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Instrumentos financeiros na
“BENEDITINA LUSITANA”
O financiamento dos investimentos e a aplicação de excedentes
dos rendimentos monásticos . Seus registos.
COMUNICAÇÃO DE
ANTÓNIO JORGE RIBEIRO
ECONOMISTA, ASSOCIADO DA APOTEC, TOC
“Un caso más de esos en que la función crea el órgano para que a la post-
re el órgano se nutra de la función hasta devorarla.”
Índice
A Regra de S. Bento e a função financeira, numa leitura actual ................................................... 2
A organização beneditina no tempo e no mundo ......................................................................... 4
A organização beneditina em Portugal ............................................................................................... 5
A vertente económica ....................................................................................................................... 8
Formas de se financiar .................................................................................................................... 10
Aplicação de excedentes ................................................................................................................. 11
Exemplos colhidos da Beneditina Lusitana ........................................................................................ 17
Burlas e fraudes com instrumentos financeiros ................................................................................. 18
Nota final sobre as fontes ............................................................................................................... 20
Índice Remissivo ............................................................................................................................. 22
Instrumentos financeiros, entendem-se, aqui, em sentido lato: todos os meios de a Organiza-
ção se financiar e todas as formas de aplicação de excedentes. Sem excluir os chamados
“novos instrumentos financeiros” e os “Instrumentos Financeiros” entendidos no sentido que
lhes confere a Directiva Comunitária 2004/39/CE.
2
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
CAPÍTULO I.
A Regra de S. Bento e a função financei-
ra, numa leitura actual
ÃO apócrifos todos os escritos atri-
buídos a S. Bento1, excepto a sua
Regra.
Cada Mosteiro era regido por um
director-geral, o Abade2, que desempe-
nhava as funções empresariais/ corpora-
tivas de um CEO.
Competia-lhe assegurar aos monges
tudo o que lhes era necessário, prover
cada um dos ofícios de uma parte dos
rendimentos anuais e supervisionar a
manutenção dos edifícios. Representa-
va, no exterior, a sua comunidade
estando investido dos poderes necessá-
rios para outorgar todos os actos públi-
cos e particulares.
Como qualquer CEO podia ser
demitido, como aconteceu com Eborico
que passara, forçado, de rei dos Suevos
a Abade de Dume: “porque caindo
como homem em uma fraqueza da car-
ne, de que só a Deus tinha por testemu-
nha… diante de todos os padres congre-
gados no concílio X de Toledo o con-
fessou com muitas lágrimas pedindo
penitência dele. E o Concílio com gran-
de lástima e compaixão o privou da
Administração”.
O cellerarius3 era o director finan-
ceiro que, em Espanha se chamou
1 N. 480, m. 547.
2 São raros, mas reais, os casos em que os Aba-
des superintendiam aos bispos das suas dioce-ses. O de Monte Cassino, único a ser autoriza-do a denominar-se Abade dos Abades, é um dos exemplos. 3 Chamou-se manerio à oficina monástica que
também era denominada obediencia ou ovença e, mais tarde, celleraría.
“mayordomo” e, em Portugal, cellarei-
ro. Com a especialização das funções, o
cellereiro passou a desempenhar fun-
ções particularizadas e a incluir na sua
dependência trabalhos especializados
como o cellerariu coquinae (da cozi-
nha), vini ou vinitarius (do vinho), gra-
natarius (dos cereais que, por sua vez,
superentendia sobre o padeiro) hortula-
nos (hortelão) etc.
Extracto do livro de contas, 1439
Se bem que haja Mosteiros, como o
de Pombeiro, perto de Felgueiras, onde
a figura de ecónomo4 (ou icolimo) é
4 Também se chamava pitanceiro (num docu-
mento de Tomar de 1500) àquele que recebia as rendas do Mosteiro e as distribuía a todos os costumeiros. “O Senhor Mestre estabeleça um iconimo ou pitanceiro do dito Convento o qual finalmente cobre e receba todas as rendas ao dito Convento pertencentes”.
S
3
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
desvendada já no seu Costumeiro (séc.
XI), a função de gerência dos “bens
temporais” é novamente unificada pelos
instrumentos de normalização dos regis-
tos contabilísticos e pela informatiza-
ção, sendo esse cargo desempenhado,
hoje, pelo ecónomo.
Registe-se, en passant, que o “ecó-
nomo” medieval de Pombeiro5 distri-
buía, na quinta-feira Santa, sapatos
pelos monges contra a devolução dos
usados que eram entregues ao frade
esmoler para os fazer chegar aos pobres.
E tinha a incumbência de colocar quatro
polainas na cama de cada conventual e
de cada hóspede.
É natural que, sendo a congregação
beneditina tão perdurável no tempo e
tão espalhada pelo mundo, o nome do
responsável pelas finanças conventuais
tenha revestido diversos significantes:
paromonário, mansionário, vílico…
A Regra foi muito específica no
tocante ao administrador financeiro,
dedicando-lhe um directório de notável
finura sociológica e espiritual.
Nas palavras do Abade Cassià M.
Just, do cellerarius dependia uma boa
parte da paz e do dinamismo da comu-
nidade.
Um homem muito equilibrado e
com um grande sentido de Deus, abne-
gado e humilde, uma vez que tem que
se ocupar de tudo (v.3 da Regra) sem se
outorgar a si próprio uma consciência
de poder e de auto-suficiência. Leal
com o Abade (vv. 4-5, 15), cortês e
compreensivo com os irmãos (vv. 6-7,
13-14, 16).
5 Segundo a Constituição, os monges de Pom-
beiro eram mandados sangrar de dois em dois meses. Para esse efeito, sem dúvida simulta-neamente macerador e purificador, o Mosteiro tinha uma oficina chamada saguilexia.
Como tem que desenvolver-se num
mundo concreto e absorvente, corre o
perigo de se esquecer da escala de valo-
res que escolheu como monge. E lá está
S. Bento a adverti-lo: tenha cuidado
com a sua própria alma (v. 8).
Sobre o relacionamento do director
financeiro com os enfermos, menores,
hóspedes e pobres, diz a Regra que os
objectos e bens do Mosteiro estão ao
serviço dos amigos de Deus: o ecónomo
há-de enxergá-los como se fossem vasos
sagrados do altar, e nada tenha por
desprezível.
Com a complexidade da organiza-
ção da vida monástica e com a multipli-
cidade de serviços e em resultado, mui-
tas vezes, da afectação de donativos a
obras particulares como a luminária das
igrejas ou o hospício dos pobres, surgi-
ram os “oficiais”, monges autónomos
com orçamento independente para
gerir.6 Assim apareceram os thesaura-
rius, os sindicus, custos, claviger, achi-
clavus, obedientiarii, praepositus, etc.
A organização administrativa dum
Mosteiro tornou-se, por conseguinte,
bastante intrincada e conflitual dando
origem a manuais de direitos e deveres
dos oficiais chamados “breves”. O mais
famoso dos breves foi promulgado em
Bobbio, entre os anos de 833 e de 835,
pelo Abade Wala.
Mais uma palavra acerca da evolu-
ção que a função abacial desenvolveu
ao longo das eras beneditinas.
O primeiro Abade de Grijó, v. g.,
foi denominado preposito.
Havia, também, um prior-mor ou
mestre-prior que tudo feitorizava na
6 As informações sobre a actividade destes
oficiais monásticos estão dispersas pelos esta-tutos, costumeiros, crónicas e cartulários con-ventuais.
4
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
ausência do Abade, dentro e fora de
casa. A este prior-mor estava subordi-
nado o prior claustral ou crasteiro ou
sub-prior ou prior do claustro, cuja ins-
pecção se não estendia fora do Mostei-
ro. E, com o arrevesamento das comu-
nidades e sua grandeza, o Abade
nomeava dois, três, quatro ou mais
coadjutores, também priores em digni-
dade.
________________________________
CAPÍTULO II.
A organização beneditina no tempo e no
mundo
enedetto de Norcia (S. Bento) nas-
ceu em Núrcia (Itália) no dia 24 de
Março de 480 e morreu em 21 de Março
de 547, sendo canonizado em 1220.
Frei Leão de S. Tomás, o ordenador
da «Beneditina Lusitana», escreveu que
S. Bento tinha 22 anos em 565, lançan-
do dúvidas sobre estas datas, dúvidas
confirmadas por muitos autores. Frei
Leão afirma, inclusivamente, que o fun-
dador da maior congregação monástica,
morreu em 543.
A chegada dos primeiros enviados
de S. Bento a Portugal estima-se que foi
no ano de 537.
Em 29 de Maio foi benzida a igreja
da casa de Lorvão, calculando o autor
da «Beneditina» que tal terá ocorrido
“entre trinta e tantos e quarenta e três”,
isto é, entre os anos de 531 e 543.
A «Beneditina Lusitana» foi redigi-
da entre 1640 e 1644 e tem, como hori-
zonte temporal, cerca de mil anos.
Durante o largo período que está
vertido na «Beneditina» os tempos eram
marcados pelo calendário juliano. Em
24 de Fevereiro de 1582 o papa Gregó-
rio XIII promulgou a era de Cristo. Em
Portugal, já D. João I, por lei de 22 de
Agosto de 1422, determinara que a con-
tagem dos anos se fizesse pela era de
Cristo. Para converter a era de César em
era cristã devemos subtrair 38 anos à
data apontada. Por exemplo: “Era
D.CCCC.VIII (908) corresponde a
870”; “era de mjl e iiijc e V. annos
(1405) corresponde a 1367”.
Para se elucidar os documentos
que, antes de 1422, usavam a era cristã,
colocava-se a.D. (anno Domini) nas
datações. Durante muitos anos todos os
documentos se iniciavam sem ambigui-
dades com “ano do nascimento de Nos-
so Senhor Jesus Cristo”.
O autor procura vestígios da acção
sobrenatural por toda a parte, mas é
correcto quando trata do funcionamento
da administração dos Mosteiros. Servia-
se como boa da opinião de outros histo-
riadores a que apelidava de “graves”,
querendo significar o que D. Francisco
Manuel de Melo chamava “sisudos” por
contraposição a “mancebos, damas e
ociosos”.
Apesar do grau de desconfiança que
Mattoso tributa ao autor da “Benediti-
na” podemos, pois, analisar os seus ins-
trumentos financeiros de espírito aberto
e sem preconceitos.
seguir à destruição dos Mosteiros
pelos invasores muçulmanos, per-
petrada à roda de 714, assistiu-se a uma
multiplicação de cenóbios até ao ano de
1230.
No ano de 1506 havia trinta e sete
mil Mosteiros de monges em todo o
mundo, além de mil e quatrocentos
prioratos e quinze mil Mosteiros de
monjas, acistanos ou asisterios.
B
A
5
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
A grandiosidade de Subiaco
Com uma média, por exemplo, de
200 monges por casa, estipula-se a
população dos conventos em mais de
dez milhões de beneditinos, nos primór-
dios do séc. XVI.
Desde a China continental, Índia,
Japão, toda a América do norte, central
e do sul, até ao velho continente euro-
peu, há Mosteiros beneditinos instala-
dos, ou procede-se à sua reinstalação.
Na Austrália, há mesmo uma aba-
dia no município de New Norcia.
________________________________
CAPÍTULO III.
A organização beneditina em Portugal
m Portugal – e ao tempo da orga-
nização da compilação beneditina
(1640/1644) – reinava D. João IV, o
Restaurador, que inaugurou a quarta e
mais longa dinastia.
Para se fazer uma ideia do valor do
dinheiro, socorremo-nos de Pedro Vas-
concelos: circulava então uma moeda de
5 réis (cobre) que tinha o mesmo valor
de compra de 40$00 de 1999. Na época,
12 ovos custavam cerca de 13 réis, 0,75
l. de vinho 30 rs. e 1 gr. de ouro 245
réis.
Aquilo que se comprava em 1640
com um real, eram necessários 3,5 réis
para o adquirir no final da dinastia, em
1910. A moeda de ouro chamada “con-
ceição”, que pesava 42 grs., valia
12.000 réis.
Então, as esmolas das missas esta-
vam taxadas em 4 vinténs, se rezadas;
se fossem cantadas eram 150 réis para o E
6
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
celebrante e meio tostão para os acóli-
tos.
Nesses tempos estavam estabeleci-
dos os seguintes noventa e seis Mostei-
ros7:
Parte II – fundados desde o tempo de S. Bento
até ao ano de 600:
Mosteiro do Lorvão, 305
Mosteiro da Vacariça, 349
Mosteiro de S. Martinho de Dume, 353
Mosteiro chamado Máximo, 369
Mosteiro de Tibães, 375
Mosteiro de Santo Antão de Moure, 398
Mosteiro de S. Vitouro, 400
Mosteiro de Vilar de Frades, 402
Mosteiro de S. Bento da Várzea, 406
Mosteiro de S. Martinho de Manhente, 406
Mosteiro de S. João de Cabanas, 408
Mosteiro de S. Salvador da Torre, 412
Mosteiro de S. Cláudio, 414
Mosteiro de S. Cosme de Azere, 415
Mosteiro de Santa Maria de Hermelo, 415
Mosteiro de S. Félix (Fins), 417
Mosteiro de S. Salvador de Ganfei, 419
Mosteiro de S. Pedro de Rates, 422
Parte III – erigidos no Alentejo e fundados até
ao ano 650:
Mosteiro de Santa Eulália junto a Mérida,
426
Mosteiro de Cauliana perto de Mérida, 429
Mosteiro de S. Domingos nos contornos de
Mértola, 436
Mosteiro de S. Salvador nos contornos de
Mértola, 438
Mosteiro de S. Romão de Panoias, 440
Mosteiro de S. Cucufate, 446
Mosteiro do Alvito, 448
Mosteiro de S. Miguel de Machede, 450
Mosteiro de S. Bento da Serra de Portale-
gre, 452
Mosteiro de Arronches, 453
Mosteiro de S. Bento do Crato, 453
7 Além dos respectivos capítulos ou partes da
organização dos Tomos da edição da INCM de 1974, seguem mencionadas as respectivas páginas.
Parte IV – fundados até ao ano de Cristo 700:
Mosteiro de S. João de Arga, 469
Mosteiro de Santa Maria de Miranda, 470
Mosteiro de Nabancia, 474
Mosteiro de S. Martinho de Sande, 486
Mosteiro de S. Salvador de Crasto de Avelãs,
490
Mosteiro de S. Miguel de Refoios de Basto,
493
Mosteiro de Santa Maria de Vimieiro, 502
Mosteiro de S. Salvador de Arnoso, 503
Mosteiro de S. Pedro de Lomar, 503
Tomo II Parte I - Mosteiros Beneditinos que se
fundaram até ao ano 800:
Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave, 11
Mosteiro de Santa Maria de Sobrado, 48
Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, 49 a
78
Parte II – fundados até ao ano 900:
Mosteiro de Santa Maria de Bouro, 84
Mosteiro de Tolões, 89
Mosteiro de S. Salvador de Vila Cova, 90
Mosteiro de Santa Maria de Gundar, 90
Mosteiro de Santa Maria de Iunhas, 92
Mosteiro de S. Cristóvão de Pisões, 95
Mosteiro de S. Pedro de Morufe, 95
Mosteiro de Santa Maria de Valboa do
Minho, 97
Mosteiro de Santa Marinha de Louco, 97
Mosteiro de S. Martinho de Soalhães, 98
Mosteiro de S. Pedro de Pedroso, 100
Mosteiro de S. Pedro de Canedo, 106
Mosteiro do Salvador de Vila Cova, 107
Mosteiro de Santa Maria de Carvoeiro, 109
Parte III – Mosteiros Beneditinos em Portugal
fundados até ao ano 1000:
Mosteiro de S. Cristóvão da Labruja, 123
Mosteiro de S. Salvador de Vitorinho, 134
Mosteiro de S. Pedro de Arouca, 139
Mosteiro de S. Salvador de Monte Córdova,
159
Mosteiro do Salvador e de Santa Maria de
Guimarães, 160
Mosteiro de S. João de Vieira, 170
Mosteiro de Santa Senhorinha, 170
Mosteiro de Santa Comba de Basto, 170
7
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
Mosteiro de Santa Maria Archense, 182
Mosteiro de Nossa Senhora de Sismiro, 184
Mosteiro de S. Pedro das Águias, 186
Parte IV – fundados até ao ano de 1100
Mosteiro de S. João de Pendorada, 200
Mosteiro de Salvador de Palme, 235
Mosteiro de S. João de Arnoia, 237
Mosteiro de Santa Maria de Ferreira, 240
Mosteiro de S. Miguel de Bostelo, 249
Mosteiro do Salvador de Travanca, 253
Mosteiro de S. Cristóvão do Rio Tinto, 256
Mosteiro do Salvador de Fonte Arcada, 257
Mosteiro de Santa Maria de Adaufe, 259
Mosteiro do Salvador de Paço de Sousa, 261
Mosteiro de S. Martinho de Cucujães, 277
Mosteiro de S. Pedro de Cete, 280
Mosteiro de Santa Eulália de Vandoma, 280
Mosteiro de Santa Eufémia na serra do
Buçaco, 282
Parte V – fundados entre os anos 1100 e 1300
Mosteiro de S. Romão de Neiva, 324
Mosteiro de Santo André de Rendufe, 328
Mosteiro de Semide, 334
Mosteiro de S. Jorge de Recião, 347
Mosteiro do Salvador de Vairão, 351
Mosteiro do Salvador de Tuhias, 354
Mosteiro de Santa Maria Lamego, 355
Mosteiro de Santa Clara Lamego, 355
Parte VI – fundados até ao ano de Cristo de
1500:
Mosteiro de Santa Ana de Viana, 389
Mosteiro de S. Bento de Viana, 391
Real Mosteiro de Monjas de S. Bento do
Porto, 393
Mosteiro de S. Bento de Monção, 394
Mosteiro de S. Bento de Murça, 394
Mosteiro de Santa Escolástica de Bragança,
394
Mosteiro do Bom Jesus em Viseu, 396
Mosteiro de Moimenta da Beira, 400
Na origem destas fundações rivali-
za em zelo toda a espécie de pessoas das
classes dirigentes da sociedade; senho-
res, bispos e reis acham que, para conci-
liar Deus e os seus santos, é mais fácil
instituir um Mosteiro que fazer uma
peregrinação à Terra Santa. Mais fácil e
com resultados mais perenes!
Nos primeiros anos da conquista de
território aos Mouros e alargamento do
reino de Portugal, a Lusitânia era uma
das províncias hispânicas, bem como a
Terraconense e a Bética.
§
o findar o séc. XV, todos os Mos-
teiros da congregação beneditina
em Portugal estavam nas mãos de
comendatários que, com raras excep-
ções, contribuíram para a ruína da Insti-
tuição por só se interessarem com as
vantagens que podiam retirar das pre-
bendas, aviltando-se.
Este título de “Abade comendatá-
rio” merece um aprofundamento.
Define-o Viterbo como “O que tem
qualquer benefício eclesiástico ou regu-
lar, em comenda ou para comedoria,
ainda que seja religioso ou secular que
não pode ter bens eclesiásticos em títu-
lo.”
O Papa Leão IV é culpado de ter
instituído tais comendas, procurando
compensar os clérigos que tiveram de
escapulir-se dos sarracenos. O certo é
que os prelados fugitivos eram abriga-
dos em Mosteiros e lá usufruíam simul-
taneamente das pensões ou comendas
vitalícias e da hospedagem conventual.
Em Portugal, o Cardeal de Alpedri-
nha (1406-1509) “não só introduziu
Abades comendatários vitalícios nos
Mosteiros a clérigos seculares, mas ain-
da a muitos fidalgos, inteiramente lei-
gos”
________________________________
A
8
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
CAPÍTULO IV.
A vertente económica
rei Leão de S. Tomás, o autor da
«Beneditina Lusitana», era dotado
de uma sólida erudição teológica e de
capacidade dialéctica para se envolver
em polémicas e delas sair reforçado e
ileso.
Nos Mosteiros existiam várias acti-
vidades complementares: botica, forne-
cendo os remédios ao público; hospeda-
rias, normalmente uma para hóspedes
«mais graves», (1.ª classe) e outra para
hóspedes «menos graves» (2.ª ou 3.ª
classes8); reposteria, destinada não só
aos egressos mas também a hóspedes e
viandantes; fornos comunitários para
panificação; hospitais para pobres e
para ricos (hospitale pauperum e hospi-
tale hospitum ou nobilium) e o xenodo-
chium que era um albergue para indi-
gentes doentes.
Vejamos um enunciado, ainda que
limitado, dos rendimentos que os Mos-
teiros auferiam como derivativo de
regalias concedidas jurídica e adminis-
trativamente: dos inúmeros rendeiros
recebiam foros, censos ou pensões, com
as morturas e laudémios; dos padroados,
recebiam censos9 e, se tivessem igre-
jas10
“unidas” ao Mosteiro, recebiam
8 As actuais estrelas com que se apartam as
hospedagens tornaram menos clara esta classi-ficação. 9 A quem se obrigava a pagar certa pensão ou
censo anual, dizia-se incensoriar-se. 10
Além da “igreja matriz” ou “diocesana” isto é, fundada pelos apóstolos ou seus descendentes, constituíram-se igrejas anexas, obedienciais, subalares, sucursais, capelas, oratórios rurais, baptismais e cardeais.
dízimas e primícias; das honras e dos
coutos de que fossem donatários rece-
biam, pela administração da justiça,
coimas, portagens11
(também chamadas
kalendas nas localidades em que se
pagavam nas feiras do primeiro dia de
cada mês), sisas, etc.
Como exemplo a colher num rol do
extenso e valioso enxoval de uma novi-
ça de Arouca – que até talheres de prata
e vitrais para a janela da sua cela incluía
– o recrutamento de monges (chamados,
entre os beneditinos, infantes e, tam-
bém, coristas) era uma forte fonte de
receitas e de bens de raiz. Vejamos de
que modo nos destaca da “Regra” Dom
Philibert Schmitz na sua obra «Histoire
de l’ordre de Saint Benoît»:
Saint Benoît, dans sa règle,
parle des donations faites au Mo-
nastère par le novice à sa profes-
sion. «Si le novice a du bien,
écrit-il, il devra tout donner, soit
aux pauvres, soit au monastère»
(C58). Le saint parle encore de
l’aumône, facultative également,
que les parents font à l’occasion
de l’«oblation» de leur enfant
(C59). L’histoire rapporte de très
nombreuses acquisitions faites
grâce au recrutement même des
moines.12
11
Existe, na Torre do Tombo, uma folha de registo elaborada pelos arrematantes das por-tagens de Coimbra da primeira metade do séc. XIII. Os registos eram diários e confrontados semanalmente com o valor da arrematação. Uma das semanas iniciava com a nota: Era 1262, quarta-feira, 3.ª die aprilis accepit N. portaginem Colimbrie cum sociis suis pro 1500 morabitinos. 12
S. Bento, na sua regra, fala das doações feitas ao Mosteiro pelo noviço na sua profissão. «Se o noviço possui bens, escreve ele, deverá doar tudo, quer aos pobres quer ao Mosteiro» (C58). O santo fala ainda da esmola, igualmente facul-
F
9
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
Recursos muito importantes usados
para acudir à economia dos Mosteiros
eram as peendenças ou pendenças, mul-
tas eclesiásticas em que se comutavam
as penitências que se deviam pelas cul-
pas.
Fiéis de Ponte de Lima, apesar de
lhes parecer dano das suas consciências
o darem dinheiro pelos sacramentos,
aceitariam tal se “os três reis fossem
para as obras da igreja”. Assim se quei-
xaram, nas Cortes de Évora de 1447, a
D. Afonso V do arcebispo D. Fernando
e das suas ordens dadas aos confessores.
Romances justificam rendimentos
dos porteiros do céu com a venda de
livros de sua lavra, rosários, cruzes de
chumbo e correias de S. Francisco.
Romances. Mas não era romanceada a
fama dos milagres que corria o reino e o
estrangeiro, concitava a boa vontade dos
Mouros quando não a sua conversão.
Escreve Frei Leão: “… no Ano de 1597,
quando se abriram no Cemitério os
alicerces da torre dos sinos e se lançou
por terra um Campanário velho, se
acharam muitos Ossos e Caveiras com
cheiro suavíssimo que vencia todo o
cheiro da terra e muitas pessoas reco-
lheram com muita veneração boa quan-
tidade deles e depois, em ocasiões de
doenças e males, se valeram daqueles
Ossos cheirosos encomendando-se aos
santos cujos eram, confusa e indetermi-
nadamente, e alcançaram perfeita saú-
de.
Milagres tanto mais dignos de nota
quanto eram feitos por santos desconhe-
tativa, que os pais dão na altura da «oblação» do seu filho (C59). A história relata numerosís-simas aquisições feitas graças ao próprio recru-tamento dos monges. Tradução do autor deste trabalho destinado à Jornada da APOTEC.
cidos, “mostrando Deus no efeito quan-
to deferia aos merecimentos”.
O Abade do Lorvão, senhor de tão
miraculoso remédio, curava cristãos e
Mouros com vasos de água tocada
naquelas relíquias. Um Infante, filho de
Alboacem, rei de Coimbra, e de uma
Cristã, foi arrancado à morte eminente
com tal mexerufada. Vêm do século
VIII estas eficazes técnicas de marke-
ting, com imediata corrida de fama por
largos espaços.
As heranças e aquisições dos mem-
bros da comunidade religiosa passavam
a pertencer, de pleno direito, aos Mos-
teiros que tinham, face à lei civil, direi-
tos de sucessão ab intestat sobre os seus
membros que não tivessem herdeiros.
Justiniano considerou o monge
como uma personalidade absorvida na
pessoa jurídica do Mosteiro. Contra esta
tendência houve eras históricas em que,
impondo a “morte civil” no acto da pro-
fissão, impedia o Mosteiro de ser parte
na herança do monge.
“Ainda que por muitas leis não
pudessem os monges fazer testamento,
nós achamos muitos testamentos de
Abades e Abadessas, e mesmo de mon-
ges e monjas particulares”. Estes testa-
mentos não se podem atribuir “senão à
relaxação dominante e esquecimento
total do estado monástico e suas leis,
que só no séc. XIII começaram a prati-
car-se em Portugal.”
Uma outra fonte de enriquecimento
destes estabelecimentos, embora indi-
recta, consistia nas imunidades e isen-
ções comerciais que os eximiam de
impostos onerosos como portagens13
,
royalties…
13
Nos forais de D. Manuel I as províncias foram isentadas de portagem. No séc. XV dava-se o
10
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
As esmolas que os fiéis davam aos
conventos asseguravam-lhes – a eles,
fiéis – a reconciliação com Deus na
hora da morte e a garantia de orações
efectuadas pelos monges (pro remedio
animae meae), a reparação de pecados
cometidos no passado e a interferência
benéfica das abadias em termos políti-
cos e civilizacionais.
Do fruto do trabalho dos monges
resultavam também importantes rendi-
mentos para o Mosteiro: a utilidade do
trabalho – que é uma remuneração em si
mesma – e a venda dos produtos, pre-
vista já na Regra instituidora.
Muitas vezes o facto de o edifício
monacal estar sobre o túmulo de um
Santo ou ser guardião das suas relíquias,
era o bastante para atrair peregrinos e
concatenar todos os proventos que essa
convergência sempre proporciona. Fre-
quentemente tais “esmolas” eram o úni-
co meio de subsistência da comunidade
religiosa.
Se o Mosteiro estivesse revestido
de carácter paroquial usufruía também
dos proventos ligados ao ministério res-
pectivo.
Uma legislação de D. Manuel I
permitia os vodos por devoção de
alguns santos, contando que se não
comesse dentro das capelas ou igrejas.
Os vodos ou bodivos, no que se
transformaram as ágapes, eram também
motivo de rendimento dos Mosteiros. A
voda de fogaça foi também proibida no
tempo de D. Manuel I para evitar os
gastos excessivos que se faziam nos
banquetes de baptizados e casamentos.
nome de província a qualquer ermida, oratório, capela ou recolhimento e hospício religioso em que se recolhiam homens ou mulheres que tivessem feito voto de profissão.
Sobretudo porque, depois de “lar-
gas comezainas e borracheiras, havia
mortes, ferimentos, desonestidades…”
D. Manuel proibiu que se convidasse
pessoa alguma fora do quarto grau dos
ditos noivos, sob pena de “açoutes e
degredo para os lugares de África”.
Os abadengos, legado pio que em
vida ou por morte se deixava ao confes-
sor, evoluíram para abadágios, dados,
“ou, mais bem, extorquidos” “só pela
razão de abade de uma particular igreja
ou Mosteiro.” Como a confissão anual,
obrigatória por decreto conciliar, impu-
nha penúria aos ministros da reconcilia-
ção, entre nós preceituou-se que a dita
confissão geradora de emolumentos
“obrigatórios” (manefesto) se deveria
efectuar nas três ou quatro festas princi-
pais do ano.
________________________________
CAPÍTULO V.
Formas de se financiar
mbora não mencionado na Regra
beneditina, impôs-se como um dos
mais influentes oficiais o camareiro
(camerarius), que desempenhava as
funções de agente financeiro em sentido
mais estrito.
Este nome vem do facto de ser
numa câmara que se guardava o dinhei-
ro e os arquivos do Mosteiro.
Gerente dos fundos do Mosteiro, o
camareiro era o guarda-livros e manipu-
lador dos arquivos.
Os empréstimos civis chegaram a
ser impostos, semelhantes a fintas ou
pedidas. Neste caso, as Ordenações
foram bem explícitas: “O lançar pedidas
ou pedidos, peitas ou emprestimos per-
E
11
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
tence somente ao rei e supremo
senhor…”
As bulas papais foram emitidas
desde tempos longínquos, provavelmen-
te anteriores ao próprio surgimento do
papel no ocidente. Depois do papiro, o
depositário fiel das palavras antigas
(papel) começou por ser fabricado com
diferentes matérias-primas ou assumiu
diferentes formas: panos de linho, algo-
dão ou seda, farrapos (papel de chife14
),
folhas e cascas, cortiças. Há ou havia
duas bulas na catedral de Girona, uma
do papa Formoso de 891 e outra do
antipapa romano de 895, cujo suporte
foi um papel feito à base de algas mari-
nhas, chamadas sêbas ou butilhão. É
provável que do primeiro nome derive
aquilo que, no Brasil, se chama sebo e,
entre nós, alfarrabista. Mas também não
é menos verosímil que o alfarrabista
sebo venha do costume de ensebar as
capas quebradiças dos alfarrábios.
A emissão de Bulas poderia ser
destinada ao financiamento de activida-
des específicas. A bula Exurgat Deus do
papa Clemente V motivou uma campa-
nha feroz de credibilização por parte do
bispo do Porto, D. Fr. Estêvão. Destina-
da, em 1313, a pagar uma expedição ou
santa passagem aos lugares santos, foi
motivo de informações que a considera-
vam falsa ou fantástica e erodindo o seu
valor nominal.
As Bulas, ao longo do período da
história beneditina em análise, oscila-
ram na sua emissão, transacção e cota-
ção, assumindo o papel de contratos
obrigacionistas (obrigações) e de valo-
res mobiliários (acções).
14
O papel de chife usava-se em toda a Europa nos finais do séc. XVIII, sendo o pergaminho destinado a documentos públicos e judiciais. Chamava-se, também, polgamito de papillo.
Durante muitos séculos, a talha de
fuste foi o “documento” de quitação
mais utilizado em vários reinos da
Europa. Chamava-se, em França, tailte,
em Itália, talea ou talia, e em Inglaterra
taley.
A talha de fuste era um “pedaço de
pau, tabuinha, cavaco ou ramo, no qual,
diagonalmente cortado em duas partes,
em cada uma delas se escreviam ou
imprimiam algumas letras ou sinais, que
declaravam a dívida ou a sua paga.”
Ficava uma parte em poder do devedor
e outra em poder credor.
Uma outra fonte de financiamento
que alguns Abades sabiamente aprovei-
taram derivou de certa situação conjun-
tural já referida: a proliferação de Aba-
des comendatários.
O bispo de Viseu D. Miguel da Sil-
va, sendo comendatário de Santo Tirso,
renunciou à abadia a favor de seu sobri-
nho D. António da Silva “com a condi-
ção de que reformaria o Mosteiro na
perfeição monástica”. Ainda hoje existe
a prova de que tal condição foi observa-
da e mais, a prova de que tal observân-
cia foi um exemplo de financiamento ao
investimento para outros comendatários.
________________________________
CAPÍTULO VI.
Aplicação de excedentes
S rendimentos da actividade eco-
nómica do Mosteiro são afectos a
três fins principais: manutenção abacial,
obras de caridade e encargos.
No entanto, havia um princípio que
se impunha e orientava as aplicações
O
12
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
dos rendimentos: para que os bens da
Igreja tivessem destino legítimo apenas
poderiam ser aplicados em serviço de
Deus. Nem os impostos sobre os rendi-
mentos escapavam, por isso, às isenções
fiscais ou, em alternativa, à necessidade
de obter autorização pontifícia para o
lançamento de contribuições destinadas
a custear, v. g., a guerra contra os
infiéis.
Normalmente os rendimentos eram
expurgados dos custos incorridos, o que
acontecia desde a Idade Média. Estavam
estas práticas avaliatórias dependentes
de considerações de carácter “subjecti-
vo” o que motivava querelas e posturas
quanto ao “justo valor”.
Chamava-se alças aos gastos, per-
das e danos que “ordinariamente se
experimentavam”. Quem procedia ao
avaliamento dos rendimentos era o cou-
del, acusado frequentemente de não
deduzir os custos incorridos. Ao “pão”
não lhe tirava os ceifeiros, nem alças,
nem soldadas de mancebos, nem dizi-
mo, nem jugada, nem outras despesas,
quando o rei determinara que se não
avaliasse senão o que ficasse a salvo. O
resultado líquido.
Os encargos com os bispos leva-
vam uma parte importante das receitas
monásticas: colheita, procuração, visi-
tação, jantar e parada (anual), resgate
dos altares, catedrádego (calendário,
sinodático) meias vagas, para citar ape-
nas alguns exemplos.
Vejamos a «Beneditina»: “O deci-
motercio foi o P. Fr. Mauro de Santia-
go natural de Vila do Conde eleito no
ano de 1617. Foi sempre grande zelador
da perfeição do culto divino e da obser-
vância regular. Entre outras, uma obra
fez digna de muito louvor, que foi remir
uma penosa pensão de setecentos mil rs,
que o Mosteiro de Santo Tirso pagava
cada ano ao Cardeal Farnes postos em
Roma.”
Imposição das mais pesadas e vexa-
tórias, segundo Fortunato de Almeida,
era o jantar que o Rei com seus oficiais
cobravam nos Mosteiros e igrejas de seu
padroado.
Mas os eclesiásticos tinham uma
arma de força incalculável: a censura ou
maldição; à menor ofensa contra as
imunidades ou pretensões de primazia,
respondia-se com a inexorável sentença
de excomunhão e correspondentes pena-
lizações seculares.
Esta pena era aplicada em comina-
ção com outras que perduraram como as
que se aplicavam aos roubadores de
templo ou cousa sagrada: marcados na
testa, lanhados com açoutes, desterrados
e desorelhados15
… até privados da vida.
Nos séculos XIV e XV chamavam-
se sacrilegios as multas e penas pecu-
niárias dos excomungados.
Como em qualquer empresa, os
rendimentos destinavam-se – e desti-
nam-se – a fazer face aos custos da acti-
vidade da comunidade, à manutenção
do Mosteiro, ao pagamento de encargos
com a raiz, aos investimentos e à manu-
factura de trabalhos de joalharia precio-
sos, manuscritos com iluminuras e obras
de arte.
Os relicários e as jóias mais lendá-
rias que apareceram nos Mosteiros
raramente foram doados, pois a sua
entrega implicava contra-partida.
15
O desorelhar criminosos até à raiz – diferente de “orelha fendida” – era utilizado como práti-ca tendente a evitar que se reproduzissem facínoras, uma vez que se acreditava existir na base da orelha uma veia que, cortada, fazia do homem impotente.
13
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
D. Gonçalo Moniz deu a coroa do
rei D. Bermudo II ao Mosteiro de Lor-
vão. Nas Cortes de Lamego de 1143 –
onde D. Afonso Henriques foi jurado e
coroado como rei de Portugal – foi a tal
coroa que o Abade de Lorvão levou às
Cortes que serviu para esse efeito.
Uma vez que as aplicações com
vista a obtenção de juros são proibidas
pelos regulamentos canónicos, os admi-
nistradores contornam o impedimento
através de mort-gage.
As doações feitas a uma abadia não
são sempre gratuitas16
, in puram elee-
mosynam. Umas vezes ficam-se pelas
contra-partidas em ofícios cantados,
missas de ano, ou enterramento nas
primícias do cenóbio em hábito monás-
tico com garantia de abertura mais fácil
das portas do Paraíso.
Embora estas contra-partidas diga-
mos, espirituais, representem um ónus
futuro, outras de índole material ou
temporal são autênticas aplicações
financeiras.
“Dom Fernão Pires foi o sucessor
do Abade Dom Silvestre. Acha-se
memória dele pelos anos de Cristo
1252. Em seu tempo Dom Rodrigo
Froias e sua mulher Dona Chama,
ou Chamoa Gomes deixa ao Mos-
teiro o que tinha no Couto de
Lageas, no Couto de Airão, e no de
Guimarei, contanto que o Mosteiro
16
Por uma lei de D. Dinis de 10 de Julho de 1286 foi proibido a ordens e clérigos a compra de bens de raiz e ordenado que todos os adqui-ridos por esse modo desde o princípio do seu reinado fossem vendidos dentro de um ano, sob pena de sequestro. E impunha o sequestro de todos os bens que fossem comprados depois dessa lei. Embora tendente a evitar a amortiza-ção que colocava cada vez mais bens fora do alcance da tributação, essa lei e outras que se lhe seguiram, foi vitimada por concessões especiais e, posteriormente, alterada.
lhe largue parte das rendas de S.
João da Foz em sua vida somente.”
Trata-se de um contrato de renda
vitalícia, nitidamente um instrumento
financeiro com aplicação na actualida-
de.
A respeito do Mosteiro de Tibães,
Palatino ou Real, escreve o autor: “Ao
mesmo Abade D. Nuno encoutou o
Infante D. Afonso Henriques (que assim
se intitula Infans egregius, etc.) o lugar
de Donim (situado junto ao Rio Ave
entre Guimarães e Braga) dando ao
Abade título de Reverendíssimo, In
honnorem Iesu Christi. B. Maria Virgi-
nis et S. Martini pró remédio anima
meã et parentum meorum etc… Foi a
data em Guimarães a 26 de Fevereiro
ano de Cristo de 1135.
O encoutamento, se bem que con-
trato jurídico, é uma fonte de imputs de
natureza financeira que lhe andam jun-
gidos. Ao atribuir ao Abade os privilé-
gios senhoriais da jurisdição cível e
criminal, possibilitava a arrecadação de
impostas e coimas, honorários da admi-
nistração da justiça, direitos de porta-
gem, controle dos pesos e medidas,
monopólio da pesca, imposição do rele-
go, licença de construção de moinhos
em regos privativos, sizas nas feiras, e
outras.
O terceiro Abade de Tibães foi D.
Ordonho em cujo tempo el-Rei D.
Afonso Henriques lhe encontou a terra
da Estela chamando-lhe Villa Menendi
por seiscentos alqueires de pão, que o
Abade lhe deu.
As cartas de couto começaram a
rarear à medida que a autoridade do Rei
ia ganhando mais força e foram aboli-
das, a medo, em 1692 e, em definitivo,
em 1790.
14
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
A contabilidade dos prazos era
lançada em livros chamados leituarios,
que se organizavam como os códigos,
tombos ou censuais. Estes repositórios
eram diferentes dos simples róis de bens
que, no séc. XIV, se chamavam bei-
çoairo.
Por prazo entendia-se qualquer
escritura de avença, composição e vizi-
nhança – também denominada postura
– que se celebrava entre partes.
Carta de escambo, 1330
Estes emprazamentos (enfiteuses
ou aforamentos) não se restringiam às
casas e terrenos. Quase tudo se empra-
zava: moinhos, azenhas, pesqueiras,
marinhas e barcos... com o intuito do
seu restauro. Até foros e direitos domi-
nicais já estabelecidos. Os Abades de
Santo Tirso, no séc. XV, arrendam a
cobrança da dizimaria de Santo Tirso e
de Vila Nova das Infantas.
A propósito de um Abade de Tibães
chamado D. João Soares, lê-se na
«Beneditina»: “acha-se memória dele
pelo anos 1274, fazendo queixa a el-Rei
D. Afonso Terceiro do nome, nas Cortes
que celebrou em Santarém, dizendo que
muitos Cavaleiros e Escudeiros com
outros homens de seu Reino, lhe tinham
usurpado muitas terras e casais que per-
tenciam ao Mosteiro. E el-Rei escreveu
a D. Nuno Nunes seu Meirinho Mor e a
Gonçalo Mendes luís (sic) do meirinha-
do, que fossem fazer diligência sobre
esta matéria e mandassem vir perante si
os que tinham terras do Mosteiro de
Tibães e os que achassem, que as tra-
ziam emprazadas, remetessem ao Ecle-
siástico e os que não tivessem título
obrigassem a largar o que traziam e o
entregassem ao Mosteiro.”
A cisão dos bens – que segundo a
Regra deveriam ser usufruídos em
comum – não resultou da contaminação,
15
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
através das grossas paredes conventuais,
vinda do mundo exterior.
A Companhia de Jesus buscou a
solução: “professando e guardando sua
obediência espantosa, sua castidade
maravilhosa, sua pobreza engenhosa”.
Os padroados – pessoas ou entida-
des que tinham poder sobre os Mostei-
ros de que foram fundadores – têm rele-
vância porque, além do direito de apre-
sentação de párocos (o que acabava por
ser uma imparidade), conferiam o
direito de vigilância sobre a administra-
ção do cenóbio (fiscalização) e, mais
tarde, de fruição.
Na compra (ou, melhor, doação
onerosa) o preço destinava-se mais pro-
priamente a uma confirmação da doa-
ção. Este preço assumiu uma tal quanti-
dade de significantes que, é nítido, ape-
nas foi verdadeiro quando inexpresso.
Aparece escrito róbora, révora,
reboração, revoração, exprimindo sem-
pre a ideia de “luvas, saguate, donativo,
ofreção, mimo”.
Quando não abertamente mencio-
nado, subentendia-se do “roboro e con-
firmo” das assinaturas. Ainda hoje, cor-
roborar, é um reforço que sugere
“luvas”.
Os escambos (também designados
“troca” ou “permudação”) não podem
ser analisados, como se faz, apenas à
luz do enquadramento jurídico, por cau-
sa da sua enorme influência financeira.
Define-se como uma comutação de
direitos (por exemplo de padroado) por
um censo certo e anual.
Gonçalo Pires, abade da igreja da
Lavra, foi obrigado a comutar os direi-
tos incertos do Mosteiro que tinha
padroado sobre a Lavra por um censo
certo e anual de 192 alqueires de trigo.17
As composições eram também ins-
trumentos financeiros pois decorriam da
necessidade de resgatar penhoras para
que os monges pudessem herdar ou
receber doações.
Restam ainda três figuras que, sen-
do do substracto jurídico, têm flagrante
influência financeira no cash-flow de
cada Mosteiro individualmente e na
generalidade da organização beneditina.
Hoje, chamaríamos lease-back,
contrato de seguro e contrato de trespas-
se. Nos registos coevos chamam-se,
respectivamente, transacções do domí-
nio útil, a assunção de danos eventuais
por parte do enfiteuta e a renúncia de
foro e de prazo.
Todas estas medidas e recursos
tendentes a aumentar o património da
Instituição com influência perdurável ou
efémera no seu balanço, assumiam for-
mas subdivisionárias como o “subem-
prazamento”, a “subinfeudação” ou a
“subenfiteuticação”, permitindo rastrear
as influências da estrutura social medie-
val e em certo paralelismo entre feudo e
enfiteuse.
§
Recabedos, fincos, ferros, bauilio e
builia, caimbos e amortizações.
Recibo, escrito, bilhete ou quitação,
no recabedo era declarado ter-se rece-
bido alguma soma de que o devedor fica
desobrigado. No livro de recabedo –
livro de receita – registava-se quanto se
havia recebido e quanto ficava em aber-
to.
17
Cif. Carvalho Correia, “O Mosteiro de Santo-Tirso, de 978 a 1588”. Ed. CMST.
16
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
O finco era uma escritura pública
de obrigação de dívida. Documento
autêntico e inegável.
Os ferros eram uma das poucas
pensões que tinham de ser satisfeitas,
não em própria espécie, mas em dinhei-
ro corrente e naquela quantidade neces-
sária para a “compra do número de fer-
ros ou ferraduras que o enfiteuta ou
colono devia pagar”18
.
O bauilio (e bauilia) revelam-nos a
natureza “obrigacionista” que muitos
documentos em circulação no Reino
assumiam. Citemos: “No de 1221, fez
el-rei D. Afonso II uma declaração com
D. Mendo Gonçalves, prior da Ordem
do Hospital, sobre os 14$000 áureos
velhos, e 19$500 soldos de pipinioni-
bus, e dois marcos de prata, menos onça
e meia, os quais eram de 20$000 áureos
que seu pai lhe deixara em testamento;
o qual dinheiro (que era a décima parte
do tesouro que herdara) deu a guardar
ao dito prior para se despender no claus-
tro, que se havia de fazer na sé de
Coimbra. Por este instrumento que se
guarda na Torre do Tombo, o prior se
obriga a satisfazer tudo, hipotecando
todas as rendas que a ordem tinha no
Reino, e obrigando-se a que todos os
Bauilios dessem Recabedum unusquis-
que de sua Bauilia… de omnibus reddi-
tibus ipsarum Bauiliarum, isto é, que
entregassem aos oficiais de el-rei o fiel
recibo das rendas que tinham cobrado
para, mais facilmente, se embolsar o
dito dinheiro”.
Como organização internacional, a
Ordem Beneditina não deixaria de usar
o caimbo. Câmbio à vista, quando o
banqueiro com letra sua e com algum
interesse nos faz cobrar, pelo seu cor-
18
Cif. Viterbo, “Elucidário”.
respondente, em um lugar o dinheiro
que lhe entregamos em outro lugar.
Citado de um relato de 1487.
Finalmente, um tipo especial de
compra que se registava com o nome de
amortização.
Segundo Viterbo, “À vista dos
documentos que abaixo se aduzem, e
segundo o estilo, que até os fins do
século XIII, entre nós, se conservou,
parece não ser outra cousa mais que
uma aquisição, que as mãos mortas19
faziam de alguns prédios ou proprieda-
des com licença e autoridade expressa
do soberano; as quais, uma vez adquiri-
das, ficavam isentas de todos os encar-
gos e direitos, que dantes pagavam á
coroa ou, pelo tempo adiante, lhe pode-
riam pagar e sem obrigação de serem,
dentro de certo tempo, alheadas.”
Até ao reinado de D. Dinis, estas
entregas mais ou menos encapotadas em
vendas – pois atrelavam padroeiros a
quem a realeza devia favores – foram
dependendo da convicção na salvação
da alma pela ampliação do rédito de
lugares pios. D. Dinis pôs termo a estas
amortizações… tornando-as raríssimas.
§
Com os Abades seculares esvane-
ceu-se o princípio omnia sint omnibus
da Regra de S. Bento que instituía que
todos os bens da abadia deviam ser um
todo para todos e que tornava as comu-
nidades ingovernáveis.
No séc. VIII, os Abades seculares e
os laicos providos de uma “abadia”, em
recompensa dos seus méritos políticos e
com vista a serviços a prestar, atribuí-
19
Mãos mortas eram as propriedades das comunidades religiosas que estavam sob pro-tecção particular dos reis.
17
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
ram-se a si próprios se não a totalidade,
pelo menos, uma grande parte da fortu-
na monástica.
Consequentemente esses Abades
reduziram o número de monges para
não terem tantas bocas a alimentar, for-
necendo apenas uma porção côngrua
aos que restavam, e aumentavam o
número de zagonais para certos traba-
lhos como a condução do turíbulo o e
tanger de campainhas nas cerimónias.
Este downsizing obrigou a inter-
venção do poder temporal com determi-
nações sobre a partilha dos rendimentos
entre os monges e o Abade, ocorrida no
início do séc. IX. Cria-se, assim, a men-
sa abacial e a mensa conventual.
Um pouco contra-natura, esta
imposição de aquinhoar de rendimentos
estendeu-se também aos Mosteiros
administrados por Abade regular. Tal-
vez porque os Abades regulares chega-
vam aos conventos sucedendo a Abades
seculares e não tiveram coragem para se
auto limitarem abolindo a sua própria
mensa.
E assim a mensa separada abacial
se transformava numa garantia para os
monges contra os abusos do poder em
matéria financeira.
________________________________
CAPÍTULO VII.
Exemplos colhidos da Beneditina Lusitana
partilha do mundo deixa bem
clara a excelência extensiva da
santa regra. Para não colocar dúvidas
sobre a autoridade fragmentária, o autor
serve-se da tradição nascida com o dilú-
vio universal e da agência de Noé inspi-
rada na divina graça.
No período em análise, o mundo
andava dividido em: levante ou soão,
que era o nascente; abrego, vendaval ou
alcouço, o sul; aguiom ou aquilom, o
norte; travesia e ociente, o poente.
A propagação da vida monástica
conformou-se com a divisão do mundo
entre os três Patriarcas mais antigos: a
S. Basílio foram dadas as partes da
Ásia; a Santo Agostinho as do meio-dia
em África; a S. Bento as do Ocidente e
Norte na Europa.
Uma vez delimitada territorialmente
a implantação do franchising da Regra
de S. Bento, vejamos os interventores:
franqueador é o administrador da
Regra, inicialmente o próprio20
funda-
dor e redactor: “a três partes mais remo-
tas chegou vivendo ainda o glorioso
Patriarca21
;” franqueado era Abade do
Mosteiro ou o seu sucessor, secular ou
civil; o negócio, testado com sucesso ao
longo de milhares de anos, era de almas
que, como as Naus mercantis, “têm
necessidade de vela, que é a esperança,
e de lastro, que é o temor. Umas se per-
dem por falta de temor, outras por falta
de esperança”; para a transmissão do
know-how à rede existia um instrumento
único que, ao tempo e ao longo das eras,
se revelou mais abrangente que, hoje, a
própria internet: o latim; quanto ao
apoio aos franqueados, vejamos a
seguinte passagem22
: “Porque come-
çando ele (D. Paio Guterres da Silva) a
governar pelos anos mil e oitenta, ou
poucos menos, na Sé de Tui se acha
Doação feita no ano de mil e setenta e
um, no qual se dá à dita Sé a metade do
20
S. Bento deu a Regra, em vida, primeiramen-te à Sicília, depois a Espanha e, no ano da sua morte, a França. 21
BL, Tomo I, 132/B/4 22
BL, Tomo I, 279/A/43.
A
18
VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010
Mosteiro de Tibães; evidente prova que
já antes do governo de D. Paio o dito
Mosteiro estava de pé. A Doação que
fez ao Bispo D. Jorge e à Sé de Tui por
estar naquele tempo muito pobre foi
da Infanta D. Urraca filha d’el-Rei D.
Fernando o Magno tia da Infanta D.
Tareja Mãe do nosso primeiro Rei D.
Afonso Henriques”;
A Regra era disponibilizada até às
mais simples filiais da religião de S.
Bento, como foi o caso das chamadas
obediencias que eram mosteirinhos,
granjas ou pequenos priorados.
O ”franchising da Regra” é diferente
da prática beneditina (e cistercense) que
motivou o abade pai, abade filho, aba-
de neto, abade bisneto, abade avô e
abade bisavô. Abade pai dizia-se daque-
le de cujo Mosteiro saíram monges para
fundar outro… e assim por diante.
Do mesmo modo que, na economia e
na política, é histórico que as mulheres
nunca chegaram a inventar, motivar ou
criar os enredos das organizações que,
para o bem e para o mal, enformaram as
sociedades, também as Abadessas exer-
ceram as suas funções na organização
beneditina, mas de uma forma singela,
objectiva e, geralmente, incorrupta.
As mulheres só começaram a reunir-
se em conventos a partir do séc. IV. No
concílio de Barconcelde, de 694, estive-
ram cinco dessas Abadessas administra-
doras do temporal.
________________________________
CAPÍTULO VIII.
Burlas e fraudes com instrumentos financei-
ros
illiçador é o tipo de burlão mais
acabado, engranzando no iliza-
mento todas as burlas, trapaças, enga-
nos, tecimentos, tramóias, dolos, male-
zas, supositas ou maquinações que se
poderiam forjar.
As Ordenações tentaram prevenir a
prática de illiçar ou illiciar.
“Os fidalgos fazem penhoras nas
terras dos Mosteiros, por muito mais do
que haviam de haver, pelo que se não
pode sustentar no espiritual e tempo-
ral”23
. Trata-se de um embuste próprio
de illiçadores que tinha paralelo nos
mercados de géneros que era o inchar
freama: “péssimo costume de encher de
vento os animais e aves, que se expu-
nham à venda, para, deste modo, impor
aos símplices, que se persuadiam ser
gordura esta artificiosa inchação”.
A inmissão ou immissão era outra
trapaça, mas esta caracterizada pela
extorsão e pela violência. Num docu-
mento de 1077, relativo ao Mosteiro de
Paço de Sousa, o doador de certos bens
protesta Non sedeam ausus illud Testa-
mentum inrumpere, non per Potestates,
non per Maionos, vel Sayones, nec per
inmissiones, aut supositas malas; sicut
in Decretis Sanctorum Canonum de
talibus est institutum.
23
Embora com características diferentes, por se relacionar com a sobredimensionação e sobre-valorização de stocks, a South Sea Buble – que relaciona o termo “bolha” com crises financei-ras – teve origem em Inglaterra nos anos de 1711 a 1720!
O
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Peitas, luvas24
, serviços, presentes,
regalos, jantares, comedorias e outras
coisas “para remir vexame”, com o
nome de ofreçom ou offerçom, sempre
eram mencionadas como fazendo parte
do preço a pagar a oficiais, ministro,
alcaides.
A peita foi definida como “ tudo o
que se dá para corromper a justiça, a
virtude, a verdade e boa-fé de alguém”.
Não é necessário aprofundar, na actua-
lidade, estes conceitos; basta repescá-
los, adaptando. É que, na Idade Média,
passando a peita de cruzado, ou sua
valía, além das sobreditas penas, é con-
denado – o negociador – a perpétuo
degredo para o Brasil. E sendo as pei-
tas de valia de dois marcos de prata,
tem pena de morte.
Como esta peita estava longínqua
do peitu de 1121, mencionada numa
venda feita por Egas Moniz, em que
foram satisfeitos 50 módios a título de
peitu pagos ao conde D. Fernando!
A moeda falsa também era costume
propagado, cunhada em metais que não
eram de uso habitual: D. João I, ao
impor a aceitação obrigatória da moeda
de seu cunho, ressalvou a possibilidade
de, por evidente experiência, se desco-
brir que era feita de ferro, ou de peltre
(arme, latão) ou de “outro desvairado
metal de que não se acostuma fazer
moeda nestes reinos”.
24
Alcançar ou conseguir luvas dizia-se percal-çar.
Selo rodado
A aposição de selos, como forma
de autenticar os documentos e evitar
falsificações, mereceu constante inves-
timento em técnicas e aperfeiçoamen-
tos. Além dos selos rodados, feitos à
pena desde 1150, usava-se o selo pen-
dente de cera ou chumbo, o selo peque-
no de chapa, chancela ou sinete, de
molde, cunho ou tipo. O selo das tavoas
assim se chamava porque o artifício
com que se imprimia o selo era formado
entre duas ou três tábuas. O selo de
puridade, nos finais do séc. XIV, tam-
bém se chamava selo pequeno para se
distinguir do selo grande ou coucho.
Pelas Cortes de Elvas, de 1361, e
pelas de Lisboa, de 1371, ficamos a
saber como os clérigos sofismavam a
lei: faziam celebrar os contratos de
compra por terceira pessoa de quem
depois recebiam a propriedade compra-
da a título de doação ou de troca.
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CAPÍTULO IX.
Nota final sobre as fontes
em sempre que se recolhiam os
documentos para averiguações
estes eram devolvidos aos cartórios ori-
ginais, embora os emitentes, obrigados
a enviar documentos autênticos, guar-
dassem normalmente cópias e traslados.
Os roedores, que emprenhavam às cen-
tenas os esbarrigados tombos conven-
tuais, en-carregaram-se de dizimar
grande soma.
Numa sentença de 1486 exarada no
Livro das Provisoens da Camara de
Coimbra consta que “se mandaram
examinar: o arquivo da Câmera de Lis-
boa e Torre do Tombo, e os cartórios de
Santa Cruz, Alcobaça, Bouro, Santo
Tirso, Lorvão, Odivelas e Arouca”.
É bem natural que os originais de
todos estes documentos tenham ficado
em casa do inquiridor e, posteriormente,
tenham sido remetidos à Torre do Tom-
bo.
Apesar de ameaçados de morte por
D. João I se não lavrassem os documen-
tos per letra Christenga Portuguez,
muitos tabeliães fizeram escritura públi-
ca por letra arábiga e hebraica.
Outra observação necessária sobre
as fontes é a grande importância que
assumem para as nossas investigações,
as escrituras e demais contratos lavra-
dos durante o período em estudo. Mas
nem todos os documentos atingiam a
sua versão final e acabada. Projectava-
se uma doação ou um testamento, disso
se fazia uma minuta, talvez se lavrasse
carta depois de maduras reflexões que
não se entregava ao donatário nem se
apunham assinaturas e selos. Finalmen-
te, era dada a escritura – o que, por
vezes, não chegava a acontecer mercê,
sobretudo, de atribulações políticas –
com todas as formalidades do tempo.
António Jorge Ribeiro
www.orgalribeiro.net
N
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Bibliografia
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Viterbo, Fr. J. de S. Rosa, 1983. Elucidário. 2ª edição, Livraria Civilização, Porto
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Índice Remissivo
acções, 11 amortização, 16 assunção de danos, 15 averiguações, 20 bauilio, 16 beiçoairo, 14 bolha, 18 breves, 3 bulas, 11 caimbo, 16 Cassino, 2 composições, 15 contrato de renda vitalícia, 13 couto, 13 downsizing, 17 Dume, 2 encoutamento, 13 enfiteuses, 14 escambos, 15 ferros, 16 finco, 16 fiscalização, 15 franchising, 17 Grijó, 3 guarda-livros, 10 imparidade, 15 inchar freama, 18
inmissão, 18 lease-back, 15 leituario, 14 Lorvão, 4, 9, 13 mãos mortas, 16 marketing, 9 mensa, 17 mort-gage, 13 obrigações, 11 ofreçom, 19 Paço de Sousa, 18 padroados, 15 Pombeiro, 3 prazo, 14 recabedo, 15 renúncia de foro e de prazo, 15 róbora, 15 Santo Tirso, 12 seguro, 15 subemprazamento, 15 subenfiteuticação, 15 subinfeudação, 15 talha de fuste, 11 Tibães, 18 Tomar, 2 transacções do domínio útil, 15 trespasse, 15