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INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR E NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DIÁLOGOS
POSSÍVEIS
Os textos deste painel agregam pesquisas concluídas que envolvem, especialmente, o
processo de inclusão de estudantes com deficiência de uma universidade pública; a
concepção de professores a respeito de inclusão em educação, abrangendo uma
universidade brasileira, uma caboverdeana e uma portuguesa, todas públicas e; atos
interativos entre surdos e ouvintes nas aulas de matemática em uma escola regular. O
primeiro, fruto de pesquisa desenvolvida com cinco estudantes com deficiências dos
cursos de Pedagogia, Engelharia de Produção, Letras, Ciência da Computação e História
de uma Universidade pública, analisa a influência dos aspectos atitudinais,
comunicacionais e físicos na formação desses estudantes. Foi realizado um estudo de
caso evidenciando como acontece o processo de inclusão no campo investigado. O
segundo, explora os dados sobre concepção de professores de três universidades a
respeito de inclusão em educação. Participaram da pesquisa 110 docentes, assim
distribuídos: 36 de Brasil, 35 de Cabo Verde e 39 de Portugal. O terceiro, analisa as
implicações da atuação do interprete de Libras para a aprendizagem matemática de
estudantes surdos de uma turma do oitavo ano de uma escola pública com 31 alunos:
entre eles duas alunas eram surdas. As conclusões deste painel mostram avanços e
desafios quanto a inclusão educacional da pessoa com deficiência na Educação Básica e
Superior. O painel permite afirmar que estamos – pesquisadores, professores, estudantes
e demais atores educacionais – num movimento para a construção de uma cultura
inclusiva e que essa edificação se dá a partir de mudanças culturais, políticas e práticas,
no modo de reconhecer e de defender as diferenças humanas.
Palavras-chave: Inclusão. Educação Básica. Educação Superior.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11537ISSN 2177-336X
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INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: PROFESSORES EM FOCO
Mônica Pereira dos Santos - UFRJ
Resumo
O presente artigo objetiva realizar uma discussão sobre os dados parciais de uma
pesquisa encerrada em 2013, de cunho internacional, sobre inclusão na educação
superior. Tratou-se de pesquisa qualitativa comparativa entre uma universidade
brasileira, uma caboverdeana e uma portuguesa, todas públicas. Para a análise dos
dados, utilizamos a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1977; SCHNEIDER e
SCHIMITT, 1998). Pretendemos, aqui, explorar os dados de uma das questões abertas
do questionário semiestruturado aplicado, que indagou a concepção de professores
destas universidades a respeito de inclusão em educação. Participaram da pesquisa 110
docentes, assim distribuídos: 36 brasileiros, 35 de Cabo Verde e 39 de Portugal. Os
resultados apontaram uma concepção de inclusão na qual a palavra “todos”, em
acepções variadas, permeou, majoritariamente, as respostas dos respondentes das três
universidades. Além disso, as palavras cuja frequência veio em segundo lugar variaram,
sendo: “processo”, “educação” e “não” para a universidade brasileira, caboverdeana e
portuguesa, respectivamente. A partir destes dados, indagamos: Quais os sentidos com
que estas palavras foram usadas? Quais as fragilidades e possibilidades a que estas
concepções nos remetem a refletir? Em que medida a inclusão no ensino superior é
possível, tendo em vista a formação dos docentes universitários? Que relações podem
ser estabelecidas com as atuais políticas públicas de educação superior? Vale dizer que
a perspectiva de inclusão aqui adotada não se restringe a pessoas com deficiências,
transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades, mas abrange, também,
quaisquer outros grupos que estejam em situação (potencial ou efetiva) de desvantagem
na universidade.
Palavras-chave: Inclusão em Educação; Ensino Superior; Formação Docente.
Introdução
Desde o ano de 2007, uma rede internacional de pesquisadores vem se reunindo
para pesquisar o tema da inclusão no ensino superior, tomando como campo suas
respectivas universidades, todas públicas. Três equipes têm se mantido constantes nesta
rede, desde então: a do Brasil, por meio da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ; a de Cabo Verde, por meio da Universidade de Cabo Verde -UCV; a da Espanha,
por meio das Universidades de Córdoba- UCO e Sevilha - US. Em 2010 tivemos a
adesão de Portugal, por meio da Universidade de Lisboa - UL, que também tem se
comprometido com a Rede até o presente. Nossos interesses centravam-se em
compreender a dialética inclusão/exclusão na percepção de alunos, professores e
gestores, conforme fosse a pesquisa da vez.
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No ano de 2015, a rede se ampliou e mais seis instituições de ensino superior
brasileiras aderiram à rede (Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do
Piauí, Universidade Estadual do Vale do Acaraúva, Universidade Federal Fluminense,
Universidade Federal de Santa Catarina e Instituto Federal de Santa Catarina), além da
Universidade Católica de Talca (Chile). Em função destas novas adesões e das
especificidades de interesses dos pesquisadores, a Rede transformou-se no Observatório
Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação Pedagógica – OIIIIPe.
Neste artigo, fixaremos nosso olhar na pesquisa encerrada em 2013, que contava
„apenas‟ com as Universidades presentes no estudo de então: UFRJ, UCV, UCO, US e
UL. A pesquisa foi intitulada Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão em Educação
Superior: As Vozes dos Formadores de Professores, e teve por objetivo geral levantar,
descrever e discutir o panorama dos processos de inclusão/exclusão nas referidas
universidades no tocante à construção de culturas, ao desenvolvimento de políticas e à
orquestração de práticas, de inclusão/exclusão, tendo como foco de análise os
professores das mesmas.
Em termos específicos, elegemos cinco objetivos, mas, para efeitos do presente
artigo, exploraremos os dados referentes ao seguinte: investigar a concepção dos
professores sobre os processos de inclusão e exclusão presentes na instituição de ensino
superior em que atuam. O grande problema que nos incitava à investigação naquele
momento era fruto de um dos achados da pesquisa anterior: uma incoerência verificada
entre as propostas curriculares e os discursos e as práticas (docentes e profissionais em
geral).
Dito de outro modo, percebemos que muitas vezes os conteúdos curriculares
apresentavam ementas que consideraríamos como voltadas para a inclusão, embora os
professores encarregados de ministra-las, na visão dos alunos, nem sempre eram
„inclusivos‟. Outras vezes era o contrário: a disciplina não contemplava preocupações
com inclusão, mas seus professores eram relatados como „inclusivos‟ (democráticos,
justos, igualitários).
Deste modo, perguntávamos o porquê desta discrepância e chegamos à hipótese
de que talvez isto se desse por desconhecimento, ou falta de reflexão, sobre o tema da
inclusão no ensino superior. Por este motivo é que optamos pelo foco da pesquisa 2010-
2013 nos docentes dos cursos formadores de professores das universidades
participantes.
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Assim, o objetivo deste artigo é apresentar e discutir os resultados da questão
que, no questionário que utilizamos, era relacionada à concepção de inclusão dos
docentes da referida pesquisa. Tendo em vista a enorme quantidade de dados gerados,
fixaremos nossa análise nas respostas dadas pelos participantes de língua portuguesa:
Brasil, Cabo Verde e Portugal.
Referencial teórico e procedimentos metodológicos
No que tange ao aporte teórico de nossas considerações neste artigo, adotamos a
perspectiva omnilética, que vem sendo desenvolvida por nós há alguns anos e
consolidada com este nome recentemente (SANTOS, 2012).
Esta perspectiva fundamenta-se em conceitos de quatro autores: Booth &
Ainscow (2011) e a tridimensionalidade culturas, políticas e práticas nas e em torno das
quais nossa vida se desenvolve. O terceiro autor é Lukács (2003) e seu conceito de
dialética. O último (mas nem por isso menos importante) autor é Morin (2003, 2006,
2007) e sua proposição do pensamento complexo.
Quanto aos primeiros autores, eles propõem a consideração das três
mencionadas dimensões para a compreensão de processos de inclusão e exclusão nas
escolas, por meio do instrumento que desenvolveram, intitulado Index para a Inclusão:
desenvolvendo a aprendizagem e a participação nas escolas. Este é um instrumento com
o qual vimos trabalhando desde os anos 90, e que tem se mostrado muito útil, em
especial na adoção desta tridimensionalidade. De modo abreviado, Culturas, para eles,
quer dizer valores, crenças, princípios que desenvolvemos e que defendemos,
consciente ou inconscientemente. Políticas são as organizações que promovemos tendo
em vista assegurar direitos humanos. Neste sentido, elas tanto são políticas públicas
quanto as institucionais. E práticas são o que somos, fazemos e como somos e fazemos.
Na omnilética, utilizamos as dimensões com os mesmos sentidos atribuídos
pelos autores, mas também como premissa básica de que a vida humana e social é, o
tempo todo, cultural, política e prática.
Quanto a Lukács, adotamos sua visão de dialética por conta do que ele
acrescenta a ela: a noção de totalidade e suas implicações com a relação sujeito-objeto.
Isto porque, em sua teoria, ela nos remete a considerar os aspectos subjetivos (a relação
sujeito-objeto) da luta revolucionária. Nas palavras do autor:
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O ponto de vista da totalidade não determina, todavia, somente o
objeto, determina também o sujeito do conhecimento. (...) A totalidade
só pode ser determinada se o sujeito que a determina é ele mesmo uma
totalidade; e se o sujeito deseja compreender a si mesmo, ele tem de
pensar o objeto como totalidade (LUKÁCS, 2003, p. 107).
Na omnilética, defendemos que culturas, políticas e práticas interrelacionam-se
dialeticamente em uma espécie de totalidade básica (mas sempre mutante), facilitando
nossa compreensão da vida humana.
No tocante a Morin, incorporamos a complexidade, não apenas porque está em
sintonia com a visão dialética em Lukács e a tridimensionalidade, como também porque
as complementam ao invocar o princípio da incerteza, um dos pilares do pensamento
complexo. Diz Morin:
A incerteza, ou seja, o problema dos limites do entendimento do
observador/conceptor, e talvez do próprio entendimento humano,
amplia-se à escala da universalidade da desordem. Chega a atacar os
fundamentos da lógica, quando surgem as aporias que velam sobre os
mistérios primeiros da origem e da finitude. Finalmente, a incerteza
implanta-se definitivamente no discurso que segue a via da
complexidade, onde se associam por si mesmas noções que deveriam
excluir-se logicamente, a começar por ordem e desordem. E assim,
sob o efeito revelador, no sentido quase fotográfico do termo, da
incerteza, o rosto do observador/conceptor desenha-se em
sobreimpressão sobre a imagem infinita do cosmo que contempla
(1977, p. 87).
Na omnilética, a totalidade e suas incertezas complementam, portanto, a nossa
perspectiva na medida em que, com ela podemos, simplificadamente, defini-la. Trata-se
de um olhar que aceita que somos culturas, políticas e práticas, que estas dimensões
encontram-se em um jogo dialético e dialógico tal que vão formando totalidades
mutantes. Esta mutabilidade é característica muito importante na omnilética porque, se
com ela, por um lado, caímos na responsabilidade de ter que lidar com as angústias
causadas pela incerteza, e imprevisibilidade das mudanças, por outro lado, é graças a ela
que poderemos, também e sempre, vislumbrar novas portas de saída (e de entrada)
daquelas situações que consideramos o problema (ou a solução) da vez.
Em termos metodológicos, a pesquisa caracterizou-se como de cunho qualitativo
e adotou, para o trato analítico dos dados, o método comparativo e a análise de
conteúdo. Quanto ao método comparativo, para Schneider e Schmitt (1998, p. 49) ele:
(...) não se confunde com uma técnica de levantamento de dados
empíricos. O uso da comparação, enquanto perspectiva de análise do
social, possui uma série de implicações situadas no plano
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epistemológico, remetendo a um debate acerca dos próprios
fundamentos da construção do conhecimento em ciências sociais.
Ainda segundo estes autores, há três modos de aplicação da comparação em
pesquisa. O primeiro investiga, sistematicamente, a covariação entre casos, tendo em
vista controlar e gerar hipóteses. O segundo engloba estudos que analisam uma série de
casos tendo em vista compreendê-los por meio da adoção de conceitos e categorias que
formem a base da construção de uma teoria. O terceiro centraliza a análise em torno das
diferenças entre os casos estudados. Em nosso caso, seguimos o terceiro modo de
aplicação.
A Análise de Conteúdo foi utilizada para enriquecer a interpretação das
respostas abertas do questionário, que por sua vez foram quantificados com o auxílio do
software Atlas.TI para análise de textos e dados escritos (verbais). Segundo Schneider e
Schmitt (idem), a análise de conteúdo constitui-se em:
(...) um conjunto de procedimentos que têm como objectivo a
produção de um texto analítico no qual se apresenta o corpo textual
dos documentos recolhidos de um modo transformado. Essa
transformação do corpo textual pode ocorrer de acordo com regras
definidas e deve ser teoricamente justificada pelo investigador através
de uma interpretação adequada (...) pode encarar-se [a análise de
conteúdo] como um procedimento destinado a destabilizar a
integridade imediata da superfície textual, evidenciando os seus
aspectos que não são directamente intuitivos, mas estão presentes
(1998, p.70).
Duas fontes compuseram os dados utilizados na pesquisa: documentos relativos
às políticas institucionais e nacionais referentes a inclusão no ensino superior e
respostas verbais aos questionários. Como dito anteriormente, neste artigo exploraremos
os dados de uma das perguntas abertas do questionário.
Em ambas as fontes de dados, procedemos às técnicas de redução (a), exposição
(b), e conclusão (c) sobre os mesmos (MILES & HUBERMAN, 1984, p. 23-24,
tradução livre), que referem-se, respectivamente: (a) “(...) ao processo de selecionar,
enfocar, simplificar, abstrair e transformar os dados brutos (...)”; (b) “(...) expor os
dados reduzidos de modo organizado e compactado, de maneira a facilitar a extração de
conclusões (...)”; e (c) “ao início do processo de se decidir o que os dados significam,
por meio da observação de regularidades, padrões, diferenças e semelhanças,
explicações, possíveis configurações, fluxos causais e proposições (...)”.
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Assim, iniciamos a análise das respostas da questão foco deste artigo (Como
você define inclusão em educação?) realizando uma contagem de frequência de
evocação de palavras, tendo em vista uma visualização geral daquelas que mais se
repetiam nas universidades dos países lusófonos.
Resultados e Discussão
Na contagem de frequência de evocações de palavras, optamos por considerar,
para efeitos deste artigo, apenas aquelas que obtivessem dez evocações ou mais. Assim,
obtivemos os resultados abaixo:
Quadro 1: Frequência de palavras evocadas dez vezes ou mais
BRASIL (UFRJ) CABO VERDE (UCV) PORTUGAL (UL)
Palavras Número de
ocorrências % Palavras
Número de
ocorrências % Palavras
Número de
ocorrências %
Total: 656 100% Total: 631 100% Total: 567 100%
Todos 15 2,29% todos 19 3,01% todos 17 3,00%
Processo 10 1,52% educação 14 2,22% não 11 1,94% Fonte: elaboração própria
Observa-se que a palavra “todos” foi consensual entre as três universidades
como sendo a mais invocada. Já as segundas palavras mais invocadas variaram, tendo a
universidade brasileira invocado a palavra “processo”, a caboverdeana, a palavra
“educação” e a portuguesa, a palavra “não”.
Assim, tendo em vista o espaço disponível para nossa escrita no presente artigo,
retrataremos, a seguir, nossa compreensão sobre os significados de “todos”, na
expectativa de, em uma próxima oportunidade, trabalharmos os sentidos das palavras
evocadas em segundo lugar em cada universidade.
Os sentidos de “todos”
Uma vez tendo identificado a palavra “todos” como a mais evocada pelos
respondentes das três universidades ao refletirem e responderem como definiam
inclusão em educação, procedemos à identificação, no Atlas.TI, de cada momento em
que a palavra “todos” aparecia, e fomos categorizando os sentidos ali percebidos.
Chegamos a perceber dezoito sentidos para a referida palavra: ligado a acesso
igualitário, a aprendizagem, a características particulares de sujeitos da escola, a
comunidade escolar, a condições, a democracia, a desenvolvimento de cidadania, a
diversidade, a ensino, a incondicionalidade, a oferecimento/doação, a oportunidades, a
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participação, a pertencimento, a qualidade na educação, a ausência de preconceito, a
sensibilidade e a sucesso escolar.
Uma vez identificados os sentidos, fizemos um cruzamento entre eles (ainda
pelo Atlas.TI), e três deles saltaram aos nossos olhos pela frequência com que os
encontramos: incondicionalidade (32 vezes), características particulares (16 vezes) e
oportunidades (11 vezes).
O sentido de incondicionalidade foi atribuído como categoria naquelas falas em
que os respondentes manifestavam a ideia de que inclusão independia de se dirigir a
algum sujeito ou grupo em particular, por referir-se a todos e qualquer um. Vale dizer,
no entanto, que esta categoria se apresentou, igualmente, com vários sentidos, dos quais
destacaremos três:
Incondicionalidade mencionando características particulares de grupos ou
sujeitos: Quando a incondicionalidade ressaltava certas particularidades como exemplo
de sua justificativa. Abaixo, apresentamos alguns exemplos.
TODOS com acesso à educação pública gratuita e de
qualidade, com atendimento às suas especificidades. (UFRJ)
Possibilidade de todos (incluindo as crianças e jovens com
NEE) frequentarem o sistema Educacional, levando em conta
sua cultura, religião, raça, grupo social, gênero e orientação
sexual. (UCV)
Aceitação generalizada e não diferenciada de todo e qualquer
indivíduo independentemente de raça, credo, de toda e qualquer
opção de foro particular. (UL)
Esta associação faz-nos refletir sobre a ainda aparente necessidade de se nomear
os sujeitos da inclusão, mesmo quando se pensa que ela seja para todos. Indagamos se
os respondentes (com exceção, talvez, do exemplo brasileiro) realmente pensam que
inclusão é para todos, na medida em que os grupos e sujeitos especificados já estariam
contemplados na palavra todos...
Incondicional relacionado ao acesso à educação: Aqui encontramos
depoimentos que mencionavam a inclusão como sendo algo incondicional no que tange
ao acesso à educação, como se vê nos excertos seguintes. Aliado a isso, verificamos,
também, a preocupação com a entrada no sistema educacional, ora sem se especificar
grupos ou sujeitos, ora especificando-os, como no caso dos depoentes da Universidade
de Cabo Verde e da Universidade de Lisboa.
Possibilitar o acesso igualitário a todos os alunos. (UFRJ)
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Oportunidade de acesso e evolução a todos,
indiferenciadamente de acordo com suas características
pessoais, físicas e psicológicas. (UCV)
Todos terem acesso à educação independente dos meios
econômicos que podem dispor. (UL)
Independentemente de o acesso ser, de fato, um direito garantido (ainda que, no
ensino superior, tal se dê, majoritariamente, com base no mérito – algo em si mesmo
nada inclusivo), causou-nos espécie o fato de que em nenhum depoimento o acesso foi
aliado à permanência. Isto porque as atuais políticas institucionais destas universidades,
e as políticas públicas de educação de seus países mencionam explicitamente estes
aspectos. Como se tratam de professores universitários, esperávamos que eles tivessem
maior familiaridade com estas políticas, o que, ao que parece, não foi o caso.
Incondicionalidade no tocante às oportunidades que todos devem ter: Nesta
categoria estão as falas de incondicionalidade ligadas às oportunidades e direitos, na
defesa de que ambos precisam ser garantidos. Os exemplos abaixo ilustram a ideia.
É dar igualdade de oportunidades a todos independentemente
das diferenças (gênero, raça, cultura, deficiência e opção
política). (UCV)
Tratamento igual no respeito pela diferença. O ensino é um
direito de todos, independente de raça, sexo, religião ou credo.
Todos os alunos devem ser tratados de igual forma na sala de
aula. (UL)
Dignos de menção neste momento são, uma vez mais, a caracterização de grupos
e sujeitos em suas especificidades (como na fala do respondente da UCV), assim como
a possível contradição do respondente da Universidade de Lisboa, ao dizer, por um lado,
que a oportunidade deve ser garantida porque educação é um direito, mas, por outro
lado, afirmar que todos devam ser tratados de forma igual. Pareceu-nos ainda não haver
clareza quanto ao conceito de igualdade vinculado a inclusão. A igualdade não é de
tratamento, e sim de direitos. O tratamento, para garantir esses direitos, precisa ser
diferenciado, e não igual. Resta comentar ainda que, no caso da universidade brasileira,
não tivemos nenhum respondente que abordasse a incondicionalidade em associação
com oportunidades. Perguntamo-nos o porquê desta ausência: teria sido omissão?
Esquecimento? Falta de informação e conhecimento? Não temos como saber, mas
acreditamos poder ter a ver com a ideia de que oportunidade, no Brasil, adquire, por
vezes, uma conotação paternalista, a qual os colegas possam ter tentado evitar.
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O segundo maior sentido, mencionado acima, para a palavra “todos” foram as
características particulares. Estas foram atribuída quando as falas se remetiam a
exemplificar particularidades humanas que NÃO deveriam servir de base para a
inclusão, como etnia, gênero, religião, etc. Uma vez mais, pudemos identificar
diferentes associações a este sentido. A primeira foi com a já discutida intencionalidade,
e por este motivo não a abordaremos aqui. A segunda foi com oportunidades, como
veremos a seguir.
Características particulares vinculadas a oportunidades: As falas
concentradas aqui faziam referência à ideia de que “todos” eram aqueles que possuíam
certas características específicas (em nosso ver, já não sendo mais todos, portanto), por
causa das quais as oportunidades deveriam ser ofertadas. Vejamos alguns exemplos:
A oportunidade que todos os cidadãos têm de ter acesso à
educação independentemente das suas características físicas,
mentais, sociais. (UCV)
Educação abrangente, dando oportunidades iguais, adequadas
a todos os discentes independentemente das suas diferenças
(assinaladas no ponto 16). (UL)
Chamou-nos a atenção aqui, em especial, o uso do verbo “dar”. Por que o uso
dele, e não, por exemplo, o verbo “garantir” ou “assegurar”, já que se tratam de
direitos? Este padrão irá se repetir ao analisarmos o próximo sentido de “todos”, o de
oportunidades, como veremos mais adiante.
Além disso, chamou-nos também a atenção o fato de que não houve depoimento
de nenhum brasileiro no tocante a este cruzamento de sentidos. Não podemos afirmar
que os professores da amostra brasileira tenham mais informação e estejam mais
conscientes da questão dos direitos, mas vale a pena deixar esta dúvida no ar tendo em
vista futuros estudos.
Por fim, o sentido de oportunidades relacionadas a “todos” foi atribuído àqueles
depoimentos que ligavam inclusão à ideia de um relacionamento e postura igualitários,
por meio dos quais as pessoas devessem ter chances equitativas na vida. No cruzamento
com os outros sentidos, os dois sentidos anteriores (Características particulares e
Incondicionalidade) emergiram como bastante correlacionados. Como estas correlações
foram tratadas quando vimos os outros dois sentidos principais, trataremos apenas da
correlação entre oportunidades e mais um sentido, igualmente forte em correlação com
o tema: o sentido de doação.
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Oportunidades no sentido de doação: Selecionamos, neste sentido de
oportunidades, aquelas falas que, como mencionado anteriormente, muito utilizaram
verbos como “oferecer”, “dar”, “permitir”:
Oferecer a todos oportunidades segundo suas necessidades.
(UFRJ)
Dar possibilidades a todos os jovens ter acesso a este ensino,
criando bolsas de estudo ou ainda isenção de propinas. (UCV)
Permitir que todos tenham acesso à educação
independentemente das suas limitações físicas, psicológicas,
econômicas, sociais, raciais ou outras. (UL)
O que nos causa espécie quando se usa estes verbos para acompanhar a ideia de
oportunidades é a dubiedade que eles causam a este último termo. Numa perspectiva de
inclusão, oportunidades deveriam dizer respeito à organização dos sistemas para a
garantia daquilo a que todos os cidadãos têm direito, independentemente de quaisquer
aspectos particulares. Neste sentido, ela não poderia ser „dada‟ nem „permitida‟. Elas
deveriam, simplesmente, fazer parte do cotidiano das pessoas, sem nenhum sentido de
concessão atribuído a isso. Especulamos que, a despeito de todos os avanços
provocados pelos movimentos sociais clamando pela inclusão de seus representados nas
últimas décadas, no imaginário social ainda se trataria de um favor.
Considerações finais
Intentamos, ao longo deste artigo, analisar as respostas de uma das questões
abertas do questionário aplicado, que indagou a concepção de professores destas
universidades a respeito de inclusão em educação.
A finalidade desta pergunta era a de responder a outras indagações: Quais os
sentidos com que estas palavras foram usadas? Quais as fragilidades e possibilidades a
que estas concepções nos remetem a refletir? Em que medida a inclusão no ensino
superior é possível, tendo em vista a formação dos docentes universitários? Que
relações podem ser estabelecidas com as atuais políticas públicas de educação superior?
Retomaremos, agora, cada uma delas, lembrando à/ao leitor/a que, apesar do título, as
considerações omniléticas nunca são, permanentemente, finais, mas transitórias.
Portanto, são finais apenas para efeitos deste artigo.
Assim, no que tange à pergunta sobre os sentidos da palavra mais evocada,
percebemos que há uma possibilidade de variações, e que três, em especial, se
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destacaram: o sentido de incondicionalidade, de características específicas e de
oportunidades. A análise dos três em relação uns com os outros nos fez perceber
potências e fragilidades.
Como potência, a própria associação de “todos” ao sentido de incondicionalidade e de
oportunidades. São positividades porque podem nos remeter a reconhecer a importância
de uma educação pública universalizada, gratuita e de qualidade para, absolutamente,
qualquer cidadão. Isto refletiria uma congruência entre políticas públicas de educação e
práticas sociais, algo que se aproxima imensamente da ideia de inclusão como aqui
tratamos.
Por outro lado, também percebemos limites quando os sentidos se cruzavam. Por
vezes, a incondicionalidade apresentava características específicas de grupos ou
sujeitos, marcando uma brecha para a condicionalidade. Uma contradição, em si
mesma, de cunho tanto cultural, quanto político, quanto prático. Outras vezes, as
oportunidades vinham marcadas pelos mesmos grupos e sujeitos, uma vez mais abrindo
a possibilidade para que, em um descuido, aquilo que deveria garantir direitos passe a
ser privilégio. Outra consequência bastante destoante de inclusão como um princípio
ético e político.
Nesta direção, se estas percepções limitantes forem generalizadas, as
universidades participantes terão que estar atentas a isso. Afinal, tratam-se de
professores que formam professores e este tipo de visão (e aqui respondemos à terceira
questão, relativa a o quanto a inclusão no ensino superior seja possível) vai contra uma
formação para a inclusão em educação.
Quanto à última pergunta, relativa a possíveis relações que possam ser tecidas
entre estes dados e as atuais políticas públicas de educação superior, podemos dizer que
são relações contraditórias. As atuais políticas primam, cada vez mais, pela
consideração de todos os aspectos relativos à inclusão no cotidiano das universidades.
Temos como exemplo uma série de políticas lançadas nos últimos anos, as quais, em
que pesem as críticas que possamos (e devemos!) fazer às mesmas, encaminham-se
sempre na direção de ampliar este nível de educação à participação, sem discriminação,
de todos (ainda que, paradoxalmente, com base no mérito).
Esperamos, por fim, ter proporcionado aos que nos leem alguns momentos de
reflexão para a compreensão de que, omnileticamente falando, nada é uma totalidade
fechada, mas sempre em aberto. E que, por isso mesmo, o mundo sempre terá jeito, o
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que se aplica, também, ao desenvolvimento de culturas, políticas e práticas de inclusão
na educação, em todos os níveis e modalidades.
Referências
BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
BOOTH, Tony. & AINSCOW, Mel. Index Para a Inclusão. Desenvolvendo a
aprendizagem e a participação na escola. London: CSIE, 2011.
LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MORIN, Edgard. O Método I – A Natureza da natureza. Lisboa: Europa-América,
1977.
______. Introdução ao pensamento complexo. Tradução do francês, Eliane Lisboa.
SANTOS, Mônica Pereira dos. Políticas Públicas de Inclusão de pessoas com
deficiência: uma análise omnilética. Anais: XVI ENDIPE Encontro Nacional de
Didática e Práticas de Ensino. Campinas, 2012.
SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas
Ciências Sociais. Cadernos de Sociologia. Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998.
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11549ISSN 2177-336X
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INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: O CASO DE ESTUDANTES COM
DEFICIÊNCIA EM UMA UNIVERSIDADE FEDERAL
Marcilene Magalhães da Silva – UFOP
Margareth Diniz – UFOP
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar resultado de pesquisa que investigou o
processo de inclusão de estudantes com deficiência no Ensino Superior, identificando,
segundo percepção dos próprios alunos, efeitos da formação acadêmica recebida. Para
tanto, analisou-se a influência dos aspectos atitudinais, comunicacionais e físicos na
formação desses estudantes na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tendo
como referencial teórico a Educação Especial Inclusiva. Esta pesquisa foi construída em
três eixos principais. No primeiro, retomou-se o percurso histórico que desencadeou o
paradigma de inclusão social, o processo de internalização do direito de todos à
educação escolar, problematizando as suas particularidades nos rumos adotados nas
políticas educacionais. No segundo eixo, foram abordados os estudos que antecederam
esta pesquisa, entre 2005 e 2013. No terceiro eixo, investigaram-se dados referentes à
pesquisa de campo desenvolvida na UFOP, um estudo de caso com cinco estudantes
com deficiência, matriculados em cursos de graduação, no qual foram enfocados
aspectos relacionados às suas experiências educacionais, evidenciando como acontece o
processo de inclusão no campo investigado. Os procedimentos metodológicos adotados
compreenderam a análise documental, a prática de entrevistas com os cinco estudantes e
o registro no diário de campo. Os dados obtidos permitiram a elaboração de
considerações acerca do processo de inclusão dos estudantes, ligado ao ingresso, à
permanência e participação e à formação profissional. Foram identificadas e localizadas
barreiras atitudinais, comunicacionais e físicas e a maneira como os estudantes
responderam a elas. Os apontamentos construídos neste estudo indicam que o processo
de inclusão dos estudantes com deficiência na UFOP requer o estabelecimento de
estratégias políticas e pedagógicas capazes de eliminar as barreiras analisadas para
possibilitar a todos o direito à educação, atentando-se para a observância do
atendimento aos princípios da autonomia, independência e empoderamento.
Palavras-chave: Processo de inclusão; Estudantes com deficiência; Ensino Superior.
Introdução
A presença de estudantes com deficiência nas instituições de Ensino Superior
coloca em evidência as suas necessidades específicas e também as barreiras que limitam
ou impedem o exercício do direito à educação em condições de igualdade de
oportunidade com as demais pessoas. De acordo com Mazzotta (1998), é na
convivência com o outro e em diferentes ambientes que as necessidades de qualquer ser
humano se apresentam.
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11550ISSN 2177-336X
15
Cria-se, com isso, a necessidade de superação de barreiras atitudinais, físicas e
comunicacionais para garantir oportunidades em condições de igualdade, tanto na
Educação Básica, quanto na Educação Superior (SASSAKI, 2003). Para Mantoan (2001,
p.57), “no caso da igualdade entre as pessoas, as barreiras se materializam na recusa em
reconhecer e defender este valor, por meio de comportamentos, reações, emoções e
palavras”, representadas nas barreiras atitudinais.
Nessa mesma perspectiva, Lima e Tavares (2007) indicam que as barreiras
atitudinais são geradas e sustentadas pela sociedade, por meio de ações e de omissões
contra as pessoas com deficiência, o que pode limitar e, em algumas circunstâncias, até
impedir o exercício de seus direitos e de seus deveres sociais.
O conceito de barreiras atitudinais é esteado no Decreto nº. 3.956, de 2001, que
regulamenta a Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de
discriminação contra os portadores de deficiência (GUATEMALA, 1999), e no Decreto
nº. 6.949, de 2009, que regulamenta juridicamente a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) e tem força de Emenda Constitucional. De
acordo com tal ordenamento jurídico brasileiro, qualquer atitude que discrimine, por
razão da deficiência, constitui-se crime.
Este trabalho tem o propósito de investigar como acontece o processo de
inclusão de alunos com deficiência na UFOP, sob o ponto de vista dos estudantes que
participam de ações de inclusão, conforme as seguintes indagações: Como a UFOP tem
apoiado esses estudantes durante a formação? Que efeitos a formação acadêmica tem na
vida desses estudantes? Entre as prováveis hipóteses para as indagações citadas,
destacamos que a inclusão pode estar vinculada à trajetória acadêmica anterior, a
conhecimentos acerca dos direitos e à ausência de cultura institucional inclusiva. De
acordo com Santos (2003), a cultura institucional inclusiva parte do princípio de que
todos são responsáveis pela vida da instituição e qualquer desafio nela ocorrido é da
responsabilidade de todos e não de apenas uma pessoa ou um segmento da comunidade
escolar. Nesse sentido, a UFOP já tem a cultura institucional inclusiva?
O objetivo geral desta pesquisa é, pois, analisar como acontece o processo de
inclusão de alunos com deficiência na UFOP, identificando, segundo percepção dos
próprios estudantes, efeitos da formação acadêmica recebida. Já os objetivos específicos
são: a) Identificar a influência dos aspectos (atitudinais, comunicacionais,
arquitetônicos) na educação dos estudantes com deficiência da UFOP; b) Verificar e
analisar, à luz do referencial teórico, em que medida as ações institucionais podem ser
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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consideradas promotoras de inclusão educacional; c) Pesquisar e analisar a trajetória
acadêmica e profissional de alunos com deficiência que se formaram na UFOP; d)
Contribuir para o fortalecimento da política de inclusão na UFOP.
Procedimentos metodológicos
Para atingir aos objetivos propostos, inicialmente retomamos o percurso
histórico que desencadeou o paradigma de inclusão social, o processo de internalização
do direito de todos à educação escolar, problematizando as suas particularidades nos
rumos adotados nas políticas educacionais. Nos passos seguintes foram abordados os
estudos que antecederam esta pesquisa, entre 2005 e 2013, que tratam da inclusão no
Ensino Superior de alunos com deficiência, estudos disponíveis na Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD – IBICT), no Banco de Teses e Dissertações
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e no Grupo
de Trabalho (GT) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED). Os estudos realizados no período indicam que as instituições de Ensino
Superior ainda não estão preparadas para receber alunos com deficiência, embora vários
dispositivos legais disponham sobre o acesso, a permanência e a aprendizagem do
estudante com deficiência. Em muitas instituições pesquisadas existe o Núcleo de
Acessibilidade, mas as ações têm acontecido de forma isolada e desarticulada e muitos
estudantes contam apenas com o apoio da família, dos colegas e de alguns professores
para concluir o curso.
Na sequência foi realizado estudo de caso – tendo como referência André,
(2005) – com cinco estudantes com deficiência da UFOP, três do sexo feminino e dois
do sexo masculino, como sujeitos da investigação. Três se encontram matriculados,
respectivamente, nos cursos de História, Letras e Ciência da Computação. As
deficiências: baixa visão, intelectual e autismo. Os outros dois são cegos e já
concluíram, respectivamente, os cursos de Pedagogia e Engenharia de Produção.
Como procedimento metodológico, utilizamos entrevista semiestruturada,
observação, diário de campo e feedback da pesquisa, com a pretensão de acompanhar o
cotidiano universitário dos alunos participantes, caso a caso, fundamental para a análise.
Além disso, foram analisados documentos diversos que tratam da Política de Educação
Inclusiva, disponíveis nas Secretarias de Órgãos Colegiados, nos Laboratórios do
Núcleo de Educação Inclusiva, na Pró-Reitoria de Planejamento e na Pró-Reitoria de
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11552ISSN 2177-336X
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Assuntos Comunitários e Estudantis, para levantamento das ações que a UFOP vinha
desenvolvendo para garantir, além do ingresso, a permanência e a aprendizagem. A
nossa intenção foi utilizar várias fontes para possibilitar a construção da unidade do
caso estudado, por meio da triangulação entre os dados coletados, evidenciando como
acontece o processo de inclusão no campo investigado.
Resultados e discussões
Algumas análises do processo de inclusão de estudantes com deficiência na UFOP
A análise das informações obtidas por meio dos instrumentos de pesquisa foi
construída a partir de três categorias: 1) Trajetória na Educação Básica; 2)
Acessibilidades e barreiras no Ensino Superior; 3) Formação profissional. Considerando
o referencial teórico sobre educação especial inclusiva, essas categorias emergiram de
leituras e releituras das entrevistas.
A reflexão sobre as possíveis hipóteses para as indagações, apresentadas
anteriormente, nos levou a investigar, inicialmente, a trajetória escolar, dos estudantes
sujeitos da pesquisa, antes ao ingresso na universidade. Encontramos, assim, elementos
importantes para compreender as suas experiências acadêmicas na UFOP e a forma
como respondiam ou não às barreiras a eles impostas. Nesse momento, procuramos dar
visibilidade aos movimentos realizados pelos estudantes, na tentativa de estabelecer
estratégias para a realização de seus objetivos.
Os dados das entrevistas revelam que o percurso acadêmico dos estudantes na
Educação Básica foi marcado pela busca de afirmação do direito à educação. De formas
diferentes, todos eles tiveram seus direitos violados na forma de negação do direito à
matrícula, ausência de acessibilidade, sentimentos de indiferença, presença de
estereótipos e discriminação. O que mais se destacou na fala dos estudantes foi a
dificuldade da escola básica compreender que a pessoa com deficiência é aquela que,
por ter impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, em interação com
diversas barreiras, pode ter obstruída sua participação plena e efetiva na escola e na
sociedade, em igualdades de condições com as demais pessoas (ONU, 2006; Decreto
Legislativo nº. 186/2008; Decreto nº. 6.949/2009).
Quatro dos cinco estudantes relataram apoio incondicional da família,
reconhecimento das suas potencialidades e condições para fazerem suas próprias
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11553ISSN 2177-336X
18
escolhas. A deficiência foi compreendida, pelos pais e irmãos, como uma das
características dos sujeitos. Foram reconhecidos e tratados, no meio familiar, com
pessoas humanas e não como “deficientes”. Nessa perspectiva, Lima e Tavares (2007, p.
24) afirmam que o foco na deficiência pode contribuir com a “manutenção da crença na
deficiência como sinônimo de doença, dependência.
Tendo como referência a noção de inclusão de Sassaki (2009), que a define
como um processo pelo qual toda a sociedade se transforma de forma contínua para
acolher, respeitar e defender o direito de todos, pautamos a questão central da pesquisa:
as acessibilidades e barreiras vivenciadas pelos estudantes na realização da graduação
na UFOP e a formação profissional. Durante esse percurso, buscamos evidenciar que o
movimento de transformação da cultura universitária, numa cultura orientada pelos
princípios da inclusão, demanda envolver todos os segmentos da instituição na
responsabilização em identificar e remover os obstáculos que impedem ou dificultam o
exercício do direito de todos à educação.
A partir dessa noção de inclusão, foi possível identificar quatro questões que
conduziram a trajetória acadêmica dos estudantes entrevistados: condições de ingresso,
questões atitudinais, questões comunicacionais e questões físicas.
No que diz respeito às condições de ingresso, o conjunto das entrevistas revelou
que o estabelecimento de ações de acessibilidade, tanto no tradicional vestibular quanto
na aplicação das provas do ENEM, não bastou para a garantia de participação em
condições de igualdade entre os estudantes. Estudos de Santos (2003) indicam que os
agentes educacionais precisam ficar atentos aos valores que estão associados às suas
práticas.
A partir das considerações da autora, foi possível observar, nas falas dos
estudantes, que, durante o processo de matrícula e nos primeiros dias de aula, embora se
sentissem acolhidos institucionalmente, ocorreram situações que revelaram a presença
de barreiras atitudinais, físicas e comunicacionais, evidenciando o que Lima (2006) já
havia anunciado: na escola, a inclusão ensina, na prática, o verdadeiro significado da
diversidade humana. Nesse sentido, é no encontro e na convivência com a diferença,
que cada estudante vai sendo des-coberto, como pessoa e não como um estigma. E é
nesse processo, que serão des-cobertos também os benefícios da diversidade humana
para toda a sociedade.
Nas questões atitudinais, as principais acessibilidades vivenciadas pelos cinco
estudantes estavam no apoio recebido no ato da matrícula, nas estratégias metodológicas
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11554ISSN 2177-336X
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implementadas por alguns docentes, no respeito e amizade de colegas e amigos, na
conquista de independência e no apoio da família. Os estudantes relataram atitudes
institucionais de respeito e de defesa de seus direitos à acessibilidade, orientações aos
docentes, empréstimos de tecnologias assistivas, adaptação de materiais didáticos em
braile e áudio, disponibilização de cópias ampliadas, entre outros.
O sentimento de acolhimento foi relatado pela maioria dos estudantes,
principalmente no ato de realização da matrícula, quando foram ouvidos, nas suas
demandas, por profissionais do Núcleo de Educação Inclusiva, e receberam a
informação de que seriam acompanhados em questões de acessibilidade. O trabalho
desse Núcleo parece ter sido importante no processo de inclusão dos estudantes. Os
relatos confirmaram o que já havíamos constatado na análise documental: a UFOP
estava se esforçando no sentido da elaboração de estratégias de acessibilidade atitudinal
e comunicacional, porém romper com a segregação e com os estereótipos não era um
trabalho simples (SASSAKI, 1997; MANTOAN, 2001; LIMA, 2006; GUEDES, 2007).
A maioria dos estudantes relatou que a formação acadêmica contribuiu para
torná-los mais independentes, uma vez que procuravam sempre formas de resolver os
entraves que surgiam no seu processo de construção do conhecimento. Porém a
independência, em algumas situações, foi ofuscada pelo sentimento, ainda que
inconsciente, de que a responsabilidade de resolver as barreiras que surgiam eram
exclusivamente deles. De acordo com Lima (2006), a eliminação de barreiras exige do
sujeito com deficiência mobilização constante de seus direitos, tornando-se uma pessoa
empoderada.
As principais barreiras atitudinais relatadas pelos entrevistados dizem respeito às
ressalvas quanto à capacidade de realização de uma formação superior, tratamento de
infantilização, estereótipos, superproteção e desaprovação da família, atitudes de
indiferença por alguns colegas e docentes, discriminação, dificuldade de interação e
negação da deficiência.
A barreira atitudinal mais presente nos relatos dos entrevistados foi a de
estereótipos. De acordo com Lima e Tavares (2007), os estereótipos na universidade são
concretizados a partir do estabelecimento de comparações que docentes, colegas e
técnicos fazem entre o estudante com deficiência e outras pessoas com as mesmas
deficiências. A partir dessas comparações, são construídas generalizações positivas ou
negativas sobre os estudantes, como se todos fossem iguais.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11555ISSN 2177-336X
20
Assim os apontamentos da pesquisa endossam as perspectivas investigadas por
Lima e Tavares (2007), segundo as quais o processo de inclusão escolar requer
reconhecer que as barreiras atitudinais podem se apresentar de diferentes maneiras.
Quanto às acessibilidades físicas, os dados revelam que a UFOP avançou pouco
na efetivação de medidas concretas para se adequar aos princípios estabelecidos pela
legislação vigente. A fala dos estudantes evidencia, claramente, que as barreiras físicas,
identificadas no início do curso, não foram solucionadas.
No que se refere às acessibilidades comunicacionais, o conjunto dos relatos
indica que elas se concretizaram em parte. À medida que as demandas iam sendo
evidenciadas, a partir da escuta, foram efetivadas algumas ações de acessibilidade na
comunicação escrita, visual e interpessoal.
Quanto às barreiras comunicacionais relatadas pelos estudantes entrevistados,
observou-se que a UFOP não atendeu à totalidade dos parâmetros de acessibilidade
estabelecidos no Decreto nº. 5296/2004, que regulamenta a Lei de Acessibilidade
(Lei nº. 10.098/00). O Artigo 47 daquele decreto determina que “as plataformas digitais,
os sites e os ambientes virtuais sejam construídos com base em programas e normas
para acessibilidade”. Mas as plataformas, os sites, os ambientes acadêmicos virtuais da
UFOP não eram acessíveis, colocando os estudantes na situação de dependência da
família e dos colegas.
Isso implica, além do que já foi dito, respeito ao direito de acesso ao serviço
educacional oferecido pela universidade. No entanto, parece que os estudantes
investigados ainda não têm a profundidade do entendimento legal dos direitos de que
dispõem.
Conforme Sassaki (2003), a presença de barreiras atitudinais, físicas e
comunicacionais promovem a exclusão ou a limitação do acesso dos estudantes aos
conteúdos, vivências e experiências educacionais. Portanto, é preciso identificá-las e
criar estratégias para eliminá-las. Tavares (2012, p. 424) afirma que, para conhecer tais
barreiras, “é imprescindível que se tenha acesso a discursos que sejam esclarecedores da
existência de tais obstáculos e de como eles se manifestam”. Nesse sentido, o resultado
das entrevistas revelou um conjunto de ações e omissões praticado pela universidade
diante dos estudantes com deficiência.
Para Santos (2003), o respeito e a valorização da diversidade humana estão
relacionados à formação de uma cultura inclusiva. Os dados da pesquisa mostram que o
movimento das famílias e dos próprios sujeitos colabora para a construção da cultura
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11556ISSN 2177-336X
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inclusiva. Essa edificação, portanto, se dá a partir de mudanças internas de cada
indivíduo, no modo de reconhecer e de defender as diferenças humanas (LIMA, 2006).
Buscamos enfatizar, assim, as questões apresentadas pelos cinco estudantes
entrevistados, articulando-as com as informações obtidas na análise documental. Foram
identificadas e localizadas barreiras atitudinais, comunicacionais e físicas, a partir da
clareza e investimento dos estudantes nas entrevistas. A constatação dessas barreiras,
assim como as acessibilidades, pode contribuir na construção da cultura institucional
inclusiva, gerando sentidos subjetivos individuais e sociais, possibilitando a todos os
atores educacionais que se posicionem de modo ativo diante das situações de exclusão.
Nesse sentido, intentamos assinalar que a construção de uma IES acessível e
inclusiva depende de uma política institucional efetiva. Ações isoladas, como as
destacadas nas pesquisas, não são suficientes para promover a inclusão e podem se
revelar empecilho para novos avanços, uma vez que podem ver identificadas como
suficientes. Sem avaliação articulada no âmbito das políticas, das culturas e das práticas
inclusivas podem camuflar as reais demandas e ou necessidades.
Conforme indicam os estudos de Santos (2003), a IES socialmente responsável,
entre outras ações, promove mudanças culturais e investe no desenvolvimento de
iniciativas de acessibilidade e formação continuada, envolvendo discentes, docentes,
técnicos e os demais sujeitos que compõem a comunidade acadêmica.
Destacamos ainda a necessidade da UFOP e das demais IES brasileiras inserirem
a educação inclusiva nos Planos de Desenvolvimento Institucional e nos Projetos
Pedagógicos de Curso, de forma a planejar e promover mudanças requeridas nos vários
dispositivos legais e políticos da educação inclusiva, como apresentado nesta pesquisa.
O processo de inclusão educacional inicia-se com a inserção princípio da inclusão no
Plano de Desenvolvimento Institucional e no Projeto Pedagógico de Curso.
Nesse sentido os processos avaliativos, metodológicos, pedagógicos e
curriculares devem primar pelo respeito à diversidade dos estudantes, contemplando
estratégias de acessibilidade, flexibilidade, interdisciplinaridade. São exemplos de
estratégias: metodologia, o programa de apoio aos estudantes nas suas necessidades
específicas e a atividade de tutoria.
A análise dos dados de campo parece ter indicado que essas intervenções,
necessárias para romper com os estigmas e demais formas de exclusão em torno do
estudante com deficiência, podem ser construídas em articulação com o trabalho
realizado pelos núcleos de acessibilidade e inclusão das IES por meio da orientação de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11557ISSN 2177-336X
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distintos setores da instituição, no sentido de romper com barreiras de atitude e impedir
o fortalecimento de outras, como as barreiras físicas e comunicacionais. Além de
orientar, cabe aos núcleos, acima de tudo, defender o direito de todas à educação
superior.
As entrevistas contribuíram também para que os estudantes refletissem sobre as
suas subjetividades, seus direitos de participação com independência e a forma como se
percebem e são percebidos pela instituição. Eles indicaram, de modo mais evidente, o
que lhes interessavam na dinâmica da universidade.
Quanto à categoria Formação Profissional, buscamos localizar os impactos da
formação recebida para a vida de cada um dos estudantes. Para tanto, indicamos dois
pontos que parecem centrais nessa discussão: a) A questão da responsabilidade da
universidade em oportunizar espaços para os estudantes vivenciarem a aplicação dos
seus saberes, ajudando-as a ter atitudes de independência e empoderamento; e b) As
questões relacionadas às suas expectativas e oportunidades da atuação profissional.
Foi possível perceber o quanto os cinco estudantes se desenvolveram, durante a
formação na UFOP. Tornaram-se mais cientes de seus direitos, livres, independentes e
empoderados. Apesar das barreiras evidenciadas, eles deram passos importantes que
contribuíram positivamente para a formação pessoal e profissional. Dessa forma, os
dados parecem indicar que a UFOP oportunizou condições para que os estudantes se
desenvolvessem nas suas potencialidades, apesar das fragilidades observadas.
Retomamos, então, a pergunta feita na introdução desta pesquisa: a UFOP já tem
a cultura institucional inclusiva? Acredito que ainda não. Nesse processo de construção
de uma cultura inclusiva, que exige a transformação da consciência individual e
coletiva, é possível afirmar, a partir dos dados empíricos, que a UFOP está des-cobrindo
o caminho. As pistas, ou estratégias apontadas nesta pesquisa, podem se constituir em
valiosa contribuição para essa descoberta/construção.
A formação acadêmica dos estudantes é compreendida como um processo que
pode contribuir para o fortalecimento de práticas de inclusão, se a base for
fundamentada com experiências e orientações inclusivas. Para Santos (2003), é preciso
colocar em evidência a formação profissional e enfatizar a importância de fortalecer
culturas, políticas e práticas inclusivas, durante a formação acadêmica na graduação,
servindo a universidade de exemplo no trabalho que realiza.
Assim, a formação profissional, seja ela do estudante, do futuro profissional ou
do profissional, se dá segundo valores e crenças construídos ou reforçados ao longo do
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11558ISSN 2177-336X
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processo de formação inicial e de formação em serviço. Revela-se na atitude, na forma
de agir, pensar e atuar na sociedade.
Considerações finais
A partir da análise dos dados, foi possível afirmar que o processo de inclusão
dos estudantes com deficiência na UFOP requer o estabelecimento de estratégias
políticas e pedagógicas capazes de eliminar as barreiras presentes, sobretudo aquelas
analisadas nesta pesquisa. Com isso, espera-se possibilitar a todos o direito à educação,
à liberdade e à igualdade de condições, respondendo aos princípios estabelecidos na
legislação vigente e atentando-se para a observância do atendimento aos princípios da
autonomia, independência e empoderamento (SASSAKI, 1997).
Pelo exposto, compreendemos que há a necessidade de aprofundar os estudos
sobre a inclusão acadêmica de estudantes com deficiência e trabalhar na formulação de
políticas que favoreçam a superação dos desafios apresentados. A carência de promoção
de acessibilidade não é apenas dos estudantes com deficiência, mas de todos os atores
envolvidos no processo. Cabe à UFOP fixar metas e organizar estratégias de forma a
enfrentar e superar fragilidades que forem surgindo e cumprir, de fato, a sua missão. A
IES tem o compromisso de produzir conhecimentos, qualificar recursos humanos e
implantar políticas de qualidade voltadas para a educação inclusiva.
Esta pesquisa parece ter indicado que criar oportunidades para que o aluno com
deficiência tenha acesso ao Ensino Superior não é suficiente. Tem de haver um conjunto
de ações e programas que assegurem, de fato, a inclusão. Seria necessário, portanto,
construir uma visão mais ampla do processo de inclusão, considerar, além dos aspectos
políticos e pedagógicos, as construções subjetivas implicadas.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11560ISSN 2177-336X
25
ATOS INTERATIVOS ENTRE SURDOS E OUVINTES NA CONSTRUÇÃO DO
CONCEITO DE VALOR ABSOLUTO
Ana Carolina Machado Ferrari – UFMG
Resumo
O presente trabalho visa realizar uma discussão sobre as implicações das interações
entre surdos e ouvintes para a construção do conceito de Valor Absoluto e a influência
do trabalho do tradutor intérprete nesse processo. Para isso analisaremos um recorte de
uma pesquisa realizada em 2013, cujo objetivo foi investigar o quanto a atuação do
intérprete de Libras se aproximava ou se distanciava dos conteúdos dados pelo professor
nas aulas de matemática. A estratégia de trabalho seguiu os moldes usuais de uma
pesquisa qualitativa em Educação, utilizando, como instrumentos de produção de dados,
registro em áudio e vídeo de observações em salas de aula e de entrevistas
semiestruturadas, e diário de campo. Os referenciais teóricos que fundamentaram o
estudo envolveram a literatura sobre o desenvolvimento da aprendizagem através das
interações (VIGOTSKI, 1896/1934; FREIRE, 1996; TOMASELLO, 2003; ALVES,
2007), a inclusão dos Surdos em escolas regulares (QUADROS, 2004; ROSA, 2006;
STUMPF, 2008; LACERDA, 2009), e uma visão sociocultural da aprendizagem
matemática dos Surdos (D‟AMBRÓSIO, 1998; FRADE E MEIRA, 2012). Foram
analisados os dados de um episódio, intitulado Valor Absoluto, ocorrido e, uma turma
de 8º ano do ensino fundamental regular de uma escola da rede municipal de Belo
Horizonte. O episódio analisado a não interação entre professor ouvinte e aluno surdo
como um dos dificultadores para a formação de conceitos matemáticos por surdos em
salas regulares e, ainda, há uma indicação de que apenas a presença do intérprete de
Libras em sala de aula não é suficiente para uma aprendizagem matemática significativa
para os Surdos.
Palavras chave: Educação de Surdos; Conceitos Matemáticos; Interação.
Introdução
É sabido que as interações entre professor e aluno (adulto e criança) contribuem
para o desenvolvimento da aprendizagem e da formação de conceitos (VIGOSTSKI,
1896/1934) e que essas interações ocorrem através da linguagem (TOMASELLO,
2003). Entretanto, ao pensarmos na inclusão em escolas regulares de alunos surdos
sinalizadores não podemos descartar o tradutor intérprete de Libras, que atua como
mediador não somente da comunicação, mas muitas vezes das relações entre Surdos e
ouvintes, dentro e fora da sala de aula. Como, então, acontecem essas interações nessas
salas de aula que, diferentemente de uma sala exclusiva de ouvintes, possui duas línguas
de modalidades distintas simultaneamente para a comunicação dos conteúdos? Quais as
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implicações dessa triangulação interativa para na aprendizagem de conceitos
matemáticos por alunos surdos?
A partir desses questionamentos e fundamentados em pesquisas sobre a
formação de conceitos matemáticos por alunos surdos em salas regulares (BARBOSA,
2008; BORGES, 2010), bem como o desenvolvimento da aprendizagem através das
interações (VIGOTSKI, 1896/1934; FREIRE, 1996; TOMASELLO, 2003)
analisaremos um recorte da pesquisa intitulada “Atuação do Intérprete de Libras na
aprendizagem matemática de surdos” realizada em 2014 que investigou o quanto a
atuação do intérprete de Libras se aproxima ou se distancia dos conhecimentos
matemáticos comunicados pelo professor ouvinte de matemática no ensino regular. O
episódio aconteceu em uma aula de matemática no 8º ano de uma escola do município
de Belo Horizonte, a qual denominei Escola Municipal Junto e Misturado. O nome se
deu pelo fato dos alunos surdos e os alunos ouvintes estarem em salas de aulas mistas.
O episódio escolhido para a análise retratou parte de uma aula de revisão de
conteúdos matemáticos, em que os alunos precisariam utilizar seus conhecimentos
prévios sobre determinados conceitos matemáticos para a resolverem os exercícios
propostos.
A análise desse recorte e a leitura dos textos referenciais subsidiarão nossa
reflexão acerca das implicações dos atos interativos entre alunos surdos e professor
ouvinte na formação de conceito matemático por esses alunos em salas de aulas
regulares de escolas denominadas inclusivas.
Inclusão de estudantes surdos em salas de aulas regulares
No contexto do século XXI, as propostas educacionais visam à inclusão social, a
aproximação e o convívio com as diferenças de todas as naturezas, para que se aprenda
a respeitar o “diferente”, ou seja, o que não se encaixa no modelo “ideal” proposto
nossa sociedade.
A inserção de alunos surdos em salas de aulas regulares vem sendo o centro das
atenções de diversos pesquisadores (QUADROS, 2004; ROSA, 2006; STUMPF, 2008;
LACERDA, 2009). A preocupação com a educação dos surdos, entretanto, já vem
sendo o centro de diversas discussões ao longo do tempo.
A educação dos surdos passou por três fortes correntes educacionais: o oralismo,
a comunicação total e o bilinguísmo. A corrente oralista, de acordo com Skliar (1997),
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visava nortear a educação da criança surda à aprendizagem da língua oral, reprimindo a
utilização da língua de sinais e focando o treinamento auditivo: a leitura labial e o
desenvolvimento da fala.
Após o fracasso do oralismo, em meados de 1960, surge a comunicação total
que, como dito por Perlin e Strobel (2005), buscava a junção entre o método oralista e a
língua de sinais, simultaneamente, pensando em uma proposta alternativa para a
comunicação dos surdos.
Diferentemente das duas correntes anteriores, o bilinguismo visa uma educação
pensada para o surdo, sua cultura e sua identidade. Trata-se de pensar na diferença para
se dar as mesmas condições de aprendizagem, como a utilização da sua língua natural
em todos os espaços sociais ─ português para os ouvintes e Libras para os surdos.
No Brasil, a língua de sinais foi oficializada em 24 de abril de 2002, por meio da
Lei Federal n. 10.436 e regulamentada via decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005.
Tal fato foi um marco histórico para os surdos brasileiros, que tiveram sua cultura e,
consequentemente sua língua natural, reconhecidas.
Tomasello (2003) afirma que a linguagem “é uma instituição social
simbolicamente incorporada que surgiu historicamente de atividades
sociocomunicativas preexistentes” (p. 131-132). É através da linguagem que o sujeito é
favorecido a novas relações consigo mesmo e com o mundo no qual está inserido. Tal
afirmação ratifica as diretrizes do decreto 5626/05 quanto ao fato da necessidade do
professor de alunos surdos conhecer as especificidades linguísticas deste aluno,
independente da presença do intérprete de Libras em sala de aula.
Refletir sobre o processo de inclusão de alunos surdos no contexto de salas de
aula regulares implica na necessidade de se entender e reconhecer a identidade cultural
do aluno e permitir-se trocar experiências com esse aluno, uma vez que ensinar não se
restringe a uma mera transmissão do conteúdo, mas sim a uma transmissão cultural do
conhecimento (TOMASELLO, 2003).
Atos interativos e a construção social da aprendizagem matemática dos estudantes
surdos
Somos seres sociais e nos constituímos através de nossas relações com o outro
(VIGOTSKI, 1983/1997; FREIRE, 1987). Somos temporais, culturais e mudamos nossa
forma de agir e pensar conforme nos interagimos com o outro (FRADE E MEIRA,
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2012). No entanto, os estereótipos que construímos contribuem para a nossa (não)
interação, uma vez que as representações sociais exercem “influências mútuas entre os
indivíduos e a realidade dos grupos sociais de que fazem parte” (WACHELKE E
CAMARGO, 2007, p. 379).
Sendo o homem um ser sociocultural, a produção de conhecimento se dá através
por meio das interações dos participantes do processo. Em outras palavras, a
aprendizagem é construída constante e dialeticamente na relação entre os indivíduos e
os meios do qual fazem parte. Sob essa ótica, as relações sociais são condições
epistemológicas para o processo de aprendizagem. Tais relações permitem que
professor e aluno se envolvam em cenas de atenção conjunta, caracterizadas por
Tomasello (2003) como “[...] interações sociais nas quais a criança e o adulto prestam
conjuntamente atenção a uma terceira coisa, e a atenção um do outro à terceira coisa dá-
se por um período razoável de tempo” (p.135).
Socialmente, a matemática tem sido utilizada como “filtro” para separar os
líderes dos liderados (D‟AMBRÓSIO, 1998), onde e o aluno que não consegue se
desenvolver em tal domínio se vê às margens nas aulas de matemática, desencadeando,
assim, possíveis traumas e sentimento de frustração, independente de se ter ou não uma
deficiência.
Em se tratando de pessoas surdas, Barbosa (2008) observa que várias pesquisas
apontam que pessoas surdas possuem maiores dificuldades em Matemática quando
comparadas aos seus pares ouvintes, devido a solução de problemas matemáticos estar
diretamente relacionada a dependência da habilidade dos conhecimentos linguísticos.
Quanto a questão linguística, Klüsener (2007) alega que, também socialmente, a
matemática é vista apenas como uma linguagem formada por símbolos de difícil
compreensão. Entretanto, a autora destaca que “valorizando a importância da linguagem
na construção dos conceitos matemáticos, passamos a entender a matemática como uma
linguagem”. Sendo uma linguagem, a maneira como o aluno interage com os conteúdos
matemáticos influencia na construção dos conceitos por esse aluno, uma vez que ao se
mudar o contexto, há uma mudança na linguagem e, assim, mudança do conceito.
Em se tratando de atos interativos entre surdos e ouvintes mediados por um
intérprete de Libras, essa mudança de contexto (ao longo das interpretações) podem
acontecer com maior frequência, reforçando a necessidade dos atos interativos entre o
professor ouvinte e o aluno surdo e, essencialmente, a necessidade de o professor
conhecer as especificidades comunicacionais deste aluno.
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Atos interativos e a construção dos conceitos matemáticos por adolescentes surdos:
apresentação e análise do episódio Valor Absoluto
Para compreendermos as implicações das interações entre surdos e ouvintes para
a construção de conceitos matemáticos analisaremos um recorte de uma pesquisa
realizada em 2013, cujo objetivo foi investigar o quanto a atuação do intérprete de
Libras se aproximava ou se afastava dos conteúdos dados pelo professor nas aulas de
matemática. O episódio aconteceu em uma aula de matemática no 8º ano de uma escola
do município de Belo Horizonte, a qual denominei Escola Municipal Junto e Misturado.
O nome se deu pelo fato dos alunos surdos e os alunos ouvintes estarem em salas de
aulas mistas.
A turma do 8º ano da Escola Municipal Junto e Misturado tinha 31 alunos: 29
alunos ouvintes, entre meninos e meninas, e duas alunas Surdas. As idades dos alunos
variavam de15 a 18 anos. Para elas, utilizarei os pseudônimos de Expansiva, mais nova,
e Observadora, mais velha. Ambas já haviam tido experiência em escolas só para
Surdos e em escolas mistas. Embora fossem bastante participantes nas aulas de
Matemática, se relacionavam pouco com os alunos ouvintes.
A intérprete de Libras do 8º ano era recém-formada em letras e tinha menos
experiência em sala de aula quando comparada aos demais intérpretes que participaram
desta pesquisa.
O professor de matemática do 8º ano era um professor antigo da prefeitura, que
trabalhava em dois turnos na escola. No turno da manhã ministrava as aulas de
matemática. Embora já tivesse experiência com esses alunos, ao responder às dúvidas,
apresentava certa dificuldade para quem deveria se dirigir: ao aluno surdo ou ao
intérprete.
Episódio Valor Absoluto
O professor iniciou a aula escrevendo na lousa diversos exercícios matemáticos
que seriam utilizados para revisar o conteúdo dado e preparar os alunos para a
avaliação. Após a escrita na lousa e responder a alguns questionamentos de alguns
alunos, o professor sentou-se em sua cadeira esperando a resolução dos exercícios pelos
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alunos. Em um dos exercícios propostos pelo professor, os alunos deveriam identificar o
Valor Absoluto dos números expostos e identificar qual, dentre eles, seria o maior.
Para que os alunos pudessem copiar o que o professor escreveu na lousa, a
intérprete sentou-se em frente às alunas Surdas que também copiavam os exercícios.
Uma aluna ouvinte perguntou ao professor o que era valor absoluto, e o professor
respondeu da seguinte maneira:
Professor do oitavo ano: É o número sem o sinal de positivo ou
negativo.
Essa interação entre professor e aluno ouvintes não foi interpretada às alunas
surdas. Nesse mesmo momento, do lado oposto de onde se encontrava o professor, a
aluna Expansiva, perguntou à intérprete qual o significado do conceito Valor Absoluto.
A intérprete ficou em dúvida quanto à resposta e buscou auxílio nos exercícios
propostos, porém não havia detalhamento do conceito de “Valor Absoluto”, somente o
enunciado do exercício. Enquanto isso, o professor continuava a tirar as dúvidas de
alguns alunos ouvintes. Não conseguindo responder à aluna, a intérprete repassou a
dúvida ao professor, conforme protocolo abaixo.
Intérprete do oitavo ano: Professor, ela [apontando para Expansiva]
não está entendendo o que é valor absoluto.
O professor voltou seu olhar às duas alunas Surdas dizendo:
Professor do oitavo ano: Valor absoluto? Valor absoluto é o número
desprezando o sinal de positivo e negativo. Esquece o sinal e olha qual
número é maior [apontando para os números do exercício que estavam
na lousa]. [A intérprete traduz simultaneamente a fala do professor.
Utilizou o sinal “esquecer” traduzindo literalmente o que dizia o
professor]
A intérprete fez a interpretação literal da fala do professor e não utilizou nenhum
sinal para o conceito Valor Absoluto, apenas a datilalizando. Expansiva refez a pergunta
à intérprete:
Expansiva: Então, número absoluto é só tirar o “menos”?
A intérprete consentiu, balançando a cabeça em sinal afirmativo. A pergunta,
entretanto, não foi repassada ao professor pela intérprete. Não satisfeita, a aluna
perguntou outra vez à intérprete:
Expansiva: V-A-L-O-R A-B-S-O-L-U-T-O é só tirar o sinal „mais‟ e
„menos‟? Eu tiro o sinal e vejo qual número é maior?
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Novamente, houve a confirmação pela intérprete, sem repassar a pergunta da
aluna ao professor, limitando a interação a ela e a aluna. Expansiva continuou
insatisfeita com essa confirmação, sinalizando em Libras que não podia ser isso e que a
interpretação estava muito confusa. Observadora chamou a intérprete em sua mesa para
lhe mostrar o exercício que havia feito e saber se estava certo ou errado. A intérprete
olhou e confirmou, balançando a cabeça indicando que o exercício havia sido resolvido
corretamente.
A intérprete voltou-se à Expansiva e começou a lhe explicar novamente o que
era Valor Absoluto, sem chamar o professor que se mantinha atento à situação.
Expansiva: Então, V-A-L-O-R A-B-S-O-L-U-T-O é só eu tirar o
'menos' e o 'mais'?
Intérprete do oitavo ano: Não precisa do sinal. Isso. Você tira o sinal
e escolhe o maior [número]. Está confuso? [aponta para o exercício na
lousa].
Expansiva: Se for maior [o número] eu preciso tirar o sinal.
Intérprete do oitavo ano: Sim, você esquece o sinal. Qual o número
é maior? É o exercício de número cinco [começa a procurar o
exercício no caderno de Expansiva].
Expansiva: É porque ainda está confuso esse nome [valor absoluto].
Percebendo a situação, o professor se aproximou da aluna e perguntou à
intérprete qual era a dúvida. A intérprete disse-lhe que Expansiva não havia
compreendido o exercício proposto sobre “Valor Absoluto”. Como o professor já tinha
explicado o conceito de “Valor Absoluto” e, percebendo que a dúvida persistia, decidiu
explicar (resumidamente) a toda turma os conceitos numéricos necessários para a
resolução de todos os exercícios, não somente o Valor Absoluto.
Professor do oitavo ano: Moçada, os números, na matemática, são
divididos em grupos. O primeiro grupo seria dos números naturais,
você começa a estudar lá no primeiro ano do primeiro ciclo. Zero, um,
dois, três, quarto, cinco, seis até infinito. Entenderam os naturais?
Quais deles são os números inteiros? Os números inteiros são os
naturais mais os negativos: menos um, menos dois, menos três, menos
quatro... Entenderam? Se eu juntar os números naturais e os números
negativos, eu tenho os números inteiros. Tá certo? Qual é o conjunto
dos números racionais? São: os naturais, os inteiros e as frações e
decimais.
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Nesse momento, o professor é interpelado por uma dúvida da Expansiva (havia
um exercício na lousa, onde os alunos tinham que identificar a quais grupos os números
propostos pertenciam).
Expansiva: Aquele número [se dirigindo à intérprete e apontando
para o número -1,33 que estava na lousa] é um número inteiro?
A intérprete repassou a pergunta ao professor que sinalizou com as mãos
negativamente e disse:
Professor do oitavo ano: Não é inteiro, não [balançando o dedo em
sinal negativo]. Não pode ter vírgula. Não pode ser partido.
Durante essa aula, houve pouca participação da Observadora, que se manteve
quieta em sua carteira e, em vários momentos, não olhou para a intérprete, olhando
somente para o professor.
Expansiva, após a explicação, olhou para Observadora e, balançando a cabeça e
erguendo as sobrancelhas, demonstrou ter entendido o que foi dito.
Ao longo das observações, percebi que a intérprete utilizava alguns sinais em
seu sentido literal, como o sinal esquecer, quando o professor explicou que, para
verificar o valor absoluto de um número deve-se esquecer o sinal de positivo ou
negativo, o que remete à fala de Quadros (2004, p. 27), que ressalta que “[...] o
intérprete também precisa ter conhecimento técnico para que suas escolhas sejam
apropriadas tecnicamente.” Uma vez que a linguagem não se caracteriza apenas como
uma prática social, mas também um instrumento mediador à construção do
conhecimento (ALVES, 2007), compreendemos que a interpretação literal entre duas
línguas não consegue manter esse status linguístico, não favorecendo à essa construção.
Contudo, há de considerar a maneira como o professor explicita um conceito em
sala de aula. Inicialmente, foi possível observar que o conceito de Valor Absoluto
também era alvo de dúvidas dos alunos ouvintes. Mas, um facilitador nessa questão
possivelmente foi a interação entre o professor e essa aluna ouvinte, uma vez que ambos
utilizavam a mesma língua e não havia interferências de interpretação tal qual acontece
ao se mediar a comunicação entre duas línguas distintas.
Outro fator que pode comprometer a construção do conhecimento dos alunos
surdos é a limitação do intérprete em mediar apenas a fala do professor quando remetida
a toda turma, se esquecendo das interações entre aluno e professor ouvintes. Isso pode
ser observado quando, no início da aula, uma aluna ouvinte solicitou ao professor que
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lhe explicasse o conceito de Valor Absoluto, mesma dúvida da aluna Expansiva que,
devido a não mediação, não teve acesso a essa interação.
Após a observação em sala de aula, solicitei às duas alunas surdas que me
concedessem uma entrevista para que eu pudesse compreender melhor algumas
observações obtidas durante as aulas. Perguntei a elas se, em caso de dúvidas, se
sentiam- à vontade para perguntar ao professor ou preferiam perguntar à intérprete. As
alunas me explicaram que preferem perguntar diretamente ao professor para verificarem
se realmente a forma como compreenderam é a que o professor quis ensinar, mostrando
se sentirem à vontade para tirarem dúvidas com o professor, mesmo sem a mediação do
intérprete.
Ao longo das observações, percebi, porém, que isso não acontecia na prática.
Em vários momentos, como no episódio exposto em que a aluna Observadora chamou a
intérprete em sua mesa para verificar se a resolução do seu exercício estava correta.
Poucos foram os momentos em que se emergiram cenas de atenção conjunta entre
professor ouvinte e alunas surdas. E, mesmo nesses momentos, as interações eram
limitadas, talvez pelo fato de o professor desconhecer a língua natural de suas alunas e
depender totalmente da mediação da intérprete de Libras.
É importante que o professor regente da classe conheça a língua de
sinais, não deixando toda a responsabilidade da comunicação com os
alunos surdos para o intérprete, já que a responsabilidade pela
educação do aluno surdo não pode e não deve recair somente no
intérprete, visto que seu papel principal é interpretar. A
responsabilidade de ensinar é do professor (LACERDA, 2009, p.35).
A presença do intérprete em sala de aula não exime o professor da regência das
aulas também para esse aluno. O fato de o professor desconhecer a língua natural de
suas alunas nos leva a refletir sobre o inverso da situação, de que esse desconhecimento
(também) se dá pela ausência ou limitação da emergência das cenas de atenção
conjunta, uma vez que sem tais cenas não há linguagem (TOMASELLO, 2003).
Esse pode ser também um dos motivos pelo qual as aulas matemáticas para
turmas mistas, formadas por surdos e ouvintes, ainda sejam planejadas exclusivamente
para alunos ouvintes, fator que também pode contribuir para uma limitação interativa
entre professor ouvinte e aluno surdo. Sob essa perspectiva, “como vai esse aluno ter
acesso aos conhecimentos se sua questão linguística não está sendo observada e menos
ainda seu pertencimento cultural?” (STUMPF, 2008, p.23).
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A análise do recorte possibilitou refletirmos o quão importante é a interação
comunicativa entre professor ouvinte e aluno surdo para a construção de conceitos
matemáticos, independente da presença do intérprete de Libras em sala de aula.
Considerações finais
O presente trabalho objetivou propor uma reflexão acerca dos atos interativos
entre surdos e ouvintes e as implicações dessas (não) interações na aprendizagem de
conceitos matemáticos por surdos.
Como visto no episódio apresentado, a forma como a intérprete interpreta as
falas do professor em sala de aula, seja pela literalidade, seja por escolher os momentos
que irá interpretar (como, por exemplo, não ter interpretado a interação entre o professor
e o aluno ouvintes) influenciam diretamente na construção do conhecimento matemático
do aluno surdo. Entretanto, outros fatores corroboram para tal situação, como a não
interação entre professor ouvinte e aluno surdo.
Por mais que a inserção de alunos surdos em escolas regulares conte com a
presença do intérprete em sala de aula, esta ainda está longe de ser considerada uma
inclusão educacional e, em algumas situações, tal presença pode camuflar uma possível
exclusão (ROSA, 2006), já que a presença do intérprete não garante o acesso do aluno
surdo às informações dadas, não promove a interação entre surdos e ouvintes e,
consequentemente, pode não favorecer para a construção do seu conhecimento.
Também, a existência do intérprete em sala de aula não isenta do professor a
essencialidade da sua interação com o aluno surdo. Embora o professor desconhecesse a
Libras, se fazia essencial conhecer as especificidades de suas alunas.
Embora muitos pesquisadores tenham buscado compreender a formação de
conceitos matemáticos por alunos surdos em salas de aulas regulares, juntamente com
esse trabalho, percebemos o quanto ainda é preciso investigar para garantir uma
verdadeira inclusão educacional para alunos surdos.
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