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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 3001 A INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PERSPECTIVA DE MANOEL DANTAS 1 Isabela Cristina Santos de Morais 2 Maria Inês Sucupira Stamatto 3 Introdução: Jornal O Povo, Trajetória Jornalística de Manoel Dantas Buscamos os artigos de Manoel Dantas e suas proposições sobre educação considerando a importância de seus escritos neste assunto, para compreender o contexto educacional do Rio Grande do Norte através do viés republicano. Estes artigos, encontram-se registrados no jornal O POVO. Periódico fundado na cidade de Caicó no estado do Rio Grande do Norte por jovens republicanos naturais da cidade. Abordava em suas páginas textos direcionados para a saúde, política, recursos públicos e a temática da instrução pública em pequenas cidades como a de Caicó. Manoel Gomes de Medeiros Dantas, era descendente de Tomáz de Araújo Pereira, um dos antigos colonizadores das ribeiras do Seridó. Filho de Manoel Maria do Nascimento Silva e Dona Maria Miquelina Francisca de Medeiros, os quais faziam parte de famílias tradicionais do Seridó. Foi casado com Francisca Bezerra Dantas, filha do Coronel Silvino Bezerra que era chefe Liberal de Acari. Em Caicó Cem anos atrás, Medeiros Filho escreve: Dr. Manoel Gomes de Medeiros Dantas. Filho do casal Manoel Maria do Nascimento Silva e Maria Miquilina de Medeiros. Neto paterno do Cel. João Gomes da Silva e Luzia Úrsula de Medeiros; materno, de Cristóvão Vieira de Medeiros Júnior e Francisca Umbelina da Silva. Nasceu na freguesia de Sant’Ana do Seridó (Caicó), aos 26 de abril de 1867. Foi casado com D. Francisca Augusta Bezerra de Araújo, filha do casal Silvino Bezerra de Araújo Galvão e Maria Febrônia de Araújo, do Acari (RN). Neta paterna de Cipriano Bezerra Galvão e Isabel Cândida de Jesus; materna, de Cipriano Lopes Galvão (irmão do outro Cipriano) e Ana Marcolina de Jesus (irmã de Isabel) Manoel Dantas faleceu, como prefeito de Natal, aos 15 de Junho de 1924 (MEDEIROS FILHO, 1988. p. 192). 1 Agradecimentos à CAPES pelo apoio financeiro, sem o qual tornaria inviável a participação no evento. 2 Mestranda em Educação, vinculada à linha de pesquisa linha de pesquisa Educação, Estudos Sócio históricos e Filosóficos, Bolsista CAPES do Programa de Pós-Graduação em Educação PPGED/UFRN. E-Mail: <[email protected]>. 3 Doutora em História, pela Université Sorbonne Nouvelle. Professora Titular no Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Central. E-Mail: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 3001

A INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PERSPECTIVA DE MANOEL DANTAS1

Isabela Cristina Santos de Morais2

Maria Inês Sucupira Stamatto3

Introdução: Jornal O Povo, Trajetória Jornalística de Manoel Dantas

Buscamos os artigos de Manoel Dantas e suas proposições sobre educação

considerando a importância de seus escritos neste assunto, para compreender o contexto

educacional do Rio Grande do Norte através do viés republicano.

Estes artigos, encontram-se registrados no jornal O POVO. Periódico fundado na

cidade de Caicó no estado do Rio Grande do Norte por jovens republicanos naturais da

cidade. Abordava em suas páginas textos direcionados para a saúde, política, recursos

públicos e a temática da instrução pública em pequenas cidades como a de Caicó.

Manoel Gomes de Medeiros Dantas, era descendente de Tomáz de Araújo Pereira, um

dos antigos colonizadores das ribeiras do Seridó. Filho de Manoel Maria do Nascimento Silva

e Dona Maria Miquelina Francisca de Medeiros, os quais faziam parte de famílias

tradicionais do Seridó. Foi casado com Francisca Bezerra Dantas, filha do Coronel Silvino

Bezerra que era chefe Liberal de Acari. Em Caicó Cem anos atrás, Medeiros Filho escreve:

Dr. Manoel Gomes de Medeiros Dantas. Filho do casal Manoel Maria do Nascimento Silva e Maria Miquilina de Medeiros. Neto paterno do Cel. João Gomes da Silva e Luzia Úrsula de Medeiros; materno, de Cristóvão Vieira de Medeiros Júnior e Francisca Umbelina da Silva. Nasceu na freguesia de Sant’Ana do Seridó (Caicó), aos 26 de abril de 1867. Foi casado com D. Francisca Augusta Bezerra de Araújo, filha do casal Silvino Bezerra de Araújo Galvão e Maria Febrônia de Araújo, do Acari (RN). Neta paterna de Cipriano Bezerra Galvão e Isabel Cândida de Jesus; materna, de Cipriano Lopes Galvão (irmão do outro Cipriano) e Ana Marcolina de Jesus (irmã de Isabel) Manoel Dantas faleceu, como prefeito de Natal, aos 15 de Junho de 1924 (MEDEIROS FILHO, 1988. p. 192).

1 Agradecimentos à CAPES pelo apoio financeiro, sem o qual tornaria inviável a participação no evento. 2 Mestranda em Educação, vinculada à linha de pesquisa linha de pesquisa Educação, Estudos Sócio históricos e

Filosóficos, Bolsista CAPES do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED/UFRN. E-Mail: <[email protected]>.

3 Doutora em História, pela Université Sorbonne Nouvelle. Professora Titular no Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Central. E-Mail: <[email protected]>.

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Homem do Seridó, nascido no interior do Estado do Rio Grande do Norte, na cidade de

Caicó, de família abastada, teve boa instrução, concluindo seus estudos acadêmicos na

Faculdade de Direito do Recife, onde tornou-se bacharel no ano de 1889. Formado na

academia com o currículo ainda do período Imperial, acompanhou de maneira lúcida a

transição dos modelos de governo Império/República. Apresentamos na Figura 1, Manoel

Gomes de Medeiros Dantas:

Figura 1 – Manoel Gomes de Medeiros Dantas.

Fonte: MEDEIROS FILHO, 1988, p.19.

Ao ter sua educação pautada pelo currículo do período imperial, atingindo a idade

adulta, frequentando âmbito acadêmico em contato com teorias positivistas4 da época, teve

maior possibilidade de discernimento para analisar o contexto sócio-político, e dessa forma,

uniu-se à outros jovens do Seridó para defender o ideário da República como novo regime de

4 O positivismo, depois da morte de A. Comte em 1857, dividiu-se, como se sabe, em duas doutrinas que se tinham por igualmente ortodoxas, a de Pierre Lafitte, que aceita as teorias sobre a organização política e religiosa da sociedade e se transformou numa seita com seu culto (sacramentos, festas e peregrinações) e a de E. Littré que, rejeitando as teorias de Comte sobre a organização política e religiosa da sociedade, conservou alguns princípios fundamentais, como absolutamente fixos e invariáveis. Entre esses princípios figuram a supressão de toda a pesquisa que ultrapassa os fenômenos, a lei dos Estados, a divisão das ciências em concretas e abstratas, e a classificação hierárquica das ciências abstratas, segundo sua ordem de complexidade crescente e de generalidade decrescente. Essas duas correntes em que se dividiu a família de Augusto Comte, depois da morte de seu fundador, estavam então representadas no Brasil, pelos dois grupos, o da Escola Militar, em que predominava a corrente de E. Littré, e o dos civis, em que a escola ortodoxa recrutara maior número de adeptos. O núcleo de elite positivista formado na Escola Militar, sob a influência de Benjamim Constant, cujo primeiro contato com a filosofia de Comte, estabelecido através das disciplinas matemáticas, parece remontar a 1857, filiava-se quase inteiramente à escola de E. Littré, enquanto se mantinha fiel à corrente de Pierre Lafitte, o grupo chefiado por Miguel Lemos e Teixeira Mendes. “Mais de uma vez (escreve Rui Barbosa, referindo-se a Benjamim Constant) na intimidade de expansões com que me honrava, me falou nas excomunhões que o separavam de seus correligionários, declarando-se extremado da ortodoxia e manifestando-me seu insofrimento contra as exigências da igreja politicante”. (Rui Barbosa Conferência pronunciada em 22 de fevereiro de 1893, no Teatro São João, da cidade de Salvador, na Bahia. In: “Discursos e Conferências’. Porto 1921, páginas 343-344). (AZEVEDO, 1976, p. 120/121)

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governo. Aos 22 anos de idade iniciou suas atividades como redator de um jornal, fundado

em Caicó denominado, O POVO.

Estudante da Faculdade de Direito do Recife no curso de Ciências Jurídicas e Sociais,

em 1889, defendia o direito a uma instrução para todos independente de posição social. Este

mesmo ano, demarcava o início instável e não completamente definido da República no País.

Pairavam no contexto histórico-político dissensões acerca das ideologias adotadas pelos

republicanos. Segundo Carvalho (1939):

Como discurso, as ideologias republicanas permaneciam enclausuradas no fechado círculo das elites educadas. Mas seja pelo próprio conteúdo do discurso, seja pelos elementos utópicos, elas acabavam por postular a saída do fechado e restrito mundo das elites, acabavam por defender, cada um a sua maneira, o envolvimento popular na vida política. (...) À época da proclamação da República, essa revolução era o exemplo mais poderoso de explosão popular na arena pública. Era também, de certo modo, o caso dos positivistas ortodoxos. Embora em princípio contrários a movimentos revolucionários, tinham a Revolução de 1789 como marco na história da humanidade e sua visão da sociedade ideal era comunitária e incorporadora. Em menor escala, o modelo liberal poderia também incluir exigências de ampliação da participação. (CARVALHO, 1939, p.10)

No Estado do Rio Grande do Norte não foi diferente. É importante refletir sobre as

ideias que circulavam o contexto político no início da República, compreendendo a formação

do Partido Republicano do Rio Grande do Norte (PRRN). Deste assunto, Spinelli (2010)

afirma, que o primeira organização de partido republicano no RN surge por volta do ano de

1889, em pequeno núcleo, pouco significativo em termos numéricos que dialogavam sobre o

ideário de República. Todavia isto não significa que não tenham existido manifestações

republicanas isoladas durante todo o período do Segundo Império. Spinelli destaca que:

O primeiro núcleo efetivamente organizado foi o Centro Republicano Seridoense (em Caicó, na zona sertaneja algodoeira), fundado em 1886 por um jovem acadêmico de Direito, Janúncio da Nóbrega, sob o influxo das ideias republicanas agitadas nos círculos estudantis de Recife, onde Nóbrega estudava (CASCUDO citado por SPINELLI, 2010, p. 29).

Janúncio da Nóbrega, jovem seridoense, foi contemporâneo de Manoel Dantas e seu

colega na redação do Jornal O POVO. Unindo-se à Janúncio e outras personalidades da

época, como Olegário Vale e Diógenes da Nóbrega, Manoel Dantas aderiu ao movimento

Republicano. Brito e Medeiros Neta mostram que a estrutura do cenário político caicoense do

início da República no Seridó estava organizada da seguinte forma:

Às vésperas da República, o cenário político do Rio Grande do Norte contava com três partidos políticos: o Conservador- dividido entre o "grupo da Botica" e o "grupo da Gameleira"; o Liberal - dividido entre Amaro Bezerra e José Bernardo e o Republicano, liderado por Pedro Velho e Janúncio da

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Nóbrega. No entanto, o Partido Republicano só foi oficialmente fundado no Estado no início de 1889, em Natal, com Pedro Velho, que ainda criou o jornal "A República", para divulgação partidária. (BRITO; MEDEIROS NETA, 2011, p.09)

Na segunda parte do Império, Manoel Dantas aderiu ao partido Liberal sob a

coordenação de José Bernardo de Medeiros, colaborando com o Jornal O POVO, criado para

divulgar os discursos republicanos. E posteriormente adere ao partido Republicano sob a

coordenação de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, corroborando com a divulgação dos

ideais republicanos, escrevendo artigos para o Jornal “A República”, já no fim do século XIX

e início do século XX.

Sobre o início da carreira acadêmica de Manoel Gomes de Medeiros Dantas, Medeiros

Filho (1988) coloca:

Pela penúltima década do século passado, certos fazendeiros caicoenses tiveram a iniciativa de mandar alguns de seus filhos estudarem, no Recife e Bahia, cursos de Medicina e Direito. Tal iniciativa abriu um novo ciclo de atividades na terra seridoense, que teve alargados os seus horizontes intelectuais. Assim (...) O capitão Manuel Maria do Nascimento Silva teve também o prazer de ver um filho, Manuel Gomes de Medeiros Dantas, cursar as ciências jurídicas e sociais, àquela mesma época. (MEDEIROS FILHO, 1988, p. 192)

Ao receber o grau de bacharel no curso de Ciências Jurídicas e Sociais, Manoel Dantas

foi contemplado com um artigo escrito pelos seus colegas de redação do Jornal O POVO

congratulando-o por sua formação. No artigo intitulado: “Manoel Dantas”, publicado na

edição do dia 7 de dezembro do ano de 1890, os redatores do jornal O POVO (1890) afirmam:

Perante a Faculdade de Direito do Recife prestou acto do 5º anno no dia 11 do mez passado, e recebeo gráu de bacharel em sciencias juridicas e sociaes o nosso chefe de redacção Manoel Gomes de Medeiros Dantas. Desde os seos primeiros passos na vida litteraria revelou Manoel Dantas a superioridade de sua inteligência e o amor as lettras (...) Gloria da mocidade seridoense Manoel Dantas entra para a vida publica sob os melhores auspicios, visando um futuro brilhantíssimo. D’aqui lhe enviamos os nossos parabens e nos congratulamos com os seos progenitores por verem tão dignamente coroados os seus esforços. (O POVO, 1890, p. 1)

Em seus artigos, Manoel Dantas, expressava a efervescência de seus ideais sobre

instrução pública, uma temática recorrente em seus escritos para o jornal. Sendo reconhecido

pela sociedade e pelos seus colegas da redação do Jornal O POVO da época pela sua prática

jornalística. Em um texto do jornal O POVO (1890, p. 1), os redatores afirmam que: “Como

jornalista tem sabido imprimir a este humilde periódico uma feição seria e independente e

tem revelado a robustez de sua inteligência, a independência das suas idéas e a seriedade de

seos conceitos”. O reconhecimento pela atuação de Manoel Dantas identificado neste

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fragmento de artigo jornalístico denota a seriedade com a qual encarava a sua função, o que

não passava despercebido pela redação do jornal.

Para os republicanos, a mudança sócio-política e cultural era necessária para que a

nação pudesse progredir. Na cidade de Caicó o movimento político era conduzido por jovens

bacharéis alunos da Faculdade de Direito do Recife: Janúncio da Nóbrega, Olegário Vale,

Diógenes da Nóbrega e Manoel Dantas. Os referidos jovens compreendiam a situação

política do novo regime político instaurado, e expressavam suas ideias na imprensa local.

Manoel Dantas em seu primeiro artigo no Jornal O POVO no ano de 1889 afirmava sobre a

situação política da época:

Quando a nação apresenta signaes palpitantes de fracionamento, quando a anarchia; descendo do alto invadia todas as partes do organismo nacional, quando a descrença e o cansaço emanavam de todos os póros, quando metade da população era victima da fome e da miseria, quando o quadro da vida nacional estava assim carregado das cores mais sombrias, o partido liberal entendeu em seu patriotismo tomar as redeas da administração publica e vir com o seu prestigio, com a sinseridade de seus ostadistas e de suas idéas, proporcionar um remedio ao corpo gangrenado do paiz. (O POVO, 1889, p.1)

A partir da visão de Manoel Dantas, a desorganização e calamidade educacional

prevaleciam em âmbito social, ao fim do império. Os defensores do ideário republicano

defrontavam-se então com uma sociedade majoritariamente analfabeta e parte de uma elite

conservadora.

Paiva e Medeiros Neta (2015) em seu texto “O Rio Grande do Norte e a Escola

Republicana”, analisam a situação educacional observando a escola pública no Rio Grande do

Norte no período republicano. As autoras inserem em seu texto um quadro demonstrativo do

índice de analfabetismo presente na população norte-rio-grandense durante o período da

primeira república.

TABELA 1 ÍNDICE DE ANALFABETISMO NO RIO GRANDE DO NORTE 1890-1920

ESPECIFICAÇÕES 1890 1900 1920

Total 14.333.915 17.388.434 30.635.605

Sabem ler e escrever 2.120.559 4.448. 681 7.493.357

Não sabem ler e escrever 12.213.356 12.939.753 23.142.248

% de analfabetos 85 75 75

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico do Brasil, 1936 In: PAIVA E MEDEIROS NETA,2015, p.88.

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As autoras ressaltam o índice de analfabetismo na primeira República no Brasil,

comparando com os resultados adquiridos com a alfabetização no período Imperial,

concluindo que, apenas 10% a mais da população brasileira foi alfabetizada. Assim sendo não

é lícito ignorar a existência de reformas projetadas para a educação no Brasil e de Escolas no

período do Império, comprovando a existência e atuação do Império para alfabetizar a

população. Afinal, a escola não surge no período Republicano, mas bem antes dele. Azevedo,

afirma que:

Se tivéssemos de classificar a cultura do Brasil dessa época, não pela raiz, mas pela flor, não pelas transformações econômicas e políticas que então se operaram, mas pela classe dirigente que fizera a República e vinha do Império, não se poderia separar em duas, correspondentes aos dois regimes, as fases de evolução da cultura. No período republicano, ao menos até a guerra europeia 1914-1918, projetou-se, de fato, com seus caracteres, o tipo de mentalidade e de cultura que se plasmou na fase colonial e em todo o Império. O mesmo espírito literário e livresco; a mesma falta de audácia construtiva e a mesma preocupação excessiva de fórmulas jurídicas, o de formalismo e de “jurisdicismo”, nas expressões de José Maria Belo. É esse espírito que se reflete na Constituição liberal de 1891 e vai dominar toda a legislação escolar, com exceção da primeira reforma de Benjamim Constant, fortemente influenciada por algumas ideias positivistas. (AZEVEDO, 1976, p.120)

O que ocorre é a necessidade, por parte dos republicanos em divulgar seu projeto de

nação, mostrando para a população apenas as falhas do Império, apontando como solução

para os problemas a educação pautada no Ideário Republicano. Desta forma, necessitavam

propagar seus ideais e atrair o maior número de adeptos possível. Era preciso conscientizar

as pessoas sobre como deveriam se portar perante a mudança de regime político e agir de

maneira a colaborar com a construção de um novo ideal de nação.

Nesse momento, a imprensa foi de grande importância para realizar a propagação dos

ideais defendidos pelos republicanos, reforçando seus argumentos tornando público o que

deveria ser feito para melhorar a situação do Brasil perante essa transição política, com o fim

do Império. Era preciso delinear as ações benéficas que a instalação da república viria trazer

para a sociedade, combatendo o regime anterior demonstrando como havia sido calamitosa a

situação em que a sociedade encontrava-se objetivando com isso tornar cada vez mais

evidente a ineficiência do Império que se refletia na falta de recursos para saúde e instrução.

Por esse motivo, a imprensa ganhou função de destaque, sendo fundados jornais em

pequenas cidades para propagar os ideais republicanos, como foi o caso do Jornal O POVO

situado em Caicó.

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Perante esta conjuntura de transição política, com a falta de recursos para a população,

os artigos sobre instrução escritos por Manoel Dantas buscaram elucidar os leitores do jornal

sobre o estado no qual encontrava-se a instrução do RN, de acordo com as informações dos

republicanos.

Em consonância com este ideário, afirmavam que seria insuficiente uma reforma na

monarquia para resolver os problemas do regime político do Brasil, pois o que viria a

solucionar todos os percalços enfrentados pelo país, seria instaurar uma nova forma de

governar, que estivesse de acordo com os países mais evoluídos.

No artigo “Nós os regeneradores da pátria: ideias políticas no Rio Grande do Norte na

passagem para a República”, ao tratar sobre o cenário político seridoense, Bueno (2009) vem

elucidar que:

O munícipio do Principe (atual Caicó), na região sertaneja, ocupava um lugar importante no cenário provincial. Duas famílias dominavam a politica local, os Batistas (conservadores) e os Medeiros (liberais), que se revezavam no poder municipal, auxiliados pela numerosa clientela proporcionada pelo costume do compadrio (...) Foi o caso do tenente- coronel José Bernardo de Medeiros (BUENO, 2009, p.86).

Para os republicanos era necessário fazer com que as suas ideias se expandissem, para

isso era importante elaborar uma estratégia para que os ideais professados pelos

republicanos saíssem do âmbito estritamente restrito onde se encontravam, ampliando-se

para um público maior.

Mas como levar discussões de cunho político para classes sociais populares, uma vez

que os discursos impregnados de palavras complexas não eram atrativos e nem estavam ao

alcance da compreensão da classe popular naquele momento? Segundo Carvalho:

O extravasamento das visões de república para o mundo extra-elite, ou as tentativas de operar tal extravasamento, é que me interessarão diretamente. Ele não poderia ser feito por meio do discurso, inacessível a um público com baixo nível de educação formal. Ele teria de ser feito mediante sinais universais, de leitura mais fácil, como as imagens, as alegorias, os símbolos, os mitos. (CARVALHO, 1939 p. 10)

Para propagar estas ideias para o mundo “extra-elite”, como coloca Carvalho (1939),

era necessário elaborar estratégias de comunicação que favorecessem isso. Nesse contexto

percebe-se a importância do Jornal como veículo de comunicação que iria contribuir

significativamente para com a expansão dos ideais republicanos para além dos círculos

intelectuais da elite.

O tenente – coronel José Bernardo de Medeiros, observando o entusiasmo dos jovens

bacharéis e tencionando expandir os ideais republicanos e fortalecer a sua posição enquanto

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político republicano no Seridó, buscava novas estratégias para difundir os seus ideais junto

ao povo. Medeiros Filho (1988) apresenta o referido político e a fundação de um jornal na

cidade do Príncipe:

José Bernardo tinha o plano de fundar um jornal no Caicó. A presença daquela plêiade de jovens entusiasta forneceu ao líder político do Seridó o material humano capacitado e necessário à execução dos seus propósitos. Aproveitando a tipografia de J.Renaud, e o dinamismo de outro jovem residente na localidade, Olegário Gonçalves de Medeiros Vale, veio à luz o jornalzinho “O POVO”, cujo primeiro número circulou aos 9 de março de 1889. (MEDEIROS FILHO, 1988, p.7)

Com a fundação do jornal em 1889, Manoel Dantas, que estava então com 22 anos, foi

convidado a fazer parte da redação do periódico e aceitou o convite, destacando-se por sua

escrita e intelectualidade, defendendo arduamente a instrução pública.

A Instrução Pública Delineada Pela Escrita Jornalística de Manoel Dantas

A implementação da República no país suscitou muitos questionamentos acerca da

instrução e a sua função social, o que foi significativamente importante para o surgimento de

algumas leis e reformas em anos posteriores. Enquanto isso, a maioria da população sem

recursos encontrava-se analfabeta e as crianças aderiam muito cedo ao trabalho,

permanecendo ignorantes ou conhecendo o mínimo, como ler e contar. Azevêdo e Stamatto

(2012) afirmam que:

O fato foi que a partir da implantação da República os debates em torno das questões educacionais intensificaram-se no Brasil, resultando em maior destaque para a necessidade da escola primária. Isso se torna evidente na legislação estadual do período e nos discursos oficiais dos governantes. A defesa do ensino primário aparecia relacionada às classes populares. (AZEVEDO E STAMATTO, 2012, p.99)

No início da República muitas eram as reformas previstas para a instrução, tendo em

vista a necessidade de diminuir o alto nível de analfabetismo presente na região do Seridó.

Morais (2004) escreveu sobre a instrução considerando o viés republicano e a sua influência

nos modelos educacionais utilizados na época, bem como o público que tinha acesso a essa

instrução.

O ideal republicano, extravasado mediante sinais universais como as imagens, as alegorias, os símbolos, os mitos, adentrou o Seridó pelas portas da instrução, através dos filhos da elite agrária local, que passaram pelas escolas superiores de Medicina e Direito, nos Estados de Pernambuco e do Rio de Janeiro, centros de circulação e debates de ideias cientificistas de então. Intentavam estes desenraizar o analfabetismo campeante pelo Seridó Antigo, suporte dos mecanismos eleitorais dos votos de cabrestos através de

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coronéis que comandavam a vida pública e privada dos eleitores. Antes da instituição dos Grupos Escolares-símbolo/materialidade da modernidade pedagógica- que começaram a ser construídos no Seridó a partir do ano de 1909, com o Grupo Escolar Senador Guerra, as escolas funcionavam nas próprias casas de fazenda, nas residências dos próprios professores e em salões de prefeituras. (MORAIS, 2004, p. 69)

Um dos fatores que fomentava o entusiasmo pela valorização da instrução pública,

seriam os ideais intelectuais advindos da Europa, que empolgavam as mentes intelectuais do

Seridó. Dentre as mudanças propostas pelos republicanos, estava presente a proposta de

melhoria para a instrução pública. Esta transformaria a realidade e promoveria a

modernização social de acordo com os ideais intelectuais e sociais que regiam a época. Nesse

contexto, Morais (2004) enfatiza que:

Para apagar a escuridão das trevas somente as luzes do saber (quer tenha sido ensinado em casa ou em grupo escolar) podiam operar tamanha grandeza. Ela se fazia de um positivismo exagerado na forma das ideias, no manejo das vontades, na fabricação da ordem social. Sanar os males do analfabetismo e dotar um homem dos hábitos culturais da civilidade correspondia a ensiná-lo a amar e bendizer a pátria, dar-lhe instrução para ver o mundo pelas lentes da escrita, da leitura e das contas, da moral e do civismo. (MORAIS, 2004, p. 70)

Manoel Dantas em um de seus escritos para o jornal O POVO do ano de 1889 destacou

a capacidade do seridoense e a urgência da valorização do ensino para a construção de

sujeitos conhecedores de seus deveres e fortalecimento do patriotismo, concernente com o

ideário de nação republicana.

No artigo intitulado, “A vida sertaneja”: presente e futuro, expressando a sua opinião

sobre a inteligência do povo sertanejo, Dantas (1889) propõe:

O sertanejo é activo e emprehendedor, e a indolencia ou inercia que às vezes se observa em seu caracter não destroe o princípio estabelecido; é uma consequencia da má orientação que elle tem de sua vitalidade. Dêm-lhe os conhecimentos precisos; ponham-no a par do progresso em suas diversas manifestações, e o sertanejo será o modelo typico do povo do trabalho, como esse deve sel-o. Todo nosso mal tem sido não se educar o povo por meio de um ensino proveitoso. (DANTAS, 1889, p.1)

Nesse sentido a instrução apresenta-se, nas palavras de Dantas como sendo necessária

para contribuir com o crescimento e fortalecimento de uma nação melhor, projetada de

acordo com a nova compreensão identitária patriota concebida pelos republicanos.

Partindo da necessidade de se estabelecer um ensino proveitoso, Dantas demonstra

também em seus jornais a realidade em que esta prática era concebida, denunciando em seus

artigos a situação na qual se encontrava as cadeiras de instrução primária da província. No

artigo denominado Instrução Pública, Dantas (1889) afirma:

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Se achamos a instrucção publica atrazada e deficiente em outros pontos do paiz em que existe um arremedo de systhematisação do ensino, em nossa provincia não podemos numa analyse precisa porque o terreno foge-nos debaixo dos pés. Quaes as causas desse atrazo, não podemos por ora apreciar, porque para fase-lo, seria preciso enveredar pela serie de tentativas e desastres, que levaram a província ao estado actual que pouco dista dos tempos de sua independencia. Não contestamos que tem havido boas intenções de melhorar o ensino, mas isso não passa de aspirações de algum espirito bemfazejo que vê-se logo supplantado pela especulação política e partidaria que tem sido sempre o criterio porque se julgam as questões de ensino entre nós. Ha muitos annos que existe uma lei provincial, creando uma Escola Normal, e no entanto deixou-se esquecido esse melhoramento, e continuam as vagas no professorado a ser preenchidas por meio de concursos, nos quaes triumpham, não aquelles que exhibem melhores provas de seu adiantamento, mas aquelles que levam melhores recomendações. (DANTAS, 1889, p.1)

Neste contexto podemos identificar que Dantas apresentava em seus artigos um

cenário onde as oligarquias do Seridó exerciam forte influência sobre as questões de cunho

educacional.

E essa era a situação que prevalecia, como afirma o próprio Dantas. Eram selecionados

não aqueles que apresentavam as melhores provas, comprovando o seu adiantamento, não

era a qualificação, mas sim as melhores recomendações. Neste mesmo artigo Dantas ressalta

ainda outras faltas que colaboraram para a precarização da instrução no RN, chamando

atenção para que a população se manifestasse, demonstrando repúdio perante tal situação.

São várias as denúncias feitas por Dantas em um único artigo, denominado Instrução

Pública.

Antes de tudo é preciso confessar que não sabemos se verdadeiramente temos instruccção primaria, porque quazi que só a conhecemos pelas pautas do Thesouro Provincial e por alguns individuos que se decoram com o titulo de professores publicos. Há no professorado honredas (ilegível...) são tão diminutas que não destroem o nosso conceito. Podem-nos objectar o numero avultado de cadeiras existentes na provincia. Com efeito, rara é a povoação que não tem cadeiras do sexo masculino e feminino; mas com tão grande numero de professores e professoras não conhecemos uma única escola onde haja um curso regular de primeiras letras. Preferiamos antes que houvessem menos cadeiras e pessoal mais habelitado. Produzia melhores resultados. Lamentamos esses factos, mas elles não dispertam a nossa indignação como a desidia, desfaçatez e immoralidade com que se portam alguns professores. (DANTAS, 1889, p.1)

Assim, o autor difunde a ideia da ocorrência de defasagem da instrução primária na

província. Destacaram-se neste trecho a menção à indivíduos que apesar de apresentarem o

título de professor, não encontravam-se suficientemente capacitados para a docência. Como

fator que contribuía para a defasagem escolar, ele aponta a desvalorização do professor

evidente na má remuneração; o número excessivo de cadeiras sem professor que

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provavelmente resultavam das raras aprovações para cadeiras de ensino misto bem como a

falta de um curso de regular de primeiras letras.

Diante disto, Manoel Dantas apontava como solução um maior número de pessoal

habilitado para assumir as cadeiras proporcionando assim a oferta de um ensino primário de

qualidade.

Contudo, Dantas não responsabilizava apenas o poder público, mas ressaltava também

a responsabilidade que deveria ser assumida pelos profissionais que dedicavam-se a

profissão docente, afirmando que estes, deveriam honrar com a sua função. Dantas (1889)

relatou também um caso de um professor que fugiu à sua responsabilidade para com a

docência. Referindo-se aos professores, afirmava:

Elles não são os únicos culpados da desmoralisação do ensino, por conseguinte devem fazer o que estiver em suas forças e ensinar o pouco que souberem. Nenhum, porém tem o direito de abandonar a escola, percebendo o competente ordenado, como fez o professor da povoação de S. Fernando, sem tornar-se um salteador dos cofres publicos. Este senhor, que conseguiu ser professor à custa de protecção, deu um dia d’aula em Outubro do anno passado, outro em novembro, e no corrente anno ainda não se dignou a sahir de sua fazenda para vir attender aos protestos e reclamos que constantemente lhe estão fazendo os paes de familia daquella localidade. E continua a receber o seu ordenado integral sem haver quem denuncie tamanho escandalo! (DANTAS, 1889, p. 1)

Desta forma, Dantas apontava para o fato de que o professor além de assumir uma

cadeira pública de maneira controversa, por meio de apadrinhamento (proteção política), o

referido professor ainda havia cometido o ato de não cumprir devidamente a sua função, mas

apesar disso recebia dos cofres públicos o seu ordenado regularmente. Para o autor esse é

mais um dos fatos que agravaram a situação da instrução primária.

Não obstante o recebimento do ordenado sem cumprir a sua função, o professor ainda

ignorava os protestos dos pais de família da comunidade prejudicada pela sua ausência nas

cadeiras de instrução primária. Neste fragmento fica claramente destacado como o

apadrinhamento desfavorecia o desenvolvimento da instrução pública, e isto é assinalado

pelo exemplo deste professor. Nesse contexto, Dantas (1889) tecia a sua opinião sobre o

assunto:

É tempo de acabar com esse filhotismo com que se desvirtua a nobre missão do professorado, e eleval-o no conceito publico, dando-lhe autonomia e estabelidade, e sobretudo augmentando-lhe os vencimentos, porque é uma extensão vergonhosa ao trabalho alheio gratificar um professor com 500$000 annuaes, quando em outras provincias elles ganham até 2.000$000. As provincias pequenas como a nossa, podem exercer mais immediata fiscalização sobre aquillo que pode constituir a sua força. Se não coonseguem impor-se pela riqueza material, podem fazel-o pela riqueza

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intellectual e moral que é muito mais vasta e muito mais nobre (DANTAS, 1889, p. 1)

Igualmente, manifestava-se contra o fato de que, enquanto alguns profissionais,

irregularmente assumiam vagas em cadeiras de instrução primária, outros perdiam a sua

vaga conquistada através de concurso, como foi o caso de uma professora primária D. Luzia

de França Barros Leal, removida da cidade de Mossoró, para ocupar uma cadeira na

província da cidade do príncipe, que, ao apresentar-se para assumir o cargo, encontrou sua

vaga ocupada por uma senhora chamada Thereza, que adquiriu este posto através de

proteção política.

Apesar de ter procurado as autoridades responsáveis para resolver a situação, a

professora, D. Luiza de França não obteve respaldo em suas reivindicações. Tomando

conhecimento dos fatos Dantas O POVO (1889, p. 2) escreveu um artigo sobre o acontecido

no jornal afirmando categoricamente que: “(...) ella, com grandes sacrifícios, aqui se acha

aguardando destino. A’ alguem que por ignorancia acreditasse em moralidade nos actos da

administração da província, isto bastava para convencer do contrario”.

Numa declaração sobre a instrução primária do Rio Grande do Norte, Dantas (1889)

apresentou uma reflexão sobre o panorama da educação no primeiro ano da república e

sugestões sobre o que deveria ser feito para melhorar essa situação.

A instrucção publica nos sertões, precisa ser bem estudada para ser bem diffundida. Ainda mesmo que o ensino fosse obrigatorio, todos não podiam utilizar-se delle, porque a população é muito disseminada e os povoados muito distantes uns dos outros. Um individuo pobre, e mesmo rico, morando a 8 e 10 leguas de distancia da séde da eschola publica difficilmente mandará o filho frequental-a. Sujeita-se antes a pagar um mestre particular, systhema geralmente seguido. Um meio podia se empregar para fazer chegar a esses lugares longinquos os beneficios da instrucção. Eram os professores ambulantes pagos pelo Estado, como se pratica na Alemanha e nos Estados Unidos. Por esse modo todo e qualquer individuo podia se educar sem sacrificio. É preciso tambem que se estabeleçam escholas para os adultos. Os regulamentos escholares, segundo cremos, só admittem alumnos até os 16 annos, quando muitos nessa idade é que vão a eschola. (DANTAS, 1889, p. 1)

Manoel Dantas situava a instrução pública como um remédio para sanar os males

causados pela ignorância. Para ele, o homem tem uma vida material e outra intelectual e

social. No que refere-se ao intelectual a situação encontrava-se catastrófica levando em

consideração a precariedade da instrução primária. Dantas (1889):

Temos a negligencia imperdoavel, de despresar o melhor tempo para a educação que é o da infancia, em que o espírito está livre de certas preocupações. Mais tarde esses individuos chegados à idade viril, inconscientes talvez do seu destino, sentem pejo em frequentar com as

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creanças, uma eschola publica, e ficam na peior das trevas - a da ignorância. Preferem mourejar continuamente no trabalho e penssam que com isto está cumprida a sua missão na sociedade. Mal sabem elles que o homem tem uma vida material e outra intellectual e social. (DANTAS, 1889, p.1)

Ainda no mesmo artigo, Dantas (1889, p. 1) ressaltava a importância da escola perante

a sociedade afirmando o seguinte “no templo augusto da eschola, que é tanto ou mais sagrado

por ser o templo geral da humanidade, todos os individuos, de todas as classes, de todas as

idades, de todas as cathegorias, têm entrada franca para ouvir a voz da instrucção.”

Além de tratar sobre a instrução primária, Manoel Dantas também escreveu sobre o

Ensino secundário no jornal O POVO. Em um artigo intitulado como, Instrução Pública,

Dantas (1889) citou o colégio Atheneu como sendo na época a instituição que representava o

ensino secundário nesta província:

O ensino secundario é representado pelo Atheneu Norte Rio Grandense, onde ensina-se de modo incompleto o curso geral de humanidades. Alem de ali não haver cadeiras de principios de sentencias physicas e naturaes, e de linguas como o allemão e o italiano hoje exigidas para a matricula em algumas Faculdades, nas aulas, que funcionam, não existem os apparelhos indispensaveis para o ensino pratico, o que é altamente censuravel e deprimente contra os creditos da provincia. Ha alguns annos fundou-se no Atheneu uma Bibliotheca Publica, regularmente organisada, mas o desleixo dos empregados e a mão perversa de alguns indivíduos que não coravam de se enxovalhar com a subtração criminosa de um livro, em breve redusiram-na a um montão informe de papeis velhos que hoje vive despresada a um canto. Não queremos discutir o merito dos professores que formam o corpo docente do ensino secundário em nossa província. Todos elles nos merecem a mais profunda veneração e acatamos o saber e proficiencia com que muitos exercem seu magisterio; mas é força confessar que o ensino no Atheneu Rio Grandense é improficuo e insuficiente pela falta de assiduidade de alguns professores, o que determina a falta de frequencia por parte dos alunnos e a desmoralisação do ensino. (DANTAS, 1889, p.1)

A partir desta afirmação de Dantas (1889) é possível pontuar que, a falta de recursos

dificultavam o bom funcionamento da instrução pública. A seu ver, a falta de imobiliário

adequado e indispensável para o uso; a incompletude do curso geral de humanidades que não

ofertava todas as cadeiras necessárias, como por exemplo a de língua estrangeira como

alemão e italiano, exigidas no contexto da época para a matrícula em algumas faculdades.

Dantas ainda, teceu elogios à fundação da biblioteca do Atheneu, com estrutura

regularmente organizada, mas chamava a atenção para o desleixo dos funcionários e a

perversidade de indivíduos que não preservaram a biblioteca reduzindo-a a um montão de

papéis velhos.

Em sua crítica Dantas mencionou o ensino do Atheneu como improfícuo, porém sem

desqualificar o trabalho dos professores em geral, ressaltando apenas que a falta de

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assiduidade de alguns professores refletia negativamente no ensino do Atheneu, pois causava

a evasão de alguns alunos, citado no trecho como falta de frequência e consequentemente a

desmoralização de uma instituição de ensino secundária que representava o estado do Rio

Grande do Norte.

Traçando um panorama sócio educacional, Manoel Dantas, tecia em seus artigos

opiniões críticas e incisivas acerca da instrução pública, tratando sobre o Ensino Primário,

Secundário e também sobre o Ensino Superior. No artigo intitulado, Cartas acadêmicas,

justificava o motivo da sua reflexão sobre a academia. Pois é onde ele estava inserido no

momento e em sua visão, seria da academia que iriam sair sujeitos que direta ou

indiretamente mudariam a marcha do país. Dantas (1889):

A Academia de hoje representa uma peça mecanica composta de elementos em sua apparencia homogeneos que se desagregam facilmente sem prejudicar a harmonia do todo. O academico actual deixou de formar o élode uma cadeia que se mostrava forte e bem constituida pela cohesão de todos para formar um typo isolado sem nenhum dos laços de solidariedade que prende entre si os membros de uma sociedade. Aqui chegamos e daqui sahimos como pessoas que tivessem pisado por mera phantasia ou simples necessidade, um sólo estranho, e dos companheiros que um dia casualmente encontramos levamos (ilegível.). Antigamente podia haver maior atraso, porém a vida em comum dos academicos era agradavel e boa, e depois de terminado o curso de muitas (ilegivel) estavam formadas de modo que só a morte as podia romper. Hoje, não; a vida academica é um mytho e esse seu estado anomalo, exercendo perniciosa influencia em nosso movimento intellectual, arrancou á Faculdade do Recife um brazão de que se orgulhou por muito tempo ___ o da preponderancia no nosso desenvolvimento litterario. (DANTAS, 1889, p.1)

Nesse artigo, Dantas expressava opinião acerca da Faculdade de Direito do Recife, onde

estudava o curso de ciências jurídicas e sociais. Sentindo-se parte desse contexto educacional,

tecia a sua crítica sobre a situação literária acadêmica que, de acordo com ele perdeu ao longo

do tempo uma parte da sua excelência, ressaltando nesse momento a influência que os ideais

estudados nessa faculdade exerciam sobre os sujeitos lá formados.

A Faculdade de Direito do Recife e sua situação educacional, tornaram-se pauta de

artigo para Dantas, por simbolizar a qualidade de profissionais da elite intelectual do Seridó,

que ao formar-se nos cursos superiores, retornavam ao seu local de origem, onde atuavam

contribuindo intelectualmente com o progresso da sociedade.

Portanto, na visão de Manoel Dantas, a qualidade da estrutura acadêmica desta

instituição e o conhecimento lá estudado refletiria nos discursos e práticas sociais dos

indivíduos que lá estudassem e consequentemente suas práticas reverberariam na sociedade

seridoense.

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O que fica claro no discurso de Manoel Dantas em todos os seus artigos, era a

importância e a profundidade com a qual dedicava-se à temática da Instrução pública. A

importância de um ensino ao qual todos tivessem acesso. Dantas (1889) vem elucidar que:

Apreciando a vida sertaneja debaixo do ponto de vista da instrucção pública, não a consideramos em relação à que é ministrada aos sertanejos pelo poder público, e sim em relação às tendências naturaes que elles têm para esse grande alicerce dos povos e das nações. O sertanejo foi sempre amante da instrucção. (DANTAS, 1889, p.1)

O que Manoel Dantas defendia em seus artigos jornalísticos, simbolizavam o cotidiano

vivenciado no contexto histórico-social da sociedade, que precisava de uma instrução de

qualidade e compreendia a sua real importância todavia, o poder público não disponibilizava

recursos suficientes para a sua existência. Dantas (1889) afirmava ainda que:

Não há um só que desconheça a sua vantagem, e si muitos não a procuram na medida de suas forças, não é porque sejam à ella infenso: fazem-no por uma concepção erronea de sua utilidade. A prova do que dissemos são esses esforços particulares que fazem muitos paes de familia, que não podem mandar os filhos às escholas publicas, procurando um professor particular, e abrindo à sua prole o caminho do saber. O que é lamentavel é olvidarem-se esses bons desejos e não se organizar um systhema de ensino que aproveitasse à todos. O que se tem feito é deixar a instrucção pública correr à revelia; sem habilitações no professorado e sem fiscalização no ensino, de modo que podemos dizer que entre nós não existe instrucção pública, o que não é de admirar quando nas proprias capitaes, que deviam ser mais bem servidas, a instrução pública, é como se costuma dizer, para inglez ver. (DANTAS, 1889, p.1)

Manoel Dantas em suas proposições jornalísticas sobre instrução, referia-se à

erradicação do analfabetismo; Curso primário regular; Ensino Secundário que ofertasse um

preparo melhor para o Ensino Superior; criação de uma Escola Normal com profissionais

devidamente qualificados e a fiscalização do ensino. Defendia um ensino de qualidade, que

ofertasse vagas para que todos pudessem ter acesso, e que a instrução pública fosse

reorganizada.

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