campanhas da Rússia e na Península Ibérica tinha já

desenvolvido considerações sobre o povo na guerra, mais propriamente sobre a

problemática de armar o Povo (Landsturm), afirmando que essa ação conduziria à ruína

«as bases do exército inimigo tal como uma combustão lenta e gradual» e que, como

esta, «exige tempo para produzir efeitos». O povo, não podendo entrar no combate

decisivo, podia e devia, portanto, atacar as áreas de retaguarda e as linhas de

comunicações (Clausewitz, 1976: 578-581)65.

65 A propósito do significado do termo guerrilha, que na Península Ibérica, as milícias e ordenanças, bem

como a atuação da população foram fundamentais para, no caso português, expulsar o invasor francês por

três vezes. Neste período ficaram registados nos anais da História Militar Portuguesa personalidades como

Francisco da Silveira e diversos Bispos e Clérigos que assumiram o “Comando do Povo” (Bragança e Faro,

entre outros), que, com ações irregulares desgastavam os Exércitos de Junot, Soult e Macena, tendo o

primeiro reagido com uma campanha punitiva de extrema violência sobre as populações, campanha essa

comandadas por Loison, o famoso maneta.

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Para Debray a incorporação do povo na guerra deve ser progressiva, permitindo à

vanguarda combatente escapar ao esgotamento ou ao aniquilamento. Essa incorporação

permite a extensão do combate em todas as suas modalidades (1977: 129). A subversão,

sublinha ainda o autor referido, ou se implanta profundamente entre as massas

populacionais numa região precisa, ou vê-se condenada, num prazo mais ou menos

curto, a desaparecer (1977: 149-150). Assim, as massas “devem ser convencidas antes

de ser diretamente envolvidas na luta” (Debray, 1975: 33). Este objetivo deve ser

conseguido pelo trabalho de agitação e de propaganda.

A manobra de política externa procura maximizar a liberdade de ação e dos apoios,

que procura entre outras unidades políticas e OI (Couto, 1989: 239). O apoio como

veremos adiante neste livro, é prestado por diversas fontes e sob variadas formas,

desempenhando um importante papel na manutenção e sustentação de movimentos

subversivos.

3.5.2. Ritmo subversivo

No desenvolvimento da guerra subversiva, em princípio, distinguem-se dois

períodos e cinco fases, de limites mal definidos, e por conseguinte frequentemente

indistinguíveis:

a) Período pré-insurreccional, que compreende a fase preparatória e a

fase de agitação; e

b) Período insurreccional, que compreende a fase armada (de

terrorismo ou guerrilha), a de Estado Revolucionário e a fase final.

O seu valor é relativo pelo que os conflitos devem ser estudados casuisticamente;

a implantação das mesmas fases pode não ser simultânea na totalidade do território-alvo;

procurando, em todo o caso, respeitar a lógica do esquema e evitar ser detida na

transição do período pré-insurreccional para o insurreccional (Oliveira, 1963: 24-26).

Assim, normalmente, no período pré-insurreccional, em segredo, numa

organização ainda embrionária, a manobra é estudada e planeada. Na primeira fase, o

movimento subversivo deve compreender um órgão de direção e alguns elementos para

enquadrar a população, outros para ligações e recolha de informações e outros ainda

para ações de agitação/propaganda. Através da propaganda a subversão difundirá ideias-

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força e com notícias tendenciosas procurará remeter a contra-subversão para uma atitude

defensiva e de justificação (Couto, 1989: 237).

Ao passar-se para a fase de agitação ou de criação do ambiente subversivo, ainda

se permanece na clandestinidade; todavia, como os resultados começam a ser visíveis,

abandona-se o segredo e desencadeiam-se intensas ações de propaganda que, segundo

Hitler (1987: 445), devem preceder o desenvolvimento da organização, conquistando,

assim, o material necessário.

A agitação integra, com grande frequência, a técnica do entrismo66, da propaganda

de agitação, com o propósito de “ganhar” o apoio dos neutros, elevar o moral entre os

subvertidos e seus apoiantes, minar a confiança no poder instituído e enfraquecer o moral

das suas forças. A propaganda de agitação está ligada à ideia de revolução como

levantamento popular contra um poder opressivo ou repressivo, ideia que procura

empolar ou canalizar os descontentamentos, modificá-los em indignação e cólera,

transformando-os rapidamente em agressão àqueles que são considerados os

responsáveis da situação insustentável (Mucchielli, 1976: 23).

Nesta fase fomentam-se perturbações da ordem, procura-se levar as massas

populacionais ao desafio da autoridade (Couto, 1989: 241-242) e cria-se um clima de

medo, visando a desmoralização do poder, o descrédito e o desprestígio da autoridade, “a

ruptura aberta no tecido social, através da organização de contradições entre as

hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras paralelas; o facto

consumado do levantamento, com ou sem o recurso ao confronto armado, mas

procurando, na hipótese afirmativa, prolongar as situações de “contacto” das Forças

Armadas regulares com a massa popular, para naquelas criar a “má consciência” e, por

fim, a desobediência aos altos comandos e seu consequente colapso” (Monteiro, 1993:

24).

A organização é reforçada, os sistemas de infiltração e de informação são

consolidados. O status quo, como veremos na próxima parte, encontra aqui o seu período

crítico: ou responde eficientemente ou já não controla a evolução dos acontecimentos na

generalidade, apesar de os poder controlar pontualmente, em determinados aspectos ou

situações.

66 Técnica de entrismo - Infiltração metódica e planeada nas estruturas essenciais do poder a derrubar.

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A fase armada, de violência declarada da subversão, que assenta numa manobra

de flagelação (feita através de ações de sabotagem, terrorismo ou guerrilha, rural e

urbana), aparece já no segundo período, o insurreccional. Aqui, a ativação de “grupos-

chave” é simultânea com a guerrilha, que emerge como técnica de tomada do poder e, se

necessário ou útil, usa o ato do terror.

A guerrilha sobrevive devido à sua grande mobilidade e maleabilidade, sem dúvida,

mas sobretudo, devido ao apoio das populações, procurando atuar no seio do povo como

peixe na água, para usar o princípio de Mao Tse Tung (1972: 145), para quem a essência

da guerrilha assentava em seis princípios:

1. Iniciativa, flexibilidade e plano na condução de uma ação ofensiva

durante a guerra defensiva;

2. Coordenação com a guerra regular;

3. Criação de bases de apoio, defensiva estratégica e ofensiva

estratégica;

4. Desenvolvimento da guerra de guerrilhas em guerra de movimento;

5. Relações justas de comando.

Aos princípios de Mao, Beaufre (1985: 104) acrescenta o dissuadir a população de

informar, através de um terrorismo sistemático, e, alargar ao máximo, em superfície, a

ameaça da guerrilha, sem no entanto incitar o inimigo a recuar, mas sim a empenhar cada

vez mais meios.

A subversão armada, através das suas atuações, que na maioria das vezes são

espetaculares, procura instaurar o “clima psicológico”, fomentar a agitação geral,

mantendo a excitação emocional e, se possível, a anarquia, tentando também por vezes

provocar a reação repressiva, criando mártires e preparando a subversão para provocar a

unidade defensiva dos grupos visados. Esta é uma forma de se legitimar, aumentar a

adesão e perpetuar a sua aceitação.

Tais situações, se retransmitidas amplificadamente pelos meios de comunicação

social numa engenharia de opinião (Chomsky, 1997: 25-29), podem criar a convicção

pública de que, na generalidade, o poder é impotente, que a guerrilha atingiu a

impunidade e que aquele, além de opressivo, é repressivo (nos casos em que não é

impotente…).

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Esta fase é decisiva, dado que, de certa forma, coloca já a subversão armada em

superioridade sobre as forças da ordem constituída.

Consolida-se a organização, intensificam-se e generalizam-se as ações violentas,

neutralizam-se as instituições, completa-se o estabelecer de estruturas político-

administrativas e procura-se dominar algumas áreas do território.

Numa quarta fase os movimentos insurreccionais concorrem com o poder,

improvisando escolas e hospitais, aplicando a justiça e reclamando a existência de áreas

libertadas, alegando ainda que o território e a população estão cingidos pela sua

organização político-administrativa. Esta fase pode ser designada por “Estado

Revolucionário”; nela, a guerrilha esforça-se normalmente por ter uma conduta idêntica à

de força regular e tende com alguma frequência a invocar o estatuto de “Alta Parte

Contratante” no quadro do desafio que formula ao poder instituído, procurando, assim

legitimar-se.

Por fim, a máquina subversiva aciona um exército que procurará, a partir de bases,

dominar todo o território, recorrendo já a operações convencionais; durante o

desencadear desta fase, reclamar-se-á frequentemente o direito ao estatuto de

combatente, nos termos previstos nas Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais.

3.6. Tipologias Subversivas

Face à caracterização efetuada, a subversão pode classificar-se em quatro

grandes tipologias67: a) “Lumpen”; b) Etnolinguística; c) Popular; e d) Global.

3.6.1. Subversão “Lumpen”

Os movimentos lumpen são bandos armados ligeiramente organizados, de

estrutura informal e horizontal, que podem emergir e obter sucesso contra um Estado

fraco, a sua energia irradia da rua e não pelo desenvolvimento intelectual de uma

ideologia, a atuação militar precede a conceptualização dos motivos, em vez de emergir

deles, e é levada a cabo sobretudo em áreas rurais; a disciplina assenta na brutalidade

67 Bard O´Neil (1990) sugere sete tipos de movimentos: anarquistas, igualitários, tradicionalistas, pluralistas,

secessionistas, reformistas e preservacionistas. Mais recentemente Steven Metz (2004) caracteriza-as

como nacionais ou como de libertação (2004).

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extrema, com utilização profusa de estupefacientes e de bebidas alcoólicas, onde o apoio

da população surge pela mera questão de sobrevivência, pois os elementos das unidades

lúmpen sistematicamente agridem e exploram as populações; a pertença ao grupo, para

além da sobrevivência, é uma questão de identidade, sendo o recrutamento forçado

(Mackinlay, 2002: 44-54). A Frente Unida Revolucionária da Serra Leoa é um bom

exemplo.

Para Ignatieff (1998: 132), forças destas podem ter apoio estatal, podendo fazer o

trabalho sujo e cometer as maiores atrocidades contra a vida e dignidade da pessoa

humana, o que não é “consentido” às forças regulares.

3.6.2. Subversão Etnolinguística

A subversão de base etnolinguística ou similar, como aconteceu na Somália, é

definida pelos laços familiares das estruturas que podem ser mobilizadas para o conflito

em unidades militares primitivas que são capazes de efetuar pequenas ações, mas não

um combate sustentado; são muito idênticas na atuação às forças lumpen, lutando

sobretudo por recursos e, cada vez mais, numa perspetiva de enriquecimento, porém as

lealdades assentam na genealogia e a pertença não é uma opção; uma unidade de

combate de um clã é organizada numa estrutura tradicional, onde as decisões são

deliberações dos mais velhos que desempenham um papel de relevo e a sua perenidade

deve-se à necessidade individual de sobrevivência.

As suas forças são a manifestação da sua cultura e apresentam poucos vestígios

de doutrina de insurreição ou de organização em estado-maior, e a liderança é indicada

pelos membros, de onde lhe advém o ascendente pelos pares e a boa aceitação pelos

mais velhos, de quem dependem na angariação de fundos e recrutamento (Mackinlay,

2002: 54-66).

3.6.3. Subversão Popular

As forças populares distinguem-se das “lumpen” e das etnolinguísticas, pela sua

ideologia mais elaborada e pela proximidade das populações que apoiam essa ideologia,

tendendo para uma organização militar mais consolidada. Na forma tradicional tem um

período pré-insurreccional e um insurreccional. São a resposta a um Estado forte, surgem

de uma organização em segredo que pode evoluir e conduzir operações prolongadas no

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tempo. A sua estrutura é celular e tendem para adquirir uma componente política

autónoma da militar, por exemplo os movimentos independentistas, que o poder

português enfrentou em África.

Os seus métodos variam dependendo da fase da campanha. Por vezes, é difícil

distinguir quando se está perante uma campanha revolucionária ou apenas de senhor da

guerra.

Atualmente, um movimento subversivo cai com facilidade na criminalização da

atividade, sem procurar qualquer outra forma de responsabilidade social e política que

beneficie a população (Mackinlay, 2002: 94).

3.6.4. Subversão Global

As forças globais, que no período da Guerra Fria se manifestavam através do

movimento comunista internacional, apoiado pelo Partido Comunista da União Soviética,

encontram presentemente a sua face visível em Bin Laden e na al-Qaeda, que se

caracteriza por uma organização armada proveniente de diversas regiões, apoiada por

uma vasta diáspora que partilha a mesma ideologia ou religião, e as suas acções são

acompanhadas pelos meios de comunicação social que lhe ampliam o impacto

(Mackinlay, 2002: 12-13).

Estes movimentos estão muito próximos dos movimentos populares, mas são

distintos, têm intenções, objetivos, recrutamento e organização globais.

Neste tipo de subversão há diversas facetas semelhantes às dos cartéis da droga:

a) Estruturas de rede transnacionais;

b) Compartimentação em células semiautónomas que desenvolvem a

maioria das atividades críticas da organização; planeamento das operações

meticuloso com um cuidado extremo na pesquisa e análise de intelligence, ambos

aprendendo com a experiência e adaptando as suas estratégias e práticas

(Kenney, 2003: 192).

Consideramos a subversão global como uma entidade de estrutura celular,

desterritorializada e por vezes acéfala (Bauer e Raufer, 2003, p. 106), que procura atingir

os pontos mais críticos de convergência entre a sociedade e o aparelho do Estado e está

mais vocacionado para desgastar o poder que desafia ou para promover a sua rejeição

do que para o derrubar, procurando forçar um comportamento repressivo, logo,

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comprometedor, e demonstrar a constrangedora ineficácia da prevenção (Monteiro, 2002:

3).

Para além da espetacularidade dos efeitos das suas atuações (concepção e

execução dos atos materiais em si mesmos), procura a ressonância publicitária junto da

opinião pública, bem como os efeitos psicológicos causados nos alvos.

A subversão global, aparece-nos normalmente com a designação de terrorismo

transnacional ou mesmo global, motivo pelo qual neste estudo, e a partir daqui,

trataremos indistintamente os dois conceitos. O tema do terrorismo transnacional será

analisado em parte específica deste livro.

3.7. Premissas do fenómeno subversivo

Uma subversão metódica, de cunho voluntarista, normalmente visa desmoralizar

ou desintegrar e desacreditar a autoridade, seguindo as cinco premissas da subversão

(de T´ai Kung, Mao Tse Tung e Bin Laden):

1. Sustentar que o governo é indigno;

2. Sustentar que o governo não está identificado com valores nacionais

e, portanto, se apresenta como estrangeiro;

3. Atacá-lo com violência e persistência, para impressionar as massas;

4. Procurar a impunidade dos ataques, para demonstrar que o governo

é impotente; e

5. Figuração a derrubar e, neutralizar e/ou arrastar as massas para

impedir uma intervenção espontânea a favor do restabelecimento da ordem

anterior (Mucchielli, 1976: 69 & Monteiro, 1993: 23).

O processo é sempre eficiente, reunidas as condições mínimas nos terrenos sobre

que incida. O sinal da sua concreta procedência ideológica, bem como da estratégia em

que se integra, muitas vezes só é perceptível depois de apurar a quem aproveita ele; isto,

sem embargo de “ conjunturas nas quais, perdido o controlo por parte do «autor moral»

(situação mais frequente nas organizações terroristas), a subversão entra em órbita

irregular (aproveitável então por forças diferentes das da partida) ou passa a funcionar

como elemento de erosão passiva” (Monteiro, 1993: 23-24).

A contínua proliferação de grupos subversivos é um indicador claro que esta forma

de luta assimétrica foi largamente entendida como um meio efectivo de alcançar o poder,

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sendo que os movimentos que obtiveram sucesso foram aqueles que mostraram

capacidade de organizar uma infra-estrutura política suficientemente durável para

aguentar um conflito de longa duração (Beckett, 2005: 3).

4. Paz: Conceito, Dimensões e Problemática Geralmente quando se evoca a palavra «paz» é para referir uma situação de

ausência de conflito ou guerra. Porém o conceito de paz tem conotações muito

diversificadas e não respeita apenas à ausência de guerra ou conflito. Por isso, de

folhearmos o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das

Ciências de Lisboa, encontramos várias definições de paz que respeitam a realidades

distintas a saber:

«Situação de qualquer país que não se encontra em guerra com

outro»;

«Restabelecimento de relações de amizade ou de concórdia entre

países pela cessação das hostilidades»;

«Situação caraterizada pela ausência de perturbação da ordem

pública e da normalidade institucional»;

«Estado de tranquilidade, moral ou espiritual»;

«Ausência de conflito nas relações entre as pessoas».

«Estado mais ou menos permanente de qualquer lugar em que não

se verifique ruído ou agitação».

4.1. Conceito e dimensões da Paz

O termo «Paz» parece-nos, pois, com diferentes conotações e significados. Ora

respeita situações – ausência de guerra entre os Estados e de conflito entre as pessoas e

ausência de perturbações de ordem pública – falando-se em paz militar, paz pública,

relações pacíficas; ora se refere aos efeitos de processos de acção – acordos de

cessação de hostilidades – falando-se de paz armada, que significa trégua, cessar fogo,

armistício; ora concerne a estados de espírito e mentais e a estados de natureza, falando-

se em paz de espírito, paz interior, paz bucólica, que equivale a despreocupação,

tranquilidade, calma (Fernandes, 2011: 91-92).

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Na ótica de C. Wright Mills, «a paz é uma palavra tão medularmente “boa” que se

impõe ter cuidado com ela. Desde tempos recuadíssimos tem significado para os homens

mais diversos as mais diversas coisas. De outro modo não se poderiam pôr tão em pronta

e tão geralmente de acordo com a paz» (cit. In Mitscherlich, 1971: 113)). E daí que a

expressão «paz mundial» faça parte do rosário de orações de comunicados políticos,

sendo escrita e pronunciada vezes sem conta, sem que os políticos ousem especificar a

sua ideia de paz mundial, com receio de poderem ser apodados de utopismo ou, então,

de cínicos.

No entanto, as Instituições laureados com o Prémio Nobel de Paz, que

participaram numa Mesa Redonda e, 1978, adotaram uma Declaração que começa com

as seguintes definições: «A paz é um conjunto dinâmico de relações de coexistência e de

cooperação entre as nações e no seio das nações, caraterizado não somente pela

ausência de conflitos armados, mas também pelo respeito de valores humanos enunciado

pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela preocupação de assegurar a

cada um no máximo o bem-estar» (Tschudi, 1980: 49).

Esta definição de paz evoca a necessidade de existir relações de cooperação entre

as pessoas, entre os povos e entre as instituições, assente no respeito pelos princípios e

valores que fundamentam os direitos humanos, a fim de garantir a todos o bem-estar

económico, social e cultural, condição indispensável para que haja verdadeira paz

mundial.

Todavia, a paz de todos é o corolário da paz de cada um, e a paz mundial

pressupõe a existência de um estado global de despreocupação, de calma, de

tranquilidade mental, moral ou espiritual, e de uma situação de ausência de

conflitualidade nas relações entre as pessoas, entre os povos e entre as instituições que

os integram e representam (os Estados). Assim sendo, parece-nos que o conceito de paz

se pode definir como «um estado de tranquilidade mental, moral ou espiritual inerente a

uma situação de ausência de perturbação da ordem pública e de conflitualidade nas

relações inter-pessoais, interinstitucionais e internacionais» (Fernandes, 2011: 91-92).

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4.2. Ideia da Paz segundo várias conceções

A «Paz» é um conceito multifacetado e que encontra diferentes significados

conforme também os diferentes referentes teóricos a partir dos quais seja perspetivada

(Mateus Kawalski, 2014: 375).

Giorgio Del Vecchio (1968) aponta a ideia da paz segundo quatro concepções:

1. Concepção Ascética é a que condena toda e qualquer espécie de

violência, logo também a guerra.

Esta conceção tem um núcleo de verdade. A lei moral, ínsita nos nossos corações

e altamente afirmada pelo Cristianismo, proíbe-nos o ódio e impõem-nos o amor, isto é, a

caridade, que deve estender-se a todos o género humano. A antiga lei do talião: «olho por

olho, dente por dente», o Evangelho substitui uma máxima bem mais sublime: «Amai os

vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos

que vos ofendem e vos perseguem».

Lactâncio sustenta que Deus proibiu absolutamente matar, e que por isso ao

cristão é vedado, não só cometer o latrocínio, mas também prestar o serviço militar, visto

que a verdadeira milícia consiste, para o homem justo, precisamente na justiça68.

Cipriano recomendava aos cristãos, seguindo o Evangelho, que amassem os

inimigos, e usassem contra eles unicamente armas espirituais; de modo análogo se

exprimiram S. João Crisóstomo, Santo Ambrósio, Santo Atanásio, S. Tomás, Santo

Agostinho, Suarez, etc.

No decurso do tempo a doutrina cristã foi mais moderada, tendo em atenção que a

paz pregada por Jesus Cristo era essencialmente a paz espiritual; a ordem temporal a

Igreja admitia, em regra, um certo respeito pelas leis do Estado, de harmonia com a

máxima: «Dai de César o que é de César, e a Deus o que é de Deus».

O pacifismo integral, segundo esta conceção, fundada no repúdio imediato e

incondicional do emprego da força, foi sustentado, não tanto pela Igreja católica, como

por certas seitas, tais como as dos Menonitas e dos Quakers.

68 Non enim, cum occidere Deus vetat, latrocinari nos tantum prohibet; quod ne per leges quidem publicas;

sed ea quoque ne fiant, monet, quae apud homines pro licitis habentur. Ita neque militare justo licebit, cujus

militia est in ipsa justitia. Lactâncio, Divinarum Instit., VI, 20.

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Na realidade, o nosso direito está tão intimamente ligado ao direito dos outros e à

ordem jurídica em geral, que não podemos abandonar de todo a sua defesa, sem pôr em

perigo, além do nosso interesse particular, o bem comum.

Por isso, embora estejamos bem longe de admitir a legitimidade da guerra em

todas as circunstâncias, não podemos aderir à doutrina do pacifismo absoluto, ou da «paz

em todo o custo».

2. No polo oposto à teoria ascética, que pretende fundar a paz sobre a

abstenção absoluta do emprego da força, uma outra denominada teoria

imperialista, concebe a paz com o efeito de uma conquista universal.

A paz obtida pela força das armas não tem bases sólidas. Pode durar algum

tempo, mas não elimina as causas profundas dos conflitos entre os povos, deixando por

isso aberto o caminho a crises e a guerras, logo que se modifiquem as condições de

domínio efetivo de um povo sobre os outros.

As tentativas de estabelecer pela força hegemonias internacionais se revelaram

efetivamente impotentes.

As aspirações naturais da consciência dos Povos, bem como da dos indivíduos, e

em particular a inspiração à independência, podem ser, por vezes, reprimidas e

permanecer latentes por mais ou menos tempo; mas acabam sempre por despertar e

fazer-se valer. Donde se conclui que os empreendimentos bélicos não podem nunca, por

si sós, construir meios idóneos para assegurar uma paz duradoura entre as nações.

3. Uma outra concepção tendente a promover a paz universal e

perpétua denominou-se por empírico-política, e que foi defendida especialmente

nos séculos XVII e XVII.

Para abolir a guerra, propunha-se simplesmente um acordo entre os chefes dos

vários Estados, pelo qual estes se obrigariam a manter a situação de facto existente. A

dificuldade de obter semelhante acordo unânime, e bem assim de lhe assegurar efetiva

aplicação, não tida em conta, ou era-o escassamente, pelos autores destas propostas,

que foram por isso, não sem razão, taxados de utopias.

Mais rigidamente pacifista era o programa defendido pelo abade de Saint-Pierre,

que quis aperfeiçoar o pretenso plano de Henrique IV. Na sua obra: “Mémorires pour

rendre la paix perpetuelle à l´Europe” publicada pela primeira vez em 1712, formulou um

projeto de tratamento entre os príncipes cristãos, pelo qual estes se obrigariam, por si e

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pelos seus sucessores, a renunciar a resolver a as contendas pela guerra, recorrendo

antes à mediação dos outros aliados, e, quando esta não tivesse êxito, a um juízo arbitral.

Mas este projeto tinha defeitos evidentes e já Rousseau os indicava na crítica, Jugement

sur la paix perpétuelle, após a uma sumula das ideias de Saint-Pierre.

Na verdade esta conceção deixa insatisfeitas algumas das mais profundas e

indestrutíveis aspirações da consciência humana, que não anseia só pela Paz, mas

também pela Liberdade e pela Justiça. A história de todos os Povos mostra à sociedade

quantas vezes os governos e os regimes vigentes se acharam em oposição mais ou

menos grave a essa inspirações, que se de ordinário se traduzem em reformas, às vezes

explodem em revoluções radicais.

4. Muito mais defensável do que as até agora examinadas é a

concepção jurídica que considera o ideal da paz como indissoluvelmente ligado

ao Direito, ou seja, à Justiça.

Encontra-se vestígios desta conceção em pensadores antigos; mas só em épocas

relativamente recentes ela foi explicitamente formulada, estando ainda em vias de

elaboração teórica e prática mais profunda.

O desenvolvimento gradual de doutrinas que pretendem dar ao fenómeno da

guerra um fundamento jurídico, elaborando o conceito de guerra justa, deu impulso, ao

menos indireto, à concepção jurídica do fenómeno oposto. São importantes, nesta

perspetiva, as doutrinas de S. Tomás, de Francisco de Vitória, de Alberico Gentili, de

Francisco Suarez e outros.

De modo mais direto foram as críticas às concepções empíricas e utópicas,

nomeadamente de Saint-Pierre, que promoveram a teorização jurídica da paz.

Todo o homem, qualquer que seja o seu lugar na sociedade em que vive, e por

muito modestas que sejam as suas atitudes, pode e deve cooperar de algum modo neste

objetivo. Pio XII e Pontífice, enquanto raivava a segunda guerra mundial, lançavam os

princípios para uma nova ordem nas relações internacionais, que pela sua importância

discriminam-se: a vitória sobre o ódio, a vitória sobre a desconfiança, a vitória sobre o

utilitarismo como base do Direito, a vitória sobre os germes de conflito que consistem em

contrastes demasiado gritantes na economia mundial, a vitória sobre o egoísmo gelado

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que impede a solidariedade e a colaboração entre os povos69, o amor fraterno deve ser

verdadeiramente «universal»70 e o sentimento da fraternidade deve, com efeito, abarcar

todo o género humano.

Só de acordo com estes princípios se poderá estabelecer no mundo autêntica e

duradoura paz. Ela deve fundar-se na Justiça e Caridade, como dois aspetos essenciais

da Ética, ou seja, da lei suprema que domina o nosso espírito, e que em ambas aquelas

formas, sempre coerentes entre si, nos impõe os deveres para com todos e cada um.

Entretanto, Mateus Kowalski (2014) sublinha que atualmente podem ser

identificadas duas grandes linhas teóricas que conduzem as narrativas divergentes sobre

a paz: 1. as abordagens da «tradição» (no sentido de «positivista» ou «ortodoxa»,

incluindo o realismo, o estruturalismo e o liberalismo); 2. as abordagens pós-positivistas.

Na primeira, enquadra-se a narrativa da paz liberal; na segunda, a narrativa da paz

segundo a teoria crítica.

O autor citado afirma que «a paz liberal (…) resulta de uma evolução longa que

coincide com o próprio percurso do internacional liberalismo enquanto grelha de leitura

das Relações Internacionais. A narrativa da paz liberal é a construção teórica da paz

atualmente dominante e com maior implementação, quer ao nível doutrinal quer em

termos de programa político».

Para esta abordagem, paz significa ausência de violência física e estrutural para a

maioria, facilitada por instrumentos e métodos de construção da paz (Peace-building)

(Mateus Kowalski, 2014).

A paz é representada como um processo e um resultado definido por uma grande

teoria universal, desenvolvida e implementada de uma forma linear e racional. Trata-se de

uma narrativa que assume uma descrição objetiva da realidade, e logo, aponta os

elementos da paz única certificados por um processo de dedução racional.

Esta forma ideal de paz, concetualizada em termos de noções como

«democracia», «Estado de Direito», «direitos humanos», «segurança» ou

69 Nota do autor: Cfr., sobre os cinco pontos, o comentário de G. Gonella, Presuppost di un nuovo ordine

internacional, Roma, 1942, págs. 28 e segs.

70 Advertência de Pontífice na Alocução natalícia de 1939. In Giorgio Del Vecchio. Direito e Paz (Ensaios).

1.ª ed. Colecção «Scientia Ivridica». Portugal. 1968. p. 198.

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«desenvolvimento», consolidou-se a partir de vários discursos implícitos anteriores sobre

a paz num discurso único, explícito e realizável. Este «hibridismo da tradição» combina

elementos das narrativas idealistas (a forma ideal da paz), realista (a paz dos

vencedores), estruturalista (a paz enquanto emancipação estrutural) e o liberalismo (a paz

institucionalizada). Para além destes, o contributo dos Estados para a Paz (a paz

estruturada) – cooptado pela narrativa liberal – foi importante para dar à paz

tradicionalmente implícita do liberalismo as ferramentas académicas e políticas

necessárias à sua imposição enquanto forma dominante de paz. Funcionaram, assim,

como uma alavancagem de uma versão ampla e ambiciosa da paz liberal que pudesse

ser descrita, modelada e aplicada (Mateus Kowalski, 2014: 379).

A paz liberal identifica igualmente uma grande diversidade de atores relevantes

para a prossecução da sua agenda. Inclui-se as organizações internacionais, os Estados

e diversos atores não estaduais que intervêm na implementação da paz, incluindo o

indivíduo, movimentos de sociedade civil ou mesmo empresas transnacionais. O

indivíduo, titular de direitos ínsitos à sua qualidade humana, passa a ser um elemento

relevante no discurso da paz liberal (embora sem sobrepor ao Estado) (Mateus Kowalski,

2014: 379).

As abordagens pós-positivistas marcam uma rotura de paradigma com a

«tradição». A paz construída segundo uma perspetiva pós-positivista, em partícula no

contexto da teoria crítica, é uma paz emancipadora, quotidiano e de empatia, assente

numa abordagem pós-vestefaliana, produzindo uma crítica dura e de amplo espectro. O

foco nas questões sobre a marginalização, na conclusão ou na dominação e hegemonia,

confere a esta narrativa sobre a paz uma orientação desconstrutiva e emancipatória

(Mateus Kowalski, 2014: 379).

A construção teórica da paz radica naqueles postulados desenvolve-se, pois, a

partir de uma crítica às narrativas de paz da «tradição», em especial relativamente à

narrativa dominante de paz liberal. A abordagem pós-positivista da teoria crítica alerta

para a facto de discursos da paz liberal ser também ele e como qualquer outro, dotado de

subjetividade. A «verdade única» universal anunciada pelo discurso liberal não terá,

assim, fundamento epistemológico. A abordagem à paz pela teoria crítica obriga a uma

complexa consideração de dinâmicas, sujeitos e tópicos que vão para além de um

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discurso de dicotomias gerido pela ação diplomática caraterístico da paz liberal (Mateus

Kowalski, 2014: 380).

Entre o discurso da abordagem da teoria crítica à paz sobressaem um conjunto de

elementos da paz. Um primeiro contributo é a ideia de emancipação como luta pela

liberdade contra qualquer forma de hegemonia. Um segundo contributo traduz-se na

perspetiva pós-soberanista, segundo a qual as relações sociais internacionais não se

limitam ao Estado o qual pode mesmo ser um entrave à emancipação. O nível local é

mais valorizado assumindo-se mesmo como o ponto de partida do discurso. Um terceiro

contributo desta abordagem traduz-se na rejeição do argumento da existência de uma

razão universal. Finalmente, um outro contributo assenta na atitude crítica que tem por

objeto essencial a abordagem positiva ao lado de ser da «tradição». Assim, um aspeto

epistemológico das abordagens pós-positivistas é a da sua adesão à desconstrução

enquanto processo analítico (Mateus Kowalski, 2014: 380).

4.3. Problemática da Paz na Era da Globalização

O mundo em que vivemos – o planeta Terra – continua a ser marcado pela

agressividade coletiva, pela expressão da violência direta e estrutural e pela prática de

crimes contra a humanidade, em que a história é, muitas vezes, ensinada como sendo a

história das guerras, dos tratados de paz, da violação destes e de novas guerras, de

forma que a paz mundial é ainda uma miragem, objetivo a alcançar. E o caminho a

percorrer para alcançar este objetivo está cheio de obstáculos e de espinhos que é

necessário remover e ultrapassar. A caminhada não é fácil, mas é possível, desde que,

para isso, haja vontade de conhecer, compreender e agir.

A problemática da construção da paz para todos remete-nos a natureza biológica e

psicossomática do Homem e para a sua propensão cognitiva a associar-se, a integrar-se

e a aculturar-se (António José Fernandes, 2011: 93).

O homem, como qualquer outro animal, é naturalmente agressivo. «A

agressividade é inata à natureza do homem», observou Kourad Lorenz. E a história

universal confunde-se com a história da agressividade humana: «O ser humano

normalmente constituído é agressivo (a maior parte das vezes inconscientemente):

agressividade ligada aos seus instintos (sexual, de conservação, material, biológico…), às

suas ambições, aos seus sentimentos, e mesmo às suas convicções (…). E a

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agressividade individual – um dos elementos essenciais da natureza humana – não é

uma coisa por essência má ou nociva (ela é nomeadamente fonte de criação, de vida, de

progresso, mas também de luta e de morte). A agressividade é como o fogo (um elemento

ao mesmo tempo bom e mau), o qual permite ao homem aquecer-se mas o qual também

destrói pelo incêndio. E, tal como o fogo pode ser fonte de incêndio, a agressividade

individual pode facilmente transformar-se em agressividade colectiva» (Visine, 1972: 14).

Existe uma estreita ligação entre a agressividade individual e a agressividade

colectiva. As ambições, as privações, os fanatismos ideológico e religioso, as decepções

e as frustrações são factores susceptíveis de gerar sentimentos de ódio, de inveja e de

ciúmes, que se traduzem no aumento da agressividade. E, se estes sentimentos são

aproveitados por políticos fundamentalistas, chauvinistas e nacionalistas, para concretizar

as suas ambições político-ideológicas, a agressividade individual se transforma em

agressividade colectiva (António José Fernandes, 2011: 93).

A agressividade natural tem sido polarizada, muitas vezes, numa ideia força

(nacionalismo, anticolonialismo, independência, fundamentalismo religioso e político-

ideológico) e, através da propaganda organizada, adquiriu uma dimensão colectiva,

transformando-se numa agressividade devastadora, que a história da humanidade

registou ao longo do tempo (António José Fernandes, 2011: 93-94).

O fortalecimento e sedimentação dos sentimentos de inveja, de ódio e

superioridade racial transformam a agressividade individual em agressividade coletiva e

levaram os homens a armar-se não para impor aos outros a sua presença, as suas ideias,

a sua língua e a sua civilização, pelo menos para se defenderem si próprios e para

defender os seus bens, a sua língua, a sua conceção do mundo e da vida, a sua

organização social, os seus costumes, as suas tradições e a sua civilização, na medida

que as sociedades se tornaram cada vez mais complexas, resultando daí a eclosão de

conflitos armados ou guerras, motivados pelas mais diversas razões, de natureza político-

ideológica, económica, demográfica, religiosa e cultural, etc.

Assim, a agressividade individual transformou-se em agressividade coletiva,

gerando violência estrutural e a violência direta, que têm dizimado centenas de milhões

de seres humanos e destruído bens de incalculado valor.

Todavia, a agressividade inerente a natureza do ser humano não tem apenas uma

finalidade destruidora, traduz-se também em processos de ação criadores, construtivos e

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organizativos. E a agressividade pode ser refreada, controlada e orientada para a

criatividade construtiva e não para a destruição.

5. Direito à Paz no Contexto dos Direitos Humanos Como já sublinhamos supra, a paz não é apenas ausência de conflitos armados, é

também um estado de tranquilidade mental, moral e espiritual decorrente da ausência de

perturbação da ordem pública pré-estabelecida.

Se o respeito pelos direitos do homem é condição necessária para que exista paz

entre os homens, mister o Direito à Paz esteja preservada e enquadrada no conjunto dos

direitos do homem, como há um direito ao trabalho, à educação, à saúde, à habitação e

ao desenvolvimento cultural harmonioso, que garanta a intervenção do Estado.

5.1. Direito à Paz

As leis fundamentais dos países, bem como os textos das Declaração Universal

dos Direitos do Homem, dos Pactos Complementares sobre os Direitos Civis e Políticos e

sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, das Convenção Europeia dos Direitos

Fundamentais da União Europeia e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,

não enumeram o Direito à Paz como fazendo parte do conjunto dos direitos do homem.

A CRA realiza o chamamento à DUDH e à CADHP, como diapasão interpretativo

comum, ao consagrar o seguinte: «Os direitos fundamentais estabelecidos na presente

Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e regras aplicáveis de

Direito Internacional»71.

No entanto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem refere-se

implicitamente à paz, ao prescrever, no seu art.º 28º, que «toda a pessoa tem o direito a

que vigore, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar

plenamente efectivos os direitos e liberdades enunciados na presente Declaração»;

querendo com isto dizer que as pessoas têm o direito de denunciar as situações de

prepotência, de conflitualidade ou de guerra que dificultem ou impeçam a aplicação e

usufruição e respeito dos direitos humanos. Por outro lado, a Assembleia Geral das ONU

71 Cfr. art.º 26º, n.º 1 e 2, da CRA.

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encarregou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos de

«promover os direitos do homem, democracia e o desenvolvimento, como bases

fundamentais para garantir uma paz permanente duradoira».

Ao evidenciar a ligação entre a paz e os direitos do homem e considerar a sua

interdependência e a sua simbiose que «a 33.ª sessão da Assembleia Geral da ONU

(1978), na sua Declaração sobre a preparação das sociedades para a vida e para a paz,

reconheceu formalmente que a paz é um direito fundamental, precisando que este direito,

não é somente um direito colectivo mas também um direito individual» (Shestack, 1980:

128).

Desde então, a paz é entendida como um direito individual e colectivo que diz

respeito a todas as pessoas e a todos os povos. E, se os direitos civis e políticos e os

direitos económicos, sociais e culturais são interdependentes, também o direito a viver em

paz deve fazer parte integrante do conjunto dos direitos do homem. «O que é a paz senão

uma questão de direitos do homem?» dizia o presidente Kennedy. E «o que são os

direitos do homem senão uma questão de justiça?» sublinhava S. Tomás de Aquino.

As situações de injustiça que grassam pelo mundo e que impedem a aplicação

efetiva dos direitos do homem constituem entraves à construção e preservação da paz,

dado que são fontes latentes de conflitos. Por conseguinte, onde os direitos do homem

são desrespeitados não existem condições desfavoráveis à consolidação e preservação

da paz, dado que o direito à paz é também um direito humano fundamental, conforme

sublinha a Declaração da Assembleia Geral da ONU.

António José Fernandes (2004: 205-206) sublinha que «o reconhecimento,

proclamação e instituição dos direitos do homem e das liberdades fundamentais não se

concretizaram num curto espaço de tempo, nem todos os direitos foram reconhecidos e

consagrados simultaneamente. A luta pela dignidade, pela liberdade e pela igualdade dos

seres humanos foi longa. E a ideia de que os direitos de alguns deviam ser os direitos de

todos demorou muitos séculos a ser interiorizada e aceita pelas sociedades politicamente

organizadas até se tornar um princípio universal. (…)».

Para que os direitos do homem tenham um significado concreto e sejam

efetivamente aplicados e respeitados, é necessário que existam seguintes pressupostos

fundamentais:

a) Que exista um sujeito - um titular – que passa a beneficiar deles;

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b) Que seja identificável o objecto que dá conteúdo (substância) ao

direito;

c) Que seja possível uma oponibilidade que permita ao titular fazer valer

o seu direito face à uma instância concreta; e

d) Que tenha sido fixada (estabelecida) uma sanção organizada

suscetível de ser aplicada a quem desrespeitar o direito consagrado.

Tendo em conta estas realidades subjacentes aos direitos humanos, parece não

haver dúvidas de que o direito à paz se enquadra na terceira geração, sendo, portanto,

um direito difuso, cujos pressupostos da sua aplicabilidade e usufruição não são

claramente identificáveis e completamente precisos.

Isso decorre, desde logo, do facto da Assembleia Geral das Nações Unidas haver

declarado, em 1978, que o direito à paz não é somente um direito coletivo, mas também

um direito individual, o que significa que os seus titulares podem ser a própria

comunidade internacional, os Estados, as organizações internacionais, as coletividades

organizadas e os indivíduos, já que a oponibilidade que lhe concerne não é precisa, já

porque não existe uma definição (código) de sanções organizadas suscetíveis de serem

concretamente aplicáveis a quem ponha em perigo ou causa as condições necessárias

para se viver em paz.

5.2. Conexões dos Direitos do Homem com o Direito à Paz

Como foi referido, desde que a Assembleia Geral da ONU declarou, em 15 de

Dezembro de 1978, que a paz é um direito fundamental, o direito à paz passou a figurar

no conjunto dos direitos coletivos e individuais essenciais, sobrepondo-se até ao direito

soberano de não ingerência nos assuntos internos, quando é necessário desenvolver

ações destinadas ao restabelecimento, à imposição e à consolidação da paz.

No entanto, o direito à paz aparece como consequência da aplicação e respeito

dos direitos humanos, já que alguns analistas são perentórios em afirmar que o respeito

dos direitos do homem é uma pré-condição indispensável à manutenção da paz.

Nesta perspetiva, os direitos do homem precederiam o direito à paz, uma vez que a

consolidação e a preservação da paz pressupõem o respeito dos direitos humanos.

Porém, tal como os direitos civis e políticos e os direitos económicos, sociais e culturais

são indissociáveis e interdependentes, também o direito à paz é indissociável dos direitos

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do homem da primeira e segunda gerações. E, se o respeito deste é uma condição

imprescindível para que haja paz entre as pessoas, entre os povos e entre as instituições

também a ausência de conflito e de guerras e a existência de um estado geral de

tranquilidade mental, moral e espiritual propiciam e facilitam a aplicação e usufruição dos

direitos humanos.

Existe, por conseguinte, uma estreita e intrínseca ligação entre a defesa dos

direitos do homem e a salvaguarda e preservação da paz, podendo mesmo afirmar-se

que o respeito dos direitos humanos conduz à consolidação da paz, assim como a

preservação da paz facilita o respeito e a usufruição dos direitos do homem, o que

equivale dizer que não existe paz sem a usufruição efectiva dos direitos do homem, nem

os direitos do homem são plenamente respeitados se não estiver assegurada a

possibilidade de se viver com dignidade, liberdade, e igualdade em plena tranquilidade

(António José Fernandes, 2011: 173-174).

Todavia, a aplicação e o respeito dos direitos do homem podem interferir e entrar

em conflito com o direito a viver em paz. Por exemplo, o direito à autodeterminação dos

povos, contante do art.º 1º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que

dispõe «todos os povos têm o direito a dispor deles mesmos. Em virtude deste direito,

eles determinam livremente o seu estatuto político e dedicam-se livremente ao seu

desenvolvimento económico, social e cultural», tem sido, várias vezes, reivindicado por

grupos que concorrem a meios violentos e à utilização do armamento, gerando conflitos

bélicos, que se traduzem em perseguições e massacres de populações civis inocentes e

indefesas, pondo em causa o direito de viver em paz. Nestes casos, é natural que os

partidários da paz se interroguem sobre até que ponto o princípio da autodeterminação

legitima o recurso à violência e ao emprego da força armada, esquecendo, ou

desprezando, o direito a viver em paz.

Os conflitos étnicos e intraestatais, que grassaram praticamente por todos os

continentes da década de 1990 e nos primeiros anos do ´seculo XXI, puseram em

evidência a questão «qual deverá prevalecer, se o direito à autodeterminação entrar em

conflito com o direito a viver em paz?», na medida em que, em muitas situações, foi

necessário optar aceitar o exercício do direito à autodeterminação, como um direito

fundamental do homem, ou intervir para que as populações pudessem usufruir do direito

a viver em paz, também um direito fundamental coletivo e individual.

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E a resposta a essa questão foi dada repetidamente em 1948, pelo Conselho de

Segurança das Nações Unidas, autorizando a constituição de «Missões de Paz», e por os

Estados que se disponibilizaram a fornecer “capacetes azuis” para formar os contingentes

militares das referidas missões que se destinaram a assegurar a imposição e a

consolidação da paz e a garantir a ajuda humanitária às populações vítimas dos

respetivos conflitos.

Os estudos sobre esta problemática distinguem três períodos na evolução das

«Missões de Paz» das Nações Unidas, a saber:

a) O período da Guerra Fria, entre 1948 e 1988;

b) O período pós-queda do Muro de Berlim, entre 1989 e 1993; e

c) O período da explosão de conflitos étnicos e intraestatais, desde

1994.

As decisões adotadas e as ações desenvolvidas, legitimadas pelos órgãos

competentes da ONU, traduziram-se na afirmação de um direito de ingerência sempre

que foi necessária a intervenção humanitária, com vista ao restabelecimento e à

preservação da paz, e no enaltecimento da importância do direito a viver em paz, um

direito de todos e que a todos diz respeito.

O direito à paz tem justificado muitas decisões e ações indispensáveis para

garantir a preservação da paz em muitas áreas geográficas, e tem-se sobreposto ao

direito soberano dos Estados plasmados no n.º 7 do art.º 2º da Carta da Nações Unidas:

«nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em

assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado, ou obrigará os

membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta: este

princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercivas constantes do

capítulo VII».

Portanto, sendo a construção e a preservação da paz um dos objetivos da ONU, é

compreensível que o direito à paz tenha uma intrínseca conexão com os outros Direitos

do Homem, e que esta Organização internacional se empenhe para que os direitos

humanos sejam efetivamente respeitados; pois, assim, tornar-se-á mais fácil consolidar e

preservar a paz mundial.

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CONCLUSÃO A análise feita nas páginas anteriores, ao longo do trabalho/estudos, permite-nos,

em termos de síntese conclusiva, acrescer algumas considerações finais que reputamos

de relevante importância para a compreensão das grandes questões do Direito

Internacional, da problemática das guerras ou dos conflitos e da paz mundial.

A doutrina dominante admite a coexistência dos dois sistemas jurídicos, atribuindo

porém ao interno ou estadual estrutura mais perfeita e validade mais intensa; ao passo

que o internacional ou interestadual se apresentaria dotado de certeza e de eficácia

inferiores, deixando assim subsistir a autonomia dos diversos Estados.

Por conseguinte, o direito interno é o ordenamento vital de um Estado ou

organização pública (não estatal) e o direito internacional assume a configuração de

direito global de todo as comunidades estatais e não estatais com várias formas de

coordenação e articulação.

O conceito de Direito Internacional tem sido alvo de debate, ou seja, tem sido

problemática a descoberta dum conjunto de critérios específicos de delimitação desta

área do Direito.

Embora seja fácil a apreensão simplista da contraposição em Direito Internacional

e o Direito Interno, «as diferenças ressaltam quase à vista desarmada. Não encontramos

leis como modo de formação centralizada do Direito por obra das autoridades com

competência para tal. Como modo mais aproximado apenas encontramos – hoje, não há

100 anos – os tratados multilaterais gerais e as decisões, ou certas decisões, de órgãos

de organizações internacionais e de identidades afins».

O Direito Internacional surgiu como um elemento de forte consenso, procurando

colmatar lacunas éticas e jurídico-constitucionais.

Sendo o Direito Internacional um setor do Direito Público que «melhor se

experimenta do que se concretiza pelo que não tem sido fácil propor uma afinada

definição do mesmo», considera-se como «o sistema de princípios e normas, de natureza

jurídica, que disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem numa posição

jurídico-pública, no âmbito das suas relações internacionais».

A Paz de Vestefália (1648) indica-se como o início de uma nova era nas Relações

Internacionais, caraterizada pelo princípio da absoluta independência e soberania dos

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Estados, que substituiu o da subordinação a autoridades universais como a Igreja e o

Império.

A existência de uma comunidade jurídica internacional, hoje bem extensa do que

no passado, é forçoso reconhecer que ela não saiu ainda, em parte, do estado teórico, e

que os esforços tendentes a realizá-la em concreto estão ainda muito longe de alcançar o

objetivo de uma organização cosmopolítica. Estes esforços se têm multiplicado nos

nossos dias, especialmente depois das trágicas experiências das guerras mundiais, da

queda do morro de Berlim e dos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos de

América.

Os Estados são obrigados a reconhecer-se mutuamente como sujeitos de direito.

Não é nem pode ser obrigatório o reconhecimento de um Estado que viole as exigências

fundamentais da humanidade e os princípios gerais do Direito, quer no seu ordenamento

interno, quer nas relações internacionais.

A observância do costume dependeria, em última análise, da vontade de cada um

dos Estados: vontade que, bem merece o epíteto de ambulatória…

A crítica não implica, todavia, a rejeição do processo histórico que levou a modificar

certas doutrinas políticas medievais, como o princípio da igualdade jurídica dos Estados,

quaisquer que sejam os respetivos poder e extensão não deve ser rejeitado; mas há-de

acompanha-lo uma reserva dos Estados legítimos e a formulação específica dos

requisitos de tal legitimação.

O princípio da independência consagra que nenhum Estado perante os demais,

pode reclamar preeminência ou impor hegemonia, mas somente propor acordos, que

devem ser livremente consentidos, sem prejuízo do respeito pelos direitos fundamentais

dos indivíduos e dos povos, do qual depende a legitimidade dos Estados. Pois se estes

direitos forem gravemente violados, deve admitir-se a possibilidade de intervenção

estrangeira que realize a respetiva tutela.

A raiz dos equívocos e dos erros frequentes nas doutrinas do Direito internacional

e do Direito público em geral, está na confusão entre arbítrio e liberdade: dois conceitos

que deveriam ser rigorosamente discriminados. A liberdade se apresenta como ausência

de toda e qualquer lei.

A liberdade se interpenetra com o respeito da lei moral. Isto tanto vale na ordem

moral, como na ordem jurídica; e tanto para os indivíduos, quanto para as Nações e os

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Estados. A liberdade só é possível se a lei for respeitada, e estará em tanto maior perigo

quanto mais graves e frequentes forem as infracções às leis.

Nas relações internas a soberania do Estado se acha racionalmente vinculada e

subordinada ao respeito pelos direitos dos cidadãos, nas relações entre Estado e Estado

a soberania de cada um deles não pode significar arbítrio desenfreado e antes deve

fundar-se naquela lei que define a unidade essencial do género humano.

Devido à falibilidade da mente humana, os princípios éticos e os lógicos podem ser

por vezes transgredidos e violados no plano de facto; mas isso não lhes diminui o valor

ideal, e é precisamente em função deste valor que aqueles erros são reconhecidos,

combatidos e corrigidos.

Para haver contactos harmoniosos e duradouros e relações frutuosas entre os

Povos, é indispensável que estes reconheçam e observem os princípios de Direito natural

internacional, que regulam o seu desenvolvimento e funcionamento normais.

A palavra “paz” não significa a ausência de conflitos, de guerra e de perturbação da

ordem pública e da normalidade institucional; um estado de calma, de tranquilidade e de

despreocupação; é, portanto, um estado de tranquilidade mental, moral e espiritual

decorrente da ausência de perturbação da ordem pública e de conflitualidade nas

relações entre as pessoas, entre os grupos e entre as instituições nacionais e

internacionais.

O Direito à Paz é, pois, um direito difuso, no que respeita aos seus titulares (os

sujeitos deste direito), que são os indivíduos, os Estados, as organizações internacionais,

as coletividades, os grupos organizados e a própria comunidade internacional, à

oponibilidade (a pessoa ou a instituição) contra quem reclamar e perante apresentar as

reclamações e à sanção organizada aplicável àqueles que perturbam a paz, que praticam

atos de agressão coletiva ou que desencadeiam conflitos armados.

O recurso a diferentes perspetivas de análise para caraterizar e classificar os

conflitos internacionais é o critério que se baseia no carácter dimensional, tanto

geográfico como do número de intervenientes, é aquele que permite distinguir

objetivamente uns conflitos dos outros, e é único critério cientificamente válido para se

proceder a uma classificação dos conflitos internacionais.

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Quase no final da primeira década do século XXI, continuamos a viver num mundo

de violência, de conflitos, de guerras, que espalham o medo, o terror e o pânico e geram

a insegurança individual e coletiva.

As numerosas afirmações e declarações a favor da paz mostram a evidência que a

paz não é um produto acabado, não se encontra disponível em qualquer “botica”, nem se

transaciona no virar da esquina; mas que é, sim, um objetivo que muitos perseguem e

que a humanidade deseja e precisa que esse objetivo seja efetivamente alcançado. A paz

é, pois, um produto em elaboração, um bem precioso que é necessário conquistar,

lapidar, acarinhar, e preservar. A paz não se herda, nem se transaciona. A paz constrói-se

através do conhecimento, da sabedoria e do respeito pelos valores éticos e morais em

que assentam as relações de convivência pacífica; através da educação, do

ensino/aprendizagem, do desenvolvimento de processos de ação conducentes à

aquisição de conhecimentos, ao desenvolvimento de aptidões, `formação e

enriquecimento do espírito e a interiorização dos princípios e dos valores em que se

fundamentam os direitos fundamentais. Só através de uma educação sadia, rigorosa e

objetiva é possível erigir os alicerces de uma verdadeira paz mundial.

O ensino da história da humanidade, que enaltece primordialmente a importância

das lutas armadas, das guerras na construção do progresso e no desenvolvimento

económico e social, e que considera as guerras como um mal necessário, porque se lhes

atribui a função de negar o presente par construir um futuro melhor, não reflete a

verdadeira realidade dos factos e dos condicionalismos que impulsionaram a evolução da

humanidade.

As guerras têm, pois, um efeito destrutivo e não construtivo. A sua preparação e o

seu desenvolvimento exigem avultados recursos financeiros, materiais e humanos,

mobilizam as camadas jovens da população para o combate e traduzem-se sempre na

perda e destruição de recursos humanos e materiais necessários par promover e

impulsionar o desenvolvimento económico e social, atrasando, assim, o processo de

evolução natural das sociedades politicamente organizadas e, consequentemente, da

própria comunidade internacional. As guerras deixam sempre um rasto da destruição das

estruturas produtivas, de diminuição significativa da mão-de-obra em idade de plena força

de trabalho e de miséria e de fome nas camadas populacionais mais desfavorecidas.

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É certo que os textos das instituições internacionais e particularmente a Carta das

Nações Unidas recomendam que se deve recorrer sempre às vias, aos processos e às

técnicas e mecanismos de solução pacífica das controvérsias, mas estabelecem também

a possibilidade de se recorrer à força para dirimir os conflitos e estabelecer a paz e a

segurança internacionais.

A este propósito, veja-se o articulado do Capítulo VII da Carta da ONU, pois o seu

art.º 42º dispõe que «o Conselho de Segurança poderá levar a efeito, por meio da forças

aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar necessárias para manter ou restabelecer

a paz e a segurança internacionais».

No entanto, o recurso a força só se deverá ser utilizado depois de se haverem

esgotado todas as hipóteses de sucesso das estratégias, processos e mecanismos de

resolução pacífica, pois o emprego da força é (deverá ser) o último argumento para tentar

solucionar um conflito, seja ele intranacional ou internacional.

Todavia, a agressividade inerente a natureza do ser humano não tem apenas uma

finalidade destruidora, traduz-se também em processos de ação criadores, construtivos e

organizativos. E a agressividade pode ser refreada, controlada e orientada para a

criatividade construtiva e não para a destruição.

Os conflitos são fenómenos sociais muito complexos, que resultam sempre de uma

decisão (ato político), comportam vários elementos e apresentam simultaneamente várias

aspetos.

Por conseguinte, não é fácil distinguir objetivamente uns conflitos dos outros com

base nas suas características ou nas causas que presumivelmente estão na sua origem.

Por isso, o único critério cientificamente válido para classificar os conflitos parece se

aquele que permite distingui-los em função da sua extensão geográfica e o número de

interveniente de forma dinâmica, parecendo-nos plausível a distinção entre conflitos

locais, conflitos regionais e conflitos mundiais ou planetários.

Educar para a paz é educar para o progresso e o desenvolvimento económico,

social e cultural harmonioso; é educar para a compreensão e para a tolerância, educar

para o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais; é, em suma, o

caminho mais seguro para construir a paz mundial.

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ÍNDICE INTRODUÇÃO 10

1. Génese e Crise das Relações Internacionais e do Direito Internacional 15

1.1. Esboço histórico do desenvolvimento das Relações Internacionais 17

1.2. Apreciação crítica da crise do Direito Internacional 21

2. Conflito: Noções, Tipologia e Vias de Solução e Controle 27

2.1. Noções de conflito 28

2.2. Tipologia dos conflitos 29

2.3. Vias de solução e controle dos conflitos internacionais 34

2.4. Papel dos Estados e Organizações Internacionais na resolução dos conflitos

internacionais 39

2.4.1. Importância dos Tribunais Internacionais 41

2.4.1.1. Tribunal Internacional de Justiça 42

2.4.1.2. Tribunal de Justiça Europeu 44

2.4.1.3. Tribunais Penais Internacionais 46

2.5. Técnicas de solução dos conflitos internacionais 50

2.5.1. Processo de Negociação 50

2.5.2. Processo de Arbitragem ou Solução Judicial 52

2.5.3. Técnica da Insulação 54

2.5.4. Recurso à Força 55

2.6. Apreciação crítica das Organizações Internacionais em matéria de resolução dos

conflitos internacionais 56

3. Guerra: Significado, Causas, Funções e Tipologia 62

3.1. Critérios, conceitos e significado da Guerra 62

3.1.1. Critérios de abordagem e conceitos da Guerra 63

3.1.2. Significado da Guerra 67

3.2. Origens, causas e funções da Guerra 69

3.2.1. Origens da Guerra 70

3.2.2. Causas da Guerra 73

3.2.3. Funções da Guerra 75

3.3. Tipologias da Guerra 76

3.4. Guerra subversiva 94

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3.4.1. Origem e conceito de Estratégia 95

3.4.2. Análise do fenómeno subversivo na Era da Globalização 98

3.4.2.1. Origens e causas da subversão 100

3.4.2.2. Subversão vs. Crime organizado transnacional 101

3.4.2.3. Guerras civis vs. Luta urbana 103

3.4.2.4. Democracia vs. Subversão 107

3.5. Caracterização do fenómeno subversivo 109

3.5.1. Manobra subversiva 110

3.5.2. Ritmo Subversivo 113

3.6. Tipologias subversivas 116

3.6.1. Subversão “Lumpen” 116

3.6.2. Subversão etnolinguística 117

3.6.3. Subversão popular 117

3.6.4. Subversão global 118

3.7. Premissas do fenómeno subversivo 119

4. Paz: Conceito, Dimensões e Problemática 120

4.1. Conceito e dimensões da Paz 120

4.2. Ideia da paz segundo várias concepções 122

4.3. Problemática da Paz na Era da Globalização 127

5. Direito à Paz no Contexto dos Direitos Humanos 129

5.1. Direito à Paz 129

5.2. Conexões dos Direitos do Homem com o Direito à Paz 131

CONCLUSÃO 134

BIBLIOGRAFIA 139

OUTRAS REFERÊNCIAS 150