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1 O Governo Dilma (2011-2014) e as Forças Armadas: Breves Considerações Sobre a Inserção da Mulher 1 Priscila Morrone 2 Felipe da Silva, Kayque Ferraz, Lenina Canesso, Luana dos Santos e Roberta Melo 3 RESUMO Este estudo tem por objetivo verificar a presença da mulher nas Forças Armadas Brasileiras (FFAA) durante o Governo Dilma Rousseff (2011-2014). Para tanto, um breve histórico foi feito acerca da inserção institucional das mulheres na Marinha, Exército e Aeronáutica, a partir década de 1980. A hipótese a princípio defendida era que o Governo Dilma havia ampliado o acesso das mulheres às FFAA de maneira significativa e que estas estariam a partir de então alcançando mais cargos de comando dentro das FFAA. Metodologicamente, elaboramos uma revisão bibliográfica de artigos sobre a temática central, bem como uma análise sobre as leis aprovadas que auxiliaram no processo de entrada das mulheres nas FFAA. Nossa conclusão é que o Governo Dilma, apesar de ter pautas progressistas e discursos em favor da igualdade de gênero, não foi um governo no qual houve grande crescimento da participação feminina nas FFAA e não significou também um momento de alcance aos postos mais elevados da hierarquia militar pelas mulheres. Palavras-chave: Forças Armadas; Inserção; Mulheres; Governo Dilma Rousseff INTRODUÇÃO É notória a ampliação do espaço que questões de gênero tem alcançado no seio do debate público e na academia nas últimas décadas. Contudo, no que se refere aos estudos de gênero, essa temática ainda é trabalhada de forma restritiva, uma vez que grande parte das discussões refletem preocupações relativas à violência contra a mulher, ou ainda, seu papel setores específicos da sociedade. Objetivando contribuir para superar essa lacuna, esse trabalho discorre acerca do papel da mulher enquanto agente de conflito, ou seja, pensar a presença das mulheres nas Forças Armadas Brasileiras (FFAA), ainda limitada às funções secundárias. 1 Este artigo é um estudo preliminar realizado no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Relações Internacionais da FMU (NESPRI-FMU). 2 Bacharel em Ciências Sociais, licenciada em Ciência Sociais e mestre em Relações Internacionais (UNESP). Professora do curso de Relações Internacionais da FMU. 3 Graduandos do curso de Relações Internacionais pela FMU e membros do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Relações Internacionais da FMU (NESPRI-FMU).

Inserção da Mulher1 - defesa.gov.br · Nossa conclusão é que o Governo Dilma, apesar de ter ... com o processo de redemocratização do país ... militar no Brasil, em 1822. Ela

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O Governo Dilma (2011-2014) e as Forças Armadas: Breves Considerações Sobre a

Inserção da Mulher1

Priscila Morrone2

Felipe da Silva, Kayque Ferraz, Lenina Canesso, Luana dos Santos e Roberta Melo3

RESUMO

Este estudo tem por objetivo verificar a presença da mulher nas Forças Armadas Brasileiras

(FFAA) durante o Governo Dilma Rousseff (2011-2014). Para tanto, um breve histórico foi

feito acerca da inserção institucional das mulheres na Marinha, Exército e Aeronáutica, a

partir década de 1980. A hipótese a princípio defendida era que o Governo Dilma havia

ampliado o acesso das mulheres às FFAA de maneira significativa e que estas estariam a

partir de então alcançando mais cargos de comando dentro das FFAA. Metodologicamente,

elaboramos uma revisão bibliográfica de artigos sobre a temática central, bem como uma

análise sobre as leis aprovadas que auxiliaram no processo de entrada das mulheres nas

FFAA. Nossa conclusão é que o Governo Dilma, apesar de ter pautas progressistas e

discursos em favor da igualdade de gênero, não foi um governo no qual houve grande

crescimento da participação feminina nas FFAA e não significou também um momento de

alcance aos postos mais elevados da hierarquia militar pelas mulheres.

Palavras-chave: Forças Armadas; Inserção; Mulheres; Governo Dilma Rousseff

INTRODUÇÃO

É notória a ampliação do espaço que questões de gênero tem alcançado no seio do

debate público e na academia nas últimas décadas. Contudo, no que se refere aos estudos de

gênero, essa temática ainda é trabalhada de forma restritiva, uma vez que grande parte das

discussões refletem preocupações relativas à violência contra a mulher, ou ainda, seu papel

setores específicos da sociedade. Objetivando contribuir para superar essa lacuna, esse

trabalho discorre acerca do papel da mulher enquanto agente de conflito, ou seja, pensar a

presença das mulheres nas Forças Armadas Brasileiras (FFAA), ainda limitada às funções

secundárias.

1 Este artigo é um estudo preliminar realizado no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Relações

Internacionais da FMU (NESPRI-FMU). 2 Bacharel em Ciências Sociais, licenciada em Ciência Sociais e mestre em Relações Internacionais (UNESP).

Professora do curso de Relações Internacionais da FMU. 3 Graduandos do curso de Relações Internacionais pela FMU e membros do Núcleo de Estudos e Pesquisa em

Relações Internacionais da FMU (NESPRI-FMU).

2

Na literatura recente das Relações Internacionais, o feminismo tem se desenvolvido

como agenda teórica sólida dentre as abordagens ditas contemporâneas. Trata-se aqui de

identificar e questionar o papel ocupado pelas mulheres na política internacional. Como é

sabido, o feminismo enquanto movimento político ganha fôlego nas décadas de 60 e 70, como

reflexo de contestação e insatisfação social do papel tradicionalmente ocupado pelas

mulheres. Nas Relações Internacionais, o feminismo encontra espaço quando da ampliação da

agenda temática e do debate teórico, na transição da década de 80 para 90, constituindo-se em

uma abordagem das relações internacionais orientada pelo debate de gênero.

De acordo com Tickner & Sjoberg apud Pecequilo (2016), as feministas questionaram

a disciplina a pensar como suas teorias poderiam ser reformuladas e incrementadas se as

experiências das mulheres fossem consideradas. Ainda conforme Pecequilo (2016), as autoras

identificaram que tal questionamento sustenta-se em duas bases. A primeira é “chamar

atenção para a invisibilidade das mulheres e a subordinação de gênero na política

internacional e na economia global.” A segunda, objetiva “promover a revisão das categorias

socialmente construídas que quando ‘não’ escondem as mulheres, procuram definir quais são

seus limites de atuação” (PECEQUILO, 2016, p. 213-214).

Suzeley K. Mathias (2005), observou por exemplo que, “como agentes de conflitos, a

presença da mulher é sempre apresentada pelo seu caráter excepcional, desconsiderando que

sua presença nas frentes de guerra e quartéis pode mudar a natureza mesma da batalha”.

Assim, a contribuição da teoria feminista para o campo de estudo das Relações

Internacionais é a de ampliar os estudos de gênero em diversas áreas, tais como “defesa e

segurança (o papel das mulheres nas Forças Armadas, as mulheres como vítimas de guerras, a

manipulação do poder masculino nas sociedades e a instrumentalização de seu bem estar) e

desenvolvimento social”. (PECEQUILO, 2016, 215).

Nessa direção, este trabalho se dedica ao caso brasileiro. A presença feminina nas

FFAA vem crescendo nos últimos anos, entretanto só foi institucionalizada, na década de

1980. Antes disso, o único momento de participação com relativa expressão nas atividades

das Forças Armadas foi durante a II Guerra Mundial, quando algumas mulheres foram

recrutadas para atuar nas enfermarias dos hospitais militares, na Itália (LOMBARDI: 2009,

p.23). Casos emblemáticos de mulheres em combates são encontrados ao longo da história.

Na luta pela independência, por exemplo, Maria Quitéria marcou presença. A Guerra do

Paraguai contou com a participação de Jovita Alves Feitosa. E a Revolução Constitucionalista

3

de 1932 teve Ana Vieira como protagonista em feitos reconhecidos junto ao 1º Batalhão.

O ingresso institucionalizado das mulheres nas FFAA deu-se com o processo de

redemocratização do país pós-ditadura militar. Em 1980, o Corpo Auxiliar Feminino da

Reserva da Marinha – CAFRM foi criado com a aprovação da lei número 6.807, e em 1981

aprovou-se também a criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica – CFRA por

meio da lei número 6.924. Somente em 1989, com a lei 7.831, o Exército permitiu a entrada

de mulheres com a criação do Quadro Complementar de Oficiais do Exército (QCO).

Essas foram as primeiras ações do Estado brasileiro por vias institucionais que

viabilizaram a inserção da mulher nas FFAA. No entanto, é preciso observar os cargos

disponibilizados à sua atuação. Nos três casos, Marinha, Aeronáutica e Exército, o espaço de

atuação das mulheres foi restrito às funções técnicas e administrativas. E, se de um lado o

poder militar inaugura espaço à presença feminina na década de 1980, o poder político, em

sua expressão máxima representado pelo poder executivo, somente é alcançado por uma

mulher com o início do governo da presidenta Dilma Rousseff, em 2011.

Dilma Rousseff foi oficializada como candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) na

convenção nacional do partido em 2010, junto ao então presidente da Câmara de Deputados,

Michel Temer, como seu vice-presidente. A coligação, denominada “Para o Brasil seguir

mudando”, foi eleita em um segundo turno disputado com a chapa “O Brasil pode mais”,

formado por José Serra e Índio da Costa.

Dessa maneira, este trabalho tem como objetivo, analisar a presença da mulher nas

FFAA durante o primeiro governo Dilma. Entendemos que a eleição da primeira presidente

mulher ao cargo mais alto do poder executivo somada às políticas progressistas defendidas

por ela trazem à tona o questionamento se houve ou não um aumento da presença de mulheres

nas FFAA durante o seu governo. Trabalhamos com a hipótese inicial de que houve maior

abertura para atuação das mulheres. E para construir a argumentação, utilizamos como

metodologia de pesquisa revisão bibliográfica, bem como análise de pronunciamentos oficiais

da presidenta e de dados governamentais.

Portanto, pretendemos neste artigo apresentar um breve hitórico de como as mulheres

foram conquistando espaço nas FFAA e, posteriormente, como objetivo central deste

trabalho, analisar a presença da mulher nas FFAA durante o Governo Dilma Rousseff (2011-

2014), bem como as políticas implantadas nesse período que possam ter permitido a

4

ampliação do espaço e da presença da mulher nesses setores, atrelada ainda se a presença

feminina no mais alto cargo da nação fomentou, inspirou ou quiçá desmistificou a fragilidade

do gênero frente a figura masculina e ganhou notoriedade e repercussão na sociedade como

um todo.

1. BREVE HISTÓRICO DA PRESENÇA DA MULHER NAS FFAA

1.1.DÉCADA DE 1980

A inserção da mulher nas Forças Armadas Brasileiras (FFAA) acontece de forma mais

emblemática no início da década de 1980 com o processo de redemocratização pós-regime

ditatorial. No entanto, algumas considerações sobre os períodos anteriores podem ser

destacadas.

Maria Rosa Lombardi (2009) divide o ingresso das mulheres nas FFAA em duas fases:

a primeira entre 1823 e 1976 e, a segunda, entre 1980 e 2004. Podemos inferir que que a

autora identifica tais fases, uma vez que sinalizam o processo de Independência em 1822 e o

início da redemocratização do país com transcurso do governo Geisel (1974-1979) para

Figueiredo (1979-1985). Ao que se soma o fato de que em 1976 que ocorreu a última reforma

das mulheres dentro das FFAA antes do seu ingresso institucionalizado. Em 1976, num total

de 60 mulheres, 3 foram nomeadas como Majores e 57, como Capitães. Como dito, alguns

nomes são representativos para a análise do gradual processo de participação da mulher nas

FFAA e, por essa razão, merecem ser contextualizados.

O governo brasileiro reconhece que Maria Quitéria de Jesus Medeiros foi a primeira

mulher a pertencer uma unidade militar no Brasil, em 1822. Ela fugiu de casa, se alistou

disfarçada de homem e integrou a luta pela independência, quando os partidários da causa

procuraram voluntários na Bahia. Seu pai a encontrou duas semanas depois, mas “foi

impedida de deixar o Exército pelo Major Silva e Castro por reconhecer suas ótimas

qualidades de combatente” (LOIOLA: 2009, p.13). Em outras palavras, Maria Quitéria foi

valorizada enquanto profissional, mesmo em um ambiente onde havia predominância

masculina, visto que ela foi capaz de realizar um trabalho com maestria, assim como os outros

soldados.

O grupo de mulheres comandadas por Maria Quitéria destacou-se na batalha do Rio

Paraguaçu na Bahia, o que a consagrou como heroína das guerras pela independência. Loiola

(2009, p.13) diz que “com o fim da campanha na Bahia, foi promovida ao posto de cadete,

5

condecorada com a Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul, pelo Imperador D. Pedro I e

reformada com o soldo de Alferes (2º tenente) ”. Em 1953, no centenário de sua morte, o

governo brasileiro decretou que seu retrato fosse fixado em todos os estabelecimentos do

Exército Brasileiro. Desde 1996, com o decreto de 28 de junho, Maria Quitéria é considerada

Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.

Destaca-se também o nome de Jovita Alves Feitosa que teve papel protagonista na

propaganda militar durante a Guerra do Paraguai (1864-1870) incentivando os homens a irem

à luta pela pátria brasileira (JÚNIOR; PEREIRA: 2013, p.14). A atuação da Jovita foi

reconhecida pelo poder público recentemente, em sanção presidencial, quando o PLC

122/2013, incluiu seu nome no Livro de Heróis e de Heroínas da Pátria.

Ainda na primeira fase de inserção da mulher nas FFAA, o nome de Ana Vieira da

Silva deve ser lembrado pelos seus feitos na Revolução Constitucionalista de 1932, em São

Paulo. Lombardi (2009, p.23) indica que Ana Vieira foi “ferida em combate e em

reconhecimento pelos seus feitos, foi incorporada ao 1º Batalhão”. Mais uma vez

exemplificando a atuação de mulheres em momentos históricos importantes.

Como já mencionado em 1944, durante a II Guerra, 67 mulheres foram recrutadas pela

Aeronáutica para trabalharem como enfermeiras nos hospitais militares, na Itália, contexto em

que o Brasil sofria pressão norte-americana para se posicionar no conflito4. Com a

desmobilização em 1945, algumas permaneceram com a função no Hospital do Exército, mas

como civis, apenas sendo reconvocadas para o serviço ativo em 1957 na condição de

Segundo-Tenentes (LOMBARDI: 2009, p.23-24). Este episódio demonstrou o

reconhecimento pelos serviços prestados para a defesa nacional, fazendo-se aquiescente sua

reconvocação, sendo essa, inclusive, para cargos de maior hierarquia

Entre a primeira e a segunda fase apresentadas por Lombardi (2009) e, no que se

refere ao âmbito doméstico, experimentamos um novo cenário na política brasileira, período

este compreendido pelos governos militares (1964-1985). Nesse contexto, o governo

Figueiredo (1979-1985) merece destaque, uma vez que a mulher passa a fazer parte das FFAA

no ano de 1980, ou seja, ainda durante seu mandato. A marinha foi a primeira a permitir o

ingresso feminino, seguida pela aeronáutica (1982) e pelo exército (1992). No entanto, foi

negado às mulheres o acesso às funções de combate, como será exemplificado mais à frente.

4 MOREIRA, Regina da Luz. 1944: O Brasil vai à guerra com a FEB. Disponível em

<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/FEB > Acesso em 30 de abril de 2017.

6

Suzeley Mathias (2005) entende que o primeiro fator que levou à integração das

mulheres nas FFAA foi a democracia. A democracia é quem “exige maior igualdade na oferta

de oportunidades para os cidadãos” (MATHIAS: 2005, p.3). Concordando com a autora,

Mariza Almeida (2010, p.81) mostra que, com o processo de redemocratização houve uma

nova correlação de forças na sociedade que favoreceu a vocalização de demandas de novos

grupos, dentre os quais estavam o novo sindicalismo, o clero católico, o movimento feminista,

a Associação Brasileira de Imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil, e os novos partidos

políticos.

Deste modo, podemos inferir que é na década de 1980 que as mulheres ingressam “no

mercado de trabalho, brigam por seus espaços, rompem com paradigmas que as classificam

como exclusivamente frágeis, submissas e doces e, não raro, sustentam suas próprias famílias

e cumprem jornadas múltiplas (ROVINA e SOUZ: p.16).5” Reforçando a ideia de que a

mulher é plenamente capaz de exercer funções que vão além das que lhe são designadas

socialmente.

Outro elemento apresentado por Almeida (2010) que também influencia o processo de

inserção da mulher nas FFAA é o seguinte: a mulher enquanto militar poderia contribuir para

humanizar as instituições perante a sociedade, já que a imagem das FFAA estava desgastada

por conta da repressão dos governos militares. Por exemplo, a autora entende que a mulher

militar só foi acolhida de maneira vibrante pelo público nos desfiles militares, por que

emprestou a sua imagem de suavidade à instituição.

Com o processo de redemocratização do país, o ingresso das mulheres nas FFAA se

inicia. Em 7 de julho de 1980 é aprovada a lei número 6.807, que criou o Corpo Auxiliar

Feminino da Reserva da Marinha – CAFRM. Segundo o seu artigo 1º, o CAFRM “destina-se

a atender encargos do interesse da Marinha, relacionados com atividades técnicas e

administrativas ”6 (grifo nosso). Isto é, ao entrarem para a Marinha, as mulheres já seriam

direcionadas às áreas técnicas e administrativas, ou melhor, no próprio processo seletivo os

cargos já seriam destinado para esses setores.

5 As autoras apresentam que se por um lado houve o rompimento de paradigmas e a mulher passou a lutar por

mais espaços na sociedade, por outro a violência contra a mulher aumentou podendo significar uma cruel

resposta a essas rupturas. 6 Esta lei foi revogada e substituída pela Lei nº. 7.622, de 9 de outubro de 1987, aprovada para reorganizar o

CAFRM. No entanto, também foi revogada pela Lei nº. 9.519, de 26 de novembro de 1997, que dispôs sobre a

reestruturação dos Corpos e Quadros de Oficiais e de Praças da Marinha.

7

O mesmo se repete quando a aeronáutica aprova a lei número 6.924, em 29 de junho

de 1981, que criou, no Ministério da Aeronáutica, o Corpo Feminino da Reserva da

Aeronáutica – CFRA. O artigo 1º diz que o CFRA está “destinado a atender necessidades do

Ministério da Aeronáutica relacionadas com atividades técnicas e administrativas” (grifo

nosso).

A marinha, neste primeiro processo seletivo, admitiu 514 candidatas para o CAFRM.

Desse número, 202 foram para o Quadro Auxiliar Feminino de Oficiais (nível universitário) e

312 para o Quadro Auxiliar Feminino de Praças (nível técnico). A partir de 1997, houve a

possiblidade de ascensão das mulheres para o cargo posto de Capitão de Fragata, para aquelas

advindas do Quadro de Oficiais7.

Com a abertura da aeronáutica em 1982, oito mil candidatas se inscreveram às 150

vagas para Oficiais e 152 para graduadas. As aprovadas atuaram em espaços específicos

dentro da instituição, como por exemplo psicologia, biblioteconomia e análise de sistemas.8

É notável que essas duas primeiras experiências de abertura das FFAA, apesar de

estarem associadas com um contexto de surgimento dos movimentos feministas pelo mundo,

se inserem dentro de uma lógica que atende mais aos anseios das estruturas burocráticos do

Estado do que aos questionamentos feministas. A mulher ser usada como instrumento para

suavizar a imagem desgastada das FFAA por conta do regime ditatorial, prevalece em

detrimento da argumentação a favor da luta de igualdade entre os gêneros.

E mais ainda, determinar por lei que as tarefas do CAFRM e do CFRA seriam somente

“atividades técnicas administrativas”, é dizer que as mulheres militares surgiram como um

recurso para liberar os homens militares das funções burocráticas em terra, e reinseri-los em

funções operativas, enquanto elas ocupam o espaço deixado por eles (ALMEIDA: 2010,

p.84).

1.2.DÉCADA DE 1990

Em 1989, foi aprovada a lei número 7.831, em 2 de outubro, que garantia a inserção

efetiva das mulheres no Exército Brasileiro. Entretanto, assim como os casos da marinha e da

aeronáutica já citados neste artigo, às mulheres destinavam-se os cargos administrativos,

7 Marinha do Brasil. O ingresso das mulheres na Marinha do Brasil. Disponível em

<https://www.marinha.mil.br/content/o-ingresso-das-mulheres-na-marinha-do-brasil> Acesso em 19 de abril de

2017. 8 As mulheres ingressam na FFAA. Aerovisão: a revista da Força Aérea Brasileira. n. 229. 2ªed. Abril. 2011

p.33

8

como mostra o artigo primeiro da lei: “É criado no Ministério do Exército o Quadro

Complementar de Oficiais (QCO), destinado a suprir as necessidades de suas Organizações

Militares (OM), com pessoal de nível superior para o desempenho de atividades

complementares” (grifo nosso).

Somente em 1992, por meio de concurso público, as mulheres conseguiram ingressar

na Escola de Administração do Exército (EsAEx), para compor o QCO. Sendo batizada a

primeira classe mista, em clara homenagem, de Turma Maria Quitéria. Esta que vai formar,

no mesmo ano, mulheres com a patente de 1° Tenente (SANTOS: 2014, p.79). Segundo o

Exército Brasileiro:

Esse relevante avanço corroborou significativamente para o QCO cumprir

com o êxito a sua missão no contexto de modernização do Exército

Brasileiro. Ao inserir a presença feminina no Quadro complementar, o

Exército contribui sobremaneira na consolidação dos valores democráticos

de nossa sociedade.9

A próxima conquista feminina nas Forças Armadas ocorre somente em 1994, com a lei

número 1.294 de 26 de outubro. Neste, conforme a necessidade dos ramos, fica previsto,

através do artigo 1°

§ 2º É permitida a prestação do Serviço Militar pelas mulheres que forem

voluntárias.

§ 3º O Serviço Militar a que se refere o parágrafo anterior poderá ser adotado

por cada Força Armada segundo seus critérios de conveniência e

oportunidade.

Já em 1996, foi estabelecido o serviço militar voluntário feminino para a área da

saúde. Sendo assim a primeira turma, composta por 290 mulheres, possuía médicas,

veterinárias, farmacêuticas, dentistas e enfermeiras.

Neste mesmo ano, o ministro da Força Aérea Brasileira (FAB), Brigadeiro Mauro

Gandra, admitiu o ingresso de mulheres na Academia da Força Aérea (AFA) “para o

recebimento de uma formação acadêmico-militar idêntica aos dos homens em curso de

formação de oficiais de carreira e a possibilidade de atingir o generalato”10.

Em 1997, o Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro, matriculou pela

primeira vez 10 mulheres como alunas, sendo que estas seriam incluídas no Quadro de

Engenheiros Militares (QEM). Neste momento é revogada a lei número 6.807 de 1980, sendo

9 Dia do Quadro Complementar de Oficiais. Noticiário do Exército: A palavra da Força. Centro de

Comunicação Social do Exército, Brasília-DF, 2 de outubro de 2014. 10 Segundo Takahashi (2002, p.135, apud Honorato, Hércules Guimarães p.3)

9

assim substituída pela lei número 9.519, de novembro de 1997. Na Marinha, através do Art.

13, Inciso V:

As Oficiais do atual Quadro Auxiliar Feminino de Oficiais serão

posicionadas, em função de suas habilitações, no Corpo de Engenheiros da

Marinha, nos Quadros do Corpo de Saúde da Marinha ou no Quadro

Técnico, sendo as atuais Segundos-Tenentes promovidas ao posto de

Primeiro-Tenente do novo Corpo ou Quadro. Deste modo as mulheres

deixam de fazer parte do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha,

para comporem os quadros acima citados.

Deste modo, o ano de 1998 foi marcado por significativas conquistas femininas na

Marinha, já que as mulheres agora poderiam ter uma relação igualitária aos homens quanto ao

acesso em cursos e promoções. E vale ressaltar também que elas passaram a integrar os

navios hidrográficos, oceanográficos e de guerra, além de serem autorizadas a integrarem as

tripulações de helicópteros. Apesar dessas conquistas significativas, não era permitido

participarem da Frota da Marinha, a carreira mais importante dentro da Força.

No exército, a primeira turma para Estágio de Serviço Técnico é incorporada, e mais

de 500 mulheres11 ingressam em diversos cargos superiores nas áreas de ciências humanas e

exatas, de acordo com as necessidades da Instituição. Também foram adicionados ao serviço

militar temporário para os seguintes cargos: Auxiliar e Técnico de Enfermagem.

No fim da década de 1990, é criado o Ministério da Defesa, com o papel essencial de

garantir condições necessárias para existência de instituições militares mais avançadas.

Segundo Celso Amorim12, “a atuação do Ministério da Defesa tem contribuído, por meio da

Secretária-geral e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), de inúmeras

formas com o avanço do País, seja na indústria, por meio de novas tecnologias, seja no apoio

à segurança da Copa do Mundo Fifa 2014”.

Assim, esta década se encerra com uma mudança em relação a lógica da defesa

brasileira, tendo em vista a criação do Ministério da Defesa e também das novas leis

estabelecidas referente ao Quadro Auxiliar Feminino de Oficiais e a inserção das mulheres no

Exército, ainda que, no último citado, os cargos fossem reservados a posições administrativas.

1.3. ANOS 2000

11 Exército Brasileiro. A História da Mulher No Exército. Disponível

em:<http://www.eb.mil.br/web/ingresso/mulheres-no-exercito/-/asset_publisher/6ssPDvxqEURl/content/a-

historia-da-mulher-no-exercito?inheritRedirect=false>. Acesso em 01 maio 2017. 12 Portal Brasil, Ministério da Defesa Completa 15 anos. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/defesa-e-

seguranca/2014/06/ministerio-da-defesa-completa-15-anos> Acesso em 19 de abril de 2017

10

A primeira década dos anos 2000 é marcada por algumas mudanças na legislação que

permitiram às mulheres o alcance de outras posições de trabalho dentro das Forças Armadas.

Como por exemplo a possibilidade da participação feminina no exército através do Curso de

Formação de Sargentos de Saúde por via da Portaria 124 do Estado Maior do Exército, de 12

de dezembro de 2000. Significando assim a ampliação da democracia de gênero e maior

abertura da porta de entrada das FFAA para as mulheres.

Em 2003, o primeiro grupo de mulheres foi recebido no Curso de Formação de

Oficiais Aviadoras. Assim como neste curso, a possibilidade de candidatura sem distinção de

gênero no Quadro de Oficiais de Apoio também só foi possível anos depois de sua criação,

com o Sancionamento da Lei 12.797, de 04 de abril de 2013 e o Concurso Portaria DEPENS

número 133-T/DE-2 de 27 de março de 2015.

Seguindo a ideia de inclusão feminina, o Exército regulamentou dois cursos

combatentes – antes, às mulheres não era permitido o porte de armas em combate – o Curso

Básico Paraquedista desde 2006 e o Curso de Operações na Selva desde 2010. Somente em

2006 a primeira turma de mulheres aviadoras se formou com desempenho médio superior ao

dos homens (BAQUIM: 2007, p.5-6).

Além disto, até 2007, a gestação era considerada um fator incapacitante das mulheres

nos concursos públicos da Marinha, mas a partir de então este item foi retirado dos editais de

participação e a inscrição pôde ser feita livremente (LOMBARDI: 2009, p.40).

Deste modo, considerando o ingresso tardio das mulheres nas FFAA, trazemos à tona

a Resolução número 1325, de 2000, do Conselho de Segurança da Organização das Nações

Unidas (ONU), que explana acerca na necessidade de participação igualitária das mulheres e

dos homens nos processos de tomada de decisão. A Resolução diz

O Conselho de Segurança (...) apela com urgência aos Estados-Membros

para que assegurem uma representação cada ver maior de mulheres em todos

os níveis de tomada de decisão nas instituições nacionais, regionais e

internacionais, bem como nos mecanismos destinados à prevenção, gestão e

resolução de conflitos (...) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,

2000).

Sendo assim, a igualdade entre sexos não deve única e exclusivamente ser tangível ao

direito, mas também à sua representação. Entendemos que é preciso então aplicar a legislação

à prática política e assim ampliar os espaços de atuação das mulheres, tanto nos locais onde o

poder político se expressa, quanto onde o poder militar é constituído.

11

A evolução do efetivo de mulheres nas FFAA entre os anos de 2001 e 2014, conforme

o quadro abaixo, mostra um aumento, ainda que pouco, saltando de 2,9% em relação aos

homens para 6,6%13. Quando colocados em porcentagem este aumento parece ser um tanto

expressivo, mas ao analisarmos em termos absolutos percebemos que a mudança, se

comparada ao aumento do efetivo masculino, é alarmante.

Quadro 1: Efetivo de Homens e Mulheres nas FFAA (2001-2014)

ANO HOMENS MULHERES

2001 258.958 7.804

2014 335.348 23.787

Fonte: ALMEIDA, V. de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas futuras.

Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014

No que se refere aos Oficiais Superiores, observa-se que em 2001 haviam 239 (2,6%)

mulheres e 8.910 homens, enquanto em 2014 as mulheres representavam 8,6% (1.052) e os

homens eram 11.209.14

As tabulações gráficas do mesmo período de análise, segundo os diferentes cargos,

revelam que a maior porcentagem de mulheres está no cargo de Oficiais Subalternos, ou seja,

primeiro e segundo tenente. Elas eram 19,1% em 2001 e 31,8% em 2014, segundo a

Secretaria de Coordenação e Organização Institucional do Ministério da Defesa. Contudo,

deve-se levar em conta que uma parte considerável de tal efetivo se dá graças aos postos

militares temporários, que inviabiliza a permanência nas Forças ao longo prazo.15

Portanto notamos que desde a abertura das FFAA na década de 1980 até o ano de

2016, o número de mulheres tem aumentado progressivamente de modo lento. O último

crescimento foi entre os anos de 2008 e 2016, quando a presença feminina alcançou uma

elevação de 3,3%.

2. GOVERNO DILMA

2.1 Dilma Rousseff e a sua carreira política

A carreira política de Dilma Rousseff começa no início da década de 1980, quando

junto a Leonel Brizola funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e assume a Secretaria

Municipal da Fazenda de Porto Alegre. Assim tornando-se a primeira mulher a assumir o

13 ALMEIDA, Vítor Hugo de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas futuras.

Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014. 14 Ibid. 15 Ibid.

12

cargo. Em 1993, a convite do governador do estado, Alceu Collares, ocupa o cargo de

Secretária Estadual de Energia, Minas e Comunicação. Permanece até 1999, quando Olívio

Dutra toma posse como governador (PT-PDT) e, então em 2000, Dilma filia-se ao Partido dos

Trabalhadores.

Em 2002, é convidada pelo então presidente Lula da Silva, a participar da equipe de

transição do governo, graças a sua eficiência na gestão da Secretaria Estadual de Energia,

Minas e Comunicação, durante a crise de abastecimento de energia em 2001. Com a posse de

Lula, Dilma foi nomeada a nova Ministra de Minas e Energia. Diversas foram as suas

realizações enquanto Ministra, como por exemplo a introdução o biodiesel na matriz

energética brasileira, a criação do programa Luz para Todos e organização de um plano que

evita novas crises de abastecimento de energia no país.

Permanece no posto até 2005, quando é convidada a fazer parte da chefia da Casa

Civil, em substituição a José Dirceu, pelo presidente da época, Lula. Dilma abandona seu

cargo em abril de 2010 para se candidatar à presidência.

No segundo turno, no dia 31 de outubro de 2010, é eleita a nova presidenta do Brasil

com 55.752.529 votos (TSE). Após quatro anos de governo, foi reeleita em 2014 e afastada

definitivamente da Presidência em agosto de 2016, após o processo de impeachment ser

concluído no Congresso Nacional.

A vida política de Dilma demonstra que é possível, mesmo em meio a adversidades,

uma mulher chegar ao poder, uma vez que ela foi a primeira a assumir todos os cargos que

ocupou, o que abre novas portas para o ingresso de mulheres que almejam uma carreira

política. Esse fato não passa despercebido, uma vez que, em um de seus discursos em

homenagem ao Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2013 sinaliza a importância da

igualdade de gênero ao dizer:

Minhas queridas brasileiras (...) um governo comandado por uma mulher

tem mais que obrigação de lutar pela igualdade de gênero, pela defesa

intransigente dos mesmos direitos para homens e para mulheres. Esta, aliás,

deve ser a disposição de qualquer governo, seja ele comandado por um

homem ou por uma mulher. (...) Nenhum país moderno pode desperdiçar a

energia e o talento das mulheres, sob o risco de deformar o seu presente e

comprometer o seu futuro. A desigualdade de gênero não é apenas

socialmente maléfica como economicamente destrutiva. Por sabermos disso,

somos o governo com o maior volume de políticas públicas em favor da

mulher em nossa história, mas precisamos e vamos fazer muito mais.

13

Fonte: ALMEIDA, Vítor Higo de A. Mulheres nas Forças Armadas

Brasileiras: Situação atual e perspectivas futuras. Cadernos Aslegis,

Brasília, jan./abr. 2014

A fala da presidenta indica que seu governo era propenso a ampliar os espaços de

atuação das mulheres com vista à diminuição das desigualdades de gênero. Nessa direção, a

expectativa não seria diferente para os quadros das FFAA, objeto deste trabalho. Buscamos

verificar em que medida algumas ações que foram feitas durante o seu governo possibilitaram

um maior acesso às mulheres nesse setor.

2.2 A mulher militar durante o Governo Dilma Rousseff

O primeiro Governo Dilma (2011-2014) foi marcado pela valorização da mulher em

todos os setores da sociedade, inclusive nos setores de Defesa e Segurança. Em seu discurso

proferido em 08 de março 2012, a ex-presidenta evidencia que a voz da mulher é

sobressalente na defesa da paz, da justiça e do amor. Segue trecho do pronunciamento:

A mulher é uma pessoa, antes de tudo, dedicada e trabalhadora, precisa,

portanto, de emprego e de capacitação para o trabalho. Temos estimulado

programas de capacitação, microcrédito e igualdade no emprego. Temos

procurado apoiar a luta das mulheres em todas as áreas, sejam elas cientistas,

profissionais liberais, operárias ou empregadas domésticas.

Um passo importante foi também a consolidação da Carta de Intenções entre o

Ministério da Defesa e a ONU Mulheres em 2011 com o objetivo de ampliar a presença

feminina em missões de paz. A Carta é acima de tudo uma afirmação de que o governo

brasileiro tinha a intenção clara de fomento à participação de mulheres na vida pública da

defesa. Esta valorização da mulher de fato não ficou somente em seus discursos. No gráfico 1,

é possível notar um crescimento durante o primeiro governo Dilma do número de mulheres

nas FFAA.

Gráfico 1: Porcentagem de Mulheres nas Forças Armadas 2011-2014

14

Durante o governo Dilma, foi aprovada a lei número 12.704 permitiu o ingresso na

Marinha sem aprovação prévia do sexo, ao revogar o artigo 9º da lei número 11.279 de 2006,

que dizia:

A matrícula nos cursos que permitem o ingresso na Marinha dependerá de

aprovação prévia em concurso público, cujo edital estabelecerá as condições

de escolaridade, preparo técnico e profissional, sexo, limites de idade,

idoneidade, saúde, higidez física e aptidão psicológica requeridas pelas

exigências profissionais da atividade e carreira a que se destinam. (grifo

nosso)

Ou seja, a matrícula nos cursos que permitem o ingresso na Marinha não dependeria

mais da aprovação prévia do sexo, o que possibilitou que as mulheres pudessem se inscrever

sem passarem por desclassificação pautada no gênero, resultando em um crescimento

exponencial na quantidade feminina na Marinha.

Em 2012, a presidenta sancionou a lei número 12.705 que versa sobre os requisitos

necessários para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército. O

artigo 7º do texto aprovado trata sobre em o acesso de mulheres na linha militar bélica. A

escritura diz que: “O ingresso na linha militar bélica de ensino permitido a candidatos do sexo

feminino deverá ser viabilizado em até 5 (cinco) anos a contar da data de publicação desta

Lei.”

Dentro do prazo, o Exército adaptou as estruturas para o ingresso das mulheres na

Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e na Escola de Sargentos das Armas (EsSa).

Com o edital para o Concurso de Admissão à EsPCEx, já seguindo a legislação prevista na lei

12.705 de 2012, em 2016, haviam 192 concorrentes mulheres para cada uma das 40 vagas

disponibilizadas para o sexo feminino, totalizando mais de 7,7 milhões de inscrições.

Em 2013, foi realizado o concurso para ingresso na Marinha. Para as 12 vagas

ofertadas às mulheres, 3.355 candidatas se inscreveram. No ano seguinte, após adaptações

estruturais, como obras na enfermaria, no alojamento e nos banheiros femininos, a Escola de

Formação de Oficiais da Escola Naval recebeu a sua primeira turma de mulheres.

Logo, podemos concluir que a inserção da mulher aconteceu de maneira tardia e pouco

estruturada, garantindo apenas condições mínimas a essas profissionais. Além disso, ao

analisar os presentes dados notamos que há sim uma procura por parte das mulheres em

ingressar em áreas militares, ainda que essas instituições possuam certas limitações acerca dos

15

cargos ligados ao combate, como no caso do Exército, que estão limitadas por norma interna,

aos cursos de Material Bélico e de Intendência.

O ministro da Defesa do governo Dilma, Celso Amorim, disse à época que o número

de mulheres nas FFAA ainda era muito pequeno, mas que o aumento na quantidade de

mulheres, ocorrido nos últimos anos, não apenas numérico, mas também em questão de

qualidade, intensidade e termos hierárquicos. Contudo, fica bastante evidente em sua fala o

apelo para que a abertura das FFAA para as mulheres continue exponencialmente. Amorim

considerou que:

Temos observado um crescimento da participação feminina nas Forças

Armada, mas o percentual ainda é pequeno se pensarmos a importância que

tem as mulheres para o conjunto da sociedade e também em vários outros

órgãos da administração pública. Mas esse número vai crescer ao longo dos

próximos anos. (DEFESA NET)

Apesar do aumento constate da presença feminina nas FFAA desde a década de 1980,

precisamos, entretanto, observar quais são as posições que essas mulheres estão ocupando.

Estão estas mulheres ainda em espaços de atuação restringidos à administração, ou à

enfermaria? Suas posições têm mudado na mesma proporção que mais mulheres entram nas

FFAA? É evidente que ambas as ideias estão ligadas e por isso é preciso continuar analisando

e observando tais fenômenos com um estudo mais aprofundado para partir daí criarmos

soluções.

A pesquisa feita por Renata Avelar Giannini (2014) nos mostra que apesar da

ampliação da presença das mulheres das FFAA, elas são, em sua grande maioria, “graduadas

e oficiais subalternas – encontram-se, portanto, na base da hierarquia” (GIANNINI: 2014,

p.15).

No gráfico 2, logo abaixo, é possível observar que é enorme a diferença entre o

aumento do número de mulheres em posição de comando, e o aumento do número de

mulheres na base hierárquica.

Notamos que o grande salto dado nos anos do primeiro governo Dilma, entre 2011 e

2014, foi expressivo numericamente apenas para Graduados e Oficiais Subalternos. Enquanto

isso, o aumento de Oficiais Generais, Superiores e Intermediários foi mínimo.

16

Fonte: GIANNINI, Renata Avelar. Promover gênero e consolidar a Paz: a

experiência brasileira. Instituto Igarapé. Artigo estratégico 9. Set.2009. 34p.

Gráfico 2: Mulheres nas Forças Armadas (2001-2014)

Para maximizarmos o olhar sobre o governo Dilma, os números trazidos por Vítor

Hugo de Almeida (2014) são bastante interessantes também. Nos quadros 2 e 3, é possível

olharmos esses números de maneira sistematizada e compará-los à presença masculina nos

cargos de Oficiais Superiores, Intermediários e Subalternos.

Quadro 2: Mulheres Militares

ANO Oficiais Superiores Oficiais Intermediários Oficiais Subalternos

2011 836 1.094 7.167

2014 1.052 1.220 8.923

Fonte: ALMEIDA, Vítor Hugo de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas

futuras. Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014

É possível observarmos que o número de mulheres na posição de Oficiais Subalternos

é bem maior que o número de mulheres Oficiais Superiores. E o aumento desses números é

menor ainda quando comparado aos homens, como podemos observar abaixo (quadro 3).

Quadro 3: Homens Militares

ANO Oficiais Superiores Oficiais Intermediários Oficiais Subalternos

2011 10.934 7.579 16.533

2014 11.209 7.819 19.146

Fonte: ALMEIDA, Vítor Hugo de A. Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: Situação atual e perspectivas

futuras. Cadernos Aslegis, Brasília, jan./abr. 2014

É notável o aumento de mulheres nessas posições durante o governo Dilma. No

entanto, o número de homens é tão elevado em números absolutos que a presença da mulher é

ínfima. O Plano Nacional de Ação Sobre Mulheres, Paz e Segurança (2017) mostra que as

17

mulheres são hoje apenas 7% de um total de 370.389 Oficiais e Praças em atividade nas

FFAA.

O efetivo de mulheres em 2001 era de 2,9% (ALMEIDA: 2014, p.15). Deste então,

tivemos, portanto, uma ampliação de 4,1%. O crescimento anual desde de 2001, era de

aproximadamente 0,3%. Durante o governo Dilma, pulamos de 5,4% em 2011, para 6,6%.

Apesar deste aumento, a taxa média de crescimento ano logo do mandato era de 0,4% ao ano,

ou seja, nada tão diferente à média de crescimento anual desde 2001.

As políticas de inserção da mulher nas FFAA são essenciais para o contínuo aumento

da sua presença. Todavia, apenas abertura não é suficiente. O acesso a cargos de mais poder é

também imperativo. Concordamos quando Almeida (2014) diz que é preciso que haja mais

avanços, é necessário focar no desempenho e não no sexo. Em suma, o Governo Dilma

Rousseff foi marcado por discursos que demonstravam tendências à inserção da mulher em

mais espaços na sociedade, e por pequenos avanços dentro das FFAA. No entanto, ainda

restam desafios a serem vencidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa objetivou apresentar um breve histórico da participação da mulher nas

FFAA, mas sobretudo analisar essa participação no Governo Dilma Rousseff (2011-2014).

Com base nos dados encontrados, pudemos verificar que desde a abertura institucionalizada

das FFAA na década de 1980, o número de mulheres tem aumentado progressivamente.

No entanto, a ampliação progressiva feminina nas FFAA, não é sinônimo de acesso a

posições de poder. Os cargos que ocupam continuam a ser de menos destaque no que diz

respeito à hierarquia militar. A impressão dada pelo aumento do número de mulheres como

Graduados e Oficiais Subalternados é que elas estão sendo recebidas nas FFAA cada vez

mais. Entretanto, o quadro de mulheres como Oficiais Superiores, Intermediários e Generais

continua baixo. A mulher continua sendo direcionada a praticamente os mesmos espaços

desde a década de 1980.

As mudanças na legislação ainda pouco atendem aos discursos de empoderamento

feminino. Portas foram abertas, contudo não levavam às escadas da hierarquia militar. As

mulheres continuam se esforçando em atividades meio para talvez um dia chegarem às linhas

de frente e às posições de comando.

18

Como dito, neste artigo trabalhamos com a hipótese de que a chegada de Dilma

Rousseff ao cargo de Presidenta da República poderia ter modificado de forma mais

substancial esta situação, já que ela foi a primeira mulher a alcançar tal posição política, junto

às suas políticas progressistas, o seu discurso de luta pela igualdade de gênero e o tamanho

poder de execução que tinha em mãos haviam resultado em uma ampliação do acesso das

mulheres às FFAA.

Contudo, concluímos que em seu governo a taxa de crescimento do número de

mulheres nas FFAA se manteve quase inalterada, assim como o número de mulheres em

posições de comando dentro das FFAA, ainda que muitas medidas tenham sido

implementadas e que muitos de seus discursos tenham tocado no debate de gênero.

Apesar da ocupante do mais alto posto do executivo do país ser uma mulher, o

Governo Dilma foi inócuo quanto ao incremento do número de mulheres dentro das FFAA.

Ainda nos dias atuais, a mulher não disputa espaço em condições de igualdade com os

homens, o que se reproduz nas FFAA, fazendo-o em quadros apartados, em funções

burocráticas ou administrativas, restringindo ainda sua atuação no fronte e, portanto, sua

capacidade em executar os mesmos serviços que são destinados aos homens. Tais

considerações deixam evidente alguns dos desafios ainda colocados às mulheres e reforçam a

necessidade e relevância dos estudos de gênero no campo de estudo das relações

internacionais.

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