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Introdução

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a nova história do brasil

complete o formulário abaixo seguindo três regras

simples. Nos espaços antecedidos pela letra “X”, preencha

o nome de algum país pobre ou remediado. Nas lacunas

acompanhadas de “Y” e “Z”, insira o nome de nações ricas

do hemisfério Norte. Para os demais espaços, escolha uma

das opções fornecidas entre parênteses ou alguma de sua

preferência.

a história do país x________

A história do país X_________ iniciou-se com o povoamento de

grupos nômades provenientes do _____ (norte, sul, leste, oeste).

Durante alguns milhares de anos, esses povos se espalharam por

quase todo o território, sobrevivendo à base da agricultura ru-

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dimentar e da coleta de __________ (peixes, frutas), por meio de

um sistema __________ (igualitário, sustentável). No século ____ ,

porém, essas tribos foram conquistadas por poderosos explora-

dores do império Y_________ , que passaram a usufruir do traba-

lho dos nativos, criando um sistema de exploração colonial. Em

troca de pequenas manufaturas, os nativos forneciam aos estran-

geiros uma série de matérias-primas essenciais para a crescente

industrialização do império. Séculos depois, X_________ conquis-

tou sua independência, mas manteve os laços de dependência

econômica no âmbito da sociedade mercantilista. O revolucio-

nário ________________ , homem de grande coragem, esperança

e bigode, tentou livrar o país da pujança econômica internacional

e diminuir as contradições inerentes ao capitalismo. No entanto,

seus ideais feriam os interesses da elite _________ (rural, escravista,

mercantil, burguesa) e também de um novo país, Z_________ . Esta

nação buscava expandir seu mercado consumidor e apoiou co-

vardemente o massacre aos rebeldes promovido por Y_______ .

Em consequência de tantos séculos de opressão, X_________ vive

hoje graves problemas sociais e econômicos.

Existe um esquema tão repetido para contar a his-

tória de alguns países que basta misturar chavões, mudar

datas, nomes de nações colonizadas, potências opressoras, e

pronto. Você já pode passar em qualquer prova de história

na escola e, na mesa do bar, dar uma de especialista em to-

das as nações da América do Sul, África e Ásia. As pessoas

certamente concordarão com suas opiniões, os professores

vão adorar as respostas.

O modelo é simples e rápido, mas também chato e

quase sempre errado. Até mesmo as novelas de TV têm ro-

teiros mais criativos. Os ricos só ganham o papel de vilões

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– se fazem alguma bondade, é porque foram movidos por

interesses. Já os pobres são eternamente do bem, vítimas

da elite e das grandes potências, e só fazem besteira porque

são obrigados a isso. Nessa estrutura simplista, o único as-

pecto que importa é o econômico: o passado vira um jogo

de interesses e apenas isso. Só se contam histórias que não

ferem o pensamento politicamente correto e não correm o

risco de serem mal interpretadas por pequenos incapacita-

dos nas escolas. O gênero também tem tabus e personagens

proibidos, como o rei bom, o fraco opressor ou os povos

que largaram a miséria por mérito próprio e hoje não se

consideram vítimas.

No século 20, quando esse esquema se tornou co-

mum, acreditávamos num mundo dividido entre preto e

branco, fortes e fracos, ganhadores e perdedores. Essa vi-

são já estava pronta quando estudiosos se debruçavam so-

bre a história: o que eles faziam era encaixar, à força, os

eventos do passado em sua visão de mundo. Isso mudou.

Uma nova historiografia ganha força no Brasil. Se no come-

ço da década de 1990 o jornalista Paulo Francis falava de

“rinocerontes à la Ionesco que passam por historiadores em

nosso país”, na última década apareceram acadêmicos aler-

tas de que não são políticos a escrever manifestos. Como

diz o historiador José Murilo de Carvalho, na apresentação

da Coleção Brasil Imperial, lançada recentemente: “A gera-

ção anterior foi muito marcada pela luta ideológica, exa-

cerbada durante os governos militares. Divergências eram

logo transpostas para o campo político-ideológico, com pre-

juízo para o diálogo e a qualidade dos trabalhos. A nova

geração formou-se em ambiente menos tenso e polarizado,

com maior liberdade de debate e um ambiente intelectual

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mais produtivo”. Os pesquisadores dessa nova leva tentam

elaborar conclusões científicas baseadas em arquivos inex-

plorados de cartórios, igrejas ou tribunais, têm mais cui-

dado ao falar de consequências de uma lógica financeira e

pesquisam sem se importar tanto com o uso ideológico de

suas conclusões. As interpretações que tiram do armário

são mais complexas e, numa boa parte das vezes, saborosa-

mente desagradáveis para os que adotam o papel de vítimas

ou bons mocinhos.

A história fica assim muito mais interessante. No sé-

culo 18, quem quisesse ir de Parati, no Rio de Janeiro, à

atual Ouro Preto, em Minas Gerais, tinha que cavalgar por

dois meses – no caminho, passava por casebres miserá-

veis onde moravam tanto escravos quanto seus senhores,

que trabalhavam juntos e comiam, sem talheres, na mesma

mesa. Sabe-se hoje que, nas vilas do ouro de Minas, havia

ex-escravas riquíssimas, donas de casas, joias, porcelanas,

escravos, e bem relacionadas com outros empresários. Os

primeiros sambistas, considerados hoje pioneiros da cul-

tura popular, tinham formação em música clássica, plagia-

vam canções estrangeiras e largaram o samba para montar

bandas de jazz. Uma das consequências da chegada dos je-

suítas a São Paulo foi dar um alívio à mata atlântica – até

então, os índios botavam fogo na floresta não só para abrir

espaço de cultivo, mas para cercar os animais com o fogo e

depois abatê-los.

O problema é que essa nova história demora a chegar

às pessoas em geral. Os livros didáticos continuam dizendo

que o verdadeiro nome de Zumbi era Francisco e que ele

teve educação católica – uma ficção criada pelo político e

jornalista gaúcho Décio Freitas. Ainda se aprende na esco-

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la que o Brasil praticou um genocídio no Paraguai duran-

te uma guerra que teria sido criada pela Inglaterra. E tem

muito descendente de europeu achando que é culpado pelo

tráfico de escravos, apesar de a maioria de seus ancestrais

ter imigrado quando a escravidão se extinguia.

No processo de fabricação de um espírito nacional, é

normal que se inventem tradições, heróis, mitos fundado-

res e histórias de chorar, que se jogue um brilho a mais em

episódios que criam um passado em comum para todos os

habitantes e provocam uma sensação de pertencimento. Se

este país quer deixar de ser café com leite, um bom jeito de

amadurecer é admitir que alguns dos heróis da nação eram

picaretas ou pelo menos pessoas do seu tempo. E que a histó-

ria nem sempre é uma fábula: não tem uma moral edificante

no final nem causas, consequências, vilões e vítimas facil-

mente reconhecíveis.

Por isso é hora de jogar tomates na historiografia po-

liticamente correta. Este guia reúne histórias que vão di-

retamente contra ela. Só erros das vítimas e dos heróis da

bondade, só virtudes dos considerados vilões. Alguém po-

derá dizer que se trata do mesmo esforço dos historiadores

militantes, só que na direção oposta. É verdade. Quer dizer,

mais ou menos. Este livro não quer ser um falso estudo aca-

dêmico, como o daqueles estudiosos, e sim uma provocação.

Uma pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irri-

tantes e desagradáveis, escolhidas com o objetivo de enfu-

recer um bom número de cidadãos.

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