2
Introdução à dúvida cartesiana Escola Secundária de Santa Maria da Feira Docente: Wilson Rodrigues MEDITAÇÕES SOBRE A FILOSOFIA PRIMEIRA EM QUE SÃO DEMONSTRADAS A EXISTÊNCIA DE DEUS E A DISTINÇÃO DA ALMA E DO CORPO PRIMEIRA MEDITAÇÃO Das coisas que se podem pôr em dúvida [1] Notei, há alguns anos já, que, tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas por verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha de deitar abaixo tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar, de novo, desde os primeiros fundamentos, se quisesse estabelecer algo de seguro e duradoiro nas ciências. Mas esta pareceu-me uma obra ingente, pelo que esperei uma idade tão madura que não se lhe seguisse outra em que fosse mais apto para dominar as ciên- cias. Por isso hesitei tanto tempo que, a partir de agora, cairia em culpa se consumisse em deliberações o tempo que me resta para agir. Então, hoje, eu que oportunamente libertei o espírito de todos os cuidados e me procurei um ócio seguro num retiro solitário, vou dedicar-me, por fim, com seriedade e livremente, a destruir em geral as minhas opiniões. [2] Para isso não será necessário mostrar que todas são falsas, o que possivelmente eu nunca poderia conseguir. Mas, porque a razão me persuade logo que não devo menos cuidadosamente coibir-me de dar o meu assentimento às coisas que não são plenamente certas e indubitáveis do que às abertamente falsas, para rejeitá-las todas basta que se me depare em uma delas qualquer razão de dúvida. Para isso, não tenho de percorrê-las cada uma em particular, trabalho que seria sem fim: porque uma vez minados os fundamentos, cai por si tudo o que está sobre eles edificado, atacarei imediatamente aqueles princípios em que se apoiava tudo o que anteriormente acreditei. [3] Sem dúvida, tudo aquilo que até ao presente admiti como maximamente verdadeiro foi dos sentidos ou por meio dos sentidos que o recebi. Porém, descobri que eles por vezes nos enganam, e é de prudência nunca confiar totalmente naqueles que, mesmo uma só vez, nos enganaram. Descartes, Meditações sobre a filosofia primeira; Trad. corrigida de Gustavo Fraga, Almedina, Coimbra, 1992. Pp. 105-115 Palavras-cruzadas Horizontais 1. Realidade física que, no texto, serve de imagem para a organização dos conhecimentos humanos. Essa realidade tem fundamentos e a destruição desses fundamentos proporciona a sua integral destruição. 7. Diz-se de algo que é grande, enorme ou excessivo. Algo que tem a característica de ser medonhamente desproporcionado. 9. Verbo utilizado para referir a acção que Descartes vai levar a cabo para com a generalidade das suas antigas opiniões. 11. Tese ou juízo que se assume como verdadeira, apesar de não ser devidamente testada quanto à consistência dos seus fundamentos. 12. Desocupação resultante de uma despreocupação com as actividades práticas mais elementares e urgentes, que aumenta a liberdade para pensar em questões de natureza teórica ou científica. Algo que os escravos habitualmente não têm. 13. Diz-se daqueles coisas que apesar de serem tomadas como verdadeiras, não o são. Quando as teses têm esta característica, são teses que não se adequam às coisas, aos acontecimentos ou estados de coisas a que se referem. Verticais 2. Formas de saber que Descartes gostaria que fossem seguras e duradouras e para as quais procura uma fundamentação segura. 3. Indecisão a respeito da veracidade de uma tese. Corresponde a uma suspensão de juízo resultante da suspeita de que possa estar errado. 4. Bases ou alicerces que servem de suporte ou sustentação a um edifício cognitivo ou científico. 5. Diz-se das teses que se adequam às coisas, eventos ou estados de coisas a que se referem. 6. Aquelas coisas que prendem o espírito, que lhe dificultam a capacidade de raciocinar concentradamente sobre matérias relacionadas com a fundamentação das ciências. 8. Faculdade intelectual que Descartes liberta de "de todos os cuidados" para poder utilizar na procura de fundamentos para o conhecimento. 10. Faculdade do entendimento que se prestar a procurar, testar e identificar o fundamento das coisas.

Introdução à dúvida cartesiana

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Introdução à dúvida cartesiana

Introdução à dúvida cartesiana

Escola Secundária de Santa Maria da Feira

Docente: Wilson Rodrigues

MEDITAÇÕES SOBRE A FILOSOFIA

PRIMEIRA

EM QUE SÃO DEMONSTRADAS A

EXISTÊNCIA DE DEUS E A DISTINÇÃO DA

ALMA E DO CORPO

PRIMEIRA MEDITAÇÃO

Das coisas que se podem pôr em dúvida

[1] Notei, há alguns anos já, que, tendo

recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas

por verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que

depois sobre elas fundei, tinha de deitar abaixo tudo,

inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar,

de novo, desde os primeiros fundamentos, se quisesse

estabelecer algo de seguro e duradoiro nas ciências.

Mas esta pareceu-me uma obra ingente, pelo que

esperei uma idade tão madura que não se lhe seguisse

outra em que fosse mais apto para dominar as ciên-

cias. Por isso hesitei tanto tempo que, a partir de

agora, cairia em culpa se consumisse em deliberações

o tempo que me resta para agir. Então, hoje, eu que

oportunamente libertei o espírito de todos os

cuidados e me procurei um ócio seguro num retiro

solitário, vou dedicar-me, por fim, com seriedade e

livremente, a destruir em geral as minhas opiniões.

[2] Para isso não será necessário mostrar que

todas são falsas, o que possivelmente eu nunca

poderia conseguir. Mas, porque a razão me persuade

logo que não devo menos cuidadosamente coibir-me

de dar o meu assentimento às coisas que não são

plenamente certas e indubitáveis do que às

abertamente falsas, para rejeitá-las todas basta que se

me depare em uma delas qualquer razão de dúvida.

Para isso, não tenho de percorrê-las cada uma em

particular, trabalho que seria sem fim: porque uma

vez minados os fundamentos, cai por si tudo o que

está sobre eles edificado, atacarei imediatamente

aqueles princípios em que se apoiava tudo o que

anteriormente acreditei.

[3] Sem dúvida, tudo aquilo que até ao

presente admiti como maximamente verdadeiro foi

dos sentidos ou por meio dos sentidos que o recebi.

Porém, descobri que eles por vezes nos enganam, e é

de prudência nunca confiar totalmente naqueles que,

mesmo uma só vez, nos enganaram. Descartes, Meditações sobre a filosofia primeira; Trad. corrigida de

Gustavo Fraga, Almedina, Coimbra, 1992. Pp. 105-115

Palavras-cruzadas

Horizontais 1. Realidade física que, no texto, serve de imagem para a

organização dos conhecimentos humanos. Essa realidade

tem fundamentos e a destruição desses fundamentos

proporciona a sua integral destruição.

7. Diz-se de algo que é grande, enorme ou excessivo.

Algo que tem a característica de ser medonhamente

desproporcionado.

9. Verbo utilizado para referir a acção que Descartes vai

levar a cabo para com a generalidade das suas antigas

opiniões.

11. Tese ou juízo que se assume como verdadeira, apesar

de não ser devidamente testada quanto à consistência dos

seus fundamentos.

12. Desocupação resultante de uma despreocupação com

as actividades práticas mais elementares e urgentes, que

aumenta a liberdade para pensar em questões de natureza

teórica ou científica. Algo que os escravos habitualmente

não têm.

13. Diz-se daqueles coisas que apesar de serem tomadas

como verdadeiras, não o são. Quando as teses têm esta

característica, são teses que não se adequam às coisas, aos

acontecimentos ou estados de coisas a que se referem.

Verticais

2. Formas de saber que Descartes gostaria que fossem

seguras e duradouras e para as quais procura uma

fundamentação segura.

3. Indecisão a respeito da veracidade de uma tese.

Corresponde a uma suspensão de juízo resultante da

suspeita de que possa estar errado.

4. Bases ou alicerces que servem de suporte ou

sustentação a um edifício cognitivo ou científico.

5. Diz-se das teses que se adequam às coisas, eventos ou

estados de coisas a que se referem.

6. Aquelas coisas que prendem o espírito, que lhe

dificultam a capacidade de raciocinar concentradamente

sobre matérias relacionadas com a fundamentação das

ciências.

8. Faculdade intelectual que Descartes liberta de "de

todos os cuidados" para poder utilizar na procura de

fundamentos para o conhecimento.

10. Faculdade do entendimento que se prestar a procurar,

testar e identificar o fundamento das coisas.

Page 2: Introdução à dúvida cartesiana

Assinale as proposições verdadeiras e falsas. Corrija e

justifique as falsas.

1. Na primeira meditação Descartes propõe-se a destruir

em geral todas as suas opiniões.

a) Verdadeiro b) Falso

2. A destruição das opiniões é feita opinião a opinião.

a) Verdadeiro b) Falso

3. Descartes recorre a uma estratégia de economia do

esforço de destruição de opiniões.

a) Verdadeiro b) Falso

4. A destruição dos fundamentos do edifício do

conhecimento não implica a destruição da totalidade do

edifício.

a) Verdadeiro b) Falso

5. Os nossos conhecimentos podem ser entendidos como

um edifício.

a) Verdadeiro b) Falso

6. Esta meditação procura estabelecer algo seguro e

duradoiro nas ciências.

a) Verdadeiro b) Falso

7. O autor não reúne condições propícias ao exercício da

meditação.

a) Verdadeiro b) Falso

8. O texto rejeita apenas as opiniões abertamente falsas e

aceita as que não são inteiramente certas.

a) Verdadeiro b) Falso

9. As fontes de conhecimento que nos enganaram uma só

vez ainda assim são de confiança.

a) Verdadeiro b) Falso

10. A sensibilidade é uma fonte de conhecimento

enganadora.

a) Verdadeiro b) Falso

Responda às seguintes questões:

1. Quais são os objectivos da meditação iniciada

pelo autor?

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

___

2. Como é que no texto é caracterizada e avaliada a

forma comum de aquisição de conhecimentos?

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

___

3. Qual é o motivo apresentado pelo autor para não

ter procedido a esta meditação mais cedo?

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

___

4. Tendo em conta o texto como se pode caracterizar

o exercício da meditação?

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

___

5. Que função desempenha a dúvida no contexto

meditativo?

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

___

6. Exponha de forma breve e simples o argumento

dos sentidos.

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

___