Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
A navegação consulta e descarregamento dos tĂtulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis,
UC Pombalina e UC Impactum, pressupÔem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e
CondiçÔes de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponĂveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos.
Conforme exposto nos referidos Termos e CondiçÔes de Uso, o descarregamento de tĂtulos de
acesso restrito requer uma licença vålida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s)
documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença.
Ao utilizador Ă© apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s)
tĂtulo(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do
respetivo autor ou editor da obra.
Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo CĂłdigo do Direito
de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicåvel, toda a cópia, parcial ou total, deste
documento, nos casos em que Ă© legalmente admitida, deverĂĄ conter ou fazer-se acompanhar por
este aviso.
Johann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seustempi
Autor(es): Pugliese, Vera
Publicado por: Annablume ClĂĄssica; Imprensa da Universidade de Coimbra
URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/39277
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_18_5
Accessed : 21-Apr-2022 19:10:12
digitalis.uc.ptimpactum.uc.pt
nÂș 18, sept.-dec. 2016
171
Johann J. Winckelmann eAby Warburg: diferentesolhares sobre o antigoe seus tempi
Johann J. Winckelmann andAby Warburg: distinct gazeson the ancient and its tempi
Pugliese, V. (2016). Johann J. Winckelmann e Aby Warburg: di-ferentes olhares sobre o antigo e seus tempi. Archai, nÂș 18, sept. -dec., p. 171 -215.DOi: http://dx.doi.org/10.14195/1984 -249X_18_5
Resumo: O artigo parte de diferentes recepçÔes do grupo es-cultĂłrico Laocoonte desde a Antiguidade e suas repercussĂ”es nas produçÔes artĂstica e teĂłrica sobre arte. A discussĂŁo apresenta-da explora a proposta de compreender a histĂłria da arte por ge-orges Didi -Huberman, segundo uma dialĂ©tica na qual Johann
Vera Pugliese - universidade de BrasĂlia (Brasil)[email protected]
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
172
nÂș 18, sept.-dec. 2016
J. Winckelmann representaria, no sĂ©culo XViii, uma antĂtese do modelo historiogrĂĄfico artĂstico quinhentista de giorgio Vasari. Winckelmann inaugurou um modelo que se pretendia objetivo e cujas premissas teĂłrico -metodolĂłgicas permitiram olhar para a antiguidade clĂĄssica, valorizando a arte grega em detrimento da romana. Mas Aby Warburg escaparia a este grande desenho do mainstream da histĂłria da arte, lançando outro olhar sobre o antigo, sob uma proposta teĂłrico -metodolĂłgica de diferente natureza. Assim, o artigo propĂ”e pensar uma ligne de partage entre ambos os historiadores da arte que articula trĂȘs entradas conceituais: o âretornoâ ao/do antigo; o clĂĄssico e o pathos; o modelo de tempo da histĂłria da arte, que resultaram em leituras tĂŁo dĂspares do Laocoonte. O artigo pretende esboçar a questĂŁo da repercussĂŁo da diferenciação desses trĂȘs eixos conceituais nos dois historiadores da arte sobre a recepção do antigo pela historiografia da arte contemporĂąnea.Palavras âchave: o antigo na historiografia da arte; Johann J. Winckelmann; Aby Warburg; pathos; anacronismo.
AbstrAct: The article comes from different receptions of the sculpture group Laocoonte since Antiquity and their reper-cussions in the artistic and theoretical productions about art. This discussion exploits the understanding of the Art History by georges Didi -Huberman, that according to the dialectics in which Johann J. Winckelmann, in the eighteenth century, would go to represent an antithesis to the artistic -historiographical model of giorgio Vasari at the fifteenth century. Winckelmann inaugurated a model that intended to be objective and which theoretical and methodological premises allowed for an out-look to classical antiquity, favouring greek art over Roman art. However, Aby Warburg escapes from the big picture of Art Historyâs mainstream, proposing a different outlook on the an-cient, under a methodological and theoretical proposal of dif-ferent natures. Thus, the article proposes to stablish a ligne de partage between both art historians that articles three concep-tual entries: the âreturnâ to and from the ancient, the classic and the pathos, and the time model in the Art History, which have resulted in such divergent perceptions of Laocoonte. Therefore, the article suggests outlining the question of the repercussion of the differentiation of these three conceptual axis of both art
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
173
historians about the reception of the ancient by contemporary Art Historiography.Keywords: the ancient in the art historiography; Johann J. Winckelmann; Aby Warburg; pathos; anachronism.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
174
nÂș 18, sept.-dec. 2016
este artigo se abre com uma imagem sobredeter-minada: o Laocoonte (f. 1), grupo escultĂłrico que data do final do chamado PerĂodo HelenĂstico. sua desco-berta, no Foro de Tito em Roma, em 1506, parece ter afetado os rumos da escultura renascentista, em es-pecial de Michelangelo Buonarroti (1475 -1564), que a reconheceu a partir do comentĂĄrio de Plinio senior (23 -79) (Nat. 36, 31). esta descoberta causou uma intensa repercussĂŁo entre os renascentistas e os ma-neiristas, alĂ©m de impactar a prĂłpria histĂłria da arte, pois a obra impunha rever conceitos da Antiguidade, em Ă©pocas posteriores. A terrĂvel serpente marinha, enviada por PoseidĂłn para punir o sacerdote troiano capaz de prever o artifĂcio micĂȘnico que permitiria vencer a guerra contra Ălion, TrĂłia, Ă© retratada num momento decisivo â que Johann Joachim Winckel-mann (1717 -68) denominou «momento propĂcio» (Winckelmann, 1975, p. 55 -56) â, como ameaça imi-nente Ă vida de laocoonte e seus filhos, que em segui-da pereceriam. A obra colocava em jogo tanto os re-cursos das qualidades da linguagem escultĂłrica antiga que os renascentistas conheciam, quanto os conceitos de beleza, ordem racional, perfeita proporção, objeti-vidade, economia, harmonia e equilĂbrio, associadas Ă estĂ©tica clĂĄssica.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
175
Fig. 1. Agesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes (atrib.), Laocoonte, prov. c.42 -20 a.C., Musei Vaticani
Muitas foram as obras decorrentes desta problema-tização, tanto por artistas quanto por teĂłricos. No pri-meiro caso, fosse pela disputa para restaurar o braço direito da imagem do sacerdote (f. 2), entĂŁo perdida e sĂł encontrada no sĂ©culo XX, ou pela transposição de sua agonia, como ocorreu na imagem de Cristo no PolĂptico da Ressurreição de Tiziano Vecellio (1490--1576), pintado entre 1520 e 22. No segundo caso, por meio da problematização teĂłrica da escultura, cuja redescoberta daria frutos em plena Querelle des AnciâĂ©ns et des Modernes, que se estendeu desde os debates sobre a poesia francesa no final do sĂ©culo XVii atĂ© a teoria da arte de meados do XViii.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
176
nÂș 18, sept.-dec. 2016
Fig. 2. Peter Paul Rubens (1557 -1640), Laocoonte, c.1601 -02
Talvez o livro mais cĂ©lebre que envolve a escultura seja Laokoon oder ĂŒber die Grenzen der Mahlerey und Poesie (laocoonte ou sobre as fronteiras entre escul-tura e poesia) escrito em 1766 por gotthold ephraim lessing (1729 -81), que reavivou o paragone ut pictura poesis de Quinto HorĂĄcio Flaco (65 a.C. -8 d.C.), reto-mado por leonardo da Vinci (1452 -1519) e giorgio Vasari (1511 -74)1, e colocado em evidĂȘncia por meio da diferenciação valorativa entre as artes do tempo, em especial a poesia, e as artes do espaço: as artes plĂĄsticas, envolvendo pintura e escultura.
uma abordagem Ă Ligne de partage entre Winckelmann e Warburg
interessa -nos, sobretudo, como esta imagem estĂĄ no nĂł do que podemos assumir como uma ligne de parâ
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
177
tage entre Winckelmann e o teĂłrico e historiador da arte judeu -alemĂŁo Abraham Moritz Warburg (1866--1929), na virada do sĂ©culo XiX para o XX: como am-bos os historiadores da arte articularam em suas obras os conceitos do âretornoâ ao/do antigo; o clĂĄssico e o pathos; o modelo de tempo da histĂłria da arte.
Como afirmou Mattos, o sĂ©culo XViii Ă© o contexto âdo nascimento de uma consciĂȘncia histĂłrica propria-mente ditaâ, da âproblematização das relaçÔes entre presente e passado, que se radicalizariaâ em especial na Querelle, construindo
o Ășltimo momento da relação anacrĂŽnica com o passado clĂĄssico tecida pela tradição ao longo de sĂ©culos, em meio Ă superação desse modelo em prol de um modelo histo-ricista que se tornaria crescentemente mais homogĂȘneo a partir do inĂcio do sĂ©culo XiX. (MATTOs, 2010, p. 36)
Daà o presente texto tratar da relação entre Teoria da Arte e Historiografia da Arte, ao refletir sobre os olhares de Winckelmann e Warburg sobre o passado.
em LâImage Survivante, de 2002 (2013, p. 13 -15), georges Didi -Huberman (1953) esboçou um desenho da histĂłria da arte, desde seu nascimento, ou âseus nascimentosâ. Para ele, a histĂłria da arte nĂŁo nasce nunca, pois sempre que Ă© renomeada ela renasce, a partir necessariamente de uma morte. A intenção do presente texto Ă© ver como e porque Winckelmann e Warburg se inscrevem (ou nĂŁo) neste desenho.
A histĂłria da arte nasceria com Vasari, vinculada Ă fundação do Renascimento â e, antes dele, com Plinio.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
178
nÂș 18, sept.-dec. 2016
O Renascimento, no qual Vasari se consignou tam-bĂ©m como artista, foi descrito por ele como um âperĂ-odoâ da histĂłria da arte, enquanto fundava a prĂłpria disciplina. O Renascimento seria como uma imagem--fĂȘnix que renasceu das cinzas da Antiguidade clĂĄs-sica, apĂłs a media etĂĄ, âinfinito dilĂșvio de males que haviam assolado e afogado a mĂsera itĂĄliaâ (Vasari, 1993, p. 113). ele fundou a um sĂł tempo a histĂłria da Arte e o Renascimento como objeto de um discur-so autoglorificante, constituĂdo por um texto teĂłrico, as âintroduzione alle tre arti del disegnoâ, de carĂĄter preceptivo, que circunscrevia e hierarquizava as trĂȘs artes do desenho: arquitetura, escultura e pintura, al-çadas, as duas Ășltimas tambĂ©m, Ă condição de Artes Maiores e nĂŁo mais de Artes Menores, onde estariam confinadas desde a Antiguidade, fazendo desses artis-tas intelectuais. este texto precedia a narrativa de mais de 150 biografias, marcada por trĂȘs âprofetasâ do Re-nascimento (Didi -Huberman, 1990, p. 90), sendo eles giotto de Bondone (1266/67 -1337), no inĂcio do sĂ©-culo XiV, eleito como protagonista do chamado PrĂ©--Renascimento; Masaccio (1401 -28), no sĂ© culo XV, o primeiro a materializado a perspectiva linear na pin-tura, e o maior mestre renascentista, Michelangelo Buonarroti. seu modelo biogrĂĄfico seria fundado se-gundo o pressuposto de que a pena do historiador da arte teria o poder de salvar os artistas renascentistas, tal como ocorreu com os antigos sob a pena de Plinio, de sua segunda morte: o esquecimento.
Didi -Huberman (1990, p. 82 -83) analisou a Pranâcha do FrontispĂcio da 2ÂȘ segunda edição das Vite (f. 3), evidenciando nesta xilogravura as figuras dos artistas que ressuscitariam, diante das trĂȘs deusas do desenho (uma para cada arte), sobre as quais estaria a figura de
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
179
um anjo: anjo vingador da voracidade do tempo que procedeu Ă primeira morte dos artistas, a corporal, e seria responsĂĄvel por preservĂĄ -los da morte da alma por meio da eterna fama, na escrita da histĂłria da arte. Fundado este modelo que relacionava a biografia Ă produção do artista, a tradição vasariana se estenderia atĂ© meados do sĂ©culo XViii, com obras dentro e fora da itĂĄlia, como Le vite deâ pittori, scultori et architetti dal pontificato di Gregorio XIII del 1572 in fino aâ tempi di Papa Urbano Ottavo nel 1642 de giovanni Baglione (1566 -1643), no primeiro caso, e Schilder âboeck (li-vro da Pintura) do holandĂȘs Karel van Mander (1548--1606), no segundo.
Fig. 3. g. Vasari, Prancha do FrontispĂcio e Ășltima pĂĄgina das Vite, 1568
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
180
nÂș 18, sept.-dec. 2016
embora outros historiadores da arte, como gio-vanni Bellori (1613 -96), tambĂ©m no sĂ©culo XVii, fu-gissem a este modelo ao analisar as obras de artistas exemplares, de Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 -1610) a Nicolas Poussin (1594 -1665) em Le vite deâ pittori, scultori et architetti moderni, de 1672, e emitiria juĂzos valorativos e direcionamentos pres-critivos segundo a norma clĂĄssica, ou mesmo luigi lanzi (1732 -1810), no XViii, que se voltava para o passado, Winckelmann Ă© considerado um divisor de ĂĄguas, ao instaurar uma nova tradição na histĂłria da arte, recebendo o epĂteto de âPai da HistĂłria da Arte Modernaâ.
Para Didi -Huberman, no desenho de uma histĂłria da histĂłria da arte, Vasari seria a tese de um grande arco dialĂ©tico e Winckelmann representaria a antĂte-se numa Alemanha dominada, entĂŁo, pelo espĂrito da AufklĂ€rung, protagonizado, ainda no sĂ©culo XViii, pelo pensamento crĂtico de immanuel Kant (1724--1804), que permitiria desabrochar a tradição win-ckelmanniana que Didi -Huberman (2013, p. 14) vincula Ă ârestauração neoclĂĄssicaâ: âWinckelmann (...) representaria, no campo da cultura e da beleza, a curva epistemolĂłgica de um pensamento sobre a arte para a era â autĂȘntica, jĂĄ âcientĂficaâ â da histĂłriaâ. Ba-seado na metĂĄfora biolĂłgica das trĂȘs idades da vida, que nĂŁo passara desapercebida por Vasari, Winckel-mann voltou a atenção para a Antiguidade clĂĄssica e, mesmo sem ter chegado a viajar para grĂ©cia, pode -se dizer que neste ânovo nascimentoâ da histĂłria da arte, ele a redescobriu â ou âa reinventouâ.
ela, e nĂŁo Roma, como ocorrera para o Renasci-mento, teria sido o paraĂso antediluviano da arte oci-
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
181
dental. Assim, ainda que tendo se convertido ao ca-tolicismo, Winckelmann teria assumido a tradição germùnica, de matriz luterana (Bornheim, 1975, p. 7), de renegar a importùncia de Roma, reduzindo -a a uma fonte de imitaçÔes da bela arte grega.
Contudo, em Geschichte der Kunst des Alterthums (HistĂłria da Arte dos Antigos), de 1764, ele que discor-reu sobre a arte antiga, entenda -se a Antiguidade clĂĄs-sica, e se preocupou em distinguir caracterĂsticas mor-folĂłgicas das obras, estruturando um mĂ©todo a fim de criar um acesso objetivo para analisar as imagens e balizar divisĂ”es estilĂsticas que permitissem classificar as obras em perĂodos distintos. DaĂ se destacar, recor-rentemente, sua contribuição para a diferenciação en-tre a arte helĂȘnica e a helenĂstica, noção que nĂŁo deixa de ser problemĂĄtica (Walter, 2006, p. 5 -7). ele consti-tuiu um corpo de saber como um corpo de doutrina ao ultrapassar os antiquĂĄrios setecentistas mediante a constituição de um mĂ©todo histĂłrico, que envolve anĂĄlise, crĂtica, classificação, aproximação e compara-ção. Tal anĂĄlise seria seguida por um procedimento sintĂ©tico, cujo mĂ©todo envolve a descoberta de âca-racterĂsticas segurasâ segundo a analogia e a sucessĂŁo, que se configuraria como uma âverdadeira anĂĄlise dos temposâ (Didi -Huberman, 2013, p. 14 -15), elogiada por QuatremĂšre de Quincy (1755 -1849), ultrapassan-do tambĂ©m as crĂŽnicas pliniana e vasariana.
A sĂntese deste par dialĂ©tico, protagonizado pelas fundaçÔes da histĂłria da arte de Vasari e de Winckel-mann seria representada por erwin Panofsky (1892--1968), no que concerne Ă objetivação do mĂ©todo iconolĂłgico (Quadro 1) que elaborou em 1939, em Studies in Iconology, seis anos apĂłs sua migração para
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
182
nÂș 18, sept.-dec. 2016
os estados unidos, que o afastara de certas exigĂȘncias crĂticas e preceitos filolĂłgicos que marcaram sua obra anterior junto ao Warburg institut, transferido de Hamburgo para londres tambĂ©m em 1933, para evi-tar que a Kulturwissenschaftliche Bibliothek Warburg â KBW (Biblioteca da CiĂȘncia da Cultura Warburg) caĂsse em mĂŁos nazistas. embora ligado Ă Princeton university, Panofsky continuou mantendo relaçÔes com o Warburg institute, que em 1944 seria anexa-do Ă london university. A cunhagem de seu mĂ©todo, portanto, impactou sobremaneira nĂŁo apenas o meio acadĂȘmico estadunidense, mas todo o universo inte-lectual anglo -saxĂŁo no campo da Teoria e histĂłria da arte, tornando -se hegemĂŽnico durante dĂ©cadas. sem se render ao modelo biogrĂĄfico da tradição vasariana (tese), nem Ă s preocupaçÔes morfolĂłgicas da tradi-ção winckelmanniana (antĂtese), a sĂntese encabeçada por Panofsky e marcada por um espĂrito neokantiano, teria como centro o mĂ©todo iconolĂłgico, que incor-porou a histĂłria da arte como disciplina humanĂstica, conforme Vasari, assim como incorporou a necessida-de do mĂ©todo objetivo e o respeito aos documentos, conforme Winckelmann. Tal mĂ©todo se direcionava Ă constituição de vereditos retos e confiĂĄveis que tinham como preocupação central a histĂłria das imagens, a partir de inventĂĄrios de migraçÔes e transposiçÔes iconogrĂĄficas, que permitiriam criar cadeias interpre-tativas seguras, sempre sob um modelo de tempo unĂ-voco, mas que nĂŁo deixava de estar condicionado pelo apelo do clĂĄssico como referĂȘncia.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
183
Quadro 1. Baseado na apresentação do método iconológico em 1939, com a substituição da reedição em 1955 (respectiva-mente em PANOFsKY, 1986, p. 27 e 1979, p. 65)
embora nĂŁo caiba discorrer sobre seu mĂ©todo ago-ra, basta dizer que ele era composto de trĂȘs nĂveis, em que, no primeiro, a âdescrição prĂ© -iconogrĂĄficaâ, o iconĂłlogo deveria descrever a obra a partir de seus motivos (que ainda nĂŁo poderiam ser denominados imagens), considerando em segundo plano aspectos formais (descrição pseudo -formal). No segundo, a âanĂĄlise iconogrĂĄficaâ, ele deveria ser capaz de cons-tituir uma cadeia iconogrĂĄfica que relacionasse histo-ricamente a obra e suas imagens (jĂĄ significantes) a outras obras horizontal e verticalmente (sincrĂŽnica e diacronicamente), ou seja, a inserção da obra em um conjunto mais extenso a ela contemporĂąnea e a per-cepção da obra e seu conjunto atravĂ©s da histĂłria, re-montando os tipos iconogrĂĄficos levantados atĂ© suas fontes primeiras, tarefa para a qual, frequentemente,
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
184
nÂș 18, sept.-dec. 2016
fontes escritas eram mais que desejĂĄveis, necessĂĄrias. O terceiro nĂvel, que em Studies foi chamado de âsĂn-tese iconogrĂĄficaâ e depois, na reedição do ensaio em Meaning in Visual Arts, de 1955, de âinterpretação iconolĂłgicaâ (Panofsky, 1986, p. 19 -27; 1979, p. 45--65), permitiria ultrapassar o Ăąmbito historiogrĂĄfico--artĂstico da anĂĄlise iconogrĂĄfica e transcendĂȘ -lo sob a forma da interpretação de seus sĂmbolos em sentido cada vez mais profundo, utilizando -se, em parte, do conceito de formas simbĂłlicas, cunhado pelo filĂłsofo alemĂŁo ernst Cassirer (1874 -1945), que tambĂ©m fre-quentou o instituto.
Mas... e Warburg? Na maior parte dos escritos so-bre ele atĂ© os anos 1970 (Dal lago, 2013, p. 68 -70), Warburg aparece como uma figura excĂȘntrica, que re-alizou pesquisas importantes sobre a arte renascentis-ta, mas que nĂŁo teria chegado a constituir um mĂ©todo propriamente dito como Vasari, Winckelmann ou Pa-nofsky, que possuĂa uma linguagem bastante erudita, mas um tanto abstrusa. sua contribuição mais signifi-cativa para a histĂłria da arte teria sido a constituição da KBW.
Winckelmann e o belo ideal
Onze anos antes de Geschichte, Winckelmann pu-blicou Gedanken ĂŒber die Nachahmung der griechisâchen Werke in der Malerei und Bildhauerkunst (Pensa-mentos sobre a imitação das obras gregas na pintura e na escultura), em 1755, no qual discorreu simultane-amente sobre o passado e o presente. ele valorizou o original grego, a arte que teria nascido em condiçÔes efetivamente âideaisâ, e por isso foi capaz de atingir os mais elevados ideais da arte bela, alĂ©m de criticar as
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
185
cĂłpias romanas por serem meras imitaçÔes das pri-meiras, sem alcançar o verdadeiro espĂrito que habi-tava a pintura e escultura gregas. Desde as primeiras linhas de Gedanken, ele asseverou sobre o vĂnculo ine-xorĂĄvel entre o âbom gostoâ e o âclĂĄssicoâ, que se tor-nava, entĂŁo, constitutivo da histĂłria da arte moderna: âO bom gosto, que mais e mais se expande no mundo, começou a se formar, em primeiro lugar, sob o cĂ©u gregoâ (Winckelmann, 1975, p. 39).
Por um lado, os ideais da calma, equilĂbrio, harmo-nia, perfeição, âbela naturezaâ, ânobre contornoâ, âar-quĂ©tipo espiritualâ no desenho dos corpos femininos, âbeleza idealâ, âtraços sublimesâ, âcarĂĄter divinoâ, pa-nejamentos elegantes etc. (Winckelmann, 1975, p. 45--46) dominam seu discurso, pontuado por anĂĄlises de obras, que remontam a artifĂcios retĂłricos das descri-çÔes antigas. TrĂȘs obras se destacam em suas descri-çÔes: O Apolo Belvedere, o Torso Belvere e, como nĂŁo poderia deixar de ser, o Laocoonte, sobre o qual ele chegou a escrever:
Quanto mais calma Ă© a atitude do corpo, tanto mais apta estĂĄ para mostrar o verdadeiro carĂĄter da alma: em todas as posiçÔes que se afastam demais daquela do repouso, a alma nĂŁo se encontra no estado que lhe Ă© mais prĂłprio, mas num estado de violĂȘncia e constrangimento. A alma se reconhece mais facilmente e Ă© mais caracterĂstica em paixĂ”es violentas; mas ela Ă© grande e nobre no estado de harmonia, no estado de repouso. (WiNCKelMANN, 1975, p. 54)
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
186
nÂș 18, sept.-dec. 2016Fig. 4. gian lorenzo Bernini (1598 -1680), Apolo e Dafne, 1622 -1625
Fig. 5. Raffaello sanzio (1483 -1520), Madonna Sistina, 1513 -1514
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
187
Por outro lado, criticou, ainda sob os pressupostos do belo ideal, a prĂĄtica escultĂłrica do sĂ©culo XVii, es-sencialmente barroca, como Ă© o caso de lorenzo Ber-nini (f. 4), devido ao excesso de subjetividade, desme-sura e movimento, alĂ©m de censurar o ensino baseado diretamente na natureza, quando deveria se pautar pela cĂłpia do antigo, ao passo que valorizou Raffaelo sanzio, que teria conseguido, em especial na Madonâna Sistina (f. 5), depreender o espĂrito do belo clĂĄssico em uma obra moderna, no princĂpio do sĂ©culo XVi: â... certas noçÔes gerais que deveriam se elevar acima da prĂłpria natureza; uma natureza espiritual concebi-da somente pela natureza constituiu seu modelo idealâ (Winckelmann, 1975, p. 45 -45). e encontramos neste ponto uma questĂŁo que demanda uma compreensĂŁo muito particular: a imitação, como veremos adiante.
em Geschichte, o mĂ©todo wilckelmanniano voltava--se para a obra e nĂŁo para os artistas, e se tornaria basilar para as dĂ©cadas posteriores, sempre valori-zando o clĂĄssico como modelo ideal, inscrevendo -se na Querelle. sua obra acabaria por redirecionar a cir-cunscrição e o mĂ©todo que basearam este discurso atĂ© a consagração da histĂłria da arte como disciplina uni-versitĂĄria, no sĂ©culo XiX, com o surgimento da cha-mada escola de Viena, que ainda que diferentemen-te, preocupar -se -ia com as questĂ”es estilĂsticas, que envolvem tanto a periodização da produção artĂstica quanto instrumentos de avaliação e interpretação do fenĂŽmeno estĂ©tico.
Quanto Ă ligne de partage entre Winckelmann e Warburg, Ă© possĂvel dizer que Didi -Huberman (2013, p. 16) evidencia o carĂĄter contraditĂłrio de Winckel-mann como historiador (Geschichte) e como crĂtico
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
188
nÂș 18, sept.-dec. 2016
estĂ©tico (Gedanken). DaĂ a crise estĂ©tica do iluminis-mo remontar aos prĂłprios modos de obtenção do seu âmaterial arqueolĂłgico de baseâ, o que implicaria um âembaraço teĂłricoâ, jĂĄ que Ă© constitutiva da histĂłria da arte como seu fundador ao mesmo tempo em que se-ria o guardiĂŁo de uma doutrina estĂ©tica.
Assim, a tradição winckelmanniana seria fundada a partir de dois diferentes ânĂveis de inteligibilidadeâ, que formam uma polaridade contraditĂłria: âde um lado a doutrina estĂ©tica, a norma atemporal; de outro a prĂĄtica histĂłrica, a anĂĄlise do tempoâ. Devido Ă di-mensĂŁo de problemas que esta colocação estabelece, Ă© inevitĂĄvel que a histĂłria da arte demande uma filosofia da histĂłria e a escolha de certos âmodelos de tempoâ e de certos âmodelos estĂ©ticosâ, donde a constatação (Didi -Huberman, 2013, p. 16) de que Winckelmann teria trabalhado paralelamente com dois modelos de tempo distintos.
Didi -Huberman vĂȘ no olhar nostĂĄlgico de Win-ckelmann sobre o passado um sentimento de perda, que marca uma histĂłria a arte que recomeça e se defi-ne por um objeto morto, como uma espĂ©cie de subs-tituição restituidora para suturar a angĂșstia da perda do passado como projeção de sua prĂłpria morte. DaĂ a assimilação institucional do modelo auge/decadĂȘn-cia em seu discurso:
O objeto de uma histĂłria ponderada [raisonnĂ©e] da arte Ă© remontar Ă sua origem (Ursprung), acompanhar seus progressos (Wachstum) e suas variaçÔes (VerĂ€nderung), atĂ© sua perfeição, e marcar sua decadĂȘncia (Untergang) e queda (Fall) atĂ© sua extinção. (WiNCKelMANN, 1764, 1, p. 11 -12 apud DiDi -HuBeRMAN, 2013, p. 18)
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
189
AlĂ©m disso, a histĂłria da arte estaria condicionada pela ânorma estĂ©ticaâ que decide os âbons objetosâ do relato, cuja reuniĂŁo acabaria por constituir uma sor-te de âessĂȘncia da arteâ, condicionada, portanto, pelo belo ideal, que estaria no horizonte do neoclassicismo cujo nascimento foi contemporĂąneo a Winckelmann (Didi -Huberman, 2013, p. 19).
Mas os objetos que ele elogia nĂŁo estavam presen-tes Ă sua Ă©poca, mas conhecidos por meio de cĂłpias, o que o fez aceder a conceitos como «essĂȘncia da arte» e o princĂpio do âbom gostoâ (der gute Geschmack), que o fez rejeitar âtoda deformação do corpoâ (Win-ckelmann, 1975, p. 39) e, portanto toda expressĂŁo de pathos nas obras.
Fig. 6. J. J. Winckelmann, Prancha do FrontispĂcio de Geschiâchte der Kunst des Alterthums, 1764
Didi -Huberman (2013, p. 25) destaca o FrontispĂ-cio de Geschichte (f. 6), em que figura o carro apolĂneo que triunfa, como o passado triunfa sobre o presente, como um retorno ao antigo, entenda -se, ao grego. se a atmosfera maneirista imperava no FrontispĂcio das
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
190
nÂș 18, sept.-dec. 2016
Vite de Vasari, dois sĂ©culos antes, agora Ă© o traço clas-sicista que se impunha. Mas a evocação do passado, calcado num mĂ©todo objetivo neste grande volume difere do tom ideal de Gedanke, onde o discĂpulo de Alexander Baumgarten (1714 -62) mostrava a pendĂȘn-cia para um discurso estĂ©tico, cujo modelo de tempo contrasta, portanto, com o do historiador da arte.
A tĂ©cnica descritiva de Winckelmann âalternava a descrição das formas visĂveis da pedra com a ima-gem viva da figura representada, completando com a imaginação o elemento perdido devido Ă passagem do tempoâ. Deste modo, Mattos (2010, p. 39) afirma que âa corporeidade da escultura era preservada e ela adquiria o movimento e a vida que lhes haviam sido roubados pelo tempo e pela distĂąnciaâ, sendo a des-crição do Torso Belvedere exemplar dessa espĂ©cie de ârestauro pela palavraâ.
DaĂ se poder depreender que âa prescrição de Win-ckelmann nĂŁo se dirigia apenas ao artista, mas ao olhar do historiador da arte sobre a produção artĂstica ocidental que surgiu na grĂ©ciaâ, balizada pela noção da forma perfeita e bela, que circunscreveria a consi-deração do fenĂŽmeno artĂstico. DaĂ se poder indagar o quanto estas ideias estariam introjetadas em nĂłs des-de a nossa formação escolar, estando estes conceitos presentes tanto na busca do clĂĄssico em outros perĂo-dos quanto em nosso olhar sobre as produçÔes visuais da grĂ©cia ou da Roma antiga? Mais ainda, âo quanto modelos interpretativos utilizados contemporanea-mente estariam isentos da pena de ... Winckelmann?â (Pugliese, 2014, p. 176).
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
191
Warburg e o antigo
Voltando ao desenho da História da arte proposto por Didi -Huberman, por que Warburg não foi men-cionado nessa grande dialética? Talvez porque ele não poderia ser inscrito por ela, o que evidencia sua ex-clusão do mainstream da disciplina, de uma história da arte como doutrina de certezas. Warburg (2005, p. 434) propÎs que a história da arte fosse mais como um caminho de problemas, além de um questiona-mento das fronteiras disciplinares que a caracteriza-riam, o que começa a definir sua posição na ligne de partage, aqui proposta, em relação a Winckelmann.
essa linha se faz, em especial, a partir de dois con-ceitos operatĂłrios: o Nachleben der Antike (sobrevi-vĂȘncia ou pĂłs -vida do antigo) e a Pathosformel (fĂłr-mula de pathos), que marcam as pesquisas de Warburg antes ainda da cunhagem destes termos.
Numa visĂŁo retrospectiva, Ă© possĂvel perceber que, desde o perĂodo de formação, o jovem Warburg pare-ce ter tido dificuldade em se enquadrar em uma ĂĄrea especĂfica de conhecimento. embora concentrasse seus estudos entre a histĂłria da arte, filologia, filosofia, tambĂ©m se dedicou Ă religiĂŁo comparada, psicologia, arqueologia, antropologia e atĂ© biologia e medicina (Pugliese, 2011, p. 1).
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
192
nÂș 18, sept.-dec. 2016
Fig. 7. Laocoonte (pormenor)
Data de 1887 a primeira menção a uma intenção de constituir uma teoria da Ausdruck (expressĂŁo) ou mesmo EinfĂŒhlung (empatia), que mais tarde envol-veria as Pathosformeln, num ensaio para a disciplina de Arqueologia, na qual estudou o Laocoonte com Reinhard KekulĂ© von stradonitz (Didi -Huberman, p. 2013, p. 32). Diferentemente de Winckelmann, Warburg compreendeu que o grupo escultĂłrico nĂŁo seria uma evocação do belo ideal, de fundo clĂĄssico, apolĂneo, mas pendia para a expressĂŁo de profunda dor, pavor, da ameaça inelutĂĄvel do sofrimento e da morte, estampada em cada mĂșsculo do sacerdote e de seus filhos, em suas feiçÔes, e, principalmente, nos
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
193
movimentos convulsivos de seus corpos e da trama serpentina de seu algoz (f. 7).
Paralelamente, desde 1886, Warburg consegui-ra, fazendo uso da fortuna da famĂlia de banqueiros judeu -alemĂŁes, começar a constituir uma biblioteca, a futura KBW, que teria importante repercussĂŁo em toda a histĂłria da arte novecentista, mas cuja especifi-cidade merece ser comentada mais adiante.
A visibilidade de sua obra no meio cientĂfico come-çou com a tese de doutorado, em 1893, que emergiu da pesquisa em Firenze sobre La Nascita de Venere e a Primavera de sandro Botticelli (1445 -1510). A atenção aos detalhes das imagens que escapavam Ă abordagem formalista que ecoava do impĂ©rio Austro -HĂșngaro, com a escola de Viena, assim como da suĂça e da prĂłpria Alemanha, respectivamente com Heinrich Wölfflin (1864 -1945) e Adolf von Hildebrand (1847--1921). eram as cabeleiras, certa posição das mĂŁos, o caimento do tecido, que chamavam a atenção de War-burg. era o reconhecimento de elementos que fugiam aos ideais apolĂneos, que marcaram o Renascimento de Vasari e o clĂĄssico de Winckelmann, que pareciam se impor e, com eles, evidenciar outra espĂ©cie de re-torno nĂŁo ao clĂĄssico, mas do antigo.
Dois anos depois, Warburg estendeu uma viagem familiar a New York para conhecer, no Novo MĂ©xico, assentamentos da Cultura Pueblo, em uma imersĂŁo que dĂ©cadas mais tarde seria conhecida por meio do escrito Die Mehrdeutigkeit des Schlangenrituals: Zwisâchen Magie und Logos (A ambiguidade dos Rituais da serpente: entre magia e logos), de 1923, e cuja pes-quisa teria forte impacto na formulação do conceito
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
194
nÂș 18, sept.-dec. 2016
das Pathosformeln. A viagem teria sido motivada pela leitura de Primitive Culture do antropĂłlogo edward Tylor (1832 -1917), escrito a partir da expedição re-alizada em 1856, por terras mexicanas. Nesta obra, Tylor desenvolveu o conceito de survival, que estaria na base da noção de Nachleben der Antike, juntamen-te com as noçÔes de «lei da participação», a «sobre-vida dos mortos» e de causalidade na «mentalidade primitiva» do antropĂłlogo francĂȘs lucien lĂ©vy -Bruhl (1857 -1939), de La MentalitĂ© Primitive (1922) (Pu-gliese, 2012, p. 1537).
Recorrendo Ă percepção de sobrevivĂȘncias ances-trais de certas formas antiquĂssimas, estampadas em imagens que retornavam em diferentes Ă©pocas, Tylor evocou o princĂpio do survival de elementos que se-riam reprimidos por sobreposiçÔes culturais domi-nantes na âevoluçãoâ cultural. Mas ao invĂ©s de serem suprimidos, sobrevinham anacronicamente por meio de referĂȘncias perifĂ©ricas em imagens e prĂĄticas de cul-turas posteriores, a partir de uma fonte comum, e nĂŁo de uma transmissĂŁo histĂłrica linear, mas tendo como fonte uma primeira cunhagem das imagens a partir de elementos fundantes da relação entre o homem e a natureza, num estado de participação, que nĂŁo de-sapareceria no desenvolvimento cultural dos povos.
Para Didi -Huberman (2013, p. 57 -8), o interesse de Warburg pelo survival tyloriano foi colocado como um jogo entre as palavras tenacitĂ© e tenuitĂ©: a tenaciâdade das sobrevivĂȘncias diante da fragilidade (tenuitĂ©) dos âtrivial detailsâ, dos quais emergia o antigo.
Assim, Warburg compreendeu que a cunhagem de certas imagens primevas, surgidas do prĂłprio
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
195
conflito do homem com a natureza, formadas a partir da reação fĂłbica das ameaças do meio ao ser humano, seriam encriptadas em gestos que retornariam obses-sivamente ao longo da histĂłria (efal, 2001, p. 224). se toda a valorização do carĂĄter apolĂneo da arte clĂĄssica marcava seus renascimentos na cultura ocidental, tĂŁo evidente em Vasari e Winckelmann, Warburg recor-reu Ă inefĂĄvel complementaridade entre os princĂpios apolĂneo e dionisĂaco que marcam a obra de Friedrich Nietzsche (1844 -1900), para perceber a presença do dionisĂaco na arte clĂĄssica, presença que retornaria ob-sessivamente na evocação do antigo no Renascimento italiano, como um parergon. se os olhos de Vasari e, depois de Winckelmann, insistiam em ver a calma, a harmonia, o equilĂbrio, o belo clĂĄssico ideal, a ordem racional no antigo, Warburg percebeu a presença, na arte florentina do Quattrocento, de sobrevivĂȘncias do antigo nas Pathosformeln, fĂłrmulas de imagens anĂ-micas que habitariam obsessivamente as imagens e eram obsessivamente reprimidas pelo olhar que nelas procurariam os elevados ideais apolĂneos.
Deste modo, essas imagens perturbadoras de uma histĂłria da arte objetiva e objetivante, racional, que parte do Renascimento como estilo de referĂȘncia que, por sua vez, partia do princĂpio da Antiguidade clĂĄssi-ca como idade de Ouro, mostravam que nĂŁo seria um modelo de tempo unĂvoco que permitira penetrar nos sentidos profundos dessas imagens, mas um modelo de tempo complexo, que envolve diferentes tempora-lidades, alĂ©m desses dois elementos que perturbam a histĂłria da arte: o pathos (Pathosformeln) e o ana-cronismo (Nachleben), que reportam Ă psicanĂĄlise e Ă antropologia. Posteriormente, a rejeição a estes prin-cĂpios pela iconologia panofskyana, jĂĄ considerando
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
196
nÂș 18, sept.-dec. 2016
a tradição implantada por seu mĂ©todo, tornava -se a rejeição ao prĂłprio Warburg, sendo reputada sua te-oria como âincompreensĂvelâ, e sua âfalta de unidade metodolĂłgicaâ e o âinacabamentoâ de sua obra a sin-tomas de sua afecção mental.
Mas se Warburg se interessou pelos vestĂgios da Antiguidade clĂĄssica, era porque eles nĂŁo seriam re-dutĂveis a mera existĂȘncia objetual, mas por sua sub-sistĂȘncia nas formas e, portanto, nos estilos (Didi--Huberman, 2013, p. 49), donde a problematização do nexo forma/conteĂșdo que, contudo, Carlo ginzburg (1989, p. 65) afirmou nĂŁo ter sido objeto de Warburg, mas de Panofsky.
Fig. 8. A. DĂŒrer (1471 -1528), A morte de Orfeu, 1494
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
197
Didi -Huberman compara os frontispĂcios da se-gunda edição das Vite de Vasari e da Geschichte de Winckelmann a uma das imagens em que Warburg parece centralizar os esforços para afirmar seus con-ceitos: A morte de Orfeu, desenhada por Albrecht DĂŒrer em 1494 (f. 8):
A imagem que abria este texto nĂŁo era a de uma ressur-reição cristĂŁ, como em Vasari, nem a de uma glĂłria olĂm-pica, como em Winckelmann. Mas a de um despedaça-mento humano, passional, violento, cristalizado em seu momento de intensidade fĂsica. (DiDi -HuBeRMAN, 2013, p. 25)
em relação Ă assimetria relativa aos nĂłs da histĂł-ria, da arte e da Antiguidade, reveladas pelo confronto visĂvel dos textos na comparação entre os emblemas ainda o leva a afirmar como Warburg âdecompĂŽs, desconstruiu sub -repticiamente todos os mode-los epistĂȘmicos em uso na histĂłria da arte vasariana e winckelmannianaâ, tomados ainda hoje como os âmodelos iniciĂĄticos da disciplinaâ (Didi -Huberman, 2013, p. 25), talvez mais do que como uma reserva respeitosa, mas abraçando estes modelos.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
198
nÂș 18, sept.-dec. 2016Fig. 9. e. Manet (1832 -83), Le DĂ©jeuner sur lâherbe, 1863
Fig. 10. M. Raimondi (c.1480 -c.1584), O Julgamento de PĂĄris, 1514 -1518
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
199
Fig. 11. AnĂŽnimo, Julgamento de PĂĄris, 2.ÂȘ met. sĂ©c. iii AD
Ainda hĂĄ mais: para Warburg as Pathosformeln nĂŁo seriam estagnadas culturalmente, elas integrariam os desenvolvimentos culturais, embora, a partir do mar-co moderno do Renascimento, com o primado filo-sĂłfico da RazĂŁo, elas começassem a ser edulcoradas, como Ă© possĂvel perceber ao longo do Renascimento e entre o Barroco e o sĂ©culo XiX. Warburg chegou a comentar como, na era industrial, ela pĂŽde reapare-cer, como em Le DĂ©jeuner sur lâherbe (f. 9) de Ădouard Manet (eFAl, 2001, p. 223 -224), reportando -a ao gru-po do canto inferior direito de uma obra de Raffaello, o Julgamento de Paris, que nos Ă© conhecida por meio da gravura de Marcantonio Raimondi no sĂ©culo XVi (f. 10), que parece reportar a imagens bem mais anti-gas, como um relevo helenĂstico do sĂ©culo iii AD na Villa Medici, em Roma (f. 11).
Mas apĂłs um longo perĂodo de internação, entre 1918 e 24, quando a KBW se tornou a sede do insti-tuto homĂŽnimo e Fritz saxl (1890 -1948) assumiu sua
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
200
nÂș 18, sept.-dec. 2016
direção, e apĂłs Warburg escrever o Ritual da Serpente, ele retornou Ă vida acadĂȘmica com um projeto: O Bilâderatlas Mnemosyne, que empreendeu com o auxĂlio de saxl e de gertrude Bing (1892 -1964) atĂ© sua mor-te, em 1929. este projeto guarda relaçÔes Ăntimas com a KBW, cujo pĂłrtico do salĂŁo superior era encimado pelo nome da deusa da MemĂłria, que teve com JĂșpi-ter as nove filhas, as musas.
em 1926, a Biblioteca deixaria a residĂȘncia de War-burg para ocupar um edifĂcio prĂłprio, ainda em Ham-burgo. Mas desde sua formação, quatro dĂ©cadas antes, sua organização se contrapunha Ă compartimentação dos saberes que desde o sĂ©culo XiX, com a formação de grandes bibliotecas pĂșblicas na europa, se tornara tradicional (settis, 2000, p. 114 -116). A organização da KBW era regida pelo que ele chamou de Gesetz der guten Nachbarschaft (lei da boa vizinhança), em que os livros eram aproximados nĂŁo pelas divisĂ”es dis-ciplinares, mas pelas afinidades de seus conteĂșdos e imagens, em função das pesquisas de Warburg. uma lĂłgica homĂłloga passou a reger os conjuntos de gran-des pranchas, com um metro de altura, forradas de tecido preto em que Warburg associava imagens de toda a histĂłria da arte por meio de reproduçÔes foto-grĂĄficas em seu mapa ou atlas de imagens da memĂł-ria. Mas, alĂ©m de reproduçÔes de obras de arte, mapas terrestres, celestes e astrolĂłgicos, desenhos cientĂficos e atĂ© pĂĄginas de jornal com fotografias podiam figu-rar entre as imagens escolhidas, em seu inventĂĄrio de imagens antiquizantes. A cada prancha do Bilderatlas correspondiam breves referĂȘncias escritas que sinte-tizavam o princĂpio de cada jogo de associação ima-gĂ©tica. Mais que isso, da potĂȘncia heurĂstica inerente Ă KBW toda uma reorganização de saberes permitia
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
201
nessa transdisciplinaridade deslocamentos episte-molĂłgicos preocupados com a relação entre formas e sĂmbolos, ou seja, com o nexo forma/conteĂșdo (Pu-gliese, 2011, p. 4).
Warburg (2010, p. 24 -25; 74 -75) retomou nos PaiânĂ©is 6 e 41a do Bilderatlas (f. 12) a preocupação com o laocoonte associado respectivamente aos temas da âMorte do sacerdoteâ e da âexpressĂŁo do sofrimen-toâ, sem se restringir Ă questĂŁo da iconologia, mas ultrapassando -a, uma vez que a carga energĂ©tica da associação das imagens em montagem transcende-ria o campo da forma, por meio da dupla memĂłria, individual e coletiva, das Pathosformeln (Pugliese, 2011, p. 3 -4). elas incorporariam a possibilidade da expressĂŁo humana cujas representaçÔes seriam inven-tariadas a partir de suas matrizes antigas, que sobre-viveriam dinamicamente na memĂłria coletiva como presentes reminiscentes por meio de uma espĂ©cie de ato rememorativo, que atualizaria esses gestos visan-do Ă intensificação de seu significado profundo (Che-ca, 2010, p. 138 -139).
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
202
nÂș 18, sept.-dec. 2016
Fig. 12. A. Warburg, Painel 41a do Bilderatlas Mnemosyne
O Bilderatlas evidenciava que o Nachleben era um conceito operatĂłrio que possibilitava complexificar o tempo histĂłrico, permitindo reconhecer em diferentes especificidades culturais. Mas longe do conceito spen-ceriano de evolução, no qual os mais fortes sobrepu-jam os mais fracos, a forma sobreviveria âsintomatal e fantasmaticamente Ă sua prĂłpria morteâ, sobreviveria ânos limbos ainda mal definidos de uma «memĂłria coletiva»â (Didi -Huberman, 2013, p. 55).
WARBuRG e WINCKeLmANN
Ă possĂvel depreender que as repercussĂ”es que Winckelmann e Warburg exerceram sobre a histĂłria
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
203
da arte, em suas prĂłprias Ă©pocas e posteriormente, concerne, entre outros fatores, Ă s especificidades me-todolĂłgicas de suas obras e seus respectivos preceitos teĂłricos. se Winckelmann Ă© identificado ao nasci-mento da histĂłria da arte moderna, a presença de um mĂ©todo objetivo que envolve classificação de obras em perĂodos contrasta com os procedimentos meto-dolĂłgicos de Warburg. sempre partindo de objetos especĂficos, como o conjunto de afrescos do Palazzo schifanoia de Francesco Del Cossa (c.1430 -c.1477), no sĂ©culo XV, no qual Warburg identificou temas astrolĂłgicos, ou os desenhos de moda de Bernardo Buontalenti (1536? -1608) no XVi, por meio dos quais procurou problematizar o nexo entre forma e conte-Ășdo, de modo tornar a histĂłria da arte efetivamente uma disciplina crĂtica, no sentido de questionar seus prĂłprios fundamentos a cada anĂĄlise, Winckelmann, inserido em um contexto bastante diverso, buscou jus-tamente fundar as bases objetivas de uma histĂłria da arte que a proposta de Warburg buscou desterritoria-lizar. Deste modo, a teoria de Warburg nĂŁo Ă© âincom-preensĂvelâ, mas atua de modo a questionar a prĂłpria disciplina, ou seja, rever as bases teĂłricas enquanto investiga cada objeto, sem jamais se desprender dele. sua aparente falta de unidade metodolĂłgica partiria da impossibilidade de impor um mĂ©todo a priori que seria aplicĂĄvel indistintamente a quaisquer objetos. Mas a metodologia para pesquisar cada objeto devia se construir a partir das especificidades do objeto em questĂŁo. DaĂ seu pretenso carĂĄter de âinacabamentoâ, uma vez que ele pensou a disciplina de forma dinĂą-mica, do mesmo modo que as pranchas do Bilderatlas poderiam sofrer alteraçÔes na medida em que deslo-casse seu interesse para outros objetos, mas sem dei-xar de reportar sua tĂŽnica metodolĂłgica ao princĂpio
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
204
nÂș 18, sept.-dec. 2016
de montagem de seu objeto (Pugliese, 2011, p. 3 -4). Analogamente, sua aparente inadequação na época de estudante se referia a uma insatisfação com o sistema de ensino da universidade, que em breve evidenciaria o caråter perturbador de sua obra, ainda em vida.
Finalmente, se a tendĂȘncia objetivante de Panofsky, descende, em certa medida, da força sistematizadora de Winckelmann, Warburg descende da Kulturgeschiâchte de Jakob Burckhardt (1818 -97) e do pensamento de Nietzsche, no sentido de nĂŁo olvidar de que seus objetos eram constituintes da mesma cultura que ex-pressavam, precisamente em sua especificidade plĂĄs-tica. em relação ao belo, se Winckelmann partiu de uma conceituação a priori de um belo ideal, o belo nĂŁo se colocou como problema para Warburg, que criticava a «histĂłria da arte estetizante» (Agamben, 2006, p. 107), interessado na especificidade do prĂł-prio processo criativo. DaĂ seu impacto sobre a teoria da arte francesa do final do sĂ©culo XX, em especial a partir de Hubert Damisch (1928), em Le Jugement de PĂąris, de 1992.
Mas no que concerne ao olhar sobre o passado, Didi -Huberman (2002, p. 23) afirma que ignoramos o quanto somos tributĂĄrios do sentido moderno da histĂłria da arte winckelmanniana, em relação ao ânĂł de problemasâ que Geschichte der Kunst des Alterthuâms continua a evocar. O historiador da arte francĂȘs evidencia como o prĂłprio tĂtulo da obra apresenta os elementos formadores deste nĂł, ou seja, as questĂ”es da prĂłpria construção do discurso histĂłrico (Geschiâchte); de nosso olhar diante da arte (Kunst); da relação temporal relacionada a uma rememoração dos anti-gos (Alterthums). este nĂł seria ainda revelado pelas
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
205
possĂveis articulaçÔes que o termo imitação passaria a revelar mediante as contradiçÔes que impĂ”e: âo Ășnico meio para nĂłs de nos tornarmos grandes e, se possĂ-vel, inimitĂĄveis, Ă© imitar os Antigosâ (Winckelmann, 1975, p. 39 -40).
Deste modo, o que Alex Potts (1991, p. 11 -12) de-nominou âabsence catĂ©goriqueâ (ausĂȘncia categĂłrica) da arte grega, suscitou o problema de seu conheci-mento por meio da arte romana, em um jogo de pre-sente e presença, uma vez que a imitação dĂĄ acesso a uma origem perdida, sendo o objeto da imitação o ideal, que daria acesso, por sua vez, Ă essĂȘncia da arte. O paradoxo que o conceito de imitação faz emergir:
O nĂł da Antiguidade se desfaz ao se trazer de volta [reâboucler] uma noção de ideal; o nĂł da arte se desfaz ao se resgatar uma ideia de imitação; o nĂł da histĂłria se desfaz ao resgatar uma ideia de Renascimento. (DiDi--HuBeRMAN, 2013, p. 24)
Mas se a existĂȘncia de um mĂ©todo warburguiano pode ser questionada, ele foi reconvocado diversas vezes desde sua morte, ainda que, eventualmente, como infundado ou contraditĂłrio. Paradoxalmente, ernst gombrich (1909 -2001), que protagonizou a terceira geração do Warburg institute, percebeu que seu retorno que começava a se impor desde os anos 1980, sintomatizaria uma insatisfação com a produ-ção historiogrĂĄfica artĂstica desde o segundo pĂłs--guerra (gombrich, 1986, p. Vii). Ă possĂvel supor que esta insatisfação sĂł começou a se concretizar sob a forma de novas propostas teĂłrico -metodolĂłgicas a partir do pensamento desconstrucionista do pĂłs-
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
206
nÂș 18, sept.-dec. 2016
-estruturalismo que problematizou de modo Ămpar a questĂŁo da ordem do discurso bem como os funda-mentos das instituiçÔes.
Ora, pode -se dizer que uma teoria da arte come-ça a ser esboçada por um historiador da arte quando novos objetos, de uma produção artĂstica recente, sur-gem sem que se tenha categorias ou conceitos opera-tĂłrios que lhe permitam abordar tais objetos, como ocorreria com a arte moderna, ou que, como ocorreu com Warburg, os preceitos teĂłricos -metodolĂłgicos jĂĄ enraizados numa tradição historiogrĂĄfica artĂstica nĂŁo dĂŁo conta de abordar a produção artĂstica jĂĄ co-nhecida, mas que se suspeita transparecer novos obje-tos que carecem de outros conceitos operatĂłrios para se revelarem. este movimento, em Warburg marcado por uma insatisfação jĂĄ no final do sĂ©culo XiX, expli-ca ter sido a iconologia apenas um dos componentes de seus procedimentos teĂłricos -metodolĂłgicos. Mas havia que se questionar os postulados do mainstream desta histĂłria da arte, bem como a força do Formalis-mo germĂąnico, que se impunha desde o Ășltimo quar-tel do sĂ©culo XiX. Para tal, Warburg
... pĂŽs em prĂĄtica um constante deslocamento â deslo-camento no pensar, nos pontos de vista filosĂłficos, nos campos de saber, nos perĂodos histĂłricos, nas hierarquias culturais, nos lugares geogrĂĄficos (...) Mas, sobretudo, seu deslocamento atravĂ©s da histĂłria da arte, em sua orla [ses bordures] e mais alĂ©m, criaria na prĂłpria disciplina um violento processo crĂtico, uma crise e uma verda-deira desconstrução das fronteiras disciplinares. (DiDi--HuBeRMAN, 2013, p. 31 -32)
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
207
As movimentaçÔes de Warburg para constituir uma histĂłria das imagens foram transdisciplinares, ao problematizar as contribuiçÔes disciplinares Ă histĂłria da arte enquanto as urdia em suas pesquisas, cuja teo-ria emergia organicamente de seus objetos empĂricos. esta destorritorialização se fazia a partir do territĂłrio consagrado da imagem que era o territĂłrio consagra-do pelo jogo dialĂ©tico que tem como marca o estatuto da imagem, relativo ao jogo da Antiguidade, do belo e do ideal e de suas remissĂ”es no prĂłprio discurso da histĂłria da arte, que se colocam como renascimentos desta disciplina.
O Bilderatlas Ă© exemplar desse ensejo por recolocar o problema do estilo, compreendido como problema de agenciamentos e de eficĂĄcias formais, sempre re-lacionando o estudo filolĂłgico de cada caso Ă aproxi-mação antropolĂłgica que permite perceber como es-sas relaçÔes podem ser agenciadas simultaneamente nas dimensĂ”es histĂłrica e cultural (Bing, 1960, p. 62). Para Warburg, a imagem seria um âfenĂŽmeno antro-polĂłgico totalâ, que se cristalizaria em âuma condensa-ção cultural em uma singularidade histĂłricaâ, levando em conta a âpotĂȘncia mitopoĂ©tica da imagemâ (Didi--Huberman, 2002, p. 46 -8), daĂ evidenciar -se a função heurĂstica da antropologia no discurso historiogrĂĄfico artĂstico.
Para alĂ©m do jogo filolĂłgico que Warburg nĂŁo dei-xa de suscitar entre os termos sobrevivĂȘncia e renasci-mento, a questĂŁo warburguiana de penetrar na histĂłria da arte pela via do Renascimento florentino contrata-va com o legado burckhardtiano em Die Kultur der Renaissance in Italien (Civilização do Renascimento na itĂĄlia), de 1860. Ao buscar compreender a comple-
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
208
nÂș 18, sept.-dec. 2016
xidade da formação histĂłrica do Renascimento, sob âinfluĂȘnciaâ da Antiguidade, associada ao fator cultu-ral italiano (Humanismo), dinĂąmico e multifacetado, Burckhardt (1991, p. 105 -29) viu na Antiguidade clĂĄs-sica um sĂmbolo de grandeza para a afirmação da itĂĄ-lia como potĂȘncia cultural, que serviria de modelo ao restante da europa, com seus abundantes documen-tos e monumentos do passado clĂĄssico, levando em consideração a civilização italiana nos planos da exis-tĂȘncia (vida) e ideal, como reação a uma civilização europeia medieval. Mas se pode -se falar de um mito do Renascimento ele estĂĄ relacionado a uma estrutura mĂtica do prĂłprio Renascimento da qual emergiu o conceito de indivĂduo que produziu materializaçÔes, por exemplo, nos retratos florentinos. Warburg nĂŁo apenas ignora a existĂȘncia desse mito, mas se interes-sa justamente por estudĂĄ -lo em suas operaçÔes para compreender sua fecundidade na produção visual a desconstruir.
Por um lado, se tentarmos rastrear a repercussĂŁo do caminho aberto por Warburg na disseminação do mĂ©todo iconolĂłgico de matriz panofskyana, verifica--se que Panofsky deslocou a problemĂĄtica do Nachâleben para o campo da influĂȘncia e o problema do patĂ©tico para o da tipificação (Didi -Huberman, 2013, p. 78 -79). Por outro, Ă© impossĂvel nĂŁo desconfiar que os recentes estudos sobre Winckelmann sĂŁo, parado-xalmente, viabilizados pela abertura warburguiana Ă problematização da prĂłpria histĂłria da arte (idem, p. 43 -44). O deslocamento epistemolĂłgico do ponto de vista experimentado por Warburg em seu discur-so seria, portanto, um deslocamento de seu prĂłprio objeto, assim como deslocou o interesse do iconĂłlo-go que futuramente seria de ordem hermenĂȘutica em
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
209
Panofsky, para uma ordem heurĂstica, que problema-tizava o discurso da histĂłria da arte e seu olhar sobre o passado, que nos leva a problematizar outros olha-res e seus discursos, em um viĂ©s que atinge a prĂłpria institucionalização deste discurso no ato fundador de Winckelmann.
VĂȘ -se, portanto, como o agenciamento dos concei-tos que Winckelmann procedeu, nos termos da ligne de partage proposta, podem ser reconhecidos como o âretornoâ ao antigo; o clĂĄssico como estilo de referĂȘncia e o duplo modelo de tempo da histĂłria da arte (ideal e cronolĂłgico), enquanto os conceitos operatĂłrios uti-lizados por Warburg seriam o âretornoâ do antigo, o pathos e o modelo de tempo complexo (temporalida-des heterogĂȘneas).
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
210
nÂș 18, sept.-dec. 2016
Notas
1 No paragone contido no 1° capĂtulo do Trattato della Pittuâra, de Da Vinci (2006, p. 25 -44), escrito no inĂcio do sĂ© culo XVi, e nos primeiros 35 capĂtulos da 1ÂȘ edição de Le vite de piĂč ecâcelenti pittori, scultori e architetti, de Vasari (1550), indicados como as âintroduzione alle ter arti del disegnoâ na 2.ÂȘ edição (revisada e ampliada), de 1563 (1993, p. 39 -95).
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
211
Bibliografia
AgAMBeN, g. (2006). La Puissance de la Pensée. Paris, BibliothÚque Rivages.
BiNg, g. (2005). PrĂłlogo. in: WARBuRg, A. El Renascimiento del paganismo. Madrid, Alianza, p. 61--67.
BORNHeiM, g. A. (1975). introdução à leitu-ra de Winckelmann. in: WiNCKelMANN, J. J. ReflexÔes sobre Arte Antiga. Movimento, Porto Alegre.
BuRCKHARDT, J. (1991). A cultura do Renasciâmento na ItĂĄlia. BrasĂlia, editora unB.
CHeCA, F. (2010). el Proyecto Mnemosyne. in: WARBuRg, A. Atlas Mnemosyne. Madrid, Akal edi-ciones, p. 135 -154.
DA ViNCi, l. (2006). Primo Volume, in: Trattato della Pittura. lanciano, Caraba ed./ Progetto Manuz-io, 2ÂȘ ed. elet., p. 25 -137. DisponĂvel em: http://www.liberliber.it/mediateca/libri/l/leonardo/trattato_del-la_pittura/pdf/tratta_p. pdf. Acessado em 15 de Agos-to, 2015.
DAMisCH, H. (1992) Le Jugement de PĂąris. Paris, Flammarion.
DiDi -HuBeRMAN, g. (1990). Devant LÂŽImage. Paris, Minuit.
_(2013). A imagem sobrevivente. Rio de Janeiro, Contraponto.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
212
nÂș 18, sept.-dec. 2016
eFAl, A. (2001). Warburgâs âPathos Formulaâ. Psyâchoanalytic and Benjaminian Contexts. Assaph âStudies in Art History, no.5, p. 221 -238. DisponĂvel em: http://www5.tau.ac.il/arts/departments/images/stories/journals/arthistory/Assaph5/13adiefal.pdf. Acessado em 15 de Março, 2010.
giNZsBuRg, C. (1989). De A. Warburg a e. H. gombrich. Notas sobre um problema de método. in: Mitos emblemas sinais. são Paulo, Companhia das letras, p. 41 -93.
gOMBRiCH, e. (1986). Warburg. An intellectual biography. 2ÂȘ ed. Chicago, The university of Chicago Press.
lAgO, A. Dal. (2013). Aby Warburg: lâarcaico e suo doppio politeismo moderno. 2.ÂȘ ed. Milano, iPOC, p. 67 -98.
MATTOs, C. V. (2010). O neoclĂĄssico entre o ideal e a histĂłria. PalĂndromo, uDesC, n.Âș 3, p. 35 -53.
PANOFsKY, e. (1979). Significado nas artes visuais. sĂŁo Paulo, Perspectiva.
_(1986). Estudos de Iconologia. lisboa, estampa.
PliNiO, lâANCieN (1983). Historia Naturalis. Paris, les Belles lettres.
POTTs, A. (1991). Vie et mort de lâart antique: his-toricitĂ© et beau idĂ©al chez Winckelmann. in: POM-MieR, e. (ed.). Winckelmann. Paris, p. 9 -38.
Pugliese, V. (2011). A HistĂłria da Arte como Montagem de Tempos AnacrĂŽnicos. in: Anais do
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
213
5.Âș SeminĂĄrio Nacional de HistĂłria da Historiografia. Ouro Preto, eduFOP, p. 1 -11. DisponĂvel em: http://www.seminariodehistoria.ufop. br/ocs/index.php/snhh/2011/paper/viewFile/785/586. Acessado em 04 de Março, 2012.
Pugliese, V. (2014). A arte clĂĄssica na historiogra-fia da arte. in: CORNelli, g.; COsTA, g. g. (eds.). Estudos clĂĄssicos III: cinema, literatura, teatro e arte. BrasĂlia, CĂĄtedra uNesCO Archai, uNesCO Brasil, Annablume editora; Coimbra: imprensa da universi-dade de Coimbra, p. 164 -176. DisponĂvel em: http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002317/231735por.pdf. Acessado em 11 de Novembro, 2015.
seTTis, s. (1993). Warburg continuatus. in: BARATiN, M.; JACOB, C. (dir.). A memĂłria dos livâros no Ocidente. Rio de Janeiro, editora uFRJ, 2000, p. 108 -54.
VAsARi, g. (1993). Le Vite dei piĂč eccelenti pittori, scultori e architetti. 2ÂȘed. Roma, Newton.
WAlTeR, u. (2006). The Classical Age as a Historiâcal Epoch. Oxford, Blackwell Publishing ltd.
WARBuRg, A. (2005). El Renascimiento del paâganismo. Madrid, Alianza, p. 61 -67.
WARBuRg, A. (2010). Atlas Mnemosyne. Madrid, Akal ediciones.
WiNCKelMANN, J. J. (1975). ReflexÔes sobre Arte Antiga. Movimento, Porto Alegre.
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
214
nÂș 18, sept.-dec. 2016
Lista de Figuras
Fig. 1. Agesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes (atrib.), laocoonte, prov. c.42 -20 a.C., mĂĄrmore, 210 x 160 cm, Musei Vaticani. DisponĂvel em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:gruppo_del_laocoonte,_05.JPg?uselang=pt -br. Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 2. Peter Paul Rubens (1557 -1640), Laocoonte, c.1601 -02, esboço da escultura do laocoonte, 45,5 x 45,7 cm, sanguĂnea s/ papel, Biblioteca Ambrosiana, Milano. DisponĂvel em: http://www.wikiart.org/en/peter -paul -rubens/laocoon -and -his -sons. Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 3. g. Vasari, Prancha do FrontispĂcio e Ășltima pĂĄgina das Vite, 1568, Xilogravura, Florença, giunti (DiDi -HuBeRMAN, 1990, p. 80).
Fig. 4. gian lorenzo Bernini (1598 -1680), Apolo e Dafne, 1622 -25, mĂĄrmore de Carrara, h = 243 cm, galleria Borghese, Roma. DisponĂvel em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:ApolloAndDaphne.JPg. Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 5. Raffaello sanzio (1483 -1520), Madonna Sistina, 1513 -14, Ăłleo s/ tela, 270 x 201 cm, gemĂ€ldegalerie, Dres-den. DisponĂvel em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:RAFAel_ -_Madonna_sixtina_(gem%C3%A4ldegalerie_Alter_Meister,_Dresde,_1513 -14._%C3%93leo_sobre_lienzo,_265_x_196_cm).jpg. Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 6. J. J. Winckelmann, Prancha do FrontispĂcio de Gesâchichte der Kunst des Alterthums, ii, Dresden, 1764 (DiDi--HuBeRMAN, 2013, p. 15).
Fig. 7. Laocoonte (pormenor). DisponĂvel em: https://uplo-ad.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b8/laocoon_Pio--Clementino_inv1059 -1064 -1067_n3.jpg). Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 8. A. DĂŒrer (1471 -1528), A morte de Orfeu, 1494, nanquim s/ papel, 289 x 225 cm, Kunsthalle, Hamburgo. DisponĂvel em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:D%C3%BCrer_ -_
Vera Pugliese, âJohann J. Winckelmann e Aby Warburg: diferentes olhares sobre o antigo e seus tempiâ, p. 171- -215
nÂș 18, sept.-dec. 2016
215
Mort_d%27Orph%C3%A9e_(1494).jpg. Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 9. e. Manet (1832 -83), Le DĂ©jeuner sur lâherbe, 1863, Ăłleo s/ tela, 208 x 265 cm, MusĂ©e dâOrsay, Paris. DisponĂvel em: ://commons.wikimedia.org/wiki/File:%C3%89douard_Manet_ -_le_D%C3%A9jeuner_sur_l%27herbe.jpg?uselang=pt -br). Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 10. M. Raimondi (c.1480 -c.1584), O Julgamento de PĂĄâris, 1514 -18, gravura, 298 x 442 mm, British Museum, lon-don. DisponĂvel em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Marcantonio_Raimondi#/media/File:Marcantonio_Raimondi_ -_The_Judgment_of_Paris_ -_WgA18981.jpg. Acessado em 05 de Novembro, 2015.
Fig. 11. AnĂŽnimo, Julgamento de PĂĄris, relevo helenĂstico em sarcĂłfago, 2ÂȘ met. sĂ©c. iii As, Roma, Villa Medici (DAMisCH, 1992, p. 165).
Fig. 12. A. Warburg, Painel 41a do Bilderatlas Mnemosyne (WARBuRg, 2010, p. 75).
submetido em Novembro de 2015 e aceite para publicação em Janeiro de 2016