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Matéria de
Microbiologia
Fotografias colorizadas de bactérias observadas ao microscópio eletrônico. Da esquerda para a direita: Bacillus anthracis, Escherichia coli, Neisseria gonorrhoeae
2008
Introdução à Microbiologia
Introdução
Microbiologia: Mikros (= pequeno) + Bio (= vida) + logos (= ciência)
A Microbiologia era definida, até recentemente, como a área da ciência que
dedica-se ao estudo dos microrganismos, um vasto e diverso grupo de
organismos unicelulares de dimensões reduzidas, que podem ser
encontrados como células isoladas ou agrupados em diferentes arranjos
(cadeias ou massas), sendo que as células, mesmo estando associadas,
exibiriam um caráter fisiológico independente.
Assim, com base neste conceito, a microbiologia envolve o estudo de
organismos procariotos (bactérias, archaeas), eucariotos inferiores (algas,
protozoários, fungos) e também os vírus.
Bactérias
Archaea
Fungos
Vírus Algas
Protozoários
Tipos de microrganismos
estudados pelos microbiologistas.
(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, 8 ed)
Esta área do conhecimento teve seu início com os relatos de Robert
Hooke e Antony van Leeuwenhoek, que desenvolveram microscópios que
possibilitaram as primeiras observações de bactérias e outros
microrganismos, além de diversos espécimes biológicos. Embora van
Leeuwenhoek seja considerado o "pai" da microbiologia, os relatos de
Hooke, descrevendo a estrutura de um bolor, foram publicados
anteriormente aos de Leeuwenhoek. Assim, embora Leeuwnhoek tenha
fornecido importantes informações sobre a morfologia bacteriana, estes dois
pesquisadores devem ser considerados como pioneiros nesta ciência.
Recentemente foi publicado um artigo discutindo a importância de Robert
Hooke para o desenvolvimento da Microbiologia.
Esquema do microscópio construído por Robert Hooke e um esquema de um fungo observado
por este pesquisador.
(Adaptado de Tortora et al., Microbiology - 8 ed)
Réplica do microscópio construído por Leeuwenhoek e de suas ilustrações, descrevendo os
"animálculos" observados.
(Adaptado do livro Brock Biology of Microorganisms, 10 Ed., 2003)
Classificação dos seres vivos
De acordo com a definição tradicional da microbiologia, esta é uma
ciência que até recentemente, era responsável pelo estudo de organismos
classificados em três reinos distintos: Monera, Protista e Fungi. No entanto,
a partir dos estudos de Carl Woese, a microbiologia passou a estar
relacionada a três domínios de seres vivos.
Sistemas de classificação dos seres vivos:
Linnaeus (séc. XVIII): reinos Animal e Vegetal
Haeckel (1866): introdução do reino Protista
Whittaker (1969): 5 reinos, dividos principalmente pelas
características morfólogicas e fisiológicas:
Monera: Procariotos
Protista: Eucariotos unicelulares - Protozoários (sem parede celular) e
Algas (com parede celular)
Fungi: Eucariotos aclorofilados
Plantae: Vegetais
Animalia: Animais
Classificação dos seres vivos, de acordo com Whittaker (1969)
(Adaptado de Pommerville, J.C.(2004) Alcamo's Fundamentals of Microbiology)
No entanto, a partir dos estudos de C. Woese (1977), passamos a
dispor de um sistema de classificação baseado principalmente em aspectos
evolutivos (filogenética), a partir da comparação das sequências de rRNA de
diferentes organismos. Com esta nova proposta de classificação, os
organismos são agora subdividos em 3 domínios (contendo os 5 reinos),
empregando-se dados associados ao caráter evolutivo.
Archaea: Procariotos
Bacteria: Procariotos
Eukarya: Eucariotos
Classificação dos seres vivos, de acordo com Woese (1977)
(Adaptado de Pommerville, J.C.(2004) Alcamo's Fundamentals of Microbiology)
A princípio, acredita-se que estes 3 domínios divergiram a partir de um
ancestral comum. Provavelmente os microrganismos eucarióticos atuaram
como ancestrais dos organismos multicelulares, enquanto as bactérias e
archaeas correspondem a ramos que não evoluíram além do estágio
microbiano.
Archaea: são organismos procariotos que, freqüentemente são
encontrados em ambientes cujas condições são bastante extremas
(semelhantes às condições ambientais primordiais na Terra), sendo por isso,
muitas vezes considerados como sendo “ancestrais” das bactérias. No
entanto, hoje em dia considera-se as archaeas como um grupo
“intermediário” entre procariotos e eucariotos.
Muitos destes organismos são anaeróbios, vivendo em locais
"inabitáveis" para os padrões humanos - fontes termais (com temperaturas
acima de 100°C), águas com elevadíssimos teores de sal (até 5M de NaCl -
limite de dissolução do NaCl), em solos e águas extremamente ácidos ou
alcalinos (espécies que vivem em pH 0, outras em pH 10) e muitas são
metanogênicas.
Genericamente, podemos dizer que as Archaeas definem os limites da
tolerância biológica às condições ambientais.
Bacteria: Corresponde a um enorme grupo de procariotos,
anteriormente classificados como eubactérias, representadas pelos
organismos patogênicos ao homem, e bactérias encontradas nas águas,
solos, ambientes em geral.
Dentre estas, temos as bactérias fotossintetizantes (cianobactérias) e outras
quimiossintetizantes (E. coli), enquanto outras utilizam apenas substratos
inorgânicos para seu desenvolvimento.
Eukarya: No âmbito microbiológico, compreende as algas, protozoários
e fungos (além das plantas e animais).
As algas caracterizam-se por apresentarem clorofila (além de outros
pigmentos), sendo encontradas basicamente nos solos e águas.
Os protozoários correspondem a células eucarióticas, apigmentados,
geralmente móveis e sem parede celular, nutrindo-se por ingestão e
podendo ser saprófitas ou parasitas.
Os fungos são também células sem clorofila, apresentando parede celular,
realizando metabolismo heterotrófico, nutrindo-se por absorção.
Como mencionado anteriormente, os vírus são também assunto
abordado em microbiologia, embora, formalmente, não exibam as
características celulares, no sentido de não apresentarem metabolismo
próprio, de conterem apenas um tipo de ácido nucléico, etc.
A Microbiologia na atualidade
A definição clássica de "microbiologia" mostra-se bastante imprecisa, e
até mesmo inadequada, frente aos dados da literatura publicados nesta
última década. Como exemplo pode-se citar duas premissas que já não
podem mais ser consideradas como verdade absoluta na conceituação desta
área de conhecimento: as dimensões dos microrganismos e a natureza
independente destes seres.
Em 1985 foi descoberto um organismo, denominado Epulopiscium
fischelsoni que, a partir de 1991, foi definido como sendo o maior procarioto
já descrito, exibindo cerca de 500 µm de comprimento. Esta bactéria foi
isolada do intestino de um peixe marinho (Surgeonfish, peixe barbeiro ou
cirurgião), encontrado nas águas da Austrália e do Mar Vermelho. Além de
apresentar dimensões nunca vistas, tal bactéria mostra-se totalmente
diferente das demais quanto ao processo de divisão celular, que ao invés de
ser por fissão binária, envolve um provável tipo de reprodução vivíparo,
levando à formação de pequenos “glóbulos”, que correspondem às células
filhas.
Comparação entre o tamanho de uma célula de Epulopiscium e 4 paramécios
(Adaptado do livro Brock Biology of Microorganisms, 10 Ed., 2003)
Mais recentemente, em 1999, outro relato descreve o isolamento de
uma bactéria ainda maior, isolada na costa da Namíbia. Esta, denominada
Thiomargarita namibiensis, pode ser visualizada a olho nú, atingindo até
cerca de 0,8 mm de comprimento e 0,1 a 0,3 mm de largura.
Microscopia
de luz polarizada,
revelando os
grânulos de enxôfre
no interior da
bactéria
Thiomargarita
namibiensis.
Comparação
entre a bactéria
Thiomargarita
namibiensis e uma
Drosophila.
(Adaptado de
Schulz, H. N. et al.
(1999). Science,
284:493-495 -
Clique no autor,
caso deseje ler o
artigo original)
Como analisar a questão do tamanho dos
microrganismos?
Durante muito tempo se acreditava que o tamanho das bactérias era
imposto pelo seu próprio metabolismo, ou seja, se a bactéria aumentasse
muito em tamanho, ela seria incapaz de se manter viável e morreria. Tal
fato decorre da seguinte dedução: A área superficial da membrana
citoplasmática seria o fator limitante para a eficiência das trocas com o meio
externo.
Sabendo-se que a área de uma esfera é calculada pela fórmula e
que o volume de uma esfera é obtido pela fórmula , a medida que a
área aumenta, seu volume aumenta muito mais rapidamente. Assim, se uma
bactéria começasse a crescer, aumentando sua área, a proporção
área/volume diminuiria. Isto faria com que a célula passasse a apresentar
um volume muito grande, sendo que sua área superficial seria insuficiente,
em termos de trocas através da membrana, para manter sua viabilidade.
A partir dos isolados de bactérias “gigantes”, o conceito da limitação
de tamanho bacteriano vem sendo abandonado, pois não há mais como
questionar a existência e viabilidade destas bactérias e, possivelmente,
novos relatos serão incorporados, deixando de ser meras curiosidades.
Uma das explicações mais prováveis para tal fato reside na existência
de grandes mesossomos nestes tipos bacterianos, refutando assim a
hipótese de que tais estruturas seriam meros artefatos de microscopia.
Novos estudos vêm sendo realizados, os quais estão trazendo informações
sobre outras estratégias desenvolvidas pelos microrganismos para que
sobrevivam, quando apresentam dimensões extremamente maiores que os
microrganismos "convencionais".
Microrganismos atuando como seres multicelulares
Outro aspecto que vem sendo demonstrado refere-se ao caráter
“multicelular” das bactérias. Embora estas exibam a capacidade de
sobreviver como uma célula única, realizando os processos metabólicos
necessários à sua perpetuação, quando as bactérias encontram-se
associadas, formando colônias, ou biofilmes (estruturas rígidas, adesivas, de
natureza geralmente polissacarídica, que encontram-se fortemente
ancoradas às superfícies, criando um ambiente protegido que possibilita o
crescimento microbiano), estas passam a se comportar de forma social,
exibindo divisão de tarefas e alterando seu perfil fisiológico de forma a
apresentar uma cooperação que reflete-se em diferentes níveis metabólicos.
Sabe-se que muitos genes de virulência são expressos somente
quando a densidade populacional atinge um determinado ponto. Da mesma
forma, a capacidade de captar DNA do meio externo, a bioluminescência,
etc, envolvem a percepção da densidade populacional por parte das
bactérias.
Este tipo de mecanismo de comunicação é denominado “sensor de
quorum” (quorum sensing) e vem sendo amplamente estudado nas mais
diferentes áreas da Microbiologia, uma vez que foi descrito tanto para
bactérias como para fungos.
Estudos com bactérias primitivas
Ainda em relação às novas pesquisas desenvolvidas na área de
Microbiologia, temos o cultivo de bactérias pré-históricas, visando a busca
de compostos com atividade antimicrobiana ou de interesse comercial. Neste
sentido, empresas foram criadas (“Ambergene”), especializadas na
reativação de formas bacterianas latentes, isoladas de insetos preservados
em âmbar. Os resultados obtidos revelam a reativação de mais de 1200
espécies bacterianas, apresentando de 2 a até 135 milhões de anos.
Em 2000, foi publicado um relato descrevendo o isolamento e cultivo de uma
espécie bacteriana a partir do líquido contido em um cristal de sal de 250
milhões de anos. Os estudos de seqüenciamento do DNA que codifica o RNA
ribossomal 16S indicam que o organismo pertence ao gênero Bacillus, uma
bactéria em forma de bastonete, Gram positiva, com a capacidade de formar
endósporos. Até o momento, esta corresponde à espécie bacteriana mais
antiga.
Inseto de onde foi
retirada a bactéria
(provavelmente Bacillus), de 135
milhões de anos
Aspecto das colônias
crescidas em meio sólido
(Adaptado de Cano et al., (1995)
Science, 268:1060-1064)
A questão da vida em marte
Em 1997, foram publicados relatos de expedições da NASA a Marte,
sugerindo a presença de possíveis microrganismos (“nanobactérias”) em
espécimes minerais, sendo que achados semelhantes foram também
detectados em partículas de meteoritos de Marte, que atingiram a Terra. A
favor desta hipótese há o achado de microrganismos que decompõem
minerais, frequentemente isolados das profundezas marinhas (A cerca de
1,5 km abaixo do solo).
Os meteoritos apresentam carbono, fósforo, nitrogênio, além da
presença de água. Já em relação às condições ambientais de Marte (muito
frio), temos como contra-argumento o isolamento de Archaea a partir de
ambientes absolutamente inóspitos, inicialmente comsiderados como
inadequados à vida.
De acordo com alguns pesquisadores, não é absurdo considerar que a
vida surgiu em Marte, pois estudos com o meteorito Nakhla, que caiu em
1911 no Egito, com aparentemente de 1,3 bilhões de anos, revelam a
presença de elementos cocóides, potenciais fósseis bacterianos, variando de
0,25 a 2,0 µm de tamanho, o que seria correspondente ao tamanho médio
atual das bactérias. Curiosamente, estas formas ovais apresentam um teor
maior de carbono no seu interior que nas áreas ao seu redor. Além disso,
exibem também um elevado teor de óxido de ferro, um composto comum
em células fossilizadas.
Recentemente, a NASA enviou outra sonda para Marte e os dados
recebidos reforçam cada vez mais a idéia da existência anterior de vida em
Marte, devido aos achados da possível ocorrência de água naquele planeta.
Comparação entre possíveis "microrganismos" presentes em rochas de Marte e microrganismos
que compõem a placa dental ho homem.
(Adaptado de An Electronic Companion to Beginning Microbiology)
Assim, com base nestes novos achados e principalmente com estudos
envolvendo as Archaea, a microbiologia vem levantando uma série de
questões quanto à fisiologia e o metabolismo celular, além de questionar
permanentemente os limites das condições de vida.
Ubiqüidade dos microrganismos
Os microrganismos são os menores seres vivos existentes,
encontrando-se em uma vasta diversidade de ambientes e desempenhando
importantes papéis na natureza. Este grupo caracteriza-se por ser
completamente heterogêneo, tendo com única característica comum o
pequeno tamanho dos organismos.
Acredita-se que cerca de metade da biomassa do planeta seja
constituída pelos microrganismos, sendo os 50% restantes distribuídos entre
plantas (35%) e animais (15%).
Em termos de habitat, os microrganismos são encontrados em quase
todos os ambientes, tanto na superfície, como no mar e subsolo. Desta
forma, podemos isolar microrganismos de fontes termais, com temperaturas
atingindo até 130°C (clique aqui para ler o relato do isolamento de um
procarioto cujo máximo de temperatura de crescimento foi definido como
130°C); de regiões polares, com temperaturas inferiores a -10°C; de
ambientes extremamente ácidos (pH=1) ou básicos (pH=13). Alguns
sobrevivem em ambientes extremamente pobres em nutrientes,
assemelhando-se à água destilada. Há ainda aqueles encontrados no interior
de rochas na Antártida.
Em termos metabólicos, temos também os mais variados tipos, desde
aqueles com vias metabólicas semelhantes a de eucariotos superiores, até
outros que são capazes de produzir ácido sulfúrico, ou aqueles capazes de
degradar compostos pouco usuais como cânfora, herbicidas, petróleo, etc.
Uma vez que os microrganismos precederam o homem em bilhões de
anos, pode-se dizer que nós evoluímos em seu mundo e eles em nosso.
Desta forma, não é de se estranhar que a associação homem-microrganismo
mostra-se com grande complexidade, com os microrganismos habitando
nosso organismo, em locais tais como a pele, intestinos, cavidade oral,
nariz, ouvidos e trato genitourinário. Embora a grande maioria destes
microrganismos não causem qualquer dano, compondo a denominada
“microbiota normal”, algumas vezes estes podem originar uma série de
doenças, com maior ou menor gravidade. Nesta classe de organismos estão
aqueles denominados patogênicos e potencialmente patogênicos.
Sabe-se que em cerca de 1013 células de um ser humano podem ser
encontradas, em média, cerca de 1014 células bacterianas. No homem, estas
se encontram em várias superfícies, especialmente na cavidade oral e trato
intestinal.
Principais funções dos microrganismos na natureza
Além de seu importante papel como componentes da microbiota
residente de animais e plantas, em nosso dia a dia convivemos com os mais
diversos produtos microbiológicos “naturais” tais como: vinho, cerveja,
queijo, picles, vinagre, antibióticos, pães, etc. Paralelamente, não pode ser
deixada de lado a importância dos processos biotecnológicos, envolvendo
engenharia genética, que permitem a “criação” de novos microrganismos,
com as mais diversas capacidades metabólicas.
Os microrganismos desempenham também um importante papel nos
processos geoquímicos, tais como o ciclo do carbono e do nitrogênio, sendo
genericamente importantes nos processos de decomposição de substratos e
sua reciclagem. Dentre os compostos utilizados como substrato temos,
alguns de grande importância atualmente: DDT, outros pesticidas, cânfora,
etc.
O carbono encontra-se na atmosfera primariamente como CO2, sendo
utilizado pelos organismos fotossintetizantes, para sua nutrição.
Virtualmente, a energia para o desenvolvimento da vida na Terra é derivada,
em última análise, a partir da luz solar. Esta é captada pelas plantas e
microrganismos fotossintetizantes (algas e bactérias), que convertem o CO2
em compostos orgânicos, através da reação:
CO2 + H2O => (CH2O)n + O2
Os herbívoros alimentam-se de plantas e os carnívoros alimentam-se
dos herbívoros.
O CO2 atmosférico torna-se disponível para a utilização na fotossíntese
origina-se de duas fontes biológicas principais: 1) 5 a 10% a partir de
processos de respiração e 2) 90 a 95% oriundos da degradação
(decomposição ou mineralização) microbiana de compostos orgânicos.
Em termos de ciclo global, há um balanço entre o consumo de CO2 na
fotossíntese e sua produção através da mineralização e respiração. Este
balanço, no entanto, vem sendo fortemente alterado por atividades
humanas, tais como a queima de combustíveis fósseis, promovendo um
aumento da qualntidade de CO2 atmosférico, resultando no conhecido “efeito
estufa”.
A celulose existente nas plantas, embora seja um substrato
extremamente abundante na Terra, não é utilizável pela vasta maioria dos
animais. Por outro lado, vários microrganismos, incluindo fungos, bactérias e
protozoários a utilizam, como fonte de carbono e energia. Destes
microrganismos, muitos encontram-se no trato intestinal de vários
herbívoros e nos cupins.
Muitos compostos tóxicos podem ser degradados por microrganismos,
dentre eles, policlorados, DDT, pesticidas.
Outra abordagem que tem se mostrado de grande valia para o homem
refere-se à introdução de genes bacterianos em outros organismos (ditos
transgênicos), tais como plantas. Assim, está em franco desenvolvimento a
obtenção de plantas transgênicas resistentes a pesticidas ou ao ataque de
insetos.
Microrganismos como agentes de doenças
Os microrganismos, eventualmente provocam doenças no homem, outros
animais e plantas. Apesar dos enormes avanços em relação ao tratamento
de doenças infecciosas, estas vêm se tornando novamente um tema
preocupante, em virtude do crescente surgimento de linhagens bacterianas
cada vez mais resistentes às drogas. Atualmente, a Organização Mundial da
Saúde vem demonstrando crescente interesse nas doenças emergentes e re-
emergentes, de origem infecciosa.
Abaixo apresentamos um quadro cronológico que deixa clara tais
preocupações, em relação ao número de mortes provocadas por doenças
infecciosas.
(Adaptado do livro Brock Biology of Microorganisms, 10 Ed., 2003)
Importância da Microbiologia
É uma área da Biologia que tem grande importância seja como ciência
básica ou aplicada.
Básica: estudos fisiológicos, bioquímicos e moleculares (modelo comparativo
para seres superiores). => Microbiologia Molecular
Aplicada: processos industriais, controle de doenças, de pragas, produção de
alimentos, etc.
Áreas de estudo:
Odontologia: Estudo de microrganismos associados à placa dental,
cárie dental e doenças periodontais. Estudos com abordagem preventiva.
Medicina e Enfermagem: - Doenças infecciosas e infecções
hospitalares.
Nutrição: - Doenças transmitidas por alimentos, Controle de
qualidade de alimentos, Produção de alimentos (queijos, bebidas).
Biologia: - Aspectos básicos e biotecnológicos. Produção de
antibióticos, hormônios (insulina, GH), enzimas (lipases, celulases), insumos
(ácidos, álcool), Despoluição (Herbicidas - Pseudomonas, Petróleo), Bio-filme
(Acinetobacter), etc.
BIOTECNOLOGIA - Uso de microrganismos com finalidades
industriais, como agentes de biodegradação, de limpeza ambiental, etc.
Um breve histórico da importância da microbiologia
Efeitos das doenças nas civilizações
Talvez um dos aspectos mais negligenciados quando se estuda a
microbiologia refere-se às profundas mudanças que ocorreram no curso das
civilizações, decorrentes das doenças infecciosas.
De forma geral, as doenças provocavam um abatimento físico e moral da
população e das tropas, muitas vezes influenciando no desenrolar e no
resultado de um conflito.
A própria mobilização de tropas, resultando em uma aglomeração,
muitas vezes longa, de soldados, em ambientes onde as condições de
higiene e de alimentação eram geralmente inadequadas, também colaborava
na disseminação de doenças infecciosas, para as quais nnao exisitam
recursos terapêuticos.
Paralelamente, em áreas urbanas em franca expansão, os problemas
mencionados acima eram também de grande importância, pois rapidamente
as cidades cresciam, sendo que as instalações sanitárias geralmente eram
completamente precárias.
Com a prática do comércio entre as diferentes nações emergentes,
passou a haver a disseminação dos organismos para outras populações,
muitas vezes susceptíveis a aqueles agentes infecciosos.
Abaixo listaremos, brevemente, um pequeno histórico com alguns exemplos
dos efeitos das doenças microbianas no desenvolvimento de diferentes
civilizações.
O declínio do Império Romano, com Justiniano (565 AC), foi acelerado
por epidemias de peste bubônica e varíola. Muitos habitantes de Roma foram
mortos, deixando a cidade com menos poder para suportar os ataques dos
bárbaros, que terminaram por destruir o Império.
Durante a Idade Média varias novas epidemias se sucederam, sendo
algumas amplamente disseminadas pelos diferentes continentes e outras
mais localizadas. Dentre as principais moléstias pode-se citar: Tifo, varíola,
sífilis, cólera e peste.
Em 1346, a população da Europa, Norte da África e Oriente Médio era
de cerca de 100 milhões de habitantes. Nesta época houve uma grande
epidemia da peste, que disseminou-se através da “rota da seda” (a principal
rota mercante para a China), provocando um grande número de mortes na
Ásia e posteriormente espalhando-se pela Europa, onde resultou em um
total de cerca de 25 milhões de pessoas, em poucos anos.
Novas epidemias da peste ocorreram nos séculos XVI e XVII, sendo que no
século XVIII (entre 1720 e 1722), uma última grande epidemia ocorreu na
França, matando cerca de 60% da população de Marselha, de Toulon,. 44%
em Arles, 30% em Aix e Avignon.
A epidemia mais recente de peste originou-se na China, em 1892,
disseminando-se pela Índia, atingindo Bombaim em 1896, sendo
responsável pela morte de cerca de 6 milhões de indivíduos, somente na
Índia.
Antes da II Guerra Mundial, o resultado das guerras era definido pelas
armas, estratégias e “pestilência”, sendo esta última decisiva. Em 1566,
Maximiliano II da Alemanha reuniu um exército de 80.000 homens para
enfrentar o Sultão Soliman da Hungria. Devido a uma epidemia de tifo, o
exército alemão foi profundamente dizimado, sendo necessária a dispersão
dos sobrevivente, impedindo assim a expulsão das hordes de tribos orientais
da Europa nesta época.
Na guerra dos 30 anos (1618-1648), onde protestantes se revoltaram
contra a opressão dos católicos, além do desgaste decorrente da longa
duração do confronto, as doenças foram determinantes no resultado final.
Na época de Napoleão, em 1812, seu exército foi quase que completamente
dizimado por tifo, disenteria e pneumonia, durante campanha de retirada de
Moscou. No ano seguinte, Napolãeo havia recrutado um exército de 500.000
jovens soldados, que foram reduzidos a 170.000, sendo cerca de 105.000
mortes decorrentes das batalhas e 220.000 decorrentes de doenças
infecciosas.
Em 1892, outra epidemia de peste bubônica, na China e Índia, foi
responsável pela morte de 6 milhões de pessoas.
Até a década de 30, este era quadro, quando Alexander Fleming,
incidentalmente, descobriu um composto produzido por um fungo do gênero
Penicillium, que eliminava bactérias do gênero Staphylococcus, um
organismo que pode produzir uma vasta gama de doenças no homem. este
composto - denominado penicilina - teve um papel fundamental na desfecho
da II Guerra Mundial, uma vez que passou a ser administrado às tropas
aliadas, enquanto o exército alemão continuava a sofrer pesadas baixas no
campo de batalha.
Além destas epidemias, vale ressaltar a importância das diferentes
epidemias de gripe que assolaram o mundo e que continuam a manifestar-
se de forma bastante intensa até hoje. Temos ainda o problema mundial
envolvendo a AIDS, o retorno da tuberculose (17 milhões de casos no Brasil)
e do aumento progressivo dos níveis de resistência aos agentes
antimicrobianos que vários grupos de bactérias vêm apresentando
atualmente.
Morfologia e ultraestrutura bacterianas (Parte 1)
Morfologia: Tamanho, forma e arranjos bacterianos
As bactérias são extremamente variáveis quanto ao tamanho e formas que
apresentam. Até recentemente acreditava-se que as menores bactérias
apresentavam cerca de 0,3 µm (ex: Mycoplasma), entretanto, já existem
relatos de células menores, denominadas nanobactérias ou
ultramicrobactérias, com tamanhos variando de 0,2 a 0,05 µm de diâmetro,
sendo algumas inclusive já cultivadas em laboratório. Há ainda controvérsias
quanto a este grupo, pois vários autores acreditam ser meros artefatos.
Muitas bactérias medem de 2 a 6 µm de comprimento, por 1 a 2 µm de
largura, mas certamente estes valores não podem ser definidos como
absolutos, pois eventualmente encontramos bactérias de até 500 ou 800
µm, como no caso de Epulopiscium ou Thiomargarita.
Em relação às formas, a maioria das bactérias estudadas seguem um padrão
menos variável, embora existam vários tipos morfológicos distintos. De
maneira geral, as bactérias podem ser agrupadas em três tipos morfológicos
gerais: cocos, bacilos e espiralados.
Os cocos correspondem a células arredondadas, podem se dividir sem um
plano de orientação definido, o que leva a um grande número de arranjos
diferentes. Assim temos os cocos isolados, diplococos (Neisseria,
pneumococos), tetracocos, sarcinas (cubos contendo 8 células),
estreptococos (cocos em cadeia) e estafilococos (cocos formando massas
irregulares).
Microscopia óptica, corada
pelo método de Gram, de cocos
formando cadeias, um arranjo
denominado estreptococos.
Microscopia eletrônica de
varredura das células
apresentadas acima.
Microscopia óptica, corada
pelo método de Gram, de cocos
em um arranjo denominado
estafilococos.
Microscopia eletrônica de
varredura das células
apresentadas acima.
Os bacilos têm forma de bastonetes, podendo apresentar
extremidades retas (Bacillus anthracis), arredondadas (Salmonella, E. coli),
ou ainda afiladas (Fusobacterium). Como seu plano de divisão é fixo,
ocorrendo sempre no menor eixo, os bacilos exibem uma menor variedade
de arranjos, sendo via de regra encontrados isolados, como diplobacilos ou
ainda como estreptobacilos. Há ainda um arranjo, denominado “em
paliçada”, também denominado letras chinesas, que é típico do gênero
Corynebacterium. Tal tipo de arranjo ocorre porque a parede celular desses
organismos é dupla e no momento da divisão celular ocorre a ruptura de
apenas uma das camadas, deixando as células unidas pela camada de
parede que não se rompeu. Os bacilos podem ainda apresentar-se como
pequenas vírgulas (Vibrio cholerae) ou em forma de meia lua
(Selenomonas).
Microscopia óptica, corada
pelo método de Gram, de bacilos
arranjados dois a dois (diplobacilos).
Microscopia eletrônica de
transmissão, de um bacilo em
processo de divisão celular.
Espiralados: Sua nomenclatura é bastante controvertida ainda. Um tipo de
classificação divide os espiralados em dois grupos, osespiroquetas, que
apresentam uma forma de espiral flexível, possuindo flagelos
periplasmáticos. O outro grupo são os espirilos, que exibem geralmente
morfologia de espiral incompleta e rígidos.
Geralmente os espiralados são microrganismos bastante afilados, de difícil
observação por microscopia de campo claro, sendo muitas vezes analisados
por meio da microscopia de campo escuro, ou de técnicas de coloração
empregando a impregnação por sais de prata.
Microscopia óptica de
fluorescência, de um organismo
espiralado.
Microscopia óptica,
utilizando um procedimento de
impreganção com sais de prata,
revelando a bactéria causadora
da sífilis, Treponema pallidum
(observe os grandes neutrófilos
próximos às bactérias)
Micrografias eletrônicas colorizadas de diferentes bactérias. No sentido horário: Enterococcus (cocos
ovalados), Francisella (bacilos pequenos, com a região central abaulada), Fusobacterium (longos
bacilos, geralmente com extremidades mais afiladas) e Neisseria gonorrhoeae (diplococos em forma de
rins).
(Fotos obtidas de sites da internet)
Há ainda formas intermediárias como os cocobacilos; formas
pleomórficas (quando o microrganismo não tem uma morfologia padrão), tal
como Mycoplasma; ou ainda formas de involução, originadas quando o meio
encontra-se desfavorável ao desenvolvimento. Nesses casos, como o
organismo deixa de realizar os processos metabólicos (nutrição e divisão
celular) adequadamente, este sofre alterações morfológicas.
Há também bactérias apresentando apêndices, tais como extensões
celulares na forma de longos tubos ou hastes (prostecas) (Rhodomicrobium
vannielii). Além destas bactérias, estudos vêm revelando a ocorrência de
bactérias com formas bastante peculiares, tais como células estreladas ou
retangulares.
bactéria com morfologia
retangular
bactéria com morfologia
semelhante a uma estrela
(Adaptado de Tortora et al., Microbiologia, 1998)
Bactéria pedunculada
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Ultraestrutra Bacteriana
A ultraestrutura bacteriana começou a ser estudada em maiores
detalhes nas décadas de 50 e 60, a partir do melhoramento das técnicas de
microscopia eletrônica. Os procedimentos adotados incluíam a lise celular,
seguida de centrifugação para promover a separação dos vários
componentes subcelulares, que podiam agora ser purificados e analisados
bioquimicamente.
Parede Celular - Estrutura presente na maioria das bactérias conhecidas,
exceto em micoplasmas e algumas Archaea, que não a possuem.
Corresponde a uma das estruturas mais importantes nas células bacterianas,
estando localizada na porção mais externa, acima da membrana
citoplasmática. Devido à sua grande rigidez, a parede celular é responsável
pela manutenção da forma do microrganismo. Como o ambiente intracelular
é bastante concentrado em relação ao meio externo, (variando de 2 a até 10
atm), a parede atua como uma barreira física rígida, que mantém a forma
celular, impedindo que a célula estoure em decorrência do grande turgor.
Além disso, a parede celular atua como uma barreira de proteção contra
determinados agentes físicos e químicos externos, tais como o choque
osmótico. A parede pode ainda desempenhar importante papel em
microrganismos patogênicos, em decorrência de presença de componentes
que favorecem sua patogenicidade, tais como antígenos ou moléculas
envolvidas no reconhecimento celular.
Em 1884, Christian Gram desenvolveu um método de coloração de
bactérias que permitia sua separação em dois grupos distintos, as Gram
positivas (que coravam-se em roxo) e as Gram negativas (que coravam-se
em vermelho). A partir do advento da microscopia eletrônica e do
aperfeiçoamento das técnicas de análise bioquímica dos diferentes
componentes celulares, foi verificado que esta diferença entre as bactérias
Gram positivas e Gram negativas era, provavelmente, devida às diferenças
de composição e estrutura das paredes celulares.
Assim, quando observadas sob microscopia eletrônica de transmissão, as
bactérias Gram positivas apresentam uma parede celular espessa (de 20 a
80 nm), de aspecto homogêneo, enquanto as células Gram negativas
exibem uma parede mais delgada (de 9 a 20 nm) e de aspecto bastante
complexo, aparentemente apresentando mais de uma camada. A
microscopia eletrônica de varredura revelou outras diferenças entre estes
dois grupos de organismos. As Gram positivas exibiam a superfície mais lisa
e homogênea, enquanto as Gram negativas apresentavam-se com maior
complexidade superficial.
Aspecto das paredes celulares de organismos Gram positivos e negativos
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Composição da parede celular
Peptideoglicano (mureína ou mucopeptídeo): Composto
exclusivamente encontrado no domínio Bacteria, sendo o responsável pela
rigidez da parede celular. O peptideoglicano corresponde a um enorme
polímero complexo que, em bactérias Gram positivas pode formar até 20
camadas, enquanto em células Gram negativas está presente, formando
apenas uma ou duas camadas.
O peptideoglicano corresponde a um esqueleto, formado por dois
derivados de açúcares, a N-acetilglicosamina (NAG) e o ácido N-
acetilmurâmico (NAM), unidos alternadamente, através de ligações do tipo
ß-1,4. O grupo carboxil de cada molécula de NAM liga-se a um
tetrapeptídeo, composto por aminoácidos que alternam-se nas configurações
L e D. Destes aminoácidos, o D-glutamato, D-alanina e o ácido meso-
diaminopimélico não são encontrados em qualquer outra proteína conhecida.
Acredita-se que sua presença confira maior resistência da parede contra a
maioria das peptidases.
Assim, em cada resíduo de NAM há um tetrapeptídeo associado. A enorme
rigidez da da parede celular é resultante das ligações entre os tetrapeptídeos
de cadeias adjacentes. Neste aspecto, há uma grande diferença entre as
bactérias Gram positivas e negativas. Nas bactérias Gram negativas (Ala-
Glu-DAP-Ala), a ligação entre os tetrapepídeos é direta, ocorrendo entre o
grupamento amino do DAP subterminal (posição 3) e o grupamento carboxi
da D-Ala terminal (posição 4). Já nas Gram positivas (Ala-Glu-Lys-Ala), a
ligação é indireta, sendo mediada por uma ponte interpeptídica de natureza
variável (cinco glicinas em S. aureus). A análise das figuras abaixo deixa
clara a grande estruturação do peptídeoglicano, em virtude das inúmeras
ligações cruzadas existentes ao longo da molécula. Assim, devido a esta
complexa estruturação física, o peptideoglicano confere rigidez à parede,
embora exiba certo grau de elasticidade e também porosidade.
peptideoglicano de células Gram
positivas
peptideoglicano de células Gram
negativas
Nas bactérias Gram positivas, cerca de 90% da parede celular é
composta pelo peptídeoglicano, que geralmente forma cerca de 20 camadas.
O restante da parede é composto essencialmente por ácido teicóico. Nas
bactérias Gram negativas, apenas cerca de 10% da parede corresponde ao
peptideoglicano, existindo geralmente como uma camada única ou dupla. Os
demais componentes da parede celular de bactérias Gram negativas serão
analisados posteriormente.
Esquema ilustrando o espesso peptideoglicano de bactérias Gram positivas
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Ácidos Teicóicos: Juntamente com peptideoglicano, os ácidos teicóicos
compõem a parede celular das bactérias Gram positivas. Estes compostos,
presentes em grandes quantidades, correspondem a polímeros de glicerol ou
ribitol ligados a açúcares ou aminoácidos e conectados entre si por meio de
grupamentos fosfato.
Os ácidos teicóicos associam-se ao peptideoglicano pela ligação do
grupamento 6 hidroxil do ácido N-acetilmurâmico, podendo alternativamente
associar-se aos lipídeos da membrana citoplasmática, quando passam a ser
denominados de ácidos lipoteicóicos. Devido à sua carga negativa, os ácidos
teicóicos contribuem com o caráter negativo da superfície celular de Gram
positivas. Seu papel fisiológico é ainda desconhecido, mas especula-se que
estes possam participar nos processos de passagem de íons pela parede, ou
ligar-se a prótons, mantendo um pH celular relativamente baixo.
Em casos de escassez de fosfato, os ácidos teicóicos podem ser substituídos
por ácidos teicurônicos, deixando assim os fosfatos livres para comporem
ATP ou DNA, por exemplo.
Fórmula de um ácido teicóico, contendo ribitol
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
O componente adicional da Parede Celular de Gram
negativos
Membrana Externa: Esta, embora denominada "membrana"externa é um
componente da parede celular, presente apenas nas bactérias Gram
negativas. A membrana externa corresponde a uma segunda bicamada
lipídica (semelhante à membrana plasmática), localizada acima do
peptideoglicano, contendo fosfolipídeos, lipoproteínas, proteínas e também
lipopolissacarídeos. Quando comparada à membrana citoplasmática, a
membrana externa exibe maior permeabilidade a pequenas moléculas, tais
como glicose ou outros monossacarídeos.
Sua face interna geralmente é rica em pequenas lipoproteínas (7,2 kDa),
denominadas lipoproteínas de Braun, que ligam-se covalentemente ao
peptideoglicano, ancorando firmemente a membrana externa à camada de
peptideoglicano.
Estudos indicam que a membrana externa e a membrana citoplasmática
mantém contato em algumas discretas regiões celulares, denominadas sítios
de adesão. Acredita-se que estas regiões de junção podem conferir maior
rigidez à parede celular das bactéria Gram negativas, além de fixar melhor a
membrana externa, não deixando-a frouxa, associada somente ao
peptideoglicano. Os sítio de adesão foram também denominados junções de
Bayer e acredita-se que possam ser importantes locais de passagem de
compostos citoplasmáticos, seja componentes envolvidos na síntese da
membrana externa ou diferentes nutrientes.
Esquema da parede celular de organismos Gram negativos
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
A face externa da membrana externa é rica em lipopolissacarídeos
(LPS), inexistentes na membrana citoplasmática. Estes componentes são
também denominados de endotoxina, uma vez que provocam febre, choque
e eventualmente morte, quando injetados em animais. O LPS é uma
molécula complexa, composta por 3 regiões distintas: lipídeo A,
polissacarídeo central e cadeia polissacarídica lateral O, ou Antígeno O.
Esquema do lipopolissacarídeo, encontrado na face externa da membrana
externa
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
O lipídeo A corresponde à porção mais interna da molécula, ancorando o LPS
à porção hidrofóbica da membrana externa. Este componente corresponde à
porção tóxica do LPS e geralmente é composto por ácido esteárico,
palmítico, mirístico, láurico ou capróico. Estes ácidos graxos estão ligados a
um dissacarídeo de NAcGlicosamina-P. A porção polissacarídica localiza-se
acima do lipídeo A, em direção ao exterior, sendo composta por duas
regiões, o polissacarídeo central e polissacarídeo O, que é mais externo, de
natureza repetitiva. Em Salmonella, o cerne é composto por 10 açúcares
pouco usuais. Conectado ao cerne, há o Ag O, que geralmente é composto
por 3 a 5 açúcares bastante peculiares e variáveis. A natureza destes
açúcares pode ser modificada pelos microrganismos, resultando em um
mecanismo de evasão do sistema imune. O LPS também confere carga
nagativa à superfície celular.
O LPS se associa a proteínas, formando a face externa da unidade de
membrana.
A membrana externa apresenta um grupo especializado de proteínas,
denominadas genericamente de porinas, que atuam como canais para a
passagem de pequenas moléculas hidrofílicas, participando assim do
processo de nutrição. As porinas podem ser específicas, contendo sítios de
ligação para 1 ou mais substratos, ou inespecíficas, compondo canais
aquosos.
A maioria das porinas correspondem a proteínas transmembrânicas, com 3
subunidades idênticas, que formam orifícios de cerca de 1 nm, sendo que,
aparentemente, possuem mecanismos para a abertura e fechamento. Para
algumas substâncias, a membrana externa é mais restritiva.
Compostos que afetam a Integridade da Parede Celular
Ação da Lisozima na PC: Esta enzima, sintetizada por alguns organismos e
por glândulas endócrinas do homem, age clivando as ligações do tipo β-1,4,
presentes no peptideoglicano. Nas células Gram positivas, o tratamento com
lisozima origina protoplastos (células sem parede celular), enquanto nas
Gram negativas, a lisozima origina esferoplastos (células com resquícios de
parede celular).
Ação da penicilina na PC: Este antibiótico impede a ligação dos
tetrapeptídeos. A droga se liga irreversivelmente às PBPs, que são proteínas
envolvidas no processo de biossíntese do peptideoglicano. Paralelamente, as
autolisinas, que atuam em conjunto com a maquinaria de biossíntese,
passam a degradar porções do peptideoglicano. Como a síntese está
bloqueada, o resultado líquido é a formação de uma parede defeituosa.
A Camada S
Algumas bactérias e várias Archaea apresentam uma camada de natureza
protéica ou glicoprotéica estruturada (como um piso de tacos), denominada
camada S. Esta camada, as bactérias, encontra-se acima da parede celular e
até o momento, suas funções não se encontram totalmente esclarecidas.
Acredita-se que esta camada proteja a célula contra flutuações osmóticas,
de pH e íons, além de auxiliar na manutenção da rigidez da parede. Alguns
autores especulam que a camada S pode mediar a ligação dos orgnaismos a
superfícies.
Microscopia eletrônica de uma célula contendo a camada S.
(Adaptado de Prescott et al., 2002)
Morfologia e ultraestrutura bacterianas (Parte 2)
Cápsula, Glicocálix e camada limosa - A cápsula pode ser
definida como uma camada externa à parede celular, geralmente
apresentando-se como um material viscoso, fortemente associado à
superfície celular, geralmente de natureza polissacarídica e raramente
protéica. Por outro lado, o termo camada limosa é algumas vezes definido
como uma uma zona difusa, contendo material pouco organizado, sendo
facilmente removida.
A presença da cápsula normalmente confere vantagens às bactérias, pois
suas principais funções incluem: ligação às células do hospedeiro, fator de
virulência por dificultar a fagocitose e também a proteção, seja aumentando
a resistência ao dessecamento, uma vez que armazena grandes quantidades
de água, fonte de nutrientes e proteção contra a infecção por bacteriófagos,
ou interação com anticorpos.
Em odontologia, a presença da cápsula pode ser considerada como um
importante fator de virulência para o principal agente cariogênico - S.
mutans, que sintetiza um cápsula composta por um homopolissacarídeo
denominado glucano (produto da degradação da sacarose em glicose e
frutose). Tal polímero adere-se firmemente à parede celular do
microrganismo e permite sua aderência ao esmalte, favorecendo sua
colonização.
Outros microrganismos apresentam cápsula de natureza heteropolimérica -
S. pneumoniae. Eventualmente, a cápsula pode ser de natureza
polipeptídica, como em B. anthracis (ácido glutâmico, na forma D).
Micrografia óptica, empregando a
tácnica de coloração negativa,
revelando células capsuladas.
(Adaptado de Tortora et al., Microbiologia, 1998)
Micrografia eletrônica de
transmissão, revelando a delgada
cápsula circudando a célula
(Adaptado de "An eletctronic companion to microbiology")
Fímbrias e Pili - Muitas bactérias Gram negativas apresentam
apêndices finos (3 a 10 nm), retos e curtos, denominados fímbrias.
Geralmente estas são bastante numerosas, podendo atingir números de
1000 ou mais por célula. Como são muito pequenas e delgadas, somente
podem ser visualizadas pela microscopia eletrônica. As fímbrias s ão de
natureza protéica, compostas por subunidades repetitivas de uma proteína
denominada genericamente de pilina. As fímbrias possuem, geralmente em
sua extremidade, e algumas vezes ao longo da estrutura, proteínas
distintas, denominadas adesinas, as quais mediam a adesão específica da
célula bacteriana a diferentes substratos.
Micrografia eletrônica de
varredura de bacilos apresentando
fímbrias
Esquema ilustrando a organização
estrutural de uma fímbria, assinalando a
presença de moléculas do tipo adesina,
situadas na extremidade da estrutura
(Adaptado de An Electronic Companion to Microbiology)
Muitas bactérias podem ainda apresentar outro tipo de apêndice,
denominado pilus F ou fímbria sexual, o qual exibe semlhanças estruturais
com as fímbrias. No entanto, este tipo de fímbra é normalmente encontrado
em um menor número nas células, variando de 1 a 10. O pilus F
corresponde a uma estrutura bastante longa e menos rígida que as fímbrias
convencionais, estando envolvido no reconhecimento de outras bactérias,
em um processo de transferência de genes denominado conjugação.
Micrografia eletrônica colorizada, revelando a longa fímbria sexual (pilus F).
Observar também a presença de fímbrias.
Atualmente, diferentes tipos diferentes de fímbrias vêm sendo
descritos, sendo vários destes associados à adesão, ou à virulência.
Bactérias Gram positivas podem, muitas vezes, apresentar estruturas
fibrilares (diferentes de fímbrias) em sua superfície, provavelmente também
envolvidas nos processos de adesão a substratos.
Flagelos - Estruturas longas, delgadas e relativamente rígidas,
apresentando cerca de 20 nm de espessura e 15 a 20 µm de comprimento,
responsáveis pela locomoção das bactérias. Devido à sua pequena
espessura, os flagelos somente podem ser visualizados por meio de
colorações específicas, microscopia de campo escuro, ou por icroscopia
eletrônica.
De acordo com o número e distribuição dos flagelos, as bactérias podem ser
classificadas como: atríquias (sem flagelos), monotríquias (um único
flagelo), anfitríquias (um flagelo em cada extremidade) , lofotríquias (um
tufo de flagelos em uma, ou ambas as extremidades) e peritríquias
(apresentando flagelos ao longo de todo o corpo bacteriano).
Bactéria monotríquia
(Adaptado de Atlas, 1997 - Principles of
Microbiology)
Bactéria anfitríquia
(Adaptado de Tortora et al., 1998 - Microbiology)
Bactéria lofotríquia
(Adaptado de Tortora et al., 1998 -
Microbiology)
Bactéria lofotríquia
(Adaptado de Atlas, 1997 - Principles of
Microbiology)
Bactéria peritríquia
(Adaptado de Tortora et al., 1998 -
Microbiology)
Bactéria peritríquia
(Adaptado de Tortora et al., 1998 - Microbiology)
Estrutura - Estruturalmente, o flagelo pode ser subdivido em 3 regiões:
filamento, corpo basal e gancho, sendo estas duas últimas importantes para
a inserção e movimentão do filamento. O filamento dos flagelos apresenta
estrutura helicoidal, com comprimento de onda constante para cada espécie.
Este corresponde a um cilindro longo e oco, composto por unidades
repetitivas de uma proteína denominada genericamente de flagelina, que
pode variar de 30 a 60 kDa, dependendo do microrganismo. Sua
extremidade distal é revestida por uma proteína seladora. Algumas bactérias
apresentam bainhas de diferentes naturezas revestindo o filamento, tal
como em Vibrio cholerae, ou Bdellovibrio. O gancho apresenta maior
espessura que o filamento, sendo composto por diferentes subunidades
protéicas. O corpo basal corresponde à porção mais complexa do flagelo,
apresentando 4 anéis ligados a um bastão central em bactérias Gram
negativas, enquanto em Gram positivas são observados apenas 2 anéis. Os
anéis externos L e P associam-se ao LPS e peptidioglicano, respectivamente,
enquanto os anéis S e M estão associados à membrana citoplasmática.
Esquema da estrutura dos flagelos bacterianos, em células
Gram negativas (à esquerda) e Gram positivas (à direita)
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)
Detalhe ampliado da estrutura de um flagelo de células Gram negativas
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Síntese flagelar - Muitos genes estão envolvidos na síntese do flagelo e na
mobilidade celular. Em E. coli e Salmonella foram identificados mais de 40
genes (fla), que codificam proteínas estruturais, de exportação de
componentes para o exterior e de regulação de muitos eventos bioquímicos
envolvidos na síntese de novos flagelos. A síntese de flagelos é fortemente
regulada, tanto por fatores metabólicos como por sinais emitidos durante a
divisão celular. Acredita-se que as subunidades de flagelina sejam
transportadas ao longo do filamento e se autoarranjam espontaneamente,
quando atingem a ponta.
Movimentação - A movimentação dos flagelos ocorre através de um
mecanismo de rotação do filamento, em velocidades que podem atingir até
270 ou 1100 rps, o que permite uma locomoção de até 100 µm/segundo,
correspondendo a 100 vezes o seu comprimento/minuto. Os flagelos
atuariam de maneira análoga a propulsores de um barco, sendo o sentido da
rotação importante para o tipo de movimentação resultante. Em muitas
células monotríquias, a rotação no sentido anti-horário promove a
movimentação para frente, enquanto a rotação no sentido horário faz com
que a célula se locomova no sentido oposto.
Em outras monotríquias, quando o flagelo gira no sentido horário promove a
locomoção.
Tipos de movimentação de células monotríquias
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
No caso de bactérias peritríquias, quando os flagelos giram no sentido anti-
horário as células se movem para frente. Estes dobram seus ganchos e seus
filamentos se agrupam, formando um feixe, que gira e propele a célula.
Quando a rotação ocorre no sentido horário, os flagelos se separam e a
bactéria passa a vibrar somente, até que os flagelos voltem a girar no
sentido anti-horário, impulsionando novamente a célula para frente.
Para que haja a movimentação, o bastão localizado entre o gancho e o anel
M tem a capacidade de rodar livremente na membrana citoplasmática.
Acredita-se que o anel S esteja fixo na parede celular, sem a possibilidade
de rodar. Os anéis P e L sustentariam o bastão. Há evidências que o corpo
basal atuaria como uma estrutura passiva que giraria no interior de um
complexo proteíco inserido na membrana, semelhante a um rotor de um
motor elétrico, que gira no centro de um anel de eletromagnetos (estator). A
energia necessária para a rotação é provida pela força próton motiva. A
dissipação do gradiente de prótons cria uma força que gira o flagelo no
sentido anti-horário, impelindo o microrganismo. O rotor seria composto
pelo bastão central, pelo anel M e por um anel C, ligado ao M através da
membrana citoplasmática. Estes anéis são formados por várias proteínas,
sendo a FliG bastante importante. No estator, temos as proteínas MotA e
MotB, que formam um canal de prótons, sendo que MotB também ancora o
complexo ao peptideoglicano.
Esquema ilustrando a movimentação de bactérias peritríquias
(Adaptado de Tortora et al., 1998 - Microbiology)
Flagelos periplasmáticos - Estes flagelos são encontrados apenas nos
espiroquetas (sendo muitas vezes denominados de filamentos axiais). Como
o prórpio nome indica, estes flagelos situam-se no periplasma, localizando-
se abaixo da membrana externa destas bactérias. Os flagelos
periplasmáticos originam-se a partir dos polos celulares, voltando-se em
direção ao centro da célula, envolvendo a membrana citoplasmática do
corpo bacteriano.
Micrografia
eletrônica colorizada, revelando os
flagelos periplasmáticos (amarelo)
(Adaptado de Tortora et al., 1998 -
Microbiology)
Micrografia eletrônica revelando o flagelo
periplasmático, situado abaixo da membrana
externa
(Adaptado de An Electronic Companion to
Microbiology)
Movimentação por meio de deslizamento
Muitos procariotos são móveis, apesar de não possuírem flagelos. Estas
bactérias são capazes de se movimentar sobre superfícies sólidas, por um
processo denominado deslizamento. A motilidade por deslizamento é
apresentada por vários membros de Bacteria, sendo, no entanto, estudada
somente em alguns poucos grupos. O movimento deslizante é
consideravelmente mais lento – 10 µm/seg para algumas bactérias, quando
comparado às velocidades atingidas pelo movimento flagelar mas, da
mesma forma, permite a locomoção das bactérias em seus habitats.
Mecanismos da Motilidade Por Deslizamento
Embora até o momento nenhum mecanismo de deslizamento tenha sido
comprovado, existem alguns modelos definindo o processo, além de
evidências sugerindo a existência de mais de um tipo de mecanismo. Em
cianobactérias, à medida que as células deslizam, secretam um
polissacarídeo limoso em sua superfície externa. Aparentemente, este
polissacarídeo estabelece o contato entre a superfície celular e a superfície
sólida, contra a qual a célula desliza. À medida que o polissacarídeo limoso
excretado se adere à superfície, a célula é gradativamente puxada. Esta
hipótese é sustentada pela observação de poros excretores de compostos
limosos na superfície de várias cianobactérias filamentosas.
Em Flavobacterium johnsoniae, provavelmente o mecanismo de
deslizamento envolve a movimentação de proteínas na superfície celular. De
acordo com este modelo, proteínas específicas de motilidade, ancoradas nas
membranas citoplasmática e externa, parecem propelir a célula para frente
por um mecanismo de cremalheira contínua. Ao que parece, o movimento
das proteínas da membrana citoplasmática é promovido pela liberação de
energia oriunda da força próton motiva que, de alguma maneira, transmite
esta energia às proteínas da membrana externa, localizadas ao longo de
uma “pista de corrida” na superfície celular. Acredita-se que o movimento
das proteínas da pista de corrida contra uma superfície sólida, literalmente
empurre a célula para frente.
Assim como as outras formas de motilidade, o deslizamento apresenta
grande relevância ecológica. Este movimento permite que a célula explore
novos recursos, ou interaja com outras células, de maneira benéfica.
Esquema proposto para a movimentação deslizante de Flavobacterium
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Morfologia e ultraestrutura bacterianas (Parte 3)
Periplasma (gel periplasmático) - Corresponde a um espaço situado entre a
membrana externa e membrana citoplasmática, encontrado em células Gram negativas.
Embora questionáveis, relatos esporádicos descrevem a existência de um espaço observado
entre o peptideoglicano e a membrana citoplasmática de organismos Gram positivos. O
periplasma apresenta consistência de gel, provavelmente devido ao grande número de
proteínas presentes nesta região. Em virtude disto, este "espaço" passou a ser denominado gel
periplasmático. O periplasma pode atingir de 1 a cerca de 70 nm de espessura,
correspondendo a até 40% do volume total da célula.
Em Gram negativas, tem grande importância, pois várias enzimas e outras proteínas
estão localizadas, incluindo hidrolases, proteínas de ligação envolvidas no transporte e
quimiorreceptores. Bactérias quimiolitotróficas e denitrifcantes apresentam muitas vezes
proteínas transportadoras de elétrons no periplasma, outras apresentam enzimas envolvidas na
síntese de peptideoglicano. A presença do periplasma bactérias Gram positivas é ainda motivo
de controvérsias, devido ao enorme potencial secretor que este grupo apresenta.
Membrana Citoplasmática - Estrutura delgada, com cerca de 8 nm, composta por uma
bicamada fosfolipídica (podendo apresentar 7 tipos de fosfolipídeos diferentes), entremeada de
proteínas (cerca de 200 tipos distintos), atuando como importante barreira osmótica, altamente
seletiva. Normalmente, as membranas de organismos procariotos apresentam maiores
concentrações de proteínas que as membranas eucarióticas, tendo em vista a ausência de
organelas citoplasmáticas nas bactérias.
A bicamada fosfolipídica é composta por glicerol ligado a duas cadeias de ácidos
graxos, através de ligações do tipo éster, com proteínas entremeadas. Tanto as proteínas
como os fosfolipídeos podem mover-se lateralmente ao longo da membrana. Esta é
estabilizada principalmente por interações hidrofóbicas e por pontes de H.
Paralelamente, os íons Ca+2 e Mg+2 também participam, interagindo ionicamente com as
cargas negativas dos fosfolipídeos.
Via de regra, os fosfolipídeos bacterianos contém ácidos graxos com cadeias não ramificadas
de 16 a 18 átomos de carbono. Esta composição pode ser variável, de acordo com as
condições ambientais. Assim, quando cultivadas em temperaturas baixas, há um aumento da
proporção de ácidos graxos insaturados, aumentando consequentemente a fluidez da
membrana. Por outro lado, aumetando o grau de saturação, as cadeias tornam-se mais rígidas,
pois as moléculas têm maior capacidade de associação.
Esquema da membrana citoplasmática bacteriana
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Via de regra, exceto no caso dos micoplasma (bactérias desprovidas de parede celular),
micoplasmas, as membranas procarióticas não apresentam esteróis, como observado em
eucariotos. Entretanto, muitas bactérias apresentam moléculas pentacíclicas, semelhantes a
esteróis, denominadas hopanóides, talvez conferindo maior rigidez à membrana. A presença de
esteróis na membrana citplasmática de micoplasmas pode ser justificada pela ausência da
parece celular, neste grupo de organismos.
Similaridade estrutural entre os esteróis (a), colesterol (b) e hopanóides (c)
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Mesossomos - correpondem a extensas invaginações da membrana citoplasmática,
em forma de vesículas, lamelas ou túbulos. Geralmente são encontrados com maior
abundância em Gram positivos, mas também presentes em Gram negativos. Até hoje, sua
existência e funções são ainda debatidas pelos pesquisadores. Diversas funções têm sido
atribuídas aos mesossomos, tais como a participação na segregação dos cromossomos
durante a divisão, papel respiratório, papel na esporulação, ou até mesmo como sendo um
mero artefato decorrente dos procedimentos utilizados para a preparação microscópica dos
espécimes. A partir do acahado de extensos mesossomos em bactérias de grandes
dimensões, acredita-se que sua principal função seja de aumentar a superfície da membrana,
aumentando assim o conteúdo enzimático das células.
Matriz Citoplasmática - É composta por cerca de 70% de água, além dos demais
compostos celulares, tais como o DNA, inclusões e plasmídeos. Caracteristicamente, o
citoplasma celular apresenta um grande concentração de ribossomos e proteínas, tais como
proteínas atuando como um sistema de citoesqueleto.
Nucleóide e plasmídeos- Os procariotos são organismoshaplóides, geralmente
apresentando apenas 1 único cromossomo não envolto por carioteca. Eventualmente, algumas
bactérias podem apresentar 2 ou 3 cromossomos. O cromossomo bacteriano é normalmente
cirucular e encontra-se bastante enovelado, em uma região celular denominada nucleóide. Em
bactérias, o cromossomo não apresenta-se associado a histonas, sendo estabilizado por outras
proteínas de natureza básica. Geralmente o DNA cromossomal corresponde a uma molécula
bastante grande, podendo ser 1000 vezes maior que a própria célula. Em E. coli, o DNA possui
cerca de 4,7 Mb, exibindo aproximadamente 1 mm de comprimento, quando linearizado.
(Adaptado de An Electronic Companion to
Microbiology)
Várias bactérias apresentam também moléculas de DNA extracromossomal,
denominadas plasmídeos, as quais são geralmente circulares, contendo muitas vezes genes
que conferem características adaptativas vantajosas ao microrganismo. Seu número e
dimensões são bastante variáveis.
Corpúsculos de inclusão - São grânulos de armazenagem, de diferentes naturezas,
sendo geralmente utilizados como fonte de material de reserva ou energia, muitas vezes
insolúveis. Estes podem apresentar-se sem qualquer envoltório ou envoltos por uma única
camada lipídica delgada (diferente de uma membrana), ou por proteínas.
Dentre os compostos orgânicos armazenados temos o glicogênio, o amido e
poliidroxibutirato. Já dentre os inorgânicos temos polifosfatos (volutina ou metacromáticos) e
enxofre.
Grânulos de poliidroxibutirato
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Os magnetossomos são partículas intracelulares de magnetita (Fe3O4), que originam um
dipolo magnético na célula, que pode responder aos campos geomagnéticos. Estes foram
descritos em algumas bactérias aquáticas e algas. Outras bactérias aquáticas apresentam
vesículas de gás, que conferem mobilidade nas diferentes camadas de água. São estruturas
em forma de fuso, ocas, compostas por proteínas, tendo tamanhos variáveis (30 - 300 nm de
diâmetro e até 1000 nm de comprimento). Consistem de um orifício oco envolto por uma
membrana (armação) protéica extremamente delgada (2 nm). Nesta membrana encontram-se
por 2 tipos de proteínas que originam uma estrutura rígida, impermeável à agua e permeável a
gases. A proteína predominante tem cerca de 7.5 kDa, contendo Å 50% de resíduos de
aminoácidos hidrofóbicos (Ala, Val, Leu, Ile), provavelmente voltados para o interior da
partícula, evitando a entrada de água.
Células apresentando magnetossomos em seu interior (corpúsculos negros enfileirados)
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)
Preparação de magnetossomos (Adaptado de Prescott et al., Microbiology,
2000)
Bactérias se movendo em direção a um campo magnético
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 2000)
Esquema de uma vesícula de ar, indicando como as proteínas que a
formam se associam (Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of
Microorganisms, 2003)
Domínio Archaea
Considerações Gerais
Por volta da década de 70, vários organismos procarióticos foram isolados a partir de
uma série de ambientes considerados extremamente inóspitos, quase que incompatíveis com a
presença de seres vivos. Estes ambientes naturais caracterizavam-se por apresentar
temperaturas bastante elevadas (próximas a 100ºC), extrema acidez (pH próximo a 2), altas
salinidades (cerca de 10 a 15%) e, muitas vezes, ausência completa de oxigênio. Como várias
destas características correspondiam às possíveis condições encontradas na Terra primitiva,
os pesquisadores acreditavam que os organismos procarióticos presentes nestes ambientes
deveriam corresponder a células primitivas, talvez "fósseis vivos", representando as formas de
vida ancestrais das bactérias modernas. Por esta razão, estes organismos foram denominados
"arqueobactérias".
No entanto, a partir dos trabalhos de Carl Woese e colaboradores (há cerca de 25
anos), realizando estudos comparativos de sequências de DNA que codificavam rRNA (16S e
23S) de diferentes organismos, foram definidos 3 grandes domínios compreendendo todos os
seres vivos. Assim, de acordo com a proposta de Woese, os seres vivos poderiam ser
agrupados em três grandes domínios: Bacteria (anteriormente denominadas eubactérias),
Archaea (as "arqueobactérias") e Eucarya (Eucariotos). Estes três domínios teriam derivado de
um hipotético ancestral comum de todas as células.
A análise da árvore filogenética apresentada abaixo, revela como a denominação
"arqueobactérias" é inadequada e quão obsoleta é a idéia de que as "arqueobactérias" seriam
os ancestrais das bactérias atuais, pois estes organismos não correspondem aos ancestrais da
bactérias atualmente conhecidas.
Árvore filogenética universal, apresentando os três domínios da vida
(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)
Esta árvore revela claramente que as "arqueobactérias" não correspondem aos
ancestrais das bactérias atuais, visto que sua possível origem ocorre quase que
concomitantemente à origem das bactérias mais primitivas.
Outro aspecto que a árvore permite deduzir é o fato das "arqueobactérias" ocuparem
uma posição intermediária entre os domínios Bacteria e Eucarya, sugerindo que estas
correspondem a um grupo de organismos diferentes de bactérias e de células eucarióticas. De
fato, estudos genéticos e fisiológicos posteriormente revelaram que tais organismos
apresentam características de bactérias, de eucariotos, além de características exclusivas, não
encontradas em qualquer outro domínio. Por esta razão, deixaram de ser denominadas
"arqueobactérias", recebendo a denominação archaea.
Uma questão ainda não elucidada refere-se ao porquê de encontrar-se um grande
variedade de archaea extremófilas, habitanto ambientes de altas temperaturas, salinidade, ou
extremos de pH. Por outro lado, o acúmulo de conhecimentos sobre este grupo vem mostrando
que as archaea podem ser encontradas nos mais diversos ecossistemas, desde ambientes
aquáticos frios, sistema digestório do homem e outros animais, em tecidos vegetais.
Certamente não é absurdo cogitar que no futuro sejam descobertas archaea patogênicas ao
homem ou outros seres vivos.
As características apresentadas por alguns dos membros deste domínio parecem refletir
as condições primitivas da Terra, quando tal domínio começou a evoluir como um ramo
filogenéticio distinto. Ao que parece, várias archaea conservaram mais do que as eubactérias
estas características fisiológicas primitivas, o que seria responsável pela distribuição atual no
planeta.
Assim, as archaea compreendem um grupo heterogêneo de microrganismos que podem
ser caracterizados, em sua maioria, como habitantes de ambientes inóspitos, geralmente
crescendo em condições consideradas até então como extremas e limítrofes para a vida.
Classificação das Archaea
Atualmente, considera-se que este domínio apresente três filos: Crenarchaeota,
Euryarchaeota e Korarchaeota.
Árvore filogenética do domínio Archaea
(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)
O filo Crenarchaeota, separa-se muito próximo da raiz da árvore universal, sendo
composto por organismos hipertermófilos (Thermoproteus, Pyrolobus e Pyrodictium),
compreendendo os organismos capazes de crescer nas maiores temperaturas conhecidas.
Estes hipertermófilos são, em sua maioria, quimiolitotróficos autotróficos, sendo então
classificados como produtores primários. Neste grupo há também organismos isolados (mas
ainda não cultivados em laboratório) de ambientes frios, tais como águas oceânicas.
Lagoa quente, rica em
enxofre, que é convertido a ácido
sulfúrico, por espécies de archaea.
Sulfolobus, exemplo de uma archaea
do filo Crenarchaeota, habitante da lagoa
ilustrada acima.
(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)
O filo Euryarchaeota é um grupo fisiologicamente diverso, sendo composto por dois grupos: 1)
as archaea metanogênicas, que são anaeróbias, (Methanococcus, Methanobacterium e
Methanosarcina), encontradas em ambientes de condições extremas, e 2) as halofílicas
extremas, que são aeróbias (Halobacterium, Halococcus). As metanogênicas compreendem os
organismos mais anaeróbios conhecidos, ou seja, o oxigênio mesmo em concentrações
baixíssimas, exerce um efeito extremamente letal sobre estes organismos. Neste filo há ainda o
gênero Thermoplasma, composto por bactérias acidófilas, termofílicas, que não apresentam
parede celular. As halofílicas geralmente coram-se como Gram negativas, não apresentam
esporos e, em sua maioria, são imóveis, geralmente apresentando grandes plasmídeos,
contendo cerca de 25 a 30% do DNA da célula. Dentre as metanogênicas, encontra-se o
gênero Methanopyrus, que cresce em temperaturas de até 110°C.
Lago hipersalino no Egito,
rico em carbonato de sódio. O pH
destas águas encontra-se na faixa de
10, sendo habitado por archaea
halófilas extremas, tais como
Halobacterium salinarum. A coloração
vermelha é decorrente da presença
de pigmentos carotenóides, presentes
nestes organismos.
Thermoplasma, uma archaea desprovida de parede celular.
Pilha de refugo da mineração de
carvão, que muitas vezes sofre auto-
combustão. Hábitat da archaea
Thermoplasma.
(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)
O filo Korarchaeota é composto quase que somente por isolados identificados apenas a
partir do sequenciamento de 16S rRNA, sendo considerado um grupo de hipertermófilos. Até o
momento, poucos espécimes de Korarchaeota foram cultivados em laboratório.
Pesquisas realizadas em uma fenda termal localizada no fundo do mar da Islândia, em
2002, levaram à identificação de uma nova espécie de archaea apresentando características
bastante distintas, quando comparada aos demais membros desse domínio. A espécie
Nanoarchaeum equitans diferencia-se das demais archaea por ser aparentemente muito
primitiva (ou modificada), sendo encontrada em associação com outra archaea (Igniococcus
sp.). Este organismo de morfologia arredondada é bastante diminuto, apresentando cerca de
400 nm de diâmetro e um pequeno genoma, de 0,5 Megabases. De acordo com seus
descobridores, as grandes diferenças apresentadas por Nanorachaeum em relação à
seqüência de RNA ribossomal, sugerem que tal organismo seja classificado em um novo filo,
proposto como Nanoarchaeota.
Micrografia de fluorescência,
empregando um corante específico
para DNA, revelando as células de
Igniococcus (maiores) e de
Nanoarchaeum equitans (menores).
No quadro à direita, micrografia
eletrônica evidenciando a estreita
associação das duas archaea.
Boucher & Doolittle (2002) Nature, 417:27-28
(clique no autor, caso deseje ver o artigo original)
Micrografia de fluorescência
empregando corantes específicos para os rRNAs
de Igniococcus (verde) e Nanoarchaeum
(vermelho)
Huber et al. (2002) Nature, 417:63-67.
(clique no autor, caso deseje ver o artigo original)
Estrutura celular das Archaea
Quanto à morfologia, podem ser esféricas, bacilares, espiraladas, achatadas, quadradas,
discóides e muitas vezes de morfologia irregular ou pleomórficas. Suas dimensões são
extremamente variáveis, de 0,1 a 15 µm, com alguns filamentosos atingindo 200 µm.
As archaea apresentam várias características especiais, que permitem seu
desenvolvimento em uma vasta gama de ambientes. Estas incluem alterações de composição
de membrana, composição variada de paredes celulares, presença de proteínas tipo histonas,
íntrons, mecanismos de splicing, entre outros.
Parede celular: Apresenta composição e estruturação extremamente variáveis neste
grupo de microrganismos. Esta variabilidade sugere que o ancestral comum seria desprovido
de parede, sendo as diversas paredes resultantes de evolução independente, de acordo com
os diferentes ambientes e grupos de archaea.
Diferentes composições de parede celular presentes em archaea.
(Adaptado de Atlas, R.M. (1997) - Principles of microbiology)
Quando coradas pelo método de Gram, algumas archaea comportam-se como Gram
positivas e outras como Gram negativas, embora suas paredes sejam completamente distintas
daquelas de eubactérias. Como observado na figura acima, suas paredes celulares
apresentam uma grande diversidade quanto à composição química e, diferentemente das
eubactérias, não apresentam peptideoglicano. Além disso, existem também outras archaea que
não exibem parede celular (Thermoplasma).
O gênero Thermoplasma cresce bem em temperaturas de 55°C e pH 2, em meios
complexos. Estes organismos apresentam a membrana citoplasmática bastante diferente,
contendo compostos semelhantes a lipopolissacarídeos, contendo ligações tetraéter. Um outro
gênero, filogeneticamente relacionado a Thermoplasma, é Picrophilus, que cresce em pHs de
0,06 a 0,7.
Várias archaea exibem uma parede espessa, rígida, semelhante à parede Gram positiva
(Methanobacterium, Methanopyrus, Halococcus), entretanto, os polímeros que compõem a
estrutura podem ser: pseudopeptideoglicano ou metanocondroitina.
O pseudopeptideoglicano diferencia-se do peptideoglicano pela ocorrência de ácido
talosaminurônico em substituição ao murâmico, pela ligação do tipo b-1,3 ao invés de b-1,4
entre os açúcares e pela ausência de D-aminoácidos nas porções peptídicas da molécula.
Nestas bactérias, a lisozima não exibe qualquer atividade de degradação da parede, uma vez
que seu sítio de ação são as ligações b-1,4. Da mesma forma, a penicilina é ineficaz contra
estes organismos porque o mecanismo de síntese de parede é distinto nas archaea.
A metanocondroitina é um polímero de 4 açúcares (galactosamina, ácido glucorônico,
N-acetil-galactosamina e glicose), muito semelhante ao tecido conectivo animal, composto por
sulfato de condroitina.
Aquelas archaea que coram-se como Gram negativas podem ter paredes compostas
por proteínas, polissacarídeos ou glicoproteínas. As paredes protéicas podem variar entre si,
podendo ser do tipo monocamada de natureza cristalina, ou policamadas, de proteínas
tubulares. As glicoproteínas são também comuns, muitas vezes contendo grandes quantidades
de aminoácidos carregados negativamente. As halobactérias são um exemplo do modelo
descrito acima, onde as cargas negativas da parede interagem com os íons Na+ do ambiente,
estabilizando a parede.
O gênero Halococcus apresenta a parede celular composta por um
heteropolissacarídeo altamente sulfatado, nunca observado em qualquer outro ser vivo.
Eventualmente, algumas archaea exibem uma camada protéica adicional ao redor da
parede celular, ou compondo a própria parede, denominada “camada S”, em um estado
cristalizado.
Membrana Citoplasmática: corresponde a uma estrutura única, apresentando
composição química e arranjo totalmente diferentes das membranas citoplasmáticas de quase
todas as bactérias e de todos eucariotos.
Membrana Bacteria Archaea Eucarya
Conteúdo protéico alto alto baixo
Composição lipídica fosfolipídeos
Sulfolipídeos,
glicolipídeos,
hidrocarbonetos
ramificados, isoprenoides,
fosfolipídeos
Fosfolipídeos
Estrutura dos
lipídeos cadeia linear cadeia ramificada cadeia linear
Ligação dos lipídeos éster éter (di e tetraeter) éster
As membranas de archaea geralmente apresentam um alto conteúdo protéico e vários lipídeos:
glicolipídeos, sulfolipídeos, fosfolipídeos (raros) e lipídeos apolares do tipo isopreno. A
presença de hidrocarbonetos ramificados aumenta a fluidez da membrana, uma vez que
dificultam a formação de estruturas cristalinas. Dentre os principais lipídeos estão aqueles do
tipo glicerol-éter-isopreno (hidrocarbonetos de 20, 25 ou 40 Carbonos).
Uma característica da porção lipídica da membrana é o fato desta não ser composta por ácidos
graxos convencionais. Em seu lugar encontram-se longas cadeias de hidrocarboneto
ramificadas. Os hidrocarbonetos ligam-se ao glicerol por ligações do tipo éter (ao invés de
éster) e podem apresentar-se como bicamadas (como em todas as membranas) ou como
monocamadas. Quando formam bicamadas, denominam-se glicerol diéter e quando originam
monocamadas, diglicerol tetraéter.
Quando há a monocamada, esta modula sua fluidez através da ciclização de alguns elementos
da cadeia de hidrocarboneto, formando anéis pentacíclicos.
As proteínas de membrana podem ser também bastante diferentes daquelas observadas em
outros tipos celulares.
Estrutura e composição da membrana presente em várias archaea.
(Adaptado de Madigan et al., 2003 - Brock Biology of Microorganisms)
Cromossomo: É bastante semelhante ao cromossomo das eubactérias, uma vez que é
único e, na maioria dos casos, circular. Por outro lado, sua organização é semelhante aos
eucariotos, uma vez que observam-se proteínas (do tipo histona) associando-se ao DNA,
atuando na manutenção da estrutura do DNA, afetando também a expressão gênica. Foi
observado que em muitos hipertermófilos a associação das proteínas ao DNA promove um
enovelamente do tipo positivo no DNA, enquanto em eucariotos, este é negativo.
Foi também relatada a presença de introns no cromossomo de Archaea, em genes de
RNA de hipertermófilos e halófilos, sendo processado através de endonucleases.
Transcrição: Em relação aos promotores, aparentemente sua estrutura tem maior
semelhança com promotores de eucariotos que de procariotos. A RNA polimerase é mais
complexa que a de bactérias, podendo ser composta por 8 polipeptídeos em metanogênicas e
halofílicas (enquanto em Bacteria são 4). Nas hipertermófilas, podem existir 10 polipeptídeos
distintos (assemelhando-se à RNA polimerase de eucariotos).
Ribossomos: São do tipo 70S, semelhantes aos de bactérias, entretanto, sua
composição protéica é bastante distinta, tornando-os resistentes aos antibióticos que afetam a
síntese protéica bacteriana. A tradução também é diferentes das Bacteria, assemelhando-se
mais aos Eucarya, sem a participação da formil-metionina no início do processo. A toxina
diftérica, que inibe a tradução de células eucarióticas também inibe o processo em Archaea.
Flagelos: Muitas archaea, inclusive aquelas sem parede celular, podem apresentar
flagelos. Estes diferem totalmente dos flagelos bacterianos, uma vez que não apresentam a
estruturação em corpo basal, gancho e filamento. Nas Archaea, o flagelo não apresenta os
anéis observados nas bactérias e, geralmente, é composto por vários tipos de “flagelina”, que
exibe composição similar a várias fímbrias. Ao que parece, o flagelo é composto por flagelina,
que se organiza a partir da membrana citoplasmática, projetando-se para o exterior da célula.
Metabolismo
As archaea apresentam uma enorme diversidade metabólica. Muitas são
quimiorganotróficas, com metabolismo semelhante às demais células, outras são
quimiolitotróficas, utilizando o H2 como doador de elétrons nas reações de oxi-redução.
Várias archaea são anaeróbias e geralmente termófilas e suas vias para obtenção de
energia geralmente envolvem
1) Redução do CO2 a metano ou conversão do acetato a CO2 e então metano; sendo
incorporado pela via do Acetil-Coa
CO2 + 4H2 k CH4 + 2H2O nas metanogênicas
2) Redução de SO4 a H2S;
SO42- + H+ + 4H2 k HS- + 4H2O
3) Redução de Enxôfre elementar a H2S.
S + H2 k HS- + H+
Assim, pode-se notar que muitas archaea exibem metabolismo quimioautotrófico.
Ecologia de archaea
Embora inicialmente fossem consideradas organismos restritos a ambientes extremos,
muitas archaea vêm sendo isoladas de ambientes favoráveis aos demais organismos
procarióticos e eucarióticos. No entanto, dentre as várias archaea descritas até o momento, a
maioria é encontrada em poucos ambientes especializados terrestres e aquáticos, tais como
lagos extremamente salinos, ambientes estritamente anaeróbios e/ou ambientes extremamente
quentes. Até pouco tempo, a menor temperatura onde foi possível se fazer o cultivo “in vitro” de
archaea era de 30°C.
Dados recentes indicam, por outro lado, que este grupo de microrganismos pode
também ser isolado de ambientes frios. Atualmente sabemos que estes organismos são
importantes membros da microbiota aquática de regiões frias do planeta. Ao que parece, as
archaea podem corresponder a até 34% da biomassa procariótica das águas costeiras
superficiais da Antártida.
De maneira geral, e pelo fato da maioria das archaea conhecidas serem isoladas de
ambientes quentes, salinos e/ou anaeróbios, este domínio é didaticamente dividido em três
grandes grupos: termofílicos, halófilos e metanogênicos.
No entanto, vale ressaltar mais uma vez que dados mais recentes comprvam a ampla
distribuição geográfica e ecológica desse grupo de organismos.
Termofilia: Sabe-se que várias archaea têm temperatura ótima superior a 80°C e
temperatura máxima de crescimento acima de 100°C (Pyrodictium brockii tem ótimo de 105°C
e Pyrolobus fumarii de 106°C, embora cresça em até 113°C). Ainda não se sabe até onde pode
ir esta faixa de temperatura.
Pyrolobus fumarii foi isolado de uma fenda no Oceano Atlântico, a uma profundidade de
3.650 metros, crescendo em uma faixa de temperatura de 90 a 113°C, pH de 4 a 6.5 e
concentrações de NaCl variando de 1 a 4%. Experimentos realizados em laboratório mostram
que culturas na fase exponencial de crescimento sobrevivem ao tratamento em autoclave
(121°C) por 1 hora.
A termofilia requer adaptações fisiológicas especializadas, pois as proteínas e ácidos
nucléicos não podem ser desnaturados e a membrana deve manter-se funcional nestas
temperaturas.
Curiosamente, a estrutura primária (seqüência de aminoácidos) de várias proteínas de
Archaea não exibem diferenças significativas quando comparada a outros organismos.
Provavelmente, o principal fator para esta característica seja o dobramento destas proteínas.
Uma característica das proteínas de termofílicos refere-se à substituição de aminoácidos mais
flexíveis por aqueles que conferem maior rigidez à molécula. Além disso, foi sugerido que as
proteínas poderiam ser estabilizadas pela presença de altos teores de aminoácidos
hidrofóbicos. As archaea termófilas também exibem um enorme número de chaperonas, que
garantem o dobramento correto das proteínas nas temperaturas mais elevadas.
Em termos de genoma, observa-se muitas vezes valores maiores de G+C nas
hipertermófilas, estabilizando assim os ácidos nucléicos. Entretanto, tal característica não pode
ser considerada como regra. Muitas termofílicas apresentam altas concentração de 2,3-
difosfoglicerato cíclico, um composto que protege contra a depurinização. Várias outras
produzem uma DNA girase reversa, que enovela o DNA no sentido positivo, que é mais estável
que o negativo, o qual é encontrado na maioria das outras células. Além disso, muitas vezes
são encontradas proteínas do tipo histona ou outras, que se ligam fortemente ao DNA,
protegendo-o.
Quanto à membrana, sua funcionalidade é decorrente da presença de isopreno e da
ciclização de seus componentes, além da alta frequência de membranas do tipo tetraéter.
As termófilas podem ser encontradas em fontes geotérmicas, fontes vulcânicas (que
expelem vapores e compostos sulfurados), fontes termais marinhas, onde erupções vulcânicas
elevam a temperatura para mais de 100°C. Nestes casos, estas bactérias requerem,
adicionalmente, pressões elevadas para o seu desenvolvimento. Estes organismos são muito
utilizados em biodigestores de esgoto e também como fonte de insumos laboratoriais (Taq pol).
Halofilia: Este grupo de archaea habita locais denominados hipersalinos, requerendo
grandes quantidades de sal para seu desenvolvimento. Um halófilo extremo requer pelo menos
1,5M de NaCl (9%), podendo variar de 2 a 4M (12 a 23%) para outras espécies. Foram
descritos organismos capazes de crescer na presença de 5,5M de NaCl, o que equivale a 32%,
correspondendo ao limite de saturação para este sal.
Embora ambientes salinos sejam comuns, os hipersalinos são raros, encontrando-se
em áreas quentes e secas do mundo (lagos salgados, salinas, mar morto). Nestes ambientes,
as células tenderiam a perdem água, devido à elevada concentração externa de sal.
Entretanto, exibem uma adaptação fisiológica que corresponde ao acúmulo de sais ou íons em
seu citoplasma, ou pela síntese de compostos orgânicos intracelulares, denominados solutos
compatíveis. Assim, o gênero de halófilos Halobacterium bombeia grandes quantidade de K+
para o interior da célula, superando a concentração externa de Na+. Nestes organismos, as
enzimas devem exibir maior tolerância ao sal, tendo em vista que seu funcionamento deverá
ocorrer em um ambiente muito concentrado. Muitas apresentam bombas de cloro, que
constantemente bombeiam este íon para o interior da célula. As paredes podem conter uma
grande quantidade de aminoácidos carregados negativamente, ou polissacarídeos sulfatados,
para interagir com íons Na+ presentes no meio, sendo esta interação essencial à integridade da
parede.
Metanogênicos: Este foi o primeiro grupo de archaea descrito, sendo único por sua
capacidade de sintetizar metano. Sua distribuição geográfica é muito ampla, sendo
encontrados no intestino de ruminantes, em cupins, em lagoas, lodos de esgoto, etc. Podem
ser quimiolitotróficos ou quimiorganotróficos e, via de regra, são anaeróbio estritos, exibindo
enorme sensibilidade ao oxigênio.
Interações microbianas
Ao que parece, as archaea interagem intensamente com outros organismos, embora
sejam eventos menos frequentes que aqueles observados para as eubactérias.
As archaea metanogênicas realizam associações com outros microrganismos, uma vez
que necessitam de substrato (principalmente H) para a produção de metano. Assim, em
processos de degradação anaeróbia de resíduos de indústrias de papel, que ocorrem em rios e
lagos e também no intestino de ruminantes, pode-se observar a ocorrência de comunidades
microbianas contendo metanogênicas, havendo a produção de metano e gás carbônico.
Um dos principais produtos da fermentação de muitos anaeróbios é o H2, que é
prontamente utilizado pelas metanogênicas, que associado ao CO2, origina o metano. O ácido
fórmico pode também ser utilizado como doador de elétrons para a redução do CO2. A
produção de metano, por sua vez, garante um ambiente anaeróbico. Já foi descrita a
ocorrência de metanogênicas endossimbiontes em protozoários que habitam o rumen de
vertebrados.
Foi descrita a associação de archaea com animais e em alguns tecidos vegetais,
embora até o momento não tenha sido comprovada a capacidade de invadir tecidos ou
manifestar potencial patogênico nesses organismos. Em muitos casos a presença de
metanogênicas no rumen pode levar a prejuízos ao gado, uma vez que competem pelo acetato
produzido na fermentação da celulose.
Há ainda um problema ambiental associado à produção de metano pelas archaea, pois
este metano expelido pelas archaea contribui ao agravamento do efeito estufa. Estudos
recentes indicam que a quantidade de metano expelida pelas Archaea pode ser de 400
ton3/ano (cerca de 50 litros por dia). Dados recentes revelam a detecção de archaea em
amostras de placa dental subgengival, embora nada tenha sido provado em relação ao
potencial patogênico dos organismos isolados.
Nutrição de microrganismos
Introdução
Os microrganismos exibem os mais diversos mecanismos nutricionais. Em relação aos
procariotos (Bacteria e Archaea), a nutrição ocorre predominantemente pela absorção, uma vez
que a grande maioria destes organismos possui uma espessa parede celular, impossibilitando
a realização de fagocitose.
Os seres vivos podem ser classificados de acordo com as fontes de energia e de
carbono que utilizam para seu crescimento. Assim, em relação às fontes de energia, tempos os
organismos fototróficos (que utilizam a energia luminosa) e os quimiotróficos (que utilizam a
energia proveniente de reações químicas). Em relação às fontes de carbono, temos os
organismos autotróficos (fontes inorgânicas) e os heterotróficos (fontes orgânicas). Dentre os
procariotos, iremos encontrar exemplos em todas as possíveis classes de organismos.
Classificação dos seres vivos, de acordo com as fontes de energia e carbono
(Adaptado de Tortora et al., Microbiology - An Introduction, 1997)
Composição química da célula procariótica
As células procarióticas são compostas, essencialmente por macromoléculas
(proteínas, ácidos nucléicos, polissacarídeos e lipídeos), apresentando também uma menor
quantidade de outros compostos orgânicos e inorgânicos. Além destes, encontramos íons e
água. Relativamente, podemos consideram a célula como sendo ¼90% de água, ¼10% de
macromoléculas e o restante compreendido pelos demais componentes.
A maioria das pequenas moléculas é obtida a partir do meio, sendo as macromoléculas
sintetizadas em seu interior.
Nutrientes
Os nutrientes são definidos como as substâncias encontradas no ambiente, que
participam do anabolismo e catabolismo celular, podendo ser divididos em dois grandes
grupos: macronutrientes, que são necessários em grandes quantidades e micronutrientes,
necessários em pequenas quantidades. Alguns nutrientes são utilizados como fonte de material
para a biossíntese das moléculas, enquanto outros correspondem a fontes de energia,
necessária aos processos biossintéticos e de manutenção dos organismos. Muitas vezes,
diferentes nutrientes podem apresentar os dois papéis descritos acima.
Principais Macronutrientes
Carbono: corresponde à base de todas as moléculas orgânicas. Entre os procariotos
melhor estudados até o momento, a maioria requer algum tipo de composto orgânico como
fonte de carbono, o qual pode ser de diferentes variedades (aminoácidos, ácidos orgânicos,
açúcares, bases nitrogenadas, etc).
Nitrogênio: corresponde ao segundo elemento mais abundante nas células, compondo
proteínas, ácidos nucléicos e peptideoglicano. Podemos encontrar o nitrogênio sob a forma de
compostos orgânicos ou inorgânicos, sendo ambas as formas prontamente utilizadas por um
grande número de procariotos. Assim, a partir da degradação de proteínas e ácidos nucléicos,
bem como a partir de amônia e nitrato, os organismos utilizam o nitrogênio presente na
natureza. Embora o nitrogênio esteja em grandes concentrações na atmosfera, este não é
amplamente utilizado, exceto por aqueles organismos denominados fixadores de N2.
Hidrogênio: elemento presente em proteínas, açúcares e demais moléculas orgânicas.
Fósforo: encontrado em compostos orgânicos (ácidos nucléicos) ou inorgânicos
(fosfatos), sendo importante na composição de ácidos nucléicos e fosfolipídeos. Em sua
maioria, os microrganismos utilizam o fósforo sob a forma de compostos inorgânicos.
Enxofre: compondo a cisteína e metionina, estando presente também em várias
vitaminas (tiamina, biotina). Na natureza, o enxofre sofre uma série de transformações, as
quais são exclusivamente realizadas por microrganismos. A principal fonte de enxofre para os
microrganismos corresponde aos sulfatos inorgânicos ou H2S.
Potássio: necessário para todos os microrganismos, devido ao seu papel ativador de
várias enzimas, tais como aquelas envolvidas na tradução.
Magnésio: necessário geralmente em grandes quantidades, uma vez que tem papel na
estabilização de ribossomos, membranas e ácidos nucléicos, sendo também importante para o
funcionamento de diferentes enzimas, especialmente aquelas envolvidas na transferência de
fosfato.
Cálcio: embora não seja essencial ao crescimento da maioria dos microrganismos, tem
papel de estabilização da parede celular e de termorresistência nos esporos.
Sódio: importante, especialmente para microrganismos marinhos e certas archaea
halófilas.
Ferro: presente em um grande número de proteínas, especialmente aquelas envolvidas
na respiração.
Principais Micronutrientes: Embora necessários em pequenas quantidades, têm papel
tão importante quanto os macronutrientes.
Cobalto: necessário apenas para a formação da vitamina B12.
Zinco: tem papel estrutural em várias enzimas (DNA e RNA polimerases) e outras
proteínas de ligação ao DNA.
Molibdênio: presente em certas enzimas como a nitrato redutase assimilativa.
Cobre: importante para enzimas respiratórias.
Manganês: ativador de muitas enzimas.
Níquel: presente em hidrogenases.
Fatores de crescimento: correspondem a compostos orgânicos específicos, que são
necessários em quantidades muito pequenas devido à incapacidade das células os
sintetizarem (vitaminas, aminoácidos, purinas e pirimidinas), os quais são geralmente
fornecidos como componentes dos meios de cultura (peptonas, extrato de levedura) utilizados
para o crescimento in vitro dos microrganismos. Na natureza, tais fatores são normalmente
encontrados nos hábitats naturais dos microrganismos. Por exemplo, bactérias do gênero
Porphyromonas requerem vitamina K como fator de crescimento, sendo esta fornecida pelo
próprio hospedeiro eucarioto.
As vitaminas correspondem ao fator de crescimento mais comum para os
microrganismos. Estas são definidas como compostos orgânicos necessários em pequenas
quantidades, para o crescimento e funções não relacionadas à nutrição, atuando na maioria
das vezes como parte de coenzimas. Estão descritas abaixo algumas das funções
desempenhadas pelas principais vitaminas requeridas pelos microrganismos:
biotina - Biossíntese de ácidos graxos, b-decarboxilações, fixação de CO2;
tiamina (B1) - a-decarboxilações e transcetolase
piridoxina (B6) - transformações de aminoácidos e ceto ácidos
cobalamina (B12) - redução e transferência de fragmentos únicos de carbono, síntese de
desoxirribose.
As bactérias dos gêneros Streptococcus e Lactobacillus têm uma necessidade por
vitaminas maior do que aquela exibida pelo homem.
O processo de nutrição em procariotos
Nos procariotos contendo parede celular os processos de nutrição ocorrem através da
absorção dos nutientes, a partir do ambiente externo. Entretanto, devido às características
diferenciais na composição e estrutura da parede celular dos organismos Gram positivos e
Gram negativos, este processo apresenta algumas diferenças nestes dois grupos de
organismos.
Nutrição em Gram positivos: Estas bactérias caracterizam-se por sintetizar uma série
de exoenzimas, as quais são liberadas no meio, clivando os nutrientes, que são capatados por
proteínas transportadoras. Os fungos (células eucarióticas), posuem um sistema de nutrição
semelhante ao das bactérias Gram positivas, nutrindo-se pela absorção, após a clivagem
extracelular de compostos complexos.
Nutrição em Gram negativos
Papel da parede celular em Gram negativas
A parede celular das bactérias Gram positivas é composta por várias camadas de
peptídeoglicano, enquanto nas Gram negativas observa-se uma maior complexidade química e
estrutural da parede, decorrente da presença de camadas lipoprotéica e lipopolissacarídica,
localizadas externamente à camada de peptídeoglicano, originando a membrana externa. Estas
diferenças, por si só, contribuem em grande parte às diferenças observadas na forma de
captação dos nutrientes.
Devido à presença de uma membrana externa de caráter hidrofóbico (LPS), as
bactérias Gram negativas apresentam um grande número de porinas associadas à camada
lipopolissacarídica. As porinas correspondem a proteínas, formadas por três subunidades
idênticas, que originam um canal de cerca de 1 nm de diâmetro, cujo mecanismo de abertura e
fechamento permanece ainda desconhecido. Desta forma, as porinas permitem a passagem de
moléculas hidrofílicas, de baixa massa molecular.
Estas proteínas podem atuar de forma inespecífica, formando canais aquosos, ou
específica, exibindo sítios de ligação para substratos de até 5 kDa, ou ainda, acopladas a
proteínas transportadoras.
Papel das proteínas periplasmáticas em bactérias Gram negativas
O periplasma corresponde à porção celular localizada entre a membrana plasmática e a
membrana externa, geralmente exibindo constituição gelatinosa, provavelmente devido ao
grande número de enzimas e proteínas presentes, assim como pela própria presença do
peptídeoglicano e lipoproteínas. De forma geral, são encontrados três tipos de proteínas no
periplasma de células Gram negativas: hidrolases, que atuam na degradação inicial dos
nutrientes; proteínas de ligação, que iniciam os processos de transporte e os quimioreceptores,
envolvidos em processos de quimiotaxia. O transporte inicial das moléculas para o citoplasma,
a partir do periplasma, é um processo que requer gasto energia, por meio da utilização de ATP.
Papel da membrana citoplasmática na nutrição de Gram positivos e negativos
A membrana citoplasmática, estrutura vital para qualquer tipo de célula, é uma barreira
que separa o conteúdo celular do meio externo. A membrana corresponde a uma barreira
altamente seletiva, permitindo que as células concentrem metabólitos específicos em seu
interior. No domínio Bacteria, a membrana apresenta-se como uma bicamada fosfolipídica,
contendo proteínas dispersas por toda sua superfície. A estutura global da membrana é
estabilizada através de interações do tipo pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas e pela
presença de íons Ca++ e Mg++, os quais se combinam com as cargas negativas dos
fosfolípides. Embora em archaea, a membrana apresente estrutura totalmente distinta,
podendo ser do tipo bicamada ou monocamada, muitas vezes desprovida de fosfolipídeos, tal
estrutura desempenha os mesmo papéis fisológicos descritos para as membranas de qualquer
ser vivo.
Assim, a membrana tem papel essencial nos processos de nutrição procariótica, uma
vez que todos os nutrientes e produtos de degradação devem atravessá-la. Devido à sua
permeabilidade seletiva, a maioria das moléculas são incapazes de simplesmente atravessar a
membrana de forma passiva. Ao contrário, estas devem ser ativamente transportadas através
da membrana.
O interior de uma célula procariótica consiste em uma solução aquosa hipertônica em
relação à maioria dos hábitats onde os procariotos são geralmente encontrados. Assim, a água
tem a capacidade de passar livremente para o citoplasma, pelo processo de osmose. Outros
compostos, tais como pequenas substâncias apolares e lipossolúveis (ácidos graxos, álcoois,
benzeno) são capazes de solubilizar-se na membrana e entrar na célula. Moléculas carregadas
como íons, aminoácidos, compostos polares, devem ser transportados especificamente uma
vez que, devido à sua natureza, não são capazes de atravessar a membrana.
Processos de transporte através da membrana
A presença de proteínas transportadoras na membrana permite que a célula capte
compostos que naturalmente não penetrariam na célula, devido à natureza semi-permeável da
membrana. Estas proteínas podem ser agrupadas em três classes: uniportadoras,
simportadoras e antiportadoras.
As proteínas uniportadoras são aquelas que que transportam uma única substância de
um lado para outro da membrana. As duas outras classes são descritas como
cotransportadoras, uma vez que para transportar uma substância qualquer, necessitam
transportar outra, concomitantemente. As simportadoras são aquelas que carreiam ambos os
compostos em uma mesma direção enquanto nas antiportadoras o transporte se dá em
direções opostas.
Este tipo de transporte, mediado por proteínas, permite à célula apresentar
concentrações internas de determinados compostos superiores àquelas encontradas no meio
externo.
Uma das principais características do processo de transporte mediado por proteínas
reside na sua elevada especificidade, assim, determinados transportadores carreiam apenas
um único tipo de molécula, embora a maioria apresente afinidade por uma classe de moléculas
Tipos de transporte mediado por proteínas
Difusão facilitada
Neste tipo de processo, a ligação do nutriente à proteína transportadora induz uma
mudança de conformação na proteína, formando um canal pelo qual o nutriente tem acesso ao
citoplasma. Embora haja a participação de transportadores neste processo, a ação das leis das
massas impede que ocorra a formação de um gradiente de concentração, mantendo assim as
concentrações intra e extracelular semelhantes.
Este processo de difusão mediada por transportadores é denominado difusão facilitada, o qual
não envolve gasto de energia.
Os mecanismos descritos a seguir caracterizam-se por requerem um gasto de energia,
uma vez que estes permitem um acúmulo dos compostos transportados no interior da célula.
Desta forma, estes mecanismos envolvem o transporte contra um gradiente de concentração,
sendo a energia necessária para o bombeamente dos compostos para o interior da célula.
Nestes casos, a energia pode advir da clivagem de ATP ou pela dissipação de gradientes de
prótons ou íons Na+ através da membrana. Este gradiente iônico é estabelecido durante
reações que liberam energia e podem ser utilizados como fonte potencial de energia para a
captação de nutrientes contra um gradiente de concentração.
Translocação de grupo
Neste tipo de transporte, o nutriente sofre uma alteração química durante sua passagem
através da membrana. Uma vez que o produto translocado para o interior da célula é agora
diferente daquele presente no meio externo, não há a formação de um gradiente de
concentração.
Moléculas de açúcares tais como glicose, frutose, N-acetilglicosamina, purinas e pirimidinas
são exemplos de translocação de grupo, sendo fosforiladas durante o processo pelo sistema
fosfotransferase.
Em E. coli, o sistema fosfotransferase é composto por 24 proteínas, sendo 4
necessárias para o transporte de um dado açúcar.
O sistema fosfotransferase tem também papel na regulação do transporte dos açúcares, uma
vez que na presença de glicose e outro açúcar, o sistema fosforila preferencialmente as
moléculas de glicose.
Tranporte ativo
Alguns açúcares, a maioria dos aminoácidos, vários íons inorgânicos e ácidos orgânicos
são transportados através deste tipo de mecanismo. A energia necessária para efetuar os
processos advém ou do ATP ou, mais comumente, da formação de um gradiente de prótons
(íons hidrogênio) por toda a membrana, denominado força próton motiva. Como resultado, a
membrana fica energizada e este potencial eletroquímico é responsável pela captação dos
nutrientes.
Cada transportador tem sítios específicos tanto para o substrato como para os prótons.
Com a entrada do nutriente, o próton também atravessa e membrana e com isso vai diminuindo
o gradiente e a força motiva.
Cátions tipo K+ podem ser transportados ativamente por uniportadores, em resposta à
diferença de cargas, uma vez que o interior da célula fica carregado negativamente.
Os ânions provavelmente são transportados juntamente com prótons, por
simportadores. Moléculas não carregadas, como aminoácidos ou açúcares, são transportadas
também por simportadores, juntamente com um ou mais prótons.
Além da força motora resultante do gradiente de prótons, o transporte ativo também pode ser
executado utilizando a energia liberada pela hidrólise de ATP, como no caso do transporte de
maltose em E. coli.
A Cultura de microrganismos in vitro: A partir do conhecimento dos requerimentos
nutricionais, podem ser confeccionados meios que permitam o crescimento microbiano in vitro.
Cultura pura: corresponde a uma cultura contendo um único tipo de organismo. Esta é
importante, uma vez que permite o estudo dos microrganismos isoladamente. Para isso,
precisamos conhecer as necessidades nutricionais e ambientais dos microrganismos.
Os meios de cultura consistem em meios aquosos, adicionados de nutrientes e,
eventualmente, ágar (polissacarídeo = éster sulfato de galactana, retirado de algas - Gelidium),
caso se deseje a consistência sólida. Há duas classes de meios: os quimicamente definidos
(sintéticos) e os indefinidos (complexos). Tipos de meios em relação à consistência: Líquidos,
Semi-sólidos e Sólidosn Tipos de meios, quanto à composição: Simples, Enriquecidos,
Seletivos, Diferenciais.
Crescimento microbiano
Introdução ao Crescimento Microbiano
Em microbiologia, o termo crescimento refere-se a um aumento do número de células e
não ao aumento das dimensões celulares.
Crescimento Populacional: é definido como o aumento do número, ou da massa
microbiana.
A taxa de crescimento é a variação no número ou massa por unidade de tempo. O
tempo de geração é o intervalo de tempo necessário para que uma célula se duplique. O tempo
de geração é variável para os diferentes organismos, podendo ser de 10 a 20 minutos até dias,
sendo que em muitos dos organismos conhecidos, este varia de 1 a 3 horas. O tempo de
geração não corresponde a um parâmetro absoluto, uma vez que é dependente de fatores
genéticos e nutricionais, indicando o estado fisiológico da cultura. O tempo de geração pode
ser calculado quando uma cultura encontra-se em fase exponencial, pela fórmula abaixo:
N=No.2n, onde N= número final de células, No= número inicial de células, n= número de
gerações.
n= log(N) - log(No)/0.301
g = t/n , onde g= tmpo de geração, t= tempo de crescimento e n= determinado acima.
Medidas do crescimento microbiano
O crescimento dos microrganismos pode ser mensurado por diferentes técnicas, tais
como pelo acompanhamento da variação no número ou peso de células, por exemplo. Dentre
as diferentes técnicas utilizadas, descreveremos alguns exemplos.
Contagem total de células: esta metodologia envolve a contagem direta das células
em um microscópio, seja de amostras fixadas (e coradas) ou analisadas a fresco, (sendo
aplicados cerca de 10 µl da suspensão, na maioria dos casos), utilizando-se câmaras de
contagem. A contagem direta é uma técnica rápida, mas tem como principais limitações a
impossibilidade de distinção entre células vivas e mortas (o que pode ser contornado pelo uso
de corantes vitais, para leveduras) e contagens errôneas, devido às pequenas dimensões de
algumas células, ou pela formação de agregados celulares.
Em preparações não coradas, deve-se utilizar microscópio de contraste de fase, o qual
deve ser empregado apenas quando as células não estão muito diluídas (<106 células/ml).
Exemplo ilustrando o procedimento de contagem direta
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Há também os contadores eletrônicos (do tipo Coulter) usados em hematologia, que
podem ser empregados na contagem de células microbianas. Em determinadas situações, por
exemplo quando se requer apenas uma estimativa da quantidade de microrganismos, pode-se
empregar a contagem proporcional, que corresponde a uma análise comparativa das culturas
com suspensões padrão. Como exemplo de uma suspensão padrão podemos citar a escala de
MacFarland, que corresponde a uma série de tubos contendo uma solução de BaSO4 em
diferentes concentrações, apresentando assim, graus de turvação distintos. Desta forma,
comparando-se a turvação da cultura em estudo com os tubos de MacFarland, pode-se obter
uma estimativa do número de células presentes na amostra.
Contagem de viáveis: Procedimento também conhecido como contagem em placa,
que estima o número de células viáveis (isto é, capazes de se reproduzir) em uma amostra.
Esta metodologia envolve a coleta de alíquotas de uma cultura microbiana em diferentes
tempos de crescimento, as quais são então inoculadas em meio sólido. Após a incubação dos
meios, geralmente por uma noite, o número de colônias é contado. Como uma colônia
normalmente é originada a partir de um organismo, o total de colônias que se desenvolvem no
meio corresponde ao número de células viáveis presentes na alíquota analisada. Esta técnica
deve sempre realizada empregando-se várias diluções (100 a 104 células) das amostras. A
contagem de viáveis pode ser feita pela semeadura em superfície ou em profundidade ("pour
plate"). Geralmente o volume a ser inoculado não deve ultrapassar 0,1 ml, para evitar a
confluência das colônias. Se a técnica de semeadura em profundidade for utilizada, pode-se
inocular de 0,1 a 1,0 ml de células. Esta técnica é precisa quando o número de colônias (ou
placas de lise, no caso de partículas virais ) contadas situa-se entre 30 e 300 e quando as
condições culturais e ambientais estão adequadas para os microrganismos analisados. Este
tipo de contagem está sujeito a grandes erros (agregados, duas células próximas, originando
uma colônia), que podem ser minimizados pela realização de triplicatas para cada diluição.
Esta metodologia é amplamente utilizada, exibindo elevada sensibilidade, detectando baixos
números de células e permitindo também a contagem de diferentes tipos de microrganismos,
pelo emprego de meios seletivos (meios que favorecem o crescimento de um determinado tipo
ou grupo de organismo) e/ou seletivos e diferenciais (meios que além de favorecerem o
desenvolvimento de um tipo ou grupo de organismo, também permite sua distinção, a partir de
alguma característica fenotípica).
Também podem ser usadas membranas filtrantes, onde os líquidos são filtrados e as
membranas colocadas diretamente sobre os meios de cultura.
Técnica de contagem de viáveis
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Massa de células: pode ser determinada a partir da estimativa do peso seco ou do
peso úmido de uma cultura. Este tipo de procedimento é realizado quando não é necessário
determinar o número preciso de microrganismos presentes.
Peso seco: Muito utilizado na quantificação de fungos, onde o micélio é retirado da cultura,
lavado e transferido para um frasco e submetido à secagem. Realizam-se então sucessivas
pesagens, até o momento onde não observa-se mais variações. Este procedimento pode
também ser realizado centrifugando-se a cultura e pesando o sedimento, ou então secando-o
(100 - 150°C/16 horas) e depois pesando-o.
Turbidimetria: quantificação em espectrofotômetro ou colorímetro a 660 nm, uma vez
que neste comprimento de onda, a cor geralmente parda dos meios de cultura não interfere
com os resultados. Nestes comprimentos, a absorção de luz por componentes celulares
corados é desprezível mas, se necessário, outros comprimentos de onda podem ser usados.
Tal metodologia requer a confecção de uma curva padrão. Embora a análise turbidimétrica seja
menos sensível, é de rápida e fácil execução, não destruindo a amostra. Entretanto, não
permite a determinação de células viáveis.
Análises químicas: A partir da quantificação de proteínas ou de nitrogênio, ou por meio
da análise de diferentes atividades metabólicas.
Número Mais Provável (NMP): Amplamente utilizado em laboratórios de microbiologia
de alimentos ou ambiental, na quantificação de microrganismos em água, leite e outros
produtos. Esta metodologia é basicamente utilizada para a pesquisa de coliformes totais e
coliformes fecais, que são microrganismos indicadores de poluição fecal, o que pode ter como
consequência a presença de outros organismos, tais como protozoários e vírus. Esta técnica foi
desenvolvida após análises estatísticas complexas. A determinação do NMP é realizada
inoculando-se 3 séries de 5 tubos, com 10, 1 e 0,1 ml da água ou do produto homogeneizado
em solução salina, em meios seletivos para coliformes totais contendo tubos de Durham
invertidos em seu interior. Estes são incubados por 48 hs/37°C sendo então analisados quanto
ao crescimento e à presença de gás no interior dos tubos de Durham.
Tal resultado é considerado como positivo para a presença de coliformes totais.
Amostras dos tubos positivos são então repicados para caldos seletivos para coliforme fecais,
também contendo tubos de Durham, os quais são incubados por mais 24 ou 48 hs a 42°C. De
todos os tubos positivos faz-se uma semeadura em placa com meio seletivo e posterior
identificação bioquímica. De acordo com o número de tubos que apresentam gás determina-se
o NMP, pela consulta de uma tabela desenvolvida por Hoskins (1934). Este é um teste apenas
presuntivo para a presença de coliformes.
Curva de crescimento (cultura descontínua)
Quando uma cultura microbiana desenvolve-se em um sistema fechado, pode-se confeccionar
uma curva de crescimento. Esta pode ser dividida em diferentes etapas: lag, log, estacionária e
de declínio.
Curva de Crescimento Padrão, em um sistema fechado
Lag: período variável, onde ainda não há um aumento significativo da população. Ao
contrário, é um período onde o número de organismos permanece praticamente inalterado.
Esta fase é apenas observada quando o inóculo inicial é proveniente de culturas mais antigas.
A fase lag ocorre porque as células de fase estacionária encontram-se depletadas de várias
coenzimas essenciais e/ou outros constituintes celulares necessários à absorção dos nutrientes
presentes no meio.
A fase lag também é observada quando as células sofrem traumas físicos (choque
térmico, radiações) ou químicos (produtos tóxicos), ou quando são transferidas de um meio rico
para outro de composição mais pobre, devido a necessidade de síntese de várias enzimas.
Assim, durante este período observa-se um aumento na quantidade de proteínas, no peso seco
e no tamanho celular.
Log ou exponencial: nesta etapa, as células estão plenamente adaptadas, absorvendo
os nutrientes, sintetizando seus constituintes, crescendo e se duplicando. Deve ser levado em
conta também que neste momento, a quantidade de produtos finais de metabolismo ainda é
pequena. A taxa de crescimento exponencial é variável, de acordo com o tempo de geração do
organismo em questão. Geralmente, procariotos crescem mais rapidamente que eucariotos.
Nesta fase são realizadas as medidas de tempo de geração. Geralmente, ao final da fase log,
as bactérias passam a apresentar fenótipos novos, decorrentes do processo de comunicação
denominado "quorum sensing".
Estacionária: Nesta fase, os nutrientes estão escasseando e os produtos tóxicos estão
tornando-se mais abundantes. Nesta etapa não há um crescimento líquido da população, ou
seja, o número de células que se divide é equivalente ao número de células que morrem. Na
fase estacionária que são sintetizados vários metabólitos secundários, que incluem antibióticos
e algumas enzimas. Nesta etapa ocorre também a esporulação das bactérias.
Foram detectados alguns genes (sur) que são necessários à sobrevivência das células
na fase estacionária. Além destes, existem outros genes (fatores s alternativos da RNA
polimerase, proteínas protetoras contra dano oxidativo).
Declínio: A maioria das células está em processo de morte, embora outras ainda
estejam se dividindo. A contagem total permanece relativamente constante, enquanto a de
viáveis cai lentamente. Em alguns casos há a lise celular.
Culturas descontínuas tendem a sofrer mutações que podem repercutir na população como um
todo. As próprias condições ambientais tendem a promover variações de caráter fenotípico
(reversível) nas culturas.
Crescimento em culturas contínuas: técnica muito usada nos processos industriais
de obtenção de produtos microbiológicos. Nestes casos, tem-se o interesse em manter as
células em fase log ou estacionária. Utilizam-se fermentadores ou quimiostatos, que permitem
um crescimento em equilíbrio dinâminco, havendo assim um controle da densidade
populacional e da taxa de crescimento. Estes são respectivamente controlados pela
concetração do nutriente limitante (fonte de C ou N) e pela taxa de fluxo (taxa de diluição). Em
baixas concentrações do nutriente limitante, a taxa de crescimento é proporcional à
concentração do nutriente (que é virtualmente zero).
Crescimento sincronizado: inicialmente obtido por processos que retardavam a
síntese de DNA. Atualmente, utiliza-se métodos de separação mecânica das células menores,
recém-divididas. Pode ser feita pela filtração em vários papéis de filtro, que retém células
maiores, em fase de divisão.
Efeito dos fatores ambientais no crescimento
O crescimento dos microrganismos é grandemente afetado pelas condições físicas e
químicas do ambiente onde se encontram, sendo que estas podem influir positivamente ou
negativamente de acordo com o microrganismo em questão.
Temperatura: Corresponde a um dos principais fatores ambientais que influenciam o
desenvolvimento bacteriano. A medida que há um aumento da temperatura, as reações
químicas e enzimáticas na célula tendem a tornar-se mais rápidas, acelerando a taxa de
crescimento. Entretanto, em determinadas temperaturas inicia-se o processo de desnaturação
de proteínas e ácidos nucléicos, inviabilizando a sobrevivência celular.
Assim, todos os microrganismos apresentam uma faixa de temperatura onde
desenvolvem-se plenamente. Nesta faixa de temperatura podemos determinar as temperaturas
mínima, ótima e máxima (temperaturas cardeais), para cada microrganismo. A temperatura
máxima provavelmente reflete os processos de desnaturação mencionados acima, enquanto os
fatores que determinam a temperatura mínima ainda não são bem conhecidos, embora
certamente a fluidez da membrana seja um dos fatores determinantes destes níveis térmicos
baixos.
Temperaturas cardeais dos microrganismos
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Dentre os diferentes microrganismos observa-se uma ampla variedade de faixas de
temperatura, onde para alguns o ótimo encontra-se entre 5 e 10°C, enquanto para outros é de
90 a 100°C. Assim, os microrganismos podem ser classificados em quatro grupos, de acordo
com os ótimos de temperatura: psicrófilos (0 a 20°C, ótimo de ≈ 15°C - Flavobacterium),
mesófilos (12 a 45°C, 37°C - E. coli), termófilos (42 a 68°C, 62°C - Thermococcus), e
hipertermófilos (80 a 113°C, 105°C - Pyrodictium brockii).
Tipos de bactérias em relação à temperatura
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Psicrófilos: os ambientes frios são predominantes na Terra (oceanos, polos, solos)
entretanto este grupo (bactérias, fungos e algas) é muito pouco estudado. Destes, os mais
conhecidos são as algas que crescem sob o gelo ou em geleiras (Chlamydomonas nivalis),
dando coloração vermelha.
Há os microrganismos psicrotolerantes que são aqueles cujo ótimo encontra-se entre
20 e 40°C e que sobrevivem a 0°C. São um grupo amplo (bactérias, fungos, algas e
protozoários) que podem contaminar alimentos e outros substratos refrigerados.
Mesófilos: crescem numa faixa de 20 a 40°C, com um ótimo em torno de 37°C, sendo
os principais microrganismos encontrados em animais de sangue quente.
Termófilos e Hipertermófilos: ótimos de 45 e ≥ 80°C, respectivamente. São
encontrados nos solos, silagem, fontes termais e no fundo oceânico, em fontes. Geralmente
são procariotos, sendo as Archaea as mais resistentes, apresentando enzimas e proteínas
termoestáveis, provavelmente devido à substituição de aminoácidos, conferindo um novo
folding. Têm também uma maior concentração de ácidos graxos saturados na MC. As Archaea
não tem ácidos graxos na MC, mas sim hidrocarbonetos de cadeias com diferentes
comprimentos, compostas por unidades repetitivas de 5 C (fitano), ligadas a glicerol fosfato, por
ligação éter.
Os termófilos e hipertermófilos tem grande interesse biotecnológico porque tendem a
fazer os processo mais rapidamente, com menor contaminação por outros microrganismos e
possuem enzimas mais termoestáveis.
pH: Os ambientes naturais tem uma faixa de pH de 5 a 9, o que comporta o crescimento
de diferentes tipos de microrganismos.
Bactérias - faixa entre 7, com algumas acidófilas (Thiobacillus de 0,5 a 6,0 com ótimo entre 2 e
3,5) e outras alcalifílicas (Bacillus e Archaea).
Fungos - tendem a ser mais acidófilos que as bactérias (pH <5).
Distribuição de alguns microrgansmos, de acordo com o pH
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Tensão de O2: Extremamente importante no desenvolvimento, uma vez que os
microrganismos comportam-se de forma bastante distinta, sendo classificados como aeróbios,
anaeróbios facultativos, anaeróbios estritos, anaeróbios aerotolerantes e microaerófilos
(requerem concentrações baixas de O2).
As condições de anaerobiose podem ser conseguidas pelo uso de agentes redutores nos
meios de cultura, tais como o tioglicolato de sódio, que reage com o oxigênio, formando água;
pela remoção mecânica do oxigênio, sendo substituído por nitrogênio e CO2; pelo uso de
sistemas comerciais do tipo "GasPak", que gera hidrogênio e CO2 com um catalisador de
paládio. Adiciona-se água ao sistema, a qual gera hidrogênio, que reage com o oxigênio na
superfície do catalisador, formando água; ou ainda pelo uso de "glove box" anaeróbias ou a
mesa inoculadora desenvolvida pelo VPI.
Classes de organismos, em relação à tensão de oxigênio
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
Água: Essencial a qualquer microrganismo, embora as necessidades sejam variadas. É
o solvente universal, mas sua disponibilidade é variável (soluções com açúcares ou sais têm
menos água disponível).
Aw: pressão do vapor em equilíbrio com a solução/ pv da água, variando de 0 a 1.
Os organismos que vivem em ambientes onde a disponibilidade de água é baixa
desenvolvem mecanismos para extrair água do ambiente, pelo aumento da concentração de
solutos internos, seja bombeando íons para o interior ou sintetizando ou concentrando solutos
orgânicos (solutos compatíveis), que podem ser açucares, álcoois ou aminoácidos (prolina,
betaine, glicerol).
Pressão osmótica: Fator extremamente importante, principalmente a partir do maior
conhecimento sobre as Archaea, visto que vários membros deste domínio requerem altas
concentrações de sais para seu desenvolvimento.
Classes de organismos, em relação à salinidade
Fatores adicionais:
Fonte luminosa para fototróficos autotróficos. Pressão atmosférica, para aqueles que
vivem em profundidades.
Reprodução em procariotos
Introdução
A divisão celular é um processo complexo, que ocorre de variadas maneiras,
dependendo do tipo de organismo. Em eucariotos, os microtúbulos do fuso mitótico atuam
como a força motriz durante a segregação cromossomal. Nas células animais e em fungos, um
anel de actina-miosina se forma na porção mediana de uma célula em divisão, sendo que a
força gerada pela interação entre estas duas proteínas promove o crescimento interior do septo
de divisão. Nas plantas, a formação do septo é complexa, devido à parede celular espessa.
Assim, surge na região central da célula um “disco”, que cresce de forma centrífuga. Em todos
estes casos o sítio de divisão celular é definido indiretamente pelos microtúbulos, pois o
posicionamento do fuso mitótico parece ser crucial no direcionamento do plano de divisão. Nas
plantas um feixe transiente de microtúbulos envolve a célula no plano de divisão, com um
possível papel na seleção do sítio de divisão.
Embora intensamente estudado, o processo de divisão celular em procariotos ainda é
pouco conhecido, existindo alguns modelos propostos. Uma das principais conclusões obtidas
destes estudos refere-se ao fato da divisão celular em procariotos corresponder a um processo
extremamente complexo e regulado, tanto em termos espaciais como temporais. Assim, há
uma série de mecanismos que regulam os eventos de duplicação e segregação do
cromossomo e a formação do septo de divisão, garantido a eficiência do processo. Outro
importante achado refere-se à intensa participação de proteínas citoplasmáticas, atuando como
análogos do citoesqueleto de células eucarióticas, no processo de divisão celular.
Até o momento, os estudos indicam que a maioria dos procariotos se divide por fissão
binária, originando duas células filhas idênticas logo após a duplicação e segregação
cromossomal. O ciclo celular bacteriano pode ser divido em duas fases: 1) Um ciclo de DNA,
que inclui a replicação e segregação dos cromossomos e 2) um ciclo de divisão, com a
citocinese e separação das células filhas.
No entanto, estudos com outras bactérias, tais como a bactéria pedunculada Caulobacter
crescentus, revelam um processo mais complexo de divisão, originando células distintas
morfológica e fisiologicamente. Relatos mais recentes da literatura descrevem a ocorrência de
diferentes procesos de reprodução no domínio Bacteria.
Assim, em Epulopiscium, uma bactéria "gigante" simbionte intestinal do peixe cirurgião,
foi observada a ocorrência de viviparidade, com a formação de 1 a 7 células filhas ativas
metabolicamente, as quais são liberadas após a lise da célula mãe. Neste mesmo gênero e em
Metabacterium polyspora, foi descrita a formação de múltiplos esporos intracelulares. Tais
relatos deixam claro o quanto ainda desconhecemos sobre a reprodução em procariotos e que
estes organismos são capazes de exibir mais de um mecanismo de reprodução.
Visando abordar de maneira geral os eventos associados à reprodução procariótica por
meio da fissão binária, passaremos a descrever os principais resultados obtidos a partir de
pesquisas realizadas especialmente com Escherichia coli e Bacillus subtilis.
O processo de fissão binária - Uma visão geral
Fissão binária em B. subtilis – Esta bactéria corresponde a um excelente modelo de
estudo devido à sua capacidade de originar endósporos, quando em condições desfavoráveis.
Neste sentido, um dos aspectos que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi que
durante a reprodução o septo de divisão era formado na região mediana da célula, enquanto na
esporulação o septo localizava-se na região próxima a um dos pólos celulares (Fig. 1). A fissão
binária ocorre quando a célula cresce, atinge cerca do dobro de seu comprimento e se divide.
Paralelamente, há a duplicação e segregação do DNA (Fig. 1a). Por outro lado, na
esporulação, há a duplicação do cromossomo, mas o septo formado tem localização polar,
sendo esta a região de formação do endósporo (Fig. 1b).
Adaptado de Angert (2005) Nature Rev. Microbiol., 3:214-224.
Fig. 1 – Ciclos de vida em B. subtilis. Em (a) ciclo vegetativo. Em condições
favoráveis, a célula aumenta de tamanho, replica o cromossomo (azul) e se divide por fissão
binária. O aparato de divisão é montado, com a proteína FtsZ (verde) formando um anel no
meio da célula, onde ocorre a divisão. Em condições de exaustão ambiental (Fig. 1b), a célula
forma esporos. As duas cópias do cromossomo assumem uma nova configuração, que se
estende de um pólo a outro. A maquinaria de divisão é montada nos dois pólos, mas a divisão
ocorre somente em um deles. Parte de um dos cromossomos fica presa por um septo de
divisão, sendo empacotado pelas proteínas do septo, em um compartimento fechado (pré-
esporo). O pré-esporo é então englobado pela célula mãe. O pré-esporo é preparado para a
dormência, pois proteínas se ligam, protegendo o DNA, o citoplasma é mineralizado e é
formada uma barreira protéica ao redor da estrutura.
Vários são os aspectos ainda pouco elucidados sobre a divisão celular. Por exemplo,
como ocorre a segregação do DNA? Como o septo de divisão é localizado corretamente? Os
estudos vêm mostrando que as bactérias possuem uma série de proteínas citoplasmáticas que
atuam como um verdadeiro citoesqueleto, sendo responsáveis pela correta migração do DNA e
posicionamento do septo. Existem autores que vêm utilizando o termo "replissomo" para
descrever a complexa maquinaria celular envolvida no processo de divisão. Além disso, dados
recentes também revelam que os lipídeos de membrana são importantes componentes do
replissomo. Dentre os diversos componentes da maquinaria, uma proteína denominada MreB,
semelhante à actina, está implicada na segregação do DNA.
Um dos componentes mais estudados corresponde à proteína FtsZ, um homólogo estrutural da
tubulina que, durante a fissão binária, se organiza como um anel no centro da célula e atua
como ponto de ancoragem de outros elementos do aparato. Estes outros componentes
redirecionam o crescimento da parede celular e protegem o DNA de danos enquanto o
envelope invagina. FtsZ é uma proteína muito conservada e é uma das primeiras proteínas a
se organizar no fututro sítio de divisão. Nos próximos tópicos discutiremos a proteína FtsZ em
maior detalhe.
Em condições normais, o septo de divisão somente é formado após a segregação do
DNA duplicado. Vários são os processos que resultam em tal situação. Um deles corresponde
à própria oclusão do futuro sítio de divisão pelo nucleóide ainda não segregado. Ao que parece,
o DNA se liga a uma série de lipídeos da membrana, não permitindo que o anel FtsZ seja
montado. Outras proteínas, denominadas sistema MinCD, impedem a montagem do complexo
FtsZ nos pólos.
Além destas, várias outras vêm sendo estudadas, tais como EzrA, que afeta a estabilidade dos
polímeros FtsZ, otimizando sua montagem apenas nos locais corretos. No caso de danos ao
DNA, as proteínas YneA e SulA desestabilizam o anel, impedindo a divisão.
O processo de segregação dos cromossomos bacterianos
Esta etapa da divisão celular procariótica foi analisada a partir dos estudos com B. subtilis,
como mencionado anteriormente, uma bactéria capaz de esporular. A partir dos estudos com
mutantes incapazes de realizar o processo completo de segregação cromossomal, foi
verificado que sempre um mesmo segmento de DNA era o primeiro a atingir os pólos celulares.
O mapeamento deste segmento de DNA revelou que tal seqüência correspondia à região
situada adjacente à oriC, que é a origem de replicação do DNA cromossomal.
Em E. coli, a replicação do cromossomo ocorre quando o complexo proteína DnaA-ATP
se liga a sítios em oriC. A ligação promove o desenovelamento da oriC, o recrutamento de uma
helicase (DnaB) e a montagem de um replissoma. A iniciação da replicação é regulada,
ocorrendo uma vez a cada ciclo celular. A Figura 2 esquematiza o ciclo de iniciação da
duplicação do DNA mediado pela proteína DnaA.
Adaptado de Boeneman, K. & Crooke, E. (2005) Curr. Op. Microbiol., 8:143–148.
Fig. 2 – Regulação da atividade de DnaA. Quando na presença de excesso de ATP, a
proteína DnaA se liga ao ATP e se complexa em oriC, iniciando a replicação do DNA. A DnaA
hidrolisa o ATP, originando ADP e passando para a forma inativa. Nesta forma, há a interação
de DnaA-ADP ligada a oriC com fosfolipídeos ácidos da membrana citoplasmática,
promovendo a reciclagem de DnaA para sua forma ativa, ligada ao ATP.
O conjunto DnaA/oriC/lipídeos de membrana encontra-se situado na porção mediana da
célula e, à medida que a síntese das moléculas de DNA ocorre, estas migram para os pólos,
liberando assim a região central para a formação do septo de divisão.
Em eucariotos, o movimento e segregação dos cromossomos é controlado pelos
centrômeros. Estes, ligam-se aos microtúbulos do fuso mitótico através de conjuntos protéicos
denominados cinetócoros. O movimento do cromossomo ao longo do fuso ocorre como
resposta a uma força exercida nos cinetócoros, seja pela ação de proteínas motoras ou pela
“montagem-desmontagem” dos microtúbulos que formam o fuso.
O fato da região oriC estar sempre localizada nas vizinhanças do polo celular sugere
que esta região poderia conter uma sequência do tipo centrômero. Além disso, pela sua
localização sempre igual, foi especulado que deveria haver a participação de uma ou mais
proteínas, desempenhando o papel dos cinetócoros ou das proteínas motoras dos eucariotos.
A partir de outros estudos, foi identificada um proteína, denominada Spo0J que, em
linhagens mutantes, promovia alterações na segregação dos cromossomos de células
vegetativas. Em células onde o gene spo0J foi deletado, a oriC deixava de se localizar nos
pólos celulares, indicando que a proteína Spo0J poderia estar envolvida no posicionamento
polar da oriC.
Por meio de estudos microscópicos,verificaram que a proteína Spo0J forma “focos” se
se ligam ao DNA em um ou mais sítios, nas proximidades de oriC. Assim, cada cópia da região
onde está a origem de replicação parece ter seu próprio conjunto de Spo0J.
O achado mais marcante em relação a estes eventos de segregação corresponde à
rápida migração deste conjunto (DNA-Spo0J) ao longo do eixo celular. Tal fenômeno sugere a
existência de proteínas geradoras de força e a presença de alguma estrutura análoga a um
citoesqueleto.
Dados mais recentes sugerem a participação de uma proteína, denominada RacA, no
processo de migração dos cromossomos para os pólos. Ao que parece, esta proteína exerce
um papel análogo ao desempenhado pelo fuso mitótico.
A replicação bacteriana seria como uma mitose?
O conjunto de Spo0J poderia ser comparado funcionalmente aos cinetócoros, que são
as organelas envolvidas na ligação dos centrômeros aos microtúbulos do fuso.
Alternativamente, Spo0J poderia atuar em uma fase inicial, transformando as regiões
oriC recém-replicadas em estruturas com um dobramento tal que seriam então separadas por
outras proteínas (talvez RacA). Isto poderia ter um papel importante, pois sabe-se que em
bactérias, os eventos de replicação se sobrepõem. Nestes casos, a separação correta evitaria
o emaranhado de cromossomos.
Tais achados não são surpresa, uma vez que os eucariotos e os procariotos devem ter
evoluído a partir de um ancestral comum, que era eficiente na segregação cromossomal.
Assim, não teria porque este evento ser tão distinto nas bactérias, onde a grande maioria dos
processos ocorrem de forma similar aos eucariotos.
Modelo proposto para a segregação cromossomal, em bactérias
(Adaptado de Errington, J. ASM News 64:210-217, 1998)
Seleção do sítio de divisão durante a divisão celular simétrica
Como a célula seleciona o sítio mediano ainda não está precisamente estabelecido, entretanto
muitos dados já existem para explicar esta etapa do processo de divisão celular.
Estudos com mutantes de E. coli indicam que as células contêm três sítios potenciais de
divisão: na região central e nos pólos. Normalmente, para que ocorra uma divisão na região
central, os sítios polares devem ser inibidos, sem a inibição do sítio potencial mediano. Nestas
células, parece que tal processo se dá pela ação cooperativa de um inibidor de divisão com um
fator topológico de especificidade, os quais são codificados pelos genes minC, minD e minE.
Papel das proteínas Min, na localizaçào do septo de divisão
(Adaptado de Rothfield & Zhao. Cell, 84:183-186, 1996)
Parece que, inicialmente, as proteínas MinC e MinD atuariam em conjunto, como um
inibidor inespecífico de divisão, capaz de bloquear todos os sítios possíveis de septação. Esta
observação se baseia no fato que a divisão fica completamente bloqueada quando minC e
minD são expressos, na ausência de minE. A proteína MinE, de alguma forma, conferiria a
especificidade topológica ao sistema, de forma que MinCD bloquearia somente os sítios
polares, sem interferir com o sítio mediano.
MinE teria duas funções: 1) Como antagonista de MinCD e 2) Como fator de especificidade
topológica pois quando se liga ao sítio central, restringe o conjunto MinCD aos sítios polares,
não desejados para a divisão. Estudos indicam que estas funções de MinE estão localizadas
em domínios distintos na sequência de 88 aminoácidos da proteína. A função antagônica sobre
MinCD está localizada em um pequeno domínio N-terminal (MinE1-22). A função topológica
esta associada a um domínio C-terminal (MinE23-81).
Assim, o domínio N-terminal atuaria como um antagonista de MinCD, enquanto o C-
terminal atuaria, direta ou indiretamente, como um sensor topológico, capaz de distinguir o sítio
potencial mediano daqueles nos polos.
Os autores especulam que existiriam uma molécula alvo (topológico) que marcaria o sítio
mediano como sendo diferente dos sítios polares. A elevada afinidade da região Carboxi-
terminal de MinE por este alvo levaria à localização preferencial da proteína na região mediana,
enquanto a porção amino-terminal impediria a ação bloqueadora de MinCD. Como a MinE
estaria sequestrada na região mediana, a proteína não estaria disponível para interferir com a
atividade de MinCD nos polos.
Dados mais recentes indicam que além das proteínas Min, os fosfolipídeos de
membrana também teriam papel na seleção do sítio de septação. Uma das primeiras proteínas
que participam do processo de septação, FtsA ou ZipA, poderiam reconhecer e interagir com
um domínio fosfolipídico situado da porção central da membrana da célula, permitindo assim a
ligação de FtsZ.
Adaptado de Mileykovskaya, E. & Dowhan, W. (2005) Curr. Op. Microbiol., 8:135–142.
Esquema do ciclo celular. (a) A nova célula filha apresenta a origem e a terminação
de replicação do DNA ("o" verde, oriC e "T" vermelho, de lado, respectivamente); o sistema Min
(bolas verdes e rosas) ligado aos pólos, ou oscilando entre os pólos; domínios lipídicos nos
pólos (vermelho). (b) O cromossomo sofre uma rotação, trazendo a oriC para a porção central,
onde é formado um domínio lipídico rico em cardiolipina (vermelho). O DNA começa a ser
replicado pela DnaA, e pela montagem do replissomo (pentágono). (c,d) As origens recém-
replicadas se movem em direção aos pólos, liberando o domínio lipídico central para agora
interagir com FtsZ (púrpura). (e) Organização da maquinaria de divisão (multicolorida) e
conversão do domínio central em futuros pólos. (f) Em E: coli, MinD (rosa) e seu domínio C-
terminal (cinza) trocam ADP por ATP (direita), expondo a porção C-terminal, que interage com
lipídeos de membrana nos pólos. O polímero de MinD-ATP pode crescer em direção ao centro.
Próximo ao centro, a ligação de MinE (verde) induz a hidrólise de ATP, levando MinD para a
conformação MinD-ADP, despolimerizando-o e voltando para os pólos. (g) Várias moléculas de
DnaA (amarelo) associadas a ATP ou ADP.
Somente quando ligada a ATP a DnaA (diagrama da direita) é capaz de se ligar próximo
à oriC (azul e verde), abrir o DNA e permitir a montagem do replissomo. A forma inativa, DnaA-
ADP ligada à oriC é reciclada na membrana (vermelho).
Formação do septo de divisão e a separação das células filhas
Estudos indicam que uma proteína presente em E. coli, denominada FtsZ, desempenha
importante papel na formação do septo e separação das células filhas, durante o processo de
divisão celular.
A proteína FtsZ forma um anel no sítio da divisão celular, sugerindo um papel estrutural para
esta proteína neste processo. Atualmente sabe-se que a FtsZ tem homologia com as porções
que se ligam ao GTP da tubulina, sendo os cristais das duas muito semelhantes e que também
atua como GTPase.
A FtsZ hidrolisa o GTP após formar estruturas semelhantes a polimeros de tubulina e
vem sendo encontrada (ou homólogos) em um grande número de espécies de Bacteria e
Archaea estudadas até o momento, formando um anel no sítio de divisão.
Homólogos de FtsZ já foram detectados em células vegetais, onde mutações nestes genes
impedem a divisão dos cloroplastos, reforçando a hipótese de sua participação na divisão
celular e também a teoria da endossimbiose.
Componentes da maquinaria de divisão celular
Durante a divisão, várias proteínas são recrutadas para o anel formado por FtsZ: FtsA,
FtsQ, FtsW, FtsL, FtsN, FtsK, FtsI (PbP3) e ZipA, que se organizam em um complexo para
realizar a divisão. Exceto por FtsZ, FtsA e ZipA, todas as demais apresentam dominínios
transmembranosos e periplasmáticos, indicando que atravessam a membrana citoplasmática.
O anel FtsZ localiza-se exatamente no centro de uma célula vegetativa bacilar, como E. coli,
sugerindo uma pré-determinação do local, provavelmente mediada por MinE.
Durante a divisão o anel FtsZ começa a se contrair, pela remoção sucessiva de suas
subunidades, as quais migram para as futuras regiões centrais das novas células filhas. Assim,
acredita-se que os sítios de divisão da próxima geração já estão presentes nas células mãe,
sendo o processo de montagem e desmontagem bastante rápido.
Formação do septo e separação das células filhas
(Adaptado de Margolin, W. ASM News 65, 1999)
Seleção do sítio de divisão durante a divisão celular assimétrica
Em B. subtilis, os sítios polares são utilizados para a formação do septo apenas durante
a esporulação. Quando crescendo vegetativamente, B. subtilis utiliza a região mediana para a
formação do septo de divisão entretanto, em condições desfavoráveis, o sítio de septação
passa para um dos polos, permitindo a esporulação.
Durante o crescimento vegetativo, B. subtilis seria semelhante a E. coli, com MinCD
atua conjuntamente, provavelmente com a proteína de função igual à MinE, ainda não
descoberta, que suprimiria o uso dos sítios polares para a divisão. Havendo um estímulo para a
esporulação, a especificidade topológica do sistema seria revertida, ocorrendo liberação dos
sítios polares. Um modelo explicativo implicaria na existência de duas MinE, com diferentes
propriedades topológicas, que determinariam a localização central ou subterminal do septo.
Reprodução pela formação de esporos múltiplos, inativos - Metabacterium
polyspora
Esta bactéria Gram positiva habita o trato GI de cobaias e produz múltiplos (até 9)
endosporos. O ciclo de vida desta bactéria requer que o organismo circule pelo trato GI, ou
seja, depende da natura coprófaga de seu hospedeiro. Esporos de M. polyspora são isolados
das fezes do hospedeiro e somente estes esporos maduros sobrevivem à passagem pelo
estômago, indo germinar no intestino delgado (figura abaixo). Algumas células fazem fissão
binária neste estágio, mas a maioria esporula. A partir do intestino delgado, as bactérias se
depositam no ceco, ondem terminam de esporular. Ao que parece, os pré-esporos ou
endosporos maduros não são capazes de realizar fissão binária. Os esporos passam pelo ceco
e finalmente são eliminados nas fezes, podendo ser novamente ingeridos pelo hospedeiro,
recomeçando o ciclo.
A esporulação em M. polyspora é diferente, com uma divisão iniciada nos dois pólos e o
DNA vai para os dois compartimentos. Após o englobamento, o pré-esporo pode se dividir,
produzindo outros pré-esporos que amadurecem. Assim, existem 3 ou mais cópias do genoma.
Adaptado de Angert, E.R. (2005). Nature Rev. Microbiol., 3:214-224.
Formação de múltiplos esporos em M. polyspora. a-g: fluorescência específica para
membrana e capas de esporos. a: as células se dividem nos dois pólos. b: pré-esporos
englobados pela célula mãe. c. pré-esporos capazes de fazer fissão binária (a seta indica um
novo septo de divisão formado). d: divisão e crescimento do pré-esporo. e: amadurecimento do
pré-esporo, f: M polyspora com 7 pré-esporos. g: célula que emerge do esporo, se divide nos
pólos e começa a esporular. h: micrografia de contraste, mostrando fissão binária em M.
polyspora, um evento raro.
O processo de reprodução em Epulopiscium fischelsoni - uma bactéria vivípara
Desde a sua descoberta, o gênero Epulopiscium tem fascinado os microbiologistas, por
suas características extremamente diferentes daquelas observadas nas bactérias comumente
estudadas. Além de ser única por suas dimensões (podendo atingir cerca de 600 a 800 nm),
estes organismos apresentam um tipo vivíparo de reprodução.
Dados recentes da literatura revelam que as células de Epulopiscium são capazes de
gerar de 1 a 7 células filhas ativas, em seu interior. Ao que parece, o processo se assemelha à
esporulação, envolvendo a condensação da molécula de DNA duplicada, que normalmente
dirige-se aos pólos da célula mãe.
Estudos envolvendo análises microscópicas revelam que após o período de
condensação e migração do DNA para as extremidades celulares, este se apresenta
descondensado, com as células filhas ativas metabolicamente.
Geralmente, são produzidas 2 células filhas, estando uma em cada polo. No entanto,
quando são geradas mais que 2 células filhas, observa-se a condensação do DNA em regiões
medianas da célula mãe, situadas imediatamente abaixo da parede celular.
Esquema geral de uma célula de Epulopiscium originando uma célula filha
(Adaptado de Angert & Clements (2004) Mol. Microbiol., 51:827–835)
Estes resultados são bastante recentes, embora em 1998 tenha sido publicado um
artigo descrevendo a ocorrência de "vesículas contendo nucleóides" neste organismo. Muito
pouco se sabe ainda sobre o processo de reprodução neste organismo, embora os dados
obtidos no estudo referente à figura acima descrevam também a ocorrência do anel formado
pelas proteínas FtsZ.
Assim, possivelmente em um futuro não muito distante, novas informações estarão
disponíveis acerca do processo vivíparo de reprodução neste procarioto.
Metabolismo Microbiano
Classes de organismos, quanto às fontes de energia e carbono
Energia: é definida como a capacidade de produzir trabalho
Os organismos podem ser classificados em dois grandes grupos, de acordo com a forma que
obtêm sua energia:os fototróficos, que obtêm sua energia a partir da energia luminosa, pela
fotossíntese e os quimiotróficos, que obtêm sua energia a partir da utilização de compostos
químicos, envolvendo especialmente reações de oxidação e redução.
Em relação às fontes de carbono, os organismos podem ainda ser classificados como
autotróficos, quando utilizam fontes inorgânicas de carbono (CO2) e heterotrófico, quando as
fontes de carbono são de natureza orgânica.
Inicialmente, serão discutidos os processos de produção de energia em organismos
quimiotróficos heterotróficos, uma vez que estes são bastante conhecidos e estudados
metabolicamente.
Nos organismos quimiotróficos, a energia é obtida basicamente através de reações de
oxirredução, tendo como substratos os nutrientes adquiridos pelas células.
Todo e qualquer nutriente, exibem uma energia associada aos elétrons presentes nas ligações
interatômicas e, dependendo da estabilidade na distribuição desta energia, podemos ter
compostos com ligações “ricas em energia”, ou seja, ligações instáveis, que facilmente liberam
a energia contida. Assim, nos organismos quimiotróficos, pode-se falar em energia química:
aquela liberada quando compostos orgânicos ou inorgânicos são oxidados.
Reações de oxi-redução
Oxidação => remoção de elétrons (ou átomos de hidrogênio) de um átomo ou molécula.
Redução => Ganho de elétrons (ou átomos de hidrogênio) de um átomo ou molécula.
Tal definição decorre do fato de que frequentemente, estas reações envolvem a
transferência não somente de elétrons, mas sim de átomos de hidrogênio (na forma de H+).
Como os elétrons não podem ficar isolados, “soltos”, estes devem fazer parte de átomos ou
moléculas. Assim, toda reação de oxidação requer acoplada uma redução. Assim, o composto
que foi oxidado denomina-se de doador de elétrons, enquanto aquele reduzido é o aceptor de
elétrons.
Mecanismos de geração de ATP
Os organismos apresentam três mecanismos de fosforilação para a geração de ATP:
1) Fosforilação em nível de substrato: onde o ATP é gerado pela transferência de um
grupamento fosfato de alta energia a partir de um composto fosforilado ao ADP. Esta ligação
rica em energia geralmente foi adquirida na reação onde o substrato foi oxidado.
2) Fosforilação oxidativa: Neste caso, os elétrons são tranferidos do composto orgânico,
através de uma série de carreadores a um aceptor final, sendo que a transferência dos elétrons
entre os diferentes carreadores libera energia, onde parte é utilizada na geração de ATP, pela
quimiosmose.
3) Fotosforilação: que ocorre em células que contém pigmentos que absorvem luz.
Neste caso, a energia luminosa, é convertida em ATP e NADPH, que serão utilizados para a
biossíntese, empregando também uma cadeia de transporte de elétrons.
Processos onde há a produção de energia, em quimiotróficos
A produção de energia nos organismos quimiotróficos: pode, a grosso modo, ser
dividida em três categorias: fermentação, respiração aeróbia e respiração anaróbia.
- Fermentação: processo que ocorre na ausência de aceptores finais (anaeróbio).
- Respiração: oxigênio ou outro agente oxidante atua como aceptor final (aeróbia ou
anaeróbia).
Uma vez que estes três processos envolvem reações de oxirredução, podemos
diferenciá-los genericamente, de acordo com os doadores inciais e aceptores finais de elétrons.
Assim, temos:
Fermentação: processo onde o doador inicial e o aceptor final de elétrons
correspondem a moléculas orgânicas. Desta forma, a fermentação é um processo onde ocorre
oxidação parcial dos compostos orgânicos, que podem ser açúcares, proteínas, ácidos, entre
outros. Como o processo é parcial, há apenas uma pequena fração de energia liberada. Nas
fermentações, o ATP é gerado a partir da fosforilação em nível de substrato.
Por exemplo, após a quebra da glicose, originando ácido pirúvico, este pode ser
convertido a outro composto orgânico, por um processo de fermentação. Assim, a fermentação
é um processo que não depende do ciclo de Krebs, ou da cadeia de transporte de elétrons.
Neste tipo de reação, os elétrons são transferidos das coenzimas reduzidas (NADH,
NADPH) ao ácido pirúvico ou derivados, regenerando-os para novos ciclos de glicólise.
Vários tipos de fermentação são observados em diferentes microrganismos, sendo os
exemplos mais conhecidos a fermentação alcoólica e a fermentação lática.
Tipos básicos de fermentação:
Lática (homo ou heterolática) => ácidos lático, acético, fórmico, etanol (Lactobacillus,
Streptococcus, Leuconostoc).
Propiônica: Propiônico, acético e CO2 (Propionibacterium, Veillonella).
Acetona-Butírica: ácido butírico, acetona, butanol, isopropanol, ácido acético, ácido fórmico,
etanol, H2 e CO2 (Clostridium, Eubacterium, Bacillus).
Acética: acético, glucônico (Acetobacter).
Aerogenes-coli-tífico: Fórmico, acético, lático, succínico, etanol, 2,3-butilenoglicol, H2 e CO2
(Escherichia, Enterobacter, Salmonella).
Exemplos de fermentações
(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, an introduction, 1996)
Respiração: Processo onde o doador inicial de elétrons é oxidado, tendo como aceptor
final de elétrons é um composto inorgânico. Quando o aceptor final é o oxigênio, a respiração é
denominada aeróbia e quando o aceptor é outro composto (Sulfato, nitrato), é denominada
anaeróbia. Em todos os processos de respiração temos a participação de uma cadeia de
transporte de elétrons.
Respiração Aeróbia
Após a glicólise, o ácido pirúvico é convertido a actil-CoA, que entra no ciclo de Krebs,
onde ocorrem uma série de reações de oxirredução, que transferem a energia para coenzimas,
principalmente NAD+, reduzindo-as. Esta energia armazenada será transferida, levando à
formação de ATP, pela cadeia de transporte de elétrons, localizada na membrana
citoplasmática.
Esta cadeia de transporte corresponde a uma série de moléculas transportadoras
(flavoproteínas, citocromos e ubiquinonas), que sofrem reações de oxirredução, as quais
promovem uma gradual liberação de energia, que dirigirá a geração quimiostática de ATP.
As cadeias de transporte snao bastante variáveis nas diferentes bactérias e uma
mesma bactéria pode apresentar diferentes cadeias de transporte de elétrons.
Durante o transporte há a produção de ATP, através da fosforilação oxidativa, que está ligada
ao estabelecimento de um gradiente de prótons através da membrana.
Quimiosmose: Estas proteínas transportadoras de prótons estão orientadas na membrana de
tal forma que possibilita a separação entre prótons e elétrons, sendo os elétrons mandados
para a face citoplasmática da membrana, por transportadores específicos e os prótons para o
lado de fora da célula. Ao final do processo, os elétrons são carreados ao aceptor final (O2 na
respiração aeróbia), que é reduzido, formando água. Para formar água, precisa de íons H+ do
citoplasma, vindos da dissociação da água. Em decorrência destes processos, é gerada uma
formação líquida de OH- no interior da célula, resultando em um gradiente de pH e um potencial
elétrico ao longo da membrana (dentro fica negativo e alcalino e fora, positivo e ácido). A
membrana fica então energizada (força motora de prótons). Esta energia elétrica pode então
ser utilizada transporte de íons, movimentação flagelar ou na formação de ATP.
Formação de ATP: A enzima ATPase (um canal para o transporte de prótons), ligada à
membrana, possui 2 partes: uma cabeça em multi-subunidades, presente na face interna, e
uma cauda, condutora de prótons, que atravessa a membrana. Ela cataliza a reação entre ATP
e ADP + Pi. Atuando em uma direção, ela cataliza a formação de ATP (fosforilação oxidativa)
pela entrada controlada de prótons (a formação do gradiente é dada com gasto de energia,
enquanto sua dissipação controlada libera energia).
Exemplos da respiração aeróbia
(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, an introduction, 1996)
Respiração anaeróbia: Neste processo, o aceptor final de elétrons não é o oxigênio,
sendo substituído por nitrato, sulfato ou carbonato. Uma vez que parte do ciclo de Krebs não é
funcional em condições de anaerobiose, e também pelo menor número de moléculas
transportadoras de elétrons presentes, este processo rende menor quantidade de energia, mas
ainda fornece mais que na fermentação. Eventualmente, ocorre em organismos que realizam
respiração aeróbia.
Fotossíntese: Um dos processos mais importantes na terra, realizado por organismos
autotróficos, que possibilita a conversão da energia luminosa em energia química, a qual é
então utilizada para a conversão do CO2 da atmosfera em compostos de carbono reduzidos,
especialmente açúcares.
Neste processo, os elétrons são obtidos a partir dos átomos de hidrogênio da água. A
fotossíntese pode ser dividida em duas etapas: fase clara a energia luminosa é utilizada na
conversão de ADP a ATP e na redução de NADP a NADPH. Há ainda a fase escura, os
elétrons são utilizados, juntamente com o ATP, para reduzir o CO2 a compostos orgânicos.
Reações luminosas: correspondem à fotofosforilação, onde a energia luminosa é
absorvida pelos pigmentos (clorofila, bacterioclorofila), excitando os elétrons, que passam para
a primeira de uma série de moléculas transportadoras, semelhante à cadeia de transporte de
elétrons. Com isso, há a passagem de prótons pela membrana, com a conversão de ADP em
ATP.
A fotofosforilação pode ser de dois tipos: cíclica e acíclica. No processo cíclico, o elétron
retorna à clorofila, enquanto na acíclica, processo mais comum, os elétrons liberados não
retornam à clorofila, sendo incorporados ao NADPH. Os elétrons perdidos são subsituídos por
outros, provenientes da água ou outro composto oxidável, tal como H2S. (Na cíclica, quanto há
a absorção dos quanta pela bacterioclorofila, a molécula se excita, perdendo um elétron,
tornando-se um agente oxidante potente. O elétron é transferido num processo semelhante a
CTE (Ferredoxina-ubiquinona-cit b-cit f) e retorna à bacterioclorofila.
Entre b e f há a produção de ATP. Na acíclica (algas) há dois sistemas de pigmentos
que também perdem elétrons, passam por um processo semelhante à CTE, mas o elétron é
usado para reduzir o NADP a NADPH). Reações escuras: não requerem a luz, para que
ocorram e incluem o ciclo de Calvin-Benson, onde o CO2 é fixado.
Exemplos da fotossíntese
(Adaptado de Tortora et al., Microbiology, an introduction, 1996)
Outros tipos metabólicos
Fotoautotróficos: Utilização de compostos inorgânicos como doadores: Ocorre nos
quimiolitotróficos, sendo as fontes o H2S, H2 e NH3. Os processos são similares à respiração
aeróbia. A fonte de carbono é geralmente o CO2.
Quimiolitotróficos: O CO2 é reduzido a gliceraldeído 3P (fixação), que será
metabolizado via o ciclo de Calvin. A energia para a realização destes processos advém da
oxidação de compostos inorgânicos (H2, NH4, NO3).
As bactérias púrpuras e verdes usam a luz para produzir ATP; produzem NADPH a partir da
oxidação de H2S ou compostos orgânicos (fotossíntese anoxigênica). As algas e cianobactérias
geralmente obtém o NADPH pela hidrólise da água, sendo um evento mediado pela luz
(oxigênica).
Biofilmes Microbianos
Introdução
Nossa percepção de bactérias como organismos unicelulares baseia-se essencialmente
no conceito de culturas puras, nas quais as células podem ser diluídas e estudadas a partir de
culturas líquidas. Como praticamente todos os conceitos e conhecimentos microbiológicos
foram adquiridos a partir do estudo de organismos em culturas puras, somente há alguns anos
começamos a entender que, na realidade, a maioria das bactérias se encontra na natureza
vivendo em comunidades, de maior ou menor estruturação.
O tipo de "ecologia" que imaginávamos em relação aos procariotos, ou seja, células
individuais crescendo de maneira planctônica (livres, em suspensão), raramente é encontrado
na natureza. Sabe-se atualmente que, quando em seus habitats naturais, via de regra as
bactérias são encontradas em comunidades de diferentes graus de complexidade, associadas
a superfícies diversas, geralmente compondo um biofilme, isto é, um ecossistema estruturado
altamente dinâmico, que atua de maneira coordenada.
Assim, embora possam ter uma existência planctônica independente, este tipo de vida
parece ser eventual.
Os biofilmes, complexos ecossistemas microbianos, podem ser formados por
populações desenvolvidas a partir de uma única, ou de múltiplas espécies, podendo ser
encontrados em uma variedade de superfícies bióticas e/ou abióticas. Desta maneira, muitos
autores definem biofilmes como associações de microrganismos e de seus produtos
extracelulares, que se encontram aderidos a superfícies bióticas ou abióticas.
Geralmente, a dinâmica de formação de um biofilme ocorre em etapas distintas.
Inicialmente temos or organismos denominados colonizadores primários, que se aderem a uma
superfície, geralmente contendo proteínas ou outros compostos orgânicos. As células aderidas
passam a se desenvolver, originando microcolônias que sintetizam uma matriz
exopolissacarídica (EPS), que passam a atuar como substrato para a aderência de
microrganismos denominados colonizadores secundários. Estes colonizadores secundários
podem se aderir diretamente aos primários, ou promoverem a formação de coagregados com
outros microrganisos e então se aderirem aos primários.
(Adaptado de Rickard et al., Trends Microbiol., 11:94-100, 2003)
Desenvolvimento de um biofilme. (a) Colonização primária de um substrato; (b)
crescimento, divisão celular e produção do exopolissacarídeo (EPS), com o desenvolvimento
de microcolônias; (c) coadesão de células individuais, de células coagregadas e grupos de
células idênticas, originando um biofilme jovem, de múltiplas espécies; (d) maturação e
formação de mosaicos clonais no biofilme maduro.
Assim, o biofilme corresponde a uma "entidade" dinâmica pois, de acordo com os
microrganismos que o compõem, teremos consições físicas, químicas e biológicas distintas.
Estas alterações fazem com que cada biofilme seja único, de acordo com os microrganismos
presentes. Neste sentido, ao longo do tempo a composição microbiana dos biofilmes
geralmente sofre alterações significativas. A figura abaixo ilustra não somente a estruturação
fisico-química de um biofilme, mas também sua evolução e amadurecimento, dependendo das
relações estabelecidas pelos microrganismos presentes.
Estágios de formação e vida de um biofilme, determinados por fatores físicos, biológicos e ambientais
(Adaptado de Jenkinson & Lappin-Scott, Trends Microbiol., 9:9-10, 2001)
Comportamento coletivo
Há várias décadas, foi proposto que as bactérias poderiam corresponder a organismos
interativos, capazes de atuar coletivamente, facilitando sua adaptação às alterações
ambientais. Para que um biofilme de uma ou várias espécies seja formado, é necessário o
estabelecimento de um comportamento multicelular, que se reflete em atividades coordenadas
de interação e comunicação dos vários organismos. Assim, os biofilmes não são simples
camadas viscosas contendo organismos. Estes representam sistemas biológicos altamente
organizados, onde as bactérias estabelecem comunidades funcionais estruturadas e
coordenadas.
Um dos mecanismos de comunicação interbacteriana que vem se mostrando
extremamente importante na formação e desenvolvimento de biofilmes corresponde ao quorum
sensing.
Comunidades associadas às superfícies
Os procariotos podem habitar qualquer ambiente adequado às formas de vida
superiores, assim como vários ambientes inóspitos à maioria das formas de vida. Tal fato é
decorrente de sua inigualável diversidade metabólica e plasticidade fenotípica. Um dos
importantes aspectos associados a esta ubiqüidade está relacionado à capacidade destes
organismos migrarem para diferentes nichos, onde podem se propagar. O mecanismo mais
comum que permite a migração dos procariotos corresponde à motilidade, seja de origem
flagelar, deslizante, ou de outro tipo. No entanto, são conhecidos mecanismos que também
permitem a migração bacteriana.
Por exemplo, algumas espécies podem sintetizar celulose, originando uma película que
mantém as células próximas à interface ár-água, ou na superfície de plantas. Bactérias
fotossintetizantes podem se posicionar nas colunas de água, em resposta à intensidade
luminosa, pela produção de vesículas de gás. Outras, apresentam magnetossomos,permitindo
movimentações ao longo dos campos magnéticos da Terra. Um importante mecanismo na
formação de comunidades corresponde à agregação ou aderência, que otimiza tanto as
interações celulares como também as taxas de sedimentação dos organismos.
As comunidades bacterianas têm importantes papéis na natureza, seja na produção e
degradação de matéria orgânica, na degradação de poluentes, ou na reciclagem de nitrogênio,
enxofre e vários metais. A maioria destes processos requer o esforço coletivo de organismos
com diferentes capacidades metabólicas. Assim, os biofilmes participam metabolizando
esgotos e águas contaminadas com petróleo, na nitrificação, na reciclagem de enxofre oriundo
de drenados ácidos de minas (onde o pH é 0) e em vários outros processos. Outro tipo de
biofilme está associado às partículas em suspensão, muitas vezes denominadas neve marinha,
extremamente importante nas transformações biogeoquímicas do carbono em ambientes
pelágicos, na metanogênese, fixação de nitrogênio e produção de enxofre. Estes achados
revelam que nos biofilmes podem ser criadas condições de anaerobiose, em ambientes
normalmente aeróbios.
(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)
Exemplo da ecologia de comunidades microbianas. As quatro microcolônias centrais
correspondem a organismos que geram e consomem hidrogênio. Os fermentadores utilizam
açúcares e produzem ácidos orgânicos, utilizados pelos produtores de hidrogênio. Além das
interações metabólicas, a comunicação intra e intercelular pode ser mediada por moléculas
sinalizadoras.
As interações que permitem a agregação de diferentes espécies, ou mesmo gêneros
microbianos em um biofilme geralmente envolvem a participação de adesinas (moléculas de
adesão presentes em fímbrias ou dispersar ao longo da superfície celular), que reconhcem
receptores específicos na superfície de outras células, ou em diversos tipos de substratos.
Assim, a figura abaixo esquematiza a formação de um biofilme aquático, revelando a
complexidade tanto estrutural como temporal deste ecossistema. As horas correspondem ao
tempo médio necessário à adesão dos diferentes microrganismos, revelando a dinâmica de
formação e estruturação deste biofilme.
Esquema de coagregações envolvendo bactérias aquáticas.
(Adaptado de Rickard et al., Trends Microbiol., 11:94-100, 2003)
Estrutura dos Biofilmes
A maioria dos biofilmes exibe uma certa heterogeneidade, existindo conjuntos de
agregados celulares distribuídos ao longo da matriz exopolissacarídica, que exibem densidades
variáveis, originando aberturas e canais por onde a água pode trafegar.
Corte lateral, revelando a estrutura de um biofilme artificial de V. cholerae. A intensidade da cor está
associada à densidade celular.
(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)
As microcolônias que compõem um biofilme podem ser de uma ou várias espécies,
dependendo das condições ambientais. Por exemplo, em locais de grande stress mecanico,
tais como a superfície dental, o biofilme é bastante compactado e estratificado. Os espaços
intersticiais (canais) também são parte importante dos biofilme, pois permitem a circulação de
nutrientes e a troca de metabólitos.
Por que formar um biofilme?
Acredita-se que a formação de biofilmes esteja associada, por exemplo, à proteção
contra o ambiente, ou seja, bactérias em um biofilme encontram-se abrigadas e em relativa
homeostase, graças à presença da matriz exopolissacarídica. A matriz contém vários
componentes: exopolissacarídeo, proteínas, ácidos nucléicos, entre outros.
O exopolissacarídeo é secretado para o meio externo, sendo de diferentes
composições. Ao que parece, o EPS tem diferentes estruturas e funções, dependendo das
comunidades e/ou condições ambientais. Este polímero pode impedir fisicamente a penetração
de agentes antimicrobianos no biofilme, principalmente aqueles hidrofílicos e carregados
positivamente. Em alguns casos o EPS é capaz de sequestrar cátions, metais e toxinas. Por
estas razões, os biofilmes podem corresponder a excelentes mecanismos de transferência de
metais nos ecossistemas, pois vários organismos marinhos pastadores se alimentam de
biofilmes. Foi também descrito que o EPS teria papel de proteção contra radiações UV,
alterações de pH, choques osmóticos e dessecação.
Disponibilidade de nutrientes e cooperatividade metabólica
Os canais aquosos dos biofilmes podem ser comparados a um sistema circulatório
primitivo, permitindo a troca de nutrientes e metabólitos, assim como a remoção de metabótilos
potencialmente tóxicos. Em um biofilme, torna-se possível a cooperação metabólica. Por
exemplo, a degradação de compostos orgânicos complexos, originando metano e CO2 durante
uma digestão anaeróbia, requer pelo menos três grupos de organismos. As bactérias
fermentativas iniciam o processo, gerando ácidos e álcoois, que são utilizados por bactérias
acetogênicas. Finalmente, as metanogênicas convertem o acetato, CO2 e hidrogênio,
produzindo metano.
Os biofilmes são ambientes ideais para o desenvolvimento de relaçoes sintróficas, que
é um tipo de simbiose onde dois tipos de organismos metabolicamente distintos dependem um
do outro para utilizarem certos substratos, na produção de energia.
Sintrofia em um grânulo de lodo de um reator metanogênico. Corantes
fluorescentes revelam organismos metanogênicos (em verde) e bactérias que oxidam
propionato (em vermelho). A cor amarela resulta da combinação verde e vermelho, revelando
microcolônias sintróficas interligadas a cadeias de metanogênicos.
(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)
Aquisição de novas características genéticas
Várias bactérias possuem plasmídeos, conferindo as mais diversas características.
Estes podem ser transferidos horizontalmente por conjugação, para diferentes espécies
presentes em um bioflme. Estudo foram realizados com placas dentais artificiais, formadas
inicialmente por bactérias do gênero Streptococcus. Uma linhagem de Bacillus, contendo um
transposon conjugativo albergando genes de resistência à tetraciclina, foi inserida no sistema e
transferiu este transposon para células de Streptococcus.
A transdução pode, teoricamente, ser responsável pela transferência horizontal de
genes em biofilmes. Tal hipótese baseia-se no fato de sistemas marinhos e de água doce
contêm uma enorme abundância de bacteriófagos (cerca de 108/ml), sendo responsáveis pela
lise de um grande número de bactérias. Diariamente, de 10 a 20% da população bacteriana é
lisada por fagos, os quais têm relevante impacto na cadeia alimentar microbiana uma vez que
podem aumentar as taxas de mortalidade e/ou reduzir as taxas de crescimento em todos os
níveis tróficos. Estudos recentes revelam que os fagos podem estruturar ou restruturar
comunidades microbianas. Em uma análise, onde uma população de cianobactérias foi
praticamente exterminada pelos fagos, observou-se a presença de novas espécies capazes de
degradas os compostos orgânicos que surgiram.
Papel dos biofilmes nas doenças
Até o momento, a vasta maioria das doenças infecciosas vem sendo tratada
eficientemente com antibióticos entretanto, de acordo com as pesquisas mais recentes,
sabemos que tal tipo de estratégia pode ser ineficaz em duas situações: 1) com organismos
exibindo resistência inata à droga e 2) em bactérias presentes em biofilmes.
Em um biofilme, as bactérias podem ser 1000 vezes mais resistente a um antibiótico,
quando comparadas às mesmas células planctônicas, embora os mecanismos envolvidos
nesta resistência sejam ainda pouco conhecidos. Dentre os possíveis mecanismos, acredita-se
que possa haver a inativação da droga por polímeros ou enzimas extracelulares, ou a
ineficiência da droga em decorrência de taxas de crescimento muito lentas no interior dos
biofilmes.
Infecções assciadas a biofilmes geralmente são de natureza recorrente, visto que as
terapias antimicrobianas convencionais eliminam predominantemente as formas planctônicas,
deixando as células sésseis livres para se reproduzir e propagar no biofilme após o tratamento.
Para tornar o quadro ainda mais grave, as bactérias presentes nos biofilmes encontram-se
mais protegidas contra o sistema imune do hospedeiro.
Exemplos típicos de doenças associadas a biofilmes incluem as infecções de implantes
tais como válvulas cardíacas, catéteres, lentes de contato, etc.
Os biofilmes podem ainda promover doenças se formados em tecidos, tais como nas infecções
pulmonares provocadas por Pseudomonas aeruginosa, em pacientes com fibrose cística, que
são suscetíveis a infecções crônicas por esta bactéria. A periodontite é outro exemplo de
doença provocada por biofilmes. O principal microrganismo associado a esta doença,
Porphyromonas gingivalis, coloniza uma grande de superfícies orais direta ou indiretamente,
sendo então capaz de invadir as células das mucosas e liberar toxinas.
Biofilmes e resistência às drogas, devido à densidade e tipos celulares, exclusão
física da droga, expressão de genes de resistência, quorum sensing e alterações da superfície
celular. (Adaptado de Mah & O’Toole, Trends Microbiol., 9:34-39, 2001)
Esquema do desenvolvimento temporal de uma placa dental.
(Adaptado de Rickard et al., Trends Microbiol., 11:94-100, 2003)
Genética da formação dos biofilmes
Quatro organismos, P. aeruginosa, P. fluorescens, E. coli e V. cholerae, vêm sendo
intensamente estudados, como modelos na formação de biofilmes de espécies únicas. Este
processo pode ser subdivido em etapas: a) Aderência inicial à superfície, b) Formação das
microcolônias, c) maturação das microcolônias em um biofilme contendo a matriz de EPS.
Estudo microscópico da formação de um biofilme
por V. cholerae
(Adaptado de Watnick & Kolter, J. Bacteriol.,
182:2675–2679, 2000)
Etapas que uma nova espécie bacteriana realiza, durante
sua incorporação em um biofilme
(Adaptado de Watnick & Kolter, J. Bacteriol., 182:2675–
2679, 2000)
Ao que parece, o processo se inicia quando as bactérias percebem determinadas
condições ambientais, que disparam o fenômeno de transição de células planctônicas em
sésseis. Assim, Pseudomonas aeruginosa e P. fluorescens parecem ser capazes de formar
bioflmes sob quase todas as condições, enquanto E. coli somente os forma se estiver em
meios mínimos suplementados com aminoácidos, ou em meios pobres em nutrientes.
Diferentes vias genéticas podem ser utilizadas na formação de biofilmes. Por exemplo,
V. cholerae parece ter diferentes vias para realizar a aderência inicial, dependendo da
superfície. Assim, quando no intestino, este organismo utiliza a fímbria Tcp para realizar a
colonização, embora tal estrutura não tenha papel na etapa inicial de formação de biofilmes em
superfícies abióticas, sendo o processo mediado por um outro tipo de fímbria, denominada
Msh.
Início de formação do biofilme
A partir de estudos com linhagens mutantes de P. aeruginosa, foi relatado que, quando
as células não sintetizam flagelos, são incapazes de realizar as interações iniciais com as
superfícies. Mutantes que não produzem a fímbria tipo IV (associada à movimentação das
células em uma superfície) são capazes de se aderir formando uma monocamada, ao invés de
microcolônias. Existem uma proteína, denominada Crc que, além de atuar regulando o
metabolismo das células, também regula a expressão de dois genes que codificam proteínas
importantes na montagem da fímbria tipo IV.
O LPS da membrana externa também tem papel na adesão inicial. Em E. coli, os
flagelos também são importantes nesta primeira etapa de formação do biofilme. Há ainda a
participação de fímbrias do tipo I, uma proteína de membrana externa, Ag43 e do LPS. Em V.
chloreae acredita-se que o processo seja bastante similar ao de E. coli.
Maturação do biofilme
Após a etapa de interações iniciais, começa a haver a formação das microcolônias,
normalmente associada à produção de EPS. Outra etapa importante corresponde à
organização da arquitetura do biofilme que, em P. aeruginosa parece ter a participação do
"quorum sensing".
Estágios iniciais na formação de biofilmes de Gram negativos (P. aeruginosa, E.
coli, e V. cholerae).
(A) Em P. aeruginosa, os flagelos são necessários para aproximar a bactéria da
superfície, enquanto o LPS media as primeiras interações, havendo talvez a participação de
proteínas da membrana externa. Quando formam monocamadas, fímbrias tipo IV mediam o
movimento pulsante, necessário à formação de microcolônias. A produção destas fímbrias é
regulada, em parte, por sinais nutricionais (Crc), havendo ainda a ativação de genes envolvidos
na síntese de alginato e repressão de genes flagelares. A formação do biofilme maduro envolve
a participação de homoserina lactonas sinalizadoras.
(B) Em E. coli, os flagelos aproximam as células do substrato, enquanto as primeiras
interações são mediadas por fímbris tipo I e a proteína de membrana externa Ag43. O EPS,
ácido colânico é resonsável pela arquitetura do biofilme.
(C) V. cholerae, também usa os flagelos na aproximação, sendo a ligação mediada por
fímbrias MshA e talvez outras proteínas.
(Adaptado de Davey & O’Toole, Microbiol. Mol. Biol. Rev., 64:847-867, 2000)
Dispersão
Em determinados momentos, os biofilmes sofrem dispersão, liberando microrganismos
que podem vir a colonizar novos ambientes. Ós mecanismos genéticos associados à dispersão
não são ainda bem conhecidos.
Existem três tipos de processos de dispersão: expansiva, quando parte das células de uma
microcolônia sofrem lise e outras retomam a motilidade, sendo então liberadas da estrutura.
Outro tipo de dispersão envolve a fragmentação do biofilme, onde porções de matriz
extracelular associadas a microrganismos são liberadas. Finalmente, o terceiro tipo de
dispersão, denominada superficial, ocorre pelo crescimento do próprio biofilme como um todo.
Quorum Sensing
Introdução
O quorum sensing (sensor de quorum) corresponde a um processo de comunicação
intra e interespécies microbianas, que permite aos microrganismos apresentarem alterações
fenotípicas marcantes quando estes se encontram em altas densidades populacionais. A
descoberta deste tipo de interação microbiana tornou evidente o conceito que, embora
geneticamente e estruturalmente mais simples, os microrganismos têm a capacidade de se
comportar como organismos complexos, capazes de se comunicar e agir coordenadamente,
respondendo a diferentes estímulos de modo unificado.
Este interessante processo foi descoberto em bactérias luminescentes marinhas,
habitantes de orgãos luminescentes de lulas e certos peixes.
Lula exibindo luminescência
Há muitos anos conhecia-se a existência de bactérias marinhas (por exemplo Vibrio
fischeri) capazes de emitir luminescência. No entanto, este fenômeno era apenas observado
quando os microrganismos encontravam-se confinados nos orgãos de luz dos animais. Quando
tais bactérias encontravam-se livres na água do mar, a luminescência não era observada.
Estudos posteriores revelaram que durante o dia as lulas expeliam as bactérias de seus orgãos
de luz mas, à medida que a noite se aproximava, estas passavam a acumumular os
microrganismos, que após um determinado período de tempo tornavam-se luminescentes. Em
outras palavras, a emissão de luminescência estava associada à densidade populacional
bacteriana.
Posteriormente o processo que resultava na luminescência foi esclarecido, sendo
denominado quorum sensing, uma vez que correspondia a um mecanismo de comunicação
onde os microrganismos monitoravam sua densidade populacional.
O mecanismo de Quorum Sensing
Atualmente está bem definido que este sensoriamento populacional é realizado por
meio de pequenas moléculas, denominadas autoindutores (AI). Os autoindutores podem ser de
diferentes naturezas químicas: em organismos Gram negativos, via de regra os autoindutores
são do tipo N-acil homoserina lactonas (AHL), que correspondem a pequenas moléculas que
se difundem livremente para dentro e para fora das células. Em Gram positivos, normalmente
os autoindutores correspondem a pequenos petídeos (hepta ou octapeptídeos) que se ligam a
receptores localizados na superfície das células bacterianas.
Nos diferentes organismos que realizam o quorum sensing, o processo segue,
essencilamente, as mesmas etapas.
Durante o crescimento microbiano, todas as células produzem e liberam uma pequena
quantidade de autoindutores. Quando a população se encontra no meio da fase logarítmica ou
no início da fase estacionária de crescimentno, a quantidade de autoindutor produzido alcança
uma concentração limite, suficiente para disparr o processo de alteração da expressão gênica.
Em termos bastante simples: os autoindutores se ligam a proteínas receptoras que são
então ativadas, promovendo a ativação da expressão de certos genes, podendo ainda inibir a
expressão de outros genes que se encontravam ativos. Assim, o quorum sensing é ativado
quando a concentração de autoindutor atinge um nível tal que sua ligação a uma proteína
receptora é eficiente, permitindo a ativação transcricional de uma série de genes.
Regulação da bioluminescência em Vibrio fischeri
Para melhor ilustrar o mecanismo de quorum sensing, descreveremos o fenômeno de
bioluminescência apresentado por Vibrio fischeri.
Nealson et al., (1970) revelaram que o sobrenadante de culturas densas de V. fischeri continha
um composto capaz de induzir a luminescência em culturas de baixa densidade, sendo por isso
denominado "autoindutor". Este autoindutor (VAI - Vibrio AutoIndutor) foi identificado em 1981,
como uma N-(3-oxohexanoil)homoserina lactona (OHHL), enquanto os genes regulatórios e
estruturais necessários ao processo de luminescência (regulon lux) foram descritos em 1984,
estando localizados em um segmento de DNA de 9 kb.
O regulon lux é composto por dois operons que são transcritos em direçoes opostas,
sendo separados por uma região intergênica regulatória. O operon da esquerda contém o gene
luxR, que codifica o ativador transcricional LuxR, que também atua como receptor do
autoindutor. O operon da direita contém o gene luxI, que codifica a OHHL sintase. Abaixo do
gene luxI, encontram-se os genes estruturais luxCDABE, que codificam as proteínas
necessárias ao desenvolvimento da bioluminescência (subunidades a e b da luciferase - luxA e
luxB, a redutase - luxC, transferase - luxD e sintetase - luxE).
Assim, em qualquer etapa de seu ciclo de vida, as células de V. fischeri estão
produzindo pequenas quantidades do autoindutor (VAI), que se difunde livremente através das
membranas da bactéria. Nestes estágios onde a população microbiana ainda é pequena, está
ocorrendo a ligação do VAI ao seu receptor, LuxR, no entanto, tal ligação é ainda transiente.
No entanto, à medida que a população aumenta, a quantidade de VAI também aumenta, até
que atinge uma concentração limiar, que dispara o processo, resultando na ativação da
tanscrição dos operons lux.
A proteína LuxR é modular, sendo constituída por um domínio C-terminal de ligação ao
DNA e um domínio N-terminal de ligação à OHHL. A OHHL, produzida pelo gene luxI, liga-se à
proteína LuxR, ativando-a. Esta quando ativada liga-se ao DNA, em um sítio específico,
denominado lux box, que corresponde a uma região de 20 nucleotídeos invertidos repetidos,
situada entre os dois operons lux.
O complexo VAI-LuxR liga-se ao lux box e estimula a transcrição dos operons, promovendo
uma maior síntese de autoindutor, de proteína LuxR e de todo o aparato necessário à
luminescência.
Regulação do operon lux pelo autoindutor de V. fischeri
Outras atividades microbianas associadas ao Quorum Sensing
Atualmente são conhecidas centenas de espécies microbianas que realizam o processo
de quorum sensing, revelando que tal tipo de comunicação resulta em uma série de alterações
fenotípicas apresentadas pelas culturas.
Dentre as principais atividades microbianas associadas ao quorum sensing temos:
- produção de antibióticos
- expressão de fatores de virulência
- aquisição do estado de competência (a capacidade de captar DNA do meio)
- transferência de DNA para outros organismos
- fixação de nitrogênio
Além destas atividades, cada vez mais está se tornando claro o papel ecológico
desempenhado pelo quorum sensing. Sabe-se que os microrganismos sintetizam autoindutores
bastante específicos, reconhecidos apenas por membros da mesma espécie. No entanto,
pesquisas revelam que organismos de espécies próximas podem sintetizar autoindutores
semelhantes, capazes de interferir no quorum sensing de outros organismos. Por exemplo,
Staphylococcus epidermidis, um habitante da microbiota normal, sintetiza autoindutores que
interferem no quorum sensing de S. aureus, um microrgnaismo potencialmente patogênico.
Acredita-se que este tipo de interferência tenha como principal função impedir ou dificultar a
colonização do hospedeiro por organismos invasores.
Há alguns anos foi descoberto um segundo tipo de autoindutor, denominado AI-2, que
parece estar envolvido em um processo mais "geral" de cominucação microbiana. Este AI-2
seria reconhecido por um grande número de espécies, talvez atuando como uma molécula que
sinaliza aos diferentes organismos a presença de outros microrganismos. Este seria um tipo de
molécula que realizaria um "censo" geral da população.
A descoberta do quorum sensing trouxe novas e interessantes perspectivas para o
controle microbiano, especialmente no que se refere ao tratamento de doenças infecciosas.
Controle Microbiano
Definições
Esterilização: Destruição ou remoção de todas as formas de vida de um objeto ou
habitat.
Desinfecção: Processo que promove a inibição, morte ou remoção de vários
microrganismos patogênicos e saprófitas, sem eliminar todas as formas de vida.
Sanitização: Processo que leva à redução dos microrganismos, a níveis seguros, de
acordo com os padrões de saúde pública (elimina 99,9% das formas vegetativas).
Anti-séptico: Produto que evita a infecção em tecidos, seja inibindo ou matando os
microrganismos. Como são aplicados em tecidos vivos, os anti-sépticos são, geralmente,
menos tóxicos que os desinfetantes (agentes aplicadas em materiais inanimados).
Germicida: mata microrganismos, mas não endosporos. “Cida”: Qualquer agente que
promova a morte (ex: bactericida, fungicida, algicida) “Stático”: Qualquer agente que promova
a inibição do crescimento (ex: bacteriostático, fungistático)
Padrão de morte microbiana
Da mesma forma que no crescimento, a morte microbiana é um evento que ocorre de
forma exponencial. Assim, após uma rápida redução do número, a taxa de morte pode tornar-
se mais lenta, devido à sobrevivência de células mais resistentes.
Condições que afetam a atividade de um agente antimicrobiano, especialmente se tal
agente é de natureza química.
1. Tamanho da população: Quanto maior a população, maior o tempo necessário à sua
eliminação.
2. Natureza da população: Se nesta população de microrganismos existirem
endosporos, os quais são muito mais resistente que formas vegetativas, sua eliminação não
ocorrerá tão facilmente. No caso de células em diferentes estágios de crescimento - células
mais jovens tendem a ser mais suscetíveis que células em fase estacionária. Havendo a
presença de membros do gênero Mycobacterium, sua eliminação é mais difícil que de outras
bactérias não esporuladas, etc.
3. Concentração do agente: Geralmente, quanto mais concentrado, melhor (exceto
álcool). A relação entre a concentração e a eficiência via de regra não é linear.
4. Tempo de exposição: De acordo com normas da OMS, o tempo mínimo de exposição
deve ser de 30 minutos. Em casos de agentes esterilizantes, a exposição deve ser tal que a
chance de haver sobreviventes é de 1 em 106.
5. Temperatura: Dentro de limites, o aumento da temperatura torna o processo mais
eficiente. Para agentes químicos, geralmente o aumento de 1°C da temperatura aumenta em
10 vezes a eficiência do processo, o que também permite a diluição do agente.
6. Condições "ambientais": pH do meio - quando é ácido, favorece a eliminação térmica;
presença de matéria orgânica - dificulta a ação do produto (necessidade de lavagens dos
materiais antes do controle por agentes químicos), seja por proteger o microrganismo ou
competir pelo produto em uso. Altas concentrações de açúcar, proteínas ou lipídeos diminuem
a penetrabilidade do calor, enquanto o sal pode aumentar ou diminuir a resistência ao calor. A
consistência do material ou solução também interfere.
Controle microbiano por agente físicos
Os principais agentes físicos que promovem o controle microbiano são: Calor, Filtração
e Radiações. Eventualmente, outros agentes, tais como as baixas temperaturas, dessecação,
podem ser utilizados.
CALOR - Uso disseminado desde épocas remotas, correspondendo ainda um dos
agentes físicos mais práticos e eficientes para a esterilização e/ou desinfecção. O calor pode
ser empregado sob duas formas: seco e úmido, tendo a vantagem de apresentar, basicamente,
apenas 2 parâmetros a serem controlados: tempo e temperatura.
Para todos os organismos são definidas as temperaturas cardeais, ou seja, as
temperaturas mínima, máxima e ótima de crescimento. Assim, quando estes são submetidos a
temperaturas superiores à temperatura máxima de crescimento, os efeitos letais tornam-se
aparentes. A morte é um fenômeno que ocorre de forma exponencial, sendo proporcional
apenas à concentração inicial da população. Já o tempo para uma determinada fração da
população a ser morta é independente da população inicial.
Processos empregando calor:
A morte se dá pela oxidação de constituintes celulares e desnaturação de proteínas e
ácidos nucléicos. Não é a melhor maneira de utilização do calor, uma vez que o ar é menos
condutor da temperatura que a água.
Calor seco
Incineração (E): processo drástico de eliminação de microrganismos, que destrói o
produto.
Ao rubro (E): processo onde os materiis são levados à incadescência, promovendo a
destruição de todos os microrganismos.
Flambagem (D): processo onde o material é submetido diretamente ao fogo, seja seco
ou embebido em álcool. Bastante utilizado na desinfecção de alças de vidro.
Estufa esterilizante (E: 160†C/2 hs ou 180°C/1 h). Amplamente utilizado para vidrarias e
outros materiais.
Calor úmido - Como mencionado anteriormente, é um processo mais eficiente devido
ao maior poder de penetração do vapor d’água. A morte é decorrente da desnaturação de
ácidos nucléicos e proteínas, podendo também romper membranas. Além disso, o vapor tem
maior capacidade de romper as pontes de hidrogênio.
Autoclave (E - 121°C/20 min./1 atm) - Destrói esporos, em um pequeno volume, em 10
a 12 minutos. Com volumes maiores, o tempo é maior (5 litros => 70 minutos). Frequentemente
são utilizados indicadores da eficiência de esterilização, por exemplo, ampolas contendo
esporos de B. stearotermophilus ou de Clostridium PA3679, os quais são inoculados em meios
de cultura após o processo de esterilização. Caso haja o desenvolvimento de células
vegetativas, o processo não foi realizado adequadamente, uma vez que não houve a
esterilzação.
Água em ebulição (D - 100°C/30 min.)
A título de comparação, a eliminação de esporos de C. botulinum pela fervura, requer cerca de
5,5 horas. Por outro lado, a 120°C, estes esporos são eliminados após 4 a 5 minutos.
Pasteurização (D - 62,8°C/30 min - pasteurização lenta, ou 71,7°C/15 seg -
pasteurização rápida)
UHT (E): 141°C/2 segundos - processo bastante utilizado para o leite e outros alimentos
líquidos.
FILTRAÇÃO - Processo muito útil na esterilização de materiais termolábeis, sendo
empregado para líquidos e gases. Estes filtros são geralmente compostos por celulose,
acetato, policarbonato, teflon, ou outro material sintético. Embora o diâmetro dos poros possa
variar, os mais utilizados são aqueles de 0,2 µm, que removem os microrganismos (exceto
vírus) das soluções e do ar.
Dentre os principais tipos de filtros podemos citar:
Filtros de profundidade: Correspondem aos filtros mais antigos, constituídos de malha
fibrosa ou granular, à base de papel, asbestos ou fibra de vidro, arranjados de forma a criar
uma série de camadas aleatórias sobrepostas, formando pequenos canais sinuosos. Assim, os
microrganismos ficam retidos nas malhas e/ou adsorvidos à superfície do material. Estes filtros
são feitos também de terra de diatomáceas (Berkefield) ou porcelana (Chamberlain). Na
prática, são usados como pré-filtros, para a remoção de partículas maiores. Muitas vezes são
também usados na filtração de ar.
Membranas Filtrantes: Correspondem ao tipo mais comum de filtro esterilizante, em
microbiologia. São membranas porosas de acetato de celulose, nitrocelulose ou policarbonato,
tendo espessura de ≈ 0,2 mm, contendo poros variando de ≈ 0,1 a 0,5 µm de diâmetro, que
ocupam cerca de 80 a 85% da membrana.
Filtros Isopore® (nucleopore): Correspondem a filmes extremamente delgados de
policarbonato (10 µm de espessura) que são tratados com radiação nuclear, seguida de
cauterização (marcação) química. A radiação provoca danos localizados na membrana e o
tratamento químico aumenta essas falhas, formando orifícios, cujo tamanho pode ser
controlado pela força da solução cauterizadora e pelo tempo de tratamento. Estes filtros
funcionam como verdadeiras peneiras, removendo todas as partículas maiores que os orifícios.
Têm, entretanto, baixa porosidade, sendo muito usados na preparação de amostras para a
microscopia de varredura, onde os organismos são retidos no filtro, sendo mantidos em um
plano uniforme, no topo do filtro.
O ar também pode ser filtrado, em fluxos laminares contendo filtros HEPA (High
Efficiency Particulate Air filters), que removem 99,97% de partículas de 0,3 µm.
Bactérias retidas na superfície de um filtro do tipo Isopore®
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 1997)
RADIAÇÕES - Ionizante e não ionizante
Radiação Não-Ionizante: A radiação ultravioleta (de 4 a 400 nm - sendo 260 nm o
comprimento mais eficiente) é bastante letal, mas exibe baixa penetrabilidade, não
atravessando vidros, filmes sujos e outro materiais. Assim, a radiação UV é extremamente
eficiente na eliminação de microrganismos presentes em superfícies.
Como sua maior eficiência se dá a 260 nm, que corresponde ao comprimento de onda
onde se dá a maior absorção pelo DNA, a radiação UV afeta primariamente este tipo de
molécula. Sua ação é principalmente decorrente da formação de dímeros de pirimidinas
(timina), efeito este que pode ser revertido por sistemas de fotorreativação (enzima de reparo
ativada pela luz) ou por sistema de reativação independente da luz (polimerase).
Por outro lado, não podem ser descartados outros efeitos deletérios do UV, uma vez
que quando a 340 nm, observa-se dano celular, sem estar primariamente relacionado às
mutações, uma vez que neste comprimento de onda os ácidos nucléicos não têm mais uma
grande capacidade de absorver este tipo de radiação.
Radiação Ionizante: Radiações de pequeno comprimento de onda, portanto, de
altíssima energia e penetrabilidade. Os dois principais tipos são a radiação gama e os Raios X.
Estas, são bastante eficientes, uma vez que promovem a ionização de átomos, fazendo-os
perderem elétrons. Como consequência são gerados radicais livres extremamente reativos,
que podem destruir pontes de hidrogênio, duplas ligações, estruturas em anel. Quando na
presença de oxigênio, geram radicais hidroxila livres, absolutamente tóxicos para as células.
A radiação gama é originada geralmente a partir de fontes de 60Co ou 137Ce.
Estas radiações vêm sendo amplamente utilizadas em produtos termolábeis, tais como
plásticos e alguns tipos de alimentos (frutas, vegetais, alimentos marinhos). Nos alimentos seu
uso é interessante, uma vez que inativam enzimas autocatalíticas que participam do processo
de degradação natural.
Outros agentes Físicos de controle
Baixas temperaturas: A refrigeração ou o congelamento são amplamente utilizados no
controle microbiano de alimentos e produtos biológicos, pois levam a uma diminuição ou
interrupção do metabolismo. Como, na maioria dos casos, os microrganismos patogênicos ao
homem são mesofílicos, estas baixas temperaturas são eficientes no controle. Entretanto,
deve-se ter cuidado porque células de Clostridium botulinum, quando incubadas a 5°C, são
ainda capazes de produzir e secretar a toxina do tipo E.
Dessecação: Liofilização ou dessecamento natural, que atua diferentemente nos
organismos, dependendo do tipo de meio, do material dessecado e da intensidade do
processo. Via de regra, os cocos Gram negativos são mais sensíveis que os Gram positivos,
sendo M. tuberculosis um dos exemplos clássicos de organismo resistente à dessecação
(várias semanas em escarro seco).
Pressão osmótica: conservas com altos teores de sal ou açúcar.
Controle de Microrganismos por Agentes Químicos
Durante muito tempo foram mais empregados em processos de desinfecção e anti-
sepsia, entretanto, atualmente estes vem sendo cada vez mais amplamente utilizados em
processos de esterilização.
Cuidados prévios: lavagem adequada do material, garantia de pleno contato com o
agente.
Características de um agente químico ideal: boa atividade antimicrobiana, toxicidade
seletiva, solubilidade, estabilidade, inocuidade, não interação com a matéria orgânica,
temperatura de ação adequada, alto poder de penetração, sem poder corrosivo ou tintorial,
desprovido de ação danosa ao meio ambiente.
Principais Tipos de Agentes Químicos:
1) Compostos orgânicos:
Fenóis e derivados (cresóis (metil-fenol), xilenóis): Primeiros a serem usados (Lister,
1867 - salas de cirugia). O fenol não é mais usado como desinfetante ou anti-séptico devido à
sua toxicidade para os tecidos. Os derivados fenólicos (hexaclorofeno, hexilresorcinol) são
empregados principalmente como anti-sépticos ou desinfetantes hospitalares. Estes atuam
desnaturando proteínas e rompendo membranas. São tuberculocidas, efetivos na presença de
matéria orgânica, permanecem ativos por muito tempo. Entretanto tem odor desagradável e
são irritantes para pele.
Hexaclorofeno -associação de fenol a halogênio (Cl) que é bastante eficaz, sendo
bastante usado em pastas dentifrícias e sabões. No passado, pesquisas indicaram que tal
composto era cumulativo e carcinogênico.
Álcoois: Muito usados, efetivos, confiáveis e baratos, atuando como bactericidas,
fungicidas e contra vírus envelopados. Os mais usados são etanol e isopropanol, nas
concentrações entre 70 e 80%. Atuam desnaturando proteínas e dissolvendo lipídeos de
membrana.
Compostos Quaternários de Amônio: são detergentes catiônicos, moléculas orgânicas
derivadas de gorduras, atuando como umectantes e emulsificadores. Apenas os detergentes
catiônicos são detergentes efetivos, que desnaturam proteínas (Ex: cloreto de benzalcônio, que
mata a maioria das bactérias).
2) Halogênios:
Iodo: anti-séptico para a pele a 2%, ou em solução água-etanol de iodeto de potássio,
para procedimentos pré-operatórios. Eficaz contra bactérias, fungos, vírus e protozoários
parasitas. Atua oxidando componentes celulares e iodinando proteínas. Em concentrações
elevadas elimina esporos. Tem como desvantagens: danos à pele, manchar e alergênico.
Iodóforos: Complexação de iodo a carreador orgânico (agentes tensioativos, como a
PVP). São solúveis em água, estáveis, sem propriedades tintoriais, liberando o iodo
lentamente, minimizando a irritação cutânea. Usado na assepsia pré-operatória e também
como desinfetante.
Cloro: Muito utilizado no tratamento de águas e nas indústrias de laticínios e alimentos.
Pode ser aplicado na forma de gás, hipoclorito de sódio ou de cálcio, que geraácido
hipocloroso e então O2, promovendo a oxidação de materiais celulares e causando a morte em
cerca de 30 minutos. Eficaz contra fungos, bactérias e vírus, com a desvantagem ser descorar
alguns materiais. É eficiente, barato, de fácil uso, mas altamente reativo com a matéria
orgânica. Como desvantagem, o uso do cloro em águas pode produzir pequenas quantidades
de compostos organoclorados, particularmente o trihalometano (THM), um possível agente
carcinogênico. Como alternativa pode ser usada a cloramina (monocloramina), que reduz
drasticamente os níveis de THM. A monocloramina pode ser gerada diretamente na água pela
adição simultânea de amônio e cloro ou hipoclorito.
O tratamento da água presente nas torres de resfriamento de aparelhos ar condicionado
é extremamente importante para o controle de Legionella pneumophila.
3) Metais Pesados:
Foram muito usados no passado como germicidas (prata, mercúrio, zinco e cobre),
sendo atualmente substituídos por compostos menos tóxicos. Os mais usados são compostos
orgânicos de mercúrio, prata, cobre e zinco.
Nitrato de prata: usado em solução 1%, para prevenir a oftalmia neonatorum, sendo
substituído em vários hospitais pela eritromicina (que protege contra Chlamydia também).
Temos ainda o Mercurocromo e mertiolate, usados como como preservantes de soros e
vacinas. O sulfato de cobre é usado na desinfecção de águas, especialmente contra algas.
Estes atuam combinando-se com proteínas, geralmente nos grupos SH, inativando-as.
4) Outros
Peróxidos: principalmente água oxigenada, sobre organismos anaeróbios, atuando pela
sua ação oxidante.
Ozônio: Vem sendo empregado na desinfecção de água, com sucesso, na Europa e
Estados Unidos. Embora seja um tratamento mais caro, tem a vantagem de não produzir
compostos organoclorados. Por outro lado, devido à sua instabilidade, a água submetida a este
tipo de tratamento está mais sujeita à contaminação que quando clorada.
Corantes: dividem-se em dois grupos, acridina (que interage com o DNA) e derivados
de rosanilina (Cristal violeta, verde malaquita), que atuam inibindo G+, Candida e Trichomonas.
Tem ação aparentemente ao nível da parede celular das bactérias.
Comparação da eficiência de diferentes anti-sépticos
(Adaptado de Prescott et al., Microbiology, 1997)
Agentes Químicos Esterilizantes:
Aldeídos: Formaldeído e Glutaraldeído, moléculas muito reativas, combinam-se com
proteínas, inativando-as.
Formaldeído 8% dissolvido em água ou álcool (irritante e deixa resíduos) e glutaraldeído
2% (menos irritante). Em 12 horas, destroem esporos.
Gases esterilizantes: Óxido de etileno, atua pela interação com proteínas, com alta
capacidade de penetração. Como é explosivo, é dissolvido em misturas de 10 a 20% com CO2
ou freon. Importante a presença de umidade no ambiente e também temperatura.
Condições: 38°C/5-8 hs ou 54°C/3-4 hs, com 50% de umidade e EtO de 400 a 800
mg/litro.
Betapropiolactona: eventualmente usado. Não penetra tão bem e pode ser
carcinogênico. Atua em concentrações muito menores que o EtO.
Abaixo temos uma tabela, listando alguns dos principais agentes químicos utilizados no
controle microbiano.
Antibióticos e Quimioterápicos
Introdução
Os antibióticos são produtos de enorme importância não apenas na área de saúde,
como também na economia, visto que apenas nos Estados Unidos, cerca de 100.000 toneladas
são produzidas anualmente. Embora aproximadamente 8000 substâncias com atividade
antimicrobiana sejam conhecidas e, a cada ano, centenas de novas substâncias sejam
descobertas, pouquíssimas são efetivamente aproveitadas e utilizadas como agentes
antimicrobianos, visto que muitas destas não atendem aos requisitos mínimos para seu
emprego terapêutico. Paralelamente, não podemos deixar de mencionar o crescente problema
em relação ao surgimento de espécies bacterianas resistentes aos diferentes antibióticos. Este
talvez corresponda ao principal desafio dos pesquisadores, visto que a multirresistência vem se
tornando diariamente mais disseminada nas populações microbianas, sejam patogênicas ou
não.
Mais recentemente, outro aspecto que vem sendo cada vez mais levado em
consideração refere-se à ocorrência dos biofilmes e sua importância na terapêutica
antimicrobiana, pois o conhecimento sobre a ocorrência de biofilmes microbianos em nosso
organismo levou a uma quebra do paradigma de tratamento das doenças infecciosas.
Certamente, para que os antibióticos possam ser empregados de forma mais eficaz, será
necessário um maior conhecimento acerca dos biofilmes formados naturalmente em nosso
organismo. Pois, somente a partir da elucidação da ecologia dos biofilmes naturais do homem,
teremos maiores chances de tratar de forma adequada as várias doenças infecciosas.
Conceitos
• Agente Antimicrobiano: Composto químico que mata ou inibe o crescimento de
microrganismos, podendo ser natural ou sintético.
• Agentes Quimioterápicos (Antimicróbicos): Agentes químicos, naturais ou sintéticos,
usados no tratamento de doenças. Atuam matando ou inibindo o desenvolvimento dos
microrganismos, em concentrações baixas o suficiente para evitar efeitos danosos ao paciente.
• Antibióticos: Grupo de agentes quimioterápicos (maioria), que constituem-se em
produtos microbianos ou derivados. São produtos do metabolismo secundário (quando a célula
entra em fase estacionária), não essenciais para o crescimento ou reprodução, sendo sua
síntese dependente da composição do meio (podem ser super produzidos). São geralmente
compostos complexos, cuja síntese envolve várias etapas enzimáticas, sendo as enzimas
reguladas separadamente das do metabolismo primário. Via de regra, a produção de
antibióticos está associada ao fenômeno de quorum sensing.
• Quimioterápico: Agente químico sintético, exibindo as mesmas atividades de um
antibiótico.
Histórico dos antibióticos e descobertas relacionadas
Paul Ehrlich (1854 - 1915): Desenvolveu o conceito de toxicidade seletiva, indicando
que determinado agente exibia uma ação danosa aos microrganismos, sem afetar as células
do hospedeiro. Tal conceito tem importante reflexo prático, pois indica se um agente pode,
teoricamente, ser útil no tratamento de doenças infecciosas. Este pesquisador trabalhava com
corantes e técnicas de coloração de microrganismos, quando verificou que alguns compostos
coravam os microrganismos, mas não os tecidos animais. Esperava encontrar um corante
tóxico aos microrganismos ("bala mágica").
1904 - Uso prático do vermelho de tripan, composto ativo contra o tripanossoma que
causava a doença africana do sono.
Ehrlich & Hata: realização de testes com compostos arsenicais, em coelhos com sífilis.
Descobriram que o composto 606, arsfenamida, era ativo => Em 1910, foi lançado o
medicamento Salvarsan (nome comercial da arsfenamida), para o tratamento da sífilis.
1927 - Na I. G. Farbenindustrie (Bayer) - G. Domagk: testava corantes e outros
compostos químicos, quanto à ação em microrganismos e toxicidade em animais.
1935 - Vermelho Prontosil: inócuo para animais, protegendo camundongos contra
estafilococos e estreptococos patogênicos. Neste mesmo ano, foi descoberto que o prontosil
era clivado no organismo, originando a sulfanilamida como um dos produtos. Na realidade, a
droga eficaz era a sulfanilamida.
1939 - Nobel para Domagk
1896 - E. Duchesne: descobriu a penicilina, mas raramente tal pesquisador é citado,
pois seus achados nunca foram devidamente publicados ou notificados, sendo esquecids
durante vários anos.
A. Fleming: Busca de um tratamento eficaz para os feridos na II Guerra Mundial. Foi o
"segundo" descobridor da penicilina e tentou, sem sucesso, purificá-la em quantidades
suficientes para ser utilizada como medicamento.
1939 - H. Florey & E. Chain - testavam atividade bactericida de várias substâncias
(lisozima, sulfonamidas). Obtiveram a cultura de fungo isolada inicialmente por Fleming,
passando a trabalhar na purificação da penicilina. Injetarama penicilina em camundongos
infectados com estafilococos ou estreptococos e observaram que quase todos sobreviveram.
(Trabalho publicado em 1940).
1945 - Nobel para Florey, Chain e Fleming
1944 - S. Waksman: descobrimento da estreptomicina (Streptomyces griseus), a partir
do teste de cerca de 10.000 linhagens de bactérias e fungos do solo.
1952 - Nobel para Waksman.
Até 1953 - Isolamento de microrganismos produtores de cloranfenicol, neomicina,
terramicina e tetraciclina.
A partir de 1953 - a indústria investiu centenas de milhares de dólares na busca de
novas drogas antimicrobianas, sendo que tal linha de pesquisa perdura até hoje em todo o
mundo, empregando diversos tipos de abordagens.
Características gerais das drogas antimicrobianas
• Toxicidade Seletiva: característica que todo antimicrobiano deveria apresentar, pois
reflete-se na capacidade de atuar seleivamente sobre o microrganismo, sem provocar danos ao
hospedeiro.
Esta é expressa em termos do índice terapêutico: relação B/A, onde
A) Dose terapêutica: concentração p/ tratamento
B) Dose tóxica: concentração a partir da qual é tóxica
Drogas que atuem sobre funções microbianas inexistentes em eucariotos geralmente tem
maior toxicidade seletiva e índice terapêutico (Penicilina).
• Espectro de ação: Refere-se à diversidade de organismos afetados pelo agente.
Geralmente os antimicrobianos são de pequeno ou de amplo espectro. Atualmente, uma série
de laboratórios vem trabalhando em busca de isolar e purificar antimicrobianos de espectro
restrito, que atuam especificamente sobre um ou um pequeno número de microrganismos. No
entanto, atualmente os antibióticos comercializados enquadram-se nas categorias de pequeno
e amplo espectro de ação.
Exemplos de diferentes drogas antimicrobianas, classificadas de acordo com o espectro de ação.
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
• Quanto à síntese: Microbiana, química ou semi-sintética
Microbiana - geralmente por uma ou poucas bactérias (actinomicetos) e vários tipos de fungos
filamentosos. Geralmente correspondem a produtos do metabolismo secundário.
Química - Sulfonamidas, Trimetoprim, Cloranfenicol, Isoniazida além de outros antivirais
e antiprotozoários.
Semi-sintéticos - são antibióticos naturais, modificados pela adição de grupamentos
químicos, tornando-os menos suscetíveis à inativação pelos microrganismos (ampicilina,
carbencilina, meticilina).
• Quanto à ação: "státicos" ou "cidas"
Os "cidas" podem ser "státicos" dependendo da concentração, ou do tipo de organismo.
Os "staticos" tem sua ação vinculada à resistência do hospedeiro.
• CMI e CML: 2 parâmetros que indicam a eficiência da droga.
A droga "cida" geralmente elimina o agente em concentrações de 2 a 4 vezes maior que
a "stática", sendo o inverso falso.
• Atingir concentrações efetivas nos tecidos e entrar em contato com o microrganismo.
• Não alterar os mecanismos naturais de defesa do hospedeiro.
Mecanismos de ação dos antimicrobianos
Vários são os possíveis alvos para os agentes antimicrobianos. O conhecimento dos
mecanismos de ação destes agentes permite entender sua natureza e o grau de toxicidade
seletiva de cada droga.
Exemplos das principais estruturas ou etapas metabólicas afetadas por antibióticos
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
1) Inibição da síntese da Parede Celular: estes agentes antimicrobianos
correspondem aos mais seletivos, apresentando um elevado índice terapêutico.
penicilinas, ampicilina e cefalosporinas: contém em sua estrutura um anel b-lactâmico, que
interage com proteínas denominadas PBPs (Penicillin Binding Protein), inibindo a enzima
envolvida na transpeptidação, responsável pela ligação entre as cadeias de tetrapeptídeos do
peptideoglicano. Com isso, há o impedimento da formação das ligações entre os tetrapeptídeos
de cadeias adjacentes de peptideoglicano, ocasionando uma perda na rigidez da parede
celular. Acredita-se também que tais drogas podem atuar promovendo a ativação de enzimas
autolíticas, resultando na degradação da parede.
Mecanismo de ação dos antibióticos b-lactâmicos
(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)
bacitracina: Interfere com a ação do carreador lipídico que transporta os precursores da
parede pela mebrana. Resulta na não formação das ligações entre o NAM e NAG.
vancomicina: liga-se diretamente à porção tetrapeptídica do peptideoglicano. É ainda a
droga de escolha para linhagens resistentes de S. aureus.
2) Ligação à Membrana Citoplasmática: são agentes antimicrobianos que muitas
vezes exibem menor grau de toxicidade seletiva.
polimixinas: Ligam-se à membrana, entre os fosfolipídeos, alterando sua permeabilidade
(detergentes). São extremamente eficientes contra Gram negativos, pois afetam tanto a
membrana citoplasmática como a membrana externa.
Ionóforos: Moléculas hidrofóbicas que se imiscuem na Membrana citoplasmática, permitindo a
difusão passiva de compostos ionizados para dentro ou fora da célula.
Exemplo de um antibiótico que atua como ionóforo
(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)
3) Inibição da síntese de ácidos nucléicos: seletividade variável.
Novobiocina: se liga a DNA girase, afetando o desenovelamento do DNA, impedindo
sua replicação.
quinolonas: Inibem a DNA girase, afetando a replicação, transcrição e reparo.
Rifampicina: Ligação à RNA polimerase DNA-dependente, bloqueando a transcrição.
4) Inibição da tradução: São geralmente bastante seletivos. Correspondem a um dos
principais grupos de agentes antimicrobianos, uma vez que a síntese protéica corresponde a
processo altamente complexo, envolvend várias etapas e diversas moléculas e estruturas.
Diferentes etapas da tradução que podem ser afetadas por agentes antimicrobianos
(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)
estreptomicina e gentamicina: Liga-se à subunidade ribossomal 30S, bloqueando-a e
promovendo erros na leitura do mRNA. Interferem com a formação do complexo de iniciação.
tetraciclina: Liga-se à subunidade ribossomal 30S (sítio A), impedindo a ligação do
aminoacil-tRNA.
cloranfenicol: Liga-se à subunidade ribossomal 50S e inibe a ligação do tRNA e da
peptidil transferase, inibindo a elongação.
eritromicina: Liga-se à subunidade ribossomal 50S e inibe a elongação.
Exemplos de drogas que interferem com a síntese protéica
(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)
5) Antagonismo metabólico: geralmente ocorre por um mecanismo deinibição
competitiva.
Sulfas e derivados: inibição da síntese do ácido fólico, pela competição com o PABA.
Trimetoprim: bloqueio da síntese do tetrahidrofolato, inibindo a dihidrofolato redutase.
Similaridade estrutural entre a sulfanilamida e o PABA (importante precursor da síntese de purinas)
(Adaptado de Atlas, R.M., Principles of Microbiology, 1997)
Isoniazida: afeta o metabolismo do NAD ou piridoxal, inibe a síntese do ácido micólico -
"fator corda".
Resistência microbiana
Este tema tornou-se um motivo de preocupação crescente entre os profissionais da
área de saúde, pois a cada ano observamos o aumento de linhagens resistentes aos mais
diversos agentes antimicrobianos.
Proporção de bactérias fecais, isoladas de
indivíduos normais, resistentes aos diferentes
antibióticos.
Aumento na proporção de linhagens de N.
gonorrhoaea resistentes à penicilina.
(Adaptado de Madigan et al., Brock Biology of Microorganisms, 2003)
A resistência microbiana aos antimicrobianos pode ser de dois tipos:
• Natural: ausência da estrutura, ou via metabólica alvo.
• Adquirida: Através de mutações espontâneas e seleção, ou por recombinação após
transferência de genes.
Dentre os principais mecanismos de resistência podemos citar:
Impermeabilidade à droga: Muitas bactérias Gram negativas são resistentes à penicilina G por
serem impermeáveis à droga, ou por apresentarem alterações em proteínas de ligação à
penicilina. No caso das sulfonamidas, o microrganismo pode também apresentar uma menor
permeabilidade à droga.
Inativação: muitas drogas são inativadas por enzimas codificadas pelos microrganismos. Por
exemplo, a penicilinase (b-lactamase) é uma enzima que cliva o anel b-lactâmico inativando a
droga. Outras drogas podem ser inativadas em decorrência de modificações introduzidas pelo
microrganismo, tais como a adição de grupamentos químicos. Assim, muitos microrganismos
são capazes de promover a fosforilação ou acetilação de antibióticos.
Modificação de enzima ou estrutura alvo: Por exemplo, alterações na molécula do rRNA 23S
(no caso de resistência à eritromicina e cloranfenicol), alteração da enzima, no caso de drogas
que atuam no metabolismo, ou uso de vias metabólicas alternativas.
Bombeamento para o meio: Efluxo da droga - No caso da resistência às tetraciclinas, em
bactérias entéricas.
Processos de transferência de genes entre bactérias
Introdução
Sabemos que, embora as mutações sejam responsáveis pela expressão de várias
novas características por uma célula, muitos dos fenótipos expressos pelos microrganismos
procarióticos são decorrentes da aquisição de novos fragmentos de DNA, por meio de
processos de transferência horizontal de genes. Três processos de transferência genética entre
bactérias são bastante conhecidos: transformação, conjugação e transdução. Há ainda um
quarto processo, a conversão lisogênica, que envolve a transferência de DNA de uma partícula
viral para uma bactéria, sendo um evento importante na aquisição de genes muitas vezes
associados à virulência.
Transformação - É definida como um processo de incorporação de DNA na forma livre,
geralmente decorrente da lise celular. A partir de seu descobrimento, foi demonstrado
formalmente que o DNA era a molécula envolvida na hereditariedade (experimentos iniciados
por F. Griffith, 1928).
Várias bactérias Gram positivas e negativas são naturalmente transformáveis,
entretanto, dentro de um gênero, nem todas as espécies o são. Na natureza, o processo ocorre
quando uma célula sofre lise, liberando seu DNA. Este, por ser de grande tamanho tende a
sofrer quebras, originando centenas fragmentos de aproximadamente 15 kb (o equivalente a
cerca de 15 genes, em Bacillus subtilis).
Como uma célula absorve poucos fragmentos, apenas uma pequena proporção de
genes podem ser transferidos.
Inicialmente, para que o processo ocorra, é necessário que a cél. encontre-se
competente, isto é, deve apresentar sítios de superfície para a ligação do DNA da célula
doadora e apresentar a membrana em uma condição que permita a passagem deste DNA.
Esta propriedade é, provavelmente, uma característica inerente de certas linhagens e, ao que
parece, envolve o mecanismo de quorum sensing. O estabelecimento da competência é um
fenômeno controlado, envolvendo a participação de diferentes proteínas (proteína de ligação
ao DNA, presente na membrana, autolisinas, nucleases), sendo um processo variável entre os
microrganismos.
Aparentemente, o número de sítios disponíveis para a ligação do DNA é limitado. Esta
captação parece estar relacionada a uma pequena sequência, de 10 a 12 pares de bases,
presente no DNA exógeno. Em Haemophilus, foi demostrada a presença de uma proteína que
reconhece e liga-se a uma sequência 5’ - AAGTGGGTCA - 3’, muito comum no genoma deste
microrganismo, garantindo que somente ocorrerá a captação de DNA de espécies muito
similares.
A competência é um processo que depende de várias condições distintas nos diferentes
microrganismos. Sabe-se que a fase de crescimento e as condições ambientais desempenham
um papel de extrema importância no processo. Além destes, a temperatura e a concentração
de cátions também influenciam a eficiência do processo.
A captação do DNA também é diferente entre Gram positivos (G+) e Gram negativos
(G-): Nas G+ o DNA é captado como dupla hélice e absorvido como fita simples, sendo uma
das fitas degradadas. Nas G-, o DNA é absorvido como fita dupla, embora apenas uma das
fitas participe do processo de recombinação. Independente do tipo celular, a ligação do DNA à
célula é mais eficiente quando está como fita dupla.
Ligação do DNA: inicialmente é reversível, tornando-se irreversível depois. As células
competententes ligam o DNA com muito mais eficiência que células não competentes (1000
vezes mais). Streptococcus pneumoniae é capaz de ligar apenas cerca de 10 moléculas de
DNA de dupla fita, de 15 a 20 kb. Quando são absorvidas, como DNA de fita simples, estas
passam para cerca de 8 kb.
Em Haemophilus influenzae, é necessário que o DNA tenha uma sequência específica
de 11 pb, para que haja a ligação irreversível e o DNA seja captado.
Integração do DNA: O DNA liga-se a proteínas na superfície celular, sendo em seguida
absorvido ou tendo uma de suas fitas degradadas por nucleases antes da absorção. À medida
que o DNA é absorvido no interior da célula, este se associa a proteínas de ligação ao DNA de
fita simples, protegendo-o de degradação. A proteína RecA também participa deste processo,
associando-se à fita e promovendo a recombinação. Há então a degradação do que resta da
fita simples e formação de um DNA híbrido, que na replicação originará uma molécula parental
e outra recombinante.
Esquema dos eventos envolvidos na transformação em Streptococcus, um
organismo Gram positivo. O autoindutor (1) ao encontrar o receptor (2) interage com este,
promovendo a ativação de vários genes (3, 4 e 5) dentre eles as autolisinas, nucleases e
proteína de ligação ao DNA. Uma das fitas do DNA passa a ser captada pela célula, enquanto
a outra é degradada (6). Ao penetrar na célula a fita simples é protegida por proteínas. Caso
este DNa encontre uma região complementar, a proteína RecA auxiliará sua recombinação
com o DNA endógeno (7).
Conjugação - Processo de transferência de DNA de uma bactéria para outra,
envolvendo o contato entre as duas células (descoberta por Tatum & Lederberg, 1946). A
conjugação está associada à presença de plasmídeos de natureza F. Estes plasmídeos contêm
genes que permitem a transferência do DNA plasmidial de uma célula para outra ou, em outras
palavras, a capacidade conjugativa. Quando a célula porta um plasmídeo de natureza F é
denominada F+, doadora, ou macho, enquanto células desprovidas de tais plasmídeos são
denominadas F-, receptoras, ou fêmeas.
A capacidade conjugativa está associada à presença de determinados genes
localizados em um operon denominado tra. Estes genes conferem uma série de características
envolvidas na conjugação tais como a síntese do pilus F, responsável pelo reconhecimento e
contato entre as células, assim como a transferência do DNA plasmidial.
Eventualmente, os plasmídeos podem ser integrados no cromossomo, sendo este
processo mediado por pequenas seqüências de DNA denominadas IS (insertion sequences).
As células apresentados tais plasmídeos integrados são denominadas Hfr (do inglês High
Frequency of Recombination). Quando integrados, esses plasmídeos podem mobilizar a
transferência de genes cromossomais também.
Exemplo de um plasmídeo do tipo F
Em gram negativos, a conjugação pode ser de dois tipos: entre células F+ e F-,
resultando em duas células F+ e entre células Hfr e F-, resultando em uma célula Hfr e outra F-
. Nos dois processos, acredita-se que o mecanismo provável de transferência do DNA seja pelo
círculo rolante, onde apenas uma das fitas é transferida, sendo a fita complementar sintetizada
pela célula receptora. Provavelmente, o estímulo para o disparo do processo seja o contato das
células. Assim, a conjugação envolve a passagem de DNA de uma célula F+ para outra F-, que
torna-se então F+ também.
Quando o plasmídeo encontra-se incorporado ao cromosso, a conjugação passa a
envolver a transferência de genes cromossomais, sendo que nestes casos, a célula receptora
permanece F-, porque a região tra é a última a ser transferida, o que raramente ocorre na
natureza. Nestes casos, passam grandes blocos de DNA da célula Hfr para a receptora,
promovendo extensas recombinações.
(a)
(b)
(c)
(d)
Esquema dos eventos associados à conjugação entre células F+ e F-.
Eventos associados à conjugação entre uma
célula Hfr e outra F-. Observe que a célula F- permanece
como receptora, uma vez que a região tra normalmente
não é transferida.
Transdução: (Lederberg & Zinder, 1952) transferência mediada por vírus, podendo ser
generalizada (qualquer fragmento de DNA) ou especializada (determinados genes, passados
por fagos temperados).
Transdução generalizada: Descoberta em Salmonella typhimurium com o fago P22,
embora este processo também ocorra em outras bactérias, tais como E. coli. Este tipo de
processo requer a ocorrência de um ciclo lítico, onde eventualmente pode haver o
empacotamento de fragmentos de DNA da célula hospedeira, gerando partículas denominadas
partículas transdutoras, que correspondem ao capsídeo viral contendo em seu interior DNA
bacteriano. Embora não possam ser descritas como vírus, as partículas transdutoras exibem a
capacidade de adsorção à superfície de outras células bacterianas. A frequência com que um
determinado gene é transferido é baixa uma vez que cada partícula transdutora leva apenas
um determinado fragmento de DNA (1 em 106 ou 108 cél. recebem um determinado gene).
Transdução generalizada: durante um ciclo lítico, pode haver a incorporação de DNA
bacteriano no capsídeo viral. Este DNA poderá ser transferido para outra bactéria, pois os
processos de adsorção e injeção de DNA dependem da estrutura do vírus, independente do
tipo de DNA contido em seu interior.
Transdução especializada: Evento raro, embora bastante eficiente. O exemplo melhor
conhecido e primeiramente descoberto foi a transferência de um genes que codificam produtos
envolvidos na degradação de galactose pelo fago l de E. coli.
A etapa inicial no processo corresponde à infecção e lisogenização do fago, que ocorre em
sítios específicos do genoma. Neste caso, a integração do fago ocorre adjacente ao conjunto
de genes envolvidos na utilização de galactose. Pela ação de algum indutor (ex: UV) há a
separação do fago do genoma (integração reversa), que normalmente ocorre perfeitamente.
Entretanto, em alguns casos, essa separação é defeituosa, promovendo a remoção de genes
bacterianos e deixando parte do genoma viral na célula. Essas partículas podem ser de dois
tipos: aquelas que carregam genes gal e outras que carregam genes bio. Aquelas partículas
levando genes gal são denominadas ldgal (defectivas, contendo o gene gal), porque são
incapazes de formar partículas virais maduras (porque deixam no hospedeiro o gene que
codifica a proteína integrase). Quando estas partículas infectam novas células, juntamente com
fagos normais (helper), pode haver a transferência de genes gal, a partir da infecção e
lisogenização dos dois fagos.
Transdução especializada: este processo é dependente da ocorrência de um ciclo
lisogênico. O fago integra seu DNA ao DNA bacteriano e após um determinado período de
tempo e de acordo com certos estímulos, este fago pode iniciar um ciclo lítico. Caso a excisão
do DNA viral ocorra de maneira defeituosa, poderá haver a transferência de um pequeno
fragmento de DNA bacteriano (porque parte do DNA viral ficará incorporado ao genoma
bacteriano). Este vírus "defeituoso" poderá transferir o DNA bacteriano para outras células.
Conversão lisogênica: Transferência de genes de fagos para bactérias. A própria
lisogenização torna a bactéria imune a outras infecções por este fago, mas além disso, outros
fenótipos podem ser adquiridos. O exemplo mais clássico consiste na conversão de células
atoxigênicas de Corynebacterium diphtheriae em toxigênicas, pelo fago ß. Assim, a bactéria
recebe um gene que codifica uma toxina, sendo este gene de origem viral.