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NÚCLEO DE ESTUDOS DE HIPERTEXTO E TECNOLOGIA EDUCACIONAL Artigos

Jogos Em Ficcao Hipertextual

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Autor faz análise de jogos hipertextuais.

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NÚCLEO DE ESTUDOS DE HIPERTEXTO E TECNOLOGIA EDUCACIONAL

Artigos

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Jogos de linguagem em ficção hipertextual: aprendizagem com diversão no ciberespaço

Antonio Carlos Xavier (Nehte/UFPE)

Introdução Parece-nos inescapável a dimensão hipertextual da vida contemporânea. Quase todos os lugares por que passamos, estamos cercados por linguagens e objetos de interpretação cada vez mais complexos. Nas casas, ruas, restaurantes, universidades, centros comerciais, parques e galerias de artes, vivemos imersos numa avalanche de signos, cores e sons que nos pressionam a processar com rapidez as informações contidas nesses espaços públicos e privados de convivência. Soma-se a tudo isso, a dimensão virtual com sua miríade de dados à espera de nossa apreciação, reflexão e síntese. Compartilhando com Vygotski da idéia de que o pensamento é constitutivamente verbal, defendemos que o tratamento dado às informações que chegam à mente humana é necessariamente efetuado pela linguagem, faculdade cognitiva reguladora que “traduz”, articula e ordena tais informações de modo individualmente racional. Do mesmo modo, na esteira das reflexões do filósofo austríaco Wittgenstein, ressaltamos a natureza estratégica da linguagem, dotada de regras próprias à semelhança dos diversos jogos já criados e em uso pelo homem. Assim, tomando como foco de análise a Ficção Hipertextual, um gênero criado a partir dos recursos inéditos das tecnologias de comunicação, mais especificamente dos equipamentos multimídia plugados à internet, discutiremos neste ensaio o potencial lúdico e pedagógico inerentes a esse novo gênero digital literário, bem como a relevância da percepção estratégica das linguagens que o estruturam quando da sua utilização como objeto de aprendizagem ou como alternativa de diversão ao recém nascido leitor do ciberespaço, o hiperleitor. Além das idéias fundamentais de Vygotski e Wittgenstein já citadas, pautaremos teoricamente nossas observações também pela teoria da cognição situada proposta por Clancey (1997) e pela concepção de aprendizagem (re)construcionista que defendemos (Xavier 2007). Salientamos que todas essas teorias têm a linguagem como eixo catalisador do processo de aquisição de conhecimento e seus variados modos de expressão em contexto vivo de interação mediada ou não por máquinas. 1. Hipertexto e Ficção Hipertextual Logo de início cabe esclarecer as relações entre o hipertexto, superfície técnico-enunciativa, e a ficção hipertextual, enquanto gênero literário digital. Postulamos o hipertexto on-line como a “tecnologia enunciativa que viabiliza a surgimento do modo de enunciação digital, uma nova forma de produzir, acessar e interpretar informações” (XAVIER, 2002, p. 97). Quando disposto no visor de um equipamento multimídia, podemos afirmar que a hiperleitura nele realizada exige do sujeito comportamentos mentais e atitudinais bem mais participativos que os realizados em superfícies estáticas, como as páginas de um livro impresso, por exemplo. Consideramos o hipertexto on-line enunciativamente, ou seja:

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“um espaço virtual singular que apresenta, reapresenta e articula os recursos lingüísticos e semióticos já em circulação centrados num só lugar de acesso perceptual. Não se trata de um novo gênero de discurso, mas de uma forma outra de dispor e compor entrelaçadamente as informações expostas em diferentes linguagens. Cada linguagem que se ancora no hipertexto guarda suas peculiaridades sígnicas, mas ao mesmo tempo cede a primazia de significação para que possa cooperar com o propósito principal que é a construção do sentido pretendido pelo sujeito-enunciador do espaço virtual” (Xavier 2007b, no prelo1).

Quanto à Ficção Hipertextual, podemos classificá-lo como um gênero da literatura eletrônico-digital que, caracterizado pelo uso intenso dos links hipertextuais, oferece ao hiperleitor um novo contexto não linear para realizar sua leitura-navegação. Ele topologicamente escolhe os links pelos quais deseja se mover, saltando de um lugar a outro no espaço digital da web, transitando livremente pela narrativa hipertextual de estrutura aberta. Flutuando sobre o hipertexto ficcional, o hiperleitor organiza o enredo de acordo com suas vontades e expectativas, consolidando sua participação real no desvelar da trama virtual.

Em verdade, a ficção hipertextual constitui-se um programa computacional de autoria que permite ao usuário agir em ambientes virtuais cujos movimentos se dão por comandos de textos que controlam as personagens e influenciam os rumos no enredo da história. A obra é dessa forma compreendida tanto como uma narrativa literária incrementada pela intervenção direta do hiperleitor, quanto entendida como um jogo eletrônico em que o jogador interage efetivamente com a máquina. Ambos são considerados “textos de aventura”, um tipo de jogo com ação e aventura baseado nos cliques sobre os links disponíveis que, se acionados, abrem opções de caminhos aos hiperleitores/jogadores. Em geral, as ficções hipertextuais abusam dos links e de outros recursos tecnológicos como as imagens dinâmicas, ícones animados e ‘papéis de parede’ coloridos para causar um efeito estético futurístico.

O termo ficção hipertextual é ocasionalmente utilizado para se referir à “Ficção Interativa” ou “Ficção Colaborativa”. Ele indica ainda um estilo moderno de obra de arte cibernética que focaliza os lances realizados pelo hiperleitor-jogador da narrativa e não necessariamente as falhas na aventura que ele poderá cometer no gênero como um todo. À semelhança dos jogos eletrônicos, a ênfase da ficção hipertextual recai também na resolução de quebra-cabeças previamente inseridos pelo autor a fim de ennovelar o hiperleitor na trama.

A primeira ficção hipertextual produzida para a web, usando um software específico de autoria, foi Afternoon, a story de Michael Joyce. Originalmente apresentada em 1987 em CD-Rom, só foi publicada e comercializada no site do Eastgate Systems em 1991. Ainda hoje é possível acessá-la, após sofrer algumas modificações e aperfeiçoamentos técnicos.

1 A Dança das linguagens na web: critérios para a definição de hipertexto, artigo resultante da conferência proferida durante o V Congresso Internacional da Abralin realizado março de 2007, na UFMG, Belo Horizonte – MG.

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Figura 01 – Reprodução da homepage do afternoon, a story Há muitos exemplos de ficção hipertextual que podem ser aqui citados, além da primeira delas apontadas anteriormente. São eles: Hyperizons, Labyrinths, Evening, entre outros. No Brasil, desde 1996 esse tipo de literatura digital é produzida. São as mais conhecidas Tristessa e A Dama de Espadas2. Atualmente, uma nova espécie de ficção hipertextual está em franca ascensão entre usuários da Net no mundo e também no Brasil. Trata-se de programas computacionais de autoria mais sofisticados que possibilitam aos usuários a simulação de um mundo virtual com todas as facetas da vida real. Hoje os mais conhecidos e utilizados programas de autoria com essa finalidade são The Sims e Second Life. Embora possuam personagens, cenários e enredo, não são propriamente narrativas literárias, na definição que apresentamos antes. No primeiro caso, as histórias e as personagens podem ser criadas e comandadas pelos próprios hiperleitores, que agendam atividades, programam o futuro, enfim, intervêm diretamente nos rumos que as personagens tomarão ao longo da história. No caso de Second Life, há a possibilidade do hiperleitor simular outra vida para si mesmo, auto gerar uma segunda existência imaginária. Ele poderá criar todo seu perfil físico e psicológico do jeito que desejar. Em ambos os casos, trata-se de uma espécie de “jogo de Deus,” pelo qual os usuários produzem e controlam as vidas de pessoas virtualmente, ainda que sejam elas próprias. The Sims, criado pelo designer Will Wright em 2000, já tem tradução em 22 línguas diferentes. Segundo o site da empresa franqueada no Brasil, o programa tem personagens interessantes e enredos fáceis de jogar, que vão proporcionar diversão para o avatar, qualidade assumida pelo usuário no programa. Diz ainda que “o game permite que os jogadores sejam criativos e se mantenham conectados aos amigos através de mensagens instantâneas e e-mails, enquanto jogam em sua própria janela.”(In: www.thesims.com). Em resumo, as ações do jogador concentram-se na organização da

2 Para mais exemplos clique aqui e você terá acesso a quase oitocentas ficções hipertextuais.

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agenda das personagens a fim de levá-los a atingir seus objetivos como os humanos fazem na vida real.

Figura 02 - Reprodução da homepage do The Sims Second Life já alcança mais de 250 mil usuários brasileiros. O programa foi desenvolvido pelo americano Philip Rosendale em 2005, e diz não ser um jogo, porque não há missões, fases ou objetivos pré-definidos a serem atingidos. Seu criador afirma se tratar de um metaverso, ou seja, um mundo virtual tridimensional que oferece a qualquer pessoa com acesso à rede a possibilidade de criar uma segunda forma de vida. Conforme constam do site da empresa concessionária do programa no Brasil3, “as pessoas que se cadastram no Second Life são mais do que internautas ou usuárias. São residentes de um universo on-line onde é possível voar ou se teletransportar, trabalhar, fazer novos amigos, estudar, criar produtos e obras de arte, passear, namorar, fazer compras, vender, dançar, anunciar...”

3 http://www.secondlifebrasil.com.br/noticias/noticias_completo.aspx?c=11

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Figura 03 – Reprodução da homepage do Second Life Embora, a empresa publicamente negue, a essência do Second Life é ser um texto de aventura, igual aos jogos eletrônicos tanto na sua estrutura arquitetônica quanto nas exigências que faz ao “avatar”. Ambos os programas apresentam evidências de uma nova modalidade de ficção hipertextual. Eles põem em xeque o antigo ponto de vista hegemônico do narrador do percurso da história, que está agora cedendo a hegemonia para o ponto de vista do hiperleitor em sua nova experiência imersiva facultada pela realidade virtual. O que as diferencia é o nível de autoria na trama. A ficção hipertextual “tradicional” tem limites para a intervenção do hiperleitor, oferecendo-lhe apenas a co-autoria restrita por um determinado número de opções de percursos a serem escolhidos por ele que o levarão a alguns finais já previstos pelo autor/criador da ficção. Já em programas de simulação de vidas como The Sims e Second Life, a autoria é quase total, os limites são a imaginação do usuário e o seu domínio das ferramentas de produção e navegação do programa. No entanto, ambas as formas de ficção hipertextual não são concorrentes. Elas já co-existem e co-existirão pacificamente como opções dentro do variado cardápio de dispositivos de aprendizagem com entretenimento que as tecnologias digitais têm nos oferecido ultimamente. 2. Jogos de linguagem e teorias de aprendizagem Para entendermos o papel do conceito de ‘jogo’ nas ficções hipertextuais, recorremos às idéias do mais influente filósofo da linguagem do século XX. Wittgenstein definiu o funcionamento da linguagem à semelhança dos jogos em sua obra Investigações Filosóficas (1953/1974). Neste trabalho, ele argumentou que os “jogos de linguagem” são o conjunto das atividades com as quais a linguagem está interligada. Para ele, na imagem da linguagem se encontram as raízes das idéias, pois cada palavra tem como função central substituir o objeto a que se refere, agregando-o uma significação contextual. Ressalta que é na práxis do uso da linguagem que um sujeito locutor enuncia

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palavras a outro interlocutor que age depois de ouvi-las. A palavra enunciada pede-lhe uma resposta, um feedback. É na atualização desse retorno que a interatividade, constitutiva à comunicação verbal entre os interlocutores, é visivelmente efetivada. Essa práxis no uso da linguagem lança as pistas de como um enunciado deve ser interpretado em uma dada situação. Como é próprio de todo jogo, o da linguagem segue regras que dizem respeito à sua estrutura interna de funcionamento e aos signos lingüísticos que prioritariamente o compõem. Têm a ver também com fatores externos à língua como falantes, objetos, contextos variados. Diga-se de passagem, nenhum filósofo da linguagem havia considerado tanto a importância do contexto no processo de significação quanto Wittgenstein até aquele momento em que sua segunda grande obra filosófica havia sido publicada. Wittgenstein acreditava que as palavras em geral pertencem a uma família de significações e nós deveríamos sempre considerar seus vários tipos de uso, compará-los e contrastá-los a fim de determinarmos o sentido que ela estará assumindo naquela dada situação de comunicação. Afirma ainda que os jogos de linguagem são múltiplos, já que se podem fazer muitas coisas por meio dela, além de afirmações e descrições. É com a linguagem que podemos relatar, fazer conjecturas, representar, cantar, pedir, saudar, contar, anotar, traduzir, resolver enigmas etc. Exatamente na capacidade de solucionar quebra-cabeças é onde se dá o vínculo entre essa tese wittgensteiniana e a natureza essencialmente desafiadora de todo jogo, inclusive os propostos nas ficções hipertextuais. Interpretar signos lingüísticos é resolver enigmas, pois exige raciocínio analítico, sintético, capacidade de inferência, articulação com informações armazenadas na memória, relação com o contexto e com o papel social e/ou profissional dos sujeitos envolvidos na produção da linguagem. A essa altura, poderíamos perguntar, então, quais seriam os desafios lançados pelos jogos eletrônicos, em nosso caso, pelas ficções hipertextuais cuja natureza funcional é a mesma da linguagem, ou seja, matar charadas? Perguntando de outra maneira, para que servem as ficções hipertextuais? Diríamos que com elas é possível o hiperleitor informar-se, aprender, divertir-se, entreter-se, simular comportamentos, projetar resultados técnicos, criar táticas de ação, além de fazer previsões sem necessariamente correr riscos físicos se elas não derem certo, permitindo-lhe corrigir rotas e repensar decisões equivocadas e inconseqüentes. Partilhando da perspectiva wittgensteiniana da necessidade incondicional do contexto para que a linguagem e as experiências sejam bem interpretadas, valemos-nos da teoria da cognição situada. Esta teoria defende que a aquisição de conhecimentos passa pela compreensão de que uma cultura não é uma acumulação de saberes, antes é um conjunto de conhecimentos entrelaçados e contextualizados. Tal entrelaçamento de conhecimentos propicia a incorporação de novos saberes pelos sujeitos, especialmente quando em momentos específicos de aprendizagem. Por essa razão, a teoria da cognição situada adapta-se bem às análises de comportamento em que os aprendizes utilizam as tecnologias de informação e comunicação onde estão os dispositivos da Inteligência Artificial explicando as condições para a resolução de problemas individuais ou das comunidades de prática. As pesquisas com base nesta proposta teórica ocupam-se de investigar o papel das situações ligadas ao ambiente social e físico equipado com

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objetos tecnológicos de aquisição de conhecimento no qual os processos cognitivos relativos às atividades situadas têm lugar. Conforme essa teoria, o modo para a obtenção de certo conjunto de conhecimento e a situação na qual ele se desenvolveu tornam-se as partes fundamentais desse conhecimento jamais ignoradas. Em outras palavras, essa teoria propõe uma forma inteligente de abordar a interação que se dá entre corpo, mente e ambiente (no nosso caso ciberespaço) levando em conta a necessária contextualização para que o processo cognitivo mediado pela linguagem em face às ferramentas tecnológicas seja efetivado com sucesso. Para Clancey (1997), o conhecimento não é um produto que depois de pronto deve ser armazenado na memória do sujeito, mas é uma ‘capacidade de ação construída em interação’ por esse sujeito de modo consciente e seletivo. A concepção da aprendizagem (re)construcionista toma como ponto de partida o sócio-construtivismo vygotskiano e defende que a aprendizagem centrada na (re)construção do saber pelo próprio aprendiz deve levá-lo a evitar o consumo acrítico da informação fornecida por qualquer fonte seja o professor, a internet, o livro didático ou outra mídia. Antes o aprendiz deve procurar localizar a informação, reorganizá-la e processá-la considerando suas reais necessidades sociais e cognitivas. Conforme defendemos em outro artigo (XAVIER 2007a), essa postura do sujeito-aprendiz passa inevitavelmente pelo desenvolvimento de três habilidades centrais, as quais lhes garantirão definitivamente a condição de sujeito do aprender, a saber:

a) autonomia de aprendizagem; b) criticidade sobre conceitos e definições a serem aprendidos e c) criatividade para utilizar os conceitos e definições em situações não previstas.

A visão (re)construcionista tanto enxerga o desenvolvimento individual do aprendiz como sujeito de seu próprio conhecimento como também explica como ele dever fazer para integrar-se socialmente ao mundo virtual e profissionalmente ao mercado de trabalho. Para isso, o aprendiz que domina as novas tecnologias deve gerenciar eficientemente três ações inseparáveis, quais sejam: a) controlar o funcionamento dos dispositivos técnicos digitais; b) transformar a informação bruta em conhecimento útil e c) aguçar a consciência para a necessidade de aprender a aprender ininterruptamente. Sobre essa última ação, a consciência do aprender a aprender pelo sujeito, significa entre outras coisas definir com clareza suas necessidades, encontrar as informações desejadas, estimar o valor e relevância das informações encontradas e reformatar sua base de conhecimento velho em função do novo. Dessa maneira, os artefatos tecnológicos tendem a conspirar a favor do aprendiz contemporâneo, potencializando suas chances de desenvolvimento intelectual e social. 3. Dimensões da ficção hipertextual A atitude colaborativa e até mesmo construtiva incorporada pelos hiperleitores das ficções hipertextuais está em consonância com a teoria da linguagem como jogo quanto pela teoria da cognição situada, e também com a perspectiva (re)construcionista da aprendizagem. Os axiomas epistemológicos de tais teorias se enquadram bem a este novo modelo de atuar em narrativas e/ou produzi-las no ciberespaço. Por meio delas o

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hiperleitor é desafiado a sair da condição de surfista contemplativo para a de sujeito interventor e construtor da trama que se desenrola on-line. Inegavelmente, as ficções hipertextuais possuem pelo menos duas dimensões a serem observadas com atenção pelos pesquisadores do mundo digital. Uma dimensão de lazer e entretenimento já descoberta por muitos usuários do gênero, bem como uma dimensão pedagógica ainda a ser descoberta e sistematicamente explorada pelos educadores das mais diversas disciplinas as quais as ficções interativas se prestam como programa de autoria e objeto de aprendizagem interessante e atraente. 3.1. Diversão com aprendizagem À semelhança da Internet que não foi criada inicialmente com fins educacionais, mas não obstante vem fazendo muito bem esse papel, principalmente no que se refere à aprendizagem à distância em cursos livres, de graduação e até de pós-graduação, as ficções hipertextuais surgem da aplicação inteligente dos recursos multimidiáticos e interativos inerentes às tecnológicas digitais de comunicação. Poetas, romancistas e programadores de jogos eletrônicos perceberam na esfera hipertextual da grande rede uma oportunidade inédita de expansão da capacidade de interagir, divertir-se e aprender com autonomia. Perceberam a Net como um locus rico e receptivo, aberto e flexível às diferentes maneiras de pensar e expressar as novas formas de significação verbal, visual e sonora que agora estão amalgamadas num só lugar de produção e captação perceptual. Ludicamente, a ficção hipertextual é capaz de desenvolver no hiperleitor estratégias para resolução de problemas que surgem inesperadamente, exigindo-lhe competências cognitivas a serem executadas com habilidade. Portanto, quando decidem navegar por uma ficção hipertextual deverão estar conscientes de ser-lhe-ão exigidas capacidades para tomar decisões, velocidade para fazer inferências, formular hipóteses dedutivas, indutivas e abdutivas, sensibilidade para fazer antecipações e previsões a partir de pistas mínimas. Ele precisa ser dotado de paciência e desprendimento das convicções e certezas não testadas, faro investigativo e curiosidade aguçada. Senso de humor e disposição para correr riscos também são atitudes importantes ao hiperleitor das ficções interativas, pois aventurar-se neste gênero é experimentar situações novas que podem tanto diverti-lo quanto decepcioná-lo ainda que momentaneamente. Saber achar a saída mais adequada para certas situações embaraçosas e desconfortáveis são também qualidades que devem ser consideradas se o objetivo do usuário é contabilizar mais fruição do que frustração ao final do jogo. Mas se ainda não possuir todas essas competências e habilidades, a constante utilização desses programas de autoria os levará a desenvolvê-las, a final ninguém nasce pronto, aprende e melhora durante a vida inteira num longo e interminável processo de aperfeiçoamento. Para isso, toda ajuda é sempre bem-vinda, ainda que venha das frias máquinas de processamento de dados. 3.2. Aprendizagem com diversão Do ponto de vista pedagógico, a ficção hipertextual é um poderoso objeto de aprendizagem por meio do qual o hiperleitor tem a chance de ativar o processamento cognitivo tão intensamente e acionar os modelos mentais e os planos de ação diante de situações-problemas. A experimentação das diferentes linguagens simultânea e

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integradamente derivadas do equipamento multimídia cria condições sensoriais para o sujeito articular diversas informações expressas em variadas mídias e assim poder selecionar e reter aquelas mais relevantes que serão posteriormente utilizadas em outras ocasiões formais ou informais de aprendizagem. Os caminhos oferecidos pelos links que permeiam as páginas digitais auxiliam o hiperleitor a perder o medo de errar ao tentar encontrar a resposta certa. Esse é um problema caro a muitos aprendizes, pois, quando feito em situações reais, há o risco concreto da censura ou da chacota por outros. Além disso, “jogar” na Net desenvolve tanto a capacidade de análise quanto a de síntese do jogador, pois os aprendizes são estimulados freqüentemente a dividir o todo e a juntar as partes com idas e vindas à essência da meta do jogo. O hiperleitor é levado a inventar soluções e negociá-las diante das dificuldades que emergem a cada lance da “partida”. Por fim, ele não pode perder de vista a lógica interna estabelecida desde o início dos acontecimentos da história, esforçando-se para preservar o alinhamento harmônico até o fim da navegação colaborativa e construtiva da história. Seria ou não essa uma maneira de aprender brincando? Sem dúvida. Conclusão A invasão da hipertextualidade e/ou realidade virtual na sociedade contemporânea tem se mostrado bem concreta por mais paradoxal que isso possa parecer. Já são mais de 20 horas semanais dedicadas à Net pelos brasileiros, realizando as mais diferentes atividades interativas. Uma das que mais têm crescido é a participação em jogos eletrônicos no modelo tradicional4 e agora na sua nova versão, a ficção hipertextual. Seja em co-autoria ou com autoria total, é preciso enxergá-los como um aliado no processo educacional, ao invés de ficar lamentando que os alunos gastem mais tempo “jogando” do que estudando, como se não fosse possível aprender enquanto se joga. O potencial pedagógico do gênero ficção hipertextual aguarda ainda por ser descoberto e amplamente utilizado pelo ensino formal sob a orientação e mediação do professor. Aproveitar o fascínio que esses programas de autoria exercem sobre os aprendizes no século XXI não é só necessário, mas também urgente, pois a escola tem se tornado um lugar realmente monótono em face aos ambientes virtuais interativos e desafiadores proporcionados por alguns softwares há muito disponíveis na Net. Em geral, todos nós gostamos e queremos nos sentir participantes das comunidades em que estamos inseridos e com as quais nos identificamos. Os que estão em processo de formação não só desejam como necessitam se sentir protagonistas da construção do seu próprio “eu” e consequentemente do senso de coletividade que deve pairar sobre as comunidades. Aqueles sujeitos que aprendem brincando e brincam enquanto aprendem por situações simuladas dos programas de autoria sentem vontade de compartilhar com outros as experiências virtuais vividas e transportá-las para o enfrentamento dos problemas concretos da vida real. Isso é crescer, desenvolver-se e emancipar-se. Podem

4 Segundo a Smith & Jones Addiction Consultants, uma organização independente fundada em 2004 por Keith Bakker, no final de 2007 serão 120 milhões de usuários de jogos eletrônicos. A organização alerta para o risco do abuso dos jogos eletrônicos produzir nas pessoas um comportamento obsessivo/compulsivo e por isso oferece ajuda àqueles que tenham esse problema e queiram se curar.

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os educadores ignorar essa necessidade dos aprendizes por cuja formação intelectual, social e profissional são responsáveis juntamente com os pais? Referências Bibliográficas CLANCEY, William J. Situated Cognition On human knoledge and Computer

Representation. Cambridge-UK: Cambridge University Press. 1997. LEMOS, Cláudios Lucio – Entrevista ao portal Multirio. http://www.multirio.rj.gov.br/portal/riomidia/rm_entrevista_conteudo.asp?idioma=1&idMenu=4&v_nome_area=Entrevistas&label=Entrevistas&v_id_conteudo=67442 XAVIER, Antonio Carlos. O Hipertexto na sociedade da informação. A constituição

de um modo de enunciação digital. Campinas: Tese de doutorado inédita, 2002.

_______, “As Tecnologias e a aprendizagem (re)construcionista no século XXI”. Hipertextus Revista Digital, Recife, v. 1, 2007a. In: http://www.ufpe.br/nehte/revista/artigo-xavier.pdf

_______, A Dança das linguagens na web: critérios para a definição de hipertexto,

conferência proferida durante o V Congresso Internacional da Abralin realizado em março de 2007b, na UFMG, Belo Horizonte – MG (no prelo).

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico & Investigações Filosóficas.

(Col.Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, [1953]1974.