Jawdat_El_Haj - Entre a governança administrativa e a governabilidade política-Annotated

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  • Entre a governana administrativa e a governabilidade poltica:

    uma perspectiva histrica das reformas administrativas no Brasil.

    Jawdat Abu-El-Haj (*)

    (*) Doutor em Cincias Polticas, professor do Programa de Ps-graduao em Sociologia e do Departamento

    de Cincias Sociais da Universidade Federal do Cear.

    Resumo O artigo apresenta os dilemas polticos das mudanas gerenciais no Brasil da Era Vargas aos governos Lula.

    Identifica trs paradigmas que demarcaram a institucionalizao do Estado desde a dcada de 1930: o

    burocrtico-racional (1938), o empresarial (1967) e o gerencial (1995). Sugeriu que a consolidao de uma

    administrao pblica ecltica,durante os governos Cardoso, reforou o peso das barganhas polticas em

    detrimento do desempenho institucional, gerando uma invaso de atribuies principalmente entre as trs

    instncias da federao brasileira. O mesmo dilema permanece na era Lula sob a gideda exportabilidade, o novo modelo oficial de desenvolvimento.

    Abstract The article presented the political dilemmas of public management change in Brazil from Vargas to Lula.

    Identified three predominant paradigms: the rational-bureaucratic (1938), the entrepreneurial (1967) and the

    managerial (1995). Suggested that the crystallization of an eclectic public administration, during the Cardoso

    administrations, reinforced the weight of political bargaining, causing an invasion of turfs between the three

    levels of the federation. The same dilemma continued during the Lula administrations under exportability, the new official development model.

    Palavras chaves: administrao pblica, mudana poltica, globalizao, desenvolvimento.

    A reforma do Estado a questo mais persistente na vida poltica brasileira e

    continua sendo o foco para um desenvolvimento justo e sustentvel. Importante distinguir a

    reforma do Estado da reforma administrativa. A primeira descreve mudanas na estrutura,

    posio e forma de interveno do Estado na sociedade, enfocando ideologias, foras

    polticas e legitimidade. Enquanto a segunda representa uma reviso dos mecanismos

    administrativos e tcnicos adotados para viabilizar a interveno pblica.

    Em 1930, a derrubada da primeira repblica inaugurou uma longa odissia para

    reformular o modelo poltico brasileiro. At o presente, esse caminho perpassou por trs

    grandes reformas do Estado: o estado interventor, o estado empresarial e o estado

    regulador. Esse trabalho sintetiza a literatura da cincia poltica em torno desses grandes

    momentos.

    A primeira reforma adotou um modelo de interveno centralizadora do Estado na

    sociedade, enquanto o governo foi organizado de acordo com o modelo administrativo

  • racional-legal (1930-1945). A segunda nasceu durante o regime militar (1964-1985) e sua

    poltica de um acelerado crescimento econmico designada como a reforma empresarial

    do Estado. Os seus mecanismos administrativos assimilaram processos descentralizados da

    tomada de decises. A (terceira) ltima, a reforma reguladora, foi concebida durante os

    mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), e sua doutrina seguiu os moldes de

    gerenciamento pblico. A ltima da era Lula (expanso do consumo popular, exportao e

    experimentao com a primeira e mais siugnificativa expanso do setor pblico desde a

    dcada de 1960 tendo a educao como seu foco principal.)

    Era Vargas e o Estado Intervencionista

    O Brasil da dcada de vinte vivenciou uma profunda mudana social: cresceram os

    centros urbanos, nasceram novas classes sociais, apareceu a indstria e entraram em

    decadncia as antigas elites cafeicultoras. O pas se encontrava numa conjuntura de intensa

    mobilizao poltica, urbana, antagnica sociedade agrria. Especificamente, as crticas se

    voltaram para: a manipulao dos votos, o uso poltico da administrao pblica e a

    aplicao de polticas econmicas liberais, que beneficiavam os cafeicultores e seus

    respectivos estados em detrimento de outros setores produtivos.

    A decadncia dos cafeicultores j era evidente nos primeiros anos do sculo vinte. O

    colapso dos preos do caf atingiu em cheio o poderio econmico dessas elites.

    Desesperadas, as referidas elites utilizavam todos os meios para prorrogar a sua

    permanncia no poder: aumentaram a represso dos assalariados industriais, aprofundaram

    o empreguismo, praticaram a compra de votos e utilizaram o cmbio para aumentar as

    exportaes do caf. (De Lorenzo e Costa, 1998).

    Trs foras polticas se digladiavam para substituir a Primeira Repblica: a

    esquerda liderada pelo PCB (Partido Comunista do Brasil), a extrema direita, representada

    pela AIB (Ao Integralista Brasileira) e o centro, aglutinando a Aliana Liberal e o

    catolicismo poltico. Cada agrupamento dependia de grupos sociais diferentes. O PCB se

    inspirava nas lutas operrias. Os integralistas tiveram grande popularidade junto aos

    segmentos conservadores das classes mdias urbanas e a alguns crculos operrios. As

    foras centristas, representadas pela Aliana Liberal e lideradas por Getlio Vargas,

    conseguiram reunir um amplo espectro: foras regionalistas contrrias hegemonia

  • paulistana, profissionais liberais, militares, empresariado industrial e as elites polticas

    reformistas. Objetivamente, o centro era o melhor posicionado para liderar o processo.

    Reunia o poder das armas militares, a legitimidade do clero, os recursos do empresariado

    industrial e a fora poltica das oligarquias estaduais.

    No dia 11 de novembro de 1930, com o incentivo dos militares, Getlio Vargas

    dissolveu o Congresso e todas as Assemblias Legislativas, alm de suspender os direitos

    polticos. Para Vargas, os impasses brasileiros eram causados pela anarquia poltico-

    administrativa. Assim, entre 1930 e 1945, desencadeou uma centralizao poltico-

    administrativa jamais vista no Brasil. Nesse perodo, popularmente designado Era

    Vargas, essa administrao caracteriza-se por uma combinao de interveno poltica do

    governo federal nos estados, com uma centralizao administrativa inspirada na

    organizao racional-legal das instituies governamentais. A sua implantao ocorreu

    numa seqncia de dois intervalos. O primeiro localizado durante o governo provisrio

    (novembro de 1930 a 16 de julho de 1934), enquanto o segundo corresponde fase

    repressora do Estado Novo (Gomes, 1980).

    A centralizao administrativa (1930-1934)

    O assassinato do paraibano Joo Pessoa, candidato vice-presidncia de Vargas, no

    dia 26 de julho de 1930, foi o estopim que apressou a derrubada, pela fora das armas, da

    Primeira Repblica. Como todos os centros polticos heterogneos, a Aliana Liberal era

    polarizada entre dois projetos divergentes. O primeiro era do Partido Democrata Paulista,

    com suas bandeiras clssicas de eleies livres e governo constitucional; enquanto o

    segundo reunia os tenentes e intelectuais autoritrios e defendia uma brusca centralizao

    institucional e uma interveno estatal, em prol do desenvolvimento econmico (Lippi,

    1982).

    Getlio Vargas, seguidor do positivismo gacho, inclinava-se para o segundo grupo.

    A nomeao de interventores nos estados, em substituio aos governadores, e a

    reorganizao administrativa marcaram os primeiros atos do governo provisrio. Entre os

    dias 14 e 26 de novembro de 1930, Vargas criou dois super ministrios: Ministrio da

    Educao e Sade Pblica e Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio. O seu propsito

    era enfrentar trs impasses herdados do antigo regime: a questo social, representada pelos

  • protestos operrios; a crise econmica, causada pelo colapso dos preos do caf e a

    assistncia agricultura que sofria de uma crise de abastecimento (DAraujo, 1999).

    Gustavo Capanema, o novo ministro da Educao e Sade Pblica, protegido de

    Francisco Campos, um dos mentores da Era Vargas e seu ministro da justia, promoveu

    uma reorganizao administrativa, absorvendo rgos, extinguindo cargos e criando novas

    funes. O objetivo era a centralizao de todos as entidades e reparties pblicas ligadas

    a assuntos educacionais e de sade, numa nica administrao.

    O Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, autodenominado Ministrio da

    Revoluo, teve o impacto mais prolongado pelo fato de haver redefinido as relaes

    trabalhistas. Lindolfo Collor, ento ministro do Trabalho e principal intelectual das

    reformas trabalhistas na Era Vargas, defendeu a tese segundo a qual, na sociedade

    urbana-industrial os conflitos trabalhistas no somente eram recorrentes, mas naturais e

    poderiam ser apaziguados com a formalizao e a regulao dos mercados de trabalho. A

    organizao corporativa das classes sociais e as negociaes coletivas intermediadas pelo

    Estado seriam um substituto tanto do socialismo estatizante como do capitalismo liberal

    anrquico.

    Juarez Tvora, ao assumir o Ministrio da Agricultura, em 14 de abril de 1932,

    colocou trs metas como princpios que norteariam o desenvolvimento agrrio:

    coordenao maior entre os rgos governamentais; a liberao das instituies pblicas do

    jogo poltico; e a reduo da irracionalidade administrativa, manifestada pela duplicidade

    de funes.

    A centralizao institucional surtiu poucos efeitos para amenizar a estagnao

    econmica e os conflitos sociais. Os confrontos trabalhistas permaneceram intensos e as

    colises entre os comunistas e os integralistas se tornaram ocorrncias freqentes. O quadro

    poltico se agravou, em julho de 1932, quando os paulistas deflagraram uma revolta,

    protestando contra a nomeao de um interventor pernambucano e pedindo o fim do

    governo de exceo (Skidmore, 1996).

    Pressionado, em maio de 1933, Vargas convoca eleies da Assemblia

    Constituinte. Em 1934, a terceira constituio brasileira promulgada e Vargas

    empossado presidente, para um mandato de quatro anos, sem a possibilidade de reeleio.

    Nesse intervalo, o governo procurou aprofundar a sua reforma administrativa, iniciando

  • uma fase de conflitos latentes com o Legislativo, como conseqncia dos inquritos

    administrativos direcionados a modificar a natureza da administrao pblica no Brasil.

    O conflito dos inquritos se deflagrou, em 16 de maio de 1935, pela sub-comisso

    Nabuco. Maurcio Nabuco, diplomata e filho de Joaquim Nabuco, foi convocado por

    Vargas para participar da Comisso Mista de Reforma Econmica-Financeira. Reconhecido

    por seus mritos na reforma administrativa do Itamarty, Nabuco foi designado como relator

    da Sub-comisso do servio pblico. Em setembro, apresentou ao ministro da Fazenda,

    Artur de Sousa Costa, um dos mais minuciosos relatrios sobre o servio pblico brasileiro.

    Descrevia uma situao catica, assinalando a ausncia de critrios para definies de

    funes e salrios, e os fluxos desordenados de decises. Recomendou mudanas nos

    mtodos de recrutamento, critrios para progresso funcional e um remanejamento de

    rgos. Na sua concluso, Nabuco sugeriu a excluso dos extra-numerrios (funcionrios

    nomeados) da folha de pagamentos, deixando a sua incorporao a uma comisso especial.

    O diagnstico da sub-comisso Nabuco implicava um golpe fatal para o Estado

    Patrimonialista da primeira repblica e estava predestinado a sofrer uma resistncia tenaz

    das elites polticas.

    A resposta do Legislativo foi negativa e o ministro da Fazenda reagiu, confiscando

    as edies do relatrio e nomeando outra sub-comisso de parlamentares, esta sob a direo

    do deputado Jos Bernardino. A sub-comisso Bernardino reiterou todos os critrios

    tcnicos de Nabuco; todavia, recomendou a incorporao dos extranumerrios ao servio

    pblico. Essa demanda implicava uma institucionalizao do controle oligrquico da

    administrao pblica, uma vez que admitia, permanentemente, milhares de seguidores e

    afilhados polticos no setor pblico.

    Em dezembro de 1935, Vargas tomou a iniciativa e nomeou dois confidentes: Luiz

    Simes Lopes (poltico gacho) e Moacir Ribeiro Briggs (diplomata), para dirigirem a

    Comisso Presidencial e elaborarem um relatrio definitivo da situao do funcionalismo

    pblico. Conhecida como Comisso do Reajustamento, esta criou um plano de cargos e

    salrios, instituiu o concurso pblico como critrio de ingresso no servio pblico e criou o

    Conselho Federal do Servio Pblico para promover a unificao das carreiras e dos

    vencimentos nas reparties federais. Em outubro de 1936, as recomendaes foram

    transformadas na Lei de Reajustamento dos Quadros e dos Vencimentos do Funcionalismo

  • Pblico Civil da Unio (Lei 284). A administrao pblica brasileira se aproximou do

    modelo clssico racional-legal (Wahlrich, 1983).

    O modelo administrativo racional-legal, defendido por Simes e Briggs, era

    influenciado pelas teorias clssicas da administrao pblica e sintetizava seis princpios: 1.

    funcionrios pblicos sem lealdades polticas; 2. hierarquias e regras bem definidas; 3.

    permanncia e estabilidade no emprego; 4. institucionalizao derivada de um perfil

    profissional bem demarcado; 5. regulao interna para evitar arbitrariedades e 6. isonomia

    salarial e das condies contratuais.

    Os conflitos entre as elites polticas, no entanto, permaneceram como fonte de

    instabilidade. Nos meados de 1937, apresentavam-se dois candidatos sucesso de Vargas:

    Armando de Sales Oliveira, ex-governador de So Paulo e representante das elites

    paulistas, e Jos Amrico de Almeida, um integrante do movimento tenentista. A vitria de

    Armando Sales era inevitvel. Para impedir o retorno das elites paulistas ao poder e,

    incentivado pelos militares Gis Monteiro e Eurico Dutra, no dia 10 de novembro de 1937,

    Vargas sucumbiu tentao autoritria.

    O Estado Novo foi marcado por contradies. De um lado, ps em prtica um dos

    mais brutais sistemas de represso. Por outro, incentivou o aparecimento de uma nova elite

    tecnoburocrtica, moderna, centrada no DASP (Departamento Administrativo do Servio

    Pblico).

    O DASP e a formalizao do Estado racional-burocrtico (1938-1945)

    No dia 30 de julho de 1938, o DASP foi fundado pelo Decreto-lei 579, com a

    incorporao Conselho Federal de Servio Pblico. A instituio foi pensada como um

    centro de planejamento estratgico da reforma administrativa, tendo cinco atribuies: 1.

    selecionar os candidatos aos cargos pblicos federais; 2. promover a readaptao dos

    funcionrios de carreira aos novos padres administrativos; 3. padronizar as compras do

    Estado, atravs de regras transparentes e licitaes; 4. auxiliar o Presidente na elaborao

    dos projetos a serem submetidos sano e 5. inspecionar o servio pblico e apresentar

    relatrios anuais sobre a situao do servio pblico.

  • Para desempenhar o papel de coordenao, o DASP foi organizado em cinco

    divises: organizao e coordenao, empregados pblicos, extranumerrios, seleo e

    treinamento e materiais. Na poca, uma sexta diviso foi estabelecida, a das finanas; mas,

    pela resistncia demonstrada pelo Ministrio da Fazenda, a sua operacionalizao foi

    adiada at 1940, quando foi criada a Comisso do Oramento, localizada no Ministrio das

    Finanas, mas presidida pelo diretor do DASP. A jurisprudncia financeira do DASP foi

    ampliada, alguns meses antes da queda de Vargas, para englobar a preparao integral do

    oramento geral da Unio.

    Os fundadores do DASP evitaram as presses polticas, negando a transferncia de

    pessoal dos outros ministrios para o preenchimento dos novos cargos. Um concurso

    pblico para tcnicos de administrao foi aberto. As provas exigiam candidatos de

    elevada preparao acadmica e uma especializao tcnica, de acordo com a funo a ser

    preenchida. Por exemplo, os concursos eram divididos em trs fases: um exame escrito de

    conhecimentos tcnicos; a elaborao de uma tese na rea de especializao e uma defesa

    pblica do texto apresentado. Essa criteriosa seleo criou um grupo de construtores do

    Estado Moderno, no Brasil, cuja legitimidade residia no conhecimento tcnico e na

    capacidade de planejamento, atributos alheios aos tpicos funcionrios patrimonialistas da

    Primeira Repblica. O novo estamento representava, na essncia, o embrio de uma nova

    classe mdia urbana, disposta a assumir um papel poltico e administrativo central na

    construo de uma sociedade urbana industrial, no Brasil.

    Apesar do Estado Novo ter flertado com o integralismo, as referncias tericas dos

    daspianos eram os clssicos da administrao pblica liberal: Max Weber, William

    Willoughby, Henri Fayol e Luther Gulick alm dos Os relatrios da reforma administrativa

    americana, do governo Roosevelt, The Presidents Committee on Administrative

    Management Report (1936), e o relatrio da Brookings Institution (1937). Da obra original

    de Weber, os daspianos derivaram os princpios gerais da administrao pblica racional-

    legal. Esse modelo implica a existncia de instituies gerenciadas por uma racionalizada

    burocracia; diviso de funes; autoridade limitada do cargo; remunerao fixa e de acordo

    com a posio; especializao tcnica do funcionrio; a dedicao exclusiva; carreiras

    estveis; separao entre a propriedade do funcionrio e os bens pblicos e comunicaes

  • escritas e documentadas. Trs termos resumem a cultura organizacional desse tipo:

    impessoalidade, imparcialidade e neutralidade.

    A adaptao das teorias weberianas por William Willoughby, para os mecanismos

    da democracia representativa, gerou uma comportamentalizao formal dos papis das

    instncias polticas e administrativas. Seguindo esse autor, os daspianos distinguiam entre a

    racionalizao administrativa (governana) e as negociaes polticas, os consensos

    partidrios projetados em programas governamentais (governabilidade). A poltica a

    arena de representao dos interesses sociais e particulares e exercida, principalmente no

    poder Legislativo, pelos partidos. A administrao tcnica baseada na eficincia

    operacional uma esfera exclusiva do Executivo, que gerencia as instituies

    governamentais como um conselho diretor de uma sociedade annima. Para Willoughby,

    h duas tpicas atividades administrativas: os fins do Estado, que englobavam os servios

    fornecidos ao pblico (sade, educao, transporte, defesa nacional, finanas, relaes

    exteriores, etc.) e atividades de planejamento e administrao. O segundo so funes

    essenciais para o desempenho das primeiras. Essas atividades requerem a determinao e

    definio de autoridade, organizao racional, pessoal e material, dotao oramentria e

    adoo de mtodos adequados de trabalho.

    Henri Fayol, o inspirado das reformas administrativas francesas, distinguiu entre

    princpio administrativo e elementos administrativos. O primeiro composto pela diviso

    de trabalho, autoridade, unidade de comando, unidade de direo, centralizao, hierarquia

    e disciplina. Enquanto os elementos da administrao representam planejamento (previso

    de resultados), organizao, comando e organizao (POCCC). Finalmente, Luther Gulick,

    o intelectual orgnico das reformas administrativas da era Roosevelt, acreditava que as

    instituies governamentais deveriam se organizar objetivamente nas seguintes linhas:

    planejamento, organizao, recrutamento pessoal (staffing), direo, coordenao,

    informao e oramento.

    Seis princpios passaram a representar um consenso em torno da teoria clssica da

    administrao pblica: 1. funcionrios pblicos apolticos (sem lealdades polticas); 2.

    hierarquias e regras bem definidas; 3. permanncia e estabilidade no emprego; 4.

    institucionalizao derivada de perfil profissional bem demarcado; 5. regulao interna para

    evitar arbitrariedades e 6. isonomia salarial das condies contratuais.

  • A doutrina daspiana adaptou os princpios da teoria tradicional e formulou nove

    premissas que guiariam a atuao das instituies pblicas: 1. racionalizao da autoridade,

    atravs de uma diviso hierrquica de trabalho; 2. estabelecimento de normas que

    minimizassem a interferncia poltica; 3. ajustamento de salrios, de acordo com as funes

    enquadradas na hierarquia interna; 4. seleo meritocrtica, baseada na competncia tcnica

    dos servidores e determinada por um concurso rigoroso e especializado; 5. dedicao

    exclusiva profisso, fixada atravs de um contrato de tempo integral; 6. unidade do

    comando administrativo; 7. unidade da direo institucional; 8. centralizao administrativa

    e 9. disciplina.

    A partir de 1942, o modelo do DASP se alastrou aos Estados, comeando com a

    organizao do Departamento do Servio Pblico da Bahia. A pedido dos governos

    estaduais, outros daspinhos (designados como DSP Departamento de Servio Pblico)

    foram fundados no Par, Maranho, Piau, Cear, Paraba, Alagoas, Sergipe, Esprito Santo,

    Rio de Janeiro e Gois. Seguindo as diretrizes centrais, os daspinhos foram encarregados

    pela anlise de racionalizao das instituies pblicas, estaduais e municipais. Para

    melhorar o seu desempenho, as unidades e os setores de estatsticas dos escritrios

    estaduais do IBGE foram transferidos aos daspinhos.

    O destino do DASP, o ncleo planejador da reforma administrativa do Estado Novo,

    foi selado junto a Vargas. Ironicamente, os dois generais que forneceram as armas para a

    instalao do Estado Novo lideraram a deposio de Getlio Vargas, no dia 29 de outubro

    de 1945. A aproximao de Vargas dos sindicatos, em 1942, a aprovao da CLT

    (Consolidao das Leis Trabalhistas), em 1943, e a possibilidade de uma nova Assemblia

    Constituinte, desta vez com o apoio da esquerda, alertaram a linha dura do Exrcito,

    dominada por uma parania anti-comunista. Os seus dois representantes, Gis Monteiro e

    Eurico Dutra, do grupo autoritrio das foras armadas, considerado amigvel aos pases do

    eixo, durante a segunda guerra mundial, aliaram-se ala conservadora-liberal, liderada por

    Juarez Tvora e Juracy Magalhes, rechaaram os oficiais legalistas, integrantes da FEB

    (Fora Expedicionria Brasileira) na Itlia, e exigiram a renncia de Vargas. Temiam uma

    aproximao deste com os comunistas e a deflagrao de um novo golpe do Estado, de

    inclinaes esquerdistas.

  • No mesmo dia da queda de Vargas, Luiz Simes Lopes e todos os diretores do

    DASP pediram exonerao. Moacir Briggs assumiu a direo, at o dia 11 de dezembro de

    1945, quando deixou seu cargo, em protesto contra as nomeaes polticas praticadas pelo

    governo interino de Jos Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. Na sua

    ofensiva contra o DASP, Linhares alegou que as atribuies deste rgo teriam excedido os

    poderes normais da burocracia numa sociedade democrtica. A sua crtica se baseou em

    duas funes consideradas remanescentes do centralismo autoritrio: a elaborao e

    aprovao dos oramentos da Unio e a fiscalizao dos gastos governamentais.

    Os verdadeiros motivos da ofensiva contra o DASP, como revelou Mrio Wagner

    Cunha, eram as nomeaes polticas e, principalmente de parentescos, feitas por Linhares.

    Em pouco mais de dois meses, entre 29 de outubro de 1945 e 02 de janeiro de 1946,

    milhares de aliados polticos e familiares do presidente interino ingressaram sem concurso

    no governo federal. A situao foi agravada pela Constituinte de 1946, que transformou as

    nomeaes temporrias em cargos permanentes do servio pblico. Em 1948, o potentado

    DASP perdeu o que restou de suas atribuies deliberativas e foi reduzido a um escritrio

    de assessoramento tcnico.

    O surpreendente desmoronamento do DASP tem duas interpretaes. Wahlrich

    (1983) atribuiu a sua fragilidade tradio oligrquica brasileira. Sugeriu que o

    afastamento de Vargas retirou o escudo poltico daquela instituio, deixando seus

    funcionrios vulnerveis ofensiva oligrquica. Esses grupos ficaram latentes na vida

    poltica brasileira, esperando uma oportunidade para retomar os seus mandos dentro da

    administrao pblica. Na luta pelo poder, entre as novas elites tecnoburocrticas e as

    antigas elites polticas, o primeiro grupo no conseguiu resguardar a sua autonomia.

    A segunda explicao de Wagner Cunha, localiza na cultura organizacional elitista

    do DASP as razes do naufrgio. O excessivo isolamento da nova tecnoburocracia e a

    proteo semi-paternal oferecida por Vargas o inibiram de estabelecer uma rede de

    proteo poltica, que poderia sustentar a instituio, aps a mudana do regime. A

    dedicao quase monstica dos seus dois fundadores, Moacir Briggs e Luiz Simes Lopes,

    s noes de meritocracia, racionalizao e imparcialidade distanciou a instituio das

    foras polticas vivas na sociedade brasileira. Perante a ofensiva clientelista, nenhum

  • partido poltico se mobilizou para proteger o smbolo maior da meritocracia pblica no

    Brasil.

    Sintetizando as duas explicaes, provvel que o divrcio entre os meios e os fins

    empregados pelo Estado Novo tenha sido o motivo maior do fracasso do DASP. Seduzido

    pelo imediatismo autoritrio, Vargas renunciou aos objetivos democrticos da revoluo de

    trinta e a Constituio de 1934. Esse perodo (1930-1937) foi um dos mais ricos intervalos

    da construo poltica no Brasil: decaram as instituies das oligarquias fundirias;

    ascenderam ao poder novas classes sociais; despertou um novo sindicalismo, representativo

    dos assalariados urbanos e das massas rurais; apareceram projetos de desenvolvimento

    industrial e se iniciou a reorganizao de uma moderna administrao pblica. A tentao

    autoritria, de 1937, interrompeu o processo democrtico de mudana social. Apesar das

    aparncias slidas do Estado Novo e suas instituies polticas, os pilares do regime eram

    frgeis, pois no se edificavam sobre um amplo consenso poltico. Arruinado o Estado

    Novo, as elites conservadoras, sob o pretexto da redemocratizao, retomaram as suas

    prticas clientelistas e invadiram as instituies pblicas, pilhando o Estado e seus fundos

    pblicos.

    A experincia daspiana no foi inteiramente perdida. Apesar do seu

    desaparecimento como ncleo estratgico dentro da administrao pblica, deixou o

    embrio de uma nova tica pblica, endossada pelas foras democrticas. Noes bsicas

    de um pblico universal, estado racional a servio do bem-estar geral da sociedade e um

    conceito de instituies pblicas, resistentes s manipulaes polticas so heranas que

    sobrevivem, como doutrinas administrativas consagradas, na sociedade brasileira. Muitos

    dos daspianos permaneceram no setor pblico e tiveram um papel decisivo no planejamento

    industrial. Alguns dos cones do desenvolvimentismo iniciaram suas carreiras no seleto

    quadro daspiano, entre eles: Guerreiro Ramos (fundador do ISEB), Celso Furtado (o mentor

    do desenvolvimentismo no Brasil), Lucas Lopes (principal administrador do plano de

    metas) e Luiz Simes Lopes (presidente do DASP, entre 1938 e 1945, e idealizador da

    Fundao Getlio Vargas).

    Proto-desenvolvimentismo: as comisses econmicas e a criao do BNDE

  • O fracassado projeto daspiano reforou o aspecto pulverizado das aes

    governamentais. As atenes se voltaram, exclusivamente, ao controle da inflao e ao

    ajuste da balana de pagamentos. Entre 1945 e 1955, uma srie de relatrios econmicos

    procurou delimitar o papel do Estado e suas formas de interveno. Dois pioneiros estudos,

    Relatrio Niemeyer (1931) e o Memorando da Misso Cooke (1942), haviam defendido a

    ampliao do mercado interno, a diversificao da produo e uma poltica industrial mais

    agressiva. Todavia, em 1948, a Misso Abbink recuou, em relao s recomendaes

    iniciais, da industrializao, e advogou uma poltica monetarista mais rgida, para contornar

    a inflao, atrair investimentos internacionais e acelerar as exportaes. Por uma dcada, a

    inconsistente e confusa fase dos relatrios econmicos paralisou o governo brasileiro.

    Somente em dezembro de 1950, com a instalao da Comisso Mista Brasil-Estados

    Unidos, foi reativado o debate em torno do futuro do Estado e da economia. Duas posies

    latentes haviam se materializado: a monetarista e a desenvolvimentista. O relatrio final da

    Comisso Mista se inclinou a favor das teses desenvolvimentistas e, com a re-eleio de

    Vargas Presidncia, em 31 de janeiro de 1951, esse grupo adquiriu uma preeminncia na

    vida pblica (Malan, 1977).

    O desenvolvimentismo atribua ao Estado a liderana na transio de uma sociedade

    agrria para a industrial, em dois aspectos: investimentos pblicos diretos em

    empreendimentos econmicos e sociais e a formulao de uma poltica industrial de

    integrao dos setores industriais (insumos bsicos e indstrias de bens de capitais). A

    poltica industrial teria aspectos protecionistas, sistema de incentivos e intermediao

    financeira.

    A Comisso conduziu uma abrangente pesquisa sobre a situao de infra-estrutura

    econmica e o grau de desenvolvimento industrial. Identificou cinco setores que

    necessitavam de apoio imediato, para expandir o mercado interno: ferrovias (50% dos

    investimentos totais); energia eltrica (34%); construo pesada de estradas e portos (6%) e

    transporte martimo (6%). Trs sugestes imediatas foram includas: a importao de

    mquinas agrcolas para intensificar a produo de alimentos; construo de silos para

    reduzir as oscilaes de preos de produtos e expanso das plantas industriais j existentes.

    Recomendou a criao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE), em

    20 de junho de 1952, um banco de desenvolvimento para coordenar os investimentos infra-

  • estruturais previstos, com os recursos do Export-Import Bank e do Banco Interamericano

    de Desenvolvimento (Sola, 1998).

    A tendncia desenvolvimentista foi reforada, em 1953, com a concluso do

    relatrio do Grupo Misto CEPAL-BNDES, sob a presidncia do economista Celso Furtado,

    ento funcionrio da CEPAL (Comisso Econmica e de Planejamento da Amrica Latina).

    Os dois estudos serviram de base para o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitscheck,

    iniciado em 1956, sob a coordenao de Lucas Lopes.

    Ironicamente, foram os daspianos, Lucas Lopes e Celso Furtado, os impulsores da

    nova onda desenvolvimentista. Aprovados na primeira leva de concurso do DASP, ambos

    haviam sido expurgados pela poltica clientelista que destruiu a instituio, em 1945.

    Voltaram na dcada de cinqenta, formulando o referido plano de metas e induzindo um

    dos processos mais curiosos de industrializao, nos pases em desenvolvimento.

    Kubitscheck e as contradies do desenvolvimentismo

    Ao assumir a Presidncia, em 1956, Juscelino Kubitschek (JK) enfrentou trs

    desafios. Herdou instituies pblicas debilitadas pelo clientelismo e inabilitadas para

    formular complexas polticas pblicas. Segundo, a sua frgil sustentao partidria no

    permitiu ousadas reformas administrativas, semelhantes s da dcada de trinta. Finalmente,

    a sua vitria eleitoral foi por uma margem reduzida de 36% dos votos vlidos, com o

    agravante de, em So Paulo, o maior colgio eleitoral e o centro econmico do Brasil, haver

    recebido somente a aprovao de 9% do eleitorado (Skidmore, 1996).

    Para satisfazer as demandas contraditrias dos seus aliados, JK adotou uma prtica

    que se tornara clssica nas coalizes partidrias. Em 1956, a CEPA (Comisso de Estudos e

    Planejamento Administrativo), constituda pelo presidente eleito para diagnosticar a

    administrao pblica, apresentou duas frmulas para uma reforma administrativa: uma

    reformulao ampla, nos moldes da adotada na dcada de trinta; e outra, de uma

    administrao paralela (bolses de excelncia), inspirada no GEIA (Grupo Executivo da

    Indstria Automobilstica). (Almeida, 1972). O pragmtico Kubitscheck adotou a segunda

    alternativa e dividiu a administrao pblica em dois campos: o econmico e o social.

    Enquanto os ministrios sociais foram reservados s negociatas polticas e nomeaes de

  • aliados, as instituies econmicas receberam a proteo pessoal de Kubitscheck e foram

    preenchidas pelos melhores tcnicos do Estado (Gomes, 1991).

    Essa peculiar diviso entre o econmico e o social era um reflexo da teoria

    desenvolvimentista, predominante na dcada de cinqenta. Acreditava-se que a

    industrializao e o crescimento econmico seriam suficientes para resolver os impasses

    sociais. Roberto Campos descreveu a essncia dessa noo:

    (...) a opo pelo desenvolvimento implica a aceitao da idia de

    que mais importante maximizar o ritmo de desenvolvimento

    econmico, que corrigir as desigualdades sociais. Se o ritmo de

    desenvolvimento econmico rpido, a desigualdade pode ser

    tolervel e pode ser corrigida a tempo. Se baixa o ritmo de

    desenvolvimento por falta de incentivos adequados, o exerccio da

    justia distributiva se transforma numa repartio de pobreza.

    Essa estratgia revelou ser um impasse formidvel para o desenvolvimento

    sustentvel e socialmente justo, no Brasil, e continua sendo um dos impasses mais agudos

    dos nossos dias (Cardoso, 1977).

    Kubitscheck dependeu de duas instituies para promover a transio industrial: o

    BNDE e o Conselho Nacional de Desenvolvimento (CND), criado em fevereiro de 1956. O

    primeiro era a fonte de financiamento, enquanto o segundo assumia o planejamento

    setorial. Para evitar a fragmentao interburocrtica e as interferncias polticas de grupos

    empresariais, tomou quatro medidas: nomeou Lucas Lopes, ex-governador mineiro,

    presidncia, tanto do CND como do BNDE; garantiu equipe tcnica plena autonomia para

    contratar seus integrantes; estabeleceu um canal direto com a presidncia da repblica e

    reservou, para tanto, uma dotao financeira, anual, independente do oramento da Unio.

    A ltima medida assegurou a independncia financeira do Banco, at 1967. Os recursos do

    BNDE eram oriundos de uma sobretaxa aplicada sobre a importao de petrleo, transporte

    ferrovirio, transporte martimo e energia eltrica. Posteriormente, outra sobretaxa, de 15%,

    foi adicionada ao imposto de renda de grandes empresas e fortunas. Os recursos anuais do

    BNDE, durante a presidncia de Kubitscheck, alcanaram uma mdia de 22% de todos os

    investimentos federais (Lafer, 1987).

    Highlight

  • Dois objetivos nortearam a estratgia desenvolvimentista de JK: substituio de

    importaes e melhoria da infra-estrutura bsica. A primeira estratgia foi direcionada ao

    setor privado, enquanto a segunda foi desencadeada com os recursos do Programa de

    Reaparelhamento Econmico. Como as presidncias do CND e do BNDE foram unificadas,

    o planejamento econmico adquiriu uma grande vitalidade, atenuando os obstculos

    polticos e as morosidades administrativas.

    Quatro grupos executivos (GEs) foram escalonados para planejar a substituio de

    importaes de setores prioritrios: GEIA (Grupo Executivo da Indstria Automobilstica),

    GEICON (Grupo Executivo da Indstria de Construo Naval), GEIMAPE (Grupo

    Executivo da Indstria Mecnica Pesada) e GEIMAQ (Grupo Executivo da Indstria de

    Bens de Capitais). Os GEs reuniram empresrios e executivos do setor pblico, na

    programao de investimentos e na importao de tecnologias. Por outro lado, as metas de

    expanso da infra-estrutura focalizaram cinco gargalos: energia eltrica, transporte,

    alimentao, indstria de base e educao. Foram organizados 30 Grupos de Trabalho, para

    traar polticas setoriais e alcanar metas de produo sugeridas pelos relatrios da

    Comisso Mista Brasil-Estados Unidos e do Grupo Misto BNDE-CEPAL (Sola, 1998).

    O Plano de Metas foi um sucesso produtivo. Na maioria dos casos, os GTs

    ultrapassaram as expectativas. Entre 1956 e 1960, a feio econmica brasileira mudou

    radicalmente, de uma tpica sociedade agrria para uma moderna economia industrial.

    Todavia, os pressupostos tericos do desenvolvimentismo e suas prticas institucionais

    causaram graves incoerncias entre: desenvolvimento econmico, desenvolvimento poltico

    e desenvolvimento social.

    Primeiro, a recusa de Kubitscheck em promover uma ampla reforma administrativa

    significava a entrega do planejamento econmico s vontades subjetivas, em vez das aes

    institucionais de longa durao (Nunes, 1997). Por exemplo, com a sada de Lucas Lopes

    para assumir o Ministrio da Fazenda, em junho de 1958, o CND perdeu a sua importncia

    como rgo de planejamento. A situao se agravou, em maio de 1959, quando toda a

    equipe original deixou o BNDE, aps o enfarte sofrido por Lopes e a nomeao de Lcio

    Meira para a presidncia da instituio. Naquele ms, Kubitscheck declarou encerrado o

    Plano de Metas e enviou ao Congresso Nacional o seu relatrio final.

  • Segundo, a separao estabelecida entre desenvolvimento econmico e incluso

    social acelerou o crescimento econmico e intensificou a industrializao, e, ao mesmo

    tempo, estancou o mercado interno. Esse fato significava que a acumulao de capital no

    era determinada por fatores internos, mas precisava de recursos externos para financiar a

    expanso econmica. Terminado o ciclo desenvolvimentista, o Brasil exibia relaes de

    dependncia externa bem mais complexas do que nas dcadas anteriores.

    Por outro lado, a acelerada industrializao implicava um crescimento econmico

    superior ao ingresso da populao no consumo interno. Esse fato gerou trs impasses

    imediatos, que repercutiram sobre o colapso da democracia, em 1964: um endividamento

    externo e de curta durao; uma inflao galopante (principalmente pelos custos da

    construo de Braslia) e uma excessiva concentrao industrial no Sudeste. Concluda a

    investida desenvolvimentista de JK, a dvida externa tinha subido de US$2,0 bilhes, em

    1955, para US$2,7 bilhes, em 1960, e com 60% das somas com maturidade de 3 anos. A

    inflao alcanou uma taxa de 22,6%, considerada excessivamente elevada para os padres

    da poca. Enquanto So Paulo aumentou a sua parcela do setor industrial de 48%, em 1955,

    para 55%, em 1960, alcanando 82% nos setores de consumo de massa. (Gomes, 1991).

    A experincia desenvolvimentista mostrou que o crescimento no poderia precluir

    os direitos sociais. Essa opo ergue uma economia insustentvel, uma vez que gera uma

    crescente dependncia externa, com graves desequilbrios estruturais: inflao elevada,

    desigualdade regional e graves problemas sociais. O meio para alcanar o desenvolvimento

    scio-econmico justo garantir uma continuidade administrativa e uma convergncia

    entre metas econmicas e sociais.

    Jango e as Reformas de Base.

    A eleio de 1960 complicou, mais ainda, a herana desenvolvimentista deixada por

    Kubitscheck. Como o sistema eleitoral permitia uma disputa independente entre a

    presidncia e a vice-presidncia, o novo governo reuniu dois candidatos antagnicos. O

    udenista Jnio Quadros derrotou o candidato oficial General Lott e o ex-governador

    paulista Adhemar de Barros. Por outro lado, o candidato do PTB e ex-ministro de trabalho,

    Joo Goulart, foi mais votado do que Milton Campos, ex-governador de Minas, um

    respeitadopoltico da elite tradicional.

  • O excntrico Quadros iniciou seu mandato aplicando polticas monetaristas

    clssicas para contornar a inflao. Todavia, em maro de 1961, repentinamente convidou o

    cientista poltico Cndido Mendes, um desenvolvimentista moderado, para presidir a sua

    assessoria econmica e passou a defender uma sntese de estabilizao monetria com a

    retomada de interveno do Estado. Essa virada no foi bem recebida pelo seu partido, a

    UDN. A sua situao se agravou quando, sob os conselhos do seu ministro das relaes

    exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco, propagou uma poltica externa autnoma do

    eixo americano. Uma semana aps a sua condecorao de Che Guevara, Carlos Lacerda

    pediu a sua renncia durante a conveno da UDN, em maio de 1961. Abandonado pelos

    correligionrios, Quadros renunciou Presidncia, em 25 de agosto de 1961 (Benevides,

    1981).

    No dia da renncia, o vice-presidente Joo Goulart se encontrava na China. Durante

    nove dias, uma batalha jurdica foi travada entre os constitucionalistas, defendendo o direito

    de o vice assumir a presidncia, e a UDN, que tentava barr-lo. Um compromisso

    parlamentarista foi acertado para evitar uma crise institucional. Foi permitido a Jango

    assumir a Presidncia, sob a condio, no entanto, de conviver com o Parlamentarismo. Os

    poderes presidenciais foram reduzidos nomeao de funcionrios efetivos, a qual

    dependia da aprovao do primeiro ministro. Esse arranjo perdurou at o dia 6 de janeiro de

    1963, quando um plebiscito restaurou os poderes presidenciais. Nesse intervalo, o governo

    enfrentou numerosas ameaas de golpes militares. A instabilidade poltica era tanta que,

    durante um ano de regime parlamentarista, quatro gabinetes se alteraram.

    Alm da instabilidade poltica e da oposio acirrada da UDN, Jango no dispunha

    de instituies pblicas de qualidade. Os confrontos polticos eram to acirrados, que as

    nomeaes polticas para cargos de direo institucional eram praticadas por todo o

    espectro partidrio, inclusive, da prpria presidncia da repblica (Carvalho, 1976).

    Na economia, Goulart encontrou uma situao catica: uma inflao galopante,

    dvida externa pesada e baixa produtividade. Influenciado pelos desenvolvimentistas,

    defendeu uma estratgia estruturalista. Mas, ao mesmo tempo, assessorado pelo sbio So

    Tiago Dantas, procurou Celso Furtado para formular um plano econmico antiinflacionrio.

    As medidas estruturalistas foram enviadas ao Congresso Nacional, em julho de 1962,

  • conhecidas como Reformas de Base, enquanto o plano de estabilizao inflacionria, o

    Plano Trienal, foi posto em prtica em setembro do mesmo ano.

    As Reformas de Base compunham-se de dois eixos: um emergencial e o outro

    relevante. O emergencial objetivou: melhorar a situao social atravs do abastecimento de

    alimentos, da erradicao do analfabetismo e dinamizao do mercado de trabalho;

    combater a alta inflao e melhorar a eficcia da administrao pblica e iniciar uma

    reforma agrria. Doze medidas relevantes foram formuladas para viabilizar os objetivos

    emergenciais: plano econmico anti-inflacionrio, reforma tributria, reforma

    administrativa, desapropriao e redistribuio de terra no campo, reforma cambial,

    reforma bancria, cdigo das telecomunicaes, controle da remessa de lucros para o

    exterior, punies para o abuso do poder econmico, reformulao da poltica do comrcio

    exterior, nacionalizao das empresas concessionrias e institucionalizao do

    planejamento econmico e social. Duas medidas, todavia, foram as mais polmicas e os

    motivos da derrubada da democracia no Brasil: a reforma agrria e a regulamentao do

    capital internacional (Viana, 1980).

    A questo agrria no Brasil, no decorrer das dcadas de 1950 e 1960, foi despertada

    tanto por razes tcnicas como por mobilizaes polticas dos camponeses. A

    industrializao acelerada provocou uma desordenada transio demogrfica urbana e uma

    grave crise de abastecimento alimentar. Por exemplo: entre 1952 e 1961, a produo

    agrcola aumentou 59,8%, enquanto no mesmo intervalo, a populao urbana se expandiu

    de 10 milhes de habitantes para 35 milhes. Esse fato causava o encolhimento do mercado

    interno para produtos industriais e implicava um entrave estrutural para a retomada do

    desenvolvimento. O aumento da produtividade agrria se tornou uma necessidade

    imprescindvel para a sustentao da industrializao.

    Dois paradigmas antagnicos se posicionavam para solucionar a questo agrria. A

    primeira, adotada pelo governo, defendia uma reforma baseada na desapropriao do

    latifndio. No projeto enviado ao Congresso, Goulart acusou o instituto da propriedade

    (referindo-se ao latifndio improdutivo) de ser o gargalo da decolagem do

    desenvolvimento interno. O projeto conclamou: essas vastas terras foram conservadas para

    fins especulativos ou por problemas de herana, sem que a sociedade e o poder pblico se

    animem a neles interferir para lhes dar finalidades produtivas. A outra abordagem,

  • propagada pelas foras conservadores, apoiava-se na teoria neo-clssica, ao associar o

    impasse agrcola baixa produtividade da terra. Uma combinao de mecanizao com

    alargamento da fronteira agrcola resolveria o impasse, sem causar conflitos sociais no

    campo ou contestar a ordem tradicional da grande propriedade privada.

    A regulamentao do capital internacional foi a segunda questo mais polmica.

    Duas posies competiam dentro do prprio governo. De um lado, Leonel Brizola assumiu

    uma posio maximalista, defendendo a estatizao dos empreendimentos internacionais

    nos setores infra-estruturais. Como governador do Rio Grande do Sul, Brizola havia

    estatizado a ITT (International Telefone and Telegraph) e causado uma reao negativa do

    governo americano. A posio minimalista era advogada por Santiago Dantas e favorecia

    uma sntese de regulamentao do capital internacional, aumento dos impostos sobre a

    remessa de lucros e a aquisio de empresas estrangeiras em setores de infra-estrutura

    (telecomunicaes e energia eltrica), por preos de custo (Bandeira, 1983).

    As foras conservadoras, representadas por segmentos agrrios do PSD e da UDN,

    interpretaram as reformas de base como uma guinada comunista do governo. A UDN

    acusou Goulart de questionar a propriedade privada, enquanto o governo americano temia

    uma poltica externa brasileira com inclinaes socialistas. Em janeiro de 1964, Goulart

    regulamentou a Lei da Remessa de Lucros, provocando a ira do governo americano. No dia

    13 de maro, Goulart marcou um comcio no Rio de Janeiro em defesa da reforma agrria.

    Perante uma massa de 150.000 manifestantes, anunciou duas medidas inditas: a

    estatizao de todas as refinarias de petrleo e a desapropriao das propriedades com rea

    acima de 100 hectares adjacentes s vias pblicas federais. No dia 31 de maro, as Foras

    Armadas, apoiadas por diversos governadores, derrubaram Goulart (De Carli, 1980).

    Ao assumir, Jango herdava uma economia em crise, um sistema partidrio

    conflitante, uma administrao pblica infiltrada por interesses privados e uma

    efervescncia social e sindical jamais vista na histria brasileira. Enquanto a sociedade

    organizada demandava a universalizao dos direitos da cidadania, as elites conservadoras

    interpretavam as medidas reformistas como uma radicalizao comunista. A inabilidade de

    Goulart, em elaborar uma clara estratgia poltica e um plano administrativo para

    implementar as reformas de base, permitiu oposio conservadora paralisar o governo e

    desmobilizar a sociedade organizada.

  • Dessa conjuntura conflitante, conclui-se que o equilbrio entre a mobilizao

    democrtica, a administrao pblica e a viabilidade poltica so ingredientes chaves para o

    sucesso das reformas sociais. Debilitando as instituies pblicas e criando um conflito

    poltico irreconcilivel, o governo comprometia a prpria governabilidade. Um governo

    reformista bem sucedido aquele que incentiva a formao de um consenso poltico-

    partidrio, aliado a uma administrao pblica gil e racional.

    Decreto-Lei 200: a reforma empresarial do Estado

    A reforma do Estado (Decreto-Lei 200), lanada em 25 de fevereiro de 1967,

    formalizou a estrutura institucional do governo federal e criou uma gesto descentralizada.

    No Artigo 5, definiu quatro pilares do Estado: administrao direta (presidncia da

    repblica e os ministrios); autarquias e fundaes (entidades governamentais direcionadas

    para executar as atividades tpicas do setor pblico); empresas de economia mista

    (sociedades annimas cujas aes com direito a voto pertencem, na sua maioria, Unio) e

    empresas pblicas (entidades da administrao direta, criadas para desempenhar atividades

    de natureza empresarial que o governo levado a exercer por convenincia ou contingncia

    administrativa). (Lima e Abranches, 1987).

    Para permitir a descentralizao, o governo distinguiu entre atividades de direo e

    atividades de execuo. No primeiro grupo estariam as aes de planejamento,

    coordenao, superviso e controle, enquanto no segundo estariam as de fornecimento de

    servios. A descentralizao se daria atravs da delegao de competncias e da dotao

    oramentria especfica. Essas entidades, alm dos recursos pblicos, poderiam captar

    financiamento externo. No caso das empresas controladas pelo Estado, tanto pblicas como

    mistas, a reforma objetivou oferecer condies eqitativas do setor privado, no

    financiamento e na gesto. De acordo com o pargrafo nico do Artigo 27, s empresas

    estatais foram garantidas condies de financiamento idnticas s do setor privado,

    incluindo a captao de financiamento internacional. O favoritismo de uma lgica

    empresarial e as possibilidades de captar recursos externos ao setor pblico levou

    multiplicao de empresas pblicas que esperavam uma dotao oramentria mais

    favorvel, com emprstimos externos. Por exemplo: enquanto entre 1960 e 1969 foram

  • criadas 39 novas empresas federais, no intervalo de 1970-1976 o ritmo acelerou para 70

    federais.

    Trs motivos explicam a adoo da reforma empresarial. Primeiro, houve uma

    identificao ideolgica mais prxima com a economia do mercado durante a guerra fria.

    Segundo, o crescimento vertiginoso do nmero de instituies e empresas pblicas, na

    dcada de 1950, exigiu uma nova sistemtica de controle administrativo. Finalmente, no

    caso das empresas pblicas, a flexibilizao e a adoo de gerenciamento privado

    objetivaram a captao de recursos internacionais e a possibilidade de fuses entre

    empresas estatais, multinacionais e empresas nacionais. Por exemplo: em 1947, existiam 30

    autarquias, compostas por institutos e caixas de previdncia. Entre 1947 e 1967, esse

    nmero subiu para 80, refletindo a expanso da interveno pblica na infra-estrutura,

    indstria pesada, produtos primrios e abastecimento alimentar. O crescimento institucional

    inviabilizou um controle central mais eficiente e diversificado dessa ampla estrutura

    pblica. Finalmente, no caso das empresas pblicas, a flexibilizao e a adoo de

    gerenciamento privado objetivaram a captao de recursos internacionais e a possibilidade

    de fuses entre empresas estatais e as multinacionais em projetos especiais.

    A presena empresarial do Estado na economia se localizou em cinco setores:

    insumos bsicos, utilidades pblicas, armazenagem, transportes e comunicaes. A

    estratgia do governo combinava um esforo de cartelizao do setor pblico econmico e,

    ao mesmo tempo, garantia a sua insero no mercado igualmente dos agentes privados.

    Quatro grandes conglomerados industriais faziam parte dessa estratgia: Petrobrs (fundada

    em outubro de 1953), Eletrobrs (junho de 1962), Telebrs (1972) e Siderbrs (setembro de

    1973).

    A crise do petrleo, de 1974, e o avano da oposio atingiram em cheio a reforma

    de 1967 e provocaram o recuo da estratgia empresarial e o retorno centralizao. As

    modificaes ocorreram em duas fases: 1. a organizao, em 19 de maro de 1974, do

    Conselho de Desenvolvimento Econmico (CDE) e os seus respectivos conselhos setoriais

    e 2. a criao da SEST (Secretaria Especial das Empresas Estatais), em dezembro de 1979.

    Na primeira instncia, o CDE e seus 30 conselhos setoriais foram encarregados da

    superviso ministerial das empresas estatais. Os conselhos seriam subordinados ao CDE,

  • presidido pelo prprio presidente, e teriam poderes para facilitar a coordenao do conjunto

    do setor econmico estatal (Wahlrich, 1980).

    Quando um estudo encomendado pelo FINEP (Financiadora de Estudos e

    Projetos)revelou a ineficcia dos conselhos de coordenao, o governo abandonou o

    modelo empresarial do Decreto-lei 200, e retomou o controle centralizado. Ironicamente,

    foi o economista Delfim Neto, o autor do milagre (1968-1974), o crebro dessa investida.

    Ao ser nomeado, em agosto de 1979, apresentou um plano composto por quatro objetivos:

    controle inflacionrio; incentivo s exportaes; substituio do petrleo pelo lcool e

    disciplinamento dos preos das utilidades pblicas. Esse ltimo ponto, considerado

    secundrio no seu programa, foi um golpe fatal no setor pblico. A SEST (Secretaria

    Especial das Empresas Estatais) foi criada para aplicar a ltima exigncia e enquadrar as

    empresas estatais dentro das metas inflacionrias do governo.

    A nova guinada representou um golpe fatal para o setor pblico. Em 1979, acelerou-

    se uma tendncia detectada a partir de 1976, quando os preos das utilidades pblicas

    comearam a ter um reajuste inferior inflao. Por exemplo: por volta de 1980, os preos

    de energia, telecomunicaes e ao estavam valendo, em mdia, 65% dos preos de 1975.

    O efeito imediato foi uma queda de 30% dos investimentos das estatais, recuando de 4,66%

    do PIB, em 1975, para 1,66%, em 1989. Essa poltica se revelou desastrosa. A dvida

    externa cresceu vertiginosamente, a inflao passou de um fato preocupante para uma crise

    severa e as contas pblicas entraram em plena desorganizao (Abu-El-Haj, 1991).

    A estatizao da dvida externa e a exploso da inflao foram as duas

    conseqncias mais graves da nova poltica econmica. A reforma empresarial do Estado

    permitiu s empresas estatais contrarem emprstimos externos. Com a poltica de

    cartelizao aliada ao desempenho positivo da economia brasileira, durante o Milagre, as

    empresas estatais foram as maiores captadoras de investimentos externos. Como resultado,

    a dvida externa que era privada, at 1972, sofreu uma inverso de acordo com a qual a

    dvida privada externa passou de 75,1% para 24,9% do total. A poltica de centralizao e

    correo de tarifas abaixo da inflao, praticada a partir de 1976 e acelerada com a criao

    da SEST, multiplicou as dvidas do setor pblico. Paralelamente, houve um aumento

    significativo dos juros internacionais, piorando a situao da dvida externa.

  • A experincia do regime autoritrio confirma que o uso poltico das empresas

    pblicas e as instituies governamentais provocaram efeitos desastrosos. Alm da

    represso poltica e dos retrocessos sociais, o governo de exceo, munido de controles

    sociais e de contestaes polticas, debilitou o setor pblico, desgastou a infra-estrutura,

    provocou um surto inflacionrio e causou um recuo geral da economia e das contas

    pblicas. At nossos dias, esses danos deixados pelo regime autoritrio continuam

    exercendo um efeito decisivo sobre o desempenho do setor pblico no Brasil.

    A redemocratizao de 1988: desenvolvimento econmico com sustentabilidade social

    O retorno das liberdades polticas, coroado com a aprovao de uma Constituio

    democrtica, criou novas esperanas de um desenvolvimento econmico com justia social.

    A redemocratizao, todavia, enfrentava o duro teste da viabilidade. Trs desafios

    dominaram o cenrio: uma inflao persistente, um novo pacto federativo e a

    experimentao de uma nova poltica industrial.

    A inflao subiu de uma mdia de 70%, nos ltimos dois anos do regime militar,

    para 239%, em 1985, e acelerou para uma situao hiperinflacionria, em 1989, alcanando

    1.860%. Durante essa dcada, foram oito malogrados planos econmicos aplicados pelo

    Estado, na tentativa de contornar a subida de preos: Plano Cruzado (maro-dezembro de

    1986); Plano Bresser (junho-dezembro de 1987), Plano Arroz com Feijo (1988); Plano

    Vero (janeiro-junho de 1989); Plano Collor I (maro-abril de 1990); Plano Collor II

    (janeiro-abril de 1991) e Plano Marclio (janeiro-abril 1991). Muitas dessas tentativas

    foram concebidas por economistas de oposio ao Governo, utilizando uma lgica

    heterodoxa (distinta da ortodoxia monetarista), que combinava a indexao salarial com o

    congelamento de preos. Os fracassos criaram a impresso de que a poltica econmica da

    democracia brasileira beirava o populismo econmico, ou seja, apresentao de metas

    econmicas e sociais, por partidos governistas, que, objetivamente, eram inalcanveis

    dentro das estruturas econmicas e institucionais existentes (Pereira, 2000).

    Nas polticas sociais, o novo pacto federativo priorizou o municpio como o campo

    da implementao e o espao de deliberaes democrticas (Dagnino, 1994). O Artigo 18

    da Constituio definiu trs nveis do sistema poltico-administrativo da Repblica,

    enquanto o Artigo 34 assegurou a autonomia municipal. Os direitos sade pblica foram

  • estabelecidos, nos artigos 196 e 198, e as Leis orgnicas n 8.080/90 e n 1.142/90

    regulamentaram os princpios da universalidade, integralidade, descentralizao e controle

    social. Na educao, a Constituio estabeleceu que o ensino fundamental no s seria

    obrigatrio e gratuito, independentemente da idade, mas um direito pblico cujo no-

    fornecimento implicava a responsabilidade da autoridade competente. A onda da

    municipalizao foi estendida assistncia social pela LOAS (Lei Orgnica da Assistncia

    Social, Lei n 8.742/93) e tambm infra-estrutura bsica: transporte, saneamento e

    habitao. A carta magna trouxe uma inovao peculiar, ao garantir, no Artigo 193, a

    participao dos cidados, por meio de suas organizaes representativas, na formulao

    das polticas e no exerccio do controle social das aes em todos os nveis da Federao.

    Trs ressalvas apareceram, em relao ao avano dos direitos sociais da

    Constituio de 1988. Primeiro, a universalizao no foi acompanhada por um

    desenvolvimento institucional capaz de gerenciar uma crescente complexidade, gerada pelo

    ingresso macio de novos grupos no sistema de proteo social. Principalmente, a

    administrao pblica municipal, o elo mais frgil do sistema administrativo brasileiro, no

    recebeu qualquer regulao para administrar, de forma eqitativa, as suas novas atribuies.

    Segundo, a participao da sociedade ficou circunscrita aos conselhos paritrios de controle

    social, mas, igualmente ao setor administrativo, seus mecanismos de participao,

    atribuies e direitos legais ficaram obscuros, dependendo da iniciativa pessoal do chefe do

    poder local. Finalmente, o devido financiamento para os municpios e estados no foi

    adequado ao tamanho da tarefa colossal de administrar toda poltica social bsica, num pas

    amplo e diversificado como o Brasil.

    Paralelamente ao avano social, houve uma tentativa de formular um novo modelo

    de desenvolvimento econmico. As cmaras setoriais foram concebidas como uma nova

    poltica industrial, capaz de reconciliar a competitividade da empresa nacional com a

    substituio de importaes. Previa negociaes coletivas entre empregados e empresrios,

    por intermdio do Estado, e formulao de uma programao de investimentos e produo,

    compatvel com nveis de competitividade internacional. Acreditava-se que esse caminho

    iria reconciliar o controle proprietrio local na indstria com produtividade e qualidade,

    ameaadas pela inflao e pelos juros altos.

  • O embrio dessa poltica localizado em dezembro de 1991, com a adoo dos

    acordos das cmaras setoriais da indstria automobilstica (Diniz, 1997). Um acordo

    coletivo, reunindo a indstria, o sindicato dos metalrgicos do ABC paulista e o governo

    federal, previa uma queda de 22% dos preos dos carros, com a reduo de 12% do IPI e

    ICMS, e a prorrogao da data base (data do reajuste anual de salrios dos empregados do

    setor automobilstico), de 1 de abril para 1 de julho. Um segundo acordo, assinado em

    fevereiro de 1993, foi mais abrangente, ao estabelecer metas progressivas de produo,

    iniciando com 1,2 milhes de veculos, em 1993, e subindo para 1,5 milhes, em 1995, e 2

    milhes, em 2000. Os empregados teriam um ganho salarial de 20%, at 1995.

    No governo de Itamar Franco, a poltica das cmaras setoriais produziu os efeitos

    mais prolongados. Em maro de 1993, a Presidncia da Repblica reduziu o IPI dos carros

    populares (carros com motor 1.0) para 1%. O aumento da produo foi imediato. Somente

    83.335 carros da categoria at 1.0 era produzidos, em 1992, o que representava 14,4% de

    um total de 579.666 unidades. Num intervalo de trs anos, os populares pularam para

    595.845 unidades, de um total de 1.107.189, o equivalente a 53% da produo.

    Surpreendentemente, os ganhos dessa poltica foram assimtricos. O governo

    ampliou a sua arrecadao de R$1.08 bilhes, em 1991, para R$1.65 bilhes, em 1996. As

    montadoras expandiram a produo de 1.391.435 unidades, em 1993, para 1.629.008, em

    1995, sem significativos investimentos adicionais. Previam os tcnicos que a expanso da

    produo requeria US10 bilhes; todavia, os investimentos reais se limitaram a US$ 6.23

    bilhes. Os trabalhadores do setor foram os maiores prejudicados. Apesar dos esforos das

    cmaras setoriais em preservar os empregos durante a atualizao tecnolgica e at as

    promessas de aumentos salariais, entre 1991 e 1996, 23,2% dos empregos do setor foram

    eliminados, na regio do ABC paulista. Em 1996, a produo automobilstica brasileira

    triplicou comparada existente nos meados da dcada de oitenta, enquanto o setor

    empregava somente 68% da mdia da dcada anterior. Os salrios seguiram a curva

    declinante da empregabilidade, encolhendo em 54,8%, entre maro de 1995 e abril de 1988.

    A poltica industrial das cmaras setoriais se revelou limitada por trs razes.

    Primeiro, a morosidade das negociaes coletivas foi incompatvel com a velocidade de

    investimentos e da introduo de novas tecnologias e produtos. Segundo, essa poltica se

    adequou a setores concentrados como o automobilstico; todavia, foi invivel, na maioria

  • dos setores industriais de uma organizao industrial horizontal, nos quais predominam

    mdias e pequenas empresas. Finalmente, os ganhos dessa poltica foram desiguais. As

    indstrias receberam incentivos fiscais para aumentar os investimentos e o governo

    conseguiu ampliar a arrecadao. O efeito sobre os empregos e o poder aquisitivo dos

    assalariados, no entanto, foi negativo. As cmaras setoriais, na verdade, levaram a um

    aumento brusco de demisses, nos setores negociados.

    Era FHC: o Estado regulador e a sociedade globalizada

    A permanncia da inflao e as dificuldades em retomar o desenvolvimento

    econmico dentro da tradicional substituio de importaes, aliados a um quadro

    internacional favorvel a polticas pblicas orientadas para o mercado, induziram a

    redefinio do papel do Estado na sociedade. Esse projeto nasceu a partir do sucesso do

    controle inflacionrio, pelo Plano Real, posto em vigor no dia 27 de maio de 1994, no

    Governo Itamar, pelo ento ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso. Aps uma

    dcada de hiperinflao, as taxas despencaram de 42% mensais, registradas em abril, para

    1,55%, em setembro, e 0,57%, em dezembro de 1994 (Franco, 1995).

    Eleito presidente, em 1994, para o exerccio 1995-1998, Fernando Henrique

    Cardoso apresentou um dos programas mais abrangentes de reforma do Estado e da

    administrao pblica, desde a revoluo de trinta. A reforma do Estado da era Cardoso

    combinou trs redefinies do Estado: uma nova reformulao do pacto federativo,

    reestruturao econmica e adoo de uma nova concepo de administrao pblica,

    denominada de gerencial.

    O primeiro passo para redefinir o pacto federativo ocorreu em janeiro de 1994 (?),

    quando o governo, sob o pretexto de reduzir o dficit pblico e melhorar a eficincia dos

    gastos governamentais, aprovou no Congresso uma medida provisria que criava o Fundo

    Social Emergencial, com os recursos da reduo em 15% das transferncias financeiras

    para estados e municpios. O fundo, que chegou a acumular US16 bilhes, ficaria

    disponvel para o Executivo Federal, por um perodo renovvel de dois anos. A

    centralizao financeira na Unio fortaleceu a direo poltico-eleitoral do governo federal,

    enfraqueceu os estados e subordinou os municpios.

  • A reforma reguladora do Estado modificou, estruturalmente, o seu papel

    institucional e sua lgica de interveno. O manifesto mais claro do novo projeto apareceu

    no dia 23 de agosto de 1995, na Exposio de Motivos 311, do Ministrio da Fazenda.

    Previa as seguintes modificaes. Primeiro, o Estado deveria se reservar estritamente

    poltica social. Segundo, os investimentos econmicos deveriam ser exclusivos do setor

    privado. Terceiro, avaliava-se o monoplio estatal das utilidades pblicas como danoso ao

    progresso econmico, uma vez que desestimulava investimentos, comprometendo a

    produtividade e a qualidade dos servios prestados aos cidados. Quarto, a privatizao do

    setor econmico pblico democratizaria a propriedade privada e diminuiria as

    possibilidades de monopolizao. Finalmente, o Estado garantiria um ganho fiscal

    permanente, com o aumento da arrecadao de impostos das empresas privatizadas e da

    ampliao da produo e de servios prestados por investidores privados.

    As privatizaes poderiam ser divididas em duas fases. Na primeira (1991-1994),

    foram vendidas empresas pblicas industriais, em setores tais como: aeronutica,

    minerao, ao, ferro, qumicos, petroqumicos e fertilizantes. A segunda, iniciada em 1995

    e concluda em 1999, transferiu setores de utilidades pblicas e bancos pblicos ao controle

    privado.

    A venda das empresas de utilidades pblicas requeria alteraes constitucionais. A

    aprovao da nova Lei de Concesso dos Servios Pblicos (Lei 8.987/95), em 07 de julho

    de 1995, submeteu as concesses a licitaes prvias; quebrou o monoplio estatal das

    utilidades pblicas e autorizou os investimentos privados. Em seguida, foram aprovadas

    leis especficas, para as telecomunicaes, energia eltrica e petrleo (Franco, 2000).

    A emenda constitucional n 08 extinguiu o monoplio estatal das telecomunicaes.

    A Lei n 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Mnima e Lei Geral das Telecomunicaes),

    obrigou o Estado a encerrar seu papel de provedor dos servios de telecomunicaes e

    passar a regular os servios ofertados pela iniciativa privada, atravs da ANATEL (criada

    pela Resoluo 33, de julho de 1998).

    As mudanas na rea petrolfera evitaram a privatizao e se contentaram com a

    extino do monoplio pblico do petrleo. A Emenda Constitucional n 09, aprovada em

    09 de novembro de 1995, autorizou o Governo Federal a contratar empresas pblicas e

    privadas para prover servios e produtos antes reservados Petrobrs (explorao,

  • produo, refino, exportao, importao e transporte de petrleo). A lei n 9.478/97,

    conhecida como Lei do Petrleo, revogou alguns marcos jurdicos do nacionalismo, tais

    como: as leis de 1953, que garantiam o monoplio pblico da explorao do subsolo, e as

    leis de 1963 (principalmente, a lei 2.004, de dezembro de 1963) que estendia o monoplio

    comercializao interna e externa.

    No setor eltrico, a lei n 8.987/95 distinguiu atividades de gerao, transmisso e

    distribuio de energia eltrica. O Estado teria uma participao significativa na gerao,

    todavia, permitiria a criao da figura do produtor independente, selecionado atravs de

    uma licitao pblica. Os investidores ficariam com acesso livre transmisso e

    distribuio.

    A reforma gerencial foi o terceiro componente da reforma reguladora do Estado.

    Para Bresser Pereira, o modelo atualizava a administrao pblica e permitia a sua

    adaptao s mudanas sociais, econmicas e tecnolgicas, iniciadas desde a segunda

    metade do sculo XX e aceleradas com a globalizao econmica. As mudanas sociais

    descrevem uma segmentao crescente da sociedade, gerando uma multiplicao de

    demandas. O aspecto econmico causado pela acelerao dos fluxos financeiros

    internacionais, enquanto o aspecto tecnolgico se centra na revoluo de informtica e,

    principalmente, das telecomunicaes.

    A reforma gerencial do Estado vista como uma modernizao da administrao

    pblica clssica. Assegura s instituies pblicas uma autonomia financeira e

    administrativa na prestao de servios. caracterizada pela flexibilidade, e a estabilidade

    vista como secundria. Um contrato de gesto, firmado entre o Estado e entidade

    pblica, em torno de metas especficas a serem atingidas, o principal instrumento de

    controle. Nesse sentido, uma estrutura administrativa voltada exclusivamente para a

    obteno de resultados e se aproxima da lgica da empresa privada (Pereira, 1998).

    As atribuies do Estado so divididas em atividades exclusivas e outras no-

    exclusivas. A primeira localizada na regulamentao, fiscalizao, fomento, segurana

    pblica e seguridade social bsica. Os servios so caracterizados como atividades no-

    exclusivas do Estado e, portanto, abertas ao ingresso de investidores privados. A

    flexibilizao da ao estatal, nas atividades no-exclusivas, promovida pela privatizao,

    terceirizao e publicizao. A primeira transferia a propriedade estatal para investidores

  • privados. A segunda contratava empresas privadas para o desempenho de servios

    auxiliares e de apoio, enquanto a publicizao transformava uma organizao estatal em

    uma organizao de direito privado.

    As tcnicas utilizadas na concepo gerencial se aproximaram do setor privado e,

    em grande parte, repetiram a lgica da reforma de 1967 (Decreto-lei 200). Trs metas

    bsicas guiavam as instituies governamentais na delimitao das suas prioridades:

    definir com exatido o pblico alvo, garantir a autonomia do administrador na gesto dos

    recursos humanos, materiais e financeiros para atingir os objetivos contratados, e cobrar

    resultados estabelecidos num contrato de gesto.

    Essaconcepo passou por uma reviso em conseqncia das crises asitica (1997)

    e russa (1998), agravando-se com o ataque especulativo contra o Real em 1999 e o colapso

    bancrio da Argentina em 2001. Um novo consenso emergiu composto de dois eixos: uso

    das taxas de cmbio como instrumento da substituio competitiva de importaes e um

    aumento dos saldos comerciais para reduzir a dependncia sobre os IEDs (Investimentos

    Estangeiros Diretos).

    Governo Lula: o novo consenso da exportabilidade

    A superao do modelo da dcada de 1990 se iniciou dentro do ncleo decisrio do

    governo Cardoso. Aps o ataque especulativo contra o Real, o grupo "desenvolvimentista",

    integrado por Prsio Arida, Paulo Renato de Souza, Luiz Carlos Bresser Pereira e Jos

    Serra, demandou o abrandamento da poltica de juros altos promovida por Pedro Malan e

    Gustavo Franco. Em 2002, no seminrio do BNDES, o que era um descontentamento

    interno passou para uma ampla reviso do papel do Estado. Reunindo representantes de

    todo espectro ideolgico brasileiro alm de economistas de renomes internacional, nasceu

    a tese de exportabilidade, a doutrina central dos dois governos Lula. A nova linha

    sintetizou dois mecanismos: promoo competitiva de exportaes e utilizao do cmbio

    para resguardar o capital nacional dos importados sem recorrer ao explicito protecionismo,

    inviabilizado pelo ingresso do Brasil na OMC (Organizao Mundial do Comrcio). (Abu-

    El-Haj 2007)

    Na ocasio Guido Mantega e Luciano Coutinho lanaram os quatro pilares centrais

    da poltica econmica do governo Lula: 1. assegurar o controle da inflao; 2. manter

  • constantemente um supervit comercial; 3. desdolarizar a dvida interna e 4. aumentar

    significativamente as reservas internacionais.

    O consenso da exportabilidade no se encastelou na academia, mas alcanou as

    duas mais expressivas entidades empresariais: CNI (Confederao Nacional da Indstria) e

    FIESP (Federao da Indstria do Estado de So Paulo), e a tecnocracia do BNDES e do

    IPEA (Instituto de Planejamento Econmico e Administrativo), dois importantes centros

    de planejamento econmico. Pedro da Motta Veiga (2002), consultor da CNI, Roberto

    Magno Iglesias (Veiga e Iglesias 2002), ex-secretario adjunto de poltica econmica do

    Ministrio da Fazenda, Ricardo Markwald (Markwald e Puga 2002), diretor da FUNCEX -

    Fundao do Comrcio Exterior, Renato Fonseca (2002), ex-coordenador do departamento

    de economia e estatstica da CNI, Marcelo de Paiva Abreu, professor da PUC-RJ e

    consultor da FIERJ (Federao das Industrias do Estado do Rio de Janeiro), e Armando

    Castelar Pinheiro, chefe do departamento de pesquisa econmica do BNDES, (Castelar

    Pinheiro, Markwald e Pereira 2002) recomendaram a exportabilidade aos candidatos

    presidenciais de 2002.

    O que era uma medida emergencial no governo Cardoso contra os ataques

    especulativos, transformou-senum modelo de desenvolvimento no primeiro governo Lula.

    As exportaes formariam o dorso de uma poltica industrial voltada para o comrcio

    exterior visando ganhos de competitividadeque seriam processados por amplos setores

    empresariais. O BNDES comandado inicialmente por Mantega e posteriormente por

    Coutinho, seriainstrumento de induo de um complexo industrial competitivo capaz de

    elevar os padres gerais de desempenho. (Coutinho 2002)

    No segundo governo Lula essa poltica alcanou um patamar mais elevado ainda

    tendo dois eixos: aglomerao empresarial e formao de multinacionais brasileiras. No

    caso brasileiro a fuso entre Brasil Telecom e a Oi, e subsequente ingresso da Portugal

    Telecom como investidor estratgico no novo supertele; as alianas entre Bradesco e

    Banco do Brasil nos investimentos africanos, a instalao da Embraer na China, a abertura

    de novas siderurgicas do grupo Gerdau nos Estados Unidos, os investimentos

    internacionais da Vale dos Rio Doce e a captao de fundos externos pela Petrobrs so

    alguns dos exemplos do novo consenso desenvolvimentista. (Coutinho 2010)

  • Essa linha de atuao empresarial foi complementada pelo programa Fome Zero e

    Bolsa Famila, alcanando 12 milhes de famlias o equivalente a 35 milhes de habitantes

    no maior programa de transferncia de renda na histria do Brasil. A conjugao entre a

    capitalizao empresarial e a expanso do consumo interno, na opinio dos formuladores

    de polticas, evitaria os usuais erros tpicos da esquerda keynesiana como da direita

    ortodoxa, assegurando uma continuidade do desenvolvimento econmico com distribuio

    equitativa de renda.

    Concluso

    A redemocratizao assinalou transformaes profundas na ordem social brasileira:

    apareceram novas elites polticas, reestruturou-se o pacto federativo, adotou-se um novo

    modelo administrativo e alterou-se a relao entre o Estado e a empresa privada. Apesar

    das mudanas scio-econmicas profundas, alguns impasses so herdados do passado e

    representam desafios a serem enfrentados.

    Governabilidade: o primeiro e o mais grave o modelo de governabilidade

    praticado entre o partido governista e os partidrios de sustentao poltica. A

    governabilidade, entendida como uma sntese programtica de diversos partidos em torno

    de princpios poltico-administrativos, substituda pelo ecletismo poltico. O ecletismo

    poltico a juno de partidos com programas e vises do mundo, diferentes e

    freqentemente conflitantes, no mesmo governo, causando uma inconsistncia nos planos,

    objetivos e aes do setor pblico. Persistentemente, os interesses imediatos e pessoais dos

    lderes partidrios predominam nas nomeaes polticas dos cargos de direo. Essa prtica

    um vcio generalizado, tanto na Unio como nos governos estaduais e municipais. Duas

    repercusses negativas na vida poltica aparecem: a perda de eficcia poltica (perda do

    entusiasmo participativo do cidado, pela vida pblica) e o desaparecimento de uma

    oposio programtica, debates polticos e alternativas governamentais.

    A federao: as distores na governabilidade repercutiram no equilbrio federativo.

    Ironicamente, foi no regime democrtico que houve uma hipertrofia da Unio, um

    encolhimento do papel administrativo dos governos estaduais e na subordinao dos

    municpios Unio. O ecletismo poltico levou falta de definio de atribuies, papis e

    poderes das trs instncias da Repblica. Essa distoro aumenta a desigualdade de

  • desempenho entre municpios, estados e regies, pois os resultados concretos dependem de

    fatores subjetivos, acesso poltico e lealdades partidrias.

    O Controle social: as deficincias regulatrias no se restringem ao setor privado,

    pois so gritantes no setor pblico. So notrios o jogo financeiro nas administraes

    municipais, as violaes das leis e as intimidaes aos conselhos participativos; em suma, a

    insuficincia de uma fiscalizao sistemtica do poder pblico. Essa lacuna deixa a

    populao vulnervel s arbitrariedades polticas e aos mandos administrativos. A

    participao do cidado, sem a proteo da lei e a adequada fiscalizao do poder pblico,

    um mero discurso formalista para cumprir os ritos constitucionais.

    A regulao econmica: a regulao dos servios pblicos e privados, a grande

    esperana de um novo modelo mais flexvel do setor pblico, se tornou o elo mais frgil.

    As lacunas das agncias reguladoras (telecomunicaes, eletricidade, transportes, etc.)

    comprometem o desempenho geral da economia, pois aumentam os preos das utilidades

    pblicas e reduzem a capacidade de investimentos. Em longo prazo, essa deficincia

    ameaa a vitalidade do mercado interno e compromete a competitividade internacional da

    indstria.

    O gerenciamento pblico: a falta de continuidade nas reformas administrativas

    criou um Estado hbrido. As suas melhores instituies so reservadas s intervenes

    econmicas, enquanto as deficincias so localizadas nas instncias sociais. Com a

    transferncia da implementao de polticas sociais aos municpios, essa lacuna alargou-

    se onde a administrao local o elo mais frgil do sistema administrativo. Sem um

    projeto de desenvolvimento institucional que enfatize a transparncia administrativa, a

    fiscalizao financeira continuada e a proteo do cidado das perseguies polticas,

    dificilmente qualquer governo ter as condies objetivas para realizar as to sonhadas e

    desejadas reformas sociais.

    Nos dois governos petistas, avolumou-se uma excessiva preocupao com o

    desempenho externo. Atravs de uma insero internacional competitiva de empresas

    brasileiras esperava-se uma transferncia de competncias e elevao generalizadas de

    desempenho. Todavia, apesar da agressiva poltica de reduo da pobreza extremada e o

    apoio incansvel s exportaes, a competitividade externa persistentemente teve um

    desempenho aqum dos outros integrantes dos BRICS (Rssia, ndia e China).

  • Atualmente, o governo Dilma reconhece a necessidade de polticas de equilbrio regional,

    incentivos gerao de tecnologias prprias e uma recuperao da infraestrutura bsica.

    Sem essa planejada, ampla e persistente interveno pblica focada na reduo das

    desigualdades regionais e sociais, mais uma vez a corrente fase de expanso econmica

    ser mais uma oportunidade perdida na longa caminhada para uma sociedade

    desenvolvida e socialmente justa.

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    Entre a governana administrativa e a governabilidade poltica:uma perspectiva histrica das reformas administrativas no Brasil.Jawdat Abu-El-Haj (*)ResumoAbstractPalavras chaves: administrao pblica, mudana poltica, globalizao, desenvolvimento.Era Vargas e o Estado IntervencionistaA centralizao administrativa (1930-1934)O DASP e a formalizao do Estado racional-burocrtico (1938-1945)Proto-desenvolvimentismo: as comisses econmicas e a criao do BNDEKubitscheck e as contradies do desenvolvimentismoJango e as Reformas de Base.Decreto-Lei 200: a reforma empresarial do EstadoA redemocratizao de 1988: desenvolvimento econmico com sustentabilidade socialEra FHC: o Estado regulador e a sociedade globalizadaGoverno Lula: o novo consenso da exportabilidadeConclusoReferncias