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Introdu¸ ao ` a Geometria Leonor Godinho e Margarida Mendes Lopes 27/11/2018

Introdu¸c˜ao `a Geometria - Instituto Superior Técnicolgodin/INTGEO/IntroGeo1_134.… · 41.GEOMETRIAAFIM 1. A P v=PQ Q 2. A P Q R Figura 1.1. Espa¸co afim ponto Q tal que! PQ=

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  • Introdução à Geometria

    Leonor Godinho e Margarida Mendes Lopes

    27/11/2018

  • Contents

    1

  • CAPÍTULO 1

    Geometria Afim

    1. Espaço afim associado a um espaço vectorial

    Seja V um espaço vectorial sobre um corpo comutativo K de carac-

    teŕıstica zero1 (por exemplo R ou C).

    Definição 1.1. Um conjunto A 6= ; diz-se um espaço afim associado

    a V se existir uma aplicação

    ' : A⇥A ! V

    (P,Q) 7!��!PQ (:= '(P,Q))

    verificando os seguintes axiomas:

    1. Para todo o P 2 A e para todo o vector v 2 V , existe um e um só

    elemento Q em A tal que��!PQ = v.

    2. (Relação de Chasles ou relação triangular) Para todos os

    elementos P,Q,R 2 A,

    (1.1)��!PQ+

    ��!QR =

    �!PR,

    ou seja '(P,Q) + '(Q,R) = '(P,R).

    Se A é um espaço afim dá-se o nome de pontos aos elementos de A. Os

    pontos são usualmente indicados por letras maiúsculas. Dados dois pontos

    P,Q de A, diz-se que o vector��!PQ é o vector com origem em P e

    extremidade em Q.

    Dado um ponto P de um espaço afim A associado ao espaço vectorial V

    e um vector v de V , usa-se a notação simbólica P +v para indicar o único

    1Diz-se que um corpo F tem caracteŕıstica 0 se a relação ma = 0 onde a 2 F \ {0} e

    m 2 Z só se verifica se m = 0.

    3

  • 4 1. GEOMETRIA AFIM

    1.

    A

    Pv= P Q

    Q

    2.

    A

    P Q

    R

    Figura 1.1. Espaço afim

    ponto Q tal que��!PQ = v. Dados dois pontos P,Q 2 A, pode indicar-se o

    vector��!PQ pela notação simbólica Q� P .

    A relação triangular tem as seguintes consequências.

    Proposição 1.2. Se A é um espaço afim (associado ao espaço vectorial

    V ) e P e Q são pontos de A, então:

    1)��!PP = 0V (um vector com origem e extremidade num mesmo ponto

    é o vector nulo);

    2)��!PQ = �

    ��!QP (o vector com origem em P e extremidade em Q é

    simétrico do vector com origem em Q e extremidade em P );

    3) para qualquer ponto P de um espaço afim A e quaisquer dois vec-

    tores u, v de V tem-se

    P + (u+ v) = (P + u) + v.

    Demonstração:

    1) Usando a relação triangular temos��!PP =

    ��!PP +

    ��!PP = 2

    ��!PP , pelo

    que��!PP = 0V .

    2)��!PQ+

    ��!QP =

    ��!PP = 0V , pelo que

    ��!PQ = �

    ��!QP .

    3) Seja Q 2 A tal que u =��!PQ (isto é Q = P + u) e R 2 A tal que

    v =��!QR, isto é R = Q + v = (P + u) + v. Então, pela relação

    triangular, temos

    u+ v =��!PQ+

    ��!QR =

    �!PR,

    pelo que R = P + (u+ v) e o resultado segue.

    Nota 1.3 (Estrutura de espaço afim de um espaço vectorial).

    Qualquer espaço vectorial V tem uma estrutura natural de espaço afim dada

  • 1. ESPAÇO AFIM ASSOCIADO A UM ESPAÇO VECTORIAL 5

    pela aplicação

    ' : V ⇥ V ! V

    (u, v) 7! v � u

    Em particular, o espaço vectorial

    Kn = {(x1, ..., xn) : xi 2 K}

    tem uma estrutura natural de espaço afim a que se dá o nome de estrutura

    canónica (ou natural) de Kn como espaço afim. O espaço Kn com esta

    estrutura denota-se por vezes por AnK

    ou simplesmente por An.

    Proposição 1.4 (Regra do Paralelogramo). Sejam P,Q, P 0, Q0 2 A.

    Então

    ��!PQ =

    ��!P 0Q0 ,

    ��!PP 0 =

    ��!QQ0.

    Demonstração: Usando a relação triangular temos

    ��!PQ =

    ��!PP 0 +

    ��!P 0Q e

    ��!P 0Q0 =

    ��!P 0Q+

    ��!QQ0,

    pelo que

    ��!PQ�

    ��!P 0Q0 =

    ��!PP 0 �

    ��!QQ0

    e o resultado segue. ⇤

    AP

    Q Q¢

    Figura 1.2. Regra do Paralelogramo

  • 6 1. GEOMETRIA AFIM

    1.1. Subespaços afins. Seja A um espaço afim associado ao espaço

    vectorial V . Um subconjunto F de A é um subespaço afim se

    F = P +W := {P + w : w 2 W},

    onde P é um ponto de F e W ✓ V é um subespaço vectorial.

    O subespaço vectorial W chama-se o subespaço (ou espaço) de di-

    recções (ou direcção) de F . Se F = P + W diz-se que F é o subespaço

    afim que passa por P com direcção W .

    Nota 1.5. Por definição, A é um subespaço afim de A. Também um

    ponto P é um subespaço afim de A com direcção o espaço vectorial zero.

    HaL

    Figura 1.3. Exemplos de subspaços afins de R3:

    (a) (0, 0, 1)+L{(0, 1, 0)}; (b) (0, 0, 1)+L{(0, 0, 1), (0, 1, 0)}.

    Proposição 1.6. Seja F = P0 +W um subespaço afim de A. Então,

    1) F é ele próprio um espaço afim associado ao espaço vectorial W ;

    2) qualquer que seja o ponto Q 2 F , temos F = Q+W ;

    3) W = {��!PQ : P,Q 2 F} (ou seja, W fica univocamente determinado

    por F).

    Demonstração:

    1) Como A é um espaço afim existe um aplicação ' : A ⇥ A ! V

    que satisfaz as condições 1. e 2. da Definição ??. Restringindo a

  • 1. ESPAÇO AFIM ASSOCIADO A UM ESPAÇO VECTORIAL 7

    aplicação ' a F ⇥ F obtemos uma aplicação

    (1.2)' : F ⇥ F ! W

    (P,Q) 7!��!PQ.

    De facto, se P,Q 2 F então existem vectores u, v 2 W tais que

    P = P0 + u e Q = P0 + v (isto é u =��!P0P e v =

    ��!P0Q), pelo que

    ��!PQ =

    ��!PP0 +

    ��!P0Q = �

    ��!P0P +

    ��!P0Q = v � u 2 W.

    Vejamos agora que esta aplicação definida em F ⇥ F satisfaz

    as duas condições da Definição ??.

    Como A é um espaço afim, sabemos, pelo condição 1. da

    Definição ?? que, para todo o P 2 F e w 2 W , existe um único

    ponto Q 2 A tal que��!PQ = w. Resta-nos ver que Q 2 F . Como

    P 2 F , temos que existe um vector v 2 W tal que P = P0 + v e

    então

    Q = P + w = (P0 + v) + w = P0 + (v + w) 2 F .

    Finalmente, como a relação triangular em F ⇥F é herdada da

    mesma relação em A⇥A, conclui-se que F é um espaço afim.

    2) Seja Q = P0 + w (com w 2 W ) um ponto de F .

    Vejamos primeiro que Q+W ✓ P0+W . Se P 2 Q+W , então

    existe u 2 W tal que P = Q+ u. Assim,

    P = Q+ u = (P0 + w) + u = P0 + (u+ w) 2 P0 +W.

    Por outro lado, se P 2 P0 + W então existe v 2 W tal que

    P = P0 + v, pelo que

    P = P0 + v = P0 +��!P0P = P0 + (

    ��!P0Q+

    ��!QP )

    = (P0 +��!P0Q) +

    ��!QP = Q+

    ��!QP 2 Q+W

    pois, como vimos em 1), se P,Q 2 F , o vector��!QP pertence a W .

    Conclui-se assim que P0 +W ✓ Q+W e então

    F = P0 +W = Q+W.

    3) Como vimos em 1), se P e Q são dois pontos de F , o vector��!PQ pertence a W . Para além disso, a aplicação ' em (??) é

    sobrejectiva, pelo que se conclui que

    W = {��!PQ : P,Q 2 F}.

  • 8 1. GEOMETRIA AFIM

    1.2. Dimensão e codimensão. Seja A um espaço afim associado ao

    espaço vectorial V . A dimensão de A é a dimensão de V como espaço

    vectorial. Em particular, se F = P + W é um subespaço afim de A, a

    dimensão de F é a dimensão de W .

    Um espaço (ou subespaço) afim de dimensão 1 diz-se uma recta, de

    dimensão 2 um plano e, de dimensão m, um m-plano.

    Se A é um espaço afim de dimensão finita n e F é um subespaço afim

    de A de dimensão k, a codimensão de F é o número n� k. Um subespaço

    afim H de codimensão 1 diz-se um hiperplano.

    Nota 1.7. A noção de codimensão é relativa. A dimensão de um hiper-

    plano de A e a codimensão de um m-plano de A dependem da dimensão de

    A. Por exemplo,

    • se A tem dimensão 2 (e.g. se A é o espaço afim real R2), os

    hiperplanos de A são as rectas;

    • se A tem dimensão 3 (e.g. A é o espaço afim real R3), um hiper-

    plano de A tem dimensão 2 (ou seja é um plano);

    • uma recta em R8 tem codimensão 7 enquanto que uma recta em

    R2 tem codimensão 1;

    • um 3-plano do espaço afim complexo C5 tem codimensão (com-

    plexa) 2.

    Verifica-se facilmente que, dados dois pontos distintos P,Q 2 A, existe

    uma única recta de A que os contém (a recta que passa por P com a direcção

    do vector��!PQ). Esta recta pode indicar-se por

    PQ := P + {���!PQ : � 2 K}.

    Dicionário: Dado um ponto Q e uma recta r de A as seguintes expressões

    são equivalentes:

    • Q 2 r;

    • r passa por Q;

    • r contém Q;

    • Q incide com r;

    • Q e r são incidentes;

    • r incide com Q.

    1.3. Paralelismo.

    Definição 1.8. Seja A um espaço afim. Dois subespaços afins de A

    F = P + U e G = Q+W

  • 1. ESPAÇO AFIM ASSOCIADO A UM ESPAÇO VECTORIAL 9

    dizem-se paralelos se U ✓ W ou W ✓ U .

    Por outras palavras, F e G são paralelos se o subespaço (vectorial) de di-

    recções de um dos subespaços afins estiver contido no subespaço de direcções

    do outro.

    Nota 1.9.

    (i) Um subespaço afim é sempre paralelo a si próprio.

    (ii) Se F = P + U e G = Q+W têm a mesma dimensão m, então F

    e G são paralelos se e só se U = W .

    Teorema 1.10. Se dois subespaços afins de um mesmo espaço afim são

    paralelos, ou têm intersecção vazia ou um deles está contido no outro.

    Em particular, dois subespaços afins associados ao mesmo subespaço vec-

    torial, ou são disjuntos ou são iguais.

    Demonstração: Sejam F = P + U e G = Q + W dois subespaços afins

    paralelos do espaço afimA. Por definição de paralelismo, U ✓ W ouW ✓ U .

    Suponhamos, sem perda de generalidade, que U ✓ W . Se F \ G 6= ;,

    existe um ponto R 2 F \ G, pelo que F = R+ U e G = R+W . Conclui-se

    que F ✓ G, com igualdade se U = W . ⇤Este teorema tem como consequência que

    • duas rectas distintas paralelas não se intersectam.

    • uma recta paralela a um plano ou não intersecta o plano ou está

    contida no plano.

    • dois hiperplanos diferentes e paralelos não se intersectam.

    • se duas rectas paralelas se intersectam então são coincidentes.

    • etc ...

    1.4. Intersecção de subespaços afins.

    Teorema 1.11. Sejam F = P + U e G = Q+W dois subespaços afins

    do espaço afim A. Então, ou F \ G = ;, ou F \ G é um subespaço afim.

    Mais precisamente, se F \ G 6= ; e R é um ponto de F \ G, então

    F \ G = R+ (U \W ).

    Demonstração: Suponhamos que F \ G 6= ; e consideremos um ponto

    R 2 F \ G. Podemos escrever então F = R+ U e G = R+W .

    Um ponto P 2 R + (U \ W ) pertence obviamente a F \ G, donde

    R+ (U \W ) ✓ F \ G.

  • 10 1. GEOMETRIA AFIM

    Por outro lado, se um ponto P está simultaneamente em F e em G, temos

    que, necessariamente, o vector�!RP pertence a ambos os espaços vectoriais

    U e W , donde F \ G ✓ R+ (U \W ).

    Concluimos que se F \ G 6= ;, então F \ G = R+ (U \W ). ⇤Este teorema generaliza-se facilmente.

    Teorema 1.12. A intersecção de subespaços afins ou é vazia ou é um

    subespaço afim. Mais precisamente, se B↵ = P↵ + U↵, ↵ 2 I é uma famı́lia

    de subespaços afins associados a subespaços vectoriais U↵ então

    • \↵2IB↵ = ; ou

    • \↵2IB↵ é um subespaço afim associado ao subespaço vectorial

    \↵2IU↵.

    Nota 1.13. Se \↵2IB↵ 6= ;, temos \↵2IB↵ = R + \↵2IU↵, onde R é

    um ponto qualquer de \↵2IB↵.

    Vejamos agora um critério para que a intersecção de dois subespaços

    afins seja não vazia.

    Teorema 1.14. Sejam F = P + U e G = Q+W dois subespaços afins

    do espaço afim A. Então F \ G 6= ; se e só se o vector��!PQ pertence ao

    subespaço vectorial U +W .

    Demonstração: Suponhamos que F \G 6= ; e seja R um ponto de F \G.

    Então, como R 2 F , o vector�!PR 2 U . Analogamente o vector

    ��!RQ 2 W .

    Como, pela Relação de Chasles (??),��!PQ =

    �!PR+

    ��!RQ, conclui-se que

    ��!PQ 2

    U +W . Provámos assim que

    F \ G 6= ; =)��!PQ 2 U +W.

    Por outro lado, se��!PQ 2 U +W , então existem vectores u 2 U e w 2 W

    tais que��!PQ = u+w. Por definição de F e G, o ponto P + u 2 F e o ponto

    Q� w 2 G. Assim, como

    P + u = P + (��!PQ� w) = (P +

    ��!PQ)� w = Q� w,

    temos que P + u = Q� w 2 F \G, pelo que F \ G 6= ;. ⇤

    1.5. Subespaço afim gerado por um subconjunto. Seja S um sub-

    conjunto não vazio de um espaço afim A. O subespaço afim gerado por

    S, que se indica por hSi (ou por A↵(S)), é o menor subespaço afim de A que

    contém S (ou, de forma equivalente, é a intersecção de todos os subespaços

    afins de A que contêm S).

  • 1. ESPAÇO AFIM ASSOCIADO A UM ESPAÇO VECTORIAL 11

    Teorema 1.15. Sejam F = P + U e G = Q+W dois subespaços afins

    do espaço afim A. O subespaço gerado por F e G é o subespaço

    hF ,Gi = P +⇣L{

    ��!PQ}+ U +W

    ⌘,

    ou seja, é o subespaço afim que passa por P e está associado ao subespaço

    vectorial L{��!PQ}+ U +W .

    Demonstração: Claramente, F e G são subconjuntos de

    P +⇣L{

    ��!PQ}+ U +W

    ⌘.

    Assim, por definição, hF ,Gi ✓ P +⇣L{

    ��!PQ}+ U +W

    ⌘.

    Para mostrar que a inclusão anterior é uma igualdade basta mostrar que

    qualquer subespaço afim H que contenha F e G contém necessariamente

    P+⇣L{

    ��!PQ}+ U +W

    ⌘. Seja entãoH um subespaço afim que contém F e G

    e T o subespaço vectorial de direcções deH. ComoH contém F então P 2 H

    e podemos escrever H = P + T onde U ✓ T . Como H contém G, também

    Q 2 H eW ✓ T . Dado que P,Q 2 H, necessariamente��!PQ 2 T . Concluimos

    então que L{��!PQ}+ U +W ✓ T donde P +

    ⇣L{

    ��!PQ}+ U +W

    ⌘✓ H. ⇤

    Nota 1.16. Dado um conjunto de vectores v1, . . . , vk 2 V , usamos a

    notação L{v1, . . . , vk} para indicar a expansão linear de v1, . . . , vk. Assim,

    no teorema anterior,

    L{��!PQ} = {�

    ��!PQ : � 2 K}.

    Teorema 1.17. Sejam F = P + U e G = Q+W dois subespaços afins

    de dimensão finita de um espaço afim A.

    1) Se F \ G 6= ; então

    dimhF ,Gi = dimF + dimG � dim (F \ G) .

    2) Se F \ G = ; então

    dimhF ,Gi = 1 + dimF + dimG � dim (U \W ) .

    Demonstração: Pelo Teorema ??, a dimensão de hF ,Gi é a dimensão do

    subespaço vectorial L{��!PQ}+ U +W .

    1) Se F \ G 6= ;, pelo Teorema ?? temos��!PQ 2 U + W e então

    L{��!PQ} + U +W = U +W . Como, pelo Teorema das dimensões

    de álgebra linear temos

    dim (U +W ) = dimU + dimW � dim (U \W ) ,

  • 12 1. GEOMETRIA AFIM

    e, pelo Teorema ??, temos dim (U \W ) = dim (F \ G), a afirmação

    segue.

    2) Como F \ G = ; temos, pelo Teorema ??, que

    dim⇣L{

    ��!PQ}+ U +W

    ⌘= 1 + dim (U +W )

    e o resultado segue pelo Teorema das dimensões de álgebra linear.

    ⇤O teorema anterior tem várias consequências imediatas, tais como:

    • Se F e G são subespaços afins paralelos não contidos um no outro

    com dimensões m, k com k m então dimhF ,Gi = m + 1. Em

    particular, o subespaço afim gerado por duas rectas paralelas dis-

    juntas tem dimensão 2.

    • Uma recta e um hiperplano não paralelos intersectam-se num ponto.

    • Dois hiperplanos diferentes ou são paralelos ou intersectam-se num

    subespaço afim de codimensão 2. Em particular, num espaço afim

    de dimensão 3 (e.g. R3) dois planos distintos ou são paralelos ou

    a sua intersecção é uma recta.

    • Se F é um m-plano e G um k-plano, o subespaço afim gerado por

    F e G tem no máximo dimensão m+ k + 1.

    Definição 1.18. Duas rectas dizem-se enviesadas se o subespaço ger-

    ado por elas tiver dimensão 3 (a máxima posśıvel).

    Seja A um espaço afim associado a um espaço vectorial V e

    S = {P0, . . . , Pm}

    um conjunto finito de pontos de A. Os pontos P0, ..., Pm dizem-se indepen-

    dentes (do ponto de vista afim) se, fixando um deles, os m vectores com

    origem nesse ponto e extremidade nos restantes forem linearmente indepen-

    dentes. Note que, pela relação triangular, esta definição é independente do

    ponto de S escolhido para origem dos vectores. Por exemplo, escolhendo P0,

    os pontos P0, ..., Pm são independentes se os vectores���!P0P1, . . . ,

    ���!P0Pm forem

    linearmente independentes.

    Alternativamente, como o subespaço afim hSi gerado por S é dado por

    hSi = hP0, . . . , Pmi = P0 + L{���!P0P1, . . . ,

    ���!P0Pm},

    a sua dimensão é, no máximo, m e temos o seguinte resultado.

    Teorema 1.19. Num espaço afim, k pontos são independentes se e só

    se o subespaço afim gerado por eles tiver dimensão k � 1.

  • 1. ESPAÇO AFIM ASSOCIADO A UM ESPAÇO VECTORIAL 13

    1.6. Combinações afins de pontos. Dado um espaço afim A, chama-

    se combinação afim de pontos P0, ..., Pm de A a qualquer ponto P que se

    pode escrever como

    P = P0 +mX

    i=1

    ai��!P0Pi,

    onde ai 2 K para todo o i 2 {1, . . . ,m}.

    Em analogia com o espaço afim AK , considerando um outro ponto O 2 A

    qualquer (que assume o papel de ”origem”), podemos escrever o ponto

    P = P0 +mX

    i=1

    ai��!P0Pi

    na forma

    P = P0 +mX

    i=1

    ai��!P0Pi = O +

    ��!OP0 +

    mX

    i=1

    ai⇣��!P0O +

    ��!OPi

    = O +

    1�

    mX

    i=1

    ai

    !��!OP0 +

    mX

    i=1

    ai��!OPi = O +

    mX

    i=0

    ai��!OPi,

    onde a0 := 1�P

    m

    i=1 ai.

    Esquecendo o ponto O, obtém-se uma notação homogénea para repre-

    sentar uma combinação afim de pontos:

    (1.3)mX

    i=0

    aiPi, commX

    i=0

    ai = 1,

    com o significadomX

    i=0

    aiPi := P0 +mX

    i=1

    ai��!P0Pi,

    ou, equivalentemente, escolhendo um ponto X 2 A qualquer,

    mX

    i=0

    aiPi := X +mX

    i=0

    ai��!XPi.

    Note que (??) é apenas uma notação para representar uma combinação

    afim de pontos pois não se podem somar pontos de um espaço afim.

    Nota 1.20. Se os pontos P0, . . . , Pm forem independentes então qualquer

    elemento de hP0, . . . , Pmi pode ser escrito de forma única como

    a0P0 + · · ·+ amPm commX

    i=0

    ai = 1.

  • 14 1. GEOMETRIA AFIM

    Exemplo 1.21. Sejam P,Q,R pontos de um espaço afim A. A com-

    binação afim1

    2P +

    5

    2Q� 2R

    representa o ponto

    P +5

    2

    ��!PQ� 2

    �!PR

    que pode escrever-se também como

    Q+1

    2

    ��!QP � 2

    ��!QR ou R+

    1

    2

    �!RP +

    5

    2

    ��!RQ,

    ou, em geral, para um ponto X 2 A qualquer,

    X +1

    2

    ��!XP +

    5

    2

    ��!XQ� 2

    ��!XR.

    Exemplo 1.22. A recta r definida por dois pontos distintos P e Q pode

    ser descrita como

    r = P + L{��!PQ} = {P + �

    ��!PQ : � 2 K}

    = {(1� �)P + �Q : � 2 K}

    = {aP + bQ : a, b 2 K, a+ b = 1},

    ou seja é o conjunto de todas as combinações afins de P e Q.

    Em geral temos o seguinte resultado.

    Teorema 1.23. O subespaço afim gerado por um conjunto S de A é o

    conjunto de todas as combinações afins de pontos de S.

    Demonstração: Seja P um ponto de S e hSi = P +W o subespaço afim

    gerado por S.

    Vejamos primeiro que qualquer combinação afim de pontos de S está em

    hSi. Com efeito, se Q é uma combinação afim de pontos P0, . . . , Pm 2 S,

    temos

    Q = P0 +mX

    i=1

    ai��!P0Pi,

    com ai 2 K, e então, como os vectores��!P0Pi estão em W , temos que Q 2 hSi.

    Resta mostrar que o conjunto de todas as combinações afins de pontos

    de S contém hSi. Como obviamente contém S, basta mostrar que é um

    subespaço afim de A (pois hSi é o menor subespaço afim que contém S).

  • 1. ESPAÇO AFIM ASSOCIADO A UM ESPAÇO VECTORIAL 15

    Seja U o subespaço vectorial de V gerado pelos vectores da forma��!PQ com

    Q 2 S. Como qualquer combinação afim

    R+kX

    j=1

    bj��!RPj

    de pontos de S pode ser escrita na forma

    R+kX

    j=1

    bj��!RPj = b0R+

    kX

    j=1

    bjPj = P + b0�!PR+

    kX

    i=1

    bj��!PPj ,

    com b0 = 1 �P

    k

    i=1 bj , temos que qualquer combinação afim de pontos de

    S está no subespaço afim P + U . Além disso, qualquer ponto de P + U

    é uma combinação afim de pontos de S, pelo que o conjunto de todas as

    combinações afins de pontos de S é o subespaço afim P + U . ⇤

    1.7. Referenciais. Seja A um espaço afim de dimensão finita n asso-

    ciado a um espaço vectorial V . Um referencial R em A é um conjunto

    R := (O; {e1, . . . , en})

    onde O é um ponto de A e B = {e1, . . . , en} uma base de V . O ponto O

    chama-se a origem do referencial.

    A escolha de um referencial permite-nos identificar os pontos de A com

    elementos de Kn, da seguinte forma

    P !��!OP !

    ��!OPB 2 K

    n,

    onde��!OPB é o vector de coordenadas de

    ��!OP em relação à base B. Com

    efeito, dado um ponto P existe um único vector v tal que v =��!OP . Por

    outro lado, como B é uma base de V , o vector v escreve-se de forma única

    como v = a1e1 + a2e2 + · · · + anen, pelo que podemos identificar P com o

    vector de coordenadas de v em relação à base B

    P ! vB = (a1, . . . , an).

    Diz-se que (a1, . . . , an) são as coordenadas de P em relação ao referencial

    R = (O; {e1, . . . , en}) e escreve-se PR = (a1, . . . , an).

    No espaço afim Kn , com a estrutura canónica, chama-se referencial

    canónico ao referencial em que o ponto O é o elemento (0, . . . , 0) e a base

    B é a base canónica {e1 = (1, 0, . . . , 0), . . . , en = (0, . . . , 1)}.

    Exemplo 1.24. Num espaço afim real A de dimensão 3, seja

    R = (O; {e1, e2, e3})

  • 16 1. GEOMETRIA AFIM

    um referencial. As coordenadas do ponto P = O + 3e1 � 2e3 em relação a

    R são PR = (3, 0,�2).

    O ponto Q cujas coordenadas, em relação a R são QR = (5, 7, 9) é o

    ponto Q = O + 5e1 + 7e2 + 9e3.

    Exemplo 1.25. No espaço afim R2 seja R = (O; {e1, e2}) o referencial

    em que O = (2, 3), e1 = (1, 1) e e2 = (1, 0).

    Se P é o ponto (6, 3) (no referencial canónico), temos��!OP = (4, 0).

    Como (4, 0) = 4e2, as coordenadas de P em relação ao referencial R são

    PR = (0, 4).

    O ponto Q com coordenadas QR = (2, 3) no referencial R é o ponto

    Q = O + 2e1 + 3e2 = (2, 3) + (2, 2) + (3, 0) = (7, 5).

    1.8. Sistemas de equações e subespaços afins.

    Teorema 1.26. Seja A um espaço afim de dimensão n e R = (O; {e1, ..., en})

    um referencial em A.

    1. Seja

    (1.4)

    8>><

    >>:

    a11x1 + · · ·+ a1nxn = b1...

    .

    .

    .

    am1x1 + · · ·+ amnxn = bm

    um sistema de m equações lineares nas incógnitas x1, ..., xn 2 K.

    Se o sistema for posśıvel, o conjunto S de pontos de A, cujas coor-

    denadas em relação a R são soluções do sistema, é um subespaço

    afim com dimensão igual ao grau de indeterminação do sistema.

    O subespaço vectorial U de direcções de S é o conjunto de vectores

    cujas coordenadas em relação à base {e1, ..., en} são definidas pelo

    sistema homogéneo associado, ou seja

    (1.5)

    8>><

    >>:

    a11x1 + · · ·+ a1nxn = 0...

    .

    .

    .

    am1x1 + · · ·+ amnxn = 0

    2. Inversamente, se F é um subespaço afim de A de dimensão k,

    existe um sistema de equações lineares a n incógnitas, posśıvel e

    de caracteŕıstica n � k, tal que F é o o conjunto de pontos de A

    cujas coordenadas em relação a R são soluções do sistema.

  • 1. ESPAÇO AFIM ASSOCIADO A UM ESPAÇO VECTORIAL 17

    Demonstração: Considere-se emA o referencialR = (O;B = {e1, . . . , en}).

    1. Sabemos que as soluções de um sistema linear não homogéneo se

    obtêm somando a uma solução particular do sistema as soluções

    do sistema homogéneo associado. Além disso, os vectores de V

    cujas coordenadas na base B são soluções de um sistema linear

    homogéneo, formam um subespaço vectorial de V de dimensão

    igual à nulidade do sistema. Assim, se (c1, . . . , cn) é uma solução

    particular do sistema não homogéneo (??) e P0 2 A é o ponto com

    coordenadas no referencial R dadas por

    (P0)R = (c1, . . . , cn),

    temos que os pontos de A cujas coordenadas são soluções do sis-

    tema (??) formam um subespaço afim S = P0 +W , onde W é o

    subespaço vectorial de V formado pelos vectores cujas coordenadas

    na base B são soluções do sistema homogéneo associado (??).

    2. Seja W o espaço das direcções de um subespaço afim F = P0+W .

    As coordenadas (x1, . . . , xn) dos vectores de W na base B satis-

    fazem um sistema homogéneo de m = n � k equações indepen-

    dentes

    (1.6) A

    0

    BB@

    x1...

    xn

    1

    CCA = 0,

    em que k = dimW e A é uma matriz m⇥ n. Se

    (P0)R = (c1, . . . , cn)

    forem as coordenadas do ponto P0 no referencial R, as coordenadas

    de um ponto P 2 F são

    PR = (x̃1, . . . , x̃n) = (c1, . . . , cn) + (x1, . . . , xn),

    onde o vector de coordenadas (x1, . . . , xn) é solução do sistema

    (??). Assim, (x̃1, . . . , x̃n) é solução do sistema

    A

    0

    BB@

    x̃1...

    x̃n

    1

    CCA = A

    0

    BB@

    c1...

    cn

    1

    CCA .

  • 18 1. GEOMETRIA AFIM

    Corolário 1.27. Um subconjunto F de um espaço afim A de dimensão

    n é um subespaço afim se e só se for não vazio e o conjunto de coordenadas

    dos pontos de F em relação a algum referencial for o conjunto solução de

    um sistema de equações lineares a n incógnitas.

    Exemplo 1.28. Seja A um espaço afim associado ao espaço vectorial

    real V de dimensão 4 e seja R = (O;B) um referencial de A, onde B é uma

    base {e1, e2, e3, e4} de V . Consideremos o subespaço afim F = P +W onde

    P é o ponto

    P = O + (e1 + 2e2 + 3e3 + 4e4)

    e W é a expansão linear dos vectores

    v1 := 2e1 � e2, v2 := e2 � e4 e v3 := 4e1 � 2e4.

    As coordenadas de P em relação a R são PR = (1, 2, 3, 4), enquanto que

    (v1)B = (2,�1, 0, 0), (v2)B = (0, 1, 0,�1) e (v3)B = (4, 0, 0,�2).

    Consideremos a matriz

    A =

    2

    6664

    2 0 4

    �1 1 0

    0 0 0

    0 �1 �2

    3

    7775.

    Um vector v de coordenadas vB = (x, y, z, w) pertence à expansão linear

    de v1, v2, v3 se e só se a caracteŕıstica da matriz

    A0 :=

    2

    6664

    2 0 4 x

    �1 1 0 y

    0 0 0 z

    0 �1 �2 w

    3

    7775

    é igual à caracteŕıstica da matriz A. Reduzindo a matriz A0 à forma de

    escada de linhas, obtemos

    B =

    2

    6664

    �1 1 0 y

    0 �1 �2 w

    0 0 0 x+ 2y + 2w

    0 0 0 z

    3

    7775.

    Como a caracteŕıstica de A é igual a 2 conclúımos que F é um plano e que

    um vector v de coordenadas vB = (x, y, z, w) pertence à expansão linear de

  • 2. ESPAÇOS AFINS REAIS 19

    v1, v2, v3 se e só z = 0 e x+ 2y + 2w = 0. Então o subespaço vectorial W é

    W = {x e1 + y e2 + z e3 + w e4 : x, y, z, w 2 R, z = 0 e x+ 2y + 2w = 0}

    = L{�2e1 + e2,�2e1 + e4}.

    Como o ponto P 2 F e as coordenadas de P em relação a R são

    (1, 2, 3, 4), o subespaço F é dado por

    F = {O+x e1+y e2+z e3+w e4 : x, y, z, w 2 R z = 3 e x+2y+2w = 13}.

    2. Espaços afins reais

    2.1. Algumas definições. Seja A um espaço afim real.

    Definição 2.1. Dados dois pontos distintos P,Q de A o segmento de

    recta com extremidades P e Q (ou definido por P e Q) é o conjunto

    [PQ] := {X 2 A : X = P + ���!PQ, 0 � 1}.

    Nota 2.2. Em notação homogénea

    [PQ] := {X 2 A : X = aP + bQ, a � 0, b � 0, a+ b = 1}.

    A

    P Q

    Figura 1.4. Segmento de recta com extremidades P e Q

    Definição 2.3. Dados dois pontos distintos P e Q de A, o ponto

    médio do segmento de recta [PQ] é o ponto M := P + 12��!PQ (ou seja o

    ponto M = 12P +12Q).

    Definição 2.4. Dados dois pontos distintos P,Q 2 A a semi-recta

    com origem em P que passa em Q (ou com origem em P e direcção��!PQ), é o conjunto

    {X 2 A : X = P + ���!PQ, � � 0}.

  • 20 1. GEOMETRIA AFIM

    A

    M

    P Q

    Figura 1.5. Ponto médio do segmento de recta [PQ]

    A

    P Q

    Figura 1.6. Semi-recta com origem em P e que passa em Q

    Definição 2.5. Dados três pontos distintos P,Q,R 2 A o paralelo-

    gramo (PQR) é o conjunto

    {X 2 A : X = P + ���!PQ+ µ

    �!PR, 0 �, µ 1}.

    A

    P Q

    R

    Figura 1.7. Paralelogramo (PQR)

    Nota 2.6. O paralelogramo (QPR) é diferente do paralelogramo (PQR).

  • 2. ESPAÇOS AFINS REAIS 21

    A

    P Q

    R

    Figura 1.8. Paralelogramo (QPR)

    Definição 2.7. Dados m + 1 pontos independentes P0, . . . , Pm 2 A o

    m-simplex definido por P0, . . . , Pm é o conjunto

    {X 2 A : X = P0 + a1���!P0P1+a2

    ���!P0P2 + · · ·+ am

    ���!P0Pm,

    0 a1, . . . , am, a1 + · · ·+ am 1}.

    Nota 2.8. Em notação homogénea um m-simplex é dado por

    {X 2 A : X = a0P0+a1P1 + · · ·+ amPm,

    a0, a1, . . . , am � 0 e a0 + a1 + · · ·+ am = 1}.

    Note-se que um 1-simplex é exactamente um segmento de recta e um

    0-simplex é um ponto.

    Dado um m-simplex definido por m+ 1 pontos independentes

    P0, . . . , Pm 2 A,

    chamam-se vértices do simplex aos pontos P0, . . . , Pm. Qualquer subcon-

    junto de {P0, . . . , Pm} com k+1 pontos (k < m) define um k-simplex, a que

    se dá o nome de face do m-simplex. Uma aresta do simplex é uma face

    que é um 1-simplex.

    Um 3-simplex pode chamar-se um tetraedro e um 2-simplex um tri-

    ângulo. Dado um triângulo de vértices P , Q e R, os segmentos de recta

    [PQ], [PR] e [RQ] dizem-se os lados do triângulo.

    Definição 2.9. Uma mediana de um triângulo é uma recta que passa

    por um vértice do triângulo e pelo ponto médio do lado oposto (i.e. o lado

    que não contém esse vértice).

    Um triângulo tem exactamente três medianas e estas satisfazem a seguinte

    propriedade.

  • 22 1. GEOMETRIA AFIM

    Figura 1.9. 3-simplex definido pelos pontos P0, P1, P2 e P3.

    Teorema 2.10. As três medianas de um triângulo intersectam-se num

    mesmo ponto.

    Demonstração: Sejam P0, P1, P2 os vértices do triângulo. Basta verificar

    que o ponto B := 13P0 +13P1 +

    13P2 (em notação homogénea) pertence às

    três medianas. ⇤

    P0

    P2

    P1

    Figura 1.10. As três medianas de um triângulo.

    Definição 2.11. O centroide, equibaricentro ou centro geométrico

    de um triângulo é o ponto de interseção das três medianas.

    As noções acima só fazem sentido para espaços afins sobre corpos de

    escalares em que haja uma relação de ordem (como R ou Q) em que se

    possa dizer que um escalar é menor que outro. Por exemplo, se A for um

    espaço afim complexo, não podemos definir um segmento de recta.

  • 2. ESPAÇOS AFINS REAIS 23

    Nota 2.12. Claro que, dados dois pontos P,Q de um espaço afim com-

    plexo A podemos considerar o conjunto

    {X 2 A : X = P + ���!PQ, com � 2 R e 0 � 1},

    mas este não é um segmento da recta complexa que passa em P e Q.

    Há, no entanto, noções que se podem adaptar para espaços afins sobre

    outros corpos. Por exemplo, o ponto médio de dois pontos distintos P e

    Q pode ser definido (mesmo não sendo posśıvel definir segmento de recta)

    como o ponto M := P + 12��!PQ. Em qualquer corpo K existe uma identidade

    1 para a multiplicação, e o escalar 12 significa o inverso de 1 + 1. Assim, o

    ponto médio está definido desde que, em K, o elemento 1+1 não seja o zero

    de K (ver Apêndice ??).

    Em geral, num espaço afim real ou complexo temos a seguinte definição.

    Definição 2.13. Dados k pontos distintos P0, . . . , Pk�1 de um espaço

    afim real ou complexo chama-se centroide, equibaricentro ou centro

    geométrico dos k pontos ao ponto

    B :=1

    kP0 + · · ·+

    1

    kPk�1.

    2.2. Conjuntos convexos.

    Definição 2.14. Um subconjunto C de um espaço afim real diz-se um

    conjunto convexo se, para quaisquer dois pontos P,Q 2 C, o segmento de

    recta [PQ] está contido em C.

    Da definição de conjunto convexo segue obviamente que a intersecção de

    dois conjuntos convexos é ainda um conjunto convexo. Em geral tem-se o

    seguinte resultado.

    Teorema 2.15. A intersecção de conjuntos convexos de um mesmo

    espaço afim real A é ainda um conjunto convexo.

    Demonstração: Seja {C↵}, com ↵ 2 I uma famı́lia qualquer de conjuntos

    convexos de A. Se P,Q 2 \↵2IC↵ então P,Q 2 C↵ para qualquer ↵ 2 I.

    Como, por hipótese, cada C↵ é um conjunto convexo, para todo o ↵ 2 I,

    temos que

    [PQ] ✓ C↵, 8↵ 2 I

    e então [PQ] ✓ \↵2IC↵. Conclui-se assim que o conjunto \↵2IC↵ é convexo.

  • 24 1. GEOMETRIA AFIM

    Nota 2.16. A união de dois conjuntos convexos não é, em geral, um

    conjunto convexo.

    Definição 2.17. Num espaço afim real A, o fecho convexo (ou invó-

    lucro convexo), bS, de um conjunto S ✓ A é a intersecção de todos os con-juntos convexos de A que contêm S. É portanto o menor conjunto convexo

    que contém S.

    Definição 2.18. Dados m+1 pontos P0, . . . , Pm de um espaço afim real

    A, um ponto Q diz-se uma combinação convexa dos pontos P0, . . . , Pmse

    Q =mX

    i=0

    bi Pi

    com bi � 0 para todo o i 2 {1, . . . ,m} eP

    m

    i=0 bi = 1.

    Em notação não homogénea, uma combinação convexa de pontos é dada

    por

    Q = P0 +mX

    i=1

    bi��!P0Pi com bi � 0, 8i = 1, . . . ,m e

    mX

    i=1

    bi 1.

    Nota 2.19. O conjunto de todas as combinações convexas de dois

    pontos distintos P,Q 2 A é exactamente o segmento de recta [PQ].

    Teorema 2.20. Um subconjunto C de um espaço afim real A é convexo

    se e só se contém todas as combinações convexas de pontos de C.

    Demonstração: Suponhamos que um conjunto C contém todas as com-

    binações convexas dos seus pontos. Em particular, para quaisquer P,Q 2 C,

    o segmento [PQ] está contido em C, pelo que C é convexo.

    Por outro lado, se C é convexo, vamos mostrar por indução no número

    m de pontos de uma combinação convexa, que qualquer combinação convexa

    de m pontos de C pertence a C.

    Obviamente, por definição de conjunto convexo, uma combinação con-

    vexa de dois pontos de C está em C. Seja

    Q =mX

    i=0

    bi Pi com bi � 0, 8i = 1, . . . ,m emX

    i=0

    bi = 1

    uma combinação convexa de m+ 1 pontos P0, . . . , Pm 2 C e tome-se como

    hipótese de indução que qualquer combinação convexa dem ou menos pontos

    de C está em C.

  • 2. ESPAÇOS AFINS REAIS 25

    Considerando b :=P

    m�1i=0 bi temos bm = 1 � b. Como qualquer com-

    binação convexa de m ou menos pontos de C está em C, podemos supor

    que bi 6= 0 para todo o i = 0, . . . ,m e portanto b 6= 0. Então tem-se

    Q = b

    m�1X

    i=0

    1

    bbi Pi

    !+ (1� b)Pm.

    Como R :=P

    i=m�1i=0

    1bbi Pi é uma combinação convexa dos m pontos

    P0, . . . , Pm�1 2 C,

    então, por hipótese de indução, pertence a C. Como Q = bR+(1�b)Pm per-

    tence ao segmento de recta [RPm] e C é convexo, conclui-se que Q pertence

    a C. ⇤

    Corolário 2.21. O fecho convexo bS de qualquer conjunto S ✓ A é oconjunto de todas as combinações convexas de pontos de S.

    Exemplo 2.22. Os conjuntos seguintes são convexos:

    • qualquer segmento de recta;

    • qualquer semi-recta;

    • qualquer m-simplex;

    • qualquer m-plano.

    Nota 2.23. O fecho convexo de m + 1 pontos independentes é exacta-

    mente o m-simplex definido por esses pontos.

    2.3. Divisão por hiperplanos.

    Definição 2.24. Seja H um hiperplano de um espaço afim real A de

    dimensão finita. Diz-se que dois pontos P,Q 62 H estão do mesmo lado de

    H se o segmento de recta [PQ] não intersecta H.

    Pode demonstrar-se que a relação entre pontos de A \H definida por

    P ⇠ Q se P = Q ou [PQ] \H = ;

    é uma relação de equivalência com exactamente duas classes de equivalência

    (ou seja um hiperplano tem exactamente dois lados).

    Se dimA = n e o hiperplano H for definido em relação a um referencial

    R de A pela equação

    a1x1 + · · ·+ anxn = b,

  • 26 1. GEOMETRIA AFIM

    então estas classes de equivalência são exactamente os conjuntos

    H+ := {P 2 A : PR = (x1, . . . , xn) satisfaz a1x1 + · · ·+ anxn � b > 0}

    H� := {P 2 A : PR = (x1, . . . , xn) satisfaz a1x1 + · · ·+ anxn � b < 0}.

    Cada uma destas classes de equivalência chama-se semi-espaço aberto

    definido por H.

    Um semi-espaço fechado definido por H é a união de H com um

    semi-espaço aberto definido por H, ou seja,

    H+0 := {P 2 A : PR = (x1, . . . , xn) satisfaz a1x1 + · · ·+ anxn � b � 0}

    H�

    0 := {P 2 A : PR = (x1, . . . , xn) satisfaz a1x1 + · · ·+ anxn � b 0}.

    Um semi-espaço aberto ou fechado é sempre um conjunto convexo.

    3. Aplicações afins

    Definição 3.1. Sejam A e B dois espaços afins associados a espaços

    vectoriais V e W respectivamente. Uma aplicação : A ! B diz-se uma

    aplicação afim se existe um ponto P 2 A e uma aplicação linear f : V !

    W tais que�������! (P ) (Q) = f(

    ��!PQ)

    para todo o ponto Q 2 A.

    A

    PPQ

    Q

    B

    yHPLyHPLyHQL yHQL

    Figura 1.11. Aplicações Afins

    Nota 3.2. A aplicação linear f não depende da escolha do ponto P .

    Com efeito, se P 0 for um outro ponto de A qualquer, temos�������! (P 0) (Q) =

    �������! (P 0) (P ) +

    �������! (P ) (Q) = �

    �������! (P ) (P 0) +

    �������! (P ) (Q)

    = �f(��!PP 0) + f(

    ��!PQ) = f(

    ��!P 0P ) + f(

    ��!PQ) = f(

    ��!P 0Q),

  • 3. APLICAÇÕES AFINS 27

    onde usámos a relação triangular e a linearidade de f . Como f depende

    apenas de chamamos-lhe�! , a aplicação linear associada à aplicação

    afim . Então temos�������! (P ) (Q) =

    �! (

    ��!PQ)

    para todos os pontos P,Q 2 A.

    Em particular,����������! (P ) (P + u) =

    �! (u),

    para todo o P 2 A e u 2 V , pelo que

    (3.1) (P + u) = (P ) +�! (u).

    Proposição 3.3. A composta de duas aplicações afins é uma aplicação

    afim com aplicação linear associada a composta das aplicações lineares as-

    sociadas a cada uma das aplicações afins.

    Demonstração: Sejam : A ! B e � : B ! C duas aplicações afins e

    P, P 0 dois pontos de A quaisquer. Se Q = (P ) e Q0 = (P 0), então

    ����������������!(� � ) (P ) (� � ) (P 0) =

    ������������!�( (P ))�( (P 0)) =

    �!� (

    �������! (P ) (P 0))

    =�!� (

    �! (

    ��!PP 0)) =

    ⇣�!� �

    �! ⌘(��!PP 0).

    Conclui-se assim que � � : A ! C é uma aplicação afim e que

    ���!� � =

    �!� �

    �! .

    Exemplo 3.4.

    1. Se A = B e�! : V ! V é a identidade, temos

    �������! (P ) (Q) =

    �! (

    ��!PQ) =

    ��!PQ, 8P,Q 2 A.

    Então, pela regra do paralelogramo, temos

    ����!P (P ) =

    ����!Q (Q), 8P,Q 2 A,

    pelo que����!P (P ) é um vector constante u 2 V e

    (P ) = P + u, 8P 2 A.

    A aplicação é então a translação associada ao vector u.

  • 28 1. GEOMETRIA AFIM

    AP

    Q yHQL

    yHPLu

    u

    Figura 1.12. Translação associada ao vector u

    2. Seja P0 um ponto deA e � 2 K um escalar. A aplicação : A ! A

    definida por

    (3.2) (P ) = P0 + ���!P0P

    fixa P0 e satisfaz

    �������! (P0) (P ) = �

    ��!P0P , 8P 2 A.

    Conclui-se assim que é uma aplicação afim com aplicação linear

    associada�! : V ! V dada por

    �! (v) = �v.

    A aplicação definida por (??) designa-se por dilatação de cen-

    tro P0 e factor �.

    Como a imagem de um subespaço vectorial por uma aplicação linear é

    um subespaço vectorial temos o seguinte resultado.

    Proposição 3.5. A imagem de um subespaço afim por uma aplicação

    afim é um subespaço afim.

    Demonstração: Seja : A ! B uma aplicação afim e F = P + W um

    subespaço afim de A. Então (F) é o subespaço afim de B

    (F) = (P ) +�! (W ).

    Com efeito, se Q 2 F , existe um vector w 2 W tal que Q = P + w. Então,

    por (??) temos

    (Q) = (P ) +�! (w),

    pelo que (F) ✓ (P ) +�! (W ).

  • 3. APLICAÇÕES AFINS 29

    Por outro lado, se R 2 (P ) +�! (W ), existe um vector w 2 W tal que

    R = (P ) +�! (w) = (P + w),

    pelo que R 2 (F) e então (P ) +�! (W ) ✓ (F). ⇤

    Nota 3.6. Como a imagem de um subespaço vectorial por uma aplicação

    linear tem dimensão menor ou igual à dimensão do subespaço inicial, conclui-

    se que

    dim (F) dimF

    Corolário 3.7. Uma aplicação afim transforma pontos colineares em

    pontos colineares.

    3.1. Aplicações afins e referenciais.

    Proposição 3.8. Seja : A ! B uma aplicação afim, onde A é um

    espaço afim de dimensão finita n e R := (O;B) um referencial em A, com

    B = {e1, . . . , en} uma base do espaço vectorial associado a A. A aplicação

    é determinada pela imagem (O) da origem do referencial e pelas imagens�! (ei) dos vectors da base B pela aplicação linear associada a .

    Demonstração: Seja : A ! B uma aplicação afim, onde A é um espaço

    afim de dimensão finita n e R := (O; {e1, . . . , en}) é um referencial em

    A. A aplicação fica completamente determinada pelas imagens (O) e�! (e1), . . . ,

    �! (en). Com efeito, se PR = (a1, . . . , an) são as coordenadas de

    um ponto P no referencial R temos

    ��!OP =

    nX

    i=1

    aiei

    e

    (P ) = (O) +�! (

    ��!OP ) = (O) +

    nX

    i=1

    ai�! (ei).

    ⇤Seja : A ! B uma aplicação afim entre espaços afins de dimensão finita

    n e m respectivamente, e R,R0 referenciais em A e em B. Se representarmos

    por (x1, . . . , xn) as coordenadas dos pontos de A no referencial R e por

    (y1, . . . , ym) as coordenadas dos pontos de B no referencial R0 podemos usar

    estas coordenadas e pensar em como uma aplicação afim

    Kn ! Km.

  • 30 1. GEOMETRIA AFIM

    Assim, se (x1, . . . , xn) são as coordenadas de um ponto P 2 A e (y1, . . . , ym)

    as coordenadas do ponto (P ), temos

    ( (P ))R0 = ( (O))R0 +nX

    i=1

    xi(�! (ei))B0 ,

    onde R = (O; {e1, . . . , en}), e então0

    BB@

    y1...

    ym

    1

    CCA = A

    0

    BB@

    x1...

    xn

    1

    CCA+

    0

    BB@

    b1...

    bm

    1

    CCA ,

    onde A é a matriz m⇥n cujas colunas são as coordenadas ( (ei))B0 dos vec-

    tores (ei) na base B0, para i = 1, . . . , n, e (b1, . . . , bm) são as coordenadas

    ( (O))R0 no referencial R0.

    3.2. Pontos Fixos. Como uma aplicação afim fica determinada pela

    imagem da origem de um referencial em conjunto com as imagens dos vec-

    tores da base do referencial pela aplicação linear correspondente, temos o

    seguinte resultado.

    Proposição 3.9. A única aplicação afim dum espaço afim de dimensão

    n nele próprio que fixa n+ 1 pontos independentes é a identidade.

    Demonstração: Seja : A ! A uma aplicação afim num espaço afim de

    dimensão n e P0, . . . , Pn pontos independentes de A fixos por . Considere-

    se em A o referencial

    R =⇣P0; {

    ���!P0P1, . . . ,

    ���!P0Pn}

    ⌘.

    Dado um ponto P 2 A, sejam PR = (a1, . . . , an) as coordenadas de P no

    referencial R. Então

    (P ) = (P0) +�! (

    ��!P0P ) = (P0) +

    nX

    i=1

    ai�! (

    ��!P0Pi)

    = P0 +nX

    i=1

    ai��������! (P0) (Pi) = P0 +

    nX

    i=1

    ai��!P0Pi = P,

    pelo que é a identidade. ⇤

    Nota 3.10. Uma aplicação afim dum plano nele próprio que fixa 3 pon-

    tos não colineares é a identidade.

    Analogamente temos o seguinte resultado mais geral.

  • 3. APLICAÇÕES AFINS 31

    Proposição 3.11. Se uma aplicação afim : A ! A fixa os pontos

    P0, . . . , Pk 2 A então fixa todos os pontos de hP0, . . . , Pki.

    Em particular, se uma aplicação afim fixa dois pontos distintos P,Q 2 A

    fixa também todos os pontos da recta que passa por P e Q.

    3.3. O grupo afim.

    Proposição 3.12. Sejam A e B espaços afins associados a espaços vec-

    toriais V e W respectivamente. Uma aplicação afim : A ! B é bijectiva

    se e só se a aplicação linear associada�! : V ! W é bijectiva.

    Além disso, se é bijectiva, então �1 : B ! A é uma aplicação afim e

    a aplicação linear associada é

    ��!

    �1 =⇣�! ⌘�1

    .

    Demonstração: Seja P0 um ponto de A.

    Se�! é bijectiva então, para todo o P 2 A e Q 2 B, temos

    (P ) = Q ,�������! (P0) (P ) =

    �����! (P0)Q ,

    �! (

    ��!P0P ) =

    �����! (P0)Q

    ,��!P0P = (

    �! )�1(

    �����! (P0)Q) , P0 +

    ��!P0P = P0 + (

    �! )�1(

    �����! (P0)Q)

    , P = P0 + (�! )�1(

    �����! (P0)Q),

    pelo que, para todo o Q 2 B existe um único P 2 A tal que (P ) = Q.

    Conclui-se assim que é bijectiva e que a sua inversa é dada por

    �1(Q) = P0 + (�! )�1(

    �����! (P0)Q).

    Conversamente, se é bijectiva, então, para todo o v 2 V e w 2 W ,

    temos�! (v) = w , (P0) +

    �! (v) = (P0) + w , (P0 + v) = (P0) + w

    , P0 + v = �1( (P0) + w) , v =

    �������������!

    P0 �1( (P0) + w),

    pelo que, para todo o w 2 W existe um único v 2 V tal que�! (v) = w.

    Conclui-se assim que�! é bijectiva.

    Se é bijectiva então, dados Q0, Q1 2 B, temos

    �!

    ✓������������!

    �1(Q0) �1(Q1)

    ◆=

    �����������������!

    ( �1(Q0)) ( �1(Q1)) =

    ���!Q0Q1,

    pelo que������������!

    �1(Q0) �1(Q1) = (

    �! )�1(

    ���!Q0Q1).

    Conclui-se assim que �1 é uma aplicação afim e que��! �1 = (

    �! )�1. ⇤

  • 32 1. GEOMETRIA AFIM

    Exemplo 3.13. Seja : R2 ! R2 a aplicação afim definida por

    (x, y) =

    "2 6

    2 4

    # x

    y

    !+

    6

    �4

    !.

    A aplicação linear associada a é a aplicação�! : R2 ! R2 dada por

    �! (x, y) =

    "2 6

    2 4

    # x

    y

    !.

    Como

    det

    "2 6

    2 4

    #= �4 6= 0,

    temos que e�! são bijectivas. Sendo A a matriz A :=

    "2 6

    2 4

    #, temos

    (x, y) =

    u

    v

    !, A

    x

    y

    !+

    6

    �4

    !=

    u

    v

    !

    , A

    x

    y

    !=

    u� 6

    v + 4

    !,

    x

    y

    != A�1

    u� 6

    v + 4

    !

    e então

    �1(u, v) = A�1

    u� 6

    v + 4

    !=

    "�1 3/2

    1/2 �1/2

    # u� 6

    v + 4

    !

    =

    �u+ 3/2 v + 12

    u/2� v/2� 5

    !.

    A aplicação linear associada a �1 é a aplicação (�! )�1 : R2 ! R2 dada por

    (�! )�1(x, y) =

    "�1 3/2

    1/2 �1/2

    # x

    y

    !.

    Se A é um espaço afim, o conjunto GAf(A) de todas as aplicações afins

    bijectivas de A nele próprio com a composição de aplicações forma um grupo

    (ver Apêndice ??), denominado grupo afim de A. Com efeito,

    • pela Proposição ??, o conjunto GAf(A) é fechado para a com-

    posição de aplicações;

    • a composição de aplicações é associativa;

    • a identidade idA : A ! A é uma aplicação afim bijectiva e é o

    elemento neutro da composição;

    • pela Proposição ?? os elementos deGAf(A) têm inversa emGAf(A).

    Os elementos de GAf(A) denominam-se isomorfismos afins.

  • CAPÍTULO 2

    Geometria Euclidiana

    1. Espaços afins euclidianos

    Definição 1.1. Um espaço afim A associado a um espaço vectorial real

    V de dimensão finita diz-se um espaço afim euclidiano se em V estiver

    fixo um produto interno.

    No que se segue E é usado para denotar um espaço afim euclidiano

    associado a um espaço vectorial V real de dimensão finita n.

    Definição 1.2. Um referencial R = (O;B) de E diz-se um referen-

    cial ortogonal se B é uma base ortogonal de V . O referencial diz-se um

    referencial ortonormado se B é uma base ortonormada de V .

    Definição 1.3. Dado um hiperplano H = P +W de E, um vector não

    nulo v 2 V diz-se um vector normal a H se v 2 W?. Se v é um vector

    normal a H e v tem norma 1, diz-se um vector unitário normal a H.

    Proposição 1.4. Seja H um hiperplano de E definido em relação a um

    referencial ortonormado R = (O;B) de E pela equação

    (1.1) a1x1 + a2x2 + · · ·+ anxn = b.

    Então, um vector v 2 V não nulo é um vector normal a H se e só se o

    vector de coordenadas vB de v em relação à base B satisfaz

    vB = �(a1, ..., an),

    para algum número real � 6= 0.

    Demonstração: Seja W o espaço das direcções de H e v 2 V um vector

    com coordenadas na base B = {e1, . . . , en} dadas por vB = (a1, . . . , an).

    Seja w um vector qualquer de W e wB = (x1, . . . , xn) as suas coordenadas

    na base B. Note que, como w 2 W , as suas coordenadas satisfazem a

    equação homogénea associada a (??), isto é

    (1.2) a1x1 + a2x2 + · · ·+ anxn = 0.

    33

  • 34 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    Então temos

    hv, wi =

    *nX

    i=1

    aiei,nX

    j=1

    xjej

    +=

    nX

    i=1

    ai

    *ei,

    nX

    j=1

    xjej

    +

    =nX

    i,j=1

    ai xjhei, eji =nX

    i=1

    aixi = 0,

    pois B é uma base ortonormada. Conclui-se assim que v 2 W?. Como

    dimW? = 1, o resultado segue. ⇤

    Definição 1.5. Dado um subespaço afim F = Q + U de E, uma recta

    r = P + L{w} diz-se perpendicular a F se w 2 U?.

    Nota 1.6. Duas rectas r = P+L{u} e s = Q+L{v} são perpendiculares

    se e só se os vectores u e v são ortogonais.

    Definição 1.7. Uma recta perpendicular a um hiperplano H diz-se um

    eixo de H.

    Nota 1.8. Uma recta r = P + L{w} é um eixo de H se e só se w é um

    vector normal a H.

    Definição 1.9. Dois hiperplanos H1 e H2 dizem-se perpendiculares

    se tiverem eixos perpendiculares.

    Proposição 1.10. Seja H um hiperplano de E. Por um ponto P 2 E

    passa um e um só eixo de H.

    Demonstração: ComoH é um hiperplano temos que dimW? = 1 e então

    qualquer eixo de H tem espaço de direções W?. Assim, a recta r = P +W?

    é o único eixo de H que passa em P . ⇤

    Nota 1.11. A Proposição ?? não é verdadeira se substituirmos hiper-

    plano por um subespaço afim arbitrário. Por exemplo, em R4 com o produto

    interno usual, considere-se o plano

    F := (0, 3, 0, 0) + L{(1, 0, 0, 0), (0, 1, 0, 0)}.

    As rectas r := (3, 2, 1, 0) + L{(0, 0, 0, 1)} e s := (3, 2, 1, 0) + L{(0, 0, 1, 1)}

    passam ambas pelo ponto (3, 2, 1, 0) e são ambas perpendiculares a F .

  • 2. DISTÂNCIAS E ÂNGULOS 35

    2. Distâncias e ângulos

    Num espaço afim euclidiano é posśıvel definir a noção de distância e de

    (medida de) ângulo.

    Dados dois pontos P,Q 2 E , a distância d(P,Q) entre P e Q é dada

    por

    d(P,Q) := k��!PQk.

    A função d : E ⇥ E ! R assim definida tem as seguintes propriedades.

    Proposição 2.1. Sejam P,Q,R 2 E pontos quaisquer de E e u 2 V um

    vector qualquer. Então,

    1) d(P,Q) = d(Q,P );

    2) d(P,Q) � 0 e d(P,Q) = 0 se e só se P = Q;

    3) d(P,Q) = d(P + u,Q+ u);

    4) d(P,Q) d(P,R) + d(R,Q) (desigualdade triangular).

    Demonstração: As propriedades 1) e 2) são consequência imediata das

    definições e propriedades de espaço afim e de norma de um vector. A pro-

    priedade 3) é consequência da Regra do Paralelogramo pois��!PQ =

    �����������!(P + u)(Q+ u).

    Finalmente, para provar 4) temos��!PQ =

    �!PR+

    ��!RQ, pelo que

    k��!PQk2 = k

    �!PR+

    ��!RQk2 = h

    �!PR+

    ��!RQ,

    �!PR+

    ��!RQi

    = h�!PR,

    �!PRi+ h

    ��!RQ,

    ��!RQi+ 2h

    �!PR,

    ��!RQi

    = k�!PRk2 + k

    ��!RQk2 + 2h

    �!PR,

    ��!RQi

    k�!PRk2 + k

    ��!RQk2 + 2|h

    �!PR,

    ��!RQi|

    k�!PRk2 + k

    ��!RQk2 + 2k

    �!PRkk

    ��!RQk =

    ⇣k�!PRk+ k

    ��!RQk

    ⌘2,

    onde usámos a desigualdade de Cauchy-Schwarz,

    (2.1) |hu, vi| kukkvk, 8u, v 2 V.

    Nota 2.2. A igualdade em 4) ocorre exactamente quando h�!PR,

    ��!RQi � 0

    e temos igualdade na desigualdade de Cauchy-Schwarz (??), isto é quando

    os vectores�!PR e

    ��!RQ têm a mesma direcção e sentido.

    Definição 2.3. O comprimento de um segmento de recta [PQ] é a

    distância d(P,Q) entre P e Q.

  • 36 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    Usando a noção de distância é posśıvel caracterizar os pontos de um

    segmento de recta.

    Proposição 2.4. Sejam P e Q dois pontos distintos de E. Um ponto S

    de E pertence a [PQ] se e só se

    d(P, S) + d(S,Q) = d(P,Q).

    Demonstração: Seja S 2 [PQ]. Então S pode ser escrito como com-

    binação convexa S = aP + bQ, onde a, b � 0 e a + b = 1. Assim,

    S = P + b��!PQ = Q+ a

    ��!QP , pelo que

    d(P, S) = b k��!PQk e d(S,Q) = a k

    ��!QPk = ak

    ��!PQk,

    e então

    d(P, S) + d(S,Q) = (a+ b)k��!PQk = k

    ��!PQk = d(P,Q).

    Conversamente, se P,Q e S são tais que

    d(P, S) + d(S,Q) = d(P,Q),

    então, pela Nota ??, temos que os vectores�!PS e

    �!SQ têm a mesma direcção

    e sentido. Assim, existe µ � 0 tal que

    �!PS = µ

    �!SQ,

    pelo que��!PQ =

    �!PS +

    �!SQ = (1 + µ)

    �!SQ,

    e então�!QS =

    1

    1 + µ

    ��!QP e

    �!PS =

    µ

    1 + µ

    ��!PQ.

    Conclui-se que

    S = aP + bQ

    com

    a =1

    1 + µe b =

    µ

    1 + µ.

    (note que a+ b = 1) e então, como a, b � 0, temos que S 2 [PQ]. ⇤O produto interno em V permite-nos também definir noções de medida

    de ângulo.

    Definição 2.5. Dadas duas rectas l e m de E, define-se o ângulo

    ](l,m) entre l e m, como sendo o menor dos ângulos ](u, v), onde u éum vector director de l e v é um vector director de m.

  • 3. DISTÂNCIAS ENTRE SUBESPAÇOS AFINS 37

    Assim

    ](l,m) = ↵ 2 [0, ⇡2] com cos↵ =

    |hu, vi|

    ||u|| ||v||.

    Definição 2.6. Dada uma recta l e um hiperplano H, define-se o ângulo

    ](l,H) entre l e H, como sendo

    ](l,H) := ⇡2� ](l,m),

    onde m é um eixo de H.

    Definição 2.7. Dados dois hiperplanos H1 e H2 , define-se o ângulo

    ](H1,H2) entre H1 e H2, como sendo

    ](H1,H2) := ](l,m),

    onde l é um eixo de H1 e m é um eixo de H2.

    3. Distâncias entre subespaços afins

    Para definir o conceito de distância entre dois subespaços afins num

    espaço afim euclidiano E precisamos do seguinte resultado.

    Proposição 3.1. Sejam F = P +U e G = Q+W dois subespaços afins

    de E associados aos subespaços vectoriais U e W respectivamente e tais que

    F \ G = ;. Então,

    i) existe uma recta r = X + L{v} com v 2 U? \W? que intersecta

    F e G;

    ii) para qualquer recta r que satisfaz i), se S e T são os pontos

    S = r \ F e T = r \ G,

    então d(S, T ) d(M,N), para todos os pontos M 2 F , N 2 G.

    Demonstração: i) Como, por hipótese, F \G = ;, o vector��!PQ /2 U+W

    (ver o Teorema ?? sobre intersecções de subespaços afins).

    Consideremos então o subespaço vectorial V0 de V gerado por��!PQ e

    U +W , i.e.

    V0 := L{��!PQ}+ U +W.

    O complemento ortogonal V1 de U +W em V0, i.e. o subespaço

    V1 := V0 \ U?\W?,

    tem dimensão 1 e, como��!PQ 2 V0, podemos escrever

    ��!PQ = u+ w + v, com

    u 2 U , w 2 W e v 2 V1. Como��!PQ /2 U + V , temos que v 6= 0, pelo que v é

    um gerador de V1.

  • 38 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    Seja r a recta r := (P + u) + V1. Pela construção de V1, a recta r é

    perpendicular a F e G. Como u 2 U e w 2 W , temos que

    P + u 2 r \ F e Q� w = P + u+ v 2 r \ G.

    Note que, como r não é paralela a F nem a G, esta recta intersecta F e

    G apenas em P + u e Q� u respectivamente. Conclui-se assim que a recta

    r satisfaz i).

    ii) Suponhamos agora que r é uma recta, cuja direcção é ortogonal a U

    e V , e que intersecta F e G nos pontos S e T respectivamente. Dados os

    pontos M 2 F e N 2 G, temos

    d(M,N)2 = k��!MNk2 = k

    ��!MS +

    �!ST +

    ��!TNk2

    = h��!MS +

    �!ST +

    ��!TN,

    ��!MS +

    �!ST +

    ��!TNi

    = h��!MS +

    ��!TN,

    ��!MS +

    ��!TNi+ 2h

    ��!MS,

    �!ST i+ 2h

    ��!TN,

    �!ST i+ k

    �!STk2.

    Como��!TN 2 W ,

    ��!MS 2 U e

    �!ST 2 U? \W?, esta última expressão reduz-se

    a

    k��!MS +

    ��!TNk2 + k

    �!STk2,

    pelo que

    d(M,N)2 = d(S, T )2 + k��!MS +

    ��!TNk2,

    e então d(S, T ) d(M,N). ⇤Como consequência desta proposição temos que, dados dois subespaços

    afins F e G de um espaço afim euclidiano E , o conjunto de números reais

    D = {d(P,Q) : P 2 F , Q 2 G}

    tem sempre um mı́nimo.

    Definição 3.2. Dados dois subespaços afins F e G de E define-se a

    distância d(F ,G) entre F e G, como sendo o mı́nimo do conjunto

    d(F ,G) := min {d(P,Q) : P 2 F , Q 2 G}.

    Nota 3.3. Claramente d(F ,G) = 0 se e só se F \ G 6= ;.

    Exemplo 3.4.

    1) Pela Proposição ?? e pela Definição ?? temos que em R2 a distância

    de um ponto P a uma recta r é a distância de P ao ponto Q em

    que a recta perpendicular a r que passa por P intersecta r (ver

    Figura ??).

  • 3. DISTÂNCIAS ENTRE SUBESPAÇOS AFINS 39

    R2

    d

    P

    Q

    r

    Figura 2.1. Distância de um ponto P a uma recta r de R2.

    2) Da mesma forma, temos que em R2 a distância entre duas rectas

    paralelas se calcula determinando a distância de um ponto de uma

    das rectas à outra recta (ver Figura ??).

    R2

    d

    P

    Q

    Figura 2.2. Distância entre duas rectas paralelas de R2.

    3) A distância de um ponto P 2 E a um hiperplano H é a distância de

    P ao ponto Q em que o único eixo de H que passa por P intersecta

    H (ver Figura ??).

    4) A Proposição ?? diz-nos que por um ponto P 2 E , não pertencente

    a uma recta r, passa uma recta s que intersecta r e é perpendicular

    a r. Assim temos d(P, r) = d(P,Q), onde Q = r \ s. Note que

    existe apenas um única recta s perpendicular a r que passa em P e

    intersecta r. Com efeito, esta recta s está necessariamente contida

    no hiperplano H que passa em P e é perpendicular a r, e s tem

    de passar no ponto P e no ponto de intersecção Q = H \ r (ver

    Figura ??).

  • 40 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    Figura 2.3. Distância entre um ponto P e um hiperplano

    H de R3.

    Figura 2.4. Distância entre um ponto P e uma recta r de R3.

    5) Dadas duas rectas r, s em, se r e s forem concorrentes temos

    d(r, s) = 0. Se forem paralelas a distância de r a s é dada por

    d(r, s) = d(P,Q), onde P e Q são os pontos em que um hiperplano

    H perpendicular a r e a s intersecta r e s respectivamente. Se as

    rectas forem enviesadas a distância de r a s calcula-se aplicando

    a Proposição ?? e a sua demonstração, ou seja determinando uma

    recta l que seja perpendicular a r e s e que intersecte r e s nos

    pontos P e Q respectivamente. Teremos então d(r, s) = d(P,Q).

    6) Dada uma recta r e um hiperplano H de E , temos r\H = ; se e só

    se r e H forem paralelos e r não estiver contida em H. Neste caso,

    para determinar a distância de r a H, basta determinar um eixo m

    de H que passe por um ponto P de r e teremos d(r,H) = d(P,Q),

    onde Q = m \H (ver Figura ??).

  • 4. DISTÂNCIAS E REFLEXÕES 41

    P

    Q H

    d

    r

    Figura 2.5. Distância entre uma recta r e um hiperplano

    H de R3 que não se intersectam.

    4. Distâncias e reflexões

    Proposição 4.1. Sejam P e Q dois pontos distintos dum espaço afim

    euclidiano E de dimensão n. O conjunto

    H := {X 2 E : d(X,P ) = d(X,Q)}

    dos pontos equidistantes de P e Q é um hiperplano de E (ou seja um sube-

    spaço afim de dimensão n � 1) que passa pelo ponto médio de [PQ] e é

    perpendicular à recta r definida por P e Q.

    Demonstração: Pela definição de H, o ponto médio de [PQ] está em H.

    Fixemos um referencial ortonormado R = (O;B) em E e suponhamos

    que PR = (p1, . . . , pn) e QR = (q1, . . . , qn). Então

    H := {X 2 E : d(X,P ) = d(X,Q)} = {X 2 E : k��!PXk = k

    ��!QXk}

    = {X 2 E : XR = (x1, . . . , xn) comnX

    i=1

    (xi � pi)2 =

    nX

    i=1

    (xi � qi)2}

    = {X 2 E : XR = (x1, . . . , xn) com

    2(q1 � p1)x1 + · · ·+ 2(qn � pn)xn + p21 � q

    21 + · · ·+ p

    2n � q

    2n = 0}.

    Com efeito, note que��!PX =

    ��!PO +

    ��!OX, pelo que

    (��!PX)B = (

    ��!PO)B + (

    ��!OX)B = �(

    ��!OP )B + (

    ��!OX)B = �PR +XR

    = (x1 � p1, . . . , xn � pn)

  • 42 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    e então

    k��!PXk2 = h

    ��!PX,

    ��!PXi2 =

    *nX

    i=1

    (xi � pi)ei,nX

    j=1

    (xj � pj)ej

    +

    =nX

    i,j=1

    (xi � pi)(xj � pj)hei, eji =nX

    i=1

    (xi � pi)2.

    Analogamente, k��!QXk2 =

    Pn

    i=1(xi � qi)2.

    Como P 6= Q, temos

    (q1 � p1, . . . , qn � pn) 6= (0, . . . , 0),

    pelo que um ponto X de coordenadas XR = (x1, . . . , xn) pertence a H se e

    só se (x1, . . . , xn) é solução da equação linear

    2(q1 � p1)x1 + · · ·+ 2(qn � pn)xn + p21 � q

    21 + · · ·+ p

    2n � q

    2n = 0.

    Conclui-se assim que H é um subespaço afim de dimensão n� 1.

    Como o subespaço vectorial U associado a H é definido em relação à

    base ortonormada B pela equação homogénea

    2(q1 � p1)x1 + · · ·+ 2(qn � pn)xn = 0,

    e a recta definida por P e Q tem como espaço de direcções o subespaço

    vectorial W gerado pelo vector v cujas coordenadas em relação à base B são

    vB = (q1 � p1, . . . , qn � pn),

    temos que W? = U , ou seja que r e H são perpendiculares. ⇤

    EH

    P Q

    Figura 2.6. Conjunto H dos pontos equidistantes de P e Q.

  • 4. DISTÂNCIAS E REFLEXÕES 43

    Definição 4.2. Sejam P e Q dois pontos distintos de um espaço afim

    euclidiano E de dimensão n. Ao hiperplano

    H := {X 2 Rn : d(X,P ) = d(X,Q)}

    dá-se o nome de hiperplano mediador (ou bissector) do segmento de

    recta [PQ] (ou de P e Q). Quando n = 2 diz-se que H é a recta mediatriz

    de [PQ] (ou de P e Q).

    Corolário 4.3. Sejam P0, . . . , Pn pontos independentes de um espaço

    afim euclidiano E de dimensão n. Se P,Q 2 E são tais que

    d(P, Pi) = d(Q,Pi), para i = 0, . . . , n

    então P = Q.

    Demonstração: Suponhamos que P 6= Q. Então, pela Proposição ??,

    os pontos P0, . . . , Pn pertencem ao hiperplano mediador H do segmento de

    recta [PQ], pelo que P0, . . . , Pn não geram um espaço afim de dimensão n.

    Nota 4.4. Este corolário diz-nos, em particular, que em R2 um ponto

    fica univocamente determinado pelas suas distâncias a três pontos não co-

    lineares e que em R3 um ponto fica univocamente determinado pelas suas

    distâncias a quatro pontos não coplanares.

    Proposição 4.5. Seja H um hiperplano de E e P um ponto que não

    pertence a H. Então existe um e um só ponto P 0 tal que

    H = {X 2 E : d(X,P ) = d(X,P 0)},

    isto é, tal que H é o hiperplano mediador de [PP 0].

    Ao ponto P 0 da Proposição ?? dá-se o nome de ponto simétrico de P

    em relação a H.

    Demonstração: Existência: Seja r o único eixo de H que passa em P e

    seja M o ponto de intersecção de r com H. Como P /2 H, temos que M 6= P

    e então o vector v :=��!PM é um vector normal a H. Se considerarmos

    P 0 := P + 2v,

    temos que o ponto M é o ponto médio de [PP 0] e que H é o hiperplano

    mediador de [PP 0].

    Unicidade: Se existir outro ponto P 00 como pedido, então, pela Propo-

    sição ??, o vector��!PP 00 é perpendicular a H, pelo que P 00 tem de pertencer

  • 44 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    E

    P

    P¢Q

    H

    Figura 2.7. Pontos simétricos em relação ao hiperplano H.

    ao único eixo r de H que passa em P e o único ponto M tal que r\H = M

    tem de ser o ponto médio de [PP 00]. Assim, temos necessariamente que

    P 00 = M +��!PM = P 0.

    Nota 4.6. Se P 0 é o ponto simétrico do ponto P em relação ao hiperplano

    H então P é o ponto simétrico de P 0 em relação a H.

    Definição 4.7. Seja H um hiperplano de um espaço afim euclidiano E.

    Chama-se reflexão no hiperplano H à aplicacão

    RH : E ! E

    tal que

    RH(S) =

    8<

    :S se S 2 H

    S0 se S /2 H,

    onde, para S /2 H, o ponto S0 é o ponto simétrico de S em relação a H.

    Proposição 4.8. Seja H = Q + W um hiperplano de um espaço afim

    euclidiano E. A reflexão RH no hiperplano H verifica as seguintes pro-

    priedades:

    i) Se P = Q+ w + v, com w 2 W e v 2 W?, então

    RH(P ) = Q+ w � v.

    ii) RH �RH = idE e, em particular, RH é bijectiva.

    iii) Para P, S 2 E temos

    d(P, S) = d(RH(P ), RH(S)).

  • 4. DISTÂNCIAS E REFLEXÕES 45

    E

    RP

    R HPLHR HRLR HQLH H

    Q H

    Figura 2.8. Reflexão no hiperplano H.

    Demonstração: i) Se P /2 H então i) é consequência da demonstração

    da Proposição ??. Se P 2 H, então i) decorre trivialmente de P = Q + w

    com w 2 W .

    ii) Esta propriedade é consequência imediata de i).

    iii) Usando i) temos, para P = Q + w1 + v1 e S = Q + w2 + v2 com

    w1, w2 2 W e v1, v2 2 W?,

    d(RH(P ), RH(S)) = d(Q+w1 � v1, Q+w2 � v2) = k(w2 �w1) + (v1 � v2)k

    e

    d(P, S) = d(Q+ w1 + v1, Q+ w2 + v2) = k(w2 � w1)� (v1 � v2)k.

    Como os vectores w2 � w1 e v1 � v2 são ortogonais, temos

    k(w2 � w1) + (v1 � v2)k = k(w2 � w1)� (v1 � v2)k

    e o resultado segue. ⇤

    Corolário 4.9. Sejam H1, . . . ,Hm hiperplanos de um espaço afim eu-

    clidiano E e RH1 , . . . , RHm as reflexões em H1, . . . ,Hm respectivamente.

    Então a aplicação

    f = RH1 � · · · �RHm

    verifica

    i) d(P,Q) = d(f(P ), f(Q)), 8P,Q 2 E.

    ii) f é bijectiva.

    iii) f�1 = RHm � · · · �RH1.

  • 46 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    w

    v

    -v

    EH

    P

    R HPL

    Q

    H

    Figura 2.9. Reflexão no hiperplano H.

    Demonstração: A afirmação i) resulta imediatamente da Proposição ??

    iii) e da definição de composição de funções. As afirmações ii) e iii) resultam

    de uma reflexão ser bijectiva, da composição de funções bijectivas ser ainda

    bijectiva e de uma reflexão ser a aplicação inversa de si própria.

    Lema 4.10. Seja H = Q+W um hiperplano de um espaço afim euclid-

    iano E e u um vector normal a H. Então, para todo o X 2 E, temos

    RH(X) = X � 2h��!QX, ui

    hu, uiu.

    Demonstração: Se X 2 E então, como dimW? = 1 e u 2 W?, o ponto

    X pode escrever-se como X = Q+ w + �u, com � 2 R e w 2 W . Então,

    RH(X) = Q+ w � �u = X � 2�u.

    Por outro lado, como hw, ui = 0, temos

    h��!QX, ui = h(w + �u), ui = �hu, ui,

    pelo que

    � =h��!QX, ui

    hu, ui

    e o resultado segue. ⇤

    Nota 4.11. O vector

    h��!QX, ui

    hu, uiu

  • 4. DISTÂNCIAS E REFLEXÕES 47

    é a projecção ortogonal do vector��!QX em u, pelo que podemos enunciar

    o Lema ?? da seguinte forma:

    Dado um hiperplano H := Q +W , a imagem de qualquer ponto X por

    meio de RH é o ponto X � 2v, onde v é a projecção ortogonal de��!QX num

    vector normal a H.

    O Lema ?? dá-nos uma forma prática de calcular a expressão anaĺıtica

    de uma reflexão num hiperplano.

    Exemplo 4.12. Consideremos em R4 o hiperplanoH definido (em relação

    ao referencial canónico) pela equação

    (4.1) x� 2z + w = 3.

    O subespaço W das direcções de H é definido pela equação x� 2z +w = 0.

    Como a base canónica é ortonormada em relação ao produto interno usual

    temos

    W = {(x, y, z, w) 2 R4 : h(x, y, z, w), (1, 0,�2, 1)i = 0} = L{(1, 0,�2, 1)}?

    e então o vector u := (1, 0,�2, 1) é normal a H.

    Como as coordenadas do ponto Q := (3, 0, 0, 0) são solução da equação

    (??), temos que Q 2 H.

    Assim, para qualquer ponto X = (x, y, z, w) 2 R4, temos

    ��!QX = (x� 3, y, z, w).

    Como hu, ui = 6, temos, usando o Lema ??,

    RH(X) = (x, y, z, w)� 2h(x� 3, y, z, w), (1, 0,�2, 1)i

    6(1, 0,�2, 1)

    = (x, y, z, w)�1

    3(x� 3� 2z + w)(1, 0,�2, 1)

    = (x, y, z, w)�

    ✓x� 2z + w � 3

    3, 0,

    �2x+ 4z � 2w + 6

    3,x� 2z + w � 3

    3

    =

    ✓2x+ 2z � w + 3

    3, y,

    2x� z + 2w � 6

    3,�x+ 2z + 2w + 3

    3

    ◆.

    Conclui-se assim que RH é a aplicação definida por

    RH(x, y, z, w) =

    ✓2x+ 2z � w + 3

    3, y,

    2x� z + 2w � 6

    3,�x+ 2z + 2w + 3

    3

    ◆.

    Exemplo 4.13. Consideremos, em R3, o plano

    H := (1, 2, 0) + L{(1, 2, 0), (0, 1, 1)}.

  • 48 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    Temos

    L{(1, 2, 0), (0, 1, 1)}? = {(x, y, z) 2 R3 : x+ 2y = 0 e y + z = 0}

    = L{(�2, 1,�1)}.

    Assim, u := (�2, 1,�1) é um vector normal ao plano H, com kuk2 = 6. Es-

    colhendo agora um ponto Q 2 H, podemos determinar a expressão anaĺıtica

    da reflexão em H. Considere-se então Q := (1, 2, 0) 2 H. Para qualquer

    X = (x, y, z) 2 R3, temos��!QX = (x� 1, y � 2, z), pelo que

    RH(x, y, z) = (x, y, z)� 2h(x� 1, y � 2, z), (�2, 1,�1)i

    6(�2, 1,�1)

    =

    ✓�x+ 2y � 2z

    3,2x+ 2y + z

    3,�2x+ y + 2z

    3

    ◆.

    Assim, a reflexão no plano H é a aplicação definida por

    RH(x, y, z) =

    ✓�x+ 2y � 2z

    3,2x+ 2y + z

    3,�2x+ y + 2z

    3

    ◆.

    Exemplo 4.14. Consideremos em R2 os pontos P = (1, 1) e Q = (�1, 3).

    Vamos determinar a expressão anaĺıtica da reflexão na recta m, mediatriz

    de P e Q. O subespaço vectorial associado à recta definida por P e Q é

    o subespaço L{��!PQ} = L{(�1, 1)}, pelo que o vector (�1, 1) é um vector

    normal a m. Por outro lado, o ponto (0, 2) é o ponto médio do segmento de

    recta [PQ]. Aplicando o Lema ?? obtemos, para todo o (x, y) 2 R2,

    Rm(x, y) = (x, y)�2

    2h(x, y � 2), (�1, 1)i(�1, 1) = (y � 2, x+ 2).

    Nota 4.15. No Exemplo ?? não foi necessário determinar a recta m.

    Em geral, para encontrar a expressão anaĺıtica da reflexão num hiperplano

    H mediador de dois pontos P e Q, basta determinar o ponto médio de

    [PQ] e a direção da recta l definida por P e Q. Com efeito, para aplicar o

    Lema ?? basta-nos conhecer um ponto de H e um vector normal a H, que

    neste caso são dados respectivamente pelo ponto médio de [PQ] e por um

    vector director da recta PQ.

    Uma propriedade importante das reflexões é a seguinte.

    Teorema 4.16. Sejam P0, . . . , Pk pontos distintos de um espaço afim

    euclidiano E, com k � 1, e Q0, . . . , Qk pontos de E que satisfazem

    d(Pi, Pj) = d(Qi, Qj), 8i, j 2 {0, . . . , k}.

    Então existe uma aplicação f : E ! E tal que

  • 4. DISTÂNCIAS E REFLEXÕES 49

    i) f é uma reflexão num hiperplano ou uma composição de k + 1 ou

    menos reflexões em hiperplanos de E;

    ii) f(Pi) = Qi, 8i 2 {0, . . . , k}.

    Demonstração: Notemos primeiro que, se Pi = Qi para todo o i 2

    {0, . . . , k}, a afirmação é trivial. Com efeito, neste caso toma-se f = idEpois, para qualquer hiperplano H, temos RH �RH = IdE .

    Caso contrário vamos fazer a demonstração por indução no número m =

    k + 1 de pontos Pi, com i = 0, . . . , k.

    Se m = 2 e supondo, sem perda de generalidade, que P0 6= Q0, con-

    sideremos a reflexão RH0 , onde H0 é o hiperplano mediador de P0 e Q0.

    Então, RH0(P0) = Q0. Se, além disso, RH0(P1) = Q1, então RH0 satisfaz

    as condições pretendidas. Se RH0(P1) 6= Q1, considera-se H1, o hiperplano

    mediador de RH0(P1) e Q1. Então Q0 2 H1. Com efeito, por hipótese,

    temos

    d(Q0, Q1) = d(P0, P1) = d(RH0(P0), RH0(P1))

    = d(Q0, RH0(P1)),

    onde usámos a Proposição ?? - iii) e o facto que RH0(P0) = Q0. Conse-

    quentemente,

    (RH1 �RH0) (P0) = RH1(Q0) = Q0 e (RH1 �RH0) (P1) = Q1,

    pelo que a aplicação

    RH1 �RH0

    satisfaz as condições pretendidas.

    Suponhamos agora o teorema demonstrado para m pontos e vamos

    demonstrá-lo para m + 1 pontos. Sejam então P0, . . . , Pm pontos distin-

    tos de E e Q0, . . . , Qm pontos de E que satisfazem

    d(Pi, Pj) = d(Qi, Qj), 8i, j 2 {0, . . . ,m}.

    Por hipótese de indução, considerando os m pontos P0, . . . , Pm�1 e os m

    pontos Q0, . . . , Qm�1, existe uma aplicação g : E ! E que satisfaz:

    i) g é uma reflexão ou uma composição de m ou menos reflexões;

    ii) g(Pi) = Qi, 8i 2 {0, . . . ,m� 1}.

    Se g(Pm) = Qm, então g é a aplicação pretendida. Se g(Pm) 6= Qm,

    considera-se o hiperplanoHmediador de g(Pm) eQm. EntãoQ1, . . . , Qm�1 2

    H. Com efeito temos

    d(Qi, Qm) = d(Pi, Pm) = d(g(Pi), g(Pm)) = d(Qi, g(Pm)),

  • 50 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    para todo o i 2 {0, . . . ,m � 1}, pois g é uma composição de reflexões,

    (e consequentemente satisfaz a Proposição ?? - i)). Assim, a aplicação

    f := RH � g verifica

    f(Pi) = Qi, 8i 2 {0, . . . ,m}

    e o resultado segue. ⇤

    Exemplo 4.17. Consideremos em R2 os pontos P0 = (0, 0) e P1 = (1, 1)

    e os pontos Q0 = (0, 2) e Q1 = (�1, 3). Como d(P0, P1) =p2 = d(Q0, Q1),

    temos, pelo Teorema ??, que existe uma reflexão ou uma composição de

    duas reflexões f tal que f(P0) = Q0 e f(P1) = Q1.

    Para construir esta aplicação podemos aplicar o processo usado na demon-

    stração do Teorema ?? . Considera-se em primeiro lugar a reflexão Rm na

    mediatriz m de P0 e Q0, isto é, a aplicação Rm : R2 ! R2 dada por

    Rm(x, y) = (x,�y + 2).

    Como Rm(P1) = (1, 1) 6= Q1, determinamos a reflexão na mediatriz l de

    Rm(P1) e Q1, isto é, a aplicação Rl : R2 ! R2 dada por

    Rl(x, y) = (y � 2, x+ 2), 8(x, y) 2 R2.

    A aplicação f := Rl �Rm dada por

    f(x, y) = Rl(x,�y + 2) = (�y, x+ 2)

    satisfaz a condição i) do Teorema ?? e é tal que

    f(P0) = Q0 e f(P1) = Q1.

    5. Isometrias

    Definição 5.1. Seja E um espaço afim euclidiano. Uma aplicação f :

    E ! E diz-se uma isometria (ou moção ŕıgida) se, para quaisquer pontos

    P,Q 2 E, se tem

    d(P,Q) = d(f(P ), f(Q)).

    Nota 5.2. Muitos autores definem isometria como sendo uma aplicação

    bijectiva tal que, para quaisquer pontos P , Q de E se tem

    d(P,Q) = d(f(P ), f(Q)).

    No entanto, como veremos adiante, a bijectividade é uma consequência do

    facto da aplicação manter a distância entre pontos.

    Exemplo 5.3.

  • 5. ISOMETRIAS 51

    (i) (Reflexão num hiperplano.) Uma reflexão num hiperplano H

    é uma isometria (ver a Proposição ??).

    (ii) Pelo Corolário ?? qualquer composição de um número finito de

    reflexões em hiperplanos é também uma isometria.

    (iii) (Translação.) Seja E um espaço afim euclidiano associado a um

    espaço vectorial V e seja v um vector de V . A aplicação Tv : E ! E

    definida por Tv(P ) = P + v, para todo o ponto P de E é uma

    isometria a que se dá o nome de translação por meio de v.

    E

    R

    R+ v

    P

    P+ v

    Q+ v

    Q

    v

    Figura 2.10. Translação associada ao vector v.

    Se E tem dimensão n e R = (O;B) é um referencial de E , então

    sendo vB = (v1, . . . , vn) as coordenadas do vector v na base B e

    XR = (x1, . . . , xn) 2 Rn as coordenadas de um ponto X 2 E no

    referencial R, temos que Tv(X) = X+ v é o ponto de coordenadas

    (x1 + v1, . . . , xn + vn).

    (iv) (Inversão.) Seja E um espaço afim euclidiano associado a um

    espaço vectorial V . Qualquer ponto X de E pode ser escrito na

    forma X = P +��!PX. A aplicação ⇢P : E ! E definida por

    ⇢P (X) = ⇢P (P +��!PX) := P �

    ��!PX

    ou, equivalentemente, pela combinação afim ⇢P (X) := 2P � X,

    para todo o X 2 E , é uma isometria a que se dá o nome de

    inversão de centro em P .

    Com efeito, para quaisquer X,Y 2 E temos

    d(⇢P (X), ⇢P (Y )) = d(P ���!PX,P �

    ��!PY ) = k

    ��!PX �

    ��!PY k

    = (P +��!PX,P +

    ��!PY ) = d(X,Y ).

  • 52 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    Alguns autores chamam reflexão em P a esta aplicação. Uma

    inversão (de centro em P ) num espaço euclidiano de dimensão 2

    chama-se uma meia-volta (de centro em P ).

    E

    P3P

    P

    0

    r HP LP 0

    r HP LP 3

    r HP LP 1

    P1

    Figura 2.11. Inversão de centro P .

    Exemplo 5.4.

    (i) Em R3 a translação por meio do vector v = (3,�1, 12) é a aplicação

    Tv : R3 ! R3 tal que

    Tv(x, y, z) =

    ✓x+ 3, y � 1, z +

    1

    2

    ◆, 8(x, y, z) 2 R3.

    (ii) Em R3 a inversão de centro em P = (1, 2, 0) faz corresponder a

    cada ponto X = P +��!PX o ponto P �

    ��!PX, pelo que é a aplicação

    ⇢P : R3 ! R3 definida por

    ⇢P (x, y, z) = ⇢P (1 + (x� 1), 2 + (y � 2), 0 + z))

    = (1� (x� 1), 2� (y � 2),�z)) = (�x+ 2,�y + 4,�z).

    Vejamos agora uma proposição que generaliza o Corolário ?? - i) a todas

    as isometrias.

    Proposição 5.5. Se f e g são isometrias de um espaço afim euclidiano

    E então a composição f � g também é uma isometria.

    Demonstração: Sejam f e g duas isometrias. Dados dois pontos P,Q 2 E

    temos, porque g é uma isometria, d(P,Q) = d(g(P ), g(Q)) e, como f é uma

    isometria,

    d(f(g(P )), f(g(Q))) = d(g(P ), g(Q)),

  • 5. ISOMETRIAS 53

    pelo que

    d ((f � g)(P ), (f � g)(Q)) = d(P,Q).

    Conclui-se assim que f � g é uma isometria. ⇤Usando esta proposição podemos obter outras isometrias.

    Exemplo 5.6. (Reflexão com deslize.) Se H é um hiperplano de

    um espaço afim euclidiano E associado ao subespaço vectorial W e v 6= 0 é

    um vector de W , a isometria Tv �RH designa-se reflexão com deslize ou

    reflexão deslizante em H por meio de v.

    E

    P

    HT o R LHPL

    v

    Hv

    Q

    HT o R LHQLv H

    H

    Figura 2.12. Reflexão com deslize no hiperplano H por

    meio de v.

    Exemplo 5.7. Em R2 é fácil verificar que a reflexão Rr na recta

    r := (0, 0) + L{(0, 1)}

    é a aplicação Rr : R2 ! R2 definida por

    Rr(x, y) = (�x, y).

    Então a reflexão com deslize em r por meio do vector v = (0,p2) é a

    aplicação Tv �Rr : R2 ! R2 definida por

    Rr(x, y) = (�x, y +p

    2).

    Proposição 5.8. Se H = P + W é um hiperplano de E associado ao

    subespaço vectorial W e v é um vector de W então Tv �RH = RH � Tv.

  • 54 2. GEOMETRIA EUCLIDIANA

    Demonstração: Seja X 2 E . Podemos escrever X = P + w + u onde

    w 2 W e u 2 W?. Pela Proposição ?? - i) temos

    (Tv �RH)(X) = Tv(P + w � u) = P + v + w � u.

    Por outro lado, Tv(X) = P + v + w + u. Como v 2 W , temos que

    Tv(X) = P + (v + w) + u,

    onde v + w 2 W e u 2 W?, pelo que, pela Proposição ?? - i), temos

    (RH � Tv)(X) = P + v + w � u.

    Conclui-se assim que, para todo o ponto X 2 E ,

    (Tv �RH)(X) = (RH � Tv)(X)

    e então Tv �RH = RH � Tv. ⇤

    5.1. Isometrias e Reflexões.

    Proposição 5.9. Se uma isometria f : E ! E fixa n + 1 pontos inde-

    pendentes P0, . . . , Pn de um espaço afim euclidiano E de dimensão n, então

    f é a aplicação identidade.

    Demonstração: Seja X 2 E . Como f é uma isometria e

    f(Pi) = Pi, 8i 2 {0, . . . , n},

    temos

    d(X,Pi) = d(f(X), Pi), 8i 2 {0, . . . , n}.

    Como os pontos P0, . . . , Pn geram o espaço E temos, pelo Corolário ??, que

    f(X) = X. Conclui-se assim que f = idE . ⇤

    Teorema 5.10. Seja E um espaço afim euclidiano de dimensão n. Qual-

    quer isometria f de E pode ser escrita como composição de n+1 ou menos

    reflexões.

    Demonstração: Seja f uma isometria e considere-se n+1 pontos indepen-

    dentes P0, . . . , Pn 2 E . Tomando os pontos Qi := f(Pi), para i = 0, . . . , n

    temos (como f é uma isometria) que

    d(Pi, Pj) = d(Qi, Qj), 8i, j 2 {0, . . . , n}.

    Assim, usando o Teorema ??, sabemos que existe uma isometria g, que é

    uma composição de n + 1 ou menos reflexões, e satisfaz g(Pi) = Qi para

  • 5. ISOMETRIAS 55

    todo o i 2 {0, . . . , n}. Pela Proposição ??, a sua inversa g�1 é também uma

    isometria. Como

    (g�1 � f)(Pi) = Pi, 8i 2 {0, . . . , n},

    conclui-se pela Proposição ?? que g�1 � f = idE e então f = g. ⇤Com este teorema podemos reduzir o estudo das propriedades das isome-

    trias ao estudo das propriedades da composição de reflexões.

    Corolário 5.11. Qualquer isometria é uma aplicação bijectiva e a in-

    versa de uma isometria é uma isometria.

    Demonstração: Seja f uma isometria de um espaço afim euclidiano E

    de dimensão n. Pelo Teorema ?? existem k hiperplanos H1, . . . ,Hk, com

    k n+ 1 tais que

    f = RH1 � · · · �RHk .

    Pela Proposição ?? temos que uma composição de reflexões é uma isometria

    bijectiva cuja aplicação inversa é também uma composição de reflexões e o

    resultado segue. ⇤

    Nota 5.12. Uma vez que a aplicação identidade idE : E ! E é uma

    isometria de E , temos, como consequência da Proposição ?? e do Corolário ??

    que o conjunto de todas as isometrias de E com a composição de aplicações

    forma um grupo (não comutativo). Este grupo é normalmente designado

    por Iso(E). Pelo Teorema ?? tem-se que Iso(E) é gerado pelas reflexões em

    hiperplanos de E .

    Proposição 5.13. O subconjunto T ⇢ Iso(E) formado por todas as

    translações é um subgrupo de Iso(E).

    Demonstração: Dado um grupo G e um subconjunto A ⇢ G, para ver

    se A é um subgrupo temo