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Iniciativas educacionais na América Latina – Unila e iniciativas no âmbito do Mercosul
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Relações Internacionais
Iniciativas educacionais na América Latina – Unila e
iniciativas no âmbito do Mercosul
Integração Regional
Professor Raphael Padula
Nome: Jéssica Cerqueira – DRE:111243191
A década de 1990 na América Latina é marcada pela implantação e crise dos
projetos de integração pautados no modelo do regionalismo aberto. A insuficiência e
limitações de tais modelos refletem-se numa crescente percepção por parte de alguns
governos da região, a partir do final desta década, da importância da revisão dos
projetos liberais-globalizantes de integração, ainda que, via de regra, estes países
continuem se encarando como competidores entre si e por capital internacional; neste
sentido, a necessidade de se fomentar a independência econômica destes países diante
do quadro institucional global que favorece países centrais torna-se um imperativo cada
vez mais forte. Esta percepção é algo que começa com o pensamento cepalino em seu
momento estruturalista, quando se advoga um tipo de política econômica regional
integrada que vise reformar as bases da inserção periférica dos países latino-americanos
no mercado mundial desenvolvendo o setor industrial da região de maneira planejada e
complementar, promovendo simultaneamente políticas sociais que reduzissem as
assimetrias materiais entre os cidadãos afim de que se harmonizem na região direitos
fundamentais para o crescimento econômico e fortalecimento político e social das
nações, como os direitos trabalhistas, além de desenvolver um mercado interno à região
capaz de absorver parte da produção, reduzindo a dependência da pauta exportadora
como principal setor gerador de receitas.
Projetos de integração como o da Unasul, por exemplo, demonstram uma grande
preocupação em se enfrentar conjuntamente os caminhos e obstáculos políticos,
culturais e sociais da região para o alcance dos objetivos econômicos. Na verdade, esta
percepção ampliada do modelo de integração para a região já vinha sendo desenvolvida
desde a tese Prebisch-Singer, que reconhece na composição e caracteres do tecido social
dos países latino-americanos uma das origens da reprodução de relações desiguais e
seus efeitos econômicos paralisantes. Na constatação, por exemplo, das origens da baixa
elasticidade preço dos produtos primários, está o reconhecimento do peso do tipo de
relação social que se engendra no campo e na agricultura regional, marcada por um
passado singular de base escravocrata ou análogos, pela monocultura de exportação, etc.
As contribuições teóricas e paradigmáticas da tese Prebisch-Singe, neste sentido, são de
grande valia, especialmente no rompimento com a teoria clássica ricardiana das
vantagens comparativas para a explicação do atraso econômico nos países periféricos,
tecendo uma crítica ao próprio sistema econômico global e sua intrínseca divisão
desigual de progresso técnico e econômico. Entretanto, as críticas que se seguirão à este
momento do estruturalismo cepalino virão com os formuladores da teoria da
dependência, que conservarão diversos elementos da tese estruturalista, mas
acrescentarão a crítica à composição do próprio Estado-nação e à validade do privilégio
de seu papel como fomentador de desenvolvimento econômico no pensamento
estruturalista. Linhas gerais, o Estado-nacional, no pensamento dependentista, não é um
ente monolítico que racionalmente buscará sempre a via do desenvolvimento econômico
estrutural; o Estado é um aparelho em constante disputa por classes dominantes que
podem estar harmonicamente associadas ou não, e dialeticamente articulado com uma
dinâmica conflituosa de classes sociais, cujo acesso à gestão do Estado é historicamente
blindada. As elites econômicas nacionais com potencial de investimento em um país,
por exemplo, não necessariamente estarão interessadas em auferir ganhos a partir dos
projetos desenvolvimentistas; não raras vezes, estas elites estão vinculadas a uma
dinâmica de interesses econômicos global avessa ao desenvolvimento autônomo e
redutor de desigualdades sociais. Ainda que venha de um pensamento de características
divergentes, as observações de Alan Milward (1993, p.2, citado por PADULA, 2010, p.
46), convergem, neste sentido, com aquelas dos dependentistas: Milward sublinha a
importância do estudo das coalizões internas de poder em cada país do bloco para que
se avalie a construção doméstica do que se chama interesse nacional. A diferença entre
os dois pólos de pensamento é que os dependentistas defenderão que a superação dos
obstáculos das coalizões internas de poder, geridas pela lógica capitalista do lucro, se
encontra na fundamental necessidade de que se revolucione o próprio sistema
internacional.
O desenvolvimento do pensamento estruturalista dos anos 1940 e 1950; seu
aprofundamento e crítica dependentista marxista nos anos seguintes - e assim
sucessivamente dentro do campo da economia política - foram de imensa importância
na construção das críticas ao regionalismo aberto na América Latina que veio a se
implantar durante os governos de caráter neoliberal na década de 1990. A partir de
2002/2003, governos críticos ao projeto neoliberal ascendem ao poder, eleitos diante de
um quadro de fortalecimento das lutas populares na região face ao custo social das
diretrizes privatizantes e liberalizantes e também diante da associação da profunda crise
econômica que o subcontinente vivia às limitações e insuficiências implícitas no projeto
neoliberal para a região. No entanto, este movimento não significou a superação de
todas as diretrizes do neoliberalismo anterior, nem uma ruptura radical com a
hegemonia das lógicas capitalistas de financeirização, acumulação flexível e
precarização das relações e regimes de trabalho, por exemplo. Por outro lado, a América
do Sul, ainda que de maneira não homogênea, viveu importantes reformulações em suas
políticas econômicas e sociais, dentre as quais a reorientação da política externa do eixo
do regionalismo aberto para aquele da cooperação pelo desenvolvimento; observa-se
também uma maior preocupação acerca da soberania sobre o acesso, gestão e segurança
dos recursos naturais da região – precisamente o que muitos têm chamado de “terceira
via”, que busca associar as clássicas lógicas de mercado com a justiça social que se faz
um imperativo diante do quadro de massificação da democracia e aprofundamento dos
índices de desigualdade social.
A criação da Unasul, em 2008, se inscreve neste quadro de desgaste/descrença
no potencial do projeto neoliberal como agenciador de transformações substanciais e
progressistas na região. O projeto de integração da Unasul pauta-se no marco da
soberania e independência dos Estados, com o detalhe de que, a partir dos princípios
instituídos pelo bloco, percebe-se uma compreensão ampliada de soberania e
independência. A Unasul representa um importante marco para a formulação de novas
estratégias para a região, especialmente nas áreas de energia e infra-estrutura. A
iniciativa do Banco do Sul, por exemplo, é importante alternativa ao regime financeiro
hegemônico representado principalmente pelo FMI e Banco Mundial, além de buscar
regulamentar com maior responsabilidade social os processos de privatização deste
estágio do capitalismo. Destaca-se também a intenção normativa da Unasul de maior
controle não somente sobre a iniciativa privada pura e simples, como também dos ativos
oriundos do Poder Público – através dos marcos jurídico-sociais – previsões que não só
asseguram aos investidores determinados índices de lucratividade e segurança na
manutenção da rentabilidade ao longo dos contratos, como também estabelecem
responsabilidades concretas sociais, de modo a conciliar as prerrogativas de mercado
com os princípios de inclusão social e desenvolvimento da cidadania da Unasul para a
região.
A Unasul, para além da compreensão da importância objetiva do
desenvolvimento econômico da região, aparece com novas iniciativas que demonstram
uma compreensão realmente ampliada de Estado-nacional e de sua composição orgânica
social e econômica, bem como da complexidade dos caminhos necessários para que se
alcance, em profundidade, a integração regional. Neste aspecto, em consonância com os
princípios democráticos e solidários da Unasul, é fundada a Universidade Federal da
Integração Latina Americana – Unila, em 2010 - iniciativa no campo da educação da
maior importância. Inicialmente, o projeto de criação da Unila estava ligado ao
Mercosul, o que não logrou sucesso; diante disso, o governo brasileiro toma as rédeas
da iniciativa e, em 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, ao
Congresso Nacional, o projeto de lei que viria, mais tarde, a criar a Universidade
Federal da Integração Latino-Americana, a Unila. (2009, p. 117) O acúmulo de
conhecimento especializado sobre a realidade da região é imprescindível para o
processo de construção de uma intelectualidade que trabalhe e atualize dados e
projeções acerca do processo multidimensional de integração latino-americana. De
iniciativa brasileira, a Unila, conforme apontam Glauber Cardoso Carvalho e Larissa
Rosevics, está inserida nos eixos de política externa do governo Lula, quais sejam: o
aprofundamento das relações com os países da América Latina e a expansão da
universidade pública no país. (CARVALHO, ROSEVICS, p. 235)
A Unila busca desenvolver e aprofundar o processo de integração latino-
americana em toda a sua complexidade “por meio do conhecimento humanístico,
científico e tecnológico, e da cooperação solidária entre as instituições de ensino
superior, organismos governamentais e internacionais.” Segundo o Projeto Pedagógico
da Unila, que fornece cursos de graduação e pós-graduação, sua vocação base é o
desenvolvimento de todo tipo de conhecimento que valorize a construção objetiva de
um futuro sustentável para a América Latina integrada, fundada numa identidade latino-
americana e orientada para o desenvolvimento econômico e a justiça social.
Apesar de estar voltada para a integração com ênfase no Mercosul, a Unila faz a
escolha de referir-se à região como América Latina. O debate acerca desta nomeação é
antigo, intenso e não deve ser desprezado. No entanto, o que cabe aqui é apenas
sublinhar a importância desta escolha e trazer a explicação presente no Projeto
Pedagógico da Unila. Aqui, América Latina compreende todos os países do continente
americano que falam espanhol, francês, português ou outros idiomas derivados do latim.
Mas, mais do que isso, a Unila parece preferir o termo “latino” por sua característica de
união na diversidade e das possibilidades que daí decorrem. O Projeto resgata o autor
Geronimo de Sierra, que defende o termo em seu sentido de investigação construtiva
das divergências da região e aproveitamento de das características em comum, como
por exemplo alguns modos de vida e estrutura social.
Além dos cursos de graduação e pós-graduação voltados para a construção
multifacetada das possibilidades estratégicas para a integração, a Unila conta ainda com
o Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA-UNILA), espaço para o
compartilhamento interdisciplinar de conhecimento sobre a região. O IMEA possui uma
revista que veicula prioritariamente reflexões sobre a América Latina; está disponível
também um canal no site YouTube (https://www.youtube.com/user/imeaunila) onde é
possível encontrar diversos documentários curtos e de fácil compreensão abordando
temas de interesse para se pensar as potencialidades e os problemas da região.
Os projetos em torno da Unasul e da Unila apresentam enorme potencial de real
construção de uma solidariedade latino-americana e uma maior cooperação que vise o
desenvolvimento conjunto, planejado e integrado dos países da região. Apesar dos
imensos esforços que vem sendo empreendidos em torno destas iniciativas, ainda há
muitos problemas a serem enfrentados. Os projetos sociais articulados a partir da
Unasul ou Unila ainda são muito mal divulgados; pouquíssimos estudantes
universitários brasileiros, por exemplo, têm conhecimento da existência da Unila.
No âmbito do Mercosul destaca-se o projeto Mercosul Educacional. Apesar de o
Tratado de Assunção, constituinte do bloco, não explicitar a relevância da cooperação
no setor educacional para a integração regional, ao longo de várias conversações os
Estados-membros foram consolidando a compreensão de que o direito à educação, bem
como as garantias concretas para o acesso à mesma, possui grande peso no processo
integracionista. Em 1991, nove meses após a assinatura de Assunção, é lançado o Setor
Educacional do Mercosul (SEM). O SEM está articulado com diversas outras
instituições regionais para além do Mercosul, como a UNASUL, a Comissão
Econômica para a América Latina (CEPAL), a Comunidade dos Estados Latino-
americanos e Caribenhos (CELAC) e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
O SEM é formado por grupos de trabalho que pesquisam, desenvolvem e
aprofundam dados estatísticos e harmonizam termos educacionais. O GT Indicadores é
importante para que os países e seus pesquisadores que compõem o bloco trabalhem
com indicadores educacionais comparáveis regionalmente; este GT também é
responsável por organizar e divulgar outros dados estatísticos, como indicadores
demográficos e econômicos. O GT Terminologia é responsável por harmonizar e
normalizar termos ligados à educação; o principal documento deste GT é o Banco de
Dados Terminológicos. O Banco está disponível na Internet (http://edu.mercosur.int) e
tem acesso livre; é “um repositório organizado e estruturado de informação
terminológica, com uma cobertura temática especializada em um ou vários idiomas,
destinado a satisfazer necessidades terminológicas, linguísticas, de tradução ou de
interpretação de termos naquele domínio” (PORTAL Mercosul, Banco de Dados
Terminológicos). A importância destes dois GTs, portanto, está na necessidade de que
se realizem esforços estatísticos, terminológicos e interpretativos para a consolidação
integrada de políticas públicas regionais em educação.
Além dos grupos de trabalho, o SEM tem como objetivo consolidar nos países
do bloco políticas educacionais coordenadas, desde o reconhecimento “do papel
estratégico desempenhado pela educação no processo de integração, para atingir o
desenvolvimento econômico, social, científico-tecnológico e cultural, da região” (III
Reunião de Ministros da Educação do Mercosul). A intenção, portanto, é a de formar
uma espécie de espaço educacional comum pautadas em alguns eixos básicos
característicos dos princípios integracionistas do Mercosul, tais quais a construção e
fortalecimento de uma cidadania regional, bem como de uma identidade regional; a
promoção de uma cultura de paz e respeito à democracia e aos direitos humanos, etc.
No ensino fundamental, destaca-se o incentivo à aprendizagem dos idiomas
oficiais do Mercosul, bem como o ensino das disciplinas de História e Geografia a partir
de uma formação histórico-geográfica mínima que facilitasse, futuramente, as possíveis
transferências de um país a outro e que fortalecessem a construção de uma visão de
cooperação e solidariedade para os países do bloco. Mas a atenção dada ao ensino
público fundamental por grande parte dos estados do bloco é historicamente precária,
sendo o acesso à educação um direito desigualmente distribuído e insistentemente
privatizado.
Quanto ao ensino superior, existem alguns eixos principais para a criação de um
espaço acadêmico regional. São iniciativas em fase de experimentação e de alcance
incipiente. Entre 2003 e 2006, os países do bloco promoveram uma política de
reconhecimento de títulos de graduação para medicina, agronomia e engenharia,
respeitando-se critérios básicos de formação. Há, no campo do reconhecimento, ainda,
protocolos que estabelecem o reconhecimento de títulos e graus universitários para o
exercício de atividades acadêmicas intrabloco. Existe também um programa de
mobilidade acadêmica no âmbito do bloco. Ainda que em fase de implementação, as
políticas educacionais voltadas ao ensino superior têm sido de grande valia na
coordenação e organização do conhecimento especializado produzido de maneira
pertinente aos objetivos integracionistas do bloco.
As iniciativas no âmbito da educação são de grande importância para qualquer
projeto de integração que preze por uma compreensão ampliada do processo de
aproximação entre nações de uma mesma região. Existe uma hegemonia na região que
advoga a favor da crença da inserção sem critérios em projetos globalizantes-
liberalizantes. Iniciativas que em algum nível anunciem a tomada de rumos novos e
autônomos para a América Latina são encarados pelas populações da região com grande
desconfiança e desgosto. Para que qualquer projeto de integração logre êxito, é de suma
importância que as populações latino-americanas assistam e participem de governos que
invistam fortemente em iniciativas educacionais que garantam a democratização do
acesso à informação qualificada e à compreensão da relevância e urgência da integração
do subcontinente para um desenvolvimento político, econômico e social mais
sustentável, coeso, ampliado e permanente.
Bibliografia
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