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Caros amigos, Estou a escrever-vos de um internet point de St. Ives, uma alegre aldeia da Cornualha. Isto aqui é fantástico! Se estiver tudo bem convosco, gostaria de cá ficar mais algumas semanas. Já consegui traduzir o segundo caderno e posso dizer que não faltam surpresas. Descobrem- -se imensas coisas. Mas para já não vos conto nada. Trabalhei noite e dia e estou cansadíssimo. Quando saía do meu quarto, a luz do Sol a bater-me nos olhos mal deixava que eu os abrisse. Foram os proprietários da estalagem que me obrigaram a apanhar ar, porque, se não fossem eles, acho que ainda estava fechado no quarto, com folhas e canetas, a enfrentar a caligrafia incompreensível de Ulysses Moore. São muito boas pessoas, contei-lhes o que estava a fazer... e agora tratam de mim como se eu fizesse parte da família. Tomo o pequeno-almoço com eles (já provaram os scones deles? São óptimos no café com leite), depois sento-me a uma mesa, abro um caderno novo e começo a procurar no baú fotografias ou desenhos que me possam ajudar. O mais engraçado é que, no fim do dia, pedem- -me sempre para ler em voz alta o fragmento que traduzi, e depois comentamo-lo juntos. E sabem o que é estranho? A senhora da estalagem já ouviu falar de Kilmore Cove, mas nem um nem outro me sabe explicar como é que se vai lá ter. De qualquer maneira, vou ter muito pouco tempo para fazer turismo! Antes de me despedir, queria dizer mais umas coisas: investigando um pouco, encontrei uma tal Olívia Newton, mulher de negócios bem-

internet pointde St. Ives, uma alegre aldeia Ulysses Moore. · Caros amigos, Estou a escrever-vos de um internet pointde St. Ives, uma alegre aldeia da Cornualha. Isto aqui é fantástico!

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Caros amigos,

Estou a escrever-vos de um internet point de St. Ives, uma alegre aldeiada Cornualha. Isto aqui é fantástico! Se estiver tudo bem convosco,gostaria de cá ficar mais algumas semanas. Já consegui traduzir osegundo caderno e posso dizer que não faltam surpresas. Descobrem--se imensas coisas. Mas para já não vos conto nada.

Trabalhei noite e dia e estou cansadíssimo. Quando saía do meu quarto,a luz do Sol a bater-me nos olhos mal deixava que eu os abrisse.Foram os proprietários da estalagem que me obrigaram a apanhar ar,porque, se não fossem eles, acho que ainda estava fechado no quarto,com folhas e canetas, a enfrentar a caligrafia incompreensível deUlysses Moore.São muito boas pessoas, contei-lhes o que estava a fazer... e agoratratam de mim como se eu fizesse parte da família.

Tomo o pequeno-almoço com eles (já provaram os scones deles?São óptimos no café com leite), depois sento-me a uma mesa, abroum caderno novo e começo a procurar no baú fotografias ou desenhosque me possam ajudar. O mais engraçado é que, no fim do dia, pedem--me sempre para ler em voz alta o fragmento que traduzi, e depoiscomentamo-lo juntos.

E sabem o que é estranho? A senhora da estalagem já ouviu falar deKilmore Cove, mas nem um nem outro me sabe explicar como é quese vai lá ter. De qualquer maneira, vou ter muito pouco tempo parafazer turismo!

Antes de me despedir, queria dizer mais umas coisas: investigando umpouco, encontrei uma tal Olívia Newton, mulher de negócios bem-

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-sucedida, que trata de casas, turismo e férias. Será que é a mesmapessoa dos cadernos?

Também há bastantes Covenant na lista telefónica de Londres, eapetece-me ligar a todos.

Ainda por cima, Kilmore Cove não existe em nenhuma lista. E issoespanta-me, para não dizer outra coisa: quero ir pedir informações àCâmara de St. Ives. Ou então arranjar um daqueles mapas doscaminhos da região ou um mapa turístico muito detalhado para tentarchegar até àquela aldeia estranha.

Tenho pouco tempo, vou andando.Até breve,

Pierdomenico

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– ULYSSES MOORE –EM BUSCA DO MAPA DESAPARECIDO

segundo caderno

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Capítulo 1

– SÁBADO À NOITE EM

KILMORE COVE –

Primeira versão da t

radução

do segundo caderno

de Ulysses Moore

No baú encontrei esta fotografia, muitoestranha, tirada no Egipto com umaPOLAROID.Procurei em vários livros... este edifício e esta estátua já não existem!!

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C hovia e o céu estava quase negro. Na torre daVivenda Argo, empoleirada no recife, a luztremia e mudava de intensidade consoante as

rajadas de vento. As árvores do parque dobravam-secomo se fossem ervas. As ondas eram como que feitassó de espuma, batendo contra as rochas.

Nestor, o jardineiro, verificou pela centésima vez seas janelas estavam bem fechadas. Atravessou a casa,coxeando, conseguindo orientar-se na escuridão entreos estranhos móveis que a decoravam. Evitou de me-mória as gavetas saídas, as mesinhas, as estátuas in-dianas e africanas e inclinou-se antes de passar debaixodo velho lustre veneziano da sala. O seu conheci-mento de cada cantinho da casa era o resultado deanos de serviço leal.

Depois de ultrapassar as escadas chegou ao pórticoe parou a observar da janela o parque que a chuvatornara negro. Apoiou-se numa estátua que represen-tava uma mulher a remendar uma rede de pesca.A mulher sobressaía contra o vidro da janela, e, coma luz tremida das lâmpadas, parecia viva.

Nestor esfregou as mãos com força. Subiu as esca-das passando por baixo dos retratos dos antigos pro-prietários da casa e entrou no quarto da torre. Deuuma olhadela rápida aos diários e à colecção das mi-niaturas de barcos e voltou, sempre a coxear, para o

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rés-do-chão, passou o arco que levava à sala de pedrae acendeu a luz.

No chão estavam folhas e lápis espalhados, alimesmo onde os miúdos tinham passado a tarde a re-solver o enigma das quatro fechaduras.

Águia, bode, rã e esquilo.Que tinham conseguido abrir...Nestor olhou para a porta. A madeira escura co-

bria-se de queimaduras e de arranhões. E os batentes,agora, estavam fechados. Hermeticamente fechados.

— Espero que estejam bem... — murmurou o jar-dineiro, apoiando a mão contra a madeira fria daPorta do Tempo. Controlou as horas no relógio auto-mático, presente que lhe tinha dado um velho amigorelojoeiro: as agulhas, finas e compridas, avançavamdevagar. — A esta hora, já lá devem ter chegado... —sussurrou, cerrando os dentes com nervosismo.

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SÁBADO À NOITE EM KILMORE COVE

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O baú está mesmo cheio de coisas

incríveis.

Acho que este perfume

é o da Olívia!

Capítulo 2

— ALÉ́M DA PORTA DO TEMPO —

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T irando o cabelo molhado de cima dos olhos,Jason disse:— Há aqui um corredor.

— E também há luz — continuou a irmã.Rick, que estava atrás dos dois gémeos, voltou

a pôr no bolso o pedaço de vela que ainda tinhacom ele.

— Também me parece que está mais calor...Avançaram alguns passos no corredor, agarrados

uns aos outros pela roupa que tinham encontradono cofre do barco: calças e camisas grandes de maispara eles e uns pares de sandálias pouco confor-táveis.

Rick tinha razão, naquele corredor estava muitomais calor do que na gruta da Metis.

Jason agachou-se para tocar no chão.— Areia — disse ele. — Está coberto de areia.A irmã tocou nos blocos de pedra das paredes.

Eram feitos de uma rocha escura, muito diferentedo recife de Salton Cliff.

— Se calhar estamos a entrar num vulcão... — iro-nizou ela em voz alta.

Rick virou-se para estudar a porta que tinham aca-bado de passar: confundia-se completamente coma pedra do corredor e, se ele não soubesse que estavaali, não teria conseguido vê-la.

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Atirou para o ombro a corda que tinha obstinada-mente transportado com ele desde o princípio da via-gem e continuou a andar.

Jason começou a assobiar, nervoso.— Vê lá onde pões os pés... — avisou-o a irmã.

Ainda cais numa armadilha qualquer.Depois de uma curva encontraram-se em frente

de outro corredor e de uma escada que levava paracima. A luz passava por uma grade construída notecto. Jason parou debaixo dos raios de Sol que inci-diam de cima e disse:

— Até que enfim, sol!Rick abanou a cabeça, perplexo.— Não é possível, nós não passámos a noite toda

na gruta.Só aí é que Julia reparou que o relógio dela estava

parado.— Talvez seja madrugada — disse ela.Rick pôs-se ao pé de Jason, debaixo dos raios

de Sol.— Eu, daqui, diria que o Sol já está alto. E deve estar

mesmo, para poder entrar por um buraco no chão. In-crível... Não pode ter passado tanto tempo.

— Pelo menos poderia explicar por que me sintotão agitado... — disse Jason, massajando o peito juntoàs feridas.

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ALÉM DA PORTA DO TEMPO

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— Alguém faz a menor ideia de onde estamos? —interrompeu Julia, aproximando-se.

— Eu diria... sempre debaixo de Salton Cliff... umbocadinho mais longe da Vivenda Argo — conjec-turou Rick, com sentido prático.

— Só falta verificar — propôs Jason, pondo o pé noprimeiro degrau das escadas.

A meio da subida pararam de repente, ouvindoduas pessoas a conversar através da grade:

— ... um carregamento de resina da melhor quali-dade.

— Já o transportaste para o mercado perto da mastaba?— Claro, mas hoje é impossível circular, com estes

controlos todos!— Agradece ao faraó pela visita!— Pois claro! E para a próxima agradeço mil vezes

se decidir ficar em casa...As vozes afastaram-se até se tornarem incompreen-

síveis, e os meninos trocaram um olhar perplexo.— Também ouviram? — perguntou Julia.— Alto e bom som — respondeu Jason, subindo de

novo as escadas.— E a palavra... faraó... também?— Galinha-faraó. Grande galinha selvagem.— E tu, Rick?

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O rapaz ruivo abriu a Enciclopédia das Línguas Es-quecidas e começou a folheá-la.

— Espera só um bocadinho, Julia. Estou à procurado que é uma mastaba.

No alto das escadas, Jason estava parado em frentede uma parede de tijolo que cortava o caminho.

— Jason, sabes o que é uma mastaba? — pergun-tou-lhe a irmã, aproximando-se. Depois viu a paredee disse: — Não me digas que estamos bloqueados.

Jason começou a bater com os nós dos dedos nostijolos e respondeu:

— Estamos bloqueados. Mas acho que este muronão vai resistir muito tempo, é falso.

— Mastaba: — começou a ler Rick, e a sua voz ia en-fraquecendo aos poucos — edifício sagrado egípcio comforma de tronco de pirâmide. O interior pode ser decoradocom frescos ou desenhos. A entrada da câmara sepulcralestá escondida para evitar intrusões de ladrões de túmulos.

Julia arregalou os olhos.— Edifício sagrado egípcio? Câmara sepulcral? La-

drões de túmulos? — Virou-se de repente para o irmãoe gritou: — Jason!

Rick fechou a Enciclopédia das Línguas Esquecidas.— Digam-me que estou a sonhar.— Jason! — repetiu Julia. — Escondes-nos alguma

coisa?

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ALÉM DA PORTA DO TEMPO

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Jason estava tão pasmado como eles. Mas era ver-dade que, como pensava Julia, o seu espanto tinhaalguma coisa a ver com alegria.

— Então... funciona mesmo assim... — murmurouele, apoiando-se, extasiado, à parede de tijolo.

Lembrou-se do sonho acordado que tivera quandoestava na Metis e do barco que não se queria mexer.E lembrou-se de como tinha conseguido pô-lo a an-dar, desejando mais do que tudo ir até ao...

— Egipto!!Rick olhou para o amigo, olhou para Julia e para

o corredor à volta deles e concordou.— É mesmo. Já não estamos em Kilmore Cove.

Isto já não pode ser Kilmore Cove...Julia ficou petrificada.— Como é que sabes que isto já não pode ser

Kilmore Cove?Rick mostrou a grade por cima deles:— Ouviste aquelas pessoas a falar, não foi? A re-

sina, a mastaba, o faraó...Jason mordeu o lábio para esconder um sorriso.Julia virou-se e apontou para ele com o dedo da

mão direita.— Jason, agora tu...Mas não pôde acabar a frase. Estava alguém a bater

contra a parede de tijolo.

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Pouco depois da meia-noite, quando aumentoua intensidade do temporal, o farol de Kilmore Coveacendeu-se. No alto da torre começou a brilhar umaluz cor-de-laranja que parecia uma lâmpada gigantequente de mais. Depois de algumas tentativas, doisraios brancos começaram a sondar a noite, girandolentamente.

A luz espetava-se no mar, perdia-se ao longe edepois passava pelos telhados, como se fosse umgrande e tranquilizador olho branco.

A aldeia dormia profundamente, confiando no seuguardião luminoso.

Um único carro andava pelas estradas desertas. Eraum daqueles carros de gangster, preto e imponente,inchado da própria caríssima tecnologia de luxo. Oslimpa-pára-brisas de última geração corriam pelo vidrocomo patinadores no gelo. O carro descia a colina, e ovidro polarizado anti-radiações não serviu de nada con-tra a luz violenta do farol que o iluminou como se fossedia. O condutor ficou encandeado e travou de repente.

Do banco de trás ouviu-se uma voz feminina a gri-tar, acabando a sequência de recriminações com umdefinitivo:

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ALÉM DA PORTA DO TEMPO

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— Nunca mais faças isso!O condutor ruminou algumas respostas em voz

baixa mas limitou-se a meter a primeira velocidade,depois a segunda e continuou a descer para o centroda aldeia. Foi ao longo do pequeno cais, deixou ofarol para trás e entrou na segunda estrada sinuosaque encontrou e que ia dar ao centro.

— Por aqui não se pode passar — resmungou amulher sentada no banco de trás.

— Mas por aqui chega-se mais depressa — respon-deu o motorista, observando-a pelo retrovisor.

As unhas roxas e compridas da mulher soltavamfaíscas.

O carro chegou a uma praça redonda, no centro daqual se erguia uma estátua equestre majestosa.

Um bando de gaivotas abrigava-se da chuva de-baixo da barriga do cavalo de bronze.

«Agora já sei para que é que serve a arte», pensou omotorista, troçando.

Com uma manobra em U, enfiou-se numa ruapouco mais larga do que o carro, ladeada por casasantigas com os telhados colados uns aos outros. Ria-chos de água escorriam como cascatas pelas goteiras.

— Chegámos — disse o motorista, saindo des-sa rua.

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Enquanto o limpa-pára-brisas varria o vidro, apro-ximou-se de uma casa baixa de dois andares, com umterraço cheio de flores, águas-furtadas primorosas e otelhado a escorrer.

— Maravilhoso — cantarolou a passageira. Perfu-mou-se abundantemente e abriu sozinha a porta docarro. — Vamos lá, querido!

— Tenho mesmo de ir?— Já te esqueceste do que tens a fazer, Manfred?

— murmurou Olívia Newton, dirigindo-se para acasa antiga sem fechar a porta do carro.

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