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STENGERS, Isabelle. La proposition cosmopolitique. In : LOLIVE, Jacques ; SOUBEYRAN, Olivier. L´émergence des cosmopolitiques. Paris : Éditions La Découverte, 2007. Da reivindicação por um olhar mais atento aos diferentes modos de habitar o mundo, que envolvam diferentes cosmologias que em algum momento se encontram (sem com isso convergir) e que são tensionadas pelo contato, é com a perspectiva cosmopolítica que Isabelle Stengers desenvolve o texto em questão. Distanciando-se da cosmopolítica kantiana ou do “pensamento antigo“ (a cosmopolítica tem vida própria), e com o apoio de alguns personagens conceituais, como o idiota (remetendo à Deleuze e à Dostoievsky) essa reflexão se propõe a criar uma atmosfera que desacelera os argumentos: é preciso ir mais devagar, com o cuidado para não cair na busca de uma chave universal que seja válida para tudo e para todos. Ela não fala de cosmos como um local unificado, mas sim da possibilidade de pensar a multiplicidade de mundos que emergem como importantes, mas também que em situações específicas trazem à tona tensões, geram mudanças, adaptações. Pensando nessa perspectiva, quando relacionada à mediação de uma ONG, por exemplo, que se pretende detentora da melhor alternativa de “desenvolvimento” para uma determinada comunidade, é importante refletir sobre como as diferentes visões de mundo estão colocadas, no intuito de trazer à tona outras vozes e verdades. Ou seja, mesmo aquilo que não passariam por uma racionalidade ocidental/científica emerge no debate e implica em novas problematizações. Ainda sob esse olhar, mesmo os seres mais inusitados, como outros seres que não os humanos - as coisas, por exemplo, ou seres do mundo espiritual – fazem parte dessa realidade, muitas vezes postas como desafios. Por exemplo, em uma demarcação de terras de comunidades tradicionais, até que ponto o imaterial é aceito? Até que ponto é dificultada a possibilidade de mostrar a veracidade dos fenômenos dos quais se ocupam esses seres, em situações como um processo de demarcação? ******* Ainda de modo a pensar em tal situação, em que sentido a política deve ser estendida a esses outros seres? Como se dá essa imbricação? Como visualizar a política além de um problema de representação dos humanos, de tomadas de posição dos humanos, e sim como uma cosmopolítica, com a representação das coisas? Mas quem fala pelo que? Como esses seres podem ter voz? Quem são seus porta-vozes? E nesse ponto sinto necessidade de um aprofundamento sobre a presença da política: entendendo que a política também está presente em grande medida fora do

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STENGERS, Isabelle. La proposition cosmopolitique. In : LOLIVE, Jacques ; SOUBEYRAN, Olivier. L´émergence des cosmopolitiques. Paris : Éditions La Découverte, 2007.

Da reivindicação por um olhar mais atento aos diferentes modos de habitar o

mundo, que envolvam diferentes cosmologias que em algum momento se encontram

(sem com isso convergir) e que são tensionadas pelo contato, é com a perspectiva

cosmopolítica que Isabelle Stengers desenvolve o texto em questão.

Distanciando-se da cosmopolítica kantiana ou do “pensamento antigo“ (a

cosmopolítica tem vida própria), e com o apoio de alguns personagens conceituais,

como o idiota (remetendo à Deleuze e à Dostoievsky) essa reflexão se propõe a criar

uma atmosfera que desacelera os argumentos: é preciso ir mais devagar, com o

cuidado para não cair na busca de uma chave universal que seja válida para tudo e

para todos. Ela não fala de cosmos como um local unificado, mas sim da possibilidade

de pensar a multiplicidade de mundos que emergem como importantes, mas também

que em situações específicas trazem à tona tensões, geram mudanças, adaptações.

Pensando nessa perspectiva, quando relacionada à mediação de uma ONG, por

exemplo, que se pretende detentora da melhor alternativa de “desenvolvimento” para

uma determinada comunidade, é importante refletir sobre como as diferentes visões

de mundo estão colocadas, no intuito de trazer à tona outras vozes e verdades. Ou

seja, mesmo aquilo que não passariam por uma racionalidade ocidental/científica

emerge no debate e implica em novas problematizações.

Ainda sob esse olhar, mesmo os seres mais inusitados, como outros seres que

não os humanos - as coisas, por exemplo, ou seres do mundo espiritual – fazem parte

dessa realidade, muitas vezes postas como desafios. Por exemplo, em uma

demarcação de terras de comunidades tradicionais, até que ponto o imaterial é

aceito? Até que ponto é dificultada a possibilidade de mostrar a veracidade dos

fenômenos dos quais se ocupam esses seres, em situações como um processo de

demarcação?

*******

Ainda de modo a pensar em tal situação, em que sentido a política deve ser

estendida a esses outros seres? Como se dá essa imbricação? Como visualizar a política

além de um problema de representação dos humanos, de tomadas de posição dos

humanos, e sim como uma cosmopolítica, com a representação das coisas? Mas quem fala

pelo que? Como esses seres podem ter voz? Quem são seus porta-vozes?

E nesse ponto sinto necessidade de um aprofundamento sobre a presença da

política: entendendo que a política também está presente em grande medida fora do

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Estado, como ela está presente nas relações, no cotidiano, seja em termos de

estrutura, mas também de maneira mais processual? É a política uma maneira de

estabelecer um território?

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Outra das ideias de Stengers que me chama a atenção diz respeito à autoridade. Pensando-a em relação às ciências, entendo que a ideia de quebra de hierarquias entre saberes científicos e saberes locais não é no intuito de opô-los, mas de problematizá-los em suas relações. Por exemplo, a visão de que a ciência declara, revestida de sua autoridade, como "real" um fenômeno mais do que outro, a partir de “provas”, o modo pelo qual uma prática é definida como "científica" com respeito a outra prática julgada "não científica", traz fortes implicações.