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Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas Izabel Cristina Chiodi de Freitas

Izabel Cristina Chiodi de Freitas - unesdoc.unesco.orgunesdoc.unesco.org/images/0022/002230/223065por.pdf · Ao tratar dos serviços de saneamento, sob a ótica da integralidade e

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Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas

Izabel Cristina Chiodi de Freitas

Publicado pela Fundação Vale.

© Fundação Vale 2013

Coordenação editorial: Setor de Ciências Humanas e Sociais da Representação da UNESCO no Brasil

Redação e supervisão técnica: Berenice de Souza Cordeiro

Revisão técnica: Fundação Vale, Ministério das Cidades, Setores de Ciências Naturais e Ciências Humanas e Sociais da Representação da

UNESCO no Brasil

Revisão gramatical e editorial: Unidade de Comunicação, Informação Pública e Publicações da Representação da UNESCO no Brasil

Projeto gráfico: Fundação Vale (Crama Design Estratégico)

Diagramação: Unidade de Comunicação, Informação Pública e Publicações da Representação da UNESCO no Brasil

Ilustrações: Fundação Vale e Ministério das Cidades

Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito do projeto 570BRZ3002, Formando Capacidades e Promovendo o Desenvolvimento

Territorial Integrado, o qual tem o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de jovens e comunidades.

Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são

necessariamente as da UNESCO, do Ministério das Cidades (Brasil) e da Fundação Vale, nem comprometem as Organizações. As indicações

de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO,

do Ministério das Cidades (Brasil) e da Fundação Vale a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas

autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.

Esclarecimento: a UNESCO mantém, no cerne de suas prioridades, a promoção da igualdade de gênero, em todas suas atividades e

ações. Devido à especificidade da língua portuguesa, adotam-se, nesta publicação, os termos no gênero masculino, para facilitar a leitura,

considerando as inúmeras menções ao longo do texto. Assim, embora alguns termos sejam grafados no masculino, eles referem-se

igualmente ao gênero feminino.

Fotos: © Fundação Vale

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Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas 1

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas

Izabel Cristina Chiodi de Freitas1

Ao tratar dos serviços de saneamento, sob a ótica da integralidade e da integração com outras políticas públicas, vamos lançar

mão da Lei nº 11.445, de 2007, marco legal conquistado após mais de 20 anos de luta no campo do saneamento, e que define

as principais diretrizes nacionais e a política federal de saneamento básico.

Em seu artigo 2º, inciso II, a lei trata a integralidade das ações de saneamento como “o conjunto de todas as atividades e

componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de

suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados”.

Além disso, para consolidar o compromisso explicitado em seu texto, o artigo 48 da lei, ao definir sob quais diretrizes será

assentada a política federal de saneamento básico no Brasil, determina:

I – prioridade para as ações que promovam a equidade social e territorial no acesso ao saneamento básico;

II – aplicação dos recursos financeiros por ela administrados de modo a promover o desenvolvimento

sustentável, a eficiência e a eficácia;

III – estímulo ao estabelecimento de adequada regulação dos serviços;

IV – utilização de indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social no planejamento, implementação

e avaliação das suas ações de saneamento básico;

V – melhoria da qualidade de vida e das condições ambientais e de saúde pública;

VI – colaboração para o desenvolvimento urbano e regional;

VII – garantia de meios adequados para o atendimento da população rural dispersa, inclusive mediante a

utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais peculiares;

VIII – fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, à adoção de tecnologias apropriadas e à difusão

dos conhecimentos gerados;

IX – adoção de critérios objetivos de elegibilidade e prioridade, levando em consideração fatores como

nível de renda e cobertura, grau de urbanização, concentração populacional, disponibilidade hídrica, riscos

sanitários, epidemiológicos e ambientais;

X – adoção da bacia hidrográfica como unidade de referência para o planejamento de suas ações;

XI – estímulo à implementação de infraestruturas e serviços comuns a Municípios, mediante mecanismos

de cooperação entre entes federados.

Em seu parágrafo único, esse mesmo artigo define mais claramente a interface do saneamento com políticas públicas

correlacionadas e determina, para a sua integração, que:

As políticas e ações da União de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate e erradicação

da pobreza, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social, voltadas

para a melhoria da qualidade de vida devem considerar a necessária articulação, inclusive no que se refere

ao financiamento, com o saneamento básico.

Entretanto, o Estado brasileiro, desde os seus primórdios, vem se organizando segundo o modelo cartesiano, disciplinar.

Disciplina é uma palavra que se origina de discípulo, “aquele que segue”. Essa é exatamente a ideia racional que orientou e orienta

o Estado brasileiro.

Sua organização pressupõe um arranjo estrutural em setores, chamados também de segmentos temáticos, segmentos-meio e

segmentos-fim. Quando observamos os nossos organogramas, temos uma infinidade de “caixinhas”, estanques em sua maioria,

que, ao serem vislumbradas mais de perto, guardam ainda várias outras “caixinhas”, todas hierarquizadas e verticalizadas,

segundo esse viés.

1 Engenheira civil pela UFMG e especialista em saúde pública pela Fiocruz.

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas2

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas

Como teoria organizacional, esse modelo é, via de regra, o hegemônico no mundo ocidental, onde o Estado é laico e cartesiano.

Ele pressupõe três Poderes, teoricamente interdependentes, como mostra a Figura 1, a seguir.

Figura 1. Os três Poderes da União

O Poder Legislativo é responsável pela elaboração das leis e pela fiscalização dos atos do Poder Executivo, para que estejam em

consonância com esse arcabouço legal; o Poder Judiciário é responsável pelo cumprimento das leis na esfera pública ou na esfera

privada; e o Poder Executivo realiza as ações e os programas por meio dos seus segmentos ou setores, em conformidade com o

orçamento disponível e com as principais políticas acordadas e transformadas em leis pelo Poder Legislativo.

O Estado é burocrático e costuma ser autocrático. O Estado também é, por excelência, o território da autoridade e, em um

Estado democrático, essa autoridade é o resultado de regras consensualmente construídas, sejam elas constitucionais ou legais,

baseadas nos costumes, ou, até mesmo, informais.

Normativo por princípio, o Estado não mais se coloca como neutro, mas sim como árbitro entre as forças mais atuantes e

determinantes na sociedade.

A ótica cartesiana, sob a qual se desenvolveram as ciências exatas e naturais em um primeiro momento, no final do século XIX,

pressupõe a fragmentação dos fenômenos ou objetos de investigação, pois isso facilitaria a análise, realizada “por partes”.

Assim também foram constituídas as nossas organizações, de forma fragmentada, por partes, sem contexto nem precisão

quanto ao seu papel em relação ao todo. A ideia é a da ordem, do nível menor e mais simples para o maior e mais complexo,

como se os fenômenos, principalmente na realidade concreta, seguissem essa lógica e não fossem, utilizando uma expressão

corriqueira atualmente, “tudo junto e misturado”.

Sendo essa visão cartesiana ainda predominante no século XXI, praticamente todo o conhecimento que produzimos e

registramos é fragmentário; as nossas organizações também se estruturaram segundo essa lógica, assim como os serviços

prestados à população.

Vejamos, na Tabela 1, a seguir, os números mais atuais sobre os serviços de saneamento no Brasil.

Tabela 1. Déficits em saneamento no Brasil

Componente Atendimento adequado(% de habitantes)

Atendimento precário(% de habitantes)

Sem atendimento (% de habitantes)

Abastecimento de água 62,4 (canalização interna, sem intermitência e com

água potável)

32,9 4,6

Esgotamento sanitário(não inclui tratamento, apenas coleta ou similar)

46,8 (mesmo com a precariedade dos dados,

foram incluídas as fossas denominadas pelos

informantes como sépticas)

44,1 9,1

Manejo de resíduos sólidos domiciliares

66,4 20,5 13,1

Fontes: Censo demográfico (IBGE, 2000), PNAD 2001 a 2008, Sisagua (MS, 2007), PNSB (IBGE, 2008). In: (HELLER, L.; GOMES, U. A. F. , 2011).

Executivo

Legislativo

Judiciário

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas 3

O Estado brasileiro, como de resto todas as formações políticas atuais, não escapa ao domínio de classe, nem à sua aparelhagem

como importante estratégia de poder para as classes dominantes em certas definições e decisões. Entretanto, diversos autores

que se debruçam na atualidade sobre a questão do Estado apontam uma autonomia relativa dessa organização, não sendo

mais hegemônico o pensamento que a considerava absolutamente defensora dos interesses exclusivos das classes dominantes;

existe, por outro lado, uma tendência em julgá-la uma organização que funciona como mediadora dos interesses em conflito,

na busca, nem sempre equitativa, de consensos, também nem sempre possíveis.

Teoricamente, essas ideias são válidas para quaisquer dos entes federados, sejam nacional, estaduais ou municipais, sejam do

Legislativo, do Executivo ou do Judiciário. É importante notar que todos os três Poderes possuem uma estrutura executiva para

viabilizar as ações sob sua responsabilidade.

Neste texto, vamos nos ater à esfera do Executivo, nos níveis federal, estadual e municipal.

Segundo a lógica cartesiana disciplinar, nos estados brasileiros, os setores inserem-se em dois grandes grupos: aqueles comuns a

todas as organizações estatais e grande parte das organizações não governamentais, chamados meio (administrativo, financeiro

e, muito recentemente, de planejamento/informática) e os setores-fim, no caso dos governos federal, estadual e municipal,

centralmente as áreas de sua responsabilidade direta, como educação, saúde e segurança.

Nossa discussão tratará, a partir de agora, da ineficiência dessa organização em setores ou segmentos, face à complexidade da realidade.

Assim, a realidade se apresenta a nós, cidadãos e cidadãs, com sua complexidade característica, emaranhada em uma teia em

que não é simples nem fácil distinguir as partes.

Tomemos como exemplo uma área comum à maioria de nós nos municípios onde atuamos: o saneamento.

Com isso, podemos nos perguntar o seguinte: como essa importante área se organiza, e como foi o seu desenvolvimento no Brasil

ao longo do último século? Essa é a questão que queremos abordar aqui. E mais: como essa área se articula com a saúde pública e

o meio ambiente nas nossas cidades?

Existe uma construção histórica que determina o papel de cada ser humano no tempo e no espaço, e isso também ocorre com

as nossas organizações.

Para aqueles que querem transformar o Estado brasileiro, em qualquer dos seus entes federados, e torná-lo mais eficiente,

equitativo, integral, acessível e universal, é necessário conhecer a história e a dinâmica de cada segmento, antes de iniciar a árdua

tarefa de integrar as ações, buscando superar essa formação e ação segmentária e disciplinar. Se o modelo que pretendemos

é o de um Estado integral, integrado e intersetorial nas ações, que articule com a sociedade civil as suas diversas organizações,

que planeje suas ações em conformidade com critérios claros e objetivos – no caso do saneamento, centralmente, sanitários e

epidemiológicos –, temos muito trabalho pela frente. O primeiro passo, sem dúvida, consiste em repensar nossas organizações,

planejar integradamente nossas ações, e envolver os usuários diretos e indiretos dos nossos serviços nessas tarefas hercúleas.

Sob esse ponto de vista, propomos uma viagem no tempo e no espaço institucional da saúde pública, do saneamento e do

meio ambiente, quanto aos acontecimentos históricos mais marcantes de cada época, conforme a Tabela 2, a seguir.

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas4

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas

Tabela 2. Retrospectiva institucional histórico-temporal

Período histórico /algumas características Saúde Saneamento Meio ambiente

Antes de 1930

Modelo econômico:

�� agrário-exportador /

cafeicultura paulista;

�� necessidade de intervenção

maior do Estado para

propiciar diversificação

produtiva.

Centralidade:

�� portos;

�� circulação de pessoas,

mercadorias e riquezas;

�� crise internacional de 1929.

�� higienista;

�� baixo componente estatal.

�� ausência do Estado;

�� somente água e esgoto –

concessões privadas;

�� população atendida –

núcleos urbanos centrais.

----------

1930 a 1940

Transição:

�� industrialização incipiente.

Centralidade:

�� país agrário;

�� concentração no campo;

�� Revolução de 1930;

�� Golpe de Estado de 1937;

�� nazi-fascismo na Europa.

�� eugenia e higiene;

�� controle e contenção dos

agentes nocivos;

�� redução das doenças,

reduzindo incidência e

prevalência;

�� alto componente estatal;

�� poucos hospitais:

o privados – classe abastada

nos núcleos urbanos e

centrais;

o filantrópicos – pobres, sob

administração das Igrejas

católicas.

�� ruptura das concessões

privadas / nacionalização;

�� sanitarismo, a partir de

Saturnino de Brito –

desenvolvimento do saber

nacional;

�� institucionalização do setor

por meio do Ministério da

Educação e da Saúde Pública

(Decreto nº 19.444/1930)

-----------

1940 a 1950

Modelo econômico:

�� transição campo-cidade;

�� industrialização;

�� Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT).

Centralidade:

�� 2ª Guerra Mundial;

�� influência norte-americana.

�� hospitais como centros de

excelência;

�� médicos – figuras centrais

para as classes mais

abastadas;

�� seguridade e previdência

social para os trabalhadores

urbanos, conforme modelo

inglês;

�� sanitarismo;

�� medicina associativa /

comunitária;

�� criação do Serviço Especial de

Saúde Pública (SESP).

�� municipalismo;

�� Serviços Autônomos de

Água e Esgoto (SAAEs);

�� obras de infraestrutura;

�� ações de saúde pública;

�� Departamento Nacional

de Obras contra a Seca

(DNOCS);

�� Departamento Nacional de

Obras e Saneamento (DNOS).

-----------

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas 5

1950 a 1960

Modelo econômico:

�� desenvolvimento de

monopólios industriais;

�� desnacionalização da

economia;

�� parque industrial (Plano 50

Anos em 5);

�� mecanização do campo.

Centralidade:

�� êxodo rural;

�� urbanização precária.

�� história natural das doenças;

�� multicausalidade;

�� inserção da indústria

farmacêutica em ascensão;

�� hospital como centro de

referência do serviço de

saúde;

�� “indústria da doença”;

�� capital investido versus renda;

�� criação do Ministério

da Saúde (MS) e do

Departamento Nacional de

Endemias Rurais (DNERu);

�� transformação do SESP em

Fundação Serviço Especial

de Saúde Pública (FSESP)

�� sanitarismo e preventivismo;

�� predomínio de ideias e

modelos norte-americanos.

�� DNOS como autarquia;

�� obras de infraestrutura;

�� ações de saúde pública;

�� responsabilidade municipal.

-----------

1960 a 1980

Modelo econômico:

�� consolidação da

desnacionalização das

economias até monopólios

financeiros.

Centralidade:

�� inversão da pirâmide

demográfica;

�� urbanização tardia (500 Anos

em 20);

�� ditadura militar – centralização

dos Poderes na Federação.

�� consolidação da “indústria da

doença”;

�� movimento preventivista

enfocando a comunidade

como um todo homogêneo;

�� surgimento de um

movimento de reforma

sanitária;

�� disputa por hegemonia

entre a “indústria da doença”

e o sanitarismo.

�� gestão empresarial;

�� sustentabilidade financeira;

�� companhias mistas

centralizadas no Estado;

�� financiamento internacional:

BID, BIRD e FMI;

�� 1º Plano Nacional de

Saneamento (Planasa);

�� esvaziamento do papel

dos municípios, com o

contingenciamento de

recursos.

�� 1972 – Conferência Mundial

sobre o Homem e o Meio

Ambiente (Conferência de

Estocolmo);

�� posição do Brasil – abertura

ao desenvolvimento a

qualquer custo;

�� poluição;

�� urbanização desenfreada;

�� implantação de parques

industriais altamente

poluidores;

�� uso intensivo de agrotóxicos.

1980 a 2000

Modelo econômico:

Internacional

�� privatização dos serviços

públicos;

�� falência do welfare State;

�� globalização.

Centralidade:

Brasil

�� Constituição de 1988;

�� eleições diretas;

�� retomada do Estado de

Direito.

�� reforma sanitária – a doença

e seus determinantes sociais;

�� criação do SUS (1986) como

um sistema único de saúde,

ainda não consolidado

no formato original,

convertendo-se no decorrer

do tempo em referência

tanto para o atendimento

aos pobres como para

atendimento especializado

com uso de tecnologia de

ponta;

�� definição de percentual para

a saúde nos orçamentos –

obrigatório;

�� formação dos Conselhos

Municipais, Estaduais

e Nacional, com poder

deliberativo;

�� médicos profissionais

assalariados ou conveniados;

�� fim da Superintendência

de Campanhas (Sucam) e

da FSESP, transformadas na

Fundação Nacional de Saúde

(Funasa).

�� saneamento como uma ação

básica de saúde;

�� água e destinação de dejetos

por meio das secretarias

de saúde, programas e

planos, como o Programa

de Interiorização das Ações

de Saúde e Saneamento

(PIASS) e o Plano Diretor de

Regionalização (PDR), para

áreas rurais e desassistidas;

�� consolidação das

companhias de saneamento

para as áreas viáveis sob o

ponto de vista econômico-

-financeiro;

�� Extinção do Banco Nacional

da Habitação (BNH), o banco

gestor da política nacional

de saneamento;

�� contingenciamento de

recursos financeiros com

vistas à privatização dos

serviços.

�� definição de uma política

nacional para o meio ambiente

e sua implementação;

�� Sistema Nacional do Meio

Ambiente (Sisnama), Conselho

Nacional do Meio Ambiente

(Conama), Fundação Estadual

do Ambiente (FEAM), em

Minas Gerais, por exemplo,

Conselho Municipal do Meio

Ambiente (Comam), Conselho

Municipal de Conservação

e Defesa do Meio Ambiente

(Codema), Secretaria Municipal

do Meio Ambiente (SMMA);

�� definição de uma política

para recursos hídricos;

�� Sistema Nacional de

Informação de Recursos

Hídricos (SNIRH), Comitê

Técnico de Recursos Hídricos

(CT-Hidro), Comitês de Bacias

Hidrográficas (CBH);

�� Conferência das Nações Unidas

sobre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento, no Rio de

Janeiro (Eco 92).

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas6

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas

Século XXI

Modelo econômico:

�� desenvolvimentismo;

�� retomada do papel do

Estado como condutor.

Centralidade:

�� preponderância do setor de

serviços;

�� retomada de ações

estruturais;

�� revolução tecnológica.

�� Saúde suplementar /

convênios e planos de saúde

para os trabalhadores com

mais direitos e para as classes

abastadas;

�� revisão dos papéis

dos Conselhos e dos

conselheiros;

�� medicina complexa;

�� retorno de epidemias;

�� excesso de especialidades

médicas;

�� inversão do perfil

epidemiológico –

predominância de óbitos por

causas externas (acidentes e

homicídios) e de doenças do

desenvolvimento (crônico-

-degenerativas).

�� criação do Ministério das

Cidades (MCidades) com

uma Secretaria Nacional de

Saneamento Ambiental (SNSA);

�� marcos regulatórios do

setor, com a edição das

Leis no 11.445/2007 e no

12.305/2010 e seus decretos

de regulamentação;

�� retomada dos investimentos

em saneamento, iniciada

por meio do Programa de

Aceleração do Crescimento

(PAC), com a alocação de R$

40 bilhões para o quadriênio

2007-2010;

�� exigência de planos para o

saneamento, na alocação de

recursos federais.

�� Conferência das

Nações Unidas sobre

Desenvolvimento

Sustentável, no Rio de

Janeiro (Rio +20);

�� alteração do Código Florestal

(em discussão);

�� consolidação do Sisnama;

�� aumento da quantidade de

enchentes e inundações.

A verdadeira transformação no perfil epidemiológico brasileiro, demonstrada pelos números, que se têm invertido totalmente

nas últimas décadas, não torna menor a preocupação com as doenças infectocontagiosas, relacionadas ao desenvolvimento

precário, em particular à falta de infraestrutura sanitária (abastecimento de água em quantidade e qualidade, e coleta e

destinação adequada dos resíduos sólidos e dos esgotos sanitários). Os números do saneamento esboçados na Tabela 1

podem ser referendados, senão pela ótica da mortalidade, com certeza pela ótica da morbidade. Ainda são alarmantes as

ocorrências de esquistossomose, malária e poliverminoses em alguns bolsões do país. Segundo dados do Ministério da

Saúde2, o grupo de doenças infecciosas e parasitárias apresentou um decréscimo de 59,7% no Brasil como um todo, no

período entre 1980 e 2008. Se em 1980 essas doenças eram a terceira causa de óbitos no país, em 2008 passaram a ocupar a

sétima posição. As regiões com as maiores variações negativas foram a Nordeste e a Norte (-76,0% e -74,9% respectivamente);

a região Sudeste teve a menor variação, como esperado, dado o patamar alcançado já nos idos da década de 1980 (-49,0%).

A Tabela 3, a seguir, ilustra a questão colocada.

Tabela 3. Óbitos por doenças infecciosas e parasitárias, em percentual (%) em relação ao geral de óbitos no Brasil

Região 1980 2008Norte 26,0 6,5

Nordeste 21,0 5,0

Sudeste 9,1 4,7

Sul 8,0 3,9

Centro-Oeste 14,8 5,0

Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir de textos e dados do Datasus e do Ministério da Saúde. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de

Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Saúde Brasil 2009: uma análise da situação de saúde e da agenda nacional

e internacional de prioridades em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).

Apesar da robustez e da expressividade do decréscimo de óbitos ocasionados por doenças infecciosas e parasitárias, o guia de

bolso sobre o tema, também do Ministério da Saúde3, alerta para o número significativo de internações hospitalares ocorridas

2 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Saúde Brasil 2009: uma

análise da situação de saúde e da agenda nacional e internacional de prioridades em saúde; Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em

Saúde, Departamento de Análise de Situação de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).3 BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas 7

devido a essas doenças, o que demonstra o aumento da morbidade. No período entre 1980 e 1990, as internações por essas

causas alcançaram 10%. Contudo, o preocupante é que a queda nos períodos seguintes mostrou-se pouco expressiva,

registrando-se que entre 2000 e 2007 ainda 8,4% das internações hospitalares eram devidas a doenças infectocontagiosas,

o que reafirma a segregação regional mantida em nossa realidade: os percentuais mais expressivos dessas ocorrências foram

registrados no Norte (13,6%), e no Nordeste (11,9%).

O estudo do Ministério das Cidades com vistas a subsidiar a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab),

em atendimento à nova legislação do setor e realizado sob a coordenação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

elaborou um “Panorama do saneamento básico no Brasil” e ajustou os dados do Censo de 2000 às Pesquisas Nacionais por

Amostra de Domicílios (PNADs) no período entre 2001 e 2008. Além disso, esse estudo explicitou dados importantes para o

cotejamento da ausência de saneamento ou infraestrutura sanitária e a morbidade prevalente nos indicadores de saúde pública,

pontuando a localização dos déficits em saneamento por região, o que pode ser verificado na Tabela 4, a seguir.

Tabela 4. Distribuição espaço-territorial dos déficits em saneamento no Brasil

Região Água (déficit) Esgotamento sanitário (déficit) Resíduos sólidos (déficit)

Norte 20% 12% 7%

Nordeste 55% 43% 58%

Sudeste 14% 18% 28%

Sul 5% 11% 2%

Centro-Oeste 4% 13% 5%

Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir dos dados e informações extraídas do estudo Panorama do Saneamento Básico no Brasil. HELLER,

Léo; GOMES, Uende Aparecida Figueiredo. Elementos conceituais para o saneamento básico. Brasília: Ministério das Cidades/Secretaria Nacional

de Saneamento Ambiental, 2011.

Vale observar que os dados sobre esgotamento sanitário expõem as demandas das áreas urbanas, nas quais se localiza um

número muito maior de domicílios; entretanto, quando se coteja as áreas urbana e rural, o déficit na segunda é três vezes maior

do que na primeira. Esse fato se repete em relação aos resíduos sólidos, que têm uma cobertura de 90% nas áreas urbanas,

enquanto que nas áreas rurais essa cobertura é de apenas 28,8 %.

A Tabela 5, a seguir, traz dados que elucidam a ausência ou a precariedade dos serviços de saneamento, conforme a localização

espaço-territorial.

Tabela 5. Segregação espaço-territorial na prestação dos serviços de saneamento.

RegiãoRede de água total no Brasil

(cobertura em %)

Rede de água na área urbana

(cobertura em %)

Rede de esgoto total no Brasil

(cobertura em %)

Rede de esgoto na área urbana

(cobertura em %)

Tratamento de esgotos (%

coletados no Brasil)

Norte 57,5 71,8 8,1 10,0 22,4

Nordeste 68,1 87,1 19,6 26,1 32,0

Sudeste 91,3 96,6 71,8 76,9 40,8

Sul 84,9 96,0 34,3 39,9 33,4

Centro-Oeste 86,2 95,3 46,0 50,5 43,1

Brasil 81,1 92,5 46,2 53,5 37,9

Fonte: SNIS. Disponível em: <http://www.snis.gov.br/PaginaCarrega.php?EWRErterterTERTer=95>. Acesso em: 13 jul. 2012.

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas8

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas

Mesmo com tantas evidências, relacionar saúde com saneamento, como ocorre na realidade complexa, não tem sido tarefa fácil.

Pela ótica médico-hospitalar, atualmente dominante na área da saúde, utilizar a falta de saneamento como um dos determinantes

na relação saúde-doença tem sido uma questão menor. Pela ótica hoje dominante na área do saneamento, as obras têm sido

priorizadas, em detrimento dos indicadores epidemiológicos ou ambientais que deveriam, de fato, estar presentes entre os

principais critérios de alocação de recursos financeiros e técnicos.

No entanto, sabe-se há muito que as morbidades relacionadas às doenças infecciosas prevalentes no Brasil são consequência da

quantidade de serviços disponibilizada e também da qualidade desses mesmos serviços.

Por tratar-se de serviços integrais, a intermitência do abastecimento de água, a fragilidade da reservação coletiva ou domiciliar

da água, e a disposição inadequada dos esgotos ou dos resíduos sólidos, são elementos determinantes para uma melhor ou

pior situação na saúde pública.

O desenvolvimento institucional na área da saúde produziu uma reforma sanitária – e um Sistema Único de Saúde, ainda que não

totalmente consolidado como previsto em seu escopo original –, elaborada a partir de um vigoroso movimento que envolveu

usuários, governantes, associações técnicas, academias e trabalhadores. Processo diferente ocorreu em relação ao saneamento, que se

tornou uma área prioritariamente de obras de infraestrutura e de serviços prestados mediante retorno econômico-financeiro, após a

implantação do Planasa e de suas companhias de saneamento. A partir disso, foi então deslocado da saúde pública para uma grande

cadeia produtiva, uma área econômica – se possível – rentável, e perdeu assim sua função social, talvez por não ter construído um

movimento de sustentação extrainstitucional amplo como a saúde; ao contrário, ateve-se a rumores e reclames, legítimos e necessários,

às áreas acadêmicas e técnicas, sendo, pelo seu limite próprio, capaz de produzir apenas recentemente, após décadas, um marco

regulatório, um endereço institucional no governo federal, um descontingenciamento de recursos financeiros e um planejamento

nacional, descentralizado e participativo, que atualmente está dando seus primeiros passos.

Não é possível esgotar um tema tão rico.

A proposta deste texto-resumo é iniciar uma discussão e uma reflexão sobre as oportunidades e os desafios que ainda devem ser

superados para se alcançar a real universalização dos serviços de saneamento, com equidade, integralidade e intersetorialidade,

e que sejam planejados e tenham a efetiva participação dos usuários desses serviços, em particular os sem saneamento,

contingente expressivo da população brasileira que nem sempre consegue ser ouvido.

Tomo a liberdade de encerrar este texto com as palavras de Rodolfo Costa e Silva, um grande sanitarista brasileiro do século

XX: “A cidadania é a minha arma mais poderosa para fazer saneamento, ensinar a fazer saneamento e formar quadros para o

saneamento; com isso, é possível fazer com que este país seja melhor para se viver; os meus encantos com o saneamento são

os encantos da transformação da sociedade”4.

4 Entrevista pessoal do autor com Rodolfo Costa e Silva, [199?].

Saneamento básico: integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas 9

Foto: © Prefeitura Municipal de Jacuí Foto: © Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo / Wilson Magão e Raquel Toth

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