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7/25/2019 Introdução a Volpi.pdf http://slidepdf.com/reader/full/introducao-a-volpipdf 1/3 MARIO PEDROSA lntrodução a Volpi Mário Pedrosa não merece homenagens. Seria injusto para a sua combatividade, para a idéia polêmica e rigorosa que faz da produção da arte, homenageá-lo de alguma forma. Obriga- tório é ler e reler seus textos, estudar as suas intervenções corajosas, inteligentes e historica- mente lúcidas, E o caminho nesse sentido é longo: desde pelo menos os anos 40 a sua par- ticipação no ambiente cultural brasileiro foi sempre decisiva e renovadora, sobretudo em termos da pólítica cultural que lutou para fi- xar, distante tanto do nacionalismo estreito e anedótico quanto do colonialismo cultural do qual permanecemos infestados. Pedrosa pensa a arte num quadro amplo, pol í- tica e culturalmente. A sua defesa dás lingua- çns e do projeto construtivo na década de 50, o seu apoio às vanguardas dos anos 60 e 70, demonstram a abertura histórica em que exer- ce sua observação e pratica sua teorização. Conceitos como o de "arte pós-moderna" foram e ainda são instrumentos eficazes de luta no circuito de arte brasileiro e sua ideologia esteticista dom inante. A ausência de Mário Pedrosa representa, para além do lugar-comum, uma falta. Embora compreensível, não é a atitude mais produtiva senti-la nostalgicamente.. A manobra positiva é procurar, sempre que Íor possível, atualizar sua presença, canalizar a energia de seus textos e de seu pensamento para as tarefas críticas necessárias às circunstâncias presentes. A re- cente edição do seu livro "Mundo. Homem, Arte em Crise" (Editora Perspectiva, coleção Debates), organizado por Aracy Amaral, uma reunião de artigos e ensaios que abrangem o período de 1959 a 1970, permite o início de um trabalho nessa direção. Ao publicar "lntrodução a Volpi" Malasartes pretende levar adiante essa atualização do pensamento de Mário Pedrosa. Pensamos que há interesse em ler (e, para alguns reler) o que disse o mais importante crítico de arte brasi- leiro sobre um pintor-chave da nossa arte mo- derna, no momento em que este fazia sua primeira grande exposiçâo no Rio de Janeiro, em 1959. Com a palavra aquele que nunca deveria perdê-la nesse país, Mário Pedrosa. Mário Pedrosâ - AJB

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MARIO

PEDROSA

lntrodução

a

Volpi

Mário

Pedrosa

não

merece

homenagens.

Seria

injusto

para

a sua

combatividade,

para

a

idéia

polêmica

e

rigorosa

que

faz

da

produção

da

arte,

homenageá-lo

de

alguma

forma. Obriga-

tório

é

ler

e

reler

seus

textos, estudar

as

suas

intervenções

corajosas, inteligentes

e

historica-

mente lúcidas,

E

o caminho

nesse

sentido é

longo:

desde

pelo

menos

os anos

40

a

sua

par-

ticipação no ambiente

cultural

brasileiro

foi

sempre decisiva e renovadora,

sobretudo

em

termos da

pólítica

cultural

que

lutou

para

fi-

xar, distante

tanto do

nacionalismo

estreito

e

anedótico

quanto

do

colonialismo

cultural do

qual permanecemos

infestados.

Pedrosa

pensa

a

arte num

quadro

amplo,

pol

í-

tica e

culturalmente. A

sua

defesa dás

lingua-

çns

e

do

projeto

construtivo

na década

de 50,

o seu

apoio

às

vanguardas

dos anos

60 e

70,

demonstram

a abertura histórica em

que

exer-

ce sua

observação

e

pratica

sua

teorização.

Conceitos

como

o de

"arte

pós-moderna"

foram

e

ainda

são instrumentos

eficazes de

luta

no

circuito

de

arte

brasileiro

e

sua ideologia

esteticista dom inante.

A

ausência

de Mário

Pedrosa

representa,

para

além

do

lugar-comum,

uma

falta.

Embora

compreensível, não

é

a atitude mais

produtiva

senti-la

nostalgicamente..

A manobra

positiva

é

procurar,

sempre

que

Íor

possível,

atualizar

sua

presença,

canalizar a energia

de

seus textos

e

de

seu

pensamento para

as

tarefas críticas

necessárias às circunstâncias

presentes.

A

re-

cente

edição

do

seu

livro

"Mundo.

Homem,

Arte

em

Crise"

(Editora

Perspectiva, coleção

Debates), organizado

por

Aracy Amaral,

uma

reunião

de

artigos

e ensaios

que

abrangem o

período

de

1959

a

1970,

permite

o

início

de

um

trabalho

nessa

direção.

Ao

publicar

"lntrodução

a

Volpi"

Malasartes

pretende

levar

adiante

essa

atualização

do

pensamento

de

Mário

Pedrosa. Pensamos

que

há interesse em ler

(e,

para

alguns reler)

o

que

disse

o

mais

importante

crítico

de arte

brasi-

leiro sobre

um

pintor-chave

da nossa

arte

mo-

derna,

no

momento em

que

este

fazia

sua

primeira

grande

exposiçâo

no Rio de Janeiro,

em

1959.

Com a

palavra

aquele

que

nunca

deveria

perdê-la

nesse

país,

Mário

Pedrosa.

Mário

Pedrosâ

-

AJB

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Dia

6

de

iunho,

quintilfeira,

o

Musgu

de Arte

Mo'

derna do

Rio

ÍranqueaÍá

ao

público

a

mostra

Íetros'

p""riu"

a"

Alfredo

Volpi,

aÍtista

que,

pela

autentici-

ããe

ae

tr"

experiência

e

pela

linguagem

pessoalÍssi-

nn, de

grande

foÍça

poética,

a

que

úegou,

sB

@loca

como

figura

de

primeira linha

da

arte

brasilsira

con'

umpora-nea.

Ceica

de

60

trabalhos'

de

1924 a

1957'

coÍÌStitu8m

o

corpo

dsssa

exposição,

enÍiquêcidô

com

Íotografias

de

murais

Ísalizados

em

residências

parti-

qrlare6,

p€lo

artista'

ainda no

tempo

em

que

era

,docorad-or

da

paredes,,.

ou

o

"decorador

do Çam-

buci",

como

o

chamaram

na época.

Mário

Pedrosa,

que Íoi o

encarregado

de

organizar

a

mostra,d€

üolpi,

escreveu

para

o

catálogo

do

Museu

uma-'ln'

troduÉo

a AlÍredo

Volpi",

que

é

o

melhor

caminho

para

se

chegar

à

humildade

e

gÍande

arte

desse

pintor'

F.G.

Esse

pintor

brasileiro,

AlfÍedo

Volpi,

é mais

do

que

paulistano,

é

do

Cambuci.

Não

nasceu

neste bairro,

Íressm

Luccs,

na ltália,

em

1 896.

Desde

os

1

8

meses,

pgrém,

gue

se

instalou com

a

famíliã

-

um casal

do

italianos,

com

très filhos

*

no

Cambuci,

que

dos

velhos

bairros

da

Paulicéia,

é

dos

raros

a terem

resis-

tido

ao

progrgsso.

E

por

isso

mesmo

conseÍva

eín

grsnde

parto

suâ

fisionomia

antiga.

O

pai,

pequeno

nogociante,

tentou

vários

negócios.

rrtas

tanto

am

Luçca

como

em

São

Paulo,

nunca

Í62

a

América.

O

menino

Alfredo,

aos

16

anos.

entrou para

a

"construção

civil".

como aprendiz

da

decorador

de

parades.

Depois

da

escola

primária,

seÚ

grimeiro

of

íçio

foi,

porém,

o

de

entalhador;

o

segun-

do de

Encadernador.

O

terceiro,

enfim,

Íoi agu€le

em

que

se

Íez. Ouando

se

iniciou

nele.

reinavaentreos

ÍnestÍes

da

pÍoÍissão

o estilo

"Íloral",

puro

"art

nou;

reau".

Era

em 1912'

AlÍÍedo

Volpi

Íoi

aprendiz

consciencioso,

desde

o

primeiro dia

em

que

começou

a carregar

para

os

mais

vElhos

os

potss

e bâldes

com água

e

cal,

os

pincáis,

as

escadas.

Aprendeu

a

misturar

as

tint6,

e

ouvia

aÈntamônte

a

lição

do

mestre,

quando

Íecomendava

oía

6

qngrossaf

a

tinta, ora

a toÍn#la

Ínâis

Íluida

para

o

óleo

esclrrtr

melhor.

Cedo

principiou

a lidsr 9om

o

muÍo,

a

prepaÍar

o

reboco.

a

caiâlo'

E,

Íealmente'

a

sra

academia,

foi

a

rude,

a boa,

escola

do

pintor

de

psredes; em

pouco

tempo,

o

iovem

Volpi

gÍa

promo'

vido

a

"decoradoÍ",

título

quB,

durante

muito

tempo'

errrégou

com

lggítimo orgulho,

e

que

o

permitia

oontratal,

e16 mesíno,

por

conta

própria,

as

empreita-

das.

Nesses

Íneios

autênticos

e símples,

em

quo

a

tra'

dit'o

impora

e ainda

ss

respeita

ã

maestria

do

bgm

oficio,

os

problgmss

estéticos

são

resolvidos

por

si

ÍÌEsmos:

cads

época

t6m seus

precei-tos

decorativos'

A

sua

era, como

dissemos,

a

do

"art

nouveau"'

Os

tsmas

não variavam,

e tudo

dependia

de

quem

Íazia

a

encomenda;

se èra

italiano,

se

sabo: a deco'

ração

tinha

de

sôr

renascentista;

mas

se era

Írancâs

ou

brasil€iro

tinha

de

sor

Luiz

XV,

enquanto

quo

06

turcos

não dispensavam

o

"mourisco".

Volpi,

bom

emproiteiro,

contsntâva

a

clientela,

à

riscâ.

Ficou

dessas

decorações

de

empreitada,

ao

gosto

da

época

e

do

freguês,

quase

nada;

o

pÍogresso Íulminan'

São

Paulo derrubou

a maioria

da casas

onde

se

ènconlravaln,

antigas

vilas

6

palacetes,

nas

guais

o

dono,

ern

viss

de

prosperidade,

tazia

questão

de

ter paredet decoradas.

a

caráter. Hoie,

no

h'rgar dessas

velhas

câsas

quâ5ê

núnca

belas

mas

quáse

sempre

con'

Íortáveis

e

invariavelmente

êsp8çgsas,

erguem-se

ar'

ranha-céus,

secos

e

som

fant6ia,

nos

quais

o

espaç

é

utilizado

com

usura'

Descobrimos,

no

entanto'

no

seu

wlho

Cambuci,

uma

antiga

casa,

à Ílorentina'

çuia

sub

à"

iantat

foi

por

ele decorada

com

motivos

clás'

i',"or,

gtt*'roÍnunos;

nêla há

tambóm

um

tsto

sobÍe

urnì'Ã*uu,

à maneira

barroca.

com

anioi

em

scor'

zo

no céu

ou

debruçsdos

em

parapeito'

Anos depois,

guando

Volpi

consciento

da

existân'

cia

da outra

pintura,

começava

a

distinguir€e

como

ointor de

cavalete,

um

franoâs,

despeitado.

o

xingou

de

"o

decorador

do

Cambuci"'

Mas

no

seu

sabor

de

coisa

popular autêntica,

o tÍtulo

ó

Íealmente

nobre'

Com

&eito.

antes

do

tsr

o

noms iÍradiado

para

Íora

do

bairro,

i"to

ó,

pelo

centÍo

cosÍnopolita

da

Cidade'

p€lo

Rio

e

pelo

BÍasil,

e

mesrno

psla

estÍania,

se

iornou

Volpi

uma

celebridade

de

seu

Cambuci'

Tinha

16

anos

guando

oomeçou

a

pintar

em caa,

para

si

mesmo.

Sua

primoira

noção

de

"pinturabelas-

àres"

Íoi a

de

pintar

nõo

mais

de enomenda

nas

paredes

alheias,

mas

8m

sau

quarto,

sobre

pequenas

ielas

vagabundas.

para

divertir'so.

E

soÍreu,

sDtão,

as

primeir*

"influências":

o

menino

saÍa a

passear

pelas

ruas

adiacentss

ou

os

baiÍros

viztnhos,

em @rtas

port"s

ou

portões

parava

parô

aPrsciar

as

paisaqens

das entradás

das

casas,

dos

tarraços

e

alpendres'

Fo-

ram.

assim,

os

pintoros

anônimos

daqualas

sntradas

seus

primeiros mestres'

Aliás,

com

ele

nunca Íoi

diÍerente:

até

na

última

Íase

gpomátrica'Çoncrstista.

o

artista

so ÍecuEa

a

Separar

o

óue

é escola

do que

não ó escola, o que

ó

erudito do

que

não

ó

erudito,

o

guo

ss

aprends

por

ensino

do

que

se

aprende

sam sabeÍ

como;

com

a

vida.

digamos'

Mesmo

sobro

as

formas

e temas

geométricos de

sua

pintura

mais

recente,

gle

nos

diz:

"Nunca

so sab€

de

onde

vêm os elemonto6".

Vêm

de toda

parte,

e

se

de

cataventos

taz

triângulos, cúpulas

ele

transforma

em

círculos,

e

relângulos

eÍam

antes

bandeirinhas

de

papel,

Para

esse

homom

saudável,

iovial,

alegre, com

muitos

Íilhos adotivos,

uma

brava

mulher

e

uma

Íilha

faceira, cachorÍos

e

gatos

gue

lhe entram

familiar-

Ínente

pslo portãozinho

a dsntro,

la

na

sua

rua

tran-

quilâ,

ô

vida

6

realmentg'a

mestra

suprema'

É vão

procurar

na

sua

obÍa

inÍluência

de

mestres

imignes,

modemos

ou

antigos.

Nunca seguramento

abrú

uma

revista

de

arte estrangeira

Para

estudar

a

reprodução

ds

um

Picaso,

Matisse,

Renoir,

Van

Gogh

ou

Gauguin.

É

que

nunca precisou de

ir

buscar

nos

outros

as

soluções

en@ntradas

não

em

si mesmo

(não

é

pretenciosol

mas

em

roda de

si,

nos sgres

Eimples

que

o côrcam,

nas

crianças

que,

nos diz ele,

"nos

surpreendem

sempre".

nas

coisas

e

nos aÍazeres

cotidianos.

gurante

carto

tempo,

teve

como companheiro

e

ami-

go

um

pintor

popular

de

ltanhaém,

o Souza,

em cuias

paisagpns

Volpi

aprendeu

talvoz

a

soparâr

o sssancial

do

acessôrio, um

tom do outro.

FíequontôÍìente,

nas

prôias

do

ltanhaém

pintavam

iuntos,

o

Souza

e

o

Vol'

pi.

Souza

era

um

simples,

morreu

como

@Íloçou:

um

pintoÍ

popular.

Hoie

ss

diz

,pÍimitivo".

Volpi,

tambóm

continuou

a ser

o

guo

sompro

loi

-

artgsão

@nsciente

e simples,

mesmo

agoia.

quando

sua

figu'

ra

cros@

ê está

sm

vias

de

tornar-se

a

primgira

da

pintura

braÊilãiÍa

qontemporânea

e

6

de

qualquer

mo'

do. a

que

iogou

mais longo a

Íunda:

atings

a

uÍna

transcendèncÈ

âinda

não alcançada

na

arte

brasileira'

E

ele

chega

aps

extrsmos

da

racionalização

ab6tratô,

à

pintura

dita

"concretista",

sem

perder

a

graça,

e,

33

rob

o

s"u

pincel,

os

tsmas

geomêtÍicos mais

rigorosos

são

sensibilizados

por

uma c'or

que

funciona

pela

prescrição.

pela

pureza,

pela

vibração

luminosa,

em-

Lora umedecida

por

um

toque

de

lirismo

pessoal

in'

coníundível.

Ouando,

por

volta

de

1912,

começou

a

pintar

"para

si

me8Ínoi',

rugia

sm

Paris o

cubismo.

Em

1922,

por

ocsiõo

da

Semana

de

Arte

Modernâ,

no

Teatro

Mu-

nicipal

de

São

Paulo.

Volpi

tinha

dez anos

de ta'

Íimüa

pictórica.

Nas

rodõ

suburbanas

da

capítal,

brilhâva,

poÌám'

Talvoz

por

isso

mesmo,

não

tomou

conhaciÍúnto

do

a@ntecimento,

por

mais escanda

losas

quq

tivssssm

sido

as

maniÍ6sta9ões

pelas

quais.o

"modernismo" faz

sua

entrada

na pacsta São Paulo

então.

a

meEna,

entÍetanto,

que

Mário de

Andra-

de chamara,

num

aÍrobatamênto

literário,

da

"Pauli-

céia

Dgsvairada"'

Nem

Volpi,

o

decorador

suburbano,

sabia da

€xistência

daqueles

grandss nomês @smo-

polit6

e

intelectuais,

nem

êles

sabiam

da

glória

ple-

Leia de cambuci.

mais

tadê.

Mário

de

Andrade

e

Volpi

se

conhgceram,

se

estimaram,

e beberam

iuntos

até o

"Porra",

Para

Volpi

não

havia

duas

pinturas

nem

divisões

en-

modernistas

e

passadistas:

a

pintura

era uma

só'

E

quando,

na

primeira

mostra

em

qu€

aParscgu

@m

Júirot,

itt clássificaram

al

tslas

ds

"impr€ssioni5tas",

admirou-se.

Tsw,

seguramente,

o

espanto

do

Mr'

Jourdain

quando

lhe

disseÍom

qu6

Íazia

prosa'

O

fato

passou no

velho

Palácio

das

lndústrias'

Expt'seram

@m

ele

alguns

companheiros

de

profissão, todos

da

"construt'ã

civil"'

lsso

foi

em 1924'

DostÍêstraba'

lhos

apro6entados,

um

"Moça

Costurando"

-

foi

adquirido

pelo

atual

possuidor.

Custou

400

mil

réis'

Voipi,

o

mesrre

decorador,

Era

também

reconhecido

como

pintor.Tinha

ontão 28

anos.

A

partir

dessa

data,

ue

vido

começou

a dividiÍ'se

em

duas

partes:de

um

lado,

o

profissional,

o

mestredecorador

de

paredes;

do

outro.

o

artista

individual,

o

pintor

de cavalete'

O

m$treartÍfice

tomou consciência

de

ser

também

"artista".

Mas

foi

vãriÍicando,

talvez

com

melancolia,

qus

o

aÍtíÍio9

e

o

artista

não

podiam

coabitar

d'entro

de

si mesÍno,

como

até

sntão.

É

que

os

Públi'

co3

a

quo

sorviam.

um

s

outro,

eram

irreconciliáveis'

0

decorador

de

parodeE

tÍsbalhava

para

homens

sim-

pl€6,

embor6

enriquecidos

ou

remediados,

muitos

dgles

antigos

artesãos

ou

pequsnos

comerciantes,

em

$raÍnaioria,

emigrados,

ao

passo

que

o

"novo"

pintoÍ

dê cavôleto

tinha

de satisfazeÍ

a

uma

cligntala

srisca,

toda

diíerônte, ora

d6

gonts

modesta,

ora

de snobs

ricos,

de

iôtelsctuais

sabichões

ou de

amadores

exi-

$ntês.

de

gosto

apurado

è individualista.

Nestos

do-

minavam

os

"ismos",

naqueles

a tradição'

O

artista

que

é

hoie

Volpi

se

foÍmou e

desenvolveu

dentro do mundo

ãrtesanal

da São

Paulo do

começo

do

#culo.

Ouando.

por

si

mesmo,

foi

consagrado

rneEtr6,

estâva

s€nhor

d0 todas

as

técnicas

das

pinturas

de

paredes

6

de

cavalete.

sem

ter

pàssado

sequer

por

uma

Êscola.

e

muito

menos

por

gualquer

a@domia

de

"BelasArtes".

Giíou'se,

como

artista,

na

indústria

de

construção

civll.

e com e$a

evoluiu

do

puro

artosana'

to

manual,

de

pedrairos

e mestresde-obra,

ao

nívsl

da arquit8tura

moderna

em

que

os

que

tratam

@m

pintoregartistas são

arquitetos,

quer

dizsr,

artistas

também,

A

arte de

Volpi

guarda

todas

as

marcas.dêsa

evolu'

ção,

Nos

longos anos

de trabalho

honesto

e

eÍiciente

na

profissão,

passou,

naturallÌrênte.

som

saber coÍno'

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7/25/2019 Introdução a Volpi.pdf

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;

.i

por

todas

as fases

da pintura

moderna,

do

impressio-

nismo

so expressionismo,

do

fauvismo

ao cubismo,

até o

abstÍacionismo. Se

na

sua fase

atual, de

onde

ficam

o

amor

aos

velhos materiãis

e

talvez a

preferên-

cia

final

pela

têmpera

(sem

Íalar

no apego ao

muro

em si),

não

ss adapta

a

sua

arte, aos estilos

artesa-

nais

da construção

civil

de sua

mocidade,

prova

ela,

oontudo.que

a

verdadeira

escola de

um

pintor

não

são

as

academias

de belasartes nem

as

escolas espe-

cializadas

(afastadãs

do

mundo do

trabalho e

da

pro-

duçãol, mas

o

prôprio

aprendizado industrial

do dia.

Em sua evolução

de

pintor,

Volpi refez

a

do artista

qu6.

ao

sair

da

ldade

Média

e

do Renascimento,

ápoca das

corporações,

passou

à ldade

Moderna,

de

@m6rcio

livre,

em

que

as

corporações

se

dissolì/er8m,

I

definitiva se tornou

6

5eparação

entre

"b€las"

artes

I

ârtas

industriais.

Conseguiu,

no

entanto, ele

chegar

ao

ápice

da

evolu-

ção modorna,

a

partir

do

ofício

do decorador de pare-

des. Dãí tãlì/oz

lhô

tonha sido dado

guardaÍ

a

purgza,

a

inçnuidade

artÍsÌica, a

faturã

manual

dramatica-

ínente

precária

de sua matéria,

mesmo

nas

mais abs-

trâülg

ou "concretistas"

composições da última fase.

Sgus

instrumentos

de trabalho, seu$

materíais são

os

mۃmos,

entr€tanto,

da

produção

artesanal.

Com

thÊ,

pode

lerrar

sua

experiência até

o

fim.

Os

jovens

quo

holo

o

acompanham

têm de

partir

de outro

pla-

no, bsm

mais

complicado:

o

da indústÍia

moderna,

@m seus

in$rum€ntos

mecânicos,

seus materiais no-

vos,

sintéti@s

ou

plásticos, para

comeles

alcançar

umâ

visualidade

de

para

das

puras

superfÍçies

volpianas.

dos ssus

xadrezes

ardentes

e

das diagonais

Íascinantgs

do

seu

"concretismo"

sui-generis.

Nesss

mostra atual,

pÍocurou-se

dar o

sentido de

conjunto da obra,

a

Íim

de qu6

rossaltem as

suas

diwrsas

Íases. Partindo

do uma espóciè de impressio-

nisÍÍro ingênuo,

s€gue-s€

uma

modalidado

de

expres.

sionismo em

que

a

representação

das coisas começa

a

ser

subordinada

às necessidaiJes

de

estruturar

a

com-

posição.

Outra

experiência

se

deÍine

por

certa

predi-

leção

pelos

temãs

sociais.

As

figuras são

então

como

pesadamente

argamasmdas

à

Cézanne,

e

o

claro-escuro.

que

quas6

predomina,

acaba desapare-

csndo,

pou@

a

pouco, para

dar lugar

a

um

jogo

de

tons

cromáticos

que

começam a construir a

composi-

ção,

As

paisagens

impressionistas,

ou

de

atmosfera,

as

Íiguras

temáticas

perdem

o

modelado e

uma

pintu-

ra

do

planos

coloridos

surge,

Enxotôndo,

afinal,

o

modelado,

as

coÍes

se

tornam

a

peÍsonagem

principal

de

suas

telas.

No entanto, aqui o acolá,

tons sombrios

e

misteriosos, uma atmosÍeÍa

carregada

de c€rtas

paisagens

antigas, lembram

o

nosso Goeldi

das

casas

mal

.assbmbradas

e

dos

corvos.

É

curiosa

ossa

afinide

de

de

atmosfera

de

certos momsntos

de Volpi.

com

o

gravador

nsto

de Munch,

Pouco

a

pouco,

depois de

ligeira

experiência de

uma

pintura ainda

base

do volumo,

o

artista

bane

quaF

quer

sugestão

de terceira

dimensão. ao verifícar

que

o

"volume

destrói as cores", Dentro

do

macacão de

artesão,

o

colorista brota

cada

vez

mais

exigente.

Seus

planos

libertam-so

das convenções ilusiónísticas

e

se concretizam

realmente

6m

planos

na

superfÍcio.

A

sério

de

casas

principia

e

o

leva

até

o

abandono

total

de

qualquer

sugestão

figurativa.

Nas marinhas,

o ar e o

éu dssaparecem

sm

faixas

coloridas,

os

ts-

lhados

das casas

viÍam triângulos,

hdeiras e

ruas trang

formam-so

em retângulos,

ianolas

am

quadrados.

As

linhas

que

antes

contornavam,

com

üm desleixo sim-

plório

mas de disfarçada elegáncia,

as

áreasde

cor ou

as

figuras,

agora,

autônomas, tondem

ao traço, s um

grafismo

saboroso,

de ingônuo sabor

primitívo

ÍÌtãs

ao

meEno tempo de extremo roquinte,

apàcs

como

numa

caligraÍia

d0

"mâl

traçadas

linhas".

Volpi

dis-

farça

seu

extremo

apuÍo aÍtosanal: a nenhum mêstro

da

pintura

brasileira o supera

na

maestria técnica: sl8

é capaz

ds

pintar

em

todos

os

gêngros

estilos,

e

os

vBlhos recursos

da

píntura

acadêmÈa

lhes

são Íamilia.

res.

Tanto

é capaz de

nos

dar um nu

perÍeìtamento

académico,

como

nos surpreender com

uma madona,

de

admirável

fatura

e

precisão

técnica.

ao

puro

gosto

pr&renascimento

italiano.

Este

insular

do Cambuci

também

é um

criador da mítica

mulata

brasileira,

que

Di Cavalcanti

inaugurou na

nossa

pintura.

Osfi-

lhos

do

possuidor

de

"Figura

entre cortinas",

batizã-

ram-nai numa

evocação sugestiva, de

a

"Nega Fulô",

Muitos ainda

Íalam

dele como

de um "primitivo".

Se com

isso

querem

dizer

que

suas

aÍinidades

vão

para

os

"primitivos"

italianos, de acordo,

Mas

é o

que

âcontece

também com

toda

a sensibilidade con-

temporânoa,

gué

a Rafael

prefere

Giotto e,

à Capela

Sistina,

os

mosaicos de

Ravena,

Nem

pintor

"ingênuo" nem

"primitivo";

o

que

lhe

é

caracterÍstico

é a humildade

artesanal, Íruto

de uma

proÍunda

sabedoria

pictórica.

É,

porém,

puro

e sim-

ples

como um

autêntico

homem

do

povo.

Por

isso,

ao mesmo

tempo

gue

constrói uma cidade

Íantástica,

com

o

poder

evocativo da

pintura

metafÍsica, nos

encanta

çom

cataventos, bonecos,

joões-molengos,

do

sabor

inÍantil,

Nâo

se

diga, entretanto,

que

em

sua

pintura

existem tons alegres e

ioviais,

ingênuos ou

populares;

em

certas

telas,

como

"Bãrco", como

"Cadeirinha",

o

poder

de iólamento

mágico

do obje-

to

rende

uma atmosÍera

quase

tão densa

quanto

um

Van Gogh. É inútil

continuar a

destacar, aqui

e

acolá,

qualidades

ou

surpresas

na

obra do

pintor,

que

é varia-

da

e intensa

como

um rio.

Em 1950.

Volpi, em companhia

de dois

amigos

pin-

tores,

vai à

ltália,

praticamente. pela

primeira

vez.

Tinha

54 anos, Já

era

artista

perfeitamente

Íormado,

e sabendo

o

que

queria.

Lá encontrou

confirmação

para

o

que

estava

tentando fazer em

sua

terra,

Em

Veneza

Íicaram

35 dias. Mas enquanto os companhei-

ros

dali

não

arredaram

pé.

a

pintar

ao

ar

livre

passa

çns

célebres

da

cidade,

como

a

"Ponte

de

Rialto",

Volpi

deu

15

ou

'16

oscâpâdelas

a

Pádua,

para

con-

templar

o Giotto da Capela

do

Scrovegno. Em Arezzo.

descobriu Piero della Francesca. Mas,

confessa

ainda

hoie

com

ospanto

que,

numa

exposição

sacra

que

ali

so

fez.

4

ou

5

telas

de

Magaritoni

o

fizeram

esquecer

o

próprio

Pierol Assim,

Volpi

o

"primitivo", o

popu-

lar,

ao

próprio

Piero,

patriarca

do

Renascimento,

prefere

um

artista

de muito

msnos

nomeada,

ainda

bizantino,

isto

é, ainda

menos condescendente com

os

prazeres

dê uma matéria

sensorial,

ainda

menos

detalhista

e

realista na

sua

representação

exteÍior,

do

que o Íormidável

criador

da

lgreia

de

S, Francisco de

Arezzo.

Antes

de

ir

para

a

ltália,

sua

pintura

estava

mudan-

de

para

uma

rigorosa

bidimensionalidade,

isto

é,

uma

pintura,

som

modolado,

de

puro

tom. Suas

incli-

nações

de muralista

voltaram

de

lá reforçadas,

No

en-

tanto,

a

não

s€r

a

pequena

e

convincente expe-

riência

da capolinha

do

"Cristo

Operário",

da Êstrada

do

VerguEiro,

de São

Paulo, por

iniciativa

de

um

Írade

dominicano, até

hoie

não

as

aproveitaram

os

nossos arquitetos

modernos.

O

preiuízo

não

é,

entre-

tanto,

para

o

pintor.

A

posteridade.

porém,

lhes

po-

derá

tomar satisfação

por

sssa

omissão

escandalosa.

Cariocas, meus irmãos,

aqui

ostá

Volpi. Agradec€mos

ao

Museu

de

Arte

Moderna

a ela

apresentação.

A

postoridade

vai

guardar

o nome

dele.

É o

mestre de

sua

ópoca.