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8 ATUALIDADES CIDADES WWW.OLIBERAL.COM Para ser considerada uma biojoia, o produto precisa ter como principal composto algum elemento natural, ainda que misturado a metais e componentes sintéticos. Semen- tes, fibras, palhas, pedras naturais, madeira certificada, ossos de animais - não abatidos para esse fim -, escamas de peixes, folhas. São muitas possibilidades. Rosa Helena Neves, diretora executiva do Polo Joalheiro do Pará, aponta que o design autoral paraense de biojoias é muito carac- terístico. No Espaço São José Liberto, há 43 designers autorais e bem atentos às ten- dências de mercado de consumo conscien- te. Todos se preocupam com a defesa do meio ambiente e proteção das comunidades fornecedores de insumos e conhecimentos. "Tudo dialoga com o produto final", diz. No ambiente acadêmico, os cursos de De- sign e Moda de algumas faculdades locais — no segmento de design de joias — têm refletido fortemente sobre questões como a origem dos insumos e formas de produ- ção e colheita. A madeira vem sendo me- nos usada. Espécies em risco de extinção também. Isso força uma atualização cons- tante desse mercado, mantendo um ciclo de novidades permanente. A mineração, de onde se extraem os minérios preciosos usados na maioria das joias, tem impactos ambientais e custa caro, além de tempo e dinheiro, para compensar a produção. "Os valores sociais mudaram. Quem con- some biojoias é muito exigente. Quer saber de onde vem, como é produzido, quem fez. O consumo consciente repudia comprar produtos que causaram poluição, tiveram trabalho escravo, desmatamento ou explo- ração financeira. O mercado quer transpa- rência. Quem não se alinha aos conceitos, perde mercado. Essa tendência é irreversí- vel", analisa Rosa Helena. (V.F.) BELÉM, DOMINGO, 17 DE NOVEMBRO DE 2019 VICTOR FURTADO DA REDAÇÃO O mercado de biojoias, movido pela tendência do consumo conscien- te, só faz crescer nos últimos 30 anos. Tempo este em que as no- ções de sustentabilidade levaram para se tornar mais populares, desde a Eco 92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimen- to realizada no Rio de Janeiro em 1992. Para a indústria da moda amazônica, para pesquisadores e para defensores da floresta em pé, as oportunidades, neste segmento, são quase infinitas. O mercado europeu é o principal consumidor das biojoias produzidas no Pará. Portugal é um dos destaques. No Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará são os grandes consumidores. Referência brasileira na produção de joias sustentáveis, o Espaço São José Li- berto — Polo Joalheiro do Pará chega a faturar com cada coleção lançada em torno de R$ 3,2 milhões, anualmente. No entanto, neste ano, até outubro, o faturamento já havia passado de R$ 4 milhões. Mas por ser um negócio ain- da em expansão e formalização, faltam dados mais específicos e atualizados. Talvez pouca gente imagine que tan- to dinheiro seja movimentado com peças advindas de ouriços de casta- nhas, cascas de coco, caule de pupu- nheira, escamas de peixe, conchas, chifre de búfalo, raízes e sementes de açaí descartadas. E é aí que residem as oportunidades do mercado da moda. Constantemente, novas matérias-pri- mas e processos de beneficiamento são descobertos. Técnicas tradicionais de comunidades são preservadas e valoriza- das. E novas formas de remuneração sur- gem sem agressões ao meio ambiente. É um tipo de produto de moda que serve como amostra das tendências de merca- do e consumo de todos os outros produ- tos no futuro. Civilizações antigas e povos tradi- cionais mais recentes sempre usaram biojoias. Claro, muitos desses adereços tinham fins específicos. Culturais, es- pirituais, festivos. Mas é no artesanato dessas populações que muitos arte- sãos e designers buscam inspiração. Os resultados são adereços naturais e feitos de recursos renováveis. E pelas ten- dências de consumo, têm alto valor agrega- do. A garantia de preservação do meio am- biente, o respeito a culturas e comunidades e os designs únicos são exigências cada vez mais comuns de quem consome biojoias. SEMENTES E CASCAS GANHAM STATUS DE JOIAS DA AMAZÔNIA INDÚSTRIA SUSTENTÁVEL VALORIZAÇÃO - Mercado de biojoias confeccionadas com elementos naturais da região chega a movimentar R$ 4 milhões por ano com produção exclusiva no Pará Designer paraense transforma caroços de açaí em biojoias de luxo Os caroços de açaí, em geral, podem ser con- sideradas lixo. Chegam a ser um problema de limpeza pública. Mas nas mãos da designer Rita Reis e dos artesãos que trabalham com ela, as sementes descartadas são transformadas em joias finas e de alto valor agregado. Rita é proprietária e líder de uma marca fundada em Castanhal, em 2008 —, reconhecida interna- cionalmente pela qualidade e originalidade das peças sustentáveis. Além das sementes de açaí, assim como outros designers de biojoias, Rita utiliza materiais que podem ser encontrados como resíduos. Ou adquire produtos já trabalhados por artesãos e comunidades tradicionais. Mas ela tem um códi- go de trabalho: as matérias-primas precisam ser abundantes e renováveis. Ou vindas do trabalho de comunidades que vivem em harmonia com a natureza, preservando a floresta em pé. Ela é ca- dastrada no Instituto Brasileiro do Meio Ambien- te e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Entre os fornecedores, há um artesão que faz peças diversas com chifre de búfalo, ossos bovinos e escamas de peixes. Há outra fonte, um especialista em marchetaria e que produz várias peças com madeiras não provenientes de cortes predatórios. E, também, a associação de artesãos do povo indígena Apurinã, da localida- de de Boca do Acre, que produz várias peque- nas e delicadas peças com tucumã, madeira e várias outras sementes. Diretamente, Rita gera oito empregos. Indiretamente, pelo menos 100 postos de trabalho. Com os materiais naturais, a empresária e os artesãos misturam metais, pedras naturais, gemas e cristais. E assim surgem todas as peças que já passaram por exposições em Paris, já compuseram artigos da revista Vogue e rodam o Brasil em eventos e festivais de moda. E, claro, presença certa na Amazônia Fashion Week, evento de moda realizado em Belém. Entre os principais mercados consumidores das peças da designer estão França, Estados Unidos, Bélgica, Portugal e Itália. PROFISSIONALIZAÇÃO Por semana, Rita Reis trabalha com 50 mi- lheiros de sementes de açaí. Ela encaminha a matéria-prima para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), onde é submetida a um processo de beneficiamento. É onde os caroços são transformados em ge- mas naturais. Ganham brilho, resistência, cor e padronização de formato e tamanho. Esse procedimento garante vida de mais de 11 anos a algumas peças já produzidas e a re- sistência continua sendo contabilizada. É um diferencial de várias outras biojoias que não costumam sobreviver à umidade e à ação de fungos. Daí, as sementes passam a compor as biojoias produzidas por Rita. Algumas das mais elaboradas demoram mais de 15 dias, como um pelerine de sementes e cristais, que é uma das peças de maior valor de todas as coleções já produzidas. Há outras que ganham até tratamento perfumado com o cheiro-do-pará. No rol de matérias-primas, a empresária tam- bém trabalha com as sementes de jupati, patauí e jarina. Mas é difícil lidar com esses materiais pelo acesso difícil e porque as condições de colheita ainda não são muito amplas. Então, ela usa o mínimo possível. O suficiente para dar charme e valor às peças, mas não a ponto de se tornar algo que se aproveite desses insumos de forma abusiva e insustentável. "Creio que a preocupação com o meio ambiente vai mudar, no futuro, todas as formas de consumo e produção de várias indústrias. Incluindo a das biojoias. O discur- so da preservação da floresta viva e em pé, respeitando as comunidades tradicionais, os saberes antigos, precisa falar mais alto. Precisamos falar de responsabilidade. A Amazônia é um laboratório de ideias. Nada é tão singular em influência no planeta", co- menta Rita. (V.F.) Veja na página 9. IVAN DUARTE / O LIBERAL Rosa Helena, do Polo Joalheiro: “Tudo dialoga com o produto final” Técnicas tradicionais de comunidades amazônicas são preservadas e valorizadas IVAN DUARTE / O LIBERAL Rita Reis prioriza matérias-primas abundantes e renováveis para confeccionar as peças sustentáveis IVAN DUARTE / O LIBERAL Consciência ambiental agrega valor aos produtos regionais Peças feitas com sementes, cascas e escamas têm ganhado o mercado nacional e internacional graças à bandeira da sustentabilidade

IVAN DUARTE / O LIBERAL INDÚSTRIA SUSTENTÁVEL …premiosistemafiepa.com.br/files/inscricoes_anexos/... · mais elaboradas demoram mais de 15 dias, como um pelerine de sementes e

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8 ATUALIDADESCIDADES

WWW.OLIBERAL.COM

Para ser considerada uma biojoia, o produto precisa ter como principal composto algum elemento natural, ainda que misturado a metais e componentes sintéticos. Semen-tes, fibras, palhas, pedras naturais, madeira certificada, ossos de animais - não abatidos para esse fim -, escamas de peixes, folhas. São muitas possibilidades. Rosa Helena Neves, diretora executiva do Polo Joalheiro do Pará, aponta que o design autoral paraense de biojoias é muito carac-

terístico. No Espaço São José Liberto, há 43 designers autorais e bem atentos às ten-dências de mercado de consumo conscien-te. Todos se preocupam com a defesa do meio ambiente e proteção das comunidades fornecedores de insumos e conhecimentos. "Tudo dialoga com o produto final", diz. No ambiente acadêmico, os cursos de De-sign e Moda de algumas faculdades locais — no segmento de design de joias — têm refletido fortemente sobre questões como a origem dos insumos e formas de produ-ção e colheita. A madeira vem sendo me-nos usada. Espécies em risco de extinção também. Isso força uma atualização cons-tante desse mercado, mantendo um ciclo de novidades permanente. A mineração, de onde se extraem os minérios preciosos usados na maioria das joias, tem impactos ambientais e custa caro, além de tempo e dinheiro, para compensar a produção. "Os valores sociais mudaram. Quem con-some biojoias é muito exigente. Quer saber de onde vem, como é produzido, quem fez. O consumo consciente repudia comprar produtos que causaram poluição, tiveram trabalho escravo, desmatamento ou explo-ração financeira. O mercado quer transpa-rência. Quem não se alinha aos conceitos, perde mercado. Essa tendência é irreversí-vel", analisa Rosa Helena. (V.F.)

BELÉM, DOMINGO, 17 DE NOVEMBRO DE 2019

VICTOR FURTADO DA REDAÇÃO

O mercado de biojoias, movido pela tendência do consumo conscien-te, só faz crescer nos últimos 30 anos. Tempo este em que as no-

ções de sustentabilidade levaram para se tornar mais populares, desde a Eco 92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimen-to realizada no Rio de Janeiro em 1992. Para a indústria da moda amazônica, para pesquisadores e para defensores da floresta em pé, as oportunidades, neste segmento, são quase infinitas. O mercado europeu é o principal consumidor das biojoias produzidas no Pará. Portugal é um dos destaques. No Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará são os grandes consumidores. Referência brasileira na produção de joias sustentáveis, o Espaço São José Li-berto — Polo Joalheiro do Pará chega a faturar com cada coleção lançada em torno de R$ 3,2 milhões, anualmente. No entanto, neste ano, até outubro, o faturamento já havia passado de R$ 4 milhões. Mas por ser um negócio ain-da em expansão e formalização, faltam dados mais específicos e atualizados. Talvez pouca gente imagine que tan-to dinheiro seja movimentado com peças advindas de ouriços de casta-nhas, cascas de coco, caule de pupu-nheira, escamas de peixe, conchas, chifre de búfalo, raízes e sementes de açaí descartadas. E é aí que residem as

oportunidades do mercado da moda. Constantemente, novas matérias-pri-mas e processos de beneficiamento são descobertos. Técnicas tradicionais de comunidades são preservadas e valoriza-das. E novas formas de remuneração sur-gem sem agressões ao meio ambiente. É um tipo de produto de moda que serve como amostra das tendências de merca-do e consumo de todos os outros produ-tos no futuro.

Civilizações antigas e povos tradi-cionais mais recentes sempre usaram biojoias. Claro, muitos desses adereços tinham fins específicos. Culturais, es-pirituais, festivos. Mas é no artesanato dessas populações que muitos arte-sãos e designers buscam inspiração. Os resultados são adereços naturais e feitos de recursos renováveis. E pelas ten-dências de consumo, têm alto valor agrega-do. A garantia de preservação do meio am-biente, o respeito a culturas e comunidades e os designs únicos são exigências cada vez mais comuns de quem consome biojoias.

SEMENTES E CASCAS GANHAMSTATUS DE JOIAS DA AMAZÔNIA

INDÚSTRIA SUSTENTÁVEL

VALORIZAÇÃO - Mercado de biojoias confeccionadas com elementos naturais da região chega a movimentar R$ 4 milhões por ano com produção exclusiva no Pará

Designer paraense transforma caroços de açaí em biojoias de luxoOs caroços de açaí, em geral, podem ser con-sideradas lixo. Chegam a ser um problema de limpeza pública. Mas nas mãos da designer Rita Reis e dos artesãos que trabalham com ela, as sementes descartadas são transformadas em joias finas e de alto valor agregado. Rita é proprietária e líder de uma marca fundada em Castanhal, em 2008 —, reconhecida interna-cionalmente pela qualidade e originalidade das peças sustentáveis. Além das sementes de açaí, assim como outros designers de biojoias, Rita utiliza materiais que podem ser encontrados como resíduos. Ou adquire produtos já trabalhados por artesãos e comunidades tradicionais. Mas ela tem um códi-go de trabalho: as matérias-primas precisam ser abundantes e renováveis. Ou vindas do trabalho de comunidades que vivem em harmonia com a natureza, preservando a floresta em pé. Ela é ca-dastrada no Instituto Brasileiro do Meio Ambien-te e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Entre os fornecedores, há um artesão que faz peças diversas com chifre de búfalo, ossos bovinos e escamas de peixes. Há outra fonte, um especialista em marchetaria e que produz várias peças com madeiras não provenientes de cortes predatórios. E, também, a associação de artesãos do povo indígena Apurinã, da localida-de de Boca do Acre, que produz várias peque-nas e delicadas peças com tucumã, madeira e várias outras sementes. Diretamente, Rita gera oito empregos. Indiretamente, pelo menos 100 postos de trabalho. Com os materiais naturais, a empresária e os artesãos misturam metais, pedras naturais, gemas e cristais. E assim surgem todas as peças que já passaram por exposições em Paris, já compuseram artigos da revista Vogue e rodam o Brasil em eventos e festivais de moda. E, claro, presença certa na Amazônia Fashion Week, evento de moda realizado em Belém. Entre os principais mercados consumidores das peças da designer estão França, Estados Unidos, Bélgica, Portugal e Itália.

PROFISSIONALIZAÇÃO

Por semana, Rita Reis trabalha com 50 mi-lheiros de sementes de açaí. Ela encaminha a matéria-prima para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), onde é submetida a um processo de beneficiamento. É onde os caroços são transformados em ge-mas naturais. Ganham brilho, resistência, cor e padronização de formato e tamanho. Esse procedimento garante vida de mais de 11 anos a algumas peças já produzidas e a re-sistência continua sendo contabilizada. É um diferencial de várias outras biojoias que não costumam sobreviver à umidade e à ação de fungos. Daí, as sementes passam a compor as biojoias produzidas por Rita. Algumas das mais elaboradas demoram mais de 15 dias, como um pelerine de sementes e cristais, que é uma das peças de maior valor de todas as coleções já produzidas. Há outras que ganham até tratamento perfumado com o cheiro-do-pará. No rol de matérias-primas, a empresária tam-bém trabalha com as sementes de jupati, patauí e jarina. Mas é difícil lidar com esses materiais pelo acesso difícil e porque as condições de colheita ainda não são muito amplas. Então, ela usa o mínimo possível. O suficiente para dar charme e valor às peças, mas não a ponto de se tornar algo que se aproveite desses insumos de forma abusiva e insustentável. "Creio que a preocupação com o meio ambiente vai mudar, no futuro, todas as formas de consumo e produção de várias indústrias. Incluindo a das biojoias. O discur-so da preservação da floresta viva e em pé, respeitando as comunidades tradicionais, os saberes antigos, precisa falar mais alto. Precisamos falar de responsabilidade. A Amazônia é um laboratório de ideias. Nada é tão singular em influência no planeta", co-menta Rita. (V.F.) Veja na página 9.

IVAN

DUA

RTE

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IBER

AL

Rosa Helena, do Polo Joalheiro: “Tudo dialoga com o produto final”

Técnicas tradicionais de comunidades

amazônicas são preservadas e

valorizadas

IVAN DUARTE / O LIBERAL

Rita Reis prioriza matérias-primas abundantes e renováveis para confeccionar as peças sustentáveis

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Consciência ambiental agrega valor aos produtos regionais

Peças feitas com sementes, cascas e escamas têm ganhado o mercado nacional e internacional graças à bandeira da sustentabilidade

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9ATUALIDADES CIDADES

WWW.OLIBERAL.COM BELÉM, DOMINGO, 17 DE NOVEMBRO DE 2019

Um dos principais avan-ços das biojoias paraen-ses foram as pesquisas em beneficiamento das

sementes. O principal traba-lho atualmente é da Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária (Embrapa Amazônia Oriental). Lá, sementes que po-deriam ser descartadas ou nem sequer teriam valor comercial, se tornam gemas orgânicas. Um dos próximos passos é descobrir novos materiais e processos específicos para cada

matéria-pri-ma. A pesqui-sadora Noemi Vianna, do Laboratório de Sementes Florestais, é quem con-duz alguns dos trabalhos p i o n e i r o s nessa área. A ideia de começar a tra-balhar no be-neficiamento

de matérias-primas e biojoias

começou há 18 anos. Foi quan-do a pesquisadora ganhou um colar feito em materiais natu-rais. Ela usou e então guardou numa caixinha. Numa outra ocasião, em que foi pegar a pe-ça, viu um monte de bichinhos dentro da caixa. Era a peça que havia propiciado a repro-dução de vários organismos. Então, como cientista, pen-sou no que poderia ser feito. Para a região amazônica, o principal obstáculo para bio-joias é a umidade, que varia entre 80% e 98%, em condições regulares. Como os materiais são naturais, existe um univer-so em biodiversidade que pode se aproveitar de resíduos e da água para se reproduzir. Prin-cipalmente fungos. Um bom tratamento das biojoias evita, inclusive, problemas de saúde. Muitos designers e artesãos fazem a secagem dos mate-riais antes da construção das peças. Só que essa secagem, ao sol, não é suficiente. Nu-ma semente, há várias cama-das com água. E o tingimento costuma ter água. A umida-de nunca sai por completo. Uma semente de açaí cos-tuma ser composta de 28%

de água. Para ser totalmente isenta de atividade orgânica, precisa ficar, pelo menos, em 7%. Com as técnicas da pesqui-sa de Noemi, saem com 5% ou menos. E isso garante uma du-rabilidade que já passou de 10 anos. E continua na contagem de resistência.

TECNOLOGIA

Muitos artesãos e designers de biojoias já sabem que po-dem contar com a estrutura da Embrapa para esse trabalho. Os materiais passam por secagem numa estufa e depois recebem tratamento com luz ultravioleta. Só que o ideal, para o desenvolvi-mento dessa indústria da bioeco-nomia criativa seria haver mais espaços com essa tecnologia. No-emi Vianna sugeriu o Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá. Açaí e outros tipos de semen-tes, após o beneficiamento ade-quado, podem ser submetidos a diversos processos de corte, molde, pintura e serem agre-gados com a outros materiais. Isso inclui metais, elementos sintéticos e até materiais reci-cláveis, cuja classe ecojoia co-meça a ganhar popularidade.

VICTOR FURTADO DA REDAÇÃO

Embrapa pesquisa

novos materiais

e processos específicos

para cada matéria-prima

de biojoias

IVAN

DUA

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Tecnologia converte sementes em gemas

BIOJOIAS DE QUALIDADE

BENEFICIAMENTO - Graças a processo industrial desenvolvido pelos pesquisadores da Embrapa, joias sustentáveis produzidas na Amazônia ganham mais durabilidade

ALGUNS INSUMOS DE BIOJOIAS E ORIGENS

Açaí Encontrada em grande quantida-de na Amazônia, é uma das espé-cies mais utilizadas na fabricação de biojoias.

Babaçu Encontrado no Maranhão, Piauí e Tocantins e possui alto valor industrial e comercial.

Buriti Proveniente de diversas regiões, como Maranhão, Pará, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Tocantins e Minas Gerais, é chamado pelos indígenas como “Árvore da vida”.

Tucumã Fruto original dos estados do Acre, Amazonas, Pará e Rondônia. Nesse caso, a semente chega a ser tão resistente quanto um metal.

Jarina Encontradas na Amazônia, as sementes da jarina amadurecidas tornam-se duras, brancas e opa-cas como marfim.

Capim dourado Pode ser encontrado em todo o cerrado brasileiro, principalmente na região do Jalapão, Tocantins. A palha possui uma cor dourada brilhante que, quando seca, pode ser trabalhada para a produção da biojoia.

Juta Fibra têxtil vegetal, proveniente

de climas úmidos e tropicais, en-contrada na região amazônica.

Palha da bananeira É possível extrair cinco tipos de fibras, mas apenas um tipo pode ser tingido. A bananeira é en-contrada sobretudo nas regiões Nordeste e Sudeste ou em regiões úmidas e quentes.

Coco As fibras provêm do caroço e po-dem ser encontradas em locais de clima quente e úmido.

Bambu Possui mais de mil espécies, en-contradas em sua forma nativa, em praticamente todos os esta-dos do país.

PERFIL DOS CONSUMI-DORES DE BIOJOIAS

3 em cada 10 brasileiros po-dem ser considerados consu-midores conscientes e poten-ciais consumidores de biojoias;

Consumidores das classes C, D e E são os mais propen-sos a atitudes conscientes e práticas ambientais positivas;

Jovens entre 18 e 29 anos são os que representam maior número de consumidores conscientes.

PRINCIPAIS CONSUMI-DORES DO BRASIL

Bijuterias: Estados Unidos (US$ 3.491 mi)

Folheados de metais pre-ciosos: Alemanha (US$ 18.866 mi)

Joalheria/ourivesaria metais preciosos: Estados Uni-dos (US$ 12.958 mi)

Obras e artefatos de pe-dras: Estados Unidos (US$ 4.49 mi)

Pedras preciosas em bru-to: China (US$ 11.952 mi)

Pedras lapidadas: Estados Unidos (US$ 12.115 mi)

Noemi Vianna, do Laboratório de Sementes Florestais da Embrapa, diz que tratamento adequado às

biojoias também evita problemas de saúde

Biojoias feitas com material orgânico da Amazônia são cada vez mais apreciadas por consumidores conscientes

TUDO SE RENOVA

FONTES: RELATÓRIOS DE INTELIGÊNCIA SEBRAE 2014 E 2016

IVAN DUARTE / O LIBERAL

Sementes de jarina conquistam a modaUma das matérias-primas mais va-liosas, atualmente, são as semen-tes de jarina. São consideradas o “marfim vegetal”, pois as cores são parecidas com o marfim normal. Mas há um desafio preocupante para essa espécie. A reprodução das jarinas, mesmo assistida, é bem difícil. A ocorrência do vegetal é no Acre e no Amazo-nas, em condições muito específi-cas de geografia e clima. Mas a po-pulação dessas áreas, acostumada a usar, sem qualquer receio, peças com esse material, nem enxerga o risco de extinção. Uma das preo-cupações do mercado de biojoias

é que os materiais usados nunca sejam recursos esgotáveis. Na busca por novos materiais, já fo-ram identificados alguns componen-tes que reagem bem aos processos de beneficiamento. E são, estetica-mente, bem avaliados: açaí branco, angelim pedra, babaçu, bacaba, breu sucuruba, fava arara tucupi, flam-boyant, inajá, jutaí-mirim, morototó, muruci, paxiúba, patauá, tento, tu-cumã e uxi. Mas nem toda semente ou casca cabe nesse processo. A cas-tanha-do-pará e a seringueira são algumas espécies que, por exemplo, ainda não possui um processo de beneficiamento adequado.

“Precisamos de investimento em ciência e tecnologia, para descobrir novas espécies de materiais e no-vos processos. A cadeia produtiva precisa ser organizada, para elimi-nar a figura de atravessadores. E montar estrutura. Em Santarém, há pessoas que deixaram a pecu-ária para se dedicar ao plantio de cumaru. E há outras espécies, co-mo pan cravo — de Altamira, muito semelhante ao cravinho da Índia — e o pau-rosa, base dos perfumes da Channel. A floresta em pé é riqueza que ainda não conhecemos e sabemos explorar. É oportunida-de”, conclui Noemi Vianna. (V.F.)