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RBCS Vol. 28 n° 82 junho/2013 Artigo recebido em 30/11/2011 Aprovado em 18/12/2012 INCENTIVOS DA DINÂMICA POLÍTICA SOBRE A CORRUPÇÃO Reeleição, competitividade e coalizões nos municípios brasileiros * Mariana Batista Introdução A difusão do fenômeno da corrupção vem trans- formando o tema numa das principais preocupações nos países democráticos. Definida como a venda de propriedade do governo por seus integrantes oficiais visando ganho pessoal (Shleifer e Vishny, 1993), a corrupção está intimamente ligada ao processo de re- presentação política e de delegação de poderes para políticos eleitos nos sistemas democráticos. Em teoria, a democracia, mediante o mecanis- mo da eleição, restringiria a corrupção ao dar ao eleitor a capacidade de recompensar boas práticas e remover do poder os políticos corruptos. Contu- do, levantamentos da Transparência Internacional desautorizam uma relação direta entre democracia e ausência de corrupção: há expressiva variação de grau entre os países e ao longo do tempo. As ques- tões fundamentais passam a ser por que os políticos praticam atos corruptos? Quando os políticos se * Artigo apresentado no 35° Encontro Anual da An- pocs, GT “Comportamento político”. Agradeço a to- dos os participantes do GT pelos comentários e pelo excelente ambiente de discussão, em especial a Mário Fuks, Jakson Aquino e Vítor Peixoto pelas sugestões detalhadas. Agradeço ainda a Francisco Ramos por disponibilizar seu banco de dados sobre as auditorias da Controladoria Geral da União e a Romero Maia pela ajuda com os dados do IBGE. Agradecimento es- pecial a Marcus André Melo, que fomentou as discus- sões que originaram este artigo. Indispensável agrade- cimento a Enivaldo Rocha pelo apoio metodológico. Qualquer incorreção remanescente é de minha total responsabilidade.

Incentivos da Dinâmica Política sobre a Corrupção: reeleição, competitividade, e coalizões nos municípios brasileiros

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BATISTA, Mariana .

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  • RBCS Vol. 28 n 82 junho/2013

    Artigo recebido em 30/11/2011Aprovado em 18/12/2012

    INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPOReeleio, competitividade e coalizes nos municpios brasileiros*

    Mariana Batista

    Introduo

    A difuso do fenmeno da corrupo vem trans-formando o tema numa das principais preocupaes nos pases democrticos. Definida como a venda de propriedade do governo por seus integrantes oficiais visando ganho pessoal (Shleifer e Vishny, 1993), a corrupo est intimamente ligada ao processo de re-presentao poltica e de delegao de poderes para polticos eleitos nos sistemas democrticos.

    Em teoria, a democracia, mediante o mecanis-mo da eleio, restringiria a corrupo ao dar ao eleitor a capacidade de recompensar boas prticas e remover do poder os polticos corruptos. Contu-do, levantamentos da Transparncia Internacional desautorizam uma relao direta entre democracia e ausncia de corrupo: h expressiva variao de grau entre os pases e ao longo do tempo. As ques-tes fundamentais passam a ser por que os polticos praticam atos corruptos? Quando os polticos se

    * Artigo apresentado no 35 Encontro Anual da An-pocs, GT Comportamento poltico. Agradeo a to-dos os participantes do GT pelos comentrios e pelo excelente ambiente de discusso, em especial a Mrio Fuks, Jakson Aquino e Vtor Peixoto pelas sugestes detalhadas. Agradeo ainda a Francisco Ramos por disponibilizar seu banco de dados sobre as auditorias da Controladoria Geral da Unio e a Romero Maia pela ajuda com os dados do IBGE. Agradecimento es-pecial a Marcus Andr Melo, que fomentou as discus-ses que originaram este artigo. Indispensvel agrade-cimento a Enivaldo Rocha pelo apoio metodolgico. Qualquer incorreo remanescente de minha total responsabilidade.

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    voltam para prticas corruptas? Quais so os incen-tivos para a corrupo? Quais os constrangimentos?

    Considerando os sistemas democrticos, a exis-tncia do mecanismo da eleio em si no se mostra suficiente para inibir totalmente a corrupo. Nes-se sentido, elementos especficos das democracias mostram-se relevantes para entender o porqu da corrupo, e a dinmica poltica vem sendo apre-sentada como uma das principais respostas para os referidos questionamentos (Balan, 2011; Chang, 2005; Nyablade e Reed, 2008).

    A capacidade de aumentar o nmero de opes disponveis para os eleitores e de induzir o controle horizontal entre os atores polticos so apontadas como as caractersticas da competio poltica que incentivaria a diminuio da corrupo. Contudo, estudos recentes apontam que a competio po-ltica, ao gerar incerteza eleitoral, ao invs de in-centivar o controle mtuo, acaba por aumentar a corrupo quando os candidatos tm de se esforar mais para conseguir votos. Dessa forma, os resul-tados ainda no so conclusivos, apontando que a corrupo alta onde a competio poltica mui-to acirrada, mas tambm onde praticamente ine-xistente (Chang, 2005).

    Dessa forma, para responder se a competio poltica de fato diminui a corrupo preciso ana-lisar os diferentes incentivos advindos da dinmica poltica. Para tanto, este artigo objetiva analisar o poder explicativo de quatro caractersticas especifi-cas da poltica: a competitividade das eleies, que se refere margem de vitria do candidato; a fora da oposio, que se relaciona com a capacidade de controle horizontal no governo; a reeleio e a es-trutura das coalizes.

    Alguns dos principais argumentos da litera-tura aparecem em direes opostas. A competi-tividade das eleies incentivaria a diminuio da corrupo ao aumentar os custos polticos do ato corrupto. Contudo, a incerteza eleitoral pode incentivar a corrupo (Chang, 2005). J a fora da oposio diminuiria a corrupo porque aumenta a capacidade de controle horizontal entre os atores polticos. Contudo, a existncia de muitos partidos na oposio ao governo pode aumentar os custos de ao coletiva para este grupo (Kunicov e Rose--Ackerman, 2005). A reeleio tambm pode ofe-

    recer incentivos contraditrios: diminuiria a inci-dncia de corrupo porque os custos da corrupo para candidatos buscando a reeleio maior tendo em vista a busca de votos (Ferraz e Finan, 2007); Contudo, pode aumentar a incidncia de corrup-o porque a permanncia no poder oferece uma proteo aos polticos corruptos (Pereira, Melo e Figueiredo, 2008). Por ltimo, a possibilidade de governos de coalizo tambm deve ser levada em considerao (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005). Argumento que o tamanho da coalizo governa-tiva pode ser importante para explicar a incidn-cia da corrupo, uma vez que no se est falando de apenas um partido no governo, mas de vrios, com interesses diferenciados. Dessa forma, quanto maior o nmero de partidos na coalizo governati-va maior incidncia de corrupo esperado.

    Tais hipteses sero testadas para o caso bra-sileiro, com base nas fiscalizaes por meio de sorteios pblicos feitos nos municpios pela Con-troladoria Geral da Unio (CGU) e se insere no projeto de pesquisa mais amplo que busca anali-sar os determinantes da corrupo nos municpios brasileiros com base nos sorteios da CGU liderado por Marcus Melo (Melo, Leite e Rocha: 2011). Tais sorteios propiciam uma oportunidade mpar para uma base de dados construda com dados objeti-vos e de forma aleatria. Sero aqui analisados os 21 primeiros sorteios feitos pela CGU entre 2003 e 2006. Para tanto, este trabalho est assim subdi-vidido. No tpico seguinte, ser analisada a relao entre corrupo e competio poltica, com nfase nos mecanismos explicativos. Em seguida, a estra-tgia de mensurao do fenmeno da corrupo ser apresentada, com base nas auditorias da CGU. Na quarta seo, sero apresentadas as hipteses e os resultados. Por ltimo, a concluso.

    Impactos da competio poltica na corrupo1

    Como primeiro passo para a anlise da relao entre poltica e corrupo preciso estabelecer cla-ramente o que se entende por corrupo e assim delimitar empiricamente o objeto de estudo.

    A definio atualmente mais difundida a de Shleifer e Vishny (1993). Nas palavras dos autores:

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    Definimos a corrupo do governo, como a venda por funcionrios do governo de propriedade do go-verno para ganho pessoal (Shleifer e Vishny, 1993, p. 599). Tal definio se mostra clara e simples a um primeiro olhar, mas trs termos merecem ser mais bem especificados: o que se entende por ven-da, o que est sendo vendido e o que exatamente ganho privado.

    Por venda est se tratando qualquer tipo de transao entre o poltico e um ator privado, na qual a propriedade do governo est em jogo e o poltico recebe algum benefcio pessoal em troca. Nesse sentido h a oferta de um bem pelo poltico e a demanda por esse bem por um ator privado, de forma que se estabelece uma relao de mercado.

    Mas o que exatamente est sendo vendido? Qual a moeda? O objeto da transao pode ser tanto um bem fsico quanto um direito de proprie-dade. No primeiro caso, o poltico pode estar trans-ferindo alguma forma de auxlio material a um ator privado em troca de seu voto. Nesse caso, a moeda do ator privado o voto. J no caso mais clssico do suborno, no qual o poltico recebe dinheiro para alterar uma licitao, por exemplo, a moeda do ator privado dinheiro propriamente dito.

    Por ltimo, esta discusso leva pergunta: o que exatamente o ganho pessoal do poltico? Alguns autores definem ganho pessoal como en-riquecimento ilcito (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005). O problema dessa definio que exclui o comportamento corrupto que tem fins eleitorais, como a compra de votos. Nesse sentido, Nyablade e Reed (2008) explicitam em sua definio que h dois tipos de ganho pessoal, o ganho material e o ganho eleitoral (Nyablade e Reed, 2008). Deixar claros esses dois tipos de ganho pessoal de grande importncia para o processo de operacionalizao do conceito em estudos empricos.

    Tendo isso em mente, corrupo ser aqui con-siderada a transao entre um poltico e um ator privado, na qual o primeiro transfere um bem fsico ou um direito de propriedade ilegalmente para um determinando ator privado, em troca de ganhos materiais ou eleitorais.

    Definida a concepo de corrupo, a prxima tarefa entender seus fatores explicativos. Atual-mente o debate sobre os determinantes da corrup-

    o bastante amplo. Os estudos cross-national apontam o poder explicativo de variveis como desenvolvimento econmico e desenho das insti-tuies democrticas. Acerca do tpico especfico aqui tratado, a relao entre corrupo e dinmica da competio poltica, a origem pode ser remetida aos estudos sobre o impacto dos diferentes sistemas eleitorais sobre o fenmeno da corrupo.

    A corrupo est sistematicamente relacionada com as regras eleitorais? Com este questionamento Persson, Tabellini e Trebbi (2003) buscam explicitar o impacto do desenho especfico das instituies elei-torais sobre a corrupo. Nas palavras dos autores, como os eleitores podem tornar seus representantes eleitos responsveis nas urnas, natural perguntar se diferentes regras eleitorais funcionam mais ou menos bem em impor a responsabilizao dos polticos in-cumbents (Persson, Tabellini e Trebbi, 2003, p. 2).

    Nesse sentido, o impacto do sistema eleitoral analisado a partir de trs regras especficas: a es-trutura da votao, a magnitude do distrito e a fr-mula eleitoral. A estrutura da votao diz respeito identificao individual dos candidatos. Alguns sistemas eleitorais tornam a responsabilizao indi-vidual dos polticos direta, ao passo que outros tor-nam a conexo indireta, mediante listas partidrias. Segundo os autores, um sistema baseado em listas partidrias diminui os incentivos individuais para o bom comportamento dos polticos, uma vez que cria uma cadeia de delegao indireta dos eleitores, para os partidos, para os candidatos. J a magnitude do distrito tem impacto sobre o nmero de candi-datos disponveis para os eleitores. A baixa magni-tude dos distritos aumentaria a corrupo porque aumenta as barreiras entrada. Isto , um nmero menor de partidos e candidatos compete nas elei-es, de modo que os eleitores tm menos oportuni-dades de remover candidatos corruptos. Por ltimo, a frmula eleitoral afeta a incidncia de corrupo atravs da sensibilidade dos resultados eleitorais ao desempenho do incumbent. Como os governantes podem ser mais diretamente responsabilizados e pe-nalizados nas eleies majoritrias do que nas pro-porcionais, os sistemas majoritrios seriam menos corruptos (Persson, Tabellini e Trebbi, 2003).

    Com base nos efeitos dessas trs regras eleitorais, os autores fundamentam trs argumentos centrais:

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    Efeito barreiras entrada: magnitude do distri-to mais ampla e menor limiar para a representao so associados com menos corrupo;

    Efeito carreira: a eleio em base individual dos candidatos, ao invs de listas partidrias associada com menos corrupo; e

    Efeito competio eleitoral: eleio majoritria em distritos pequenos est associada com menos corrupo do que sistemas de representao pro-porcional em distritos grandes.

    Nota-se no conjunto da argumentao dos au-tores que o pressuposto bsico o de que a conexo eleitoral funciona, uma vez que os eleitores avaliam negativamente a corrupo e punem nas urnas os polticos corruptos. As regras eleitorais, nesse sentido, ao orientar a relao entre governantes e eleitores, determinam em que medida a conexo eleitoral funciona, aumentando ou diminuindo a accountability.

    Nesse mesmo sentido, Kunicov e Rose-Acker-man (2005) analisam o impacto das regras eleito-rais sobre a corrupo, mas incluem no modelo a interao com a forma de governo. O modelo b-sico o de que os polticos enfrentam um trade-off entre chances de reeleio e enriquecimento ilcito, implicando que a corrupo diminui as chances de reeleio. A ideia central a de que as regras eleito-rais afetam os incentivos e a capacidade dos eleito-res e da oposio de monitorar governantes corrup-tos (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005)

    Dito isto, as autoras apontam que para compreen der como as regras eleitorais afetam o mo-nitoramento da corrupo, trs questionamentos so determinantes: como as oportunidades para o ganho pessoal diferem entre os sistemas eleitorais? Quem tem os incentivos para monitorar polticos corrup-tos? Quem de fato tem capacidade para monitorar?

    Plurality, que o sistema majoritrio de elei-o, apresenta incentivos e capacidade fortes para o controle da corrupo, tanto por parte dos eleitores quanto por parte da oposio. Isso porque torna mais fcil para os eleitores observarem o comporta-mento dos governantes individualmente. Do ponto de vista da oposio, a caracterstica dos sistemas majoritrios de produzir bipartidarismo aumenta os incentivos para o monitoramento dos governan-

    tes j que the winner takes all e tambm sua ca-pacidade, j que a responsabilidade concentrada (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005).

    Os sistemas proporcionais so mais propen-sos corrupo relativamente aos sistemas majo-ritrios, porque sistemas proporcionais lidam com problemas de ao coletiva mais severos, tanto para os eleitores quanto para a oposio. No sistema proporcional os candidatos so dispostos em listas partidrias, evidenciando a importncia do lder partidrio. A diferena est no fato de que no siste-ma de lista fechada os lideres partidrios determi-nam a ordem dos candidatos na lista, ao passo que no sistema de lista aberta os eleitores escolhem o candidato, entre aqueles na lista predefinida. Dessa forma, os sistemas proporcionais estabelecem uma ligao indireta entre representantes e representa-dos, dificultando a responsabilizao. Contudo, no sistema de lista aberta os eleitores tm a prerroga-tiva de apontar o candidato na lista partidria, de modo que os incentivos e a capacidade para o mo-nitoramento so intermedirios. J no sistema de lista fechada, os incentivos e a capacidade do eleito-rado para identificar e tambm de se organizar con-tra o comportamento corrupto fraco (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005).

    Contudo, para o caso da oposio, a falta de uma clara alternncia de poder reduz os incentivos para o monitoramente entre os partidos nos dois tipos de sistemas proporcionais. Nas palavras das autoras:

    Sob RP [representao proporcional], as coali-zes so comuns, e em muitos pases os parti-dos no se classificam em dois blocos estveis. Em vez disso, um partido atualmente na opo-sio pode esperar formar uma coalizo com um ou mais partidos no poder em algum mo-mento no futuro. Se isto assim, os polticos da oposio podem querer formar uma coali-zo com um partido atualmente no poder. Se assim for, eles tm pouco incentivo para expor a corrupo dos polticos com quem eles po-dem precisar colaborar no futuro. [...] A falta de uma clara alternncia entre grupos fixos de partidos impede o monitoramento interpar-tidrio. Alm disso, se um poltico revela um escndalo sob o sistema majoritrio com dois

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    partidos, o benefcio flui para ele e seu parti-do. Sob RP, mesmo que o partido que revela o escndalo especialmente recompensado nas urnas por sua vigilncia e integridade, o escn-dalo fornece benefcios marginais para todos os partidos da oposio. Isso poderia produzir uma corrida em que os partidos de oposio competem para revelar um escndalo, mas em condies plausveis, todos ficaro quietos, se o custo de descobrir a corrupo alto e/ou se o difamador punido sendo excludo de co-alizes futuras. Em suma, o argumento de que o monitoramento da corrupo vai aumentar com o nmero de oponentes polticos no pa-rece convincente. Ao contrrio, o impacto da competio poltica sobre o monitoramento de corruptos rent-seekers pode realmente cair quando aumenta o nmero de partidos. O n-mero de partidos um substituto pobre para a intensidade da competio, pelo menos no que diz respeito ao controle do enriquecimento il-cito de polticos (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005, pp. 583-584).

    Nesse sentido, as caractersticas de concentra-o da responsabilidade e de competio entre os partidos sugerem sistemas majoritrios menos sus-cetveis corrupo do que sistemas proporcionais, e sistemas de lista aberta menos corruptos do que sistemas de lista fechada. E quanto forma de go-verno? Persson e Tabellini (2003) argumentam que os regimes presidencialistas seriam menos corrup-tos devido aos checks e balances relacionados sepa-rao entre Executivo e Legislativo. Contudo, Ku-nicov e Rose-Ackerman (2005) argumentam que a centralizao do controle do governo, presente nos regimes presidencialistas, aumenta a capacidade de extrao de rendas pelo presidente, ao mesmo tempo que a fragilizao do Legislativo diminui os incentivos para o monitoramento pelo Legislativo (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005).

    Chang (2005) amplia o debate analisado os incentivos eleitorais para a corrupo, focando especificamente no sistema proporcional de lista aberta. Aqui o objetivo da corrupo no o en-riquecimento ilcito, como em Kunicov e Rose--Ackerman (2005), mas fins eleitorais. E a partir

    dessa definio de corrupo, o autor postula que em sistemas em que a competio pelos votos en-tre partidos e tambm entre membros do mesmo partido, como no caso do sistema proporcional de lista aberta, um candidato para se eleger precisa se diferenciar no s ideologicamente, mas tambm por caractersticas pessoais. Nesse sentido, em tal tipo de eleio o voto pessoal fundamental para o candidato conquistar a vaga.

    Assim, Chang (2005) analisa como a presso eleitoral introduzida pela competio intrapartid-ria leva os candidatos a usarem a corrupo como estratgia para angariar recursos com fins eleitorais. Dessa forma, quando h incerteza eleitoral, isto , quando a competio por uma vaga muito acirra-da, espera-se que a corrupo aumente. Isso porque os recursos assim obtidos podem significar os vo-tos necessrios para o candidato conquistar a vaga (Chang, 2005).

    Nota-se aqui um argumento contrrio ao de Persson, Tabellini e Trebbi (2003) e de Kunicov e Rose-Ackerman (2005) de que devido ao funciona-mento da conexo eleitoral a corrupo teria efeitos negativos sobre as chances de eleio de um determi-nado candidato. Aqui a corrupo mostra-se como um mecanismo mediante o qual o candidato pode conquistar o voto de uma parcela do eleitorado.

    A partir dessa discusso das principais con-tribuies da literatura notam-se trs argumentos principais: o primeiro seria em torno da relao ne-gativa entre competio e corrupo. Isto , quanto maior a competio poltica, menor a corrupo a partir de um efeito monitoramento da competio sobre a corrupo. Tal relao negativa argumen-tada, com base em mecanismos diferentes, por Persson, Tabellini e Trebbi (2003) e Kunicov e Rose-Ackerman (2005).

    Segundo Persson, Tabellini e Trebbi (2003) sis-temas com distritos de alta magnitude ao aumentar o nmero de candidatos e partidos disponveis, au-mentam a capacidade dos eleitores de removerem do poder polticos corruptos. Visando tal efeito negativo da corrupo sobre suas chances de elei-o, os polticos evitam a corrupo. Nesse caso, o nmero de partidos ou de candidatos seria uma boa proxy para a competio poltica. J para Kunico-v e Rose-Ackerman (2005), a competio polti-

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    ca tambm tem o efeito de diminuir a corrupo. Contudo, os efeitos positivos da competio advm da competio pelo cargo entre o partido do gover-no e aquele na oposio. A concentrao de respon-sabilidade aumentaria o incentivo para o partido da oposio monitorar o governo e assim aumentar suas chances de vencer a prxima eleio e tambm sua capacidade, devido concentrao da culpa (Kunicov e Rose-Ackerman, 2005).

    Contrariamente, Chang (2005) prope que a relao entre competio poltica e corrupo positiva. O efeito incentivo da competio sobre a corrupo indica que, quando o candidato com-pete pela vaga em uma eleio muito acirrada, a incerteza eleitoral, associada necessidade de se diferenciar individualmente, aumenta a chance de extrao de renda ilegalmente, tendo em vista seu uso com fins eleitorais. Aqui a avaliao negativa da corrupo pelos eleitores no determinante. De fato, a corrupo vista como um instrumento para o candidato conquistar uma parcela de votos necessria para sua eleio (Chang, 2005).

    Por ltimo, h o argumento que prope uma relao complexa entre competio e corrupo. Tal relao postula que a competio no tem um efeito nico sobre a corrupo, de modo que a corrupo alta quando a competio muito alta, como prevista por Chang (2005), mas tam-bm quando a competio muito baixa. Esse de fato o resultado emprico encontrado por Chang (2005) para o caso da Itlia e o argumento tem por base o paradoxo da estabilidade. Segundo Rose--Ackerman (1999), o paradoxo da estabilidade sur-ge quando em disputas pouco acirradas os candida-tos tornam-se mais corruptos. Tal efeito pode surgir pela ausncia de monitoramento externo.

    Com base em tais contribuies da literatura pode-se notar que uma anlise dos fatores explicati-vos da corrupo tem de necessariamente levar em considerao alguns fatores especficos da dinmica de competio poltica: 1) os incentivos das eleies sobre o comportamento dos polticos; 2) a compe-titividade das eleies; 3) a estrutura da oposio; e 4) a estrutura das coalizes.

    O objetivo deste trabalho testar tais argumen-tos, analisando especificamente os municpios brasi-leiros. O foco est no comportamento do ator que

    controla grande parte dos recursos nos municpios, especialmente as transferncias federais, o objeto des-ta anlise emprica: os prefeitos. Nesse sentido, o ob-jetivo entender como os diferentes aspectos da din-mica poltica oferecem incentivos e constrangimentos sobre o comportamento corrupto do prefeito.

    O desenho da pesquisa se beneficia do fato de manter constantes diversos aspectos que dificultam as anlises cross-national focando nas unidades sub-nacionais, as quais apresentam ao mesmo tempo dinmicas de competio poltica bastante diferen-ciadas. Nesse sentido, apesar de grande parte de es-ses argumentos terem sido traados para a anlise cross-national, algumas das principais variveis ainda se aplicam, principalmente pelo foco no comporta-mento dos prefeitos. Isso devido estrutura poltica municipal, que apresenta um misto de incentivos das regras eleitorais majoritria e proporcional.

    O Brasil atualmente constitudo de 5.070 municpios em 27 estados. Nos municpios os pre-feitos so eleitos de acordo com a regra majoritria. Contudo, os legislativos subnacionais so eleitos pelo sistema proporcional de lista aberta. Como resultado desse misto de regras, os candidatos a prefeito enfrentam uma eleio majoritria num sistema multipartidrio. Adicionalmente, uma vez eleito, o candidato precisa de uma base de apoio para governar. Para tanto, os candidatos formam coalizes. A figura abaixo busca sintetizar a dinmi-ca poltica nos municpios brasileiros.

    Figura 1Dinmica Poltica dos Municpios Brasileiros

    Coalizo

    eleitores oposio

    Governo

    Prefeito

    Fonte: Elaborao prpria.

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    Nos sistemas polticos municipais, os eleitores elegem o prefeito em eleio majoritria. Mas os membros da coalizo so representantes partid-rios, que, por sua vez, elegem membros para o Le-gislativo pelo mtodo proporcional. Sendo assim, a concentrao de responsabilidade pode ser ame-nizada pela formao de coalizes multipartidrias. A caracterstica multipartidria do sistema tambm afeta a relao da oposio com o governo. Uma oposio constituda de diversos pequenos parti-dos, alm de afetar os incentivos para o monitora-mento, impacta tambm em sua prpria capacida-de. Por ltimo, a relao de troca entre o chefe do Executivo e sua coalizo tambm relevante, tendo em vista que um conjunto de partidos de posies ideolgicas e preferncias diferentes fazem parte do governo e, consequentemente, controlam rendas.

    Nesse sentido, como essa dinmica poltica afeta a incidncia de corrupo nos municpios brasileiros? Quais so os incentivos para o com-portamento corrupto? Quais os constrangimentos? Como afirmado anteriormente, este artigo procura analisar o poder explicativo de quatro caractersti-cas especificas da dinmica de competio: o meca-nismo da reeleio; a competitividade da eleio; a estrutura da oposio; e as coalizes.

    Da relao entre o governo e os eleitores sur-gem os incentivos advindos do mecanismo da re-eleio. No Brasil, os chefes do Poder Executivo, incluindo os prefeitos, adquiriram o direito de concorrer reeleio a partir de 1997. Indepen-dentemente do desacordo em torno da definio de democracia, esta necessariamente envolve a ligao entre representantes e representados, e tal ligao tem seu momento crucial nas eleies (Powell, 2004). Tendo isso em mente, o mecanismo da ree-leio representa a possibilidade de os eleitores ava-liarem o comportamento de seus representantes e decidirem por reconduzi-los ao cargo ou negarem--lhe sua confiana. Considerando que a eleio para prefeito nos municpios brasileiros uma eleio majoritria, mas que envolve a formao de coali-zes, qual o incentivo da reeleio sobre o compor-tamento dos governantes?

    Como j exposto, Persson, Tabellini e Trebbi (2003) e Kunicov e Rose-Ackerman (2005) argu-mentam que nos sistemas majoritrios as eleies

    tm efeitos negativos sobre o comportamento cor-rupto dos governantes. Isto , ao antecipar a ava-liao negativa pelo eleitorado no momento da eleio, os governantes restringiriam a corrupo. Especificamente no caso brasileiro, Ferraz e Finan (2007) seguem tal lgica de argumentao, apon-tando o mecanismo da reeleio como um cons-trangimento ao comportamento corrupto.2 Nesse sentido, espera-se que a expectativa da reeleio constranja o comportamento corrupto de prefeitos em primeiro mandato.

    A segunda caracterstica da dinmica poltica a ser considerada a competitividade da eleio. Eleies mais ou menos competitivas indicam o grau de incerteza que o candidato tem quanto sua prpria eleio. Chang (2005) argumenta que a incerteza eleitoral pode aumentar a corrupo, a partir da extrao de renda pelos governantes ten-do em vista fins eleitorais. Contudo, numa eleio majoritria o candidato a prefeito no compete com candidatos do mesmo partido. Desse modo, a incerteza eleitoral pode significar uma restrio ao comportamento corrupto, uma vez que a corrup-o pode ocasionar a perda de votos pelo candidato.

    A terceira caracterstica da dinmica poltica diz respeito estrutura da oposio. O governo de-mocrtico pressupe que os partidos fora do gover-no desempenhem uma funo de monitoramento. Contudo, devem-se analisar os incentivos e tam-bm a capacidade de tais partidos para tanto (Ku-nicov e Rose-Ackerman, 2005). Assim, argumen-to que oposies menos fragmentadas devem gerar constrangimentos para o comportamento corrupto dos governantes.

    A ltima caracterstica da dinmica poltica a ser considerada a estrutura das coalizes. Kunicov e Rose-Ackerman (2005) ressaltam o papel impor-tante dos governos de coalizo, algo muitas vezes ig-norado pelos pesquisadores da rea. Contudo, para alm dos incentivos da simples existncia de gover-nos de coalizo sobre a incidncia de corrupo, busco entender o impacto da estrutura das coalizes sobre a corrupo. Argumento que um governo de coalizo deve ser entendido como um governo com vrios partidos no poder. Dessa forma, vrios partidos com controle de rendas e oportunidade de extrao de forma corrupta. Assim, coalizes com

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    muitos partidos podem significar maior incidncia de corrupo. A terceira seo deste trabalho pe tais argumentos a teste. Contudo, um estgio cru-cial de trabalhos empricos sobre corrupo o pro-cesso de operacionalizao do conceito. Expor tal processo o objetivo da prxima seo.

    Mensurando a corrupo nos municpios brasileiros

    Como a corrupo nos municpios brasileiros pode ser mensurada? Qual a incidncia de tal fen-meno? Com base nas auditorias feitas pela CGU, procuro responder a tais questionamentos. Por isso, esta seo apresenta a metodologia das auditorias, a estratgia de classificao adotada e a incidncia do que pode ser considerado corrupo no Brasil.

    A CGU um rgo do governo federal vincu-lado presidncia da Repblica. Criada em 2001, a CGU busca coordenar numa nica estrutura organizacional as funes de controle, correio, preveno da corrupo e ouvidoria. Suas compe-tncias, definidas na Lei n 10.683 de 2003, dizem respeito a defesa do patrimnio pblico, controle interno, auditoria pblica, transparncia no uso do dinheiro pblico, correio, preveno e combate da corrupo.

    Interligando suas principais competncias num nico programa, a CGU passou a partir de 2003 a adotar o Programa de Fiscalizao com base nos Sorteios Pblicos. O objetivo do programa fiscali-zar o uso de recursos das transferncias do governo federal pelas unidades subnacionais. Para definir de forma isenta os estados e municpios que sero fis-calizados, a CGU emprega o sistema de sorteio das loterias da Caixa Econmica Federal.

    Os Sorteios tiveram incio em 2003 para os mu-nicpios e atualmente a CGU est no 31 Sorteio. O programa j avaliou programas de 1.811 municpios, correspondendo a 32,55% do total, e aproximada-mente R$13,8 bilhes de reais (CGU, 2011).

    Sessenta municpios so sorteados a cada vez. Em sua estrutura inicial, fazem parte do sor-teio municpios com at 500 mil habitantes. Em cada municpio, os auditores analisam as contas e fazem inspeo fsica de obras e servios realiza-

    dos com recursos de transferncias federais. Alm disso,, faz-se contato com a populao e os audi-tores analisam tambm denncias da mdia local. Concludo o relatrio consolidado de auditoria das contas, o gestor tem oportunidade de se posicionar quanto s irregularidades constantes no relatrio. Depois desse procedimento, os auditores divulgam seu posicionamento quanto justificativa fornecida e os relatrios finais so divulgados para a mdia e a populao em geral.

    Entre 2004 e 2008 a CGU conduziu auditorias nos estados brasileiros, perfazendo um total de 77 auditorias, analisando as contas de um montante de R$ 8,2 bilhes em transferncias federais. Adi-cionalmente, a partir de 2007a CGU passou a au-ditar as capitais e os grandes municpios e em 2008 e 2009 fez sorteios especiais para analisar as contas dos municpios beneficiados pelo Programa de Ace-lerao do Crescimento (PAC) (CGU, 2011).

    Para cada um dos municpios analisados em cada Sorteio, a CGU elaborou um relatrio apre-sentando a descrio das impropriedades e das ir-regularidades encontradas. Tal relatrio descreve o mau uso de recursos pblicos pela gesto atual e tambm referente aos dois anos anteriores audito-ria. Este artigo concentra-se nos 14 sorteios iniciais, para auditoria dos pequenos municpios, feitos en-tre 2003 e 2004. O banco de dados tem por base informaes disponibilizadas por Francisco Ramos do Departamento de Economia da UFPE que, com sua equipe, categorizou todas as irregularidades apresentadas nos relatrios de avaliao disponibi-lizados no site da CGU. Com base em tais descri-es, foi possvel categorizar os relatos chegando seguinte lista de grupos de irregularidade.

    O quadro apresenta a tipologia de irregularida-des, num total de dezenove tipos de irregularidades, subdivididas em dois tipos: corrupo e m gesto. A construo desta tipologia tem por base a classifi-cao de Francisco Ramos na construo da base de dados, apenas subdividindo o grupo em corrupo e m gesto.

    A subdiviso em corrupo e m gesto segue a seguinte lgica: o primeiro caso envolve irregula-ridades no uso de recursos pblicos para fins priva-dos. Nesse caso, a irregularidade no envolve falhas na gesto ou na administrao dos recursos, e sim o

  • INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPO 95

    uso deliberado de recursos pblicos para atividades outras. Sendo assim, a anlise emprica da corrup-o busca a correspondncia entre o indicador e o conceito acima exposto.

    No segundo caso, m gesto, trata-se de falhas na execuo dos programas, que acarretam impac-tos negativos, mas que no envolvem o ganho pri-vado como no primeiro caso. Alm disso, os casos de m gesto se diferenciam tambm devido gra-vidade da irregularidade. A corrupo se caracteriza como uma irregularidade grave, geralmente asso-ciada a grandes somas de recursos pblicos que so desviadas para atividades outras que no o servio pblico em questo.

    Uma crtica que pode ser feita a essa classifica-o a de que a corrupo de fato s existe quan-do a autoridade responsvel assim o indica. Isto , quando h uma sentena indicando o ato corrupto, sem possibilidade de reverso. Contudo, essa cr-tica poderia gerar um problema adicional, j que essa no seria uma medida de corrupo, e sim de ativismo do Judicirio. Nesse sentido, optou-se por analisar os resultados das auditorias como uma aproximao a um fenmeno complexo, o qual por definio no facilmente identificvel.

    Com base em tal tipologia, apresenta-se a inci-dncia de corrupo e de m gesto nos municpios brasileiros. Dos catorze primeiros sorteios, que cor-

    Quadro 1Tipologia de Irregularidades

    Categoria Descrio

    CORRUPOSuperfaturamento Os preos pagos esto acima do valor de mercado

    Licitao A licitao apresenta prticas irregulares como direcionamento e ausncia de concorrncia

    Qualificao Qualificao inadequada de pessoal responsvel pela execuo do recurso/implementao da poltica

    M GESTO

    Infraestrutura Ausncia de infraestrutura na execuo do recurso

    Falha na Contrapartida O municpio no disponibiliza a contrapartida referente ao municpio ou a transferncia apresenta impropriedades

    Contrato Irregularidades no contrato de repasse

    Falha Execuo Falha na execuo do programa/projeto

    Gesto Inadequada Gesto do bem/obra inadequada

    Despesa sem Empenho Execuo de despesas sem empenho

    Imposto Falha no pagamento dos impostos

    Prestao de Contas Falha no processo de prestao de contas

    Falha nos Benefcios Falha na execuo de projetos acarretando problemas no repasse dos benefcios

    Pagamento Indevido Forma de pagamento usada indevida de acordo com a contratao

    Reciprocidade Vinculao nas vendas

    Falha no Conselho/Comisso Falha na atuao do Conselho ou da Comisso no controle das atividades previstas no programa

    Conta Corrente Falha na administrao dos recursos monetrios

    Liberao Falha na comunicao entre os atores para a liberao do recurso

    Desperdcio Falha no controle de estoque acarretando desperdcio

    Sem Classificao Irregularidades no classificadas

  • 96 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N 82

    respondem aos municpios auditados entre 2003 e 2004, resultaram 710 municpios e um total de 42.874 irregularidades.

    O Grfico 1 apresenta a incidncia de corrup-o e de m gesto nos municpios analisados en-tre 2003 e 2004. Nota-se que a incidncia de m gesto muito mais frequente do que a de corrup-o. Ou seja, em torno de 80% das irregularidades encontradas pela CGU se referem a casos de m gesto. Por conseguinte, aproximadamente 20% das irregularidades podem ser consideradas casos de corrupo, significando o uso de recursos pblicos para ganhos privados pelos agentes do governo. A seguir pode ser observada a incidncia por tipo de irregularidade.

    O Grfico 2 mostra que o tipo de irregulari-dade mais frequente a falha na execuo do pro-grama ou obra. Tal categoria mostra-se bastante heterognea, incluindo desvio de finalidade dos re-cursos (uso em outras atividades que no a estabele-cida no programa de trabalho), execuo parcial ou no execuo das atividades previstas.

    Em seguida, como irregularidades mais co-muns, observamos falhas no processo licitatrio, como direcionamento em licitaes para empre-sas especficas, licitaes sem o mnimo de trs

    empresas concorrentes e falhas na documentao ou elegibilidade das empresas. Como se pode ver, aparecem falhas consideradas mais graves, como direcionamento, e falhas que poderiam no neces-sariamente ser consideradas corrupo, como falhas na documentao. Contudo, tais falhas podem pos-teriormente ser consideradas graves, porm a audi-toria da CGU ainda no oferece provas suficientes para tanto. Dessa forma, decidiu-se aqui por incluir falhas no processo licitatrio como indcio de cor-rupo, j que se trata do momento mais sensvel a tal ato na relao entre atores estatais e privados para a alocao de recursos do governo.

    Em seguida, aparecem falhas na prestao de contas dos recursos recebidos pelos municpios do governo federal, a gesto inadequada dos recursos e falhas no repasse dos benefcios para a populao--alvo. As principais falhas encontradas na prestao de contas so a documentao irregular e o des-cumprimento dos prazos estabelecidos. Os casos mais comum de gesto inadequada dos recursos so a subutilizao dos produtos do programa ou da obra, a no localizao de bens ou beneficirios ou o desvio de finalidade dos produtos do progra-ma ou da obra, como o uso de um nibus escolar no transporte de funcionrios do governo. J as ir-regularidades no repasse para o pblico-alvo se re-ferem a problemas como o recebimento indevido ou duplo recebimento, falhas em cadastramento ou no controle sobre a contrapartida dos beneficirios (presena escolar, por exemplo) e irregularidades na documentao ou no cadastro.

    Ainda com um nmero expressivo de irregu-laridades aparecem falhas no funcionamento dos conselhos consultivos, falha na administrao mo-netria e superfaturamento. Falhas no Conselho/Comisso dizem respeito a irregularidades na atu-ao dos mecanismos de controle, principalmente do controle social. So geralmente associadas ao no estabelecimento da instituio ou a seu funcio-namento inadequado. Falhas na administrao mo-netria referem-se majoritariamente no aplicao de recursos ou pagamentos que deveriam ser parce-lados, mas foram pagos integralmente. Superfatura-mento um dos casos classificados como corrupo e se refere ao pagamento a mais, constatado pela CGU como pagamento acima do valor de mercado

    Grfico 1Corrupo e M Gesto nos Municpios Brasileiros

    M Gesto Corrupo

    ,8

    ,6

    ,4

    ,2

    0

  • INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPO 97

    Fonte: Elaborao prpria.

    Grfico 2Incidncia por Tipo de Irregularidade

    15,000

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    5,000

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    Grfico 3Total de Irregularidades por Ministrio Gestor

    15,000

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    Fonte: Elaborao prpria.

  • 98 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N 82

    Grfico 4Total de Irregularidades por Ministrio Gestor

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    Corrupo M Gesto

    Fonte: Elaborao prpria.

    pelo governo a fornecedores provados. As demais irregularidades apresentam baixa incidncia. Os grficos 3 e 4 apresenta a incidncia total de irregu-laridades (corrupo + m gesto) e de corrupo e m gesto por Ministrio gestor.

    Como pode ser visto, grande parte dos casos de corrupo e de m gesto est nos recursos transfe-ridos para a rea de sade e de educao, seguidos por desenvolvimento social, desenvolvimento agr-rio, integrao nacional e cidades. Vale salientar que a leitura desses dados deve considerar sempre que as auditorias da CGU analisam recursos de trans-ferncias federais para os municpios, ento de esperar que esses ministrios apresentam maior in-cidncia de irregularidades, j que grande parte dos recursos transferidos para os municpios destinam--se a essas reas. O Grfico 4 apresenta a incidncia de corrupo e m gesto por Ministrio. Nota-se que casos de m gesto so mais frequentes. Os re-cursos administrados pelos Ministrios da Sade e da Educao, apesar do grande nmero de irre-gularidades, no apresentam proporo igualmen-te expressiva de casos de corrupo. O Grfico 5 apresenta os municpios analisados de acordo com a incidncia de corrupo e m gesto.

    O Grfico 5 subdividido em quatro qua-drantes: o quadrante superior esquerdo indica os municpios com alta incidncia de corrupo e baixa incidncia de m gesto e o quadrante infe-rior esquerdo indica os municpios com baixa cor-rupo e baixa m gesto. No lado direito da fi-gura, no quadrante superior, temos os municpios com alta corrupo e alta m gesto e no quadran-te inferior, com baixa corrupo e alta m gesto. Nota-se que o quadrante com o maior nmero de casos o de municpios com baixa corrupo e baixa m gesto. Contudo, os demais quadran-tes apresentam um nmero de casos significativo. Ainda mais interessante notar no Grfico 5 que uma relao linear no clara. Isto , apesar da re-lao entre corrupo e m gesto ser positiva, no h indcios de que m gesto e corrupo neces-sariamente caminhem juntas. Dessa forma, a m gesto pode no ser causa necessria da corrupo, como alguns argumentam. Significa tambm que os dois fenmenos podem apresentar causas dife-rentes. O objetivo da prxima seo justamente identificar os fatores explicativos da corrupo, com foco na dinmica de competio poltica nos municpios brasileiros.

  • INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPO 99

    Dinmica poltica e corrupo

    Como diferentes aspectos da dinmica polti-ca incentivam ou constrangem o comportamento corrupto, mantendo outros fatores constantes? Esta seo procura responder tal questionamento com foco nos municpios brasileiros.

    Os dados de corrupo aqui tratados so das auditorias conduzidas pela CGU entre 2003 e 2004, o que significa que programas implementa-dos pelos municpios com recursos federais a partir de 2001 foram auditados. Dessa forma, as informa-es da dinmica de competio so referentes ao processo eleitoral de 2000.

    Varivel dependente

    O fenmeno que se pretende explicar aqui a probabilidade de o agente poltico agir de forma corrupta. Porm, como uma forma de incluir toda a variabilidade observada nos municpios brasilei-ros, o foco est no nmero de casos de corrupo identificados no muncipio. Assim, com base na

    classificao acima apresentada dos casos de cor-rupo, a varivel que se tenta explicar o nmero de casos de corrupo por municpio.

    Variveis independentes

    Para analisar o impacto da competio polti-ca sobre a corrupo, o fenmeno foi desagrega-do em quatro caractersticas especficas: reeleio, margem de vitria, fora da oposio e estrutura das coalizes.

    Reeleio

    O mecanismo da reeleio representa a possi-bilidade de os eleitores avaliarem o comportamento de seus representantes e decidirem por reconduzi--los ao cargo ou negarem-lhe sua confiana. Dessa forma, o mecanismo da reeleio funciona como um constrangimento ao comportamento corrupto. Nesse sentido, espera-se que a expectativa da reelei-o constranja o comportamento corrupto de pre-feitos em primeiro mandato.

    Grfico 5Corrupo e M Gesto nos Municpios Brasileiros

    100

    80

    60

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    0

    Corrupo

    M Gesto

    0 20 40 60 80 100

    Fonte: Elaborao prpria.

  • 100 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N 82

    Com dados do IBGE, Perfil dos Municpios Brasileiros, foi possvel identificar se o prefeito esta-va no exerccio do primeiro ou do segundo manda-to. Dessa forma, a varivel reeleio constitui-se numa varivel dummy, assumindo 0 quando o pre-feito est exercendo o primeiro mandato e 1 quan-do est exercendo o segundo.

    H1: Prefeitos no exerccio do segundo mandato aumentam a corrupo.

    Margem de vitria

    As eleies para prefeito nos municpios bra-sileiros se caracterizam como eleies majoritrias. Sendo assim, a competitividade eleitoral, por au-mentar a incerteza do resultado das eleies, pode representar uma restrio ao comportamento cor-rupto, uma vez que a corrupo pode ocasionar a perda de votos pelo candidato.

    Para identificar o nvel de competitividade das eleies foi usado como proxy a margem de vitria, que a porcentagem dos votos vlidos recebidos pelo prefeito. Espera-se que candidatos que no en-frentaram incerteza cometam mais atos corruptos. Os dados eleitorais para as eleies municipais do ano de 2000 foram obtidos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

    H2: Quanto maior a margem de vitria, maior a corrupo.

    Fora da oposio

    O governo democrtico pressupe que os par-tidos fora do governo desempenhem uma funo de monitoramento. Contudo, devem-se analisar os incentivos e tambm a capacidade de tais par-tidos para tanto. Nesse sentido, dois argumentos so possveis no que concerne ao papel desempe-nhado pela oposio. O primeiro o de que um grande nmero de parlamentares na oposio ao prefeito pode aumentar os custos do ato corrupto, tendo em vista o grande nmero de vigilantes. J o segundo argumento o de que oposies menos fragmentadas devem gerar constrangimentos para o comportamento corrupto dos governantes, tendo em vista que o menor nmero de partidos reduz os custos da ao coletiva.

    Para a construo dos dois indicadores foram usados dados do TSE. Para o primeiro caso foi iden-tificado o nmero de parlamentares na oposio e, para o segundo, o nmero de partidos na oposio ponderado pelo nmero total de vereadores.

    H3: Quanto maior o nmero de parlamentares na oposio, menor a corrupo.

    H4: Quanto maior o nmero de partidos na opo-sio, maior a corrupo.

    Coalizo

    O presidencialismo de coalizo brasileiro em muito vem chamando a ateno da literatura es-pecializada. Contudo, pouco se sabe sobre a es-trutura e o papel das coalizes no nvel municipal e tambm sobre seu impacto sobre a corrupo. Aqui procuro explorar tal tema incorporando a estrutura da coalizo no municpio como fator re-levante. Argumento que um governo de coalizo deve ser entendido como um governo com vrios partidos no poder. Nesse sentido, vrios partidos com controle de rendas e oportunidade de extra-o de forma corrupta. Dessa forma, coalizes com muitos partidos podem significar maior incidncia de corrupo.

    Porm, dados sobre as coalizes municipais no esto disponveis. E por se tratar de coalizes em municpios pequenos, a informao no est disponvel nos sites das prefeituras. Por isso, para incluir um indicador da fragmentao do gover-no foi usado o nmero de partidos que fizeram parte da coligao eleitoral e conseguiram repre-sentao na Cmara de Vereadores como proxy da coalizo governativa. Os dados das coligaes e da representao por partido so disponibilizados pelo TSE.

    H5: Quanto maior o nmero de partidos no go-verno, maior a corrupo.

    Variveis de controle

    Por ser a corrupo um fenmeno complexo, multicausado e de difcil explicao, qualquer ten-tativa de estabelecer uma relao de causalidade ser bastante limitada. Para diminuir tal problema foi includa uma srie de variveis de controle:

  • INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPO 101

    Base de apoio: um indicador que reflete o n-mero de parlamentares da coalizo governativa ponderado pelo nmero total de vereadores. Os dados fora obtidos no TSE.

    Esquerda: constitui-se numa varivel dummy indicando governos cujo partido do prefeito de esquerda. A classificao do governo como de esquerda foi obtida em Power e Zucco (2009).

    Sorteio: refere-se ao nmero de ordem do sorteio da CGU. Busca controlar pela institu-cionalizao ou aprendizado da prpria CGU para identificar casos de corrupo.

    Ressorteado: identifica os municpios sortea-dos e cujas contas foram auditadas mais de uma vez.

    Valor fiscalizado: significa o valor total envolvi-do nos programas fiscalizados pela CGU, que forneceu os dados.

    M gesto: inclui o nmero de casos de m gesto encontrados no municpio.

    Densidade: densidade demogrfica em 2000. IDH: ndice de Desenvolvimento Humano

    em 2000. Funcionrios estatutrios da administrao di-

    reta: remete qualidade da administrao p-

    blica, sendo medida pelo nmero de servido-res estatutrios, ponderado pelo nmero total de funcionrios. Os dados foram obtidos no IBGE, Perfil dos Municpios Brasileiros.

    Funcionrios estatutrios da Cmara de Ve-readores: remete qualidade da assessoria aos vereadores, sendo medida pelo nmero de ser-vidores estatutrios, ponderado pelo nmero total de funcionrios. Os dados foram obtidos no IBGE, Perfil dos Municpios Brasileiros.

    Meio de comunicao: constitui-se num ndi-ce que varia de 0 a 4, onde 0 representa ne-nhum meio de comunicao e 4 representa a existncia de televiso, rdio, internet e jornal. Os dados foram obtidos no IBGE, Perfil dos Municpios Brasileiros.

    Resultados

    Como visto acima procura-se aqui analisar o impacto da dinmica poltica sobre a incidncia de casos de corrupo nos municpios brasileiros. Des-sa forma, a varivel dependente consiste no nmero de casos de corrupo por municpio. O Grfico 6 apresenta o histograma da varivel dependente.

    Grfico 6Histograma VD: Incidncia de Corrupo nos Municpios

    0 20 40 60 80

    ,1

    ,08

    ,06

    ,04

    ,02

    0

    Fonte: Elaborao prpria.

  • 102 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N 82

    Como pode ser visto, a varivel dependente aqui trabalhada tem uma especificidade: assume apenas valores inteiros positivos, isto , apresenta uma estrutura de dados de contagem. Dessa forma, por no ser uma varivel contnua e no apresen-tar uma distribuio normal, modelos de regresso de mnimos quadrados ordinrios no se mostram adequados. A classe de modelos a de modelos de contagem, desenhados para levar em considerao a estrutura dos dados analisados.3 A presena de so-bredisperso nos dados indica a no adequao do modelo de Poisson de forma que o modelo adotado o binomial negativo4 (Long e Freese, 2001).

    Foram feitos cinco modelos diferentes, testan-do variaes na incluso de variveis independentes diferentes. Na tabela so indicados os coeficientes e entre parnteses o erro padro robusto com cluster nos estados. Esse procedimento foi feito para levar em considerao que a amostra composta de v-rios municpios de um mesmo estado.5 A Tabela 1 apresenta os resultados.

    Nos modelos acima procuro testar o impacto de quatro caractersticas especficas da dinmica de competio poltica sobre a incidncia de corrup-o nos municpios brasileiros: reeleio, coalizo, oposio e margem de vitria.

    A varivel reeleio apresenta resultados signi-ficativos nos cinco modelos apresentados, indican-do que prefeitos no exerccio do segundo mandato cometem mais atos corruptos. Especificamente, espera-se que prefeitos em segundo mandato come-tam dois casos de corrupo a mais do que prefeitos em primeiro mandato.6 Isto , j no segundo man-dato, o prefeito no tem os incentivos para o bom comportamento advindos dos custos da corrupo numa disputa eleitoral majoritria. Nesse sentido, o argumento da perspectiva de um processo eleito-ral como constrangimento sobre o comportamento corrupto testado para o caso brasileiro por Ferraz e Finan (2007) tambm aparece neste teste.

    A varivel margem de vitria apresenta o sinal esperado e fortemente significativa em todos os modelos apresentados. De acordo com esse resul-tado, quanto maior a margem de vitria do pre-feito (menor a competitividade da eleio), mais corrupo. Com alta margem de vitria, o prefeito no enfrenta incerteza no momento eleitoral, apre-

    sentando uma forma de dominncia poltica. Nessa situao, h maiores incentivos para a corrupo, j que o medo de perder a eleio no est presente para restringir o comportamento corrupto.

    A varivel nmero de partidos na coalizo e suas variantes, nmero de partidos na coligao e tamanho da base de apoio, no apresenta resultados robustos. O nmero de partidos da coalizo (NP-Coalizo) aparece com sinais diferentes, dependen-do da especificao do modelo, mostrando os pro-blemas de tal varivel. Adicionalmente, o nmero de partidos da coligao e o tamanho da base de apoio do prefeito no parecem corroborar a hip-tese de que quanto maior a fragmentao do gover-no, maior o nmero de casos de corrupo. Vale ressaltar os problemas de mensurao das variveis includas, de modo que esta hiptese ainda precisa de melhor anlise para ser descartada.

    J tamanho da oposio (NOposio) apresen-ta significncia estatstica, mas o sinal positivo se mantm em todos os modelos. A hiptese inicial-mente aventada espera que quanto maior a oposi-o menor a corrupo, j que a oposio no seu papel de vigilante restringiria o comportamento corrupto do governo. Contudo, possvel tambm pensar que um governo com base de apoio restrita e uma oposio numerosa pode usar as rendas extra-das do governo de forma corrupta para distribuir no s entre a coalizo, mas tambm para conquis-tar o apoio de membros da oposio. Tal resultado merece anlise mais aprofundada, mas pode estar indicando que o sistema de barganhas entre gover-no e oposio faa com que a corrupo aumente com a necessidade de compra do apoio da oposi-o. A varivel que testa o efeito da fragmentao da oposio no apresenta significncia estatstica.

    Com relao s principais variveis de contro-le, necessrio enfatizar o efeito da instituciona-lizao do prprio programa de fiscalizao que apresenta resultado positivo e robusto em todos os modelos. Parece haver um efeito aprendizagem da prpria CGU, j que com a evoluo dos sorteios aumentou o nmero de casos de corrupo identi-ficados. Alm disso, a varivel m gesto tambm apresenta resultados positivos. Foi includa ainda a varivel que indica se o municpio est sendo audi-tado pela segunda vez. Esse caso possvel porque

  • INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPO 103

    Tabela 1Dinmica de Competio Poltica e Corrupo

    Varivel Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5

    Constante1.898***(.516)

    2.091***(.537)

    2.060***(.501)

    2.220***(.568)

    2.129***(.516)

    Reeleito.180**(.093)

    .179**(.092)

    .182**(.094)

    .182**(.094)

    .160*(.088)

    Margem Vitria.000**(.000)

    .000**(.000)

    .000**(.000)

    .000**(.000)

    .000**(.000)

    NPCoalizo.009(.044)

    .003(.048)

    -.003(.047)

    Coligao .009(.021)

    Base Apoio -.015(.036)

    NOposio.031**(.013)

    .024*(.014)

    .025**(.013)

    .015(.020)

    NPOposio .030(.028)

    Esquerda-.053(.115)

    -.044(.115)

    -.047(.114)

    -.041(.117)

    -.035(.115)

    Sorteio.093***(.014)

    .089***(.014)

    .088***(.013)

    .089***(.013)

    .088***(.014)

    Ressorteado-.304***(.278)

    -.258(.287)

    -.258(.287)

    -.248(.282)

    -.262(.291)

    Valor1.22(1.03)

    1.19(1.01)

    1.15(1.00)

    1.23(1.05)

    1.19(1.02)

    M Gesto.010***(.001)

    .009***(.002)

    .009***(.002)

    .009***(.001)

    .009***(.002)

    Densidade.000*(.000)

    .000***(.000)

    .000***(.000)

    .000***(.000)

    .000***(.000)

    IDH-1.739***(.585)

    -2.105***(.619)

    -2.104***(.615)

    -2.129***(.603)

    -2.062***(.592)

    Func. Adm. .254(.187)

    .262(.184)

    .251(.187)

    .251(.187)

    Func. Cmara -.341*(.198)

    -.345*(.194)

    -.345*(.196)

    -.336(.211)

    Meios Comun. .073(.045)

    .069(.042)

    .084*(.045)

    .082*(.045)

    Atv. Culturais -.002(.053)

    -.003(.053)

    .005(.054)

    .000(.052)

    Log pseudo-likelihood -2307.2244 -2297.1999 -2297.1281 -2297.065 -2304.7422

    Wald chi2 448.81*** 1028.85*** 1068.88*** 1208.81*** 1025.11***

    /lnalpha.177(.063)

    .168(.061)

    .168(.061)

    .167(.060)

    .165(.061)

  • 104 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N 82

    o municpio volta para o plano amostral depois de um determinado nmero de sorteios. Esperava-se que o fato de j ter passado por uma auditoria e ter irregularidades divulgadas fizesse com que o nme-ro de casos de corrupo casse. De fato, o sinal da varivel negativo, contudo no significante.

    Como variveis contextuais dos municpios, foram includas a densidade demogrfica e o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH). A densida-de demogrfica est associada a maiores nveis de corrupo. Como esperado, o IDH dos municpios reduz a corrupo. Um municpio que apresente o valor mximo no ndice ter vinte casos a menos de corrupo.

    Governos de esquerda apesar de apresentarem sinal negativo no apresentam significncia estatsti-ca. Como forma de controle tambm foram inclu-das variveis referentes qualidade dos funcionrios no municpio e mdia e a disponibilidade de ati-vidades culturais nos municpios. Como resultado relevante podemos destacar que o maior nmero de funcionrios estatutrios na Cmara diminui a corrupo. Esse resultado apenas minimamente significativo, mas pode indicar que a qualidade da assessoria no Legislativo pode ser uma forma de aju-dar esse Poder a controlar as aes do governo. J com relao aos meios de comunicao e atividades culturais, o resultado no o esperado. Isso porque a maior disponibilizao e acesso informao so variveis clssicas para identificar a capacidade dos cidados de controlar o governo. Contudo, ao que parece, a maior difuso de tais oportunidades no gera maior controle da corrupo.

    As estimativas do modelo como um todo so apresentadas na parte inferior da Tabela 1. O Log pseudo-likelihood reportado devido ao uso do erro padro robusto. O Wald chi2 dos cinco modelos indica a significncia do modelo como um todo.

    Lnalpha e alpha so o log do parmetro de sobredis-perso e o valor no transformado, respectivamente.

    Estes resultados no se propem a ser conclusi-vos, sendo a anlise ainda exploratria de um tema complexo e de difcil anlise. Contudo, procura-se contribuir para o debate para mostrar que manten-do os demais fatores constantes, caractersticas da dinmica de competio como a reeleio e a mar-gem de vitria importam para explicar a corrupo nos municpios brasileiros.

    Concluso

    A corrupo vem cada vez mais chamando a ateno do debate especializado e tambm dos no-ticirios brasileiros. Esforos para explicar o por-qu da incidncia de tal fenmeno sofrem com a dificuldade de operacionalizar e analisar empirica-mente uma transao que por definio no deixa informaes claras.

    O incio das auditorias da CGU em 2003 pro-porciona uma oportunidade mpar para a anlise da corrupo com base em informaes que no fazem uso de medidas de percepo do fenmeno. Usando tais informaes, este trabalho tentou con-tribuir para o conhecimento dos determinantes da corrupo no Brasil, enfatizando aspectos da din-mica de competio poltica como fatores explica-tivos. Pela anlise emprica, foi possvel identificar que o mecanismo da reeleio e a margem de vit-ria contribuem para a explicao da corrupo.

    Contudo, necessrio maior desenvolvimento nas variveis que captam os efeitos da oposio e da coalizo para de fato comprovar seu papel na explicao da corrupo. Adicionalmente, foi ates-tado o papel do desenvolvimento do municpio, atravs do IDH, para a diminuio da corrupo.

    alpha1.193(.076)

    1.183(.072)

    1.182(.073)

    1.182(.071)

    1.179(.072)

    N 695 693 693 693 695

    * sig. a 0,10; ** sig. a 0,05, *** sig. a 0,01.

    Coeficientes apresentados. Erro padro robusto entre parnteses

  • INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPO 105

    Busca-se assim contribuir, ainda que de forma ex-ploratria e inicial, para o entendimento dos me-canismos explicativos da relao entre competio poltica e corrupo.

    Notas

    1 Discusso mais aprofundada sobre as definies de corrupo e a relao entre instituies polticas e corrupo foi feita em trabalho anterior. Cf. Batista e Marques (2012).

    2 Pereira, Melo e Figueiredo (2008) identificam o corrution-enhancing role of re-election incentives. Os autores, analisando os municpios do estado de Pernambuco, argumentam que quando a utilidade esperada da extrao de rendas alta, a expectativa de eleio no tem impacto negativo sobre a corrup-o. Isso ocorre quando a probabilidade de deteco da corrupo baixa. Adicionalmente, os governantes corruptos podem tentar a reeleio porque estar no poder oferece proteo contra sanes futuras.

    3 Esta opo de modelo tambm usada por outros tra-balhos que analisam os dados da CGU. Ver Albuquer-que e Ramos (2006), Henrique e Ramos (2011), Leite (2010), Melo, Leite e Rocha (2011).

    4 Mdia 11,07, Varincia 200,085. Por economia de espao a mdia e a varincia condicionais no so re-latadas, mas tambm apresentam sobredisperso.

    5 O comando nbreg com robust cluster do Stata 12 foi usado para fazer os testes. Para o uso do Stata para a anlise de dados de contagem ver Long e Freese (2001).

    6 Os coeficientes no so diretamente interpretveis, mas possvel identificar o nmero esperado de casos de acordo com a varivel dependente pelo comando margins do Stata.

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  • 252 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N 82

    INCENTIVOS DA DINMICA POLTICA SOBRE A CORRUPO: REELEIO, COMPETITIVIDADE E COALIzES NOS MUNICPIOS BRASILEIROS

    Mariana Batista

    Palavras-chave: Corrupo; Competio poltica; Instituies; Eleio.

    Por que os polticos praticam atos cor-ruptos? A dinmica de competio polti-ca vem sendo apresentada como um dos principais fatores explicativos da corrup-o. Contudo, para entender os efeitos da competio poltica preciso analisar os diferentes incentivos advindos da di-nmica de competio. Para tanto, o pre-sente trabalho tem por objetivo analisar o poder explicativo de quatro caracters-ticas especficas da competio poltica: competitividade, fora da oposio, ree-leio e estrutura de coalizes. Tal anlise tem por base os sorteios pblicos feitos pela CGU, que propiciaram informaes sobre corrupo numa anlise aleatria dos municpios brasileiros. Os resultados indicam que o mecanismo da reeleio e a margem de vitria contribuem para a explicao da corrupo.

    THE INCENTIVES OF THE POLITICAL DyNAMIC ON CORRUPTION: RE-ELECTION, COMPETITIVENESS AND COALITIONS IN THE BRAzILIAN MUNICIPALITIES

    Mariana Batista

    Keywords: Corruption; Political compe-tition; Institutions; Election.

    Why do politicians practice corrupt acts? The dynamics of political competition has been presented as a major explana-tory factor of corruption. To understand the effects of political competition is, nonetheless, necessary to analyze the dif-ferent incentives arising from the compe-tition dynamics. In order to bring about this analysis, thearticle examines the explanatory power of four specific char-acteristics of political competition: the competitiveness of elections, the strength of the opposition, the mechanism of re-election, and the structure of coalitions. Such analysis is based on reports, made public by the CGU, providing informa-tion about corruption in a random exam of Brazilian municipalities. The results indicate that the mechanism of reelection and the margin of victory in the elections contribute to the explanation of corrup-tion.

    ENCOURAGEMENTS DE LA DyNAMIQUE POLITIQUE SUR LA CORRUPTION : RLECTION, COMPTITIVIT ET COALITIONS DANS LES COMMUNES BRSILIENNES

    Mariana Batista

    Mots-cls: Corruption; Dispute poli-tique; Institutions; lection.

    Pourquoi les politiciens pratiquent des actes de corruption? La dynamique de la comptition politique est prsente comme lun des principaux facteurs qui explique la corruption. Nanmoins, pour comprendre les effets de la comptition politique, il est ncessaire danalyser les diffrents stimulateurs issus de la dyna-mique de la comptition. Cest pour cela que ce travail a pour but danalyser le pouvoir explicatif de quatre carac-tristiques spcifiques de comptition politique: la comptitivit, la force de lopposition, la rlection et la structure des coalitions. Une telle analyse a pour base les tirages au sort publics raliss par la CGU (NDT: le Bureau du Contrleur Gnral), qui ont permis lobtention dinformations sur la corruption suivant une analyse alatoire des communes br-siliennes. Les rsultats indiquent que le mcanisme de rlection et la marge de victoire contribuent une explication de la corruption.