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"Numa tentativa de se evadir dos seus conflitos, o homem tem inventado diversas formas de meditação, porém, todas elas se baseiam quer no desejo, na vontade ou na ânsia por obter algo, o que implica conflito e o emprego de esforço a fim de alcançar determinados resultados. Esta luta consciente e deliberada sempre se circunscreve nos limites de uma mente condicionada, que não possui liberdade. Todo o esforço empregue na meditação constitui a sua própria negação. A meditação consiste no término da acção do 1

Jiddu Krishnamurti - A Arte da Meditaç¦o

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A Arte da Meditao

"Numa tentativa de se evadir dos seus conflitos, o homem tem inventado diversas formas de meditao, porm, todas elas se baseiam quer no desejo, na vontade ou na nsia por obter algo, o que implica conflito e o emprego de esforo a fim de alcanar determinados resultados. Esta luta consciente e deliberada sempre se circunscreve nos limites de uma mente condicionada, que no possui liberdade. Todo o esforo empregue na meditao constitui a sua prpria negao. A meditao consiste no trmino da aco do pensamento; s ento pode chegar a existir toda uma dimenso intemporal."

Traduo de A Duarte 2002

Toda a meditao que envolve esforo deixa de ser meditao. No se trata de nenhum acto de realizao nem algo que deva ser praticado diariamente de acordo com um sistema ou mtodo qualquer, para obteno de um fim almejado. Ao contrrio, toda a imaginao e medida devem cessar. A meditao no constitui um meio para atingir um fim; um fim em si mesma. No entanto aquele que medita deve deixar de existir para que a meditao possa ocorrer.

A meditao no uma experincia nem uma lembrana erguida em torno de um dado prazer futuro. Aquele que experimenta move-se sempre dentro dos limites das suas prprias projeces de tempo e pensamento. Uma vez inserida nos limites do pensamento, a liberdade no passar de uma ideia e uma frmula; o pensador jamais poder alcanar o movimento da meditao.

A meditao diz sempre respeito ao presente enquanto que o pensamento pertence sempre ao passado. Toda a conscincia pensamento, porm, o estado de meditao no ocorre dentro das suas fronteiras. A meditao consciente somente o acto de redefinir ainda mais esses limites destruindo assim toda a liberdade. Mas somente em liberdade poder haver meditao.

Se no meditardes sereis sempre um escravo do tempo, cuja sombra a dor. O tempo sofrimento.

A meditao no via para experincias nicas nem excepcionais. Essas experincias conduzem ao isolamento e aos processos auto-encarceradores da memria, e esto sujeitos ao tempo- o que constitui a negao da liberdade.

O vale mais parecia uma carpete de flores e os declives achavam-se repletos de uma abundncia multicolorida delas, to abundantes quanto a vastido da terra com todas as suas cidades, verdes prados, pastos, bosques e cidades. L estavam to ricas e belas quanto o prprio vale; todavia, tanto a abundncia da natureza como o homem esto destinados a morrer e a surgir de novo. A abundncia da meditao no reunida pelo pensamento nem pelo prazer que o pensamento gera mas acha-se para alm da flor e da nuvem. A partir disso a abundncia torna-se to imensurvel quanto a flor e a beleza. Contudo jamais se encontram neste lado da sua manifestao.

Sem amor no pode existir silncio.

Para o poderdes compreender, permanecei imveis.

A mente meditativa aquela que se encontra em silncio. No se trata do silncio que a mente pode conceber, nem o silncio de um entardecer calmo, mas o silncio que sobrevem quando o pensamento, com todas as suas imagens palavras e percepes cessa completamente. Essa mente meditativa a mente religiosa- a mente da religio que no tocada pela Igreja, pelos templos nem pelos cantos. A mente religiosa a exploso do amor; esse amor no comporta qualquer separao. Para essa mente, longe perto. No um nem muitos mas sim esse estado de amor em que toda a diviso cessa. Da mesma forma que a beleza, no cabe na avaliao das palavras. S a partir deste silncio que a mente meditativa pode actuar.

Meditar tornar-se vulnervel. Essa vulnerabilidade no tem passado nem futuro- ontem ou amanh. Somente o que novo pode ser vulnervel.

A meditao uma das maiores artes na vida, talvez mesmo a maior, mas provavelmente no pode ser ensinada. Nisso reside toda a sua beleza. No possui tcnica alguma nem autoridade sequer. Quando nos observamos e por meio dessa observao aprendemos acerca de ns prprios- sobre o modo como caminhamos, comemos, aquilo que dizemos, toda a bisbilhotice, dio, cime- se de tudo isso ficarmos cientes, sem escolha, tal processo far parte da meditao. Assim, a meditao pode ocorrer quando nos sentamos no autocarro ou caminhamos pelos bosques, com sua luz e sombras, ou ento quando escutamos o canto dos pssaros e olhamos para o rosto da nossa esposa ou filho.

curioso como a meditao se torna de todo importante. O seu processo no conhece comeo nem fim. Assemelha-se a uma gota de chuva, que conglomera todas as correntes de gua, os vastos rios, as quedas de gua e os oceanos. Essa gota de gua alimenta a terra e o homem; sem isso a terra tornar-se-ia um deserto. Sem a meditao o corao torna-se um deserto, um terreno baldio.

Meditao descobrir se o crebro, com todas as suas actividades e experincias, pode ficar em absoluto silncio. No de modo forado, porque no momento em que o forarmos dever passar a existir dualidade. A entidade que diz: "para poder fazer experincias espantosas tenho que observar a tranquilidade"; tal entidade jamais o conseguir. Mas se comearmos a pesquisar, a observar e a escutar todos os movimentos do pensamento, com as suas condicionantes, as suas buscas, os seus medos, o seu prazer- e observarmos o modo como o crebro opera, perceberemos de que modo o crebro se torna absolutamente silencioso. Esse silncio no um sono mas uma coisa tremendamente activa e imvel. um enorme dnamo que trabalha na perfeio, dificilmente produzindo rudo. O rudo s existe quando h frico.

Silncio e imensido andam juntos. A vastido do silncio a imensido da mente em que no existe um centro.

Meditao trabalho rduo e exige a mais elevada forma de disciplina e no conformao imitao ou obedincia - a disciplina que sobrevem por meio da ateno constante, no s das coisas relativas a ns externamente como tambm interiormente. Assim, a meditao no uma actividade de isolamento mas a aco da vida diria, uma aco que exige cooperao, sensibilidade e inteligncia. Sem estabelecermos as fundaes de uma vida correcta, a meditao torna-se uma fuga e, portanto, no tem valor nenhum. Um viver correcto no significa seguir a moral social, mas liberdade com relao inveja, cobia e busca de poder - tudo o que gera inimizade. A liberdade disso no sobrevem pela actividade da vontade mas pela ateno para com isso, por meio do auto-conhecimento. Sem conhecermos as actividades do eu, a meditao torna-se excitao sensual e, portanto, possui muito pouco significado.

A procura de experincias transcendentais, mais amplas e mais profundas, sempre um modo de escapar realidade de "o que ", do que ns prprios somos - a nossa prpria mente condicionada. Por que razo haver uma mente inteligente e desperta, liberta, ter uma experincia qualquer? Luz luz; ela no pede por mais.

Se vos preparardes deliberadamente para meditar isso deixar de ser meditao. Se fizerdes por ser bons, jamais a bondade poder florescer. Se cultivardes a humildade, ela deixar de o ser. Meditao a brisa que entra quando deixais a janela aberta; porm, se o fizerdes deliberadamente, e a convidardes a entrar, ela jamais surgir.

Em meditao temos de descobrir se existe um fim para o conhecimento e tambm se existe liberdade do conhecido.

Coisa extraordinria a meditao. Se existir algum tipo de compulso ou esforo, afim de ajustar o pensamento, tratar-se- de imitao, o que tornar tudo um fardo fastidioso. O silncio que desejo, deixa de ser esclarecedor. Quando se torna busca de vises e experincias, ento conduz iluso e auto-hipnose. Somente por meio do florescimento do pensamento e do seu consequente trmino, a meditao poder ter significado. O pensamento s pode florescer em liberdade e no atravs dos padres sempre crescentes do conhecimento. O conhecimento pode conferir novas experincias e uma enorme sensao, porm uma mente que procura experincia de qualquer tipo imatura. Maturidade ser livre de toda a experincia, e deixarmos de nos sujeitar influncia do ser e do no-ser. A maturidade da meditao consiste em libertar a mente de conhecimento, porque este molda e controla toda a experincia. A mente que uma luz para si mesma no necessita passar por nenhuma experincia. Imaturidade a nsia por experincias mais elevadas e vastas, conquanto a meditao o errar pelo mundo do conhecimento e ser livre dele para poder mergulhar no desconhecido.

Temos de descobrir por ns mesmos e no atravs de quem quer que seja. Tivemos a autoridade de mestres e salvadores mas, se realmente quiserdes descobrir o que a meditao tereis de abandonar completamente toda a autoridade.

No sei se alguma vez notastes que, quando prestais completa ateno, ocorre um estado de silncio. Nessa ateno no existe fronteira nem centro algum, como aquele que se acha atento e consciente. Essa ateno, esse silncio, um estado de meditao.

Meditar transcender o tempo, tempo esse que a distncia que o pensamento percorre na sua realizao. Esse percurso est sempre confinado ao "velho" modo, sendo feito com uma vestimenta nova, com umas novas vistas, porm sendo sempre a mesma estrada que conduz a lado nenhum - exceptuando dor e ao sofrimento. Somente quando a mente transcende o tempo que a verdade deixa de ser uma abstraco. Ento a beno deixa de ser uma ideia derivada do prazer e torna-se uma realidade no verbal. O esvaziamento dos contedos temporais da mente constitui o silncio da verdade, e perceb-lo agir; desse modo no h diviso entre o ver e o fazer, pois nesse intervalo nasce todo o conflito, tristeza e confuso. Aquilo que no possui tempo Eterno.

A meditao no um meio para um fim, mas ambos: meio e fim.

A meditao, que a destruio da segurana, possui uma enorme beleza - no a beleza das coisas reunidas pelo homem nem pela natureza mas a beleza do silncio. Esse silncio o vazio a partir do qual todas as coisas ocorrem e em que passam a existir. Ele incognoscvel. Nem o intelecto nem a sensao podem abrir caminho para o atingir e todo o mtodo para esse efeito inveno do espirito de cobia. Todos os caminhos e meios do "eu" calculista devem ser completamente destrudos; todo o avano e recuo - cujos procedimentos pertencem ao tempo - devem terminar, sem conhecimento do amanh. Meditao destruio - um perigo para todos quantos desejem levar uma vida superficial, uma vida de imaginao e mito.

A meditao da mente que se encontra completamente silenciosa constitui a beno que o homem sempre procurou. Nesse silncio ocorre a verdadeira diferena.

A meditao no tem comeo nem fim. Nela no existe realizao nem insucesso, nem arrecadao nem renncia. um movimento sem finalidade alm do espao e do tempo. Experiment-la equivale a neg-la, porque aquele que experimenta est ligado ao tempo e ao espao, ligado memria e ao reconhecimento. O terreno para a verdadeira meditao est nessa conscincia passiva que liberdade total da autoridade e da ambio, da inveja e do medo. A meditao no possui qualquer sentido- qualquer que seja o significado que se lhe d- sem esta liberdade nem auto-conhecimento. Enquanto subsistir uma forma de escolha no poder existir auto-conhecimento.

A escolha implica conflito, conflito que impede a compreenso do "que ". Vaguear em torno de fantasias ou de credos romnticos no meditao. O crebro deve despir-se de todo o mito, de toda a iluso e segurana, e enfrentar a realidade da falsidade de tudo isso. No existe distraco; tudo um movimento da meditao.

A flor est tanto na forma como no perfume, na cor e na beleza; num todo. Agora, despedaai-a em pedaos, seja verbalmente ou por via de facto e ela deixar de ser uma flor mas somente a lembrana do que era- o que certamente no a flor.

A meditao a ausncia da conscincia resultante do tempo e do espao. O pensamento, como cerne da conscincia, no pode de forma nenhuma provocar este silncio. O trmino desse intrincado e subtil mecanismo deve ser espontneo, sem depender de nenhuma recompensa nem garantia. o nico modo de o crebro permanecer sensvel vital e sereno.

Faz parte da meditao o crebro compreender as suas actividades superficiais e ocultas; nisso consiste a base da meditao, sem o que ela se torna uma actividade vazia de significado, conducente auto- iluso e auto- hipnose. O silncio essencial para que ocorra a exploso da criao.

A meditao floresce na bondade. Sem ser propriamente virtude- cujo lento cultivo exige tempo- nem ser expresso de respeitabilidade social e sem representar a chancela da autoridade, a beleza da meditao est no perfume do seu desabrochar. Como poder haver alegria na meditao se ela provir do desejo e do sofrimento? Como poder ela florir se a procurarmos atravs do controle, da represso ou do sacrifcio? Como poder desabrochar das sombras do medo ou da ambio, do desejo de fama? Como poder florescer sombra da esperana ou do desespero? Tudo isso deve ser abandonado de modo espontneo e natural, sem remorsos.

A meditao no se presta a erguer muros de defesa ou de resistncia, para em seguida fenecerem; tampouco ela talhada segundo um mtodo ou sistema. Qualquer sistema padroniza o pensamento, mas todo o conformismo impede o florescer da meditao. Para que ela desabroche preciso haver liberdade e findar daquilo que . Sem liberdade no h auto-conhecimento, e sem auto-conhecimento a meditao no pode ocorrer. Por mais vasto que seja o alcance do pensamento em sua busca de conhecimento, ele continuar a ser estreito e medocre. A meditao no reside no processo aquisitivo e expansivo do saber, mas viceja na liberdade total, e termina no desconhecido.

A meditao no tem assento no tempo. O tempo no pode produzir a mutao; pode produzir uma mudana, mas toda a mudana necessita, por sua vez, de nova mudana; do mesmo modo que toda a reforma. A meditao que brota do tempo sempre factor de limitao, e nisso no pode haver liberdade nenhuma; mas sem liberdade sempre haver necessidade de escolha e conflito.

Perceber fazer. O intervalo existente entre o perceber e o fazer perda de energia- de que necessitamos para perceber- que em si mesmo fazer.

Ser mundano evitar o mundo.

Morrer significa amar. A beleza do amor no reside nas recordaes do passado nem nas imagens do amanh. O amor no tem passado nem futuro; aquilo que o tem a memria. O pensamento prazer, coisa que no amor. O amor e a paixo residem bem para alm do alcance da sociedade, que sois vs. Morram e estar presente.

A meditao aquela luz da mente que clareia o caminho para a aco. Sem essa luz no pode haver amor.

A meditao um movimento no e do desconhecido. Ns no estamos presentes mas somente o seu movimento. Somos demasiado insignificantes ou grandiosos, muito ou pouco significativos para o seu movimento. Ele no possui nada na retaguarda nem na sua frente. essa energia que o pensamento, enquanto matria, no pode tocar. O pensamento perverso, pois um produto do ontem; preso na labuta dos sculos , consequentemente confuso e obscuro. Faam o que fizerem, o conhecido no poder esticar o "brao" para tocar o desconhecido. E a meditao constitui um acto de morrer para o conhecido.

Meditar perceber o que , e transcend-lo.

Olhem e escutem em silncio. O silncio no o trmino do rudo; o clamor incessante da mente e do corao no sofre trmino no silncio. No se trata do produto ou resultado do desejo, nem pode ser congregado pela vontade. A conscincia no seu todo um movimento incansvel e ruidoso estabelecido dentro das fronteiras da sua prpria formao. Dentro destas, o silncio e a quietude representam o trmino momentneo da tagarelice, porm trata-se de uma qualidade de silncio tocada pelo tempo. O tempo memria, e nele o silncio pode ser curto ou extenso porque ele pode medi-lo, dar-lhe espao e continuidade; e nesse caso torna-se numa outra forma de entretenimento. Todavia isso no silncio. Tudo o que for congregado pela aco do pensamento ainda se encontra dentro da rea do rudo, mas o pensamento no pode, de modo nenhum, tornar-se tranquilo. Ele pode construir um retracto do silncio, e dar-lhe forma e ador-lo, do mesmo modo que faz com tantas outras imagens da sua criao. Mas a forma desse silncio a sua prpria negao; os seus smbolos representam a verdadeira negao da realidade.

O pensamento deve permanecer imvel para que o silncio possa ocorrer. O silncio sempre novo mas o pensamento no , e sendo "velho" provavelmente no poder penetrar no silncio que se renova constantemente. Se o pensamento tocar o novo, este tornar-se- velho.

Olhem e comuniquem neste silncio. O verdadeiro anonimato procedente desse silncio; no existe outra forma de humildade. Os vaidosos sero sempre vaidosos ainda que enverguem os trajes da humildade, que os torna speros e frgeis.

Neste silncio, a palavra amor adquire um significado completamente diferente. Este silncio no est acol mas onde o observador estiver ausente.

Somente a inocncia pode ter ardncia. O indivduo inocente no sofre, pois no encerra sofrimento nenhum, muito embora possa ter vivenciado um milhar de experincias. No so as experincias que corrompem a mente mas aquilo que deixam para trs, os resduos e as cicatrizes e lembranas que se acumulam e amontoam e desse modo do origem mgoa. Esse sofrimento tempo, e onde existir tempo no pode haver inocncia.

A paixo no nasce da infelicidade; esta consiste na experincia da vida diria, uma vida de agonia e de todo um molhe de prazeres, medo e incerteza. No podemos escapar das experincias porm no preciso que elas criem razes no solo da mente; essas razes fazem despertar problemas, conflitos e luta constante. Mas no h sada disso excepto pelo morrer a cada dia para todo o passado.

Somente a mente que possui clareza de entendimento pode ser apaixonada. E sem paixo no podemos contemplar a brisa por entre a folhagem nem o resplendor do brilho da luz na gua. Sem paixo no existe amor.

O amor s pode existir quando o pensamento permanece imvel. Essa imobilidade no pode ser criada de modo nenhum pelo pensamento. O pensamento s pode juntar imagens, frmulas e ideias, porm esta quietude no pode ser tocada pelo pensamento. Este sempre velho ao passo que o amor no.

O organismo fsico possui a sua prpria inteligncia, que entorpecida pelos hbitos do prazer. Esses hbitos destroem a sensibilidade do organismo, o que por sua vez entorpece a sensibilidade da mente. Uma mente assim pode permanecer alerta numa determinada direco estreita e limitada e, ainda assim, ser insensvel. A profundeza de uma mente assim encerrada dentro das iluses e imagens, mensurvel. A sua prpria superficialidade o seu fulgor. Para meditarmos precisamos de ter o organismo leve e inteligente. A relao entre o organismo e a mente meditativa assenta num ajustamento constante, pela sensibilidade. Porque a meditao necessita de liberdade, e esta a sua prpria disciplina. Somente em liberdade pode haver ateno. Possuir conscincia da desateno estar atento. A completa ateno amor. S ele pode perceber, e o perceber fazer.

O desejo e o prazer culminam na dor. Mas o amor no contm dor. O pensamento que d continuidade ao prazer, esse sim, contm a dor, e fortalece-a. O pensamento est permanentemente em busca do prazer, desse modo convidando o sofrimento. A virtude cultivada pelo pensamento a natureza do prazer, em que residem o esforo e toda a aquisio.

O desabrochar da bondade no se acha no terreno do pensamento mas sim na liberdade da dor. O trmino da dor amor.

Aquilo que temos estado a fazer parte da meditao. Tudo o que temos de fazer consiste em obter conscincia do pensador e no tentar resolver a contradio, mas produzir integrao entre o pensamento e o pensador.

O pensador a entidade psicolgica que acumulou experincia na qualidade de conhecimento; ele o centro, limitado pelo tempo, resultante da constante influncia ambiental, e a partir desse centro ele olha, pensa e experimenta. Enquanto no entendermos a estrutura e anatomia desse centro sempre dever existir conflito, mas uma mente em conflito no poder entender a profundidade nem a beleza da meditao.

Na meditao no pode haver pensador, o que significa que o pensamento deve findar; esse pensamento que impelido a seguir em frente, pelo desejo de adquirir um resultado. A meditao nada tem que ver com o alcance de um resultado, nem questo de respirar de modo particular, nem olhar para o nariz, nem despertar poder para executar determinados truques nem qualquer tolice ou imaturidade dessas. A meditao no uma coisa apartada da vida; quando conduzimos um carro ou nos sentamos no autocarro, quando conversamos sem nenhum assunto, ou quando caminhamos muito recatadamente pelo bosque ou observamos uma borboleta a ser levada pelo vento e prestamos ateno a tudo isso sem escolha, isso faz parte da meditao.

Sem meditao no existe auto-conhecimento, e sem isso no h meditao; desse modo devemos comear por saber o que somos. No podemos ir longe se no comearmos perto, sem compreendermos o processo dirio do pensamento, do sentimento e da aco. Por outras palavras, o pensamento deve entender o seu funcionamento; devemos poder perceber como o pensamento funciona dentro do campo do conhecido. No podemos pensar com respeito ao desconhecido. Aquilo que conhecemos no real porque o objecto do conhecimento s existe no tempo.

Ser-se livre da rede do pensamento a preocupao mais importante e no o pensar acerca do desconhecido. A mente o resultado do processo do pensamento, resultante do tempo, e o processo do pensamento deve findar. A mente no pode pensar naquilo que eterno e sem tempo; portanto, a mente tem de ser livre do tempo, o processo temporal da mente deve ser dissolvido. S quando a mente estiver liberta completamente do ontem, e deixa de usar o presente como meio para alcanar o futuro, ser capaz de receber o eterno.

Portanto, o nosso interesse na meditao reside no conhecimento de ns prprios, no s superficialmente como todo o contedo da conscincia oculta igualmente, a conscincia interior.

Sem conhecimento de tudo isso e sem sermos livres do seu condicionamento provavelmente no podereis ultrapassar os limites da mente. por isso que o processo do pensamento deve cessar, e para tal tem que haver auto-conhecimento. A meditao o comeo da sabedoria; a compreenso da nossa mente e corao.

Meditar ser-se inocente com relao ao tempo. A meditao no um escape do mundo, nem uma actividade fechada sobre si mesma, isoladora, mas consiste na compreenso do mundo e nas suas expresses. O mundo possui muito pouco a oferecer aparte a alimentao, roupas e abrigo- e o prazer, com seus enormes tormentos. Meditar vaguear para longe deste mundo; temos de ser completamente estranhos a ele, porque nesse caso o mundo adquire significado e a beleza dos cus e da terra torna-se uma constncia. Ento o amor deixa de ser prazer; da provm toda a aco que no consiste num produto da tenso, nem da contradio, da busca de auto-preenchimento nem do conceito de poder.

Se tomarmos uma atitude deliberada a fim de meditarmos isso tornar-se- num brinquedo da mente. Se nos determinarmos a pr fim confuso e tristeza da vida isso tornar-se- uma experincia da imaginao, mas no meditao. Tanto a mente consciente como a inconsciente no devem tomar parte no seu processo; no devem nem mesmo ter noo da extenso da beleza da meditao, porque se tiverem, bem que podeis ir ver uma novela romntica, que ter o mesmo valor.

Na ateno total da meditao no h lugar para o saber, para o reconhecimento nem para a lembrana do que ocorreu. Tanto o tempo como o pensamento tero terminado completamente, porque isso forma o centro que delimita a sua prpria percepo. Num momento de clareza o pensamento desvanece-se mas o esforo consciente para o experimentar e a sua lembrana- consiste na palavra do que foi. A palavra nunca o facto actual. Nesse momento, que no pertence ao tempo, o fim o imediato, mas esse fim no tem smbolo, e no pertence a nenhuma pessoa, a nenhum deus.

Meditar descobrir a existncia de um campo no contaminado pelo conhecido.

Meditao o desabrochar da compreenso; esta no se situa nos limites do tempo, porque o tempo jamais trar entendimento. A compreenso no um processo gradual de reunir pouco a pouco, atravs da pacincia e do cuidado. A compreenso agora ou nunca; um claro destrutivo e no uma coisa inspida. Tememos esse despedaar e por isso, consciente ou inconscientemente tratamos de o evitar.

A compreenso pode alterar todo o curso da nossa vida, o modo de pensarmos e agirmos. Pode ser agradvel ou no, porm, constitui um perigo para todo o relacionamento. Mas sem compreenso o sofrimento s trar continuidade; o sofrimento termina unicamente por intermdio do auto-conhecimento- o conhecimento de todo o pensamento e sentimento, todo o movimento do consciente e daquilo que permanece oculto. A meditao a compreenso da conscincia- a oculta e a exposta, bem como a compreenso do movimento que reside para alm de todo o pensamento e sentimento.

Ns dificilmente escutamos o latido de um co, o choro de uma criana ou sequer o riso do homem que passa. Separamo-nos de tudo e nesse isolamento observamos e escutamos todas as coisas Tal separao destrutiva por conter em si todo o conflito e confuso.

Se escutardes o som daqueles sinos com um silncio completo, viajareis atravs dele, ou melhor, o som transportar-vos- pelo vale e para alm da colina. A beleza disso s pode ser sentida quando vs e o som no esto separados, mas fazeis parte dele. Meditao o fim dessa separao sem ser pelo acto da vontade nem do desejo; a meditao no uma coisa separada da vida, mas a prpria essncia da vida, do viver dirio. Escutar aqueles sinos ou o riso daquele campons que passa com a sua mulher, escutar o som da campainha de bicicleta da menina que passa- isso toda a vida que a meditao expe e no somente um fragmento dela.

A meditao a aco do silncio.

Meditao a liberdade do pensamento; um movimento no xtase da verdade.

A meditao a total libertao da energia.

A crena to desnecessria quanto o so os ideais. Ambos dissipam a energia necessria para o acompanhamento do desdobramento daquilo "que ". Tanto as crenas como os ideais so evasivos do facto, mas pelo escape no pode haver fim para o sofrimento. O fim do sofrimento est na compreenso do facto, momento a momento. No existe sistema nem mtodo que possibilite tal compreenso; somente atravs da conscincia sem escolha de um facto, isso acontecer. A meditao que segue um sistema consiste no evitar o facto do que sois. Mas infinitamente mais importante compreender-vos a vs mesmos- sobre a constante mudana acerca de vs prprios- do que meditar a fim de encontrar Deus ou obter vises, sensaes ou ouras formas de entretenimento..

Na meditao no existe sequncia, nem continuidade, porque isso implica tempo, espao e aco dentro desse campo. A nossa mente est condicionada a aceitar o tempo e o espao mas nesse movimento a aco produzir sempre contradio e, portanto, conflito. Assim a nossa vida!

Mas poder a aco alguma vez libertar-se do tempo, de modo que no resulte arrependimento nem antecipao (o movimento de busca para a frente ou para trs) da aco? Perceber agir. No se trata de- primeiro perceber e depois agir, mas antes um perceber que em si mesmo aco; no existe elemento nenhum de tempo nisso, de modo que a mente sempre livre.

Esta manh a qualidade da meditao era inexistente, esvaziamento total do tempo e do espao. Isso era um facto e no uma ideia nem um paradoxo da especulao contraditria. Sentimos essa estranha vacuidade quando a raiz de todos os problemas se desvanece. Essa raiz o pensamento, o pensamento que divide e sustenta. Na meditao a mente torna-se verdadeiramente vazia do passado, porm pode utilizar esse passado como pensamento. Isso ocorre o dia todo e durante a noite o sono consiste no esvaziamento do ontem, e portanto a mente raia aquilo que intemporal.

Tratava-se na verdade de um rio maravilhoso de to largo e profundo, rodeado de cidades nas suas margens, to descuidado e livre sem jamais se abandonar! Vivia-se toda uma vida nas suas margens, com campos verdes, florestas, casas solitrias, morte e destruio; l se situavam algumas pontes largas e compridas graciosas, bem empregues. Outros ribeiros e rios se lhe juntavam, porm tratava-se do rio principal entre os mais pequenos e os muito grandes. Caudaloso estava em perptuo movimento de auto-purificao; era uma beno ver as suas guas douradas ao entardecer, por entre nuvens profusamente coloridas. O pequeno fiozinho de gua, l ao longe, por entre aquelas rochas gigantes que pareciam to compenetradas em dar-lhe bero, constitua o comeo da sua vida, enquanto que o seu trmino se situava para l das suas margens, no mar. A meditao era aquele rio, s que no tinha comeo nem fim; tivera incio, e o seu trmino seria o prprio comeo. No existia causa e o seu movimento era a sua renovao. Era sempre nova e nunca juntava para quando fosse velha, nem jamais se via manchada, por no ter razes no tempo. bom meditar sem esforar- sem esforo nenhum, alis- comeando como um pequeno fio e indo alm do tempo e do espao onde o pensamento e o sentimento no podem entrar e onde no h experincia.

A meditao no nunca orao; a orao, a splica, nasce da auto-piedade. Oramos quando estamos em dificuldades ou quando existe sofrimento, porm, quando sentimos felicidade e alegria no h splica. Essa auto-piedade to intensamente embutida no homem, a raiz da separatividade. Tudo quanto est separado, ou pensamos ser separado- mesmo pela procura de identificao com algo que no o seja- trar somente mais diviso e dor. Dessa confuso fazemos brotar o nosso clamor para os cus, para o nosso marido ou para uma divindade da mente; esse choro pode encontrar uma resposta, porm essa resposta ser um eco da auto-piedade, em meio a essa separatividade. O isolamento do pensamento sempre se situa dentro do campo do conhecido; a resposta orao a resposta do conhecido. A meditao est longe disso; no seu campo no pode o pensamento penetrar. No existe separatividade e, como tal, identidade nenhuma. A meditao est na abertura; nela o secretismo no tem lugar. Tudo permanece exposto e claro. Ento, surge a beleza do amor.

A meditao no constitui um meio para um fim; antes, um movimento tanto no tempo como fora dele. Todo o sistema ou mtodo alia o pensamento ao tempo. No entanto, a conscincia sem escolha de cada pensamento ou sentimento, bem como a compreenso dos seus motivos e do seu mecanismo- ao permitindo-lhe florescer- o campo da meditao. Quando o pensamento e o sentimento desabrocham e morrem, a meditao torna-se o movimento alm do tempo. E nesse movimento existe xtase. No esvaziamento completo existe amor, e com amor existe destruio e criao.

A ambio isolamento. A ambio individual ou colectiva sob qualquer forma conduzir inevitavelmente ao antagonismo e a dios auto-encarceradores. Quando a famlia se torna sobremodo importante, ento isso vai de encontro ao vizinho do lado ou ao vizinho de longe, e atenta contra a humanidade. Ambio por coisas mundanas ou pela diferena a mesma coisa, embora parea diferente. A natureza da ambio conflito mas o conflito, sob qualquer forma que se apresente, pe fim bondade e ao amor. A ambio e o amor no podem coexistir. Como pode a beleza estar relacionada com o homem ambicioso? S h beleza quando a vista no contaminada pelo pensamento, pois a beleza a prpria essncia do vazio do pensamento. A beleza no uma experincia nem uma sensao de prazer. A beleza, do mesmo modo que o amor, o abandono total do centro. A beleza, o amor e a morte so inseparveis; num esto os outros.

A austeridade no cruel, agressiva ou brutal; a sua expresso exterior pode no ser discernvel; se for, pode fazer parte integrante desse circo que o homem cultiva com tamanha diligncia.

A austeridade um movimento interior e no uma condio. Uma coisa viva difcil de estudar mas uma morta no; uma coisa morta pode ser copiada. Necessitamos de austeridade interior se quisermos abandonar completamente toda a maquinaria do conflito- o eu. Sem tal liberdade no pode haver amor; e sem amor no pode existir beleza.

Excluso no privacidade; onde existe privacidade no h excluso. Construir um muro de resistncia em torno de ns isolar-se, porm isso no confere a privacidade que se necessita. Porque, com a privacidade comeamos a descobrir os movimentos dos nossos prprios pensamentos e sensaes. Nessa privacidade as portas da percepo abrem-se completamente.

Existe uma beleza alm daquela que os olhos percebem. A beleza que o olho percebe bastante pobre e superficial; os seus juzos so estreitos e limitados. Aquilo que ele v condicionado por memrias, e comparativo. Aquela beleza que no mera beleza da vista no se encontra na natureza nem nos livros, nos retratos, no templo nem na Igreja, mas est fora, alm disso tudo. Para a poderdes alcanar tendes de avanar para onde nem o pensamento nem o prazer podem chegar.

O amor jamais equivale ao prazer; no prazer subsistem a dor e o medo, porm, o prazer jamais beleza. A mente que procura divertimento no amor encontrar a excitao do pensamento e as imagens que ele construiu. O amor no pode ser induzido pelo pensamento, mas quando o , sensao e desejo. Mas o desejo no amor. O desejo procura a satisfao sensorial ou intelectual, porm no amor. O pensamento e o amor jamais se podero encontrar; ambos os movimentos so diferentes e um destri o outro.

A crena superstio. Aquilo que , o facto no necessita de crena nem de concluso nenhuma. Contudo isso impede a percepo do que . O facto importa infinitamente mais, e no a concluso da tirada. As actividades da concluso so totalmente diferentes da aco do que . Esta aco trs liberdade; a outra sujeio ao tempo.

A meditao no a aco da experincia. Se procurais experincias mais amplas e intensas segui e obedecei. Toda a experincia chega ao fim porm a nsia e a dor permanecero. O fim do sofrimento o comeo da sabedoria- a qual no congregada pela experincia; a experincia s fortalece e cumula o conhecimento. Onde h amor existe sabedoria.

Atravs do nosso prprio conhecimento- das nossas actividades, dos dilogos sem fim, das nossas imaginaes e caprichos- toda a rede da sua aco - est o fim do sofrimento. O sofrimento impede a clareza. A meditao essa clareza em que no existe diviso. O oposto produto da confuso.

O sentimento coisa do pensamento; no pode existir separada do pensamento. Mas existir mesmo sentimento? O amor no tem sentimento pois este emotividade, sentimentalismo, devoo, apego, fria, etc. O amor no possui qualidade nem atributos. O amor no sensao nem prazer; nele no existe a labuta do tempo. O amor constitui a sua prpria aco e a sua prpria eternidade.

Eu posso continuar a descrever a meditao, porm a descrio no a coisa descrita. Se vos chegardes a ela, pode tratar-se da coisa mais maravilhosa. Cabe a vs aprender ou no tudo sobre ela, olhando para vs, mas nenhum livro nem professor poder ensinar-vos acerca disso. No dependais de ningum nem vos associeis a organizaes espirituais, pois temos de aprender tudo isso por ns mesmos. Desse modo a mente aprender coisas incrveis. Mas para isso no pode haver fragmentao mas imensa estabilidade, ligeireza, mobilidade. Para uma mente assim no existe espao e desse modo o viver possui um sentido completamente diferente.

Uma vez tenhais lanado o fundamento da virtude- o qual representa ordem no relacionamento- pode chegar a ocorrer essa qualidade de amor e morte, que perfaz toda a vida. Ento a mente torna-se extraordinariamente silenciosa- naturalmente, e no forada ao silncio pela supresso, disciplina ou controlo, e esse silncio imensamente rico. Para l disso nenhuma descrio ou palavra importante. Ento a mente deixa de inquirir sobre o absoluto por no necessitar de o fazer, porque nesse silncio existe aquilo que . E tudo isso constitui a beno da meditao.

Aquela varanda perfumada, com a madrugada ainda longnqua e as rvores silenciosas, era a essncia da beleza. Porm, essa essncia no passvel de ser experimentada; todo o experimentar deve cessar porque a experincia s fortalece o conhecido. O conhecido nunca essa essncia.

A meditao no representa um acrscimo de experincia; no s constitui o trmino da experincia- que a resposta ao desafio- grande ou pequeno- como tambm a abertura da porta a essa essncia, como que expondo um forno que destri completamente sem deixar cinzas nem nada. Ns somos os resduos, a afirmao de um milhar de ontem passados, uma contnua srie de memrias sem fim, feita de escolha e desespero. O "eu", grande ou pequeno, o padro da nossa existncia, e esta pensamento; pensamento existncia, com sua infinita dor.

O pensamento consome-se na chama da meditao, e com ele o sentimento, pois que de ambos, nenhum amor. Sem amor no existe essncia; sem isso s existe cinzas- no que se baseia a nossa existncia. O amor est fora desse vazio.

Nenhuma plula dourada chegar alguma vez a resolver os problemas humanos; estes s podero ser resolvidos produzindo uma revoluo radical na mente e no corao do homem. Isso exige um trabalho rduo e constante, muita observao e ateno; exige que sejamos diligentes nesse sentido, e imensamente sensveis. A mais elevada forma de sensibilidade tambm a suprema inteligncia; jamais droga alguma inventada pelo homem- em tempo algum- poder conferir essa inteligncia. Sem esta inteligncia no pode haver amor pois o amor relao. Sem essa capacidade de amar o homem jamais poder obter um equilbrio dinmico. Tal amor no nos pode ser dado- seja pelo sacerdote, seja pelos deuses, filsofos ou qualquer droga dourada.

Existir, significa ser um estranho, no pertencer a nenhuma crena nem dogma, religio ou nao. essa solitude que vai ao encontro de uma inocncia que jamais foi tocada pela malcia do homem. Tal a inocncia com que se pode viver no mundo, por entre todos os seus tumultos, sem no entanto lhe pertencermos. No se reveste ela de nenhuma forma particular. O florescimento da bondade no est em nenhum caminho, porque no h caminho para a verdade.

Meditao o descobrimento do novo; o novo est acima e alm do passado repetitivo e a meditao constitui o trmino dessa repetio. A morte que essa meditao ocasiona a imortalidade do novo. O novo no se encontra na rea do pensamento, e a meditao o silncio do pensamento. A meditao no uma aquisio, como no o a captura de uma viso, nem a excitao da sensao. como um rio, indomado, transbordante e ligeiro na sua corrente. msica sem som; no pode ser domesticada nem utilizada. silncio em que o observador teve fim no prprio comeo.

Meditao o estado mental que encara tudo com completa ateno, de modo total e no s por partes.

A morte que a meditao produz a imortalidade do novo.

Era de manh cedo e o ambiente estava muito sereno, e nem um nico pssaro ou folha mexia.

A meditao que se iniciara em profundezas desconhecidas e continuara com intensidade e amplitude crescentes entalhou o crebro num silncio total, escavando as profundezas do pensamento e desenraizando o sentimento, esvaziando o crebro do conhecido e da sua sombra. Era uma operao sem operador, sem cirurgio, que avanava qual bisturi que corta um cancro, recortando todo o tecido contaminado, sem o que a contaminao poderia alastrar de novo. Essa meditao avanara por uma hora do relgio e constitua meditao sem meditador. O meditador interfere com a sua estupidez e vaidade, ambio e cobia. O meditador pensamento, alimentado por estes conflitos e ofensas, mas o pensamento tem de cessar completamente na meditao. Isso forma a base para a ocorrncia de toda a meditao.

A meditao naquela altura significava liberdade e assemelhava-se a penetrar num mundo de beleza e quietude desconhecidos; era um mundo sem imagens nem smbolos, nem palavras, nem ondas da lembrana. O amor era a morte de cada minuto e cada morte era a renovao do amor; no era apego e no tinha razes. Era uma chama que florescia e consumia as margens e cercas da conscincia cuidadosamente construdas, chama essa destituda de causa. Era uma beleza para l do pensamento e do sentimento; no estava colocado na tela, em palavras nem no mrmore. A meditao era alegria e com ela veio a beno.

Meditao no concentrao- com sua excluso- um corte de separao, nem um acto de resistncia ou conflito. A mente meditativa pode concentrar-se mas nesse caso no se trata de uma acto de excluso nem de resistncia; porm, uma mente concentrada no capaz de meditar.

Na compreenso da meditao existe amor mas esse amor no o produto de sistemas nem de hbitos nem de seguir um mtodo. O amor no pode ser cultivado pelo pensamento. O amor pode talvez chegar a existir quando h completo silncio, um silncio no qual o meditador est completamente ausente; mas a mente s pode ficar em silncio quando compreende o seu prprio movimento como pensamento. Para compreendermos este movimento do pensamento e do sentimento no pode haver condenao na observao. Observar desse modo disciplina e essa forma de disciplina fluda e livre, e no a disciplina do ajustamento.

A meditao um movimento no e do desconhecido. Vs no estais l mas to s o movimento existe. Ns somos demasiado insignificantes ou demasiado importantes para esse movimento. Ele no tem nada por detrs nem defronte. essa energia que o pensamento e a matria no pode tocar. O pensamento perverso pois um produto do ontem; est preso na lida dos sculos e portanto confuso e obscuro. Faamos o que fizermos, o conhecido no pode chegar ao desconhecido. Meditao o terminar do desconhecido.

As palavras "vs" e "eu" distinguem as coisas; essa diviso no existe nesta quietude e neste estranho silncio. medida que olhvamos pela janela parecia que o tempo e o espao tinham chegado ao fim, e o espao que divide no tinha qualquer realidade. Aquela folha, o eucalipto, a gua resplandecente no eram diferentes de vs.

A meditao realmente muito simples. Ns complicmo-la movendo uma teia de ideias em torno disso- em termos do que seja ou deixe de ser- porm no se trata de nenhuma dessas coisas. Mas porque bastante simples escapa-nos, devido a que as nossas mentes sejam demasiado complicadas e se encontrem gastas, fundadas como esto no tempo. Essa mente define a actividade do corao, o que faz com que o problema tenha origem. Contudo a meditao sobrevem naturalmente e com extraordinria facilidade quando caminhamos pela areia ou olhamos por uma janela ou percebemos as colinas maravilhosas queimadas pelo sol do vero passado.

Porque somos seres humanos torturados de lgrimas nos olhos e riso constrangido nos lbios? Se pudsseis percorrer a ss aquelas colinas ou os bosques, as extensas areias brancas, nessa solido sabereis o que a meditao. O xtase da solido sobrevem quando deixais de estar assustados por vos sentirdes ss- no mais pertencendo ao mundo ou ao que seja, pelo apego. Ento, semelhana do despontar do dia que sucedeu hoje, ele sobrevem silenciosamente e traa um trilho dourado no prprio silncio, silncio que existia no princpio, que ocorre agora e que sempre existir.

O tempo memria mas o xtase destitudo de tempo. A beno da meditao no tem durao. A alegria torna-se prazer quando institumos a continuidade. A beno da meditao equivale a um segundo do relgio porm esse segundo contm todo o movimento da vida, destitudo de tempo- um movimento sem comeo ou fim. Em meditao esse segundo equivale ao infinito.

Distanciai-vos. Distanciar-se do mundo de caos e misria e no entanto viver nele, imperturbados. Tal s possvel quando possumos uma mente meditativa, uma mente que vigilante para com a flor e a nuvem. A mente meditativa no est relacionada com o passado nem com o futuro e no entanto capaz de viver de forma s com clareza e sensatez neste mundo. Este um mundo de desordem; a sua ordem desordenada e a sua moral imoral. A clareza no est l fora para ser procurada nem ordenada para ser usada neste mundo; quando isso ocorre transforma-se em trevas. A natureza desta claridade o seu prprio vazio; porque vazia, clara- porque negativa, positiva. Distanciai-vos sem saber onde estais. A no existe nenhum "vs" nem " eles".

A morte somente para aqueles que possuem um local de repouso. A vida um movimento de relao e apego, e a negao deste movimento constitui a morte. No tenhais abrigo externa nem internamente; possus um quarto ou uma casa ou uma famlia porm no permitais que isso se torne um refgio, uma forma de evaso de vs prprios.

O porto de abrigo seguro que a vossa mente construiu pelo cultivo da virtude, pela superstio da crena, pela capacidade astuta ou pela actividade, conduzir de modo inevitvel morte. Se pertencerdes a este mundo e sociedade a que estais ligado no podeis escapar morte. O homem que morre na porta ao lado ou a um milhar de milhas de distncia vs prprios; andou anos a preparar-se, com enorme zelo, para morrer, exactamente como vs. Ele chamou-a a si, exactamente como vs, atravs de uma vida de luta, sofrimento ou alegre show divertido. Porm a morte est sempre l, espreita, esperando; contudo, aquele que morre a cada dia est livre da morte.

A maior parte de ns parece no dar suficiente importncia meditao. Para a maioria trata-se de uma coisa passageira, da qual se espera algum gnero de experincia, qualquer conquista transcendental, uma nova forma de preenchimento onde todas as tentativas de preenchimento falharam. A meditao torna-se um movimento auto-hipntico no qual aparecem vrios smbolos e projeces; mas estes so uma continuidade daquilo que foi, talvez modificados ou aumentados, porm sempre numa rea de satisfao.

Tudo isso bastante imaturo e infantil, desprovido de significado e situa-se no muito distante da ordem (ou desordem) estabelecida atravs de eventos passados.

Tais factos tornam-se extraordinariamente significativos para a mente que se interessa pelo seu prprio progresso, melhoria e expectativas determinadas para si prpria. Quando a mente abre caminho atravs de todo esse lixo- o que s pode ocorrer atravs do auto-conhecimento- ento aquilo que acontece no pode ser narrado. At mesmo no simples acto de as narrar, as coisas j sofreram modificao. como descrever uma tempestade; ela j est para l das colinas e dos vales; ento a narrativa torna-se algo pertencente ao passado, e portanto no mais aquilo que est a acontecer.

Podemos descrever algo de modo acurado, como um evento, mas o prprio modo de descrever isso torna-se inadequado quando a coisa j se afastou. A exactido da memria um facto porm a memria o resultado de algo que j ocorreu. Se a mente acompanha a corrente de um rio no tem tempo para a sua descrio nem tempo para deixar que a lembrana se forme. Quando esse gnero de meditao ocorre tm lugar numerosas coisas que no so projeco do pensamento. Cada acontecimento totalmente novo no sentido de que a memria no o consegue reconhecer; e como no o consegue reconhecer isso no pode ser traduzido em palavras nem memria. algo que nunca aconteceu antes. Isso no uma experincia; experincia implica reconhecimento, associao e acmulo, sob a forma de conhecimento. evidente que certos poderes so libertados mas estes tornam-se num enorme perigo enquanto a sua ocorrncia tiver lugar na actividade auto-centrada. Quer tais actividades sejam identificadas com conceitos religiosos ou com tendncias pessoais.

absolutamente necessrio que tenhamos liberdade do "eu" para que a coisa real ocorra. Porm, o pensamento demasiado astuto e extraordinariamente subtil nas suas actividades, e a menos que estejamos tremendamente despertos e destitudos de escolha em meio a todas essas subtilezas e astutas buscas, a meditao torna-se uma questo de aquisio de poderes alm dos meramente fsicos. Todo o sentido de importncia da aco do eu deve inevitavelmente conduzir confuso e tristeza. Eis pelo que, antes de considerardes a meditao deveis comear com a compreenso de vs mesmos, a estrutura da natureza do pensamento. De outro modo perder-vos-eis e esbanjareis as vossas energias. Portanto, para ir longe deveis comear bem perto: o primeiro passo tambm o ltimo.

Meditao no uma coisa diferente do viver do dia a dia; no se abandonem num canto do quarto a meditar por dez minutos, para depois do acto sarem a comportarem-se como carniceiros- tanto como uma metfora quanto uma realidade. A meditao uma das coisas mais srias. Podeis faze-la durante todo o dia no escritrio, ou junto da famlia, quando dizeis a algum "eu amo-te" ou quando vos interessais pelos vossos filhos. Mas depois educais os vossos filhos para se tornarem soldados e para matar, para se tornarem nacionalistas e para adorarem a bandeira, de modo a entrarem nesta armadilha do mundo moderno.

Se observarem tudo isso, e tomarem conscincia da vossa parte em tudo isso, isso far tudo parte da meditao.

E, se meditardes assim encontrareis nisso uma extraordinria beleza; actuareis correctamente em todas as situaes mas, se no agirdes correctamente num dado momento, isso no ter importncia pois sempre podereis faz-lo uma outra vez- mas no perdereis tempo com o remorso. A meditao parte da vida e no uma coisa diferente dela.

Temos de alterar a estrutura da sociedade, sua injustia e moral aterradoras, as divises que criou entre o homem, as guerras, a total falta de afecto e amor que aniquila o mundo. Se a vossa meditao for somente uma questo pessoal, uma coisa de que desfrutais pessoalmente, nesse caso no se trata de meditao. A meditao implica uma mudana completamente radical da mente e do corao mas isso s possvel quando existe esse extraordinrio sentido de silncio interior; s isso produz a mente religiosa. Essa mente conhece o sagrado.

A beleza significa sensibilidade- ter um organismo sensvel, o que implica regime alimentar correcto e modo correcto de viver. Ento a mente torna-se calma e inconsistente de modo inevitvel e natural. No podeis torn-la tranquila pois sois vs que lanais a discrdia. Vs prprios sois perturbados, inquietados, confundidos- como podereis pois tranquilizar a mente? Porm, quando entendeis o significado do silncio, quando entendeis a confuso, o sofrimento, e se este alguma vez poder terminar, quando entendeis o prazer, dessa compreenso sobrevem uma mente extraordinariamente silenciosa; no tendes de a procurar. Tendes de comear pelo princpio, e o primeiro passo tambm o ltimo. Isso meditao.

A madrugada tardava; as estrelas ainda brilhavam e as rvores ainda se encontravam em retiro; no se ouvia um nico chamado dos pssaros nem mesmo dos mochos pequenos, que noite fazem rudo a passar de rvore em rvore. Estava o ambiente estranhamente sereno excepo do quebrar das ondas do mar. Havia aquele odor das muitas flores e folhas em decomposio e solo hmido; o ar estava demasiado parado e aquele odor estendia-se por toda a parte. A terra esperava a madrugada e o dia porvir. Havia expectativa, pacincia e uma estranha quietude.

A meditao acompanhou esse silncio que era amor; no o amor por alguma coisa ou por algum, nem a imagem o smbolo, a palavra ou os retratos. Era simplesmente amor sem sentimento nem sensao. Tratava-se de algo completo em si mesmo, desnudo, intenso, sem raiz nem direco. O som daquele pssaro distante era esse amor; ele estava tanto na direco como na distncia; estava l sem tempo nem palavra. No se tratava de uma emoo que se desvanece e se mostra cruel; o smbolo e a palavra podem ser substitudos porm no a coisa. Despida como era, achava-se completamente vulnervel e assim tambm indestrutvel. Possua o vigor inacessvel daquela diferena, o incognoscvel que se aproximava por entre as rvores e para alm do mar.

A meditao era o som daquele pssaro que chamava no vazio e o marejar das ondas rebentando de encontro praia. O amor s pode existir no mais completo vazio. A madrugada acinzentada l estava ao longe e no horizonte as silhuetas das rvores tornavam-se mais negras e intensas. Na meditao no h repetio nem a continuidade do hbito; d-se a morte de todo o conhecido e o florescimento do desconhecido. As estrelas desapareciam e agora as nuvens assomavam com o sol que se erguia.

A meditao no a repetio da palavra nem a experincia de uma viso; tampouco reside no cultivo do silncio. Tanto as contas do rosrio como a palavra podem silenciar a mente tagarela, porm, nessa acto existe uma efeito auto-hipntico. Mas bem que podamos do mesmo modo tomar uma plula. A meditao implica no nos envolvermos num padro de pensamento, nem encantamento de prazer. A meditao no tem comeo e, portanto, no conhece fim. Se disserdes: "comearei hoje mesmo a controlar os meus pensamentos, a sentar-me em silncio numa postura de meditao, a respirar de modo rtmico" ento deixar-vos-eis apanhar pelos truques com que nos enganamos. A meditao no questo de nos deixarmos absorver numa ideia qualquer ou imagem grandiosa; isso s silencia a mente durante algum tempo, como uma criana absorvida com um brinquedo, silenciada por um instante. Porm, assim que o brinquedo deixar de ter interesse, recomearo a inquietao e o tumulto. A meditao no reside na perseguio de um caminho invisvel conducente a uma qualquer beno imaginria. A mente meditativa observao- olhar, atender e escutar sem a palavra, sem comentrio e sem opinio; ela atenciosa para com o movimento da vida em toda a extenso da relao, durante o dia todo. E noite, quando o organismo estiver em descanso, tal mente no ter sonhos, por ter estado desperta durante todo o dia. Somente a mente indolente tem sonhos; s a mente meio adormecida precisa das intimaes dos prprios estados. Porm, medida que a mente observa e atende ao movimento do viver- tanto interior como exterior- sobrevem um silncio que no suscitado pelo pensamento. No se trata de um silncio que o observador possa experimentar; se o fizer e o reconhecer como tal, no mais se tratar de silncio. Esse silncio da mente meditativa no se situa nos limites do reconhecimento, pois tal silncio no tem fronteiras; s existe o silncio em que o espao da diviso deixou de existir.

No espao que o pensamento cria em torno de si mesmo no existe amor. Esse espao divide o homem do seu semelhante e nele est todo o vir a ser e a luta da vida; a agonia e o medo. A meditao o fim desse espao; o findar do eu. Ento, o relacionamento adquire um sentido completamente diferente porque, nesse espao, que no criado pelo pensamento, o outro no existe, porque ns no existimos. A meditao ento no a perseguio de uma viso, conquanto possa ter sido santificada pela tradio. Ao contrrio, um espao infinito onde o pensamento no pode penetrar. Para ns, o pequeno espao criado pelo pensamento em torno de si- que forma o "eu"- extremamente importante, porque tudo o que a mente conhece, identificando-se ela mesma com tudo o que est contido nesse espao. Mas na meditao, quando isso compreendido, a mente pode penetrar numa dimenso espacial em que aco inaco. Desconhecemos o que o amor seja, porque nesse espao criado pelo pensamento em torno de si, na forma de eu, o amor o conflito do eu e do no-eu. Esse conflito e tortura no so amor. O pensamento a nica negao do amor, e no pode entrar nesse espao onde o eu no est presente. Nesse espao existe a beno que o homem busca e no encontra. Ele busca-a dentro das fronteiras do pensamento mas o pensamento aniquila a beno- o xtase dessa beno.

A percepo sem a palavra, sem o pensamento, um dos fenmenos mais estranhos, pois muito mais viva; no somente a percepo com o crebro mas com todos os sentidos. Essa no fragmentria como a do intelecto e a das emoes. Pode ela ser chamada percepo total, e faz parte da meditao. Percepo na meditao sem aquele que percebe significa comungar com a elevao e a intensidade do Imenso. Tal percepo inteiramente diversa da viso de um objecto sem o observador porque no percebimento da meditao no h objecto e portanto no h experincia.

A meditao pode, contudo, ocorrer quando os olhos esto abertos e nos encontramos cercados por objectos de todo o gnero. Mas nesse caso, esses objectos no adquirem importncia absolutamente nenhuma. Percebemo-los, mas no se d nenhum reconhecimento, o que significa que no h nenhum acto de experimentar.

Que significado tem tal meditao? No possui significado nenhum; no tem qualquer utilidade. Mas nessa meditao d-se um movimento de um enorme xtase que no deve ser confundido com prazer. Este xtase confere a qualidade de inocncia viso, ao crebro e ao corao. Sem uma percepo da vida como uma coisa completamente nova ela torna-se uma rotina e um aborrecimento, uma coisa sem sentido nenhum. Assim, a meditao da maior importncia. Ela abre a porta para o indefinvel e o imensurvel.

Quando estendeis o olhar por todo o horizonte, os olhos percebem o vasto espao que contm todas as coisas do cu e da terra. Tal espao sempre limitado pela linha que divide a terra do cu; o espao da mente muito limitado. Todas as nossas actividades parecem ter lugar nesse pequeno espao: o viver dirio e as lutas ocultas por motivos e desejos contraditrios. Nesse pequeno espao a mente busca liberdade e assim torna-se sempre prisioneira de si mesma. A meditao o trmino desse pequeno espao. Para ns a aco consiste em produzir ordem nesse pequeno espao da mente. Mas existe outra aco que no est em pr ordem nesse pequeno espao; o espao vasto que a mente e o eu no pode alcanar o silncio. A mente nunca poder ficar em silncio por si mesma; s alcanar o silncio nesse vasto espao que a mente no consegue tocar. A partir desse silncio h aco que no pertence ao pensamento. Meditao esse silncio.

A meditao uma das coisas mais extraordinrias, mas se no souberdes o que seja sereis como um cego num mundo de cores vivas, sombras e luz cambiantes. No se trata de uma questo intelectual mas do corao penetrar a mente esta adquirir uma qualidade bastante diferente; e ento, torna-se realmente ilimitada, no somente na capacidade de pensar e agir eficientemente como tambm no sentido de viver num vasto espao em que fazeis parte de tudo. A meditao o movimento do amor. No se trata do amor de um ou de muitos mas do amor que se assemelha gua, que cada um pode beber por qualquer jarro, seja de barro ou de ouro: inesgotvel. E acontece uma coisa peculiar que nenhuma droga nem auto-hipnose pode produzir: a mente como que penetra em si mesma, comeando na superfcie e avanando fundo, at que profundidade e elevao tenham perdido todo o seu sentido e toda a medida tenha cessado. Nesse espao existe paz total- no o contentamento que sobrevem com a gratificao, mas uma paz que contm ordem, beleza e intensidade. Essa paz pode ser destruda do mesmo modo como podeis destruir uma flor mas apesar de tudo, devido sua vulnerabilidade torna-se indestrutvel.

Essa meditao no pode ser aprendida com ningum; deveis comear desconhecendo tudo sobre ela, e mover-vos no campo da inocncia. O campo em que a mente meditativa pode ter incio o campo da vida de todos os dias: o conflito, a dor e a alegria fugaz. Ela deve comear a produzir ordem a, e a partir da mover-se infinitamente. Mas se vos empenhardes somente no estabelecimento da ordem ento essa mesma ordem produzir a sua prpria limitao, e a mente ser sua prisioneira. Em todo este movimento deveis, de algum modo, comear da "outra ponta"- da outra margem- e no estar sempre preocupado com esta, ou com "como atravessar o rio". Deveis dar um mergulho nessa gua sem saber como nadar. Alm disso a beleza da meditao est em nunca saberdes onde estais nem onde ides, nem qual o fim.

Surgir uma nova experincia atravs da meditao? O desejo de experincia- a experincia mais elevada que se situa acima e alm do dirio e do vulgar o que mantm esse estado de florescimento vazio. A nsia de mais experincias, vises, percepes mais elevada, uma ou outra forma de realizao, isso leva a que a mente olhe para o exterior, o que no distinto da sua dependncia do meio em que se insere e das pessoas.

A parte curiosa da meditao a de que uma ocorrncia no se transforma em experincia; situa-se ali, tal como uma nova estrela nos cus, sem que a memria se aposse dela e a sustente e sem o processo habitual do reconhecimento, em termos de preferncia ou averso. A nossa busca sempre extrovertida: ao buscarmos uma experincia qualquer a mente sempre extrovertida. Introspeco significa no buscar, absolutamente; mas sim perceber. A resposta sempre repetitiva porque procede sempre do mesmo "banco de dados" da memria.

Aps aquelas chuvadas as colinas achavam-se esplendidas; ainda estavam queimadas pelo sol do Vero, mas agora todas as coisas verdes brotariam de novo. Tinha chovido fortemente mas a beleza dessas colinas era indescritvel. O cu ainda se achava nublado e no ar pairava um odor a sumagre, salva e eucalipto.

Era esplndido encontrarmo-nos em meio a isso, possudos por uma estranha calma. Ao contrrio do mar, que ficava l longe e embaixo, aquelas colinas encontravam-se completamente calmas. medida que observvamos tudo ao redor, naquele casa, tnhamos deixado para trs- as nossas roupas, os nossos pensamentos e todos os estranhos modos de vida. Aqui viajvamos muito leves sem nenhum pensamento, sem nenhum fardo e com um sentimento de completo vazio e beleza. Os pequenos arbustos adquiririam em breve uma tonalidade de um verde mais acentuado e no espao de algumas semanas faria brotar um aroma mais forte. As codornizes chamavam-se entre si.

Sem o saber a mente encontrava-se em estado de meditao, no qual o amor desabrochava. Afinal, s no terreno da meditao pode essa flor desabrochar. Era bastante maravilhoso e estranho o modo como aquilo nos perseguia pela noite dentro; quando acordvamos, muito antes do sol se erguer, aquilo ainda l estava no nosso corao, com sua incrvel alegria destituda de razo. Ali surgia sem causa nenhuma, completamente intoxicvel. Haveria de ficar l por todo o dia sem que o pedssemos ou a convidssemos a permanecer connosco.

Durante a noite e o dia tinha chovido intensamente e l pelas ravinas corria uma torrente de gua enlameada em direco ao mar, torrente que se tornava castanha cor de chocolate. medida que caminhvamos pela praia, vagas enormes espraiavam-se com estrondo, traando curvas magnficas na areia. Caminhvamos contra o vento e subitamente sentamos que no havia nada entre ns e o cu, e essa abertura era o Cu.

Ser-se completamente aberto e vulnervel s colinas, ao mar e ao homem a prpria essncia da meditao; no termos nenhuma resistncia, nem barreiras interiores com relao ao que quer que seja, mas sermos realmente livres, completamente livres dos menores anseios, compulses e demandas- com todos os seus conflitos e hipocrisias- isso equivale a percorrer a vida de braos abertos. E naquela tarde, ao caminharmos pela areia molhada, com as gaivotas ali em torno de ns, podamos sentir um extraordinrio sentido de ampla liberdade e a enorme beleza do amor que no estava em ns nem fora de ns, mas em todo o lado. Nem alcanamos o quanto importante ser-se livre das contnuas formas do prazer e das suas dores, de modo que a mente permanea s. Unicamente a mente que completamente s pode ser aberta.

E de repente ns sentamos isto, semelhante a uma enorme corrente de vento a varrer a terra e a ns mesmos. L estvamos- desnudados de tudo e vazios; e assim tambm completamente abertos. A beleza disso no residia na palavra nem no sentimento mas parecia estar em todo o lado (em tudo) e ao nosso redor, em ns, nas guas e nas colinas. A meditao isso.

Era uma daquelas manhs esplndidas como nunca tnhamos visto. Percebia-se o sol a erguer-se por entre os eucaliptos e os pinheiros; aparecia sobre as guas dourado e lustroso, com essa luz que s existe por entre os montes ou no mar. Era uma manh clara, sem deslocao de ar e cheia daquela estranha luz que podemos perceber no s com os olhos como igualmente com o corao. Mas quando o percebemos os cus esto muito mais prximos da terra, numa beleza em que nos perdemos. Nunca deveriam meditar em pblico sabem; nem com outra pessoa nem em grupo; Deveis meditar sempre na solido, na quietude da noite ou na calma da manh. Quando meditam em solido deve tratar-se de verdadeira solido. Deveis estar completamente ss, sem seguir nenhum sistema, nem mtodo nem repetio de palavras, sem perseguir o pensamento nem mold-lo de acordo com o vosso desejo. Essa solido sobrevem quando a mente se v livre do pensamento. Onde houver influncia do desejo ou das coisas que a mente persegue- quer no passado quer no futuro- a no haver solido. Essa solido est somente na imensido do presente. Mas ento, com a calma discrio com que toda a comunicao chega a um trmino e em que no existe o observador com as suas nsias e os seus estpidos apetites e problemas, s nessa solitude calma se torna a meditao algo que no pode ser posto em palavras por se tornar, nesse caso, um movimento eterno.

No sei se alguma vez meditastes; se alguma vez estivestes ss convosco mesmos, distantes de tudo e de toda a gente, de todo o pensamento e ocupao- se alguma vez estivestes assim completamente ss, e no isolados nem retirados num qualquer sonho ou viso fantasiosa, unicamente distanciados de modo que em vs nada reste de reconhecvel nem nada que toqueis pelo pensamento nem pelo sentimento. To distantes que nessa solitude plena o prprio silncio se torne a nica flor, a nica luz e aquela qualidade intemporal que no pode ser mensurvel pelo pensamento. Somente numa meditao assim toma o amor existncia. No vos incomodeis em express-lo; ele expressar-se- a si mesmo. No o utilizeis nem tenteis p-lo em aco; ele actuar, e quando agir, essa aco no conter remorso nem pesar, contradio nem tristeza, sofrimento. Assim, meditai ss; perdei-vos sem tentar relembrar onde estivestes. Se tentardes relembr-lo ento tratar-se- de uma coisa morta. E se vos agarrardes lembrana disso ento nunca mais ficareis a ss de novo. Assim, meditai nessa solitude sem fim, na beleza desse amor, nessa inocncia do novo- e ento surgir uma beno imperecvel.

O cu estava bem azul, com um azul que sobrevem depois das chuvas, chuvas essas que vieram ao fim de muitos meses de seca. Depois das chuvas os cus ficam lavados de novo, as colinas rejubilam e a terra fica calma. Cada folha contm em si a luz do sol e o sentimento da terra est muito chegado a ns. Por isso meditai nos prprios recessos secretos do vosso corao e mente, onde nunca antes estivestes.

Naquela manh o mar assemelhava-se a um lago ou um enorme rio sem ondulao, to calmo que ns podamos perceber os reflexos das estrelas, cedo que era de madrugada. Esta ainda no despontara e por isso percebamos as estrelas, os reflexos do rochedo e as luzes distantes da cidade na gua. medida que o sol aparecia no horizonte de um cu sem nuvens, estabelecia um caminho dourado; era extraordinrio ver essa luz da Califrnia inundar cada folha, a relva, a terra. medida que olhvamos sobrevinha-nos uma grande sensao de calma. O prprio crebro tornava-se muito silencioso, sem reaco nenhuma, sem um nico movimento; era estranho sentir esse imenso silncio; "sentir" no a palavra indicada. A qualidade desse silncio, dessa quietude, no era sentida pelo crebro, pois est alm do crebro.

O crebro pode conceber, formular ou fazer uma perspectiva (traar um plano) para o futuro mas essa calma est alm do seu alcance, alm de toda a imaginao e de todo o desejo. Ficamos to silenciosos que o nosso corpo se tornou parte integrante da terra, e parte de tudo o que estava sereno.

A certa altura soprava uma brisa delicada vinda das colinas fazendo mexer as folhas, mas essa quietude, essa qualidade extraordinria de silncio no sofria perturbao nenhuma.

A casa encontrava-se entre as colinas e o mar, voltada para nascente. medida que olhvamos assim, to quietos, ns tornvamo-nos verdadeiramente parte de tudo. ramos a luz e a beleza do amor. Mas, uma vez mais, dizer que nos tornvamos parte de tudo errado: a palavra "ns" no adequada porque ns realmente no estvamos l, ns no existamos. Existia somente essa calma e a beleza, o extraordinrio sentido do amor. As palavras "ns" e "eu" dissociam as coisas; nesse estranho silncio e quietude essa diviso no existe.

medida que olhvamos pela janela parecia que o espao e o tempo tinham chegado ao fim, e o espao divisivo no tinha nenhuma realidade. Aquela folha e o eucalipto e a gua azul brilhante no eram diferentes de ns.

A meditao realmente muito simples, mas ns complicmo-la. Tecemos uma rede de ideias em torno dela, sobre o que ou deixa de ser. Mas no nenhuma dessas coisas. Porque to simples ela escapa-nos. As nossas mentes so muito complicadas e acham-se gastas pelo tempo. Mas essa mente determina actividade do corao e a a dificuldade comea. A meditao sobrevem naturalmente e com extraordinria facilidade quando caminhamos pela areia ou olhamos pela janela e distinguimos aquelas colinas queimadas maravilhosas, queimadas pelo sol do Vero passado.

Porque somos seres to torturados, com lgrimas nos olhos e riso forado nos lbios? Se pudsseis percorrer sozinhos essas colinas e bosques, ireis pelas vastas praias de areias alvas e, nessa solido sabereis o que a meditao.

O xtase da solido sobrevem quando deixais de vos sentir assustados por estar ss, sem pertencer mais ao mundo nem apegado a nada. Ento, como aquela alvorada que estava esta manh, isso sobrevem silenciosamente e estabelece um caminho dourado na prpria quietude que existia no incio, que existe agora, e que sempre estar a.

Alegria e prazer podeis comprar em qualquer mercado por um preo qualquer. Mas beatitude coisa que no podeis comprar- quer para vs quer para os outros. A felicidade e o prazer so factores criadores de tempo; somente em total liberdade pode existir essa beno. O prazer, assim como a felicidade, podeis vs buscar e encontrar, de formas variadas. Mas eles vm e vo. A beatitude- esse estranho sentido de alegria- no tem motivo. Com certeza que no podeis busc-la.

Mas uma vez l- dependendo da qualidade da vossa mente- ela permanecer sem tempo nem causa, como algo que no mensurvel pelo tempo.

A meditao no a perseguio do prazer nem a busca de felicidade. Pelo contrrio, a meditao um estado da mente em que no existe conceito nem frmula, e portanto, total liberdade. Somente a uma mente assim pode sobrevir a beatitude- de modo imprevisto e sem ser convidada. Uma vez em existncia, conquanto possamos viver neste mundo com todo o seu rudo prazer e brutalidade, essas coisas no tocaro a mente. E uma vez existente o conflito cessar. Mas o fim do conflito no representa necessariamente a liberdade total. A meditao um movimento da mente nesta liberdade. Nesta exploso de beno os olhos so tornados inocentes, e ento o amor torna-se beno.

A meditao no o mero controle do corpo e do pensamento nem um sistema de respirao (como o inspirar e o expirar). O corpo deve achar-se calmo, saudvel e sem tenso; a sensibilidade do sentir deve ser aguada, e a mente, deve pr um trmino a toda a sua tagarelice, perturbao e tactear. No pelo organismo que devemos comear mas antes tendo considerao pela mente, com suas opinies, preconceitos e auto-interesse.

Quando a mente se acha saudvel e cheia de vitalidade e vigor ento a sensibilidade ser elevada e tornar-se- extremamente apurada. Ento o corpo, com toda a sua inteligncia natural, no ser deteriorado pelo hbito nem pelo gosto e funcionar como deve ser.

Assim, devemos comear pela mente e no pelo corpo, sendo que a mente o pensamento e a variedade das suas expresses. A mera concentrao torna o pensamento estreito, limitado e frgil, quebradio, mas a concentrao acontece como uma coisa natural quando temos conscincia dos processos do pensar. Essa conscincia no procede do pensador que escolhe e descarta, que mantm e rejeita. Essa conscincia sem escolha tanto o externo como o interno; trata-se de uma mistura de ambos de tal modo que a diviso entre externo e interno desaparece. O pensamento destri a sensibilidade do amor. O pensamento s pode oferecer prazer mas na busca do prazer o amor empurrado para fora. O prazer de comer, de beber, tem a sua continuidade no pensamento; controlar ou suprimir meramente esse prazer que o pensamento produziu no faz sentido; s cria variadas formas de conflito e compulso. O pensamento, como matria que , no pode buscar aquilo que est alm do tempo, porque o pensamento lembrana e a experincia associada a essa lembrana to morta quanto a folha do Outono que passou. Da conscincia de tudo isso vem a ateno, que no produto da desateno. a distraco que dita os hbitos prazerosos do corpo e dilui a intensidade do sentir. No podemos mudar a desateno para ateno; s a conscincia da desateno pode tornar-se ateno. Perceber todo esse processo complexo meditao, nico meio por que vir a ordem a esta confuso. A ordem to exacta e absoluta como a ordem da matemtica; a partir disso h aco- atitude imediata. Ordem no arranjo, planificao nem proporo; esses vm muito mais tarde. A ordem vem de uma mente que no se acha abarrotada com as coisas do pensar. Quando o pensamento est silencioso existe um vazio, que ordem.

Estvamos ali sentados naquela praia a olhar os pssaros e o cu e a escutar o som distante dos carros que passavam. Estava uma manh magnfica. Samos com a baixa-mar e voltamos com o fluxo da mar; samos longe para novamente voltarmos- esse eterno movimento para dentro e para fora... Podia-se vislumbrar o horizonte l longe, onde o cu parece unir-se s guas. Era uma baa enorme de guas azuis e brancas, com casas muito pequenas ao redor e cadeias e mais cadeias de montes por detrs. Observvamos sem reaco nenhuma, sem identidade nenhuma, e observvamos de modo infatigvel, na verdade no nos encontrvamos despertos mas de conscincia ausente, num estado de semi-presena. No ramos ns que ali nos encontrvamos mas to s a observao que decorria. Observvamos os pensamentos que se erguiam e se desvaneciam, um atrs do outro, processo em que o prprio pensamento tomava conscincia de si mesmo. No existe nenhum pensador a observar o pensamento.

Ali sentados naquela praia a observar as pessoas que passavam- dois ou trs casais e uma mulher solitria- parecia que a natureza e tudo o mais ao redor, desde o profundo mar azul at s elevadas cadeias rochosas estavam em observao. Encontrvamo-nos a observar e no na expectativa da ocorrncia de alguma coisa, to s num acto de observao interminvel. Essa observao acarretava aprendizagem- no a acumulao de conhecimentos que se efectua com o aprender que quase inteiramente mecnico, mas uma observao minuciosa e profunda que possua ligeireza e ternura. Desse jeito no resultava observador nenhum. Quando o pensador est presente trata-se unicamente de uma aco do passado a observar mas tal no corresponde a um observar e sim a um relembrar, uma coisa sem vida. A observao contudo uma coisa tremendamente viva que torna cada momento puro cio. Aqueles caranguejos pequenos e gaivotas e restantes aves que voavam ao redor estavam todos a observar, espera de presas, peixe, ou algo que possam comer; tambm eles estavam a observar.

Mas passasse algum por vs e interrogar-se-ia do que pudessem estar a observar. No estvamos a observar nada, contudo, nesse nada existia Tudo.

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