12
É sempre muito difícil iniciar uma discussão a respeito de raça, classe e gênero sem reconhecer que estas se interpenetram de forma muitíssimo profunda. Não é possível falar de preconceito sem perceber as suas diferentes manifestações, sua origem, e como se dissemina espacial, social, temporal, político e ideologicamente. A busca pela origem de uma subordinação ou da subalternização foi o insight para uma proposta para a aquisição de ferramentas analíticas, dentro da procura de categorias analíticas alternativas, que deram origem as categorias de articulação, para compreensão das desigualdades e das diferenças. Da hierarquização e da hegemonia. Compreender a interseccionalidade e/ou categorias de articulação é então passar a entender a complexidade das relações humanas a partir do momento em que abandona a compreensão a partir de um ou outro conceito ou teoria. É pensar as categorias de classificação de sujeitos de forma articulada e relacional. Anne McKlintock diz que as experiências vivenciadas por meio dessas categorias não são dissociadas umas das outras, e muito menos podem ser combinadas como se fossem peças de lego. Por esse motivo, devemos pensá- las como categorias articuladas, que existem de forma relacional e contextual” (1995) e com isso quer dizer basicamente que respectivamente não são somadas entre si porque ao longo da história, diferentes marcadores sociais são utilizados para que se criem relações de subalternização, subordinação. Entretanto,

Interseccionalidades

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Resumo com citações a autores sobre interseccionalidade em questões de raça, gênero e classe.

Citation preview

sempre muito difcil iniciar uma discusso a respeito de raa, classe e gnero sem reconhecer que estas se interpenetram de forma muitssimo profunda. No possvel falar de preconceito sem perceber as suas diferentes manifestaes, sua origem, e como se dissemina espacial, social, temporal, poltico e ideologicamente. A busca pela origem de uma subordinao ou da subalternizao foi o insight para uma proposta para a aquisio de ferramentas analticas, dentro da procura de categorias analticas alternativas, que deram origem as categorias de articulao, para compreenso das desigualdades e das diferenas. Da hierarquizao e da hegemonia. Compreender a interseccionalidade e/ou categorias de articulao ento passar a entender a complexidade das relaes humanas a partir do momento em que abandona a compreenso a partir de um ou outro conceito ou teoria. pensar as categorias de classificao de sujeitos de forma articulada e relacional. Anne McKlintock diz que as experincias vivenciadas por meio dessas categorias no so dissociadas umas das outras, e muito menos podem ser combinadas como se fossem peas de lego. Por esse motivo, devemos pens-las como categorias articuladas, que existem de forma relacional e contextual (1995) e com isso quer dizer basicamente que respectivamente no so somadas entre si porque ao longo da histria, diferentes marcadores sociais so utilizados para que se criem relaes de subalternizao, subordinao. Entretanto, salienta que importante observar uma espcie de vulnerabilidade maior quando ento, dentro de marcadores sociais um indivduo fica exposto a maiores aes de discriminao. Um exemplo disso seria, por exemplo, no nosso pas, um indivduo negro, homossexual e pobre. Certamente ele sofrer em algum momento preconceito por ser negro, homossexual ou de classe baixa. Muito pouco provavelmente (e isso no significa a impossibilidade de que acontea vide que no to absolutamente incomum que escutemos o disparate do alm de preto pobre ou alm de favelado gay) sofrer simultaneamente os efeitos da discriminao multiplicada por ser preto e pobre e homossexual. Todavia, a possibilidade de quem algum ambiente, um desses marcadores sociais seja a razo pela qual ela venha sofrer algum tipo de discriminao grande, vide que nas relaes pessoais na nossa sociedade construda sobre uma gide judaico-crist, capitalista, esses marcadores indiquem teoricamente uma incapacidade ou inadequao, desvio, danao etc. Sabendo que nenhum desses marcadores de fato depreciativo, ou indica algum desvio, demritos, desvio, danao, incapacidade ou inadequao, podemos perceber uma coisa e nos questionar de outra to importante: marcadores sociais se relacionam e esto articulados, e, por que classificaes do tipo so utilizadas de forma pejorativa, respectivamente. De antemo, necessrio lanar-se a histria para compreender como se deu a hegemonia do pensamento de superioridade branca, classe mdia alta e heterossexual.O professor Kabengele Munanga, da Universidade de So Paulo (USP) apresenta em seu texto Uma abordagem conceitual das noes de raa, racismo, identidade e etnia um pequeno panorama da evoluo dos conceitos de raa ao longo da histria. Este foi empregado por Lineu, no incio do sculo XVIII e foi utilizado na zoologia e na botnica para categorizar espcies de animais e plantas. Munanga tambm salienta que como todo o conceito raa tem seu campo semntico e uma dimenso temporal e espacial (2004), e ao passar dos anos foi transportado para outro contexto ainda carreando consigo seu sentido mais profundo de diferenciao das espcies. Utilizado na poca medieval para indicar linhagem por algumas caractersticas fsicas em comum. Em 1684, na Frana, foi utilizado para abordar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados que ele chamou de raas e passou a atuar fortemente pra definir as relaes entre classes sociais da poca (nobreza e plebe). Deu origem naquela poca, por exemplo, aos discursos de sangue puro e reafirmaria ento a superioridade de uma classe/grupo da poca sobre outros. Um seria naturalmente (biologicamente) capaz de administrar, dirigir e dominar enquanto os outros, ainda na mesma justificativa para a naturalidade da subalternidade do outro como estes sendo biologicamente inferiores e passveis at da escravido, isto, sem que qualquer diferena significativa morfobiolgica fosse capaz de ser evidenciada entre as duas classes. Nota-se que foi trazido o conceito de raas puras foi transposto da botnica para as relaes sociais para que se fosse dada essa justificativa. Posteriormente com o avano das descobertas de novas terras e o surgimento do amerndio, do negro do amarelo, outros questionamentos foram levantados e os europeus ento se viram de fronte com uma srie de novas definies a fazer, e surpreendentemente, at observar a possvel humanidade desses novos indivduos. Seriam estes seres humanos como ns? Ou animais dotados de similaridades conosco, que certamente somos humanos? So dotados de alma? Tais questionamentos inclusive a respeito da alma do outro eram de profunda importncia visto que inclusive a definio do outro acontecia dentro/ era responsabilidade de/da instituio religiosa (igreja) que era, ento, a detentora do conhecimento e a responsvel pelos estudos da poca. Mantinham o monoplio da razo e da explicao. Para aceitar a humanidade dos outros era necessrio provar que eles eram descendentes de Ado, como eles (europeus) eram.Os iluministas, durante o sculo XVIII, motivados pela intensa luta de contestao do monoplio da igreja sobre o conhecimento, trazem a discusso quem seriam esses outros numa explicao na razo universal e na histria linear. Laam mo ento do conceito de raa das cincias naturais para definir quem so esses outros que integram a antiga humanidade como raas diferentes. Munanga questiona essa classificao da diversidade humana em raas ao passo que de certa forma justifica o que uma necessidade humana e/ou uma tendncia semi-orgnica, quase biolgica, viciante, de classificao de tudo, que neste caso desembocou infelizmente numa hierarquizao das mesmas. De fato que a diversidade humana um fato emprico, e no h como no conseguir distinguir o indivduo nascido no que vem/viria a ser a frica do que nasceu na sia. A cor da pele foi o primeiro critrio para a definio de trs raas estanques: o branco, o negro e amarelo. Levando em considerao que apenas 1% dos genes humanos o que define qual ser a cor da pele de um indivduo pode-se dizer que esse um critrio absolutamente superficial. Posteriormente outros delimitadores foram utilizados para realizar essa distino de raas como formado do crnio, nariz e orelhas, do queixo e dos lbios. To logo se desenvolveram e avanaram as pesquisas no campo da gentica, algumas subdivises de raas foram surgindo at que se mostrassem possivelmente variveis a ponto de no poderem ser quantificadas. Sem contar que pesquisas de comparao indicaram que fenotipicamente um indivduo poderia estar enquadrado em uma raa sendo geneticamente mais prxima a outra que daquela que aparenta ser. Percebido isso, os cientistas chegaram concluso de que raa no era uma questo biolgica para definir a diversidade humana. Ou seja, cientificamente, no seria possvel utilizar-se do conhecimento gentico para enquadrar seres humanos em trs raas estanque. Raas no existem. Apesar de a cincia ter chegado a essa concluso, o conceito de raa, agora, no necessita mais do seu antigo aparato biolgico-cientfico para se validar. Ciente que desde incio a justificativa biolgica era apenas UM argumento utilizado para corroborar a pretensa superioridade da raa branca sobre as demais raas, num processo de associao da pele branca a qualidades que seriam latentes da raa branca (beleza, inteligncia, fora, racionalidade, etc.) e das demais a deficincia, inadequao, da no virtude, da emoo, da estupidez, da desonestidade e, portanto, mais sujeitas escravido, como latentes s demais, em especial, a raa negra, a mais escura de todas. Podemos ver na atualidade que esse conceito de raa, abarcado e preenchido de determinismo biolgico nada tem de cientfico, na verdade. ideolgico e como toda a ideologia, tem como pano de fundo as relaes de poder, controle social e dominao. O contedo desses termos poltico-ideolgico. Prova disso a sua intensa variabilidade em diferentes lugares do mundo diferente de um consenso cientfico-biolgico. A humanidade ento se dividiria em grandes grupos que possuiria semelhanas fsicas. As associaes desses atributos fsicos cultura, aptides intelectuais, esttica, etc. so por inevitabilidade o que poriam um desses grupos em destaque dos demais. A mente do racista, agora, opera no apenas na possvel relao de tais atributos formadores de grupos definidos por atributos fsicos com capacidades intelectuais definidas biologicamente. Traos culturais e no apenas fsicos, que seriam caractersticos do seu grupo, so primordial e sumariamente os que os tornam superiores aos demais. Contudo, subsequente o pensamento de que tais caractersticas superiores (intelectualidade e moral de um grupo especfico) so consequncia direta de seus atributos fsicos e/ou biolgicos. Reitera-se ento, necessria e exaustivamente, que o racismo de fato o estabelecimento de uma relao de caractersticas fsicas s intelectuais, psicolgicas e culturais que tende a manuteno da ideia da supremacia de uma raa s outras. A vertente biolgica do racismo derribada ento quando no progresso das cincias da natureza faz-se desacreditar por completo o que seria uma realidade cientfica justificadora das raas e ocorre ento uma descontinuao da questo racial desse conceito de superioridade para outros grupos culminando no surgimento do preconceito contra outras categorias sociais: mulheres, homossexuais, pobres, etc. Um racismo por analogia. Munanga diz que como se uma categoria social racializada (biologizada) fosse portadora de um estigma corporal. (2004). Nesse caso, qualquer atitude socialmente injusta racismo. A evocao da justificativa racista pode se tornar um engodo, pois tende a diluio e banalizao dos efeitos reais do racismo, segundo Munanga. Um projeto de desenvolvimento separatista de eixo central do racismo foi o Apartheid vivido na frica do Sul, fundamentado num multiculturalismo ideologicamente manipulado, baseado no respeito s diferenas tnicas dos povos da frica do Sul. Uma tentativa deturpada de manter a multiplicidade cultural do pas por segregao racial, como se a cultura negra ou branca fosse criada, absorvida e vivida por negros e brancos respectivamente. Como se no houvesse negros que adotassem costumes que, em teoria, no seria condizentes com seu grupo tnicos e vice-versa. Uma viso bem distorcida do que cultura e da plasticidade cultural, na troca de traos e itens compositores de cultura que so comuns a todos de um mesmo grupo independente de sua etnia, termo esse que surge para suavizar as discusses de raa, na forma de mascarar a real questo que se mantm vivida e ativa nas relaes sociais. difcil descontruir a imagem mental que ronda as representaes e o imaginrio de um coletivo e aniquilar esse sentimento de superioridade, diz Munanga. Cremos que de grande importncia acrescentar tambm aqui o sentimento de subordinao e subalternidade das outras partes. Toda essa observao diligente nos d a oportunidade de refletir a respeito de como se constri no s o preconceito, mas a compreender as margens das relaes de poder, subalternidade, subordinao, sentimento de superioridade que so inmeras e se apresentam das mais diversas formas. A manuteno desse status de dominante questo chave dessas relaes de poder. A sensao da no humanidade dos demais, do caso do estranhamento persistente do outro, em questes de raa, e subsequentemente nas questes de gnero e classe, antigo. O europeu nos sculos XVI e XVII enquanto empreendia viagens para desbravar suas terras e tambm conhecer outras novas, acidentalmente durante muitos anos vieram a encontrar apenas semelhantes e quando no absolutamente semelhantes, j eram os novos europeizados por simples aproximao e compartilhamento de traos culturais, segundo Ruth Benedict, e ao se deparar com o absurdo da diferena fsica e cultural, puseram em cheque a humanidade dos outros, sendo necessrio um estudo para identificar se tais eram humanos ou no. E no s isso, com o crescimento do sentimento de superioridade e as diversas barreiras na manuteno desse tipo de pensamento, diferentes categorias foram subalternizadas, demonizadas, postas como inferiores. Para que ainda assim houvesse forma de estabelecer relaes de dominao. A manuteno do poder. As discusses de gnero e classe to certamente emergem pela mesma razo, explicadas ambas pelo patriarcalismo ocidental e das relaes de trabalho e explorao, que repousam nos estudos feministas e de Marx, respectivamente. Joan Scott, inspirada no pensamento ps-estruturalista de Foucault, vem a discutir uma nova forma de pensar o gnero como sendo uma ferramenta analtica para alm de ser apenas um instrumento descritivo, salientando as contribuies desta categoria para construo da histria e o quanto o conceito e movimentos de gnero contribuem para a compreenso da histria real da humanidade e o quanto estes esto articulados com questes de classe e de raa, posto que nenhum desses grandes movimentos explicados apenas pelas linhas de compreenso geral de raa e classes capaz de justificar as grandes modificaes no viver o gnero na histria. Um exemplo cabal, por exemplo, da articulao das categorias sociais o forte movimento negro dentro do movimento feminista. Sueli Carneiro, em Enegrecer o Feminismo (2001) (traduo), salienta que o novo olhar feminista e antirracista, ao se integrarem, promove uma nova viso a respeito do ser mulher e do ser mulher negra. A questo emerge da no identificao das mulheres negras como o movimento feminista da dcada de 70 e posterior a isto, na qual as reinvindicaes da maioria das feministas que desejavam inserir-se no mercado de trabalho e romper com o estigma da dona-de-casa. Certamente as mulheres negras, j inseridas no mercado de trabalho no se identificaram com estas reinvindicaes visto que j trabalhavam. E trabalhavam sob regime diferenciado ao homem, e continuaram a trabalhar aps a insero das mulheres brancas no mercado, observando no s dessa vez as disparidades entre homens e mulheres, como entre homens brancos e negros, entre homens brancos e negros e mulheres brancas, e ento entre homens brancos e negros, mulheres brancas e elas, se no estigmatizadas e subalternizadas pela sua condio de mulher em relao aos homens, postas em posio de inferioridade por serem negras em relao as demais mulheres (brancas). apenas a partir do uso da interseccionalidade possvel observar essas relaes profundas entre as categorias sociais. As categorias de diferenciao obviamente no so idnticas entre si, mas possuem relaes profundas e inegveis, de reciprocidade e s vezes de contradio. E so nesses incertos, nessas interseces que se deve atual para aniquilao do sentimento de superioridade e da desarticulao dos movimentos de manuteno de poder e de controle social e se pode discutir, por exemplo, polticas pblicas que venham garantir entre todos os indivduos da RAA HUMANA.

Bibliografia MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noes de raa, racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB (Programa de Educao sobre o Negro na Sociedade Brasileira). UFF, Rio de janeiro, n.5, p. 15-34, 2004. CARNEIRO, S. Ennegrecer al feminismo. Lola Press - Revista Feminista Internacional, Montevideo, Uruguay, v. 16, p. 2-65, 2001. ABREU, J.J. Vieira de. ; ANDRADE, T. R. A compreenso do conceito e categoria gnero e sua contribuio para as relaes de gnero na escola. In: VI Encontro de Pesquisa em Educao da UFPI, 2010, Teresina (PI). O pensamento pedaggico na contemporaneidade: Teresina 01 a 03 de dezembro de 2010. p. 1-14. JOAN S. Gnero: uma categoria til para anlise histrica. Traduo: Christine Rufino Dabat Maria Betnia vila Texto original: Joan Scott Gender: a useful category of historical analyses. Gender and the politics of history. New York, Columbia University Press. 1989. PISCITELLI, A. G.. Interseccionalidades em experincias de migrantes brasileiras. In: Travail, Care et Politiques Sociales. Dbat Brsil-France, 2014, Rio de Janeiro. Mage, Document de Travail 18, Travail, Care et Politiques Sociales. Dbat Brsil-France. Paris: MAGE, 2014. v. 1. p. 259-273. McKLINTOCK, A. Imperial leather, Race, gender and sexuality in the colonial contest. Routledge, 1995.