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Há 55 anos valorizando o homem e revelando os mistérios da Amazônia Revista de divulgação científica do Ciência para todos INPA Nº 02 - ano 1 (distribuição gratuita) ISSN 19847653 Vidas dedicadas à pesquisa Reaproveitamento de recursos finitos Inpa se integra à comunidade

INPA - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia · 30 48 14 Aproveitamento da madeira. Equipamento movido à energia solar é aliado das comunidades amazônidas 10 5 Representantes

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Há 55 anosvalorizando o

homem e revelando os mistérios da Amazônia

Revista de divulgação científica do

Ciência para todosINPA

Nº 02 - ano 1 (distribuição gratuita) ISSN 19847653

Vidas dedicadas à pesquisa

Reaproveitamento de recursos finitos

Inpa se integraà comunidade

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Que venham mais 55 anosConsolidação da presença na Amazônia. É desta

forma que o Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa) pode resumir sua caminhada nos últimos

55 anos. Implantado em um terreno de mata alta com uma única trilha de barro, o Instituto contava, apenas, com a vontade de homens e mulheres de co-ragem que viram naquele cenário o quadro perfeito para iniciar uma trajetória de pesquisas que desven-dariam os mistérios por trás de uma área equivalen-te a 60% do território brasileiro, invejada por sua biodiversidade infinita. Hoje, a principal unidade do Inpa, localizada na estrada do Aleixo, é referên-cia em pesquisa e preservação de meio ambiente. É possível encontrar em seus mais de 379 mil metros quadrados, espécies típicas da fauna e flora amazô-nica que convivem harmoniosamente com mais de 200 pesquisadores. E para mostrar que a pesquisa não tem fronteiras, o Inpa já instalou núcleos nos estados de Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

A infra-estrutura do Instituto é composta, além da sede principal, de três campus (Aleixo I, Aleixo II e V-8); reservas Adolpho Ducke, Walter Egler, Ouro Preto d´Oeste (RO), Biológica da Campina, Biológica do Cuieiras; quatro estações experimentais (Silvi-cultura Tropical, Fruticultura, Hortaliças e Agricul-tura de Várzea); duas bases flutuantes de pesquisa (Catalão, no Encontro das Águas, e Tarumã, no Rio Negro); o laboratório flutuante Herald Sioli, na Ilha da Manchanteria e o barco de pesquisas Amanaí II.

Por tudo isso, nada mais justo que dedicar essa edição às pessoas e às descobertas que fazem desse

Instituto fonte inesgotável para jornalistas, turistas, pesquisadores, estudantes ou apenas, curiosos da Amazônia. E para abrir nossa revista trazemos uma entrevista exclusiva com o diretor do Inpa, Adalber-to Luis Val, que aponta a importância do Instituto como resposta para muitas das dúvidas da socieda-de. Importância essa referendada pelos parceiros do Inpa, que fizeram questão de deixar seu testemunho.

A potencialidade dos frutos típicos da re-gião também é abordada em duas reportagens: uma sobre a pupunha e o buriti, que pode ser usado na produção de cosméticos naturais; e, outra enfocando açaí e camu-camu, entre ou-tros, indispensáveis ao bom desenvolvimen-to de diferentes segmentos populacionais, em particular pré-escolares, gestantes e nutrizes.

Não podemos esquecer de informar sobre os pro-jetos do Inpa para auxiliar a floresta a preservar seus recursos, como é o caso do projeto de manejo florestal e do uso consciente dos resíduos da ma-deira. Também destacamos alguns dos personagens que brilham quando o assunto é pesquisa, como é o caso do pesquisador Mário Cohn-Haft, especia-lista em canto de pássaros, da pesquisadora Ilse Walker, que vem dedicando a vida ao estudo da Amazônia, e do arquiteto Mário Severiano Porto, responsável pela estrutura física do Instituto. Sa-bemos que o espaço é pouco para tanta informação produzida por este instituto, mas acreditamos que alcançamos nosso objetivo de divulgar os mistérios da Amazônia, baseados em conhecimento cientí-fico e não em mitos. E que venham mais 55 anos!

EDITORIAL

EXPEDIENTELuís Inácio Lula da SilvaPresidência da República

Sérgio Machado RezendeMinistro da Ciência e Tecno-logia

Adalberto Luis ValDiretor do INPA

Wanderli Pedro TadeiVice-diretor do INPA

Sérgio Fonseca GuimarãesChefe de Gabinete

Estevão Monteiro de PaulaCoordenador de Ações Estraté-gicas - COAE

Beatriz Ronchi TelesCoordenadora de Capacitação - COCP

Lucia YuyamaCoordenadora de Pesquisas e Projetos - COPE

Carlos Roberto BuenoCoordenador de Extensão - COXT

Tatiana Lima da Silva (MTB 4214/MG)Coordenação de Comunicação

Leila Ronize (MTB 179/AM)Jornalista Responsável

Av. André Araújo, 2936 - Aleixo, CX P.478, CEP 69060-001 - Fone: 02 3643-3100Fone/fax: 92 3643-3104, Manaus - Amazonas - Brasil

Site: inpa.gov.br, e-mail: [email protected]

RedaçãoDaniel JordanoEduardo GomesHemanuel JhoséLarissa Veloso Leila RonizeLisângela CostaMário Bentes Romulo AraújoTabajara MorenoTharcila Martins

Projeto GráficoLeila RonizeRildo Carneiro

DiagramaçãoRildo Carneiro (MTB-004/AM)

Editor de arteMárcio Alexandre

Fotos da capa: Anselmo D’Affonseca, Eduardo Gomes, Mário Bentes e Tabajara Moreno

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Sum

ári

oNão mate a mata

Pesquisa realizada como tese de mestrado pela engenheira florestal Cristina Galvão Al-ves, quando se especializava em Ciências de Florestas Tropicais pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia (Inpa), em 2000, consta-tou – a partir do estudo de caso de uma das maiores madeireiras da região, localizada em Itacoatiara (a 175 quilômetros de Ma-naus em linha reta) – que apenas 30% da madeira retirada das florestas da região é plenamente utilizada no beneficiamento de mercado. Todo o restante é simplesmente jogado fora e pior: ainda vira poluição na natureza, já que boa parte do que não é aproveitado é queimado a céu aberto.

34O laboratório de Engenharia de Artefatos de Madeira

(LEAM) do Instituto Nacional de Pesquisas da Ama-zônia (Inpa), tem como missão incentivar a busca de novas tecnologias para aproveitar ao máximo um recurso finito. O projeto de reaproveitamento de ma-deira (neste caso madeira certificada), serve também como alternativa econômica para quem participa dos projetos. Agendas, peças decorativas, brinquedos, portas retratos, escrivaninhas e mesas, tudo produzido com resíduos seguindo a máxima de Lavoisier (e por que não dizer da floresta) onde nada se perde, tudo se trans-forma.

Os frutos da Saúde Pesquisadora Lúcia Yuyama vem desenvolvendo estudos

na linha de diagnóstico das condições de saúde e nutrição envolvendo diferentes segmentos populacionais, em parti-cular pré-escolares, gestantes e nutrizes. Na linha de frente dos frutos que tem viabilidade nutricional está o Camu-camu (Myrciaria Dubia H.B.K McVaugh), considerado o mais rico

em vitamina C do mundo. A pupunha, o tu-cumã, o buriti e o umari são fontes de

provitamina A, energia, fibra alimen-tar e elementos minerais. Já o açaí tem fibra alimentar e antocianina (antioxidante natural).

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Aproveitamento da madeira

Equipamento movido à energia solar é aliado das comunidades amazônidas10

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Representantes de institutos referendam importância do Inpa para a região42

Pupunha e buriti são matéria-prima de biocosméticos28

34 Bosque da Ciência integra Inpa com comunidade

Herbário do Inpa tem mais de 200 mil exemplares catalogados52

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Revista do INPA: São 55 anos de pesqui-sas a favor da Amazônia. Podemos enume-rar os maiores avanços do Inpa nessa área?

Adalberto Luis Val: A favor da Amazônia, do Brasil e do mundo. A Amazônia desempenha pa-pel fundamental no contexto ambiental mundial e, portanto, estudar a Amazônia, com o nível de robustez realizado pelo Inpa, representa uma con-tribuição fundamental. Após 55 anos de contínua

atuação, há um conjunto de legados que impõem ao Inpa mais e mais responsabilidades. Cada pes-quisador que passou pelos laboratórios do Inpa-deixou contribuições marcantes para esse conjunto que incluem desde os estudos básicos sobre a fisio-grafia ambiental, os diferentes tipos de habitats, a dinâmica desses ambientes e sua diversidade biológica, a biologia dos animais, das plantas e dos microrganismos, a interação desses organis-

AmazôniaA pesquisa a serviço da

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Nessas cinco décadas e meia o Inpa con-quistou status no cenário científico a partir de um conjunto de contribuições, entre as

quais as primeiras descrições sobre o ambiente amazônico, sua riqueza biológica e sua dinamici-dade. Hoje, focado na Biodiversidade, Sociedade & Ambiente, Tecnologia & Inovação e Dinâmica Ambiental, os estudos desenvolvidos pelo Ins-tituto têm permitido intervenções mais seguras na região, bem como as bases para alternativas de inclusão social e geração de renda, sempre tendo como objetivo manter a floresta em pé. Em entrevista exclusiva para a Revista do Inpa, à repórter Leila Ronize, o diretor doutor Adal-berto Luis Val traça um panorama sobre a im-portância do órgão para a região e explica quais as ações desenvolvidas para levar à sociedade informações que garantam seu desenvolvimento.

No cargo de diretor desde maio de 2006, Adalberto Val é pesquisador do Instituo desde 1981 e autor de mais de 100 trabalhos em periódicos nacionais e estrangeiros; mais de 20 capítulos de livros. É associado a várias so-ciedades científicas nacionais e estrangeiras, no âmbito das quais organizou 13 eventos, sendo nove internacionais. Tem participado de várias comissões de trabalho no Brasil e no Exterior. Orientou mais de 60 alunos de Iniciação Científica e mais de 50 profissionais em nível de mestrado, doutorado e pós-dou-torado. Em 2000, na Inglaterra, foi incluído na Legião de Honra da Sociedade Americana

de Pesca, Seção de Fisiologia; em 2002, re-cebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mé-rito Científico e, em 2004, recebeu o “Prêmio Excelência” da mesma Sociedade Americana de Pesca em decorrência de sua contribui-ção científica na área de fisiologia e bioquí-mica de peixes. É bolsista de produtividade do CNPq. Em 2005 foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Em 2007 foi eleito Conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências para a Re-gião Norte. Em 2008 recebeu a Grande Ordem do Mérito Legislativo do Estado do Amazonas.

Raio X

mos entre si e com seus ambientes, as doenças tropicais, o efeito das modificações climáticas so-bre o ambiente, o homem da região, os impactos antrópicos sobre os delicados ambientes, novas tecnologias que proporcionam alternativas para melhorar os processos de inclusão social e geração de renda, fontes nutricionais alternativas, entre outros. Contudo, um dos mais importantes lega-dos, desde os seus primeiros dias, é a capacita-ção de pessoal em todos os níveis para as tarefas amazônicas. Há, sem dúvida, na mesma dimensão amazônica, um conjunto de desafios a vencer e, entre eles, a popularização da informação, de to-dos os tipos e para todas as instâncias sociais.

Revista do Inpa: Atualmente, o Inpa é referência mundial em Biologia Tropical. Que tipo de contri-buição o Instituto ofereceu à sociedade nessa área?

ALV: O Inpa conquistou esse status a partir de um conjunto de contribuições pretéritas, entre as quais as pri-meiras descrições sobre o am-biente amazônico, sua riqueza biológica e sua dinamicidade. Nos tempos idos da década de 1950 sabíamos muito pouco sobre as macro-características da região. Comparativamente, sabíamos tanto sobre esses aspectos amazônicos quanto sabemos hoje sobre o que vai escondido no nível molecular do mundo particular dos orga-nismos vivos existentes na Amazônia. Naquele mo-mento o Inpa ofereceu às sociedades amazônicas, americanas e mundial as informações básicas que permitiram o desenho dos projetos de pesquisas re-volucionários em desenvolvimento a partir daquele momento, e que têm possibilitado demonstrar de forma inequívoca a importância da Amazônia para o mundo, não só por sua diversidade, que vai mui-to além das cores e das formas, mas pelo papel que a floresta tem para redução dos efeitos am-bientais causados pela vida do homem moderno.

Revista do Inpa: O Inpa possui três nú-

cleos de pesquisas localizados nos Esta-dos do Acre, Roraima e Rondônia. Pode-mos explicar o papel destes núcleos e a relação deles com o Instituto, em Manaus?

ALV: A Amazônia ocupa uma área equivalente a cerca de 60% do território brasileiro. São nove

estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O volume de especificidades dos ambientes nes-ses diferentes estados não encontra similaridade nos demais ecossistemas equivalentes do mundo. A rigor, a Amazônia é comparável a poucas outras formações, como é a Antártida e o Fundo do Mar. O Inpa é um dos maiores Institutos do Ministério da Ciência e Tecnologia e, na Amazônia, com o ca-ráter de Instituto Nacional e da Amazônia, precisa procurar atender a demanda por informações rela-cionadas a todo o Bioma. É uma tarefa impossível, mas o INPA tem procurado expandir e consolidar estruturas por meio das quais pode ampliar as ações nos diferentes ambientes. Os três núcleos têm um papel fundamental para as ações do Instituto. Na atual administração temos procurado, com o deci-sivo apoio do MCT por meio da subsecretaria das Unidades de Pesquisas, consolidar esse papel, bem como expandi-lo para outras áreas da Amazônia,

como é o caso do escritório em Santarém e do Projeto Frontei-ras em São Gabriel da Cachoeira.

Revista do Inpa: Do ponto

de vista da pesquisa cien-tífica, como podemos esti-mar o local que esta ocupa no Brasil e no Amazonas?

ALV: O Brasil ocupa hoje uma posição invejável no cenário internacional no que se refere à produção científica. Ocupamos a décima terceira posição, à

frente de diversos competidores tradicionais. Essa produção é compatível com a representatividade da riqueza de nosso país. Contudo, esse momento só foi possível graças aos crescentes investimentos. É preciso, entretanto, ter em consideração que há uma clara percepção de que as decisões precisam estar calcadas em informações robustas, informa-ções essas que só a Ciência pode prover. Essa per-cepção, antecipada no seio da sociedade que pro-duz as informações, é encampada pelas instâncias responsáveis pela área de C&T do governo federal que passa a desenhar várias ações para estimular o avanço da ciência no país, incluindo nessas, a capacitação de pessoal em nível de pós-graduação. O Brasil passa a capacitar cerca de 10 mil doutores por ano e a incrementar de forma significativa a produção científica veiculada nos principais peri-ódicos científicos do mundo. Simultaneamente, os governos estaduais perceberam o poder da infor-

AmazôniaA pesquisa a serviço da

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“A pesquisa científica permite a consolidação da soberania. Só um país que se conhece é soberano”

mação. O exemplo da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) se difunde. No caso do Amazonas, há a implantação do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia que desempenha papel vital: cria as bases para a consolidação de um processo soberano para produção da informa-ção necessária ao desenvolvimento, inclusão social e geração de renda em nosso Estado. Além disso, está servindo de exemplo a outros Estados da re-gião que caminham a passos largos para implan-tação de seus sistemas estaduais de C&T e suas fundações de amparo à pesquisa. Assim, mais im-portante que a ampliação da participação do Esta-do do Amazonas na produção científica nacional, é a clara demonstração que é possível fazer Ciência de alto nível na Amazônia a partir de ações locais.

Revista do Inpa: A falta de recur-sos ainda é um dos maiores obstácu-los para o avanço da pesquisa no Brasil?

ALV: Nos últimos anos avan-çamos de forma significativa com relação ao financiamento público da Ciência e Tecnologia no Brasil. Novos agentes, além das tradicionais Agências fe-derais (CNPq, CAPES e FINEP), preocupados com a ampliação do financiamento da pesquisa lançam editais ou chamadas específicos. Também, vários os estados estruturaram seus sis-temas estaduais de Ciência e Tecnologia, tendo como braço operacional uma Fundação de Amparo à Pesquisa, como é o caso da Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa no Ama-zonas). Contudo, ainda temos um longo caminho até que nos alinhemos com os prin-cipais países do mundo e reduzamos os imensos desequilíbrios entre as diferentes regiões do nos-so país. Aliás, enquanto regiões como a Amazônia não tiverem condições adequadas para se conhe-cer cientificamente e, portanto, se mantiverem vulneráveis, será necessário expandir os inves-timentos. Nessa região, além dos recursos finan-ceiros para infra-estrutura e custeio, há necessi-dade de pessoal qualificado que se fixe na região.

Revista do Inpa: E como o Inpa vem re-solvendo o problema de falta de recursos para a pesquisa que, por ventura, aparece?

ALV: Nos últimos anos o Inpa foi significativa-mente bem-sucedido na busca de apoio para me-lhorar e consolidar a infra-estrutura institucional. Um amplo conjunto de ações para a recuperação de estruturas importantes para o trabalho de pes-quisa foi colocado em prática, graças aos recursos obtidos por meio de projetos elaborados pela ad-

ministração do Instituto. Além disso, os pesqui-sadores do Instituto, considerando a demanda por informações sobre a Amazônia, apresentaram projetos robustos junto aos muitos editais abertos pelo governo brasileiro. Também, o Instituto am-pliou a cooperação nacional e internacional, como exemplos vitoriosos, tanto no que refere à aquisi-ção de novo instrumental, como à ampliação da capacidade de processar e veicular a informação produzida. Contudo, há evidentemente ações que precisam ser desenvolvidas para que possamos me-lhorar ainda mais essa infra-estrutura ou acesso a ela. Entre essas ações estão aquelas relacionadas ao fortalecimento do quadro de pessoal que outro-ra forte e compatível com a demanda por informa-ções sobre a região, é hoje frágil e tímido perante os enormes desafios para produzir as informações necessárias para intervenções seguras na região.

Revista do Inpa: Quais as ações que o Inpa

tem desenvolvido para am-pliar o processo de divulgação da ciência para a sociedade?

ALV: O processo de divulgação de informações científicas não é um processo trivial se feito de forma adequada. Os diversos processos de difusão precisam ser respeitados integralmen-te para que se tenha sucesso. Um amplo atendimento requer formas diversas e diferenciadas de veiculação das informações. Isso demanda igualmente pro-cessos diversos para a decodifi-cação da informação científica, elaborada, primariamente, por cientistas valendo-se da lin-guagem regular de comunica-ção com seus pares, linguagem essa quase sempre hermética

e codificada relativamente às diferentes áreas do conhecimento. Assim, o processo de decodifica-ção requer a interação de profissionais experientes para acessar a informação, reorganizá-la e codificá-la de acordo com o público alvo. Assim, divulgar ciência, uma atividade vital no mundo moderno, requer conhecer-se de antemão a quem se destina o material que se vai divulgar. E não basta ter ape-nas uma informação superficial sobre esse público alvo. São necessárias informações sobre aspectos culturais, escolaridade média, interesses gerais e específicos, ambientes sociais, nível de informação sobre os assuntos que serão divulgados, entre ou-tros. É a partir desse conjunto de informações que o nível da interlocução é calibrado. Dessa forma, quando bem dimensionada, informações de todos os tipos interessam e podem ser divulgadas para a sociedade. A partir dessas premissas o Inpa tem procurado divulgar os resultados de seus trabalhos de pesquisas por meio de muitas ações que incluem

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“A Amazônia é comparável a poucas outras formações, como é a Antártida e o Fundo do Mar. O INPA precisa procurar atender a demanda por informações relacionadas a todo o Bioma”

desde visitas a setores da Instituição, como é o Bosque da Ciência, o Jardim Botânico, participa-ção em programas televisivos, rádio, palestras, cursos, transferëncia de tecnologias, oficinas, seminários até, mais recentemente, o lançamen-to da Revista de Divulgação Científica do Inpa.

Revista do Inpa: Quando se fala em flores-

ta, os olhos do mundo se voltam para a Ama-zônia e logo as pessoas começam a imaginar que aqui há a resposta para todos os males. Do ponto de vista científico, o que podemos apontar como solução que vem da floresta?

ALV: Os 55 anos de pesquisas do Inpa indicam claramente que sabemos muito pouco sobre a flo-resta e as intermináveis delicadas interações orgâ-nicas abrigadas em seu seio. Não há dúvidas que ao longo do processo evolutivo essas interações foram sendo moldadas para permitir a vida em sua integralidade a despeito das enormes pressões am-bientais e biológicas reinantes no ambiente ama-zônico. Essa característica associada a uma diver-sidade biológica sem paralelo no planeta permite digressões de que as saídas para todas as mazelas da hu-manidade estão escondidas na floresta amazônica. Com base no conhecimento que acumu-lamos, podemos dizer que o que sabemos sobre a floresta não permite nem dizer que es-sas digressões são verdadeiras nem que são falsas. Também como base nesse conhecimen-to, temos certeza que a flo-resta pode contribuir de forma espetacular com os processos de geração de renda e inclu-são social, sem necessidade de dizimá-la. Inves-tir nos processos de produção de conhecimento para poder estruturar de forma efetiva as cadeias produtivas é um dos caminhos. Também, as no-vas tecnologias, falo da biotecnologia e da nano-tecnologia, terão muito a contribuir no caso da Amazônia, pois poderão ajudar a estruturar novas alternativas para geração de renda. A diminuição dos conflitos com relação a dicotomia: manter a floresta em pé e gerar renda, só será possível com a geração dessas alternativas. A Ciência e a Edu-cação são os únicos caminhos possíveis para isso.

Revista do Inpa: Atualmente, o Inpa vem pas-

sando por um processo de reavaliação e reor-ganização. Quais resultados podemos esperar?

ALV: O fazer científico é uma atividade dinâmi-ca. Por um lado impõe ao cientista um olhar sem-pre a frente de seu tempo e alinhado com as mais recentes tecnologias e, em alguns casos, com as tecnologias que serão utilizadas amanhã. Por outro lado, impõe às instituições um contínuo repensar e reorganizar e às agências de financiamento, uma

profunda discussão para escolher caminhos, defi-nir interesses e metas para selecionar as melho-res propostas para viabilizar os produtos. É uma evolução contínua, fazendo cada dia diferente, sem monotonia. Contudo, o fazer científico é uma atividade social e, portanto, é salutar reunir os profissionais e colocá-los frente a frente com os desafios pensados por cada um para que, sem ab-dicar do livre pensar, possamos alinhar os fazeres com as metas institucionais e com as demandas da sociedade. A Amazônia ocupa, como disse, uma posição de destaque no cenário mundial. Qualquer intervenção segura requer informações diversas cuja produção requer ações coordenadas e inte-rações entre os diferentes grupos de pesquisas.

Revista do Inpa: Ao completar 55 anos o Inpa está focado em quatro pautas: tecnologias, biodiversidade, a relação saúde-homem-meio ambiente e, estudos relacionados aos serviços ambientais e a problemática das mudanças climá-ticas. De que forma o Instituto vem trabalhando nessas grandes áreas e qual a importância desse

trabalho para a sociedade?ALV: Permita-me assinalar

os quatro focos institucionais: Biodiversidade, Sociedade & Ambiente, Tecnologia & Ino-vação e Dinâmica Ambiental. A definição deles está se dando num momento especial de nos-sa instituição e busca reduzir as distâncias entre setores institu-cionais que lidam com aspectos relacionados ou co-relaciona-dos, mas que não apresentam uma interlocução efetiva. Apro-ximando esses setores busca-

mos explorar interfaces e melhorar a produção de informações sobre a Amazônia, permitindo aprovei-tar melhor os esforços. Ao longo de seus 55 anos o Inpa estruturou e consolidou diversos grupos de pesquisas, hoje cadastrados no banco de grupos de pesquisas do CNPq, que estudam diversos aspectos relacionados a esses focos. Os estudos pretéritos e presentes desenvolvidos por esses grupos têm per-mitido intervenções mais seguras na região, bem como as bases para alternativas de inclusão social e geração de renda com a manutenção da floresta em pé, tendo em vista que o atual estágio de de-senvolvimento das sociedades impõe uma pressão sem precedentes sobre os recursos naturais, em particular aqueles existentes nos países em desen-volvimento. Contudo, é vital expandir a capacidade de produção de tais informações, em particular por meio da fixação de pessoal qualificado na região.

Revista do Inpa: Qual a importân-cia do incentivo à pesquisa para um país?

ALV: A pesquisa científica permite a consolidação da soberania. Só um país que se conhece é soberano.

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“Há uma clara demonstração de que é possível fazer Ciência de alto nível na Amazônia a partir de ações locais”

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> Por Tabajara Moreno

céuA solução que vem do

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Um equipamento portátil, movido a energia solar e capaz de desinfectar por hora até mil litros de água poluída, sem gerar ne-

nhum resíduo nocivo ao meio ambiente, pode ser um forte aliado na geração de água potável para comunidades Amazônicas. Em muitas delas, a au-sência de saneamento básico, energia elétrica e a inexistência de um sistema público de saúde que atenda as condições mínimas da população, acaba criando um cenário tenebroso para os moradores.

O equipamento, que foi batizado de Água Box,

funciona de maneira simples, a partir dos mes-mos princípios usados há mais de 60 anos em outros equipamentos que fazem purificação de água por meio da radiação ultravioleta (UVC). O processo é o mais antigo e natural que exis-te. Dentro do equipamente a água contamina-da é submetida à purificação pela UVC gerada artificialmente por uma lâmpada de vapor de mercúrio. Os raios UVC penetram o corpo dos microorganismos maléficos, presentes na água, atacando e destruindo a estrutura do DNA des-tes. Depois da ação, a água fica livre de ger-mes e bactérias e boa para o consumo humano.

A adição da energia solar a esse processo foi uma inovação do pesquisador do Laboratório de Energia Solar Renovável do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Roland Ernst Vet-ter. Mas o idealizador do Água Box não pensava em criar o equipamento até um breve contato com o pastor evangélico Walter Sass, que presta assistência aos índios Deni, da comunidade Mo-rada Nova, localizada no município de Itamara-ti, distante 1500 km de Manaus em linha reta.

Na conversa, que aconteceu no fim de 2007, Vetter perguntou ao pastor se a comunidade te-ria interesse em receber uma máquina de seca-

gem solar de madeira desenvolvida pelo Inpa, mas Sass contou que a maior dificuldade enfren-tada na comunidade era o acesso à água potá-vel. O problema pode ter sido responsável por uma tragédia ocorrida no início de 2004. Na-quele ano, onze índios, dentre eles cinco crian-ças, morreram vítimas de vômito e diarréia.

Vetter assumiu o desafio de idealizar um equipamento que pudesse, sem muitos recur-sos, gerar água potável em condições extrema-mente remotas. Mas engana-se quem pensa que o processo foi fácil. O pesquisador conta que

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O equipamento consegue tratar

400 litros de água a cada hora, mas com reatores de

potência mais elevada, será

possível desinfectar até mil litros por

hora

demorou mais ou menos um ano para chegar ao Água Box. “Aperfeiçoamos o projeto duran-te um ano até levarmos à comunidade”, conta.

Antes instalar o primeiro protótipo do Água Box na comunidade Morada Nova, em dezembro de 2008, o pesquisador fez um teste, um mês antes, no lago amazônico do Bosque da Ciência do Inpa para verificar se a água saída do apare-lho era realmente potável. Altamente contami-nada por excrementos de peixe-boi, tartarugas, peixes, pássaros e outros animais, a água do lago foi bombeada até a caixa d’água da estação experimental de purificação do Água Box para verificar se o equipamento era capaz de desinfectar a água.

O pesquisador conta que coletou três amostras dis-tintas de água para verifi-car o nível de contaminação microbacteriana. Uma das amostras foi coletada direta-mente do lago, a outra da água filtrada e, por último, uma amostra da água saída do Água Box. O resultado foi animador. “Submetemos as três amostras a meios de cultura pré-bacteriana para comprovar o grau de limpeza ou poluição. A combinação mostrou que a água tratada no Água Box é totalmente limpa”, relata Vetter.

Praticidade

A estação de tratamento é compacta, cabe

em uma mala. Essa estação é composta por uma mangueira que leva a água até a caixa, uma bomba de sucção ligada a dois painéis sola-res de 80W cada, uma bateria de 12 volts para armazenagem da energia solar, uma lâmpada de 11w – que emite a luz ultravioleta, o filtro para reter as partículas grandes, o reator Purion 500 e um painel solar com 50W de potência.

Nessas condições, o equipamento consegue tratar 400 litros de água a cada hora. Mas com

reatores de potência mais elevada, o pesquisador afir-ma que é possível desinfec-tar até mil litros por hora. “Ao criar o equipamento, nosso foco era fazer algo compacto que pudesse ser aplicado, sem grandes di-ficuldades na comunidade dos Deni, mas existem rea-tores com capacidade mais elevada. Já prevemos, com uma firma na Alemanha, um sistema que filtra mil

litros por hora. Como trabalhamos com ener-gia solar de 12 volts, não podemos exagerar. Com energia comum, o sistema quase não tem limite de desinfecção”, fala o pesquisador.

Para ele, além de ser útil às comunidades pe-quenas, a atual formatação do Água Box pode ser usada pelo Exército Brasileiro nas operações de selva, por grupos que realizam excursões na re-gião amazônica, como também pode ser utilizado pelas embarcações de pequeno e grande porte.

Sem deixar resíduos no meio ambiente, o equipamento desinfecta, através da energia solar, até mil litros de água por hora

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Equipamento garantirá água potável aos índios Deni na comunidade Morada Nova, localizada no município de Itamarati

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A expectativa do pesquisador é de que a máqui-na chegue logo ao mercado produtivo. “Estamos procurando uma empresa para produzir. Entramos em contato com uma empresa alemã. Em julho ou agosto vamos montar uma caixa pronta para que o equipamento possa ser produzido e comerciali-zado”, fala Vetter. A máquina, juntamente com a

placa de energia solar e o sistema de bombeamen-to de água, custa, aproximadamente, R$ 8 mil.

O pesquisador estima ser ainda mais baixo, o custo para a manutenção do equipamento, algo em torno de R$ 200, o equivalente a tro-ca semestral da lâmpada e do filtro de água.

A estação é composta por uma mangueira, uma bomba de sucção ligada

a dois painéis solares de 80W cada, uma bateria de 12 volts, uma lâmpada de

11w, filtro para reter as partículas grandes, reator Purion 500 e painel solar

com 50W de potência

De acordo com uma pesquisa desenvolvida na Coordenação de Clima e Recursos Hídricos do Inpa, entre abril de 2004 e setembro de 2006, 80% das águas dos igarapés que entrecortam a cidade de Manaus estão comprometidas pela poluição do es-goto urbano despejado diretamente no leito dos igarapés. Os outros 20% representam as nascen-tes das três bacias que ainda estão preservadas.

O tipo de sistema de desinfecção de água, usado pelo Água Box, pode ser aperfeiçoado para o tratamento do esgoto antes dele ser despejado nos igarapés. Para que isso ocor-ra, o pesquisador Roland Ernst Vetter conta que basta a água ser filtrada e as partículas sólidas retiradas antes de entrar no aparelho, pois a luz ultravioleta não consegue agir se a água for turva. Com 80% de transparência, a luz UVC já consegue agir de maneira eficaz.

“Investir em equipamentos que tratam o es-goto, antes dele ser introduzido no meio ambiente, é uma forma de economizar ver-ba pública”, afirma Vetter. A recuperação do Tietê, em São Paulo, já custou mais de US$ 2,6 bilhões aos cofres públicos. Com algumas adaptações, o Água Box pode re-duzir os impactos ambientais e financeiro, já que um equipamento capaz de filtrar até mil litros de água por hora custa em tor-no de R$ 8 mil, e R$ 200 para manutenção.

O experimento de Vetter vem solucionar uma prática pouco consciente: não basta ao homem tratar apenas a água que ele conso-me e não se preocupar com o destino e a qualidade da água que ele despeja no meio ambiente. Essa prática egoísta é a maior res-ponsável pela poluição dos recursos hídricos.

Pesquisa indica que 80% das águas dos igarapés de Manaus estão comprometidas

transforma

Tudo começa com um barulho alto, que ge-ralmente pode ser ouvido de longe na mata. Depois vem outro barulho, o das correntes

pontadas da motosserra cortando o tronco e logo a árvore vem abaixo. Serra, derruba, serra de novo, transporta, mede e depois vende. Em poucas pala-vras é esse o processo que a madeira sofre para ser beneficiada, mas nessa engrenagem, assim como em todo o sistema capitalista, há falhas no que podemos chamar de “linha de produção” flores-tal, e esses “equívocos” refletem diretamente na questão ambiental, principalmente na Amazônia.

O comércio da madeira tem duas faces: uma legal, onde ela é manejada e há toda uma preo-

cupação com o meio ambiente e a outra que es-tampa as páginas dos jornais do mundo todo, o desmatamento. Quando falamos na segunda face, estamos falando também de uma práti-ca econômica devastadora, seja ela feita tan-to por pequenos produtores, quanto por gran-des latifundiários, incluindo muitos políticos.

E é justamente na missão de incentivar a bus-ca de novas tecnologias para aproveitar ao má-ximo um recurso extremamente finito, que en-tram os projetos desenvolvidos pelo laboratório de Engenharia de Artefatos de Madeira (LEAM) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô-nia (Inpa), coordenado pela doutora Claudete Catanhede. Em 2000, com aprovação do projeto “Características tecnológicas de árvores tropicais

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No Inpa nada se perde tudo se

> Por Daniel jorDano

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Os projetos desenvolvidos pelo laboratório de Engenharia de Artefatos e Madeira de missão de aproveitar, ao máximo, os recursos finitos

FOTOS: TABAJARA MORENO

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por método destrutivo e não destrutivo”, e em 2002 com o projeto “Aproveitamento de Resídu-os Madeireiros para fabricação de Produtos Apli-cando o Princípio da Modularidade”, foi possível verificar se realmente seria possível concretizar as idéias, através da aquisi-ção de equipamentos neces-sários para a implementação.

De acordo com a pesquisa-dora, por cada tora de madei-ra extraída, cerca de 70% do material são perdidos durante o processo que vai do cor-te até a serraria. “Não levam em consideração a qualidade da madeira, se ela é oca por dentro o que é característica de algumas espécies e grande parte dessa madeira é perdi-da no corte. Todo resíduo, se transformado e reaproveitado, gera em torno de R$ 2,5 mil, tudo isso desperdiçado por falta de conhecimento téc-nico’’, afirma a pesquisadora.

Além de divulgar novas

tecnologias embasadas no conhecimento científico, o projeto de reaproveitamen-to de madeira (neste caso madeira certificada), serve também como al-ternativa econômica para quem participa dos projetos. Agendas, peças decorativas, brin-quedos, porta-retratos, escrivaninhas e mesas, tudo produzido com resíduos seguindo a má-xima de Lavoisier (e por que não dizer da flo-resta) onde nada se perde, tudo se transforma.

Neste novo processo, o que antes era desperdiça-do, como grande parte das chamadas madeiras brancas, quando “misturadas” com ou-tros tipos de madeira torna-se um material de alta qualidade. “Hoje tem uma empresa de pi-sos no Puraquequara que já uti-liza algumas técnicas”. A partir dos estudos feitos, pode ser ana-lisada a qualidade e a toxidade do material, além de verificar a apli-cação da matéria-prima envolvida.

O Inpa desenvolve de forma pioneira os projetos de tecnologia da madeira. De acordo com Claudete Catanhede, os projetos desenvolvidos também atingem a área social. “O primeiro projeto come-çou pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-

mento Científico e Tecnológico (CNPq), no mesmo segmento da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). No sentido de aplicação dos conheci-mentos vieram outros dois de inclusão social: dos instrumentos musicais realizado no bairro Arman-

do Mendes e outro financiado pela Fapeam em Novo Airão”.

A criação

O trabalho de transformar simples pedaços de madeira em artigos decorativos, agen-das e até móveis, envolve além das técnicas um pouco da personalidade do marce-neiro, ou porque não dizer do artesão. Neste trabalho, que vai da seleção ao acaba-mento, há todo um processo artístico a ser desenvolvido por Ednelson Martins, que trabalha no Laboratório de Tecnologia da Madeira do Inpa. “A gente vai fazen-do, aproveitando a madeira que antes não tinha valor”.

Em um processo convencional

do beneficiamento da madeira não é possível confeccionar, por exemplo, uma porta com

mais de oito tipos diversos de madeira. As diver-sas peças produzidas pelo laboratório são únicas, segundo Claudete Catanhede. “O bolsista ideali-zou aqui com arte e um detalhe inovador”, disse.

Novas tecnologias embasadas no conhecimento científico servem como alternativa econômica para quem participa dos projetos do INPA, que utilizam resíduos de madeiras certificadas na produção de agendas, peças decorativas, brinquedos, portas retratos, escrivaninhas e mesas

Para ampliar o alcance da difusão dos conhe-cimentos gerados, comunidades do interior do Estado devem receber treinamento para melho-rar o reaproveitamento da madeira. Para Jaime Batista, que também trabalha no laboratório, os cursos funcionam como forma de conscienti-zação ambiental. “Espero que a comunidade de-senvolva um bom trabalho, o objetivo é esse. O que acontece é que eles usam os resíduos para transformar em carvão, jogar nas ruas, e o nos-so projeto é reaproveitar tudo”, disse o artesão.

Na maioria das comunidades, já existe alguma

atividade econômica ligada à madeira, o proje-to deve agregar valor à produção local de forma a aumentar a renda e, ao mesmo tempo, dimi-nuir os impactos ambientais, ou seja, ensinar o uso racional de um recurso que, apesar do ta-manho da Amazônia, está cada vez mais finito.

Claudete Catanhede (a esquerda) lembra que o reaproveitamento da madeira serve como altenativa economica para que participa dos projetos

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Quem nunca um dia, quando criança ou até mesmo adulto, admirou o som produzido pelo violão? O instrumento, que há séculos des-perta o interesse de muitos e, de certa forma, é adaptado a cada localidade do planeta, é in-dispensável em vários arranjos musicais e mui-tos talentos da música fazem dele um ícone.

O instrumento é geralmente caro, pois para pro-duzi-lo é preciso ter cuidado desde a escolha até o corte da madeira, uma vez que ela interfere di-retamente no som. Para muitos o preço impede a compra de um violão profissional, ou seja, aquele de madeira tradicional que pode custar de R$ 2 mil a US$ 80 mil. Dentre os projetos realizados pelo Inpa, por meio do laboratório de Engenharia de Ar-tefatos de Madeira, há um que ocupa posição de destaque no quesi-to social e vai tra-balhar justamen-te com o violão.

A partir do Pro-jeto Artefatos com madeiras certifica-das da Amazônia Empreendedorismo e Comercialização, um grupo de pes-soas começou a produzir em uma oficina no bairro Armando Mendes, zona Leste de Ma-naus, violões pro-fissionais feitos de madeira manejada. Os instrumentos são confeccionados com madeira de es-pécies da região, o que dá uma carac-terística própria, um violão com som da Amazônia.

A Lutheria, ou seja, a arte de produzir instrumen-tos, é desenvolvida por Edson Silva e uma equipe de trabalhadores que aprenderam a aliar conheci-mento técnico ao científico para produzir violões de excelente qualidade a um preço acessível. “Nós participamos do curso lá no Inpa e de lá nós tra-balhamos como bolsistas do CNPq e, posterior a isso, montamos uma micro empresa e nos inscre-vemos no projeto, e aí começou o trabalho”, disse.

Saber que tipo de madeira usar, como e onde usar, foi fundamental para criar o novo negó-cio. Segundo Silva, entender questões como densidade da madeira, por exemplo, garante

qualidade e assim conquista o mercado. “O vio-lão é confeccionado com várias madeiras e cada uma tem sua densidade. Saber disso ajuda a or-ganizar a produção, diminuindo o tempo e con-feccionando instrumentos viáveis”, comenta.

Após as dificuldades na criação, a pequena em-presa (que também trabalha com peças decorati-vas) atende pedidos sob encomenda. De acordo com Jean Dantas, que trabalha no local, o conhe-cimento científico permitiu a viabilidade do negó-cio. “Em alguns produtos como a madeira, você tem que conhecer sua estrutura, para poder tra-balhar, o Inpa e esse projeto viabilizaram isso”.

Os violões amazônicos têm chamado a atenção pelo preço menor e pela qualidade. Apesar disso,

ainda há uma certa barreira devido ao costume dos músicos em usar o instrumento feito de madeira tra-dicional. Barreira essa que será transposta quando músicos da orquestra de violão do Amazonas fizer uso dos instrumentos regionais. “A última palavra é do músico, quando ele toca e sente o violão, descobre que é bom e não deixa a desejar para nenhum outro violão de madeira tradicional”, declarou Dantas.

Um livro falando sobre a arte de confeccionar violões na Amazônia com madeira manejada e seus desafios deve ser laçado em breve. Este trabalho envolve ainda a transferência de tecnologia, em que o grupo realiza ações em uma comunidade de Presidente Figueiredo, interior do Amazonas, fe-chando assim o ciclo entre ciência e comunidade.

Os violões amazônicos têm chamado a atenção pelo preço menor e pela qualidade do produto

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O som que vem da madeira amazônica

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Cohn-Haft durante uma expedição em busca de um tipo muito raro de ave noturna, o urutau-de-asa-branca (Nyctibius leucopterus)

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Ao todo são conhecidas hoje cerca de 1.300 espécies de pássaros na região amazôni-ca, o bioma com a maior biodiversidade

do mundo. O biólogo Mário Cohn-Haft conse-gue diferenciar a maioria ouvindo-as cantar. Há mais de 20 anos, o norte-americano saiu da ci-dadezinha de Williamsburg e veio para Manaus para conhecer os pássaros da floresta tropical.

Atualmente Cohn-Haft é pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Ecologia e curador da Coleção de Aves do Instituto Nacional de Pes-quisas da Amazônia (Inpa). A carreira do homem que gosta de ouvir os pássaros começou no mesmo Instituto, como estagiário. Ou talvez antes disso, nas florestas típicas da região dos Estados Unidos chamada ‘Nova Inglaterra’.

Em nosso primeiro contato, pelo telefone, cheguei a du-vidar que estava falando com o pesquisador certo, pois a voz do outro lado da linha apresentava um português perfeito. A sensação passou quando, durante a entrevista, o pesqui-sador falou sobre a infância nas florestas de Massachusetts. “Bom, desde pequeno eu tinha o hobby de observar pássaros, mas não tinha certeza se eu iria trabalhar com isso”, revela.

Outra paixão que também esteve presente desde sua infância foi a música. Tanto é que o curso de biologia no Darmouth College foi iniciado junto com o de música na mesma Instituição. A dúvida entre as opções de gra-duação era grande. “Meus amigos brincavam muito que eu podia ser um biólogo que tra-

balhasse com canto de passarinhos. Eu ficava chateado, achava que era uma brincadeira de mal gosto”, relembra. Mal sabia Cohn-Haft o quanto o ouvido musical lhe seria útil, ajudan-do a apreciar e discernir o canto dos pássaros.

Enquanto não se decidia, o então graduando se dedicava à observação de aves na reserva florestal do College, chegando a ser o guia de excursões que constavam no calendário aca-

dêmico, uma lembrança re-velada de forma nostálgica.

Cohn-Haft escreveu um li-vro sobre a avifauna da re-gião para observadores de pássaros leigos, pesquisado-res e pessoas que trabalha-vam na reserva. O material não serviu como trabalho de conclusão do curso (que não é obrigatório nas gradu-ações norte-americanas) por não testar nenhuma teoria científica, mas foi publica-do pela universidade para celebrar a biodiversidade da floresta e encorajar seu uso para algum fim que não fosse a exploração madeirei-

ra. Nesse primeiro estudo o biólogo já uniu as linhas de pesquisa às quais se dedicaria pelo resto da vida: a ecologia de aves e a aprecia-ção da natureza como forma de conservação.

Conhecendo a Amazônia

Habituado à biodiversidade do local onde nasceu, o primeiro contato de Cohn-Haft com a floresta tropical foi durante a faculdade, numa disciplina chamada Ecologia Tropical. “Essa matéria era ministrada na Costa Rica e no Pa-namá, mas por professores do Darmouth Colle-ge. Eu me apaixonei pelo assunto”, relembra.

Mostre-me como tu cantas... e eu te direi o que és> Por HeManuel jHosé

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O ambiente dentro da floresta é tão específico e singular que as espécies que habitam nele são especialmente vulneráveis ao desmatamento, por não terem como se adaptar a outras condições

A oportunidade de conhecer a Amazônia só sur-giu após a faculdade, por meio de uma vaga de estágio como anilhador de pássaros, que nada mais é do que a pessoa que marca os pássaros com anilhas para acompanhar seus movimen-tos e medir sua longevidade, pelo Projeto Di-nâmicas Biológicas de Fragmentos Florestais (PDBFF) do Inpa. O estágio era apenas de seis meses, mas o interesse de Mário e a proposta de cumprir funções que até então ninguém tinha feito dentro da equipe prolongaram esse período como estagiário para três anos.

E que época para participar de pesquisas no Inpa! Muitos dos contemporâneos de estágio do americano tornaram-se, como ele, pesqui-sadores no instituto: Paulo Mauricio A l e n -castro, Niwton Leal Filho e Rita Mesquita (que mais tarde casou-se com Cohn-Haft) hoje trabalham na Coordenação de Pesquisas em Ecologia. José Luis Camargo é o atu-al coordenador científico do PDBFF. Wilson Roberto Spironello está na Coor-denação de Pesquisas em

Silvicultura Tropical e Carlos Francis-

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atualmente curador do Herbário do instituto.

Outros desses estagiários não permaneceram no Inpa, mas continuam atuando na área, como Eduardo Venticinque, colaborador do institu-to e ecólogo da Wildlife Conservation Society, Sérgio Borges que hoje é pesquisador na Funda-ção Vitória Amazônica, Andrew Whittaker, que dirige uma empresa de turismo de observação de aves em Manaus e Leandro Valle Ferreira colaborador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Enquanto permaneceu no estágio, Cohn-Haft conheceu melhor as aves da Amazônia e so-nhava com o dia em que se tornaria guia turís-tico. “Eu pensava que seria o emprego ideal: seria bem pago para conhecer novos lugares e ouvir canto dos pássaros!”, recorda. Mas ao longo desses três anos o biólogo se interes-sou em definitivo pela pesquisa e a partir dali

manteve-se como colaborador do Inpa, seja como pesquisador da casa ou visitante.

Segundo o pesquisador, um dos seus grandes estímulos para pros-

seguir nos estudos eram algumas idéias equivocadas da litera-tura científica sobre a fauna amazônica. “Naquela época os autores tratavam a Amazônia como uma mera extensão da

floresta tropical encontra-da na América Central.

Até hoje, por exemplo, autores de outras re-

giões escrevem que as aves da flo-

r e s -20O papa-formiga-barrado (Cymbilaimus lineatus) também é uma ave do interior da floresta

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O chorozinho-de-costas-manchadas (Herpsilochmus dorsimaculatus) só vive na copa das árvores

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ta tropical se reproduzem no come-ço das chuvas, quando na Amazônia é na época seca”, reclama o pesquisador.

No mestrado o orientador de Cohn-Haft foi Thomas Sherry, que já havia lhe dado aula na graduação. O programa de pós-graduação em Ecology Evolution And Organismal Biology da Tulane University, foi um retorno aos livros e estudos. Sob tutela de um orientador que tam-bém já tinha vindo à floresta tropical, foi fá-cil para o biólogo trabalhar os conhecimentos adquiridos da experiência como estagiário. “Eu senti um estímulo muito grande, pois ele acre-ditava que eu tinha como contribuir”, afirma.

O trabalho falou sobre a especialização de dieta de aves da floresta tropical, uma idéia su-gerida pelo orientador. “A idéia é que o estilo de vida de aves que habi-tam o interior da floresta é muito diferente das es-pécies que ocupam as co-pas das árvores. Enquan-to as aves da copa lidam com alterações de clima e muito sol, as do interior sempre têm um ambiente estável, úmido e escu-ro”, explica Cohn-Haft.

Segundo o pesquisador, o ambiente dentro da flo-resta é tão específico e singular que as espécies que habitam nele são es-pecialmente vulneráveis ao desmatamento, por não terem como se adaptar a outras condições.

A idéia para uma tese de doutorado surgiu durante a pesquisa de campo do mestrado, ba-seada numa curiosidade do pesquisador. “Eu comecei a perceber como o canto de algumas espécies conhecidas mudava de acordo com o lado dos grandes rios aonde eu as escutava”, relembra. Cohn-Haft tinha lido sobre o padrão de dispersão das espécies amazônicas e da importância dos grandes rios que separam es-sas. Mas nunca tinha ouvido falar que o can-to da espécie mudava de acordo com a região.

“O mais impressionante é que em alguns casos

os espécimes eram iguais, mas não cantavam igual, algo que não é perceptível aos olhos”, ob-servou. O fato inquietou Cohn-Haft, pois o can-to de uma espécie é fruto de muitas gerações de isolamento reprodutivo. “Eu escolhi estudar es-pécies de ampla dispersão pela Floresta Amazô-nica onde eu já sabia discernir de ouvido de que região vinha. Provavelmente ninguém percebeu antes que os cantos eram diferentes”, explica.

Com o fim da pesquisa, Cohn-Haft chegou a conclusão que os pássaros que cantavam dife-rente eram na realidade de espécies diferentes, apesar de fisicamente idênticos. “Ou seja, se a Amazônia já é o bioma com maior diversidade que nós conhecemos, o resultado da minha tese indica que nós subestimamos muito a quantida-de de espécies existentes na floresta”, afirma.

A missão de quem entende a floresta

Para o biólogo as implicações da comprova-ção de sua tese tornam mais incompreensível o desinteresse da população local pela floresta. “As pessoas parecem não entender a singulari-dade da Amazônia! É como se alguém que gos-tasse de futebol tivesse descoberto um jovem com muito potencial para o esporte, mas não

consegue fazer com que as outras pessoas vejam isso, inclusi-ve as que mais têm o que ganhar com esse potencial”, compara.

Segundo ele, os pes-quisadores têm a mis-são de fazer com que o mundo veja a im-portância da floresta. “Se o Inpa tem uma missão maior, é a de fazer com que o mun-do todo veja como essa região é rica. Fa-zer as pessoas enten-derem que um ano de

sucesso de uma plantação de soja não se com-para à riqueza em biodiversidade que demorou milhares de anos para se constituir”, pondera.

Ao ser questionado sobre a atuação da Ins-tituição na qual começou a trabalhar como es-tagiário, Cohn-Haft afirma que é muito estra-tégico ter o Inpa no meio da Amazônia, mas explica que ainda há muito o que fazer. “Nós estamos falando de uma área de tamanho conti-nental com apenas dois institutos de pesquisa: o Inpa e o Goeldi. É muito pouco. Por isso é que tentamos ao máximo atingir o público leigo da região. Somente assim o meu grupo, meus colegas e o nosso instituto, o Inpa, conseguire-mos influenciar o futuro da Amazônia”, afirma.

Ao final da entrevista a paixão do pesquisador ‘gringo’ pela Amazônia é visível. “Fora as forma-lidades, eu me sinto um manauense. Manaus é a única cidade brasileira que eu já vivi. Daqui a uns dois anos eu já vou ter passado metade da minha vida aqui e não tenho nenhuma vontade de morar em outra cidade ou lugar”, declara o americano.

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THIAGO ORSI

Uma das espécies estudadas no doutorado do pesquisador Mario Cohn-Haft foi a maria-sebinha (Hemitriccus minor)

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O biólogo revelou que está participando da ela-boração de um site junto com Rolf de By, do In-ternational Institute for Geo-Information Science and Earth Observation (Holanda), Catherine Be-chtoldt, ex-bolsista da Rede Geoma no Inpa, Lau-rindo Campos e Kleberson Serique, ambos do Nú-cleo de Biogeoinformatica do Inpa. O site vai se chamar O Ornitólogo Automático, e disponibilizará informações de pássaros de toda região amazônica.

“A navegação será realizada através de mapas, nos quais os usuários poderão acessar listas de espécies de aves de qualquer região clicada”, ex-plica Mario Cohn-Haft. O projeto conta com fi-nanciamento do Programa de Pesquisa em Biodi-versidade e da Rede Geoma. Para os interessados em ouvir pássaros cantando, o pesquisador indica o Xeno-Canto (www.xeno-canto.org), um site que já está em funcionamento com registros de aves de toda América e o WikiAves (www.wikiaves.com.br) para ver fotos fantásticas de aves brasileiras.

Outra indicação para os interessados em pás-saros é a coletânea Vozes da Amazônia, que reúne cantos de 340 espécies de pássaros da região ao norte de Manaus. O material foi ela-borado por uma equipe composta por Cohn-Haft, Luciano Naka, Philip Stouffer, Curtis Ma-rantz, Andrew Whittaker e Rob Bierregaard.

A coletânea foi produzida pela Editora Inpa, com design gráfico de Tito Fernandes. A primeira tiragem foi custeada na íntegra pela ONG Con-servação Internacional – Brasil e vinha acom-panhada de um encarte de 40 páginas bilíngüe.

Site disponibilizará informações de pássaros da Amazônia

EDUARDO WIENSK / ACERVO GEOMA

MARION ADENEY / ACERVO GEOMA

O pesquisador no trabalho de campo em uma área de campina no interflúvio Madeira-Purus, área de influencia da BR-319, em 2007

Interflúvio Madeira-Purus, 2007, gravando observações de manhã cedo no campo

Foi-se o tempo em que os igarapés de Ma-naus eram considerados cartões-postais da cidade. Se há décadas esses locais eram

bastante procurados seja para o lazer nos fins de semana, para a prática da pesca como for-ma de garantir o sustento das famílias (ou mesmo por pura diversão), seja como fonte de água limpa para a lavagem de roupas, o ce-nário atual é completamente adverso. Estudos recentes sobre a qualidade da água de igarapés da área urbana e rural da capital amazonen-se realizados por membros da Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos (CPCR), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô-nia (Inpa), dão conta de uma triste realida-de: os igarapés de Manaus estão se transfor-mando em verdadeiros esgotos a céu aberto.

Durante os trabalhos em campo, foi cons-tatado alto nível de poluição de segmentos de igarapés situados na área urbana da cidade. A micro bacia hidrográfica do Tarumã-açu, situ-ada na zona Oeste de Manaus, é um exemplo dos efeitos da urbanização sobre os recursos hídricos. Formada por uma rede de drenagem de corpos d’água de diferentes magnitudes, a micro bacia estende-se desde a zona rural até a urbana, com a água apresentando diferentes níveis de qualidade ao longo dessa trajetória.

A pesquisa constatou que os segmentos de iga-rapés que compõem a micro bacia hidrográfica e estão localizados na área rural possuem caracterís-ticas naturais, ou seja, índice de poluição pratica-mente zero, enquanto aqueles situados em áreas urbanizadas, como é o caso do igarapé da ponte da Bolívia, onde fica localizado o balneário de

O igarapé de São Raimundo tem acumulando lixo desde o início da cheia. Ele foi objeto de estudo da CPCR, do Inpa

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Igarapésse transformam em esgotos a céu aberto

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Por lisangela CosTa

CAROLINE RIBEIRO

mesmo nome, transformaram-se em depositários de poluentes, inclusive substâncias orgânicas.

Mesmo com a degradação avançada desses locais, ainda é possível estagnar esse processo. De acordo com a doutora em Energia Nuclear na Agricultura e coordenadora da CPCR, Hillân-dia Brandão, é preciso obedecer as leis ambientais que regula-mentam toda e qualquer ativi-dade ao longo de rios e igara-pés. A pesquisadora comenta sobre a necessidade de evitar o lançamento de efluentes domésticos e/ou industriais nos leitos de rios e igarapés e de implantar estações de tratamento de água.

Outro passo importante para evitar a total degradação da rede hidrográfica é trabalhar na recomposição da mata ciliar (formação vegetal localizada nas margens dos corpos d’água, ou seja,nascentes, córregos, rios e lagos) mediante a dragagem e retirada do sedimento comprome-tido do igarapé. Por último, segundo a coordena-dora, é necessário investir na educação ambien-tal e sensibilizar as pessoas para o fato de que a água é fonte natural de vida e que por isso, deve ser preservada. “É preciso reeducar o modo de pensar das pessoas sobre o meio em que vivem, chamando a atenção para o fato de que elas (as pessoas) fazem parte do meio, mas o ambiente não lhe pertence”, afirma Hillândia Brandão, res-saltando também que defende a retirada da po-pulação ao longo das margens de rios e igarapés.

O estudo integrou a série de pesquisas com o ob-jetivo de caracterizar a qualidade da água de mais

de 30 igarapés da área urbana e rural da cidade de Manaus e ar-redores, incluindo a investiga-ção de organismos aquáticos. Os resultados podem servir para subsidiar ações de planeja-mento para a classificação das águas amazônicas em adequa-das ou inadequadas quanto ao seu uso para o consumo huma-no, em atividades econômicas, como agricultura, agropecuária e pesca, e ainda visando ao lazer. Também podem ser uti-

lizados como indicadores de ocupação do solo.

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O grupo de pesquisadores que integra a CPCR atua em outras áreas, com relevantes contribui-ções para o avanço do conhecimento. No âmbito da Micrometeorologia/Climatologia, destaque para a formação de banco de dados de mais de 40 anos sobre as variáveis climáticas em flores-ta de terra firme e caracterização da arquitetu-ra da floresta natural, utilizando-se de perfis de radiação solar no interior da vegetação. Confor-me Hillândia Brandão, esses resultados podem ser usados por órgãos governamentais e outras entidades da sociedade civil como indicadores de desmatamento - os grandes responsáveis pe-las mudanças nos padrões climáticos em nível regional -, bem como para “alimentar” modelos de previsão de mudanças climáticas globais.

Na área da Hidrologia, estudos revelam que

o desmatamento está afetando o armazena-mento de água no solo, alterando a ciclagem aquática na região e tornando essas áreas sujeitas à erosão, lixiviação (lavagem das rochas e solos pelas águas das fortes chu-vas, decompondo as rochas em nutrientes e tornando o solo mais pobre) e causando a degradação do solo. A coordenação tam-bém conta com uma base sólida de informa-ções sobre a Hidroquímica da região, com ressalva para pesquisas sobre a caracteri-zação química das águas do rio Solimões-Amazonas, desde o município de Tabatinga (na fronteira com a Colômbia e Peru) até a cidade de Óbidos, no estado vizinho do Pará, onde o rio Amazonas tem sua menor largu-ra e maior profundidade, totalizando mais de 150 rios e 45 lagos da bacia Amazônica.

Outros focos de pesquisa

Estudos servem para subsidiar ações de planejamento para a classificação das águas amazônicas

FOTOS: TABAJARA MORENO

Pesquisa consta-tou que igarapés localizados na área rural possuem poluição zero, en-quanto os da área urbana são deposi-tários de poluentes

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LOCAIS ESTuDADOS NAS 4 BACIAS HIDROGRAFICA DE MANAuS Pontos de coleta na Bacia do Educandos1. Igarapé do Quarenta no parque Sauim Castanheira (Nascente)2. Igarapé do Quarenta próximo a Multiplast3. Igarapé do Quarenta próximo a Varilux * 4. Igarapé do Quarenta próximo a SEDUC5. Igarapé do quarenta próximo ao Studio 56. Igarapé da Cachoeirinha próximo a Av. Costa e Silva7. Igarapé do Educandos próximo a ponte de Educandos

Pontos de coleta na Bacia do São Raimundo 8. Igarapé do Mindu próximo ao SESI (Nascente)9. Igarapé do Mindu no Conjunto Petro10. Igarapé do Mindu no Parque do Mindu 11. Igarapé de São Jorge 12. Igarapé dos Franceses 13. Igarapé do Bindá14. Igarapé do Franco15. Igarapé do São Raimundo

Pontos de coleta na Bacia do Tarumã 16. Igarapé do Barro Branco 17. Igarapé do Acará no balneario Douradinho18. Igarapé do Mariano 19. igarapé Bolívia20. Igarapé da Cachoeira alta21. Igarapé da Cacheira das almas22. Igarapé do Tarumã-Mirim

Pontos de coleta na Bacia do Puraquequara23. Rio Puraquequara24. Iguarapé Água Branca

Pontos de coleta na Orla da Cidade de Manaus25. Rio Negro na praia da Ponta Negra26. Rio Negro no Bairro da compensa próximo a captação de água 27. Rio Negro na praia do Amarelinho em Educandos28. Rio Negro no Porto da Ceasa

Pontos de coleta nos Lagos29. Lago Amazônico no INPA30. Lago do Japiim31. Lago do Aquariquara

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A Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos (CPCR) iniciou as suas atividades na década de 1960, a partir de um convênio entre o Instituto Nacio-nal de Pesquisas da Amazônia e o Insti-tuto Max-Planck da Alemanha Ocidental. As primeiras pesquisas realizadas tinham como foco principal as variáveis climáti-cas (temperatura, umidade, radiação so-lar, etc.) e limnológicas (lagoas, rios, riachos, reservatórios e águas subterrâne-as) na Amazônia Central. Pouco depois, estudos sobre coberturas vegetais pas-saram a receber tratamento privilegiado.

Na evolução natural das necessidades de conhecimento científico, estu-

dos hidrológicos na escala de pequenas bacias hidrográficas tornaram-se viáveis e foram incorporados ao conjunto de temas já pesquisados. Dessa forma, foram conquistados no âmbito da Coordenação os primeiros resultados de investigações sobre eva-potranspiração, análise do processo de interceptação

de chuva pela floresta, desenvolvimen-to de relações precipitação-escoamento e fenômeno de infiltração de água no solo.

Já na década de 80, em um contexto de abertura para a cooperação internacional, o grupo de pesquisadores do CPCR deu grande impulso aos estudos relacionados às transferências de massa e de energia de coberturas naturais para a atmosfera, assim como aos modelos para simular os proces-sos de evaporação, interceptação de chuva pela floresta e para o regime de radiação solar no interior da vegetação. Atualmen-te, as atividades de pes-quisa da Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos têm como objetivo gerar co-nhecimento sobre o am-biente físico e químico dos sistemas amazôni-cos, enfocando o clima regional e seus efeitos sobre os recursos hídri-cos da região.

Equipamento ajuda a verificar qualidade das águas dos igarapés

Gerando conhecimento sobre o ambiente amazônico

A constante busca por produ-tos que prometem retar-dar as marcas do tempo

vem provocando uma corrida desenfreada de consumidores ávidos pelos últimos lançamen-tos do mercado. Mas, nem tudo o que “reluz é ouro” e, muitas vezes, a garantia de fonte da juven-tude esconde a manipulação de subs-tâncias criadas em laboratório. Uma pesquisa em biocosméticos da Amazônia, também conhecidos como fitocosméticos, comandada por uma equi-pe de seis pessoas, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô-nia (Inpa) vem revolucionar este segmento. Iniciado em 2005, o estudo utiliza produtos da flora amazônica, sem agredir o meio-ambiente, para beneficiar a saú-de. Tendo como base a extração de óleos a partir de palmeiras da região, ele foi concluído em 2006 e agora chega à sociedade.

O resultado dessa pesquisa são quatro produtos à base de óleo das palmeiras de pupunha e de buriti. Ambas são ricas em carotenóides, substâncias ricas em betacarote-no, o pigmento amarelado que dá cor à pele e é antioxidante, aju-dando no combate aos radicais livres. O que isso tudo significa? Ora, são os radicais livres que da-nificam as células de todo o corpo. Por isso subs-tâncias antioxidantes são tão benéficas à nossa saúde, deixando-nos com aparência mais jovem, de dentro para fora do cor-po, principalmente se os produtos para a pele forem combinados com alimentos ricos em carote-nóides. Para entender melhor basta saber que os cosméticos comuns vendidos no mercado utilizam substâncias químicas criadas e manipuladas em la-boratório. Os biocosméticos são

capazes de hidratar e rejuvenescer a pele apenas com substâncias ex-

traídas de produtos naturais.

Além disso, a produção de biocosméticos contribui bas-tante para a preservação do meio-ambiente, uma vez que

são usadas apenas madeiras cer-tificadas da Amazônia. Contudo,

o processo de extração, que dura em média dois dias, pode ser traba-

lhoso e requer muito cuidado. Se uma etapa for esquecida, os nutrientes da palmeira podem modificar-se e todas as propriedades de biocos-

mético terão sido perdidas. É como um suco de beterraba que, ao perder seus nutrientes, tem validade apenas pelo sabor.

Convidados pelos então acadê-micos de farmácia da Universi-dade Nilton Lins, Bruno Olímpio Galaxe e Jonathas Wellington Alves de Sá, para participar da pesquisa, tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso, os mes-tres Sônia Maria Patricio Braga dos Santos – orientadora do tra-balho – e Paulo Roberto Castro da Costa e as doutoras Helyde Al-buquerque Marinho e Maria Rosa Lozano Borrás aceitaram pronta-mente a proposta da pesquisa.

Como essa foi a primeira pesquisa relacionada a cosmé-ticos desenvolvida no Inpa,

não havia no Instituto um laboratório específi-co, o que levou os pesquisadores a utilizar

vários laboratórios ao mesmo tempo, criando a necessidade do trans-

porte constante de materiais.

A patente

Por não saberem da ne-cessidade de uma licença do Instituto Brasileiro de Meio

Ambiente e dos Recursos Na-turais (Ibama) para trabalhar

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pupunha e buriti Inpa estuda cosméticos à base deco

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> Por larissa Veloso

Buriti e Pupunha – Ambas são ricas em carotenóides, substâncias ricas em betacaroteno, o pigmento amarelado que dá cor à pele e é antioxidante, ajudando no combate aos radicais livres

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Inpa estuda cosméticos à base de

com as palmeiras, os pesquisadores tiveram que patentear e proteger a pesquisa nos Estados Uni-dos, situação enfrentada pelo grupo como a maior dificuldade de todo o processo da pesquisa e que, inclusive, impossibilitou acordos com empresas de cosméticos que tiveram interesse na fabricação dos produtos. “Nós não sabíamos que era preciso ter a licença. Duas empresas chegaram a se inte-ressar pelos produtos, mas como a patente estava defendida, não pudemos fazer acordo. Agora a pesquisa está concluída, mas como ainda não pu-demos divulgar, nenhuma outra empresa se pro-nunciou”, ressalta a doutora Helyde Albuquerque.

Economia e mercado

A produção de biocosméticos traz para a Ama-zônia vantagens econômicas em ambos os sen-tidos da palavra. Além de auxiliar no desenvol-vimento econômico da região, uma vez que os produtos podem ser comercializados no próprio Estado de origem e exportados para outros es-tados e países, seu preço acessível permite que alcance um maior número de consumidores.

Enquanto a pesquisa era iniciada no Inpa, a Na-tura também interessou-se pelo assunto e desen-volveu estudos em biocosméticos, lançando no mesmo ano produtos a base de óleo de buriti da linha Ekos, que já trazia em 2000 o óleo trifásico de buriti. Verificando a crescente expansão deste mercado, a Avon lançou, em janeiro deste ano, biocosméticos nas linhas Liiv e Naturals. Ambas são as maiores e mais populares fabricantes de cosméticos atuantes no Brasil. É importante ve-rificar que nem todos os produtos feitos a base de plantas medicinais são considerados bio ou fitocosméticos, uma vez que a produção destes envolve processos específicos para extração dos nutrientes. Apenas produtos naturais que con-têm estes ativos podem ter efeitos medicinais.

Sabonete sólido a base de óleo de pupunha e buritiÓleo dos frutos de pupunha e buriti

foi utilizado neste sabonete sóli-do que, além de limpar e hidratar a pele, evitando ressecamento, ajuda na regeneração da camada lipídica, deixando-a com aspecto aveludado e suave.

Sabonete líquido a base de óleo de pupunha e buritiO produto penetra rapidamente na

pele, hidratando-a sem deixar aparên-cia oleosa. Aumenta a elasticidade, combate as ações dos radicais livres e evita alergias cutâneas. O processo de produção tem grande economia quan-do comparado à produção clássica de cosméticos da Amazônia.

Emulsão evanescente a base de óleo de pupunha e buritiPara uso na área do rosto, mãos e

braços, a emulsão evanescente hidrata a pele, garantindo maior elasticidade e proteção contra as ações dos radi-cais livres.

Creme antioxidante a base de óleo de pupunhaIdeal para uso no rosto e nas mãos,

o creme antioxidante tem aspecto consistente e brilhoso e confere à pele hidratação e proteção, além de auxiliar no rejuvenescimento desta.

OS PRODuTOS

Helyde Albuquerque ressalta que a produção de biocosméticos contribui bastante para a preservação do meio-ambiente

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Amazônia das árvores ou das

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Amazônia das árvores ou das vassouras?

> Por Mário benTes

Em 1955, quando produziu o episó-dio nº 60 da aclamada série que no Brasil ficou mais conhecida como O

Show do Pica-Pau (Woody Woodpecker), o desenhista e produtor Walter Lantz talvez não imaginasse que a estória de uma bru-xa feiosa e de uma fábrica de vassouras chamada “A Vassoura Durável” pudesse ser usada como analogia quase perfeita da atual indústria madeireira da região amazônica. Não pela mitologia das bruxas que voam em vassouras, evidentemen-te, mas por uma sequência inacreditável em que o Pica-Pau, único funcionário da tal fábrica, é mostrado em plena ativida-de de uma absurda linha de montagem.

Em um grande aparato maquinário, o famoso passarinho de topete vermelho insere um tronco enorme de uma árvo-re que na vida real fatalmente seria uma sumaúma (Ceiba Pentranda) e depois a retira pelo outro lado da mesma linha. Detalhe: quando finalmente aparece, a árvore já está na forma finíssima de um singelo cabo de vassoura, pronta para ser vendida a bagatela de R$ 0,50. Em meio à atmosfera irônica da cena, vem a per-gunta: e o resto de toda aquela madeira?

Exageros à parte, este questionamen-to cabe perfeitamente nos dias atuais. O desperdício de madeira em atividades comerciais em todo planeta é notável. Na Malásia, um dos grandes exportado-res internacionais do produto, o aprovei-tamento de tudo o que é derrubado das florestas daquela região chega a 50%. O índice é baixo, mas em países como o Brasil – e na região amazônica, mais es-pecificamente – o número é ainda menor.

Pesquisa realizada como tese de mestra-do pela engenheira florestal Cristina Gal-vão Alves, quando se especializava em Ci-ências de Florestas Tropicais pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em 2000, constatou – a partir do estudo de caso de uma das maiores madeireiras da região, lo-calizada em Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus em linha reta) – que apenas 30% da madeira retirada das florestas da região é plenamente utilizada no beneficiamento de mercado. Todo o restante é simplesmen-te jogado fora e pior: ainda vira poluição na natureza, já que boa parte do que não é aproveitado é queimado a céu aberto.

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Higuchi calcula que o Amazonas conta com aproximadamente 150 milhões de hectares de florestas primárias

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Manejo florestal: missão impossível?

Diante de tal realidade, alguns especialistas são enfáticos ao afirmar que qualquer iniciati-va de manejo florestal sustentável na Amazônia seria incapaz de sair do papel. Um desses espe-cialistas, o engenheiro florestal Niro Higuchi, pesquisador da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical do Inpa e autor de vários trabalhos sobre o assunto, vai além das críti-cas. Para ele, otimizar a produção de madeira é uma questão de agir contra o desmatamento. “Se nós conseguirmos criar novas possibilidades de aproveitamento e redução do desperdício, se-remos capazes de reverter essa razão em que ex-ploração e desmatamento acabam caminhando juntos”, explica, ressaltando que uma possível melhoria das condições de beneficiamento para a indústria vai diminuir a pressão nas flores-tas primárias – aquelas intocadas pelo homem.

Segundo Higuchi, o Amazonas conta até o momento com aproximada-mente 150 milhões de hec-tares de florestas primárias, contra três milhões desmata-dos ou explorados de forma não sustentável. O número é muito bom se comparado com a realidade de outras regiões do país, mas se engana quem pensa que a preservação das florestas do Amazonas (ainda) acontece em razão de um sis-tema rígido de controle ou de fiscalização por parte dos ór-gãos públicos. Para Niro, o atu-al cenário – um dos melhores entre todos os estados da re-gião Norte – se dá de modo in-direto, mais em razão de medidas administra-tivas cujas metas principais não contemplam necessariamente aspectos preservacionistas, mas acabam dando resultado nesse sentido.

“Claro que medidas administrativas têm sua parcela de contribuição. O Pólo Industrial de Manaus (PIM) é uma medida política que aju-dou indiretamente na preservação ao favorecer a emigração de populações do interior do Ama-zonas para a capital”, afirma o pesquisador. Para ele, ações políticas como o PIM e o isolamento logístico de Manaus em relação a outras áreas do país têm como resultado essa maior proteção. Apesar disso, o pesquisador faz um alerta: “Es-sas medidas foram importantes na formulação do atual cenário, mas isto 20, 30 anos atrás. Só essa duas coisas já não vão mais sozinhas supor-tar a pressão pelos produtos madeireiros. Essa pressão vai chegar ao Amazonas e ele não vai resistir, do mesmo modo que o Pará não resistiu”.

Luz no fim do túnel

Segundo Niro Higuchi, a pressão atual do des-matamento se concentra na região Sul do Pará, no Norte do Mato Grosso, Rondônia e Acre, mas vem se aproximando rapidamente do Amazonas. “A gente já vê sinais claros de devastação no sul do Amazo-nas, na região da Transamazônica e no município de Lábrea (distante 610 quilômetros de Manaus). Na região da Boca do Acre já há uma grande pres-são por conta da exploração de madeira e por conta também da atividade agropecuária”, relata.

E foi pensando em trabalhar para conter o avan-ço do desmatamento na região que o pesquisador se juntou a outros 55 especialistas em manejo flo-restal e tecnologia da madeira do Brasil para re-formular, em 2008, um antigo projeto de pesquisa dos anos 70. Hoje conhecido como INCT Madeiras da Amazônia, o projeto – um dos cinco aprova-dos ano passado pelo Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no

âmbito dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT’s), do Ministério da Ciência e Tec-nologia (MCT) – quer criar meios para conter o desmatamento através da redução do desper-dício de madeira em ativida-des de exploração comercial.

“A madeira é um produto de primeira necessidade e a indús-tria atua para atender a deman-da de mercado mundial, que é muito grande. Entretanto, como boa parte da madeira não é aproveitada, acaba-se criando um ciclo desenfreado de explo-ração, o que resulta em desma-

tamento”, afirma o pesquisador, ressaltando que do modo em que é feita, a atividade de explora-ção de madeira, além de possivelmente por fim à floresta, ainda acaba por não contribuir em nada no desenvolvimento do país. “Enquanto tivermos essa relação entre madeira e desmatamento, não vamos gerar formação de riqueza na região nem proporcionar maior distribuição de renda”, analisa.

Aproveitamento máximo

Com orçamento aprovado em R$ 4,8 milhões, o projeto abrange uma série de atividades de pesqui-sa voltadas ao desenvolvimento de novas técnicas ou o aprimoramento de outras já existentes que possam auxiliar na otimização do aproveitamento do produto. Um dos modos citados pelo pesquisa-dor como importante para otimizar a exploração de madeira é a técnica da marchetaria, que pode con-tribuir para acabar com um dos grandes problemas existentes na atividade de exploração: o resíduo.

Projeto do Inpa quer estudar meios para otimizar beneficiamento da madeira e aumentar atual taxa de apenas 30% de aproveitamento

“Embora não seja nenhuma novidade, a marcheta-ria pode ser muito útil para combater o despejo de resíduos de madeira. Na marchetaria, não existe re-síduo pequeno. Você usa tudo, tanto para móveis como para os pequenos objetos de madeira”, ex-plica Niro, lembrando que o despejo inadequado de resíduos pode ser nocivo ao meio ambiente.

“Os resíduos de madeira geralmente são trazi-dos para a cidade e isso acaba virando lixo. Boa parte dos casos de fechamentos de aeroportos no sul do Pará, no Norte do Mato Grosso e Ron-dônia são causados pela queima de pó de serra, que é algo constante nessas regiões”, relata. O pesquisador diz, no entanto, que o resíduo pode ser usado positivamente, desde que seu despe-jo seja adequado. Segundo ele, essa é outra meta do projeto: estudar meios para destinar de forma sustentável esses resíduos. “Na flores-ta, esse resíduo poderia ser transformado em nutrientes para as plantas ou poderia ainda ser usado na área científica, como matéria-prima para a criação de fungos comestíveis”, explica.

Para que o projeto obtenha sucesso, se-rão implementadas várias mudanças estru-turais no Inpa. Uma delas é a construção de um centro de treinamento na estação experi-mental do Instituto, localizada quilômetro 45 da BR-174 (Manaus a Boa Vista). Segundo o pesquisador, o centro vai funcionar como es-paço de capacitação de pessoal em nível de pós-graduação e graduação. “A ideia é que o centro seja local para desenvolvimento de dis-sertações e teses que poderão ser úteis não apenas para o projeto, mas para todas as ins-tituições envolvidas”, explica Niro, citando as universidades federais do Amazonas (UFAM), de Brasília (UnB) e do Paraná (UFPR), além da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Outra medida é a recuperação da infra-estrutura de laboratórios de tecnologia da madeira. “Vamos permitir ainda o desenvol-

vimento de experimentos de exploração flo-restal e tecnologia da madeira, intercâmbio técnico-científico, treinamento de pessoal e, ainda, favorecer a transferência de tecnolo-gia”, explica Niro Higuchi. Ao longo do pro-jeto, o Inpa vai trabalhar de modo associado com laboratórios da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Pa-raná (UFPr) e Universidade de Brasília (UnB).

“Nossa meta é inverter a razão de aprovei-tamento para 70% de aproveitamento contra 30% de desperdício. Mesmo se conseguíssemos ampliar a taxa atual de aproveitamento para 40 ou 50% isso já seria fantástico, embora acre-dite que possamos superar essa cota”, garante.

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MÁRIO BENTES

Nadando contra a correntezaSobre a situação hipotética do projeto aca-

bar criando um novo circuito de exploração e, consequentemente, de desmatamento – já que a madeira, beneficiada, poderia ficar ain-da mais valorizada –, o pesquisador pondera. “É um risco. Só que neste caso vai ter muito mais visibilidade. Hoje é difícil organizar um setor que não contribui em nada com a for-mação da riqueza. Enquanto houver um setor completamente desvalorizado, ninguém presta atenção nele”, diz o pesquisador Niro Higuchi, fazendo uma ressalva: “É importante deixar cla-ro que a verdadeira riqueza da Amazônia não

é a madeira. Ela é atualmente o produto com maior liquidez no Brasil, junto com o peixe. Mas a verdadeira riqueza da região é a biodiversi-dade, que é resguardada pela floresta”, avalia.

O engenheiro florestal admite a dificuldade de trabalhar para inverter a lógica do mercado, so-bretudo a curto ou médio prazo. Um dos grandes obstáculos, segundo ele, é fazer com que os res-ponsáveis pelo mercado de exploração compre-endam o termo biodiversidade. “Fazer da biodi-versidade a riqueza de fato, transformar isso em benefício da sociedade é complicado. É difícil ter

Para o pesquisador Niro Higuchi otimizar a produção de madeira é agir contra o desmatamento

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isso de forma concreta na cabeça. Então o que estamos fazendo é criar todos esses mecanismos para viabilizar o manejo florestal na Amazônia porque acreditamos que é a única alternativa para segurar a floresta em pé”, salienta, res-saltando que segurando a floresta em pé, você garante todas as funções e serviços ambientais.

Uma das formas que poderiam ajudar nesse sentido é a criação de novos valores comerciais menos abstratos para a maior parte da popu-lação. Niro cita como exemplo um dos servi-ços ambientais mais divulgados pela imprensa mundial atualmente: o sequestro de carbono. “Assim como a madeira, a questão do seques-tro de carbono começa a fazer parte do merca-do. Apesar de não ser algo tangível, concreto, esse serviço passa a ser uma commodity que está sendo comercializada”, explica, ressaltan-do que esse novo item vai começar a agregar mais valor à floresta manejada em detrimento da floresta derrubada. “É desse modo, agre-gando valores comerciais à floresta, que va-mos criar um sistema em que a lógica comer-cial não afete o equilíbrio ambiental”, acredita.

Extensão dos benefícios

Niro Higuchi acredita também que o INCT Madeiras da Amazônia pode ainda ser po-sitivo do ponto de vista econômico para as populações do interior do Amazonas. A ex-pectativa é que o projeto crie um fluxo co-mercial em que empresas de pequeno, mé-dio e grande porte instaladas nas cidades possam trabalhar nos possíveis nichos de mercado vindos com os resultados das pes-quisas. “Não adianta muito pensar em um projeto apenas por um lado. Temos que levar em consideração o aspecto sócio-econômico da região. Não adianta manter a nature-za mantendo também a pobreza”, salienta.

Com o andamento do projeto do INCT Madei-ras da Amazônia, do Inpa, será possível saber se a região amazônica vai ter seu potencial explorado de modo sustentável e, consequen-temente, gerando riquezas, ou se no fim tudo será reduzido a meia-dúzia de singelas vassou-ras vendidas na esquina mais próxima, à baga-tela de R$ 0,50, como no desenho do pica-pau.

Desperdício da madeira- Aproveitamento de tudo o que é

derrubado na Malásia:

50%- Aproveitamento de tudo o que é

derrubado no Brasil, mais especifica-mente na região amazônica:

30%- Recursos para o Projeto INCT Madei-ras da Amazônia: R$ 4,8 milhões, o

projeto abrange uma série de ativida-des de pesquisa voltadas ao desenvol-vimento de novas técnicas ou o apri-moramento de outras já existentes

que possam auxiliar na otimização do aproveitamento do produto.

- A meta do Inpa é inverter a razão de aproveitamento para 70% de aprovei-tamento contra 30% de desperdício.

Falar, hoje, de pesquisas na Amazônia, tanto da fauna quanto da flora é associá-las com acompanhamento da melhoria de vida da so-

ciedade, atendendo às suas demandas e amplian-do os conhecimentos existentes. É assim, que os cursos de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) vem, desde a década de 70, capacitando recursos hu-manos para o estudo de nossa biodiversidade. E se tratando de pesquisadores, como referência nes-ses trabalhos, é impossível não lembrar um dos maiores na área de botânica no mundo: Ghillean Tolmie Prance, que esteve em Manaus para minis-trar um curso e aproveitou para dizer o que pen-sa sobre o atual papel da pesquisa para o mundo.

Desde a criação do curso de Pós-Graduação em Botânica, até o momento, os pesquisadores acredi-tam que a conquista mais importante foi a formação de recursos humanos, especializados não só para a região amazônica, mas para todo o país. Atualmen-te existem ex-alunos que foram titulados no Inpa, lecionando e atuando em Universidades e órgãos

como a Universidade de Brasília (UNB), a Universi-dade de São Paulo (USP) e outras de todas as regiões do sul do Brasil. Aqui na Amazônia estão a maioria.

Esses alunos, hoje doutores, formam novos gru-pos de pesquisa, e cada um titulado vai formar no-vos grupos, possibilitando a ampliação, considerá-vel, no número de especialistas e professores de Pós-Graduação, atuantes na região e fora dela. A coordenadora do programa, Maria Lúcia Absy, res-salta que a criação do curso foi fundamental para a região, pois hoje ela é discutida no mundo todo.

Dentre os desafios e metas que devem ser cum-

pridos na região Amazônica, o principal, ainda é a formação de novos pesquisadores, levando-se em consideração que a cada pesquisa científica conclu-ída, há também a necessidade de se estudar novos caminhos encontrados para o seu desenvolvimento.

Prance afirma que ainda existe muito a se conhe-cer na Amazônia, devido a sua grande variedade de espécies de plantas, animais e insetos. “O mais importante é saber o tipo de pesquisa que vai aju-dar no uso sustentável da região amazônica”, diz ele, orientando também qual deve ser o papel do

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> Por rôMulo araújo

Botânica: primeiro passo para o

desenvolvimento da Amazônia

TABAJARA MORENO

Prance acredita que o Inpa personifica a ciência na Amazônia

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Estudo de plantas utilizadas pelas comunidades amazônidas contribue com a parte social na região

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novo pesquisador para a continuação desse avan-ço na região: “Acredito que o mais importante é usar muito do seu tempo em pesquisas, pois ain-da há muito a se fazer. Por exemplo, a biologia molecular e as ciências sobre mudanças climáti-cas, que até agora pouco foi desenvolvido aqui”.

As pesquisas que devem continuar sendo feitas pelos novos pesquisadores precisam contribuir, principalmente, para o desenvolvimento da Amazô-nia. A coordenadora do programa de Pós-Graduação em Botânica diz que é preciso ter bastante es-tímulo para o estudo das plantas. “Especialmente aquelas que vão ser utilizadas pelas comunida-des aqui da Amazônia, por que além de estudar e terem bons resultados, eles estarão contri-buindo com a parte social na re-gião”, ressalta Maria Lúcia Absy.

O estudante do Programa de Pós-Graduação em Botânica, em nível de mestrado, André Rodrigo Rech, diz que é gran-de o desafio dar continuidade a esse trabalho. “Quem se pro-põe a ser pesquisador deve estar muito preocu-pado com a utilização racional dos recursos para transformar a condição de vida das pessoas. Acho esse compromisso fundamental, pois vai determi-nar o futuro dos nossos filhos, e tem que permear a formação de qualquer pós-graduando”, diz ele.

Outro desafio é a busca pela melhoria do nível do Curso. A meta agora é ter uma melhor ava-liação pelos pesquisadores renomados vindos do exterior para contribuir, ministrando cursos e orientando alunos. “No momento estamos enca-minhando a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior) um projeto para uma parceria com um dos maiores institu-tos de Botânica no mundo, o Kew Gardens, da Inglaterra, de onde vem inúmeros especialistas

de plantas tropicais, que vão contribuir não só na orientação ministrando aulas, mas tam-bém identificando novas plan-tas”, afirma Maria Lúcia Absy.

Após a implantação do progra-

ma, as pesquisas aumentaram muito e em diversos campos. Isso se deve graças aos profis-sionais egressos dos cursos de Pós-Graduação que possibilitam a continuação dessas pesquisas, de modo geral. Existem muitos estudos científicos sendo feitos e publicados, principalmente para a melhoria de vida da população.

Na visão de Prance, o Inpa é uma personifica-ção da ciência na Amazônia, que transmite com segurança o resultado de seus estudos. “O Insti-tuto, falando de seus estudos, é muito impor-tante, pois a voz do Inpa é baseada em conhe-cimento científico e não em mitos”, afirma ele.

Desde a criação do curso de Pós-Graduação em Botânica, a forma-ção de pesquisa-dores especialistas contribui para o desenvolvimento da região

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Mudanças Climáticas e SBPC Uma preocupação extremamente ligada à

ciência da pesquisa na Amazônia é o tema mudanças climáticas. O assunto é mais do que simples abordagem na mídia, é mais que mito, é realidade. O mais importante é con-servar a biodiversidade da região e pensar na conseqüência do desmatamento. “A realidade é que o clima está mudando e tem duas ra-zões: todo o carvão e petróleo que estamos usando e o desmatamento no mundo. Temos que caminhar para as outras fontes de energia que não prejudicam a atmosfera, plantar mais árvores e não tirá-las”, alerta Doutor Prance.

E para conscientizar as pessoas sobre sua colaboração para manter a floresta preservada é necessário que cada pesquisador tenha esse pensamento e repasse adiante. A principal cau-sa dos problemas climáticos do mundo é in-

discutivelmente o desmatamento. “Não adian-ta falar o tempo todo em biodiversidade e não conscientizar pessoas que a floresta deve ser preservada, e só assim o mundo terá uma con-tinuidade.”, declara Doutora Maria Lúcia Absy.

Doutor Prance aproveitou a oportunidade para falar da importância da realização da 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que vai debater Ciência e Cultura na Amazônia, em Manaus. Para ele esse debate deve chamar a atenção, principalmente, das autoridades. “É bom por ser Ciência e Cultura e é o ano certo para esse debate, principalmente por ser em Manaus, pois deve chamar a atenção para o futuro da região Amazônica. Espero, também, que tenha assistência dos políticos, pois são eles que pre-cisam ficar atentos para as opiniões da reunião.

Para Maria Lúcia Absy não adianta falar em biodiversidade e

não conscientizar as pessoas

TABAJARA MORENO

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Biografia, Doutor Prance Ghillean Tolmie Prance foi o diretor e fun-

dador do curso de Pós-Graduação no Institu-to Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde criou programas em Botânica, Ecologia, Entomologia e Ictiologia. Foi treinado como um taxonomista de plantas e dedicou-se du-rante oito anos em pesquisa de exploração em botânica na Amazônia. Iniciou sua carreira no Jardim Botânico de Nova York, em 1963, como assistente de pesquisa, passando por curador, diretor e em seguida vice-presidente. É autor de 19 livros e editor de mais de 16, tendo publi-cado mais de 510 trabalhos de interesse cien-tífico. Seu interesse é em nível mundial para o desenvolvimento sustentável da floresta e a conservação de ecossistemas em geral. Recebeu vários prêmios e medalhas de reconhecimento por seus trabalhos, incluindo o título de “Sir”, em julho de 1995. É atualmente diretor cien-tífico do projeto de investiga-ção e conservação do Eden, na reserva da Biosfera Yaboti, em Missiones, na Argentina. Prance é casado e é pai de duas filhas. O nome do pesquisador ba-tizou 34 espécies de plantas na Amazönia.

História A criação do curso de Pós-Gra-

duação em Botânica, em 1973, foi o primeiro dos muitos passos dados pelo Inpa para a qualifica-ção de pesquisadores que estudassem a Amazônia. A origem da criação do curso foi possível devido à carência de profissio-nais para tal tarefa, onde o então diretor do Inpa, Doutor Paulo Almeida Machado, em 1971, em parceria com diretores do Museu Paraense Emí-lio Goeldi, viram-se in-quietos diante do fato de se ter apenas um doutor no instituto, o pesquisa-dor Herbert Otto Roger Schubart. A partir daí

foi criado o programa de formação de recur-sos humanos, tutelado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), denominado PIATAM – Programa In-tensivo de Adestramento na Amazônia. Criado e desenvolvido em 1971 e 1972, o PIATAM re-cebeu esse nome por seu significado em lín-gua TUPI: aquele que é bravo, forte, guerreiro.

Em 1973, ainda sob o comando do professor Paulo de Almeida Machado, o Inpa reuniu espe-cialistas em Botânica e criou o Curso de Botâ-nica Tropical sob a direção do Doutor Ghillean Tolmie Prance. Estava dado o primeiro passo. As primeiras turmas de Botânica Tropical foram formadas por alunos que se tornaram profissio-nais atuantes nas instituições da Amazônia.

Fique por dentro

TABA

JARA

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AmazonasUma aventura pelo

Com jeito simples e uma voz serena, ainda car-regada pelo sotaque suíço, a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Ama-

zônia (Inpa), doutora Ilse Walker, relata uma verdadeira história de garra e coragem. Esse será um de-senho de uma vida definida por ela como “aventureira”.

Criada em um vilarejo, mu-nicípio de Zurick, na Suíça, levando uma vida de caboclos, cresceu em meio a floresta e os braços de rio que passa-vam pelo quintal de sua casa. Walker conta que quando crian-ça estudava de segunda a sábado mas, após o almoço, seu compromisso era com o verde que brotava atrás de sua casa, além dos incansáveis banhos de igarapés com amigos e irmãos. Segun-do ela, seus pais só impunham uma condição: às seis da tarde todos deveriam estar de volta.

Assim, a menina filha de pastor teve uma edu-cação rígida e uma liberdade invejável - o estudo em troca de poder escolher seu próprio caminho. E dessa criação já poderia se imaginar o futuro da-quela criança que logo ganhou asas e iniciou suas escolhas. Aos 16 anos foi estudar em Zurick, para

concluir o Ensino Médio e, de lá, nunca mais voltou para aquele vilarejo que, em sua memória, ficou como o marco principal de sua escolha pela pesquisa.

“Isso dirigia a minha vida”, diz a pesquisadora sobre a infância na floresta e nos igarapés. A pai-xão pela natureza e as coisas que dela nasciam, surgiu bem cedo. Ilze já previa seu destino, só não

imaginava que fosse tão longe. Fez mestrado, dou-torado e pós-doutorado, todos na área de zoologia.

A pesquisadora viajou por muitos lugares, aprendendo e passando conhecimentos. Cons-truiu em suas caminhadas, amizades que a dis-

bio

gra

Fia

Entre suas contribuições para a pesquisa estão as publicações sobre as

ecologias do igarapé e seu livro que aborda a teoria de evolução

> Por THarCila MarTins

“O Inpa era na mata alta, só tinha uma trilha de barro, mas foi ali que me encontrei”

EDUARDO GOMES

41

tância fortaleceu e outras que o tempo deixou apenas na memória. Foi em uma dessas viagens que Ilse conheceu o então diretor do Inpa, na década de 70, doutor Warwick Kerr, e daí iniciou uma caminhada que a levaria para o Amazonas.

Ilse chegou a Manaus em 1976. Com ela também vieram sonhos e uma imensa vontade de descobrir os segredos da Amazônia. Segundo ela, na época, nin-guém queria vir para o Amazonas, pois achavam que a região era o terceiro mundo, mas ela pensava diferente.

A jovem de Zurick viria apenas passar uns anos em Manaus, pois havia pedido licença do seu trabalho em Londres, mas após encerrar seu prazo, ela teve que escolher seu caminho. Assim, ela arriscou e decidiu navegar pelos igarapés e andar pela mata, sempre em busca de algo novo e fascinante para nortear sua vida.

Primeiros dias no Amazonas

O choque cultural foi bem marcante, mas não im-pediu a permanência de Ilse no Amazonas. Segundo ela, logo que chegou havia muita dificuldade com água e luz. “O Inpa era na mata alta, só tinha uma trilha de barro. O Coroado só tinha uns barracos de madeira. Mas foi ali que eu me encontrei”, afirma.

Aos poucos ela foi se adequando aos moldes de sobrevivência do amazonense e descobrindo como e por onde começar um trabalho que só ganhou destaque após seu desenvolvimento. No Inpa, Ilse começou pesquisando insetos do igapó e do iga-rapé, na mata. Segundo ela, já navegou muito de canoa, pelo flutuante do Instituto, desenvolven-do seus trabalhos. Essa foi a vida que escolheu, uma decisão que, segundo ela, foi a mais correta.

Atualmente, Ilse parou de coletar materiais de igarapé e da mata para finalizar pesquisas que vem colhendo ao longo dos anos. Em sua sala, está rodeada de livros, muitos com textos dela e ou-tros que servem para auxiliar sua fundamentação. Ela vive para a pesquisa, prova disso é que ao ser questionada sobre aposentadoria, ela não relu-ta em responder que ainda quer trabalhar muito.

Família

“A distância da família nunca foi problema. Meus pais, desde cedo, me deram oportunida-de de estudar, o que me tornou uma mulher de-cidida e certa de meus ideais”, declara Ilse, com-pletando: “Percebi que esse era meu destino há muitos anos, quando eu ainda tinha 25 anos. Des-cobri que eu não queria ter filhos, nem me vincu-lar a família. Todo relacionamento que eu tinha, crescia um pouco da certeza que hoje tenho”.

A pesquisadora sempre foi uma mulher reservada e conta, com risos, que a primeira vez que acei-

tou uma carona foi há dois anos, quando estava caminhando pela Ponta Negra e um casal a abor-dou alertando-a do perigo de andar a noite pela área. “Foi quando aceitei a carona e entrei no carro do simpático casal que me ajudou”, relata.

Com uma vida de aventuras, encontros e desen-contros, Ilse tem a certeza de suas contribuições para os trabalhos no Inpa e desenvolvimento cien-tífico na área estudada. Ela destaca com grande orgulho as publicações sobre as ecologias do iga-rapé e seu livro que aborda a teoria de evolução. Ilse Walker, dona de uma história de conquistas, de paixões pelo Amazonas e dedicação a pesquisa.

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De mãos dadas com o Inpa, o orgulho da

Parc

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O significado da palavra parceria é conside-rado como a reunião de pessoas para um fim de interesse comum, ou seja, o ato

de agrupar determinadas pessoas ou empresas que busquem aliar-se para conquistar objetivos interligados. Com entendimento e aceitação de diversos aspectos, grandes parceiros se ajudam com o objetivo de conseguir o sucesso desejado.

Assim acontece com o Inpa, que ao longo de uma evolutiva caminhada, aliou-se a em-presas que enfatizam e mostram preocupação

com ações que induzem a uma conscientização voltada para a educação ambiental.

Quando se está em parceria, em busca de um mesmo ideal, a energia que provêm desta união se fortalece e se entrelaça procurando alcançar o sucesso, o bem estar e, conseqüen-temente, a felicidade, para posteriormente obter os resultados possibilitados pela ini-ciativa. A seguir, alguns de nossos parceiros aceitaram o convite para falar sobre a impor-tância do Inpa para a consolidação da pes-quisa em nível nacional e local, durante esses 55 anos.

“O Inpa tem dois m o m e n -tos, o primeiro é quando d u r a n -te muito t e m p o ele pes-q u i s o u , resgatou, e n c o n -trou e b u s c o u caminhos d e n t r o da reali-dade amazônica, dentro desse mundo chama-do Amazônia. O segundo momento é quando tudo isso começou a ser transformado em so-luções ambientais, solução para indústrias, para a gestão pública, onde os governos co-meçam a encontrar a parceria e o subsidio. Hoje o Inpa é um órgão indispensável para a gestão sustentável de qualquer governo, seja ele local, regional ou nacional. O Inpa é uma fonte de consulta de parceria, de apoio tec-nológico para qualquer gestão. Nós temos or-gulho de termos o Inpa e de termos nos seus anais soluções ambientais , sustentabilidade e conhecimento tecnocientífico para poder identificar quem somos nós e para onde po-demos ir”.

> Por eDuarDo goMes

MarCelo josé DuTraSecretário Municipal de Meio aMbiente e SuStentabilidade (SeMMa)

FláVia grossoSuperintendente da Zona Franca de ManauS (SuFraMa)

“Instituição r e c o n h e c i -da em âmbi-to nacional e internacional devido à mul-tiplicidade de estudos cien-tíficos desen-volvidos sobre a Região Ama-zônica, o Ins-tituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) é ator fundamental no processo de estruturação de um pólo de bioindústria na Amazônia brasileira, que oferece um imenso leque de alternativas ao desenvolvimento socioeconômico da região. Seu papel é de grande relevância nessa cadeia produtiva, pois é um repositó-rio importante do conhecimento científico relacionado aos recursos naturais da flores-ta amazônica. As pesquisas realizadas pelo Instituto podem servir de base para os tra-balhos realizados pelo Centro de Biotecno-logia da Amazônia (CBA) que, na condição de centro de inovação tecnológica, tem a missão de promover ambiente favorável à inovação, ao desenvolvimento e à difusão de produtos e processos a partir da maté-ria-prima originária da nossa biodiversida-de, na direção do mercado”.

EDUARDO GOMESDIVULGAçãO/SUFRAMA

“Na sua obra O Complexo da Amazônia, o pesquisador Djalma Ba-tista diz que somente com conhecimen-to em Ciência e Tecnologia se poderá de-senvolver essa região. Recen-temente a Pro-fessora Bertha Becker reafirma ser este o caminho para o desenvolvimento da Amazônia, adicionando o termo educação.

Um dos fundadores e diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), entre os anos de 1959 e 1968, Batista era um visionário e se vivo estivesse teria orgu-lho de participar do aniversário de 55 anos dessa importante instituição. Ao longo de sua existência, o INPA vem assumindo a respon-sabilidade crescente na tarefa de produzir co-nhecimento, estabelecendo um compromisso com o desenvolvimento sustentável, a defesa do meio ambiente e de seus ecossistemas, ex-pandindo os estudos sobre a biodiversidade, a sociodiversidade, os recursos florestais e hídricos, constituindo-se em referência mun-dial em Biologia Tropical. É hoje um dos mais importantes parceiros da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) nas dife-rentes áreas de pesquisa na Amazônia.

Ambas as instituições têm como desafio de-senvolver e divulgar formas sustentáveis do uso dos recursos naturais da Amazônia, rea-lizando estudos científicos do meio biofísico e das condições de vida das populações da região amazônica. O desafio de conciliar o de-senvolvimento com a preservação ambiental é a meta que une as instituições. Neste momen-to de jubilo por 55 anos de árduo e profícuo trabalho congratulamos ao Inpa pelo desafio aceito e brilhantes resultados alcançados nos seus 55 anos de existência”.

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Amazônia“Entre outras

instituições na-cionais de ciência e tecnologia do Brasil, o Inpa fir-mou-se na região amazônica como uma organização cientifica ímpar, cuja trajetória identitária foi reforçada pelas escolhas discipli-nares que definiram sua vida institucional. O INPA foi capaz de articular o conhecimen-to da natureza biótica com olhar científico sobre sociedades, biomas, ecossistemas, tec-nologias apropriadas, populações humanas, formas de adaptabilidade de seres vivos ao Trópico Úmido. Este perfil do INPA permitiu caracterizar seu lugar na pesquisa científica brasileira e mundial e na concentração de es-forços para dar aos campos disciplinares das ciências da natureza as bases de um projeto de investigação para a Amazônia. Este pro-jeto ganhou vários contornos ao longo do tempo, mas manteve a identidade inicial, tal seja, o conhecimento da natureza e as trans-formações que possa receber das pressões do ambiente social, da economia predatória, da evolução e, consequência, dos impactos da sobrevivência humana na região. Ao conciliar organização, projeto científico, intervenções de pesquisa prioritárias assim como campos disciplinares privilegiados, o Inpa deu ao Bra-sil e ao mundo a possibilidade de o conheci-mento desvendar a vida natural dos Trópicos, sua interdependência e influência em outras dimensões da vida no planeta. Dimensão im-portante da evolução do Inpa na Amazônia tem sido a sua disposição intelectual de in-teragir com outras instituições de pesquisa do mundo. Esta atitude lhe qualificou como parceiro institucional de projetos pioneiros e de grande envergadura, como é o caso das pesquisas de mudança climática, onde a UEA- Universidade do Estado do Amazonas tem o privilegio de compartilhar os Programas de Mestrado e Doutorado em Clima e Ambiente, entre outras iniciativas importantes”.

Marilene Corrêareitora da univerSidade do eStado do aMaZonaS (uea) Maria Do rosário lobaTo roDrigues

cheFe-Geral da eMbrapa aMaZônia ocidental

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eDuarDo bragaGovernador do eStado do aMaZonaS

“Impossível fa-lar sobre ciência na Amazônia sem lembrar o Instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia. A Amazônia, sabe-se, concentra um nú-mero de pesquisa-dores absolutamen-te desproporcional em relação a sua magnitude e a sua propalada função estratégica para o país e para o mundo. Sabe-se, por outro lado, que essa grandio-sidade do território se traduz numa extraordinária e diversificada biodiversidade sobre a qual há muito conhecimento a ser gerado. O Inpa tem desafiado esse descompasso com enorme ousadia, valendo-se da competência e da competitividade de seus pes-quisadores, o que é claramente demonstrado pelo volume de recursos federais e estaduais captados, inclusive numa sólida parceria com a Fapeam. Não há dúvida de que, nesses 55 anos, a Amazônia acu-mulou uma dívida impagável com o Inpa, por tudo o que ele representou e representa para o avanço científico sobre a região.”

“Falar sobre o Inpa é reverenciar o valioso trabalho científico desen-volvido por pesqui-sadores deste ins-tituto, pioneiro no estudo do complexo ecossistema ama-zônico e dos povos da região. Ao longo dos anos o Inpa vem se notabilizando na pesquisa através da interação homem/natureza, com o compromisso de promover o conhecimen-to científico e tecnológico da Amazônia. Missão esta, sempre cumprida de olhos voltados para a conservação do meio ambiente e para o de-senvolvimento sustentável da região, em favor das populações indígenas, dos nossos caboclos e ribeirinhos. Hoje, apesar das dificuldades, o Instituto toma para si o desafio de buscar um novo modelo de gestão do conhecimento, com o objetivo de atender as demandas por novos conhecimentos e pesquisas. Parabéns à direção do Inpa, aos pesquisadores e servidores adminis-trativos, pelos 55 anos do instituto”.

oDenilDo senadiretor–preSidente da Fundação de aMparo à peSquiSa do eStado do aMaZonaS (FapeaM)

luiz CasTrodeputado eStadual e preSidente da coMiSSão do Meio aMbiente da aSSeMbléia leGiSlativa do aMaZonaS (ale)

relação entre o homem e a natureza. Ci-ência, tecnologia e pesquisa são funda-mentais se quisermos valorizar a floresta, e vencer um desafio do mundo moderno de desenvolvimento sustentável. Portanto, quero parabenizar o Inpa nesse aniversário de 55 anos, por ser essa importante insti-tuição que tanto tem contribuído para o esclarecimento dos mistérios da Amazônia, e agradecer principalmente às pessoas, afi-nal grandes instituições são feitas por pes-soas e muitas pessoas extraordinárias pas-saram pelo Inpa. Eu, por exemplo, usei a biblioteca do Inpa durante a época em que fui estudante universitário para estudar, e também me beneficiei do bandejão do re-feitório. Quero parabenizar e agradecer ao Inpa, e dizer que se vamos chegar mais for-te à Copenhagen é porque nós aprendemos

mais sobre a natureza e sobre a floresta amazônica graças ao trabalho de ins-

tituições como o Inpa”.

“O Inpa não é apenas importante para o Amazonas mas, principalmente, para a Amazônia, e para a releitura de uma nova

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“Em primeiro lu-gar é necessário compreendermos qual o papel de uma instituição de pes-quisa. Um instituto de pesquisas, as-sim como em uma universidade, não necessariamente todos os conheci-mentos que vai se produzindo irão se transformar em produtos e processos, daí a ne-cessidade de termos uma instituição pública repu-blicana como o Inpa que gera conhecimento que podem contribuir para o nosso desenvolvimento, mas sobretudo gerar conhecimento fundamental como um compromisso ético com as futuras gera-ções. Temos que conhecer não apenas para trans-formar em produtos e processos, mas a finalidade é gerar conhecimento com um compromisso ético com as futuras gerações. A importância é signifi-cativa para o Amazonas, para a Amazônia e para a humanidade por que gera um conhecimento em uma área muito importante como a Amazônia, que é o futuro da humanidade. Ter um instituto como o Inpa que pesquisa a biodiversidade, a natureza da Amazônia é fundamental”.

josé alDeMir De oliVeiraSecretário de eStado de ciência e tecnoloGia (Sect)

“O Inpa é com certeza uma das instituições mais importantes da região amazôni-ca, primeiro por possuir uma ati-vidade multipla-cetaria, ligando ciências humanas a agronômicas, e agora com algu-mas áreas em nanoteclogia, sendo que o Inpa manteve durante muitos anos a divulgação de suas pesquisas manifestada para a comunida-de cientifica e não para a comunidade de uma maneira geral, o que está sendo revertido. As pesquisas desenvolvidas no Inpa são orienta-das para beneficiar as atividades do homem. O instituto é um berço de conhecimento, e a partir de agora possui uma série de recursos e ampliações sobre suas atividades. Sempre brigamos contra o colonialismo, e a Amazônia por muito tempo viveu subjugada com o co-nhecimento cientifico desenvolvido para fora da Amazônia. É extremamente fundamental a atitude do Inpa nesses 55 anos”.

HeiTor Vieira DouraDopreSidente da Fundação djalMa batiSta (Fdb)

“O Inpa em mais de meio século obteve cre-dibilidade mundial pela relevância de suas pes-quisas em desvendar as potencialidades deste que é o mais importante tesouro ambiental do novo milênio, a Amazônia. Em meio às impor-tantes atribuições dos cientistas no âmbito da fauna, flora, recursos hídricos, um aspecto aproximou o Inpa do Poder Judiciário em uma parceria extremamente profícua que já dura mais de uma década. Durante esse período o Instituto tem recebido em suas dependências infratores ecológicos cujo perfil diferenciado permite a participação em um projeto de resso-cialização de características únicas e que prin-cipiou quando da instalação da Vara do Meio Ambiente de Questões Agrárias. Assim a visão do Bosque da Ciência traz a essa delinquência ecológica grandes possibilidades de reinserção social, algo que dificilmente ocorreria nos mol-des punitivos tradicionais. A própria Lei de Cri-mes Ambientais denota a importância de que tais medidas sejam cumpridas em unidades de conservação, jardins etc. Acredito que o Inpa, que já é patrimônio dos amazônidas, tem na au-

aDalberTo CariMjuiZ titular da vara do Meio aMbiente de queStõeS aGráriaS (veMaqa)

rora do novo centênio um papel preponderante no sentido de alavancar com sustentabilidade essa região para o patamar de desenvolvimen-to e qualidade de vida, servindo de exemplo a todo o planeta”.

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Uma arquitetura ímpar que utiliza a natureza como o material mais importante na cons-trução de uma obra. Um conceito como

esse não poderia passar despercebido, principal-mente, quando uma delas está comemorando 55 anos. Mais que prédios ou arranha-céus, esse ar-quiteto da natureza está erguendo história. Por tudo isso, nessa edição, abrimos espaço para fa-zer uma justa homenagem ao arquiteto Severiano Mário Porto, responsável pela estrutura do Insti-tuto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Falar sobre Severiano não é difícil, principalmen-te, quando este é objeto de estudo de monografias ou recebe um lugar de destaque em sites de arqui-tetura. O site Vitruvius (www.vitruviu.com.br) lem-bra que, para fazer uma casa, Severiano Porto só precisava de algumas toras de ma-deira, pranchas e sarrafos. Os projetos eram pensados de acordo com o clima, as técnicas e materiais locais.

Em entrevista ao site, Se-veriano, que viveu durante 36 anos em Manaus, con-ta que se transferiu para a capital do Amazonas em 1965, mas conheceu a cida-de dois anos antes quando fora de férias, “com pas-sagem aérea de cortesia”. Profundamente tocado pela natureza quase primitiva que cercava a cidade de então 250 mil habitantes, ele recordou a beleza e a suntuosidade da Ama-zônia, onde o silêncio só é comparável às suas proporções, “torna o homem muito pequeno”.

Com tantos materiais e técnicas à disposição, Severiano disse, na entrevista, que o homem sempre tirou da mata o que necessitava, de ma-neira inteligente, com ferramentas muito simples. No Encontro Regional de Tropicologia, ocorrido no Recife em 1985, o arquiteto afirmava que seu aprendizado partiu da observação da integração do homem com o rio, com a casa e o barco mas mantinha soluções estéticas ligadas à funcionali-dade, como a construção de varanda e outros de-talhes. “Quando o rio sobe, o caboclo constrói um assoalho mais alto, quando o rio desce, ele des-

faz o assoalho, adaptando a casa ao movimento das águas”. No interior da floresta, a casa é fei-ta de palha, com aberturas para sair o ar quente e a própria palha agindo como elemento isolante.

A Universidade do Amazonas, projetada em 1973, menção honrosa do IAB/RJ (1987), constitui referên-cia importante de conciliação de conceitos regionais e universais. Situada em uma área de 6,7 milhões de metros quadrados nas bordas da floresta, é confor-mada por pequenos módulos espalhados mas interli-gados, para melhor aproveitamento dos ventos. Pro-tegidos por dupla cobertura isolante, são servidos por muito espaço aberto para a livre circulação do ar. O conjunto integra-se à natureza, cria condições naturais de conforto ambiental e se acomoda ao ter-

reno, evitando movimenta-ção de terra e desmatamento.

A preocupação de Severia-no na Amazônia centrava-se não somente no emprego dos materiais, mas no aproveita-mento dos ventos, na prote-ção máxima contra o sol e nas condições topográficas. Em concreto e com adaptações ao clima, ele projetou o am-bulatório médico do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Amazonas (Ipasea), com brises na fa-chada e pé-direito alto para ventilação livre, agências de bancos, a Assembléia Legisla-

tiva, o estádio Vivaldo Lima, reservatórios de água de Manaus, cujo projeto, fruto de concurso, repetiu-se inúmeras vezes em outros pontos do Estado. Na sede da Suframa – Superintendência da Zona Franca de Manaus – o arquiteto elaborou uma série de módulos de concreto em forma de tronco de pirâmide oca que funcionam como coifas para tiragem do ar quente.

No Inpa não poderia ser diferente. “Todo projeto que fazemos, nós vivemos o cliente. Pensamos nas necessidades e no que pode ou não ser feito. Logo que começamos, ele estava nascendo. Foi o início das descobertas científicas e da construção de um Instituto forte que hoje ele é. O Inpa é muito impor-tante para a região amazônica, pois possui pesquisas muito relevantes. Quando pensamos na estrutura do

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Severiano Porto O arquiteto da natureza

local, nos preocupamos em não mexer muito, pois nos preocupamos com o clima, região e topografia. Tudo isso contribuiu para que pudéssemos fazer um bom trabalho. Fico feliz em ainda estar na terra e sa-ber que ele completa 55 anos de existência”, relata.

Em um artigo para o mestrado, a então mestran-da Letícia de Oliveira Neves, aponta Severiano Por-to como um dos arquitetos brasileiros pioneiros a atuar na região amazônica, conhecido nacional e internacionalmente. Em seu ensaio Letícia lem-bra que a questão ambiental, desde o início, foi prioritária em seu trabalho, por se tratar de inter-venções em um ambiente extremamente delicado.

Severiano Mário Porto é mineiro nascido em Uberlândia, no ano de 1928. Formou-se arquite-to pela Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, em 1954. Na década de 60 se estabeleceu em Manaus, onde passou a desenvolver uma arquitetura perti-nente à realidade local, incorporando materiais e técnicas regionais a sua arquitetura. Em socie-dade com Mário Emílio Ribeiro, projetou e cons-truiu uma numerosa obra, que se consagrou como “arquitetura amazônica”. Dentre suas principais obras, destacam-se a Sede da Petrobrás, 1969, a Sede da Superintendência da Zona Franca, 1971, o Campus da Universidade do Amazonas, 1973, e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.

Entre as principais obras de Severiano Porto (1) estão o estádio Vivaldo Lima (2), a

Superintendência da Zona Franca de Manaus (3), o Instituto Nacional de Pesquisa (4) e a Universidade

Federal do Amazonas (5). Nesses lugares, como ninguém, ele soube utilizar o meio ambiente como

o elemento mais importante do local

FOTOS: VITRUVIU.COM.BR

TABAJARA MORENO

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Frutos da Amazônia: da floresta

para a mesa do brasileiro

Lúcia Yuyama confirma que a consequência de uma boa alimentação não poderia ser outra: bom desempenho e estado adequado de saúde e nutrição

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Frutos da Amazônia: da floresta

para a mesa do brasileiro

Em uma região tão rica em diferentes es-pécies de frutos é difícil entender como existem pessoas com quadro de desnutri-

ção no estado. Afinal, o que fazer mediante a riqueza da mega biodiversidade amazônica para amenizar esse cenário? Foi o que se pro-pôs a responder a nutricionista de formação e pesquisadora de paixão, Lúcia Yuyama, que, em julho de 1997, iniciou as atividades na linha de diagnóstico das condições de saú-de e nutrição envolvendo diferentes segmen-tos populacionais, em particular pré-esco-lares, gestantes e nutrizes.

Na linha de frente dos fru-tos que têm viabilidade nu-tricional está o camu-camu (Myrciaria Dubia H.B.K McVau-gh), considerado o mais rico em vitamina C do mundo. Pa-rece exagero? Não, depois de ouvir a explicação da pesqui-sadora: “A mega biodiversi-dade amazônica, de fato, não encontra paralelo no planeta, em particular os alimentos oriundos das espécies vege-tais e pescados. No caso do camu-camu podemos afirmar que apenas um fruto de tama-nho médio, satisfaz as neces-sidades em termos de vitami-na C, tendo como referência um homem adulto”, conta.

Mas, o que parecia ser a resposta para todos os ma-les, esbarra em obstáculos. O problema é que, apesar de a descoberta e divulgação da alta concentração de vitamina C no camu-camu, e sua adap-tabilidade em terra-firme, este fruto ainda não compõe o hábito alimentar da população em geral e, ainda, é baixa a demanda pelas agroindústrias. Um dos fatores que contri-buem para a restrição do seu consumo é o sa-bor muito ácido da polpa e o amargor da cas-ca, levando à necessidade de pesquisas para o melhor aproveitamento do fruto. O que falta? Tecnologia adequada quando do processa-mento da polpa e agregação de valor. “Essa

riqueza recém descoberta deve ser incenti-vada como fonte nutricional não só de vita-mina C mas como alimento funcional. Aquele que além da nutrição tem efeito benéfico à saúde, prevenindo doença”, alerta Yuyama.

A revelação até poderia trazer um certo de-sânimo, não fosse outros resultados alçados pela pesquisadora durante seu estudo que re-afirma teorias e desfaz mitos. Por exemplo, a pupunha, o tucumã, o buriti e o umari são fon-tes de provitamina A, energia, fibra alimentar e elementos minerais. E tem mais: o açaí, tão apreciado pelos amazonenses, também está

no rol dos melhores, pois tem fibra alimentar e antocianina (antioxidante natural), mas, ao contrário do que se pensa não cura anemia. “O teor de ferro no açaí é ínfimo, como uma variação na ordem de 0,5 a 1,2mg em 100g do suco e não cura a anemia”, confirma.

Já a castanha da Amazônia é tida como a maior fonte de selênio. Com apenas uma amêndoa as necessidades de selênio (em um homem adulto) são plenamente con-templadas. Porém, sugere-se não consumir mais que três amêndoas diariamente, pelo efeito tóxico. Tem, ain-da, a sapota e abricó como fonte de provitamina A e o cubiu, fonte de fibra alimen-tar, em particular pectina.

Mas, nem tudo que está ao alcance das mãos pode ser

ingerido in natura. “Os frutos oriundos da flo-resta amazônica, primam pela acidez, o que determina seu consumo na forma de néctar, refrescos, doces, tortas, sorvetes, preparações salgadas e farinhas. Para tanto há necessida-de dos cuidados básicos quanto a higiene que vai desde a coleta até o consumo”, declara.

O mesmo cuidado deve ser redobrado, quan-do dessa alimentação, depende o desempe-nho de crianças em idade escolar. Para Lúcia Yuyama socializar os conhecimentos, em par-

Pupunha, tucumã, buriti e umari são fontes de provitamina A, energia, fibra alimentar e elementos minerais; já o açaí, tão apreciado pelos amazonenses, também está no rol dos melhores, pois tem fibra alimentar e antocianina (antioxidante natural)

> Por leila ronize

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ticular a um grupo seleto que são os pré-es-colares e escolares, na forma de alimentação saudável e variada é um desafio sob todos os aspectos. “O desempenho dos alunos em sala de aula depende de uma série de fatores, como a alimentação saudável e variada, uma vez que muitos nutrientes essenciais advém de alimentos de origem animal e vegetal e que devem ser consumidos em quantidades adequadas, de acordo com as recomenda-ções nutricionais em função do estágio de vida, gênero, atividade física e estado fisio-lógico. Partindo do pressuposto do consumo de toda a merenda oferecida, certamente o desempenho dos escolares será melhor”.

A receita vem de um órgão que há 55 anos se dispôs a acumular conhecimento para o bem das populações amazônidas. “Compe-te ao Inpa, por meio das atividades de pes-quisas, disponibilizar um banco de dados, completo, quanto aos constituintes nutricio-nais, que se traduz em Tabela de Composi-ção Química de Alimentos da região Amazô-nica; sugerir cardápios regionais por meio de agregação de valor, devidamente avaliado, e que atenda as exigências nutricionais (15%) das recomendações diárias; avaliar a vida de prateleira das farinhas com valor agre-gado e o impacto da utilização na redução e/ou recuperação de processos carências”.

A consequência de uma boa alimentação não poderia ser outra: bom desempenho e estado adequado de saúde e nutrição, uma vez que hoje uma das grandes preocupações é a des-nutrição pela falta de consumo de alimentos fontes de energia e micronutrientes, e a des-nutrição, causada pelo excesso redundando em sobrepeso e obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e certos tipos de cânceres), baseado em consumo de alimen-tos ricos em energia e que pouco contribui em termos de micronutrientes como (refrige-rantes, alimentos industrializados, frituras e alimentos com alta densidade energética).

Yayama recomenda consumir um pou-co de tudo e que seja mui-

to colorido. “A garantia da saúde, nutrição e qualidade de vida passa pelo incentivo à alimentação saudável e variada por meio da valorização de alimentos autóctones com consumo regular de uma variedade de frutas, legumes e verduras, juntamente com alimen-tos ricos em carboidratos pouco processa-dos”. E, quem pensa que a missão da pes-quisadora terminou, está enganado, Yuyama ainda tem muito que estudar. “Em particular a interface homem, sociocultural, ambiente e segurança alimentar e nutricional”, conclui.

Pesquisadora revela que compete ao Inpa disponibilizar um banco de dados , que se traduz em Tabela de Composição Química de Alimentos da região Amazônica

FOTOS: TABAJARA MORENO

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ção

plantas Um lugar onde as

contam histórias

Qual o melhor lugar para se encontrar plantas dos mais diversos tipos: em um jardim? bosque? reserva florestal? Ou até mesmo no quintal de

sua casa? Talvez você nem imagine, mas existe uma “biblioteca” que no lugar de livros, reúne plantas em suas prateleiras. Ela é conhecida como Herbário.

Isso mesmo, os Herbários são coleções de onde se retiram e adicionam informações sobre cada uma das conhecidas e novas espécies de plantas. Eles agrupam grande quantidade de informação e dados sobre a diversidade vegetal de determina-da região. As espécies são coletadas, cuidadosa-mente pressionadas e coladas em papel pesado, e quando conservadas corretamente, podem du-rar centenas de anos. As amostras encontram-se catalogadas e identificadas com informações

sobre as plantas e o local onde foram colhidas.

Geralmente os herbários são mantidos por ins-tituições de pesquisa e ensino, que se responsa-bilizam pela conservação, organização e utili-zação de suas coleções. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) possui a maior referência em biodiversidade, representada, prin-cipalmente, através de suas coleções científicas.

Exemplo disso é o Herbário Inpa,considerado como a maior coleção de plantas da Amazônia e o quinto maior do Brasil, que comemora seus 55 anos de existência juntamente com o Institu-to. Esta coleção começou a ser criada em julho de 1954, na mesma época em que o Instituto se instalou oficialmente na cidade de Manaus.

Provisoriamente o Herbário ocupou uma pe-quena sala do prédio, que serviu de sede inicial

> Por eDuarDo goMes

FOTOS: EDUARDO GOMES

A coleção do Herbário Inpa começou a ser

criada em 1954, quando o Instituto

se instalou em Manaus

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para o Instituto, localizado na rua Simão Bolívar 203, próximo à Praça da Saudade. No princípio, as plantas eram secas à luz do sol, devido à cri-se de energia elétrica genera-lizada na cidade, e depois de secas eram guardadas em es-tantes improvisadas de madeira.

Este período de dificuldades durou até o momento em que a coleção foi transferida para sua segunda sede, localizada no décimo andar do edifício IAPETC (hoje INPS), Dom Pe-dro II, onde as condições para a instalação e conservação de um Herbário eram bem melho-res, que as que se encontravam.

A primeira amostra herboriza-da, foi uma Ambelania Tenuiflora, conhecida popularmente como pepino-do-mato, colhida nos ar-redores de Manaus, no dia 30 de agosto de 1955, pelo auxiliar de campo, Joaquim Chagas de Al-meida, que, alguns anos antes, havia participado de expedições com o botânico Adolfo Ducke, pelas proximidades de Manaus.

A mudança para um prédio próprio, localizado no Campus do Inpa, estrada do Aleixo, Km 3, só aconteceu em 1971, com o obje-

tivo de guardar e preservar as coleções botânicas, que na época contava com 28.403 amostras. Só em 1973 se conseguiu erguer a atual estrutura do Herbá-

rio Inpa, todo feito em madeira.

Para se ter idéia do grande número de coletas, que incre-mentou o processo evolutivo de criação do Herbário, basta citar que inicialmente ele levou cerca de 21 anos para atingir a marca de 50 mil exemplares cataloga-dos (1975), e apenas seis anos para dobrar esse número (1981). Atualmente existem mais de 200 mil espécies catalogadas.

Um dos principais fatores que contribuíram para o rápido de-senvolvimento da coleção, foi o funcionamento do curso de pós-graduação em botânica no Inpa, a partir de 1973, com o objetivo básico de intensificar o levantamento dos recursos naturais nativos e o estudo da vegetação e das condições eco-lógicas de cada ecossistema.

De acordo com o curador do Herbário, Carlos Francis-con, para que uma planta

possa dar entrada no Herbário, são necessárias outras informações a respeito da amostra cole-

A primeira coleção científica a ser criada no Inpa, comemora seus 55 anos juntamente com o instituto. O Herbário Inpa pertence à categoria de herbário regional, e tem 90% de seu acervo composto por representantes da flora Amazônica e de outros países da bacia Amazônica

O Herbário Inpa levou 21 anos para atingir a marca de 50 mil exemplares coletados e apenas 6 anos para dobrar esse número

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tada, como por exemplo: tamanho, textura, cor, local onde foi coletada, data de coleta e qual-quer detalhe que possa ser útil na identificação.

“Essas informações compõem a ficha da plan-ta. É como se fosse a ficha catalográfica de um livro, contendo informações sobre o autor, título, editora e assuntos desenvolvidos. São informa-ções que se não forem registradas no momen-to da coleta podem ser perdidas, o que impos-sibilita a planta ser uma amostra científica”.

Essa coleção de plantas intitulada “Herbário Inpa” desenvolve um intercâmbio entre cole-ções nacionais e estrangeiras, enviando e re-cebendo material para estudos, na intenção de obter dados diversificados sobre as plantas ou também identificar espécies. O Herbário vem ao longo dos 55 anos de trajetória, prestando serviços relevantes como fonte de consulta de profissionais que necessitam de dados básicos disponíveis como, por exemplo, taxonomistas, fitogeógrafos, ecologistas e dos demais estudio-sos de outras disciplinas do campo científico.

O início deste processo nomeclatural deu-se a partir do momento em que o sueco Carl Von Linné, estabeleceu o sistema de dar nome aos organismos, com a intenção de identificar cada espécie e suas subdivisões. Conhecido normalmente como Lineu, ele foi botânico, zoólogo e médico, criador da no-menclatura binominal e da classificação científica, sendo considerado ‘pai da taxonomia moderna’.

O seu procedimento de nomenclatura foi ex-plorado e aplicado nos livros “Fundamentação Botânica” e “Classes Plantarum”, além de ou-tras publicações, em que ele fez referência à aproximadamente 7.700 espécies de plantas e 4.400 espécies de animais. Calcula-se que apro-ximadamente 420 mil espécies de plantas di-ferentes habitam no planeta terra, mas apenas cerca de 80% foram descobertas e têm nome.

Esse período de identificação e armazenamento pode ser ainda mais complexo devido ao gran-

de aumento no número de agressões cometidas direta e indiretamente ao meio ambiente. No entanto, nota-se a tamanha importância em guardar informações de espécies que daqui a alguns séculos poderão não mais existir.

Hoje o Herbário Inpa desperta bastante curiosidade em pes-quisadores e estudiosos de vários lugares do mundo, não somente por agru-par um grande fluxo de informações sobre plantas de outros lugares do país e do mundo, mas especialmen-te sobre as espé-cies da r e g i ã o a m a -zônica, d o s

mais d i -ve r sos t i p o s , cores e t a m a n h o s .

Ele possui duas coleções associadas: a carpoteca (coleção de frutos) e a xiloteca (cole-ção de madeiras). Todas as plantas possuem uma amos-tra correspondente em cada uma das coleções. Plantas fér-teis, com flores e frutos são as mais importantes para as cole-ções, afinal a divisão entre frutos, folhas e madeira poderá ser feita entre as coleções interligadas, para registro de novas espécies.

No momento da coleta são identificadas informações de tamanho, textura, cor e local da espécie

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CarpotecaUma biblioteca carregada de frutos e curiosidades, assim é

conhecida a coleção de fru-tos do Inpa, estando asso-

ciada ao Herbário. Pode parecer diferente, mas

os frutos não estão presentes apenas

na feira, no po-mar, ou em sua

mesa de café da manhã.

Mu i t a s e s p é -

c i e s d e

f ru -t o s

e x i s -tentes no

ecossistema são coleta-

das e registradas como amostras

para fins de estu-dos científicos. Para

saber detalhes sobre cada um dos frutos, é

necessário acessar um programa de computa-

dor que agrega informações

sobre cada espécie coletada e registrada.

XilotecaUma coleção de madeira é de grande re-

levância para conhecer o valor científi-co e econômico das madeiras existentes no Brasil e no mundo. Ao mesmo tempo, seus exemplares servem como fonte de es-tudo, analisando as propriedades físicas, durabilidade e conservação da madeira.

Cada uma das espécies registradas é como um sumário ou uma dissertação que engloba vasta informação, representando grande im-portância em museus, escolas e universidades, por seu valor didático e docente. A coleção de madeira ou xiloteca foi inserida ao Projeto Centro de Excelência, como um dos componen-tes do Programa Piloto do Governo Brasileiro

O que são plantas?Só para refrescar a memória: plantas são

seres vivos que pertencem ao reino plan-tae, e que na maioria das classificações, é qualquer um dos vegetais vivos verdes que contém clorofila. Geralmente a maioria dos alimentos que comemos provêm das plantas.

Cuidados de colecionadorPara manter um Herbário em per-

feito estado de conservação é preci-so muita atenção e cuidado. Quem ima-gina que pela facilidade de encontrar plantas na região, a manutenção de um her-bário funcionando é barato, está enganado.

O curador informou que é necessário anu-almente no mínimo R$ 80 mil para manter a coleção aberta para visitação e consulta dos estudantes. Os recursos são utilizados para conservar a coleção, principalmente em infra-estrutura e para furmigações, ou seja, aplicação de um conjunto de gases.

Esta composição, ajuda no extermínio fun-gos e pragas que atacam as amostras. Cada aplicação de gás Toxin custa R$ 8 mil, sendo preciso duas aplicações por ano. “ Caso uma aplicação não seja feita nós podemos preju-dicar toda a coleção”, destacou Franciscon.

Endereço do HerbárioAvenida André Araújo, 2.936 – AleixoFunciona de 8h as 18h, para consulta

Coleções associadas Tire suas dúvidas

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tar

alimentosUm enxame de

Qual seu conhecimento sobre abelhas? O que todo mundo sabe, que fabricam mel, atacam os alimentos, ferroam as pessoas...

Até aí tudo bem. Mas, quase ninguém sabe a real importância desses animais. Eles são res-ponsáveis por 35% da produção mundial de alimentos, 60% das 1.500 plantas utilizadas para consumo do homem e por, aproximada-mente, 150 bilhões de lucro ao ano para o país.

Quem faz essa afirmação é o pesquisador dou-tor Márcio Oliveira, coordenador de pesquisas entomológicas, que trabalha há sete anos no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele relata a importância da abelha e suas contribuições para o desenvolvimento sus-tentável do mundo. Segundo ele, calcula-se que

75% dos seres vivos do planeta sejam insetos.

O primeiro contato que o pesquisador teve com o Inpa foi quando fez seu mestrado em 1989. Ele conta que foi uma oportunidade muito boa estudar em um Instituto renoma-do e com tantos recursos para ajudar na sua pesquisa. Após o mestrado, Oliveira, que é de Minas Gerais, voltou para sua cidade e só em 2002 retornou para Manaus. A partir daí, iniciou suas pesquisas no Instituto sobre as abelhas.

Seu trabalho consiste em conhecer as espé-cies de abelhas que têm na Amazônia - segundo ele existem cerca de 500 espécies do Amazo-nas - isso inclui os nove estados da Amazônia brasileira, mapear as áreas onde as abelhas estão, conhecer as plantas que elas polini-zam, além de proteger as áreas onde vivem.

> Por THarCila MarTins

De acordo com o pesquisador Márcio Oliveira existem cerca de 500 espécies de abelhas no Amazonas

ACERVO ASCOM

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A atual atividade realizada por Oliveira é com abelhas africanizadas, resultado do cruzamento de abelhas africanas trazidas para o Brasil na década de 1950, com abelhas européias trazi-das pelos imigrantes no século 19. “É uma abe-lha que não nos pertencia e foi trazida para a região”, afirma. Apesar de estar na Amazônia, o inseto não está dentro da floresta, que era uma preocu-pação existente pelo pesquisa-dor, pois elas poderiam acabar com as espécies que lá vivem.

A abelha africanizada foi tra-zida para o Amazonas para fazer parte de um experimento para a produção de mel, mas depois houve uma perda de controle e elas fugiram. Para Oliveira, essa espécie não é abundante em Manaus, pois elas precisam de lugares desmatados e abertos para sobreviver. “Ela só fica nas áreas desmatadas. Não adianta fazer a atividade de apicultura com essas abelhas, pois se elas não usam a floresta e não teriam como viver aqui, diz.

Atualmente, a única preocupação com as abelhas africanizadas é em relação ao ataque

delas. Algumas pessoas não sabem como se defender e ao invés de afastá-las, fazem com que elas se aproximem mais. O ponto positi-vo dessas abelhas é a produção de mel, o que não é possível no Amazonas, pois seria preci-so desmatar áreas para a criação dessa abelha.

Desmatamento

O desmatamento é uma gran-de ameaça para as abelhas. Pois as abelhas da Amazônia vivem na floresta e se alimentam de muitos frutos que tem lá. Se a floresta for desmatada as abelhas vão desaparecer, pois suas colônias serão destruídas.

Se isso acontecer, muitos frutos polinizados por esses animais vão desaparecer junto com eles. Segundo Oliveira, o possível desaparecimento das

abelhas é uma preocupação das Organizações das Nações Unidas (ONU), pois esses insetos são muito importantes para a produção de alimen-tos. “Tem uma frase atribuída ao Einsten que diz, ‘Se as abelhas desaparecerem, o mundo não vive mais que quatro anos’, afirma o pesquisador.

O desaparecimento das abelhas é preocupação da ONU, pois esses insetos são importantes para a produção de alimentos

Afinal, para que servem as abelhas?As abelhas são os principais

agentes polinizadores dos ve-getais. Grande parte das frutas consumidas, como por exem-plo, abacate, abóbora, algodão, café, caju, cebola, laranja, limão, feijão, melancia, melão, entre outros, é polinizado por elas.

Funciona assim, as cores e chei-ros das flores atraem os animais. Assim, as abelhas chegam mais rápido e tocam as flores, uma a uma, deixando pelo caminho uma nova fruta. Eles servem para levar o pólen de uma flor para outra da mesma espécie, por isso são tão importan-tes no processo de produção dos alimentos.

No Amazonas, por exemplo, elas polinizam frutas importantes da região. É o caso do cupuaçu, que precisa da abelha para levar o pólen de uma flor para a outra, para só depois haver a formação do fruto. Além do cupua-çu, outras frutas como pupunha e castanhei-ra também são polinizadas pelas abelhas.

FOTOS: EDUARDO GOMES

Para Oliveira as abelhas (no detalhe) são importantes para o desenvolvimento sutentável do mundo

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gra

ção

comunidadeDe portas abertas para a

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Um domingo ensolarado de junho de 1992 marcou o início de um processo de abertura dos “portões” do Instituto Nacional de Pes-

quisas da Amazônia (INPA) para a comunidade. Uma atividade especial, o “Inpa de portas aber-tas”, levou mais de três mil pessoas ao campus do Instituto. Os visitantes conheceram animais amazônicos, participaram de palestras sobre as pesquisas desenvolvidas no Inpa e conheceram as instalações e o campus do centro de pesquisas.

Embrião do que é hoje o Bosque da Ciência, a programação do “Inpa de portas abertas” foi feita para atender a um chamado da popula-ção de Manaus. À época, apesar de já ser reco-nhecido internacionalmente como gerador de conhecimentos sobre a Amazônia, o Inpa ain-da era uma incógnita para muitos manauaras.

O entendimento da neces-sidade de criar um elo com a comunidade através da difusão científica se fortaleceu em um momento de crise. No início da década de 1990, Manaus sofreu um boom de invasões de terras. Nesse período, aproximadamen-te 15 metros do terreno do INPA foi tomado por moradores da comunidade do entorno. Inicial-mente, para controlar a situação, a direção do Instituto construiu uma cerca de arame farpado, mas foi em vão. Foi quando os muros deixaram de ser barrei-ra, que a comunidade começou a respeitar e valorizar o INPA.

Quem não se comunica?

Apenas o diálogo com a comunidade acadê-mica, através dos artigos científicos da revis-ta Acta Amazônica, já não bastava. Era preci-so continuar mantendo essa relação estreita com os intelectuais, construída desde 1971, mas também estabelecer formas mais popu-lares de socialização da produção científica.

A iminente invasão às terras do Inpa trouxe perdas, mas acarretou um ganho maior. Ajudou a desengavetar o projeto do Bosque da Ciência. Três anos depois das atividades especiais do “Inpa de portas abertas”, em 1 de abril de 1995, o Bosque começou a funcionar como parte da co-memoração pelos 40 anos do Instituto. Naquele momento, a produção científica passou a ser di-fundida por meio de uma linguagem mais simples.

Um dos idealizadores do projeto, o botânico

Juan Revilla, acreditou, desde o início, que a cria-ção de um parque zoobotânico dentro de Manaus seria bom para o Inpa, que teria uma nova frente de ação com a comunidade, e para os moradores que, a partir daquele momento, ganhariam uma nova opção de lazer, educação científica e cultura.

Quando ajudou a idealizar o Bosque da Ciência, Revilla trouxe na bagagem a experiência adquirida pelo trabalho no Jardim Botânico da Universidade Nacional Maior de São Marco, em Lima, Peru, sua cidade natal. Hoje o Bosque da Ciência está conso-lidado, mas no início, as dificuldades foram muitas. “Nosso principal empecilho no início era de caráter financeiro. Não tínhamos recursos para implantar o projeto. Ele só vingou porque o diretor José Seixas Lourenço estava certo de que o Bosque da Ciência era um projeto estratégico para o Inpa”, relembra.

Além de auxiliar na socialização do conhecimen-to científico produzido nos la-boratórios do Inpa, o Bosque da Ciência também se fixou como uma opção de lazer. Os parti-cipantes podiam ter acesso aos animais que vivem nas matas do Bosque, como cotias, macacos, jacarés, peixes-boi, ariranhas, araras e outras aves, às infor-mações e visitas guiadas com os Pequenos Guias e as exposições artísticas do Paiol da Cultura.

Nas palavras de um dos coor-denadores do Bosque da Ciên-cia, Jorge Lobato, a consolida-ção do trabalho desenvolvido a partir da iniciativa pode ser observada nas atividades reali-zadas fora do Bosque. “O Bos-que estabeleceu no roteiro tu-rístico de Manaus um espaço de

visitação científica. Tanto para a população local, quanto para os turistas. Além disso, desenvolve-mos uma série de programas de difusão científica nas escolas, universidades e empresas”, enfatiza.

Além disso, a partir do sucesso do Bosque da Ciência, o Inpa passou a investir em outros projetos de difusão científica. “Além de ser re-ferência em educação ambiental e difusão cien-tífica, a iniciativa do Inpa foi tão bem sucedi-da que acabou inspirando a criação de outros projetos com a mesma proposta de socializa-ção do conhecimento científico”, conta Lobato.

Atualmente, o Bosque da Ciência passa por uma reforma que, dentre outras coisas, vai revitalizar as instalações dos prédios que compõem o com-plexo, além de cimentar as trilhas que levam o visitante a passear por dentro da mata do Bosque.

> Por Tabajara Moreno

Criado para mostrar as atividades desenvolvidas pelo Inpa e conter a invasão às terras do instituto, o Bosque da Ciência acabou incentivando a elaboração de outros projetos de difusão científica

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O local onde atualmente funciona o Paiol da Cultura do Inpa, antes era um depósito de produtos inflamáveis. Lá se guardava com-bustíveis e produtos químicos utilizados nos experimentos laboratoriais. Com o Bosque da Ciência em pleno vapor, o depósito foi refor-mado dando lugar a exposições artísticas.

Da inauguração, em 1995, até julho de 2009, mais de 1700 exposições já passaram pelo Paiol. Todas, selecionadas pelo coordenador do Paiol da Cultura, Ney Amazonas. Radia-lista e funcionário do Inpa desde 1978, Ney passou a integrar a equipe do Bosque da Ci-ência um ano após a inauguração do espaço.

Apresentador oficial dos eventos do Inpa, Ney traz no currículo uma larga experiência artísti-ca. Além de apresentar por mais de 20 anos o programa radiofônico “Um Toque de Bar”, que começou na rádio Amazonas FM e percorreu ou-tras emissoras como as rádios Tarumã, A Críti-ca e Novidade FM, ele também participou de

espetáculos teatrais e apresentou, durante as décadas de 1980 e 1990, o Festival Folclórico do bairro Parque 10 e o bloco das Piranhas, tradicional evento carnavalesco de Manaus.

Com a atual reforma, Ney diz estar an-sioso para colocar em prática um antigo so-nho: fazer com que além das exposições ar-tísticas, o Paiol da Cultura se transforme em palco de espetáculos de teatro, dança, re-citais, apresentação de cantores, lançamen-to de livros e eventos de cunho científico.

Para ele, a instalação de um espaço de pro-moção artística dentro de um parque zoobotâ-nico é extremamente importante, pois estimula o prestígio às obras de arte. “O amazonense não tem hábito de prestigiar os artistas locais, principalmente, os artistas plásticos. Ter, em um local como o Bosque da Ciência, onde o fluxo de pessoas é muito grande, um espaço destinado aos artistas é uma contribuição úni-ca que o Inpa dá para a sociedade”, defende.

uma explosão de arte regionalParticipantes têm acesso aos animais que vivem nas matas do Bosque, às informações, visitas guiadas e exposições do Paiol da Cultura

EDUARDO GOMES

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A década de 1990 não marca apenas a criação do Bosque da Ciência no Inpa, mas também o surgimento de diversos outros projetos de edu-cação ambiental e socialização da pesquisa cien-tífica. Todas as iniciativas convergem na mesma proposta: formar criticamente crianças e adoles-centes para que elas multipliquem as informações científicas agindo em prol do meio ambiente.

O projeto “Pequenos Guias” investe na for-mação ambiental crítica de crianças na faixa etária de 10 anos que moram nos bairros vi-zinhos ao Inpa. Conforme a coordenadora do Laboratório de Psicologia e Educação Am-biental (LAPSEA/Inpa), Maria Inês Higuchi, além de dados sobre o Bosque da Ciência, “a formação dos ‘Pequenos Guias’ contem-pla ainda uma postura crítica dos estudan-tes sobre os problemas ecológicos mundiais”.

Depois de um período de seis meses de for-

mação com pesquisadores, técnicos e funcio-nários do Inpa, os “Pequenos Guias” passam a acompanhar os visitantes do Bosque da Ciência, prestando informações técnicas sobre animais e plantas estudadas pelas pesquisas do Inpa.

O projeto “Pequenos Guias” é organizado pelo Grupo de Pesquisas em Educação Am-biental (GPEA) e surgiu em 1994 sendo que mais de 800 crianças já fizeram parte dele.

Outra iniciativa do Inpa voltada à difusão científica é o projeto “Circuito da Ciência”. Rea-lizado pela Coordenação de Extensão do Inpa, o “Circuito” está completando dez anos em 2009. Todo o último sábado de cada mês crianças da educação infantil participam de uma programa-ção especial de socialização do conhecimento científico de forma lúdica. Ao longo dessa dé-cada de existência, o “Circuito da Ciência” já foi acompanhado por mais de 25 mil crianças.

Multiplicando ciência

Visitantes podem ter acesso aos animais que vivem nas matas do Bosque, como

cotias, macacos, jacarés, peixes-boi, ariranhas, araras, entre outors

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Chelus fimbriatusO curioso caso de

Região Amazônica, década de 40 do Século XVI. Um homem de mais ou menos 50 anos de ida-de caminha com certa dificuldade por entre a

densa relva. Munido de folhas de papel, ele even-tualmente faz algumas paradas para observar o movimento das árvores. Quase não venta. “Enfer!” (Inferno!) – resmunga o homem, em francês, refe-rindo-se ao calor insuportável daquela selva Tropical.

Em meio ao material que ele carrega consigo, exis-tem alguns rascunhos de desenhos de pássaros. Ele não é artista, porém. Trata-se de um médico francês que também ganha a vida como naturalista. Após algu-mas horas de caminhadas, já exausto, o homem che-ga às margens de um lago e se agacha para beber das águas calmas. É nesse momento que o naturalista vê, pela primeira vez, uma criatura esquisita e assustado-ra logo abaixo do espelho d’água, a poucos metros de si; algo que mais parecia um monstro Pré-Histórico. “Quic’est ça!?” – exclamou assustado (O que é isso!?).

O monstro em questão tinha a cabeça plana, lon-ga, triangular e repleta de marcas semelhantes a es-pinhos, antecedida por um longo pescoço, também cheio de dobras de pele similares a folhas secas. Seus olhos eram tão pequenos que eram quase im-perceptíveis em relação a todo o resto. Uma carapaça escura e de textura cheia de projeções pontiagudas era predominante em seu corpo, que não era muito grande – tinha cerca de 50 centímetros de uma pon-ta a outra da carapaça. Os dedos das patas – quatro nas traseiras e cinco nas dianteiras – eram divididos por membranas finas, e cada um deles possuía longas

> Por Mário benTes garras nas pontas. Tão logo viu a criatura, o francês pôs-se de pé, apanhou os papéis e deu o pontapé inicial para a História científica do mais estranho dos quelônios amazônicos: o Matamatá (ou Matá-matá).

“Patinho feio”

A detalhada reconstituição histórico-dramática narrada acima é fictícia, mas não seria de se surpre-ender se a reação do médico e naturalista francês Pierre Barrère (1690-1755), em idos de 1740, tivesse sido bem parecida. Dadas às suas particularidades estéticas únicas, o Matamatá provavelmente carrega o título de menos simpático dos quelônios amazôni-cos. Tudo bem, sejamos honestos, ele é feio – pelo menos para a maioria dos que o vêem. Uma rápida busca na Internet pode trazer, além de informações científicas, algumas descrições no mínimo curiosas.

Um bom exemplo foi o caso do cientista Benja-min Davidson que, em 2001, em um artigo pu-blicado pela University of Michigan Museum of Zoology, fez a seguinte declaração sobre o indi-víduo em questão: “(...) Chelus fimbriatus (nome científico do dito cujo) é quase surrealista na apa-rência, e, à primeira vista pode assemelhar uma pilha de escombros”. Exagerado, mas criativo.

Mais de quatro décadas depois da primeira descri-ção do réptil feita por Barrère, o também naturalista Johann Gottlob Schneider (1750-1822) fez a primeira classificação científica do Matamatá. A graça Chelus fimbriatus, apontado em 1783 por Schneider, pode não ser tão bela quanto o visual despojado desta tartaruga, mas certamente não é tão estranha como

O matamatá, cuja a primeira descrição foi feita há mais de quatro décadas, gosta de viver em águas superficiais, ao longo da margem de lagos e em áreas de florestas inundadas. Seus fígado e músculos concentram elevados índices de mercúrio, metal perigoso quando ingerido pelo homem

CHELUS FIMBRIATUSGRAVURA DE R A LYDEKKER - DO THE ROYAL NATURAL HISTORY MATAMATA

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Chelus fimbriatusos outros nomes dados ao animal em outras partes, como bachala (Colômbia), caripatúa (Colômbia e Venezuela), ope hara (índios Guaribo) e hedionda (Colômbia) – este sim, um nome muito adequado.

Herbívoro, eu?

Encontrado em boa parte dos países que compõem a Amazônia Sul-Americana – Brasil, Venezuela, Co-lômbia, Equador, Peru, nordeste da Bolívia, Suriname e Guiana Francesa – o matamatá gosta de viver em águas superficiais, ao longo da margem de lagos e em áreas de florestas inundadas. Apesar da aparen-te tranquilidade e sutileza dos gestos, este quelônio é um dos poucos de hábitos alimentares quase que completamente carnívoros. Portanto, se por algum momento você comparou o matamatá a aquele seu jabutizinho fofo criado dentro de um balde d’água e vivendo de alface, tire o cavalinho da chuva: ele não é muito fã de verduras. Quem afirma é o pes-quisador especialista em répteis e quelônios, Ri-chard C. Vogt, professor titular no Instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia (Inpa) – onde ocupa ainda cargo de curador da Coleção de Anfíbios e Répteis.

No livro “Tartarugas da Amazô-nia” (Gráfica Biblos, 2008), Vogt explica os hábitos alimentares da tartaruga e as táticas de guerri-lha por ela adotada para apanhar suas presas. “Quando um peixe se aventura pelas adjacências, essa tartaruga lança sua cabeça para frente em um súbito movimento, atacando rapidamente como uma cobra, abrindo a boca simultane-amente e expandindo os ossos hióides bem desenvolvidos na ca-beça, sugando o peixe e a água para dentro da boca como um poderoso limpador a vácuo, engolindo o peixe inteiro”, explica o pesquisador, no capítulo 6 do livro, dedicado ao guloso matamatá (página 55).

Mas o longo pescoço do Chelus não é usado apenas para o ataque, segundo Richard Vogt, mas atua tam-bém como um importante recurso defensivo: “Quan-do segurado, uma mata-matá recém capturado irá debater a cabeça e o pescoço para trás em direção à carapaça e vomitar conteúdos estomacais sobre quem o estiver segurando. Essa tartaruga parece ter a mes-ma força para exalar e arremessar uma sopa de peixe rançosa, como faz para sugar o peixe inicialmente”. A tática pode ser até nojenta, mas certamente deve ser eficaz contra seus inimigos – salvo a exceção de algum deles gostar de sopa de peixe de segunda mão.

Não ouse me comer

Antes que algum mal-informado tente se ali-

mentar de matamatás – o consumo de seus pa-rentes, como jabutis e tracajás, é comum na re-gião amazônica –, um aviso importante: assim como em todo o mundo animal, aparências es-tranhas e cores fortes geralmente são bons indi-cadores para que ninguém se aproxime. E com o Chelus fimbriatus não é diferente. Mas isso não se trata apenas de mera especulação. O consu-mo de matamatás realmente não é aconselhado.

Prova disso é o resultado uma pesquisa publi-cada no fim do ano passado por Richard Vogt e outros três pesquisadores. O trabalho concluiu que o fígado e os músculos de espécies carnívoras de tartarugas que habitam a região – entre eles o ma-tamatá – concentram elevados índices de mercú-rio, um metal usado principalmente em áreas de mineração e que é perigoso quando ingerido pelo homem. “(...) o músculo de C. Fimbriatus pode re-presentar um risco à saúde das populações ribeiri-nhas. Tais espécies com um nível trófico (de nutri-

ção) alto poderiam ser melhores bioindicadores de exposição e efeitos”, conclui a pesquisa.

O pesquisador, no entanto, relata em seu livro que algumas tribos indígenas costumam se alimentar de matamatás, mas é enfático ao se referir à opinião dos ribeirinhos sobre a iguaria: “(...) algumas tribos indígenas o consomem quando o encon-tram, mas a maioria dos ribei-rinhos no Brasil rejeita esta tartaruga devido à sua aparên-cia peculiar bem como seu odor almíscar”. Ou seja, além de ser feio, ter mercúrio no sangue e nos músculos, o mata-matá

ainda consegue feder. Ponto para ele, que, fora o caso de alguém descobrir que sua carapaça ou outra parte do corpo possa ter algum valor co-mercial notável, vai continuar fora da lista de es-pécies ameaçadas. E ponto para a natureza, que se mantém com sua diversidade em equilíbrio.

Mas caso alguém ainda tiver dúvidas quanto a ter o mata-matá em seu almoço, apesar do vo-lume de informações dizendo exatamente o con-trário, siga o conselho do pesquisador Richard C. Vogt, que é quem entende do assunto: “Além do seu ‘delicioso’ conteúdo estomacal, eles também exalam ar para produzirem um som alto alarman-te. Tal som pode ser efetivo para alarmar e re-pugnar alguns predadores mamíferos pequenos bem como humanos, prevenindo-os de serem co-midos – Eu certamente não teria dúvidas de que não comeria!”. Bem pensado, Vogt. Bem pensado.

*Colaborou: Carolina Nunes

Descrito pela primeira vez em 1741 e batizado quatro décadas depois, o quelônio amazônico chama a atenção pelo visual desprovido dos tradicionais padrões de beleza

Revista de divulgação científica do

INPA