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IV ENEC - Encontro Nacional de Estudos do Consumo Novos Rumos da Sociedade de Consumo? 24, 25 e 26 de setembro de 2008 - Rio de Janeiro/RJ As transformações da estratégia da marca McDonald´s no contexto de consumo slow food Viviane Riegel 1 ESPM-SP [email protected] Vander Casaqui 2 ESPM-SP [email protected] Resumo A cultura do consumo da marca McDonald´s é o objeto deste artigo, que reflete sobre as transformações percebidas contemporaneamente no design de suas lojas e na composição do seu cardápio. O que tradicionalmente se identificava como prática de alimentação fast food, a partir das mais recentes estratégias mercadológicas que impactam na ambiência e na experiência dos consumidores, desloca-se simbolicamente para estabelecer uma nova proposta de consumo da marca, incorporando simulações da cultura slow food. Dessa forma, discutimos sobre como a negociação simbólica desses discursos antagônicos amalgama sentidos na configuração do imaginário associado à alimentação e à prática cultural proposta por McDonald´s. Palavras-chave: Fast food; espacialidade; consumo simbólico 1 Administradora e professora da graduação de Comunicação Social da ESPM-SP. Mestranda em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP. 2 Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e Docente do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP. 1

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IV ENEC - Encontro Nacional de Estudos do ConsumoNovos Rumos da Sociedade de Consumo?24, 25 e 26 de setembro de 2008 - Rio de Janeiro/RJ

As transformações da estratégia da marca McDonald´s no contexto de consumo slow food

Viviane Riegel1 ESPM-SP

[email protected]

Vander Casaqui2

[email protected]

Resumo

A cultura do consumo da marca McDonald´s é o objeto deste artigo, que reflete sobre as transformações percebidas contemporaneamente no design de suas lojas e na composição do seu cardápio. O que tradicionalmente se identificava como prática de alimentação fast food, a partir das mais recentes estratégias mercadológicas que impactam na ambiência e na experiência dos consumidores, desloca-se simbolicamente para estabelecer uma nova proposta de consumo da marca, incorporando simulações da cultura slow food. Dessa forma, discutimos sobre como a negociação simbólica desses discursos antagônicos amalgama sentidos na configuração do imaginário associado à alimentação e à prática cultural proposta por McDonald´s.

Palavras-chave: Fast food; espacialidade; consumo simbólico

1 Administradora e professora da graduação de Comunicação Social da ESPM-SP. Mestranda em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP. 2 Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e Docente do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP.

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Introdução

Este trabalho apresenta uma análise das transformações da estratégia da marca McDonald´s -

prioritariamente nas mais recentes alterações estéticas da organização de suas lojas -, que sinalizam

um movimento simbólico de deslocamento do imaginário fast para o do slow food. As propostas de

visibilidade da marca, em seus pontos de encontro com os consumidores, objetivam estabelecer um

espaço de convivência mais amplo, alterando o sentido da temporalidade do consumo associado à

rede de alimentação - tradicionalmente identificada com os lanches rápidos e com o fluxo dinâmico

de pessoas.

A partir da construção de uma atmosfera sedutora e de ferramentas publicitárias que fornecem

suporte à marca, o McDonald´s desenvolve uma “mecânica do charme”, que propõe uma

experiência ao consumidor que adentra suas lojas, até então associada a uma cultura de consumo

fast food, que, proporciona ao consumidor uma “sensação de risco” diante desse charme simbólico,

de uma visão de cultura descartável, assim como anônima.

Para os que defendem o movimento de consumo denominado slow food, a rede é uma referência de

sua antítese, da alteridade a ser combatida para afirmação de sua identidade. Mas não somente no

âmbito alimentar McDonald´s é alvo de ataques, como se pode constatar pelo filme Super Size Me.

A marca, vista como símbolo de uma época em que a mercadoria é fetichizada, é atingida por

críticas constantes e reconhecida como “vilã” da sociedade de consumo. Portanto, analisar o

movimento simbólico da marca McDonald´s, da cultura fast para a slow, é fornecer subsídios à

compreensão das tensões dos discursos que circulam na contemporaneidade, associadas à cultura

do consumo. Se identificarmos, neste contexto, uma característica de fluidez, associada à

“modernidade líquida”, considerada a representação maior do “espírito” de nosso tempo, essa

mesma fluidez é tensionada por movimentos de desaceleração, de buscas de suspensão da

fugacidade e de construção de vínculos duradouros. O McDonald´s, dessa forma, expressa a

materialidade desses movimentos contrários, sendo ao mesmo tempo resultante de uma estratégia

mercadológica, e de uma “resposta”, no plano social, à mudança de seus próprios consumidores,

estimulados por discursos que sustentam ideais de alimentação saudável e do culto ao corpo.

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A marca McDonald´s passou por alterações significativas, seja na ampliação de oferta de produtos,

na revisão do seu sistema de fornecimento e produção, ou na ambientação de suas lojas, que

contemplam uma simbologia de relacionamento. A hipótese desenvolvida, portanto, é a de que as

mudanças nas estratégias da marca McDonald´s são uma forma de incorporação de novos

significados relacionados ao consumo alimentar, como negociação simbólica da marca com os

sentidos que a colocavam em situação desfavorável, ante uma cultura emergente que a elegeu como

alvo. Dessa forma, baseamos nossa análise na materialização que representa essa transformação da

experiência com a marca McDonald´s, conforme a análise de Baudrillard da relação entre a

produção e o consumo na sociedade. Como metodologia de estudo, utilizaremos a Análise de

Discurso de linha francesa e conceitos originários da teoria bakhtiniana, para que possamos

concluir sobre as representações da velocidade da produção e do consumo no contexto da

contemporaneidade.

Transformações da estratégia da marca McDonald´s

A marca McDonald´s, reconhecida mundialmente por seus arcos dourados e por suas cores fortes,

amarelo e vermelho, é também a maior representante do conceito conhecido como fast food. A rede

norte-americana, que iniciou sua expansão na década de 50, é sinônimo em qualquer país do mundo

de comida rápida, prática e de alto teor calórico. Para cumprir com essa promessa, os restaurantes

da rede foram estruturados com ambientes que priorizassem o atendimento ágil e que

incentivassem o consumo descartável da experiência de ponto de venda. Todo o conceito de

produção e de atendimento na loja concentra-se em entregar ao consumidor seu pedido no tempo

mínimo possível.

Por mais de 50 anos, consumidores globais criaram sua conexão com o estilo de alimentação do

McDonald´s e garantiram seu crescimento e manutenção, resultando inclusive em uma das marcas

mais conhecidas, que compões o cenário urbano das mais populosas cidades do planeta. No

entanto, esse mesmo consumidor, ao entrar em algum dos restaurantes nesse exato momento, pode

se deparar com uma surpresa, ou mesmo com um estranhamento. O ponto de venda McDonald´s

passou por modificações estéticas sensíveis, que sinalizam uma mudança em seu conceito de

produto, na já tão conhecida proposta de fast food. Ao verificarmos que no hall de entrada de uma

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grande loja da cidade de São Paulo, podemos encontrar móveis de couro – no lugar de antigos

bancos de plástico, em cores sóbrias como preto e marfim, existe uma nova forma de analisar a

construção simbólica da experiência dessa espacialidade.

Figura 1: Hall de entrada da loja McDonald´s na Avenida Bandeirantes, em São Paulo (detalhe do display do Mc Lanche Feliz ao lado das poltronas e da mesa de centro de couro).

Fotos registradas em 03 de agosto de 2008, por Viviane Riegel.

Seria essa uma nova forma de traduzir para a marca McDonald´s um movimento simbólico de

deslocamento do imaginário fast para o do slow food? Percebe-se a negociação simbólica que

existe entre esse dois “mundos”. Ao lado do aconchegante lounge está o display de brinquedos

colorido, que representa a marca. Sendo assim, é possível conectar imagens como a do palhaço

Ronald McDonald, com o ambiente de decoração semelhante ao de empreendimentos imobiliários

contemporâneos, deslocando os signos de requinte estético, com significado de acolhimento,

passando a representar um repertório comum entre o ponto de venda McDonald´s e outras

visualidades que são relacionados à idéia de conforto e aconchego.

A partir de encontros simbólicos, a marca oferece novas propostas de visualidade, criando pontos

de encontro (DI NALLO, 1999) de estilos de consumo e de experiência. Nesse processo

interacional e dialógico, o McDonald´s mobiliza signos pré-construídos dentro de um contexto

sócio-cultural, e conecta-os à memória de seu próprio discurso, dentre outros discursos presentes na

sociedade. A marca, portanto, pode expor seus valores na organização desses signos, estabelecendo

um espaço de justaposição do tempo presente, que ressemantiza o passado, independente do seu

contexto, assim como o próprio conceito de diversão que está relacionado à sua experiência de

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consumo. Uma vez que é possível combinar a figura lúdica de Ronald McDonald às imagens do

início do século XX da principal avenida da cidade de São Paulo (ver figura 2), demonstra-se a

composição de uma cultura descartável a partir da contemplação do tempo que passou, e que

carrega todo o imaginário simbólico dos consumidores em um claro movimento de localização. A

história da cidade aqui se funde com o personagem da história da marca, e lado a lado, as imagens

compõem esse novo território, que comunica nostalgia e felicidade, ambos com o olhar do presente,

do imediato, e do descartável.

Figura 2: Painéis da loja McDonald´s na Avenida Paulista, em São Paulo (painel com fotos antigas da Avenida Paulista ao lado do painel do Mundo Feliz de Ronald McDonald).

Fotos registradas em 04 de agosto de 2008, por Viviane Riegel.

A partir dessa alteração, dá-se um novo sentido da temporalidade do consumo da alimentação

rápida, que passa a ser comedidamente mais “lenta”. A experiência passa a ser mais contemplativa

do que somente descartada, o fluxo de pessoas desacelera, e a tradição da urgência no consumo é

revertida para o aproveitamento desse novo espaço e de seus elementos atrativos. Sendo assim, ao

olharmos para todos os recursos estéticos utilizados pelo ponto de venda do McDonald´s –

elementos que produzem um efeito de sentido de incorporação de traços humanos, por meio de

estratégias mercadológicas (HAUG, 1997) - percebemos um território que mistura fantasia e

entretenimento, símbolos que buscam tanto divertir, quanto seduzir, e acolher os consumidores,

fazendo com que vivenciem a cultura da própria marca, como um universo único, à parte do mundo

real, mas também com que eles se sintam atraídos pelas sensações que experimentam na loja, e

retornem para repetir a experiência. Não somente a rede de fast food americana mistura diversos

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estilos, criando uma cultura de descartabilidade e de diversão, ao mesmo tempo em que oferece

conforto, como também trabalha com a ludicidade de diversos signos, sendo conectada à

descontração, seja da folga do trabalho, no momento do almoço rápido, em que é possível afrouxar

o nó da gravata, seja no fim-de-semana, quando a família ou os amigos se reúnem e vão ao

McDonald´s. Essa significação do mundo do trabalho, representado pelo seu momento de

suspensão – a folga – é uma figurativização constantemente reforçada pelo discurso publicitário de

McDonald´s (ver figura 3). Nesse caso, a marca se configura como símbolo do lugar onde os

adultos podem se tornar crianças, a partir do sentido lúdico construído em seu território de

consumo, tanto em sua espacialidade, como na sua “visualidade e comunicabilidade” (FERRARA,

2007, p. 13).

Figura 3: Cena do filme “China Menu”, agência Taterka, 2008.Fonte: www.youtube.com/watch?v=RM5e6I1_9v0

O contexto e a atmosfera são fatores utilizados para alimentar o imaginário do consumidor, a partir

de elementos que compõem as experiências perceptivas do indivíduo (BARTHES, 1978). Sendo

assim, a construção de uma atmosfera sedutora a partir de ferramentas publicitárias, corresponde à

“mecânica do charme”, composta de crenças e emoções que fazem com que o momento de

consumir o Big Mac seja desejado, não porque ele alimenta exatamente a forme, mas a alma, pois

funciona como uma aproximação do que se quer viver e até como uma fuga de onde não se quer

estar.

Nessa relação entre o produto vendido pelo McDonald’s – comida rápida – com todo um modo de

vida embalado para consumo que se constituiu a partir da emergência daquilo que foi denominado

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de “tempo do fast food”, percebe-se, claramente, como o novo paradigma da produção capitalista

tornou-se um sistema de mercadorização da cultural. A marca publicitária intensifica esse lugar,

especialmente porque ela é um sintoma daquilo que provocou esse esvaziamento: um novo estágio

do capitalismo marcado por aceleração e descartabilidade permanentes.

Os fast food atraem muitos usuários pela repetição que contêm. A repetição é a face atraente, pelo

menos para os turistas, da homogeneidade, do não-lugar (AUGÉ, 1994). Graças à repetição, os fast

food tranqüilizam os turistas confundidos pelo desconhecido, da mesma forma que as crianças, seus

dois clientes preferenciais. Eles representam um lugar de repouso, reproduzindo a sensação do

familiar, de estar no conhecido. Mesmo os que não freqüentam os fast food em suas cidades de

origem, buscam-nos quando se encontram em uma grande cidade turística.

“São lugares, portanto, percebidos como ilhas de território conhecido em meio ao desconhecido, pontos de referência na trajetória itinerante criado pelo turismo no seu movimento de circulação. Nessa circulação, que tem um tempo normalmente pré-determinado, os restaurantes fast food criam uma territorialidade fixa que compensa as incertezas das derivas. Eles passam a ser percebidos como se fossem moradas, sinalizam outros espaços menos dominados.” (RIAL, 1992, p. 15)

À deriva, os indivíduos experimentam, paradoxalmente, a sensação de liberdade sob uma

ordenação generalizada. É nesse território simbólico que as identidades passam a ser construídas

conforme a aquisição de objetos, cada vez mais transitórios, causando tanto o risco da perda de

solidez, e, portanto uma sensação de risco, como coloca RIAL (1992), quanto a fragmentação,

caracterizada pelo desejo inextinguível do novo (SARLO, 2000), ou do facilmente descartável.

A fluidez e efemeridade das identidades, dentro de uma forma de consumo são características da

menor cultura comum, com a utilização de modelos de comportamento (BAUDRILLARD, 2007).

O que poderia ser mais simples do que o consumo do “número 1”, que já está pronto para atender

ao desejo do indivíduo por um significado imediato? Ainda assim, o indivíduo mantém escolhas,

por meio das diferenças que estabelece nesses modelos, na busca pela definição do eu pela

liberdade que sente ao consumir (BARBOSA & CAMPBELL, 2006). Reconhecendo que existe

transitoriedade nas práticas de consumo, pois os consumidores estão sempre ávidos por novidades,

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passamos agora a pensar no novo contexto simbólico de consumo em que está inserida a marca

McDonald´s na atualidade.

O novo contexto de consumo: do fast food para o slow food

Em 2004, o diretor Morgan Spurlock tornou-se conhecido após a estréia de seu famoso

documentário que atingiu milhares de pessoas no mundo inteiro, sobre a rede de fast food, o

McDonald’s. Super Size Me trata dos malefícios que a fascinação da população norte-americana

por fast food acarreta. Grande símbolo da alimentação não saudável, e dos problemas de saúde de

sua nação de origem, a rede é alvo de diversas outras críticas sobre a sua atuação no mercado.

“Explora crianças, usando-as como sujeitos mais suscetíveis à propaganda; além disso, uma

consistente dieta com comida do McDonald’s contribui para o risco de doenças no coração”.

(KLEIN, 2002, p. 390).

Figura 4: Protesto em frente a loja do McDonald´s na Coréia do Sul, com pessoa vestida de Ronald McDonald, segurando um cartaz que diz “comida rápida = morte rápida”

Fonte: STR para o banco de imagens CORBIS

Esse sentido negativo em relação ao McDonald´s também pode ser constatado na imagem abaixo,

onde a figura do palhaço Ronald McDonald (ver figura 4), como personificação da marca, é suporte

para a veiculação de uma equação que se propõe “denunciadora”: “fastfood = fastdeath”3. Tanto a

visão do palhaço que persuade as crianças a uma alimentação não saudável, como os resultados

3 Comida rápida = morte rápida

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prejudiciais à saúde humana dessa prática, que levariam a uma degradação do corpo, são

argumentos utilizados para combater o consumo dos produtos McDonald´s, representantes

máximos da categoria de alimentação também pejorativamente denominada junk food. Ativismo

social e argumentos científicos convergem no embate à marca.

Críticas como a de Naomi Klein (2002, p.6), sobre a forma como os produtos passam a ser

vendidos como conceitos, e a marca como experiência, como estilo de vida, denunciam uma

estratégia elaborada e criativa de interagir e conquistar o consumidor, criando experiências lúdicas

e cativantes, que quebram as barreiras entre conteúdo e publicidade, e que adentram o imaginário

dos consumidores. Sendo assim, a cultura visual é muito valorizada no fast food, pois se come o

hambúrguer verdadeiro olhando para sua imagem fotográfica, que é maior, mais colorida e mais

apetitosa do que o hambúrguer real (RIAL, 1996).

Figura 5: Foto nº 1, à esquerda, retirada do site do McDonald´s ; foto nº 2, à direita, tirada pela autora,

Viviane Riegel.Fonte: http://nutrition.mcdonalds.com/bagamcmeal/bagMeal.do

Foto registrada em 05 de agosto de 2008, por Viviane Riegel

O conceito fast food, relacionado à produção da alimentação de McDonald´s, representa a versão

taylorista / fordista da culinária, a divisão e a racionalização do trabalho, que se contrapõem ao

trabalho artesanal, “artístico”, dos restauranteurs. Equipes reduzidas e sem qualificação especial

devido aos baixos salários; equipamentos adaptados a procedimentos padronizados, entre outras

condições da esfera da produção, encontram correspondência no âmbito do consumo, onde o tempo

destinado à alimentação se subdivide em outras atividades cotidianas e/ou profissionais. É comum

ver o consumidor de McDonald´s partilhar o tempo para comer com outras práticas, como falar ao

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celular, ouvir música em MP3, ler o jornal ou estudar para uma prova; ou ainda dar continuidade,

paralelamente, à sua atividade profissional, suprimindo a pausa necessária à manutenção da força

de trabalho. São práticas que caracterizam tempo e espaço multifuncionais e inter-relacionados a

diversas formas de conexão, tanto com a produção dos próprios sanduíches, quanto por meios

eletrônicos que criam um ambiente de relacionamento real e virtual (FLANDRIN &

MONTANARI, 1998). Consumidores efetivos ou imaginários incorporaram o sistema fast, em que

a tecnologia é o meio, a velocidade é o ritmo, e a novidade é o impulso. As estratégias

mercadológicas refletem e refratam essas práticas em sua produção de representações, a fim de

constituir identificações e se inserir no cotidiano de seus públicos, no processo de negociação

simbólica com o imaginário social de sua época.

O fast food é um dos grandes ícones desse consumo com prazo de validade que sempre se repete —

um sanduíche, um sundae ou uma porção de batatas fritas têm validade imediata e em poucos

minutos deixam de existir como produto, seja pelo consumo seja pelo descarte. Para a renovação da

experiência, que necessita constantemente encantar por meio de seus elementos estéticos, o

McDonald´s propõe alterações constantes que proporcionem entretenimento, como as campanhas

promocionais do Mc Lanche Feliz ou os protetores de bandeja com jogos e curiosidade, que

mudam mensalmente. Ao mesmo tempo, a negociação dos significados propostos pelo consumo

passa a ser uma demanda dos consumidores, ávidos por novidades na composição dos produtos e

por novas imagens para a composição de um personnal lifescape, uma licença poética inspirada por

Appadurai (1999), para mostrar como a produção identitária dentro da experiência de consumo é

composta pelos panoramas imaginários dentro do território da marca. Esses panoramas estão em

constante mudança e abrangem estilos de vida presentes em diversos lugares no mundo, dentro de

contextos culturais específicos, mas também dentro de um significado único. Esse espaço

localizado e mundializado pelo consumo é percebido como “a aceleração dos processos globais, de

forma que se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, que os eventos em um

determinado lugar têm um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande

distância.” (HALL, 2006, p. 69)

Diante da compreensão das tensões dos discursos que circulam na contemporaneidade, associadas à

cultura do consumo, a partir da rapidez e da descartabilidade dos produtos, assim como de uma

constante mudança da própria identidade, que marcam a fluidez associada à “modernidade

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líquida” (BAUMAN, 2000), podem ser verificados movimentos de desaceleração, de buscam a

suspensão da fugacidade e a construção de vínculos duradouros, que possibilitem uma melhor

qualidade de vida, a preocupação com a permanência, muito mais do que com uma simples

passagem. Dessa forma, surgem movimentos que buscam contrapor o ritmo frenético do fast food,

para estabelecer uma alimentação saudável, que seja prazerosa e ao mesmo tempo responsável.

O movimento internacional slow food foi iniciado oficialmente quando representantes de 15 países

endossaram um manifesto, escrito por um dos fundadores, Folco Portinari, em 09 de novembro de

1989:

“O Slow Food é uma associação internacional sem fins lucrativos fundada como resposta aos efeitos padronizantes do fast food; ao ritmo frenético da vida atual; ao desaparecimento das tradições culinárias regionais; ao decrescente interesse das pessoas na sua alimentação, na procedência e sabor dos alimentos e em como nossa escolha alimentar pode afetar o mundo”. (PORTINARI, 1989).

Segundo o manifesto desse movimento, temos um modo de vida “doentio”, o fast life, que nos

“obriga a comer fast food”. Sendo assim, o discurso slow food busca uma cura a esse processo que

considera maléfico à saúde, por meio do prazer duradouro e progressivo. A partir desse novo

contexto sócio-cultural e das críticas diretamente relacionadas a sua marca, a organização

McDonald´s fez modificações na sua estratégia mercadológica, de forma a dar uma “resposta”, no

plano social, à mudança de seus próprios consumidores, estimulados por discursos que sustentam

ideais de alimentação saudável e do culto ao corpo. Se a bandeja tradicional de produtos era

marcada por sanduíches, batata frita, nuggets e refrigerantes (bandeja da esquerda da figura 6), hoje

é possível consumir no McDonald´s uma refeição composta de salada com frango grelhado, iogurte

com cereais e água de coco (bandeja da direita da figura 6).

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Figura 6: Bandejas com lanches tradicionais da marca McDonald´s: Big Mac e Quarterão; segunda bandeja com salada, frango grelhado, água de coco e iogurte com cereais.Fotos registradas em 05 de agosto de 2008, por Viviane Riegel.

As mudanças, no entanto, não ficaram restritas ao cardápio e à oferta de alimentação, mas também

invadiram agora o próprio território simbólico do ponto de venda McDonald´s (figura 7). A partir

da reformulação da identidade visual de seus espaços de convivência e consumo, a rede trocou seus

bancos de plástico por bancos de couro, colocou mesas de madeira, e agregou espaços de

relacionamento, para que o consumidor incorpore um novo sentido de temporalidade e de ocupação

do espaço.

Figura 7: Mesas da loja McDonald´s na Avenida Bandeirantes, em São Paulo.Fotos registradas em 03 de agosto de 2008, por Viviane Riegel.

Agregando tanto uma alimentação mais saudável, como uma proposta de prazer mais duradouro, o

McDonald´s passa a utilizar associações pertencentes ao movimento que se coloca como sua

antítese. Diante de uma negociação simbólica entre fast e slow food, a marca oferece uma nova

proposta de experiência para um novo contexto cultural.

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O McDonald´s agora é slow food?!

Diante das mudanças no seu cardápio, seja pela já tradicional adaptação a gostos locais, e traços

culturais, ou pela ampliação de produtos mais saudáveis e com processos de produção que

diminuam seu teor de gordura e açúcares, o McDonald’s iniciou um processo de transformação,

que pode ser considerada uma resposta às principais críticas aos símbolos da globalização e do junk

food, mas também é uma nova forma de estabelecer uma estratégia competitiva diante do novo

cenário que se estabeleceu nos últimos anos.

Para consolidar as modificações de sua estratégia, o McDonald’s faz uma transformação na sua

comunicação, com a inserção da campanha Amo Muito Tudo Isso em 2003, mas principalmente

com a nova ambientação de seu ponto de venda, território de experiência do consumidor com a

marca. Os novos elementos estéticos presentes nessa mudança contêm uma simbologia de

relacionamento, de desaceleração do ritmo rápido normalmente relacionado à marca e aos seus

produtos. Cores claras, no lugar do amarelo e vermelho vibrantes, madeira e tecido no lugar do

plástico, luz indireta no lugar de um ambiente claro e vibrante, eis os principais elementos que

compõem uma nova estética do ponto de venda do McDonald’s e que transformam a identidade da

marca, assim como a experiência e o processo de construção identitária dos seus consumidores no

momento de interação com essa nova espacialidade. Uma vez que o espaço do ponto de venda é

uma importante fonte de comunicação com a marca, tal mudança resulta em uma nova forma de

traduzir os signos que fazem parte da estética do ponto de venda, transformando assim as imagens

que fazem parte do próprio processo de fetiche de consumo da experiência de consumo dessa

marca (FONTENELLE, 2002).

Mas será que a invasão de elementos estéticos e símbolos que normalmente estão relacionados ao

conceito slow food não seriam uma surpresa, ou não causariam estranhamento ao consumidor do

McDonald’s? Será que a principal rede de fast food do mundo teria mudado sua estratégia para um

novo conceito de alimentação? Para a primeira questão, faz-se necessária uma investigação da

percepção dos consumidores sobre as mudanças, para verificar se existe ou não aceitação e

adequação dessa nova experiência ao seu imaginário. Já para a segunda questão, e possível verificar

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uma polifonia de diferentes discursos (MAINGUENEAU, 2008), que são provenientes de

narrativas que correspondem a memórias discursivas distintas.

A cultura fast food tem homologia nas duas esferas, da produção e do consumo. No que se refere ao

sistema produtivo, fast corresponde a procedimentos padronizados, especialização de mão de obra,

velocidade e simplificação da preparação dos alimentos. As funções exercidas pelo trabalhador não

requerem habilidades que transcendam o mero cumprimento de ações previstas em roteiros pré-

estabelecidos, em uma equação entre fatores econômicos e gastronômicos, organizada

estrategicamente em função do primeiro. Já o consumo fast significa alimentação conveniente,

prática, “simples”, no sentido de dispensar ritos, práticas, etiquetas relativas à alimentação

contemporaneamente identificada com o slow food. A experiência McDonald´s, nesse sentido,

identifica-se desde sua origem com essas características, como o conceito do drive thru, desde a

década de 1950 incorporado a essa marca, como símbolo da equalização entre o comer e a prática

de outras atividades simultâneas.

De maneira antagônica, a cultura slow food se funda nos mesmos princípios de McDonald´s, não

para seguí-los, mas sim para demarcar a sua identidade discursiva; assim, cada uma das categorias

relativas ao fast encontra correspondência contrária nas narrativas que versam sobre a prática da

alimentação slow. Essa relação de contrários, quando observada a partir da maneira como as lojas

de McDonald´s transformam o seu design atualmente, revela um campo intermediário que ainda

não havia sido explorado pela marca até então identificada unicamente pela cultura fast. Esse é o

caráter de novidade na sua comunicação (ver figura 8). As ações de deslocamento para a cultura

slow, nos elos que se sucedem nessas cadeias discursivas (BAKHTIN, 2003, p.296), caracterizam-

se como responsivas, ou seja, são compreendidas na relação intertextual, no diálogo que resulta em

uma clara estratégia de negociação simbólica com os discursos presentes em determinado contexto

cultural, onde McDonald´s deixou de se sustentar unicamente pelo apelo ao prazer instantâneo e

descartável. Cuidar da saúde, vivenciar o momento de maneira menos fugaz, buscar o equilíbrio,

rejeitar práticas que se identificam com um passado recente de desapego a esses valores

“novos” (obviamente, se vistos a partir do prisma do imaginário anterior de McDonald´s),

ressemantizadas para servir à recuperação valorativa do que representa a alimentação outrora

simplesmente reconhecida como fast. Nesse diálogo, incorporar o discurso do outro para servir à

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sua constituição identitária pode produzir o estranhamento de ver o revestimento slow para a

cultura do descartável. Assim como pode proporcionar um esvaziamento de tensões, uma certa

tranqüilização para um consumidor inquieto em relação aos discursos que tratam de

autopreservação, de vida saudável, da idéia de equilíbrio identificados com as práticas de consumo

que ganham visibilidade crescente na contemporaneidade.

Figura 8: Nova loja do McDonald´s em LondresFonte: Steve Forrest, para artigo do The New York Times

Sendo assim, configura-se uma negociação simbólica da marca com os sentidos que a colocavam

em situação desfavorável, ante uma cultura emergente que a elegeu como alvo. Antes, o

McDonald’s oferecia uma promessa despida de status, mas vestida de familiaridade e

confiabilidade em seus produtos. O estilo da rede de restaurantes se enquadrava, de forma geral, no

estilo de vida das populações urbanas ao redor do mundo, com uma alimentação descartável que

representava a conveniência de milhões de indivíduos. Portanto, se a construção da imagem

publicitária da marca vai ao encontro do estilo de vida dos consumidores e acompanha as

transformações sócio-culturais pelas quais eles passam, outros sentidos fazem parte do novo

contexto de comunicação da marca.

“As adaptações estilísticas ou pequenas incorporações culturais da empresa em alguns pontos estratégicos são apenas alusões, insígnias mínimas que denotam o cuidado e a atenção da empresa para com a simbologia do mercado consumidor local e a necessidade de incorporá-lo de alguma forma, seja para relativizar a rigidez de sua estrutura funcional, seja para amaciar resistências bairristas ou ainda para tirar melhor proveito mercadológico de cada situação”. (BARBOSA, 2000, p. 81)

A transformação da experiência com a marca McDonald´s é uma relação entre a simbologia de

produção e consumo na sociedade (BAUDRILLARD, 1997), pois o sistema de necessidades se

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concentra num processo de significação de valores, em objetos e signos, cuja articulação é

imprescindível para a troca simbólica. Portanto, sua produção continua acelerada para adequar as

necessidades de conveniência, praticidade e descartabilidade dos grandes centros urbanos, como

representação da velocidade da produção e do consumo no contexto da contemporaneidade. Os

consumidores do McDonald’s continuam buscando seus produtos, tanto pelo aspecto da rapidez,

mas também pelo próprio prazer com a experiência desse consumo, mesmo que ela seja

socialmente criticada, por vergonha ou por buscar transmitir uma identidade diferente (BARBOSA

& CAMPBELL, 2006). Sendo assim, não é possível afirmar que o consumidor compra os novos

símbolos do McDonald’s sem interesse, e principalmente sem identificar-se com esse novo

contexto.

“O enunciatário não adere ao discurso apenas porque ele é apresentado como um conjunto de idéias que expressam seus possíveis interesses, mas porque se identifica com um dado sujeito da enunciação, com um caráter, com um corpo, com um tom. Assim, o discurso não é apenas um conteúdo mas também um modo de dizer, que constrói os sujeitos da enunciação. O discurso, ao construir um enunciador, constrói também seu correlato, o enunciatário.” (FIORIN, 2004, p.17).

A partir dessa nova identidade percebe-se tanto um novo agrupamento de significações para a

marca e a experiência com McDonald’s, assim como se verifica uma simulação nessa

transformação (BAUDRILLARD, 1991), tanto por parte da estratégia da empresa, que negocia seus

símbolos com aqueles que o criticam, quanto por parte dos consumidores que buscam a indulgência

do consumo descartável, mas que seja socialmente aceito. Portanto, o novo conceito McDonald’s

constitui uma simulação de lugar, ao passo em que sustenta características de não-lugar (Augé,

1994, p. 73), ao propor uma visão de consumo da marca, sem transformar a experiência do produto

em si.

É possível verificar que apesar dos novos espaços de convivência, e dos elementos estéticos que

indicam permanência, o consumo de McDonald’s mantém sua característica individualista e rápida

(figura 9).

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Figura 9: Foto de mesa e consumidores na loja do McDonald´s em LondresFonte: Gideon Mendel para o banco de imagens CORBIS

Analisando as estratégias de comunicação e a inserção de novos elementos estéticos na

espacialidade de McDonald’s, os discursos manifestados apontam para uma experiência fast-slow

de consumo circunscrita. As transformações no contexto da marca e na imagem identitária

constituídas pela interação entre o discurso marcário e o imaginário derivado de seu consumo

simbólico, integram, portanto, a dimensão sociocultural dinâmica, complexa em que culturas se

mesclam para produzir uma outra; maniqueísmos são, dessa forma, esvaziados a partir de

simulações e estratégias simbólicas.

Considerações finais

As transformações nos pontos de venda da rede McDonald´s demonstram o deslocamento do

imaginário fast para o do slow food, diante da simulação de uma nova experiência, de um discurso

que engloba um ponto de encontro de discursos a princípio antagônicos, que dentro de um processo

de negociação passam a fazer parte da identidade dessa marca global.

Ao mesmo tempo que seus lanches continuam sendo práticos, e o consumo continua sendo

conveniente e rápido, o território do McDonald´s recebe uma nova aura, com uma cultura que traz

uma simulação de novos significados. Sendo assim, o espaço que agora se tornou mais confortável

e mais propício ao consumo mais lento e mais prazeroso, continua sendo o mesmo onde o alimento

pode ser consumido em apenas alguns minutos, sem a necessidade de uma longa permanência

diante dos elementos estéticos desse ambiente renovado.

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Dessa forma, a fluidez característica da contemporaneidade continua presente, diante da falta de

relacionamentos de consumo mais duradouros, com a constante descartabilidade dos produtos,

assim como pela fragmentação das imagens, que agora apresentam ao mesmo tempo os símbolos

da alimentação mais calórica ao lado de produtos saudáveis e igualmente estéticos.

Ao estabelecer mudanças de sua comunicação, por meio do espaço de suas lojas, o McDonald´s

estabelece, portanto, a negociação simbólica que reforça o espetáculo das imagens associadas a sua

marca. A forma escolhida para essa estratégia lembra um velho ditado: “se não pode vencê-lo,

junte-se a ele”. Mas quem é o vencido e quem é o vencedor? Dentro dessa troca constante de

significações, eis um complexo processo ininterrupto, da produção, pela comunicação, para o

consumo, e assim sucessivamente.

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