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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMINAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
RODRIGO DADALTO ZAMPA
INDÚSTRIA FARMACÊUTICA:
OLIGOPÓLIO E O MITO DA INOVAÇÃO.
VITÓRIA
2009
RODRIGO DADALTO ZAMPA
INDÚSTRIA FARMACÊUTICA:
OLIGOPÓLIO E O MITO DA INOVAÇÃO.
Monografia apresentada ao Curso de Ciências Econômicas do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientador: Professor Arlindo Villaschi Filho
Vitória 2009
A Antonieta e Antônio,
como gesto de minha
eterna gratidão.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Arlindo Villaschi Filho, professor de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), pela compreensão e orientação prestada a este trabalho, e aos profissionais do CEDOC do Departamento de Economia.
RESUMO
Este ensaio mostra os desvios de conduta das grandes corporações
farmacêuticas, em especial o desvio de seu papel fundamental, que é
desenvolver medicamentos realmente inovadores e disponibilizá-los a um
preço razoável. Ao mesmo tempo relaciona as teorias de oligopólio de Possas
(1990), as teorias sobre corporações de Bakan (2008) e as implicações
neoliberais a partir do olhar de Barros (2004), com as formas metódicas destes
desvios.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 7
2 CONCEITOS E CARACTERIZAÇÕES
PRELIMINARES.......................................................................................... 12
2.1 Os alopáticos e farmoquímicos.............................................................. 12
2.2 Classificações dos medicamentos......................................................... 13
2.3 O Processo de Fabricação de um Medicamento de Referência............14
2.4 O Ambiente Legal e Regulatório............................................................ 16
3 OS DESVIOS DE CONDUTA E AS PRIMEIRAS
IMPRESSÕES............................................................................................. 19
4 A FORMAÇÃO HISTÓRICA DAS CORPORAÇÕES
E DO OLIGOPÓLIO FARMACÊUTICO....................................................... 30
4.1 Da Botica à Corporação Farmacêutica.................................................. 30
4.2 Estágios iniciais – anos de 1850 a 1945................................................ 32
4.3 Segunda fase: consolidação das empresas líderes –
anos 1945 a 1980........................................................................................ 35
4.4 Terceira fase evolutiva: o período da biotecnologia molecular –
de 1980 e em andamento............................................................................ 38
5 NEOLIBERALISMO E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA:
A ERA DAS CORPORAÇÕES E OLIGOPÓLIOS....................................... 42
6 A QUEBRA DE UM MITO: A FORMA DE
FUNCIONAMENTO ACABADA DE UMA MÁQUINA DE LUCRAR............ 57 6.1 A Base Teórica.......................................................................................57
6.2 A Forma Acabada.................................................................................. 63
7 CONCLUSÕES..........................................................................................77
ANEXOS...................................................................................................... 80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 95
“O juízo ético está na raiz de todo o juízo econômico e, portanto, informa toda a atividade econômica.” (Francisco Valsechi. Qué es la economía? B. Aires)
7
1 INTRODUÇÃO
O remédio. Um bem material feito pelo homem para o bem do homem. Parece
um conto de fadas e, não de homens.
“Desde o início os remédios da quimiosíntese são subjugados à lógica do
mercado e se afastaram dos propósitos sanitários” (BARROS, 2004, p. 11-21),
declara Barros em seu relatório para a UNESCO em 2004. Barros é ativo no
Health Action Internacional (HAI) e um dos fundadores da Sociedade Brasileira
de Vigilância de Medicamentos. A Dra. Marcia Angell trabalhou por duas
décadas como editora-chefe do New England Journal of Medicine e em seu
livro ‘A Verdade sobre os Laboratórios farmacêuticos’(ANGELL, 2008), mostra
que a indústria farmacêutica como está agora, é uma máquina voraz em busca
de lucros enormes e contínuos, longe dos propósitos fundamentais de
desenvolver medicamentos importantes e que possuam melhorias significantes
para os pacientes e, com preços adequados à realidade dos mesmos.
Este ensaio possui como objetivos centrais: i) mostrar que o oligopólio
farmacêutico tem a propensão a ser mero meio de acumulação de capital; ii)
tendo como conseqüência medicamentos abusivamente caros, o
escasseamento de novos medicamentos importantes, crescimento dos
medicamentos imitação, o gasto colossal com técnicas de publicidade cada vez
mais agressivas e enganosas, a conversão dos médicos em vorazes
prescritores de drogas, engenharia de drogas que permite prolongar ao
máximo o tratamento, doenças negligenciadas, exclusão de enormes
contingentes populacionais do acesso às drogas; iii) relacionar a corporação,
as estruturas de mercado – principalmente as que constituem barreiras à
entrada - e o neoliberalismo aos objetivos anteriores.
A metodologia para atingir estes objetivos se torna mais clara ao dividir o
ensaio em cinco etapas que dão nomes a cinco capítulos. Antes de entrar nos
8
esclarecimentos sobre o primeiro capítulo convêm esclarecer alguns pontos
importantes. O mercado de medicamentos analisado foi o estadunidense e a
classe é medicamento de marca (medicamento de marca é aquele protegido
por patentes e possui nome comercial, também chamado medicamento de
referência ou branded), alopático e produto da quimiossíntese ou biotecnologia.
Esta classe de medicamento representa o mercado mais expressivo em
vendas e lucros. As definições usadas para indústria e mercado são de
Robinson (POSSAS, 1990, p. 93), indústria sendo um grupo de firmas
empenhadas na produção de mercadorias semelhantes quanto aos métodos
de produção e, mercado, um grupo de mercadorias que são substitutas
próximas. Já a definição de barreiras de mercado é dada como Bain (POSSAS,
1990, p. 96): vantagens absolutas de custos de todos os tipos como marca,
patentes, P& D, economias de escala, etc.
O foco nos EUA tem como razões principais: i) os EUA são o maior mercado
de produtos farmacêuticos do mundo; ii) todas as grandes corporações
farmacêuticas do mundo estão concentradas nos EUA; iii) para todos os
efeitos, todo o país que faça uso da medicina ocidental de forma ampla está
sob influência determinante do que acontece nos EUA.
No primeiro capítulo (Conceitos e Caracterizações Preliminares) são
apresentados conceitos e características básicas do setor farmacêutico, de
forma que as quatro etapas da produção de um medicamento inovador sejam
apresentadas num todo e em partes, o mais estático possível. É importante
notar a distinção entre farmoquímicos e medicamentos, também é importante
fazer uma visualização detalhada da etapa de P & D. Foi feita uma compilação
de várias fontes dispersas e depois rearranjadas numa ordem um pouco mais
lógica do ponto de vista do processo de produção, além do mais isso permitiu
uma complementação, tornando-o mais rico.
No segundo capítulo (Os Desvios de Conduta e as Primeiras Impressões) é
feito um panorama dos principais problemas do setor farmacêutico. São
apresentados números, pesquisas e casos documentados que apontam que as
9
farmacêuticas líderes possuem perfis muito semelhantes de transgredir regras
para alcançar seus objetivos econômicos. Apontam também que são condutas
persistentes, enraizadas num padrão habitual de fazer negócios, onde nem os
fins nem os meios se justificam. Os dados de pesquisas e os casos foram
retirados de Barros (2004) e Angell (2008), relatórios do BNDES e fontes
diversas na internet; a qualidade, confiabilidade e atualidade dos dados são de
forma geral parecidas, pois são derivados de instituições de pesquisa de
renome internacional, ou de publicações igualmente conceituadas.
A conclusão a que se chega é que esta conduta é resultado de um processo
histórico, cultural e econômico, no qual se sobressaem as estruturas de
mercado, a corporação moderna e o neoliberalismo. Os próximos quatro
capítulos fazem análises que partem dos pontos desta conclusão.
No terceiro capítulo (A Formação Histórica das Corporações e do Oligopólio
Farmacêutico) é descrita a história da indústria farmacêutica, desde seu
surgimento, passando pela consolidação dos grandes laboratórios até alcançar
a era biotecnológica. A principal fonte utilizada para a reconstituição de fatos
históricos foi Radaelli (2007) e, Bakan (2008) serviu para traçar um paralelo da
história geral das corporações que relaciona a indústria farmacêutica com a
instituição corporação.
No quarto capítulo (Neoliberalismo e A Indústria Farmacêutica: A Era das
Corporações e Oligopólios) o neoliberalismo se torna o foco. A partir da década
de 1980 e 1990, os países começaram a pôr em prática as idéias da
Conferência de Washington: abertura comercial, desregulamentação dos
mercados, maior liberdade para o fluxo internacional de capitais, não-
intervenção governamental na economia, entre outros. Como resultado, temos
um capitalismo mais selvagem, com forte tendência de concentração de renda
e capital a níveis mundial e nacional, crescimento do poder e influência dos
oligopólios e corporações sobre os mercados globais, generalização de valores
como competição, egoísmo e utilitarismo. O setor farmacêutico volta a crescer
espetacularmente, mas são os lucros e os rendimentos que mais
10
impressionaram. Por outro lado as inovações in-house se tornam cada vez
mais inexpressivas do ponto de vista cientifico. Como se não bastasse, o
acesso aos medicamentos foi dificultado pelos altos preços dos medicamentos
de marca e por causa do acordo TRIPs muitos países pobres se viram em
apuros para ter acesso aos genéricos. Neste capítulo foi usado principalmente
Barros (2004) pelo fato da sua análise centrar-se no período neoliberal da
indústria farmacêutica.
O quinto capítulo (A Quebra de Um Mito: A Forma de Funcionamento Acabada
de Uma Máquina de Lucrar) é onde desembocam os capítulos um, dois, três e
quatro. Do ponto de vista total do trabalho, o primeiro capítulo fez um
reconhecimento de termos, processos, instituições, etc. O segundo capítulo
tinha o papel de oferecer indícios sólidos dos problemas e abrir caminhos para
teorias que pudessem servir de explicação. No terceiro capítulo é feito um
acompanhamento histórico até meados dos anos 70, ao mesmo tempo que, as
teorias sobre estruturas de mercado são aplicadas num contexto histórico
diferente que ainda não continha novos elementos; as corporações
farmacêuticas não tinham alcançado o grau de maturidade atual e nem
passado pelas transformações neoliberais. No quarto capítulo são os efeitos
gerais de um liberalismo ainda recém-concebido que está em foco, é um
balanço geral de uma transição para o quinto capítulo. Finalmente, o quinto
capítulo possui todos os elementos desenvolvidos e acabados, mas ao mesmo
tempo possui novos elementos que não puderam ser analisados; era
necessária uma fonte muito próxima e mais atual possível sobre as líderes do
mercado farmacêutico americano; o que foi encontrado no trabalho de Angell
(2008).
Há virtualmente pouca disponibilidade de bibliotecas especializadas sobre o
assunto em Vitória, Espírito Santo. A Fiocruz, por exemplo, uma das melhores
opções, foi descartada por sua distância (é sediada em Brasília) e por não
disponibilizar bibliografia alguma em seu site. A Intercontinental Medical
Statistics (IMS Health), a mais gabaritada fonte de informações do setor em
11
nível internacional, possui vários empecilhos para um pesquisador
independente e sem recursos.
Felizmente, graças à internet foi possível encontrar um relatório da FINEP da
pesquisadora Maria Pinto (PINTO, 2004) e o relatório para a ONU de Barros
(BARROS, 2004), ambos de distribuição livre. Pela internet também foi possível
chegar até a indicação do livro de Angell (ANGELL, 2008) que foi
posteriormente adquirido, possivelmente a autora que faz a melhor crítica da
atualidade sobre a indústria farmacêutica. O fato destas obras e, também os
relatórios setoriais do BNDES, usarem fontes difíceis de serem acessadas
diretamente, acabou simplesmente evitando um imenso trabalho, talvez até
desnecessário.
O CEDOC do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito
Santo continha até o momento apenas três monografias sobre a indústria
farmacêutica, que apesar de não tratarem do mesmo assunto deste trabalho
davam uma boa direção e referências novas. As monografias foram de: Effgen
(2007), Santos (1997) e Silva (1995). A monografia de Effgen abordou o
marketing e inovação no contexto da indústria farmacêutica brasileira, voltando-
se mais para problemas de atrasos tecnológicos e a ênfase em marketing dos
laboratórios nacionais e as filiais internacionais. Já Santos ressaltou a
estratégia de diferenciação da indústria farmacêutica brasileira e, Silva focou o
papel da distribuidora de medicamentos, também em território nacional. Nosso
ensaio era essencialmente diferente. Ele parte das maiores corporações
farmacêuticas localizadas nos EUA, para avaliar seus descaminhos e
conseqüências no mundo.
12
2 CONCEITOS E CARACTERIZAÇÕES PRELIMINARES
Para tornar o desenvolvimento do texto claro e fluente é preciso dar
familiaridade a alguns termos usados nesta indústria, também seus estágios de
atividade e ambiente regulatório. Este capítulo fala sobre alopáticos,
farmoquímicos, classes de medicamentos e suas nomenclaturas, a cadeia de
produção de um medicamento e também sobre as leis, instituições e acordos.
2.1 Os alopáticos e farmoquímicos
Os medicamentos alopáticos são os de maior difusão no ocidente e de maior
expressão econômica no mundo (PALMEIRA FILHO; PAN, 2003). A alopatia
tem princípios que a diferenciam da medicina chinesa, da homeopatia, da
medicina ajurvédica e outras. Ela se utiliza de matérias-primas de origem
fitoterápica, da biotecnologia e da principal matéria-prima desde a década de
1940: os farmoquímicos, que são fármacos de síntese química orgânica.
(BASTOS, 2005)
Os farmoquímicos ou fármacos são o princípio ativo ou base medicamentosa
que produz o efeito terapêutico. São utilizados aditivos ou adjuvantes para
alterarem estados físicos e químicos, a velocidade de absorção e outros com a
finalidade de complementar, alterar, potencializar, melhorar a eficácia do
tratamento. A proporção entre fármaco e adjuvantes é uma formulação
farmacêutica, o seu produto final é a especialidade farmacêutica, que pode se
apresentar em forma de comprimidos, líquidos injetáveis, líquidos de via oral,
pomadas, cremes, sprays etc. A associação medicamentosa ocorre quando
uma especialidade farmacêutica possui mais de um fármaco (PALMEIRA
FILHO; PAN, 2003).
13
Simplificando: Especialidade farmacêutica (E F) = fármaco + aditivos (ou
adjuvantes)
A especialidade farmacêutica está dentro de uma das classes terapêuticas de
doenças, entre outras podemos citar as seguintes classes terapêuticas:
citostáticos, antipsicóticos, redutores de colesterol e triglicérides,
antiulcerantes, etc. Em algumas destas classes há vários tipos de doenças
daquela mesma classe, como arteriosclerose, doença arterial coronária e
cardiopatia isquêmica são exemplos de doenças cardiovasculares, uma classe
terapêutica.
2.2 Classificações dos medicamentos
A classificação depende do critério, aqui faremos referência a dois critérios
(PALMEIRA FILHO; PAN, 2003):
1º ) Classificação segundo a forma de comercialização:
- medicamentos éticos: que são os remédios vendidos sob prescrição médica.
- medicamentos de venda livre (também chamados não-éticos): medicamentos
que não exigem prescrição. Algumas literaturas os denominam de OTC (over-
the-counter).
2º ) Segundo os direitos de propriedade:
- medicamentos de referência (de marca ou inovador): contém princípio ativo
inédito, fruto da P & D, comercializado pelo laboratório proprietário da patente,
sob um nome de marca registrada (BARROS, 2004, p. 154).
-medicamentos similares (também chamados me too): são imitações com
alguma alteração em relação ao original que às vezes também possibilitam
patentes.
14
-medicamentos genéricos: medicamentos idênticos, com comprovação de
bioequivalência e biodisponibilidade, o que garante a mesma eficácia e
segurança. A biodisponibilidade está relacionada com a velocidade e o grau
com que a substância ativa se torna disponível ao organismo a partir do
momento em o medicamento entra no corpo. Já a bioequivalência testa a
biodisponibilidade entre dois equivalentes farmacêuticos administrados na
mesma dose, são equivalentes os medicamentos que possuem a mesma
substância ativa, dose e forma. Os genéricos não possuem patentes pelo fato
simples de serem derivados de patentes vencidas.
2.3 O Processo de Fabricação de um Medicamento de Referência
Um medicamento de referência, a princípio, é um medicamento que deve
apresentar alguma inovação que o possibilite obter patentes e direitos
exclusivos de comercialização. O processo de sua fabricação tem uma relação
íntima com esta regra, pois ele se volta para objetivo de obter um monopólio
para o seu produto.
Figura 1 - Etapas da Cadeia de Produção da Indústria Farmacêutica
Fonte: Capanema e Palmeira Filho, (200_ p. 165)
Esta cadeia (Figura 1) foi apresentada pela Cepal (Comissão Econômica para
a América Latina) em 1987 e é bastante utilizada, na sua primeira etapa
(Pesquisa & Desenvolvimento) é muito importante para este trabalho e por isso
será mais detalhada a seguir.
A pesquisa e o desenvolvimento iniciam com a busca por conhecer os
mecanismos de uma doença a nível molecular, para então buscar moléculas
15
biologicamente ativas para testes. A seguir vem a fase pré-clínica na qual se
seleciona as moléculas mais promissoras para serem testadas em animais e
em culturas de células, após estes testes as consideradas satisfatórias passam
para a fase de testes clínicos em seres humanos voluntários e selecionados
(ANGELL, 2008). Ainda sobre a fase pré-clínica:
Na fase pré-clínica, de natureza químico-farmacêutica, concentra-se a maior parte das dificuldades tecnológicas da produção de um medicamento e nas fases clínicas e fase galênica estão as atividades estritamente farmacêuticas, com tecnologia de relativa simplicidade e difusão (QUEIROZ, 1993, apud PINTO, 2004).
Os testes clínicos são divididos em três fases sucessivas, na fase um ocorrem
testes de segurança e tolerância em que são avaliados os efeitos colaterais,
metabolismo, doses, em pessoas sãs; havendo prosseguimento, na fase dois,
se testa a eficácia por comparação com placebos em pessoas portadoras das
doenças e, também se houver prosseguimento, na fase três, os testes se
ampliam para um maior número de portadores e para um tempo maior que
pode durar de um a três anos.
A fase galênica é realizada simultaneamente à fase clínica objetivando
avaliar composição, pureza e estabilidade do produto ao longo do tempo
(QUEIROZ, 1993, apud PINTO, 2004).
Terminados os testes e colhidos os resultados, são apresentados ao órgão
regulador para a inspeção com fins de receber a aprovação e os direitos
exclusivos de comercialização, após a aprovação o medicamento pode ser
explorado comercialmente e com exclusividade. No entanto o desenvolvimento
continua com testes de fase 4, no qual há um acompanhamento clínico de
reações adversas, possíveis efeitos colaterais e novos usos para o
medicamento, só então ocorre a aprovação definitiva. Os testes pré-clínicos e
testes clínicos são exigências do órgão regulador. O quadro abaixo (Quadro 1)
apresenta um resumo esquemático para melhor visualização da primeira etapa
da cadeia produtiva, a de P& D.
16
Quadro 1 - O Processo de P & D e o Lançamento de Medicamentos
Fonte: IFPMA (2004, p. 23) citado por Bastos (2005, p. 282)
A segunda etapa da cadeia produtiva é a produção de farmoquímicos em linha
de produção, que podem ter várias etapas, cada uma delas gera um produto
intermediário de síntese com mercado próprio. O produto final desse processo
é o fármaco em si.
Não será feita referência à produção dos aditivos por ser de menor importância
para a análise. A terceira etapa é a produção das especialidades farmacêuticas
também em linha de produção para abastecer o mercado. A quarta e última
etapa é a de marketing e vendas que em sua maior parte é dirigida aos
médicos. Pode se acrescentar nesta etapa a distribuição, apesar de que
geralmente esta etapa é feita por intermediários atacadistas (também iremos
ignorar a distribuição de medicamentos).
2.4 O Ambiente Legal e Regulatório
FDA - O órgão regulador norte-americano é o FDA (Food and Drug
Administration) que normatiza, inspeciona, fiscaliza anúncios e a fabricação,
17
exige e normatiza testes dos laboratórios, é quem concede a licença de
comercialização, direitos exclusivos de comercialização, cancela licenças e
direitos, aplica multas. No entanto ela não regula preços dos medicamentos.
ANVISA – A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é o órgão
regulador brasileiro que se destina a proteger a saúde da população, através
da regulação, controle das atividades de produção e comercialização, inclusive
nos portos e aeroportos e também em assuntos internacionais de segurança
sanitária. Quanto ao setor farmacêutico é responsável pelo monitoramento de
preços, fiscalização das publicações e publicidades sobre medicamentos, apoio
técnico ao INPI (Instituto Nacional de propriedade Industrial), permissão de
comercialização dos medicamentos, entre outros
Medicaid – é um programa estadunidense administrado pela Seguridade
Social estadual ou pelas Secretarias de Saúde dos estados que reembolsa
planos de saúde, hospitais e médicos pelo atendimento de pessoas carentes
que cumprem os requisitos do programa. O importante a salientar é que este
programa cobre uma lista de medicamentos de prescrição.
Medicare – também é um programa estadunidense coberto pela Seguridade
Social, porém este se destinada a pessoas de qualquer nível de renda que
tenham mais de 65 anos ou alguma deficiência. Cobre alguns medicamentos
de prescrição, custos da internação, de exames, com a finalidade de garantir
que os planos de saúde e hospitais prestem o serviço e não pratiquem
exclusão de clientes idosos.
Trips (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights) – É também
chamado no Brasil de ADPIC (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio). O TRIPs faz parte do
acordo que originou a OMC e representa o conceito atual do direito de
propriedade intelectual em vigor no mundo, inclusive sobre as patentes de
medicamentos. Foi assinado com o fim da Rodada do Uruguai em 1994.
18
National Institutes of health (NIH) – realiza e financia pesquisas nas áreas
medicinais com dinheiro público, seu campus está localizado na periferia de
Washington, D.C.
U.S. Patent and Trademark Office (USPTO) – órgão estadunidense de registro
de patentes.
Lei Hatch-Waxman – série de leis estadunidenses que entre outras coisas,
prorrogam os direitos de monopólio dos medicamentos patenteados e ameniza
leis que eram muito exigentes e bloqueavam a entrada dos genéricos no
mercado.
Lei Bay-Dole – lei estadunidense criada no início dos anos 80 que permitiu que
universidades e pequenas empresas patenteassem descobertas decorrentes
de pesquisas patrocinadas pelos National Institutes of Health. Os NIHs podem
ou não conceder a permissão dependendo do interesse público e têm a
prerrogativa de exigir preços razoáveis aos consumidores devido à concessão.
19
3 OS DESVIOS DE CONDUTA E AS PRIMEIRAS
IMPRESSÕES.
As evidências dos desvios de conduta do mundo corporativo, e aí incluída a
indústria farmacêutica, apresentam um caráter metódico, sistemático, e se
propagaram pelo mundo em quantidade alarmante. A indústria farmacêutica
acumula multas. A Schering-Plough foi condenada a pagar US$ 500 milhões
por: fabricações inadequadas em outros países, coalizão ilegal com
laboratórios genéricos, fraudes ao Medicaid, propinas, falsificação de testes,
etc. A TAP Pharmaceuticals, Bayer, AstraZeneca, Pfizer, Eli Lilly, Merck etc
pagaram cada uma milhões de dólares (ANGELL, 2008, p. 246-247).
A indústria farmacêutica dentro dos EUA também coleciona processos e
acusações criminais e cíveis. A Federal Trade Comission fez investigações por
anos e detectou e indiciou vários laboratórios por terem cometido
transgressões flagrantes, em especial o abuso da lei Hatch-Waxman. Outras
transgressões se referem a propaganda enganosa, fraudes ao Medicare e
Medicaid. Os promotores estaduais e federais vêm processando continuamente
mais de uma dúzia de laboratórios por subornos e fraudes. Associações de
consumidores processaram a poucos anos mais de 20 laboratórios (ANGELL,
2008, p. 244-245)
Apenas em 2008, é possível citar dois casos importantes cobertos pela mídia
em que medicamentos aprovados pela FDA e ANVISA tiveram que ser
recolhidos do mercado e suas vendas proibidas, o caso Prexige (medicamento
anti-inflamátorio da Novartis) e os medicamentos para asma Foradil (da
Novartis) e Serevent (da GlaxoSmithKline), todos eles apresentavam reações
adversas não previstas e perigosas.
20
Mais interessante ainda foi encontrar uma matéria da Folha Online no mesmo
ano, intitulada ‘Testes Sobre o Câncer se Baseiam em Métodos Errados, diz
Estudo’ sobre a confiabilidade dos métodos usados em testes clínicos para
câncer (vide referências bibliográficas). Em uma pesquisa nos EUA publicada
no Journal of the National Cancer Institute, que examinou 75 artigos divulgados
em 41 revistas médicas de 2002 a 2006, descobriu-se que mais de um terço
utilizavam simultaneamente e, nove deles não estavam respaldados em dados
suficientes para tirar conclusões.
Ainda em 2008, a Folha Online publica uma matéria cujo título é ‘Laboratório é
Acusado de Pagar Cientistas para Assinar estudos sobre o Vioxx’. Retirada do
Journal of the American Medical Association (Jama), o material dizia: "Essa
análise da documentação da indústria relacionada ao rofecoxib (nome
comercial do Vioxx) revela que a Merck recorria sistematicamente à estratégia
de utilizar nomes de aluguel para firmar sua literatura médica" (vide anexo).
A TAP Pharmaceuticals vendia Lupron (tratamento contra câncer de próstata)
com desconto de US$ 150 aos médicos para que os mesmos pudessem cobrar
do Medicare o reembolso de US$ 500 a dose, assim praticavam suborno com
dinheiro do programa social do governo dos EUA. E ainda ofereceu US$
25.000 mil ao diretor-médico de um plano de saúde para que ele continuasse a
induzir o plano a comprar o Lupron. A TAP acabou sendo indiciada e se
declarou culpada, por isso foi multada em US$ 875 milhões (ANGELL, 2008,
p.146).
Entretanto a indústria farmacêutica não é tão diferente de tantos outros casos
de desvios de conduta corporativos: Escândalo da Enron, da Tyco, Adelphia
Communications, Qwest International Joe Nacchio, Brocade Communication
Systems, Keefe Bruyette & Woods, Bayou e ImClone, empresa de
biotecnologia cujo CEO (Chief Executive Officer) Sam Waksal foi condenado
em 2002 por uso indevido de informações privilegiadas. Estes são apenas os
mais divulgados na mídia, mas que não expressam a verdadeira dimensão do
problema.
21
A Multinational Monitor reuniu cerca de 40 infrações da General Electric entre
1990 e 2001, entre elas várias contaminações de solo e água, falta de
segurança em local de trabalho, falhas de segurança em usinas nucleares,
vazamento de informações sigilosas, propaganda enganosa, acidentes
causados em aviões e carros, superfaturamento com o Ministério de Defesa
dos EUA, cobranças indevidas, etc. (BAKAN, 2008, p. 89-94).
No anexo deste trabalho, após as conclusões, estão dois trechos retirados do
livro de Bakan (2008) que relatam dois casos reais de forma bem detalhada.
No caso da General Motors o que se destaca é o cálculo de quanto a vida
humana poderia custar à General Motors frente ao custo de construir veículos
seguros, no que acabou resultando em dezenas de processos por incêndio
culposo de veículos da GM (BAKAN, 2008, p. 73-75). Já a Nike possui fábricas
de exploração de mão-de-obra barata na Ásia e América Central, que utilizam
métodos de exploração de trabalho tão absurdos e bárbaros que é normal
substituírem trabalhadoras de 25 anos que tiveram a saúde e a dignidade
arruinadas (BAKAN, 2008, p. 77-79).
Além desse traço de conduta metódico e generalizado das corporações, a
indústria farmacêutica apresenta distorções curiosas que não combinam com
sua atividade ou sua imagem projetada. Vejamos:
Diversos estudos dão conta da numerosa fração dos chamados me-toos e foram por nós comentados em publicações anteriores (Barros, 1988; Barros, 1995), sendo particularmente elucidativos os realizados por Barral (apud WHO, 1988a): entre 508 entidades lançadas como “novas”, no mercado mundial, entre 1975-1985, 398 não mereciam ser, assim, classificadas e apenas 35 (6,9%) estavam dotadas de nova estrutura e de maior eficácia terapêutica; ou pela FDA: somente 21% de um total de 1077 autorizações emitidas pelo órgão, puderam ser consideradas como “entidades moleculares novas”(Meyers & Moore, 1991); de igual forma, na Espanha, foram autorizados 269 “novos” produtos, na década 1977/1986, dos quais 5 mereceram ser catalogados como “novidade terapêutica excepcional”, 19 foram considerados “importantes” e nada menos que 194 (72%)“não trouxeram nenhuma melhora” (PEREZ, 1988, apud BARROS, 2004, p. 29).
22
Ou seja, entre 1975 e 1986 apenas 35 medicamentos aprovados pela FDA
poderiam ser considerados como novidades, sendo que existem atualmente
mais de 260 classes terapêuticas possíveis de receberem investimentos em P
& D. O que chama muita atenção é que 79% eram drogas retrabalhadas
(medicamentos me too ou de imitação).
Continuando, no período entre 1989 e 2000 a FDA aprovou 361 entidades
químicas novas contra 558 incrementais, 197 a menos. Sendo que apenas 153
(14,8 % do total, incluído as imitações e outros) das novas foram aprovadas
com processo prioritário - processo prioritário dá preferência de análise a
medicamentos que apresentam uma grande melhoria no tratamento de alguma
doença (ANGELL, 2008) - em relação às outras. Devemos ainda lembrar que
muitas destas drogas receberam incentivos do governo ou simplesmente foram
desenvolvidas por instituições governamentais (BASTOS, 2005).
Entre 1965 e 1992, dos 21 medicamentos mais eficazes 15 provinham de
pesquisa pública e entre 1992-1997, 45 dos 50 medicamentos mais vendidos
recebiam incentivos do governo (ANGELL, 2008, p. 82). E ainda, entre 98 e
2002 dos 415 medicamentos aprovados 32% (133 medicamentos) eram uma
nova entidade molecular e os restantes não eram. Desses 32% cerca de 40%
não eram consideradas pela FDA de inspeção prioritária, muitos dos quais não
provinham da grande indústria, ou provinham parcialmente e alguns poucos
eram medicamentos órfãos (medicamentos de mercado muito pequeno ou
pouco atraente e por isso esquecidas pela indústria farmacêutica). As curas
definitivas são extremamente raras e no geral medicamentos inovadores estão
escasseando ano pós ano (ANGELL, 2008 p. 71-73).
Isso quer dizer que a indústria farmacêutica não só baseia sua produção em P
& D de imitações – que por sinal exigem muito menos capital, implicam em
menos riscos e não oferecem grandes barreiras tecnológicas – como não é
responsável única por seus medicamentos de sucesso comercial e terapêutico
já que se beneficia enormemente do ambiente tecnológico externo e, vale
dizer, financiado em boa parte de dinheiro público. Senão vejamos.
23
As corporações farmacêuticas pagam royalties aos NIH, que fazem pesquisa
própria ou financiam, são todos financiados por dinheiro público. A Pfizer
atingiu 30% da receita com licenciamento de terceiros enquanto a Merck
atingiu 35% (ANGELL, 2008, p. 73).
Em 1998, 15% das solicitações de patentes provinham de toda indústria
farmacêutica dos EUA, enquanto 54% provinham dos centros acadêmicos e
13% do governo, sem levar em consideração o nível qualitativo da inovação
(ANGELL, 2008, p. 81).
Quadro 2 - Principais Produtos de Marca Vendidos (Blockbusters): Vendas
Globais – 2004 (Em US$ Bilhões)
Fonte: IMS Health [The Economist (2005)] citado Bastos (2005, p. 276)
Dos dez medicamentos relacionados no quadro acima (Quadro 2) acima, pelo
menos seis deles é sabido que apresentam históricos problemáticos ou são
meras imitações. O Vioxx, como já comentamos, chegou ao mercado através
de estudos fraudados. O Nexium é uma cópia disfarçada do Prilosec (ambos os
medicamentos pertencentes ao laboratório inglês AstraZeneca que recebeu um
investimento em publicidade milionário (ANGELL, 2008, p 93-96). O Neurontin
(medicamento do laboratório estadunidense Pfizer) levou à Pfizer a pagar uma
multa de US$ 470 milhões após se declarar culpada de, saber que os testes
clínicos e a publicação da pesquisa eram fraudes montadas para ampliar o
24
mercado do medicamento, a história completa também está no anexo
(ANGELL, 2008, p.175-176). O Novarsc (também da Pfizer) foi provado ser
igual ou inferior a uma droga existente no mercado há 50 anos (ANGELL, 2008,
p.112-116). O Lipitor (da Pfizer) e o Zocor (medicamento do laboratório
estadunidense Merck) são estatinas de imitação baseadas no antigo sucesso
do Mevacor (Merck) (ANGELL, 2008, p.97-99). O Effexor (do laboratório Wyeth
Pharmaceuticals) é suspeito de fraudes em testes clínicos e suborno de médico
contratado para dar palestras sobre o medicamento em conferências. Todos
estes casos podem ser conferidos em detalhes no anexo (com exceção do
Vioxx que pode ser conferido através da referência bibliográfica.
Sobre as doenças a que este padrão de P & D é direcionado temos as
seguintes constatações: dos 1.393 novos medicamentos aprovados nos últimos
25 anos, 13 tratam de doenças tropicais e dois de tuberculose; dos 13
medicamentos para doenças tropicais, seis foram desenvolvidos com o apoio
de um programa financiado pela Organização das Nações Unidas, Banco
Mundial e OMS (PINTO, 2004 p. 6).
Dados da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA),
entidade criada pelos grandes laboratórios farmacêuticos, revelam que em
2000, dos 137 fármacos em estudo para combater doenças infecciosas,
apenas um era voltado para malária e um outro para a doença do sono; não
havia nada para leishmaniose ou tuberculose. Por outro lado, no site da
PhRMA haviam relacionados oito fármacos em desenvolvimento para
impotência e disfunção erétil, sete contra obesidade e quatro para distúrbios do
sono (BARROS, 2004, p. 141-142). Talvez não fosse necessário lembrar que
malária, doença do sono, leishmaniose e tuberculose são doenças
extremamente perigosas, ao contrário de obesidade, disfunção erétil, calvície,
que nem exatamente podem ser consideradas doenças.
É possível encontrar diversos medicamentos para transtornos emocionais,
disfunções sexuais, até mesmo medicamentos veterinários de diversos tipos,
mas muitas patologias típicas de mercados pobres como os países tropicais
25
são esquecidas pela indústria, como doenças de duração efêmera ou distúrbios
de saúde raros. Entre eles os antiofídicos, doenças terminais, anestésicos
vacinas infantis, dengue, etc. (ANGELL, 2008, p. 108 -109).
Figura 2 - Tipos de Necessidades Cobertas pelo Mercado Farmacêutico
Mundial (2001)
Fonte: Anônimo, DND – Drug neglected diseases (MSF), 2001, citado por
Barros (2004, p. 143)
A figura acima (Figura 2) mostra as distorções do mercado, onde podemos
perceber que as áreas circulares representam números de doenças
detectadas. O círculo A é o maior por conter doenças que são comuns em
26
quase toda a população mundial, enquanto o B são doenças típicas de países
pobres ou que são raras e C doenças dos países em miséria ou extremamente
raras. O retângulo Z representa as doenças que são atendidas pela oferta de
medicamentos. A grande proporção que o retângulo Z toma do círculo A
significa que boa parte das doenças são atendidas, mas a imensa maioria de
população mundial é excluída por ser de baixo poder aquisitivo. O retângulo Z
toma uma pequeníssima porção de B e nada de C, assim um enorme
contingente de portadores de doenças típicas de países pobres é praticamente
esquecida. Contrastando com a escassez em B e C, o restante do retângulo Z
representa o enorme mercado para problemas que nem são consideradas
doenças, mas apenas fatos indesejáveis e cuja prioridade de tratamento é mais
baixa.
A busca por mercados e sua ampliação parecem, à primeira vista, estar
intimamente relacionados a fenômenos como medicalização,
polimedicalização, e o crescente mau-uso de medicamentos. Sobre estes
assuntos convém deixar a palavra para especialistas da área médica:
O uso inadequado e excessivo de medicamentos – existem estimativas da OMS segundo as quais mais da metade dos medicamentos receitados e vendidos o são de forma inadequada – implica em um desperdício de recursos, além de acarretar para os usuários, seja a ausência dos resultados positivos esperados, seja a ampliação dos efeitos adversos. Adicionalmente, o uso irracional de medicamentos pode provocar uma demanda aumentada e desproporcional por parte dos pacientes gerando, por vezes, uma perda de confiança nos serviços de saúde em razão da falta ou escassez dos produtos farmacêuticos (BARROS, 2004, p. 178).
E sobre a medicalização:
É provável que a expressão mais acabada das distorções e conseqüências concretas do modelo biomédico, reducionista, de abordagem da saúde e da doença na vida dos indivíduos resida no que se convencionou designar como medicalização [...]medicalização, inclusive de etapas fisiológicas da vida que, ao serem redefinidas como ‘problema médico’ ampliam significativamente os espaços para o mercado (mais adiante, comentamos o caso da gravidez e do parto) (Wolfers, 1991 apud BARROS, 2004, p. 52). A medicalização da menopausa e a promoção dos medicamentos psicotrópicos. (BARROS, 2004, p. 50-52)
27
Entendemos a medicalização definida por Barros (2004) como um fenômeno
que consiste no avanço imponderado dos medicamentos sobre todos amplos
aspectos da vida humana. Angell (2008) concorda com Barros (2004) ao dizer:
“Na minha opinião nos tornamos uma sociedade hipermedicada” (ANGELL,
2008, p. 184-185). E também acha que está havendo polimedicação
contribuindo para a ocorrência das doenças iatrogênicas. Há uma diferença
sutil entre hipermedicação e polimedicação, a primeira se refere às
quantidades de um ou mais medicamentos, enquanto a segunda se refere ao
fato de que vários medicamentos diferentes são administrados
simultaneamente no paciente; a interação entre diversos medicamentos pode
ocasionar o que se chama de interação medicamentosa e culminar em
doenças iatrogênicas.
Nos EUA esses fenômenos custam especialmente caro. Em 2002, o preço
médio dos 50 medicamentos mais prescritos para idosos era por volta de US$
1.500 para cobrir um ano de uso (ANGELL, 2008, p 10). Supondo que uma
pessoa use quatro medicamentos então gastará US$ 6.000 ao ano. Os preços
de medicamentos são muito mais caros nos EUA do que o restante do mundo
(ANGELL, 2008, p. 15). Pois em 2000, o maior preço médio nos EUA entre os
medicamentos eram os de imitação, justamente os que representam 65 % das
aprovações da FDA entre 1989 e 2000 (BASTOS, 2005).
Foi dito que o mercado de medicamentos se concentrava em doenças de
países ricos, agora serão mostrados quais países dominam a indústria
farmacêutica e, a concentração das vendas por continentes. A tabela 1 mostra
uma concentração espetacular do consumo de medicamentos na Europa e
principalmente na América do Norte, que consome cerca de 47% das vendas
globais. Se olharmos para a tabela 2 veremos que os EUA produzem sozinhos
mais do que os 10 países restantes da lista somados.
28
Tabela 1 - Distribuição Continental das Vendas do Mercado Farmacêutico
Global - 2005
Fonte: IMS MIDAS®, MAT dez. 2005, citado por Capanema e Palmeira filho (200_, p. 176)
Tabela 2 - Principais Mercados Nacionais da Indústria Farmacêutica –
Acumulado dos Últimos Doze Meses
Fonte: : IMS MIDAS®, MAT dez. 2005, Capanema; Palmeira filho, (200_, p. 176)
Concentração. Esta é uma característica marcante da indústria farmacêutica, a
concentração de valores econômicos absolutos impressionantes. A
rentabilidade média sobre o patrimônio líquido no período 1988-2001 da Merck,
Eli Lilly, Pfizer, Pharmacia e Schering-Plough foi de 30 % ao ano, superior ao
da Microsoft em 2001 (27%) e aos 21 % de média das 500 empresas do índice
29
Standard & Poor’s (BASTOS, 2005, p. 275). Talvez o número que mais salte
aos olhos seja com relação ao ano de 2002, em plena crise o lucro somado das
10 maiores farmacêuticas e que constavam na Fortune 500 era de US$ 35,9
bilhões, superior ao somatório de todas as 490 empresas restantes de vários
setores (ANGELL, 2008, p. 27).
Depois desse apanhado relativamente pequeno e resumido dos principais
problemas da indústria farmacêutica e das corporações como um todo, foi
possível traçar padrões metódicos de desvios de conduta das corporações
farmacêuticas, padrões revelados pela imensa quantidade de evidências. Esse
era o objetivo principal deste capítulo: dar uma base de evidências sólida de
que a indústria farmacêutica possui um padrão de conduta problemático.
Mostraremos um padrão corporativo de agir e principalmente seus reflexos
sobre a indústria farmacêutica, mas a corporação está dentro de um campo de
discussão maior, envolvendo leis, estruturas de mercado, e processos
históricos. Vamos um pouco além do que pensa Martins (2003, apud BARROS,
2004, p. 54):
Nesta linha de pensamento, Martins (2003) observa mui acertadamente que “aos poucos, a biomedicina afastou-se das suas raízes históricas e de seus compromissos éticos para aparecer como uma empresa comercial, na qual os pacientes são apenas insumos e matérias-primas do processo de acumulação capitalista. Essa perversão tornou-se possível pela separação radical da relação interpessoal entre médico e paciente, separação obtida em grande parte com o apoio da tecnologia utilitarista. Por conseguinte, a substituição da ética médica tradicional por uma moral utilitarista, econômica especulativa, no interior da medicina oficial, aparece necessariamente como um fator importante para a crise do sistema médico como um todo e para as mudanças de paradigma atuais.
30
4 A FORMAÇÃO HISTÓRICA DAS CORPORAÇÕES E
DO OLIGOPÓLIO FARMACÊUTICO.
4.1 Da Botica à Corporação Farmacêutica
A história da indústria farmacêutica não é só da indústria, é das ciências, do
capitalismo e dos estados nacionais desenvolvidos. Em primeiro lugar o fato de
esta indústria estar tão concentrada em países chamados desenvolvidos não é
mera coincidência e, muitos aspectos se devem a este fator primordial. Em
segundo lugar, ela cresceu e consolidou-se não sem a contribuição de toda
comunidade científica pública e das iniciativas do Estado, cuja importância
conjunta foi simplesmente crucial. Em terceiro lugar mostra claramente que
seus rumos foram definidos indubitavelmente, desde cedo, pelas forças do
mercado e uma lógica econômica objetiva, que teve de ser amenizada por
regulamentações governamentais. Em quarto lugar as empresas líderes não
foram ameaçadas pelas turbulências advindas dos novos paradigmas
tecnológicos, pelo contrário, elas acompanharam as mudanças externas e se
adaptaram com segurança, sem riscos desnecessários. Mais tarde, com a
chegada do liberalismo no início dos anos 80, a sua fome de lucros tomará
feições cada vez mais perigosas, a ponto de ameaçar sua própria imagem.
Alguns fatos históricos foram destacados e apresentados numa simples ordem
cronológica que pode ser vista logo abaixo. Em seguida será feita a distinção
de três fases históricas, como etapas evolutivas da indústria farmacêutica
onde os pontos da cronologia poderão ser vistos em maior profundidade.
Cronologia (PALMEIRA FILHO; PAN, 2003, p. 10):
31
• Século XIX - consolidação dos fundamentos científicos e
aperfeiçoamento das técnicas experimentais da química e da
farmacologia;
• 1869 – primeira utilização medicinal de uma substância química
sintética: hidrato de cloral como anestésico;
• 1833, 1899, 1902 – anos respectivamente da síntese, utilização na
terapêutica e difusão comercial do ácido acetilsalicílico como aspirina;
• 1910 – introdução do primeiro composto químico, sintetizado
intencionalmente por Paul Ehrlich, para combater a sífilis;
• 1932 – síntese do primeiro antibiótico da família das sulfas;
• 1934 – síntese do progesterona;
• 1947 – síntese do cloranfenicol, primeiro antibiótico de largo espectro;
• 1940-1990 – desenvolvimento e consolidação das atuais grandes
empresas internacionais;
• 1953 – descoberta dos efeitos anticoncepcionais do progesterona e
decifração da estrutura do DNA;
• 1980 – fundação das primeiras empresas de biotecnologia;
• 1990-2003 – redirecionamento estratégico das grandes empresas.
Seguindo o exemplo de Radaelli (2007) faremos uma divisão cronológica
constituída de três partes: o início da indústria farmacêutica moderna, a sua
consolidação e por último, a etapa biotecnológica. Na primeira etapa o modelo
alemão dominou amplamente o mercado de alopáticos, sua característica
principal é o fato de utilizar a síntese química para produzir medicamentos,
enquanto os EUA não eram em nada diferente do modelo brasileiro, baseado
em boticas de fitoterápicos tradicionais cujos métodos eram pouco elaborados.
Na segunda etapa os EUA tomam a dianteira da Alemanha, mas as empresas
líderes de ambos os países, aproveitando as oportunidades históricas
consolidam não somente seus domínios, como também características
marcantes de suas trajetórias para todo o mercado global futuro. Há uma
concentração das inovações em poucos países desenvolvidos. Um total 30
empresas introduziram 70 % de todas as inovações mundiais no período
32
1800/1990, restritas a EUA, Alemanha, Suíça, reino Unido e França (BASTOS,
2005, p. 280).
Na terceira etapa as empresas líderes usam suas capacitações e seu enorme
poder financeiro adquiridos no passado para assimilar as NEBs (novas
empresas de biotecnologia) e as novas oportunidades tecnológicas de P & D.
4.2 Estágios iniciais – anos de 1850 a 1945
Diferentemente dos setores ferroviário, metalúrgico, indústria de tecidos e
energético, o setor farmacêutico exigia uma base científica de ponta e uma
indústria de química fina previamente estabelecida que só as nações mais
desenvolvidas podiam oferecer nos meados do século XIX. Esse era o caso da
Alemanha.
Nessa etapa apenas havia pequenas empresas farmacêuticas que utilizavam a
química analítica para isolar componentes terapêuticos das plantas. O próximo
passo foi dado primeiramente pela Schering AG, Boehringer Ingelheim e
Merck, que reconheceram a necessidade de padronização e produção em
massa (RADAELLI, 2007, p. 61-62).
O modelo alemão e Suíço baseado em química sintética permitiu à Alemanha
produzir 80 % do consumo global de produtos farmacêuticos, dominando a
indústria até a Primeira Guerra Mundial. As empresas alemãs também
fabricavam corantes sintéticos para a enorme demanda das empresas têxteis
e, material para explosivos, plásticos e desinfetantes; todos com demandas
enormes no mundo (RADAELLI, 2007, p. 61-62).
Empresas alemãs como Ciba, Bayer, Basf, Sandoz e Hoescht tinham
competências também em química orgânica, o que elas fizeram foi usar suas
competências adquiridas com outros produtos da síntese química para explorar
as oportunidades abertas no mercado de medicamentos. Essas indústrias
33
alemãs eram grandes e dominaram outros mercados na Europa através de
filiais. Enquanto isso o modelo anglo-saxão, principalmente dos EUA e Reino
Unido, seguiam um modelo tradicional - extração e purificação de substâncias
encontradas na natureza sem uso da síntese química (RADAELLI, 2007, p. 63).
A pesquisa, nesse primeiro período, foi praticada por centros acadêmicos e
universitários, a indústria nessa época normalmente não fazia pesquisa in-
house (para o português: em casa, ou seja, pesquisa interna), ela limitava-se
ao financiamento ou contratações de pesquisadores esporadicamente. Talvez
a única exceção fosse o modelo alemão onde as indústrias tinham uma clara
inclinação para pesquisa (RADAELLI, 2007, p. 63).
Foi a metodologia criada por Ehrlich,
[...] que fazia metódica e cautelosa comprovação clínica dos efeitos dos produtos que desenvolvia, que serviu de base e referência para o grande desenvolvimento posterior de fármacos sintéticos, que desde 1940 se tornaram a maioria entre os medicamentos consumidos no Ocidente (PALMEIRA FILHO; PAN, 2003, p. 11).
Paul Ehrlich (Prêmio Nobel de Medicina de 1908), com o patrocínio da empresa
química alemã Hoechst, modificou de forma intencional e dirigida, a estrutura
de uma série de substâncias utilizadas para combater a sífilis, os
arsenobenzenos, para tentar aumentar sua toxidez contra o parasito, mantendo
sua inocuidade para o hospedeiro, até chegar ao salvarsan e o neosalvarsan,
que se tornaram referência no tratamento dessa doença e só deixaram de ser
utilizados com a introdução dos antibióticos.
Tudo mudou a partir de 1920 quando a penicilina e o primeiro sulfonamida
foram concebidos nos EUA e Inglaterra em projetos conjuntos dos dois
governos. Na verdade Alexander Fleming descobriu a penicilina em 1928,
depois do sulfonamida, o seu sucesso foi estrondoso, de enorme demanda na
Segunda Grande Guerra. Várias empresas dos EUA produziram penicilina e
começaram a pesquisar antibióticos, pois por aqueles anos antibióticos eram a
menina dos olhos dos tratamentos médicos. Por fim a mudança se operara nos
34
EUA e também na Inglaterra, os EUA após a Segunda Grande Guerra
ultrapassou a Alemanha. Isso não evitou, no entanto, que laboratórios alemães
se mantivessem entre os maiores do mundo, pois o mercado era muito novo e
de enorme potencial, e os mercados nacionais eram bem protegidos
(RADAELLI, 2007, p. 64).
O sucesso dos antibióticos foi um divisor de águas. Ficou comprovado que os
medicamentos podiam ser fabricados em massa e ao mesmo tempo podia-se
manter a padronização da qualidade e, por outro lado o sucesso chamou a
atenção do público. A tal ponto que em menos de 30 anos a indústria
farmacêutica já estava entre as maiores corporações dos EUA:
Segundo KEFAUVER (1967, apud SANTOS, 1997, p. 14), em relação
preparada pela revista Fortune, em 1958, três empresas
farmacêuticas situavam-se entre as maiores corporações industriais
dos EUA, segundo os seus lucros líquidos sobre o capital investido e
14 das maiores empresas do ramo faziam parte da lista das 50
companhias mais lucrativas daquele país
Ao que parecia, a ciência e a indústria juntas prometiam muitos benefícios à
saúde, isso foi determinante para consolidar uma indústria farmacêutica e,
deixar para trás milênios de tradições.
Os laboratórios estadunidenses se viam com recursos e o incentivo do
mercado e dos governos para realizar P & D. A indústria farmacêutica passou a
se aproximar das universidades e centros de pesquisas e aumentou sua
procura por profissionais capacitados para seu P & D interno ou externo, como
exemplos temos a Merck e Pfizer, empresas decididas a tomar a dianteira
neste processo, por que isso significava deter vantagens mercadológicas sobre
as demais. Quando uma empresa lança um sucesso primeiro tem a chance de
fixar a sua imagem e do produto na mente das pessoas e assim fidelizar os
clientes à sua marca (RADAELLI, 2007, p. 65).
35
Outras empresas tomaram um caminho diferente, praticavam a estratégia de
imitação dos medicamentos de sucesso já disponíveis no mercado. São
exemplos: Bristol-Myers, Warner Lambert, Plough e laboratórios europeus.
4.3 Segunda fase: consolidação das empresas líderes – anos 1945 a
1980.
O financiamento público estadunidense cresceu rapidamente a níveis sem
precedentes, houve financiamento à pesquisa universitária, às empresas para
intercâmbio com a Inglaterra. Se por um lado o governo fomentava a pesquisa,
também intensificou o Welfare State para a saúde, garantindo um mercado
regular e promissor. Em 1945 as patentes para medicamentos criados a base
de produtos naturais foram reconhecidas. O mercado estava em franca
expansão com a recuperação européia e o explosivo crescimento dos EUA,
esta fora a golden age (entre os anos 40 e 60) para os laboratórios
farmacêuticos, um retrato em números é o crescimento estupendo, comum ser
de dois dígitos até 1980.
Os investimentos em P & D aumentaram num curto espaço de tempo: “Estes
passam de um montante estimado de US$ 50 milhões, em 1951, para US$ 378
milhões, em 1967, o que significa uma taxa média de crescimento anual de
12,6% (SCHERER, apud BARROS, 2004, p. 27).“ Entre 1940-1975 os EUA
introduziram 64% de novos fármacos no mercado (SANTOS, 1997, p. 14).
A contribuição das fontes externas caiu em termos quantitativos. Entre 1935-
1949 as fontes externas de descobertas contribuíram com 62 % das
descobertas. Entre 1950-1962 a participação caiu para 43% (SANTOS, 1997,
p.16). Porém como foi dito no capítulo II, entre 1965 e 1992, dos 21
medicamentos mais eficazes 15 provinham de pesquisa pública e entre 1992-
1997, 45 dos 50 medicamentos mais vendidos recebiam incentivos do governo.
36
Gráfico 1- Evolução dos Fármacos Novos Aprovados pela FDA, entre 1940 e
1990.
Fonte: Barros (2008, p. 31)
Observe no gráfico acima (gráfico 1) que um pouco antes de 1960 os
investimentos em P & D cresceram principalmente para inovações incrementais
como os medicamentos de imitação. Ressalta-se também a facilidade de
receber a aprovação e, a regulamentação ainda incipiente. Mas os efeitos
teratogênicos (malformação dos fetos) causados pela talidomida na década de
60, forçou uma reformulação rápida na legislação para novas drogas. Em
âmbito mundial, o desenvolvimento, produção, estocagem, distribuição e
vendas passaram a ser regulados mais rigidamente (PINTO, 2004, p. 10). Por
isso, a partir de 1960 o número de inovações incrementais despenca para
abaixo de 30 por ano. Note que nos anos da década 1970 o número fica abaixo
de 20 por ano. Como diz Scherer (apud BARROS, 2004, p. 30):
Com o tempo e experiência, a duração dos testes vai se ampliando, chegando a oito anos e meio na década de 80, quando era de pouco menos de cinco anos, nos anos 60 (SCHERER,1997). Dados para os anos 90 informam ser de 14 anos o tempo requerido para a introdução de um novo fármaco no mercado (Anônimo, 2003j).
37
As décadas de 70 e 80 não foram de crise, absolutamente, apenas houve um
arrefecimento de um ciclo especial e virtuoso para a história da indústria
farmacêutica, tanto em crescimento quanto inovações. É a conclusão a que se
chega diante de dois pontos de vista aparentemente divergentes entre Angell
(2008) e Radaelli (2007). Radaelli escreveu que entre 1940 e 1980 era comum
a taxa de crescimento ser de dois dígitos e, Márcia afirma categoricamente que
a lucratividade nos anos 80, 90 e início do século XIX foram excepcionais. Uma
fala de crescimento enquanto outra de lucros, nenhuma delas fez menção a
crises entre a golden age e os anos 80.
De fato, segundo Barros (2004, p. 154), os anos 70 foram de mudanças
significativas:
• Vencimentos das patentes – começa a se tornar notório nos anos 70 e
fica cada vez mais claro pelos anos 90. Em 1990 dos 200 medicamentos
mais receitados 60% tinham patentes vencidas, em 1994 a proporção
chegou a 90%;
• As inovações mais significativas começaram a rarear;
• A regulamentação do setor vai se tornando mais exigente o que
significou principalmente aumento sobre os custos de P & D;
• A desaceleração econômica em plena crise do petróleo dos anos 70
atinge os gastos governamentais, os governos então adotam várias
medidas de controle de gastos sobre a saúde também;
• Acontecem vários programas de medicamentos essenciais em países
subdesenvolvidos que inclusive utilizavam genéricos;
• Consolida-se a indústria de genéricos nos países socialistas e no
sudoeste asiático o que começa a incomodar as empresas líderes
produtoras de medicamentos de marca;
A despeito do vencimento das patentes e da falta de inovações importantes,
vale ressaltar que os preços, vendas e lucros permaneceram muito altos. Nos
fins dos anos 80 – época em que o liberalismo emanava dos EUA e da
38
Inglaterra para o resto do mundo - até os primeiros anos do século XXI, a
lucratividade apresentada foi a maior entre todas as indústrias do mundo (à
frente da Microsoft, das petroleiras e dos bancos) (ANGELL, 2008). Este
aparente paradoxo será tratado em detalhes nos capítulos avançados.
As atividades de pesquisa eram baseadas principalmente em serendipity (a
origem do nome remonta de um conto oriental) e screening (entenda como
triagem) aleatório até a década de 1970. São métodos de pesquisa limitados,
pouco produtivos e muito incertos, era comum descobrir uma cura de algo que
não previam, ou se manter no estudo das drogas que já tinham um certo
conhecimento. De qualquer forma havia um acúmulo de conhecimentos sobre
milhares de compostos que para a firma eram vantagens difíceis de serem
imitadas. As inovações radicais de produtos eram eventuais, o que se constata
com frequência eram inovações incrementais.
Assim as empresas alemãs, suíças, inglesas e estadunidenses se tornaram
grandes transnacionais, baseando-se em inovações incrementais que
atingissem e ampliassem mercados novos e velhos e, de vez em quando
lançando uma inovação radical de sucesso e produto que representavam uma
parcela muito significativa de suas receitas.
4.4 Terceira fase evolutiva: o período da biotecnologia molecular – de
1980 e em andamento.
A biologia molecular, surgida na década de 70, implica que foi tornado possível
conhecer o funcionamento detalhado e a nível molecular dos organismos vivos
e, também a sua manipulação. O que significou um grande avanço para o
processo de busca de substâncias terapêuticas, que passa a ocorrer de
maneira mais direcionada e precisa. A própria substância se revolucionou, ela
agora imita as substâncias de organismo vivo, como um hormônio, por
exemplo.
39
Em 1973 se realizou a primeira engenharia genética que clonou um gene
específico inserindo-o em outro organismo (DNA recombinante), o que
demonstrou a viabilidade de produzir proteínas celulares. Em 1975 se
produziram células híbridas que produziam anticorpos específicos (fusão
nuclear). É a manipulação deliberada de substâncias orgânicas em nível
molecular que dá um poder nunca visto, muito diferente de simplesmente tirar
da natureza ou copiá-los como fora feito até então por processos meramente
físicos e químicos. Não só a saúde humana vai ser alterada, mas setores como
a agricultura, pecuária, cosméticos, etc.
A primeira empresa de biotecnologia foi a estadunidense Genetech, fundada
em 1976. A primeira patente de um biotecnológico se deu em 1982. As grandes
farmacêuticas tinham porte financeiro para testes e as NEBs, a expertise na
promissora biotecnologia, o que favorecia negócios mutuamente interessantes
(BASTOS, 2005). A expectativa é que a fronteira biotecnológica possibilite uma
reviravolta na decadência do número de medicamentos inovadores e na
qualidade de tais inovações, muitas empresas no mundo e no Brasil procuram
se adiantar comprando ou se associando com pequenas e médias empresas
especializadas em algum negócio da biotecnologia. “Segundo Bonduelle e
Pisni (2003), mais de 30% dos medicamentos em desenvolvimento vêm de
base biológica“ (BONDUELLE; PISNI, 2003, apud CAPANEMA, 2006 p. 195).
Todas estas considerações somadas produziram um novo método chamado
rational design (uma das traduções possíveis seria “desenho racional”, entenda
concepção, elaboração racional) de drogas, que desenvolvia modelos mais
precisos para entender as funções celulares em cada doença e desenhos de
moléculas para atingir células específicas num organismo. Tal mudança foi
seletiva e manteve competitivas somente as empresas que dominavam
amplamente as etapas de P & D e, portanto tinham frente de recursos e
capacitações que fizeram a diferença nesta nova adaptação, assim novamente
não houve um processo de destruição das velhas empresas, mas adaptação
contínua das grandes empresas.
40
Em 1980 a indústria já destinava mais recurso a P & D do que os sistemas
públicos de incentivo, não há dúvida que lhe coube parte dos méritos dos
avanços medicinais, ousando inclusive em pesquisa básica, a parte da
produção científica mais aventureira. O que deve ser bem esclarecido,
entretanto, é qual a parte dos méritos lhe cabe. Os métodos biotecnológicos
por exemplo vieram dos sistemas públicos, universidades e centros
independentes de pesquisa, nem as grandes empresas se envolveram nos
presságios científicos iniciais por questões de incertezas. Foram pequenas
empresas de biotecnologias que começaram o novo negócio, mais tarde
algumas delas foram compradas ou foram trabalhar em parcerias com os
grandes laboratórios, agora que os riscos mais indesejáveis foram vencidos.
Devido ao fato das regulamentações terem se tornado mais rígidas, os custos
de P & D aumentaram sensivelmente. Os genéricos são parte desta
transformação do ambiente legislativo que forçavam uma mudança de
estratégia das corporações, mas nada pode ser comparado ao que o
neoliberalismo representou para as transformações recentes da indústria
farmacêutica.
A mudança de estratégia mais marcante da indústria farmacêutica é a
verticalização de fusões ou aquisições de empresas com diferentes
competências. Com isso agravou-se a especialização internacional da indústria
farmacêutica, na qual grandes laboratórios concentram suas atividades de P &
D e produção de fármacos em países ricos e transfere a produção de
medicamentos e as atividades de venda nas filiais de países em
desenvolvimento (PINTO, 2004, p. 14).
Se em 1985 eram necessários US$ 100 milhões de dólares para realizar P & D,
ou cerca de 15% (em média) das vendas, em 2000 seriam necessários cerca
de US$ 800 milhões. O tamanho do mercado é importante para amortizar este
custo, sendo necessário atingir o mercado dos EUA e grandes mercados
europeus, ou um conjunto bem grande de mercados menores (CAPANEMA;
PALMEIRA FILHO, 200_). Isso é claro se forem excluídos os gastos em
41
Marketing e publicidade que podem chegar até três vezes mais. Entretanto, é
preciso sempre cuidado quando se referir a P & D de uma indústria
farmacêutica, muitas vezes são incluídos os testes clínicos que são bastante
dispendiosos, além disso, o custo para P & D varia de acordo com o grau de
inovação que se espera dar ao medicamento.
42
5 NEOLIBERALISMO E A INDÚSTRIA
FARMACÊUTICA: A ERA DAS CORPORAÇÕES E
OLIGOPÓLIOS.
O neoliberalismo representou o fim do estado do bem-estar social e o início da
liberalização da economia, ou seja, o estado reduziria ao mínimo necessário.
Coincidência ou não, marcou o fim da URSS e abertura da China ao capital,
como também marcou uma revolução das técnicas de produção e
comunicação. Os EUA de Reagan e a Inglaterra de Margareth Thatcher tinham
iniciado amplas reformas agressivas para atrair capital e modernizar suas
economias nacionais, ao mesmo tempo, os EUA aumentara os gastos com
armamentos e praticado uma política de atração de capitais muito forte.
A liberdade do capital, a desregulamentação dos mercados, aliados à
polarização da riqueza global amarrou os instrumentos de políticas dos
Estados Nacionais, tornando-os mais expostos diante do interesse do grande
capital. Na verdade os países mais pobres, na ânsia por atrair capital e
desenvolver-se, oferecem mão-de-obra barata e farta, desrespeitam os limites
ecológicos, concedem créditos tributários, privatizam todos os recursos
naturais e ficam à mercê dos fluxos de capitais especulativos; esperando em
vão que o neoliberalismo cumpra suas promessas de desenvolvimento geral ao
mundo. Entretanto o poder da corporação cresceu tanto que os países
desenvolvidos já enfrentam dificuldades em controlá-las.
Como observa Navarro (2002, apud BARROS, 2004, p. 171):
Em 1999, as multinacionais controlavam um terço de todo o comércio mundial, com graus de concentração (fruto de grandes fusões) que faz com que as dez transnacionais mais importantes de cada setor detenham o controle de 86% das telecomunicações, 70% do ramo da informática e 85% dos fertilizantes.
43
Sobre o neoliberalismo (CARAMEL, 2001, apud BARROS, 2004, p. 57):
Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia de 2001, em entrevista afirmava com propriedade que ‘a liberalização comercial contribuiu para a degradação das economias de muitos países em desenvolvimento porque os expôs à incerteza dos mercados internacionais.’ Essa liberalização comercial, segundo ele, ‘foi planejada pelos países ocidentais para os países ocidentais dando muito pouca atenção a suas conseqüências sobre os demais países. Assim, eles conseguiram vantagens desproporcionais. E as regiões mais pobres do mundo hoje estão piores devido aos efeitos do comércio.
A crise financeira originada pelo banco estadunidense Lemon Brothers é
reflexo da liberdade do sistema financeiro dos EUA, desregulado, aos moldes
das idéias do Consenso de Washington. Vale lembrar que as crises financeiras
tinham se tornado muito comuns no neoliberalismo, por exemplo, as crises
asiáticas, a crise da Rússia, e agora têm como epicentro os EUA.
O Estado diminuiu para a grande maioria da população mundial, mas
permaneceu parceira na defesa das grandes corporações (BAKAN, 2008, p.
187). O lobismo, como tática de negócios, é baseada na organização e poder
econômico de uma minoria para alcançar seus interesses. A grande maioria da
população ou não consegue encontrar interesses em comum ou é muito
desorganizada para se defender.
Foi a partir de 1970 que as corporações abraçaram Washington com seu lobby
(BAKAN, 2008, p. 124). A parceria entre Estado e a corporação foi muito
aprofundada desde então. Quanto à indústria farmacêutica, fazem o lobby mais
caro de Washington para: dificultar ao máximo a importação de medicamentos
dos outros países, para colocar a maior quantidade possível de seus
medicamentos na lista de medicamentos cobertas pelo Medicare e Medicaid;
para impedir a regulamentação dos preços dos medicamentos; para impelir o
Estado a impor sanções comerciais contra países pobres que ousem quebrar
patentes.
44
Com 675 lobistas profissionais – muitos deles ex-congressistas, ex-chefes de
estatais, parentes de membros do congresso, por exemplo, parentes de Hatch
e Bayh que nomeiam leis importantes do setor - e um escritório em Washington
onde trabalhavam 120 pessoas em 2002 e despendia US$ 14 milhões. Entre
1997-2002 foram gastos US$ 478 milhões com lobby. O principal beneficiário
de lobby em Washington foi Onin Hatch um dois pais da lei Hatch-Waxman.
Num maior escalão da relação entre indústria-democracia, o primeiro
presidente Bush participou da diretoria da Eli Lilly antes de assumir a Casa
Branca (ANGELL, 2008, p. 212-215).
A Organização Mundial de Comércio (OMC), criada em janeiro de 1995,
também representa parte de uma nova arquitetura global, mais precisamente é
uma organização que visa impor ordens liberalizantes de comércio,
significando uma contabilidade menos restritiva, leis ambientais moderadas,
respeito às patentes de propriedades intelectuais, etc. (BAKAN, 2008, p. 28).
Notadamente o acordo Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights
(TRIPs) foi fundamental para a concentração oligopolista do setor farmacêutico:
Os Acordos ADIPC (ou TRIPS) obrigam os países signatários a conceder patentes por 20 anos para produtos farmacêuticos, o que pode gerar agravamento da questão do diferencial de preços inter-países ou mesmo aumentando-os de forma exorbitante, dificultando, assim, o acesso a medicamentos básicos ou essenciais para populações dos países pobres (BALASUBRAMANIAM et al., 1998, apud BARROS, 2004, p. 67).
Notadamente fundamental foram as implicações do TRIPs para a proteção às
patentes dos medicamentos. Para a U.S. Patent and Trademark Office
(USPTO) a patente do medicamento se aplica a quatro aspectos possíveis do
medicamento: método de uso, formulação, a substância e o processo de
fabricação. Para ser patenteável a invenção deveria ser útil, nova e não-óbvia.
Entretanto em 1980 houve abrandamento e se permitiu patentear apenas por
apresentar potencial futuro (ANGELL, 2008, p. 190-191).
A indústria sustenta que as patentes abrangem menos de 2% dos
medicamentos essenciais da lista da Organização Mundial da Saúde e cobrem
45
apenas 30% a 40% dos medicamentos éticos, ao passo que cada produto
patenteado enfrenta a competição de duas a dez moléculas substitutas
(EFFGEN, 2007, p. 68). O fato de um medicamento estar ou não na lista dos
essenciais da Organização Mundial da Saúde não diz nada do ponto de vista
do mercado, além do mais, o fato de apenas 2% dos essenciais estarem
protegidos por patentes, mostra falta de inovações importantes e que os
medicamentos essenciais não estão sendo usados preferencialmente pelos
médicos, sendo que o preço e as vendas de imitações são os mais altos do
setor. Também o fato de 30% a 40% dos medicamentos que exigem prescrição
estarem protegidos por patentes não diz nada sobre valor econômico que
representam. Ter duas ou dez moléculas substitutas é uma questão muito
relativa, depende do tamanho do mercado e de que tipo de medicamento; se o
mercado for grande o bastante então caberá muitas imitações, mas se tratando
de medicamentos patenteados, mesmo as imitações nunca concorrerão
através de preços, pois sempre preferem se diferenciar em qualquer aspecto,
mesmo o mais trivial.
As inovações radicais (inovações radicais podem ser entendidas simplesmente
como inovação totalmente original) alcançaram o sucesso comercial 60% das
vezes, enquanto as inovações incrementais (inovações incrementais por sua
vez, são pequenas melhorias ou avanços) alcançaram até 15% (EFFGEN,
2007, p. 66). É muito importante ter em consideração que inovação radical
exige um investimento pesadíssimo em P & D, o número de US$ 800 bilhões
se aplicaria melhor a esta categoria de inovação (este número será melhor
observado no capítulo V). Ora, é normal que as inovações radicais alcancem
sucesso comercial mais facilmente, afinal elas ocorrem depois de muitas
barreiras científicas e técnicas terem sido transpostas fora da grande indústria.
Ainda assim, os medicamentos mais vendidos são regularmente simples
imitações, acontece que estas imitações ocorrem em grande número por que
são muito mais simples e exigem um investimento em P & D muito mais baixo;
Esses números sobre o sucesso da inovação ainda não esclarecem se são
para os grandes laboratórios e também não esclarecem o quanto elas
46
representam do total do mercado, com isso, não é possível esclarecer
precisamente o que esses números representam.
Esperava-se, contudo, que a OMC abrandasse as calamidades que o mercado
concentrado poderia provocar, mas não foi o que aconteceu:
Infelizmente, a reunião da OMC, realizada em dezembro de 2002, e que fora agendada no encontro de Doha não manteve coerência com os postulados da mesma, tendo os EUA, com apoio indireto da UE, bloqueado a aprovação de acordo pelo qual os países pobres poderiam importar medicamentos básicos sem a autorização dos laboratórios proprietários da patente (BARROS, 2004, p. 59).
O acordo TRIPs previa que um país pobre poderia quebrar a patente de um
medicamento e autorizar a produção de substitutos genéricos ou até importar
em casos de extrema necessidade. Mas o episódio em que a África do Sul teve
que enfrentar as ameaças de retaliações do governo Clinton e, a resistência
ferrenha dos grandes laboratórios mundiais, mostrou que o TRIPs tinha dois
pesos e duas medidas. Os detalhes desse episódio que causou um vexame
internacional pode ser conferido no anexo (BAKAN, 2008, p. 219-221).
Países em desenvolvimento como o Brasil sofreram um duro golpe no fim da
década de 70 quando países como Itália, Japão, Espanha, Alemanha Oriental,
Canadá, passaram a reconhecer patentes para processos e produtos. Eles já
haviam galgado os degraus e se tornados depositários de patentes (SANTOS,
1997, p. 62). A OMC representou um reforço à tendência dos países que mais
depositam patentes, de protegerem suas indústrias farmacêuticas, quando no
passado muitos deles estavam justamente sendo beneficiados com a quebra
de patentes de medicamentos (BARROS, 2004).
Dentro dos EUA surgem cinco leis especiais que estão no contexto de
desregulamentações para modernização e elevação da competitividade da
indústria farmacêutica. A lei Bayh-Dole, Hatch-Waxman, a lei que proíbe a
importação de medicamentos (ANGELL, 2008, p. 85), a lei de Modernização da
47
FDA e a lei da Taxa de Usuário de Medicamentos de prescrição. Porém, como
veremos, elas são muito favoráveis aos interesses dos grandes laboratórios.
A lei Bayh-Dole foi criada no início dos anos 80 e permitiu que universidades e
pequenas empresas patenteassem descobertas decorrentes de pesquisas
patrocinadas pelos National Institutes of Health (ANGELL, 2008, p 23). Os NIH
podem ou não conceder a permissão dependendo do interesse público e têm a
prerrogativa de exigir preços razoáveis aos consumidores devido à concessão.
Entretanto, também resultou na compartimentação das informações científicas
e no reforço ao oligopólio (ANGELL, 2008, p. 216).
A lei Hatch-Waxman, aprovada em 1984, é um conjunto de regras para
prorrogação de direitos de comercialização e também para dar agilidade ao
lançamento de genéricos. Expirados os direitos de comercialização um
laboratório genérico pode forçar a quebra da patente se alegar não-pertinência
da patente (não-justificável), o primeiro a fazê-lo ganha seis meses de direitos
exclusivos no mercado, porém se o laboratório dono da patente tiver o recurso
aceito para processar o laboratório genérico por quebra indevida de patente,
poderá usufruir mais trinta meses em que a quebra da patente ficará
forçadamente paralisada junta à FDA.
Em 1987 o congresso aprovou a lei que proibia a importação de medicamentos
de prescrição, com exceção dos fabricantes, mesmo que fosse produzido nos
EUA (ANGELL, 2008, p. 217). A razão disso é que nos EUA os preços dos
medicamentos são os mais altos do mundo e, mesmo a importação de um
medicamento que tivesse sido exportado dos EUA poderia ser mais barato,
como era o caso do Canadá.
Em 1992 foi aprovada a lei da Taxa de Usuário de Medicamentos de
Prescrição, que é um valor cobrado pela FDA para inscrever um medicamento
e iniciar o processo de averiguação dos cumprimentos de todos os padrões
necessários cujo resultado é a permissão ou não. A lei alcançou o objetivo de
acelerar o processo de averiguação, porém antes do fim da década, 13
48
medicamentos tiveram que ser recolhidos do mercado dos EUA devido a
centenas de mortes causadas por efeitos colaterais (ANGELL, 2008, p. 221).
Em 1997 foi aprovada a lei de Modernização do FDA que baixou os padrões
para aprovação de medicamentos e, a iniciativa privada decidir se o Medicaid
deveria cobrir medicamentos que foram prescritos pelos médicos fora do uso
aprovado. Como cerca de metade das prescrições são feitas para usos não
aprovados a questão tem uma relevância muito grande. Coincidência ou não,
os 12 medicamentos mais vendidos em 2003 continham 203 usos cobertos
pelo Medicaid (ANGELL, 2008, p.218-219).
As leis, assim como o acordo TRIPs, as regras idealizadas pela OMC,
expressando a corrente neoliberal, favoreceram incrivelmente a concentração
da indústria farmacêutica em poucos países e laboratórios. Observe, que as
farmacêuticas estadunidenses dominam o ranking mundial ainda no início
desse século, as dez empresas do setor que apresentaram maiores
faturamentos no período de julho de 2001 a julho de 2002 foram (PINTO, 2004,
p. 9):
Quadro 3 - Maiores Empresas da Indústria Farmacêutica Mundial, por Vendas
– 2004 (Em US$ Bilhões)
Fonte: IMS Health, Thomson Datastream [The Economist (2005)] citado por Bastos (2005, p.
275)
49
Estas empresas apresentam uma intensa competição dentro das classes
terapêuticas, inclusive ocorrendo com trocas de liderança constante
(COUTINHO; FERRAZ, 1993, p. 17). Porém a competição é feita por meio de
diferenciações e nunca por preços, ao passo que entre os medicamentos mais
vendidos em cada classe terapêutica é absolutamente normal verificar trocas
de posições sempre entre um grupo seleto de laboratórios transnacionais ao
longo do tempo. É considerado um setor oligopolista, pois embora existam
10.000 empresas fabricantes de produtos farmacêuticos, em apenas 100 estão
concentrados 90% dos produtos farmacêuticos para consumo humano
(CAPANEMA; PALMEIRAS FILHO, 2004). E segundo Barros (2004, p. 141),
Essa concentração, também ocorre no que diz respeito às inovações, 87% dos produtos novos lançados na década de 90 vieram de empresas situadas nos EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, França e Suíça.
A Pfizer vendeu US$ 51 bilhões em 2005, que é 80 vezes mais do que o
laboratório brasileiro Aché vendeu no mesmo (US$ 635,8 milhões), e seis
vezes mais que o mercado brasileiro (cerca de US$ 9 bilhões) no mesmo ano
(CAPANEMA, 2006, p. 201). O consumo também é concentrado:
“Em 1990, os sete países da OCDE concentravam 67,3% do mercado mundial de medicamentos. Isso se deve, sobretudo, à alta correlação entre o consumo e poder aquisitivo da população (RADAELLI, 2003, apud PINTO, 200, p. 15)
A concentração por continentes pode ser vista no gráfico (Gráfico 2) abaixo:
50
Gráfico 2 - Mercado Global de Medicamentos, por Região – 2004 (em
%)
Fonte: IMS Health [The Economist (2005)] citado por Bastos (2005, p. 274)
Entre os medicamentos de referência o padrão concorrencial é a diferenciação
de produtos, e geralmente inovações incrementais. Devido às enormes
assimetrias de informação, às vezes o médico não é capaz de julgar se dois ou
mais medicamentos são substitutos entre si, não importando se a comparação
é feita com os genéricos. O fato é que em certas classes terapêuticas há
imitações que são invariavelmente diferentes em algum aspecto, fazendo parte
da tática de diferenciação dos laboratórios, de tal forma que pareçam uns
melhores que os outros em algum aspecto. Não há substitutibilidade (esse
termo se refere à possibilidade de haver um ou mais produtos substitutos entre
si) de fato, sendo assim o oligopólio não precisa entrar numa desgastante
batalha de preços que faria suas margens de lucro despencarem. Este
parágrafo será revisto em mais detalhes na secção 6.
A indústria alega investir numa atividade de muitas incertezas, encarecida
pelas regulamentações da FDA, prejudicada pelo controle de preços em muitos
países, e injustiçada pelos governos de países pobres, quando ameaçam
quebrar suas patentes para produzir genéricos de medicamentos essenciais.
Sendo assim os altos preços cobrados nos EUA, em sua suposição, são frutos
das regulamentações equivocadas e do seu enorme esforço inovativo. Elas
estiveram por cerca de quatro décadas e meia e ainda estão entre as indústrias
51
mais lucrativas do planeta, sendo que encabeçaram a lista por quase vinte
anos desde 89. Como se percebe, há uma grande margem de lucro por trás
dos preços, indício inequívoco de um grande oligopólio. Segundo Possas, as
barreiras à entrada (barreiras à entrada são vantagens absolutas de todos os
tipos como custos, patentes, etc.) são uma síntese da natureza e dos
determinantes da concorrência oligopolista e, a margem de lucro é reflexo
desta relação (POSSAS, 1990, p. 161).
O setor se firmou como um destaque mundial em lucratividade e
rentabilidade entre todos os setores econômicos. Em 2001 os dez laboratórios
farmacêuticos estadunidenses na lista da Fortune 500 estavam muito acima da
média de todas as outras indústrias, seja do lucro em proporção ao retorno
líquido médio, ou vendas, ou patrimônio e patrimônio líquido (ANGELL, 2008,
p. 27). Em 2002 em meio à crise, o lucro somado das dez maiores
farmacêuticas segundo a Fortune 500 era de US$ 35,9 bilhões, mais do que o
somatório das 490 restantes (ANGELL, 2008, p. 27).
No capítulo III dissemos que o fenômeno da verticalização se tornou forte na
indústria farmacêutica nos anos neoliberais. Agora são listados apenas alguns
exemplos das fusões e aquisições:
Em termos de aquisições (PINTO, 2004, p. 16):
• a American Home Products (USA) comprou a American Cyanamid
(USA) (1994);
• Glaxo (UK) comprou a Wellcome (UK) (1995);
• Sanofi (FR) comprou a Sterling na linha OTC (USA) (1994);
• Johnson & Johnson (USA) comprou a Centour (USA) (2000).
Como exemplos de fusões, temos (PINTO, 2004, p. 16):
• Sandoz e Ciba formando a Novartis (1996);
52
• Astra e Zêneca formando a AstraZeneca (1999);
• Em 1995 ocorreu a fusão entre a Pharmacia (Suécia) e a Upjohn
(USA) formando a Pharmacia & Upjohn;
• No ano de 1998 surge a Aventis, resultado da fusão entre o
laboratório alemão Hoechst Marion Roussel e o Grupo francês
Rhone Poulenc
• Em 1999, a Pfizer, empresa norte americana, fundiu-se com a
também norte-americana Warner Lambert, formando Pfizer Inc.
• No ano 2000, outra importante fusão ocorreu entre a Pharmacia &
Upjohn (Suécia/USA) e a Monsanto (USA) formando a Pharmacia
Corp.
O fenômeno continua acelerado a partir de 2000, inclusive nos países em
desenvolvimento, como o Brasil. A brasileira Aché adquiriu o Biosintética e
tornou-se líder do mercado nacional em 2005. Outra brasileira chamada Biolab
comprou 80% da Sintefina. Faz parte da estratégia de competição internacional
(EFFGEN, 2007, p. 70).
53
Quadro 4 - Casos de Fusões e Aquisições na Indústria Farmacêutica Mundial
e Brasileira 2004-2005
Fonte: Scrips (2005), Valor Econômico (2005) e Libbs (2005) citados por Capanema (2006,
p.197)
Segundo especialistas, há três razões principais pelas quais as fusões e
aquisições ocorrem na indústria farmacêutica (PINTO, 2004, p. 15):
1. Redução de custos;
2. Ampliação dos esforços em marketing, publicidade, educação médica,
representantes de venda;
3. Ampliação dos investimentos em P & D;
As estratégias de verticalização da indústria farmacêutica aprofundaram a
tendência de especialização e internacionalização, características históricas do
setor. O Brasil, por exemplo, teve boa parte do mercado ocupado por
transnacionais muito antes do neoliberalismo, no entanto após ele a indústria
de fármacos brasileira praticamente foi desmanchada sobrando alguns poucos
54
nichos de mercado de fármacos e medicamentos genéricos. As multinacionais
realizam todas as etapas da cadeia, do P & D ao marketing, distribuindo
estrategicamente pelo mundo suas filiais. Vemos que em países como o Brasil,
apenas as etapas de fabricação de medicamentos e marketing são feitas e, as
etapas de P & D e produção de fármacos e adjuvantes geralmente são
mantidas em países desenvolvidos (BASTOS, 2005). Sobre a situação do
mercado farmacêutico no Brasil:
[...] a atual estrutura do setor farmacêutico, o seu desempenho na balança comercial e a evolução desse mercado nos últimos anos mostram que o impacto desse processo no setor foi significativamente negativo. A indústria nacional, em geral, não apresentou bons resultados no seu desempenho em comparação com a fronteira tecnológica do setor, o déficit da indústria farmacêutica na balança comercial é um dos principais consumidores de divisas do país e não houve, no período, qualquer expansão do consumo per capita de medicamentos ou preços mais acessíveis para a maioria da população (CAPANEMA; PALMEIRAS FILHO, 2004, p. 39).
Entre 1997 e 2005 a balança comercial de produtos farmacêuticos brasileira foi
fortemente deficitária com tendência crescente. De certa forma é um reflexo da
concorrência severa na indústria farmoquímica mundial, da abertura comercial
brasileira na década de 90, a valorização do real e a presença de filiais
estrangeiras que praticam transferência de lucros via preços com as matrizes
(CAPANEMA; PALMEIRAS FILHO, 200_). As matrizes estrangeiras fornecem
fármacos e adjuvantes para suas filiais com preços que permitam acobertar um
grande fluxo de remessa de lucros (CAPANEMA; PALMEIRAS FILHO, 2004, p.
35). O impacto disso é sentido no equilíbrio financeiro do Estado e das pessoas
de baixa renda. Os gastos dos governos com programas sociais de
abastecimento de medicamentos são altíssimos, a relação em proporção ao
PIB dos países pobres é muito maior do que para países ricos, porém em
termos absolutos o governo americano é o que mais gasta no mundo,
representando um grande filão para os lobistas da indústria farmacêutica.
55
Gráfico 3 - Gastos dos Governos com Medicamentos em Relação aos Gastos
Totais
Fonte: WHO (www.who.org) citado por Barros (2004, p. 120)
Os medicamentos consomem uma parte muito substancial das populações de
baixa renda (BARROS, 2004) e elevações de preços atingem-nas de forma
especial. O medicamento não é um bem que possa ser considerado supérfluo,
na verdade tem características de bem essencial e por isso apresenta baixa
elasticidade de demanda (acréscimos nos preços fazem o consumo cair muito
pouco).
O consumo dos medicamentos no Brasil é um bom exemplo, veja a figura
(Figura 3) abaixo:
56
Figura 3 – A Pirâmide de Consumo de Medicamentos Brasileira
Fonte: Interfarma (www.interfarma.org.br)
Com relação ao resto do mundo temos que:
Em relatório recente (World Development Report), o Banco Mundial efetua autocrítica e, já na sua introdução se declara que, na maioria dos países, a maior parte dos investimentos oficiais em saúde e educação atende os 20% mais ricos mais que os 20% mais pobres (BARROS, 2004, p. 56).
Podemos concluir dizendo que há pouca ou nenhuma divergência quanto às
conseqüências do neoliberalismo, especialmente a concentração do consumo,
da riqueza e do capital; e a indústria farmacêutica foi exemplar, concentrou-se
em poucos países desenvolvidos e disso resulta um maior reflexo das
características do oligopólio, que serão melhor compreendidas no próximo
capítulo.
57
6 A QUEBRA DE UM MITO: A FORMA DE
FUNCIONAMENTO ACABADA DE UMA MÁQUINA DE
LUCRAR.
6.1 A Base Teórica
Vimos a quantidade exorbitante de evidências que apontam contradições com
o discurso da indústria farmacêutica e sugerem desvios de conduta metódicos.
Depois procuramos associar esses fatos com as raízes históricas das
corporações e, vimos que as corporações farmacêuticas foram semelhantes na
busca pela auto-afirmação, seguindo obstinadamente e alcançando um
oligopólio poderoso. Ela cresceu, internacionalizou-se e concentrou o mercado
mundial baseando-se numa atividade de P & D de menor risco, qual seja os
medicamentos de imitação. O Estado e as instituições de pesquisa dos EUA
foram fundamentais para os principais estudos que possibilitaram o
desenvolvimento das drogas mais revolucionárias e eficazes. O neoliberalismo
acentuou a concentração, principalmente em conseqüência das fusões.
O capítulo que agora se inicia procura centrar-se no epicentro do poder da
indústria farmacêutica: os EUA. Os maiores laboratórios mundiais estão dentro
dos EUA, mesmo os europeus ou japoneses e, lá buscam o mercado mais
atrativo do mundo. Este capítulo também foca a data mais atual possível
segundo os dados, ficando sempre, na medida do possível, após o ano de
2000. Todas as mudanças nas leis, políticas e no mercado estadunidense são
muito importantes para entender o funcionamento atual e detalhado de uma
corporação farmacêutica e suas conseqüências sobre o mundo.
As corporações representaram o fim da responsabilidade ilimitada (com isso,
os acionistas das chamadas S/As respondem legalmente de acordo com o
percentual de ações em seu poder) e o rompimento entre a propriedade e a
58
administração. No entanto é mais que isso, ela pode ser melhor entendida pela
forma como alcança os lucros e não - ao contrário das outras sociedades
empresarias – por seu negócio nominativo (POSSAS, 1990, p. 56-57). Isto
explica por que as estruturas de mercado em oligopólios são essenciais para
entender um setor econômico específico. A forma de alcançar lucros da
indústria farmacêutica está ligada ao oligopólio, externalidades, lobby, variação
de tipos produtos, domínio de várias etapas da cadeia de produção e não
apenas simplesmente desenvolver e vender medicamentos. Está implícita
uma idéia de mudança na forma de ser da firma e por conseqüência nas
motivações dela, principalmente quanto à busca pela maximização dos lucros
que será relativizada neste ensaio, estamos descartando a maximização, mas
o lucro continua sendo o sentido primordial da firma, como afirma Possas
(1990, p. 66).
Adiantamos que num mercado tão oligopolizado como é a indústria
farmacêutica, os lucros imediatos não são prejudicados pelas metas de
crescimento. As barreiras à entrada no mercado de medicamentos de
referência dos EUA são enormes e o oligopólio é certamente de concorrência
por diferenciação de produtos, evitando batalhas de preços; sendo assim, os
gastos com vendas, principalmente publicidade, são fundamentais para alterar
a curva da demanda artificialmente (POSSAS, 1990, p. 44-45).
O discurso de Penrose (apud POSSAS, 1990) de que a inovação estaria ligada
à expectativa de lucros monopolistas não se aplica a indústria farmacêutica.
Sem dúvida, os gastos com publicidade, marketing e vendas são muito mais
importantes para a indústria farmacêutica do que a inovação. A indústria
farmacêutica tem claramente uma grande assimetria de informação entre os
fabricantes e os consumidores, o médico como prescritor de medicamentos
também acaba sendo manipulado pelas mais criativas técnicas de manipulação
de testes clínicos. Certamente fazer escolhas entre medicamentos velhos e
novos é muito mais complexo do que escolher entre dois automóveis. Por isso
as estratégias para manipular a decisão dos médicos são essenciais para a
59
indústria farmacêutica, e veremos que eles fazem isso através de técnicas de
testes clínicos, muita publicidade, marketing e, educação médica continuada.
A indústria farmacêutica, sobretudo as grandes empresas, vem se valendo das teses do movimento da chamada ‘medicina baseada em evidências’, com a valorização outorgada aos ensaios clínicos para incrementar os argumentos publicitários em favor dos seus produtos. Os resultados dos ensaios clínicos, com investimentos ao alcance tão somente de algumas empresas, essenciais para respaldar a eficácia do produto e sua conseqüente aceitação pelo prescritor, vêm se transformando em mais uma estratégia a ser seguida como parte da competição cada vez mais selvagem em busca das preferências por parte do médico (BARROS, 2004, p. 38).
A respeito de um estudo espanhol Barros (2004, p. 39) diz:
Os autores concluem que os médicos devem ter cautela em relação aos anúncios que proclamam a ‘eficácia’,‘segurança’ ou ‘conveniência’ de um produto, mesmo que os mesmos se façam acompanhar de referências bibliográficas a ensaios clínicos randomizados publicados em revistas respeitáveis e pareçam fundamentar-se em evidências consistentes.
Nem parece ser desta indústria a característica de conflito entre administração
e propriedade, ou seja, entre os acionistas e os CEOs das corporações.
Segundo relatório da Families USA, o ex-presidente e diretor executivo da
Bristol-Myers Squibb, Charles A. heimbold Jr., recebeu US$ 75 milhões em
dinheiro e mais US$ 76 milhões em opções de compra de ações em 2001. O
presidente da Wyeth ganhou US$ 40 milhões em dinheiro mais outros 40
milhões em opções (ANGELL, 2008, p. 28). Ganhar a metade do salário em
opções de ações parece ser incentivo suficiente para um CEO priorizar os
lucros, de qualquer forma os imensos lucros desta indústria nunca impediram o
crescimento dos grandes laboratórios no longo prazo, muito pelo contrário.
Quanto à absorção da elevação dos custos, Possas cita Labini (apud POSSAS,
1990, p. 136-154) quanto à possibilidade do oligopólio absorver parte de uma
eventual elevação dos custos de produção, inovação (etc.), no caso de não
haver possibilidade de manipulação da demanda, hipótese essa que como
vimos não pode ser aplicada ao oligopólio farmacêutico. Portanto os enormes
custos com propaganda, educação médica, marketing se refletem com enorme
60
força nos preços ao consumidor. Como veremos, a FDA não regula preços e os
programas sociais de saúde são proibidos legalmente de negociarem preços, o
que acaba reforçando este argumento. Ainda sobre preços, Possas (1990, p.
136-153) faz alusão a um teste empírico no qual resultou a indicação de que a
rigidez dos preços seria uma das poucas características de oligopólio sem
controvérsias importantes e, a explicação disso seria a preferência dos
concorrentes pela colusão, desviando a concorrência para outros meios como,
por exemplo, a diferenciação de produtos.
Quanto aos argumentos de que há clara correlação entre P & D e oligopólio,
entendemos como no estudo citado por Possas que a correlação é inconclusiva
e, a partir de um certo tamanho da indústria os gastos em P & D aumentam a
taxas decrescentes (POSSAS, 1990, p. 137). E ainda no mesmo estudo,
confirma que as grandes empresas obtêm mais sucesso empregando P & D,
entretanto não desenvolvem projetos em fases embrionárias de altas
incertezas.
Os argumentos teóricos sobre o oligopólio fizeram menção à divisão entre
propriedade e administração, o que permite colocar o debate sobre a
corporação (entenda corporação como sociedades anônimas que possuem
capital dividido em ações negociadas nas maiores bolsas de valores do mundo)
moderna no seio da discussão. A corporação é uma instituição especial, que ao
nosso entender parece passar despercebida dos grandes temas modernos.
Entendemos que a separação entre propriedade e administração têm
implicações tão importantes ou mais que, o conflito entre os interesses da
gerência e dos grandes acionistas. As mais importantes são: a) o fato de
grandes acionistas poderem esconder suas identidades; b) o principio do
melhor interesse corporativo; c) a necessidade de crescer e lucrar se tornam
supremas; d) criação de uma cultura especulativa, utilitarista e egoísta (
BAKAN, 2008).
As principais conseqüências desse modelo corporativo podem ser expressas
como externalidades, ou seja, a empresa externaliza seus custos fazendo a
61
sociedade ou terceiros pagarem por eles. As evidências apontam que causar
externalidades é um padrão metódico das corporações, a diferença crucial
entre uma externalidade de pequenas empresas e as corporações é, a maior
capacidade, eficiência e grau (BAKAN, 2008).
Os argumentos teóricos sobre o oligopólio foram dados até aqui de forma
quase desassociada com o dinamismo de um setor econômico, agora
colocaremos a indústria farmacêutica como ela funciona de fato, assim
veremos no que se distância a teoria. Começamos por aspectos mais gerais do
mercado.
Os medicamentos éticos apresentam baixa elasticidade-preço, em 2004
representavam cerca de 70 % do mercado total mundial. O mercado de
medicamentos em geral apresenta forte assimetria de informações entre
consumidores e vendedores devido à óbvia peculiaridade do bem de consumo.
Os preços dos medicamentos de marca são sempre altos, cerca de 300 % a
400 % maiores que em mercados competitivos (BASTOS, 2005, p. 283). As
estratégias de venda são direcionadas principalmente aos médicos, porém
existem grandes blocos de clientes como seguros de saúde, sistema público de
saúde, grandes empresas e hospitais (BASTOS, 2005).
Para um típico e grande laboratório farmacêutico o imenso mercado dos EUA é
o maior objetivo a alcançar, lá os preços não são regulados, o Medicaid e o
Medicare são os programas públicos de saúde que mais cobrem
medicamentos de prescrição no mundo. Além disso, os NIH contam enorme
financiamento público para pesquisa e, os centros científicos estadunidenses
garantem uma ótima pesquisa de base, inclusive de base biotecnológica. A Lei
Bayh-Dole possibilita o licenciamento de patentes dos NIH para os grandes
laboratórios (ANGELL, 2008) em troca de royalties.
Lembremos que a importação de medicamentos foi proibida para os que não
forem indústria de medicamentos. Com isso os EUA sofrem com as estratégias
de preços das gigantes do mercado, pagando um preço muito maior do que o
62
resto mundo e impossibilitados de importar medicamentos mais baratos. A
importação ilegal de medicamentos do Canadá criou reações dentro do
Congresso e ameaças dos grandes laboratórios de desabastecimento às
farmácias canadenses.
Tabela 3 - Diferença de Preço do Fluconazol em diferentes Países (cápsulas
de 200 mg/julho de 2000)
Fonte: www.pharmabusiness.com citado por Barros (2004, p. 121)
Na tabela acima (Tabela 3) temos apenas um exemplo ilustrativo da política de
preços dos grandes laboratórios em diferentes países.
Os preços são bem maiores para pessoas beneficiárias do Medicare e
compradores individuais, do que para clientes preferenciais como planos de
saúde privados e grandes associações e empresas (ANGELL, 2008, p. 13). O
Medicare tinha previsões de gastar US$ 400 bilhões durante dez anos a partir
de 2003 e, mesmo assim não possui autorização para negociar preços dos
medicamentos, isso resulta na estranha situação em que um programa social
paga mais do que grandes clientes pagam, como planos de saúde,
associações, grandes empresas etc. Os benefícios tiveram que ser
aumentados progressivamente na medida que os preços dos medicamentos
iam aumentando ou mais medicamentos entravam na lista de medicamentos
cobertos (ANGELL, 2008, p. 208-209). A situação das contas públicas dos
63
Estados e do governo federal com os gastos com Medicaid e Medicare é uma
as grandes discussões políticas dentro dos EUA (ANGELL, 2008, p. 241).
6.2 A Forma Acabada
Um grande laboratório geralmente possui por volta de 35% das suas vendas
concentradas em um a quatro blockbusters (aqueles medicamentos que
vendem mais que US$ 1 bilhão). A perda de patente ou direitos exclusivos de
comercialização sobre um medicamento que venda cerca de US$ 8 bilhões ao
ano, é um golpe que nenhum laboratório que se preze pode receber
despreparado. Então, ele geralmente prepara a transição do antigo sucesso de
vendas para um novo medicamento. As formas de se fazer isso são: a)
desenvolve uma versão realmente melhorada ou; b) desenvolve uma simples
imitação ou; c) desenvolve um medicamento inteiramente inovador.
A opção c é de longe a mais incerta do ponto de vista científico e, também é a
mais cara, esta opção só seria escolhida se as expectativas de lucros fossem
melhores do que as opções a e b. Diante das evidências apontadas em todos
os outros capítulos anteriores, podemos dizer que a indústria farmacêutica não
precisa e nem está disposta a se envolver em projetos embrionários e
pesquisas de base, geralmente a maior parte é feita fora da indústria. Ela
procura licenciar as patentes de processos e produtos dos NIH e patrocinar
pesquisas de terceiros em hospitais e universidades, somente quando as
incertezas científicas e mercadológicas se reduzem ao que consideram
aceitável (ANGELL, 2008, p. 38 e 39). Atualmente 1/3 das descobertas
americanas de novos medicamentos vêm de estudos alheios e geralmente são
os mais inovadores (BAKAN, 2008, p. 24).
Embora as NEBs tenham habilidade para a síntese de novos produtos, não
possuem força competitiva para as fases de desenvolvimento, testes e
comercialização. As grandes indústrias farmacêuticas, embora mantenham
64
seus laboratórios de pesquisa, têm adotado a estratégia de fazer acordos com
as NEBs para a obtenção de novos compostos (PINTO, 2004, p. 19).
Os laboratórios iniciam realmente as pesquisas nos testes pré-clínicos, quando
todo o processo da doença já foi desvendado. Os testes pré-clínicos buscam
uma molécula potencial para quebrar algum elo da cadeia da doença, pode ser
sintetizada ou encontradas na natureza (ANGELL, 2008, p. 38-39). Segundo
Barros (2004, p. 29): “Calcula-se, na verdade, que, para lançar um ou dois
produtos no mercado, faz-se mister investigar cerca de dez mil moléculas,
trabalho em que se gastam entre dez e quinze anos (Anônimo, 2003j).”
Os gastos com P & D são altos, cerca de 15% em média, enquanto que na
informática foi de 11% em 2004. Foram gastos US$ 50 bilhões em 2002 em P
& D. A indústria alega que gasta US$ 800 milhões em P & D para lançar um
novo medicamento no mercado, esta média foi extraída de um grupo de
medicamentos e laboratórios sem identificá-los posteriormente e está
acrescentado do custo de oportunidade de US$ 403 milhões caso fossem
aplicados em valores mobiliários. Também não foram deduzidos os impostos
que se aplicam ao P & D e nem os créditos de 50% sobre os custos para os
medicamentos órfãos, a alíquota média para os laboratórios entre 1993 e 1996
foi 16,2% enquanto que nos outros setores da economia americana era de
27,3%. É certo que em boa parte do que é considerado P & D estejam
incluídos os testes pós-comercialização ou então:
[...] uma empresa que cita o item pesquisa como uma de suas
estratégias, pode simplesmente estar indicando que realiza testes, já
padronizados, para avaliar os efeitos de novas drogas em animais e
seres humanos (testes clínicos) (PINTO, 2004, p. 25).
Pela obscuridade com que a Tufts University obteve este número, muitos
especialistas já questionaram apontando que esse número se refere a um
grupo seleto de medicamentos que apresentavam os maiores custos possíveis
65
em P & D, sendo assim pouco representativo para a maioria dos medicamentos
(ANGELL, 2008, p. 60-62).
Como entre medicamentos mais inovadores nenhum vende menos que US$ 2
bilhões por ano e, lhes restam geralmente em média 10 anos de patente, US$
20 bilhões não deixam dúvidas de que tal custo é facilmente amortizado no
decorrer dos anos (PALMEIRA FILHO; PAN, 2003). A Pfizer, por exemplo,
pode deter ao mesmo tempo até mais de três desses campeões de vendas.
Para efeito de comparação US$ 20 bilhões é quase duas vezes todo o
mercado brasileiro de medicamentos humanos.
No entanto, as corporações farmacêuticas há décadas aprenderam que o
mercado não espera 20 anos, as vendas precisam ser ampliadas ano após
anos, os lucros precisam ser altos a maior parte do tempo para manter as
expectativas de elevação das ações - seguindo o “princípio do melhor interesse
corporativo”, que é a garantia legal de que os interesses dos acionistas serão
considerados acima de tudo pelos gerentes e diretores das corporações; eles
próprios (os CEOs) têm parte de sua remuneração em milhões de dólares em
opções de compras de ações (BAKAN, 2008, p. 44). Um CEO de uma grande
corporação farmacêutica não tem escolha, ele incorpora essa lógica e então o
equilíbrio entre ética e negócios fica muito frágil. Segundo o filósofo Alisdair
MacIntyre (apud BAKAN, 2008, p. 76):
Uma vez que o executivo esteja no trabalho os objetivos [...] corporação têm de ser considerados como [...] tarefas que lhe parecem meramente técnicas. Ele tem de estimar o modo mais eficiente e mais econômico de mobilizar os recursos existentes para gerar os benefícios [...] a baixos custos. O equilíbrio entre custos e benefícios não é apenas sua tarefa, é o negócio em si
Marc Baray é um especialista em inteligência corporativa que já trabalhou para
1/4 das 500 maiores da revista Fortune, entre outras coisas rouba informações,
engana, trapaceia, assume identidades falsas. Mas ele não se vê
pessoalmente assim, ele entende que são práticas já banalizadas dos altos
círculos dos negócios (BAKAN, 2008, p. 67). Segundo Ira Jackson, ex-
66
banqueiro de Boston e diretor da Faculdade Kennedy de Administração Pública
de Harvard (apud BAKAN, 2008, p. 171):
O capitalismo ao contrário de outras ideologias como comunismo, cristianismo, budismo, islamismo não possui um tratado moral, é baseado no egoísmo e na frieza dos negócios.
Uma vez que os lucros e o crescimento da corporação são atingidos com
competência e profissionalismo, a despeito de tudo, a empresa cumpre o seu
papel legal que é recompensar os seus acionistas.
Um grande laboratório não pode apenas depender das grandes inovações fora
da indústria e nem é sua característica fazê-lo, precisa lucrar e crescer, mais e
mais; a estratégia preferida é fazer alterações em grandes drogas de sucesso e
lançá-las como novas, mas para fazer isso precisam investir em testes clínicos
para receber a aprovação da FDA e também convencer os médicos a
prescreverem o máximo possível de seus medicamentos.
67
Gráfico 4 - Preço Médio de Medicamentos nos Estados Unidos – 2000 (Em
US$)
Fonte: NIHCM (2002) citado por Bastos (2005, p. 285)
No gráfico acima (Gráfico 4), o preço médio dos medicamentos modificados
incrementalmente e que foram aprovados pela FDA na categoria de processo
prioritário, tiveram o maior preço médio dentro dos EUA, veremos que a
classificação da FDA depende de testes conduzidos por firmas contratadas
pelos laboratórios e que os preços escondem uma verdade incômoda.
A patente é depositada antes dos ensaios clínicos e dura 20 anos, então o
laboratório inicia uma corrida contra o tempo para receber a aprovação da FDA
– sem a proteção de patentes os testes ficariam muito expostos à concorrência.
A FDA concede cinco anos de direitos exclusivos de comercialização para
novas entidades moleculares, sete anos para medicamentos órfãos e três anos
para mudanças em medicamentos já aprovados (ANGELL, 2008, p. 191).
Alguns testes podem de fato durar 12 anos, mas não é o caso da maioria das
imitações. O processo de análise da FDA é o mais rápido do mundo e não
passa de dois anos, de qualquer forma a lei Hatch-Waxman compensa o tempo
perdido em atrasos exagerados. Dos vinte anos de patente restam geralmente
entre dez a seis anos.
68
Quadro 5 - As Fases de P & D
Fonte: Interfarma ( www.interfarma.org.br)
Note no quadro acima (Quadro 5) acima que invenção e desenvolvimento de
base consomem a maior parte do tempo.
Os testes-clínicos geralmente são feitos por empresas contratadas pelos
laboratórios, as Contract Research Organization (CROs). Elas são redes de
médicos que administram as substâncias em pacientes e colhem resultados.
Em 2001 foi estimado que 80.000 ensaios clínicos eram feitos nos EUA, com
cerca de 2,3 milhões de cobaias humanas (boa parte são de testes pós-
comercialização) que recebiam cerca de US$ 2000 . Os médicos contratados
pelas CROs podem ganhar entre US$ 7000 por uma cobaia, enquanto que
uma sexta poderia render 30.000 (ANGELL, 2008, p 44-46). Os gastos
absolutos nos testes clínicos são bem altos e consomem a segunda maior
parcela dos recursos para P & D, logo atrás dos testes pré-clínicos (vide gráfico
5).
69
Gráfico 5 - Os Custos por Fases da Inovação para o Conjunto das Empresas
que Realizam P & D nos EUA - 2006
Fonte: Interfarma (www.interfarma. org.br)
Os valores da figura acima (Gráfico 5) se referem ao conjunto de laboratórios
que realizam P & D direta ou indiretamente, o valor de US$ 9.682 bilhões se
refere ao conjunto gasto por estas empresas em 2006.
Em 1990, 80% da pesquisa e ensaios clínicos (fases I, II, II e IV) eram feitas
por centros acadêmicos, em 2000 caiu para 40% por que eram obrigadas a
disputar o mercado com as CROs; esta concorrência pelos enormes
laboratórios vem expondo uma relação de conflito de interesses muito séria
(ANGELL, 2008, p. 116 -120). O caráter tendencioso das pesquisas é expresso
pela estimativa de que: é quatro vezes mais provável os resultados da
pesquisa serem favoráveis ao cliente do que se fossem realizadas pelos NIH e,
é cinco vezes mais provável que um autor de estudo contratado por um
laboratório recomendem a droga do que um autor de uma organização sem fins
lucrativos (ANGELL, 2008, p. 122 -124).
Como explica Barros (2004, p. 40):
70
Vem bem a propósito do tema, as GPP (Good Publication Practices),mais adiante comentadas e a revisão efetuada por Lexchin et al.e publicada em número recente do BMJ em que se infere que os resultados de pesquisas financiadas pela indústria tendem, com maior probabilidade a favorecer o produto da companhia patrocinadora (Lexchin, 2003).
As cláusulas nos contratos com as CROs e pesquisadores independentes,
muitas vezes impedem de divulgar resultados que desagradem, ou
simplesmente permitem que os grandes laboratórios ditem os métodos de
pesquisa (vide anexos para exemplos reais). Nos testes e estudos é normal
utilizarem como cobaias os mais jovens e comparar os medicamentos em
doses diferentes, ou modificar a administração do medicamento de forma a
comprometer sutilmente os resultados (ANGELL, 2008, p. 124-128). A FDA não
exige a publicação dos dados mas apenas que os apresenta a ela e, também
não exigem comparação com outras drogas disponíveis no mercado mas
apenas com placebos (ANGELL, 2008, p. 106).
Com a exceção de medicamentos voltados para câncer e HIV, a FDA exige
apenas testes de comparação com placebos (placebos são substâncias inertes
que são administradas aos pacientes como se fossem medicamentos reais).
Os medicamentos precisam apenas serem melhores do que nada. Os
laboratórios aprovam muitos medicamentos comparados com placebos e, os
testes de comparação com medicamentos antigos são raros (vide anexos para
exemplos reais). A esse respeito comenta Barros (2004, p. 130) que:
Na verdade, persistir na aprovação de medicamentos, sem conhecer até onde eles são melhores ou piores que os existentes pode levar à introdução no mercado de produtos que são menos atuantes ou mais tóxicos, ou ambos (Garattini e Bertele, 2002).
Os laboratórios observam medicamentos de sucesso que estão prestes a
perderem seus direitos exclusivos de comercialização ou a proteção das
patentes, fazem modificações superficiais da fórmula como associar dois
fármacos em um, também podem alterar a concentração da substância ativa.
Um dos casos mais impressionantes constatados foi do medicamento Clarinex
71
da Schering-Plough, o medicamento era o Claritin uma vez metabolizado (vide
anexo). Os laboratórios podem ainda testar os medicamentos de formas
diferentes, por exemplo: testar sua droga em doses diferentes da droga
concorrente, testar em ambientes fechados ou abertos, faixas etárias diversas,
variações da doença pouco significantes (ANGELL, 2008). Devemos ter em
mente que os laboratórios priorizam testes para o maior mercado e que
apresentem potencial de crescimento duradouro, uma escolha ruim significa
para um laboratório apenas perda de muitos anos e muitos milhões em testes.
A comparação entre doses distintas, e os testes com placebos complicam tanto
a análise, que se torna insólito saber qual medicamento é o mais eficaz. A
indústria farmacêutica evita a comparação direta persistentemente, a estratégia
de diferenciação deve ser mantida, pois esse é provavelmente o pilar central de
sustentação do oligopólio.
Os laboratórios também abusam das brechas legais da lei Hatch-Waxman,
processando os laboratórios genéricos repetidamente garantindo mais 30
meses de monopólios, ou entrando em acordo ilícito com os laboratórios
genéricos para retardar a entrada no mercado e obstruir o mercado,
aproveitando o resto da licença da FDA. Também realizam testes em crianças
para garantir mais seis meses de exclusividade, mesmo quando o
medicamento seja para doenças que são totalmente improváveis em crianças
como distúrbios menstruais (ANGELL, 2008, p. 196-197). Estes recursos foram
usados a tal ponto de a Federal Trade Comission fazer em 2002 uma ampla
documentação destas práticas lesivas à livre concorrência, mas o governo
Bush tomou medidas pouco significativas (ANGELL, 2008, p. 205). Para drogas
que rendam US$ 8 bilhões ao ano, a maioria dos gastos legais são
extremamente recompensadores.
Os testes fase IV além de servir para monitorar efeitos colaterais também
servem para testar novos usos para o medicamento ganhando com isso uma
prorrogação de patente de três anos (é uma condição da FDA para uma
primeira aprovação rápida) (ANGELL, 2008, p. 177). Como somente médicos
72
podem prescrever medicamentos para tratamentos não aprovados, eles
acabam se tornando um alvo extremamente atraente. Sob a alegação de
educação médica um laboratório pode tentar influenciar um médico para
conseguir ampliar o mercado de seu medicamento, modificando artificialmente
a sua curva de demanda (ANGELL, 2008, p. 153).
Os médicos precisam ter educação médica continuada ministrada por
instituições autorizadas para manter o registro de médico nos EUA (ANGELL
153-154). Os laboratórios contratam empresas particulares de comunicação e
educação médica (MECCs), entre as MECCs – no inglês são as Accreditation
Council of Continuing Medical Education (ACCME) - estão gigantes da
comunicação como a Omnicom, WPP e Interpublic (ANGELL, 2008, p. 181).
Somente em 2001 os laboratórios pagaram 60% da educação médica
(ANGELL, 2008, 155).
As conferências médicas, jantares, seminários, palestras, publicação de
estudos clínicos, são em sua maioria organizados pelas MECCs. Em 2000
ocorreram 300.000 eventos educativos aos médicos dos quais ¼ ofereciam
créditos educativos para os registros de médico (ANGELL, 2008, p. 157). Tais
atividades não são consideradas pela indústria farmacêutica como parte dos
gastos com marketing, vendas, publicidade.
Entretanto não é o que pensa Barros (2004, p. 49):
Concordamos com Wolfe (2002) quando afirma que a educação de
médicos e pacientes é demasiado importante para que fique nas
mãos da indústria farmacêutica com suas campanhas pseudo-
científicas que têm mais que nada propósitos promocionais.
Parte considerável dos estudos apresentados em alguns desses eventos
“educativos” são forjados, comprados e assinados por falsos autores (alguns
casos podem ser conferidos no capítulo II ou no anexo). São eventos caros, a
Pfizer, por exemplo, ofereceu um banquete na Academia de Belas Artes de
73
Filadelfia (ANGELL, 2008, p. 162). Há diversos casos relatados por médicos
que nesses eventos são hospedados em hotéis luxuosos, usufruindo uma
estadia típica de colônia de férias, com direito a ingressos, brindes e outros
incontáveis favores. Tudo isso será refletirá no preço do medicamento e, a
indústria farmacêutica terá conseguido turvar uma boa parte do discernimento
médico.
No anexo há relato de um médico contratado pelo laboratório Wyeth
Pharmaceuticals, retirado do The New York Times Magazine e publicado
também pelo portal Terra (ver referências bibliográficas). Como o próprio
médico do artigo diz:
Eu estava a ponto de me tornar parte da legião de 200 mil médicos norte-americanos que recebem pagamentos das empresas farmacêuticas para divulgar os medicamentos que elas fabricam. Presumi que os representantes me houvessem escolhido devido a minhas qualidades profissionais ou pessoais.
Em 2001 os maiores laboratórios farmacêuticos gastaram em média 35% em
proporção às vendas com marketing, publicidade, vendas e administração; em
2002 foi de 31%. A expectativa é de que cerca de 5% sejam direcionados à
administração, este item inclui grandes quantias pagas aos advogados que são
movidos para a prorrogar as patentes e defendê-las assim como se livrar de
obrigações e multas legais. Gastos imensos também ocorrem em patrocínios
aos eventos da NASCAR, Super Bowl, etc. (ANGELL, 2008, p 134-136). Mas o
médico é o principal alvo: “Em todo caso, o dispêndio com a promoção de
medicamentos sob prescrição, direcionada aos profissionais de saúde, persiste
absorvendo mais de 80% dos gastos totais” (BARROS, 2004, p. 45).
Em 2001 US$ 11 bilhões em amostras grátis foram entregues aos médicos, em
sua maioria são medicamentos caros e de imitação, entregues por 88.000
representantes de vendas (ANGELL, 2008, p. 131-132). Uma curiosa técnica
vem sendo utilizada em complemento aos esforços dos representantes de
vendas: o rastreamento de receitas médicas nas farmácias para traçar vários
74
perfis de médicos e consumo, inclusive traçar estratégias de relacionamento e
recompensas com médicos específicos (ANGELL, 2008, p. 145).
Sobre a que nível alcançou a relação entre representantes de vendas e
médicos dentro dos EUA:
A American Medical Association (AMA) formulou princípios éticos em que se prevê a possibilidade dos médicos receberem donativos em dinheiro, apenas de valor baixo (inferiores a 100 dólares). A Time-Concepts LLC recebe de empresas farmacêuticas 100 dólares por cada acesso assegurado de propagandistas a médicos, dos quais 50 são repassados a estes profissionais, 5 vão para uma instituição filantrópica indicada pelo médico e 45 ficam com a empresa que realiza a intermediação. Ferindo, igualmente, as diretrizes da AMA, um grupo de médicos de Cincinnati organizou uma empresa, a Physician Access Management, que cobra dos propagandistas 65 dólares por cada 10 minutos de visita (Spurgeon, 2002) (BARROS, 2008, p. 135).
No quadro baixo está uma relação dos gastos em mercadização, publicidade,
administração e P & D. Segundo Márcia, os gastos em administração ficam por
volta de 5%.
Tabela 4 - Porcentagem de Dispêndios Realizados, em 2001, por Nove
Empresas Farmacêuticas em Diferentes Itens de Despesa, em US$.
Fonte: Families USA citado por Barros (2004, p. 33)
As razões para a FDA permitir estas práticas são: a) baixo orçamento relativo;
b) conflitos de interesses. A FDA contava em 2001 com apenas 30 funcionários
75
para fiscalizar 34.000 anúncios. Ela é composta no todo por 9000 funcionários
que se espalham por três imensos setores: o de comida e bebida, cosméticos e
drogas; os três setores juntos somam 95.000 empresas e produzem um valor
de US$ 1 trilhão (ANGELL, 2008, p. 49). Os comitês de aprovação do FDA
mantêm membros com conflitos de interesses. Segundo o jornal USA Today,
em 92% das reuniões feitas em 2000 pelo menos um membro tinha relações
de conflito e em 55% delas pelo menos a metade dos conselheiros possuíam
relações de conflito (ANGELL, 2008, p. 224).
Numa avaliação da FDA entre 1967 e 1984, dos 3443 medicamentos
autorizados, apenas 12 eram considerados inovações efetivas. Já o Senado
constatou que entre 1981 e 1988, apenas 12 de cerca de 300 medicamentos
poderiam ser considerados de importante avanço terapêutico. Logo parece
razoável supor que a situação no mundo era igual ou pior (SANTOS, 1997,
p.71-73).
Tabela 5 - Novos Medicamentos Aprovados pelo FDA – 1989/2000
Fonte: NIHCM (2005) citado por Bastos (2005, p. 285)
76
Encerramos este ensaio com uma ótima síntese de Angell (2008):
Ela [a indústria farmacêutica] quer o crédito por todo o processo. E, com base nessa reivindicação, defende o ponto de que tem todos os direitos possíveis para seus lucros colossais e para todos os outros favores especiais que recebe – os longos períodos de direitos exclusivos de comercialização, a isenção de qualquer tipo de regulação de preços e os enormes abatimentos nos impostos. Se o papel muito mais modesto que os gigantes da indústria farmacêutica desempenham fosse de conhecimento geral, se o público soubesse de onde os milagres realmente provêm, as pessoas exigiriam que as recompensas que vão para a indústria fossem mais proporcionais a suas contribuições e houvesse alguma forma de prestação de contas ao público.
77
7 CONCLUSÕES
A acumulação de capital é o objetivo primordial dos grandes laboratórios. A
corporação foi tomando forma por um processo histórico de concentração e
mudanças legais nos seus objetivos, diferenciando-se das outras sociedades
comerciais. Ela resultou numa instituição que é dominada completamente pela
necessidade de lucro e crescimento. A indústria farmacêutica se tornou
também uma corporação, como resultado de sua formação histórica para
oligopólio. Porém, a forma de oligopólio diferenciado da indústria farmacêutica,
principalmente nos EUA, possui barreiras tão elevadas à entrada que é
possível voltar-se quase totalmente para a busca de lucros sem comprometer o
crescimento a longo-prazo. Fatos mostrados em dados históricos sobre
lucratividade e crescimento.
Sem precisar entrar em guerras por preços e os mantendo a níveis muito altos,
a indústria farmacêutica se baseou numa estratégia de diferenciação
incremental e alteração artificial da demanda, pouco coerentes com os
propósitos de desenvolver medicamentos mais eficientes a preços razoáveis.
Sem poder esperar o desenvolvimento de um medicamento realmente
revolucionário, que geralmente é fruto do ambiente científico externa à
indústria, os laboratórios investem pesadamente em testes clínicos e até três
vezes mais em marketing, publicidade, vendas. Os testes clínicos são
geralmente financiados ou realizados pela própria indústria farmacêutica, o que
pode ser caracterizado como um evidente conflito de interesses, do que são
provas os métodos de comparação com placebos e doses diferenciadas e
incontáveis manipulações que só contribuem para a confusão de julgamento da
FDA e dos médicos.
Os médicos sendo alvo principal dos enormes esforços de marketing, venda e
publicidade, têm inclusive, parte importante de sua educação médica
continuada nas mãos dos laboratórios. Outro evidente conflito de interesses.
78
Fenômenos como medicalização, hipermedicação, doenças iatrogênicas e o
mau uso dos medicamentos vêm crescendo em conseqüência dessa visão
mercantilizada sobre a saúde humana, na qual seres humanos se transformam
em insumos do processo de acumulação de capital.
Por outro lado, a mercantilização da saúde provoca a concentração do
consumo dos medicamentos no mundo. A pior mazela foi constatada em
continentes pobres e principalmente o Africano, onde o imenso mercado de
pobres não atrai nenhum investimento da indústria farmacêutica para
gravíssimas doenças infecciosas e típicas de terceiro mundo.
O neoliberalismo reforçou enormemente a concentração de renda e assim do
consumo de medicamentos no mundo, também solapou a incipiente indústria
de fármacos dos países em desenvolvimento os deixando em situação de
dependência das empresas líderes, principalmente pela presença de suas
filiais em seus territórios. O Estado sob o efeito das idéias do Consenso de
Washington perdeu parte substancial de sua capacidade de realizar políticas
desenvolvimentistas e, a OMC ao reforçar estas idéias e coagir aos países a
assinarem o TRIPs favoreceu ainda mais os interesses das grandes
corporações farmacêuticas, notadamente as européias e as estadunidenses.
Portanto, acreditamos que os principais objetivos do trabalho foram
alcançados, pois foi possível estabelecer relações fortes entre teorias sobre
oligopólios, as corporações, neoliberalismo e as evidências de problemas
específicos na indústria farmacêutica. Ao contrário do que alega a indústria
farmacêutica, ela não é vítima do Estado e das regulamentações de vários
países; também seus gastos em P & D possuem um perfil que não justifica e
nem explica os altos preços dos medicamentos e, mesmo o tamanho dos
gastos em P & D são pequenos frente aos gastos com a mercadização,
marketing, publicidade e vendas.
Alguns aspectos técnicos e típicos das ciências farmacológicas, médicas e
laboratoriais, provavelmente foram pouco aprofundadas. Também mereceria
79
maior consideração a atividade da FDA, assim como as teorias de oligopólio e
das corporações. Por outro lado foi dada atenção exagerada ao marketing,
vendas e publicidade, é que havia pouca ou nenhuma divergência quanto a
este aspecto. O maior desafio de análise é o aspecto técnico do medicamento,
exigindo forte apoio referencial de especialistas da área, sem o qual a análise
crítica econômica fica comprometida, não seria possível discursar a respeito de
inovação. E por último, a relação das teorias corporativas e a indústria
farmacêutica merecia mais profundidade, as mudanças advindas da separação
entre propriedade e gerência (cuja maior expressão é a relação entre
acionistas e CEOs), parece ter contribuído de forma destacada para a
transformação dos pacientes em um aspecto da acumulação de capital.
80
ANEXOS
ANEXO A – A GM e os cálculos da vida humana (BAKAN, 2008, p. 73-75).
A General Motors foi processada diversas vezes nas décadas de 60 e 70 - 6
vezes na década de 60, 25 no início dos 70 e segundo a previsão de um
técnico da GM seriam 60 processos por volta de meados dos anos 70 – por
incêndio culposo nos tanques do carro de marca Malibu. Por ocasião de
projetar um Malibu menor a GM solicitou a um engenheiro avançado de design
chamado Edward C. Ivey para preparar um relatório sobre o problema dos
incêndios. Em seu relatório intitulado “Análise dos Custos de Óbitos
Relacionados a Incêndios Causados por Combustível”, Ivey multiplicou 500
óbitos por US$ 200 mil de indenizações e depois dividiu pelos 41.000.000
veículos vendidos na época, o resultado foi um custo de US$ 2,4 por veículo.
Para a GM o custo de um design que evitasse as explosões era de US$ 8,9 por
veículo, US$ 6,19 mais caro.
Em 1993 horas antes do dia de Natal, Patricia Anderson estava dirigindo de
volta para casa com seus quatro filhos no banco traseiro de um Malibu 1979 (o
mais novo tinha seis anos e o mais velho 15 anos) quando parou no semáforo
e foi atingida por um veículo na traseira, o veículo de Patricia incendiou-se e
causou queimaduras de segundo e terceiro grau, em alguns em até 60 % do
corpo inclusive causando desfigurações e uma amputação da mão de um de
seus filhos (ninguém morreu). Patrícia processou a GM, a corte obrigou a
gigante a pagar US$ 1,2 bilhões, não sem apelações da empresa. A Câmara
do Comércio dos EUA questionou o veredicto por ser “humano demais”, já que
“a análise de custos e benefícios é um certificado de bom comportamento
corporativo”.
ANEXO B - As fábricas do horror da Nike (BAKAN, 2008, p. 77-79).
81
Charles Kernaghan é diretor do Comitê Nacional do Trabalho, uma organização
que tem como objetivo monitorar as atividades das companhias
estadunidenses pelos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, onde
os casos de exploração humana do trabalho podem chegar a extremos, como é
o caso da Nike.
Segundo kernaghan, a localização destas fábricas é um segredo fortemente
guardado e, seu acesso aos lados internos dos muros é cuidadosamente
impedido por arames farpados e vigiados por sentinelas armadas. Entretanto,
Kernaghan conta que procura pistas deixadas em aterros sanitários e além do
mais pode esperar a oportunidade de se encontrar com qualquer dos
trabalhadores do lado de fora dos muros. Foi num aterro da República
Dominicana que encontrou cálculos para minimizar custos, aumentar a
“eficiência do trabalho” e assim aumentar lucros pela companhia estadunidense
Nike.
Nos documentos encontrados apresentou um exemplo da produção de uma
camisa. A produção da camisa continha 24 operações diferentes: 5 para cortar
o material, 11 para costurá-lo e 6 para etiquetar as camisas prontas e
empacotá-las para fins de exportação. Havia uma definição de um tempo
máximo de 6,6 minutos para ser fabricada e tempos ótimos para certas
operações que eram medidas em dez centésimos de segundos. O pagamento
do trabalho era US$ 0,08 para cada camisa, nos EUA estas mesmas camisas
eram vendidas em qualquer grande loja de varejo por cerca de US$ 22,90.
kernaghan definiu os documentos como “ciência da exploração”.
A típica fábrica que kernagham visita em países como Honduras, China,
Bangladesh, Nicarágua é cercada por arame farpado. Atrás das portas
trancadas, em sua maioria estão jovens mulheres supervisionadas por guardas
que as agridem e humilham por qualquer motivo e as demitem em caso de
gravidez atestada. Cada trabalhadora repete a mesma ação, como costurar um
passador de cinto ou prender uma manga, talvez duas mil vezes por dia. Elas
82
trabalham sob luzes dolorosamente brilhantes, em turnos de doze a quatorze
horas, em fábricas abafadas com poucos banheiros e acesso restrito à água
(para reduzir as pausas), que muitas vezes é suja e imprópria para consumo.
“Eles não querem que haja sentimentos, não querem que haja sonho”, diz
kernaghan sobre os donos das fábricas. Sobre as jovens ele comenta que
“trabalham até 25 anos de idade mais ou menos, ponto em que são demitidas
porque estão acabadas. Estão desgastadas. A vida delas já chegou ao fim, e a
companhia as substitui por outra safra de jovens.”
ANEXO C - A história do AZT, o primeiro medicamento para tratar
HIV/AIDS a chegar ao mercado (ANGELL, 2008, p. 40-43).
O AZT (ou zidovudina) é vendido com o nome comercial Retrovir e foi
produzido pela Burroughs Wellcome, que mais tarde foi absorvida pela
GlaxoSmithKline (um grande laboratório britânico). No entanto, praticamente
todo o P & D foi de um esforço conjunto do governo e laboratórios
universitários.
A síndrome da imunodeficiência adquirida veio a público em 1981, com ampla
divulgação na mídia a respeito do surto de casos de homossexuais que
morriam com infecções incontroláveis, ninguém sabia dizer o porquê da
destruição do sistema imunológico dos pacientes. Então, muitos pesquisadores
no mundo inteiro desviaram seus esforços para esta grave e mortal epidemia,
apenas dois anos depois pesquisadores dos NIH e no Instituto Pasteur, em
Paris, tinham conseguido provar que um vírus (o Retrovírus) era a causa.
A mais ou menos 20 anos atrás (em 1964) a molécula do AZT tinha sido
sintetizada pela Michigan Câncer Foundation (parte integrante dos NIH) para o
combate ao câncer, mas foi reprovada em testes de eficácia. Em 1974, um
laboratório alemão descobriu que o AZT era eficaz contra infecções virais em
camundongos. A Burroughs adquiriu o AZT interessada num possível sucesso
no combate ao vírus da herpes.
83
Depois que a causa da AIDS havia sido descoberta em 1983, Samuel Broder,
diretor do National Câncer Institute (parte integrante dos NIH), formou uma
equipe para examinar agentes antivirais do mundo inteiro com o objetivo de
encontrar a cura ou ao menos o controle da AIDS. Em 1985, sua equipe, em
colaboração com a Duke University, descobriu que o AZT era eficaz em
provetas e nos primeiros ensaios clínicos. A Burroughs, que adquirira o AZT,
rapidamente patenteou o AZT para o tratamento da AIDS e terminou os testes
subseqüentes, recebendo a aprovação da FDA em 1987.
A Burroughs cobrou US$ 10.000 por um ano de tratamento e o presidente do
laboratório elogiou os esforços da própria empresa com uma carta enviada ao
New York Times. Abaixo segue a resposta do diretor do NCI e da Duke
University:
“O laboratório especificamente não desenvolveu nem forneceu a primeira
aplicação da tecnologia para determinar se um medicamento como o AZT pode
suprimir o vírus vivo da AIDS em células humanas. Ele tampouco desenvolveu
a tecnologia para determinar a quais concentrações este efeito poderia ser
obtido em humanos. Ademais, o laboratório não foi o primeiro a administrar a
um ser humano com AIDS, nem realizou os primeiros estudos farmacológicos
clínicos em pacientes. Também não foi ele que realizou os estudos
imunológicos e virológicos necessários para deduzir que o medicamento
poderia funcionar e que, portanto, era válido submetê-lo a mais estudos. Todas
estas etapas foram cumpridas pela equipe do National Cancer Institute em
colaboração com a Duke University.”
E mais ainda: “Na realidade, um dos principais obstáculos ao desenvolvimento
do AZT foi o fato da Burroughs Wellcome não trabalhar com o vírus vivo da
AIDS, nem aceitar receber amostras obtidas de pacientes com AIDS.”
ANEXO D - O Taxol (paclitaxel) – o campeão de vendas entre os
medicamentos de combate ao câncer (ANGELL, 2008, p. 75-76).
84
Esse medicamento foi derivado da casca de teixo do Pacífico na década de
1960, atualmente é utilizado contra câncer de pulmão, de mama e do ovário.
Foi o National Câncer Institute (NCI) que realizou integralmente a pesquisa ao
custo de US$ 183 milhões pagos pelos contribuintes. A Bristol-Myers Squibb
firmou um contrato de cooperação em 1991 com o NCI, no qual a sua parte era
simplesmente ceder 17 quilos de paclitaxel (substância incrivelmente rara e
cara), que foi comprado de outro laboratório. Toda a pesquisa foi financiada e
desenvolvida pelo NCI, que é parte dos NIH. Em 1992 a FDA aprovou o uso do
Taxol para o câncer de ovário e, a Bristol-Myers obteve cinco anos de direitos
exclusivos de comercialização.
A dificuldade de obter paclitaxel foi superada pelos cientistas da Florida State
University (com recursos dos NIH) que através de um método especial
sintetizou a rara substância em laboratório, A Bristol-Myers só fez em adquirir a
licença de exploração do método pagando royalties.
O Taxol rendeu entre US$ 1 e US$ 2 bilhões ao ano para a Bristol-Myers e
alguns bons milhões em royalties para a Florida State University, durante cinco
anos atingiu no mínimo US$ 9 bilhões em vendas, pagando 0,5% das vendas
em royalties. Embora o laboratório tenha gasto quantias significativamente
altas com os testes subseqüentes para tratamento de outros tipos de câncer,
não houve, em nenhum instante, um grande esforço criativo de sua parte e
nem assumiu grandes riscos de pesquisa. No final das contas, os contribuintes
pagaram duas vezes um preço nada modesto. No mercado, o Taxol era
vendido por algo entre US$ 10.000 e US$ 20.000 por um ano de tratamento.
O laboratório ainda usou as leis para prorrogar a patente por mais três anos e
processou os fabricantes de genéricos que tentavam entrar no mercado.
ANEXO E - Glivec (mesilato de imatib) (ANGELL, 2008, p. 81-83).
O Glivec é um dos sete medicamentos inovadores aprovados em 2001, um
caso raro de inovação que significou a diferença entre a vida e a morte para as
85
pessoas que desenvolveram leucemia mielóide crônica. Antes do Glivec, a não
ser que o paciente encontrasse um doador compatível de medula óssea e se
submetesse a um transplante arriscado, a doença era universalmente fatal.
A Novartis, o gigante suíço que vende o Glivec, usa este sucesso como
estandarte da sua nobreza e profissionalismo. Um de seus anúncios diz: “A
Novartis pôs seu câncer fatal em remissão, totalmente e com rapidez.” Mas os
anúncios não disseram a verdade sobre os méritos.
Em 1960, um cromossomo de aparência peculiar em pacientes que
desenvolveram leucemia mielóide crônica fora observado por pesquisadores da
University of Pennsylvania (“o cromossomo de Filadélfia”). Trabalhos
posteriores de vários laboratórios chegaram à conclusão de que o cromossomo
possui um gene responsável pela produção de uma enzima anormal, a enzima
age sobre os glóbulos brancos de tal forma que eles desenvolvem o câncer.
Foi a parir destes resultados que houve o interesse pela Novartis de produzir e
patentear vários inibidores, por volta de 1994 e, os colocou na sua coleção de
candidatos potencialmente úteis.
Foi Brian J. Druker, pesquisador da Oregon Health and Sciences University,
junto de Nicholas Lydon (cientista do quadro da Novartis), que trabalhou com
os inibidores do estoque da Novartis até encontrar no mesilato de imatinib
propriedades muito promissoras com bases científicas sólidas. A Novartis, por
algum motivo, relutou bastante, mas a persistência do pesquisador fez com que
o laboratório patrocinasse o restante de seu trabalho na própria clínica de
Druker. Em 1999, apresentou os resultados, fora um enorme sucesso, a
Novartis então decidiu realizar, ela própria, ensaios clínicos em larga escala.
Mais dois anos depois, com a aprovação do FDA, o Glivec (metilato de
imatinib) chegava ao mercado.
Por um ano de uso o Glivec chegava a US$ 27.000, preço parelho com o
Interferon, o medicamento que o laboratório vendia para esse tipo de câncer,
antes da chegada do Glivec. Houve reações, então o laboratório se
86
comprometeu em dar descontos aos pacientes que não podiam pagar por ele.
Infelizmente, em países mais pobres, o Glivec continuou demasiadamente
caro.
Obs.: O medicamento ainda recebeu incentivos do programa para
medicamentos órfãos do governo.
ANEXO F - Nexium (ANGELL, 2008, p 93-96).
O laboratório inglês AstraZeneca teria em 2001 a perda da patente do Prilosec,
um medicamento para combater a azia que era simplesmente o medicamento
que o laboratório mais vendia – uma soma impressionante para os padrões da
indústria, cerca de US$ 6 bilhões ao ano. Vencendo as patentes, teria que
disputar com os genéricos.
O laboratório, então, preparou sua estratégia. Não deixou de processar
qualquer produtor de genéricos ao mesmo tempo em que preparou uma leve
maquilagem sobre a formulação do Prilosec, que consistia em apresentar
apenas o componente ativo do mesmo numa nova formulação e chamá-lo de
Nexium. Pouco antes da patente do Prilosec expirar o laboratório obteve uma
nova patente para o Nexium e de quebra a aprovação do FDA.
Para obter a aprovação da FDA era preciso apenas ser melhor do que placebo,
mas a estratégia de marketing precisava demonstrar que o Nexium era melhor
que Prilosec; devia haver um avanço demonstrável e convincente. A
AstraZeneca preparou quatro ensaios que comparavam os dois medicamentos
de uma forma bem interessante. Usou doses maiores de Nexium em relação
ao Prilosec, 40 e 20 miligramas respectivamente, em alguns ensaios. Em dois
deles, por uma diferença muito pequena, o Nexium havia sido superior ao
Prilosec. Um médico podia simplesmente obter o mesmo resultado em seus
pacientes dobrando a dose de Prilosec, mas não foi o que aconteceu.
87
A seguir lançou o Nexium com um preço um pouco abaixo do Prilosec e, fez
uma campanha publicitária agressiva para convencer os médicos e os seus
clientes principais, de que o Nexium era um espécie de Prilosec melhorado.
Gastou cerca de meio bilhão de dólares em 2001 nesta campanha e por outro
lado não anunciava mais o Prilosec, que acabou sendo vendido por uma fração
muito menor do Nexium.
ANEXO G - Clarinex (ANGELL, 2008, p. 96).
O laboratório americano Schering-Plough vendeu, apenas em 2001, US$ 2,7
bilhões em Claritin, um medicamento antialérgico. Antes que a patente
vencesse em 2002, lançou o Clarinex. O Clarinex é o metabólito ativo do
Claritin, ou seja, a molécula que o Claritin se torna uma vez ingerido e
metabolizado pelo corpo humano. Como já possuía a patente, apenas precisou
da aprovação da FDA o que realmente ocorreu antes do fim de 2001. Ele foi
aprovado para alergias em ambientes fechados e ambientes abertos, a única
diferença é que ele foi testado com esta finalidade para poder receber a
aprovação da FDA, o Clarinex não havia sido testado para ambientes
fechados. Uma vez no corpo humano ambos são idênticos para todos os
efeitos.
Antes que o Claritin perdesse os direitos exclusivos de comercialização, a
Schering-Plough iniciou uma campanha publicitária maciça em torno do
Clarinex, inclusive o lançou com preço promocional.
ANEXO H - As estatinas Crestor, Lipitor, Lescol, Baycol, Prevacol e Zocor
(ANGELL, 2008, p. 97-99).
As estatinas são drogas para baixar os níveis de colesterol e são de larga
imitação na indústria farmacêutica. O Mevacor do laboratório estadunidense
Merck foi a primeira estatina comercializada, sua descoberta se deve aos
inúmeros pesquisadores em universidades e em laboratórios governamentais
espalhados pelos países, uma droga realmente inovadora.
88
O mercado para as estatinas era imenso e possuía um potencial de expansão
enorme. As doenças coronarianas vinham se espalhando e as causas estavam
apontadas para os níveis de colesterol e, os níveis de colesterol geralmente
são revistos sempre para baixo ampliando o mercado ainda mais.
A disputa das imitações se deu por diferenciações mínimas em algum aspecto.
Por exemplo, testa-se uma estatina para verificar que ela evita futuros enfartes
para pessoas que já o sofreram antes e, então recebe a aprovação da FDA
para aquele uso específico. Ou então, se preferir, faz testes em doses e
concentrações diferentes com duas estatinas rivais (A Pfizer fez isso em
relação à Bristol-Myers). De fato, estas diferenças de dosagens tornam quase
impossível a tarefa de saber qual estatina é realmente mais potente e eficaz.
Assim, várias imitações surgiram buscando um pedaço do imenso mercado das
estatinas. A própria Merck lançou uma imitação, o Zocor, a Pfizer lançou o
Lipitor, a Bristol-Myers lançou o Prevacol, a Novartis lançou o Lescol e depois
o crestor. O Baycol da Bayer foi recolhido do mercado por causar um efeito
colateral letal. O Mevacor é agora vendido como o genérico lovastina, enquanto
o Lipitor e o Zocor eram um dos 10 medicamentos mais vendidos em 2002,
mas a lovastina não estava.
ANEXO I - Prozac (ANGELL, 2008, p. 99)
O Prozac é um medicamento antidepressivo da Eli Lilly cujo desenvolvimento
foi baseado em pesquisas que não realizou. Também foi aprovado pela FDA
para tratamento da bulimia, transtorno obsessivo compulsivo e depressão
geriátrica. O Prozac apresentou efeitos colaterais mais suaves que os
antidepressivos já existentes no mercado, alcançando rápido sucesso
comercial, facilmente notado pelas vendas de US$ 2,6 bilhões de dólares por
ano.
89
O mercado de antidepressivos também é enorme e expansivo, sendo assim, os
laboratórios trataram de pegar um pedaço através das imitações como o Paxil
da GlaxoSmithKline, o Zoloft da Pfizer, também o Celexa e Lexapro dos Forest
laboratories. A patente do Prozac venceu em 2001 e agora ele é vendido como
o genérico chamado fluoxetina por um preço 80% menor do que já fora, mesmo
assim o Paxil e o Zoloft estavam entre os mais vendidos.
ANEXO J - O Novarsc e o ALLHAT (Antihypertensive and Lipid lowering
treatment to Prevent Heart Attck Trial) (ANGELL, 2008, pg. 112-116)
Este foi um ensaio clínico independente realizado pelo National Heart, Lung
and Blood Institute que faz parte dos NIH. Durou oito anos, envolveu 42.000
pessoas em mais de 600 clínicas, o maior já realizado para tratamento de
pressão sanguínea elevada. Foram comparadas quatro drogas: o Novarsc da
Pfizer (o quinto medicamento mais vendido do mundo em 2002); o Carduram
do mesmo laboratório; os inibidores de enzima conversora de angiotensina,
que correspondem ao Zestril da AstraZeneca, o Privinil da Merck; e o quarto
era a chamada “pílula da água”, um diurético genérico disponível no mercado
há mais de cinqüenta anos.
Os resultados saíram em 2002 e foram divulgados no Journal of the American
Medical Association, os resultados causaram surpresa. O antigo diurético foi
igualmente eficaz para reduzir a pressão sanguínea e até melhor para evitar
alguns agravamentos como doenças do coração e derrames; os pacientes
tratados com o diurético eram menos propensos a desenvolver insuficiência
cardíaca do que aqueles tratados com Novarsc e, menos propensos a
desenvolver uma série de complicações do que os inibidores de enzima
conversora de angiotensina. O Carduran foi retirado do teste quando ficou
constatado que os pacientes sob seu tratamento desenvolviam insuficiência
cardíaca.
90
O diretor do ensaio resumiu a situação: “ALLHAT demonstrou que os diuréticos
são a melhor opção para tratar hipertensão, tanto do ponto de vista médico
quanto do econômico”.
Entretanto o Novarsc era um medicamento muito presente em publicidades
enquanto os diuréticos, por serem genéricos antigos, não recebiam a atenção
merecida. De tal modo que os medicamentos mais novos são os mais visíveis
na mídia e são também os mais vendidos, por isso, entre as 50 drogas mais
vendidas à terceira idade em 2001, o Novarsc estava em segundo lugar mas
nenhum diurético genérico apareceu entre os cinqüenta colocadas. Um
diurético custava em média US$ 37 por um ano de tratamento em 2002, o
Novarsc custava US$ 715.
ANEXO K - Neurontin (ANGELL, 2008, p.175-176)
Neurontin é um medicamento para epilepsia da Parke-Davis, subdivisão da
Warner-Lambert, que em 2000 passou a fazer parte da Pfizer. Um ex-
representante de vendas da Parke-Davis, chamado David P. Franklin,
processou o laboratório e apresentou milhares de páginas de documentos, nas
quais se via em detalhes as estratégias em torno do objetivo de expandir o
mercado do Neurontin. Baseado nisso a promotoria federal, 48 estados e um
distrito iniciaram uma investigação independente do processo de Franklin, que
descobriu um imenso esquema ilegal.
Os documentos liberados pelo tribunal foram expostos na mídia de grande
circulação em 2002. Nestes documentos ficou claro que a Parke-Davis forçou a
ampliação do mercado do Neurontin por meio de testes fraudulentos. O
Neurontin fora aprovado pela FDA em 1994 para um uso muito restrito da
epilepsia e, sua patente expiraria em 1998; sem tempo, o laboratório patrocinou
testes viesados por sua iniciativa e conscientemente, publicou artigos com as
conclusões dos testes e subornou pesquisadores para assinaram as
publicações. Os testes queriam fazer parecer que o Neurontin deveria ser
91
prescrito como tratamento único de epilepsia e condições de dor e ansiedade
vagamente esclarecidas.
O laboratório pagou US$ 12.000 para cada um dos doze artigos preparados a
uma dessas firmas de educação médica e comunicação que contratou. Esta
por sua vez pagava US$ 1.000 por uma assinatura de um pesquisador num
dos artigos. Os artigos foram publicados e os vendedores do laboratório
“avançaram” sobre os médicos como se apenas fizessem o papel de levar
informação médica imparcial até eles. O laboratório ainda patrocinou
congressos e conferências médicas nos quais os “autores” dos artigos davam
palestras e, jantares para os médicos. Foram pagos muitos milhões de dólares
a vários médicos para que simplesmente falassem bem do Neurontin a outros
médicos, alguns deles receberam a alcunha de “consultores” para não parecer
que fosse um simples suborno. Também fez rastreamento das prescrições de
Neurontin para saber a eficácia de cada uma destas ações de “educação
médica”. Tudo para influenciar os médicos a prescreverem Neurontin para mais
usos não-aprovados, já que os médicos têm esta prerrogativa profissional e
legal.
Em 2003 o Neurontin atingiu os US$ 2,7 bilhões de vendas, sendo que 80%
das prescrições eram exatamente para usos não-aprovados como insônia,
transtorno bipolar e uma série de desconfortos crônicos, um verdadeiro
multifuncional. Passados oito anos do início do processo, a Pfizer declarou-se
culpada em 2004 pagando US$ 430 milhões em multa por acusações cíveis e
criminais, Franklin ficou com recompensa de US$ 27 milhões por que os
delatores têm direito a uma parte da multa.
ANEXO L - Médico denuncia laboratório Wyeth Pharmaceuticals no caso
do medicamento Effexor
Um representante amistoso da Wyeth Pharmaceuticals procurou o psiquiatra
especializado em psicofarmacologia (a publicação preservou a identidade do
médico) em seu consultório, em Massachusetts, para lhe propor que desse
92
palestras sobre o Effexor XR para outros médicos. O laboratório lhe pagaria um
curso para falar em público e forneceria todo o material de apresentação
audiovisual e, receberia US$ 500 por cada sessão de almoço informativo que
conseguisse com um médico. Tudo se baseava na premissa de que o Effexor
era ligeiramente superior aos antidepressivos mais comuns, por ter o
diferencial de usar dois neurotransmissores. Diz o doutor:
Poucas semanas mais tarde, minha mulher e eu estávamos no
saguão do luxuoso Millenium Hotel, em Manhattan. Na recepção, me
foi entregue uma pasta que continha o cronograma das palestras, um
convite para diversos jantares e recepções, além de dois ingressos
para um musical da Broadway.
Na manhã seguinte conheceu Michael Thase, um pesquisador da Universidade
de Pittsburgh, o maior responsável pelo processamento dos dados de oito
testes clínicos que envolveram 2000 pessoas, realizados pelo laboratório. Os
resultados apontavam que o Effexor XR causava remissão em 45% dos
pacientes, enquanto os SSRI (quer dizer regeneração seletiva de serotonina)
comuns causavam 35% das vezes e os placebos 25%, Thase assinou e
publicou, colocando o Effexor no mapa.
Os testes, entretanto, tinham muitos métodos duvidosos e incoerentes com a
publicação. Diz o médico:
Sabia que aquelas palestras não representavam de forma alguma um processo imparcial de instrução médica, e que aquilo que os palestrantes nos estavam dizendo representava uma visão de marketing. Mas quando alguém o convida para uma viagem a Manhattan, com todas as despesas pagas, e o coloca entre os profissionais mais respeitados em seu campo, é inevitável que você desative ao menos parcialmente o seu senso crítico.
Após a palestra de Thase:
[...] todos recebemos envelopes ao sair da sala. Dentro deles, havia cheques no valor de US$ 750. Era hora de aproveitar a cidade. Quando voltei ao meu consultório em Newburyport, já havia duas mensagens de representantes locais da Wyeth Pharmaceutical em minha secretária eletrônica, me convidando para fazer apresentações
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em consultórios de médicos locais. Eu estava a ponto de me tornar parte da legião de 200 mil médicos norte-americanos que recebem pagamentos das empresas farmacêuticas para divulgar os medicamentos que elas fabricam. Presumi que os representantes me houvessem escolhido devido a minhas qualidades profissionais ou pessoais.
[...] À medida que as representantes e eu começamos a nos conhecer melhor, elas passaram a me tratar como um colega da equipe de vendas. Eu recebia faxes antes das palestras, com informações sobre médicos específicos. Em minha ingenuidade, me espantei com o nível de detalhe que os fabricantes de medicamentos conseguem acumular sobre as vidas dos médicos e seus hábitos ao receitar. Perguntei às representantes com quem trabalhava sobre isso, e elas me disseram que recebiam relatórios que indicavam o que os médicos locais haviam receitado a cada semana. O processo é conhecido como "garimpagem de dados de receita", e empresas especializadas no mercado farmacêutico, tais como a IMS Health e a Verispan, adquirem dados sobre receitas atendidas por farmácias locais, e depois os reformatam e revendem a empresas farmacêuticas [...]Não havia dados sólidos publicados, e me convenci de que estava dizendo "a maior parte" da verdade. Comecei a desenvolver mais e mais reservas quanto a recomendar o Effexor como remédio de "primeira linha". Na minha próxima palestra de almoço, mencionei, perto do final da apresentação, que existia a possibilidade de que os SSRI fosse igualmente eficientes no combate à depressão.Senti-me ousado, mas deixei o consultório com uma sensação de integridade restaurada. Alguns dias mais tarde recebi uma visita do mesmo gerente regional que me havia oferecido o trabalho. Sempre agravável, ele disse que "as representantes contaram que você não foi tão entusiástico sobre o nosso produto, na última palestra. E eu respondi que nem o Dr. Carlat marca pontos em todas as partidas. Você anda doente?" A mensagem do gerente não poderia ter sido mais clara: eu estava sendo pago para recomendar o remédio deles. Caso deixasse de fazê-lo, minha contribuição já não interessaria à empresa. Um ano depois de começar a fazer palestras para laboratórios farmacêuticos, deixei o trabalho. Ganhei cerca de US$ 30 mil em renda adicional, com essas palestras, um acréscimo significativo aos US$ 140 mil anuais que eu faturava com meu consultório.
A matéria é interessantíssima, recomendamos a leitura na íntegra (veja em
referências bibliográficas)
ANEXO M - A África, as patentes e a AIDS. (BAKAN, 2008, p. 219-221)
No final dos anos de 1990, a África do Sul, e a África de forma geral, estavam
desesperadas para conter a epidemia da HIV/AIDS, reclamavam dos altos
preços que os laboratórios cobravam por seus medicamentos e ameaçavam
produzir ou importar medicamentos de combate à AIDS - alguns países, como
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a Índia, ignoravam as patentes e a OMC, fabricando e exportando fármacos
livremente. A indústria farmacêutica opôs-se intransigentemente, e o governo
Clinton se destacou no meio da multidão de países ao defender a indústria
incondicionalmente, ameaçando com retaliações comerciais. A reação foi de
total indignação pública a ponto de a indústria prometer baixar preços em
partes da África.
Alguns anos depois o governo Bush foi o único dentre os 143 países membros
da organização Mundial do Comércio a se opor ao relaxamento das patentes
para o terceiro mundo. Somente concordava que os países pobres poderiam
fabricar genéricos para algumas doenças, mas não importá-los. Isso teve que
ser revisto, por que um país pobre tinha poucas condições de fabricá-los e,
poucos países capazes de fazê-lo iriam se arriscar exportando-os, pois eles
temiam as represálias comerciais dos EUA. Sendo assim, o governo Bush
permitiu a importação sob uma série de condições, que na prática
representavam um grande entrave à ajuda que a África necessitava. Mais uma
vez, em 2004, o governo Bush vem se recusando a permitir que os US$ 15
bilhões destinados às políticas de combate à AIDS na África, sejam destinados
aos genéricos.
Em 2003, a África do Sul reclamou da GlaxoSmithKline por seus preços
abusivos e a resistência em licenciar suas patentes por royalties razoáveis,
somente assim, a maior fabricante de medicamentos de combate à AIDS
permitiu que algumas empresas de genéricos fabricassem parte do seu
coquetel contra a AIDS e exportasse para o resto da África, com exceção de
alguns países.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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somos enganados e o que podemos fazer a respeito. 3. ed. Rio de Janeiro:
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