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INFERÊNCIAS PRAGMÁTICAS PARA QUESTÕES FONOLÓGICAS
POR CRIANÇAS DE 6 ANOS
Jonas Rodrigues Saraiva
1 Introdução
Atualmente estão em evidência muitos estudos na área da metalinguagem, também
chamada consciência linguística. Estão sendo desenvolvidas muitas pesquisas para avaliação das
consciências das áreas de base da linguagem, sendo elas: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e
pragmática. Neste trabalho, será utilizado o plano fonológico para base de dados. Esses serão
tomados do resultado de uma aplicação do CONFIAS (Consciência Fonológica: instrumento de
avaliação sequencial), instrumento de avaliação desse nível de consciência (fonológico), descrito
posteriormente.
Outra área, além da fonologia, que recebe evidência e valorização por parte dos estudos
linguísticos é a Pragmática, que visa, em linhas gerais, estudar a relação falantes-mensagem-
contexto.
Este trabalho constitui-se em uma pesquisa teórica que analisará um corpus selecionado de
respostas de crianças, fornecidas em uma aplicação do instrumento de avaliação da consciência
fonológica CONFIAS. Utilizar-se-ão para tanto as teorias pragmáticas de Grice (1975) e de Sperber
e Wilson (1986; 1995; 2005)1, buscando, por meio delas, entender os processos inferenciais que
levaram os alunos a determinadas respostas, que, como se verá no decorrer do texto, não foram tidas
como corretas ou apropriadas em relação às perguntas do teste (CONFIAS).
Cabe explicar que todas as perguntas do CONFIAS têm como foco principal a avaliação
do quanto a criança, na idade pesquisada, tem consciência do plano fonológico da sua língua,
avaliando os níveis silábico e fonêmico de forma sequencial. Porém, ainda que seja esse o objetivo e
o foco das questões, em muitas das respostas, são encontrados elementos que fogem aos mesmos,
mas que, ainda assim, podem ser “justificados”, por apresentarem, de alguma forma, relação com a
pergunta feita.
Assim, este estudo utiliza dados levantados por meio da aplicação do CONFIAS na tese de
doutorado de Scherer (2008), apresentados pela autora na seção “Momentos Making Off” (Idem, p.
1 Constam referidas somente as versões de 1995 e 2005, tendo em vista que a primeira é uma reedição com posfácio da de 1986 e a segunda, um artigo que resume a teoria, publicado pelos próprios autores.
230), tendo em vista não terem sido considerados como respostas válidas (corretas) em seu estudo.
Esses dados tornam-se interessantes para o corpus do presente trabalho justamente por esse fato:
fogem ao esperado em uma aplicação do CONFIAS e despertam, por tanto, no mínimo, curiosidade
em conhecer-se a razão para isso.
Desse “problema”, surge então uma questão central: qual o caminho inferencial que pode
ser assumido como percorrido pelas crianças para chegarem a respostas não esperadas em aplicação
do teste de consciência fonológica CONFIAS?
O presente texto está organizado da forma apresentada a seguir.
No capítulo que segue, consta a fundamentação teórica, com base principalmente na teoria
griceana e na Teoria da Relevância.
O capítulo três explicita a metodologia utilizada para esta pesquisa, sendo sucedido pelo
capítulo que trata das análises do corpus.
O último capítulo apresenta as conclusões gerais do estudo.
2 Fundamentação teórica
2.1 A pragmática
A Pragmática é uma área da linguística que visa estudar a linguagem e suas relações com
as situações de uso e contexto e a compreensão do dito e do não dito no discurso.
Os estudos sobre a Pragmática iniciaram-se muito antes de haver uma disciplina
propriamente dita e um objeto de estudo definido. Como afirma Costa (2008), Frege, em 1892, foi
um dos primeiros a identificar, em suas investigações, o problema da pressuposição e sua relação
com o contexto. Quase meio século depois, Morris lança a pragmática como disciplina da semiótica,
apresentando seu triângulo semiótico. Mais tarde, outras teorias se desenvolvem na área, como a
Teoria dos Atos de Fala de Austin e a própria teoria de Grice. Esta última tem especial relevância
para os estudos em Pragmática e para o presente trabalho, já que aborda os aspectos da situação de
comunicação que não estão presentes no discurso. Desde então, os estudos nessa área se
diversificaram e intensificaram e atualmente, muitos deles são feitos relacionando a Pragmática com
outras áreas do conhecimento, principalmente com as (diretamente) voltadas à linguagem, como é o
intento do presente trabalho.
2.2 A Teoria de Grice2
No artigo Logic and Conversation de 1975, Grice lança os pressupostos de sua teoria cuja
preocupação central, apresentada em Meaning (1957), é encontrar uma forma de descrever e
explicar os efeitos de sentido que vão além do dito; saber como um enunciado significa mais do que
o que expressa literalmente. Grice utiliza o termo implicatura (implicature) para expressar o que
interlocutores de uma situação dialógica em linguagem natural entendem embora não tenha sido
dito expressamente. Essas implicaturas são divididas em dois grupos: convencionais e
conversacionais.
2.2.1 Implicaturas Convencionais
Implicaturas Convencionais podem ser definidas como aquelas geradas pelo sentido
próprio das palavras utilizadas no enunciado. O exemplo a seguir é ilustrativo disso:
(1) André não gosta de Ana.
(2) Até André não gosta de Ana.
Em (1), nenhuma implicatura é gerada, já que o dito deve ser o compreendido. Já em (2), a
inclusão da palavra “até” gera implicaturas pelo sentido: pode-se entender3 que ninguém gosta de
Ana, inclusive André, e/ou que André costuma ser uma pessoa que gosta de todo mundo, mas que,
de Ana, não.
2.2.2 Implicaturas Conversacionais
As Implicaturas Conversacionais recebem, na teoria, uma maior atenção. Dentro dessa
classe, as implicaturas realizadas são sempre decorrentes de uma situação dialógica. Nesse caso,
parte-se do princípio que os dois interlocutores estão “colaborando” com o diálogo que realizam
para que haja entendimento de ambas as partes e para que o foco e o intuito central de ambas seja a
situação em que estão inseridos, desconsiderando a possibilidade de um estar prestando atenção e
2 Ressalte-se que todos os conceitos utilizados nos fundamentos teóricos, ou em qualquer parte do texto, foram utilizados como pertencentes às teorias em questão e devem ser entendidos tão somente como essas teorias os explicam. 3 Dentre várias outras inferências possíveis.
outro intencionalmente, não. Essa “colaboração” de ambos interlocutores para com o diálogo é
denominada por Grice, no referido texto, como “Princípio de Cooperação”. Costa (2008, p.48)
explica, com base em Grice, o Princípio de Cooperação da seguinte forma:
Para ele [Grice], quando dois indivíduos estão dialogando, existem leis implícitas que
governam o ato comunicativo. (...) mesmo inconscientemente, os interlocutores trabalham
a mensagem linguística de acordo com certas normas comuns que caracterizam um sistema
cooperativo entre eles, para que as informações possam ser trocadas o mais univocamente
possível. (...) Não é possível, nem imaginável, segundo ele, que um ato comunicativo
pudesse ser totalmente livre, a ponto de o falante e o ouvinte perderem o controle do
próprio jogo.
Pressupondo sempre o Princípio de Cooperação, as implicaturas conversacionais se
dividem em dois grupos: as IC particularizadas e as IC generalizadas.
As IC particularizadas são dependentes de contexto e entendidas somente se considerado
esse contexto. Por exemplo, veja-se a proposição:
(3) Joana tem motivos para sorrir agora.
Pode-se4, a partir dela, inferir que Joana está curada da doença grave que tinha se o
contexto for:
(A1) Joana estava triste por ter uma doença grave.
(A2) Joana ficou feliz por ter se curado de tal doença.
Por outro lado, as IC generalizadas, às vezes confundidas com as Implicaturas
Convencionais, não dependem de contexto específico e advém da combinação das palavras da
proposição. Por exemplo, veja-se a frase a seguir, sem qualquer menção de contexto:
(4) Encontrei Joana com um homem no cinema.
Pode-se, a partir dela, inferir5 que o homem não é o parceiro oficial de Joana.
4 Dentre várias outras inferências possíveis. 5 Dentre várias outras inferências possíveis.
Além de cooperar com o diálogo em todo o tempo, espera-se que os envolvidos nele
também respeitem um conjunto de máximas elaborado por Grice e dividido em quatro categorias:
quantidade, qualidade, relação e modo.
2.2.2.1 Categorias e máximas
À categoria de Quantidade, correspondem duas máximas principais:
- a mensagem deve ser informativa tanto quanto necessário para a conversação.
- a mensagem não deve apresentar mais informações que o necessário.
À categoria de Qualidade, se ligam máximas que se referem à veracidade da mensagem:
- não deve ser dita uma mensagem falsa ou possivelmente falsa.
- não deve ser dita uma mensagem para a qual não se tem evidências
suficientes.
À categoria de Relação, se liga a máxima principal: a mensagem deve ser relevante.
E, por fim, à categoria de Modo, se relaciona a máxima: a mensagem deve ser ordenada e
clara, sem obscuridade, sem ambiguidade, sem prolixidade.
2.2.3 Gerando implicaturas
Considerando-se os conceitos apresentados, as implicaturas, de acordo com a teoria
griceana, podem ser geradas por, pelo menos, três motivos. A seguir a especificação de cada um.
Veja-se um exemplo em que alguém se refere a outra pessoa, no caso, a um homem,
como:
(5) Ele é um leão.
O falante não está dizendo que verdadeiramente esse homem o seja. Nesse primeiro caso,
usa-se uma metáfora, abandonando a categoria de qualidade, para implicar propositalmente que o
homem é muito forte – ou muito bravo. Esse seria o primeiro motivo.
Para o segundo motivo, veja-se um exemplo clássico. Alguém diz:
(6) Estou com dor de barriga.
E outro afirma:
(7) Ainda bem que passei na farmácia antes de vir.
O falante não está desrespeitando o Princípio de Cooperação, nem a máxima de
relevância, pois a segunda proposição implica que, ao passar na farmácia, comprou remédio para
dor de barriga, o que tem relação com a primeira. Logo, o segundo motivo é expresso pelo fato de
que se encontra na implicatura gerada, de certa forma, uma relação do dito (que a gerou) com o
contexto do diálogo, dado o fato de não ser quebrado o princípio de cooperação – mas, sim,
aparentemente quebrado.
O terceiro motivo é expresso pelo conflito de máximas, ou o abandono de uma para a
manutenção de outra. Por exemplo, um diálogo de um casal:
(8) Você é tão bonita!
(9) Você é tão simpático!
A violação da categoria de relação, nesse caso, pode ser explicada pela manutenção da
categoria de qualidade, por exemplo.
A Teoria de Grice apresenta outros conceitos e outras definições para o estudo do que é
dito e do que é implicado. Porém, para o recorte teórico e metodológico deste trabalho, o autor
optou por abordar somente aspectos relativos às implicaturas. São as quatro categorias e suas
máximas6 que propiciarão a (tentativa de) reconstrução do raciocínio inferencial utilizado pelos
sujeitos na aplicação do CONFIAS.
2.3 Os neogriceanos
A partir da teoria de Grice, outros autores fundaram suas teses e teorias, desenvolvendo,
aumentando, modificando a teoria griceana inicial, apresentada resumidamente no capítulo anterior.
6 Considerando-se incluída a máxima da relevância, retomada e ampliada na Teoria da Relevância, de Sperber e Wilson.
Podem-se citar Steve Levinson7, Dan Sperber e Deirdre Wilson e o próprio orientador deste
trabalho.
Dentre eles, as contribuições da teoria de Sperber e Wilson8 são especialmente úteis para
auxiliar na construção de um caminho inferencial, como é o objetivo do presente estudo.
Para eles, a afirmação de Grice (1989) de que “uma característica essencial da maior parte
da comunicação humana, verbal e não verbal, é a expressão e o reconhecimento de intenções”
necessitava de um esclarecimento minucioso, conforme eles mesmos afirmam (SPERBER E
WILSON, 2005). Segundo os autores, a noção de Relevância – apresentada originalmente em Grice
e retomada e ampliada pelos autores – é a principal máxima, podendo explicar de maneira mais
clara a escolha das inferências. Usa-se aqui o termo “escolha”, pois, quando alguma máxima é
quebrada, não é gerada somente uma implicatura, mas várias. E a escolha de qual delas utilizar é do
usuário da língua envolvido na situação.
2.3.1 A Teoria da Relevância
A Teoria da Relevância busca explicar justamente essa questão. Sperber e Wilson afirmam
(Idem) que “intuitivamente, relevância não é uma questão de tudo ou nada, mas uma questão de
graus”. Esses graus fazem com que o ouvinte opte por uma das implicaturas dependendo do seu
grau de relevância.
2.3.1.1 A noção de relevância
Para a noção de relevância devem ser considerados alguns fatores. São eles: efeitos
cognitivos e a relação custo-benefício.
O “efeito cognitivo” é o efeito gerado por um input para o receptor. “Efeito cognitivo
positivo” é o que, de alguma forma, é “útil” para o indivíduo, relacionando-se com o seu
background de informações prévio. Os autores exemplificam (Idem): a informação pode responder
a uma questão que ele tinha em mente, aumentar seu conhecimento em certo tópico, esclarecer uma
7 Dentre outros, pode-se referir: LEVINSON, Steve. Presumptive Meanings: the theory of generalized conversational implicature. MIT Press, 2000. 8 Assim como a Grice, o autor não desconhece as críticas e acréscimos feitos à TR e sugere para tanto a obra de Jorge Campos da Costa, principalmente os textos de 2008, tendo um deles participação de RAUEN. Mas prefere utilizar para esta análise a TR em sua forma e conceitos originais.
dúvida, confirmar uma suspeita, corrigir uma impressão equivocada ou promover o fortalecimento,
a revisão ou o abandono de suposições disponíveis. O tipo mais importante de efeito cognitivo é o
que leva em conta o input e o contexto. A relação entre a relevância e o efeito cognitivo positivo é
explicada pelos autores (Idem) da seguinte forma: “Nos termos teóricos da Teoria da Relevância,
em contextos idênticos, quanto maiores forem os efeitos cognitivos positivos alcançados pelo
processamento de um input, maior será a relevância”.
Porém, não somente os efeitos cognitivos são levados em conta para a maior relevância
dos estímulos. Também se considera a relação “custo-benefício” do caso. Sperber e Wilson (Idem)
esclarecem que “quanto maior for o esforço requerido de percepção, de memória e de inferência,
menor será a recompensa pelo processamento do input e, por isso, um menor merecimento de
atenção”. Ressalte-se que, segundo os autores, a noção de relevância é mais qualitativa que
quantitativa, sendo a relação custo-benefício, ou esforço-efeito, avaliada pelo indivíduo através de
julgamentos comparativos intuitivos.
Sobre essa busca pela relevância, que é denominada “Princípio Cognitivo de Relevância”,
os autores afirmam que é uma tendência universal da cognição humana a de dirigir-se para a
maximização da relevância em qualquer situação, incluindo-se as comunicativas.
Para a compreensão dos fundamentos da Teoria da Relevância são necessários ainda pelo
menos três conceitos mais: o de “comunicação ostensivo-inferencial”; o de “relevância ótima” e o
de “Princípio Comunicativo de Relevância”.
A Teoria da Relevância considera que o ato comunicativo pode ser/é ostensivo-inferencial,
isto é, que presume intenções informativas (de se querer informar algo) e comunicativas (de
informar que se quer informar algo). O(s) ouvinte(s) sabe(m) que o emissor quer informar algo e
que usa, para isso, um estímulo ostensivo que chama a sua atenção. Esse estímulo faz com que o
receptor aceite a mensagem e atente para ela achando-a suficientemente relevante para processá-la.
O conceito de “relevância ótima” considera que um estímulo ostensivo será otimamente
relevante se: for relevante o suficiente para merecer esforço de processamento do(s) ouvinte(s); for o
mais relevante compatível com as habilidades e preferências do comunicador. Esse conceito serve
como base para entender o terceiro. O “Princípio Comunicativo de Relevância” consiste em que
todo o estímulo ostensivo comunica a presunção de sua própria relevância ótima.
Dessa forma pode-se entender o que basicamente é a relevância na comunicação, segundo
essa teoria. Muitos outros conceitos são abordados pela teoria e apresentados tanto no texto original
quanto no texto utilizado como base nesta seção. Porém, para o que se busca por meio deste
trabalho, os conceitos da teoria até então apresentados já são suficientes e eficazes para as análises.
Cabe, entretanto, acrescentar a essa parte uma breve explicação dos autores (SPERBER e
WILSON, 2005, p.232) sobre o “Procedimento de compreensão à luz da relevância”, o que parece,
neste ponto, suficientemente claro e conciso para resumir os conceitos e processos explicados pela
Teoria da Relevância.
Procedimento de compreensão à luz da relevância:
a) Siga um caminho de menor esforço no cômputo de efeitos cognitivos: teste hipóteses
interpretativas (desambiguações, resolução de referências, implicaturas, etc.) em ordem de
acessibilidade.
b) Pare quando suas expectativas de relevância forem satisfeitas.
Cabe também uma revisão breve do conceito de consciência fonológica, tendo em vista
estar diretamente ligada à proposta que se deseja desenvolver, fornecendo o corpus de dados para
análise. Essa revisão é feita a seguir.
2.4 A consciência fonológica9
Consciência fonológica, também chamada de Metafonologia, é uma habilidade de análise
da língua que está incluída numa categoria maior chamada Metalinguagem ou Consciência
Linguística. A metalinguagem supõe o uso da linguagem para se poder descrever a própria
linguagem e/ou refletir sobre ela, podendo ser realizada nos diferentes níveis da língua (Scliar-
Cabral, 1995), incluindo o fonológico; nesse caso: consciência fonológica.
Como dito, consciência fonológica é uma habilidade de descrição da língua em um de seus
níveis, que já fica conhecido na designação “fonológica”: fonemas e sílabas. Porém, a CF não se
caracteriza somente pela descrição. Freitas (2003, p.156), por exemplo, indica que a CF
pressupõe a capacidade de identificar que as palavras são constituídas por sons que podem
ser manipulados conscientemente. Ela permite à criança reconhecer que as palavras rimam,
terminam ou começam com o mesmo som e são compostas por sons individuais que
podem ser manipulados para a formação de novas palavras.
9 Ainda que pareçam poucas as considerações sobre essa área do conhecimento, já que é considerada parte da
característica interdisciplinar do trabalho, o autor considera como suficientes as contidas neste tópico, tendo em vista que
as teorias utilizadas para análise são de outra área do conhecimento, cabendo à fonologia “somente” o fornecimento dos
dados para análise.
A CF foi e é amplamente estudada, principalmente por sua relação direta com o
aprendizado da leitura e da escrita (Bradley & Bryant (1983); Morais, Alegria e Content (1987);
Cardoso-Martins (1995)). Uma dessas pesquisas em CF foi feita para o desenvolvimento de um
instrumento para avaliação dessa capacidade nas crianças: o CONFIAS.
2.5 O CONFIAS
O CONFIAS (Consciência Fonológica: instrumento de avaliação sequencial) é um
instrumento desenvolvido por uma equipe de pesquisadoras de diversas áreas (fonologia, psicologia,
fonoaudiologia...), sob coordenação da Profa. Sônia Moojen. Segundo o texto de introdução do
próprio instrumento (Moojen, 2003, p.9) ele tem como objetivo “avaliar a consciência fonológica de
forma abrangente e sequencial” e surgiu “da necessidade de um teste mais completo, que considere
diferentes tarefas em consciência fonológica”, bem como as características do português brasileiro,
tendo em vista outros testes serem baseados em estudos estrangeiros e adaptados ao português.
O instrumento é composto por tarefas de síntese, segmentação, identificação, produção,
exclusão e transposição silábica e fonêmica e é indicado “no trabalho com crianças não
alfabetizadas e em processo de alfabetização, assim como no tratamento de dificuldades e/ou
transtornos de aprendizagem.” (CONFIAS, p.9)
Como dito anteriormente, o CONFIAS apresenta questões para avaliação da consciência
silábica e fonêmica, nessa ordem, das que são consideradas mais fáceis para as consideradas mais
complexas. Essa estrutura é mantida para manutenção da sequencialidade (de nível de dificuldade)
das questões do teste. A seguir são apresentadas algumas questões como exemplo.
2.5.1 Nível da Sílaba
S1 – Síntese (CONFIAS, p.23)
Nessa atividade, o aplicador é orientado a dizer à criança: “Nós vamos brincar com os sons
das palavras. Eu vou dizer uma palavra separada em pedaços: so-pa. Que palavra eu disse?”. Essa
breve introdução ou explicação do exercício serve como exemplo. As atividades que são avaliadas
são as seguintes, em que se usam outras palavras, todas ditas segmentadas para que a criança faça a
síntese: pi-ja-ma; bi-co; sor-ve-te; etc.
S6 – Identificação de sílaba medial (CONFIAS, p.24)
Nessa atividade, a orientação é de que o aplicador mostre uma figura (correspondente à
sílaba em questão) e junto diga a seguinte ordem do exercício: “Que desenho é este? (resposta da
criança: girafa) Qual o pedaço (ou sílaba) do meio da palavra girafa? (R: „ra‟). Agora vou dizer três
palavras e só uma tem o pedaço do meio igual ao de „girafa‟. Qual é?: pirata; panela; dinheiro”.
Essa atividade também é feita como exemplo para que a criança esteja ciente do que precisa fazer e
não erre por falta de compreensão. São propostas outras imagens e outras palavras para a atividade
propriamente dita: imagem: tomate; palavras: fumaça, lanterna, espeto / imagem: palhaço; mochila,
caneta, telhado; etc.
Ao todo, são nove atividades de exploração do nível silábico (sempre indicadas por S1;
S2; S3;... e o nome da atividade). Após essas, segue a exploração do nível fonêmico.
2.5.2 Nível do Fonema
F4 – Exclusão
Nessa atividade, o aplicador é orientado a fazer a seguinte pergunta: “Se eu tirar o som [r]
de barba fica?”. E são propostas outras alternativas de atividades como: som [r] de mar; som [v] de
vida; som [s] de pasta; etc.
F5 – Síntese (CONFIAS, p. 27)
Essa atividade é a equivalente à do nível anterior (sílaba). Não é colocada na primeira
posição como na sílaba, dada a sua maior complexidade no nível fonêmico. A ordem da atividade
também se altera. O aplicador é orientado a dizer: “A palavra Eva tem estes sons: E – V – A
(entendam-se fonemas e não letras aqui). Eu vou dizer uns sons, e você vai descobrir que palavra
eles formam: M – E – S – A; J – Á; U – V – A; etc.”
Ao todo, são sete atividades de exploração do nível fonêmico (sempre indicadas por F1;
F2; F3;... e o nome da atividade).
3 Metodologia
Sendo o estudo, aqui apresentado, de cunho teórico, a metodologia empregada conta com
a utilização de um corpus de cinco (5) perguntas e respostas, advindas da aplicação do CONFIAS
na tese de Scherer (2008). Esse corpus será selecionado da relação de perguntas e respostas já
apresentadas pela autora na seção “Momentos Making Off” (p.230) de seu texto. Serão então
utilizadas as teorias pragmáticas de Grice e de Sperber e Wilson para análise do corpus, de forma a
tentar explicar as respostas fornecidas pelos alunos, percorrendo-se o caminho inferencial que os
levou a tais respostas.
3.1 Corpus
Como dito, as frases que compõem o corpus da pesquisa foram obtidas na seção
“Momentos Making Off” (p.230) da tese de Scherer (2008). A autora utilizou o teste CONFIAS
para avaliação de seus sujeitos e pôs, nessa seção, as respostas mais “curiosas” obtidas durante a
aplicação. Para o teste, algumas delas são consideradas erradas. Porém, para efeitos de análise
pragmática, podem revelar as diferenças na maneira de inferir das crianças. Seguem as cinco
perguntas e respostas escolhidas de um universo de 24 apresentadas pela autora. Os sujeitos
respondentes estão representados pela primeira letra de seus nomes.
1. Pesquisadora: “diga uma palavra que começa com [z].”
M.: “abelha.”
2. Pesquisadora: “se eu tirar o „col‟ de caracol, como fica?”
C.: “lesma.”
3. Pesquisadora: “diga uma palavra que comece com [j]10
.”
L.: “gato.”
4. Pesquisadora: “vou dizer uma palavra que não existe: TAPOR. Se você trocar a ordem
dos pedaços, que palavra fica?”
D: “catapora.”
5. Pesquisadora: “se eu tirar o „es‟ de escola, como fica?”
F: “secretaria.”
3.2 Estrutura de análise
10 Som de [j] e não letra “j” (jota).
Para uma análise fundamentada e não trivial do corpus acima, decidiu-se por construir
uma estrutura de análise que demonstre que passos são levados em conta para se chegar ao caminho
inferencial possivelmente construído pelas crianças. Sendo assim, cada pergunta e reposta
constituinte do corpus será colocada na seguinte estrutura:
(P): pergunta feita à criança
(Re): resposta esperada
(Rf): resposta fornecida pela criança
(Mq): máxima quebrada com a resposta
(Ap): análise da pergunta
(CI): caminho inferencial11
Considerem-se também as seguintes convenções:
[A]: aplicador/pesquisador
[C]: criança/sujeito
4 Análise
Para a realização desta análise, é importante a retomada de alguns conceitos da teoria
utilizada que serão aplicados no decorrer. Como dito, a Pragmática estuda as relações entre emissor
(falante, escritor...), mensagem (discurso, texto...) e receptor (ouvinte, leitor...). Sendo assim, é
necessário levar-se em conta que alguns fatores interferem na aplicação de um instrumento como o
CONFIAS. Considerando-se ser um método de entrevista e considerando-se que os dois
participantes (entrevistador/aplicador e entrevistado/sujeito) não se conhecem, é necessário confiar
na colaboração de ambos para o sucesso da aplicação e para a veracidade do resultado. Como se
trata de crianças, a cooperação pode não ocorrer como planejado. Entretanto, vamos aqui considerar
que ambos os participantes estavam cooperando (no sentido do Princípio de Cooperação exposto
por Grice) durante a aplicação.
A partir desse pressuposto, segue-se a análise.
11 Não deve ser considerado como uma reprodução real e fiel dos pensamentos ou do raciocínio da criança, mas como um caminho possível de inferências e conclusões, de certa forma inconscientes, feitas pela criança.
Análise de 1 (vide item 5.1):
(P): produção de palavra qualquer que comece com o som [z].
(Re): muitas possibilidades de respostas, devendo-se, porém, cumprir as exigências de ser uma
palavra e de ter como som inicial [z]: zebra, zorro, zero...
(Rf): “abelha”.
(Mq): com essa resposta a criança aparentemente quebrou12
a máxima de “relação”, já que
respondeu algo que não era esperado.
(Ap): Pela pergunta feita, o que a criança deveria inferir era: devo responder com uma palavra
qualquer que comece com o som indicado.
(CI): 1) [C] deseja cooperar e supõe que: a) [A] deseja cooperar; b) Sua resposta (de [C])
corresponde à pergunta de [A] (visando não quebrar a máxima de relação); Ambos ([A] e [C]) estão
se comunicando. 2) Para cooperar com [A], [C] faz o seguinte percurso inferencial: a) Devo dizer
algo a [A]; b) Este algo deve responder à pergunta de [A]; c) [A] está interessado em palavra com
som inicial /z/; d) O barulhinho “z” quem faz é a abelha; e) É relevante responder “abelha” porque
ela produz o som que [A] deseja; f) [A] ficará satisfeito comigo.
Análise de 2 (vide item 5.1):
(P): exclusão da sílaba “col” da palavra caracol para obtenção de nova palavra.
(Re): “cara”.
(Rf): “lesma”.
(Mq): com essa resposta a criança aparentemente quebrou a máxima de “relação”, pois, embora haja
certa relação semântica entre a resposta fornecida e a pergunta feita, ela não se relaciona
formalmente com a pergunta.
(Ap): A pergunta feita é clara, porém, como se vê, permite a geração de inferenciais semânticas e
não formais, ademais de exigir um alto nível de abstração. O que a criança deveria ter entendido era:
devo retirar um pedaço da palavra “caracol” – e não de um “caracol” – para ver o que resta.
(CI): 1) [C] deseja cooperar e supõe que: a) [A] deseja cooperar; b) Sua resposta (de [C])
corresponde à pergunta de [A] (visando não quebrar a máxima de relação); Ambos ([A] e [C]) estão
12 Diz-se “aparentemente”, pois a criança quebra a máxima na relação dialógica pragmática, mas não a quebra na relação semântica, respeitando o Princípio de Cooperação, já que produz a implicatura.
se comunicando. 2) Para cooperar com [A], [C] faz o seguinte percurso inferencial: a) Devo dizer
algo a [A]; b) Este algo deve responder à pergunta de [A]; c) [A] quer que eu retire um pedaço de
“caracol”; d) Caracol sem casco é igual a uma “lesma”; e) É relevante responder “lesma”, porque
assim cumpro a exigência de [A] (retirar um pedaço de caracol); f) [A] ficará satisfeito comigo.
Obs.: Nesse caso, pode-se considerar que a criança possa até ter abstraído o modo de resolver à
questão, porém, não tenha achado relevância em relacionar “cara” com “caracol”, mas sim “lesma”
com “caracol”.
Análise de 3 (vide item 5.1):
(P): produção de palavra qualquer que comece com o som de [j].
(Re): muitas possibilidades de respostas, devendo-se, porém, cumprir as exigências ser uma palavra
e de ter como som inicial [j]: Juca, João, jipe...
(Rf): “gato”.
(Mq): com essa resposta a criança aparentemente quebrou a máxima de “relação”, já que respondeu
algo que não era esperado.
(Ap): A pergunta feita é clara e objetiva e o que a criança deveria inferir por essa pergunta era: devo
responder com uma palavra qualquer que comece com o som indicado.
(CI): 1) [C] deseja cooperar e supõe que: a) [A] deseja cooperar; b) Sua resposta (de [C])
corresponde à pergunta de [A] (visando não quebrar a máxima de relação); Ambos ([A] e [C]) estão
se comunicando. 2) Para cooperar com [A], [C] faz o seguinte percurso inferencial: a) Devo dizer
algo a [A]; b) Este algo deve responder à pergunta de [A]; c) [A] está interessado em palavra com
som inicial /j/; d) [A] letra “g” expressa esse som; e) É relevante responder “gato” porque a letra “g”
produz o mesmo som que [A] deseja; f) [A] ficará satisfeito comigo.
Obs.: Nesse caso, deve-se considerar que este sujeito talvez tivesse mais conhecimento sobre as
relações fonema-grafema do que os demais.
Análise de 4 (vide item 5.1):
(P): transposição de sílabas de uma palavra para formar outra.
(Re): “porta”.
(Rf): “catapora”.
(M): com essa resposta a criança aparentemente quebrou a máxima de “relação”, pois, embora haja
certa relação morfológica entre a resposta fornecida e a pergunta feita, ela não se relaciona com a
solicitação feita.
(Ap): A pergunta feita é clara, porém, exige um alto nível de abstração. O que a criança deveria ter
entendido era: devo “desmontar” os pedaços dessa palavra e reorganizá-los colocando o último
antes do penúltimo para ver o que forma. (CI): 1) [C] deseja cooperar e supõe que: a) [A] deseja
cooperar; b) Sua resposta (de [C]) corresponde à pergunta de [A] (visando não quebrar a máxima de
relação); Ambos ([A] e [C]) estão se comunicando. 2) Para cooperar com [A], [C] faz o seguinte
percurso inferencial: a) Devo dizer algo a [A]; b) Este algo deve responder à pergunta de [A]; c) [A]
está interessado em palavra que contenha “tapor”; d) “catapora” contém; e) É relevante responder
“catapora” porque contém o que [A] deseja; f) [A] ficará satisfeito comigo.
Obs.: Nesse caso, pode-se considerar que a criança não tenha reconhecido a palavra TAPOR como
representação fonológica de algo no mundo e tenha buscado ao máximo ser relevante respondendo
algo que tem significação no mundo, além de haver encontrado o “pedaço” TAPOR em parte da
palavra CATAPORA. Cabe ressaltar que às crianças também parece mais relevante relatar uma
experiência real do que lidar com palavras que nada representam em seu contexto. Nesse caso, a
criança pode ter tido alguma experiência com “catapora”.
Análise de 5 (vide item 5.1):
(P): exclusão da sílaba “es” para obtenção de nova palavra.
(Re): “cola”.
(Rf): “secretaria”.
(M): com essa resposta a criança aparentemente quebrou a máxima de “relação”, pois, embora haja
certa relação semântica entre a resposta fornecida e a pergunta feita, ela não se relaciona
formalmente com a pergunta.
(Ap): A pergunta feita é objetiva, porém, para maior clareza, deve ser feita utilizando-se o vocábulo
“palavra” antes de “escola” para informar a necessidade de relação com a forma e não com o
sentido. A questão exige um alto nível de abstração. O que a criança deveria ter entendido era: devo
retirar um pedaço da palavra “escola” – e não de uma “escola” – para ver o que resta.
(CI): 1) C deseja cooperar e supõe que: a) [A] deseja cooperar; b) Sua resposta (de [C]) corresponde
à pergunta de [A] (visando não quebrar a máxima de relação); Ambos ([A] e [C]) estão se
comunicando. 2) Para cooperar com [A], [C] faz o seguinte percurso inferencial: a) Devo dizer algo
a [A]; b) Este algo deve responder à pergunta de [A]; c) [A] quer que eu retire um pedaço de
“escola”; d) “secretaria” é uma parte (menor) de “escola”; e) É relevante responder “secretaria”,
porque assim cumpro a exigência de [A] (retirar um pedaço de escola); f) [A] ficará satisfeito
comigo.
4.1 Considerações sobre a análise
Cabem algumas considerações sobre a análise feita.
Não é o intuito central deste trabalho a explicação do motivo do “erro” dos alunos, e, sim,
a (possível) reconstrução do caminho inferencial que os levou a tanto. Porém, subjaz também a uma
análise dessa natureza a análise de hipóteses de causa para os vários “fenômenos” linguísticos e não
(diretamente) linguísticos que ocorreram nas situações analisadas.
Como se pode ver, em todas as respostas, ainda que se considere a preservação do
Princípio de Cooperação por parte das crianças, houve uma aparente quebra da máxima de relação,
sendo, por conseguinte, consideradas não relevantes as respostas dos alunos. Porém, a própria busca
pela relevância (ou pela qualidade – vide item 4.2.3, terceiro motivo), por parte deles, pode gerar
uma resposta equivocada. O que influencia nesses casos pode ser o nível de relevância de cada
opção de resposta em relação às exigências da pergunta.
Como a noção de relevância é diferente para cada situação e para cada indivíduo, pode-se
supor que, tendo em vista o estágio de desenvolvimento dos sujeitos, sua capacidade de abstração
não alcançou o nível necessário em algumas das questões. Isso fez com que fosse encontrada
relevância ótima (Item 2.3.1.1, p.17) em opções não válidas para o nível da questão.
Não se pode esquecer também que a noção de relevância leva em conta a relação custo-
benefício. Em quase todas as situações, é mais fácil (custo) a criança permanecer no nível concreto e
ainda assim encontrar uma resposta (a seu ver) procedente para a pergunta e suas exigências
(benefício), do que avançar para um nível abstrato.
Nesse ponto é preciso esclarecer que a possibilidade de consciência sobre o que quer que
seja, é, em si mesma, algo abstrato. No caso do estudo dos sons da língua e da consciência desses
por parte de seus falantes, a consciência fonológica, está claro que, assim como nas demais
consciências sobre a língua, ela é passível de ser concebida por indivíduos que possuam capacidade
de abstração de conceitos, regras e representações fonológicas. Crianças na faixa-etária em questão,
segundo estudos sobre o desenvolvimento humano (iniciados e embasados por Jean Piaget) não
possuem a capacidade de abstração, pois se encontram no nível do concreto, do material, do real –
daí a importância de um trabalho pedagógico que envolva atividades de consciência fonológica e
das demais consciências linguísticas nessa idade, sendo esse trabalho importante para o
desenvolvimento cognitivo das crianças.
Outro fato que merece “especulação” é o de que as crianças sempre diziam haver
entendido o exemplo fornecido pelo teste, que consiste em uma atividade semelhante à em questão,
mas, quando solicitadas a responder à atividade propriamente dita, forneciam a resposta
incorretamente. O que se acredita, nesse caso, é que haja uma diferença no percurso cognitivo13
por
ocasião da exemplificação e no do teste. Na exemplificação, ele é guiado, parece ficar no nível do
reconhecimento. No teste, o nível é o de evocação. A exemplificação é suficiente apenas para
ensinar a como responder, mas não são desenvolvidos os conceitos. Se a criança não está apropriada
ainda de conceitos abstratos como o de palavra (considerando-se, por exemplo, a dicotomia
saussureana14
de significante e significado) ela permanecerá, seja por falta de conceito, seja pela
busca da relevância ótima, no nível do significado.
Muitas outras teorias poderiam ser utilizadas para explicar os processos cognitivos15
envolvidos nas situações geradas pela aplicação do CONFIAS (como Charles Peirce16
e a semiótica
– a noção de índice é vista claramente em alguns casos). O autor prefere, entretanto, manter-se no
objetivo central do trabalho, ainda que tenha apresentado brevemente algumas hipóteses de
explicações para alguns desses processos.
5 Conclusão
O desenvolvimento deste trabalho contribuiu para o entendimento de conceitos
pragmáticos na área da linguagem, de conceitos gerais da linguagem e da linguística e da
capacidade de reflexão sobre dados de pesquisa por parte do autor.
13 Entenda-se: de pensamento; de raciocínio; de processamento cerebral; de compreensão. 14 Tendo em vista ser a base de qualquer estudo linguístico, não se faz necessário um constructo teórico sobre Ferdinand de Saussure e suas dicotomias. Entretanto, para fonte, veja-se: SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006 – reedição da obra original Cours de linguistique générale de 1916. 15 Idem à referência 13. 16 Dentre outros: PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.
O autor acredita que o que era esperado ao início da realização do estudo, foi conseguido,
olhando a partir do momento de finalização do mesmo, tanto na questão dos processos
metodológicos a cumprir, quanto na da aquisição de conhecimentos necessários para tanto.
Crê ainda que as observações e contribuições analíticas e teóricas estão presentes no corpo
do texto, devendo constar, nesta parte, apenas observações gerais do trabalho.
A questão central de pesquisa, – que pode gerar outras subquestões implícitas, como “o
porquê” dos dados, por exemplo – surgiu do interesse no estudo e no entendimento da linguagem
das crianças, ou melhor, de parte (muito pequena) dela por parte do autor.
As teorias pragmáticas utilizadas são também de interesse do autor, tendo em vista a
curiosidade pelos aspectos implícitos da linguagem – e por tudo que parte do dito, ou está
relacionado a ele, mas vai além dele.
A partir desse interesse e da experiência com as respostas curiosas do CONFIAS,
elaborou-se um método de análise, utilizando a pragmática como base, que trouxe à tona o caminho
inferencial usado pelos pequenos respondentes. Cabe dizer que se poderia utilizar qualquer outra
teoria que trate linguisticamente de processos comunicativos e cognitivos. A opção pelas teorias
utilizadas foi do autor.
Nesse ponto, cabe citar novamente a característica interdisciplinar do projeto: a aplicação
de teorias pragmáticas sobre dados fonológicos visando a (possível) explicação da realização dos
mesmos. Como dito, o contexto científico atual, não só nas Pontifícias Universidades Católicas, mas
em todo o ambiente onde se faz ciência, é de trabalhar a interface entre as áreas do conhecimento,
valorizando estudos e iniciativas que apresentem essa natureza.
Desse pequeno resumo do trabalho e de sua forma completa, apresentada nos capítulos
anteriores, surgem as últimas conclusões, expressas a seguir.
Pensar a linguagem como algo complexo e com um campo de estudo amplíssimo, que vai
desde o balbucio do bebê até as suas últimas palavras, passando por todas as produções sonoras e
não sonoras e escritas e não escritas que ele possa ter realizado durante a vida, ajuda a compreender
o porquê de tantos trabalhos e tantas pesquisas dedicados a essa área.
Esta (pesquisa), em especial, dedica-se às crianças, tanto pelo interesse do autor pelo
público e pelo assunto, quanto pela riqueza dos dados que advém das produções linguísticas dos
pequenos. Analisar essa etapa da vida, seja por que ângulo for, é sempre prazeroso, ainda que
trabalhoso (faça-se aqui menção da epígrafe utilizada, de Gonzaguinha, compositor brasileiro).
A área pragmática, utilizada para base das análises de dados, apresenta trabalhos de
pesquisa importantes para o entendimento das questões linguísticas práticas, abordando um nível da
linguagem que a relaciona (a linguagem) com o contexto de uso. Seu estudo é fundamental para o
entendimento dessa relação (linguagem/usuário/contexto) e para o desenvolvimento da consciência
pragmática, importante, quando levadas em conta as exigências do mundo moderno pelo bom uso
da linguagem em qualquer situação. As inúmeras relações possíveis com outras áreas são profícuas
e desejáveis no contexto hodierno de produção de conhecimento.
A área fonológica e seus estudos de análise e de descrição de dados fazem também
importantes contribuições ao contexto científico e pedagógico, tendo em vista a já reconhecida17
influência do desenvolvimento da consciência fonológica para a aquisição da língua escrita. Os
dados utilizados neste trabalho, advindos de um estudo dessa área, são demonstrativos do potencial
de avaliação e descrição da realidade e contribuição para a mesma no que tange a caminhos
pedagógicos de desenvolvimento do nível fonológico da língua nas crianças.
Crê-se que a contribuição deste estudo, em relação ao universo das pesquisas das duas
áreas, ainda que pequena, seja importante, tanto para a ciência envolvida em pesquisas linguísticas
desta natureza, quanto para o autor e sua busca pelo conhecimento da linguagem e dos aspectos
teóricos e práticos que a mesma comporta.
Sendo assim, tendo em vista que nenhuma obra é conclusiva sobre o assunto de que trata,
fica a sugestão da continuidade deste estudo, sob o mesmo enfoque teórico e metodológico ou com
variações no mesmo para o desenvolvimento do conhecimento em linguagem, especialmente nas
áreas em questão, fonologia e pragmática.
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