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O Governo Dilma (2011-2014) e as Forças Armadas: Breves Considerações Sobre a
Inserção da Mulher1
Priscila Morrone2
Felipe da Silva, Kayque Ferraz, Lenina Canesso, Luana dos Santos e Roberta Melo3
RESUMO
Este estudo tem por objetivo verificar a presença da mulher nas Forças Armadas Brasileiras
(FFAA) durante o Governo Dilma Rousseff (2011-2014). Para tanto, um breve histórico foi
feito acerca da inserção institucional das mulheres na Marinha, Exército e Aeronáutica, a
partir década de 1980. A hipótese a princípio defendida era que o Governo Dilma havia
ampliado o acesso das mulheres às FFAA de maneira significativa e que estas estariam a
partir de então alcançando mais cargos de comando dentro das FFAA. Metodologicamente,
elaboramos uma revisão bibliográfica de artigos sobre a temática central, bem como uma
análise sobre as leis aprovadas que auxiliaram no processo de entrada das mulheres nas
FFAA. Nossa conclusão é que o Governo Dilma, apesar de ter pautas progressistas e
discursos em favor da igualdade de gênero, não foi um governo no qual houve grande
crescimento da participação feminina nas FFAA e não significou também um momento de
alcance aos postos mais elevados da hierarquia militar pelas mulheres.
Palavras-chave: Forças Armadas; Inserção; Mulheres; Governo Dilma Rousseff
INTRODUÇÃO
É notória a ampliação do espaço que questões de gênero tem alcançado no seio do
debate público e na academia nas últimas décadas. Contudo, no que se refere aos estudos de
gênero, essa temática ainda é trabalhada de forma restritiva, uma vez que grande parte das
discussões refletem preocupações relativas à violência contra a mulher, ou ainda, seu papel
setores específicos da sociedade. Objetivando contribuir para superar essa lacuna, esse
trabalho discorre acerca do papel da mulher enquanto agente de conflito, ou seja, pensar a
presença das mulheres nas Forças Armadas Brasileiras (FFAA), ainda limitada às funções
secundárias.
1 Este artigo é um estudo preliminar realizado no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Relações
Internacionais da FMU (NESPRI-FMU). 2 Bacharel em Ciências Sociais, licenciada em Ciência Sociais e mestre em Relações Internacionais (UNESP).
Professora do curso de Relações Internacionais da FMU. 3 Graduandos do curso de Relações Internacionais pela FMU e membros do Núcleo de Estudos e Pesquisa em
Relações Internacionais da FMU (NESPRI-FMU).
2
Na literatura recente das Relações Internacionais, o feminismo tem se desenvolvido
como agenda teórica sólida dentre as abordagens ditas contemporâneas. Trata-se aqui de
identificar e questionar o papel ocupado pelas mulheres na política internacional. Como é
sabido, o feminismo enquanto movimento político ganha fôlego nas décadas de 60 e 70, como
reflexo de contestação e insatisfação social do papel tradicionalmente ocupado pelas
mulheres. Nas Relações Internacionais, o feminismo encontra espaço quando da ampliação da
agenda temática e do debate teórico, na transição da década de 80 para 90, constituindo-se em
uma abordagem das relações internacionais orientada pelo debate de gênero.
De acordo com Tickner & Sjoberg apud Pecequilo (2016), as feministas questionaram
a disciplina a pensar como suas teorias poderiam ser reformuladas e incrementadas se as
experiências das mulheres fossem consideradas. Ainda conforme Pecequilo (2016), as autoras
identificaram que tal questionamento sustenta-se em duas bases. A primeira é “chamar
atenção para a invisibilidade das mulheres e a subordinação de gênero na política
internacional e na economia global.” A segunda, objetiva “promover a revisão das categorias
socialmente construídas que quando ‘não’ escondem as mulheres, procuram definir quais são
seus limites de atuação” (PECEQUILO, 2016, p. 213-214).
Suzeley K. Mathias (2005), observou por exemplo que, “como agentes de conflitos, a
presença da mulher é sempre apresentada pelo seu caráter excepcional, desconsiderando que
sua presença nas frentes de guerra e quartéis pode mudar a natureza mesma da batalha”.
Assim, a contribuição da teoria feminista para o campo de estudo das Relações
Internacionais é a de ampliar os estudos de gênero em diversas áreas, tais como “defesa e
segurança (o papel das mulheres nas Forças Armadas, as mulheres como vítimas de guerras, a
manipulação do poder masculino nas sociedades e a instrumentalização de seu bem estar) e
desenvolvimento social”. (PECEQUILO, 2016, 215).
Nessa direção, este trabalho se dedica ao caso brasileiro. A presença feminina nas
FFAA vem crescendo nos últimos anos, entretanto só foi institucionalizada, na década de
1980. Antes disso, o único momento de participação com relativa expressão nas atividades
das Forças Armadas foi durante a II Guerra Mundial, quando algumas mulheres foram
recrutadas para atuar nas enfermarias dos hospitais militares, na Itália (LOMBARDI: 2009,
p.23). Casos emblemáticos de mulheres em combates são encontrados ao longo da história.
Na luta pela independência, por exemplo, Maria Quitéria marcou presença. A Guerra do
Paraguai contou com a participação de Jovita Alves Feitosa. E a Revolução Constitucionalista
3
de 1932 teve Ana Vieira como protagonista em feitos reconhecidos junto ao 1º Batalhão.
O ingresso institucionalizado das mulheres nas FFAA deu-se com o processo de
redemocratização do país pós-ditadura militar. Em 1980, o Corpo Auxiliar Feminino da
Reserva da Marinha – CAFRM foi criado com a aprovação da lei número 6.807, e em 1981
aprovou-se também a criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica – CFRA por
meio da lei número 6.924. Somente em 1989, com a lei 7.831, o Exército permitiu a entrada
de mulheres com a criação do Quadro Complementar de Oficiais do Exército (QCO).
Essas foram as primeiras ações do Estado brasileiro por vias institucionais que
viabilizaram a inserção da mulher nas FFAA. No entanto, é preciso observar os cargos
disponibilizados à sua atuação. Nos três casos, Marinha, Aeronáutica e Exército, o espaço de
atuação das mulheres foi restrito às funções técnicas e administrativas. E, se de um lado o
poder militar inaugura espaço à presença feminina na década de 1980, o poder político, em
sua expressão máxima representado pelo poder executivo, somente é alcançado por uma
mulher com o início do governo da presidenta Dilma Rousseff, em 2011.
Dilma Rousseff foi oficializada como candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) na
convenção nacional do partido em 2010, junto ao então presidente da Câmara de Deputados,
Michel Temer, como seu vice-presidente. A coligação, denominada “Para o Brasil seguir
mudando”, foi eleita em um segundo turno disputado com a chapa “O Brasil pode mais”,
formado por José Serra e Índio da Costa.
Dessa maneira, este trabalho tem como objetivo, analisar a presença da mulher nas
FFAA durante o primeiro governo Dilma. Entendemos que a eleição da primeira presidente
mulher ao cargo mais alto do poder executivo somada às políticas progressistas defendidas
por ela trazem à tona o questionamento se houve ou não um aumento da presença de mulheres
nas FFAA durante o seu governo. Trabalhamos com a hipótese inicial de que houve maior
abertura para atuação das mulheres. E para construir a argumentação, utilizamos como
metodologia de pesquisa revisão bibliográfica, bem como análise de pronunciamentos oficiais
da presidenta e de dados governamentais.
Portanto, pretendemos neste artigo apresentar um breve hitórico de como as mulheres
foram conquistando espaço nas FFAA e, posteriormente, como objetivo central deste
trabalho, analisar a presença da mulher nas FFAA durante o Governo Dilma Rousseff (2011-
2014), bem como as políticas implantadas nesse período que possam ter permitido a
4
ampliação do espaço e da presença da mulher nesses setores, atrelada ainda se a presença
feminina no mais alto cargo da nação fomentou, inspirou ou quiçá desmistificou a fragilidade
do gênero frente a figura masculina e ganhou notoriedade e repercussão na sociedade como
um todo.
1. BREVE HISTÓRICO DA PRESENÇA DA MULHER NAS FFAA
1.1.DÉCADA DE 1980
A inserção da mulher nas Forças Armadas Brasileiras (FFAA) acontece de forma mais
emblemática no início da década de 1980 com o processo de redemocratização pós-regime
ditatorial. No entanto, algumas considerações sobre os períodos anteriores podem ser
destacadas.
Maria Rosa Lombardi (2009) divide o ingresso das mulheres nas FFAA em duas fases:
a primeira entre 1823 e 1976 e, a segunda, entre 1980 e 2004. Podemos inferir que que a
autora identifica tais fases, uma vez que sinalizam o processo de Independência em 1822 e o
início da redemocratização do país com transcurso do governo Geisel (1974-1979) para
Figueiredo (1979-1985). Ao que se soma o fato de que em 1976 que ocorreu a última reforma
das mulheres dentro das FFAA antes do seu ingresso institucionalizado. Em 1976, num total
de 60 mulheres, 3 foram nomeadas como Majores e 57, como Capitães. Como dito, alguns
nomes são representativos para a análise do gradual processo de participação da mulher nas
FFAA e, por essa razão, merecem ser contextualizados.
O governo brasileiro reconhece que Maria Quitéria de Jesus Medeiros foi a primeira
mulher a pertencer uma unidade militar no Brasil, em 1822. Ela fugiu de casa, se alistou
disfarçada de homem e integrou a luta pela independência, quando os partidários da causa
procuraram voluntários na Bahia. Seu pai a encontrou duas semanas depois, mas “foi
impedida de deixar o Exército pelo Major Silva e Castro por reconhecer suas ótimas
qualidades de combatente” (LOIOLA: 2009, p.13). Em outras palavras, Maria Quitéria foi
valorizada enquanto profissional, mesmo em um ambiente onde havia predominância
masculina, visto que ela foi capaz de realizar um trabalho com maestria, assim como os outros
soldados.
O grupo de mulheres comandadas por Maria Quitéria destacou-se na batalha do Rio
Paraguaçu na Bahia, o que a consagrou como heroína das guerras pela independência. Loiola
(2009, p.13) diz que “com o fim da campanha na Bahia, foi promovida ao posto de cadete,
5
condecorada com a Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul, pelo Imperador D. Pedro I e
reformada com o soldo de Alferes (2º tenente) ”. Em 1953, no centenário de sua morte, o
governo brasileiro decretou que seu retrato fosse fixado em todos os estabelecimentos do
Exército Brasileiro. Desde 1996, com o decreto de 28 de junho, Maria Quitéria é considerada
Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.
Destaca-se também o nome de Jovita Alves Feitosa que teve papel protagonista na
propaganda militar durante a Guerra do Paraguai (1864-1870) incentivando os homens a irem
à luta pela pátria brasileira (JÚNIOR; PEREIRA: 2013, p.14). A atuação da Jovita foi
reconhecida pelo poder público recentemente, em sanção presidencial, quando o PLC
122/2013, incluiu seu nome no Livro de Heróis e de Heroínas da Pátria.
Ainda na primeira fase de inserção da mulher nas FFAA, o nome de Ana Vieira da
Silva deve ser lembrado pelos seus feitos na Revolução Constitucionalista de 1932, em São
Paulo. Lombardi (2009, p.23) indica que Ana Vieira foi “ferida em combate e em
reconhecimento pelos seus feitos, foi incorporada ao 1º Batalhão”. Mais uma vez
exemplificando a atuação de mulheres em momentos históricos importantes.
Como já mencionado em 1944, durante a II Guerra, 67 mulheres foram recrutadas pela
Aeronáutica para trabalharem como enfermeiras nos hospitais militares, na Itália, contexto em
que o Brasil sofria pressão norte-americana para se posicionar no conflito4. Com a
desmobilização em 1945, algumas permaneceram com a função no Hospital do Exército, mas
como civis, apenas sendo reconvocadas para o serviço ativo em 1957 na condição de
Segundo-Tenentes (LOMBARDI: 2009, p.23-24). Este episódio demonstrou o
reconhecimento pelos serviços prestados para a defesa nacional, fazendo-se aquiescente sua
reconvocação, sendo essa, inclusive, para cargos de maior hierarquia
Entre a primeira e a segunda fase apresentadas por Lombardi (2009) e, no que se
refere ao âmbito doméstico, experimentamos um novo cenário na política brasileira, período
este compreendido pelos governos militares (1964-1985). Nesse contexto, o governo
Figueiredo (1979-1985) merece destaque, uma vez que a mulher passa a fazer parte das FFAA
no ano de 1980, ou seja, ainda durante seu mandato. A marinha foi a primeira a permitir o
ingresso feminino, seguida pela aeronáutica (1982) e pelo exército (1992). No entanto, foi
negado às mulheres o acesso às funções de combate, como será exemplificado mais à frente.
4 MOREIRA, Regina da Luz. 1944: O Brasil vai à guerra com a FEB. Disponível em
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/FEB > Acesso em 30 de abril de 2017.
6
Suzeley Mathias (2005) entende que o primeiro fator que levou à integração das
mulheres nas FFAA foi a democracia. A democracia é quem “exige maior igualdade na oferta
de oportunidades para os cidadãos” (MATHIAS: 2005, p.3). Concordando com a autora,
Mariza Almeida (2010, p.81) mostra que, com o processo de redemocratização houve uma
nova correlação de forças na sociedade que favoreceu a vocalização de demandas de novos
grupos, dentre os quais estavam o novo sindicalismo, o clero católico, o movimento feminista,
a Associação Brasileira de Imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil, e os novos partidos
políticos.
Deste modo, podemos inferir que é na década de 1980 que as mulheres ingressam “no
mercado de trabalho, brigam por seus espaços, rompem com paradigmas que as classificam
como exclusivamente frágeis, submissas e doces e, não raro, sustentam suas próprias famílias
e cumprem jornadas múltiplas (ROVINA e SOUZ: p.16).5” Reforçando a ideia de que a
mulher é plenamente capaz de exercer funções que vão além das que lhe são designadas
socialmente.
Outro elemento apresentado por Almeida (2010) que também influencia o processo de
inserção da mulher nas FFAA é o seguinte: a mulher enquanto militar poderia contribuir para
humanizar as instituições perante a sociedade, já que a imagem das FFAA estava desgastada
por conta da repressão dos governos militares. Por exemplo, a autora entende que a mulher
militar só foi acolhida de maneira vibrante pelo público nos desfiles militares, por que
emprestou a sua imagem de suavidade à instituição.
Com o processo de redemocratização do país, o ingresso das mulheres nas FFAA se
inicia. Em 7 de julho de 1980 é aprovada a lei número 6.807, que criou o Corpo Auxiliar
Feminino da Reserva da Marinha – CAFRM. Segundo o seu artigo 1º, o CAFRM “destina-se
a atender encargos do interesse da Marinha, relacionados com atividades técnicas e
administrativas ”6 (grifo nosso). Isto é, ao entrarem para a Marinha, as mulheres já seriam
direcionadas às áreas técnicas e administrativas, ou melhor, no próprio processo seletivo os
cargos já seriam destinado para esses setores.
5 As autoras apresentam que se por um lado houve o rompimento de paradigmas e a mulher passou a lutar por
mais espaços na sociedade, por outro a violência contra a mulher aumentou podendo significar uma cruel
resposta a essas rupturas. 6 Esta lei foi revogada e substituída pela Lei nº. 7.622, de 9 de outubro de 1987, aprovada para reorganizar o
CAFRM. No entanto, também foi revogada pela Lei nº. 9.519, de 26 de novembro de 1997, que dispôs sobre a
reestruturação dos Corpos e Quadros de Oficiais e de Praças da Marinha.
7
O mesmo se repete quando a aeronáutica aprova a lei número 6.924, em 29 de junho
de 1981, que criou, no Ministério da Aeronáutica, o Corpo Feminino da Reserva da
Aeronáutica – CFRA. O artigo 1º diz que o CFRA está “destinado a atender necessidades do
Ministério da Aeronáutica relacionadas com atividades técnicas e administrativas” (grifo
nosso).
A marinha, neste primeiro processo seletivo, admitiu 514 candidatas para o CAFRM.
Desse número, 202 foram para o Quadro Auxiliar Feminino de Oficiais (nível universitário) e
312 para o Quadro Auxiliar Feminino de Praças (nível técnico). A partir de 1997, houve a
possiblidade de ascensão das mulheres para o cargo posto de Capitão de Fragata, para aquelas
advindas do Quadro de Oficiais7.
Com a abertura da aeronáutica em 1982, oito mil candidatas se inscreveram às 150
vagas para Oficiais e 152 para graduadas. As aprovadas atuaram em espaços específicos
dentro da instituição, como por exemplo psicologia, biblioteconomia e análise de sistemas.8
É notável que essas duas primeiras experiências de abertura das FFAA, apesar de
estarem associadas com um contexto de surgimento dos movimentos feministas pelo mundo,
se inserem dentro de uma lógica que atende mais aos anseios das estruturas burocráticos do
Estado do que aos questionamentos feministas. A mulher ser usada como instrumento para
suavizar a imagem desgastada das FFAA por conta do regime ditatorial, prevalece em
detrimento da argumentação a favor da luta de igualdade entre os gêneros.
E mais ainda, determinar por lei que as tarefas do CAFRM e do CFRA seriam somente
“atividades técnicas administrativas”, é dizer que as mulheres militares surgiram como um
recurso para liberar os homens militares das funções burocráticas em terra, e reinseri-los em
funções operativas, enquanto elas ocupam o espaço deixado por eles (ALMEIDA: 2010,
p.84).
1.2.DÉCADA DE 1990
Em 1989, foi aprovada a lei número 7.831, em 2 de outubro, que garantia a inserção
efetiva das mulheres no Exército Brasileiro. Entretanto, assim como os casos da marinha e da
aeronáutica já citados neste artigo, às mulheres destinavam-se os cargos administrativos,
7 Marinha do Brasil. O ingresso das mulheres na Marinha do Brasil. Disponível em
<https://www.marinha.mil.br/content/o-ingresso-das-mulheres-na-marinha-do-brasil> Acesso em 19 de abril de
2017. 8 As mulheres ingressam na FFAA. Aerovisão: a revista da Força Aérea Brasileira. n. 229. 2ªed. Abril. 2011
p.33
8
como mostra o artigo primeiro da lei: “É criado no Ministério do Exército o Quadro
Complementar de Oficiais (QCO), destinado a suprir as necessidades de suas Organizações
Militares (OM), com pessoal de nível superior para o desempenho de atividades
complementares” (grifo nosso).
Somente em 1992, por meio de concurso público, as mulheres conseguiram ingressar
na Escola de Administração do Exército (EsAEx), para compor o QCO. Sendo batizada a
primeira classe mista, em clara homenagem, de Turma Maria Quitéria. Esta que vai formar,
no mesmo ano, mulheres com a patente de 1° Tenente (SANTOS: 2014, p.79). Segundo o
Exército Brasileiro:
Esse relevante avanço corroborou significativamente para o QCO cumprir
com o êxito a sua missão no contexto de modernização do Exército
Brasileiro. Ao inserir a presença feminina no Quadro complementar, o
Exército contribui sobremaneira na consolidação dos valores democráticos
de nossa sociedade.9
A próxima conquista feminina nas Forças Armadas ocorre somente em 1994, com a lei
número 1.294 de 26 de outubro. Neste, conforme a necessidade dos ramos, fica previsto,
através do artigo 1°
§ 2º É permitida a prestação do Serviço Militar pelas mulheres que forem
voluntárias.
§ 3º O Serviço Militar a que se refere o parágrafo anterior poderá ser adotado
por cada Força Armada segundo seus critérios de conveniência e
oportunidade.
Já em 1996, foi estabelecido o serviço militar voluntário feminino para a área da
saúde. Sendo assim a primeira turma, composta por 290 mulheres, possuía médicas,
veterinárias, farmacêuticas, dentistas e enfermeiras.
Neste mesmo ano, o ministro da Força Aérea Brasileira (FAB), Brigadeiro Mauro
Gandra, admitiu o ingresso de mulheres na Academia da Força Aérea (AFA) “para o
recebimento de uma formação acadêmico-militar idêntica aos dos homens em curso de
formação de oficiais de carreira e a possibilidade de atingir o generalato”10.
Em 1997, o Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro, matriculou pela
primeira vez 10 mulheres como alunas, sendo que estas seriam incluídas no Quadro de
Engenheiros Militares (QEM). Neste momento é revogada a lei número 6.807 de 1980, sendo
9 Dia do Quadro Complementar de Oficiais. Noticiário do Exército: A palavra da Força. Centro de
Comunicação Social do Exército, Brasília-DF, 2 de outubro de 2014. 10 Segundo Takahashi (2002, p.135, apud Honorato, Hércules Guimarães p.3)
9
assim substituída pela lei número 9.519, de novembro de 1997. Na Marinha, através do Art.
13, Inciso V:
As Oficiais do atual Quadro Auxiliar Feminino de Oficiais serão
posicionadas, em função de suas habilitações, no Corpo de Engenheiros da
Marinha, nos Quadros do Corpo de Saúde da Marinha ou no Quadro
Técnico, sendo as atuais Segundos-Tenentes promovidas ao posto de
Primeiro-Tenente do novo Corpo ou Quadro. Deste modo as mulheres
deixam de fazer parte do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha,
para comporem os quadros acima citados.
Deste modo, o ano de 1998 foi marcado por significativas conquistas femininas na
Marinha, já que as mulheres agora poderiam ter uma relação igualitária aos homens quanto ao
acesso em cursos e promoções. E vale ressaltar também que elas passaram a integrar os
navios hidrográficos, oceanográficos e de guerra, além de serem autorizadas a integrarem as
tripulações de helicópteros. Apesar dessas conquistas significativas, não era permitido
participarem da Frota da Marinha, a carreira mais importante dentro da Força.
No exército, a primeira turma para Estágio de Serviço Técnico é incorporada, e mais
de 500 mulheres11 ingressam em diversos cargos superiores nas áreas de ciências humanas e
exatas, de acordo com as necessidades da Instituição. Também foram adicionados ao serviço
militar temporário para os seguintes cargos: Auxiliar e Técnico de Enfermagem.
No fim da década de 1990, é criado o Ministério da Defesa, com o papel essencial de
garantir condições necessárias para existência de instituições militares mais avançadas.
Segundo Celso Amorim12, “a atuação do Ministério da Defesa tem contribuído, por meio da
Secretária-geral e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), de inúmeras
formas com o avanço do País, seja na indústria, por meio de novas tecnologias, seja no apoio
à segurança da Copa do Mundo Fifa 2014”.
Assim, esta década se encerra com uma mudança em relação a lógica da defesa
brasileira, tendo em vista a criação do Ministério da Defesa e também das novas leis
estabelecidas referente ao Quadro Auxiliar Feminino de Oficiais e a inserção das mulheres no
Exército, ainda que, no último citado, os cargos fossem reservados a posições administrativas.
1.3. ANOS 2000
11 Exército Brasileiro. A História da Mulher No Exército. Disponível
em:<http://www.eb.mil.br/web/ingresso/mulheres-no-exercito/-/asset_publisher/6ssPDvxqEURl/content/a-
historia-da-mulher-no-exercito?inheritRedirect=false>. Acesso em 01 maio 2017. 12 Portal Brasil, Ministério da Defesa Completa 15 anos. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/defesa-e-
seguranca/2014/06/ministerio-da-defesa-completa-15-anos> Acesso em 19 de abril de 2017
10
A primeira década dos anos 2000 é marcada por algumas mudanças na legislação que
permitiram às mulheres o alcance de outras posições de trabalho dentro das Forças Armadas.
Como por exemplo a possibilidade da participação feminina no exército através do Curso de
Formação de Sargentos de Saúde por via da Portaria 124 do Estado Maior do Exército, de 12
de dezembro de 2000. Significando assim a ampliação da democracia de gênero e maior
abertura da porta de entrada das FFAA para as mulheres.
Em 2003, o primeiro grupo de mulheres foi recebido no Curso de Formação de
Oficiais Aviadoras. Assim como neste curso, a possibilidade de candidatura sem distinção de
gênero no Quadro de Oficiais de Apoio também só foi possível anos depois de sua criação,
com o Sancionamento da Lei 12.797, de 04 de abril de 2013 e o Concurso Portaria DEPENS
número 133-T/DE-2 de 27 de março de 2015.
Seguindo a ideia de inclusão feminina, o Exército regulamentou dois cursos
combatentes – antes, às mulheres não era permitido o porte de armas em combate – o Curso
Básico Paraquedista desde 2006 e o Curso de Operações na Selva desde 2010. Somente em
2006 a primeira turma de mulheres aviadoras se formou com desempenho médio superior ao
dos homens (BAQUIM: 2007, p.5-6).
Além disto, até 2007, a gestação era considerada um fator incapacitante das mulheres
nos concursos públicos da Marinha, mas a partir de então este item foi retirado dos editais de
participação e a inscrição pôde ser feita livremente (LOMBARDI: 2009, p.40).
Deste modo, considerando o ingresso tardio das mulheres nas FFAA, trazemos à tona
a Resolução número 1325, de 2000, do Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas (ONU), que explana acerca na necessidade de participação igualitária das mulheres e
dos homens nos processos de tomada de decisão. A Resolução diz
O Conselho de Segurança (...) apela com urgência aos Estados-Membros
para que assegurem uma representação cada ver maior de mulheres em todos
os níveis de tomada de decisão nas instituições nacionais, regionais e
internacionais, bem como nos mecanismos destinados à prevenção, gestão e
resolução de conflitos (...) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
2000).
Sendo assim, a igualdade entre sexos não deve única e exclusivamente ser tangível ao
direito, mas também à sua representação. Entendemos que é preciso então aplicar a legislação
à prática política e assim ampliar os espaços de atuação das mulheres, tanto nos locais onde o
poder político se expressa, quanto onde o poder militar é constituído.
11
A evolução do efetivo de mulheres nas FFAA entre os anos de 2001 e 2014, conforme
o quadro abaixo, mostra um aumento, ainda que pouco, saltando de 2,9% em relação aos
homens para 6,6%13. Quando colocados em porcentagem este aumento parece ser um tanto
expressivo, mas ao analisarmos em termos absolutos percebemos que a mudança, se
comparada ao aumento do efetivo masculino, é alarmante.
Quadro 1: Efetivo de Homens e Mulheres nas FFAA (2001-2014)
ANO HOMENS MULHERES
2001 258.958 7.804
2014 335.348 23.787
Fonte: ALMEIDA, V. de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas futuras.
Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014
No que se refere aos Oficiais Superiores, observa-se que em 2001 haviam 239 (2,6%)
mulheres e 8.910 homens, enquanto em 2014 as mulheres representavam 8,6% (1.052) e os
homens eram 11.209.14
As tabulações gráficas do mesmo período de análise, segundo os diferentes cargos,
revelam que a maior porcentagem de mulheres está no cargo de Oficiais Subalternos, ou seja,
primeiro e segundo tenente. Elas eram 19,1% em 2001 e 31,8% em 2014, segundo a
Secretaria de Coordenação e Organização Institucional do Ministério da Defesa. Contudo,
deve-se levar em conta que uma parte considerável de tal efetivo se dá graças aos postos
militares temporários, que inviabiliza a permanência nas Forças ao longo prazo.15
Portanto notamos que desde a abertura das FFAA na década de 1980 até o ano de
2016, o número de mulheres tem aumentado progressivamente de modo lento. O último
crescimento foi entre os anos de 2008 e 2016, quando a presença feminina alcançou uma
elevação de 3,3%.
2. GOVERNO DILMA
2.1 Dilma Rousseff e a sua carreira política
A carreira política de Dilma Rousseff começa no início da década de 1980, quando
junto a Leonel Brizola funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e assume a Secretaria
Municipal da Fazenda de Porto Alegre. Assim tornando-se a primeira mulher a assumir o
13 ALMEIDA, Vítor Hugo de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas futuras.
Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014. 14 Ibid. 15 Ibid.
12
cargo. Em 1993, a convite do governador do estado, Alceu Collares, ocupa o cargo de
Secretária Estadual de Energia, Minas e Comunicação. Permanece até 1999, quando Olívio
Dutra toma posse como governador (PT-PDT) e, então em 2000, Dilma filia-se ao Partido dos
Trabalhadores.
Em 2002, é convidada pelo então presidente Lula da Silva, a participar da equipe de
transição do governo, graças a sua eficiência na gestão da Secretaria Estadual de Energia,
Minas e Comunicação, durante a crise de abastecimento de energia em 2001. Com a posse de
Lula, Dilma foi nomeada a nova Ministra de Minas e Energia. Diversas foram as suas
realizações enquanto Ministra, como por exemplo a introdução o biodiesel na matriz
energética brasileira, a criação do programa Luz para Todos e organização de um plano que
evita novas crises de abastecimento de energia no país.
Permanece no posto até 2005, quando é convidada a fazer parte da chefia da Casa
Civil, em substituição a José Dirceu, pelo presidente da época, Lula. Dilma abandona seu
cargo em abril de 2010 para se candidatar à presidência.
No segundo turno, no dia 31 de outubro de 2010, é eleita a nova presidenta do Brasil
com 55.752.529 votos (TSE). Após quatro anos de governo, foi reeleita em 2014 e afastada
definitivamente da Presidência em agosto de 2016, após o processo de impeachment ser
concluído no Congresso Nacional.
A vida política de Dilma demonstra que é possível, mesmo em meio a adversidades,
uma mulher chegar ao poder, uma vez que ela foi a primeira a assumir todos os cargos que
ocupou, o que abre novas portas para o ingresso de mulheres que almejam uma carreira
política. Esse fato não passa despercebido, uma vez que, em um de seus discursos em
homenagem ao Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2013 sinaliza a importância da
igualdade de gênero ao dizer:
Minhas queridas brasileiras (...) um governo comandado por uma mulher
tem mais que obrigação de lutar pela igualdade de gênero, pela defesa
intransigente dos mesmos direitos para homens e para mulheres. Esta, aliás,
deve ser a disposição de qualquer governo, seja ele comandado por um
homem ou por uma mulher. (...) Nenhum país moderno pode desperdiçar a
energia e o talento das mulheres, sob o risco de deformar o seu presente e
comprometer o seu futuro. A desigualdade de gênero não é apenas
socialmente maléfica como economicamente destrutiva. Por sabermos disso,
somos o governo com o maior volume de políticas públicas em favor da
mulher em nossa história, mas precisamos e vamos fazer muito mais.
13
Fonte: ALMEIDA, Vítor Higo de A. Mulheres nas Forças Armadas
Brasileiras: Situação atual e perspectivas futuras. Cadernos Aslegis,
Brasília, jan./abr. 2014
A fala da presidenta indica que seu governo era propenso a ampliar os espaços de
atuação das mulheres com vista à diminuição das desigualdades de gênero. Nessa direção, a
expectativa não seria diferente para os quadros das FFAA, objeto deste trabalho. Buscamos
verificar em que medida algumas ações que foram feitas durante o seu governo possibilitaram
um maior acesso às mulheres nesse setor.
2.2 A mulher militar durante o Governo Dilma Rousseff
O primeiro Governo Dilma (2011-2014) foi marcado pela valorização da mulher em
todos os setores da sociedade, inclusive nos setores de Defesa e Segurança. Em seu discurso
proferido em 08 de março 2012, a ex-presidenta evidencia que a voz da mulher é
sobressalente na defesa da paz, da justiça e do amor. Segue trecho do pronunciamento:
A mulher é uma pessoa, antes de tudo, dedicada e trabalhadora, precisa,
portanto, de emprego e de capacitação para o trabalho. Temos estimulado
programas de capacitação, microcrédito e igualdade no emprego. Temos
procurado apoiar a luta das mulheres em todas as áreas, sejam elas cientistas,
profissionais liberais, operárias ou empregadas domésticas.
Um passo importante foi também a consolidação da Carta de Intenções entre o
Ministério da Defesa e a ONU Mulheres em 2011 com o objetivo de ampliar a presença
feminina em missões de paz. A Carta é acima de tudo uma afirmação de que o governo
brasileiro tinha a intenção clara de fomento à participação de mulheres na vida pública da
defesa. Esta valorização da mulher de fato não ficou somente em seus discursos. No gráfico 1,
é possível notar um crescimento durante o primeiro governo Dilma do número de mulheres
nas FFAA.
Gráfico 1: Porcentagem de Mulheres nas Forças Armadas 2011-2014
14
Durante o governo Dilma, foi aprovada a lei número 12.704 permitiu o ingresso na
Marinha sem aprovação prévia do sexo, ao revogar o artigo 9º da lei número 11.279 de 2006,
que dizia:
A matrícula nos cursos que permitem o ingresso na Marinha dependerá de
aprovação prévia em concurso público, cujo edital estabelecerá as condições
de escolaridade, preparo técnico e profissional, sexo, limites de idade,
idoneidade, saúde, higidez física e aptidão psicológica requeridas pelas
exigências profissionais da atividade e carreira a que se destinam. (grifo
nosso)
Ou seja, a matrícula nos cursos que permitem o ingresso na Marinha não dependeria
mais da aprovação prévia do sexo, o que possibilitou que as mulheres pudessem se inscrever
sem passarem por desclassificação pautada no gênero, resultando em um crescimento
exponencial na quantidade feminina na Marinha.
Em 2012, a presidenta sancionou a lei número 12.705 que versa sobre os requisitos
necessários para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército. O
artigo 7º do texto aprovado trata sobre em o acesso de mulheres na linha militar bélica. A
escritura diz que: “O ingresso na linha militar bélica de ensino permitido a candidatos do sexo
feminino deverá ser viabilizado em até 5 (cinco) anos a contar da data de publicação desta
Lei.”
Dentro do prazo, o Exército adaptou as estruturas para o ingresso das mulheres na
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e na Escola de Sargentos das Armas (EsSa).
Com o edital para o Concurso de Admissão à EsPCEx, já seguindo a legislação prevista na lei
12.705 de 2012, em 2016, haviam 192 concorrentes mulheres para cada uma das 40 vagas
disponibilizadas para o sexo feminino, totalizando mais de 7,7 milhões de inscrições.
Em 2013, foi realizado o concurso para ingresso na Marinha. Para as 12 vagas
ofertadas às mulheres, 3.355 candidatas se inscreveram. No ano seguinte, após adaptações
estruturais, como obras na enfermaria, no alojamento e nos banheiros femininos, a Escola de
Formação de Oficiais da Escola Naval recebeu a sua primeira turma de mulheres.
Logo, podemos concluir que a inserção da mulher aconteceu de maneira tardia e pouco
estruturada, garantindo apenas condições mínimas a essas profissionais. Além disso, ao
analisar os presentes dados notamos que há sim uma procura por parte das mulheres em
ingressar em áreas militares, ainda que essas instituições possuam certas limitações acerca dos
15
cargos ligados ao combate, como no caso do Exército, que estão limitadas por norma interna,
aos cursos de Material Bélico e de Intendência.
O ministro da Defesa do governo Dilma, Celso Amorim, disse à época que o número
de mulheres nas FFAA ainda era muito pequeno, mas que o aumento na quantidade de
mulheres, ocorrido nos últimos anos, não apenas numérico, mas também em questão de
qualidade, intensidade e termos hierárquicos. Contudo, fica bastante evidente em sua fala o
apelo para que a abertura das FFAA para as mulheres continue exponencialmente. Amorim
considerou que:
Temos observado um crescimento da participação feminina nas Forças
Armada, mas o percentual ainda é pequeno se pensarmos a importância que
tem as mulheres para o conjunto da sociedade e também em vários outros
órgãos da administração pública. Mas esse número vai crescer ao longo dos
próximos anos. (DEFESA NET)
Apesar do aumento constate da presença feminina nas FFAA desde a década de 1980,
precisamos, entretanto, observar quais são as posições que essas mulheres estão ocupando.
Estão estas mulheres ainda em espaços de atuação restringidos à administração, ou à
enfermaria? Suas posições têm mudado na mesma proporção que mais mulheres entram nas
FFAA? É evidente que ambas as ideias estão ligadas e por isso é preciso continuar analisando
e observando tais fenômenos com um estudo mais aprofundado para partir daí criarmos
soluções.
A pesquisa feita por Renata Avelar Giannini (2014) nos mostra que apesar da
ampliação da presença das mulheres das FFAA, elas são, em sua grande maioria, “graduadas
e oficiais subalternas – encontram-se, portanto, na base da hierarquia” (GIANNINI: 2014,
p.15).
No gráfico 2, logo abaixo, é possível observar que é enorme a diferença entre o
aumento do número de mulheres em posição de comando, e o aumento do número de
mulheres na base hierárquica.
Notamos que o grande salto dado nos anos do primeiro governo Dilma, entre 2011 e
2014, foi expressivo numericamente apenas para Graduados e Oficiais Subalternos. Enquanto
isso, o aumento de Oficiais Generais, Superiores e Intermediários foi mínimo.
16
Fonte: GIANNINI, Renata Avelar. Promover gênero e consolidar a Paz: a
experiência brasileira. Instituto Igarapé. Artigo estratégico 9. Set.2009. 34p.
Gráfico 2: Mulheres nas Forças Armadas (2001-2014)
Para maximizarmos o olhar sobre o governo Dilma, os números trazidos por Vítor
Hugo de Almeida (2014) são bastante interessantes também. Nos quadros 2 e 3, é possível
olharmos esses números de maneira sistematizada e compará-los à presença masculina nos
cargos de Oficiais Superiores, Intermediários e Subalternos.
Quadro 2: Mulheres Militares
ANO Oficiais Superiores Oficiais Intermediários Oficiais Subalternos
2011 836 1.094 7.167
2014 1.052 1.220 8.923
Fonte: ALMEIDA, Vítor Hugo de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas
futuras. Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014
É possível observarmos que o número de mulheres na posição de Oficiais Subalternos
é bem maior que o número de mulheres Oficiais Superiores. E o aumento desses números é
menor ainda quando comparado aos homens, como podemos observar abaixo (quadro 3).
Quadro 3: Homens Militares
ANO Oficiais Superiores Oficiais Intermediários Oficiais Subalternos
2011 10.934 7.579 16.533
2014 11.209 7.819 19.146
Fonte: ALMEIDA, Vítor Hugo de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas
futuras. Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014
É notável o aumento de mulheres nessas posições durante o governo Dilma. No
entanto, o número de homens é tão elevado em números absolutos que a presença da mulher é
ínfima. O Plano Nacional de Ação Sobre Mulheres, Paz e Segurança (2017) mostra que as
17
mulheres são hoje apenas 7% de um total de 370.389 Oficiais e Praças em atividade nas
FFAA.
O efetivo de mulheres em 2001 era de 2,9% (ALMEIDA: 2014, p.15). Deste então,
tivemos, portanto, uma ampliação de 4,1%. O crescimento anual desde de 2001, era de
aproximadamente 0,3%. Durante o governo Dilma, pulamos de 5,4% em 2011, para 6,6%.
Apesar deste aumento, a taxa média de crescimento ano logo do mandato era de 0,4% ao ano,
ou seja, nada tão diferente à média de crescimento anual desde 2001.
As políticas de inserção da mulher nas FFAA são essenciais para o contínuo aumento
da sua presença. Todavia, apenas abertura não é suficiente. O acesso a cargos de mais poder é
também imperativo. Concordamos quando Almeida (2014) diz que é preciso que haja mais
avanços, é necessário focar no desempenho e não no sexo. Em suma, o Governo Dilma
Rousseff foi marcado por discursos que demonstravam tendências à inserção da mulher em
mais espaços na sociedade, e por pequenos avanços dentro das FFAA. No entanto, ainda
restam desafios a serem vencidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa objetivou apresentar um breve histórico da participação da mulher nas
FFAA, mas sobretudo analisar essa participação no Governo Dilma Rousseff (2011-2014).
Com base nos dados encontrados, pudemos verificar que desde a abertura institucionalizada
das FFAA na década de 1980, o número de mulheres tem aumentado progressivamente.
No entanto, a ampliação progressiva feminina nas FFAA, não é sinônimo de acesso a
posições de poder. Os cargos que ocupam continuam a ser de menos destaque no que diz
respeito à hierarquia militar. A impressão dada pelo aumento do número de mulheres como
Graduados e Oficiais Subalternados é que elas estão sendo recebidas nas FFAA cada vez
mais. Entretanto, o quadro de mulheres como Oficiais Superiores, Intermediários e Generais
continua baixo. A mulher continua sendo direcionada a praticamente os mesmos espaços
desde a década de 1980.
As mudanças na legislação ainda pouco atendem aos discursos de empoderamento
feminino. Portas foram abertas, contudo não levavam às escadas da hierarquia militar. As
mulheres continuam se esforçando em atividades meio para talvez um dia chegarem às linhas
de frente e às posições de comando.
18
Como dito, neste artigo trabalhamos com a hipótese de que a chegada de Dilma
Rousseff ao cargo de Presidenta da República poderia ter modificado de forma mais
substancial esta situação, já que ela foi a primeira mulher a alcançar tal posição política, junto
às suas políticas progressistas, o seu discurso de luta pela igualdade de gênero e o tamanho
poder de execução que tinha em mãos haviam resultado em uma ampliação do acesso das
mulheres às FFAA.
Contudo, concluímos que em seu governo a taxa de crescimento do número de
mulheres nas FFAA se manteve quase inalterada, assim como o número de mulheres em
posições de comando dentro das FFAA, ainda que muitas medidas tenham sido
implementadas e que muitos de seus discursos tenham tocado no debate de gênero.
Apesar da ocupante do mais alto posto do executivo do país ser uma mulher, o
Governo Dilma foi inócuo quanto ao incremento do número de mulheres dentro das FFAA.
Ainda nos dias atuais, a mulher não disputa espaço em condições de igualdade com os
homens, o que se reproduz nas FFAA, fazendo-o em quadros apartados, em funções
burocráticas ou administrativas, restringindo ainda sua atuação no fronte e, portanto, sua
capacidade em executar os mesmos serviços que são destinados aos homens. Tais
considerações deixam evidente alguns dos desafios ainda colocados às mulheres e reforçam a
necessidade e relevância dos estudos de gênero no campo de estudo das relações
internacionais.
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19
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