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Introdução ao comportamento não linear de estruturas Conteúdo 1 Introdução 3 1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas? ............ 3 1.2 Análise linear versus análise não linear ........................ 3 1.3 Objetivos e organização ................................ 4 2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais 7 2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais ..... 7 2.2 Tração e flexão elastoplástica ............................. 8 2.2.1 Material elastoplástico ............................. 8 2.2.2 Esforço axial .................................. 8 2.2.3 Momento fletor ................................. 10 2.2.4 Exemplos de determinação de M c e M p ................... 12 2.2.5 Flexão composta elastoplástica ........................ 14 2.2.6 Diagrama de interação de uma secção .................... 17 2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto em fundações diretas .................................... 21 2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular .................... 23 2.4.1 Curva momento-curvatura ........................... 23 2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais. ..................... 24 2.5 O conceito da rótula plástica .............................. 25 2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução ............. 26 3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas 29 3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última ........ 29 3.2 Estruturas isostáticas .................................. 30 3.3 O comprimento da zona plastificada ......................... 31 3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada ................... 33 3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática .................... 34 3.6 Descargas e esforços e reações residuais ....................... 37 3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos ................. 38 3.8 Utilização do PTV para o cálculo de cargas de colapso ................ 40 3.9 Mecanismos de colapso globais, parciais e múltiplos ................. 41 4 Análise limite de estruturas elastoplásticas 45 4.1 Introdução ....................................... 45 4.2 Carga de um mecanismo cinematicamente admissível ................ 46 4.3 O teorema cinemático ................................. 47 4.4 Carga de uma distribuição de esforços estaticamente admissível .......... 48 4.5 O teorema estático ................................... 50 4.6 Metodologia para obtenção da carga de colapso ................... 50 4.7 Exemplos de aplicação ................................. 51 1

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Introdução ao comportamento não linear de estruturas

Conteúdo

1 Introdução 31.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas? . . . . . . . . . . . . 31.2 Análise linear versus análise não linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.3 Objetivos e organização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais 72.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais . . . . . 72.2 Tração e flexão elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2.2.1 Material elastoplástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82.2.2 Esforço axial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82.2.3 Momento fletor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122.2.5 Flexão composta elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.2.6 Diagrama de interação de uma secção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto emfundações diretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232.4.1 Curva momento-curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2.5 O conceito da rótula plástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução . . . . . . . . . . . . . 26

3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas 293.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última . . . . . . . . 293.2 Estruturas isostáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303.3 O comprimento da zona plastificada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.4 Análise incremental de uma estrutura articulada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333.5 Análise incremental de uma viga hiperestática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343.6 Descargas e esforços e reações residuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . 383.8 Utilização do PTV para o cálculo de cargas de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . 403.9 Mecanismos de colapso globais, parciais e múltiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

4 Análise limite de estruturas elastoplásticas 454.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 454.2 Carga de um mecanismo cinematicamente admissível . . . . . . . . . . . . . . . . 464.3 O teorema cinemático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474.4 Carga de uma distribuição de esforços estaticamente admissível . . . . . . . . . . 484.5 O teorema estático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504.6 Metodologia para obtenção da carga de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504.7 Exemplos de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

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4.8 Uma visualização dos teoremas de análise limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . 574.9 Comentários finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

5 Comportamento geometricamente não linear 615.1 O conceito de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 615.2 Análise de um modelo de um grau de liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

5.2.1 Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 635.2.2 Energia potencial e análise de estabilidade das trajetórias . . . . . . . . . 665.2.3 Efeito das imperfeições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 675.2.4 Conclusões retiradas da análise do modelo e sua extrapolação . . . . . . . 68

5.3 Análise linear de estabilidade de outros modelos de barras rígidas . . . . . . . . . 685.4 Encurvadura de colunas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

5.4.1 Equação diferencial de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 705.4.2 Coluna de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 725.4.3 Deslocamento, rotação, curvatura, momento fletor e esforço transverso . . 745.4.4 Outras condições de apoio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 745.4.5 A coluna encastrada-apoiada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 755.4.6 Coluna encastrada-livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 765.4.7 Comprimento de encurvadura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 775.4.8 Carga máxima suportada por uma coluna . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

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1 Introdução

1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas?

A natureza é não linear. Mas a nossa forma de pensar tende a ser linear. Isto não é necessa-riamente um inconveniente, já que a linearização de um problema permite-nos enfrentar pro-blemas complexos e encontrar soluções através da sobreposição de resultados conhecidos deproblemas simples.

No campo das estruturas, a análise linear permite-nos obter uma aproximação do compor-tamento real das estruturas a qual nos ajuda a compreender o seu modo de funcionamento.É apenas natural que a concepção de estruturas vá buscar inspiração ao seu comportamentolinear. Mesmo o dimensionamento e a verificação da segurança foram durante muito tempoessencialmente baseados na análise elástica linear e no conceito de tensão de segurança.

Mas existem vários inconvenientes no dimensionamento elástico de estruturas. Por um lado,pode conduzir ao sobredimensionamento das peças estruturais e desse modo não ser económico.De facto, as estruturas constituídas por materiais dúcteis como o aço apresentam geralmenteuma reserva de resistência para além do limite elástico, a qual depende de muitos factores taiscomo o seu grau de estatia ou a forma das secções transversais. Um dos principais inconve-nientes do dimensionamento elástico é que essa reserva nunca é explicitamente considerada emuito menos quantificada. O modo de colapso também não é conhecido, tornando muito difícilavaliar o desempenho de uma estrutura face a acções de extrema intensidade.

Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde osresultados de uma análise linear diferem muito do comportamento real da estrutura, sendofundamental a consideração de uma análise geometricamente não linear para a verificação dasegurança.

Por estas razões, hoje em dia, a verificação da segurança de estruturas deve ter em contadiversos aspetos do comportamento não linear de estruturas, os quais estão incorporados nosmodernos regulamentos de estruturas.

1.2 Análise linear versus análise não linear

A análise linear de estruturas assenta num conjunto de hipóteses que se traduzem por relaçõeslineares entre as diversas grandezas em jogo. Esta relações lineares podem ser observadas querno contexto da teoria da elasticidade, aplicada aos corpos encarados como contínuos defor-máveis, quer no contexto de teorias estruturais, tais como a teoria das peças lineares (vigas,estruturas reticuladas) ou teorias de peças laminares (placas, lajes ou cascas).

Assim, na teoria da elasticidade linear, admitem-se (i) relações deformações-deslocamentos,onde o campo de deformações depende linearmente do campo de deslocamentos, (ii) relaçõesconstitutivas, onde as tensões são proporcionais às deformações e (iii) equações de equilíbrio,que são equações lineares envolvendo o campo de tensões e as cargas aplicadas. Verificada alinearidade de todas estas equações1 — e admitindo que existam condições de fronteira sufici-entes para impedir movimentos de corpo rígido — pode demonstrar-se que a solução existe e éúnica. É também válido o princípio da sobreposição segundo o qual a resposta do corpo a umacombinação linear de acções exteriores pode ser obtida através da mesma combinação lineardas respostas do corpo à atuação isolada de cada uma das acções exteriores.

A teoria das peças lineares pode ser encarada como a especialização da teoria da elasticidade,através da adopção de algumas hipóteses complementares sobre os campos de deslocamentos(hipótese de Bernoulli) e de tensões (hipótese de Navier), o que permite lidar com grandezasde domínio unidimensional: deslocamentos e rotações do eixo da peça, deformações ao nível

1É importante observar que são as equações que são lineares, e não a variação das diversas grandezas ao longodo corpo. A teoria ser linear significa simplesmente que, por exemplo, se multiplicarmos por 2 as cargas aplicadas,então os deslocamentos as deformações e as tensões deverão também ser multiplicadas por 2.

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da secção transversal (extensão, curvatura, etc), esforços (esforço axial, momento fletor, etc) ecargas atuando no eixo da peça. Uma estrutura com comportamento linear — onde as relaçõesentre as diversas grandezas unidimensionais são todas lineares — herda as propriedades referi-das no parágrafo anterior para o caso de um corpo contínuo. Em particular, a solução existe eé única — admitindo evidentemente que estão impedidos movimentos de corpo rígido, o que ésempre verdade em estruturas não hipostáticas e sem ligações mal distribuídas. Continua tam-bém válido o princípio da sobreposição, o qual é aliás vital na construção de métodos de análise,tais como o método das forças.

A linearidade destas equações é, bem entendido, uma aproximação ao comportamento realdas estruturas o qual é, de facto, não linear. De um modo geral, a aproximação linear faz sentidoaté um determinado nível de solicitação, a partir do qual é inevitável a consideração de análisesmais realistas as quais deverão incorporar, pelo menos, os efeitos não lineares mais relevantespara o problema em análise. Em qualquer dos casos, a primeira abordagem de um determinadoproblema deverá sempre passar por uma análise linear, que serve de referência e orientação narealização das análises não lineares mais complexas.

Existem muitos aspetos não lineares que podem ou não ser contemplados numa dada análisee, além disso, existem muitas formas de modelar cada um desses aspetos, recorrendo a mais oumenos idealizações/simplificações. Isto leva a que por vezes se diga «análise linear há só uma,análises não lineares há muitas». Mas qualquer análise não linear é manifestamente mais com-plexa que uma análise linear. Basta pensar que a solução de um dado problema estrutural nãolinear pode não existir ou ser múltipla, ou que deixa de ser válido o princípio da sobreposição.

É habitual e conveniente agrupar as fontes de não linearidade do comportamento estruturalem dois tipos:2

não linearidade física (ou material) — sempre que o material não possa ser considerado elás-tico linear, ou seja, quando as tensões/esforços não dependem linearmente das deforma-ções.

não linearidade geométrica — (i) quando não se verifica a hipótese dos pequenos desloca-mentos, sendo necessário considerar uma relação não linear entre deformações e desloca-mentos e/ou (ii) quando nas equações de equilíbrio existem termos não desprezáveis aco-plando tensões/esforços/cargas com deslocamentos, o que equivale a dizer que a escritadas equações de equilíbrio deve ser feita na configuração deformada do corpo/estrutura.

1.3 Objetivos e organização

Neste texto de introdução ao comportamento não linear de estruturas, pretende-se abordar osconceitos base em jogo, mantendo-se a exposição tão simples quanto possível. Assim considera--se separadamente cada um dos tipos de não linearidade acima referidos. Em ambos os casos,o contexto é o de estruturas reticuladas planas, constituídas por peças lineares de secção trans-versal simétrica, continuando a admitir-se a validade das hipóteses de Bernoulli e de Navier.Admite-se ainda que apenas as tensões normais longitudinais são importantes, pelo que apenasé necessário considerar uma relação constitutiva uniaxial.

As secções 2 a 4 incidem essencialmente sobre a não linearidade física associada ao com-portamento elastoplástico do aço estrutural. Começa-se por estudar o comportamento das sec-ções transversais, identificando-se esforços de plastificação (com e sem interação de esforços).Deduzem-se relações constitutivas ao nível da secção transversal, dando-se particular atençãoà relação momento-curvatura em flexão simples e ao conceito de rótula plástica. Depois, nasecção 3, aborda-se a análise incremental de estruturas, sujeitas a perfis de carregamento,identificando-se conceitos chave tais como carga de cedência e carga última. A secção 4 des-

2Estas categorias não são exaustivas. Outra fonte importante de não linearidade advém do contacto entre corpos.

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creve a análise limite do mesmo tipo de estruturas, que permite o cálculo da carga de colapsocom base no equilíbrio e num conjunto de teoremas.

Na secção 5 faz-se uma introdução à não linearidade geométrica, estudando-se primeiroa estabilidade de modelos de barras rígidas e molas e depois o fenómeno da encurvadura decolunas.

Nota:

Estas folhas foram inicialmente preparadas para apoio da unidade curricular de Resistên-cia de Materiais 2 do ano de 2015/2016, de acordo com o currículo pós-Bolonha que re-monta a 2007/2008, adotando a reorganização de capítulos introduzida a partir do ano letivo2010/2011.

Esta segunda versão foi aumentada para refletir as alterações curriculares introduzidas noano de 2016/2017. A principal alteração é a inclusão do capítulo referente à análise limite, masforam introduzidas outras alterações pontuais (o diagrama de interação de uma secção em T, aconsideração de barras heterogéneas à tração, a análise incremental de uma treliça).

O autor agradece aos professores José Moitinho de Almeida, António Pinto da Costa e PedroBorges Dinis a ajuda na revisão do texto.

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2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais

2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais

Considere-se uma peça linear (viga, pilar), de eixo longitudinal x3 coincidente com o centro degravidade das secções transversais. Admite-se que a secção transversal é simétrica em relaçãoao eixo vertical x2. A secção transversal tem área A e momento de inércia I = I11 em relaçãoao eixo x1.

O material é não linear, devidamente caracterizado por uma lei constitutiva uniaxial conhe-cida

σ33 = σ33(ε33) (1)

Para já, admite-se que a forma desta função pode ser qualquer — o que é sugerido pela curvagenérica representada na figura 1. Observe-se que para esta caracterização estar completa étambém necessário saber como se processam as descargas.

σ33

ε33

Figura 1: Lei constitutiva uniaxial de um material não linear genérico.

Considere-se uma secção transversal submetida à flexão composta reta, isto é à atuação deum esforço axial (ou esforço normal) N e de um momento fletor M = M1, tal como represen-tado na figura 2. Admitindo-se a hipótese de Bernoulli, pela qual as secções se mantêm planas,o deslocamento axial u3 será uma função linear de x2, o mesmo se passando com a extensãolongitudinal ε33. Tem-se então

ε33 = εG +x2

R(2)

onde εG representa a extensão longitudinal medida sobre o eixo da peça (isto é para x2 = 0) e1R é a curvatura da peça (em torno do eixo x1).

Admitindo conhecidos estes dois parâmetros, εG e 1R , e admitido que o carregamento da

secção é feito de modo a que a extensão ε33 de cada ponto aumente monotonamente — semdescargas, portanto —, então a distribuição de tensões em toda a secção é facilmente determi-nada recorrendo às equações (1) e (2). Finalmente, os esforços N e M1 podem ser obtidos porintegração na secção transversal,

N =

∫Aσ33 dA M =

∫Aσ33 x2 dA (3)

x1

x2

Gx3

+

εG

1

1R

x2

LN ⇒N

MLN

ε33 = εG + x2

R σ33(ε33)

Figura 2: Flexão (composta) não linear de uma secção transversal.

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Este processo de obter os esforços a partir dos parâmetros de deformação, utilizando suces-sivamente as equações (1), (2) e (3), está ilustrado na figura 2 e pode ser condensadamenteescrito como

N = N(εG,1

R) M = M(εG,

1

R) (4)

Mais difícil, mas também mais interessante, é o problema inverso: conhecidos os esforçosatuantesN eM determinar os parâmetros de deformação εG e 1

R e a correspondente distribuiçãode tensões. Ao contrário do que acontece no caso elástico, onde se tem εG = N

EA e 1R = M

EI ,no caso geral de um material não linear não costuma haver solução analítica, sendo necessárioresolver o sistema de equações não lineares (4) por métodos numéricos (iterativos). Este tipode análise está fora do âmbito do presente texto.

2.2 Tração e flexão elastoplástica

2.2.1 Material elastoplástico

Considere-se agora que o comportamento do material é descrito pelo modelo «elástico - perfei-tamente plástico», ou simplesmente elastoplástico, representado na figura 3. Este modelo admiteque o comportamento é elástico linear para valores de tensão inferiores em módulo à tensão decedência σc e totalmente plástico quando o módulo da tensão é igual à tensão de cedência.

Este modelo constitutivo simples é adequado para modelar o comportamento do aço nocontexto da análise de estruturas, mas é importante ter a noção que constitui uma idealizaçãodo verdadeiro comportamento do aço macio, cuja curva tensão-deformação é caracterizada porum patamar de cedência finito seguido pelo endurecimento e estricção. A consideração de umpatamar de cedência indefinido é uma idealização que se justifica atendendo à boa ductilidadeexibida pelos aços.

A figura 3 também ilustra que as descargas a partir do patamar de cedência se processamelasticamente. A deformação recuperada é deformação elástica, enquanto a deformação quefica após descarga completa se designa por deformação plástica.

σ33

ε331E

σc

−σc

Figura 3: Lei constitutiva uniaxial de um material elástoplástico.

Analisem-se de seguida as consequências desta relação constitutiva, quando uma secção ésubmetida à acção isolada de um esforço axial ou de um momento fletor. Em ambos os casos,estamos interessados em determinar o esforço de cedência — valor correspondente à primeiracedência no material —, e o esforço de plastificação — valor correspondente à plastificação com-pleta da secção. O esforço de cedência é importante porque assinala o fim do regime elástico,sendo assim o limite de aplicabilidade da teoria linear. Por outro lado, o esforço de plastificaçãoem materiais elastoplásticos é o maior esforço que a secção é capaz de suportar.

2.2.2 Esforço axial

Admitindo-se uma secção homogénea, no caso de um esforço axial tem-se sempre um diagramade tensões uniforme, σ33 = N

A , como se mostra na figura 4. Assim, existe coincidência entre o

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x1

x2

G

σ < σc σ = σc

+ +

N

ε1EA

Np = Nc

−Np

N < Np N = Np

Figura 4: Tensões σ33 para a atuação de um esforço axial crescente.

esforço normal de cedência Nc e o esforço normal de plastificação Np,

Nc = Np = Aσc (5)

pelo que o diagrama N(ε), também representado na figura, é semelhante ao diagrama σ(ε) darelação constitutiva. Como se verá, esta coincidência entre Nc e Np não existe em geral no casode secções heterogéneas, onde as cedências dos vários materiais ocorrem para valores de Ndiferentes.

Se o esforço normal é constante ao longo de uma barra, de secção transversal também cons-tante, a deformação plástica pode ocorrer em qualquer secção. É aliás o que acontece numensaio de tração uniaxial, onde, na cedência, é possível observar uma zona onde se localizamas deformações plásticas, zona essa que se propaga depois progressivamente pelo provete com-pleto. Do ponto de vista do comportamento estrutural de um tirante, é indiferente a distribuiçãodas deformações ao longo da barra, pelo que, muitas vezes, se prefere representar a relaçãoconstitutiva axial na forma N(∆l), em vez da forma N(ε).

Embora este texto se foque essencialmente em secções homogéneas, é interessante discutiro comportamento à tração de uma barra heterogénea constituída pela associação em série demateriais elastoplásticos.3

A barra representada na figura 5 é constituída por dois materiais, ambos de comportamentoelastoplástico, caracterizados pelos respetivos módulos de elasticidade, E1 e E2, e pelas respeti-vas tensões de cedência σc1 e σc2. Admite-se que a aderência entre os materiais é perfeita, peloque a extensão longitudinal é uniforme na secção transversal. A barra está submetida a um es-forço axial N aplicado no centro (de rigidez) da secção. Note-se que se admite que a geometriada secção é bi-simétrica, incluindo no que diz respeito à distribuição dos dois materiais, de modoa que o único esforço não nulo seja a tração, independentemente da ocorrência de plastificaçãoem qualquer dos materiais.

Enquanto a barra se comporta elasticamente, o valor da extensão longitudinal é dado por

ε =N∑ni EiAi

(6)

Impondo que a tensão em cada material seja inferior à respetiva tensão de cedência, facilmentese conclui que o esforço normal de cedência é dado por

σi = Eiε ≤ σci ⇒ ε ≤ mini

{σciEi

}⇒ Nc =

(n∑i

EiAi

)mini

{σciEi

}(7)

Note-se que o primeiro material a ceder não é necessariamente o de menor tensão de cedência,mas sim, aquele que apresenta uma menor deformação de cedência εi = σci

Ei.

3Esta discussão tem um interesse algo académico, uma vez que as secções heterogéneas mais interessantes doponto de vista prático — as secções de betão armado — incluem um material (o betão) cujo comportamento não éelastoplástico.

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ε1

∑EiAi

Nc

N

εE2

σc1

σc2E1

σ

Np

N

N

1

2

1

2

1

1

Figura 5: Barra heterogénea à tração.

Após a cedência de um dos materiais, todo o acréscimo do esforço axial é absorvido pelooutro material, ainda a trabalhar elasticamente. Quando finalmente este atinge a cedência, todaa secção transversal está plastificada, sendo o correspondente esforço normal de plastificaçãodado por

σi = σci ⇒ Np =

n∑i

Aiσci (8)

Para a secção heterogénea, o diagrama N(ε) é caracterizado por vários troços lineares, talcomo se mostra também na figura 5. No primeiro troço o declive é dado pela rigidez axialelástica

∑ni EiAi, no segundo troço o declive é menor (só é contabilizada a contribuição para

a rigidez do material ainda em regime elástico) e no troço final o declive é nulo. Se em vezde dois materiais, a secção for constituída por n materiais, aumenta naturalmente o número detroços que formam o diagrama N(ε), mas note-se que, atendendo à forma como foram escritas,as expressões apresentadas para Nc e Np conservam a validade.

2.2.3 Momento fletor

No caso da atuação de um momento fletor, a evolução do diagrama de tensões é mais compli-cada, mesmo no caso de uma secção homogénea, tal como se representa na figura 6.

x1

x2

G LNe

σ < σc σ = σc

M < Mc

LNeLN

LNpLN

v

++

+

+

+

−−−−−

σc σc σc

−σc−σc

M = Mc Mc < M < Mp M = Mp

Figura 6: Tensões σ33 para a atuação de um momento fletor crescente.

Enquanto toda a secção permanece no domínio elástico, isto é, para 0 < M < Mc, o di-agrama de tensões é linear σ33 = M

I x2 e a linha neutra coincide com o eixo x1, passando,

10

Page 11: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

portanto, no centro de gravidade G. Quando o momento é exatamente igual ao momento decedência Mc, o diagrama de tensões ainda é triangular, e o seu valor na fibra mais afastada dalinha neutra é, em módulo, igual à tensão de cedência. Designando por v a distância da fibramais afastada à linha neutra, tem-se então σc = Mc

I v pelo que o momento de cedência Mc é

Mc = Wσc W =I

v(9)

Nesta expressão, W designa-se por módulo de flexão elástica e é uma característica geométricada secção, vindo expresso em m3.

Para valores do momento superiores ao momento de cedência, a distribuição de tensõesapresenta regiões onde a tensão é igual em valor absoluto à tensão de cedência, refletindo dessemodo o diagrama tensão-deformação da relação constitutiva elastoplástica. Para secções bi-simétricas, a ocorrência de cedências não implica a mudança de posição da linha neutra. Mas,se a secção não for bi-simétrica (como é sugerido na figura 6), a linha neutra deixa em geralde passar no centro de gravidade, devendo a sua posição ser determinada com base na equaçãoN = 0 (estamos, no final de contas, a estudar o comportamento à flexão pura). À medidaque o valor do momento continua a aumentar, a região da secção que se conserva no domínioelástico diminui progressivamente. No limite, quandoM = Mp, a secção encontra-se totalmenteplastificada e não pode suportar qualquer acréscimo de momento.

x1

x2

G LNp

+

σc

−σc

y+

y−A−

A+

A−σc

A+σc

M

⇒ ⇒

Figura 7: Determinação da linha neutra plástica e do momento de plastificação.

A determinação do valor do momento plásticoMp é muito facilitada pelo facto de, na situaçãolimite, toda a secção estar plastificada. Então, como se mostra na figura 7, admitindo ummomento positivo, todos os pontos abaixo da linha neutra plástica estão tracionados com σ = σcenquanto todos os pontos acima dessa linha estão comprimidos com σ = −σc. Designando porA+ e A− as áreas tracionada e comprimida, respetivamente, a equação de esforço normal nulo,leva a concluir que

N = A+σc −A−σc = 0 ⇒ A+ = A− =A

2

Ou seja, a linha neutra plástica deve dividir a secção transversal em duas áreas iguais.Para calcular o valor do momento plástico, basta observar que a resultante das tensões de

compressão e de tração devem passar, respetivamente, nos centros de gravidade das áreas com-primidas e tracionadas, localizados a distâncias y− e y+ da linha neutra plástica. Para alémdisso, em flexão simples, é indiferente qual o eixo em relação ao qual se calcula o momentoresultante, sendo geralmente mais prático calculá-lo em relação à linha neutra plástica. Tem-seentão, as seguintes expressões alternativas

Mp = A+σc y+ +A−σc y

− = σc(A+y+ +A−y−

)= σc

(S+LN + S−LN

)ou, simplesmente,

Mp = Zσc Z = S+LN + S−LN (10)

11

Page 12: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

onde o módulo de flexão plástica Z é dado pela soma dos momentos estáticos das áreas traciona-das e comprimidas, calculados em valor absoluto em relação à linha neutra plástica. Tal comoo seu homónimo elástico, o módulo de flexão plástica é também uma característica geométricada secção e expressa em unidades de comprimento ao cubo (m3, por exemplo).

Define-se como factor de forma f a razão entre o momento plástico e o momento de cedência,a qual, como facilmente se mostra é também a razão entre os módulos de flexão plástica eelástica,

f =Mp

Mc=

ZσcWσc

=Z

W

O factor de forma depende assim apenas da forma da secção (o que justifica o seu nome), ésempre maior ou igual a 1, e dá uma indicação da reserva de resistência pós-cedência.

Por último, refira-se que a curva momentos curvaturas deverá ser da forma apresentada nafigura 8, qualquer que seja a forma da secção transversal. Até ao momento de cedência Mc arelação é linear, com declive EI. A partir de Mc, o declive vai-se reduzindo, à medida que aszonas plastificadas vão alastrando e o momento de plastificação Mp é atingido apenas assin-toticamente para curvaturas infinitas. Na secção 2.4.1, mostra-se como se pode determinar aexpressão analítica desta curva, no caso concreto (e simples de calcular) de uma secção retan-gular.

M

1R1

EI

Mp

Mc

−Mp

−Mc

Figura 8: Relação momentos curvatura de uma secção elastoplástica.

2.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp

Com o auxílio da figura 9, determinamos os valores de Mc, de Mp e de f para quatro secçõessimples: uma secção retangular, uma secção circular, uma secção em losango e uma secção deparede fina em I. Todas estas secções são bi-simétricas, pelo que, em todas elas, a linha neutraplástica coincide com a linha neutra elástica.

b

h

b

h

hr

h

Ab

Aa

Ab

Figura 9: Determinação dos momentos de cedência e de plastificação em quatro secções.

12

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Para a secção retangular, de largura b e altura h, tem-se:

Mc = Wσc =I

vσc =

bh3

12h2

σc =bh2

6σc

Mp = Zσc =(S+LN + S−LN

)σc =

(bh

2

h

4+bh

2

h

4

)σc =

bh2

4σc

f =Mp

Mc=

Z

W=

bh2

4bh2

6

= 1,5

O cálculo para a secção circular, de raio r, leva em conta que o centro de gravidade de umsemi-círculo está situado a 4r

3π a partir da base,

Mc = Wσc =I

vσc =

πr4

4

rσc =

πr3

4σc

Mp = Zσc =(S+LN + S−LN

)σc =

(πr2

2

4r

3π+πr2

2

4r

)σc =

4r3

3σc

f =Mp

Mc=

Z

W=

4r3

3πr3

4

=16

3π' 1,7

A secção em losango considerada, tem largura b e altura 2h, pelo que:

Mc = Wσc =I

vσc =

2bh3

12

hσc =

bh2

6σc

Mp = Zσc =(S+LN + S−LN

)σc =

(bh

2

h

3+bh

2

h

3

)σc =

bh2

3σc

f =Mp

Mc=

Z

W=

bh2

3bh2

6

= 2,0

Finalmente, consideramos uma secção em I de geometria idealizada, onde Ab e Aa são asáreas de cada banzo e da alma, respetivamente, e h a altura, medida entre as linhas médias dosbanzos. Para efeitos de cálculo de v não se tem em conta a espessura da alma. Nestas condições,temos:

Mc = Wσc =I

vσc =

2Ab(h2

)2+Aa

h2

12h2

σc = h

(Ab +

Aa6

)σc

Mp = Zσc =(S+LN + S−LN

)σc =

(2Ab

h

2+Aa

h

4

)σc = h

(Ab +

Aa4

)σc

f =Mp

Mc=

Z

W=

(Ab + Aa

4

)(Ab + Aa

6

)Se admitirmos que a área de cada banzo é o dobro da área da alma, Ab = 2Aa obtemos umfactor de forma f = 27

26 ' 1,04. No limite, se admitirmos que toda a área da secção transversalse concentra nos banzos, Aa → 0, o valor de f tende para a unidade. Neste cálculo, admitiu--se simplificadamente que o ponto mais afastado estava a uma distância de h

2 da linha neutraplástica. Cálculos mais precisos, usando as verdadeiras dimensões dos banzos e da alma deperfis correntes, conduzem a um factor de forma à volta de 1,15.

Olhando para estes resultados, pode parecer paradoxal que a secção em I, cuja geometria foiconcebida para maximizar a resistência à flexão — para uma dada área de secção transversale para uma dada altura útil disponível —, seja aquela para a qual o factor de forma é maispequeno. A explicação reside no facto de a secção em I estar muito otimizada já para o momento

13

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de cedência, pelo que a reserva pós cedência é relativamente pequena. De facto, para M = Mc,quando se atinge a primeira cedência, já a maior parte da secção transversal se encontra comum valor de tensão muito perto de σc, pelo que a diferença entre Mc e Mp é pequena. Se aárea da alma for desprezável, a primeira cedência coincide mesmo com a plastificação total dasecção. No extremo oposto, o maior factor de forma atrás calculado é o do losango, no qual,para M = Mc, a maior parte da secção transversal apresenta níveis de tensão muito baixos.

Em seguida, exemplifica-se o cálculo do momento plástico de uma secção não simétrica emrelação ao eixo x1.

Exemplo: Determinar Mc e Mp da secção em T representada.5a

4a

a

a

dy

G

O cálculo de Mc necessita da posição de centro de gravidade e da inércia:

y =5a2 a2 + 4a23a

5a2 + 4a2=

29

18a

I =5aa3

12+ 5a2

(29

18a− a

2

)2

+a(4a)3

12+ 5a2

(3a− 29

18a

)2

=707

36a4

Mc = Wσc =70736 a

4

5a− 29a18

σc =707

122a3σc = 5,795 a3σc

Para obter Mp, é necessário determinar qual a posição da linha neutra plástica que divide asecção em duas áreas iguais, Neste caso, como o banzo é maior do que a alma, é evidenteque essa linha deve cortar o banzo.

Uma vez determinada a sua posição, basta calcular o momento em relação a qualquereixo horizontal, sendo mais fácil calculá-lo em relação à própria linha neutra plástica.

5ad = 5a(a− d) + 4a2 ⇒ d =5a2 + 4a2

10a=

9

10a

Mp = Zσc =

[5a

(9

10a

)(9

20a

)+ 5a

a

10

a

20+ 4a2

(2a+

a

10

)]σc =

209

20a3σc = 10,450 a3σc

O factor de forma vale f =10,450

5,795= 1,803.

2.2.5 Flexão composta elastoplástica

Consideremos agora a atuação conjunta de esforço normal e momento fletor. Para distinguir ocaso da aplicação isolada de cada esforço do caso da sua aplicação conjunta, designam-se poresforços de plastificação reduzidos os esforços N ′p e M ′p que correspondem à condição de a secçãoestar totalmente plastificada. Facilmente se compreende que existem múltiplas soluções, cadauma delas associada a uma determinada posição da linha neutra plástica. Do ponto de vistaprático, o problema habitualmente coloca-se no formato: conhecido o esforço normal aplicado,determinar o momento fletor máximo.

14

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As equações (3) continuam a ser a chave do problema, as quais, reescritas para a situaçãoem que toda a secção está plastificada, ficam

N ′p =

∫A−

(−σc) dA+

∫A+

(+σc) dA M ′p =

∫A−

(−σcx2) dA+

∫A+

(+σcx2) dA (11)

Como representado na figura 10, para o caso em que o momento aplicado é positivo, A+ é aárea da secção situada abaixo da linha neutra plástica, onde σ = +σc, enquanto A− é a área dasecção situada acima da linha neutra plástica, onde σ = −σc. A coordenada x2 é, bem entendido,sempre calculada no referencial original, cuja origem se posiciona no centro de gravidade dasecção.

x1

x2σc

−σc

LN ⇒ N ′p

M ′p

Figura 10: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos

Se o esforço axial for conhecido, a primeira das equações (11) permite obter a posição dalinha neutra plástica em flexão composta, enquanto a segunda dessas equações fornece o valorde M ′p. É importante observar que o momento da distribuição de tensões deve ser semprecalculado em relação ao eixo x1 e não em relação à linha neutra plástica. No caso da flexãosimples (N = 0), onde a distribuição de tensões é um sistema de forças equivalente a conjugado,o momento calculado em relação a qualquer eixo paralelo ao eixo x1 é o mesmo, pelo que égeralmente mais fácil calculá-lo relativamente à linha neutra plástica. Tal não é possível emflexão composta.

Segue-se um exemplo de aplicação.

Exemplo: Na viga em T considerada anteriormente, pretende-se determinar o momentoplástico reduzido, admitindo que o esforço axial vale N = −5a2σc (compressão).

5a

4a

a

a

d = 3ay = 29

18a

G −

+

σc

−σc

2a

a

2a

N ′p

M ′p,LN⇒ ⇒

N ′p

M ′p = M ′p,LN +N ′p(d− y)

LNp

Face à compressão elevada, é razoável supor que a linha neutra plástica corta a alma. Então,recorrendo à equação do esforço normal, determina-se a sua posição, havendo que confirmarque d está efetivamente situado entre a e 5a.

Depois calcula-se o momento da distribuição de tensões em relação ao centro de gravi-dade da secção — recorde-se que y = 29

18a = 1,611 a.

N ′p = −5a2σc = −σc(4a2 + ad

)+ σc (5a− d) a ⇒ d = 3a

M ′p = 2a2σc (4a− y)− 2a2σc (2a− y) + 5a2σc

(y − a

2

)=

86

9a3σc = 9,56 a3σc

Note-se que a segunda parcela é negativa, porque as compressões na parte superior da almatêm braço positivo.

15

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Uma forma alternativa de calcular o momento plástico reduzido passa por calcular pri-meiro o momento em relação à linha neutra plástica — mais fácil de calcular pois as distân-cias são mais intuitivas de obter e as parcelas são todas positivas —, e, no final, propagar omomento para o centro de gravidade tendo em conta o valor do esforço normal.

M ′p,LN = 2a2σca+ 2a2σca+ 5a2σc

(2a+

a

2

)= 16,5 a3σc

M ′p = M ′p,LN +N ′p(d− y) = 16,5 a3σc − 5a2σc (3a− 1,611 a) = 9,56 a3σc

Qualquer dos procedimentos conduz ao mesmo valor do momento plástico reduzido.

Note-se que, ao contrário do que o adjetivo reduzido pode levar a supor, nem sempre o valordo momento de plastificação reduzido M ′p é inferior ao do momento plástico Mp. De facto,em secções não bi-simétricas o esforço axial é favorável sempre que tenha por efeito aproximara linha neutra plástica do centro de gravidade da secção, de modo a que todas as tensões dadistribuição plástica contribuam positivamente para o momento em torno de x1.

Exemplo: Na viga em T atrás considerada, determinar os esforços de plastificação reduzidoscorrespondentes à linha neutra plástica a passar no centro de gravidade da secção.

Continuando a designar por y = 1.611 a a distância de G à fibra superior, tem-se

N ′p = −σc(5a2 + a(y − a)

)+ σc (5a− y) a = −2,22 a2σc

M ′p = 5a2σc

(y − a

2

)+ σc

(y − a)2

2+ σc

(5a− y)2

2= 11,48 a3σc

Observa-se que, neste caso, M ′p = 11,48 a3σc > 10,450 a3σc = Mp. Na verdade, para estasecção, este valor de M ′p é o maior valor possível do momento resistente, o qual só é possívelde mobilizar com a atuação deste esforço axial N ′p = −2,22 a2σc.

Se a secção for bi-simétrica, é possível estabelecer uma equivalência estática entre partesdo diagrama de tensões e cada um dos esforços de plastificação reduzidos N ′p e M ′p. Bastaconsiderar uma zona central do diagrama de tensões, compreendida entre a linha neutra plásticae uma linha que lhe é paralela disposta simetricamente em relação ao eixo x1, que é equivalentea N = N ′p e M = 0; ao mesmo tempo que as zonas periféricas do diagrama são estaticamenteequivalentes a N = 0 e M ′p.

O exemplo seguinte tira partido desta decomposição.

Exemplo: Na viga em I representada, pretende-se determinar o momento plástico reduzido,admitindo que o esforço axial vale N = −5a2σc (compressão).

5a

3a

a

a

dG −

+

σc

−σc

a− d

a− d

3a+ 2d ⇒N ′p

M ′p

LNp

a

No caso desta secção bi-simétrica, há que identificar uma zona central, disposta simetrica-mente em relação ao eixo x1, que equilibre o valor de N = −5a2σc. A área da alma (3a2)totalmente plastificada é equivalente a uma força de compressão N = −3a2σc, sendo por-tanto insuficiente para absorver o esforço axial. Isto significa que a linha neutra plástica

16

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corta o banzo inferior. Novamente, recorrendo à equação do esforço normal, determina-se asua posição, caracterizada pela distância d, a qual estará forçosamente compreendida entre0 e a.

Para calcular o momento plástico M ′p basta multiplicar a resultante das zonas periféricaspelo braço entre elas, já que a zona central não contribui para o momento.

N ′p = −5a2σc = −σc(3a2 + 2d× 5a

)⇒ d = 0,2 a

M ′p = 2× 0,8 a× 5a× σc ×(

3a+ 2× 0,2a+ 2× 0,8a

2

)= 30,4 a3σc

Esta técnica facilita muito a análise da interação entre esforço normal e momento fletor emsecções bi-simétricas, mas é importante ter presente que este tipo de decomposição de diagramasnão é extensível a secções não simétricas em relação ao eixo x1.

Embora seja tentador identificar cada um dos esforços com uma parte do diagrama de ten-sões, não deve ser esquecido que o princípio da sobreposição não é válido em problemas nãolineares, pelo que mesmo a equivalência estática entre blocos de tensão e esforços, conside-rada na análise de secções bi-simétricas, deve ser encarada com alguma reserva. Por exemplo,não deve ser dito que as tensões no bloco central são provocadas pelo esforço axial, já que taistensões resultam da atuação simultânea dos dois esforços na secção.4

Neste texto, com o intuito de manter a complexidade num nível aceitável, apenas se temconsiderado o comportamento de secções simétricas em relação ao eixo x2. Mas vale a pena abrirum parêntese e referir o comportamento de uma secção não simétrica em relação ao eixo x2 massimétrica em relação ao eixo x1, como, por exemplo, uma secção em «C». Se a determinaçãodo momento plástico Mp em flexão simples não põe qualquer dificuldade adicional, já o mesmonão acontece com o seu comportamento em flexão composta. De facto, não havendo simetriaem relação a x2, uma linha neutra plástica subida paralela a x1 é estaticamente equivalente àatuação de um esforço normal N e de um momento fletor M1, mas também de um momentofletor M2 diferente de zero (o bloco central de tensões provoca momento em relação a x2).Ou seja, embora o eixo x1 seja um eixo principal de inércia, no domínio elastoplástico a flexãocomposta, caracterizada pela atuação apenas de N e M1, é necessariamente desviada.

2.2.6 Diagrama de interação de uma secção

Para ter uma visão mais geral do comportamento de uma secção transversal, é útil a construçãode diagramas de interação, mostrando numa curva qual a relação entre os esforços de plastifica-ção. No caso de secções com geometrias complicadas, a tarefa de construção desses diagramasé mais adequadamente realizada através de calculo numérico.

Porém, para a secção retangular, de dimensões b × h, é relativamente simples obter analiti-camente a curva de interação.

Em primeiro lugar, recorde-se que os esforços de plastificação (atuando isoladamente), cal-culados na secção 2.2.4, são

Np = bhσc Mp =bh2

4σc

Seja c a distância da linha neutra plástica ao eixo x1, como se mostra na figura 11. Como asecção é bi-simétrica, a resultante das tensões pode ser calculada a partir do bloco de tensõescentral (de altura 2c), já que as tensões fora dessa zona central se anulam mutuamente. Tem-se

4Não há, portanto, paralelo com o comportamento das secções em flexão composta elástica onde o diagrama detensões σ = N

A+ M

Ix2 corresponde à sobreposição simples dos efeitos devidos à atuação isolada de cada um dos

esforços.

17

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x1

x2

σc

−σc

LN c

c

h2 − c

h2 − c

h2

h2

G

12

(h2 + c

)12

(h2 + c

)b(h2 − c

)σc

b(h2 − c

)σc

2bcσcN ′p

M ′p

b

+

Figura 11: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos na secção retangular.

então

N ′p = 2bcσc ⇒N ′pNp

=2c

h(12)

Em contrapartida, observa-se que o bloco central não contribui para o momento em torno dex1, pelo que, para calcular o valor de M ′p, basta entrar em conta com os dois blocos de tensão(superior e inferior) equivalentes a um binário igual a

M ′p = 2b

(h

2− c)σc

1

2

(h

2+ c

)= b

(h2

4− c2

)σc ⇒

M ′pMp

= 1− 4c2

h2= 1−

(N ′pNp

)2

onde, na última passagem, se teve em conta (12).Se quisermos que a expressão de interação plástica seja válida independentemente dos sinais

dos esforços N ′p e M ′p, somos conduzidos à seguinte expressão∣∣∣∣M ′pMp

∣∣∣∣+

(N ′pNp

)2

= 1

a qual descreve as duas parábolas representadas no diagrama da figura 12. É interessantetambém calcular as combinações N −M associadas à primeira cedência, isto é a fronteira dodomínio elástico. Igualando a tensão máxima em valor absoluto à tensão de cedência, tem-se

|σ|max =

∣∣∣∣NA∣∣∣∣+

∣∣∣∣MW∣∣∣∣ = σc ⇒

∣∣∣∣ NAσc∣∣∣∣+

∣∣∣∣ MWσc

∣∣∣∣ = 1 ⇒∣∣∣∣ NNc

∣∣∣∣+

∣∣∣∣MMc

∣∣∣∣ = 1

o que, tendo em conta que para esta secção se tem Nc = Np e Mc =Mp

1.5 , corresponde às quatroretas também representadas na figura 12.

Vale a pena acrescentar que, atendendo à forma parabólica do diagrama de interação plás-tica, se o esforço normal é pequeno em relação ao esforço normal de plastificação, o momentoplástico reduzido é muito próximo do momento plástico, sendo justificável a não consideraçãoda interação. De facto, para a secção retangular, se

∣∣∣ NNp ∣∣∣ < 0,1, a redução do momento plásticoé inferior a 1%.

O próximo exemplo ilustra como o diagrama de interação pode ser usado para calcular acarga de colapso de uma estrutura isostática.

18

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M

N

Mp

Np = Nc

Mc

Plástico

Elástico-plástico

Elástico

Figura 12: Diagrama de interação plástica e elástica da secção retangular.

Exemplo: Determinar o valor da carga de colapso na consola representada na figura. Asecção é retangular com as dimensões indicadas e a tensão de cedência vale σc = 240 MPa.

10o

3,0 m

P

0,1 m

0,3 m

Nesta estrutura isostática, na secção de encastramento (onde os esforços são máximos), tem-se N = P cos(10) e M = −3P sin(10). Os esforços de plastificação são

Np = Aσc = 0,1× 0,3× 240× 103 = 7200 kN

Mp = Zσc =0,1× 0,33

4× 240× 103 = 540 kNm

Tem-se então,∣∣∣∣M ′pMp

∣∣∣∣+

(N ′pNp

)2

=

∣∣∣∣−3P sin(10)

540

∣∣∣∣+

(P cos(10)

7200

)2

= 1 ⇒ P = 1017 kN

A solução positiva desta equação de segundo grau, conduz a P = 1017 kN. Apesar de a cargaser aplicada quase na horizontal, observa-se que o esforço axial está muito longe de Np. Defacto, para a carga de colapso tem-se N

Np= 1017 cos(10)

7200 = 0,14. Se se tivesse ignorado o efeitodo esforço axial, tinha-se simplesmente∣∣∣∣M ′pMp

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣−3P sin(10)

540

∣∣∣∣ = 1 ⇒ P = 1037 kN

Para outras formas de secção, é geralmente impossível condensar o diagrama de interaçãonuma só equação como se fez aqui para a secção retangular. Mas se a geometria for relativa-mente simples (secções em I ou T) não é muito complicado obter expressões analíticas sob formaparamétrica, tomando para parâmetro a distância da linha neutra plástica a uma linha de refe-rência, havendo, naturalmente que distinguir vários domínios a que correspondem expressõesdiferentes. Este procedimento é exemplificado no exemplo que se segue.

19

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Exemplo: Determinar o diagrama de interação para a viga em T considerada anteriormente.

Nesta secção, há que considerar duas possibilidades: ou a linha neutra plástica atravessao banzo ou atravessa a alma. Sejam d1 e d2 os parâmetros correspondentes a essas duassituações, como se esquematiza na figura anexa.

5a

4a

a

a

d1y = 2918a

G

+

σc

−σc

LNp

+

σc

−σc

d2

Utilizando os procedimentos descritos anteriormente, o cálculo dos esforços de plastificaçãopara cada uma dessas situações conduz a

0 < d1 ≤ a⇒

N ′p = −σc5ad1 + σc5a (a− d1) + σc4a

2 = σc(9a2 − 10ad1

)M ′p,LN = σc5a

d212 + σc5a

(a−d1)22 + σc4a

2(4a2 + a− d1

)M ′p = M ′p,LN +N ′p(d1 − y) = σc

(−5ad21 + 145

9 a2d1)

0 < d2 ≤ 4a⇒

N ′p = −σc5a2 − σca (4a− d2) + σcad2 = σc

(−9a2 + 2ad2

)M ′p,LN = −σc5a2

(a2 + 4a− d2

)+ σca

(4a−d2)22 + σca

d222

M ′p = M ′p,LN +N ′p(5a− y + d2) = σc(−ad22 + 61

9 a2d2)

Atribuindo agora sucessivos valores a d1 e depois a d2 é possível traçar o diagrama de in-teração que se apresenta em baixo. As expressões apresentadas atrás só são válidas paramomentos positivos, mas para traçar as curvas para momentos negativos basta trocar as tra-ções com as compressões, pelo que ambas as expressões (N ′p e M ′p) trocam de sinal (ou seja,o diagrama exibe uma simetria de rotação).

M

N

Mp

Np

−Np

d1 = a; d2 = 4a

0 ≤ d1 ≤ a

0 ≤ d2 ≤ 4a

momento máximo

ponto de transicão entre expressões−Mp

Estão indicados os pontos notáveis calculados anteriormente: esforços de plastificação,ponto que corresponde ao momento máximo e ainda o ponto de transição entre ascurvas paramétricas calculadas. Observa-se que o diagrama de interação não é simé-trico, no sentido em que compressões aumentam a resistência plástica a momentos po-sitivos e, pelo contrário, a tração é benéfica para a atuação de momentos negativos.

20

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2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contactoem fundações diretas

Nesta secção considera-se o comportamento de materiais cujo comportamento à compressão éelástico linear mas que não são resistentes à tração. Para estes materiais, a relação constitutivauniaxial é a representada na figura 13. É importante observar que, apesar dos troços lineares,

σ

ε1

E

Figura 13: Lei constitutiva uniaxial de um material não resistente à tração.

esta relação constitutiva é, no seu conjunto, uma relação não linear. Por exemplo, o princípio dasobreposição não se pode aplicar porque, em geral, os pontos materiais à tração e à compressãovariam de solicitação para solicitação.

Uma das situações onde este modelo de comportamento material é muito utilizado é naanálise do contacto de uma fundação direta (sapata) com o terreno.5 De facto, podemos admitirque o terreno de fundação reage elasticamente às pressões transmitidas pela sapata, mas nãodevemos, obviamente, considerar que o terreno seja capaz de resistir a trações. De facto, sempreque uma parte da sapata tenha tendência a levantar, descolará do terreno e a tensão de contactoé nula. Note-se, aliás, que é impossível equilibrar um esforço axial positivo ou mesmo nulo (seexistir momento) Por esta razão, só faz sentido estudar o comportamento destes materiais àflexão composta com compressão.

Considere-se então uma sapata retangular de dimensões b × h que deverá transmitir à fun-dação um esforço axial de compressão N (como só faz sentido considerar compressões, não seutiliza a convenção habitual de considerar a compressão negativa) e um momento fletor M —ver figura 14. Note-se que os esforços deverão ser calculados em relação à base da sapata, peloque, conhecidos os esforços na base do pilar, é habitualmente necessário somar ao esforço axialo peso próprio da sapata e somar ao momento o produto do esforço transverso pela altura dasapata, processo esse esquematicamente indicado na figura 14.

N1

M1V1

z N2N = N1 +N2

M = M1 + V1z

V = V1 V

N

e = MN

=©=©

Figura 14: Sapata.

Tendo em conta o comportamento não linear da fundação, é conveniente substituir a forçaN e o momento M , por uma única força, cuja linha de ação passa no centro de pressões, cuja

5O modelo de cálculo é também adequado para descrever materiais, como o betão simples, cuja resistência àtração, embora não nula, seja suficiente pequena para poder ser desprezada. Mas não é muito interessante analisaro comportamento do betão fora do contexto das secções de betão armado e, neste texto de introdução ao comporta-mento não linear, optou-se por não abordar as secções heterogéneas.

21

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N

e

h

b

σmax

σmax

(e ≤ h

6

)(e ≥ h

6

)

NCCP

h6

h6

1

6

1

2

e

h

1

2

σmaxσmed

h2 − e

3(h2 − e

)Figura 15: Tensão máxima na fundação em função da excentricidade do esforço axial.

excentricidade vale e = MN . Como é conhecido do estudo da flexão linear, se o centro de pressões

estiver dentro do núcleo central, toda a secção estará submetida a tensões do mesmo sinal. Nestecaso, isto significa que, se e ≤ h

6 , a base da sapata está toda à compressão, pelo que é irrelevantea não resistência à tração e o diagrama de tensões é linear, sendo o seu valor máximo (em valorabsoluto) dado por

σmax =N

A+M

W=N

bh+Nebh2

6

=N

bh

(1 +

6e

h

)= σmed

(1 +

6e

h

)

Por outro lado, se e > h6 , apenas uma parte da base da sapata estará em contacto com o solo.

Neste caso, a distribuição de tensões é um triângulo, cuja resultante é estaticamente equivalenteà força N atuando com excentricidade e. Como a distância do centro de gravidade do trianguloao ponto mais comprimido vale h

2 − e, a base do triangulo deverá ter por comprimento o triplodesse valor. Igualando o esforço axial N à resultante do triangulo conclui-se então que

N =1

2b3

(h

2− e)σmax ⇒ σmax =

2N

3b(h2 − e

)A variação da tensão máxima na fundação em função da excentricidade, expressa pelas duas

expressões obtidas, está representada na figura 15.

22

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2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular.

2.4.1 Curva momento-curvatura

A análise da evolução do diagrama de tensões de uma secção genérica submetida à flexão sim-ples, levada a cabo na secção 2.2.3, só foi quantificada em termos dos valores notáveis domomento, Mc e Mp. O que agora se pretende é obter a expressão exata da curva momentos-curvatura no caso da secção retangular, mais simples de analisar.

Na fase elástica tem-se, bem entendido, a expressão linear

M = EI1

R(M ≤Mc) (13)

a qual é válida até se atingir o momento de cedência Mc, o qual corresponde à curvatura decedência 1

Rc= Mc

EI .Para momentos superiores ao momento de cedência, a linha neutra permanece no eixo x1,

por ser um eixo de simetria desta secção. Assim, quando a secção está parcialmente plastificada,o diagrama de tensões é da forma representada na figura 16, onde e denota a distância dafronteira entre a zona plástica e a zona elástica, relativamente ao eixo x1.

x1

x2σc

−σc

e

e

h2 − e

h2 − e

h2

h2

G 23e

12

(h2 + e

)

b

x2

x3

Figura 16: Distribuição de tensões numa secção retangular na fase elastoplástica.

Para os pontos com x2 = e, estando no limite da região elástica, tem-se

σ = Eε = Ee

R= σc ⇒ e

R=σcE

(14)

Na cedência, tem-se ec = h2 , valor que vai diminuindo até e = 0, à medida que a secção plas-

tifica progressivamente. Como na última equação de (14), o último membro é constante, podeescrever-se

e

R=

ecRc

=h2

Rc⇒ e

h2

=1Rc1R

(15)

ou seja, na fase elastoplástica, a dimensão da zona elástica é inversamente proporcional à cur-vatura 1

R .6

O momento resultante das tensões representadas na figura 16 é

M = 2b

[(h

2− e)σc

1

2

(h

2+ e

)+

1

2eσc

2

3e

]= bσc

(h2

4− e2

3

)=bh2

4σc −

bh2

12σc

(eh2

)2

6A exposição ficaria um pouco mais clara se se atribuísse à curvatura um símbolo próprio, por exemplo, χ = 1R

,em vez de a representar como o inverso do raio de curvatura. Nesse caso, ter-se-ia expressões mais simples, taiscomo M = EIχ ou e

h/2= χc

χ. Mas preferiu-se manter a notação utilizada anteriormente.

23

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Usando o facto de Mp = bh2

4 σc e de a diferença entre o momento plástico e o momento decedência ser dada por Mp −Mc = bh2

4 σc − bh2

6 σc = bh2

12 σc, em conjunto com a igualdade obtidaem (15), obtém-se finalmente

M = Mp − (Mp −Mc)

(1Rc1R

)2

(Mc ≤M < Mp) (16)

Se calcularmos o declive desta curva no ponto de cedência verificaremos que coincide com odeclive do troço elástico, isto é com a rigidez de flexão elástica EI,

dM

d( 1R)

∣∣∣∣∣1R

= 1Rc

= EI

Isto significa que não há ponto anguloso na transição do comportamento elástico para o elasto-plástico, o que se compreende porque o espalhamento da zona plástica é gradual.

A curva momentos-curvatura completa, incorpora as expressões (13) e (16), e está repre-sentada na figura 17. Observa-se que está de acordo com a figura geral apresentada na secção2.2.3, mas agora está devidamente quantificada. Para outras secções, bi-simétricas ou não, asexpressões serão mais complicadas mas os aspetos qualitativos são preservados.

M

1R

1

EI

Mp

Mm

Mc

1Rm

1Rr

1Rc

1

EI

O

C

M

R

Figura 17: Curva momentos curvatura de uma secção retangular. Carga e descarga. Alinha a traço interrompido corresponde ao modelo da rótula plástica.

2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais.

Como também representado na figura 17, admita-se que, a partir de um ponto da fase elas-toplástica, caracterizado pelo momento (máximo) Mm e curvatura 1

Rm, se procede à descarga

completa do momento aplicado à secção.De acordo com a relação constitutiva elastoplástica (lembrar a figura 3), os pontos já plas-

tificados descarregam elasticamente. Numa secção bi-simétrica, isto significa que toda a secçãose comporta elasticamente, não havendo necessidade de distinguir o comportamento da zonaplástica do da zona elástica.7

Na relação momentos curvaturas, isto traduz-se por uma descarga paralela ao troço elásticocom declive igual a EI, pelo que é relativamente fácil obter o valor da curvatura residual 1

Rr,

correspondente ao ponto de descarga total, para o qual Mr = 0. Escrevendo a equação (16),

7Já numa secção não bi-simétrica, na qual a linha neutra plástica não coincide com a elástica, isto não é verdadeem geral. Nesse caso, existem alguns pontos, na região compreendida entre a linha neutra plástica e a linha neutrada descarga, que continuam a sua progressão no patamar de cedência.

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para M = Mm e 1Rm

= 1Rc

, facilmente se conclui que

1

Rm=

1

Rc

√Mp −Mc

Mp −Mm

Estabelecendo a semelhança entre os triângulos de hipotenusa OC e RM , tem-se então

1Rm− 1

Rc1Rc

=Mm

Mc⇒ 1

Rr=

1

Rc

(√Mp −Mc

Mp −Mm− Mm

Mc

)

Esta curvatura residual é, portanto, a curvatura permanente que fica na barra após ter sidodobrada plasticamente e na qual apenas a deformação absorvida elasticamente foi recuperada.

Em termos de tensões, as tensões finais — ou tensões residuais — podem ser obtidas so-mando as tensões correspondentes ao momento máximo Mm com os incrementos (positivos ounegativos) das tensões observadas na descarga, como se exemplifica na figura 18. Faz-se notarque, como Mm > Mc, para os pontos mais afastados da linha neutra se tem, no diagrama in-cremental correspondente à descarga elástica, tensões superiores em valor absoluto à tensão decedência. Por essa razão, as tensões finais nesses pontos têm o sinal oposto ao da carga inicial.Já o mesmo não acontece nas regiões da secção mais próximas da linha neutra. Acrescente-seque os diagramas de tensões apresentados na figura 18 facilmente se aplicam a qualquer secçãobi-simétrica.

Em princípio, convém ainda confirmar que não existem cedências de sinal contráriona descarga, ou seja, verificar que −σc + Mm

W < σc. Esta desigualdade é equivalente aMm < 2Wσc = 2Mc. Ora, como o valor do momento máximo atingido não podia exceder omomento plástico, tem-se Mm < Mp = fMc, e, como na generalidade das secções bi-siméticasse observa que f < 2, confirma-se não haver em geral cedências de sinal contrário na descargaelástica de secções.

σ = σc

σ = −σc

em

em

σ = −σc + Mm

Wσ = Mm

W

σ = −Mm

W

++

++

+ =

σ = σc − Mm

W

−σc + Mm

I em

+σc − Mm

I em

Mc < Mm < Mp −Mm M = 0

Figura 18: Tensões residuais numa secção retangular.

É importante salientar que o diagrama de tensões residuais é auto-equilibrado, isto é, deveequilibrar esforços nulos. Na prática, para uma secção bi-simétrica fletida plasticamente, issosignifica que as tensões residuais exibem o característico padrão em «S» representado na figura18.

2.5 O conceito da rótula plástica

Discute-se de seguida uma importante idealização do comportamento estrutural, a qual desem-penha um papel determinante na análise incremental estudada na secção 3.

Se na vizinhança de uma secção, os momentos atingiram o momento plástico Mp, ou seos momentos atingiram valores próximos desse valor Mm ≈ Mp, o valor das curvaturas nessavizinhança é muito elevado, já que, como se viu, quando M → Mp, a curvatura tende para

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infinito, 1R → ∞. Sobretudo, interessa notar que esses valores da curvatura são ordens de

grandeza superiores aos valores observados em secções que se mantêm no domínio elástico, oupara as quais o momento pouco excede o momento de cedência.

Esta diferença de magnitudes faz com que se dê um fenómeno de localização acentuadade curvatura.8 Então, uma aproximação razoável é admitir que a deformada do eixo da vigaapresenta uma rotação relativa concentrada na secção de momento máximo, conservando-se,em termos comparativos, essencialmente retilínea fora dessa secção.

Este conceito é geralmente designado por rótula plástica e está ilustrado na figura 19. Narótula plástica, podemos postular uma relação constitutiva M−θp, entre o momento e a rotaçãorelativa (plástica), a qual só admite rotações quando |M | = Mp. Em contrapartida, fora da rótulaplástica só se consideram as deformações elásticas, já que o efeito das deformações plásticas seadmite já estar contabilizado, embora de forma concentrada, na rótula plástica.

Mc

Mp

M

1R

MMp

−Mp

θp

⇒ Mp Mp

θp

Figura 19: O conceito de rótula plástica.

Em termos práticos, isto corresponde a admitir que o diagrama momento-curvatura é apro-ximado pela linha a traço interrompido que está desenhada na figura 17, onde, para M < Mp

se admite o comportamento elástico e apenas para M = Mp se admitem valores de curvaturaarbitrariamente grandes (que se traduzem na rotação plástica da rótula). Esta aproximação serátanto melhor quanto mais próximos estiverem os valores dos momentos plástico e de cedência,ou seja, quanto mais o factor de forma se aproximar da unidade.

2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução

Neste texto, a atenção tem estado concentrada na flexão elastoplástica. Mas vale a pena observarque o mesmo tipo de análise pode ser aplicada à torção de secções com simetria de revolução. Deforma a evidenciar as semelhanças, mas também porque o assunto é importante, apresenta-sede seguida uma breve análise da torsão elastoplástica de círculos ou tubos circulares.

Para estas secções, a distribuição elástica de tensões tangenciais τ devida à atuação de um

8Este fenómeno será tanto mais evidente quanto maior seja a variação do diagrama de momentos fletores navizinhança do momento máximo, sendo, portanto, mais pronunciado na presença de cargas concentradas do que nade cargas distribuídas.

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momento torsor T é dada por

τ = Gγ = Gρα = GρT

GIp=T

Ipρ (17)

onde, γ é a distorção que varia proporcionalmente à distancia ao centro ρ e à curvatura detorção α, e Ip é o momento polar de inércia da secção.

Para um estado de tensão tangencial simples, de acordo com o critério de von Mises, acedência atinge-se quando a tensão tangencial atinge o valor de τc = σc√

3. Admitindo um material

«elástico-perfeitamente plástico», a relação constitutiva entre a tensão tangencial e a distorçãoé em tudo análoga à relação elastoplástica para estados uniaxiais considerada na figura 3 e estárepresentada na figura 20.

τ

ε331G

τc = σc√3

−τc

Figura 20: Relação constitutiva tangencial de um material elastoplástico.

Sendo a tensão tangencial máxima na periferia, onde ρ é igual ao raio exterior r, o momentotorsor de cedência Tc de uma secção cujo raio exterior vale r é obtido através de

τmax =TcIpr = τc ⇒ Tc =

Iprτc

No caso da secção circular, tem-se

Tc =πr4

2

rτc =

πr3

2τc

Para valores do momento torsor superiores a Tc, a evolução da distribuição de tensões e odiagrama momento-curvatura T −α serão da forma representada na figura 21, sendo evidentesas analogias com o comportamento à flexão de uma secção bi-simétrica. Quando a secção estátotalmente plastificada, o momento torsor atinge o seu valor máximo, o momento torsor deplastificação Tp.

T

α

1

GIp

Tp

Tcτmax < τcτcτc

T < Tc Tc < T < Tp T = Tp

Figura 21: Tensões tangenciais numa secção circular.

No contexto particular das secções com simetria de revolução, o momento torsor é maisfacilmente obtido por equilíbrio utilizando coordenadas polares. A coroa circular de raio ρ e

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espessura dρ tem área infinitesimal dA = 2πρ dρ. Então, qualquer que seja a distribuição detensões tangenciais, o valor do momento torsor de uma secção tubular é dado por

T =

∫Aτρ dA =

∫ re

ri

τρ 2πρ dρ =

∫ re

ri

2πτρ2 dρ

onde ri e re são, respetivamente, o raio interior e exterior.Para obter o momento torsor de plastificação basta fazer τ = τc na expressão precedente. No

caso de uma secção circular de raio r fica

Tp =

∫ r

02πτcρ

2 dρ =2πr3

3τc

Também é possível definir um factor de forma f , estabelecendo a relação entre os momentosde plastificação e de cedência, o qual, para a secção circular, vale

f =TpTc

=2πr3

3 τcπr3

2 τc=

4

3

Se for efetuada uma descarga a partir de um momento superior a Tc, há lugar ao apareci-mento de tensões residuais, cuja determinação é feita nos mesmos moldes que no caso da flexão.A figura 22 ilustra o caso de uma secção circular descarregada a partir da plastificação total.

τc

T = Tp43τc

T = −Tp T = 013τc

τc+ =

Figura 22: Tensões residuais de uma secção circular, descarregada a partir de Tp.

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3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas

3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última

A análise de uma estrutura constituída por um material elastoplástico é obviamente condici-onada pelo comportamento das secções transversais descrito na secção anterior. Desde logo,a resistência das secções limita as cargas que a estrutura é capaz de suportar. Mas, também,quer o cálculo de deslocamentos quer o traçado dos diagramas de esforços são alterados a par-tir do momento em que a estrutura já não se comporta elasticamente. A notável excepção aesta afirmação, são os diagramas de esforços em estruturas isostáticas, cujo traçado, admitindoa linearidade geométrica, sendo feito exclusivamente a partir das equações de equilíbrio, nãodepende das propriedades, elásticas ou plásticas, da secção transversal.

Para abordar o comportamento não linear de estruturas — onde, recorde-se, não é válido oprincípio da sobreposição —, é conveniente considerar a atuação de carregamentos crescentes,estudando-se a forma como a estrutura vai reagindo até se dar o colapso final. Do ponto de vistaprático, pode fazer sentido distinguir entre cargas permanentes, cujos valores são conhecidos efixos9, e cargas variáveis, cujos valores dependem linearmente de um parâmetro de carga. Muitasvezes, porém, não se faz esta distinção e admite-se, simplificadamente, que todos os carrega-mentos são proporcionais ao parâmetro de carga. Na verdade, mais do que tentar reproduzirfielmente o modo como as cargas serão aplicadas, importa sobretudo caracterizar o compor-tamento estrutural, descrevendo a evolução do alastramento da plasticidade, quantificando amáxima capacidade de carga e identificando o modo como se dá o colapso.10 Assim, neste textonão se fará distinção entre cargas permanentes e variáveis.

A vantagem de admitir que o carregamento depende de um único valor escalar é a de per-mitir a realização de uma análise incremental, onde é determinada uma trajetória de equilíbriorelacionando o valor do parâmetro de carga P com um deslocamento representativo.11 Esta tra-jetória de equilíbrio é importante porque caracteriza muito bem a resposta estrutural, podendoidentificar-se dois valores notáveis: a carga de cedência Pc, correspondente ao fim do regimeelástico, e a carga última Pu, para a qual se dá o colapso da estrutura.

Em estruturas compostas apenas por barras submetidas a esforço normal, tais como treliças,as trajetórias de equilíbrio são caracterizadas por um conjunto de troços lineares, correspon-dendo as transições às sucessivas plastificações das barras. Em termos incrementais, tudo sepassa como se as barras já plastificadas não existissem, enquanto o comportamento das barrasnão plastificadas se conserva elástico.12

Já a análise elastoplástica de vigas hiperestáticas é uma tarefa mais complexa, a qual fica,contudo, bastante facilitada se se adoptar o modelo da rótula plástica referido anteriormente.De facto, adoptando esse modelo, também é possível encarar o comportamento da estrutura àflexão como uma sucessão de comportamentos lineares. De cada vez que se forma uma novarótula plástica, nessa secção o momento mantém-se constante e a rotação relativa entre os doislados da rótula passa a ser livre. Dito de outra forma: em termos incrementais, a rótula plásticacomporta-se como uma rótula.

Em qualquer dos casos — plastificação de uma barra à tração/compressão ou formação deuma rótula plástica13 —, a estrutura comporta-se incrementalmente como uma estrutura elásticacujo grau de hiperestatia se reduziu em uma unidade. Ou seja, embora no domínio não linear

9E para as quais, nas situações mais habituais, a resposta da estrutura é ainda totalmente elástica.10De resto, o processo de quantificação das cargas é sempre muito idealizado. Por exemplo, as sobrecargas, que

são cargas variáveis, distribuem-se espacialmente sempre de uma forma irregular.11Por exemplo, o deslocamento vertical a meio vão, ou o deslocamento do ponto de aplicação da carga mais

importante, ou, ainda, o maior deslocamento esperado na estrutura.12No caso de barras heterogéneas, há que, incrementalmente, ignorar apenas os materiais já plastificados.13De um modo mais geral, também é possível considerar a interação de esforços N −M na formação de células

plásticas, onde a extensão plástica e a rotação plástica são ambas não nulas. Mas considera-se esse assunto fora doâmbito deste texto.

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não seja válido o princípio da sobreposição, é possível decompor a resposta da estrutura numasoma de parcelas (no sentido incremental).

A análise incremental consiste então em analisar (elasticamente) uma sucessão de estrutu-ras, progressivamente menos hiperestáticas, até à formação do mecanismo de colapso. Assim,podemos estabelecer as condições que regem a determinação de Pc e Pu:

carga de cedência Pc — é o valor do parâmetro de carga para o qual se dá a primeira cedên-cia num ponto da estrutura. É importante porque assinala o fim do domínio elástico (eo fim da validade do princípio da sobreposição), o que significa que existe uma secçãotransversal onde se atingiu N = Nc (tração simples) ou M = Mc (flexão simples).

carga última Pu — é o valor do parâmetro de carga que corresponde ao colapso da estrutura,sendo obviamente crucial para a verificação da segurança. Para existir colapso é necessárioque se tenha atingido a plastificação num número suficiente de secções transversais, nasquais se tem N = Np (tração simples) ou M = Mp (flexão simples).

Em muitos casos, o número suficiente de secções plastificadas, mencionado para a determi-nação de Pu, corresponde ao grau de hiperestatia mais um. De facto, uma estrutura n vezeshiperestática com n + 1 plastificações (por N = Np ou M = Mp) deverá ser hipostática doprimeiro grau, ou seja, um mecanismo. Mas existem exceções — por exemplo, envolvendo aformação de mecanismos parciais a que se faz referência na secção 3.9 — , pelo que é preferívelnão quantificar e manter a expressão «em número suficiente».

3.2 Estruturas isostáticas

Numa estrutura isostática, os diagramas de esforços em função do parâmetro de carga P podemser determinados apenas com base no equilíbrio. Por esta razão e também porque o mecanismode colapso se gera assim que uma secção atinge a plastificação total, a determinação das cargasde cedência e de colapso é relativamente direta.

Numa treliça isostática constituída por barras homogéneas, para as quais existe coincidênciaentre Np e Nc, o colapso da estrutura dá-se assim que se dá a cedência da primeira barra, tendo--se portanto Pu = Pc. Tal já não acontece se as barras da treliça forem heterogéneas, uma vezque para estas barras se tem geralmente Np > Nc. Contudo, se todas as barras de uma treliçaisostática tiverem as mesmas propriedades, é a mesma barra que condiciona a primeira cedênciae o colapso, pelo que se terá

PuPc

=Np

Nc

No caso de uma viga isostática, basta igualar o momento máximo (em função de P ) a Mc

e a Mp, para calcular Pc e Pu respetivamente. Em vigas isostáticas onde o factor de forma sejauniforme, pode concluir-se que

PuPc

=Mp

Mc= f

Ou seja, em estruturas isostáticas de secção uniforme — treliças ou vigas — verifica-se que,em termos relativos, a reserva de resistência da estrutura no domínio não linear correspondeexatamente à reserva de resistência da secção condicionante (NpNc ou Mp

Mc). Porém, tal resultado

não se pode estabelecer sempre que a relação entre os esforços de plastificação e de cedêncianão for uniforme em toda a estrutura; por exemplo se o factor de forma não for uniforme paraa toda estrutura, ou se a estrutura incorporar barras à tração e outras à flexão. Efetivamente,nessa situação, pode dar-se o caso de a primeira secção a atingir a cedência não chegar a plas-tificar totalmente no colapso, o qual será condicionado por outra secção. O exemplo seguinte,envolvendo uma treliça com uma barra homogénea e outra heterogénea, ilustra esta possibili-dade.

30

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Exemplo: Determinar Pc e Pu nas duas estruturas articuladas representadas. A primeiraestrutura é constituída por duas barras homogéneas, enquanto na segunda estrutura umadas barras é heterogénea. Todos os materiais são elastoplásticos com as propriedadesindicadas.

P E; A; σc

E; 45A; σc

16E; 15A; 2σc

P

P

43PA

B

C A

B

C53P

B

34

Sendo a estrutura isostática, os esforços nas duas barras são obtidos por equilíbrio do nó B,concluindo-se que NAB = + 5

3P e que NBC = − 43P , valores válidos para ambas as estruturas

e independentemente de já ter ocorrido a primeira cedência ou não.A secção homogénea é caracterizada por Np = Nc = Aσc, pelo que a carga de colapso (e

de cedência) da primeira estrutura é condicionada pela barra inclinada (mais esforçada),

5

3P = Aσc ⇒ Pu = Pc = 0,6 Aσc

A secção heterogénea tem um esforço axial de cedência diferente do de plastificação, osquais são obtidos recorrendo às expressões da secção 2.2.2,

n∑i

EiAi = E4A

5+ 16E

A

5= 4EA

Nc =

(n∑i

EiAi

)mini

{σciEi

}= 4EA min

{σcE

;2σc16E

}= 0,5 Aσc

Np =

n∑i

Aiσci =4A

5σc +

A

52σc = 1,2 Aσc

Para encontrar o valor da carga de cedência da segunda estrutura é preferível analisar asduas barras {

53P ≤ Aσc ⇒ P ≤ 0,6 Aσc43P ≤ 0,5 Aσc ⇒ P ≤ 0,375 Aσc

⇒ Pc = 0,375 Aσc

verificando-se que a primeira cedência ocorre agora no material central (aquele que mini-miza a relação σci

Ei) da barra vertical.

Em contrapartida, a barra diagonal continua a ser a primeira a plastificar (é a barra commaior esforço axial e menor esforço de plastificação), pelo que a carga de colapso permaneceinalterada, isto é Pu = 0,6 Aσc também para a segunda estrutura.

Observa-se que na segunda estrutura a primeira barra a ceder é a vertical, mas a primeiraa plastificar é a diagonal. Assim não há coincidência entre o valor de Pu

Pc= 1,6 e qualquer das

relações Np

Nc(1 para a barra diagonal homogénea e 2,4 para a barra vertical heterogénea).

3.3 O comprimento da zona plastificada

Em vigas isostáticas é relativamente fácil determinar a extensão da zona plastificada, a quepor vezes se chama, num ligeiro abuso de linguagem, comprimento da rótula plástica. Comoexplicado anteriormente, na secção 2.5, apenas na zona onde M ≈ Mp existem as curvaturas

31

Page 32: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

P

Mc

Mp

L−Lp

2 LpL−Lp

2

L2

L2

M

Figura 23: Determinação da zona plastificada numa viga simplesmente apoiada submetidaa uma carga concentrada.

muito elevadas que legitimam o conceito de rótula plástica. A admitir um comprimento finitopara a rótula plástica, ele deveria ser muito mais pequeno que a extensão da zona plastificada.

Demonstra-se o processo no caso de uma viga simplesmente apoiada submetida à acção deuma carga concentrada a meio vão, cujo diagrama de momentos fletores está representado nafigura 23. As cargas de cedência e última são obtidas a partir do momento máximo de meio vão,

|M |max =PL

4⇒

Pc =

4Mc

L

Pu =4Mp

L

(18)

Como esperado para uma viga isostática com secção uniforme, verifica-se que PuPc

= f .No colapso, a secção de meio vão está, obviamente, totalmente plastificada. Mas a zona

das secções parcialmente plastificadas estende-se num determinado comprimento Lp à volta dasecção de meio vão. Para determinar o valor desse comprimento, basta observar que na fronteirada zona plastificada o momento vale Mc, o qual se relaciona com Pc através de (18), pelo que

P

2

L− Lp2

= Mc =PcL

4⇒ Lp = L

(1− Pc

P

)Quando P = Pu, a razão Pc

Pué igual ao inverso do factor de forma, tendo-se

Lp = L

(1− 1

f

)Na figura 23 está representada a progressão da zona plastificada no caso de uma secção retan-gular, sendo o valor final do comprimento da zona plastificada dado por Lp = L

3 . Para outrasformas da secção transversal, este comprimento será tanto menor quanto mais o factor de formase aproxima da unidade. No limite, admitindo uma secção em «I» idealizada, em que toda aárea da secção se concentra nos banzos e onde f ≈ 1, o comprimento da zona plastificada tendepara zero.

Note-se que esta análise é relativamente simples de realizar por se tratar de uma viga isos-tática, onde o espalhamento da plasticidade não interfere com a distribuição de esforços, osquais são determinados exclusivamente por equilíbrio. Embora em vigas hiperestáticas o espa-lhamento da zona plastificada siga qualitativamente um padrão semelhante, a sua determinaçãorigorosa exige uma análise bastante mais sofisticada.

32

Page 33: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada

É para estruturas hiperestáticas que a análise incremental ganha a sua razão de ser. Para exem-plificar a aplicação de uma análise incremental, começa-se por considerar a treliça hiperestáticarepresentada na figura 24, cujo carregamento é uma força aplicada no nó C (com duas compo-nentes, horizontal e vertical). Todas a barras são homogéneas, têm a mesma rigidez axial e omesmo esforço de plastificação Np (coincide com Nc).

AB

C34

P

3P

D

−2,469P

−2,975P

+2,531P

+2,024P

−1,

519P

AB

C∆P

3∆P

D

+1,25∆P

+6,25∆P

+5∆P

−3,7

5∆P

4 4

3

5

Figura 24: Análise incremental de uma treliça hiperestática. Na figura da esquerda estãorepresentados a geometria e carregamento e ainda os esforços elásticos. A fi-gura da direita apresenta os esforços correspondentes à parcela incremental,após plastificação da barra CD.

Na figura incluem-se os esforços na fase elástica cuja obtenção foi feita, por exemplo, recor-rendo ao método das forças. Sendo todas as barras iguais, a primeira a ceder e plastificar é abarra mais solicitada, a barra CD. O valor do parâmetro de carga correspondente é

NCD = −2,975P = −Np ⇒ P1 = Pc =1

2,975Np = 0,3361Np

Observe-se que o valor de P é necessariamente positivo, e que a barra comprimida plastificapara N = −Np.14

Após a plastificação da barra CD, a estrutura entra na chamada fase elastoplástica,comportando-se incrementalmente como uma estrutura isostática, idêntica à estrutura consi-derada mas à qual foi retirada a barra CD. Os esforços correspondentes, obtidos por equilíbrio(método dos nós), estão representados também na figura 24. Para P > P1, o esforço axial emcada barra é dado pela soma do esforço que corresponde ao fim da fase elástica (P = P1) coma parcela incremental correspondente a ∆P = P − P1. Sendo a mais esforçada em cada umadas parcelas, é evidente que a barra BD é a próxima a plastificar — à tração —, o que permitecalcular o valor de ∆P através de

NBD = +2,531P1 + 6,25∆P = 2,531× 0,3361Np + 6,25∆P = Np ⇒ ∆P = 0,0239Np

Com duas barras plastificadas, a estrutura transforma-se (incrementalmente) num meca-nismo, com

Pu = P2 = P1 + ∆P = 0,360Np

Não é possível aumentar mais o valor do parâmetro de carga, embora, face ao comportamentoelastoplástico dos materiais, a estrutura mantenha a sua capacidade resistente para valores doparâmetro de carga inferiores.

14Alternativamente, o cálculo de P1 podia ser feito em módulo, a partir de |N | = 2,975P = Np. Porém, aabordagem apresentada no texto principal é mais geral, já que transita facilmente também para o cálculo de P2,lidando sem problemas com eventuais inversões de sinal.

33

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Aplicando a lógica incremental a cada uma das barras, obtém-se

NAB = +2,024× 0,3361Np + 5,00× 0,0239Np = (0,680 + 0,120)Np = +0,800Np

NAC = −2,469× 0,3361Np + 1,25× 0,0239Np = (−0,830 + 0,030) = −0,800Np

NBC = −1,519× 0,3361Np − 3,75× 0,0239Np = (−0,511− 0,090) = −0,600Np

NBD = +2,531× 0,3361Np + 6,25× 0,0239Np = (0,851 + 0,149)Np = +1,000Np

NCD = −2,975× 0,3361Np + 0,00× 0,0239Np = (−1,000 + 0,000)Np = −1,000Np

Nesta lista, que inclui as barras plastificadas no colapso, é possível identificar os esforços paraP = P1, a sua variação entre P1 e Pu e, por fim, o seu valor na altura do colapso. É interessanteobservar que a distribuição de esforços é bastante diferente entre a fase elástica e a fase elasto-plástica, ao ponto de uma das barras — a barra AC — inverter o sentido de carregamento apósP1.

Neste exemplo, admitiu-se que uma barra plastificada à compressão é capaz de manter in-definidamente uma compressão igual a N = −Np, como admitido atrás na secção 2.2.2. Éimportante ressalvar que uma barra nessa situação dificilmente se mantém reta sendo propensaa instabilizar por encurvadura — ver introdução aos fenómenos geometricamente não linearesna secção 5. Mas o acoplamento entre comportamentos física e geometricamente não linearesestá fora do âmbito deste texto, admitindo-se aqui que as barras comprimidas estão continua-mente contraventadas de modo aos deslocamentos laterais estarem impedidos.

3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática

A nossa atenção vira-se agora para o comportamento de vigas hiperestáticas elastoplásticas, maisinteressante do ponto de vista prático, o que justifica um estudo mais aprofundado. Importadizer que muitos dos conceitos que irão ser abordados para a viga (desenho do mecanismo,descargas, esforços residuais, cálculo de deslocamentos, etc) se aplicam também a estruturasarticuladas sem alteração de maior, com as diferenças óbvias relativas ao traçado de diagramasde esforços. Por outro lado, de modo a que seja possível ler esta secção independentemente dasecção anterior, repetem-se muitas das explicações referentes à lógica incremental.

A aplicação da análise incremental a vigas é muito semelhante à realizada atrás, mas comduas importantes diferenças. Em primeiro lugar é preciso lidar com o diagrama de momentosfletores, o qual varia ao longo da viga em vez de ser constante em cada barra, identificandoas secções de momento máximo nas quais se formam as rótulas plásticas. Por outro lado, éimportante ter presente que no caso da estrutura articulada a transição entre a fase elásticae plástica de uma barra (homogénea) é de facto instantânea (quando |N | = Np), enquantonas vigas essa transição se admite ser aproximadamente instantânea (quando |M | = Mp) emconsequência do modelo da rótula plástica descrito anteriormente.15

Assim, considere-se o caso de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargas iguaisde valor P , representada na figura 25 (P é, portanto, o parâmetro de carga). A estrutura é, bementendido, uma vez hiperestática.

Com base no diagrama de momentos em fase elástica (fornecido na figura), determina-sea carga de cedência Pc igualando o valor máximo desse diagrama a Mc. De acordo com omodelo da rótula plástica, admite-se que a estrutura continua a comportar-se elasticamente atéà formação da primeira rótula plástica, a qual ocorrerá para o valor do parâmetro de carga P1.

15Já no caso de barras heterogéneas inseridas em estruturas articuladas, a analogia com o modelo da rótulaplástica é potencialmente maior: a relação esforço axial apresentada na figura 5 pode, numa análise mais simplista,ser aproximada por uma função com apenas dois troços: elástico até Np seguido do patamar perfeitamente plástico.

34

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P P

L3

L3

L3

AB C

D

M

[elástico]

−PL3 PL

92PL

9

+−

M

[P = P1]

−Mp Mp

32Mp

3

+−

∆P

A

∆P

M

[∆P ]

∆P L3

+

∆P L3

M

[P = P2]

−Mp

2Mp

3 =Mp

3 +MpLL

3

Mp

+

A

Figura 25: Análise incremental de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargasconcentradas.

A determinação de P1 é em tudo análoga à determinação de Pc. Tem-se, portanto,

|M |max =PL

3⇒

Pc =

3Mc

L

P1 =3Mp

L

Fazendo P = P1 no diagrama de momentos elástico, obtém-se o diagrama de momentos naformação da primeira rótula plástica, em termos da resistência da secção Mp.

Formada a primeira rótula plástica, na secção do encastramento A, a estrutura comporta-seincrementalmente como isostática, o que permite obter o diagrama incremental de momentos∆M , em função do incremento ∆P , apenas com base nas equações de equilíbrio. Para obtero valor de P2, correspondente à formação da segunda rótula plástica, calcula-se qual o menorvalor do incremento da carga ∆P que permite atingir Mp numa das secções candidatas, B e C:

B : M =Mp

3+

∆P L

3= Mp ⇒ ∆P =

2Mp

L

C : M =2Mp

3+

∆P L

3= Mp ⇒ ∆P =

Mp

L

35

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A secção condicionante é, portanto, a secção C, pelo que P2 é

P2 = P1 + ∆P =3Mp

L+Mp

L=

4Mp

L

Neste caso, era óbvio que a segunda rótula plástica se formaria em C, já que partia de umvalor do momento mais elevado e o incremento para ∆P era o mesmo para as duas secções. Maspretendeu-se ilustrar o procedimento geral em que é necessário calcular ∆P para várias secçõescandidatas.16 Chama-se a atenção que as secções plastificam para M = Mp ou para M = −Mp.Se, numa dada secção, o valor de ∆M varia negativamente com ∆P , então o momento finaldeverá ser comparado como −Mp, conduzindo, em qualquer dos casos a um valor positivo de∆P .

Prosseguindo com a análise, podemos agora obter o diagrama de momentos para P = P2,somando simplesmente o diagrama correspondente a P = P1 (recorde-se, é o diagrama elásticofazendo P = P1) com o diagrama incremental ∆M particularizado para ∆P =

Mp

L . Essediagrama está também representado na figura 25.

Finalmente, observa-se que a estrutura, que inicialmente era hiperestática do primeiro grau,se tornou, após a formação de duas rótulas plásticas, num mecanismo, pelo que, neste caso,Pu = P2. O mecanismo representado na figura 25 evidencia as duas rótulas plásticas em A eem C. Entre as rótulas plásticas, admite-se que a viga permanece elástica. No entanto, face àdimensão arbitrária dos deslocamentos no mecanismo, não é habitual representar as (pequenas)deformações elásticas no desenho do mecanismo.

Conclui-se então que, neste caso, se tem

Pu =4Mp

L⇒ Pu

Pc=

4Mp

L3McL

=4

3

Mp

Mc=

4

3f > f

Isto ilustra que, de um modo geral, as estruturas hiperestáticas apresentam uma reserva de re-sistência no domínio não linear superior ao das estruturas isostáticas. Na verdade, à medidaque se vão formando rótulas plásticas, existe um efeito de redistribuição de esforços, pelo que odiagrama de momentos final não é proporcional ao diagrama elástico e o colapso não é condici-onado apenas pela resistência da secção transversal mais solicitada. Quanto mais hiperestáticafor a estrutura, maior é este efeito.

Se se pretender obter os diagramas de esforços para P1 < P < Pu, basta utilizar odiagrama incremental de forma inversa. No exemplo considerado, em primeiro lu-gar determina-se ∆P = P − P1 e o diagrama de momentos final é dado pela somaM(P > P1) = Mel(P1) + ∆M(P − P1). Por exemplo, para P =

3.5Mp

L , tem-se

∆P = P − P1 =3.5Mp

L− 3Mp

L=Mp

2L

pelo que os correspondentes momentos em B e C valem respetivamente

MB =Mp

3+Mp

2L

L

3=Mp

2MC =

2Mp

3+Mp

2L

L

3=

5Mp

6

O momento em A mantém-se obviamente igual a −MP .Os procedimentos apresentados para esta viga hiperestática do primeiro grau são facilmente

generalizados para estruturas hiperestáticas de maior grau. A diferença principal reside em sernecessário considerar mais parcelas na soma incremental. Por exemplo, numa viga três vezeshiperestática, se P1 corresponde à formação da primeira rótula plástica, há que determinar dia-gramas de esforços, numa estrutura duas vezes hiperestática, para ∆P1 = P − P1 e obter o valor

16Deve acrescentar-se que carregamentos constituídos exclusivamente por cargas concentradas facilitam a análise,porque o número de secções candidatas é finito. Na presença de cargas distribuídas, seria necessário determinar quala secção de momento máximo, a qual varia com ∆P .

36

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de P2 para a formação da segunda rótula plástica. O processo é repetido para determinar P3,desta vez com base nos diagramas duma estrutura uma vez hiperestática, para ∆P2 = P−P1. For-mada a terceira rótula plástica, a estrutura torna-se finalmente isostática (incrementalmente),para ∆P3 = P − P3. A carga última, correspondendo à formação da quarta rótula plástica,será então dada por Pu = P4 = P1 + ∆P1 + ∆P2 + ∆P3. Ressalve-se que fenómenos como aocorrência de mecanismos locais podem alterar este quadro geral.

3.6 Descargas e esforços e reações residuais

A lógica incremental também pode ser aplicada para analisar as descargas. A única diferençaé que se torna necessário considerar parcelas em que o incremento do parâmetro de carga énegativo. Analogamente ao que se passa ao nível do ponto material ou da secção transversal, asdescargas da estrutura processam-se habitualmente em regime elástico.

Se a descarga é feita de um ponto anterior à primeira plastificação, isto é, a partir de P < P1,a carga elástica e a descarga elástica são parcelas simétricas e a estrutura recupera a sua confi-guração inicial, sendo o valor dos esforços finais identicamente nulos em toda a estrutura.

Mais interessante é a descarga total de uma estrutura a partir de um valor P = Pm > P1,isto é a partir de um ponto da fase elastoplástica. Neste caso, é necessário somar, aos diagramascorrespondentes a P = Pm, os diagramas elásticos calculados para um valor de ∆P = −Pm.Isto significa que, geralmente, a descarga elástica é de maior dimensão que a carga elástica atéP = P1. Deve ser feito o teste ao aparecimento de plastificações em sentido contrário, emborana maior parte dos casos tal fenómeno não ocorra.

Continue, então, a analisar-se o comportamento da viga hiperestática considerada na secçãoanterior, admitindo-se que se procede à descarga total a partir da iminência do colapso. Nafigura 26, mostram-se os diagramas de momentos fletores (i) na iminência do colapso, paraP = Pu =

4Mp

L , (ii) correspondente à descarga elástica, isto é, o diagrama elástico calculadopara ∆P = −Pu = −4Mp

L , e (iii) final, dado pela soma dos dois primeiros diagramas.O diagrama final, denominado diagrama de momentos fletores residual, mostra que a estru-

tura, completamente descarregada, ainda está sujeita a esforços residuais não nulos. Observe-se,contudo, que o diagrama de momentos final é linear, não variando de declive nas secções B e C,o que é perfeitamente compreensível atendendo a que a carga final é nula. No entanto, apesarde não existirem cargas aplicadas, existem reações não nulas, também representadas na figura26, em equilíbrio com os esforços residuais. Estas reações são auto-equilibradas, no sentido emque equilibram cargas nulas, e são denominadas de reações residuais.

É mais fácil de compreender a resposta da estrutura se nos concentrarmos na história da pri-meira rótula plástica, formada na secção de encastramento. Nessa secção ocorreu uma rotaçãoplástica negativa (pois tinha-se M = −Mp) para P > P1, o que permite dizer que, se, de algumaforma, o apoio direito fosse retirado no final, a viga ficaria reta, mas inclinada para baixo. Napresença do apoio, a reacção residual tem que ser para cima, e a viga, na sua configuração final(descarregada), encontra-se deformada elasticamente, no vão, e plasticamente, na secção deencastramento.

Note-se, aliás, que só é possível a existência de reações e esforços residuais em estruturashiperestáticas. De facto, uma estrutura isostática é, por definição, estaticamente determinada ena ausência de carregamento, tanto as reações como os esforços só podem ser nulos. Por outrolado, numa estrutura hiperestática do primeiro grau como esta, basta conhecer o valor de umareação ou de um esforço numa secção para poder reconstruir todas as reações residuais e podertraçar todos os diagramas de esforços. No fim de contas, isso é uma consequência direta dosignificado do grau de hiperestatia: é o grau de indeterminação das equações de equilíbrio.

37

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M

4Mp

LL3 =

4Mp

3

+

−Mp +4Mp

3 =Mp

3

+

M

[P = Pu]

−Mp

2Mp

3

Mp+

4Mp

LL9 =

4Mp

94Mp

L2L9 =

8Mp

9

4Mp

L4Mp

L

4Mp

L4Mp

L

Mr

[P = 0] 2Mp

3 −4Mp

9 =2Mp

9

Mp − 8Mp

9 =Mp

9

Mp

3

Mp

3L

Mp

3L

+

=

[∆P = −Pu (elástico)]

Figura 26: Descarga elástica de uma viga encastrada apoiada submetida a duas cargasconcentradas. Esforços e reações residuais.

3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos

Uma das melhores formas de caracterizar a resposta estrutural é através do traçado de trajetóriasde equilíbrio. De acordo com o modelo das rótulas plásticas, a trajetória consiste numa sucessãode troços retos, pelo que basta calcular os valores dos deslocamentos que se observam quandoda formação de cada uma das rótulas plásticas (ou da ocorrência da plastificação de um tirante).

O cálculo dos deslocamentos pode ser realizado, de uma forma prática e eficiente, atravésdo método da carga unitária. Recorde-se que este método é uma aplicação do princípio dos tra-balhos virtuais, a qual envolve a consideração de um sistema equilibrado, cujos esforços estãoem equilíbrio com uma carga unitária (aplicada no ponto de que se pretende calcular o desloca-mento), e de um sistema compatível, onde se observam os deslocamentos e deformações reaisda estrutura.

Existem várias formas de aplicar este método à análise incremental de uma estrutura elas-toplástica. Por um lado, é possível adoptar a lógica incremental e calcular o deslocamento porsoma dos deslocamentos em cada parcela incremental — recorde-se que, entre os instantes deformação das rótulas plásticas, a estrutura se comporta como uma estrutura elástica de hiperes-tatia cada vez mais reduzida. Mas, é também possível calcular qualquer deslocamento de umasó vez, da forma que se exemplifica de seguida.

Há apenas que ter cuidado com o trabalho realizado nas rótulas plásticas e na sua eventualcontabilização na equação do trabalho virtual. De facto, numa rótula plástica existe uma rotaçãorelativa não nula, ao mesmo tempo que, e ao contrário das verdadeiras rótulas, o momento étambém não nulo.

Porém, em estruturas hiperestáticas não colapsadas é sempre possível equilibrar a carga uni-tária através de uma distribuição de esforços que apresenta valores nulos do momento em todasas rótulas plásticas já formadas (e esforço normal nulo em tirantes plastificados). Desta forma,o trabalho virtual nas rótulas plásticas é nulo e apenas deve ser contabilizado o trabalho dos

38

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esforços equilibrados nas deformações elásticas da estrutura analisada.

Em contrapartida, se a estrutura já tiver colapsado, não é, obviamente, possível arranjar umadistribuição de esforços em equilíbrio nas condições indicadas no parágrafo anterior — seriaequivalente a equilibrar a carga unitária numa estrutura hipostática. Mas é também verdadeque a determinação de deslocamentos numa estrutura em colapso é um problema obviamenteindeterminado.

Para exemplificar o cálculo de deslocamentos e o traçado da trajetória de equilíbrio, retoma-se o exemplo da viga hiperestática (desprezam-se como habitualmente as deformações porcorte). Pretende-se calcular o valor do deslocamento vertical do ponto B em 3 situações: paraP = P1 (1a rótula plástica), para P = P2 = Pu (iminência do colapso) e para P = 0 (des-locamento residual, após descarga). Os diagramas de momentos fletores nestas três situaçõesconstam das figuras 25 e 26, a que correspondem as curvaturas elásticas dadas por 1

R = MEI em

todas as secções excepto no encastramento A. O (único) diagrama que equilibra a carga unitáriaaplicada em B e que satisfaz MA = 0 está representado na figura 27 e as integrações necessá-rias para o cálculo dos deslocamentos pretendidos estão indicadas na figura 28. Finalmente, astrajetórias de equilíbrio obtidas, relativas á carga e descarga, estão representadas na figura 29,onde se indica também, de modo qualitativo, a trajetória real, isto é, a que se obteria se não setivesse admitido o modelo simplificado das rótulas plásticas.

= 0

23

13

2L9M +

A

B C

D

Figura 27: Diagrama M para o cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada-apoiada.

2L9

L9

Mp

32Mp

3

−Mp

δB1 = 1EI

∫= 5

162MpL2

EI

2L9

L9

2Mp

3 Mp

−Mp

δB2 = 1EI

∫= 10

162MpL2

EI

2L9

L9

2Mp

9

δBr = 1EI

∫= 5

243MpL2

EI = 3.333162

MpL2

EIMp

3

Mp

9

Figura 28: Cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada-apoiada para P = P1,P = P2 = Pu e para P = 0 (deslocamento residual após descarga a partir daiminência do colapso). As contas detalhadas foram omitidas.

39

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P

P1 =3Mp

L

δBr

Pu = P2 =4Mp

L

Pc = 3Mc

L

modelo da rótula plástica

real

δB2δB1 δB

descarga

Figura 29: Trajetória carga-deslocamento da viga encastrada-apoiada.

3.8 Utilização do PTV para o cálculo de cargas de colapso

A carga última ou de colapso Pu é, sem dúvida, a grandeza mais importante que interessaconhecer na resposta não linear de uma estrutura de comportamento elastoplástico. A análiseincremental atrás descrita é uma forma de a obter, que porém pode ser bastante trabalhosa,especialmente para estruturas de elevado grau de hiperestatia a que correspondem trajetóriascomplicadas com muitos troços.

Se o mecanismo de colapso for conhecido, existe uma forma mais direta de obter a cargaúltima, que se baseia no facto de o colapso da estrutura ser estaticamente determinado.17 Efe-tivamente, uma estrutura n vezes hiperestática colapsa normalmente com a formação de n + 1rótulas plásticas (ou tirantes plastificados). Isto significa que as n incógnitas hiperestáticas maiso valor da carga de colapso Pu podem ser determinadas com base nas n + 1 equações que re-sultam de igualar o momento M nas rótulas plásticas ao valor da resistência plástica Mp (ouN = Np). Esta observação mostra que as características elásticas da estrutura, embora funda-mentais para a determinação da trajetória de equilíbrio, são irrelevantes para o cálculo de Pu.

Exemplifica-se o processo com o cálculo de Pu na viga encastrada-apoiada atrás considerada.Considerando o mecanismo de colapso, representado na figura 25 em baixo, é evidente que osmomentos em A e C devem valer, respetivamente, MA = −Mp e MC = Mp. Estes momentospodem também ser calculados por equilíbrio a partir da reacção vertical em D, VD, e da cargaúltima Pu. Escreve-se então{

MA = −Mp

MC = Mp

{VDL− P L

3 − P2L3 = −Mp

VDL3 = Mp

{VD =

3Mp

L

Pu =4Mp

L

(19)

o que é, sem dúvida, uma forma muito mais rápida de calcular Pu.Em alternativa, é possível escrever apenas uma única equação de equilíbrio, recorrendo ao

PTV. Para tal, considera-se o campo de deslocamentos virtuais coincidente com o mecanismode colapso, tal como representado na figura 30. Observando que os centros instantâneos derotação dos dois corpos coincidem com os pontos A e D, calculando o deslocamento do pontoC com base na rotação de cada um dos corpos, obtém-se a relação entre as rotações virtuais,

δrCy = δθ12L

3= δθ2

L

3⇒ δθ2 = 2δθ1

Como entre rótulas o deslocamento virtual é de corpo rígido, as únicas forças internas queproduzem trabalho são os momentos (plásticos) instalados nas rótulas. Estes trabalhos nasrótulas plásticas são sempre negativos já que a rotação relativa tem sempre sentido contrário aodo momento plástico — ver novamente a figura 19.

17Ter porém em atenção o caso especial dos mecanismos parciais discutidos na secção 3.9.

40

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δθ1 = δθ δθ2 = 2δθ

L3 δθ

2L3 δθ

AB

C3δθ

Pu Pu

D

Figura 30: Utilização do PTV para o cálculo de Pu na viga encastrada-apoiada.

Assim, a equação dos trabalhos virtuais tem por única incógnita o valor de Pu, permitindocalcular facilmente o seu valor:

δWext + δWint = 0 ⇒ PuL

3δθ + Pu

2L

3δθ −Mpδθ −Mp3δθ = 0 ∀δθ ⇒ Pu =

4Mp

L(20)

Note-se que este procedimento é apenas uma forma mais eficiente de condensar as equações deequilíbrio, as quais, complementadas com o conhecimento dos momentos nas rótulas plásticas,permitem a determinação de Pu. Tanto as equações (19) como as equações (20) são manifesta-ções do mesmo princípio: um mecanismo de colapso é estaticamente determinado.

Observe-se que os resultados anteriores dependem da localização das rótulas plásticas nomecanismo de colapso, o qual, contudo, não é geralmente conhecido à partida. É importantechamar a atenção que o cálculo da carga de colapso tendo por base um mecanismo que não overdadeiro conduz a um resultado errado, mais elevado e, portanto, contra a segurança.

Assim, tal como apresentado, este tipo de análise é apenas útil para verificar o valor da cargade colapso determinada previamente através de uma análise incremental, a qual terá permitidotambém identificar o mecanismo de colapso.

Porém, existem casos em que o mecanismo de colapso é óbvio por só haver um plausível. Porexemplo, numa viga encastrada-apoiada submetida à acção de apenas uma carga concentrada,o diagrama de momentos apresenta extremos locais apenas na secção de encastramento e nasecção de aplicação da carga, pelo que só existem duas secções candidatas à formação das duasrótulas plásticas necessárias para a formação do mecanismo de colapso. Nestas situações, adeterminação da carga última por esta via é fácil e sem problemas.

Resta acrescentar que mesmo desconhecendo o mecanismo de colapso, é possível, aindaassim, determinar a carga última através da denominada análise limite. Este tipo da análise,que será explicado na secção 4, baseia-se (i) na consideração de vários mecanismos, a quecorrespondem, por equilíbrio, diferentes valores do parâmetro de carga e (ii) num conjunto deteoremas estabelecendo majorantes e minorantes da carga de colapso.

3.9 Mecanismos de colapso globais, parciais e múltiplos

Em geral, o mecanismo de colapso de uma estrutura hiperestática de grau n envolve a formaçãode n+1 secções plastificadas (rótulas plásticas e/ou tirantes plastificados). Quando isto aconteceo mecanismo é dito global e, como se viu atrás, o colapso é estaticamente determinado. Masexistem situações em que o número de plastificações no colapso é menor ou maior do que n+ 1.

Quando apresenta um número de secções plastificadas menor que n + 1, o mecanismo éclassificado como parcial. Esta designação justifica-se porque muitas vezes o mecanismo parcialenvolve apenas o colapso de uma parte da estrutura. Um dos exemplos mais representativosé o colapso de uma consola envolvendo apenas uma rótula plástica, independentemente deessa consola poder pertencer a uma estrutura muito hiperestática. Mas a designação é algoenganadora, pois o mecanismo parcial pode implicar o movimento de toda a estrutura. Em

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qualquer dos casos, como o número de secções em que se conhece o valor do esforço no colapsoé reduzido, não é possível obter os diagramas de esforços em toda a estrutura apenas com baseno equilíbrio, embora seja sempre possível a obtenção da carga última.

Por outro lado, quando o colapso envolve mais do que n + 1 secções plastificadas — o queimplica necessariamente a ocorrência de duas ou mais plastificações simultâneas —, o meca-nismo de colapso tem mais do que um grau de liberdade e, por essa razão, é designado pormúltiplo. Mecanismos múltiplos ocorrem mais frequentemente em estruturas de geometria ecarregamento simétricos.

n = 22 rótulas plásticasmecanismo parcial

n = 23 rótulas plásticasmecanismo global

n = 13 rótulas plásticasmecanismo múltiplo

n = 66 rótulas plásticasmecanismo parcial

n = 34 rótulas plásticasmecanismo global

Figura 31: Mecanismos globais, parciais e múltiplos

Na figura 31 desenham-se vários exemplos de mecanismos globais, parciais e múltiplos.Pode-se constatar nesses exemplos que é possível ter um mecanismo global onde parte da estru-tura permanece imóvel no colapso e, pelo contrário, é possível ter um mecanismo parcial queenvolve o movimento de toda a estrutura. O factor determinante é mesmo a relação entre o

42

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número de rótulas plásticas e o grau de hiperestatia da estrutura e, evidentemente, as referidasconsequências na determinação estática e no número de graus de liberdade do mecanismo decolapso.

Do ponto de vista da análise incremental, a principal consequência da ocorrência tanto demecanismos parciais como múltiplos é que o número de troços da trajetória de equilíbrio émenor do que os n+ 2 esperados à partida.18

18Para além dos n troços hiperestáticos, há que contar com o troço isostático e com o troço horizontal correspon-dente ao mecanismo propriamente dito . Por exemplo, a trajetória apresentada na figura 29, relativa a uma estruturauma vez hiperestática, tem 3 troços.

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4 Análise limite de estruturas elastoplásticas

4.1 Introdução

A carga última (ou de colapso) de uma estrutura de comportamento elastoplástico pode tambémser determinada por análise limite. Esta técnica baseia-se na procura direta do mecanismo decolapso e da distribuição de esforços que lhe corresponde, não se preocupando com a históriade formação de rótulas plásticas nem permitindo obter a trajetória de equilíbrio (em contrastecom à análise incremental descrita na secção 3). Embora não forneça tanta informação como aanálise incremental, permite obter o principal resultado da análise do comportamento de umaestrutura elastoplástica — a carga última — de uma forma muito mais expedita.

A análise limite fundamenta-se num conjunto de três teoremas, cujo enunciado e aplicaçãoserão descritos mais à frente na presente secção. A sua aplicação permite obter ou o valor exatoda carga de colapso (em problemas simples) ou, em alternativa, um intervalo para esse valor,o que na maior parte dos casos é suficiente em termos práticos. Estes teoremas foram demons-trados por Drucker, Prager e Greenberg (1952) na sua forma mais geral (envolvendo estadosde tensão multiaxiais), mas aqui considera-se apenas a sua aplicação às estruturas consideradasanteriormente (estruturas reticuladas onde se admitem estados de tensão uniaxial e modos decolapso envolvendo a formação de rótulas plásticas ou a plastificação de barras biarticuladas).

Por vezes a análise limite é apresentada recorrendo a um conjunto de hipóteses mais exigentedo que o realmente necessário. Mas, na verdade, apenas são necessárias as seguintes hipóteses:

carregamento proporcional — o carregamento aplicado à estrutura é proporcional a um pa-râmetro de carga.

comportamento geometricamente linear — o comportamento da estrutura é geometrica-mente linear, tanto na fase elástica, como após a primeira cedência ou mesmo após aformação do mecanismo de colapso.

comportamento material plástico — o material pode ceder indefinidamente sem nunca atin-gir a rotura ou perda de resistência, verificando-se −σc ≤ σ ≤ σc, independentemente dahistória de deformações registada (por exemplo, é irrelevante a ocorrência de cargas, des-cargas ou recargas).19 O material «elastico–perfeitamente plástico» satisfaz obviamenteesta condição. No presente contexto, pode dizer-se que os esforços em todas as secçõesverificam a condição de plastificação

−Mp ≤M ≤Mp (flexão) −Np ≤ N ≤ Np (tração)

De resto, estas hipóteses são também partilhadas pela análise incremental. É interessante ob-servar que a análise limite não necessita de admitir o modelo da rótula plástica, já que a análiselimite não se preocupa com a obtenção de trajetórias de equilíbrio (nem é capaz de as obter). Naverdade, como veremos, a aplicação da análise limite é independente das deformações elásticase também do espalhamento das zonas plásticas nas secções parcialmente plastificadas.

No que se segue é útil a consideração das seguintes classificações:

mecanismo cinematicamente admissível — estrutura em que o número de secções total-mente plastificadas (rótulas plásticas e/ou tirantes plastificados) é suficiente para que aestrutura se comporte como um mecanismo. Nessas secções, o valor absoluto do esforço éigual ou superior20 ao valor de plastificação, sendo o seu sinal determinado pelo sentidoda rotação relativa.

19No caso de se considerarem estados de tensão multiaxiais (o que está fora do âmbito deste texto), exige-se quea superfície de cedência seja convexa.

20Na verdade, podia-se omitir a expressão «ou superior», mas do ponto de vista estritamente cinemático não énecessário exigir a igualdade estrita.

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esforços estaticamente admissíveis — distribuição de esforços na estrutura na qual os valoresde plastificação não são ultrapassados em nenhuma secção.

Como é evidente, no colapso forma-se um mecanismo cinematicamente admissível, ao qualcorresponde uma distribuição de esforços estaticamente admissível.

4.2 Carga de um mecanismo cinematicamente admissível

Como se viu na secção 3.8, admitindo um determinado mecanismo é possível utilizar o PTV paradeterminar qual é o valor do parâmetro de carga que está em equilíbrio com os momentos plás-ticos que ocorrem nas rótulas plásticas inerentes a esse mecanismo. Nessa secção, o mecanismoconsiderado correspondia ao verdadeiro mecanismo de colapso, pelo que se obteve o verdadeirovalor da carga última.

Vamos agora avaliar as consequências de partir de um mecanismo incorreto. Assim,considere-se o mecanismo cinematicamente admissível representado na figura 32, o qual en-volve a formação de uma rótula plástica (negativa) em A e outra (positiva em B), o que por sisó é suficiente para conhecer o valor do momento nessas duas secções.

2δθ δθ

2L3 δθ

L3 δθ

A

BC3δθ

Pk Pk =5Mp

L

D

M

[Pk =5Mp

L ]

−Mp

4Mp

3Mp +

Figura 32: Utilização do PTV para o cálculo de P associado a um mecanismo incorreto naviga encastrada-apoiada. Diagrama de momentos fletores correspondente.

Seguindo um processo análogo ao seguido na escrita da equação (20) — optando por passaros termos negativos do trabalho das forças interiores logo para o segundo membro onde setornam positivos — obtém-se para este mecanismo

δWext + δWint = 0 ⇒ Pk2L

3δθ + Pk

L

3δθ = Mp 2δθ +Mp 3δθ ∀δθ ⇒ Pk =

5Mp

L(21)

Utiliza-se a letra k («kinematic») para referir o mecanismo cinematicamente admissível para nãoconfundir Pk com a carga de cedência Pc.

Observando que Pk é superior à verdadeira carga de colapso Pu, este cálculo mostra que adeterminação da carga de colapso com base num mecanismo que não temos a certeza de sero verdadeiro é um procedimento arriscado que pode conduzir a resultados errados (e contra asegurança).

Contudo, uma análise mais aprofundada deste mecanismo permite-nos detectar que o me-canismo não pode ser o verdadeiro, bastando traçar o diagrama de momentos correspondenteà localização das duas rótulas e ao valor calculado para o parâmetro de carga e verificar a suavalidade. Para tal, começa-se por calcular a reação em D,

MB = VD2L

3− P L

3= VD

2L

3− 5Mp

L

L

3= Mp ⇒ VD =

4Mp

L(22)

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para depois calcular o valor de MC

MC = VDL

3=

4Mp

L

L

3=

4

3Mp (23)

O diagrama resultante está também incluído na figura 32, sendo visível que existe umaparte desse diagrama (assinalada a vermelho) que não respeita a condição de plastificação−Mp < M < +Mp. Ou seja, o mecanismo cinematicamente admissível está em equilíbrio comuma distribuição de esforços que não é estaticamente admissível, pelo que não pode ser o ver-dadeiro mecanismo de colapso.

4.3 O teorema cinemático

Não foi por acaso que o parâmetro de carga calculado com base num mecanismo cinemati-camente admissível é superior a Pu. De facto, um dos teoremas da análise limite estabeleceprecisamente essa relação:

teorema cinemático — Um parâmetro de carga Pk em equilíbrio com os esforços de um meca-nismo cinematicamente admissível é um majorante da carga de colapso Pu

Pu ≤ Pk

Para não sobrecarregar a exposição e a notação, o esboço de demonstração que se apresentade seguida considera apenas carregamentos constituídos por forças concentradas e mecanismosenvolvendo a formação de rótulas plásticas, mas a sua generalização a carregamentos maisgerais ou mecanismos envolvendo também plastificações de tirantes é relativamente simples.

A demonstração baseia-se na dupla aplicação do PTV. Recorde-se que na aplicação desteprincípio se utiliza uma solução compatível e uma solução equilibrada, as quais podem ou nãoestar relacionadas. No que segue, escolhem-se sempre para soluções compatíveis, mecanismosnos quais as barras entre rótulas se conservam rígidas — pelo que o trabalho das forças internasinclui apenas o trabalho realizado nas rótulas do mecanismo considerado.

Em primeiro lugar, considere-se um mecanismo cinematicamente admissível como soluçãocompatível e o carregamento e distribuição de momentos que lhe está associado como soluçãoequilibrada. Admita-se, adicionalmente, que o sentido do mecanismo foi escolhido de modo aque o trabalho (total) das forças exteriores seja positivo.

Deste modo, o cálculo do parâmetro de carga Pk que corresponde a este mecanismo cinema-ticamente admissível pode ser obtido a partir de

nF∑i=1

Pk Fi δu(k)i =

nk∑i=1

M(k)i δθ

(k)i (24)

o que constitui a generalização da equação (21). Nesta expressão (24), nF é o número de forçasaplicadas, Fi corresponde à iésima dessas forças no perfil de carregamento e δu(k)

i é o desloca-mento sofrido pelo ponto de aplicação da iésima carga nesse mesmo mecanismo.21 Relativamenteao trabalho das forças internas, nk é o número de rótulas plásticas envolvidas no mecanismo ci-nematicamente admissível, M (k)

i é o valor do momento nessas rótulas e δθ(k)i é a rotação relativa

em cada uma das rótulas do mecanismo considerado. Como existe coincidência entre a soluçãocompatível e a equilibrada, o momento nas rótulas é necessariamente o de plastificação.22

21No exemplo considerado, o perfil de carregamento são duas forças de valor unitário F1 = F2 = 1, a quecorrespondem os deslocamentos δu(k)

1 = 2L3δθ e δu(k)

2 = L3δθ. Na presença de outro tipo de cargas, tais como

momentos aplicados ou cargas distribuídas, δu(k)i pode representar uma rotação ou um integral de deslocamentos.

22No exemplo anterior, no mecanismo com rótulas em A e B tem-se M (k)1 = −Mp e M (k)

2 = Mp a que corres-pondem rotações relativas do mesmo sinal, δθ(k)1 = −2δθ e δθ(k)2 = 3δθ. Havendo tirantes plastificados, algumasdas parcelas deste último somatório devem ser substituídas pelo produto de um esforço axial pelo alongamento dotirante.

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De seguida, continue a considerar-se o mecanismo cinematicamente admissível como solu-ção compatível, mas adote-se como solução equilibrada a que corresponde à verdadeira cargade colapso Pu e à respetiva distribuição de esforços no colapso. A equação do PTV fica então

nF∑i=1

Pu Fi δu(k)i =

nk∑i=1

M(u)i δθ

(k)i (25)

onde M (u)i são os momentos no colapso, observados nas secções que constituem as rótulas do

mecanismo cinematicamente admissível. Não existindo agora coincidência entre a solução com-patível e a equilibrada, estes valores não são forçosamente iguais a momentos de plastificação.23

Em cada uma das parcelas relativas às forças internas verifica-se a seguinte relação24

M(u)i δθ

(k)i ≤M (k)

i δθ(k)i (26)

De facto, se a rotação relativa δθ(k)i ≥ 0, verifica-se M

(u)i ≤Mp = M

(k)i e, inversamente, se

δθ(k)i ≤ 0, verifica-se M (u)

i ≥ −Mp = M(k)i . Verificando-se esta relação entre cada uma das par-

celas do somatório, também se verifica entre os somatórios totais.Assim, das equações (24) e (25) e das inequações (26) pode concluir-se

Pu =

∑M

(u)i δθ

(k)i∑

Fi δu(k)i

≤∑M

(k)i δθ

(k)i∑

Fi δu(k)i

= Pk ⇒ Pu ≤ Pk (27)

que é o resultado que se queria demonstrar. Na escrita da inequação (27) tirou-se partido dofacto de o parâmetro de carga poder ser posto em evidência (saindo, portanto, para fora dossomatório do trabalho das forças exteriores), e da hipótese, admitida atrás, de o sentido domecanismo corresponder a um trabalho das forças exteriores positivo, isto é, a

∑Fi δu

(k)i > 0

(o que, aliás, é o que faz sentido para obter um parâmetro de carga positivo).O teorema cinemático permite estabelecer majorantes da carga de colapso, o que do ponto de

vista da verificação da segurança não é muito útil, já que, quando se verifica que o mecanismonão é estaticamente admissível, não há garantias de o colapso não se dar para valores muitoinferiores do majorante obtido.

Existem duas formas de lidar com esta limitação.Em primeiro lugar, note-se que, como corolário do teorema cinemático, pode afirmar-se que

o parâmetro de carga de colapso Pu é o menor dos valores que se obtêm considerando todos osmecanismos cinematicamente admissíveis. Em alguns problemas simples,25 este facto permitepor si só a determinação expedita da carga de colapso, mas é incomportável para problemas demaior dimensão.

Numa segunda alternativa, os resultados obtidos a partir do teorema cinemático devem sercomplementados com uma abordagem estática que se apresenta de seguida.

4.4 Carga de uma distribuição de esforços estaticamente admissível

Enquanto na secção 4.2 se estudou um mecanismo cinematicamente admissível que não corres-pondia a uma distribuição de esforços estaticamente admissível, a nossa atenção incidirá agora

23De facto, no exemplo anterior, admitindo o mecanismo com rótulas em A e B e consultando o diagrama demomentos no colapso que consta da figura 25, tem-se M (u)

1 = −Mp e M (u)2 = 2

3Mp.

24A consulta das notas de rodapé 22 e 23 pode ajudar na interpretação desta inequação.25No exemplo da viga encastrada-apoiada que tem vindo a ser considerado, apenas são razoáveis os dois me-

canismos cinematicamente admissíveis analisados até aqui (nas secções 3.8 e 4.2). Um outro aparente candidatoenvolveria a formação de rótulas em B e C, mas isso exigiria a formação de uma rótula plástica em B com momentonegativo, ao mesmo tempo que a presença da carga em B só pode estar associada a um máximo local do momento,pelo que este mecanismo é de excluir logo à partida.

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sobre a situação inversa: distribuições de esforços estaticamente admissíveis que não correspon-dem a mecanismos cinematicamente admissíveis.

Existem várias formas de gerar distribuições estaticamente admissíveis com algum potencial.Por exemplo, podemos arbitrar valores para as incógnitas hiperestáticas (em função de P ounão), traçar os diagramas em função de P e depois calcular qual é o maior valor de P que aindasatisfaz a admissibilidade estática.

Mas, do ponto de vista prático, é geralmente mais fácil partir da distribuição de esforços as-sociada a um mecanismo cinematicamente compatível — e que se revelou não ser estaticamenteadmissível — e corrigi-la através da multiplicação por um factor apropriadamente escolhido.

Assim, multiplique-se o diagrama de momentos representado na figura 32 por um factor de34 , de modo a que o maior momento em valor absoluto seja exatamente igual a Mp, obtendo-seo diagrama apresentado na figura 33. O parâmetro de carga que lhe corresponde é tambémobtido pela multiplicação pelo mesmo factor,

Ps =3

4Pk =

3

4

5Mp

L= 3.75

Mp

L(28)

Para manter a consistência com a notação introduzida atrás utiliza-se agora a letra s («static»)para referir a distribuição estaticamente admissível.

A B C

Ps Ps = 3,75Mp

L

D

M

[Ps = 3,75Mp

L ]

3Mp

4Mp

+

−−3Mp

4

(M = −Mp)

(M = Mp)

(não é um mecanismo)

Figura 33: Diagrama de momentos fletores estaticamente admissível e correspondente pa-râmetro de carga.

Apesar deste diagrama ser indubitavelmente estaticamente admissível (não são ultrapassa-dos os momentos de plastificação), não é suscetível de gerar um mecanismo cinematicamenteadmissível. De facto, a formação de uma única rótula plástica — em C — é neste caso insufici-ente para a estrutura se comportar como um mecanismo.

Não sendo esta a distribuição de esforços no colapso, põe-se a questão de qual a relação entreo valor de Ps obtido e a verdadeira carga de colapso Pu. Do ponto de vista intuitivo, o diagramada figura 33 sugere que ainda é possível aumentar o valor do parâmetro de carga, facto que serádemonstrado na próxima secção. Nessas condições, reunindo a informação recolhida na secção4.2 e na presente secção 4.4, podemos estabelecer que a verdadeira carga de colapso deve estarcompreendida no intervalo

Ps ≤ Pu ≤ Pk ⇒ 3,75Mp

L≤ Pu ≤ 5

Mp

L

Como não podia deixar de ser, o valor anteriormente determinado para a carga de colapso,Pu = 4

Mp

L , está dentro destes limites.

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4.5 O teorema estático

O resultado intuído atrás pode ser colocado numa base mais rigorosa recorrendo ao segundodos teoremas da análise limite:

teorema estático — Um parâmetro de carga Ps em equilíbrio com uma distribuição de esforçosestaticamente admissível é um minorante da carga de colapso Pu

Ps ≤ Pu

A demonstração deste teorema é muito semelhante à do teorema cinemático, recorrendo àdupla aplicação do PTV. A diferença é que agora a solução compatível é sempre a do verdadeiromecanismo de colapso, ao mesmo tempo que as soluções equilibradas são (i) a carga e os esfor-ços do colapso, ou (ii) a carga e uma distribuição de esforços estaticamente admissíveis. Tem-seentão, por um lado

nF∑i=1

Pu Fi δu(u)i =

nu∑i=1

M(u)i δθ

(u)i (29)

onde Pu é a carga de colapso, M (u)i são os momentos nas rótulas plásticas no colapso e δu(u)

i eδθ

(u)i são os deslocamentos dos pontos de aplicação das nF cargas e as rotações relativas nas nu

rótulas, todos referentes ao mecanismo de colapso. Por outro lado, tem-se também

nF∑i=1

Ps Fi δu(u)i =

nu∑i=1

M(s)i δθ

(u)i (30)

onde Ps é a carga da distribuição estaticamente admissível e M (s)i são os momentos dessa dis-

tribuição calculados nas secções onde se formam as rótulas plásticas do mecanismo de colapso.Em cada uma das parcelas relativas às forças internas verifica-se agora a seguinte relação

M(s)i δθ

(u)i ≤M (u)

i δθ(u)i (31)

pois se a rotação relativa δθ(u)i ≥ 0, verifica-se M (s)

i ≤Mp = M(u)i e, inversamente, se δθ(u)

i ≤ 0,verifica-se M (s)

i ≥ −Mp = M(u)i .

Assim, das equações (29) e (30) e das inequações (31) pode concluir-se

Ps =

∑M

(s)i δθ

(u)i∑

Fi δu(u)i

≤∑M

(u)i δθ

(u)i∑

Fi δu(u)i

= Pu ⇒ Ps ≤ Pu (32)

4.6 Metodologia para obtenção da carga de colapso

Os dois teoremas da análise limite podem ser combinados num terceiro:

teorema da unicidade — Um parâmetro de carga em equilíbrio com um mecanismo cinema-ticamente admissível e com uma distribuição de esforços estaticamente admissível é overdadeiro parâmetro de carga de colapso Pu.

Note-se que a correta identificação da carga de colapso, não significa necessariamente que setenha identificado o mecanismo de colapso — já que este pode ser múltiplo — ou a distribuiçãode esforços no colapso — a qual pode ser parcialmente indeterminada no caso de um mecanismoparcial. A este respeito, recordem-se os comentários tecidos na secção 3.9. Mas vale a pena notarque a validade e aplicação dos teoremas da análise limite são independentes de qual é o tipo demecanismo de colapso.

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O conjunto dos três teoremas da análise limite permite adotar a seguinte estratégia para aobtenção da carga de colapso (ou de um intervalo suficientemente apertado):

Metodologia

1. Escolher um mecanismo verosímil;

2. Utilizar a equação do PTV e o teorema cinemático para obter um majorante Pk;

3. Traçar os diagramas de esforços, usando as equações de equilíbrio, o valor de Pke os esforços nas rótulas plásticas (ou nos tirantes plastificados);

4. Se essa distribuição de esforços for estaticamente admissível, pelo teorema daunicidade, já se encontrou a carga de colapso, Pu = Pk;

5. Caso contrário, aplicar um factor de escala para obter uma distribuição estatica-mente admissível e obter, através do teorema estático, um minorante Ps;

6. Se o intervalo não for satisfatório, considerar como próximo candidato um me-canismo que inclua rótulas plásticas (ou tirantes plastificados) nas secções maissolicitadas.

4.7 Exemplos de aplicação

Para ilustrar a aplicação da metodologia apresentada atrás, segue-se um conjunto de exemplosrepresentativos. O primeiro exemplo é referente a uma estrutura articulada.

Exemplo: Determinar um intervalo para (ou o valor de) Pu no caso da estrutura articuladaconsiderada na secção 3.4.

A estrutura é uma vez hiperestática, pelo que à partida é necessária a plastificação deduas barras. Comece-se por admitir como mecanismo verosímil, aquele que resulta daplastificação das barras BC e CD , as quais são assim retiradas da estrutura, devendo sersubstituídas pelo esforço de plastificação Np.

AB

CP

3P

DNp

Np

Np

Np

3δθ

4δθ

4

3

4

B

Np53Np

43Np

Np

Np

3P = 2115Np

P = 715Np

23Np C

34

5

δθ

Neste cenário as barras AB e BD permanecem imóveis no mecanismo (a treliça ABD é isostá-tica). Para que as cargas produzam trabalho positivo, a barra AC deverá rodar (em torno deA) no sentido dos ponteiros do relógio, pelo que se conclui que as duas barras plastificadasdevem plastificar à compressão. Na figura acima representa-se o mecanismo e os esforçosnas barras plastificadas, bem como os deslocamentos do ponto C em função da rotação δθ. O

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desenho do mecanismo deve respeitar a hipótese dos pequenos deslocamentos, em particularno que diz respeito aos deslocamentos serem perpendiculares à linha que os une ao centrode rotação. Note-se ainda que não é imprescindível o desenho rigoroso, mas não pode haverdúvidas sobre o valor (das componentes) do deslocamento dos pontos notáveis.

A equação de trabalhos fica então (mais uma vez, o trabalho negativo das forças interio-res é inscrito como positivo no segundo membro da equação)

3P4δθ + P3δθ = Np4δθ +Np3δθ ⇒ P =7

15Np = 0,467Np

Para verificar a admissibilidade estática, recorre-se ao equilíbrio dos nós B e C (em conjuntocom o valor de P obtido), determinando-se os esforços das restantes barras: NAC = − 2

3Np;NAB = − 4

3Np e NBD = + 53Np (ver esquemas à direita na figura).

Conclui-se que a barra mais esforçada é a barra BD, cujo valor absoluto do esforço axialexcede o valor de Np. De acordo com a metodologia apresentada, isto significa que o verda-deiro parâmetro de colapso deve estar compreendido entre

0,280Np =3

5

7

15Np ≤ P ≤

7

15Np = 0,467Np

Este intervalo é ainda bastante grande, pelo que se considera um novo candidato paramecanismo de colapso, o qual admite a plastificação das barras BD — a mais esforçada nomecanismo anterior — e CD. Note-se que não faz sentido admitir a plastificação das barrasBD e BC porque, nesse caso, o ponto C ficaria imóvel (em virtude de as barras AC e CD semanterem rígidas) e as forças exteriores não realizariam trabalho.

34

5

3

A B

C

4

P

3P

Np

Np

3δθ

4δθδθ

δθ

DNp

Np

4

B

35Np

Np45Np

35Np

Np

3P = 2725Np

P = 925Np

45Np

C4δθ

O mecanismo envolve agora a rotação (infinitesimal) de corpo rígido do triângulo ABC emtorno do apoio A e a plastificação das barras CD (compressão) e BD (tração). Na figura acimaresume-se toda a informação necessária relativa ao mecanismo e à sua posterior verificaçãoestática.

O valor da carga que corresponde a este mecanismo é

3P4δθ + P3δθ =3

5Np4δθ +Np3δθ ⇒ P =

9

25Np = 0,360Np

a que correspondem os esforços nas barras não plastificadas: NAB = + 45Np; NAC = − 4

5Npe NBC = − 3

5Np, todos estaticamente admissíveis. Pelo teorema da unicidade concluímosentão que

Pu = 0,360Np

valor que, como não podia deixar de ser, coincide com o determinado anteriormente, nasecção 3.4, por análise incremental.

Note-se que a metodologia indicada pode ser adaptada consoante a natureza do problema.Por exemplo, se o número de mecanismos candidatos é muito limitado, pode ser vantajoso adeterminação da carga correspondente a vários mecanismos, mais fácil de fazer, e selecionar o

52

Page 53: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

melhor candidato — o que corresponde ao menor valor da carga de colapso — e proceder àverificação da admissibilidade estática, mais trabalhosa de realizar, apenas para este candidato.Se foram ensaiados todos os mecanismos possíveis, o mecanismo selecionado é necessariamenteo verdadeiro pelo que esta verificação serve apenas como derradeira confirmação. Se, pelo con-trário, foram experimentados apenas alguns candidatos, esta técnica tem pelo menos o méritode conduzir, após a verificação da admissibilidade estática, a um intervalo mais apertado para averdadeira carga de colapso.

A determinação de um intervalo para a carga de colapso é especialmente relevante na pre-sença de cargas distribuídas que tornam difícil a localização das rótulas plásticas de vão. Opróximo exemplo ilustra este aspeto, para além de incluir barras com várias resistências plásti-cas (por flexão ou tração).

Exemplo: Determinar um intervalo para (ou o valor de) Pu no caso da estrutura represen-tada em baixo, a qual está submetida à ação de uma carga concentrada horizontal de valorP no topo do pilar e de uma carga distribuída de valor P

L na viga horizontal. Duas dasbarras têm momentos plásticos de valor MAB

p = Mp (pilar) e MBCp = 2Mp (viga), que se

admitem independentes do esforço normal, e o esforço axial de plastificação do tirante valeNCDp =

3Mp

L .

A

B CP

D

3L

PL

L

L NCDp =

3Mp

L

MABp = Mp

MBCp = 2Mp

A estrutura é uma vez hiperestática, pelo que à partida os mecanismos envolvem duassecções plastificadas. Mas existem muitas possibilidades, pelo que se começa por considerartrês mecanismos distintos.

primeiro mecanismo:

A

B CP

D

δθ

δθLδθ

MpMp

Mp

PL

O primeiro mecanismo envolve rótulas nas duas extremidades do pilar AB. O pilar AB rodaem torno de A e o tirante CD roda em torno de D, pelo que ambas as extremidades da vigase deslocam na horizontal o que implica que a viga está em translação. A partir do desenhodo mecanismo escreve-se a equação dos trabalhos

PLδθ = Mpδθ +Mpδθ ⇒ P = 2Mp

L

53

Page 54: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

Na escrita desta equação teve-se em atenção que a rótula em B se forma paraM = MAB

p = Mp, valor que corresponde à menor resistência das barras que concor-rem no ponto B, e ainda ao facto de a rotação relativa em B coincidir com a rotação da barraAB, já que a barra BC está em translação.

segundo mecanismo:

A

BC

P

D

Np =3Mp

L

Mp

δθ3Lδθ

LδθPL

O segundo mecanismo envolve a plastificação do tirante e uma rótula plástica na base dopilar. A estrutura ABC roda em torno de A e a equação de trabalhos revela que

PLδθ +P

L3L

(3L

2δθ

)= Mpδθ +

3Mp

L(3Lδθ) ⇒ P =

20Mp

11L= 1,8181

Mp

L

No cálculo do trabalho da carga distribuída multiplicou-se a resultante da carga distribuídapelo deslocamento do ponto da viga situado na linha de ação dessa resultante (a meio vão).26

terceiro mecanismo:

A

B CP

D

Mp

δθ

1,5Lδθ2Mp

2Mp

LδθδθP

L

O terceiro mecanismo envolve duas rótulas plásticas, na base do pilar e a meio-vão da viga.Neste caso, a metade esquerda roda em torno de A enquanto o ponto C se desloca na ho-rizontal, acompanhando a rotação do tirante. Com base no movimento de C e da rótulaplástica de meio-vão, não é difícil concluir que a metade direita da viga roda em torno deD e que as rotações das duas metades da viga são iguais em valor absoluto. Sendo assim,tem-se

PLδθ +P

L1,5L

(1,5L

2δθ

)+P

L1,5L

(1,5L

2δθ

)= Mpδθ + 2Mp2δθ

⇒ P =20Mp

13L= 1,5384

Mp

L

26No caso de uma carga distribuída uniforme vertical, o trabalho pode, em alternativa, ser calculado multiplicandoa densidade de carga pelo integral do deslocamento vertical. No presente caso, isso levaria a escrever a segundaparcela do trabalho das forças exteriores como P

L3L(3Lδθ)

2, valor que coincide com o apresentado. Note-se porém

que esta técnica alternativa só é válida para cargas uniformes, ao passo que a opção seguida no texto se aplica paraquaisquer cargas aplicadas a um corpo rígido, desde que seja conhecida a linha de ação da resultante.

54

Page 55: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

onde foi necessário subdividir a carga distribuída em duas resultantes atuando em cada umdos corpos rígidos.27

Este terceiro mecanismo é então o melhor candidato por ser o que apresenta o menorvalor do parâmetro de carga. Deixa-se como exercício a obtenção de intervalos para o pa-râmetro de carga de colapso, baseados nos dois primeiros mecanismos. Para verificar aadmissibilidade estática do terceiro mecanismo, começa-se por calcular a reação vertical emD (↑), que coincide com o esforço axial do tirante NCD, com base no conhecimento do valorde P e do momento na rótula plástica da secção de meio-vão,

RD1,5L− 1

L

20Mp

13L

(1,5L)2

2= 2Mp ⇒ RD = NCD =

97

39

Mp

L= 2,4872

Mp

L<

3Mp

L= NCD

p

Para além da verificação do tirante é necessário verificar a resistência à flexão das restantesbarras. O diagrama de momentos fletores (calculado, por exemplo, a partir dos valores deP e de RD) está representado em baixo.

A

BC

2Mp2,01Mp

Mp

0,53Mp

xmax

Em particular, a secção de momento máximo localiza-se no ponto de esforço transverso nulo,situado a

−RD +P

Lxmax = 0 ⇒ xmax =

RDPL =

9739Mp

L20Mp

13L

L =97

60L = 1,617L

e o momento máximo vale

Mmax = RDxmax −P

L

x2max2

=

(97

39

97

60− 1

2

20

13

(97

60

)2)Mp = 2.0105Mp > 2Mp = MBC

p

Verifica-se assim que esta distribuição de esforços não é estaticamente admissível, emborapor pouco, o que se traduz num intervalo bastante apertado para a carga de colapso:

2

2.01051,5384

Mp

L= 1,5304

Mp

L≤ Pu ≤ 1,5384

Mp

L

Como se compreende facilmente, um procedimento por tentativa e erro nunca identificaráprecisamente a localização da rótula plástica quando esta ocorre no vão sob uma carga distri-buída. Isto não é um problema porque, em termos práticos, como o exemplo precedente mostra,a carga de colapso pode ser determinada com uma precisão muito razoável e o verdadeiro me-canismo de colapso difere muito pouco do considerado.

É porém possível deixar em aberto a localização da rótula e, desse modo, obter precisamentequer o valor da carga de colapso, quer a geometria exata do mecanismo de colapso, como semostra de seguida.

27Ou então, calcula-se o trabalho da carga distribuída multiplicando a densidade de carga pela área da deformada,resultando em P

L3L(1,5Lδθ)

2.

55

Page 56: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

Exemplo: Na estrutura analisada no exemplo anterior, determinar exatamente a carga decolapso.

A

B CP

D

Mp

δθ

(3L− x)δθ

2Mp2Mp

Lδθδθ

3L− x

3Lx δθ

x

3L−xx δθ

PL

Já sabemos que o mecanismo de colapso envolve uma rótula plástica em A e outra no vão BC.Seja x a distância da rótula de vão ao ponto C. O centro de rotação da parte direita da vigaestará localizado na vertical de C, podendo estar acima ou abaixo de D, consoante o valor dex. Em qualquer dos casos, compatibilizando o deslocamento vertical dessa rótula plástica, épossível concluir que a rotação da parte direita da viga vale 3L−x

x δθ, sendo δθ a rotação daparte esquerda do pórtico, e, consequentemente, a rotação relativa na rótula plástica de vãovale δθ + 3L−x

x δθ = 3Lx δθ. Com base no desenho do mecanismo que se apresenta em cima,

a equação de trabalhos fica

PLδθ +P

L(3L− x)

(3L− x

2δθ

)+P

Lx

(3L− x

2δθ

)= Mpδθ + 2Mp

(3L

x

)⇒ P (x) =

6L+ x

x(5,5L− 1,5x)Mp

Esta expressão permite calcular o valor do parâmetro de carga para cada valor de x, istoé, para cada localização da rótula plástica de vão. Em particular, para x = 1.5L recuperamoso valor P = 1,5384

Mp

L , determinado anteriormente. Pelo teorema cinemático, qualquermecanismo cinematicamente admissível corresponde a um majorante da carga de colapso,pelo que basta determinar o mínimo da expressão P (x), igualando a zero a sua derivada.Omitem-se os detalhes dos cálculos, mas apresentam-se os resultados

dP (x)

dx= 0 ⇒

{xmax = (

√58− 6)L = 1,616L

P (xmax) = 2121 (47 + 6

√58)

Mp

L = 1,5321Mp

L = Pu

A carga de colapso é apenas marginalmente inferior à determinada anteriormente (e, ob-viamente, dentro do intervalo). A rótula plástica de vão está muito perto de — mas nãocoincide com — o ponto de momento máximo que corresponde ao mecanismo anterior. Parater a certeza de que o valor Pu = 1,5321

Mp

L é de facto a carga última seria aconselhável averificação da admissibilidade estática, tarefa que se omite aqui por ser demasiado parecida(em método e em valores) à realizada para o terceiro mecanismo.

Finalmente, inclui-se um exemplo que envolve um mecanismo parcial, o que torna um poucomais difícil a verificação da admissibilidade estática, atendendo à zona hiperestática que subsisteno colapso.

56

Page 57: Introdução ao comportamento não linear de estruturas · Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os ... (o diagrama de interação

Exemplo: Calcular o parâmetro de carga correspondente à formação de rótulas em C e Dda viga contínua sujeita a duas cargas concentradas e verificar se a admissibilidade estáticaé satisfeita.

AB

C

D

E

L2

L2

L2

L2

P P

δθ 2δθ

Mp

−Mp

Esta viga é duas vezes hiperestática pelo que o mecanismo indicado é parcial (um mecanismoglobal necessitaria de três rótulas plásticas). Para este mecanismo, facilmente se conclui que

PL

2δθ = Mpδθ +Mp2δθ ⇒ P = 6

Mp

L

Para verificar a admissibilidade estática traça-se o diagrama de momentos fletores. En-quanto o traçado no troço CDE é imediato, verificamos que as equações de equilíbrio nãosão suficientes para a determinação dos esforços no troço ABC. De facto, é inevitável que,impondo o momento em apenas duas secções (as rótulas plásticas) numa estrutura três vezesindeterminada (não conhecemos o valor de duas incógnitas hiperestáticas, nem o valor doparâmetro de carga), a estrutura ainda permaneça uma vez estaticamente indeterminada.

A verificação da admissibilidade estática, pode ser feita, deixando em aberto o valor deum esforço ou, em alternativa, desde logo fixando o valor do momento numa secção candi-data igual à resistência plástica. Assim, calcule-se o momento em B, admitindo conhecido ovalor do momento em A, bastando para isso sobrepor o momento de uma viga simplesmenteapoiada com carga a meio vão ao diagrama linear entre MA e MC

MB =MA +MC

2+PL

4=MA −Mp

2+ 6

Mp

L

L

4=MA

2+Mp

A partir desta relação de equilíbrio entre MA e MB , facilmente se conclui que fazendoMA = −Mp («esgotando» a reserva de resistência da secção de encastramento) tem-seMB =

Mp

2 e, em contrapartida, fazendo MB = Mp (a resistência máxima da secção demeio vão) tem-se MA = 0. Qualquer destas distribuições é estaticamente admissível, como,de resto, todas as situações intermédias representadas esquematicamente no diagrama demomentos traçado na figura.

Assim, tendo encontrado um mecanismo cinematicamente admissível a que correspondeuma distribuição estaticamente admissível (várias na verdade!), estamos na presença daverdadeira carga de colapso, isto é, Pu = 6

Mp

L . Contudo, neste caso não é possível conhecertotalmente a distribuição de esforços no colapso, já que uma parte da estrutura permanecehiperestática no colapso.

4.8 Uma visualização dos teoremas de análise limite

Os teoremas da análise limite aplicam-se independentemente do grau de hiperestatia, estandoconcluída a apresentação dos conceitos teóricos e exemplificação da sua aplicação na prática.

57

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Mas em problemas hiperestáticos do primeiro grau é possível recorrer a uma ilustração gráficado espaço das soluções equilibradas que se crê ser inspiradora e que se apresenta de seguida.

Começa-se por observar que, num problema hiperestático do primeiro grau, a estática doproblema fica completamente definida se conhecermos os valores do parâmetro de carga Pe da incógnita hiperestática X. Em consequência, o espaço de todas as soluções equilibradaspode ser representado num gráfico a duas dimensões, por exemplo usando X para o eixo dasabcissas e P para o das ordenadas. As condições de plastificação das diversas secções podemfacilmente ser representadas neste espaço, definindo a sua intersecção o domínio estaticamenteadmissível. Em contrapartida, as regiões fora desse domínio caraterizam-se por uma ou maissecções plastificadas, cada uma suscetível de constituir uma rótula plástica ativa (ou tiranteplastificado). O domínio cinematicamente admissível é definido pelas regiões do espaço ondeas secções plastificadas permitem a formação de um mecanismo — avaliação essa que tem queconciliar o sinal do momento com a rotação relativa (e uma condição análoga para os tirantesplastificados).

Como exemplo, voltemos ao problema da viga encastrada submetida a duas cargas concen-tradas. Tomando como incógnita hiperestática X a reação vertical em D, é possível determinar omomento nas três secções críticas (A, B e C) em função do parâmetro de carga P e da incógnitahiperestática X,

MA = XL− P L3− P 2L

3

MB = X2L

3− P L

3

MC = XL

3

Impondo a condição de estes momentos serem, em valor absoluto, inferiores ao momento deplastificação Mp concluímos que

|MA| ≤Mp ⇒ X − Mp

L≤ P ≤ X +

Mp

L

|MB| ≤Mp ⇒ 2X − 3Mp

L≤ P ≤ 2X + 3

Mp

L

|MC | ≤Mp ⇒ −3Mp

L≤ X ≤ 3

Mp

L

Na figura 34 representa-se o espaço das soluções equilibradas correspondem a um valor positivodo parâmetro de carga P . As condições de plastificação acima determinadas são limitadas portrês pares de retas, sendo a sua intersecção o domínio estaticamente admissível, assinalado averde.

Para ajudar a identificar as regiões cinematicamente admissíveis, identificam-se, nas váriassub-regiões exteriores ao domínio estaticamente admissível, quais as rótulas plásticas ativas,tendo o cuidado de assinalar se correspondem a momentos positivos (trações nas fibras inferi-ores assinaladas a azul) ou negativos (trações nas fibras superiores assinaladas a vermelho).28

Apenas a região assinalada a vermelho corresponde à formação de mecanismos, os quais estãoesquematicamente representados. Nas restantes regiões (amarelas), não e possível formar me-canismos pois as rótulas ativas ou são em número insuficiente ou agrupam-se todas do mesmolado.29

28Note-se que, no espaço completo das soluções equilibradas, existem outras secções, para além das secções A, Be C, que também podem ultrapassar os valores de plastificação. No entanto, como neste problema só se consideramcargas concentradas, é suficiente limitar a análise a essas três secções críticas.

29Por exemplo, nesta estrutura, não é possível formar um mecanismo com duas ou três rótulas positivas. Emoutros textos, por vezes é definida a condição de paridade — a um momento plástico positivo tem que corresponderuma rotação plástica positiva —, mas aqui prefere-se incluir essa condição dentro da definição geral de mecanismocinematicamente admissível.

58

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Esta

ticam

ente

adm

issiv

el

admissivel

P

Pu =4Mp

L

MA

=−M

p

MB

=+Mp

MC

=+Mp

MA

=+Mp

MB

=−Mp

X

MC

=−Mp

P1 =3Mp

L

3Mp

L−3Mp

L

(incr

emen

tal)

Cinematicamente

A B C

P PD

X

Figura 34: Espaço das soluções equilibradas no problema da viga encastrada-apoiada sub-metida a duas cargas concentradas. A região verde é estaticamente admissível:o momento plástico não é ultrapassado em nenhuma secção. A região verme-lha é cinematicamente admissível: o momento plástico é atingido num númerosuficiente de secções para se formar um mecanismo. Nas regiões a amareloas secções plastificadas não permitem a formação de um mecanismo. A traço-ponto sobrepõe-se a trajetória obtida pela análise incremental.

Da observação da figura os teoremas da análise limite têm uma interpretação gráfica ime-diata: a carga de colapso (i) maximiza o valor de P na região estaticamente admissível, (ii)minimiza o valor de P na região cinematicamente admissível e (iii) é o único valor de P parti-lhado pelas duas regiões.

Note-se que na região cinematicamente admissível os esforços de plastificação são geral-mente ultrapassados. Se quisermos considerar apenas os mecanismos em que o momento éestritamente igual ao de plastificação nas rótulas plásticas admitidas, temos apenas dois me-canismos, assinalados no desenho por círculos: o de colapso e o que corresponde a 5Mp/L (oanalisado na secção 4.2).

Na figura representa-se ainda a trajetória obtida para este problema através da análise incre-mental. O troço elástico corresponde à incognita hiperestática X = 2P

3L , enquanto que após P1

se tem ∆X = ∆P . Esta trajetória é incluída apenas como referência, não sendo relevante paraa análise limite.

Os conceitos envolvidos na construção deste diagrama mantêm-se válidos para outras estru-turas com as devidas adaptações, podendo mencionar-se os seguintes aspetos:

(i) em estruturas mais hiperestáticas, a representação gráfica torna-se impraticável: os domí-nios estatica e cinematicamente admissíveis tornam-se tridimensionais ou multidimensio-

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nais de ordem superior;

(ii) se o colapso se dá para um mecanismo parcial existe uma fronteira finita e horizontal entreos domínios estatica e cinematicamente admissíveis, que traduz a indeterminação estáticado colapso mas não a da carga de colapso;

(iii) na presença de cargas distribuídas, as secções candidatas à plastificação distribuem-se con-tinuamente, pelo que a fronteira do domínio estaticamente admissível contém geralmentetroços curvos.

4.9 Comentários finais

Os teoremas da análise limite são aplicáveis a vários tipos de estrutura (treliças, vigas, pórticos),independentemente de qual o seu grau de hiperestatia e de qual é o tipo de mecanismo decolapso (global, local, múltiplo). A aplicação dos teoremas permite obter o valor do parâmetrode carga de colapso — ou, em alternativa, restringi-lo a um intervalo limitado — de uma formarelativamente simples, em função das resistências plásticas das secções e das característicasgeométricas da estrutura. Bem vistas as coisas, esta relativa simplicidade é uma consequênciado colapso ser estaticamente determinado.

É aliás esta determinação estática do colapso, que permite realizar a análise limite semsequer conhecer as propriedades elásticas das barras (a rigidez axial EA e a de flexão EI). Oconhecimento destas propriedades elásticas é necessário para a análise incremental dos troçoshiperestáticos da trajetória de equilíbrio, mas é irrelevante para a análise do colapso. Realizandouma análise limite não ficamos a saber a ordem de formação das rótulas plásticas, nem, tãopouco, conseguimos detetar a ocorrência de descargas elásticas em rótulas plásticas que nodecurso da trajetória de equilíbrio tenham invertido o sentido de carregamento, tudo aspetospara os quais são relevantes as propriedades elásticas. Mas a análise permite-nos determinar acarga de colapso e também, os diagramas de esforços no colapso (quando o mecanismo é parcialexiste uma zona hiperestática, que não afeta a carga de colapso).

Pela mesma razão, o colapso não depende da ação de variações de temperatura, da existên-cia de assentamentos de apoio nem da presença de tensões residuais. Estas ações ou condiçõesiniciais afetam a distribuição de esforços enquanto não se atinge o colapso, mas deixam de ofazer quando o mecanismo se forma (novamente, com a possível exceção das regiões hiperestá-ticas nos mecanismos parciais). Como todas estas ações não produzem esforços em estruturasisostáticas ou em partes estaticamente determinadas de estruturas hiperestáticas, são incapazesde realizar trabalho no mecanismo de colapso, não afetando, portanto, a carga de colapso.

Os teoremas da análise limite têm portanto condições de aplicabilidade muito geral, na ver-dade apenas requerendo que se verifiquem as hipóteses nas quais estão fundados os teoremasda análise limite: (i) resistência plástica mantida indefinidamente, independentemente da de-formação sofrida, e (ii) comportamento geometricamente linear.

A última palavra vai por isso para os cuidados a ter com a aplicação da análise limite.Admitir que a resistência plástica se mantém independentemente da deformação é uma ide-

alização que só faz sentido se o material evidenciar um elevado grau de ductilidade. Embora asestruturas metálicas apresentem de um modo geral excelente ductilidade, há que ter em contaeventuais problemas de baixa ductilidade no contexto de muito baixas temperaturas ou de açosde alta resistência.

Por outro lado, as altas resistências do aço levam à conceção de estruturas muito esbeltas, asquais se tornam vulneráveis a fenómenos de instabilidade. Uma introdução ao comportamentogeometricamente não linear é levada a cabo na secção 5, mas existem muitos outros aspetosgeometricamente não lineares que afetam o comportamento plástico das estruturas, os quais nãosão aqui abordados. Mas convém estar ciente de que na presença de instabilidades geométricas(globais ou locais) as equações de equilíbrio dependem explicitamente dos deslocamentos o quecompromete a aplicação da análise limite.

60

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5 Comportamento geometricamente não linear

5.1 O conceito de estabilidade

Conceitos fundamentais na análise de uma estrutura são, obviamente, os conceitos de equilíbrioe de resistência, o que justifica a atenção que lhes tem sido dedicada. Mas não basta garantir queuma estrutura está em equilíbrio, é também necessário garantir que esse equilíbrio é estável, istoé, assegurar que, a estrutura tende a recuperar o equilíbrio se este for ligeiramente perturbado.

O conceito de estabilidade pode ser explicado através de um exemplo muito simples, en-volvendo uma esfera repousando sobre uma superfície, representado na figura 35. O peso daesfera atua na vertical, pelo que a condição de equilíbrio está verificada se a superfície não apre-sentar localmente qualquer inclinação. De facto, a esfera inicia o seu movimento — perdendo oequilíbrio estático — apenas quando a reação normal à superfície é incapaz de equilibrar o peso(vertical) da esfera ou, de um ponto de vista alternativo, quando o peso realiza trabalho nummovimento infinitesimal ao longo da superfície. Isto significa que qualquer das três posiçõesrepresentadas na figura 35 é de equilíbrio. Mas as três situações são muito distintas entre si, seinvestigarmos o que acontece quando se perturba ligeiramente o equilíbrio, deslocando a esferapara uma posição próxima.

P

P cos θ

θ

P sen θ

R

Figura 35: Estabilidade do equilíbrio de uma esfera sobre uma superfície.

Para compreendermos melhor o problema avaliemos as forças em jogo atuando na esferanas posições perturbadas, vizinhas às três posições de equilíbrio.

A esfera situada no «vale» tende a voltar à posição inicial de equilíbrio, já que a componentedo peso paralela à superfície na posição perturbada aponta para a posição inicial.30 Observe-seque esta recuperação «automática» da posição de equilíbrio dá-se independentemente do ladopara o qual se desloca a esfera. Este tipo de equilíbrio é estável.

Passa-se exatamente o oposto com a esfera situada no cume da «montanha»: assim que ela édesviada da posição de equilíbrio, a componente útil do peso leva a esfera a afastar-se cada vezmais da posição inicial. O equilíbrio é instável.

Uma situação intermédia, dita de equilíbrio neutro, é a da esfera que se encontra sobre a«planície»: após uma perturbação inicial a esfera não recupera a posição inicial, mas tambémnão se afasta mais.

Como é fácil de compreender, os equilíbrios instáveis correspondem a equilíbrios que se ve-rificam em condições tão ideais que, na prática, são impossíveis de concretizar. Basta pensarque qualquer ínfima perturbação será extraordinariamente amplificada, perdendo-se irremedi-avelmente o equilíbrio. Pelo contrário, os equilíbrios estáveis são relativamente insensíveis apequenas perturbações, já que a própria natureza do sistema faz com que pequenos desequilí-brios sejam automaticamente corrigidos.

A avaliação da estabilidade de equilíbrio pode também ser feita recorrendo a um critérioenergético. No exemplo da esfera a anergia potencial gravítica V = mgh é tanto maior quantoa altura a que se encontra a esfera, ou seja a forma da superfície por onde rola a esfera é muito

30A componente normal do peso, P cos θ, é anulada pela reação normal R da superfície sobre a esfera. Note-seque o diagrama de corpo livre representado corresponde à situação em que se despreza o atrito. A consideração doatrito complica um pouco as equações de movimento mas não altera o ponto essencial para a presente discussão: aesfera tende a voltar para baixo devido ao seu peso próprio.

61

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semelhante ao gráfico da função V (x), sendo x a abcissa da posição da esfera. Constata-seassim que, quando o equilíbrio é estável, o ponto de equilíbrio corresponde a um mínimo localda energia potencial e, quando é instável, corresponde a um máximo local.

O conceito de estabilidade do equilíbrio é muito importante em estruturas ou elementos es-truturais muito esbeltos31 submetidos a esforços ou tensões de compressão. A instabilidade deuma coluna comprimida por encurvadura é um problema clássico estudado por Euler (1744),com aplicação evidente no dimensionamento de pilares, o qual tem que ter em conta não só a re-sistência das secções mas também o colapso associado à instabilidade. O estudo da encurvadurade colunas é o principal objetivo desta secção. Outros problemas de estabilidade relevantes,considerados em disciplinas mais avançadas, envolvem a instabilidade lateral por flexão-torçãode uma viga ou a instabilidade local de placa de um banzo comprimido.

Tal como no exemplo da esfera, na análise da coluna deformável o conceito de perturbaçãode uma configuração de equilíbrio e a consideração da geometria «deformada» continuam aser fundamentais. De facto, embora em muitos problemas da análise estrutural se admita queas linhas de ação das várias forças (externas e internas) não se alteram com a deformação daestrutura, este tipo de simplificação não é válido numa análise de estabilidade.

Por outro lado, uma abordagem energética continua a fazer sentido, mantendo-se o conceitode estabilidade associado a um mínimo (local) da energia potencial. A principal alteração é quese torna necessário incluir na expressão da energia potencial também a contribuição da energiade deformação elástica.

5.2 Análise de um modelo de um grau de liberdade

Antes de abordar o problema da coluna deformável, é vantajoso introduzir e analisar problemasenvolvendo modelos estruturais constituídos por um conjunto de barras rígidas e molas elásticas.Deste modo é possível introduzir conceitos importantes — tais como as trajetórias de equilíbrioe cargas críticas —, num ambiente matematicamente mais simples.

d

P

θ

P

K

L

A

B

M

Figura 36: Modelo com um grau de liberdade. Geometria inicial e configuração defor-mada.

Considere-se então o problema modelo representado na figura 36, no qual uma carga P éaplicada no topo B de uma barra rígida, de comprimento L, cujo apoio fixo em A é comple-mentado com uma mola de rotação de rigidez K. Como o modelo tem apenas um grau deliberdade é fácil representar a configuração deformada genérica, caracterizada pelo ângulo θ,do qual dependem tanto a distância d como o momento de reação na mola M .

31Diz-se que algo é muito esbelto quando uma das suas dimensões é muito mais pequena que outra.

62

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P

θ

d = L sen(θ)

P

θ

P

M = Kθ

traj. pós-encurvadura

ponto de bifurcação

traj. fundamental

Pcr

Figura 37: Análise de pós-encurvadura do modelo com um grau de liberdade. Diagramade corpo livre e trajetórias de equilíbrio.

5.2.1 Equilíbrio

Com base no diagrama de corpo livre da barra, representado na figura 37, a equação de equilíbrioque corresponde ao movimento é a equação de momentos em torno do ponto A,32

M − Pd = 0 (33)

O deslocamento no topo da barra d relaciona-se com a deformação da mola θ através da seguinterelação de compatibilidade

d = L sen θ

enquanto o valor do momento M é obtido com base na «relação constitutiva» da mola

M = Kθ

Substituindo as expressões de d e M na equação de equilíbrio, temos simplesmente

Kθ − PL sen θ = 0 (34)

Esta equação é não linear em θ, admitindo dois tipos de solução{θ = 0 (trajetória fundamental)P = K

sen θ (trajetória de pós-encurvadura)

Qualquer das soluções identifica uma relação entre o valor da carga P o ângulo θ que corres-pondem a configurações de equilíbrio. Para interpretarmos estes resultados traçamos as duastrajetórias de equilíbrio no espaço P (θ) efetuado na figura 37.

Na trajetória fundamental a barra mantém-se sempre vertical (θ = 0), sendo o valor da cargaP arbitrário. Dito por outras palavras: a posição vertical é sempre uma posição de equilíbrio emque a linha de ação da carga P passa pelo apoio, não solicitando o momento de reação da molade rotação.

Pelo contrário, na trajetória de pós-encurvadura para garantir o equilíbrio é necessário umarelação precisa entre o valor da carga P e o ângulo de rotação θ.

As duas trajetórias intersectam-se num ponto de bifurcação, a qual, observando quelimθ→0

θsen θ = 1, se dá para

P = Pcr =K

L32Os valores das reações vertical (P ) e horizontal (0), podem ser obtidos por equilíbrio de forças, mas não desem-

penham um papel relevante neste problema.

63

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P

θ

d = Lθ

P

θ

P

M = Kθ

traj. pós-encurvadura

ponto de bifurcação

traj. fundamental

Pcr

Figura 38: Análise linear de estabilidade do modelo com um grau de liberdade. Diagramade corpo livre e trajetórias de equilíbrio.

Esta carga recebe o nome de carga crítica.Estas trajetórias foram obtidas através de uma análise não linear ou análise de pós-

encurvadura, a qual trata a geometria de forma não linear — e exata neste caso — e na qual asequações de equilíbrio são escritas na configuração deformada. Estas trajetórias também podemser obtidas com base na abordagem energética levada a cabo na secção 5.2.2, abordagem essaque tem a vantagem de permitir também a análise da estabilidade das trajetórias.

∗ ∗ ∗

Mas, antes disso, convém investigar quais os efeitos de hipóteses simplificativas nos resul-tados aqui obtidos. Note-se que neste problema simples não foi particularmente difícil obter asexpressões das trajetórias e da carga crítica. Mas, à medida que abordarmos problemas com maisgraus de liberdade, a análise torna-se consideravelmente mais complexa, pelo que se recorreráa hipóteses simplificativas cujo impacto importa avaliar.

Assim, volte-se a representar o diagrama de corpo livre do modelo, mas linearizando o des-locamento d em função da rotação θ — ver figura 38. Na prática, admite-se que o ângulo θ ésuficientemente pequeno para que sejam válidas as aproximações sen θ ≈ θ e cos θ ≈ 1, que, noessencial, são as aproximações decorrentes da hipótese dos pequenos deslocamentos.33

A relação de compatibilidade é agora

d = Lθ

o que em conjunto com a relação constitutiva da mola (inalterada) leva à seguinte versão daequação de equilíbrio (33)

Kθ − PLθ = (K − PL)θ = 0

a qual continua a admitir dois tipos de solução{θ = 0 (trajetória fundamental)P = K

L (trajetória de pós-encurvadura)

Estas trajetórias estão também representadas na figura 38. Comparando com a figura 37,observa-se que se obtém a mesma trajetória fundamental, mas a trajetória de pós-encurvadura

33Correspondem a manter apenas o primeiro termo da expansão em série de Taylor em torno da origem

sen θ = θ − θ3

3!+θ5

5!− θ7

7!+ . . . cos θ = 1− θ2

2!+θ4

4!− θ6

6!+ . . .

64

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P

θ

P

θ

P

M = Kθ

traj. fundamental

Figura 39: Análise linear do modelo com um grau de liberdade. Diagrama de corpo livre etrajetórias de equilíbrio.

fica reduzida à tangente à verdadeira trajetória. No entanto, continua a verificar-se uma bifurca-ção, mantendo-se ainda o valor da carga crítica. Isto indica que este tipo de análise, denominadapor análise linear de estabilidade, é suficiente para determinar a carga crítica.

∗ ∗ ∗

Aumentando o número de hipóteses simplificativas, considere-se agora o diagrama de corpolivre do modelo, representado na figura 39. A grande diferença, relativamente à análise linearde estabilidade é que a linha de ação da força P não acompanha o movimento de rotação dabarra. Pode parecer estranho, especialmente por comparação direta com as análises anteriores,mas há que reconhecer que corresponde à prática utilizada ao longo da Resistência de Materiaispara traçar diagramas de esforços e calcular tensões.

Neste caso, tem-se obviamente

d = 0

pelo que a equação de equilíbrio (33) se torna linear em θ, com uma solução trivial

Kθ = 0 ⇒ θ = 0

Ou seja, apenas a trajetória fundamental é agora obtida, não havendo vestígio da trajetória depós-encurvadura, da bifurcação ou da carga crítica.

É inevitável que o resultado de uma análise linear — onde todas as equações (equilíbrio,compatibilidade e constitutivas) são lineares — seja único. Por isso, não é de estranhar que estetipo de análise seja inapropriado para problemas de estabilidade.

Em suma: qualquer avaliação de cargas de bifurcação resulta sempre de uma análise que,no mínimo, deve estabelecer as equações de equilíbrio na configuração deformada.34

34Note-se que as designações de análise linear de estabilidade e de análise linear podem proporcionar algumaconfusão pela semelhança dos termos, pelo que convém salientar as diferenças de conceito.

A primeira designação — análise linear de estabilidade — é oriunda da teoria matemática das equações diferenciaise sistemas dinâmicos, onde o termo linear alude ao facto de a equação de movimento ser linearizada no grau deliberdade. Por exemplo, no presente caso, a equação de movimento será M = −Iθ̈, sendo I a inércia da massa dabarra em relação ao ponto de apoio. Admitindo P constante e linearizando em ordem a θ (em torno da posição deequilíbrio inicial), obtém-se, naturalmente, (K − PL)θ + Iθ̈ = 0. Num sistema estável, o coeficiente do primeirotermo é positivo, pelo que θ̈ tem o sinal contrário de θ.

A segunda designação — análise linear — é a habitualmente utilizada no contexto da análise de estruturas paradescrever uma análise onde todas as relações — de compatibilidade, constitutivas e de equilíbrio — são lineares, oque efetivamente implica a escrita das equações de equilíbrio na configuração indeformada. Neste sentido estrito,uma análise linear de estabilidade é uma análise não linear, embora com vários termos linearizados. E, na prática, aanálise linear de estabilidade de um problema estrutural pode exigir a resolução prévia de um problema de análiselinear.

65

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5.2.2 Energia potencial e análise de estabilidade das trajetórias

A abordagem levada a cabo na secção anterior centrava-se nas equações de equilíbrio. Deseguida, complementa-se essa análise recorrendo a conceitos energéticos.

Neste problema, a energia potencial tem duas parcelas, sendo dada por

V = Vg + Ve = PL cos θ +1

2Kθ2

Nesta expressão, o primeiro termo corresponde à energia potencial gravítica Vg = mgh de umamassa m a uma altura h, bastando encarar a carga P como o peso de uma massa (atravésde P = mg) e medindo a altura h = L cos θ a partir da base fixa. O segundo termo é aenergia de deformação elástica da mola de rotação, cujo momento de restituição é dado porM = −dVe

dθ = −Kθ (o sinal negativo significa que o momento de reação se opõe à rotação).À semelhança do problema da esfera, o equilíbrio corresponde aos pontos de estacionarie-

dade da energia potencial. Num problema de um grau de liberdade como este, basta igualar aderivada a zero

dV

dθ= −PL sen θ +Kθ = 0

que equivale à equação (34) obtida anteriormente por equilíbrio. A partir desta equação, aobtenção das trajetórias de equilíbrio segue exatamente os mesmos passos.

Mas, para além da determinação das posições de equilíbrio, a análise baseada nos critériosenergéticos permite ainda a discussão sobre a sua estabilidade. Tal como sugerido no problemada esfera, uma posição de equilíbrio é estável se corresponder a um mínimo (local) da energiapotencial (total).

Neste caso particular de um grau de liberdade, a análise é feita com base na segunda deri-vada da função V (θ)

d2V

dθ2= −PL cos θ +K

Assim, na trajetória fundamental, onde se tem θ = 0, conclui-se que

(trajetória fundamental)d2V

dθ2= −PL+K

{> 0 seP < K

L

< 0 seP > KL

Ou seja: para P < Pcr = KL a trajetória fundamental é estável e para P > Pcr a trajetória é

instável. Em contrapartida, na trajetória de pós-encurvadura, onde P = KL

θsen θ tem-se

(trajetória de pós-encurvadura)d2V

dθ2= K

(1− θ

tg θ

)> 0 para θ ∈]− π,0[∪]0,π[

Finalmente, para avaliar a estabilidade do ponto de bifurcação é necessário investigar derivadasde ordem superior, podendo concluir-se no presente caso que é estável.35 A figura 40 forneceuma representação atualizada das trajetórias de equilíbrio, na qual se representa as trajetóriasestáveis a cheio e as instáveis a traço interrompido. Além disso incluem-se gráficos da energiapotencial para dois valores da carga P , abaixo e acima da carga crítica. Pode observar-se quepara P < Pcr existe apenas uma posição de equilíbrio (estável) e que para P > Pcr existemduas posições estáveis (nos dois ramos da trajetória de pós-encurvadura) e uma posição instávelentre elas (na trajetória fundamental).

35A terceira derivada é nula mas a quarta é positiva.

66

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P

θ

V

θ

Pcr = KL

P = 0.5KL

P = 1.25KL

Figura 40: Modelo de um grau de liberdade. Estabilidade das trajetórias e energia poten-cial para dois valores de P .

5.2.3 Efeito das imperfeições

Uma perspetiva diferente mas complementar pode ser ganha a partir da consideração do modelocontendo uma imperfeição geométrica, tal como representado na figura 41. Admita-se queantes da aplicação da carga P a barra está ligeiramente inclinada de um ângulo θ0 a partir davertical. Então, na posição deformada da barra, a deformação da mola é dada por θ − θ0 e,consequentemente, o momento de reação fornecido pela mola elástica vale M = K(θ − θ0).

P

θ

d = L sen(θ)

P

θ

P

M = K(θ − θ0)

Pcr

θ0 ↗θ0

P

K

L

A

B

θ0

Figura 41: Modelo de um grau de liberdade com imperfeições. Diagrama de corpo livre etrajetórias de equilíbrio.

A equação de equilíbrio modificada permite concluir

K(θ − θ0)− PL sen θ = 0 ⇒ P =K

L

(θ − θ0)

sen θ

Observa-se assim que a configuração inicial θ = θ0 só é de equilíbrio para P = 0.As trajetórias que correspondem a diversos valores da imperfeição inicial θ0 estão represen-

tadas na figura 41. Na presença de uma imperfeição θ0, as duas trajetórias do modelo perfeito(fundamental e de pós-encurvadura) transformam-se numa só — dita trajetória do modelo im-perfeito —, deixando também de haver qualquer bifurcação. Note-se que cada trajetória imper-feita se caracteriza pela existência de dois ramos. Na prática, iniciando o carregamento a partirdo zero, verifica-se que o modelo segue sempre um dos ramos da trajetória — para o lado daimperfeição —, o qual é estável. O outro ramo é pouco interessante: para além de instável nãopode ser alcançado apenas por ação de uma força P de intensidade crescente.

Para imperfeições iniciais de amplitudes crescentes, as trajetórias afastam-se cada vez maisdas trajetórias do modelo perfeito, sendo importante notar que se a imperfeição for pequena

67

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a trajetória do modelo imperfeito não se afasta muito da trajetória fundamental do modeloperfeito, para valores da carga inferiores à carga crítica.

5.2.4 Conclusões retiradas da análise do modelo e sua extrapolação

Está na altura de extrair conclusões da análise deste modelo simplificado.Quer recorrendo à análise de estabilidade quer por consideração direta do modelo imper-

feito, concluiu-se que, na prática, a carga crítica constitui um limite à capacidade de suporte domodelo. Em condições ideais, na ausência de imperfeições, a trajetória é instável acima da cargacrítica. Mas, mais importante que isso, na presença de pequenas imperfeições inevitavelmentesempre presentes num mundo real, a trajetória do modelo imperfeito diverge substancialmenteà medida que a carga se aproxima da carga crítica. Assim, do ponto de vista da avaliação dasegurança face à instabilidade, a carga crítica é o parâmetro fundamental.

Por outro lado, a determinação do valor da carga crítica pode ser feita a partir da análiselinear de estabilidade, sem dúvida mais simples de realizar que uma análise de pós-encurvadura.

Embora estas conclusões tenham aqui sido extraídas estritamente para o caso deste modelode um grau de liberdade, acontece que elas são representativas de muitos comportamentos es-truturais. Isto é particularmente conveniente porque em sistemas estruturais mais complexos, aanálise de pós-encurvadura é bastante mais difícil. Assim, no resto deste texto utiliza-se exclu-sivamente a análise linear de estabilidade para a determinação de cargas críticas, primeiro emoutros modelos estruturais de barras rígidas e depois para estudar colunas deformáveis.

5.3 Análise linear de estabilidade de outros modelos de barras rígidas

Apresenta-se de seguida a análise de dois modelos, que contemplam aspetos não presentes nomodelo atrás considerado. Em ambos escrevem-se as equações de equilíbrio numa configura-ção deformada, mas, no contexto da análise linear de estabilidade, adopta-se a hipótese dospequenos deslocamentos, o que permite com vantagem utilizar a linearização das relações tri-gonométricas.

2Lθ

P

θ1 = θ

PM = Kθ

P

K

2L

A

B

L

C

θ2 = 2θ

M = K × 3θ

HC

HA

C

B

A

Figura 42: Modelo de um grau de liberdade hiperestático. Equilíbrio na configuração de-formada.

O primeiro, envolve a análise da estrutura hiperestática representada na figura 42. É rela-tivamente trivial estabelecer a relação entre os ângulos de rotação das duas barras,36 pelo que

36Se não se utilizasse a hipótese dos pequenos deslocamentos, ter-se-ia θ2 = arcsen(2 sen θ1), o que mostra comoessa hipótese simplifica significativamente a análise.

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escrevendo as equações de equilíbrio na configuração deformada tem-se{MA = −HC3L = −KθMB = P2Lθ −HCL = 3Kθ

{HC = K

3Lθ

P = 53KL

O valor de P é portanto o valor da carga crítica deste modelo, para a qual existem configuraçõesde equilíbrio adjacentes à trajetória fundamental (a qual é caracterizada por θ = 0).

∗ ∗ ∗

O segundo modelo é a barra comprimida com dois graus de liberdade representada na figura43. Como o deslocamento vertical do apoio direito é nulo, os ângulos das três barras com ahorizonal estão relacionados através de

θ1L+ θ2L− θ3L = 0 ⇒ θ2 = θ3 − θ1

Ou seja, apenas dois dos ângulos são independentes. Note-se que se admitem como positivos ossentidos de rotação indicados na figura.

K

BA

K

CD P

θ1

θ2

θ1 − θ2 θ2 + θ3

θ3

PP

L L L

KL

3KL

Figura 43: Modelo de dois graus de liberdade. Equilíbrio na configuração deformada emodos de instabilidade.

Inserindo esta relação nas equações de equilíbrio estabelecidas na configuração deformadatem-se{

MB = Pθ1L = K(θ1 − θ2) = K(2θ1 − θ3)

MC = Pθ3L = K(θ2 + θ3) = K(2θ3 − θ1)⇒

[2K − PL −K−K 2K − PL

] [θ1

θ3

]=

[00

]Esta equação é linear nos graus de liberdade, sendo óbvio que a solução trivial θ1 = θ3 = 0corresponde à trajetória fundamental. Para existirem outras configurações de equilíbrio é neces-sário que o sistema de equações seja indeterminado, o que acontece se o determinante da matrizdo sistema for nulo. Esta condição permite obter o valor das cargas de bifurcação:

(2K − PL)2 −K2 = 0 ⇒

{Pbif,1 = K

L = Pcr

Pbif,2 = 3KL

A carga crítica, a partir da qual a trajetória fundamental se torna instável,37 é a menor das cargasde bifurcação.

37A demonstração desta afirmação está fora do âmbito deste texto.

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A estas duas cargas de bifurcação, correspondem diferentes configurações deformadas. Paraas obter, substitui-se o valor da carga no sistema, que embora indeterminado permite relacionaros dois graus de liberdade. Para P = Pbif,1 tem-se[

2K − KLL −K

−K 2K − KLL

] [θ1

θ3

]=

[K −K−K K

] [θ1

θ3

]=

[00

]⇒ θ3 = θ1

e para P = Pbif,2 tem-se[2K − 3K

L L −K−K 2K − 3K

L L

] [θ1

θ3

]=

[−K −K−K −K

] [θ1

θ3

]=

[00

]⇒ θ3 = −θ1

As duas configurações, que recebem o nome de modos de instabilidade estão esquematicamenterepresentadas na figura 43.

5.4 Encurvadura de colunas

5.4.1 Equação diferencial de estabilidade

Considere-se agora o comportamento de uma coluna simplesmente apoiada de comprimentoL, cuja rigidez de flexão da secção transversal é EI e que está submetida a uma carga P decompressão, tal como representado na figura 44. Por uma questão de simplicidade, considera-seapenas o movimento no plano x2 − x3 e não se considera a atuação de cargas de vão, já queestas não estão presentes no problema em estudo.

Comece-se por observar que com este carregamento o resultado de uma análise linear é umacompressão uniforme, isto é N = −P e M = V = 0 em toda a coluna. Interessa reconhecerque, mesmo fora das hipóteses admitidas na análise linear, esta solução é sempre uma soluçãode equilíbrio caracterizada por deslocamentos laterais u2 nulos — no fundo, corresponde àtrajetória fundamental deste problema. Mas, sobretudo em colunas esbeltas, existem outrassoluções de equilíbrio que interessa estudar. Motivados pelos resultados obtidos com os modelosde barras rígidas, recorreremos aqui à análise linear de estabilidade para encontrar cargas debifurcação e, desse modo, avaliar a estabilidade do equilíbrio da trajetória fundamental.

P

L

P

x3

x2u2(x3)

EI

x3

Figura 44: Coluna simplesmente apoiada. Geometria e configuração deformada.

Enquanto nos modelos de barras rígidas o número de graus de liberdade era finito e asequações de equilíbrio constituíam um conjunto discreto, numa coluna deformável é precisolidar com uma função contínua u2(x3) descrevendo o deslocamento transversal e com umaequação diferencial de equilíbrio regendo a sua variação. Embora as equações diferenciais deequilíbrio de peças lineares tenham sido obtidas em disciplinas anteriores a propósito do traçado

70

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de diagramas de esforços, no contexto de uma análise linear de estabilidade é necessário aconsideração da configuração deformada, pelo que é necessário voltar a deduzi-las.

Assim, considere-se um troço elementar da coluna e os esforços que nele atuam, tal comorepresentado na figura 45. Houve a preocupação de representar uma situação genérica em quenem o deslocamento transversal nem a rotação da secção transversal são nulos.

VM

N

V

N

M + dM

u2

dx3

du2

Figura 45: Troço elementar de coluna para o estabelecimento da equação diferencial deequilíbrio.

Note-se que, considerando uma rotação não nula, a própria definição do que são os esforçosnormal e transverso se torna discutível. Esta é aliás uma questão recorrente em problemasgeometricamente não lineares: os esforços e as tensões internas deverão estar orientados coma configuração inicial ou, pelo contrário, deverão acompanhar a rotação do material?38 Emgeral, existem vantagens e inconvenientes em cada uma das opções, mas para este problema émais simples optar por definir o esforço axial na vertical, alinhado com a configuração inicial,e o esforço transverso na horizontal, tal como consta da figura 45. Com esta definição, osesforços axial e transverso são constantes ao longo da coluna o que não acontece com a definiçãoalternativa onde seria necessário decompor a carga P nas direções tangente e normal à colunadeformada. Por outro lado, esta opção é legitimada pelo facto de estarmos no contexto deuma análise linear de estabilidade onde apenas interessa considerar configurações de equilíbriomuito próximas da inicial.

Assim, escrevendo a equação de equilíbrio de momentos numa das secções do troço infinite-simal obtém-se

M + dM = M + V dx3 −N du2

Simplificando termos e dividindo por dx3 conclui-se que

dM

dx3= V −N du2

dx3(35)

Chama-se a atenção para o resultado, talvez inesperado, de que, de acordo com as presentesdefinições, a derivada do momento fletor não é igual ao esforço transverso como acontece naanálise linear.

Esta é a equação diferencial de equilíbrio mais interessante para o problema em análise, jáque os esforços N e V são constantes, pois foram definidos em relação a um referencial fixo eas cargas de vão estão ausentes. Em particular, o esforço axial é conhecido, sendo dado por

N = −P38Quando se lida com tensões ainda há a questão de definir as tensões como a força por unidade de área inicial ou

da configuração deformada.

71

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O momento fletor pode ser relacionado com a curvatura da peça linear através da relaçãoconstitutiva. Tirando partido de a hipótese dos pequenos deslocamentos ser admissível numaanálise linear de estabilidade, admite-se que, tal como na análise linear, a curvatura é dada pelasegunda derivada do deslocamento lateral. Sendo assim, admitindo o comportamento elásticolinear, o momento fletor é calculado através de

M = EI1

R= −EI du2

dx3

O sinal negativo tem em conta os sentidos positivos admitidos: uma curvatura com concavidadepara a direita caracteriza-se por u2,33 < 0 e corresponde a um momento positivo de acordo coma convenção habitual de esforços.

Substituindo as expressões de N e M na equação (35), obtém-se

EI u2,333 + V + P u2,3 = 0 (36)

onde se utilizou a convenção habitual de usar ( ),3 para representar derivadas em ordem a x3.Derivando esta equação em ordem a x3, o esforço transverso constante desaparece, pelo que seobtém a equação diferencial de quarta ordem

EI u2,3333 + P u2,33 = 0 (37)

que será a base da análise da análise linear de estabilidade de colunas com diversas condiçõesde apoio.

5.4.2 Coluna de Euler

No caso da coluna simplesmente apoiada, é possível realizar uma análise mais simples: comouma coluna nessas condições tem necessariamente reações horizontais nulas, tem também oesforço transverso nulo (tal como definido atrás). Então, por equilíbrio, é fácil de estabelecer aseguinte relação

M = Pu2

Introduzindo novamente a relação momentos-curvatura, obtemos a seguinte equação diferencialde segunda ordem:39

EI u2,33 + P u2 = 0 (38)

A solução geral para a equação (38), é da forma

u2(x3) = A sen kx3 +B cos kx3

verificando-se assim

u2,3(x3) = Ak cos kx3 −Bk sen kx3

u2,33(x3) = −Ak2 sen kx3 −Bk2 cos kx3

Substituindo as expressões de u2 e de u2,33 na equação diferencial (38), tem-se(−k2EI + P

)(A sen kx3 +B cos kx3) = 0

39Como é óbvio, é fácil obter a equação (37) a partir desta. Mas saliente-se que essa equação é mais geral já que,ao contrário desta, não requer um esforço transverso nulo.

72

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Para assegurar que o lado esquerdo da equação seja identicamente nulo é necessário que aexpressão incluída no primeiro parênteses seja nula, ou seja, que

k =√

PEI ⇒ P = k2EI (39)

A variável k torna-se assim numa forma alternativa de exprimir a carga P .Para completar a análise é necessário estabelecer as condições de fornteira que, neste caso,

consistem no deslocamento transversal ser nulo em ambas as extremidades. Assim,{u2(0) = 0 ⇒ A sen 0 +B cos 0 = 0

u2(L) = 0 ⇒ A sen kL+B cos kL = 0⇒[

0 1sen kL cos kL

] [AB

]=

[00

](40)

Para além da solução A = B = 0 que corresponde à trajetória fundamental na qual a colunanão deflete, só existem outras soluções quando o sistema é indeterminado, isto é, quando odeterminante da matriz é nulo∣∣∣∣ 0 1

sen kL cos kL

∣∣∣∣ = 0 ⇒ sen kL = 0 ⇒ kL = nπ, n ∈ N

Existem assim infinitas cargas de bifurcação obtidas através de

k =√

PEI =

L⇒ Pn =

n2π2EI

L2

a menor das quais (corresponde a n = 1) é a carga crítica dada por

Pcr = P1 = PE =π2EI

L2(41)

Esta expressão da carga crítica de uma coluna simplesmente apoiada é central no estudo daencurvadura de colunas e é também designada por carga de Euler PE .

Para encontrar os modos de instabilidade, basta substituir kL = nπ em (40) para concluirque B = 0 e A é indeterminado. Concluímos assim que a função u2(x3) é dada por

u2(x3) = A sen(nπLx3

)Os três primeiros modos de instabilidade estão representados na figura 46.

Pcr = P1 = π2EIL2 P2 = 4π2EI

L2 P3 = 9π2EIL2

P

A

P3 = 9Pcr

P2 = 4Pcr

P1 = Pcr

Figura 46: Modos de instabilidade da coluna simplesmente apoiada.

Finalmente, ainda na figura 46, desenham-se as trajetórias de equilíbrio obtidas, estabele-cendo a relação entre a carga P e a amplitude do modo de instabilidade A. Embora a análiselinear de estabilidade aqui levada a cabo não o permita concluir, verifica-se que a trajetóriafundamental só é estável até à carga crítica.

73

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5.4.3 Deslocamento, rotação, curvatura, momento fletor e esforço transverso

A função u2(x3) desempenha o papel central nesta análise. Aliás, note-se que os deslocamentosaxiais u3(x3) estão omissos da formulação, pela simples razão que o esforço axial é obtido porequilíbrio, não sendo necessário recorrer à equação constitutiva N = EAu3,3. Pode mostrar--se que na pós-encurvadura o deslocamento vertical do ponto de aplicação da carga deve-sesobretudo à flexão da coluna, mas a sua quantificação, não sendo relevante para a análise linearde estabilidade, é aqui omitida.

Existem diversas quantidades que podem ser obtidas a partir da função u2(x3), estando osprincipais resultados resumidos na tabela 1.

Tabela 1: Quantidades obtidas a partir de u2(x3)

Grandeza Relação com u2(x3)

Deslocamento (→) u2(x3)

Rotação () θ1 = −u2,3(x3)

Curvatura 1R = −u2,33(x3)

Momento M = −EI u2,33(x3)

Esforço transverso V = −EI u2,333(x3)− Pu2,3(x3)

Carga transversal p2 = EI u2,3333(x3) + Pu2,33(x3) = 0

Na maior parte dos casos a definição é a expectável, havendo apenas que chamar novamentea atenção para a expressão do esforço transverso, que resulta diretamente da equação (36). Poruma questão de completitude, inclui-se, também, a expressão da carga transversal — inexistente— que coincide assim com a equação diferencial de quarta ordem (37).

5.4.4 Outras condições de apoio

De seguida-se estuda-se o comportamento da coluna para diferentes condições de apoio. Oprocedimento é muito semelhante à análise da coluna simplesmente apoiada, com a crucialdiferença de ser necessário recorrer à equação diferencial de quarta ordem, para ter em conta apossibilidade de haver um esforço transverso não nulo.

A solução geral da equação (37) é agora

u2(x3) = A sen kx3 +B cos kx3 + Cx3 +D

a partir da qual se verifica

u2,3(x3) = Ak cos kx3 −Bk sen kx3 + C

u2,33(x3) = −Ak2 sen kx3 −Bk2 cos kx3

u2,333(x3) = −Ak3 cos kx3 +Bk3 sen kx3

u2,3333(x3) = Ak4 sen kx3 +Bk4 cos kx3

Por um processo em tudo análogo ao realizado atrás, verifica-se que as expressões de u2,33 ede u2,3333 satisfazem totalmente a equação diferencial de quarta ordem (37), novamente com kdado por (39).

São necessárias quatro condições de fronteira: uma para cada grau de liberdade — transla-ção ou rotação — em cada uma das extremidades. Nos casos a analisar, ora se considera queum deslocamento ou rotação está totalmente impedido, ou, em alternativa, que não há qualquerrestrição a esse movimento — e, neste caso, o esforço transverso ou o momento fletor são nulos.

Consultando a tabela 1, observa-se que a maior parte destas condições consiste simplesmenteem anular a função u2(x3) ou uma das suas derivadas. A notável excepção é o caso do esforço

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transverso, que, para a definição adotada, envolve a terceira e a primeira derivada. A substitui-ção das expressões anteriores na expressão de V e a utilização da igualdade (39) conduzem auma expressão inesperadamente simples

V = −EI(−A P

EI k cos kx3 +B PEI k sen kx3

)− P (Ak cos kx3 −Bk sen kx3 + C) = 0⇒ C = 0

(42)

5.4.5 A coluna encastrada-apoiada

Por exemplo, no caso da coluna encastrada-apoiada, as condições a impor são: deslocamento erotação nulos no encastramento e deslocamento e momento nulo no apoio móvel. Consultandoa tabela 1 é-se conduzido a

u2(0) = 0

u2(L) = 0

u2,3(0) = 0

EIu2,33(L) = 0

B +D = 0

A sen kL+B cos kL+ CL+D = 0

kA+ C = 0

−k2EIA sen kL− k2EIB cos kL = 0

ou, de forma matricial, 0 1 0 1

sen kL cos kL L 1k 0 1 0

sen kL cos kL 0 0

ABCD

=

0000

(43)

A condição de determinante nulo revela∣∣∣∣∣∣∣∣0 1 0 1

sen kL cos kL L 1k 0 1 0

sen kL cos kL 0 0

∣∣∣∣∣∣∣∣ = sen kL− kL cos kL = 0

Não sendo cos kL = 0 solução, é possível dividir a condição por cos kL chegando-se então a

tg kL = kL

que é uma equação não linear em kL, cuja solução mais pequena diferente de zero ékL = 4.49341. Recorrendo à equação (39), obtém-se o valor da carga crítica

k =√

PEI =

4,49341

L⇒ P = 4,493412EI

L2

ou, de forma equivalente,

k =√

PEI =

π

0,699156L≈ π

0,7L⇒ P =

π2EI

(0,699156L)2≈ π2EI

(0,7L)2(44)

Para obter a forma do modo de encurvadura, recorre-se à equação (43), sendo possível desdelogo concluir40

D = −B = kLA

C = −kAB = − tg(kL)A = −kLA

40A segunda equação, após substituição destas expressões, revela-se indeterminada,

A(sen kL− kL cos kL− kL+ kL) ⇒ 0 = 0

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L0,7L

2L

0,5L

Figura 47: Comprimento de encurvadura e modo crítico de instabilidade de colunas comdiversas condições de apoio. Os pontos assinalados correspondem a secções demomento nulo.

Então, o modo de encurvadura fica definido pela seguinte expressão

u2(x3) = A

(sen

πx3

0,7L− π

0,7cos

πx3

0,7L− πx3

0,7L+

π

0,7

)a qual se encontra desenhada na figura 47. O ponto de inflexão, para o qual u2,33 = 0, ocorresensivelmente para x3 = 0,3L, ou seja, a uma distância de 0,7L do apoio simples.

5.4.6 Coluna encastrada-livre

No caso de uma coluna encastrada na base e livre no topo, a análise segue basicamente osmesmos passos. A imposição das condições de fronteira leva a (fez-se uso da equação (42))

u2(0) = 0

u2,3(0) = 0

M(L) = 0

V (L) = 0

B +D = 0

kA+ C = 0

A sen kL+B cos kL = 0

C = 0

a que corresponde o seguinte determinante∣∣∣∣∣∣∣∣0 1 0 1k 0 1 0

sen kL cos kL 0 00 0 1 0

∣∣∣∣∣∣∣∣ = k cos(kL) = 0 (45)

A solução positiva mais pequena é dada por kL = π2 , pelo que

Pcr =π2EI

(2L)2(46)

e neste caso o modo de encurvadura, também representado na figura 47, é dado por

u2(x3) = D(

1− cosπx3

2L

)76

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5.4.7 Comprimento de encurvadura

É interessante observar que as expressões (44) e (46) coincidem com a carga crítica de Euler,equação (41), desde que se substitua o comprimento por Le = 0,7L ou Le = 2L. No caso dacoluna encastrada-apoiada, este comprimento é também a distância entre os pontos de momentonulo. Esta identificação é mais difícil de fazer no caso da coluna encastrada-livre, já que Le > Lmas a interpretação sugerida na figura 47 envolvendo uma estrutura «refletida» é reveladora.

Estas observações levam à introdução do conceito de comprimento de encurvadura Le comosendo o comprimento de uma coluna simplesmente apoiada cuja carga crítica é idêntica à dacoluna em análise. Tem a vantagem de facilitar a memorização, uma vez que, na maior parte doscasos em análise, simples considerações, envolvendo a forma da deformada e a sua articulaçãocom os apoios, permitem a determinação do comprimento de encurvadura41. Exemplo dissoé o caso da coluna encastrada-encastrada, também incluído na figura 47, para o qual, face àlocalização das três secções de rotação nula — nos apoios e no meio vão —, se torna óbvio queo comprimento de encurvadura é Le = 0,5L.

Com este conceito, a carga crítica de uma coluna é sempre dada por

Pcr =π2EI

L2e

(47)

dependendo o comprimento de encurvadura Le das condições de apoio.

5.4.8 Carga máxima suportada por uma coluna

Toda a análise levada a cabo nesta secção considera unicamente o comportamento plano decolunas elásticas, sem imperfeiçoes e com apoios ideais. É apropriado terminar com a menção aalguns aspetos essenciais para a avaliação da segurança de colunas reais que serão abordadosem disciplinas mais avançadas.

Em primeiro lugar, as colunas podem instabilizar em qualquer uma das direções. Se ascondições de apoio forem idênticas, um pilar encurvará fletindo em torno da menor inércia dasua secção transversal. Pelo contrário, se as condições de apoio motivarem comprimentos deencurvadura diferentes em cada uma das direções, é necessário determinar a qual delas estáassociada a menor carga de bifurcação.

O efeito de condições de apoio menos ideais — por exemplo, apoios elásticos — tambémnão foi aqui considerado.

Finalmente, note-se que a instabilidade elástica é sobretudo relevante para colunas esbeltas.Em contrapartida, o modo de colapso de uma coluna curta é determinado pela cedência domaterial. Ou seja, embora os comportamentos física e geometricamente não lineares tenhamaqui sido estudados em separado, há muitas situações em que é necessária a sua consideraçãoconjunta. Numa primeira abordagem, um pouco simplista, podemos dizer que a carga máximaque uma coluna à compressão simples pode suportar é dada pela menor das seguintes cargas

Pmax = min

{Pcr =

π2EI

L2e

;Py = Aσc

}A figura 48 mostra a dependência da carga Pmax com o comprimento (de encurvadura) dacoluna. Claramente, as colunas podem ser classificadas como curtas ou longas, consoante plas-tifiquem ou instabilizem primeiro.

Na verdade, uma análise mais realista necessita da consideração das imperfeições geométri-cas e materiais (tensões residuais), cuja presença aumenta a interação entre os dois fenómenos(instabilidade e cedência), particularmente nos comprimentos intermédios. Os regulamentos

41O único resultado menos óbvio é o da coluna encastrada-apoiada, para o qual temos a felicidade de ter umnúmero muito aproximadamente redondo Le ≈ 0,7L.

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P

Pcr = π2EIL2

e

Py = Aσc

Le

colunas curtas colunas longas

Figura 48: Carga máxima suportada por uma coluna elastoplástica perfeita (sem imperfei-ções).

estruturais substituem a curva ideal representada na figura 48 por curvas de dimensionamentoque, de alguma forma, têm em conta os efeitos das imperfeições. Mas esse tema está fora doâmbito deste texto.

Manuel Ritto Corrêa

(1.aversão: Novembro 2015; 2.a versão: 17 Novembro 2016)

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