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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Victor Martins da Silva Influência da educação Bancária sobre o alto índice de moradores de rua São Paulo 2010

Influência da educação Bancária sobre o alto índice de ... · five years in Sao Paulo.Thus, we assume that work that the educational factor is the main problem for the existence

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Victor Martins da Silva

Influência da educação Bancária sobre o alto índice de

moradores de rua

São Paulo

2010

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Victor Martins da Silva

Influência da educação Bancária sobre o alto índice de

moradores de rua

Orientador: Prof. Dr. José Cassio Másculo

São Paulo 2010

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do grau de licenciatura no Curso de Ciências Biológicas.

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“Se te disserem para não virar a mesa, se te

disserem que o ataque é a pior defesa; ouça

o que eu digo não ouça ninguém “

(Engenheiros do Hawai)

“Quem me dera ao menos uma vez que

o mais simples fosse visto como o mais

importante, mas nos deram um espelho,

vimos um mundo doente” (Renato

Russo).

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RESUMO

A influência da educação sobre o alto índice de moradores de rua, é um

tema de pouco estudo dentro da área acadêmica. Segundo dados da fundação

instituto de pesquisa econômica (FIPE), o número de moradores de rua

praticamente triplicou nos últimos cinco anos na cidade de São Paulo. Desse

modo, partimos do pressuposto nesse trabalho que o fator educacional é o principal

problema para a existência desse grupo de excluídos sociais. Com isso, o objetivo

desse trabalho é analisar o contexto escolar e social de alguns moradores de rua,

em duas entidades não governamentais de um município da grande São Paulo,

compreendendo os fatores que possam ter levado estes a exclusão social de

acordo com os referenciais teóricos estudados. Com isso, foram visitadas duas

entidades e entrevistados sete moradores de rua, dos quais dois deles foram

inclusos no trabalho, por demonstrarem maior detalhes sobre sua vida pessoal.

Através dessas duas entrevistas, foi visto que há dois tipos claros de exclusão

social, consequente da educação bancária e neoliberal no qual está inserido a

educação brasileira, que é a a situação neoliberal bancária clássica de exclusão e a

visão neoliberal-bancária dos tempos modernos. Podemos dizer que nesses dois

modelos de exclusão social, o professor possui grande influência, demonstrando

que este é o integrante do sistema educacional que pode alterar a educação atual,

através de uma educação libertadora, oposta a educação bancária.

Palavras chaves: Moradores de rua, educação bancária, neoliberal e sistema

educacional

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ABSTRACT

The influence of education on the high number of homeless people, is a

subject of little study within the academic area. According with the fundação instituto

de pesquisa econômica (FIPE), the number of homeless has nearly tripled in the last

five years in Sao Paulo.Thus, we assume that work that the educational factor is the

main problem for the existence of this group of socially excluded people.Thus, the

purpose of this study is to analyze the educational and social context of some

homeless people, in two non-governmental entities in a municipality of Sao Paulo,

understanding the factors that might lead them to social exclusion in accordance with

the theoretical studied. Thus, two entities were visited and interviewed seven

homeless people, of which two were included in the study for showing greater detail

about his personal life. Through these two interviews, it was seen that there are two

clear types of social exclusion resulting from the bank and in which education is

embedded in Brazilian education, which is a state of classical liberal banking

exclusion and neo-liberal view-bank of modern times. We can say that these two

models of social exclusion, the teacher has great influence, demonstrating that this is

the integral of the educational system that can change the current education, through

a liberating education, opposed the education bank.

Key word: Homeless, bank education, neoliberal and educational system

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AGRADECIMENTO

Primeiramente gostaria de agradecer a Deus, sem o qual se quer eu teria

iniciado a faculdade, sendo o meu psicólogo nas horas em que mais precisei,

diminuindo mihas angústias e dando a mim sabedoria para escrever essa tese de

conclusão de curso. Agradeço também meu orientador Professor José Cassio

Másculo, no qual tenho como um modelo de professor que luta contra a educação

bancária inserida na nossa educação. Pena que o professor é corintiano. Ninguém é

perfeito!!

Não menos importante, agradeço ao professor Adriano Monteiro de Castro,

que foi o meu primeiro orientador do qual pelo menos metade dos referenciais aqui

presente são de sua indicação. É o professor que sem dúvidas contribuiu de fato

para a realização deste trabalho, atrevendo-me a dizer que ele é o meu segundo

orientador. Agradeço também a professora Magda Medhat, que posso dizer que me

alfabetizou academicamente, através de seus relatórios e aulas, que contribuíram

em muito para a melhoria de minha escrita. Agradeço também a professora Rosana

Jordão, que também ajudou nesse trabalho contribuindo com alguns autores

passados para leitura.

Agradeço ao presidente Lula por me dar oportunidade de cursar uma

faculdade de ponta mesmo sem poder pagar uma faculdade desse porte,

demonstrando que esse é o único presidente que até hoje olhou para os menos

favorecidos. A instituição também merece um agradecimento, por ter aberto as

portas ao programa universidade para todos. Agradeço meu pai e minha mãe, que

sempre tivveram ao meu lado nos momentos em que mais precisei, dando apoio

financeiro e emocional para a continuidade do curso.

Venho através dessa também agradecer a todos os meus amigos de

faculdade, que nos momentos de estudo ou de descontração ajudaram-me e deram

apoio necessário nos momentos mais dificeis da vida acadêmica. Em especial, a

Adriana Emiko Koakutsu, que ajudou na correção desse trabalho, Ana Stern, que

nos momentos de relatório sempre esteve ao meu lado, ajudando sem pedir nada

em troca, além de Luis Augusto, por ajudar nos momentos de descontração nas

mesas de RPG, embpora esse seja um mestre de mesa dos mais exigentes e

dificeis de combater.

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Agradeço também a minha orientadora de bacharel Maria Helena Leme, por

compreender minha ausência nesse semestre, justificada pela realização desse

TCC. Agradeço ainda as professora Maurea Flynn e Maria Teresa, por me ajudarem

a enxergar o mundo do modo que enxergo, demonstrando que um professor pode

ser ético a cima de tudo, em qualquer área que venha a trabalhar.

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ÍNDICE

1.INTRODUÇÃO................................................................................................... 8

2.METODOLOGIA.............................................................................................. 11

3.A POLÍTICA E A EDUCAÇÃO DA ELITE CRIADAS PARA MANTER O ESTATUS

DE DOMINAÇÃO DA BURGUESIA..................................................................... 18

3.1. Histórico de exclusão: A exclusão do ontem reflete na organização

social do hoje............................................................................................18

3.2 Liberalismo e Neoliberalismo como forma de expressão do pensamento

da burguesia.............................................................................................27

3.3 A educação bancária como forma de exclusão social: A relação opressor

oprimido....................................................................................................34

4.NOTAÇÕES SOBRE DOIS CASOS DE EXCLUSÃO

SOCIAL...............................................................................................................41

4.1 A situação neoliberal bancária clássica de exclusão.......................... 42

4.2 A inclusão que exclui: A visão neoliberal-bancária dos tempos

modernos .................................................................................................49

5 O SISTEMA É RUIM, MAS O PROFESSOR FAZ PARTE DELE........................57

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................61

7 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................62

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1.INTRODUÇÃO

É cada vez maior o número de moradores de rua nas grandes metrópoles

brasileira. Só na capital paulista, o número estimado de moradores de rua está

próximo de quatorze mil, um crescimento de quase 5 mil moradores se comparados

com dados de cinco anos atrás, segundo a fundação instituto de pesquisa

econômica (FIPE).

Uma pesquisa feita pelo ministério do desenvolvimento social e combate a

fome junto aos moradores de rua de várias cidades brasileiras realizada em 2008,

sugeriu que 35,5 por cento dos moradores entrevistados moram na rua por conta

de problemas com álcool ou droga. Outros 29,8 por cento disseram que moram por

conta do desemprego, enquanto que 29,1 por cento dos entrevistados falaram que

desavenças familiares são os motivos para morarem na rua. Segundo os mesmos

dados do ministério da educação, quase metade dos entrevistados disseram que

só possuíam o ensino fundamental, e vinte e cinco por cento relataram que não

sabem ler nem escrever.

Apesar do grande número de moradores de rua, esses parecem

impercepetíveis aos olhos de boa parte da população. Só são lembrados quando

pedem esmolas, quando praticam furtos, ou ainda quando estão dormindo na rua,

no qual é necessário se desviar deles na calçada. O que pouca gente sabe é que

todos os fatores que os próprios moradores de rua apresentaram como motivo de

morarem na rua estão ligados a educação. Grande parte das pesquisas existentes

com moradores de rua trata os problemas de violência, álcool e droga de modo

independente da educação. Partimos do pressuposto nesse trabalho que

problemas na área educacional é o principal fator para todos os problemas

supracitados.

Durante o período de minha formação na licenciatura em biologia, no qual

sempre foi discutida em sala de aula a exclusão social, durante um tempo percebi

que nesse mesmo caminho de casa para a universidade, havia ali várias pessoas

sendo o reflexo dessa exclusão. Dentre tantos moradores de rua nesse pequeno

trajeto da estação do metrô até a faculdade, um dos moradores chamava mais a

atenção. Ficava sempre apoiado na parede, segurava um copinho e balançava as

moedas que lá dentro estavam, para que as pessoas deixassem alguma quantia.

Atrevo-me aqui a chamá-lo ficticiamente de João, negro como a grande maioria dos

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moradores vistos nesse percurso, quase sempre lendo um livro, aparentando ter 60

anos, aparência que pode não condizer com a idade devido à vida sofrida que

provavelmente levara. Apesar de tudo, de não ter onde morar, nos seus olhos pude

enxergar uma esperança de um dia sair da rua. Era um olhar de esperança capaz

de superar qualquer outro sentimento que ele passou, sendo esse olhar a única

parte do corpo que apresentava ser jovem. Durante esses quatro anos, não houve

um único dia em que João não estava ali, sempre no mesmo lugar, pois para ele a

ali é o seu lar. Sempre com a mesma roupa sentado ou deitado sobre um papelão,

com o lençol sendo o mesmo tanto para o verão quanto para o inverno. As pessoas

que caminhavam ao seu redor quase nunca o olhavam, ou fingiam não olhar para

ele. Quando João pedia esmola as pessoas pareciam não ouvir, pois estariam com

seus fones de ouvido, talvez esse fone fosse pra ouvir alguma música que não

retrate a realidade brasileira, uma forma de escapismo. As pessoas apenas se

desviavam dele como se ele fosse um poste, um ser inanimado. Talvez isso pouco

choque à população tamanho a facilidade em se encontrar um morador de rua. É

normal vê-los passando fome nesse mundo em que vivemos; provavelmente por

isso tenham perdido a sensibilidade.

O que chamou minha atenção nesse breve percurso, realizado centenas de

vezes nesse período universitário, foi a pele morena de João, e dos vários joões

desse percurso. Ao mesmo tempo, via grandes apartamentos de luxo, nos quais os

cães dos moradores certamente possuiam uma refeição mais digna do que João.

Os cães provavelmente vacinados, enquanto que João provavelmente não. Os

cães não passam fome, parecem bem alimentados. Vieram-me várias perguntas na

cabeça: Será que João estudou? Ele sabia ler, disso eu tinha certeza. Em que série

será que João parou? Eu me questionei por que será que João parou de ir à

escola? João sabe dos seus direitos e deveres? É provável que João seja o

principal fator motivador para a realização desse trabalho, ou talvez seja o José ou

a Maria!

Esta tese de conclusão de curso possui uma visão política de esquerda,

primeiro por entender que não há neutralidade política ideológica em nenhum

trabalho; segundo por entender que a visão da direita sobre exclusão é uma das

responsáveis pelo grande número de moradores de rua, pois esta é a visão

dominante há anos. Ela apenas muda de cara e de rosto nas eleições. Percebi

nesses anos de faculdade, que muitos de meus colegas de profissão estão na área

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ou para ter um seguro desemprego, ou para caso trabalhe na área, para dar aula

em escola particular. Eles não querem seguir a profissão por causa do João!

Alguns deles dizem que os Joões tão na rua porque são vagabundos. Que roubam

porque querem tudo na mão. É provavel que muitos deles nunca tenham visto

João.

O objetivo desse trabalho é analisar o contexto escolar e social de alguns

moradores de rua, em duas entidades não governamentais de um município da

grande São Paulo, compreendendo os fatores que possam ter levado estes a

exclusão social de acordo com os referenciais teóricos estudados. Para isso,

falaremos no próximo capítulo da metodologia adotada para realização desse

trabalho, fazendo em seguida um breve levantamento histórico no primeiro capítulo

que vai desde a revolução francesa, considerado marco inicial do pensamento

liberal e do capitalismo, no qual atribuo como os pensamentos responsáveis por

parte da desigualdade existente, até as políticas brasileiras do período militar, com

o intuito de mostrar ao leitor que há um longo processo de exclusão. No segundo

capítulo falaremos mais detalhadamente sobre as teorias liberais e neoliberais, na

política e na educação, procurando demonstrar como esse pensamento está

presente, suas manifestações e sua cara. No capítulo quatro do seguinte trabalho,

procuraremos demonstrar o que é a exclusão e de que modo essa pode ocorrer no

processo escolar. Nesse capítulo trataremos ainda da educação bancária,

salientado o que é e como ela está presente em nosso ensino, relacionando com a

lógica imposta pelo sistema opressor-oprimido. Em seguida apresentaremos uma

breve pesquisa realizada com alguns moradores de rua em um município da

grande São Paulo, onde tentamos detectar possíveis causas do fracasso escolar,

junto com uma análise abordada com os referenciais teóricos lidos.

Embora o tema do trabalho seja a influência da educação bancária sobre o

alto índice de moradores de rua, este poderia ter outro nome como o grito dos

excluídos ou o choro dos inocentes, mas o tema foi escolhido devido a

obrigatoriedade da formalidade que exige esse trabalho.

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2 Metodologia

Como dito no início deste trabalho, essa pesquisa possui como objetivo

analisar o contexto escolar e social de alguns moradores de rua, compreendendo

os fatores que possam ter levado estes à exclusão social. Neste capítulo, será

tratada detalhadamente qual a metodologia adotada para a realização deste

trabalho, discorrendo sobre os motivos que levaram a escolher tal procedimento.

Será tratado também neste capítulo, as características dos participantes desse

trabalho, além da característica da entidade visitada; assim como os critérios de

inclusão e de exclusão de relatos dos participantes nesse trabalho.

Foram realizadas entrevistas semi-abertas com 7 moradores de rua, através

da colaboração de duas entidades não-governamentais, que cuidam desses

moradores de rua. Nessas entidades, eles recebem assistência psicológica,

alimentação, colocação no mercado de trabalho, moradia, entre outros benefícios.

As entrevistas foram feitas ao longo de 4 dias na entidade “A”, e três dias

entidade“B”. Inicialmente, foi enviado a cada um dos albergues, o projeto no qual

era apresentado os objetivos do trabalho. Após autorização dos coordenadores de

cada uma das entidades, foi feita uma visita prévia de reconhecimento do local,

para visualizar e melhor conhecer o ambiente no qual iria se passar a pesquisa.

A idéia inicial sobre a metologia a ser adotada e aplicada era de realizar as

coletas de dados em um local que cuidasse do recolhimento de materiais

recicláveis. Nessas cooperativas, certamente haveria um grande número de

moradores de rua. Entretanto, em uma cooperativa, seria encontrado um grupo

relativamente uniforme de moradores de rua, ocorrendo de certo modo uma

seletividade de quais moradores seriam entrevistados, o que fugiria dos objetivos

propostos nesse trabalho. A segunda idéia metodológica intencionada para a

realização deste trabalho, era a de realizar entrevistas com moradores de rua em

praças púbicas. Porém, devido a pouca experiência do pesquisador com o grupo a

ser estudado, essa idéia foi logo descartada.

A terceira idéia então sugerida, que foi a utilizada, foi a de realizar as coletas

de dados em uma entidade que cuidasse de moradores de rua. Para isso, foi

procurada a prefeitura municipal de São Paulo, afim de direcionar quais entidades

seriam possíveis e acessíveis de acordo com as propostas da pesquisa. Foi

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fornecida pela secretaria de assistência e promoção social, uma lista com vários

albergues que realizam esse trabalho no município, no qual o pesquisador entrou

em contato com duas entidades, uma que cuida exclusivamente de homens, e

outra instituição que atende mulheres e crianças.

A entidade “A”, que foi a primeira a aceitar a proposta, atende mulheres,

solteiras ou com filhos até onze anos, desde 2000, sendo conveniada com a

prefeitura de São Paulo, tendo sido inaugurada na gestão da prefeita Marta

Suplicy. Foi visitada durante os dias treze a desesseis de outubro. O pesquisador

foi atendido no primeiro dia por uma assistente social, que explicou como a

entidade funciona. A entidade está em exercício 24 horas por dia, incluindo

sábados, domingos e feriados. Esse mesmo local, oferece cursos

profissionalizantes para as moradoras de rua para ajudar na recolocação no

mercado de trabalho. Nesse albergue, é proibida a entrada de mulheres

alcoolizadas ou após uso de intorpecentes, sendo feito um cadastro das

participantes pelos funcionários da entidade. Algumas moradoras que

frequentemente são vistas alcoolizadas, podem ser encaminhadas para uma clínica

de recuperação do estado, ou do próprio município, se assim preferirem. A

assistente social da entidade citou que é comum haver mulheres nesse albergue

que foram vítimas de agressões dos maridos, e que se encontram nesse local por

viverem em situação de risco, a espera de uma resposta da justiça sobre prisão do

agressor.

Muitas moradoras de rua vão até a entidade somente para dormir, no

período noturno, passando o resto do dia na rua, seja para procurar emprego, para

pedir esmolas, ou para consumo de drogas e álcool. Outro grupo de mulheres.

moram na própria instituição, algumas sendo solteiras e outras com filho, desde

que menores de onze anos. O local comporta até 50 moradoras por noite, sendo 20

vagas permanentes e 30 para pernoites. No caso de mulheres que moram no local,

o tempo máximo da moradia é de um ano.

Para as mulheres que moram no local, é obrigatória a participação em

atividades propostas pela entidade, como cursos de costuras, reciclagem, entre

outros. Em caso de morarem com os filhos no local, é obrigatória a matrícula do

filho em creches ou escolas públicas da região. Algumas das albergadas, que não

possuem ensino médio completo, também frequentam a escola, a Educação de

Jovens e Adultos (EJA).

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Segundo uma das funcionárias que trabalha na instituição, uma parcela das

moradoras que estão no albergue sofrem de problemas psiquiátricos, em especial a

esquizofrênia. Devido a anomalia em questão, os funcionários do local são

aconselhados a ouvir a pessoa esquizofrênica, e participar do “jogo” de

perseguição comum da doença, tentando acalmar as moradoras dizendo que na

entidade niguém entra sem permissão. As moradoras do albergue são de todas as

faixas de idade, morando no albergue por razões diversas. Algumas por

desentendimentos familiares; outras por conta de álcool ou droga, sendo o Crack a

droga mais comum das usuárias. Uma moradora recentemente deixou o albergue e

foi realizar tratamento contra a dependência química. Ela é tida como exemplo a

ser seguido dentro do local.

O Albergue de modo geral, possui instalações simples com um banheiro no

segundo andar, que só pode ser usado pelas moradoras do albergue, além de dois

banheiros no térreo, que podem ser usados pelas mulheres que fazem pernoite no

local. Durante o pouco tempo em que foi realizada a pesquisa no local, notou-se

que as residentes são amigas, e que seus filhos geralmente frequentam a mesma

escola, criando também um vínculo de amizade entre eles. A mesma amizade pode

ser obsevada também com alguns funcionários, sendo frequente a visita de ex

moradores de rua, que eventualmente vão a instituição dar alguma palestra.

A entidade “B” que também aceitou a proposta, atende homens e mulheres,

sendo raraa presença de mulheres. A entidade tem capacidade de acolher até 80

moradores de rua, funcionando também 24 horas por dia aos domingos e feriados.

Nesse albergue, assim como na entidade “A”, é realizado um cadastro do morador

de rua, sendo proibida a entrada de pessoas alcoolizadas e que tenham usado

recentemente algum tipo de intorpecente, estando sob efeito da droga. A entidade

ficou recentemente conhecida, por ter sido feita uma reportagem no recinto por

uma rede de televisão que fala sobre entidades assistenciais. É uma entidade

vinculada a uma igreja evangélica, funcionando 24 horas por dia há pelo menos 10

anos. Ela foi visitada entre os dias quinze a desessete de abril desse ano.

Nesse albergue, foram entrevistados 3 homens, mas foi percebido que

nenhum deles detalhou bem o ambiente escolar e familiar em que viveram. Os

moradores dessa entidade não se mostraram confortáveis com as entrevistas, ou

demonstravam respostas dúbias, que não são confiáveis devido às contradições

apresentadas. Um exemplo é um dos moradores que disse primeiramente ter

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nascido em Pernambuco, posteriormente dizendo que era de São Paulo. Por esse

motivo, tornou-se inviável a utilização dos dados coletados nesse albergue.

Para a continuidade da pesquisa, que pretende investigar o contexto escolar

de alguns moradores de rua, foi utilizado como método a abordagem qualitativa de

entrevista semi aberta. Ludke (2004) ao citar Bogda e Biklen, explica que a

abordagem qualitativa é um importante instrumento de pesquisa na área da

educação. Os autores citam que para realizar a abordagem qualitativa, seja

qualquer um dos intrumentos de coletas de dados que forem utlizados, é

necessário um contato direto do pesquisador com o ambiente e com a situação que

está sendo investigada. Os autores revelam ainda que a abordagem qualitativa é

rica em descrições de situações e acontecimentos, sendo necessária a presença

pessoal do investigador no local a ser estudado, não podendo ser realizado por

terceiros.

Segundo Bogdan e Biklen (APUD LUDKE, 2004), na abordagem qualitativa

é necessária a atenção especial do pesquisador ao significado que as pessoas

atribuem ao assunto a ser investigado. Esse tipo de abordagem é muito utilizado

para capturar as perspectivas do participante sobre o assunto a ser tratado, nesse

caso, uma possível exclusão escolar. Os autores citam ainda que em muitos casos

os pesquisadores não procuram evidências de hipóteses previamente definidas.

Esse fator pode atrapalhar as posteriores análises a serem feitas ao longo do

trabalho.

Foi decidido então que a abordagem qualitativa seria a utilizada no trabalho,

utilizando a entrevista semi-aberta como metodologia de coleta de dados desse tipo

de perpectiva. Essa metodologia, na visão de Ludke (2004), é considerada

vantajosa por permitir a captação imediata e corrente da informação desejada,

podendo permitir caso seja bem-sucedida, o tratamento de assuntos pessoais e

íntimos de natureza complexa. Se comparado com outra metodologia, como por

exemplo, o questionário, a entrevista poderá ter um aprofundamento muito maior.

Além disso, o questionário não seria um método recomendado no caso desse

trabalho, devido ao fato de haver entre os entrevistados, pessoas semi-analfabetas,

que não seriam capazes de responder às questões formuladas.

A entrevista é uma metodologia dinâmica quando semi-estruturada, como no

caso dessa tese de conclusão de curso. Exige uma certa habilidade do

entrevistador em realizar perguntas que não estão previamente definidas, de

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acordo com novas situações que possam vir a aparecer. Isso demonstra o lado

dinâmico não estático que esse tipo de metodologia requer. Há dois tipos de

entrevista que são possíveis de serem realizadas: a entrevista na qual o

entrevistador anota todos os dados falados pelo entrevistado em um caderno; ou a

entrevista gravada, na qual é utilizado um mecanismo eletrônico para gravação

(LUDKE, 2004). Nesse trabalho foi optada a entrevista utilizando um caderno de

campo para anotar as observações feitas. As anotações feitas no momento,

possibilitaram visualizar algumas expressões não verbais dos entrevistados, tão

importante quanto as expressões verbais nesse tipo de trabalho. Outro importante

motivo para se usar a anotação para coleta de dados, é o fato dos entrevistados se

sentirem mais a vontade na realização da pesquisa, a fim de se evitar

constrangimentos e timidez na realização do trabalho. Segundo Ludke (2004), uma

desvantagem desse método é que nem todas as informações poderão ser

coletadas na íntegra. No caso do trabalho em questão, isso pode ser compensado

com coleta das expressões não verbais.

Em ambas entidades, “A” e “B era narrado ao entrevistado que os dados

coletados seriam feitos para um trabalho de faculdade, e que os nomes deles

seriam mantidos em sigilo, assim como o da entidade nos quais eles estavam

abrigados. Foi esclarecido também ao iniciar a coleta propriamente dita, que caso o

entrevistado se sentisse incomodado com alguma pergunta, ele poderia falar ao

pesquisador, ou mesmo não responder. Em ambas entidades, em todas as

entrevistas, o trabalho foi acompanhado pela assistente social presente no local.

Os entrevistados foram escolhidos indicados pelas assistentes sociais, a fim de

escolher pessoas que realmente tivessem interessadas em participar da entrevista.

Estas entrevistas, apesar de serem dinâmicas e de possibilitarem perguntas

de acordo com as respostas dos entrevistados, possuia um roteiro no qual algumas

perguntas deveriam ser feitas a todos os participantes. Para atingir o objetivo de

analisar a exclusão social de moradores de rua, e relacioná-las com a educação

liberal e bancária presente na educação brasileira, as perguntas abaixo estiveram

presentes em todas entrevistas:

1 Qual a sua escolaridade?

2 Por que você teve que parar de estudar? (em caso de ensino médio básico

incompleto)

3 Em que local foi cursado o ensino fundamental, e em que ano?

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4 Você se lembra de todos seus professores da escola?

5 Em caso de lembrar dos professores, foi pedido para o entrevistado tentar

caracterizar como eram suas aulas, citando porque esse professor de certo modo

foi marcante.

6 Quais as perspectiva para um futuro próximo?

7 Por que na sua opinião existem ricos e pobres?

As duas primeiras questões tinham por objetivo demonstrar se há uma

ligação entre escolaridade e exclusão social. É óbvio que não é possível concluir

qual o exato motivo da exclusão de cada um dos moradores, mas as respostas

dessas questões dão uma base para essas indagações. A terceira questão

apresentada tem por objetivo identificar qual o período em que se passou o estudo

da entrevistada. Essa informação é importante, pois em cada período da educação

brasileira houve um tipo de educação diferente, como veremos no capítulo

seguinte.

As questões 4 e 5 visam tentar caracterizar os professores que lecionaram

os entrevistados. Tentou-se também averiguar que tipo de aula esses professores

davam, e se de algum modo, havia uma desestimulação dos professores aos

alunos, de maneira a interferir no processo de ensino aprendizagem. Tentar

caracterizar alguns professores é de fundamental importância na tentativa de

demonstrar como esses são participantes ativos nesse processo de exclusão.

Procura-se demostrar também nessas questões, se o professor serve as idéias

elitistas empregadas pela burguesia, ou as idéias de conscientização e libertação

da classe operária, que é a idéia no qual cada professor necessita seguir.

As duas últimas questões visam tentar demonstrar como a idéia capitalista e

bancária, está enraizada mesmo nos pensamentos das pessoas excluídas,

demonstrando que as idéias de individualismo rondam a todos, inclusive aos

próprios excluídos.

Diversas outras perguntas foram feitas aos entrevistados, de acordo com a

especificidade das respostas dadas por cada um deles. Desse modo, foi possível

ter uma riqueza de dados que posteriormente puderam ser discutidos nos capítulos

desse presente trabalho. A idéia desse pequeno roteiro de questões, foi levantar

indagações que funcionassem de modo parecido com um funil, no qual as

primeiras questões foram mais amplas para posteriormente haver questões mais

específicas, como sugerido por Ludke (2004). O objetivo das questões acima

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propostas é o de tentar relacionar o máximo possível a hipótese desse trabalho,

que é o de haver uma relação entre educação bancária e o alto índice de

moradores de rua.

Dos sete entrevistados, dois foram selecionados para abordagem nesse

trabalho. Isto porque, estes demonstraram-se mais a vontade no momento da

realização da entrevista, permitindo uma coleta de dados mais ampla e plena , para

tentar atingir os objetivos propostos nesse trabalho. Foram essas duas

entrevistadas que falaram mais fortemente e detalhadamente principalmente com

relação a sua vida escolar. É importante ressaltar, que o assunto tratado nessa

tese de conclusão de curso é um assunto delicado, e nem todos os entrevistados

se sentem confortáveis ao falar sobre sua vida pessoal. Além disso, seria inviável

analisar de modo detalhado como será feito, a questão que levou a exclusão de

cada um dos sete participantes.

Os dados obtidos serão analisados de acordo com a visão de cada um dos

autores apresentados nos 3 capítulos subsequentes, sempre procurando encontrar

uma relação entre o problema proposto e a fala dos autores. Para isso, serão

colocadas as perguntas e respostas que forem considerados relevantes pelo

pesquisador, como sugere Ludke (2004). O autor sugere ainda, que o pesquisador

deve colocar no trabalho apenas questões que sigam o foco do trabalho, para não

ficar muito amplo a análise e consequentemente dificultar uma futura discussão.

Nos capítulos seguintes desse trabalho, será visto como se fundamentou a

educação brasileira desde o período república, tentando relacionar tais idéias com

a idéias liberais e neoliberais que surgiram na Europa. Posteriormente, será

colocada a entrevista das duas moradoras de rua, juntamente com uma minuciosa

discussão sobre as questões propostas.

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3. A política e a educação da elite criadas para ma nter o estatus de

dominação da burguesia

Serão vistos nesse capítulo, os diversos mecanismos na educação para

manter a divisão de classes sociais tão evidentes nos dias de hoje. Primeiramente

é necessário visualizar o histórico no qual faz parte o campo liberal e neoliberal,

que teve seu início juntamente com a revolução francesa, junto com o processo

capitalista. Nesse processo histórico, será visto como esteve presente a educação

brasileira desde o período república, discorrendo sobre a influência dos

pensamentos das classes dominantes. É necessário trabalhar de modo a definir de

fato o que é o neoliberalismo e o liberalismo, e como tais políticas podem interferir

na educação.

Após ser visto as teorias liberais e neoliberais, será delineado no subcapítulo

seguinte, como a educação bancária é manipuladora e serve as classes

dominantes, de modo violento ainda que não haja marcas nem sangue, tanto

dentro da sala de aula, como na política que a cerca.

3.1 Histórico de exclusão: A exclusão do ontem refl ete na organização social

do hoje

A exclusão social e escolar presente nos dias de hoje no Brasil é resultado

de um longo processo histórico de opressão, no qual as camadas opressoras

sempre enxergaram exclusivamente seus interesses. A relação opressor-oprimido

está visível desde os primórdios da humanidade, mas teve sua relação mais visível

com o início do processo capitalista (nos quais houve entre outras coisas um

aumento da população urbana) e das teorias liberais. Nesse capítulo, discutiremos

como teve início as idéias capitalistas e liberais existentes nos dias atuais,

demonstrando como esses dois modos de pensar interferiram e ainda interferem no

processo de exclusão social brasileiro. Não obstante, falaremos como o processo

educativo esteve presente nesse período histórico no Brasil, para conseguirmos

alcançar os objetivos propostos neste trabalho, em especial a compreensão dos

diversos fatores que possam ter levado os moradores de rua a viverem em

condições desumanas.

O feudalismo foi o modelo econômico vigente durante toda a idade média,

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no qual a nobreza ou senhores feudais passavam seus títulos e terras de geração a

geração. Durante o século XVIII, o modelo feudal encontrava-se em profunda crise

e estagnação por não conseguir acompanhar o avanço tecnológico, marítimo,

comercial, tão pouco consegue se estabelecer com as novas necessidades do

mercado, uma vez que o comércio estava se expandindo cada vez mais para a

América, Ásia e áfrica (MARX, 2006). Com isso, era estabelecida uma nova

categoria social advinda da burguesia, que atendia com mais eficiência as novas

necessidades comerciais para alimentar os novos mercados: o burguês mercador,

precursor do capitalista industrial (PATTO, 2005).

Com as novas necessidades comerciais que o mundo vivia, era necessária

também uma mudança com relação ao modelo de sociedade vigente. O modelo

feudal se encontrava em profunda crise, com agricultores e artesãos perdendo

suas condições de independência e se aglomeram cada vez mais nos centros

urbanos, atraídos pelo comércio da nova burguesia (PATTO, 2005). Nesse período,

especialmente na França e no Reino Unido, há um primeiro grande pico do

processo de urbanização, período que tem início com a revolução francesa em

1789.

Segundo Patto (2005), os agricultores e artesãos viam nos ideais burgueses

o melhor modelo a se seguir, modelo que pregava a igualdade de oportunidades a

todos, além de emprego para a grande massa da população que se encontrava na

miséria. O modelo Burguês para seduzir o campesinato pregava entre outras

coisas uma nova constituição, no qual veio a idéia de direitos e deveres; pregava a

liberdade de imprensa para mostrar ao povo quem eram os corruptos; pregava a

escola como direito universal a todos os cidadãos, e não somente a uma minoria

dominante; pregava ainda as eleições diretas como forma de escolha livre dos

governantes e rejeição aos maus governantes. Para Marx (2006), os burgueses

utilizaram todas as formas possíveis para seduzir a burguesia no intuito de iniciar

uma suposta revolução contra os senhores feudais.

Esses dois grupos que viam interesses em comum, se unem na tentativa de

tirar as regalias e explorações realizadas pelos senhores feudais, sendo o

proletariado o grupo seduzido pelas idéias de emprego e crescimento econômico

idealizado pela burguesia (MARX, 2006). Patto (2005) sugere que a burguesia foi a

porta voz de um “sonho humano de um mundo igualitário”, passando essa idéia a

classe proletariada com o intuito de aumentar a pressão da população sobre os

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altos impostos cobrados pelos senhores feudais.

Após esse período de turbulência, a burguesia enfim triunfa sobre o

decadente modelo feudal, ocorrendo nesse período tanto na França como em

outros países europeus, uma procura por emprego maior que a oferta, obrigando a

burguesia, a propor salários cada vez mais baixos ao proletariado, sendo que em

alguns casos, os burgueses empregavam mãos de obras ainda mais baratas

recorrendo a crianças e mulheres como fonte de trabalho braçal (MARX, 2006).

Note leitor que nesse período a situação do proletariado se manteve ruim, tendo

inclusive piorado após a revolução apenas ocorrendo uma mudança de poder,

quem era o opressor. Podemos dizer portanto que a classe proletariada foi usada

pela burguesia para que a revolução fosse enfim concretizada.

Entretanto, o que parecia ruim poderia ficar ainda pior. Na Inglaterra e em

outros países europeus como a própria França, estourava a 1ºrevolução industrial,

no qual as máquinas possuiam a função de substituir o trabalhador assalariado,

fazendo o trabalho com mais eficiência e sem a necessidade de descanso gerando

ainda economia com relação ao pagamento de salários. Tal fato aumentou ainda

mais o desemprego, o que gerou uma série de protestos da classe operária, que

chegaram a queimar as máquinas em muitas fábricas; esses trabalhadores exigiam

empregos e aumento de salário. O que se viu então, foi que o proletariado passou

a enxergar a burguesia, antes companheiros de revolução, como seus prováveis

traidores (PATTO, 2005).

Patto (2005) ao citar Hobsbawn, sugere que o que inviabilizou a realização

da revolução francesa foi o descompasso entre a revolução politíca, que parou, e a

revolução industrial, que avançou quebrando a simetria entre os dois grupos. A

esse respeito, Marx (2006) explica que a ganância burguesa tomou conta logo nos

primeiros anos de poder, e vai ainda mais longe. Nos dizeres de Marx:

“A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então consideradas

dignas de veneração e respeito. Transformou em seus trabalhadores assalariados o

médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem da ciência...

A burguesia rasgou o véu de comovente sentimentalismo que envolvia as relações

familiares e as reduziu a meras relações monetárias...

Criou maravilhas que nada têm a ver com as pirâmides do Egito, os aquedutos

romanos ou as categrais góticas...

A burguesia obriga todos os bárbaros a se tornarem o que ela chama de

civilizados, sobre a pena de serem extintos “(MARX, 2006 p.48).

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As falas de Marx acima expostas explicam bem o que foi o período pós

revolução francesa, sugerindo que os burgueses sejam os culpados pela quebra da

sintonia com o proletariado, por conta da busca inigualável e insaciável pelo poder

e pelo lucro. Em outras palavras, o poder adquirido pela burguesia teve um efeito

devastador na civilização, fazendo com que todas as classes sociais a partir de

então, se tornassem subordinadas a esse novo grupo. Patto (2005) sugere que

nesse momento inicia-se a era do capitalismo e dos interesses sempre ligados a

classe dominante. Podemos também dizer, que o livre comércio praticado pela

burguesia, também demonstrou o início do período liberal.

É importante o leitor notar como funcionava a idéia de separação de classes

até agora estabelecidas e a idéia de lucro proposta pela nova concepção

capitalista, pois as idéias que se instalaram nesse momento serão as que

dominarão também no campo da educação na europa e posteriormente no Brasil

como veremos mais adiante, estando inclusive fortemente presente nos dias de

hoje. Ainda que as visões apresentadas até agora talvez sejam tão reais e tão

atuais, acredite leitor que estamos nos referindo ainda ao fim do século XVIII e

início do século XIX.

Freire (1987) explica como a reviravolta no poder pode alterar as lutas e as

concepções ideológicas, que podem ser utilizadas para tentar explicar os ideais

burgueses. O autor cita que raros são os casos em que uma classe ou um homem

que antes era dominado e depois se torna dominante, que não se torne mais rígido

e opressor do que a classe que estava antes no poder.

No entanto, nem tudo vai tão bem para a nova classe dominante. Se já não

bastassem as greves de operários que assombraram muitos países europeus por

conta das máquinas nos períodos de 1820 em diante, agora há a fundação de

partidos ligados a ideários socialistas e comunistas na europa. Patto (2005)

evidencia que os protestos e a união entre operários incomodam bastante os

defensores do capitalismo, obrigando os burgueses a cederem em parte. Os

burgueses traduziam as reivindicações do proletariado em termos assimiláveis, que

os mantinham no poder e ao mesmo tempo diminuiam as cobranças das camadas

oprimidas. Embora não fale diretamente a respeito da revolução francesa, Freire

(1987) complementa a idéia de Patto (2005) ao referir-se aos opressores como

falsos generosos, generosidade essa que faz com que esses permaneçam no

poder, como se os próprios burgueses fossem considerados generosos, por

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concederem pequenos direitos a classe operária, para silenciá-los. O autor cita

ainda uma passagem do sermão de São Gregório de Nissa que diz: “Do que vale

consolar um pobre, se tu fazes outros cem?”. É mais ou menos com esse

pensamento que os burgueses conseguiram e ainda conseguem segurar o ímpeto

de revolta de grande parte da população.

Um dos motivos que fizeram a união inicial entre burguesia e proletariado, foi

a promessa de universalização de um ensino, como já citado. Nesse período de

revolução Francesa e industrial, a grande maioria da população era composta de

analfabetos. Com o progresso da revolução industrial, um tipo de ensino foi

estabelecido para os operários: o ensino técnico. Basicamente era ensinado como

utilizar as máquinas além de questões ligadas a obediência moral aos patrões.

Uma educação que incluia alfabetização e estudos em universidade, era

exclusividade da classe dominante (PATTO, 2005). Ainda segundo a mesma

autora, apenas em 1870 há uma dedicação dos países europeus prósperos e

capitalistas, para a criação de um sistema de ensino que visava diminuir o número

de analfabetos em seus países. Tais idéias ligadas a educação, surgiram com os

chamados movimentos nacionalistas, movimento europeu forte politicamente, que

alterou sensivelmente o cenário da política e da educação européia.

Veremos a partir de agora como os ideais ligados ao capitalismo e ao

liberalismo influenciaram o contexto brasileiro educacional e político principalmente

no período pós colônia. É importante lembrar que esse contexto histórico das

políticas educacionais refletem até hoje na realidade brasileira, inclusive nos altos

índices de moradores de rua. Veremos como o período da República até o período

militar foi um período de exclusão, ainda que em alguns casos tenha sido colocado

as idéias de igualdade de oportunidade. No capítulo seguinte entretanto, veremos

mais detalhadamente como funciona os ideais liberais.

Segundo Gadotti (1992), a educação brasileira é dividida em 3 fases:

1ºfase que vai do descobrimento do Brasil até 1930, período em que a educação

tem caráter tradicional e é baseada nos princípios Jesuítas ou ensino privado para

uma minoria. A 2º fase vai de 1930 até 1964, de domínio de uma educação

populista e um confronto entre educação particular e pública. Esse período é

fortemente marcado pelo modelo liberale elitista ainda que tenha sido levada para

as classes populares, e de modelo não democrático. Por fim, uma terceira fase que

vai de 1964 a 1985, no período militar, no qual há domínio de um modelo autoritário

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e tecnicista.

As idéias de caráter liberal e capitalista difundidas para grande parte do

globo, tiveram grande repercussão também no Brasil sobretudo a partir de 1889

com a proclamação da república. Segundo Patto (2005), a proclamação da

república foi inspirada em idéias liberais, com base em idéias disseminadas em

países capitalistas da Europa e da formação dos Estados Unidos. A constituição de

1891 na visão da mesma autora, confirmava a tendência liberal em todos os

campos das políticas públicas. Note leitor que as idéias capitalistas e liberais, que

visavam e ainda visam o lucro e a livre concorrência dos burgueses, já

atravessavam fronteiras, mares e continentes em busca de ainda mais lucro e

mercado.

No início do período repúblicano, 3 % da população brasileira tinha acesso a

escola e 90 % da população adulta brasileira era constituída de analfabetos.

Embora a constituição de 1891 demonstrasse caráter liberal, o que se via na

prática era um domínio do café na mão de Minas e São Paulo no campo político,

sugerindo que o modelo de livre concorrência pregado pelos ideiais liberais, não se

consumava na prática. No campo da educação, essa mesma constituição que

pregava oportunidade de estudos a todos, o que se via era poucos avanços nesse

campo pelo menos nos primeiros 40 anos de república (PATTO, 2005).

Apenas na década de 30 como sugeriu Gadotti(1992), que inicia-se uma

mudança mais significativa no perfil econômico, político e educacional do Brasil.

Gadotti (1992) ainda complementa explicando que grande parte das mudanças que

ocorreram no Brasil foi por interesse da Burguesia. Na tentativa de combater a

oligarquia rural, a burguesia se une aos trabalhadores do campo no intuito de

chegar ao poder; em troca a burguesia faria algumas concessões as classes

oprimidas como direitos trabalhistas e liberdade à educação. A esse respeito Patto

(2005) explica que o acesso à educação das camadas subalternas tem em muito

haver ao combate a manipulação de votos dos coronéis, para enfim estabelecer de

fato os burgueses no poder. Embora essa já tivesse estabelecida fortemente no

poder europeu há pelo menos um século, no Brasil os ideais liberais burgueses

foram mais evidentes a partir da década de 1930.

É importante o leitor ter consciência que todos os períodos até agora

demonstraram a tomada de poder da burguesia sobre as outras classes antes

dominante, há uma união com os trabalhadores em troca de praticamente nada.

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Isso é uma tática muito comum utilizada por essa classe que pode ser vista

inclusive nos dias atuais, em especial no período eleitoral. Nesses períodos, a

burguesia utilizava das mesmas táticas utilizadas para a revolução francesa de

eliminar os senhores feudais do poder, atrair o proletariado com idéias de

oportunidades a todos.

Nessa mesma época é cada vez mais intenso o processo de industrialização

do Brasil, especialmente após a crise do café que desarticulou a aristocracia rural

Patto ( 2005). Com isso, há um intenso crescimento urbano, sendo necessária uma

política educacional que atenda as novas necessidades do mercado, em especial

ao novo trabalhador agora empregado das indústrias (GADOTTI, 1992). Patto

(2005) explica que em 1937 a constituição assume o papel liberal trazido pelo

manifesto dos pioneiros da educação nova. Nesse manifesto é explicado que a

educação deve ser feita de acordo com as aptidões e tendências vocacionais,

criando o Senai e o Senac, em especial, para as classe menos favorecidas, ficando

claro, inclusive na constituição, que a classe oprimida possuia vocação para

trabalhos braçais e para trabalharem com máquinas, enquanto a classe dominante

possuia vocação para cuidar de assuntos relacionados a paz e harmonia do país.

Fica evidente portanto, que a elite possuia vocação para mandar, enquanto os

menos favorecidos possuíam vocação para serem mandados. A esse respeito,

Patto (2005) cita um trecho da nova constituição de 1937, de tendência

amplamente liberal. Sobre a educação, a constituição dizia no Artigo 129° :

“À infância e a juventude a que faltarem os recursos necessários à

educação em instituições particulares, é dever da nação, dos estados e dos municípios

assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os graus, a

possibilidade de receber a educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências

vocacionais. O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos

favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do estado”. (PATTO, 2005 p 87)

Fica explícito nessa passagem da constituição, que o ensino técnico é algo

que deve ser destinado as classes subalternas, pois estes possuiam tais aptidões.

Fica claro também na passagem acima, um estímulo as fundações particulares de

ensino, talvez com o intuito de diminuir os gastos públicos nessa área,

característica fortemente presente inclusive nos dias de hoje. Nessa afirmação da

constituição a grande massa de brasileiros analfabetos e desempregados são

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atraídos pelo sonho de ensino profissionalizante, o que forneceria emprego.

Gadotti(2003) destaca que nessa mesma constituição, vários benefícios são dados

aos trabalhadores como forma de silenciar possíveis protestos. As táticas de

conquistas dos burgueses são sempre as mesmas desde a criação da teoria liberal

pós revolução francesa, para chegarem no poder.

Patto (2005) destaca que apesar das teorias liberais de igualdade de

oportunidade para todos, com a teoria de que o sucesso depende apenas das

habilidades individuais, muitas teorias racistas estavam presentes e agiam como

um dos fatores principais para uma não democratização de fato do ensino. O Brasil

havia convivido com o período colonial por alguns séculos, estando ainda embutido

no âmbito cultural, as idéias racistas contra negros, por conta do longo período de

trabalho escravo. Patto (2005) descreve alguns estudos científicos no Brasil e na

Europa em que se tentava demonstrar cientificamente a superioridade da raça

branca. Silvio Romero era um desses seguidores racistas, segundo a autora.

Segue abaixo, um dos trechos de como Romero descreve o povo brasileiro:

“Do consórcio da velha população latina, bestamente atrasada, bestamente

infecunda, e de selvagens africanos, estupidamente talhados para escravos, surgiu

nessa máxima parte este povo” (PATTO, 2005 p. 92).

Romero propôs o embranquecimento progressivo da população brasileira

como solução a médio prazo para os problemas sociais. Diziam os defensores de

teorias racistas, que os negros deveriam ter cargos inferiores por conta da

inferioridade da raça que pertenciam. Esse cientificismo foi utilizado por muitos

anos no Brasil, para justificar as posições subalternas de negros, índios e mestiços.

Patto (2005) complementa que há a junção ideal entre idéias liberais dos

dominantes e a ciência, para justificar a desigualdade no país e manter os

opressores no poder.

Muitos autores nas décadas de 30, 40 e 50 tentaram combater as idéias

racistas disseminadas, mas quando algumas eram combatidas, outras de modo

mais acobertado apareciam. Artur Ramos defendia a idéia de que o baixo

rendimento escolar de crianças de regiões periféricas, estava ligado com o

ambiente hostil em que foram criadas. Nesse contexto, Cardoso uma especialista

de educação presente na década de 40, dizia que o que a escola construia, o

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ambiente familiar ia lá e destruia. Cardoso defendia a idéia de que o desinteresse

do aluno pela escola era resultado de uma inferioridade cultural presente nas

classes mais baixas. Todas as teorias supracitadas, faziam parte de uma cultura

muito comum de publicações no Brasil para tentar explicar o fracasso escolar;

consequentemente a exclusão durante as décadas de 40, 50 e 60, é a teoria de

carência cultural (PATTO, 2005).

Na década de 60, uma teoria americana de cunho racista é apresentada ao

Brasil. Nela é associada a dificuldade de aprendizagem a essa mesma carência

cultural nas classes menos favorecidas. A teoria defende a idéia de que o ambiente

cultural presente nas classes menos favorecidas influencia no psicológico da

criança, interferindo no processo de aprendizagem . Assim sendo, não há como o

indivíduo ter um bom desempenho escolar vivendo em um ambiente adverso

(PATTO, 2005). Gadotti (1992) e Freire (1987) concordam com a idéia de que a

educação nesse período no Brasil estava associada aos interesses da Burguesia.

Desse modo, como uma forma de manter a consciência limpa, ainda que essa

exale cheiro do esgoto, a burguesia pregava idéias no campo da educação de que

a própria família dos excluídos exerciam culpa na reprovação escolar.

Essas idéias de cunho liberal mantiveram suas forças também no período

militar. Gadotti (2003) explica que no período militar as classe oprimidas perderam

o direito de exigir uma política social e educacional de qualidade. O período militar

na idéia do mesmo autor, tiveram grandes consequências para a educação nos

anos seguintes. Nesse período, as reprovações eram constantes, o que de certo

modo desanimavam os frequentadores. Segundo Medeiros (2005), no período

militar o número de analfabetos estava próximo dos 40 por cento. Esse período, é

fortemente marcado pelo ensino autoritário e tecnicista.

Apesar dos altos índices de reprovações que ocorriam no período militar,

algumas campanhas que visavam combater o analfabetismo estiveram presentes

nessa época. Medeiros (2005) cita os trabalhos de Freire e seus seguidores no

nordeste que tinham como objetivo alfabetizar o maior número possível de

pessoas. Outro programa conhecido desse período que visava erradicar o

analfabetismo é o Mobral, que também esteve presente no período militar. Gadotti

(1992) comenta que vários programas de combate ao analfabetismo foram

lançados, mas seus objetivos nunca foram alcançados. Isso porque havia uma

grande distância entre prática das políticas educacionais e a realidade. Após o

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período militar até a atualidade, dá-se início a uma tentativa de universalização do

ensino brasileiro, tentativa essa presente ainda nos dias de hoje.

3.2 Liberalismo e Neoliberalismo como forma de expr essão do pensamento

da burguesia

Foi visto no subcapítulo anterior que há um longo processo de exclusão

social existente que teve o início de seu apogeu após a revolução francesa, sendo

o processo liberal cada vez mais fortalecido de acordo com os avanços

tecnológicos. Vimos ainda, como esteve presente na educação brasileira ao longo

do crescimento das teorias burguesas-liberais, a política educacional brasileira

essa que sempre apresentou em seu passado um caráter elitista, cheio de

preconceitos e esteriótipos. É sempre importante ressaltar, que esse trabalho não

possui uma visão neutra da política educacional, e sim uma visão de esquerda, por

entender que esse ideal político é o único capaz de trazer a libertação tanto da

classe oprimida como da classe opressora, liberdade essa tão citada por Paulo

Freire ao longo de seus trabalhos capazes de trazer justiça social.

Entretanto, para ser alcançado o objetivo proposto nesse trabalho, é

necessário discutirmos sobre as idéias liberais e neoliberais presentes na educação

de modo ainda mais detalhado do que o citado no capítulo anterior, já que o

liberalismo, uma vertente do capitalismo moderno, está presente na política e

economia mundial e brasileira atual. Esse modo liberal de pensar é o modo vigente

na educação atual, sendo este um dos pilares também da educação bancária, que

culmina no processo de exclusão.

Antes de ser falado sobre as teoria liberais, é necessário entender o que é o

liberalismo e neoliberalismo com relação ao seu sentido epistemiológico. Segundo

o dicionário da UNESP (2004) liberalismo é uma doutrina segundo a qual o melhor

meio de salvaguardar a liberdade e os direitos da iniciativa particular é restringir as

atribuições do estado. Azevedo (2004), discorre sobre o neoliberalismo dizendo

que esta teoria é uma adaptação ao modelo liberal tradicional formulado nos

séculos XVII e XVIII, conforme as novas necessidades do século XX. É perceptível

que a palavra liberalismo, traz ao ser ouvida, a idéia de que “tudo é liberado”, de

que tudo pode-se fazer para alcançar um determinado objetivo.

Ao explicar mais detalhadamente sobre a teoria liberal no âmbito econômico,

Azevedo (2004) descreve que essa teoria prega a idéia de “menos estado e mais

mercado”, sugerindo que os ideais liberais tem como principal conduta a livre

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concorrência, como forma de explicar que certa condição social se faz presente por

conta do sucesso de um indivíduo. Segundo Adam Smith (2001), considerado o pai

das idéias liberais, o crescimento próspero de uma nação se dá através de seus

trabalhadores, que movidos pelos seus próprios interesses, podem gerar lucro e

riqueza para uma nação. Ainda segundo o mesmo autor, uma competição gera

benefícios a população por conta de queda dos preços, o que gera lucro e emprego

para um estado.

Com relação ao neoliberalismo, Anderson (1995) explica que essa teoria

teve início logo após a segunda guerra mundial nos países prósperos da Europa

além dos Estados Unidos, sendo esta uma versão ainda mais radical contra a

intervenção do estado na economia do que o liberalismo clássico. Com o alto índice

de crescimento em especial dos países tidos como vencedores da segunda guerra,

via-se ai um lucro nunca antes visto por parte da burguesia em diversos

seguimentos econômicos, sendo os neoliberais defensores da idéia de que não

deveria haver nenhuma intervenção estatal na economia. Anderson (1995)

complementa que a interferência estatal na economia, seria uma ameaça letal a

liberdade, prejudicando a democracia. Nessa nova versão do liberalismo clássico, a

desigualdade social passa a ser defendida pelos neoliberais mais radicais, para

defender o capitalismo, para mostrar quais as formas são de sucessos, e quais as

ações econômicas podem levar ao insucesso.

O neoliberalismo surgiu como uma forma de retomada de poder da

Burguesia, perdida em parte devido as crises ocasionadas pela segunda guerra, e

outras crises posteriores como a crise internacional do petróleo entre as décadas

de 60 a 80 (GENTILI, 2007). Nessa versão mais forte do liberalismo, Anderson

(1995) fala sobre como passaram a agir os neoliberais na tentaiva de explicar um

insucesso do sistema capitalista. Em 1973, houve uma das crises que assombrou

muitos países, inclusive os Estados Unidos. Alguns neoliberais atribuiam o avanço

da crise de 1973 aos movimentos sindicais, dizendo que tais movimentos corroiam

a base de acumulação de capital pretendido pela classe dominante. Desse modo, o

autor explica que os neoliberais defendiam que o estado devesse combater os

movimentos sindicais, para que assim algumas camadas da burguesia

continuassem lucrando mesmo na crise, o que levantaria a economia do estado. O

neoliberalismo é portanto, uma nova vertente da linha Liberal, ainda mais forte, que

prega as idéias de sucesso e insucesso de modo ainda mais arrasador.

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Smith (2001) ao explicar mais detalhadamente as características e

tendências liberais na economia, sugere que o mundo em que vivemos é um

mundo individual e feito de interesses. Desse modo, para que haja prosperidade de

um mercado no comércio, este deve produzir algo que atenda interesse de outras

pessoas, sendo esse interesse e esse individualismo a essência da prosperidade

de uma nação. Em uma outra importante passagem, Smith (2001) discorre sobre a

livre concorrência nas diversas áreas do trabalho, explicando como se dá as

relações comerciais. O autor fala que não é da generosidade do açougueiro, do

comerciante de cerveja ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas sim, do

cuidado que eles dedicam a seus interesses. Généreux (2001) ao criticar essa

passagem individualista de Smith, cita que essa busca capitalista pelo lucro, leva a

maior eficiência por exemplo do transporte público, em especial dos caminhoneiros

que passam a entregar determinado produto em menor tempo para atender as

necessidades do mercado, tendo essa eficiência como consequência, o aumento

do número de crianças mortas pelos caminhoneiros nas estradas, referindo-se que

o sono causado pelo mundo capitalista de um caminhoneiro pode levar a perda de

uma vida.

Généreux (2001) cita que o resultado dessa busca desumana pelo lucro hoje

existente, desse individualismo que é defendido por Smith, é que nenhuma pessoa

poderá ganhar nada sem que tire algo de outra; ele descreve também, que uma

empresa não mais sobreviverá se não conquistar um mercado da concorrente; uma

nação não prosperará sem que outra empobreça; que uma pessoa não conseguirá

emprego sem que outra seja despedida.

Généreux(2001) conclui ainda ao falar do caos vivido pelas nações de hoje,

que seria menos cruel se os burgueses liberais defendessem a idéia de que “os

pobres são um fardo inútil”. Ao invés disso, os neoliberais defendem com unhas e

dentes a idéia de que um dia o capitalismo irá acabar com o desemprego e a

miséria, e de que todas as nações um dia serão prósperas.

Note leitor que as teorias liberais e neoliberais tem como seu principal

pressuposto, o individualismo e a busca pelo lucro a qualquer custo como princípio.

Esse fator é de extrema importância na área da educação, pois posteriormente os

ideais liberais foram colocados em prática, e a educação, tema central desse

trabalho, seguiram os mesmo passos liberais.

Tais modelos liberais supracitados na área econômica, eram a base que

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movia o sonho burguês na revolução francesa, como citado no capítulo anterior.

Marx (2006) cita que essa fome insaciável pelo lucro e poder moveu a revolução.

Após a revolução francesa portanto, até os dias atuais, essa visão econômica e

política esteve presente nos diversos países, e ainda está.

Générux (2001) ao falar sobre política e exclusão social, cita que na França

há 30 anos atrás havia emprego e educação para quase todos. Graças ao progreso

tecnológico, as riquezas eram produzidas e havia emprego para grande parte da

população francesa e européia. Alguns cientistas políticos até alertavam para um

desemprego em massa no futuro; alertavam sobre as condições de moradias que

podiam vir a acontecer no país. Mas tão boa a situação na época, tão próspero

parecia a França no pós-guerra, que isso parecia um mundo completamente

distante e improvável, mesmo que no futuro. Nessa mesma época, o mundo

capitalista triunfava sobre um decadente mundo socialista. Passado esses 30 anos,

o autor cita que o caos tomou conta de muitos países europeus. A pobreza já

passa a está presente na França como em outros países. Ouve-se falar em reforma

da previdência para diminuir o que não parece ter fim. Seria talvez o início do

declínio do mundo capitalista?

É importante o leitor ter em mente que recentemente houve uma grande

crise mundial que afetou os Estados Unidos e diversos outros países prósperos e

capitalista, fazendo com que essa exclusão tão evidente nos países de terceiro

mundo, passase a estar presente também nos países de primeiro mundo. Mesmo

nos países dito em desenvolvimento como o Brasil por exemplo, no qual dados do

governo mostram a ascensão de mais de 20 milhões de pessoas para a classe

média, o número de moradores de rua praticamente triplicou na cidade de São

Paulo e em outras grandes metrópoles, conforme dados já apresentados nesse

trabalho.

Em suma, o neoliberalismo tem como um dos objetivos, tornar visível e óbvio

que o discurso capitalista cria uma realidade que é impossível pensar em outra,

que vá contra a essa realidade imposta pela sociedade burguesa. O neoliberalismo

para triunfar, deve criar um novo marco simbólico cultural, inclusive dentro da

própria escola, vazio de qualquer referência a justiça e igualdade (GENTILI, 2007).

Mas de que modo as idéias liberais estão efetivamente presentes na

educação? As idéias liberais estão presente ainda nos dias de hoje? Discorreremos

sobre esse assunto nos próximos parágrafos, entrando também com detalhes no

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capítulo seguinte.

Ao iniciar um capítulo que pretende explicar as teorias neoliberais presentes

na educação, Gentili (2007) traz um pequeno exemplo de uma professora, de nome

Nora, de sua experiência feita em sala de aula, na terceira série do ensino

fundamental. Ao questionar os alunos sobre “O que não se pode comprar com o

dinheiro”, vários alunos responderam a questão de modo a causar uma decepção a

professora. Uns diziam que o dinheiro não poderia comprar um transatlântico, outro

respondeu que não poderia comprar uma casa que tenha piscina e quadra de

futebol. Uma aluna foi ainda mais longe, dizendo que o dinheiro não pode comprar

toda a coleção da Barbi, ou ainda que o dinheiro não poderia comprar um dia

inteiro de passeio com a Xuxa. A decepção da professora na visão do autor, é por

conta da visão mercantil e neoliberal que toma conta das próprias crianças, ainda

que muito cedo, tornando a missão do professor cada vez mais complexa, na luta

contra as idéias capitalistas que bombardeiam as crianças de informações.

Ao tratar do tema neoliberalismo no campo educacional, Azevedo (2004) cita

que as políticas educacionais neoliberais não questionam a responsabilidade

governamental em garantir acesso ao estudo a toda população. Porém, o

neoliberalismo no ensino público, defende que a responsabilidade pela educação

deve ser dividida entre escola pública e escola particular, diminuindo assim os

gastos do governo na área educacional, e ao mesmo tempo, estimulando a

competição e o aquecimento do mercado, para que as famílias possam então optar

em escolher em colocar a criança ou em uma escola ou em outra. A autora

continua sua fala, comentando sobre o neoliberalismo na educação, que o governo

deve investir em ensino técnico e profissionalizante para atender as necessidades

do mercado capitalista, para que a mão-de-obra seja cada vez mais qualificada

aumentando o lucro das grandes empresas. A esse respeito, Gentili (2007) cita que

as teorias neoliberais elitista pregam a idéia para a classe proletária, de “educação

para emprego”, tornando a educação como uma forma de atender o mercado. O

autor complementa ainda, que a educação para o emprego pregada pelos “profetas

neoliberais”, quando aplicada a grande maioria de excluídos, não é outra coisa

senão a educação para o desemprego,

Gadotti (2003) ao citar Freitag, vai ainda mais longe ao dizer que essa

escola capitalista presente nos dias atuais, tem como função principal ser uma

educação mediadora dos interesses das classes dominantes. Desse modo,

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apresenta uma educação como ampliação da capacidade de produção de força de

trabalho, de capacidade de produção para abastecer as necessidades do trabalho.

Freire (1987) cita desse modo, que os educandos na educação capitalista,

precisam se adequar ao modelo imposto pela escola, e não o contrário defendido

pelo autor, no qual a escola deveria se adequar as necessidades do educando.

Como já dito de forma breve no subcapítulo anterior, Patto (2005) explica

que a educação brasileira esteve fundamentada basicamente no seu longo

processo histórico, em ideais liberais, no qual era predominante e ainda é, a idéia

do individualismo, de que em caso de fracasso escolar o aluno é o culpado.

Azevedo (2004) diz que a política utilitarista liberal de democracia tem como um

dos pilares justamente esse individualismo, para justificar o sucesso seja na área

econômica, seja na área escolar. Esse individualismo visa justificar a vitória de uma

classe dominante, em detrimento de uma dominada. Gadotti (2003) expõe a idéia

de que a escola liberal tem por função preparar os educandos para o desempenho

de aptidões individuais, sendo que cabe ao educando o papel de se adaptar as

normas e regras vigentes. A essa característica da educação, ligada ao capitalismo

e ao liberalismo, Freire (1987) denominou o nome de educação bancária.

Com relação a essa educação que defende os interesses da classe

dominante, Gadotti (1992) explica que a educação brasileira pode ser dita como

uma educação que apresenta dualidade, isto é, de uma lado uma educação da

elite, sempre garantida, excluindo a grande massa popular por conta dos custos

altos para mantê-la. De outro a educação para a grande massa, carregada de

preconceitos e greve que é a escola pública. Desse modo, a classe dominate passa

a idéia de que as classes subalternas estão fadadas ao destino, como se o futuro

deles tivesse que ser do modo que é, uma espécie de destino (FREIRE, 1987).

Gentili (2007) explica que a qualidade na educação é uma forma de

propriedade, ou seja, que a única forma de se encontrar educação de qualidade se

encontra na educação privada, tendo o indivíduo que arcar com os custos dessa

educação, que prega sucesso. Desse modo, o neoliberalismo prega a visão de que

a educação é um direito, mas a educação de qualidade é um privilégio.

Apesar do caráter neoliberal que tem a educação brasileira, a burguesia utiliza em

seu discurso de que se eles estão no poder é por seu próprio esforço, por sua

coragem de correr risco. Quando as camadas oprimidas se revoltam, é porque

possuem inveja e não tiveram a capacidade de chegar aonde os burgueses

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chegaram. Na opinião dos burgueses opressores, tudo que não seja seu direito

antigo de oprimir seria opressão a eles (FREIRE 1987).

Anderson (1995), explica que o neoliberalismo parece maduro somente nos

países considerados ricos, tanto politicamente, quanto economicamente. Na visão

do autor, economicamente o neoliberalismo fracassou, mas socialmente o

neoliberalismo alcançou parte de seus objetivos, criando sociedades cada vez mais

estruturadas e desiguais. Anderson (1995) complementa ainda, que o

neoliberalismo alcançou um degrau que seus fundadores provavelmente nunca

imaginariam que ele chegasse, de que todos os indivíduos querendo ou não,

precisam se adptar a essa vertente do capitalismo. O autor finaliza dizendo que o

neoliberalismo, é um modo de produção que jamais nenhum outro sistema

alcançou, chamando a isso de hegemonia.

Anderson (1995) e Azevedo (2004) são alguns dos autores que falam como

se dá de fato a relação neoliberalismo educação. Na visão deles, o sistema

neoliberal necessita despolitizar a educação para seu êxito político. Os neoliberais

estão ai, para colocar suas políticas ao lado da burguesia, e não das classes

populares.

Talvez seja necessário um exemplo concreto no qual demonstre

efetivamente a presença da teoria liberal na educação brasileira atual. Um exemplo

que demonstre o quanto o liberalismo emprega a competição como seu principal

caminho na educação. No estado de São Paulo por exemplo, o governo lançou um

programa que foi feito para que os professores tenham seu salário mais alto. Para

isso, o professor necessita ter um bom desempenho do seus alunos na avaliação

anual feita pelo estado, uma prova que tem por objetivo medir o quanto os alunos

aprenderam durante o ano letivo. Se o professor de uma disciplina for bem

avaliado, seu salário é aumentado, o chamado “bônus por mérito”, estimulando a

competição entre os professores ao invés de estimular a união do corpo docente

em busca de uma melhor educação. Para piorar essa situação proposta pelo

governo Paulista nos últimos anos, os mecanismos de avaliação dessa prova é

baseado inteiramente em uma apostila do estado. Desse modo, há uma certa

obrigação do professor de seguir essa apostila para que dê tempo de ser passada

toda matéria sem atraso, pois caso ao contrário seu salário pode ser diminuído.

Está nesse exemplo, a mais cruel das ações impostas pelo estado para atender as

necessidades da burguesia citadas nesse capítulo.

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3.3 A educação bancária como forma de exclusão soci al: A relação opressor

oprimido

Vimos nos itens anteriores, o longo processo histórico de exclusão no qual

está inserida a educação brasileira. Vimos ainda que a organização educacional

atual está fundamentada para manter os interesses da classe dominante, educação

essa baseada nas teorias liberais e neoliberais. É necessário discutirmos agora

como a educação atual serve ao interesse da elite, como no processo histórico

político educacional no qual foram construídos os pilares desse país. Iremos

discutir ainda nesse capítulo, a que tipo de educação servem os professores atuais,

e quais consequências tais ações podem ter aos diversos educandos das escolas

brasileiras. Veremos ainda quais são os aspectos metodológicos utilizado pelos

professores para atender as necessidades da burguesia. Desse modo, poderemos

melhor visualizar nos capítulos seguintes em entrevista direta com alguns

moradores de rua, como a educação passada e a atual podem interferir na

exclusão do futuro, e atendermos assim os objetivos desse presente trabalho que é

verificar alguns fatores que possam ter levado alguns moradores de rua a exclusão

social.

Muitos autores da área da educação falam quase sempre em exclusão.

Afinal o que é exclusão? Qual a idéia que essa palavra traz quando a ouvimos? A

palavra exclusão segundo dicionário da lingua portuguesa da UNESP, tem como

diversos significados a eliminação, supressão, colocação a parte e marginalização.

Ao ouvirmos a palavra exclusão, ou uma de suas palavras sinônimas supracitadas,

logo vem a cabeça a idéia de não incluído em algo. A idéia da palavra exclusão tão

utilizada no dia-dia e também muito usada na área educacional, traz a idéia de

“eliminação de algo contra a vontade da pessoa excluída”.

A esse respeito sobre exclusão, Mario Sérgio Cortella em uma palestra dada

em uma universidade, citada no livro de vários autores com o título de avaliação

educacional, em um capítulo de sua autoria, fala de uma experiência pessoal de

caráter verdadeiro e também fictício, um exemplo dessa exclusão social que será

narrado agora. O intuito dessa narrativa será o de visualizar como a educação está

intimamente ligada à exclusão social, interferindo diretamente tanto no presente

quanto no futuro.

O autor inicia a palestra explicando como foi alfabetizado, na década de 60.

Cortella, filho de um bancário e de uma professora, cresceu em uma cidade do

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interior Paranaense, estritamente com economia agrícola. Em sua época o Brasil

ainda era constituído de muitas áreas rurais, com a população rural alta,

diferentemente dos dias atuais no qual a concentração populacional é

completamente urbana. Devido à dificuldade de se colocar diversas escolas ao

longo das áreas rurais e, ao mesmo tempo, a necessidade de ocorrer o processo

de alfabetização em massa da população brasileira predominantemente analfabeta,

o autor cita que era comum a alfabetização ocorrer em casa, através de cartilhas

explicativas, lançadas pelo próprio governo federal.

Nessa cartilha, que era a mesma utilizada para a alfabetização de jovens em

todo o Brasil, tinha a clássica frase para a criança iniciar seu aprendizado que dizia

que “ Eva via as uvas”. Onde nascera, era comum haver plantações de uva, sendo

esta frase perfeitamente comum ao seu cotidiano. Desse modo, “Eva via as uvas” e

Cortella também as via. Entretanto, havia um rapaz do interior do Rio Grande do

Norte, de nome Cícero, que também utilizava essa mesma cartilha para a

alfabetização. Onde nasceu, “Eva via as uvas”, mas Cícero não, pelo fato da uva lá

não fazer parte do cotidiano da população nativa. Com isso, pelo fato de Cícero

não conseguir visualizar as uvas, o mesmo fora reprovado na escola. Foi reprovado

uma, duas, três vezes, até que Cícero resolveu desistir da escola. Cortella cita que

talvez o pai de Cícero ainda dissesse: “Cícero vai trabalhar, pois pro estudo você

não serve”.

Nessa mesma palestra, Cortella ainda sugere que Cícero estivesse presente

na universidade, fora do auditório onde era realizada a palestra, trabalhando de

faxineiro, de cabeça baixa. Cortella então antes de iniciar a palestra, convidou

Cícero para deixar por um instante a vassoura, para assistir a palestra dele sobre

educação, justificando que a educação é um assunto do interesse de todos,

inclusive do interesse de Cícero. Ao ser convidado para assistir a palestra, Cícero

responde que a educação não é pra ele, e sim para pessoas cultas. Cícero conta

que se acha burro, que foi pra escola e nada aprendeu. Cícero encerrou sua fala

dizendo para que o professor Cortella o chamasse após o término da palestra, para

limpar a sala, pois para isso, ele Cícero era muito bom e eficiente.

O exemplo acima explicitado reforça a idéia de que existe uma exclusão

social. Seria essa exclusão social um fator realizado de modo proposital da classe

dominante? De onde vem essa exclusão? Por quem ela é feita? Tentaremos

responder cada uma das indagações nos parágrafos seguintes.

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Freire (1987) é o primeiro a tentar explicar como situações parecidas como

de Cícero podem ocorrer na educação e na política de modo organizado,

explicando de que modo se dá a relação opressor-oprimido, na área da educação.

O autor cita a necessidade de se reconhecer a desumanização presente no dia de

hoje, falando que esta desumanização não possui somente uma realidade

ontológica, mas também possui uma realidade histórica. Desse modo, se dá a

relação segundo o autor entre opressor (Burguesia) e oprimido (classe operária).

De um lado aqueles que utilizam de todos os modos para oprimir, para manter-se

no poder. De outro encontra-se o oprimido, que necessita libertar-se dessa

condição para poder de fato acontecer uma reforma política e social. O autor

defende ainda que a educação é o único modo para conquistar tal busca, a

libertação do oprimido.

Para que essa libertação do oprimido ocorra de fato, Freire (1987) explica

que essa libertação somente pode ser realizada pelos oprimidos, e não pelo

opressor. Nas falas do autor, quem melhor do que os oprimidos se encontrará

preparado para atender o significado terrível de uma sociedade opressora? O autor

indaga ainda que quem sentiria melhor que eles os efeitos da opressão? Nesse

processo de libertação efetiva que pode ser conseguida através da educação,

Freire (1987) explica que os oprimido não podem ter medo da liberdade, e que

essa só se vem quando há um trabalho de restauração coletivo, para que assim,

além de se libertarem, os oprimidos possam também libertar os opressores. Nesse

processo de libertação entre oprimidos e opressores, o mesmo autor fala que os

opressores muitas vezes podem se sentir oprimidos, quando enxergam a

organização de uma classe trabalhadora. Para eles, tudo que de algum modo

façam com que os burgueses sintam-se lesados, é uma ato de opressão a eles.

No processo de libertação, o educador e o educando possuem sem dúvida o

papel mais importante para que ela de fato ocorra. Gadotti (2003) explica que o

educando nesse processo precisa passar por uma luta contra sí mesmo, contra

também o preconceito e fatalismo incubados e passados pela sociedade opressora.

Nesse mesmo raciocínio, Freire (1987) complementa esse ponto de vista,

elucidando que o medo da liberdade pode estar escondido dentro desse fatalismo.

Connel (2007), ao tentar relacionar pobreza com educação, tentando

explicar a estratificação social, fala que crianças vindas de famílias pobres são as

que possuem menos êxito, se avaliadas através dos métodos convencionais. Elas

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são as mais difíceis de serem ensinadas, se utilizados métodos tradicionais de

ensino.

Como já citado, a educação bancária na proposta de Freire (1987), é uma

educação ligada aos interesses das classes dominantes, que utilizam de diversos

modos para tentar manter o domínio e estratificação do poder. Pode-se fazer uma

analogia, da educação bancária citada por Freire, com o funcionamento de um

banco. Educação bancária no sentido do bancário, um simples funcionário de um

banco, servir a um chefe, o banqueiro dono do banco. O bancário na educação

seria o professor, que serve a grande burguesia, no caso o banqueiro. Essa clara

definição de educação bancária é necessária antes de seguir adiante, visto que o

objetivo desse trabalho é o de demonstra a influencia desse tipo de educação

sobre o grande número de moradores de rua.

Para Freire (1987), a educação bancária tem vários intrumentos para manter

as condições sociais do mesmo modo que estão. Uma delas é a busca insaciável

pela conquista, que sempre existirá enquanto houver opressores no poder. A

educação bancária, é uma educação criada para manter o estato burguês de

dominação, embora essa não seja visível nem clara, embora essa não seja dita

nem escrita. Dentro dessa proposta elitista de educação, alguns intrumentos são

usados como forma de manter a relação opressor-oprimido.

A invasão cultural, é um desses instrumentos citado pelo autor como um

modo de penetração da burguesia no contexto cultural das classes operárias. Essa

invasão tem o intuito de inserir a cultura burguesa dentro da cultura dessas classes,

para que estas não criem identidade, para que suas identidades estejam sempre

ligadas ao ideal burguês. Desse modo, é freada a criatividade das camadas

populares, ou qualquer tipo de idéia ligada a desalienação destes, mantendo-os

inertes (FREIRE, 1987). Gentili (2007), ao falar da invasão de cultura, fala que a

elite pretende apagar de forma autoritária e anti-democrática, todos os resquícios

de uma educação libertadora, impondo sua cultura como forma de manter a

alienação e a subordinação de classes.

Freire (1987), cita outro importante mecanismo para manter as classes

sociais do modo como elas estão dentro da educação bancária: A divisão da classe

oprimida. Desse modo, sem a união dessa classe, se torna mais difícil o processo

de luta contra os opressores, que “racham” no meio qualquer possibilidade de

união real entre o proletariado.

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Freire (1987) cita ainda outros dois intrumentos utilizados pela elite dentro da

educação bancária: Um é a conquista, que pode ser usada da forma mais dócil a

mais forte, embora ambas sejam igualmente violentas. Outro instrumento na área

da educação elitista sempre encontrada na educação bancária é a manipulação. A

burguesia utiliza desse meio para manter as classes sociais do modo como elas

estão hoje. Para Gadotti (2003), um exemplo desse instrumento de manipulação

usado pela burguesia, é encontrado em alguns livros didáticos. Gadotti (2003) cita

a tese de mestrado de Maria de Lourdes Deiró nosella, publicada entre as décadas

de 70 e 80 do século passado, que tem como objetivo demonstrar como a

educação capitalista e bancária está claramente presente nos livros didáticos.

Nos livros analisados pela autora, foi observado que todas as vezes que

aparecia a imagem familiar, era passada a idéia de que o pai era o homem que

trabalhava, e que nos finais de semanas esse cuidava da família. A mãe era tida

como a mulher do lar, que quando trabalhava geralmente era pra ser professora,

nas horas vagas. Nesse livro, o filho era tido como o indivíduo que precisa

obedecer os pais e os professores, sem questionar. São passadas nesses livros,

imagens de pessoas sempre indo ao shopping para fazer compras, com expressão

de felicidade nos olhos das pessoas, já sendo estimulado nessa fase precoce, o

consumismo, típico dos países liberais e capitalistas próspero. Nesses livros, é

passada a idéia de que a cidade é vista como um local onde as pessoas são felizes

e trabalham, sem a presença do desemprego, da superpopulação. O campo é tido

como o local de produção de onde vem o alimento, sem a presença dos sem terra,

ou de movimentos parecidos. Tais características do livro didático citados são

evidentes até os dias de hoje, em todas as séries do ensino básico.

Perceba leitor, que a burguesia utiliza de vários meios na área da educação

para manter o seu estato de classe dominadora. A burguesia faz com que os

oprimidos se sintam culpados, por estarem nas condições sociais no qual se

encontram. Généreux (2001) cita que seria mais digno se a elite responsável pelo

caos político e educacional presente nos dias de hoje, fosse direta ao falar o

objetivo de manutenção permanente da elite no poder. Desse modo leitor, Cicero

talvez não se sentisse tão culpado por conta das reprovações que ele obtivera. Ele

talvez não sentiria um resto humano como ele se sente. Mas não, a burguesia de

forma cínica prega em sua fala da individualidade, sem levar em considerações

fatores históricos.

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Gentili (2007) toca em um importante assunto ao falar da educação que

serve a elite. Ele cita que se a educação serve a elite dominante, os professores da

escola também servem. Desse modo, o professor tem importante relevância nesse

processo de manutenção da burguesia no poder. Inconscientemente, ou mesmo de

modo bem consciente, o professor da escola pública serve aos ideais burgueses,

retirando muitas vezes sua culpa sobre o processo de ensino-aprendizagem. Como

visto na capítulo 3 desse trabalho no histórico da educação brasileira, muitos

professores culpavam as famílias dos alunos pelo mal desempenho em sala. Esse

ainda é um processo muito comum na educação brasileira.

Além do exemplo dado sobre livro didático como parte integrante da

concepção bancária, outros exemplos elitista da educação também são passados.

Freire (1987) ao citar sobre a educação em sala de aula presente nos dias de hoje,

cita que o educador é o que pensa, e os educandos são os pensados; cita ainda

que na visão bancária empregada pelos professores na escola atual, o educador é

o que fala, e os educandos são os que escutam dossilmente; cita ainda que nessa

concepção bancária o educador é o que escolhe o que passar em aula, enquanto

que os educandos não optam por nada. O autor complementa que os educandos

nunca são ouvidos, não havendo um dialogo dentro da sala de aula.

Freire (1987) discute que nessa educação bancária não há criatividade, não

há transformação nem saber. Os professores nessa educação bancária, se julgam

sábios e doam conhecimento aos que julgam nada saber. Nessa educação

bancária e elitista, o professor tende a pensar que há uma alienação da ignorância,

que é o reconhecimento da ignorância sempre no outro, e nunca em sí.

O professor portanto, é o sujeito narrador dentro de sala de aula, enquanto

que o estudantes são os que memorizam mecanicamente, sem diálogo. Está ai

então a marca da concepção bancária, no qual o aluno tem por função receber

informação, guardá-lo e arquivá-lo. Nessa concepção de educação, quanto mais os

educandos guardam informações, melhores são. É essa visão de educação que

reflete a sociedade opressora no qual vivemos, com os professores servindo aos

opressores, e não aos oprimidos (FREIRE, 1987).

Dentro dessa mesma concepção conservadora e autoritária, Patto (2005)

realizou uma pesquisa realizada em uma escola da periferia de uma grande cidade,

no qual procurava encontrar nos discursos dos professores questões ligadas a

educação elitista e preconceituosa. Em uma das falas de uma professora a respeito

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da reprovação, é visto uma fala cheia de esteriótipos e preconceitos, com relação

ao ambiente familiar e estado psíquico da criança. Segundo essa professora:

“Tem crianças com condições de aprender mas não tem ambiente familiar, tem muita

agressão dos pais entre si e contra os filhos. Elas não possuem portanto condições

emocionais para aprender. Se é bem alimentada, se tem carinho da mãe, atenção do pai,

alguém que olhe o caderninho dela, não tem por onde ser reprovada. Mas elas não tem

nada disso, o principal é o carinho...

Estas mães são umas coitadas, não tem sensibilidade não tem nada...

A diferença é já de nascença já nasce com a pessoa, é agressiva de nascença”

(PATTO, 2005 p 242).

Patto (2005) demonstra que a fala das professoras são contraditórias, com

relação a reprovação. Ora falam a favor de que as pessoas mais pobres são menos

inteligentes por conta do meio em que vivem; ora dizem que o professor também é

culpado. Os professores dessa pesquisa possuem um pensamento carregado de

esteriótipos e preconceitos. Dizem que “as crianças que se reprovam”, citando que

elas tiveram oportunidade de aprender, e que se não aprenderam são em função

de suas características pessoais.

São essas visões bancárias idealizadas pelos professores nos vários

exemplos citados, que anula o poder criador dos educandos, estimulando a

ingenuidade ao invés da criticidade. A educação bancária portanto serve para isto,

para justificar que há estratificação existente nas camadas sociais existentes,

acontecem porque os excluídos são os próprios culpados (FREIRE, 1987). Para a

lógica do sistema imposto pela elite, não interessa uma educação libertadora, no

qual o oprimido deixa de ser ingênuo, pois desse modo ele poderá visualizar as

desigualdades existentes, o que sem dúvidas para burguesia não é positivo. Para a

burguesia interessa manter essa educação bancária, feita pelos professores para

servir aos Banqueiros (Burguesia).

Quanto mais tendem a se fazer dos educando apenas receptores de

informação, mais estes se adaptam ao mundo injusto em que vivem. Essa visão

bancária citada até aqui tem por interesse anular o poder criador do educando,

estimulando a ingenuidade e passividade, ao invés de estimular o pensamento

crítico (FREIRE, 1987).

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4.Notações sobre dois casos de exclusão social

Após ser analisado como surgiu o processo capitalista nascendo nesse

momento também o processo neoliberal, foi visto como esses dois modos de

pensar influenciaram no processo político e educacional histórico no Brasil,

resultando em uma educação dita bancária que tem como principal consequência a

manutenção da estratificação social presente nas classes sociais atuais.

Entretanto, para ficar ainda mais evidente o objetivo desse trabalho que é analisar

o contexto escolar de moradores de rua, compreendendo os fatores que possam

ter levado eles a esta condições, é necessário elucidar através de situações reais,

demonstrando como a educação bancária serve de fato a elite atual. Será visto nos

dois subcapítulos seguintes, dois casos de exclusão social vistos na entidade “A”

(Ver detalhadamente critérios de inclusão e exclusão de resultados no capítulo

metodologia), cujo nomes dados a elas, são fictícios.

Talvez já tenha ficado claro a um possível leitor de direita, que nesse

trabalho não cabe tais idéias, sendo esse leitor convidado a não mais continuar

essa leitura, pois para este, pouco contribuirá os próximos capítulos e subcapítulos

(FREIRE, 1987). Entretanto, para o leitor de esquerda, para um possível professor

que tenha lido o trabalho até agora, esse está convidado a terminar a leitura, para

visualisar de modo ainda mais claro, os arrasadores mecanismos adotados pela

burguesia, atacando e “comprando” a educação pública, utilizando a educação

bancária como prática de ensino.

De acordo com os referenciais teóricos estudados e com as duas entrevistas

realizadas, a exclusão social foi dividida em dois tipos: A exclusão neoliberal

bancária clássica, onde a elite cria diversos mecanismos para que os educandos

não entrem ou mesmo não terminem o ensino básico, além da exclusão neoliberal

bancária moderna, embora o nome pareça um pleonasmo, é um modelo brasileiro

de exclusão mais atual, especificamente visto após a ditadura militar, no qual o

aluno passa a ser excluído mesmo com o término do ensino básico, um novo

modelo de exclusão social que advém junto com novas idéias capitalistas.

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4.1 A situação neoliberal bancária clássica de excl usão

Como dito no ítem dois, quatro pessoas foram entrevistadas na entidade “A”,

mas somente duas serão apresentadas aqui. Será mostrado aqui a primeira

entrevista com uma moradora de rua, de nome fictício Socorro. A entrevista com

Socorro se passou no segundo dia de visita à entidade, sendo a primeira a ter sido

entrevistada. Na descrição da entrevista, será excluído alguns erros de Português,

para melhor entendimento do leitor.

Foi visto até aqui, que a burguesia utiliza de vários modos para que ocorra

sua manutenção no poder, sendo um desses modos o dominío da educação de

todas as camadas sociais. Assim é possível que essa se estabeleça no poder e ao

mesmo tempo, tenha mais lucro sobre uma mão de obra cada vez mais barata,

educada para servir os grandes burgueses de todas as áreas do capitalismo.

Entretanto, esse modo de dominío e visão de lucro, acaba gerando uma camada da

população de excluídos, parte da sociedade que não teve acesso a uma educação

ou se teve, foi como se não tivesse tido, devido a educação não democrática que

recebera. A consequência acaba sendo que parte da classe proletariada que não

conseguiu se adaptar a essa educação, acaba sendo marginalizada, sem chances

de exercer uma profissão. Uma consequência da educação bancária no cenário

brasileiro, acaba sendo bom para a grande burguesia, que vê parte do povo cada

vez mais alienado, para mantê-la no poder, e ruim para a camada proletariada, que

se vê excluída sem chances de mudanças no futuro (FREIRE, 1987).

A educação brasileira sempre esteve inserida em um campo voltado para a

elite, sempre alterando pequenos detalhes, mas mantendo o interesse para essa

classe. Mas como explicar o aumento do número de moradores de rua, se como foi

visto no capítulo três, o número de analfabetos só tem diminuído no país? Há dois

fatores que podem em parte explicar isso: O primeiro são os casos de moradores

de rua que por algum motivo deixaram a escola, sem conseguir finalizar o ensino

fundamental e médio, ou mesmo sem ter chances de iniciar esse estudo. Esse é o

caso de Cícero por exemplo, citado nesse trabalho. O segundo é o que melhor

responde a indagação acima, uma nova face da educação bancária-neoliberal que

é a marginalização de pessoas que concluíram esse ensino, será visto no próximo

subcapítulo.

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Socorro se encaixa no primeiro caso, tendo certa semelhança com o caso de

Cícero. No segundo dia de visita ao Albergue e primeiro dia de entrevista, foi

encontrado um número de aproximadamente vinte e cinco mulheres, algumas delas

com crianças. Logo na chegada, uma mulher aparentando ter um pouco mais de

quarenta anos, avisa uma funcionária que há alguém na porta. Nas conversas com

as assisitentes sociais, antes de selecionar alguma voluntária do albergue, a

mulher que avisou a funcionária que o pesquisador estava na porta, observava o

pesquisador com um olhar curioso, para saber o que ele fazia na entidade. Quando

a assistente social perguntou posteriormente em uma sala, onde várias mulheres

assistiam televisão, se alguma delas podia ser entrevistada pelo homem que

acabara de chegar, essa mulher logo se voluntariou. Era a Socorro.

Sua roupa humilde e sua expressão de relativa felicidade foram as primeiras

impressões passadas. Ainda que não tenha um lar e more em um local que não é

seu, a expressão de felicidade espanta de certa forma. Logo no primeiro contato

talvez venha a explicação de sua felicidade, é a presença de sua filha de seis anos

que chega perto da mãe avisando que o almoço no albergue está pronto: “Mãe

vem almoçar comigo”. A mãe responde: “Hoje não filha, vou começar com o moço

agora. Pede pra cozinheira te servir”.

Isso mesmo leitor, a roupa humilde embora pareça um detalhe, chamou

muito a atenção. No entorno do albergue, várias pessoas são bem vestidas. É um

bairro tanto comercial quanto residencial, com condomínios de luxo. Não há como

não notar essa roupa humilde, se no caminho até a chegada da entidade as

pessoas andavam de terno e gravata. Praticamente em frente ao albergue, foi visto

um carro de uma pessoa seguramente importante, escoltada com segurança

particular em um carro importado de nome impronunciável. As mulheres que ali

trabalham ou moram, estampam suas roupas de marcas, exalando seu perfume

importado, bem ao lado de uma entidade de moradores de rua, de pessoas que

não tem onde morar. A expressão de felicidade de Socorro chama mesmo a

atenção, pois algumas das mulheres “chiques” supracitadas, não aparentam a

mesma felicidade nos olhos. A roupa humilde embora óbvia por se tratar de uma

pessoa que mora em um albergue, não é um detalhe, e sim de extrema

importância.

Socorro como dito aparenta ter um pouco mais de quarenta anos, disse que

poderia ser questionada sobre qualquer coisa que ela responderia. “Não tenho

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medo nem vergonha”. Foi falado que a entrevista era ligada na área da educação.

“Não posso te ajudar tenho pouco estudo”. Logo foi explicado a ela que as causas

da evasão escolar era exatamente um dos objetivos da entrevista. Ela possui dois

filhos, uma de seis anos que mora com ela, e um de doze que devido a idade não

mora no albergue, e sim com um tio dele em Itaim Paulista. “É uma favela mesmo

que ele mora” falava a entrevistada.

O pai dos dois filhos mora próximo ao menino, trabalha de gari e é ex

presidiário. Ficou cinco anos preso, era usuário de drogas e bebida alcoólica,

estando limpo desde que saiu da prisão. “Ele usava essas coisas ruins, mas eu

nunca usei. Cada vez que ele usava era eu quem sofria. Chegamos a morar juntos

na rua”. O entrevistador questiona sobre o porquê dele ter sido preso por cinco

anos. “Foi por conta de homicídio nessa época em que ele bebia muito”. Ela

pretende morar novamente com o marido em breve. Socorro mora na entidade há

alguns meses, pretendendo juntar dinheiro para voltar para a cidade sua e do

marido: Recife. “Estou esperando a entidade conseguir dinheiro para irmos todos

juntos para o Recife”. Ela não esconde que irá morar em uma favela na capital

Pernambucana. A favela é o único modo dela sobreviver lá e não voltar a morar na

rua, como já morou com um dos filhos. Ela complementa que morar em um

albergue é a mesma coisa que morar na rua. “Não tenho um lar do mesmo jeito”.

Ela responde que mora no albergue, pelo fato de não ter condições de pagar

aluguel e sequer dinheiro para construir um barraco.

Embora Pernambucana, Socorro veio jovem para São Paulo junto com a

família na procura de emprego. Estudou em São Paulo mesmo, até a quarta série,

mesma série que cursa seu filho atualmente. É ingênua até certo ponto. Quando

questionada se lembrava como era a professora da quarta série, ela disse que

lembrava. Citou que suas aulas eram boas. Disse que quem quisesse aprender

com ela aprendia, só não aprendendo quem não se interessava. “Eu fui reprovada

uma vez só, na quarta-série e não quis mais estudar. Ela era um ótima pessoa e

sempre dizia para nós alunos estudarmos, foi eu quem não ouvi”. Ela disse não se

lembrar com detalhes da aula, pois estudou no fim da década de 70. “Eu não

lembro muito da aula, lembro que ela era boa. Só passava quem aprendia com ela.

Eu não queria saber de nada com estudo, cabulava as aulas. A culpa é minha”

completou a entrevistada.

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Socorro estudou no fim do período militar, que segundo Gadotti (1992) foi o

período marcado por uma educação autoritária e tecnicista, que visava entre outras

coisas, a colocação do estudante no mercado de trabalho, além de questões

ligadas a obediência moral. Nesse período, o índice de reprovação era alto, o que

de certa forma diminuia o gasto do governo na educação pelo fato de poucas

pessoas nesse período terem chegado ao ensino médio, se comparados por

exemplo com os dias atuais.

A mãe concordou com a idéia da filha de deixar os estudos. Falava para

Socorro trabalhar, já que não havia dado certo a vida escolar. O que muito chama a

atenção da fala dela, é o profundo arrependimento que demonstra. “Falo para meu

filho estudar sempre. Até um tempo atrás ele não sabia ler, ameaçei bater nele

para ele aprender. Isso não foi por mal, e claro que eu não ia fazer isso, mas é para

que ele não seja que nem eu”, argumentava Socorro. Ela diz que não consegue

emprego de modo nenhum por conta da escolaridade exigida em todas profissões.

“Por isso eu me arrependo e exijo dos meus filhos. Eu não quis estudar e não

consigo emprego em lugar nenhum, pois para tudo eles pedem escolaridade”.

Socorro é semi-analfabeta, não consegue ler frases completas embora saiba

escrever algumas palavras. Isso mostra o fracasso dos programas de combate ao

analfabetismo presentes no período militar, como citado por Medeiros (2007) no

histórico da educação desse trabalho. Os programas como o Mobral e vários

outros, esbarravam nos ideais liberais também fortemente presentes no período

militar.

Na fala de Socorro é possível observar claramente todos os aspectos da

educação bancária e elitista no qual está fundamentada a educação brasileira.

Como poderia uma mulher sentir-se culpada de ter sido reprovada, se na época ela

não passava dos onze anos de idade? Está ai leitor a mais nobre missão cumprida

da educação bancária. Retomando a fala de Freire (1987), a burguesia faz com que

os excluídos sintam-se culpado por conta de sua situação atual. Se não

conseguem emprego ou estudo, é porque eles não possuem capacidade. As quatro

idéias de educação bancária citadas no ítem 3.3, baseadas em pensamentos

freireanos, se encontram na fala de Socorro.

Primeiramente fica clara a idéia de conquista que impõe a burguesia, onde

estes propõem o tipo de educação que lhes convém. A conquista também está

presente nos arredores da entidade, com todas as mulheres que foram citadas

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anteriormente e com os diversos condominíos de luxo que ali se encontram. O

grande shopping presente nos arredores, com playgronds, quatro andares de lojas

sofisticadas e caras, expressem a conquista conseguida pelo capitalismo citado por

Marx (2006). Essas talvez sejam “as maravilhas contruídas que nada têm a ver

com as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos ou as categrais góticas” citadas

pelo autor.

Fica clara também a idéia de manipulação imposta pela Burguesia, citada

por Freire (1987). Eles fazem com que os excluídos sintam-se culpados do que não

possuem culpa, por supostamente não terem conseguido os objetivos de conseguir

um emprego. É uma idéia de manipulação ligada ao “insucesso por culpa minha”,

ainda que seja inocente. As idéias atribuídas ao seu insucesso escolar e o modo

como Socorro sofre por tal fato, demonstra claramente a manipulação da verdade

que não pode ser expressa, pois ocasionaria revolta por parte da população

excluída.

As outras duas idéias de Freire (1987) ligadas a teoria antidialógica e

educação bancária também estão presentes na fala de Socorro. A invasão de

cultura, quando a fala de Socorro está claramente ligada a classe opressora,

quando esta fala deveria estar ligada a classe oprimida. A consequência dessa

invasão cultural, está a quarta idéia colocada pelo mesmo autor sobre a educação

bancária: Dividir para a manutenção do poder. Após conseguir conquistar,

manipular e invadir a cultura da classe operária se vê necessário agora que a

burguesia consiga dividir a classe oprimida, para impedir que estas se juntem e

percebam sua situação de oprimido.

Talvez essa divisão da classe operária para manter a burguesia no poder,

seja o mais fatal dos golpes que a classe opressora exerce sobre a classe

oprimida. Quando estes se juntam, os opressores se vêem ameassados com

relação sua manutenção de poder. Está ai a idéia de Freire (1987) de que tudo que

não seja de antigo direito da burguesia de oprimir, ela vê como opressão a eles.

Um exemplo mais claro dessa idéia proposta, está com relação a união dos

“moradores de rua do campo”, o MST. Devido sua organização em busca de

respostas para tantos anos de exclusão, e também para tentar reverter essa

situação, a burguesia vê estes como uma grande ameaça a “segurança nacional”,

usando de todos os meios ao seu alcance para impedir as manifestações e ações

do MST. Utilizam a imprensa para manipular e tentar mostrar para toda população

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brasileira, que esse grupo deve ser desfeitos e preso, por supostamente tentar

“roubar” o que é deles.

Sobre a grande desigualdade social existente, Socorro foi questionada do

porquê da existência de ricos e pobres no país. Sua resposta foi a mais

surpreendente de todas as questões a ela perguntada. Ela atribui a riqueza da

grande burguesia ao seus próprios esforços e trabalho, para construir seus

impérios.

“Se eles tem muito é porque trabalharam para poder chegar lá. Eu como te disse não

quis saber de estudo, então não posso esperar pelo meu sucesso. Eles devem ter feito

várias faculdades, sendo inteligentes para chegar onde chegaram. Devem falar várias

linguas, para poderem administrar seus negócios. Eu nunca teria essa capacidade e

visão que eles tem”.

A única verdade no discurso presente na fala de Socorro, é que os

burgueses são sem dúvidas inteligentes. Se não fossem suas nobres inteligências,

o sistema capitalista não teria tido a longa duração que tem, durando séculos e não

dando a mínima noção de que um dia irá acabar. Se não fossem inteligentes, não

manipulariam a todas as classes, tornando-as suas escravas, fazendo com os que

não se encaixem nisso que eles chamam sociedade, sejam excluídos para mostrar

para o resto da população, que se não seguirem suas regras, serão como eles. Se

não decorarem a disciplinas e não se interessarem para decorar todas as vogais e

consoantes, então não terão sucessos. Não conseguirão passar no ensino técnico

e consequentemente não terão emprego nas grandes multinacionais.

É a inteligência da burguesia que faz com que suas nobres esposas tenham

direito de gastar seus dinheiros, comprarem as mais caras e perfumadas essências

e caminharem na rua exibindo suas jóias, para provar aos outros que ninguém é

tão poderosa quanto ela. Seus perfumes talvez sejam para esconder o odor fétido

de podridão existente em seus cheiros naturais, o odor da burguesia. Utilizam os

mais caros saltos para caminharem pela rua, para enxergarem as demais pessoas

de cima, assim como deve ser na vida. Eventualmente doam algumas moedas aos

necessitados, como forma de sentirem-se melhor e com o sentimento de “dever

cumprido”. Ao darem a moeda, não os olham nos olhos, tampouco se abaixam ao

jogá-las, de forma humilhante. Antes de saírem e irem andando, esperam o gesto

de “muito obrigado” dos moradores, para sentirem-se ainda melhores e generosos,

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uma forma de reconhecimento pela generosidade existente. Talvez entre nesse

exemplo a frase de São Gregório de Nissa citado por Freire (1987) que diz “do que

vale consolar um pobre se tu fazes outros cem”.

Está ai a forma beligerante que age a burguesia e elite, nesse sistema

capitalista no qual estão todos inseridos. Socorro tinha apenas onze anos de idade

quando teve sua vida negada, suas chances tiradas, lamentando-se até hoje por

isso. É essa educação bancária que faz com que uma criança de onze anos sinta-

se culpada, que é resultado de uma agressão da burguesia que necessita ser

mudada. Enquanto ela teve sua infância negada, certamente os filhos dos

burgueses nessa mesma época, estavam estudando provavelmente fora do país,

pois lá talvez não haja tantos vestígios dos resultados de suas obras indecentes,

para que seus filhos não sejam roubados e não vejam seus pais fazerem o mesmo,

de modo em que o assalto de seus pais, nada tenham a ver com o roubo de um

relógio ou uma bolsa.

O sentido bancário que tem a educação ao qual se passou a vida escolar

curta de Socorro, está no sentido que ela teve negada sua chance de estudar,

ainda que o estado não tenha dito isso claramente, como Genéréux (2001) disse

que seria menos cinico, por parte dos burgueses. A educação bancária se dá no

caso dela, de modo que apenas aos menos favorecidos ela seja excludente,

quando deveriam ser estes os privilegiados na educação, devido todo seu histórico

de exclusão.

Relembrando a fala de Freire (1987) que refere-se a burguesia, dizendo que

estes não tem interesse de ver as classes sociais com uma educação libertadora,

pois assim poderiam facilmente notar a situação de subordinação existente, de

modo que esses fariam de algo para alterar a situação e lutar pelo o que é seu de

direito. A influêcia da educação bancária está exatamente ai, no qual os indivíduos

que tiveram sua chance de libertação através da educação negados, vão para as

ruas ou albergues se acumularem, sendo vistos como um modelo de fracasso por

todos, ao invés de um modelo de fracasso do sistema atual ao qual estão todos

inseridos, que é o sistema capitalista e neoliberal.

Socorro sem sombras de dúvida é um exemplo claro da necessidade de se

observar o processo histórico ao qual está inserida a educação ao se analisar a

situação de um morador de rua. Sua exclusão social e educacional é dita clássica,

por ser tratar de uma exclusão ao qual ela foi impedida de ter seu direito de estudo,

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uma tática muito utilizada pelo sistema neoliberal nos períodos de ditadura. A

medida que a população aos poucos fosse exigindo educação, outras formas de

exclusão foram sendo implementadas pela burguesia.

A culpa que ela sente por não ter obtido sucesso escolar, é talvez a mais

cruel face que o processo neoliberal da educação possa fazer. Está exatamente

presente em suas falas, as idéias citadas por Azevedo (2004) que o individualismo

é usado pelas classes dominantes para justificar o sucesso de uns em detrimento

de outros. É uma falsa idéia de democracia, pois o período histórico em que foi

mergulhado a educação brasileira muitas vezes não é levado em consideração.

Desse modo, se não ocorrer uma educação que de fato altere e modifique esse

percurso nos dias atuais, será sempre o passado culpado pelas exclusões sociais,

sendo necessária uma alteração no “hoje” para eliminar essa exclusão.

4.2 A inclusão que exclui: A visão neoliberal-bancá ria dos tempos modernos

Falamos no ítem anterior que há dois tipos claros de exclusão, sendo uma

no qual se assemelha ao caso de Cícero e Socorro, que é de uma educação

elitizada que cria vários mecanismos para que os alunos não cheguem à escola, ou

se chegam, para que não prossigam através de uma educação bancária, não

voltada para os interesses das classes populares. Será analisado agora, um novo

tipo de exclusão típica dos tempos modernos, que é uma “exclusão inclusiva”.

Inclusiva na perspectiva de que os estudantes agora tem tido tendência em

terminar o ensino médio, e mesmo assim, se tornam parte dessa camada excluída

da sociedade. É uma tendência mais forte no Brasil após o período militar.

Para analisar essa nova visão neoliberal, é necessário ser retomado alguns

conceitos de forma breve. O liberalismo foi uma teoria que teve seu inicío junto com

a ascensão do capitalismo, sendo uma idéia que teve como um de seus

idealizadores, o filósofo Adam Smith (ANDERSON, 1995). Porém, para a

manutenção da nova classe no poder, o Liberalismo foi sofrendo pequenas

alterações devido às novas concessões cedidas para a classe operária, além da

busca de novos caminhos para obter cada vez mais lucros, a fim também de se

evitar algumas manifestações que pudessem colocar em risco essa dominação.

Nas décadas de 60 e 70 do século passado, em busca de cada vez mais lucros

para tentar recuperar-se das crises financeiras que os grandes países ricos

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sofreram, surge uma nova categoria advinda do Liberalismo: O neoliberalismo

(AZEVEDO, 2004).

Na área da educação, essa nova face do neoliberalismo torna-se mais

evidente após o fim do período militar. Pressionado por congressos internacionais,

e pelo apelo do povo brasileiro, os governos posteriores viram a necessidade de

universalizar o ensino no Brasil, na tentativa de diminuir á evasão escolar. Mas

onde se encaixa o modelo neoliberal na educação nessa nova percepção de

universalização?

Seria necessário criar outros mecanismos para a manutenção da burguesia

no poder, de modo que faça o povo pensar que de fato tenha ocorrido essa

universalização. Assim, com a diminuição progressiva da evasão escolar, surge

uma nova percepção ligada à educação: A inclusão exclusiva. É a escola presente

na vida dos excluídos, inclusive com o término do ensino médio, mas mesmo assim

havendo uma exclusão social visível. Sobre essa nova exclusão proposta pelo

neoliberalismo moderno, será tratado a partir de agora seus pressupostos.

No terceiro dia de entrevistas realizado na entidade “A”, a assistente social

sugeriu que uma das moradoras da entidade poderia de fato contribuir na

realização do presente trabalho. Ela não estava presente em nenhum dos outros

dias, pois a visita do pesquisador sempre era realizado no período da manhã,

horário em que Cintia estava ausente indo buscar sua filha na creche. A assistente

social havia falado para Cintia no dia anterior, que havia um pesquisador realizando

entrevistas, perguntando-a se ela tinha interesse em participar. Ela aceitou a

participação, e o entrevistador esperava sua chegada à sala da assistente social. É

avisado ao entrevistador que a voluntária tinha acabado de chegar, indo o

pesquisador até o local de refeição que já era servida naquele momento. Ao chegar

ao local, o pesquisador se debate com uma mulher brava, brigando na fila de

espera do almoço com outras mulheres, quando a funcionária avisa a ela que o

pesquisador gostaria de conversar com ela naquele momento. Envergonhada por

ter discutido em frente ao pesquisador, no breve caminho do refeitório até a sala da

assistente social onde seria realizada a entrevista, ela tenta descontrair o

pesquisador, para mudar a impressão sobre ela: “Ei moço, sou brava mas não

mordo não”, brincou a jovem.

Quando a assistente social falou da voluntária, não citou sua idade sendo

esperado pelo pesquisador uma participante de idade próximo aos 40 anos, como

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foi o caso de Socorro. Entretanto, para surpresa do entrevistador, Cintia era mais

nova, com apenas 19 anos de idade, mas demonstrando uma experiência que

certamente não representa essa idade.

Ela é uma mulher que demonstra uma personalidade forte, que mora há 8

meses no albergue, já tendo morado na rua em duas ocasiões de sua vida. A

primeira foi quando cursava o ensino médio no segundo ano. A segunda no ano

seguinte, quando estava grávida, no terceiro ano. A primeira vez que morou na rua

foi quando teve uma briga com a mãe, tendo sido expulsa de casa, da favela em

que morava no município de Cotia. Morou na rua por um pequeno tempo de três

meses, mesmo cursando o segundo ano. Dormia durante alguns dias jogada na

calçada, e outras vezes quando havia vagas, dormia em albergues do município.

No meio do segundo ano, começou a namorar na escola com uma pessoa mais

velha, com quem teve sua filha, indo morar em outra favela vizinha a que morava

anteriormente. Quando estava grávida já no terceiro ano do ensino médio, seu

marido veio a falecer. “Não tenho vergonha de dizer que ele morreu de overdose.

Ele usava essas porcarias, mas não na minha frente. Na verdade ele era um ótimo

marido, carinhoso mas que mexia com essas coisas ruins”.

O marido não chegou a conhecer sua filha, sendo talvez o momento mais

difícil da vida dela. Ainda grávida, como se não bastasse sua recente perda, Cintia

teve que sair da favela onde morava devido recomendação do corpo de bombeiros

que havia alertado para os riscos de desabamento: “Eles me tiraram de lá e não

me deram um novo lugar para morar. Tive que ser obrigada a morar por um

período de tempo mesmo grávida, na rua”, completou a moça. Logo após sua

retirada dessa área de risco da favela, ela conta que seu barraco caiu dois dias

depois, devido uma forte chuva que estava presente. Conseguiu achar um albergue

no seu próprio município, para poder morar temporariamente. Sua briga com a mãe

impedia que ela pudesse morar com ela e com os irmãos. Passou então a residir

nessa entidade até sua filha completar sete meses, tranferindo-se posteriormente

para esse nova entidade, onde mora há oito meses.

É impressionante a experiência de vida e quanto sofrimento passou Cintia

nesse seu curto tempo de vida, tendo perdido parte da adolescência com seus

problemas familares. Mas mesmo assim, o que ela achou que poderia ser a

salvação para seu futuro que seria a conclusão do ensino médio, não aconteceu.

Na formatura de sua turma, Ela foi a homenageada por conta de sua luta para

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poder formar-se, mesmo morando um período de tempo na rua. Algumas pessoas

da sua sala demonstravam certo preconceito com ela, pelo fato dela não ter um lar.

Mas por que apesar de ter concluído o ensino médio Cintia continua morando em

albergue? Quais fatores se escondem por trás dessa exclusão silenciosa? Será

visto as respostas para essas indagações nos próximos parágrafos.

Ao falar de seu período escolar, Cintia diz que nunca repetiu o ano, dizendo

ainda que era uma das melhores alunas da sala. Mesmo nos períodos em que não

tinha onde morar, ela não faltava as aulas pois sabia que ali estava seu futuro, se

quisesse de algum modo ter um outro destino, que não fosse esse ao qual parecia

estar condenada. Ela descreve seu tempo de escola, com saudades das aulas e

dos poucos amigos que fizera nela, estando consciente que fez o melhor possível

para tentar mudar seu destino.

“Eu sabia que tinha que lutar para concluir meu ensino, mesmo nessa situação

adversa em que me encontrava. Algumas vezes inclusive, lembro que a professora de

matemática faltava, e eu querendo saber mais sobre a matéria, ia assistir aula em outra

turma. Lembro que os outros alunos comemoravam quando tinham que sair mais cedo,

diferentemente de mim, talvez porque soubesse que acabando a aula eu iria voltar para

a rua”.

O período escolar de Cintia parecia cinematográfico. Talvez poderia se fazer

uma grande produção usando sua história, mas certamente não haveria nenhum

diretor que quisesse mostrar a luta pela sobrevivência de uma pessoa humilde

nesse mundo capitalista. Não haveria nenhum Cineasta que quisesse mostrar as

falhas o sistema em que vivem. Enquanto isso, Cintia tornava a falar de sua luta

para conseguir se formar e tirar seu diploma.

Quando questionada sobre quais professores foram marcantes, ela cita a

professora de história e de geografia. Falava que suas aulas eram interessantes, o

que deixava todos os alunos esperando ansioamente pela aula. Tamanho o amor

que sentia pela professora de história, ela conta que colocou o nome dela em sua

filha como uma forma de agradecer pelos conhecimentos com ela adquiridos.

Falava que adorava os videos e discussões que tinha na aula do professor de

Geografia, dizendo que este era o professor mais politizado de todos. “Ele era bom

e parecia muito revoltado com a situação do país”.

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Infelizmente os professores marcantes positivos citados por ela são poucos

se comparados com os marcantes negativamente. Ela fala que a maioria dos

professores eram ruins e desinteressados, sendo a falta um hábito muito comum

entre eles. “A professora de matemática sempre faltava ou estava de licença.

Totalmente sem compromisso, e os alunos amavam quando ela não vinha”. Ela

discorre ainda sobre a professora de inglês, que foi a mesma para todo ensino

médio, demonstrando profunda revolta com ela. Cintia fala que passou os três anos

vendo o verbo “to be”, mostrando sua indignação ao falar que não se lembra de

nada do que foi passado “Ela fingia que dava aula e a gente fingia que aprendia”.

Ela fala que grande parte dos professores eram grossos, que tratavam os alunos

com gritos e ameaças. “Havia professores que não davam aula se um aluno tivesse

falando, prejudicando todos os demais”.

Com relação à metodologia, ela fala que os professores em sua grande

maioria utilizava a lousa para passar as aulas, complementando suas idéias com

exercícios. Desse mesmo modo agia a professora de inglês, que sempre passava o

verbo to be com suas conjugações no presente e no passado na lousa, passando

posteriormente exercícios para completar para saber se os alunos conseguiam

completar o que faltava no tempo verbal.

Veja leitor um importante fator que aparece na fala de Cintia: O professor.

Este parece ser um importante aliado da educação bancária. Retomando a fala de

Freire (1987), que diz não há um diálogo entre professor e aluno dentro de sala de

aula. O professor é aquele que se julga sábio, enquanto os alunos aqueles que

escultam docilmente. O professor é aquele que se diz saber tudo, enquanto os

educandos aqueles que nada sabem. O autor completa ainda que o professor

serve aos opressores, não aos oprimidos. Um exemplo claro de tal colocação é a

falta de compromisso com os discentes. Não levar a sério a educação é também

servir a essa educação bancária, a uma educação elitista que não objetiva o

aprendizado. Se já não bastassem todas as formas de imposição de poder que

está inserido a educação capitalista atual, o professor que poderia reverter essa

situação, lutando por uma educação libertadora, serve ao sistema elitista.

Está também presente na fala de Cintia a idéia de Gentili (2007), que diz que

o ensino é para todos, porém a qualidade dele é um privilégio. Está ai a nova visão

neoliberal-bancária moderna que dá nome a este subcapítulo. O aluno vai à aula,

conclui seu ensino médio, mas não consegue competir com o ensino dos ditos

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privilegiados. É nessa educação bancária, que o mesmo autor chama a educação

da escola pública como a educação para o desemprego. O aluno que não se

adapta ao novo ensino bancário é excluído e marginalizado da mesma forma que

na educação liberal clássica.

Nessa mesma concepção de educação para o desemprego, Cintia diz que

sobrevive dos programas sociais do governo federal, não conseguindo emprego em

lugar nenhum, em muito também por conta do preconceito contra os moradores de

albergue. “Quase me contrataram em um escritório para trabalhar de secretaria, e

também em uma empresa para trabalhar de telemarketing”. Quando descobriram

que moro em um albergue, me dispensaram”, complementou Cintia, com um ar de

revolta em sua fala.

Quando questionada sobre os planos para o futuro, Cintia disse que planeja

fazer uma faculdade em breve, na área da pedagogia. “Adoro crianças, acho que

me daria bem trabalhando nessa área”. Ao acabar seu prazo de moradia na

presente entidade, Cintia disse que vai voltar a morar na favela onde moram os

irmãos, dizendo que está juntando o dinheiro ganho pelos programas governo

federal para montar o barraco. “Mais dois meses e consigo meu barraco; depois é

só conseguir um emprego e começar minha faculdade”.

Cintia é sem dúvidas uma pessoa de muita garra e vontade. Em uma vida

onde não teve oportunidades, mesmo fazendo de tudo para manter-se viva nessa

sociedade, ela ainda tem planos, metas e conquistas a se realizar. Faz de tudo

para seu futuro e de sua filha serem diferentes, com um futuro em que a

oportunidade apareça, diante de um passado cruel e devastador. O que seria do

filho do banqueiro, se este ao invés de nascer em seu berço decorado de ouro e

diamantes, tivesse sua vida substituída por Cintia? Certamente, o filho do

banqueiro estaria em situação muito pior que a de Cintia, pois esta demonstra uma

raça e uma vontade nunca antes vista, para poder alterar o futuro ao qual os

burgueses queiram que seja fadado ao fracasso.

O fator que mais chamou a atenção na entrevista foi sua visão politica.

Diferentemente de Socorro, Cintia sabe que é mais uma inocente que não

consegue moradia, por conta do governo. Quando questionada sobre de quem é a

culpa por existirem moradores de rua, ela culpa o governo. “A culpa é do governo.

Fiz tudo que estava ao meu alcance, mas não consigo emprego, por conta do

preconceito existente”, conclui Cintia. Ao ser questionada sobre o que pensa sobre

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a desigualdade social, sobre a estratificação social no qual há ricos e pobres, ela

atribui esse fator ao egoísmo das classes dominantes. Nos dizeres de Cintia:

“Se eles tem, muito é porque são egoístas. Me esforço ao máximo para ter o

mínimo e não consigo. Eles não tem coragem mesmo tendo tanto, de ajudar os

outros, com o que seria só um troco para eles. Além de egoístas, são também

preconceituosos com os que não tem lar”.

De fato Cintia tem razão. O leitor pode imaginar que o tom que aqui será

expresso talvez seja de desabafo, mas não é. É a mais cruel realidade apresentada

na educação bancária.

Os burgueses são egoístas mesmos. A principal reclamação de grande parte

dos moradores dessa entidade é com relação ao preconceito que sofrem

principalmente de quem tem muito dinheiro. Andam na rua em seus carros

importados de vidros escuros, não para se protegerem do sol, mas sim para não

enxergarem a exclusão social que está do lado de fora, deixado por eles. Acusam

preconceituosamente alguns moradores de rua de tentarem lhes roubar, mas

esquecem que se estes tentam fazer isso, tentam roubar seus relógios, os

burgueses fazem pior, roubam suas almas tirando o direito de uma educação de

qualidade. Acusam os moradores de rua de serem bêbados, quando na realidade

também os são, mas trocam o 51 dos moradores de rua pelos mais caros whisks,

de mesmo teor alcólico. Acusam os moradores de rua de serem usuários de droga,

mas eles e seus filhos também as usam, usando outras drogas mais camufladas. A

única real diferença talvez seja o seu dinheiro, que deixam imperceptíveis os

rastros deixados por eles, enquanto os moradores de rua não tem a mesma sorte.

A burguesia quando anda na rua, utilizam também seus óculos escuros,

para fingirem não ver o resultado do lucro de suas empresas, isso quando não

preferem usar o helicóptero como meio de locomoção. Falam de modo

preconceituosos que os moradores de rua são vagabundos por estarem

desempregados, quando estes são consequência da não oportunidade que a

própria burguesia nega a eles. Os burgueses falam em seu sucesso dizendo que

conseguiu a custa de muito suor (FREIRE, 1987), quando na verdade alcançaram

seu destino através do roubo. A burguesia não podia sair assim como plena

vencedora no processo capitalista, sem deixar rastros. O resultado de suas ações é

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exatamente a existência dos moradores de rua, em uma tentativa desesperada de

demostrar que o sistema capitalista é falho e ineficaz.

O capitalismo trouxe o “luxo” e o “lixo” como forma de ação de sua teoria

neoliberal. Como não falar dos grandes shoppings e condominíos fechados

milhonários, que seria exatamente o “luxo” trazido por essa classe social. Ao

mesmo tempo as políticas excludentes por ele trazidos, são os “lixos” que tem

como resultado justamente a não inclusão das camadas mais externas, levando em

muitos casos esses a não terem se quer um barraco na favela para morarem. Não

poderia de modo algum o sistema capitalista sair ileso dessa guerra sem armas,

sem que existissem os moradores de rua em geral em seus próprios bairros, para

mostrar o que esse perverso sistema prega, e quais os resultados que ele pode

trazer.

As exigências pedidas pela população em busca de uma universalização do

ensino público, tiveram grande importância nesse novo modo de exclusão social,

classificado aqui como o neoliberalismo dos tempos modernos como já citado.

Entretanto, para que os privilégios de uma minoria sejam efetivadas, a burguesia se

viu diante de um novo desafio de manter seus estatus sociais, e ao mesmo tempo,

universalizar o ensino básico. Desse modo, Gentili (2004) classificou o ensino atual

como sendo um direito a todos, mas a educação de qualidade, como endo um

privilégio de poucos. Pode-se dizer, que nessa nova visão do neoliberalismo

moderno, a universalização do ensino aconteceu, enquanto que a democratização

não. Esse foi modo encontrado pela elite para manter uma educação bancária, de

modo que ao mesmo tempo, como citou Freire (1987), ela ceda em parte para as

camadas sociais mais pobres, para manter-se cada vez mais no poder.

Aqui talvez esteja, os outros nomes que esse trabalhos poderia ter, como o

grito dos excluídos ou o choro dos inocentes, citados no início desta tese. Está na

luta interminável contra a elite, travada por Cintia que vê a injustiça em sua porta

desde que nasceu. Está aqui leitor, na vida de Cintia brevemente descrita nesse

subcapítulo, os Joões e Ciceros de todo o país, representados aqui através dessa

guerreira mulher, que luta de todos os modos para mudar sua vida. Esta aqui leitor

a mais nova cara do neoliberalismo e da educação bancária.

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5. O SISTEMA É RUIM, MAS O PROFESSOR FAZ PARTE DELE

Neste capítulo, será tratado de forma breve qual a importância do professor

nessa educação bancária, indicando de que modo este pode ser uma peça

fundamental para reverter essa educação elitizada. Não obstante, será falado

brevemente como funciona esse sistema, que todos tanto falam, enfatizando qual o

papel do professor nele.

Mais uma vez é recorrido ao dicionário da UNESP (2004), sobre o sentido

epitemiológico, dessa vez da palavra sistema. É muito comum se ouvir em qualquer

lugar, reclamações de que quando algo não funciona, culpa-se o sistema. Mas

afinal o que é o sistema? O dicionário fala que sistema é um conjunto das partes ou

dos elementos de um todo, coordenados entre si, que funciona como estrutura

organizada. Outra definição dada pelo dicionário que cabe aqui, é de que o sistema

é um conjunto das normas que regem uma instituição.

Desse modo, é possível dizer que o sistema educacional no qual está

inserido a educação, está ligado a uma educação de direita elitista e conservadora,

como já visto. É esse sistema que está ai que é necessário a mudança para de fato

consolidar-se uma educação libertadora, que olhem de fato para as necessidades

da camadas mais subalternas desse sistema.

Pode-se dizer que o sistema educacional público é constituído

primeiramente pelas políticas federais, que regem toda a educação, fazendo leis,

diretrizes e normas que são realizadas dentro da nação que devem ser seguidas

pelos estados e municípios. A segunda parte desse sistema na área educacional, é

composta pelas leis dos próprios estados ou prefeitura, que possuem autonomia

para delinear a educação estadual ou municipal, desde que não esteja contra as

diretrizes do primeiro participante desse sistema. Em seguida estão os diretores

das escolas, que necessitam cumprir essas leis, sendo como parte do próprio

estado ou município presente em pleno ambiente escolar. Não menos importantes,

vem os dois últimos participantes do sistema educacional que são os professores,

que apesar de terem que seguir todas as normas estabelecidas pelos participantes

supracitados, possuem grande autonomia para poder realizar todas as leis que

foram estabelecidas. Além dos próprios alunos, últimos integrantes desse sistema,

que seguem todas as normas estabelecidas, sem que poçam optar ou mudá-las, de

acordo com suas necessidades.

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É dentro desse cenário, que são estabelecidas as normas que atendem aos

interesses da burguesia, que possui como resultado a educação bancária dentro da

sala de aula. Ao ser lembrado a fala de Cintia, que citou que grande parte dos seus

professores eram descompromissados, e alguns inclusive com alto índice de faltas,

logo se vê a importância do professor dentro do sistema, sendo que suas próprias

atitudes podem fazer com que a educação bancária, não chegue até os alunos. É

ele professor que tem o poder de decidir se o sistema será seguido ou não, pois

este está dentro da sala de aula, sozinho com o aluno. Cabe as suas mudanças

primeiramente para exigir dos outros participantes do sistema que também mudem,

alterando suas concepções e suas servidões aos opressore, sendo também um

dos opressores, dos alunos da escola pública, os oprimidos dessa cruel realidade.

No equema abaixo, será descrito como funciona esse sistema:

ÓRGÃOS FEDERAIS

(responsáveis pelas leis que regem a educação)

ÓRGÃO MUNICIPAIS E ESTADUAIS

(Responsáveis pela educação básica, tendo alguma autonomia, desde que não interfiram nas leis federais)

DIRETORES DE ESCOLA

(É a presença do próprio estado ou município dentro do ambiente escolar)

PROFESSORES

(Quem de fato aplica todas as diretrizes supracitadas dentro da escola pública)

ALUNOS

(São os consumidores do sistema educacional público, sem direito de interferência no sistema)

O esquema acima foi realizado na tentativa de elucidar a importância do

professor e ao mesmo tempo, demonstrar o quanto os alunos são reféns nessa

educação, sendo o professor quem de fato decide se o sistema ai estabelecido,

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será de fato o que será feito dentro da sala de aula. A importância é ainda maior, é

ele quem decide se ele próprio será opressor ou oprimido, no caso de ser o

segundo, libertará a si mesmo e aos educandos desse sistema (FREIRE, 1987). É

o professor quem decide, apesar da pressão existente dos órgãos superiores, se os

discentes serão agentes ativos na mudança da sociedade, ou se só continuarão a

seguir o sistema que foi estabelecido há anos.

As consequências dessa escolha do professor pode ser justamente que

esses sigam aqueles a quem sempre criticaram. O professor embora politizado,

sempre participante das discussões sobre política, pode seguir o ideal bancário

sem mesmo perceber, através de sua prática docente. O poder da burguesia é tão

alto, que conseguem deixar os próprios professores como seres subordinados a

elite e ao capitalismo, sem que estes percebam. A fala da burguesia é linda e

cheias de palavras bonitas e dificeis, na tentativa de fazer um discurso cínico para

tentar enganar a todos. Suas falas são aparentemente serenas e bonitas, quando

na verdade são enganadoras e mentirosas. Os que não enganam tentam agredir

de outros modos, acusando os que são contra esse sistema, de comunistas ou

populistas, quando aparece alguém que tenta lutar ou se unir contra os poderosos.

Caso sejam professores comprometidos, como os professores de história e

geografia citados por Cintia, serão lembrados como os docente que ajudarão a

mudar essa lógica imposta pelo sistema, destruidor e excludente, que acaba

gerando uma grande quantidade de pessoas excluídas, no caso os alunos, que não

conseguiram se adequar a essa lógica de submissão.

O resultado dessa grande interação, acaba sendo um ciclo que tem se

tornado cada vez mais vicioso, devido aos resultados que ele causa. As pessoas

que não são excluídas desse sistema, e ao mesmo tempo também não fazem parte

da grande burguesia, tendem a concordar com esse ciclo de submissão, por não

conseguirem visualizar outro modo de vida, que não este capitalista no qual vivem,

sob pena de também serem excluídos. Os excluídos, não conseguem arrumar

forças sozinhos para reverter a ausência de uma educação democrática de fato, e

acabam por se tornar refém de seu próprio destino, sem que consigam liberta-se.

Está ai a educação libertadora citada por Freire (1987), que diz que ninguém se

liberta sozinho, e sim que necessitam de uma união para que todos sejam libertos

juntos. Seria como se os oprimidos vivessem durante toda a vida com sua visão

coberta por um protetor escuro, que impedem com que eles enxerguem o que está

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em sua frente, sendo necessário que outro tire seu protetor, e assim liberte também

outros que não enxerguem, para se ter assim sua liberdade de opinião e

expressão.

O resultado de todo esse sistema citado, segue no esquema abaixo de

forma resumida.

OPRESSORES

(Serve ao interesse das elites, utilizam a educação bancária como modo de consolidação)

OPRIMIDOS

( Excluídos, que não tiveram direito a uma educação democrática)

MORADORES DE RUA

( Uma parcela da população oprimida, que não se adequaram ao sistema)

Está ai o resultado de todo o sistema no qual todos os sobreviventes do

sistema capitalista estão passivos de sofrerem. Isso aumenta a total

reponsabilidade dos professores, como indivíduos ativos na mudança e na

libertação dele. Os professores não são meros coadjuvantes no sistema, e sim um

dos atores principais desse filme, cabendo a eles decidirem se o filme terá um final

feliz, ou o mesmo final que está presente nos dias atuais.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

- A direita está diretamente ligada com todos os acontecimentos citados nesse

trabalho, embora tenha sido poucas vezes utilizada esse nome ao longo do

trabalho.

- Com o início do sistema capitalista, a desigualdade alcançou dados nunca antes

vistos na história da humanidade.

- A exclusão social de moradores de rua está diretamente associada a uma

educação excludente.

- O professor não é um coadjuvante no sistema educacional público ao qual está

inserido.

- O aumento do número de moradores de rua está diretamente associado a uma

educação opressora aplicada pelo professores, que não conseguem enxergar a

relação opressor-oprimido estabelecida na sociedade.

- Poucos autores relacionam diretamente moradores de rua com educação

bancária, dificultando o andamento do trabalho, sendo necessário muitas vezes o

próprio autor relacionar alguns temas com outros.

- Pretendo publicar esse trabalho, para que outros professores tenham

oportunidade de ler e pensar criticamente sobre suas didáticas.

- Não pretendo nesse momento iniciar um mestrado, por achar que não tenho ainda

maturidade suficiente para encarar um, sem ter passado ainda pela sala de aula.

- No futuro pretendo publicar algo que fale de outro grupo de excluídos, os

moradores sem terra (MST), entretanto focando mais nos mecanismos de uma

educação popular para esse grupo, para que tenham experiências com uma

educação diferente da oferecida nas escolas públicas.

- O trabalho não passou pela comissão de ética, pelo fato desta não existir na

época em que foi realizada a primeira coleta de dados, na entidade “B”. Além disso,

somente em outubro foi enviado aos alunos do Mackenzie um documento

explicando como funciona a comissão, o que inviabilizou o envio do projeto à

comissão, para que essa respondesse em tempo hábil para a realização da

pesquisa na entidade “A”.

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