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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Artes
Joice Pinto Henck
Morro da Mangueira: inter-ilhas poéticas
Rio de Janeiro
2014
Joice Pinto Henck
Morro da Mangueira: inter-ilhas poéticas
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.
Orientadora: Prof.a Dra. Isabela Nascimento Frade
Rio de Janeiro
2014
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.
__________________________ __________________ Assinatura Data
H494 Henck, Joice Pinto. Morro da Mangueira: inter-ilhas poéticas / Joice Pinto
Henck. – 2014. 185 f.: il. Orientadora: Isabela Nascimento Frade. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Instituto de Artes. 1. Arte e sociedade – Teses. 2. Interação social – Teses. 3.
Memória coletiva – Teses. 3. Espaços públicos – Teses. 4. Mangueira (Rio de Janeiro, RJ) – Usos e costumes – Teses. I. Frade, Isabela Nascimento. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Artes. III. Título.
CDU 7:301(815.3)
Joice Pinto Henck
Morro da Mangueira: inter-ilhas poéticas
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Artes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.
Aprovada em 10 de junho de 2014.
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Profª. Dra. Isabela Nascimento Frade
Instituto de Artes - UERJ
_____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Sérgio da Cruz de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Felipe Ferreira
Instituto de Artes - UERJ
Rio de Janeiro
2014
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Paulo e Rosangela.
AGRADECIMENTOS
Agradecer é uma tarefa difícil. Não por orgulho, mas por receio de olvidar de
alguém que fez parte deste processo. São muitas pessoas especiais; não apenas
pelas horas de convívio ou pela intensidade da relação, mas por acreditarem nesta
pesquisa e fazerem dela um pouquinho de si também.
Primeiramente agradeço à Deus pela sabedoria e luz em cada passo que dou
e à interseção de São Judas Tadeus nos momentos de aflição e angústia dos
desafios acadêmicos.
Agradeço à Porfª Dra. Isabela Frade por me orientar desde a graduação com
a firmeza e delicadeza de uma pesquisadora/artista/educadora que acredita e ama o
que faz, deixando transbordar a todos sua arte/vida.
À Marcela Antunes por me atentar aos prazos de entrega da documentação
para a seleção. Sem a sua atenção não teria a oportunidade de realizar o processo
seletivo para a turma de 2012.
Aos meus familiares que, mesmo inconformados com minhas constantes
ausências em festas e almoços de família, estiveram sempre junto comigo,
acompanharam minhas descobertas e, agora, celebram mais essa conquista.
Ao Gabriel, meu companheiro desde os ateliês da Escola de Belas
Artes/UFRJ, por aguentar meus surtos acadêmicos com toda sua paciência e
tranquilidade e me acalmar em seus braços com todo seu amor em silêncio.
Ao amigo Evandro por me apresentar à “Mãe Mangueira”. Sem suas
orientações estaria perdida em um grande labirinto.
Às mulheres do Círculo – Maria Helena, Ingrid, Letícia, Alessandra, Fátima,
Nathalie, Ana, Clarice, Jéssica – por me incentivaram e refletiram comigo em cada
passo da pesquisa.
À amiga Jéssica por sempre estar disposta a me escutar – as desilusões, os
sonhos, as descobertas, as dificuldades – e por estar comigo nos desafios da
arte/vida junto à Mangueira.
Ao amigo Izak que, com seu grande coração e atenção, sempre acalmou o
meu desespero diante da imensidão da “Totalidade Mangueira”. Os sambas da
Verde e Rosa não seriam os mesmos sem a sua companhia.
Ao senhor Macumba e à dona Neusa (in memorian) por sempre me
receberem com um largo sorriso, puxando uma cadeira para me sentar em sua
praça e participar de suas conversas e festividades.
Aos integrantes do Jornal Bate Boca – Mé, Nego, Clebão (in memorian),
Gilson e Papão – por construírem comigo uma poética tão intensa. Novos amigos.
Pessoas incríveis que acreditam no que fazem e que pensam no coletivo.
Aos mangueirenses – aos que convivi intensamente, aos que conversaram
comigo, aos que me adotaram, aos que responderam meus cumprimentos, aos que
me mostraram os caminhos e aos que espiavam meus passos com desconfiança –
que compõem a riqueza do morro, obrigada!
Vista assim do alto, mais parece um céu no chão [...] Pra se entender, tem que se
achar que a vida não é só isso que se vê: é um pouco mais. Que os olhos não
conseguem perceber; que as mãos não ousam tocar; e os pés recusam pisar. [...]
A Mangueira é tão grande, que nem cabe explicação...
Paulinho da Viola e Hermino Bello de Carvalho
RESUMO
HENCK, Joice Pinto. Morro da Mangueira: inter-ilhas poéticas. 2014. 185f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) – Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. Esta pesquisa tem por objetivo investigar práticas relacionais visando à verificação de lugares que são/foram capazes de gerar e/ou garantir interações sociais a partir de narrativas mnemônicas, propondo novos enlaces. Utilizamos o método da pesquisa ação no qual a captação da informação se dá de forma coletiva, participativa e ativa. Destacamos o processo de aproximação à comunidade da Mangueira, a constituição de um mapeamento sobre os pontos de encontro entre moradores e destes com pessoas de fora do morro, e a reativação do jornal comunitário Bate Boca – experiência que se efetivou através de diferentes ações colaborativas. Verificamos a relevância dos espaços de convivência para os mangueirenses: a conformação e a sedimentação de laços relacionais entre os moradores são experiência compartilhada nos lugares. Estes são a base onde às inter-relações podem se efetivar e onde são gerados os sentimentos de pertença e reconhecimento. As intervenções de urbanização, de segurança e de ordem pública alteram ou eliminam de forma drástica esses lugares e, portanto, das relações que estão ali consolidadas. Essas mudanças trouxeram à tona lembranças de outros espaços significativos que sucumbiram na comunidade.
Palavras-chave: Poética Relacional. Memória. Lugar.
ABSTRACT
HENCK, Joice Pinto. Morro da Mangueira: poetic inter-islands. 2014. 185f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) – Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
This research aims at investigating relational practices in order to detect places which are/were able to generate and/or ensure social interactions from mnemonic narratives offering new connections. We have used the method of action research, in which the uptake of information is done in a collective, participatory and active approach. We highlight the process of approximation within a community called Mangueira, the establishment of a mapping concerning the meeting points between the dwellers and the people who do not live in the community, and the reactivation of the community newspaper Bate Boca - experience that was accomplished through different collaborative actions. We have examined the relevance of the living spaces for the ones who live in Mangueira: the conformation and the sedimentation of relational ties among residents are experiences shared in places. These are the basis on which the interrelationships can be effective and the feelings of belonging and recognition are generated. The urbanization, security and public order interventions either alter or eliminate these living places drastically and therefore, they do the same with the relationships that are consolidated there. These changes have evoked memories of other significant places that have also succumbed in the community.
Keywords: Relational Poetics. Memory. Place.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Mapa: Mangueira-UERJ ......................................................... 15
Figura 2 – O computador ligado à internet foi a primeira expansão
relacional do coletivo de arte O Círculo ................................. 17
Figura 3 – Jardim da Tia Neuma ............................................................. 18
Figura 4 – Criada com o discurso de proporcionar melhor qualidade de
vida aos moradores da comunidade, as barreiras acústicas
escondem grande parte da favela da Maré ........................... 20
Figura 5 – Por uma cidade de negócios, a destruição e o esvaziamos
dos lugares em Mangueira ..................................................... 21
Figura 6 – De norte a sul, os casebres se encontram no topo do morro
de Mangueira ......................................................................... 30
Figura 7 – Morro da Mangueira em 1930 ........................................ 33
Figura 8 – Antes e depois das obras do programa Favela-Bairro ........... 37
Figura 9 – Os projetos governamentais de reurbanização causam
fissuras na trama do morro .................................................... 38
Figura 10 – Mapa: “Predinhos Rosas” e “Mangueiras 1 e 2” .................... 39
Figura 11 – Intervenções que acontecerão com o PAC-2 no Complexo
da Mangueira ......................................................................... 41
Figura 12 – Em cada localidade, algumas sublocalidades e referências;
estratégias de localização dentro da trama do morro ............ 47
Figura 13 – Mangueira-labirinto ................................................................ 50
Figura 14 – Mapa: caminho que é possível atravessar de uma
extremidade a outra a Mangueira-labirinto ........................... 52
Figura 15 – As melhorias que o estado não assiste são executadas
pelos moradores .................................................................... 67
Figura 16 – Aos domingos, no Campo dos Bandeirantes, acontecem
partidas de futebol dos grupos Cacareco, Madrugada e
Ponto Certo ............................................................................ 69
Figura 17 – Principais fundadores do grupo Ponto Certo durante uma
premiação do grupo em uma das repartições dentro do
Campo Bandeirantes ............................................................. 70
Figura 18 – Jogadores e torcedores do time Furacão, 1975 .................... 71
Figura 19 – Time conhecido como Cachaça ou Cata Cata, 1995 ............. 72
Figura 20 – Mapa: mudanças no Campo do Cerâmica ............................. 73
Figura 21 – Mapa: localização dos campos Cerâmica, Campinho,
Pedreira, Bandeirantes e Vila Olímpica ................................. 74
Figura 22 – Bar do Xopotó, Candelária, 1980 ........................................... 77
Figura 23 – Babal Lanches, Pedra ............................................................ 78
Figura 24 – Matias Bar, Morro dos Telégrafos .......................................... 79
Figura 25 – Novo lugar/polo gastronômico, Loteamento .......................... 80
Figura 26 – Destruição massiva de diversos pontos de encontro e de
redes sociais debaixo do Viaduto Cartola em 2010 ............... 81
Figura 27 – Bazar Dokito, Candelária ....................................................... 84
Figura 28 – Em Mangueira, a rua é a casa: um espaço de apropriação,
de reconhecimento e de intimidade ....................................... 87
Figura 29 – Praça dos Aposentados e Pensionistas, um lugar íntimo
para os moradores da Candelária .......................................... 88
Figura 30 – No Palácio do Samba, mangueirenses e curiosos se inter-
relacionam ao som da bateria da agremiação ....................... 90
Figura 31 – Com tantos curiosos e interessados pela cultura popular,
logo a sede antiga ficou pequena para abrigar um número
cada vez maior de frequentadores ......................................... 91
Figura 32 – Com bandas tocando ao vivo, mangueirenses de todas as
partes do morro se encontravam nos bailes do Clube
Cerâmica ................................................................................ 96
Figura 33 – Alguns centros religiosos na comunidade ............................. 99
Figura 34 – Os pontos de encontro e seus marcos de memória são
desrespeitados pelas intervenções públicas que acontecem
na comunidade ....................................................................... 104
Figura 35 – Mapa: usualmente, reconhecemos como mangueira a área
do Buraco Quente. De frente para o morro, temos a
Candelária na estrema direita ................................................ 108
Figura 36 – Jornal / Revista A Voz do Morro ............................................ 111
Figura 37 – Capa do Jornal Bate Boca, ano I, n. 2, 1991.......................... 112
Figura 38 – QR Code do Jornal Bate Boca Online ................................... 123
Figura 39 – Pontos de Coleta de lixo em Mangueira ................................ 124
Figura 40 – Primeira edição do Jornal Bate Boca, versão online ............. 126
Figura 41 – O Jornal Bate Boca se mantém ativo na Internet na página
do Facebook, acessível pelo endereço eletrônico
www.facebook.com/jornalbateboca ....................................... 127
Figura 42 – I Corredor Cultural do JBB: exposição de fotos ..................... 132
Figura 43 – I Corredor Cultural do JBB: exibição de vídeos e coquetel .... 132
Figura 44 – Coletivo JBB e grafiteiro Sark ................................................ 133
Figura 45 – I Corredor Cultural do JBB: Oficina de Pintura Mural ............ 134
Figura 46 – I Corredor Cultural do JBB: Oficina de Criação Artística ....... 135
Figura 47 – II Corredor Cultural do JBB: exposição de fotos e fantasias .. 137
Figura 48 – II Corredor Cultural do JBB: Oficina de Pintura Mural e
Criação Artística ..................................................................... 138
Figura 49 – A “Totalidade-Mangueira” e a Ilha-Candelária representadas
no grafite de Sark ................................................................... 139
Figura 50 – II Corredor Cultural do JBB: bloco “Balanço da Mangueira,
Nova Geração” ....................................................................... 140
Figura 51 – Jogo de Aniversário do Cleber no Campo do Cerâmica.
Gelol x Gelol Mirim, 1986 ....................................................... 143
Figura 52 – Com a entrada da UPP na comunidade, as pessoas são
vigiadas, controladas e punidas por dois poderes: o paralelo
e o legal .................................................................................. 144
Figura 53 – Capa da segunda edição do JBB, jan/fev/mar de 2014 ......... 146
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................... 14
1 “MANGUEIRA, TEU CENÁRIO É UMA BELEZA” ......................... 29
1.1 A construção de Mangueira: um panorama histórico ................. 29
1.2 Violência no morro ......................................................................... 35
1.3 Morro, favela, comunidade, complexo, bairro, Mangueira ......... 42
1.4 Caminhando à constituição de redes sociais e laços
relacionais ....................................................................................... 48
1.5 Encontros fecundos: o método da pesquisa-ação ..................... 54
2 “LÁ EM MANGUEIRA” .................................................................... 59
2.1 Lugar e memória: uma abordagem a partir do Campo do
Cerâmica .......................................................................................... 59
2.2 Os pontos de encontro .................................................................. 66
2.2.1 Os campos de futebol ....................................................................... 68
2.2.2 Bar, bazar, tendinhas ........................................................................ 75
2.2.3 Ruas, becos e vielas ......................................................................... 84
2.2.4 O Palácio do Samba ......................................................................... 89
2.2.5 Fundação .......................................................................................... 93
2.2.6 Clube Cerâmica ................................................................................ 94
2.2.7 Associação de moradores ................................................................ 97
2.2.8 Centros religiosos ............................................................................. 98
2.2.9 Bicas d’água ..................................................................................... 101
2.2.10 Além Mangueira ................................................................................ 104
3 “FALA MANGUEIRA, FALA!” ......................................................... 108
3.1 A Candelária e o Jornal Bate Boca ............................................... 108
3.2 A reativação do Jornal Bate Boca: uma experiência em
poética relacional ........................................................................... 113
3.2.1 Primeiro de muitos encontros: as reuniões do Jornal Bate Boca ..... 118
3.2.2 A primeira edição do Jornal Bate Boca: futebol em Mangueira ........ 121
3.2.3 I Corredor Cultural do Jornal Bate Boca ........................................... 128
3.2.4 Jornal Bate Boca e Corredor Cultural: segunda edição ................... 136
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 141
REFERÊNCIAS ................................................................................ 151
ANEXO A - Jornal Bate Boca, ano 1, n. 2, 1991 .............................. 160
ANEXO B - Jornal Bate Boca, 1. ed., out./dez. 2013 ....................... 170
ANEXO C - Cartaz do I Corredor Cultural do Jornal Bate Boca ....... 176
ANEXO D - Jornal Bate Boca, 2. ed., jan./mar. 2014 ....................... 177
ANEXO E - Cartaz do II Corredor Cultural do Jornal Bate Boca ...... 185
14
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O interesse por realizar uma investigação no Morro da Mangueira surgiu no
momento de inserção na pesquisa acadêmica como bolsista PIBIC/CNPq (2009-
2011) do projeto de iniciação científica “Terra Doce: saberes compartilhados na
dinamização da produção em arte e ações ambientais na comunidade feminina
mangueirense”, ART/UERJ/FAPERJ. Este tinha como principal objetivo criar um
espaço de compartilhamento de saberes e fazeres culturais, artísticos, acadêmicos e
populares entre mulheres da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e de
Mangueira1; conceber uma ponte de afetos entre realidades tão distintas e ao
mesmo tempo tão próximas: Mangueira e UERJ estão justapostas, separadas pelas
principais vias de trânsito entre a Zona Norte e o Centro do Rio de Janeiro – a
Avenida Radial Oeste e as linhas ferroviárias (Figura 1).
As duas comunidades (uerjiana e mangueirense) são ricas em tradições e saberes, entretanto fechadas em suas próprias redomas epistêmicas e políticas, com extensas barreiras sociais que as mantêm afastadas, o que nos inspirou na geração de envolvimento mútuo por meio da troca de saberes e fazeres, tendo na produção estética feminina em cerâmica o seu laço. (FRADE, HENCK e SANTOS, 2009, p. 21)
Ainda em seu primeiro ano de atuação (2009), a intensa reunião entre as
integrantes e o desejo de estarmos produzindo arte originou o coletivo de arte O
Círculo. O coletivo parte do conceito de “estética relacional” de Bourriaud (2009),
priorizando o sentimento de troca e de colaboração, valorizando o estar junto e a
elaboração coletiva de sentidos, e da ideia de “partilha do sensível” como proposição
aproximada do que sugeriu Rancière (2005). Segundo este filósofo, a “partilha do
sensível” diz respeito à “existência de um comum e dos recortes que nele definem
lugares e partes respectivas.” (p. 15) No “comum partilhado”, os lugares exclusivos
são definidos a partir de funções determinadas, aos quais os sujeitos são marcados
e que apontam os modos pelos quais eles podem compartilhar nesse comum. Nessa
perspectiva, percebemos que há no coletivo uma dimensão política, provendo a fala
1 Neste trabalho, nos apropriamos do modo de falar dos moradores “em” e “de” Mangueira, ao invés das contrações “na” e “da”. Acreditamos que a utilização de tais expressões seja uma forma de pessoalizar e diferenciar a comunidade onde vivem da Escola de Samba. Observamos também que a preposição “de” está presente no nome da agremiação, uma maneira de localizá-la: Estação Primeira de Mangueira.
15
e/ou trazendo o diálogo, de tal modo que seja possível abalar a “partilha do sensível”
existente no âmbito da universidade e da favela, criando um novo espaço/grupo sem
que se determinem funções e/ou partes exclusivas, deslocando desejos e
constituindo sujeitos ativos.
Figura 1 – Mapa Mangueira-UERJ
Legenda: Ao mesmo tempo próximas e distantes, Mangueira e UERJ estão justapostas,
separadas pelas principais vias de trânsito entre a Zona Norte e o Centro do Rio de Janeiro.
Fonte: Google Maps.
Priorizando a aproximação e a comunicação entre as integrantes, os recursos
advindos da tecnologia digital – em especial, o computador ligado à Internet – foram
incorporados às atividades do Círculo, quando percebemos as dificuldades de nos
reunirmos em um mesmo espaço – ou na UERJ ou em Mangueira. Deparamo-nos
com o fato do trânsito interno e a saída das mangueirenses, assim como a pesquisa
e a permanência das uerjianas no morro serem controlados e vigiados, envoltos por
uma sensação de insegurança e medo. Além disso, havia os membros do coletivo
que retornaram às suas famílias em outros estados, mas que estavam movidos pelo
desejo de permanecerem em ação junto ao Círculo.
Por estarem habituadas e utilizarem os recursos online para o contato
interpessoal assíduo, a iniciativa do coletivo em explorar o ciberespaço partiu das
integrantes mais jovens, entre 13 e 25 anos (FRADE, ALVARENGA, HENCK, 2011).
A criação de e-mail, Orkut (rede social utilizada no Brasil em 2010), blog e álbum
16
digital2 foi aceita e reconhecida como estratégia para a dinamização dos encontros
e, também, para o intercâmbio e o arquivamento de documentos digitais, como
poesias e fotos das experimentações plásticas, de exposições visitadas e realizadas.
Atualmente, estendemos e geramos novas discussões em um grupo fechado no
Facebook, e administramos uma página3 no mesmo site de rede social (RECUERO,
2011), onde compartilhamos nossas investigações e produções.
O processo de apropriação de alguns recursos online pelo coletivo reverberou
nos familiares de algumas integrantes: era comum o relato entre as artistas de 50 e
65 anos pedirem auxílio a netos e filhos na comunicação mediada por computador
(CMC), além de fornecerem seus diretórios eletrônicos para a troca de e-mail. Tendo
em vista a defasagem no manuseio e o desconhecimento dessa linguagem
tecnológica digital, iniciamos um processo de habituação e aprendizagem por meio
de um computador portátil nos encontros presenciais no laboratório de cerâmica
(Figura 2), e a constituição de uma dinâmica no interior do blog: o projeto “Casa
Blog”4.
A dinâmica de ocupação e apropriação de um espaço frio e sem afinidade por muitas das integrantes foi acionada pelo desejo de construímos uma casa onde pudéssemos habitá-la e reconhecer, em algumas de suas peculiaridades, a nós mesmos, a cada uma como particularidades em um espaço coletivo; parte de um corpo/engrenagem de um todo em movimento, em ação relacional no (ciber)espaço. O projeto Casa Blog tem início na identificação de objetos, de partes, e/ou de seres próprios ou não da casa ou do convívio de cada integrante, sempre ligados ao afetivo de cada uma. Assim, juntam-se parte do jardim, vista da janela do quarto, retratos singulares do caminho até a casa... Um verdadeiro jogo de quebra-cabeça ou brincar de casinha, onde cada qual foi trazendo a sua peça para que o (ciber)espaço tenha vida. (ALVARENGA et al., 2011, p. )
2 Os diretórios do e-mail, blog e álbum digital ainda estão disponíveis: [email protected], http://terradoceuerj.wordpress.com/ e http://www.flickr.com/photos/terradoceuerj; entretanto, o Orkut “Terra Doce” está desativado. 3 Para acessar a página: https://www.facebook.com/TerraDoceUERJ. 4 Atualmente, O Círculo tem interesse em retomar o projeto “Casa Blog”, explorando o “brincar de casinha” e o zelo pelo lar.
17
Figura 2 – O computador ligado à internet foi a primeira expansão relacional do coletivo de arte O Círculo
Fonte: arquivo de pesquisa.
No processo de introdução e utilização do computador ligado à Internet,
também estivemos atentas ao fato de algumas integrantes não terem acesso à rede
online apesar de possuírem o aparato tecnológico (computador ou notebook). Como
colocaram ao grupo, a prestadora do serviço não chega à sua moradia ou é falha a
conexão. Em relação às integrantes mangueirenses, também fomos surpreendidos
pelo corte no fornecimento ilegal de Internet Banda Larga na comunidade: com a
entrada da Unidade de Polícia Pacificadora – UPP e do Choque de Ordem em 2011,
os serviços clandestinos de TV a cabo e Internet, conhecidos popularmente como
“Gato Net” ou “Net Gato”, foram bloqueados. Conforme narra uma moradora: “– Os
caras foram lá e cortaram tudo. Agora, a gente quer contratar o serviço correto, mas
eles não podem subir o morro. Os caras não deixam”5.
O amadurecimento e a ampliação do Círculo levaram ao exercício de atuar
por entre espaços mais amplos, abrindo-se ao âmbito público e a interação no Morro
de Mangueira. Buscando expandir os espaços de convivência dos sujeitos – em
estado de deslocamento, em experimentação, em convivência (FRADE, HENCK e
SILVA, 2011), demos início à ativação do “Jardim da Tia Neuma”, um projeto de arte
pública de caráter contextual (SILVA, 2005), na Rua Icaraí. Nosso deslocamento
5 Até o momento, as prestadoras dos serviços de TV a cabo e/ou Internet não atendem completamente a demanda de Mangueira: alegam não possuir profissionais e condições técnicas. Ademais, as operadoras de Internet móvel não fornecem um serviço de qualidade e, em muitas áreas do morro, não há cobertura do sinal.
18
interfere exatamente na passagem, no trajeto de sair do Círculo e seguir ao encontro
dos que ali habitam, convivem e atuam (Figura 3).
Foi nesse pequeno lugar, que vimos tomado pelo monturo de lixo conhecido como “pracinha do crack”, que pudemos vislumbrar um recanto para “o jardim”. Nessa pequena abertura procuramos estabelecer o vínculo mais profundo e vasto entre UERJ e Mangueira, agora firmando o nosso projeto de interação no próprio morro. (FRADE, 2012, p. 5)
Figura 3 – Jardim da Tia Neuma
Legenda: Entre a reativação de uma área de convivência
e as descobertas de cultivo e de cuidado de um jardim, o Círculo expandiu suas interações e firmou sua ponte de afetos entre UERJ e Mangueira.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Durante o processo de ativação do “Jardim da Tia Neuma” – momento que
tivemos maior entrada, interação e convívio com os mangueirenses, onde
compartilhamos suas alegrias e tristezas –, fomos tocadas pelas constantes e
aceleradas transformações nas estruturas física e social que a comunidade
19
atravessa de forma alarmante em sua barra e arredores e de modo silencioso entre
seus becos internos.
Vale ressaltar que estamos atentos que as modificações não estão
acontecendo só nesta comunidade, mas em todo o Rio de Janeiro. Moradores da
cidade e do mundo têm presenciado a imposição de programas governamentais que
realizam impactantes alterações e reestruturações na urbe, como Operação Urbana
Porto Maravilha, o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e as Unidades
de Polícia Pacificadora – UPP, em virtude dos megaeventos Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos Rio em 2016 e a Copa do Mundo de 2014. Assim como um texto, a
cidade vem sendo escrita, reescrita e/ou apagada (HUYSSEN, 2000) e transfigurada
em uma cidade de/para negócios ao invés de uma cidade para seus habitantes
(LEITE, 2012). De acordo com Ribeiro e Junior, em “Governança empreendedorista
e megaeventos esportivos: reflexões em torno da experiência brasileira” (2013), o
objetivo das governanças é:
[...] empreender a cidade como objeto e campo de negócios, ou seja, habilitar a implantação e o pleno desenvolvimento de relações mercantis no uso e apropriação da cidade, ao invés de regular as forças do mercado para torná-las compatíveis com a promoção do direito à cidade. (p. 24-25)
Em muitos casos, as atuais políticas públicas têm criado “maquiagens
estéticas” na cidade, ou seja, formas paliativas de esconder os problemas da urbe –
sociais, econômicos, educativos, salutares, locomotivos, entre outros. Como
exemplo, podemos obervar os “painéis” (barreiras acústicas) que foram criados em
trechos da Linha Vermelha e da Linha Amarela onde é possível visualizarmos
algumas favelas cariocas (Figura 4). Não é por acaso que tais vias fazem parte do
caminho de saída do Aeroporto Internacional / Galeão – Antônio Carlos Jobim, na
Ilha do Governador, em direção a outros espaços mais conhecidos da cidade, como
a Zona Sul e a Barra da Tijuca. De acordo com o prefeito responsável6, a instalação
de barreiras acústicas entre as favelas e as duas principais vias expressas da
cidade, garante uma melhor qualidade de vida aos seus moradores. Em entrevista
ao Grupo Bandeirantes de Comunicação – Band, Sebastião Antônio de Araújo,
coordenador da ONG Instituto Vida Real na Maré, tem outra percepção: “Mais uma
6 Eduardo da Costa Paes.
20
vez estão querendo esconder as comunidades carentes. O que eles têm de fazer,
não fazem, que é pavimentação, creches, escolas e áreas de lazer”.7
Figura 4 – Criada com o discurso de proporcionar melhor qualidade de vida aos moradores da comunidade, as barreiras acústicas escondem grande parte da favela da Maré
Fonte: Google Maps.
Mangueira, palco de grandes festas e guerras, não escapa das “maquiagens
estéticas” cada vez mais comuns no Rio de Janeiro: afinal, raras são as pessoas
que veem beleza no cenário de uma favela. Na comunidade, testemunhamos a
imposição de processos de camuflagem da pobreza, da marginalidade, da
insegurança, da precariedade, da miséria, do abandono, da desorganização
arquitetônica, entre outros aspectos que caracterizam a Favela da Mangueira.
A pesquisa em campo revelou que a violência do apagamento e
reestruturação de espaços de convivência e, consequentemente, das inter-relações
que ali se conformavam tem como marco inicial a entrada do Programa Favela-
Bairro na década de 1990. Desde então, lugares onde se dão diferentes formas e
níveis de relação entre moradores e destes com outros sujeitos são demolidos para
acomodar versões simplistas de uma arquitetura padronizada, estranha à estética
local e sem qualquer tipo de vínculo.
7 http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/?id=202493. Acesso em 06 de janeiro de 2013.
21
A partir de conversas com alguns mangueirenses na UERJ, percebemos um
distanciamento, desconectividade e não reconhecimento em relação às novas
estruturas arquitetônicas construídas no morro. Uma delas é a “praça de
alimentação” com barraquinhas padronizadas no lugar das “birosquinhas”8 que
foram demolidas pela Operação Choque de Ordem da Secretaria Especial da Ordem
Pública do Rio de Janeiro (Figura 5). Um ex-morador relatou que não se reconhece
nesse novo espaço e que “– Antes era muito mais interessante, os moradores iam
mais”. Obervamos que a melhoria na estrutura desse espaço, que faz parte do que
entendemos como “cinturão do Maracanã”, visa atrair mais turistas e investimentos
para a cidade, gerando uma arquitetura de aparências sem os sentimentos de
pertença e reconhecimento.
Figura 5 – Por uma cidade de negócios, a destruição e o esvaziamos dos lugares em Mangueira
Legenda: Destruição das “birosquinhas” – ponto de encontro de moradores e de
“aquecimento” para o samba – e a implantação de uma cabine a Polícia Militar enfrente a quadra da G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira.
Fonte: http://patrickgranja.wordpress.com/2011/07/23/comerciantes-do-morro-da-mangueira-sao-atacados-pelos-tratores-da-prefeitura/.
Através do discurso de melhorias à comunidade, estão sendo criados
espaços vazios – de sentido, de afeto. Uma nova arquitetura que não tem memória,
8 As “birosquinhas” construídas em frente à quadra da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira eram o ponto de encontro e de concentração dos moradores e sambistas.
22
não tem senso de lugar (TUAN, 1983) para os sujeitos que ali se identificavam e se
(re)conheciam; causam fissuras na dinâmica social há anos instaurada e dão origem
a não-lugares (AUGÉ, 2010; 2012), isto é:
espaços onde não se pode vislumbrar nenhuma relação social, onde nenhum passado partilhado se inscreve, mas, ao contrário dos lugares da sobremodernidade triunfante, não são mais espaços de comunicação, de circulação ou de consumo. [...] O que está em jogo, no final das contas, e que testemunham tanto os descompassos observados no espaço urbano quanto as fissuras do tecido social e as disfunções da cidade, é uma mudança de escala da atividade humana e um descentramento dos lugares onde ela acontece. (AUGÉ, 2010, p. 37)
As conversas sobre as violentas transformações impostas pelo poder oficial
no território mangueirense têm trazido à tona muitas memórias coletivas
(HALBWACHS, 2004; 2012) e subterrâneas (POLLAK, 1989; 1992) dos moradores
sobre outros lugares que foram e são relevantes para as suas interações. Durante
os processos de aproximação e intervenções no “Jardim da Tia Neuma”, por
exemplo, descobrimos que a Rua/escadaria Icaraí, antes de ser tomada pelo tráfico,
era um lugar onde os moradores esperavam as crianças saírem da Creche Nação
Mangueirense e cuidavam de algumas plantas. Já na pesquisa de campo do
mestrado, encontramos referências que apontam ser ali uma linha divisória entre as
localidades Buraco Quente e Chalé, e que os declives, onde atualmente são os
jardins, eram cimentados, tendo apenas duas aberturas para a terra em cada um.
Através das narrativas mnemônicas, identificamos casos em que as
lembranças não condizem umas com as outras, ou seja, os relatos se contradizem e
se retificam. Por outro lado, algumas memórias narradas se legitimam mutuamente
devido aos pontos/marcos invariantes explicitados por diferentes sujeitos, como a
lembrança de alguma pessoa ou festividade. Começamos a imergir em um labirinto
de informações-memórias, cujos “fragmentos totais” criam um patchwork que não dá
conta da complexidade de Mangueira.
Desse modo, observando e refletindo sobre a situação local, identificamos a
necessidade de intensificar a investigação sobre práticas relacionais na comunidade.
Nossas observações atravessam as inter-relações entre pessoas de dentro e de fora
do morro, e também entre os próprios mangueirenses. A partir do interesse
compartilhado sobre os lugares que foram dizimados e as memórias sociais,
23
percebemos a oportunidade de realizarmos um trabalho teórico prático junto aos
moradores; onde há o atravessamento entre poética e etnografia.
Em "O artista como etnógrafo" (2005), o crítico de arte Hall Foster destaca
que, nos passos da nova antropologia, no qual o outro cultural é entendido enquanto
texto – na recodificação da prática enquanto discurso –, os artistas têm a liberdade
de avançar no trabalho de campo, onde teoria e prática acontecem juntas. Segundo
Foster, o que caracteriza o direcionamento atual do artista à etnografia é a
alteridade, a cultura, o contextual, a interdisciplinaridade e a autocrítica. Mas é
também confirmada por outro fator: duas linhas que dividem a antropologia e que
predominam na arte contemporânea.
Uma enfatiza a lógica simbólica, pela qual o social é entendido principalmente em termos de um sistema de trocas; a outra privilegia a razão prática, sendo o social entendido principalmente em termos de cultura material. [...] por um lado, na antiga ideologia do texto, o direcionamento linguístico que na década de 1960 reconfigurou o social enquanto ordem simbólica e/ou sistema cultural antecipou “a desintegração do homem”, a “morte do autor”, etc... e, por outro lado, no desejo para o contexto e para a identidade, que se apõe aos velhos paradigmas textuais e às críticas do sujeito. (p. 142-143)
A oposição latente no campo antropológico é resolvida "magicamente" pelos
artistas, pois "podem assumir os disfarces de um semiólogo da cultura e de um
pesquisador de campo contextual, eles podem perpetuar e condenar a teoria crítica,
eles podem relativizar e recentralizar o sujeito, tudo ao mesmo tempo." (p. 143)
Na atual publicação do antropólogo Canevacci, “Sincrétika” (2013), é a partir
das reflexões sobre vago/vagar que está focalizada a relação entre arte, etnografia e
sincretismo. Com base nos poemas de Boccaccio e Leopardi, Canevacci afirma que
vago/vagar apresenta uma combinação variante entre o abandonar-se à beleza e o
viajar sem meta, e que tal oscilação dialoga com as dimensões das artes e dos
artistas. De acordo com o antropólogo:
O vago e o vagar exprimem as relações possíveis entre arte e etnografia enquanto representam um focus indefinido, mutante, transitivo, que consegue penetrar nos sincretismos incorporados nas obras de arte e, talvez, na cultura do artista. A partir dessa premissa, a pesquisa etnográfica aumenta e se dirige a alguns panoramas da arte contemporânea, ligados ou atravessados por uma metodologia vagante. Esta última se articula nos seguintes cachos de conceitos que individuam as inovações estendidas entre as artes e a etnografia: em primeiro lugar, os sincretismos culturais, e depois [...] sobre o vago e o vagar, o tríptico dialógica-polifonia-híbrido, enfim ubiquidade, mudança, heteronomia, diáspora. (p. 12, grifos do autor)
24
Dessa forma, Canevacci caracteriza o artista etnógrafo:
O artista vagando se transfigura etnográfico, no sentido que é no vagar que se encontra o estranho, se percebe o perturbante, se absorve o diferente, se remastiga o outro. Juntam-se fragmentos irredutíveis e se expõem as diversas obras sincreticamente. O vagar à procura do vago é a prática (e também o método) do artista etnógrafo espontâneo que elabora o encontro estético com o sincrético. (p. 15)
Em linhas gerais, os dois autores – Foster e Canevacci – estão refletindo
sobre o princípio da apropriação do diverso. Nesse viés, devemos estar atentos às
ações artísticas que vão além do vagar, ou seja, proposições que se comprometem
com a situação local, como “Jardim da Tia Neuma” do O Círculo: estamos
interessados por um contexto social específico, associando ao desejo de nos
aproximarmos – propiciar o encontro e a relação com o outro – e de explorar as
possibilidades criativas.
Nessa perspectiva, podemos considerar uma nova abordagem de site-specific
proposta por Miwon Kwon (2008). Conforme expõe essa curadora, as pessoas
estavam habituadas a presenciar trabalhos nos quais os artistas eram (e são)
convidados pelas instituições para produzir um trabalho considerando o ambiente
físico e/ou recolhendo elementos de uma localidade a partir da colaboração dos
sujeitos que se prestam à doação. Por outro lado, existem artistas que estão
engajados em outro viés etnográfico, em um novo trabalho de site-specific, em que
estão retomando o sentimento de pertencimento e reconhecimento do espaço/lugar
em consonância com os sujeitos, levando em consideração as características físicas
e as dinâmicas sociais. Nesse caso, o artista/coletivo e a comunidade estão
trabalhando conjuntamente de modo mais sensível, afetivo e comprometido, isto é,
em interação, gerando novas formas de estar junto e atuando conjuntamente à
solução de problemas.
Segundo Reinaldo Laddaga, em “Estética da Emergência” (2012), o
acentuado “borbulhar” de determinados tipos de projetos que envolvem a inter-
relação entre sujeitos manifesta o estado presente da arte que, por sua vez,
[...] renunciam à produção de obras de arte ou ao tipo de repúdio que se materializava nas realizações mais comuns das últimas vanguardas, para iniciar ou intensificar processos abertos de conversação (improvisação) que envolvem não artistas, durante longos períodos de tempo, em espaço
25
definidos, onde a produção estética se associe ao desenvolvimento de organizações destinadas a modificar estados de coisas em tal ou qual espaço, e que apontem para a constituição de “formas artificiais de vida social”, modos experimentais de coexistência.” (p. 28)
Os “modos de vida artificial”, Laddaga esclarece, “significa que seus pontos
de partida são arranjos aparentemente [...] improváveis. E que dão lugar ao
desenvolvimento de comunidades experimentais.” (p. 18) Ou seja, é desestabilizar
ambas as partes mutuamente, agregar e agenciar saberes e caminhar como um
novo corpo coletivo, capaz de gerar e experimentar um “mundo de vida possível”
(KINCELLER et. all., 2013). Ainda que produzam elementos reconhecidos como
objetos artísticos ou não – elementos que são resultado final de um processo, como
fotos, vídeos, textos, cerâmica, praças, jardins ou hortas –, o que está em foco é a
interação social: esta sim é a obra.
A partir do encontro e da inter-relação com o diverso em Mangueira, são as
colocações de Édouard Glissant sobre uma poética da relação em “Todo-o-mundo”
que melhor caracterizam e compreendem esta investigação: a importância e o
respeito à diversidade, o outro cultural e identitário, e seus movimentos de encontro
são os pontos centrais que determinam a poética relacional para Glissant.
Autor de “Introdução a Poética da Diversidade” (2005) e “Poética da Relação”
(2011), Glissant afirma que para existir uma poética relacional é necessário que
existam dois ou vários círculos (ou ilhas) diferentes que aceitem a imprevisibilidade
das influências e das experiências de uns sobre os outros. Devemos ressaltar que
existem todas as possibilidades na relação e que “a imprevisibilidade só é negativa
quando dela não se toma conhecimento.” (2005, p. 115).
Na reflexão glissantiana, “conhecer o imprevisível é sincronizar-se com o
presente, com o presente em que vivemos, mas de uma outra maneira, não mais
empírica nem sistemática, mas sim poética” (p. 107); um exercício imaginário no
qual os artistas são os principais propiciadores:
O artista é aquele que aproxima o imaginário do mundo; ora, as ideologias do mundo, as visões do mundo, as previsões, os castelos de areia começam a entrar em falência; e é preciso, portanto, começar a fazer emergir esse imaginário. E aí não se trata mais de sonhar o mundo, mas sim de penetrar nele. (p. 69)
A “Totalidade-mundo” ou “Todo-o-mundo” imaginada por Glissant engloba,
perante a diversidade e os processos de homogeneização das culturas, todas as
26
possíveis formas de relação, respeitando a diferença e a opacidade do outro.
Segundo o autor, não pode haver nem dependência nem independência na relação:
o que se tem é uma rede de interdependência das ilhas, dos círculos particulares. A
poética da relação proporciona, assim, o encontro e o (re)conhecimento do outro, do
diverso.
Dado esse contexto, esta pesquisa tem por objetivo investigar práticas
relacionais visando à verificação de lugares que são/foram capazes de gerar e/ou
garantir interações sociais a partir de narrativas mnemônicas, propondo novos
enlaces. Verificando convergências entre poética relacional, lugar e memória, duas
questões norteiam este estudo: Como e onde se dão/davam as inter-relações em
Mangueira? Em que medida lugar e memória são relevantes para uma poética
relacional nessa comunidade?
Com este intuito, o método da pesquisa-ação (THOLLENT, 2011) foi
desenvolvido conforme o avanço da investigação em campo: momentos de
observação pelas tramas do morro e participação de práticas sociais se cruzaram
com o levantamento dos pontos de encontro – como foram chamados os lugares
pelos mangueirenses – e algumas das memórias coletivas que os compreendem. De
julho a dezembro de 2013, foram realizadas cinquenta entrevistas do tipo
assistemáticas (GOLDENBERG, 2007) com os mangueirenses e coletados alguns
registros – fotos e vídeos –, cedidos pelos moradores para digitalização/cópia e
alguns capturados in loco.
Conforme a demanda da pesquisa, trabalhamos sobre conceitos de diferentes
áreas do conhecimento, entre elas Geografia Humanista, Memória Social, Sociologia
Urbana, de modo a sustentar as indagações e as reflexões no atravessamento entre
poética relacional – memória – lugares. Cabe-nos esclarecer, também, que estar nos
lugares e com pessoas que neles se inter-relacionam de diferentes formas, ou que
compartilham alguma lembrança dos lugares que não existem mais, foi a base para
a investigação e proposição.
Por estarmos em diálogo, em uma experiência relacional, investigando e
questionando sobre os lugares, buscamos evidenciar as narrativas mnemônicas dos
mangueirenses, percebendo como eles se constroem na memória coletiva no tempo
presente. Procuramos, nesse viés, estimular a memória ativa e perceber o
sentimento e o afeto pelos espaços identificados como significativos – as vielas, os
27
campos de futebol, os bares, as casas, as praças –, isto é, traços da memória que
se articulam com as experiências e saberes compartilhados nos lugares.
O processo de levantamento e de pesquisa dos pontos de encontro e de suas
memórias culminou no projeto de reativação do jornal comunitário Bate Boca da
Candelária: uma experiência colaborativa que se desenrolou através de diferentes
ações realizadas entre moradores e não moradores de Mangueira. Durante o
desenvolvimento da primeira edição do jornal, a diversidade de “Toda-a-Mangueira”
e a interação com o outro – de dentro ou de fora do morro – foram percebidas como
relevantes ao agenciamento de uma voz, ao mesmo tempo singular e coletiva,
capaz de animar sujeitos de díspares ilhas/localidades. Cabe apontar que, mesmo
após o fim do processo de pesquisa acadêmica junto ao Programa de Pós
Graduação em Artes – PPGARTES/UERJ, prosseguimos envolvidos com os
moradores e em ação com Jornal Bate Boca, que chega a sua terceira edição.
Destacamos que esta investigação não é a única realizada em Mangueira.
Liderando o grupo de pesquisa Comunicação, Arte e Cidade – CNPq/UERJ, o
professor doutor João Maia da Faculdade de Comunicação de Social da UERJ,
desenvolve estudos junto à ONG Mulheres e Meninas do Morro na Candelária.
Outros pesquisadores que integram o grupo e são seus orientandos no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação – PPGCom/UERJ também se interessam em
pesquisar essa localidade, entre eles, Juliana Krapp, Eduardo Bianchi e Heloiza
Reis. Com foco antropológico e social, a Escola de Samba Estação Primeira de
Mangueira e seus projetos sociais, em especial, a Vila Olímpica, foram analisados
por Maria Júlia Goldwasser, Filippina Chinelli, entre outros pesquisadores.
Antes de prosseguirmos a leitura, gostaríamos de esclarecer a duplicidade
das denominações Mangueira e mangueirense e seu entendimento nessa pesquisa.
Habitualmente, Mangueira é tanto uma favela carioca quanto a G.R.E.S. Estação
Primeira de Mangueira. Mangueirense é tanto o sujeito que mora no Morro de
Mangueira quanto o apaixonado pela Estação Primeira. Nesta pesquisa a
ambiguidade só se vale na subseção “Palácio do Samba” do capítulo 2; nos demais,
refere-se apenas ao morro e os seus moradores.
Vale destacar que há distinção quando Mangueira e mangueirense são
utilizadas de modo composto. De acordo com Goldwasser, em seu livro “Palácio do
Samba” (1975), por “comunidade mangueirense” entendemos as pessoas que
moram nas adjacências da quadra da escola, ou seja, no Morro da Mangueira. Já
28
“nação mangueirense” é formada por quem “têm o coração verde e rosa, ou seja,
que torcem pelo brilho da Mangueira na Passarela do Samba e/ou participam de
alguma forma do esforço de melhorar as condições de vida da comunidade.” (p. 46)
Mangueira também é empregada de maneira composta: Morro de Mangueira,
Comunidade da Mangueira, Complexo da Mangueira, Favela da Mangueira. Cada
qual será explicitado na seção que segue.
Os capítulos que compõe este trabalho foram organizados da seguinte forma,
além das considerações iniciais e finais9: no primeiro capítulo, “Mangueira, teu
cenário é uma beleza”, apresentamos um panorama de Mangueira e do processo
investigativo. Relatamos alguns aspectos da comunidade que se assemelham e
divergem de outras favelas cariocas, os tipos de violência na comunidade e,
também, o entendimento do nome Mangueira quando utilizado de modo composto.
Evidenciamos a entrada em um território labiríntico, a observação e criação de redes
sociais e laços relacionais, e o desencadeamento do método de pesquisa-ação. No
capítulo dois, “Lá em Mangueira”, priorizamos investigar como lugar e memória se
configuram e se fortalecem através dos valores e significados acrescentados pelos
mangueirenses, especialmente através da apropriação dos grupos sociais.
Apresentamos os pontos de encontro, ou seja, os lugares destacados como
relevantes paras as interações pessoais, e as memórias que os abarcam. No último
capítulo, “Fala, Mangueira fala!”, desvelamos a diversidade de Mangueira a partir da
localidade Candelária e do jornal comunitário Bate Boca. Expomos a poética da
relação a partir do processo de reativação do Jornal Bate Boca: uma experiência
que se efetivou através de ações colaborativas.
9 Para a redação de este trabalho transparecer as nuances da pesquisa-ação, ora me aproprio da primeira pessoa do singular – eu – para deixar a escrita mais audível e pessoal; ora da primeira pessoa do plural, uma perspectiva onde me incluo no processo – eu e o outro, nós –, ou de modéstia no plano discursivo.
29
1 “MANGUEIRA, TEU CENÁRIO É UMA BELEZA”10
1.1 A construção de Mangueira: um panorama histórico
A conformação de um panorama histórico de Mangueira apresenta algumas
características singulares. Uma delas é o fato das publicações levantadas não
tratarem especificamente do processo de povoamento do morro; este vem atrelado a
alguma de suas particularidades, como a G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira e
aos projetos sociais. Outro fato é que a comunidade apresenta alguns pontos de
convergência e divergência quando comparada à evolução das favelas no Rio de
Janeiro.
Denominado primeiramente de Pedregulho, em seguida de Telégrafos, o atual
nome do morro, localizado na parte de trás da residência do Imperador D. Pedro II11,
tem origem na grande quantidade da árvore frutífera mangueira na região. Não é por
menos que, antes da inauguração da “Estação Mangueira”12 em 1889, as
mangueiras eram a identificação utilizada por pessoas que queriam que o trem
fizesse uma rápida parada na localidade. A fábrica de chapéus Fernandes Braga,
instalada na Rua Oito de Dezembro13 após um incêndio nos últimos anos do século
XIX, também aderiu ao nome: “Fábrica de Chapéus Mangueira”.
A Mangueira que conhecemos hoje não se desenvolveu de forma coesa pelo
terreno do morro. De acordo com Silva, Cachaça e Oliveira Filho (1980), a
comunidade foi crescendo a partir de dois pontos de habitação: um ao norte e outro
ao sul do morro (Figura 6). Foi a parte norte que se tornou primeiramente a mais
importante e frequentada. Entre os motivos está a proximidade da estrada14 que
conduzia a Corte Imperial às prósperas províncias de Minas Gerais e São Paulo, e a
instalação da rede de sistema telegráfico pela Família Imperial, inaugurada em 1852.
O morro era o ponto mais elevado e mais próximo do Palácio da Quinta da Boa
10 Verso da música “Exaltação à Mangueira” de Enéas Silva e Aluísio Costa. 11 Atualmente Museu Nacional. Integra a área da Quita da Boa Vista juntamente com o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. 12 Estação de trem da linha ferroviária. 13 Bairro Maracanã. 14 Onde é a Rua São Luis Gonzaga atualmente.
30
Vista. A base desse lado de Mangueira logo se torna urbanizada com ruas calçadas
e casas de alvenaria.
A vertente sul do morro começa a ser mais frequentada e ganha evidência a
partir da inauguração da Estrada de Ferro D. Pedro II em 1858. Explicam os autores
que o início do povoamento dessa área é ocasionado pelo português Tomás
Martins, em 1904. Padrinho de Carlos Cachaça, compositor e um dos fundadores da
Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Martins era locatário de parte das
terras pertencentes ao Visconde de Niterói15 que, por sua vez, recebeu de doação
de D. Pedro II. Na área que compreende atualmente as comunidades Joaquina e
Buraco Quente, o português construiu barracos para alugar aos empregados que
trabalhavam nas cocheiras e na chácara que possuía.
Ocupação dos terrenos feita de baixo para cima, quem chagasse primeiro pegava os melhores lugares, bem perto da rua. Os últimos só conseguiam os terrenos mais íngremes, próximos ao cume. Com o mesmo acontecia, já há bastante tempo, do lado da Rua São Luis Gonzaga, num dia os dois grupos se encontraram, cobrindo completamente a montanha. (p. 21)
Figura 6 – De norte a sul, os casebres se encontram no topo do morro de Mangueira.
Nota: Marcação sobre o mapa do Google Earth. Fonte: Google Earth.
Para alguns autores, o início da ocupação do morro apresenta uma única data
e é diferente da apresentada até aqui. Para Cabral (1998) as primeiras habitações
15 Nome dado, atualmente, para a principal rua do lugar.
31
datam dos últimos anos do século XIX; já para Casé é em 1900. Este arquiteto e o
geógrafo Mello (apud REIS, 2008) ainda afirmam ser a Mangueira a terceira favela
mais antiga do Rio de Janeiro. Na ordem, o Morro da Providência é considerado a
primeira, cuja ocupação data de 1897, seguida do Morro de Santo Antônio, 1898.
Entretanto, como aponta Valladares (2005), antes da existência do Morro da
Providência/Favella e da categoria favela, outras zonas já haviam começado a ser
povoadas em 1881: Serra Morena, Quinta do Caju e Mangueira (esta ficava próxima
a Botafogo, na encosta do Túnel Velho).
No início do século XX, a localidade era vista com bons olhos, propensa a
prosperar. A publicação da Revista da Semana em 1909 destaca ser ali um “ponto
salubre, incomparável a qualquer outro lugar em toda zona dos subúrbios,
conferindo-lhe o título de ‘Petrópolis dos Pobres’” (SILVA, CACHAÇA e OLIVEIRA
FILHO, 1980, p. 17). Este e outros atrativos, como a proximidade do centro da
cidade, a linha férrea, a grande área desocupada, levaram a área a receber cada
vez mais novos moradores.
Os sucessivos projetos e ações de saneamento, reurbanização e
modernização que aconteciam por toda capital do Rio de Janeiro nas primeiras
décadas do século passado, principalmente aqueles de combate aos cortiços e as
favelas, não chegaram ao Morro de Mangueira. Na verdade, seus moradores
sofreram muitas ameaças,
ora uma intimidação judicial de desocupação dos casebres em curto prazo, ora um projeto de obra pública, envolvendo desapropriação no morro. Mas o provérbio de que ‘a corda rebenta pelo lado mais fraco’ saiu errado. (p. 19)
O morro, por sua vez, recebia grande parte das pessoas que eram expulsas
de seus lares pelas ações públicas. Em 1908, por exemplo, a prefeitura carioca
decidiu reformar a Quinta da Boa Vista e uma de suas ações foi a destruição dos
casebres ali construídos por militares e civis. Autorizados a carregar os destroços da
demolição, os militares instalaram-se em Mangueira. O morro também foi o destino
dos moradores do Morro de Santo Antônio, incendiado em 1916, e das famílias que
tiveram seus barracos junto às linhas férreas derrubados ou que foram retiradas dos
cortiços do centro da cidade16. Na década de 1960, Mangueira recebeu também
16 Os cortiços cariocas são considerados o “embrião” das favelas e suas demolições estão ligadas diretamente à ocupação ilegal dos morros do Rio de Janeiro no início do século XX. “Considerado o
32
moradores da favela vizinha, Esqueleto, removidos para a construção da
Universidade Estadual da Guanabara – UEG, hoje, Universidade Estadual do Rio de
Janeiro – UERJ, e de um trecho da Avenida Radial Oeste.
As inúmeras fábricas e estabelecimentos comerciais que se instalaram na
região, entre elas Olaria do Gama, Fábrica de Calçados Tupã, Café Paulista,
Laticínios Regina, Alcoa, Red Indian, receberam a farta mão de obra que morava no
morro e atraíram inúmeros migrantes mineiros e nordestinos, particularmente na
década de 1950 (CASÉ, 1996). Os mineiros, especialmente, construíram suas
moradias no terreno vizinho ao local onde trabalhavam: a Fábrica Cerâmica
Brasileira na Candelária; já os nordestinos, não se sabe ao certo. De acordo com os
moradores entrevistados, atualmente o maior número de nordestinos está
concentrado nas localidades Loteamento e Chalé.
A imagem de “Petrópolis dos Pobres” não perdura por muito tempo ao longo
da história do morro. O crescimento acelerado e desordenado juntamente com a
pobreza dos moradores e o descaso do poder público fez com que Mangueira
passasse a ser identificada como qualquer outra favela carioca, ou seja, uma área
de precariedade urbana: falta de planejamento urbano, habitações precariamente
erguidas e irregulares, sem luz, água ou esgoto (Figura 7).
lócus da pobreza, no século XIX [o cortiço] era local de moradia tanto para trabalhadores quanto para vagabundos e malandros, todos pertencentes à chamada ‘classe perigosa’. Definido como um verdadeiro “inferno social”, o cortiço carioca era visto como antro da vagabundagem e do crime, além de lugar propício às epidemias, constituindo ameaça à ordem social e moral.” (VALLADARES, 2005, p. 24)
33
Figura 7 – Morro da Mangueira em 1930
Legenda: A imagem de “Petrópolis dos Pobres” não
perdura: Mangueira passa a ser reconhecida como um lugar insalubre e precário.
Fonte: FLÓRIDO, 2005, f. 7.
A truculência e a criminalidade também subiram o morro. Dos primeiros
malfeitores e valentes que moravam e se escondiam no Buraco Quente à tomada de
todo o território pelo Comando Vermelho17 – CV - para a venda e controle do tráfico
de drogas e armas, Mangueira também passa a ser reconhecida como um lugar de
alta periculosidade, um problema de segurança pública.
Vale destacar que, de modo geral, as favelas são proclamadas como um
lugar infestado de criminosos e vagabundos desde o início do século passado.
17 Conhecida pela sigla CV, Comando Vermelho é maior organização criminal já existente no Brasil. Ela nasceu por um erro do governo, ao encarcerar presos políticos junto a presos comuns no presídio Cândido Mendes em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Estando à frente de dez das principais favelas do Rio de Janeiro – Mangueira, Vidigal, Cantagalo, Maré, Jacarezinho, Pavão Pavãozinho, Providência, Santa Marta, Alemão e Borel –, o Comando Vermelho é motivação de outras facções como Terceiro Comando – TC e Amigo dos Amigos – ADA. (CYPRIANO, 2007; DOWDNEY, 2003)
34
Zaluar e Alvito afirmam que, com a intensificação do tráfico de drogas a partir da
chegada da cocaína na cidade em 1980, as favelas passam a ser representadas
como um “covil de bandidos, zona franca do crime, habitat natural das ‘classes
perigosas’.” (2006, p. 15)
Mas a precariedade e a periculosidade não são as únicas perspectivas que
caracterizam a Mangueira em sua história. No morro moraram reconhecidos poetas
e compositores, entre eles Cartola e Carlos Cachaça, e foi fundada, em 1928, uma
das mais tradicionais Escolas de Samba do Rio de Janeiro: a Estação Primeira de
Mangueira. Devido a esses fatores, sua relevância cultural e artística é emanada e
reconhecida além das fronteiras nacionais.
No campo das artes, Mangueira inspirou e foi motivo de produções de artistas
de dentro e de fora do morro, especialmente a simplicidade e a alegria dos
moradores, a beleza da natureza junto à precariedade dos barracos, e as
manifestações de samba e de dança ligadas à Estação Primeira. Em várias
canções, Mangueira e sua Escola de Samba são homenageadas e exaltadas, como
“No tom da Mangueira” de Cartola, “A mais querida” de Padeirinho, “A Mangueira me
chama” de José Ribeiro de Souza e Nelson Cavaquinho e "Os meninos da
Mangueira", escrita por Rildo Hora e Sérgio Cabral, e “Alvorada no Morro" de
Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho:
Alvorada Lá no morro, que beleza Ninguém chora, não há tristeza Ninguém sente dissabor O sol colorindo É tão lindo, é tão lindo E a natureza sorrindo Tingindo, tingindo
Nos anos 60, o artista plástico Hélio Oiticica também se inebriou da riqueza
artística, cultural e social de Mangueira, assim como de sua arquitetura labiríntica,
desordenada e precária: uma experiência diferente do grupo intelectual e burguês
que pertencia. A aproximação e o deslumbramento do artista pela favela e pela
Escola de Samba – a música, o poema, a dança, a vivência coletiva – foram
acrescentados a sua pesquisa sobre o corpo da cor, culminando em obras de vigor
inquestionável, como os “Parangolés”, “Penetráveis” e “Bólides”.
35
1.2 Violência no morro
A partir do panorama histórico, afirmamos que Mangueira é um cenário de
violência desde o início de seu povoamento: considerável parcela das pessoas veio
para o morro porque foram removidas de suas casas devido às ações de
higienização, urbanização, modernização e embelezamento do Rio de Janeiro.
Entretanto, a imagem que comumente evocamos quando falamos em violência e
Mangueira é o tráfico de drogas – conflitos armados, coação dos moradores e poder
paralelo local. Passando por essa e outras perspectivas, veremos que há outras
formas de violência nesse território e que os principais agentes são tanto o poder
paralelo quanto o poder oficial.
Mangueira é um lugar que durante longos anos sofreu com o descaso do
poder público quanto à segurança – integridade física e moral – de seus moradores.
Com domínio do morro pelo poder paralelo, especialmente pela facção criminosa
Comando Vermelho, os moradores têm suas ações controladas e vigiadas, são
coagidos e silenciados incessantemente. O Comando Vermelho funciona como uma
instituição que exerce poder sobre os sujeitos, interferindo na sua autonomia,
tornando-os domesticados e subexistentes, tendo a vigilância como uma forma de
poder disciplinar.
Presenciamos fenômenos como o “toque de recolher” e a “lei do silêncio”, e
se você “não andou na linha”, “vacilou” ou “tá do outro lado”, como se diz na
comunidade, a reação do contra poder é imediata: tortura ou/e assassinato. Pelos
diferentes espaços do morro são criados obstáculos e avisos que anunciam ser ali
uma área regida por outras leis que não as estatais: instalam-se obstáculo pelas
ruas, soltam-se pipas e fogos, fecha-se o comércio. Os buracos de tiro que
visualizamos pelas paredes dos casebres, fábricas e lojas da localidade reforçam a
ideia de que Mangueira é um território em/de disputa e que a vigilância, o controle e
a "segurança" de seus moradores são exercidos pelo poder paralelo local.
A partir do projeto da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de
Janeiro, com a instalação de uma base da Unidade de Polícia Pacificadora – UPP -
na localidade Candelária em 2011, algumas das ações do poder paralelo foram
amenizadas, entre elas o conflito armado e a venda livre de drogas, como acontecia
na entrada do Buraco Quente. Em contrapartida, outras práticas passaram a ser
36
exercidas pelos dois poderes, ou seja, do estado e do tráfico: temos observado que
os moradores estão diretamente coagidos e vigiados por essas esferas. Agora, por
exemplo, quem anda armado pelo morro fazendo a segurança do território são os
policiais, mas os traficantes continuam a exercer seu poder, como a ordem de
fechamento do comércio que aconteceu em fevereiro de 2013 após a morte do
traficante conhecido como 2K18 e, em janeiro de 2014, depois da morte de um
morador por policiais.
A carência em outros serviços básicos, situação ainda evidente no que toca a
saúde e o transporte principalmente, reforça o abandono do poder público. Os
moradores lembram que o morro era, até algumas décadas atrás, um lugar de
notável precariedade: ribanceiras de chão de terra batida, esgoto a céu aberto,
casas sem água encanada, escadas de tábuas e pedras. Luana e Robson lembram
respectivamente: “– Para subir e descer o morro tinha que ir segurando pelos matos
que tinham no caminho”19; “– Cheguei aqui, isso tudo aí, essas ruas aí era tudo
barro. Não tinha asfalto. Não tinha nada também não. As casas era tudo de barraco,
de zinco, certo?”20 Percebemos que as ações de melhorias que acontecem no morro
são pontuais e, em sua maioria, vindas da “política da bica d’água”, ou seja,
parlamentares realizam a intermediação entre população e o poder público visando
o aumento no número de seus eleitores.
A primeira grande reforma de reestruturação que tivemos conhecimento
durante a investigação foi o “Programa de Urbanização de Favelas”, mais conhecido
como Favela-Bairro. Inserido no escopo da política habitacional do município do Rio
de Janeiro, instituída em 1993, o programa tinha por meta integrar a favela à cidade.
Seu objetivo principal é a implementação de melhorias urbanísticas, compreendidas as obras de infra-estrutura urbana, a acessibilidade e a criação de equipamentos urbanos que visam através destas ações obter ganhos sociais, promovendo a integração e a transformação da favela em bairro.21
As consideráveis melhorias, como pavimentação de rua, criação de rede de
esgoto, construção de conjuntos habitações e áreas de lazer (Figura 8), foram
acompanhadas de remoções e de reestruturação do espaço que não respeitaram,
18 Acir Ronaldo Monteiro da Silva. 19 Entrevista realizada em 13 de setembro de 2013. 20 Entrevista realizada em 26 de agosto de 2013. 21 http://www.fau.ufrj.br/prourb/cidades/favela/progfavbt.html. Acesso em 12 de setembro de 2013.
37
em alguns casos, a dinâmica social de seus moradores. Como lembra a moradora
Verônica22 sobre a construção do Viaduto Rosa: “– Olha pra fazer esse viaduto
quantas coisas foram derrubadas... Tiveram que ser modificadas lá em cima.”23
Após duas décadas da finalização do programa, observamos que não há a
realização de qualquer manutenção nos aparatos construídos, como os parques
infantis e os campos de futebol, dos quais muitos estão abandonados e em
lamentáveis condições de uso atualmente.
Figura 8 – Antes e depois das obras do programa Favela-Bairro
Legenda: revitalização de um espaço que era um lixão em uma das encostas do Morro dos Telégrafos.
Fonte: http://www.smcconsultoria.com.br/portfolio_FavelaBairro.asp
A partir da observação das recentes modificações, ratificamos o desrespeito
tanto da dinâmica social quanto da arquitetura emaranhada/labiríntica do morro: são
desenvolvidas estruturas rígidas, com áreas abertas e límpidas, de fácil dominação e
circulação por parte do estado. Após a Operação Choque de Ordem24 da prefeitura
carioca que ocorreu junto com a entrada da UPP, por exemplo, as atividades que
aconteciam em baixo do Viaduto da Mangueira foram renegadas e, no lugar da
“desordem urbana”, foram construídas pequenas lanchonetes/bares padronizadas.
Outro exemplo são os conjuntos habitacionais (Mangueira 1 e 2) construídos pelo
22 Os nomes atribuídos para identificar os mangueirenses são fictícios nos Capítulos 1 e 2, a fim de preservar o anonimato dos mesmos. No capítulo três, os nomes e apelidos são fidedignos. 23 Entrevista realizada em 21 de novembro de 2013. 24 http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=87137. Acesso em 12 de setembro de 2013.
38
programa “Minha Casa, Minha Vida” do governo federal no terreno da Fábrica de
Laticínios Regina e da Fábrica Cerâmica Brasileira, ao lado da comunidade da
Candelária (Figura 9).
Figura 9 – Os projetos governamentais de reurbanização causam fissuras na trama do morro
Fonte: arquivo de pesquisa.
Ao pensar o espaço arquitetônico das cidades e o conhecimento gerado a
partir de sua experiência, o geógrafo Tuan afirma que “o meio ambiente planejado
tende a um propósito educacional e de vigilância” (1983, p.125). Logo, o espaço
arquitetônico interfere de várias maneiras na vida social e condiz com o exercício do
poder por aqueles que o detém. Nesse viés, o geógrafo Paul Claval, observa que a
“articulação do espaço em áreas bem delimitadas parece, assim, ser correlata ao
poder puro” (1979, p. 24), pois uma das características desta forma de poder são a
observação e a vigilância constantes; assemelha-se a um universo carcerário devido
a sua transparência: tudo pode ser visto, tudo pode ser controlado. Segundo Claval,
tendo controle do espaço, temos o poder de enquadrar às regras, forçar à
obediência e exercer a coação aqueles que ali se encontram. Sem a delimitação em
áreas menores e livre de obstáculos sua prática parece inaplicável.
É justamente o exercício do poder puro que temos observado com as
reestruturações em Mangueira, com construções padronizadas e dispostas
39
ordenadamente em linha: são criados grandes corredores que facilitam o controle do
espaço e das pessoas que ali vivem, de fácil observação e penetração,
completamente diferentes da textura do morro (Figura 10).
Figura 10 – Mapa: “Predinhos Rosas” e “Mangueiras 1 e 2”
Legenda: A partir da vista de topo dos “Predinhos Rosas” e de “Mangueiras 1 e 2” visualizamos os corredores que foram criados, facilitando o controle e a vigilância dos moradores.
Nota: Marcações sobre o mapa do Google Earth. Fonte: Google Earth.
As reorganizações – espaciais e sociais – intervêm na vida social que existe
no morro, pois são ações que engendram a dispersão e a coerção das suas próprias
formas de sociabilidade. Quanto à prática das remoções, por exemplo, temos a
indiferença pelo sentimento de pertencimento a um lugar e o reagrupamento de
moradores. Nas ações de reurbanização, temos o apagamento de lugares de afeto,
pertencimento e reconhecimento podendo acarretar a desestruturação de suas
redes sociais consequentemente. Nesses contextos, o que se configura é o abalo
global na forma de vida comunitária.
A imposição do poder puro transparece também quando analisamos a
participação dos agentes envolvidos: o estado se impõe através de coação no morro
que, por outro lado, submete-se a ele (nem sempre de forma silenciosa e pacífica).
Observamos que a execução de políticas públicas não faz parte de uma discussão
entre as partes; não se espera desentendimentos ou acordos, se exerce a
imposição. É nítida a deficiência da participação dos moradores, dos sujeitos
afetados diretamente pelos programas/projetos de “melhorias”, executados ou não.
40
Sob a forma de benefício prestado à sociedade, são determinadas alterações na
estrutura do morro sem o envolvimento de seus moradores, ou apenas com um
número reduzido e seleto deles, como aconteceu no Favela-Bairro e, agora, nas
reuniões do PAC-2.
Verificamos que, durante a elaboração e a execução do Programa Favela-
Bairro em Mangueira, as reuniões eram realizadas entre os agentes do estado,
especialmente os arquitetos Paulo Casé e Luiz Acioli, e o presidente da Associação
de Moradores da Candelária (Ailton de Jesus), dos Telégrafos (Paulinho Carvalho),
do Buraco Quente (Vidal) e do Chalé (Bira) (CASÉ, 1996). Quanto ao projeto do
PAC-2, a comunidade contou com a “Oficina do Imaginário Mangueira”: momento
em que os mangueirenses expuseram seus sonhos e as demandas e prioridades da
comunidade. Os moradores entrevistados contam que não houve uma ampla
divulgação da oficina e que apenas um grupo reduzido de moradores participou dos
encontros.
As ideias expostas pelo grupo que esteve na oficina foram transpostas em
impactantes intervenções que (possivelmente)25 irão acontecer na comunidade com
o PAC-2 (Figura 11). Um número maior de pessoas passa a conhecer o “plano de
reestruturação” através do bate boca entre os moradores e das reuniões pontuais
que acontecem dentro da localidade em que mora, entre elas Buraco Quente,
Telégrafos e Candelária; algumas são destinadas a todos os moradores, outras as
lideranças locais ou para quem terá sua casa removida.
Cabe-nos destacar que a segunda fase do Programa de Aceleração de
Crescimento, o PAC-2, tem por objetivo investir em infraestrutura nas áreas de
energia, transporte, habitação, recursos hídricos e saneamento. Em frente ao
Maracanã, palco de dois megaeventos esportivos que acontecerão no Rio de
Janeiro – a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 – as
mudanças impostas pelo poder público parecem inevitáveis no morro a partir de
2014. Afinal, como relatou Luiz Fernando Pezão, vice-governador e secretário
25 Durante a investigação na comunidade, observamos o desejo de alguns moradores em organizarem manifestações contra o projeto do PAC-2, principalmente por causa das remoções e da insatisfatória negociação sobre aos valores de seu imóvel e do aluguel social.
41
estadual de obras: “O caderno de encargos da Copa do Mundo exige a
reurbanização do entorno do Maracanã.”26
Figura 11 – Intervenções que irão acontecer com o PAC-2 no Complexo da Mangueira
Fonte: Panfleto PAC-2 Complexo da Mangueira.
Ao expandirmos o nosso olhar para a cidade, veremos que algumas das
atuais políticas públicas em execução no Rio de Janeiro são formas de violência aos
seus citadinos: as intervenções urbanas não respeitam as dinâmicas dos habitantes
e não contam com a sua participação nas decisões. Um exemplo é a TransCarioca:
primeiro corredor a cortar transversalmente a cidade desde a Barra da Tijuca até a
Ilha do Governador (Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro / Galeão – Antônio
Carlos Jobim). Em fase de finalização, as obras realizadas para a construção do
corredor por onde circularão os ônibus e dos pontos de embarque e desembarque
de passageiros têm criado barreiras físicas entre bairros residenciais e removido
inúmeros moradores. Diante das reestruturações de adequação da cidade para
receber megaeventos, o carioca tem se sentido um estranho/turista em seu território.
26 Declaração dada ao jornal O Globo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/projeto-de-reurbanizacao-da-mangueira-preve-teleferico-calcada-do-samba-3031294. Acesso em: 12 de julho de 2013.
42
1.3 Morro, favela, comunidade, complexo, bairro, Mangueira
Os sucessivos termos agregadas ao nome próprio Mangueira é outra questão
que nos chama atenção: complexo, favela, morro, entre outros. Nas referências
bibliográficas levantadas sobre a Mangueira e nas conversas com os moradores,
verificamos Morro da Mangueira, Favela da Mangueira, Complexo da Mangueira,
Comunidade da Mangueira, Bairro da Mangueira e, simplesmente, Mangueira.
Essas especificações variam de morador para morador, cada qual apresentando
uma justificativa que se sobressai a partir de sua experiência com o lugar.
Mangueira para alguns moradores é Morro: Morro da Mangueira. Pregam esta
identificação devido à própria história de sua constituição considerando a topografia
– morro, “segmento da serra do Engenho Novo, fazendo parte da formação da Serra
do Mar” (CASÉ, 1996) –, ao invés de sua condição estrutural urbana e social. Ciça,
moradora do Buraco Quente desde que nasceu, afirma que:
– É Morro da Mangueira. Sempre foi chamado de Morro da Mangueira, nunca foi falado Favela da Mangueira. Favela era “Favela do Esqueleto”. Mangueira sempre foi Morro: Morro da Candelária, Morro da Fundação, Morro dos Telégrafos, Morro do Faria, Curva da Cobra, Morro do Tuiuti. Nunca foi chamado de Favela. Favela era só do Esqueleto, onde é a UERJ.27
Apesar de pouco referenciado, principalmente por causa da solidificação do
“morro” no vocabulário dos mangueirenses e nas letras de samba, o termo favela
também aparece nos discursos dos moradores. Alguns fazem questão de sua
utilização devido à precariedade da estrutura urbana – luz, água, esgoto, asfalto,
calçamento. Nesse contexto, os moradores esclarecem que favela é sinônimo de
resistência e sobrevivência, declarando morar ali devido ao baixo custo de vida. Por
outro lado, presenciamos também situações nas quais Favela Mangueira é utilizada
de forma pejorativa, delegando diretamente aos seus moradores – favelados –
atitudes inferiores e ordinárias; favela e favelado são adjetivos ofensivos.
Em “Invenção da favela” (2005), Valladares faz um minucioso levantamento
histórico bibliográfico sobre a origem do que entendemos por favela e destaca
27 Entrevista realizada em 26 de dezembro de 2013.
43
alguns pontos importantes sobre esse termo e categoria. Primeiramente ela frisa que
foi o Morro da Favella28 que deu visibilidade e fixou o marco na história e no nome
do que viria a se constituir no cenário carioca, tendo se consolidado como
substantivo genérico a partir dos anos 1920.
O Morro da Favella, pouco a pouco, passou a estender sua dominação a qualquer conjunto de barracos aglomerados sem traçado de ruas nem acesso aos serviços públicos, sobre terrenos públicos ou privados invadidos. (p. 26)
Ademais, destaca que o aparecimento da categoria favela é posterior ao
fenômeno de sua existência e que existe uma associação entre os termos “favela” e
“morro” no Rio de Janeiro desde o inicio do século XX.
As duas denominações são portanto utilizadas com sinônimos por muito tempo. Na literatura [...] e em textos de samba dos anos 1928 a 1994 [...] favela é morro, no sentido geográfico. Já no sentido metafórico, ela aparece como um bastião [...]. (p. 33)
Para alguns mangueirenses, o constrangimento do termo favela é omitido ou
apenas aliviado a partir de sua mudança por “comunidade”: uma linguagem
politicamente correta que objetiva utilizar expressões neutras, evitando a
discriminação e a ofensa para certas pessoas ou grupos sociais. O que a utilização
do termo proporciona, na verdade, é a dissimulação ideológica pelo discurso,
camuflando o “problema” ao invés de resolvê-lo. Nessa perspectiva, é a dimensão
sociológica que caracterizar o entendimento de Comunidade Mangueira.
Comunidade é um conceito social que, na concepção de Max Weber (2002, p. 71),
está baseado na ação social e se estabelece em qualquer tipo de ligação afetiva,
emocional ou tradicional. “Chamamos de comunidade a uma relação social na
medida em que a orientação da ação social [...] baseia-se em um sentido de
solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes.”
28 De acordo com Valladares (2005, p. 29): “a leitura de textos escritos no início do século leva a associar o Morro da Providência, no Rio de janeiro, ao povoado de Canudos, no sertão baiano. Na verdade, as duas histórias se sobrepõem, pois foram antigos combatentes de guerra de Canudos que se estabeleceram no Morro da Providência, a partir daí, Morro da Favella. A maior parte dos comentaristas apresenta duas razões para essa mudança de nome: 1ª) a planta favella, que dera seu nome ao Morro da Favella – situado no município de Monte Santo no Estado da Bahia – ser também encontrada na vegetação que recobria o Morro da Providência; e 2ª) a feroz resistência dos combatentes entrincheirados nesse morro baiano da Favella, durante a guerra de Canudos, ter retardado a vitória final do exército da República, e a tomada dessa posição representando uma virada decisiva da batalha”
44
Desta forma, o termo comunidade está diretamente associado ao sentido de
solidariedade que prevalece entre os mangueirenses e que se sobressai às
desavenças que podem existir entre eles. Como fala a moradora Ciça:
– No morro, o pessoal sempre gostou, assim, mesmo não se dando, não fala com fulano, mas você precisou, eles até esquecem que tá de mal contigo. [...] Pra mim, isso é uma comunidade.29
Para o sociólogo Bauman, em seu livro “Comunidade”, o encantamento pela
intensa utilização do termo na sociedade moderna deve-se ao fato dessa palavra
evocar “tudo aquilo de que sentimos falta e de que precisamos para viver seguros e
confiantes.” (2003, p. 9) O não viver em comunidade, esclarece o autor, significa não
ter proteção, estar isolado, desprotegido, mas estar nela apresenta o custo da
submissão e da coerção. “A segurança e a liberdade são dois valores igualmente
preciosos e desejados que podem ser bem ou mal equilibrados, mas nunca
inteiramente ajustados e sem atrito.” (p. 10) Ela se caracteriza como o “paraíso
perdido” ou ainda esperado, uma vez que não a conhecemos a partir da nossa
própria experiência.
Na perspectiva do autor, a comunidade é construída por meio de acordos
“artificialmente produzidos”, servindo como critérios à seleção e à exclusão. Além de
acordos que determinam quem está dentro e quem está fora de uma comunidade;
presenciamos também a construção de obstáculos físicos, reforçando seus limites.
Um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que percebemos a queda do isolamento
entre sujeitos através das tecnologias de comunicação, verificamos que é incabível a
crença no desaparecimento das fronteiras territoriais e estas, por sua vez, surgem a
cada instante, a exemplo dos condomínios fechados fortemente murados e com
vigilância permanente como tentativa de isolamento e segurança. Nesse viés,
Bauman afirma que:
A comunidade de entendimento comum, mesmo se alcançada, permanecerá, portanto, frágil e vulnerável, precisando para sempre de vigilância, reforço e defesa. [...] a comunidade realmente existente se parece com uma fortaleza sitiada, continuamente bombardeada por inimigos (muitas vezes invisíveis) de fora e freqüentemente assolada pela discórdia interna [...] (p. 19)
29 Entrevista realizada em 26 de dezembro de 2013.
45
Nesse contexto, realizamos duas ressalvas quanto à Comunidade Mangueira.
A primeira consiste no fato de que duas forças agem simultaneamente sobre os
moradores quando nos referimos ao equilíbrio entre segurança e liberdade: uma
delas é o estado e a outra o poder paralelo local. Do lado de fora da Comunidade
Mangueira há a vigilância da “comunidade cidade” que busca preservar seu espaço
contra uma possível invasão dos “malfeitores mangueirenses”. Neste caso, a
fortaleza sitiada não é a “comunidade cidade”, mas sim a Comunidade Mangueira,
na qual agentes de segurança pública e mudanças estruturais reforçam seus limites
com a cidade. Do lado de dentro da Comunidade Mangueira, o poder paralelo se
impõe via recursos bélicos, coagindo tanto as pessoas que se encontram dentro de
seus limites quanto as que constituem a “comunidade cidade”, sua inimiga. Algumas
mudanças estruturais também podem ser observadas, como a construção de
barricadas, e todas as ações dentro da Comunidade Mangueira, seja a realização de
alguma festividade ou o regresso tardio de algum trabalhador ao seu lar, devem
passar pela ciência e pelo consentimento do chefe local.
O segundo ponto é o fato da experiência de vida narrada pelos moradores
que vivem na Comunidade Mangueira assemelhar-se ao “paraíso perdido”
destacado por Bauman. Os laços de vizinhança e de parentesco entre os sujeitos
que ali vivem fortalecem os sentimentos de proteção e confiança que é garantido
pelos próprios mangueirenses. Como afirmam os moradores: todos se conhecem,
todos sabem quem é quem e o que pertence a quem.
Raros foram os momentos em que escutamos os moradores proferirem
Complexo da Mangueira; porém tal identificação foi detectada fortemente nos
discursos ligados ao poder público, como nas publicações sobre o Programa Favela-
Bairro, nos panfletos e sites da UPP e, agora, do PAC-2. Compreendemos que este
termo tenta dar conta das subdivisões e do pluralismo presente não apenas em
Mangueira, mas também em outras favelas cariocas, como Complexo do Lins,
Complexo do Alemão, Complexo da Maré, Complexo do Salgueiro, entre tantos
outros. Ademais, percebemos que acentua o grau de periculosidade dessas áreas:
uma forma do discurso público argumentar que as intervenções – policiais e
estruturais – são benéficas às pessoas tanto do complexo quanto do asfalto.
De acordo com o “Panorama dos Territórios: UPP Mangueira” elaborado a
partir dos dados do Sistema de Assentamento de Baixa Renda e Instituto Pereira
Passos – SABREN/IPP, o Complexo da Mangueira compreende uma área de
46
336.715m², uma população de 14.589 habitantes e é formado pelas comunidades
Rua Bartolomeu Gusmão, Morro dos Telégrafos, Mangueira, Parque Candelária;
entretanto, deixa de fora Vila Miséria30, localizada ao lado dos Telégrafos31. Já o
Programa Favela-Bairro, na década de 1990, fazia a seguinte distinção: “Complexo
da Mangueira – formado pelo morro da Mangueira (comunidade do Chalé e do
Buraco Quente), Morro dos Telégrafos e Parque Candelária.” (CASÉ, 1996, p. 29)
Esta perspectiva é a que mais se aproxima da composição dos mangueirenses
quando nos referimos ao Complexo da Mangueira em algumas das entrevistas.
Como esclarece o morador Célio: “– Complexo, por quê? Porque são quatro
comunidades dentro de uma: Chalé, Telégrafos, Buraco Quente e Candelária.”32
Entretanto, em nenhum dos momentos que estivemos junto aos moradores ouvimos
alguém mencionar Complexo da Mangueira; eles utilizavam esta composição
apenas quando arguidos.
É importante frisar que essas quatro localidades – Chalé, Telégrafos, Buraco
Quente e Candelária – ainda se subdividem ou apresentam pontos de referência:
uma estratégia para a localização dentro de trama de Mangueira. Os nomes são
definidos de acordo com o uso e podem ser escolhidos a partir de alguma
singularidade local: uma personalidade, um estabelecimento comercial ou industrial,
uma formação física/geográfica, um acontecimento histórico, entre outros. Podemos
citar, por exemplo, Três Tombos, Pedra ou Pedreira, Olaria, Joaquina, Cruzeiro,
Faria, Pendura Saia, Curva da Cobra, Tanquinho, Trinta, Fundação, Caixa D’água,
Santo Antônio, entre outros (Figura 12). Esses nomes não são fixos, podendo mudar
devido à existência de algo que se destaque ao anterior. Marília Silva, Carlo
Cachaça e Arthur Oliveira Filho, no livro “Fala, Mangueira!” (1980), relatam um
exemplo sobre essa questão:
Foi o que ocorreu com o morro da Tia Venância, onde um dia apareceu, vindo de Pernambuco, um tal de Manuel Faria, lá abrindo uma tendinha. O local começou a ser muito freqüentado pelos moradores, que diziam: “Vou pro Faria”, “Te encontro no Faria”, nascendo daí o novo topônimo. (p. 8)
30 Atualmente, a parte superior direita da Candelária também é conhecida como Vila Miséria; antigamente era chamada de Caboclo. 31 Cabe-nos esclarecer que ainda não encontramos justificativa para esta localidade estar fora do Complexo da Mangueira apresentado no “Panorama dos Territórios: UPP Mangueira”; os próprios moradores desconhecem essa divisão. 32 Entrevista realizada em 08 de novembro de 2013.
47
Figura 12 – Em cada localidade, algumas sublocalidades e referências; estratégias de localização dentro da trama do morro.
Nota: Marcações sobre o mapa do Google Earth. Fonte: Google Earth.
Como podemos verificar, as substituições terminológicas conferem
características para Mangueira e cada morador emprega o termo que menos lhe fere
e que exalta o lugar onde vive. Quando perguntamos ao senhor Célio, por exemplo,
sua preferência ao identificar a Mangueira, ele foi bem firme em sua resposta:
– Favela nós não somos mais porque nós somos uma comunidade saneada. Ex favela. Esse nome favela é dialeto agora também. A gente usa ele um pouco também. Mas nós somos um bairro. Gostaríamos de ser tratado como um bairro. Porque o bairro de Copacabana... Ele tem direitos aos serviços de bairro. Se nós nos considerarmos favela... Esses serviços de bairro? Vai pra Copacabana, não vai vir para cá. A Mangueira hoje é um Bairro da Mangueira. Bairro: Mangueira.33
Alguns mangueirenses, entretanto, não se incomodam com o emprego de
qualquer um dos termos. A moradora Ciça, por exemplo, afirma que “– Pra mim é
tudo Mangueira. Tudo é Mangueira, certo? Ou sendo favela ou sendo complexo é a
mesma coisa.”34 É nesse viés que alguns moradores ratificam que essas distinções
terminológicas não são usadas, “só é chamado assim por quem não mora lá. Um
33 Entrevista realizada em 08 de novembro de 2013. 34 Entrevista realizada em 26 de dezembro de 2013.
48
mangueirense de verdade faz questão de identificar a residência através do nome
do próprio ‘bairro’.” (SILVA, CACHAÇA e OLIVEIRA FILHO, 1980, p. 03), ou seja,
Buraco Quente, Olaria, Candelária, Três Tombos, Chalé, Joaquina, Santo Antônio,
entre outros. Por essas questões não nos retraímos na utilização dos termos favela,
morro, comunidade, assim como unicamente Mangueira ou o nome próprio de suas
localidades nesta pesquisa.
1.4 Caminhando à constituição de redes sociais e laços relacionais
Em qualquer território que se adentra, especialmente aqueles caracterizados
como “problemáticos”, não podemos abdicar do conhecimento de suas regras,
saberes, hábitos e leis explícitos e implícitos. Em muitos casos, a apreensão de suas
singularidades facilita a transcendência dos preconceitos e dos estereótipos que os
enquadram. Em Mangueira, os códigos, alguns claramente expressos outros mais
sutis, são frequentemente encontrados nos percursos do morro e comunicam aos
seus moradores as possibilidades de algumas de suas atitudes e ações em seu
cotidiano. Por questão de segurança e de preservação somos forçados a refinar o
olhar a cada passo.
Muitos dos códigos foram apresentados e compreendidos durante uma
intensa caminhada pela comunidade que se deu em dois dias nas férias de julho de
2013 sob orientação de Everaldo, um ex-morador nascido e criado na comunidade.
Percorrer o morro com uma pessoa conhecida foi importante para o
desenvolvimento da pesquisa, pois comecei a formar alguns laços relacionais e
“marcar presença” em Mangueira: os moradores começavam a me distinguir como
uma “estranha conhecida”, ou seja, estranha para muitos, mas conhecida por uma
pessoa que tem vivência na comunidade e, de certa maneira, formava alguns traços
de confiabilidade para minha presença ali. Esse momento também assentou minha
confiança para o prosseguimento da investigação em um território desconhecido;
para poder caminhar por seus becos, ruas e vielas, aprender alguns caminhos de
entrada e saída, e saber algumas das situações que poderiam acontecer no decorrer
49
da pesquisa, como me deparar com policiais da UPP ou ser arguida por moradores
em áreas de risco: “– Você tá fazendo cadastramento?”35
Entretanto, a insegurança se manteve quanto aos trajetos internos, afinal, a
Mangueira é um labirinto para quem não conhece sua trama. De modo geral, as
favelas são caracterizadas dessa forma: uma arquitetura sem arquiteto, um
emaranhado de becos e vielas, comparadas pela arquiteta Paola Jacques (2011) ao
labirinto mítico de Cnossos. Apesar de se diferenciarem no fato do labirinto mítico ter
sido projetado por Dédalo e as favelas serem, por outro lado, uma construção sem
plano ou autor, Jacques afirma que para um estranho se safar nas favelas-labirinto
“tem de estar acompanhado de um fio-guia, um ariadne-favelado que lhe mostre o
caminho que leva ao alto, evitando, sobretudo os esconderijos dos minotauros-
traficantes.” (p. 70)
Na experiência da investigação em campo, a Mangueira-labirinto se
assemelhou a desorientação que sentimos diante dos trabalhos de Escher: as vielas
se quebram com os obstáculos, as escadas não têm saídas, os becos parecem os
mesmos de outro ângulo, as ruas dão em um ponto comum, os moradores parecem
estar ao mesmo tempo entrando e saindo do morro (Figura 13). Não temos um
percurso certo ou errado para percorrer/entender: ao mesmo tempo em que nos
perdemos em sua trama, seus fluxos nos mostram os caminhos possíveis para
serem percorridos.
35 26 de julho de 2013.
50
Figura 13 – Mangueira-labirinto
Legenda: Imerso na não sabemos onde estão as saídas e nem o percurso de um ponto ao
outro. Os becos e as vielas são similares a outros tantos dentro do morro; não é fácil a distinção. À direita um beco no Morro dos Telégrafos; à esquerda um beco na Candelária.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Para os moradores das favelas-labirinto, as experiências cinestésicas e
sensoriais permitem que eles tenham domínio da grandeza do espaço e da
complexidade de seu emaranhado sem o auxílio de guias ou de mapas. Habilidade e
confiança adquiridas com o tempo, como destaca Jacques:
A complexidade do labirinto é temporal; quem se perde é aquele que acaba de surgir, que desaparece tão depressa quanto surgiu. É o aspecto desconhecido do porvir que cria a estranheza; e o estranho é também o estrangeiro, o que nos é estranho, o que não dominamos, porque desconhecemos. Conhecer um labirinto exige nele penetrar, nele se perder, para descobrir as armadilhas do caminho. Em cada escolha, a dúvida “Pode ser que sim, pode ser que não”. Jamais sabemos se estamos no bom caminho; na realidade, não há bom caminho. A incerteza do caminho é intrínseca ao labirinto. O percurso é o próprio labirinto. (p. 90)
É importante percebermos que a ideia de labirinto não é somente por sua
estrutura física, mas também da experiência subjetiva, bastando nos sentirmos
perdidos para se tratar de um espaço labiríntico.
51
É mais relevante a ideia da labirintite (desorientação) do ser labirintado (que percorreu o labirinto), que a do labirinto formal (espaço físico). A ideia é a do estado labiríntico, relacionado não necessariamente à forma do labirinto, mas, sobretudo, à experiência de nele penetrar. (p. 97)
Pensando sobre habilidade espacial e tomando como exemplo o experimento
de Warner Brown sobre a apreensão de sujeitos em labirintos, Tuan afirma que
através de atividades cotidianas corriqueiras apreendemos uma série de
movimentos e criamos referências que não necessitam de conhecimento do espaço
ou mapa; isto é, desenvolvemos nossa habilidade espacial. Esta “é essencial para a
subsistência, enquanto o conhecimento espacial, no nível da articulação simbólica
em palavras e imagens, não é.” (1983, p. 84) Sobre a habilidade espacial em
labirintos, Brown esclarece que “quando o sujeito é capaz de ziguezaguear pelo
labirinto sem erro (ou com apenas alguns erros) e em movimentos corretos, todo o
labirinto se torna uma localidade.” (1932 apud TUAN 1983, p. 81, grifo do autor), ou
seja, aquilo que era um espaço indiferenciado agora é um lugar, pois adquirimos
familiaridade.
Essas percepções acerca do labirinto e da experiência dos sujeitos desvela
outro motivo pelo qual muitos pesquisadores sentem-se inabilitados a percorrerem
sozinhos o interior de uma favela, sendo necessário a companhia de um ariadne-
morador. Atualmente, é comum os investigadores explorarem os recursos
tecnológicos digitais36 nos trabalhos in situ para terem uma compreensão do espaço,
especialmente o Google Maps37. Apesar de alguns recursos deste programa
apresentarem uma visão detalhada e nítida do espaço, facilitando o conhecimento
de sua estrutura por qualquer pessoa, muitas áreas consideradas perigosas e de
difícil penetração não foram mapeadas.
Ao visualizar a Mangueira pelo Google Maps, não podemos “caminhar” por
suas ruas internas através do “street view” – recurso que reconstitui os espaços
através de imagens panorâmicas, em 360º no nível da rua; apenas as ruas que
contornam sua base podem ser observadas: Rua Visconde de Niterói, Rua Ana Neri
e Rua São Luiz Gonzaga. É através da opção “satélite” – recurso que oferece a
visão de topo do espaço, possibilitando certo grau de aproximação e detalhamento –
que temos ideia de sua grandeza e porosidade. Apesar de oferecer a vista aérea 36 Os smartphones e os tablets possuem inúmeros recursos/aplicativos cartográficos gratuitos que disponibilizam o mapa do lugar, orientação de percursos e localização de serviços, como hospital, museus, bares. 37 Serviço online e gratuito de pesquisa e visualização de mapas e imagens de satélite da Terra.
52
das principais ruas, caminhos percorridos pelos transportes alternativos – Kombis e
moto taxis – que sobem e descem o morro a todo instante, o Google Maps não nos
mostra os estreitos percursos que realizamos a pé até uma casa ou uma tendinha,
ou os melhores caminhos que podemos realizar para ir do ponto X ao Y.
Como estratégia a inabilidade espacial na Mangueira-labirinto, a princípio
aprendi aproximadamente quatro caminhos que me levariam às pessoas que tinha
conhecido com o ariadne-Everaldo – Portão Dois, Rua da Candelária e Bartolomeu
de Gusmão na Candelária e Rua Dias da Silva no Telégrafos. Por conseguinte,
tracei alguns outros caminhos para chegar mais longe – para dentro e para cima –
tanto a pé quanto de carro, até conseguir dar a volta completa – entrar pela Rua
Bartolomeu de Gusmão e sair na Rua Dias da Silva (Figura 14).
Figura 14 – Mapa: caminho que é possível atravessar de uma extremidade a outra a Mangueira-Labirinto
Nota: Marcação o mapa do Google Earth. Fonte: Google Earth
Nos primeiros dias, em que tive a companhia de Everaldo, anotei o
nome/apelido e o telefone fixo e/ou celular dos mangueirenses que conheci para
marcamos um próximo encontro/entrevista. Posteriormente, esse morador me
apresentava a outra pessoa, que me apresentava outra, e a outra, e a outra. Em sua
maioria, a “outra pessoa” indicada era um vizinho ou um familiar que mora próximo,
em uma mesma localidade: Candelária indicava alguém da Candelária, Telégrafos
indicava alguém dos Telégrafos. Poucos foram aqueles que me apresentaram
alguém de outra parte da comunidade; nestes casos são amigos que cresceram
53
juntos e depois se mudaram para outra parte do morro, ou em festividades, como a
Festa da Ala das Baianas da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, na qual
componentes de todas as áreas do morro e de outras agremiações se encontram no
Palácio do Samba.
Na perspectiva comunicacional de Raquel Recuero, o que estava
concomitantemente observando e configurando era uma rede social. Como
apresenta a pesquisadora, em seu livro “Rede Social na Internet”, uma rede social é
“um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos, os nós da
rede) e suas conexões (interações ou laços sociais).” (2011, p. 24)
Para Parsons e Shill (1975 apud RECUERO, 2011, p. 31) a interação
compreende sempre o “alter” e o “ego” como elementos fundamentais e se efetiva
quando há reciprocidade ou complementação das ações que, por sua vez,
dependem do entendimento das partes. Explicitam, assim, que toda interação é um
processo sempre comunicacional. Por ser comunicacional, a interação é o principal
elemento das relações sociais e dos laços sociais. O que devemos entender é a sutil
distinção entre os conceitos.
As relações sociais atuam na construção dos laços sociais (Graton, Haythornthwaite & Wellman, 1997). O laço é a efetiva conexão entre os atores que estão envolvidos nas interações. Ele é resultado, deste modo, da sedimentação das relações estabelecidas entre agentes. Laços são formas mais institucionalizadas de conexão entre atores, constituídos no tempo através da interação social. (p. 38)
Recuero destaca que o conceito de laço social é entendido de maneiras
diferentes por alguns estudiosos: enquanto para alguns o laço social depende
apenas de interação, para outros ele pode se configurar também através de
associação. Ou seja, laço relacional ou laços associativos:
Laços relacionais [...] são aqueles constituídos através de relações sociais, apenas podem acontecer através da interação entre os vários atores de uma rede social. Laços de associação, por outro lado, independem dessa ação, sendo necessário, unicamente, um pertencimento a um determinado local, instituição ou grupo. (p. 39)
Para o sociólogo americano Mark Granovetter (1973), os laços se distinguem
entre fortes ou fracos. De acordo com este autor, o grau de intimidade e de
persistência no tempo entre sujeitos qualificaria seus laços sociais entre fortes e
fracos. Essa diferenciação também distingue a reciprocidade dos laços, como por
54
exemplo, A tem confiança em B (laço forte), mas B não confia tanto em A (laço
fraco). Caso os laços que ligam dois sujeitos sejam diferentes, como no exemplo
acima, temos um laço assimétrico. Por outro lado, se os laços das conexões AB e
BA fossem os mesmos, em que A confiasse em B tanto quanto B confia em A,
teríamos laços simétricos. Sobre a perspectiva de Granovetter, Recuero destaca
que:
laços forte e fracos são sempre relacionais, pois são consequência da interação que, através do conteúdo e da mensagens, constituem um conexão entre os atores envolvidos. Já o laço associativo, por sua característica básica de composição, tenderia a ser, normalmente, mais fraco, pois possui menos trocas envolvidas entre os atores (RECUERO, 2009, p. 41-42)
Os laços relacionais constituídos entre os moradores de Mangueira
possibilitam que suas inter-relações aconteçam quase sempre de modo horizontal
gerando colaborações e reconhecimento mútuo. Os laços de associação estão
presentes quando pensamos nas localidades e em Mangueira. Figuras destacadas
como centrais em algumas situações, o presidente da associação de moradores ou
outras lideranças comunitárias, por exemplo, são agenciadores de redes sociais
maiores, pois, ao mesmo tempo em que expande as redes pelo território, também as
abre para entrada de atores de fora do morro.
Sobre a rede social que estava formando com a pesquisa, vale destacar que
ela foi se firmando através de relações específicas com os moradores, tais como
fluxo de informação, proximidade e contato frequente. A relação com alguns
mangueirenses se sedimentou considerando alguns laços relacionais, ou seja,
nossa conexão se tornou efetiva. É importante salientar que eu era o único nó da
rede que não tinha laços associativos com demais atores/nó, pois não pertenço ao
local.
1.5 Encontros fecundos: o método da pesquisa-ação
O desenrolar dessa pesquisa nunca se apresentou estático e simples. A
investigação na comunidade manifestou algumas situações que foram
55
paradoxalmente enriquecendo e enfraquecendo o meu objeto inicial do mestrado – o
atravessamento entre a poética relacional e a tecnologia digital online –, tendo por
objetivo verificar o uso das tecnologias digitais pelos moradores com o intuito de
gerarmos um ambiente relacional online a partir da memória coletiva dos moradores.
A princípio, o viés tecnológico digital online não estava tão presente quanto
esperado, sendo trabalhado posteriormente com a ação de reativação do jornal
comunitário Bate Boca. Um dos fatores é a constante dificuldade do acesso à
Internet pelos moradores. Após a entrada da UPP muitos serviços ilegais oferecidos
à comunidade, como o “Gato Net” ou “Net Gato” (fornecimento ilegal de serviço de
Internet e/ou TV a cabo), foram combatidos e seus prestadores legais afirmam não
possuírem estrutura técnica e profissional para entrar no morro. Ligado a esse fator,
a entrada em campo a partir da comunidade da Candelária, lugar onde mora a
família de Everaldo, apresentou um contexto de pessoas mais maduras, entre 50 e
90 anos, que relataram não ter familiaridade com os novos aparatos tecnodigitais,
deixando a cargo de seus filhos, netos e bisnetos a busca e a apresentação de
qualquer informação do ciberespaço.
Durante a investigação inicial, os mais idosos não discursavam aspectos
positivos sobre o contato que tiveram com o computador e a Internet. Eles relataram
suas dificuldades em manuseá-los, questionaram acerca da utilização por um longo
período de tempo entre os mais jovens e afirmaram que o telefone é mais eficaz e
rápido às situações imediatas e corriqueiras do seu cotidiano: “– Ah, eu ligo e falo. E
pronto!”38, como ratificou a moradora Gilmar com aproximadamente 70 anos que
começava a aprender alguns recursos tecnodigitais por incentivo de sua filha. Entre
os mais jovens – crianças de seis anos aos adultos de até aproximadamente 55
anos – a utilização dos computadores e de celulares com acesso à Internet e de
seus inúmeros serviços/programas/aplicativos estavam presentes diariamente,
apesar da baixa qualidade e do alto valor do serviço prestado pelas empresas de
telecomunicação.
Entre as observações em campo e as conversas com os mangueirenses mais
idosos foi possível diagnosticar a expressividade dos espaços/lugares onde se dão
as relações entre os sujeitos na Mangueira. Na Rua de Baixo, na Candelária, por
exemplo, deparamo-nos com uma placa que a identifica como “Praça dos
38 Entrevista realizada em 10 de dezembro de 2013.
56
Aposentados e Pensionistas”, lugar onde as pessoas se encontram, discutem sobre
futebol e acontecimentos da comunidade, jogam dominó, entre outras atividades. Ou
os discursos mnemônicos acerca das antigas “birosquinhas” embaixo do Viaduto
Cartola, em frente à quadra da Escola de Samba: um lugar de encontro que foi
demolido pela Operação Choque de Ordem da Secretaria Especial da Ordem
Pública do Rio de Janeiro. Quando questionados sobre as mudanças que a
comunidade está passando, os moradores lembram com saudosismo de outros
lugares que sofreram fortes alterações ou foram apagados em Mangueira.
As nuances que visavam aprofundamento na investigação foram, assim,
manifestas pelos próprios moradores durante a fase exploratória no campo de
pesquisa e, anteriormente, nas ações investigativas e artísticas junto ao coletivo de
arte O Círculo. O afeto dos mangueirenses pelos lugares que não existem mais na
comunidade (ou que ainda existem) expressos através de suas lembranças
despertou o interesse coletivo na identificação desses “espaços de convivência” e de
suas memórias, e o reconhecimento de sua importância para a comunidade. Um
mapeamento espacial e mnemônico dos lugares que reconhecemos como “pontos
de encontro”. Começamos, assim, a desenvolver a pesquisa a partir do método da
pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011).
Sendo utilizada largamente nas investigações acadêmicas, a pesquisa-ação é
um método de pesquisa que agrega diversas técnicas de pesquisa social com as
quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa no nível da captação
da informação. Além disso, ela é compreendida também como uma modalidade de
pesquisa que coloca a ciência a serviço da emancipação social, uma forma de
engajamento sociopolítico no qual se destaca a necessidade de garantir a
participação democrática dos atores envolvidos.
No percurso proposto nesse método, que pressupõem ênfase na descrição de
situações concretas e na investigação orientada em função da resolução de
problemas efetivamente detectados pela coletividade, faz-se presente
constantemente a participação das pessoas envolvidas na abordagem investigada
(BRANDÃO e STRECK, 2006). Embora privilegie o lado empírico, contrário ao
método convencional de pesquisa em que se valoriza a utilização de critérios lógico-
formais e estatísticos, a abordagem em pesquisa-ação não despreza a pesquisa
teórica: estabelece-se um vaivém entre os dados empíricos e referenciais teóricos.
57
Esse método apresenta a possibilidade de radicalizar a participação dos
sujeitos, valorizando suas experiências sociais a ponto de tomá-las como condição
de partida e de chegada. Constitui-se uma linha da pesquisa social que, além de
promover a participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social,
educacional ou técnico e fornece os meios eficientes para que grupos de
participantes e de pesquisadores interajam e formulem diretrizes transformadoras.
A dinâmica da investigação na comunidade foi adotada e adaptada de acordo
com as necessidades do momento, envolvendo encontros/entrevistas com os
mangueirenses em sua casa, ambiente de trabalho, estabelecimentos comerciais,
espaços de lazer, entre outros. Apesar do método da pesquisa-ação privilegiar
técnicas de grupo para lidar com a dimensão coletiva e interativa da investigação,
foram realizadas entrevistas individuais do tipo assistemáticas (GOLDENBERG,
2007), devido à incompatibilidade de horário entre os mangueirenses e a dimensão
do território. Vale ressaltar que, apesar de ter um roteiro base que visava à
verificação de lugares que são/foram capazes de gerar e/ou garantir interações
sociais a partir de narrativas mnemônicas, o desenrolar das entrevistas era livre e
espontâneo; seguia o viés de uma conversa/diálogo, como os acontecem
constantemente pelas tramas de Mangueira.
Como estratégia para a efetivação de relações com os moradores, não era o
propósito das entrevistas fixar os papéis no esquema entrevistador-entrevistado,
assim como a indiferença e o distanciamento da história de vida dos moradores.
Procurava a intensidade e a vivacidade de uma conversa que, ao se efetivar,
incorporava desde diferentes posicionamentos sobre o problema investigado a
outros assuntos vivenciados in loco, como as mudanças previstas com a entrada do
PAC-2, a necessidade de passarelas e de outras linhas de ônibus, e o descaso dos
agentes da UPP. As entrevistas visavam coletar e registrar de informações, mas,
particularmente, trocar saberes, gerar a possibilidade de outros encontros e
configurar uma nova rede social. Um ato comunicacional, de debate e de
envolvimento sobre alguma questão local; havia reciprocidade nas conversas, que
poderia ser entre dois ou mais atores.
Cabe salientar, por fim, que o lugar onde se sucedia a entrevista foi relevante
para a não manutenção dos papéis entrevistador-entrevistado e o envolvimento de
outras pessoas na questão investigada. Em lugares mais reservados, como as
conversas realizadas na casa e no trabalho de alguns moradores, era esperado que
58
eu fizesse inúmeras perguntas e conduzisse o desenrolar dos assuntos a todo
instante. Por outro lado, as entrevistas que aconteciam em áreas abertas ou de
passagem, como nas tendinhas e nas ruas ou no decorrer de algum caminho,
lugares onde era possível encontrar com outros moradores, amigos e familiares, o
diálogo se abria a uma conversa em grupo. Ademais, a curiosidade que os
mangueirenses tinham pelo “bate papo” entre uma pessoa conhecida e outra
desconhecida, ou o interesse pelas questões que estávamos discutindo, gerava
diversas rodas de conversa espontaneamente, cada qual com cerca de cinco
pessoas explorando o mesmo assunto em algumas entrevistas.
59
2 “LÁ EM MANGUEIRA”39
2.1 Lugar e memória: uma abordagem a partir do Campo do Cerâmica
O início da identificação dos pontos de encontro em Mangueira – lugares
relevantes às interações sociais – foi acompanhado das especulações dos
moradores sobre as mudanças que estariam acontecendo no morro devido às obras
do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC-2 do governo federal. Realizada
a primeira reunião de apresentação do projeto oficial na quadra do G.R.E.S. Estação
Primeira de Mangueira e agendada a próxima no salão da Paróquia Nª. Srª. da
Candelária, os moradores demonstravam grande expectativa e, em algumas das
localidades, receio das futuras intervenções que englobam remoções e
reconfigurações do espaço.
Junto aos moradores da Candelária, verificamos que a preocupação era
decorrente, principalmente, da extinção de uma grande área de lazer – o Campo do
Cerâmica – durante as ações do programa Favela-Bairro na década de 1990. Esse
espaço era um ponto central da dinâmica da comunidade local e da Mangueira; ele
era dotado de valor, de significado: o campo era um lugar.
De acordo com a Geografia Humanística40, quando depositamos sentido em
um determinado espaço ele se converte em lugar. Conforme argumenta o geógrafo
Tuan (1983, p. 151), um dos principais proponentes da corrente humanista da
geografia, “o espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e
significado.” Estes, por sua vez, “são atribuídos a partir da cultura, que influencia o
comportamento e os valores humanos” (p. 6). Em seus estudos, o autor afirma que
uma vez que o espaço adquire significado e valor para os sujeitos são criados
vínculos – emocionais e afetivos – entre as pessoas e os lugares; esse elo é
denominado pelo geógrafo por Topofilia (1980).
39 Verso da música “Lá em Mangueira” de Herivelto Martins. 40 “A Geografia Humanística procura um entendimento do mundo humano através do estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu comportamento geográfico bem como dos seus sentimentos e ideias a respeito do espaço e do lugar.” (TUAN, 1985, p.143).
60
O lugar é aquele em que o indivíduo se encontra ambientado, no qual está integrado. Ele faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e afeições; é o “centro de significância ou um foco de ação emocional do homem”. O Lugar não é toda e qualquer localidade, mas aquela que tem significância afetiva para uma pessoa ou grupo de pessoas. (CHRISTOFOLETTI, 1985, p. 22)
Em uma perspectiva filosófica, em “Place and experience” (1999), Malpas
discorre sobre lugar afirmando ser uma construção do pensamento humano e uma
ideia que depende de outros conceitos, como espaço, tempo, localidade e extensão,
que se sustentam mutuamente e que são necessários para a compreensão do
mundo. A partir do estudo de outros autores, entre eles, Bachelard, Proust, Merleau-
Ponty e Heidegger, o filósofo destaca que, assim como o pensamento, a experiência
e a identidade são estabelecidas em e através do lugar, ou seja, não se dão a priori,
pois estão de alguma forma ligadas, em conexão com o lugar, a localização, a terra.
Nesse viés, toma como exemplo os aborígenes que se sentem privados de sua
“própria substância” quando removidos de seu lugar, levando-os a enfermidade ou a
morte.
Esse sentimento não é uma característica unicamente dos “povos primitivos”:
nos fenômenos naturais ou ações do homem, como as inundações,
desmoronamentos e remoções, observamos situações nas quais os sujeitos são
obrigados a abandonar e a desfazer suas conexões com o lugar, gerando
sentimentos de perda, incerteza e deslocamento no novo espaço. Como destaca
Tuan (1980, p. 114): “Ser despejado, pela força, da própria casa ou do bairro é ser
despido de um invólucro, que devido a sua familiaridade protege o ser humano das
perplexidades do mundo exterior.”
Sobre as nuances do entendimento geral de lugar, Malpas afirma que há uma
oposição bem definida entre a ideia de lugar como apenas um local, um ponto que
pode ser usado especificamente como, por exemplo, uma referência no Plano
Cartesiano de um mapa, e a ideia de lugar como uma localidade específica ou como
"em que" alguém ou alguma coisa reside (MALPAS, 1999, p. 22).
Tuan também apresenta semelhante distinção sobre a compreensão de lugar
a partir dos estudos geográficos: o lugar como localização e o lugar como um
artefato único, sendo esta a perspectiva que segue.
[...] o lugar é uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de circulação; [...] o lugar, no entanto, tem mais substância do que nos sugere a palavra localização: ele é uma entidade única, um conjunto “especial”, que
61
tem história e significado. O lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado. (TUAN, 1979, apud HOLZER, 1999)
O compreensão de lugar a partir desses autores justifica duas perspectivas
sobre o Campo do Cerâmica. Primeiramente, podemos considerar que a cultura
comunitária mangueirense, caracterizada por seu desejo de proximidade, de estar
junto e de reciprocidade, geradora de situações de comunhão e de ajuda mútua,
atribuiu esses valores ao campo. Nessa perspectiva, esse lugar faz parte da
constituição da história de vida dos mangueirenses e, apesar de não mais existir, é
gerador dos sentimentos de propriedade, pertencimento e reconhecimento de
algumas gerações dentro do morro. Nele se davam, especialmente, as interações
sociais, e a presentificação e constituição de redes sociais e de laços relacionais e
associativos.
Por conseguinte, sustenta os sentimentos de perda e de tristeza entre os
moradores quando o Campo do Cerâmica foi varrido durante as obras do Programa
Favela-Bairro. A mudança do lugar afetou os mangueirenses, pois extinguiu um dos
elementos que pertencia e trazia a marca dos moradores, que fazia parte de suas
práticas cotidianas; houve o desprezo pelos significados e valores depositados no
espaço/campo.
Nas entrevistas realizadas durante a pesquisa, observamos que o Campo do
Cerâmica era restaurado e perpetuado através de movimentos mnemônicos. Os
mangueirenses traziam suas memórias sociais particulares sobre o Campo do
Cerâmica, isto é, lembranças pessoais de um sujeito social, pertencente a um grupo
social, de um contexto passado configurados no contexto presente.
Essa compreensão da memória – reconstrução do passado a partir do
presente por sujeitos sociais em um contexto – parte dos estudos de Maurice
Halbwachs, propulsor da ideia de memória social, e de Michael Pollak, expoente de
uma perspectiva mais politizada sobre o assunto. A proposta de Halbwachs
desenvolve-se a partir da mudança do estatuto do sujeito que não é mais estudado
isoladamente nas ciências sociais, mas sim a partir do seu contexto. Em seus
estudos “Los marcos sociales de la memória” (2004) e “A memória coletiva” (2012),
o sujeito é pensado em uma perspectiva dialógica, intersubjetiva: se constrói em
construção com outros indivíduos em interação, ou seja, em uma rede social, na
62
qual se socializa e passa a ser possuidor de um repertório que o constitui,
permitindo que, mesmo sozinho, ele esteja em diálogo com seu meio.
Nesse viés, Halbwachs pensa a memória como reconstrução do passado a
partir dos “laços sociais existentes entre indivíduos constituídos no presente”
(SANTOS, 2012, p. 26), em que se leva em consideração o contexto do sujeito que,
por sua vez, media suas impressões. Desta forma, a memória é sempre trabalhada,
está em constante reconfiguração pelo sujeito social.
Mesmo que possa parecer que a memória individual é abafada ou se oponha
à memória social, não é isso que Halbwachs propõe; porque mesmo que seja uma
memória individual ou de uma nação, elas são memórias sociais e são construídas
dentro ou a partir do quadro social que o sujeito pertence. Ou seja, a memória do
indivíduo não está isolada e fechada, ela é afetada e (re)configurada a partir do
contexto e do grupo em que ele se encontra, o que não quer dizer que ele não
possua uma memória pessoal (HALBWACHS, 2012, p. 73).
a memória individual existe, mas está enraizada em diferentes contextos que a simultaneidade ou a contingência aproxima por um instante, a rememoração pessoal está situada na encruzilhada das redes de solidariedades múltiplas em que estamos envolvidos.” (p. 12)
Em estudos predecessores realizados por Bergson(1999), professor de
Halbwachs, a memória era compreendida de outra maneira: algo restrito ao biológico
e ao espiritual, caracterizada como evocação, algo que aflora no indivíduo, sendo
este possuidor de um repositório da memória total. Bergson defendia a ideia de que
quanto menos o indivíduo for afetado pelo mundo, quanto mais conseguir se
distanciar do instante imediato que o impulsiona para a ação, ele conseguirá liberar
o espírito para evocação, logo o sujeito será capaz de ir ao mais profundo do seu
inconsciente e, portanto, evocar uma memória mais enraizada.
Para Maurice Halbwachs, entretanto, não há um repositório onde são
aguardas cristalizadas todas as experiências vividas do sujeito. O autor acredita que
quanto mais a pessoa for estimulada pelo presente instantâneo, quanto mais
conectada ao mundo, mais ela será capaz de lembrar, de reconstruir sua memória a
partir de suas impressões, conexões e relações no presente.
O sociólogo Maurice não considerou a memória nem com atributo da condição humana, nem a partir de seu vínculo com o passado, mas sim
63
como resultado de representações coletivas construídas no presente, que tinham como função manter a sociedade coerente e unida. Para ele, a memória tinha apenas um adjetivo: era necessariamente coletiva. (SANTOS, 2012, p. 24)
Quando propõe a ideia de memória coletiva, Halbwachs esclarece que não é
a somatória das memórias individuais, nem a memória individual é uma parte da
coletiva: é algo que perpassa todas essas formas de memória, é a memória do
grupo. A coletiva é o ponto que o indivíduo se recua para lembrar dentro do grupo,
você consegue se colocar naquela perspectiva, naquele grupo para lembrar; são as
experiências compartilhadas que conformam em conjunto essas memórias.
Independente da natureza (afetivo, intelectual, sexual, entre outros), esse vínculo é
necessário para que o sujeito seja capaz de fazer o deslocamento no grupo e,
assim, possa lembrar.
Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós. Não é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos de nós, porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem. (HALBWACHS, 2012, p. 30)
O indivíduo lembra se posicionando no ponto de vista do grupo, e a memória
do grupo se realiza e se manifesta nas individuais. Ademais, a memória coletiva
retém do passado somente aquilo que ainda está vivo ou que é capaz de viver na
consciência de um grupo mesmo que esteja sempre em transformação e se
redefinindo.
As memórias coletivas sobre o Campo do Cerâmica perpassam essas duas
perspectivas: o passado ainda vive (alcança o presente) e é capaz de viver na
consciência dos grupos. As partidas de futebol, os churrascos, as festa juninas, as
interações e as redes sociais, isto é, as atividades e os quadros/grupos sociais que
se configuravam nesse lugar ainda existem no cotidiano e na consciência do grupo
que participava da dinâmica do campo. As memórias coletivas narradas sobre o
campo revelam as vicissitudes dos vínculos e as experiências compartilhadas entre
os mangueirenses e deste com o lugar a partir do contexto presente.
As narrativas mnemônicas sobre o Campo do Cerâmica expostas durante a
investigação trabalhavam sobre as mesmas referências e reforçavam os valores
comunitários e as experiências compartilhadas. Os moradores contam que era um
64
lugar onde todos se encontravam, onde as pessoas se envolviam em diferentes
atividades, seja no meio de campo jogando bola ou ao seu redor, como torcida,
técnico ou preparador do churrasco; um lugar onde era frequente a presença de
pessoas e times de outros lugares, onde eram realizadas partidas entre
homossexuais e entre mulheres no feriado nacional de 7 de setembro.
Sobre referência que são constantes em narrativas mnemônicas de diferentes
pessoas, o pesquisador Michael Pollak (1989, 1992) explica que a maioria das
lembranças possui marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis, pontos
que são várias vezes explicitados, apesar de serem submetidos a mutações, pois
são fenômenos em construção coletiva. Os marcos constitutivos da memória podem
dizer respeito a acontecimentos, personagens e lugares reais, empiricamente
fundados em fatos concretos, como também podem se tratar da projeção de outros
eventos.
Quando destaca projeção, Pollak se refere à transferência e a parte herdada
da memória em relação ao que diz respeito. Nessa perspectiva, destaca que a
memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade – individual ou
coletiva –, uma vez que ela é um fator “extremamente importante do sentimento de
continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução
de si” (1992, p. 204), sendo, desta forma, valores disputados em conflitos sociais,
intergrupais.
No morro, a transferência e a herança da memória são comuns,
principalmente por causa dos fortes laços relacionais de parentesco e de amizade
entre uma considerável parte dos mangueirenses. Gerações familiares estão na
comunidade desde o início do século passado e a história de constituição da
comunidade se desenvolve juntamente com a história de vida dos moradores. A
partir de narrativas mnemônicas dos familiares e amigos adultos e/ou idosos e de
eventos na comunidade, nas quais é proporcionado um encontro entre gerações, as
crianças e os adolescentes descobrem a existência do campo através de
lembranças desse lugar. As novas gerações mangueirenses serão possuidoras de
uma memória transferida e herdada sobre o Campo do Cerâmica.
Em seus estudos “Memória e identidade social” (1992) e “Memória,
esquecimento e silêncio” (1989), Michael Pollak introduz questões de poder na
perspectiva da memória social de Halbwachs. Nesse viés, toma a memória como
elemento de disputa, de conflito entre grupos e organizações constituídas, como
65
família, religião e política, destacando a relevância da identidade, da memória
subterrânea e do silêncio, acentuando o caráter uniformizador, opressor e destruidor
da memória coletiva nacional.
Ao afirmar que a memória é seletiva, ou seja, nem tudo fica registrado,
gravado, aponta a existência de um forte trabalho de enquadramento das memórias,
em que interroga o trabalho de historiadores e sua função de enquadrar as
memórias visando à formação de uma história nacional. Esta, uma memória
organizadíssima, é a memória nacional, na qual são comuns os conflitos para
determinar que elementos – datas e acontecimentos – serão gravados na memória
de um povo. O sociólogo Halbwachs também apresenta uma significativa distinção
entre história e memória coletiva em suas reflexões:
Enquanto a história representa a esquematização arbitrária do passado com seus cortes artificiais estabelecendo sequências e períodos, a memória coletiva representa uma corrente de pensamento que envolve seres humanos reais relacionando-se uns com os outros. (SANTOS, 2012, p.92)
Outra questão desenvolvida por Pollak que devemos destacar é a
compreensão das memórias subterrâneas. Isto é, memórias “clandestinas”,
“proibidas” que podem vir à tona, invadir o espaço público e a cena cultural por
diferentes meios de expressão, entrando em disputa da memória do Estado – a
“memória oficial”, a história. O autor salienta também sobre o abafamento de
memórias por poderes hegemônicos, e afirma que tal ação pode levar ao
silenciamento das lembranças de grupos minoritários que, longe de encaminhar ao
esquecimento, é a resistência desses ao excesso de discursos oficiais.
Ao escutarmos as narrativas sobre o fim do Campo do Cerâmica estamos
trabalhando com as memórias subterrâneas e abafadas pelo poder oficial. Nas obras
do Favela-Bairro, além do terreno do antigo “Cemitério dos Cachorros” (onde foram
construídos os “Predinhos Rosas”), o estado revelou ser necessária também a área
do campo para a construção de novas moradias, argumentando ser outras
localidades inapropriadas no momento. As lembranças dos moradores, porém,
desvelam que a perda do lugar foi decorrente de uma negociação paralela entre os
agentes legais do estado e os traficantes que, por sua vez, apresentaram como
condição a doação de apartamentos para seus familiares e conhecidos.
66
Antes de considerar os detalhes desta pesquisa-ação na seção que segue,
esclarecemos que outros lugares, além do Campo do Cerâmica, apresentam
similares características no interior das perspectivas aqui apresentadas sobre lugar
e memória. Veremos que são lugares que recebem e confirmam as atividades
cotidianas dos mangueirenses: uma roda de samba em um bar, um bate papo ou
jogo de dominó na rua, entre muitas outras práticas que caracterizam a cultura
comunitária. Em síntese, constituem-se como partes integrantes da própria estrutura
e possibilidade da experiência, do pensamento e da memória dos moradores
desvelando a existência de certa relação de intimidade, de vínculos emocionais e
afetivos entre os mangueirenses e destes com os lugares que compartilham.
2.2 Os pontos de encontro
A Mangueira para os moradores está marcada por sua resistência e força.
Quando a comunidade não tem a atenção das repartições públicas para a realização
de reparos estruturais e/ou a implantação de serviços básicos, como de saúde e de
urbanização, é o próprio morador que intervém na situação (Figura 15). A cada
necessidade de melhoria, tanto no espaço coletivo quanto no particular/individual,
presenciamos o “faça com as suas próprias mãos” e a utilização de recursos
variados: prática que consideramos mantenedora da “estética da bricolagem” das
favelas de modo geral. Observamos que, a partir do trabalho coletivo e colaborativo,
nos mutirões ou nas “vaquinhas” (ou “caixinhas”) para o pagamento de algum
serviço terceirizado, os moradores conquistam significativas melhorias para a
comunidade. Esse é um dos motivos que consideramos que Mangueira é a história
de vida dos moradores: nela estão impressas as ideias, as discussões, a força, as
mãos, o suor; em suma, o corpo e a alma dos mangueirenses.
67
Figura 15 – As melhorias que o estado não assiste são executadas pelos moradores.
Legenda: Onde antes havia um buraco e degraus,
atualmente é uma rampa que dá acesso à comunidade da Candelária.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Essa percepção desvela a intensa ligação entre os mangueirense e os pontos
de encontro: são lugares constituídos pelo esforço dos moradores e, em muitos
casos, uma conquista de gerações antepassadas de uma mesma família. Ademais,
são lugares reconhecidos como uma espécie de “sala de estar”, pois é possível
descansar, divertir-se e encontrar outras pessoas (de dentro ou de fora do morro).
Dessa forma, o significado e o valor que os pontos de encontro possuem convergem
o contexto familiar e comunitário.
Vale frisar que denominamos e entendemos por pontos de encontro os
lugares destacados pelos mangueirenses como relevante às suas
interações/relações, onde eles se relacionam entre si e, em alguns casos, com
pessoas de outras localidades, a partir de diversas práticas/atividades comuns da
cultura comunitária mangueirenses.
68
Em sua maioria, os lugares apontados pelos moradores ou são áreas de lazer
ou são apropriados como tal; mas as atividades realizadas nesses lugares são tanto
“sérias” quanto lúdicas: ao mesmo tempo em que brincam e se divertem, as pessoas
conversam e debatem situações que estão acontecendo no morro e as providências
que devem ser tomadas. Entretanto, devemos perceber que, em alguns casos, o
conteúdo debatido e/ou as atividades realizadas são menos importantes que as
interações sociais e as redes sociais criadas entre os participantes, que podem
permanecer durante um longo período desdobrando-se em outras relações e
círculos.
Nas subsessões que seguem veremos que os pontos de encontro levantados
durante a pesquisa-ação41 foram agrupados em categorias. São explanadas as
atividades e/ou especialidades que se destacam em cada lugar que, por
conseguinte, provocam variados graus e tipos de interações – convívio, encontro
(casual), colaboração, clientela, entre outros. Dessa forma, conformou uma
cartografia que desvela memórias coletivas, redes sociais e gêneros diferentes de
ponto de encontro e de práticas relacionais/interativas.
Como explicitado anteriormente, alguns pontos de encontro não existem mais
em Mangueira: foram assolados ora pelo poder do estado, com seus programas de
(re)urbanização e revitalização, ora pelos moradores que não conseguiram mantê-
los. Alguns desses lugares ainda estão presentes na memória coletiva dos
moradores e foram destacados como relevantes para as interações sociais e para a
cultura comunitária, como o Bar Cabeça de Touro e a Associação de Moradores da
Candelária.
2.2.1 Os campos de futebol
As paixões do mangueirense não são apenas o samba e o carnaval, mas
também o futebol. Andando pela Mangueira é comum presenciarmos inúmeros
moradores comentando alguma coisa sobre futebol. Descobrimos que essa paixão
não se restringe ao papel de torcedores de times oficiais, como Flamengo,
41 O levantamento dos pontos de encontro junto aos moradores do morro de Mangueira foi realizado durante seis meses, de julho a dezembro de 2013.
69
Fluminense, Vasco ou Botafogo: ela abrange os times da comunidade e a prática do
esporte. Na investigação, alguns campos de futebol foram apontados como pontos
de encontro, com destaque para dois deles: o Campo do Cerâmica e o Campo do
Bandeirantes.
O Campo do Bandeirante é localizado em uma das subidas para o Morro dos
Telégrafos, vertente norte de Mangueira (Figura 16). Antes da fundação do time
Esporte Clube Bandeirantes por um grupo de amigos que jogavam no lugar, em
1955, o campo era chamado de Rio de Janeiro. Verificamos que nesse lugar são
realizadas diferentes atividades: além do tradicional futebol de domingo, acontecem
também festas com apresentações de grupos de pagode e Djs, e um serviço de
lava-jato logo na entrada; antigamente, uma escolhinha de futebol oficial do
Flamengo treinava as crianças do morro, como conta o morador Pedro42.
Figura 16 – Aos domingos, no Campo dos Bandeirantes, acontecem partidas de futebol dos grupos Cacareco, Madrugada e Ponto Certo
Fonte: arquivo de pesquisa
Bernardo43, morador que criou o campo junto com o pai, conta que um evento
que acontece há 10 anos nesse lugar e que reúne muitos mangueirenses é o
“Campeonato Brasileiro dos Bandeirantes”. Segundo ele, jogadores amadores do
morro podem disputar com times de outras comunidades, entre elas Jacaré, Tuiuti e
Ilha; mais recentemente, tem acontecido o campeonato dos veteranos também. Ele
42 Entrevista realizada em 08 de setembro de 2013. 43 Entrevista realizada em 08 de dezembro de 2013.
70
ainda destaca que o público chega a 600, 700 pessoas. Além desses eventos, todos
os domingos acontecem o futebol dos grupos Madrugada, Cacareco e Ponto Certo
(Figura 17). Os jogadores desses grupos explicam que suas disputas são internas,
apenas em alguns momentos realizam partidas entre eles.
Figura 17 – Principais fundadores do grupo Ponto Certo durante uma premiação do grupo em uma das repartições dentro do Campo Bandeirantes
Fonte: arquivo de pesquisa.
Na vertente sul do morro, localizado na comunidade da Candelária, o Campo
do Cerâmica é lembrado por quase todos do morro devido sua intensa dinâmica e
facilidade no acesso. Dois frequentadores (um ex-jogador e outro ex-treinador) em
diálogo contam que:
– O campo movimentava inclusive o comércio local. – A gente passava o dia inteiro no campo. – Fora que o campo, na Candelária, era bem localizado... – Pô, era no asfalto, né cara? – Você lá da rua, você já estava no campo. Você via o pessoal jogando...44
Os moradores explicam que o nome tem origem na antiga Fábrica de
Cerâmica Brasileira e no clube que possuía – Clube Cerâmica –, localizados ao lado
do terreno onde eram realizadas as partidas de futebol. Durante um período, o
terreno do campo foi tomado por militares, passando a se chamar 1º Blog (Primeiro
44 Entrevista realizada em 15 de setembro de 2013.
71
Batalhão Logístico), mas os moradores não aderiram ao nome sendo, até hoje,
lembrado como Campo do Cerâmica .
As pessoas narram que nesse campo sempre tinha alguma atividade. Durante
todo o ano, eram realizados campeonatos e amistosos aos finais de semana, tendo
o seu início às 8h e o seu fim às 18h, porque o campo não tinha iluminação artificial
para se estender durante a noite. As pessoas lembram com saudosismo que era
forte a disputa entre os times da comunidade, sendo alguns mais antigos que outros:
Gelol, Furacão, Candelária, Brasil Novo, Pedra, Esquadrão, Chalé, Joaquina,
Esperança, Rapaziada, Siri e Estrela (Figura 18).
Figura 18 – Jogadores e torcedores do time Furacão, 1975
Legenda: Jogadores e torcedores do time Furacão comemoram a vitória de
2 x 0 sobre E.S. Estação Primeira de Mangueira, em 1975, no Campo do Cerâmica. Alegrias e competições que acabaram com o fim do campo.
Fonte: Arquivo de Pesquisa.
Conforme explicam os moradores, o ponto alto do futebol, quando o campo
ficava com lotação máxima, era o famoso “Sete de Setembro”, que ocorria durante o
feriado nacional da Independência do Brasil (Figura 19). O evento reunia todos os
treinadores dos times que jogavam no campo e cada um ficava responsável por uma
categoria, convocando os melhores jogadores da localidade para as partidas: Pré-
Mirim, Mirim, Infantil, Juvenil, Time das Mulheres, Time da Copa, Veteranos, 2°
Quadro e 1° Quadro. As partidas ocorriam o dia todo, em batalhas literalmente
72
campais, chamadas de Morro x Olaria (Morro quem mora na parte alta, Olaria quem
mora na parte baixa).
Figura 19 – Time conhecido como Cachaça ou Cata Cata, 1995
Legenda: Morro x Olaria, tradicionais partidas no 7 de setembro no Campo
do Cerâmica. Fonte: arquivo de pesquisa.
Entre as atividades realizadas nesse campo, as pessoas também destacam
as Festas Juninas realizadas na década de 1980. Ailson45 explica que a iniciativa foi
de dois moradores da Candelária, e que se formava uma “área neutra”: nem tráfico,
nem polícia estavam presentes; acordo acertado entre os moradores e o coronel do
quartel que cedeu o terreno do campo à realização da festividade. Durante os meses
de junho, julho e agosto, a festa atraía moradores de toda a Mangueira por conta
das apresentações musicais de forró e pagode, e de equipe de som, como a Cash
Box, das quadrilhas da comunidade e da Federação das Quadrilhas Juninas e
Arraias do Rio de Janeiro, dos shows de travestis, das comidas típicas, como o
feijão de corda e a sopa de ervilha, entre outros. Com entusiasmo, o morador Arthur
lembra as Festas Juninas: “– Caraca! Isso aqui ficava lotado! Lotado! Vinha gente de
fora. A nossa festa junina aqui arrebentava. Arrebentava!46
Outra atração importante e esperada pelos mangueirenses era o parque de
diversão que se instalava no campo nesse período. Ailson ainda explica que era
uma oportunidade para a garotada de Mangueira que só brincava entre as valas, 45 Entrevista realizada em 13 de setembro de 2013. 46 Entrevista realizada em 26 de agosto de 2013.
73
não saía do morro e nem tinha condições financeiras de pagar um passeio ao
Parque Shanghai ou Tivoli Parque. A moradora Eliana narra suas lembranças sobre
a Festa Junina e o parque de diversão:
– Muita gente, de outras partes da Mangueira vinha pra aí, porque tinha também um parque de diversão. Então, era todo ano. Tinha um parque todo ano. [...] Era o que? Era a expectativa das pessoas, né? [...] Tinha roda gigante, tinha barca, tinha... Então, a alegria das crianças era lá. Todo mundo, no mês de junho, julho... “– Ah, vamos pra onde?” “– Vamos por campo!”, que era pra Festa Junina que, além das barracas típicas, tinha também, que eu me lembro, tinha as danças típicas, as quadrilhas, né?47
Os moradores expõem que o fim do Campo do Cerâmica foi decorrente de
uma negociação entre os poderes paralelo e legal durante as obras do programa
Favela-Bairro e que, como forma de silenciar possíveis controvérsias, foram
construídos o Campinho e o Campo da Pedreira. Atualmente, no terreno do campo
existem alguns estabelecimentos comerciais, dois prédios, a base da UPP
Mangueira, uma quadra de vôlei, alguns brinquedos depredados e um campo de
grama sintética – Campinho – utilizado pelos moradores (Figura 20), mas que não
tem o mesmo significado que o antigo.
Figura 20 – Mapa: mudanças no Campo do Cerâmica
Legenda: Toda a área do antigo Campo do Cerâmica foi tomada por construções, restando
para o lazer um pequeno campo de grama sintética – Campinho –, uma quadra de vôlei de terra e um parquinho em lamentável estado de conservação.
Nota: Marcações sobre o mapa do Google Earth. Fonte: Google Earth.
47 Entrevista realizada em 20 de agosto de 2013.
74
Verificamos que o Campo da Pedreira é tão grande quanto o antigo Campo
do Cerâmica e é melhor estruturado: tem churrasqueira, brinquedos para crianças e
vestiário. Apesar dos aparatos, a área desse novo campo fomenta uma memória
coletiva de dor e sofrimento que não caracteriza as saudosas lembranças do extinto
Campo do Cerâmica. Localizado aos pés de uma pedreira, descobrimos que o
terreno era utilizado pela empresa de limpeza pública Comlurb e pelos traficantes
que usavam o lugar para desova de cadáver. Conforme nos conta um morador:
– O campo o... Aquele lá de cima, não era a minha praia. Lá... ô... a gente tem passado muito triste ali, nós, eu, por exemplo. Muitos amigos meu morreu ali. Muito amigo. Amigo, que eu falo, pessoas que era meu conhecido o... que eu gostava... Pô... e ali, era lugar da morte. Tá entendendo? Era lugar da morte.48
Figura 21 – Mapa: localização dos campos Cerâmica, Campinho, Pedreira, Bandeirantes e Vila Olímpica
Nota: Marcações sobre o mapa do Google Earth. Fonte: Google Earth
O campo de futebol da Vila Olímpica da Mangueira também foi destacado
como um ponto de encontro, na verdade, toda sua área foi apontada como um lugar
onde se dão diferentes tipos de inter-relação tanto entre os mangueirenses quanto
entre eles e pessoas de outras localidades do Rio de Janeiro. Estabelecida em
frente ao morro, em um terreno cedido pela Rede Ferroviária Federal, a Vila
Olímpica foi fruto do trabalho comunitário do Departamento Esportivo da Escola de
Samba Estação Primeira de Mangueira que, na década de 60, tinha a incumbência
48 Entrevista realizada em 13 de setembro de 2013.
75
de alimentar e cuidar de crianças e adolescentes que estariam participando de
eventos esportivos do calendário da cidade (CHINELLI, 1993; 1995).
Inaugurada em 1989, a Vila Olímpica da Mangueira tem grande importância
na vida de muitos moradores ainda nos dias de hoje. Visando a “transformação de
vidas” através da tríade esporte, educação e trabalho, a comunidade também conta
com o Programa Social da Mangueira: um “reconhecido modelo de combate à
pobreza, à desigualdade social e à exclusão nos países em desenvolvimento.”49
Entre os projetos desenvolvidos por esse programa, os que se sobressaíram por
atraírem cada vez mais moradores foram o Círculo dos Amigos do Menino
Patrulheiro – CAMP Mangueira, que tem por objetivo contribuir para a formação
sócio-educativa de adolescentes e jovens visando capacitá-los para o mercado de
trabalho, e o “Faz Tudo”, um centro profissionalizante em diferentes práticas, como
instalador elétrico e hidráulico, construção civil e marcenaria.
2.2.2 Bar, bazar, tendinhas
Os estabelecimentos comerciais informais não têm uma rígida distinção no
discurso dos moradores. Observamos que eles são identificados unicamente pelo
nome/apelido do proprietário: são lugares pessoalizados, isto é, o comércio encarna,
representa o dono. Durante as entrevistas, os mangueirenses utilizaram a
diferenciação entre bar, bazar, tendinhas, lanchonete, mercearias e/ou mercadinhos
apenas quando arguidos, recorrendo às identificações apresentadas na fachada,
propagandas e letreiros para a categorização. Conforme explica o morador Roberto
durante a entrevista:
– Não tem uma categoria? O nome do lugar é o mesmo da pessoa? – É o nome da pessoa. – Quem é que fica no [bar do] Fusquinha? Vocês chamam a pessoa de Fusquinha também? – É ele mesmo!50
49 Disponível em: http://www.mangueiradofuturo.com.br/o-instituto/. Acesso em 08 de setembro de 2013. 50 Entrevista realizada em 26 de agosto de 2013.
76
Em sua maioria junto ou na própria casa do proprietário, esses lugares estão
sempre bem cuidados e abastecidos de mercadorias, em sua maioria, itens
alimentícios. Outro aspecto que observamos é que suas áreas internas e/ou
externas são organizadas de modo semelhante entre si: possuem balcão para
atendimento, freezer para as bebidas, prateleiras com produtos a mostra, bancos e
conjuntos de cadeiras e mesas para acomodar os clientes.
Verificamos que o proprietário desempenha todas as funções necessárias
para que seu comércio esteja ativo: ele é o atendente, o cozinheiro, o faxineiro, o
estoquista, o gerente... Ausenta-se apenas para comprar novas mercadorias e repor
o estoque, deixando o comércio aos cuidados de algum familiar – esposa, primos,
netos, filhos – durante esse período. Entre os donos mais idosos, é comum
conferirem aos seus familiares o zelo pelo lugar; já que é uma herança de família.
Observamos que algumas lojas ficam abertas durante todo o dia; outras a
partir do turno da tarde, e que são bastante frequentadas por um público adulto e
idoso em sua maioria. Verificamos, também, que estão com no mínimo de duas ou
três pessoas conversando sobre assuntos locais ou futebol, jogando sinuca, carta ou
dominó, ou acompanhando a movimentação do comércio e da rua que está
localizada. Os entrevistados afirmaram que esses estabelecimentos são uma área
de lazer, um lugar onde podem se despreocupar e se divertir após uma semana
exaustiva de trabalho. Por isso, o movimento de pessoas aumenta nos finais de
semana.
Durante o período da escolha do samba-enredo para o ano de 2014 até o
carnaval, encontrarmos grupos de amigos cantando e dançando os sambas da
Estação Primeira. Já nos outros dias, vimos pessoas animadas por outros gêneros
musicais, principalmente, pagode, forró e funk. Ao frequentar alguns comércios,
percebemos ainda que há um considerável quantitativo de pessoas alcoólatras na
comunidade: um caso preocupante de saúde pública.
Os bares são um número quase infindável: da barra ao pico do morro
podemos identificar inúmeros. O Bar do Xopotó, o Bar do Fusquinha, o Bar Walmir,
estes dois últimos ainda ativos, foram logo explicitados pelos moradores da
Candelária como um ponto de encontro. Ao longo de um trecho da Rua da
Cerâmica, o Bar do Walmir dispõe suas cadeiras de modo a não atrapalhar a
estreita passagem de pessoas e de motos, e deixar aconchegante para quem quiser
assistir uma partida de futebol ou escutar alguma música sempre ao gosto do
77
freguês. O Bar do Fusquinha, atualmente aos cuidados do neto, é um dos lugares
frequentados pelos moradores que gostam de bebidas alcoólicas e, apesar de ter
uma área interna para acomodá-los, os mangueirenses preferem beber do lado de
fora do bar e conversar com quem passa pelo final da Rua Graciete Matarazzo.
Durante as atividades no Campo do Cerâmica, lembram os moradores que o
Fusquinha era o lugar das reuniões e do aquecimento, ou seja, de beber a cerveja e
a cachaça antes das partidas de futebol. Também entre as pessoas que
participavam das peladas no campo ou do Bloco Balanço da Mangueira, o Bar do
Xopotó, localizado no início da Rua Graciete Matarazzo51, foi reconhecido pelas
saborosas comidas que davam força e energia para o sucesso nas atividades
(Figura 22).
Figura 22 – Bar do Xopotó, Candelária, 1980
Legenda: Este bar era um ponto de encontro para os jogadores do Campo do
Cerâmica e dos foliões do Bloco Balanço da Mangueira. Fonte: arquivo de pesquisa.
No alto do morro, na localidade denominada Pedra, temos o Babal Lanches –
identificação presente nas propagandas do estabelecimento. O proprietário explica
que assumiu o comércio quando seu pai ficou doente e que o lugar pode ser
identificado como bar e tendinha devido aos produtos que vende. Com uma grande
51 Esse trecho da rua é conhecido por Portão Dois – nome herdado do portão dois da antiga fábrica de cerâmica instalada ao lado da Candelária.
78
área interna, o estabelecimento tem mesas de totó e sinuca, mas os mangueirenses
preferem a área externa (Figura 23), a Rua 10, onde é possível desfrutar a paisagem
carioca52 comendo um saboroso peixe frito ou realizando um churrasco que, nos
finais de semana, são acompanhados de um "chuveirão" e um “som na medida”. O
proprietário e os fregueses lembram que o salão do Babal Lanches já abrigou bailes
swings e de forró, e uma igreja protestante; atualmente, em sua entrada, funciona
um serviço de barbearia.
Figura 23 – Babal Lanches, Pedra
Legenda: O proprietário do Babal Lanches deixa a disposição de seus
fregueses e amigos uma churrasqueira; a Rua 10 torna-se uma extensão de seu bar/tendinha/lanchonete.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Durante a investigação, alguns bares foram apontados como referência para
os moradores que gostam de jogar – “o pessoal da jogatina” –, em sua maioria,
pessoas idosas (Figura 24). No Telégrafos, o Matias Bar é o ponto de encontro
daqueles que gostam de jogar dominó e baralho. “– Todo dia é isso aí, dominó...”53,
diz a esposa do proprietário. Abrindo todos os dias 5h30 da manhã para vender pão
52 Do alto do morro, na localidade Pedra, é possível termos uma visão panorâmica da cidade do Rio de Janeiro, abrangendo o Maracanã, a Quinta da Boa vista, o Cristo Redentor e a Baia de Guanabara. 53 Entrevista realizada em 03 de dezembro de 2013.
79
e jornal, Matias Bar também disponibiliza bebidas e alguns itens alimentícios,
visando atender aos moradores da localidade e aos policiais da UPP.
Figura 24 – Matias Bar, Morro dos Telégrafos
Legenda: Os mangueirenses que gostam de jogar também possuem seus
pontos de encontro. No Telégrafos, o Matias Bar é o destino de quem joga cartas.
Fonte: arquivo de pesquisa.
De frente para a Rua Visconde de Niterói, na comunidade conhecida como
Loteamento, o Bar do Samba é o lugar para os mangueirenses que jogam sinuca.
Contando com apenas uma mesa para a prática do jogo, o proprietário disponibiliza
mesas e cadeiras para que todos possam ficar confortáveis esperando sua vez na
partida ou conversando com pessoas que por ali passam. A área onde está
localizado o Bar do Samba começa a ser reconhecida pelos moradores como um
novo lugar/polo gastronômico e de lazer, pois os bares próximos, entre eles o
Varandinha (Bar do Gerson), o Varandão (Pizzaria) e o Bar e Lanchonete Dois
Amigos, começaram a organizar juntos diferentes tipos de eventos, como
apresentações de grupos de pagode e forró, almoços e campeonatos de sinuca
(Figura 25).
80
Figura 25 – Novo lugar/polo gastronômico, Loteamento
Legenda: Nos últimos anos, um grupo de bares se uniu para a organização de
diferentes atividades, como show de pagode e forró e torneio de sinuca, no Loteamento.
Fonte: arquivo de Pesquisa
Os mangueirenses que gostam de jogar carteado também possuem seus
pontos de encontro. Na Candelária, os moradores lembram que o Bar do Jorge
Valério, o Bar do Bebeto e o Bar do Seu Zé Paraíba eram lugares certos para a
jogatina, quando ainda estavam ativos. Alguns desses lugares também foram
reconhecidos pelas saborosas especiarias, principalmente o mocotó, como lembra o
proprietário do Bazar do Dokito sobre o Bar do Seu Zé Paraíba:
– Que no auge de sua tendinha, todo final de semana fazia um mocotó gostoso que todo mundo ia lá comprar aquele saboroso mocotó e automaticamente jogar seu baralhozinho, carteado, canastra. Mas infelizmente a maioria dessas pessoas não se encontra mais entre a gente, que é bem antigo.54
Na entrada do Buraco Quente, temos o bar do falecido senhor Cabrinha – Bar
Família Lima de Oliveira –, chamado de Zero Um pelos jogadores de carta que se
reúnem atualmente ali. Nelson, um dos participantes dos jogos, conta que o “pessoal
da jogatina” se transferiu para esse bar após a demolição do lugar onde jogavam, e
explica que o Zero Um não é o ideal para os jogadores, pois o bar fica em uma das
54 Entrevista realizada em 15 de novembro de 2013.
81
esquinas mais movimentadas da comunidade, além de tocar uma música ambiente
que não os agrada – geralmente do estilo funk.
Durante uma longa conversa, Nelson lembra que um grupo de moradores
aposentados criou o “Clube Rola Acampada” na década de 1980. Somando
aproximadamente 50 sócios, durante todo o dia era intensa a rotatividade dos
jogadores, mas alguns ficavam de manhã até o anoitecer jogando carteado: Sueca,
Buraco, Escopa, entre outros. O clube tinha um “barraquinho” debaixo do Viaduto
Cartola onde guardavam todo o material: as cartas, as mesas e cadeiras, além de
outros aparatos, como geladeira e fogão, possibilitando o conforto e a permanência
dos jogadores. Entretanto, tiveram o lugar destruído com a entrada do Choque de
Ordem junto com a UPP na comunidade (Figura 26). Como conta Nelson: “– Com a
chegada da UPP, aí desmontou tudo. Aquilo ali foi tudo a baixo. Tinha um montão
de trailer [...] Aí, a gente ficou sem lugar pra brincar.”55
Figura 26 – Destruição massiva de diversos pontos de encontro e de redes sociais debaixo do Viaduto Cartola em 2010.
Fonte: Google Maps.
A reforma que aconteceu embaixo do Viaduto Cartola destruiu vários outros
pontos de encontro além do “Clube Rola Acampada”. Uma violência às interações e
práticas relacionais que se configuravam naquele lugar. Inúmeros estabelecimentos
comerciais informais que vendiam, além de bebidas, caldos e petiscos para as
pessoas antes de entrarem para o samba no Palácio do Samba, tiveram que se
acomodar em outros lugares no morro, ou ficar em alguma das pequenas cabines
55 Entrevista realizada em 31 de outubro de 2013.
82
construídas pela prefeitura. A reestruturação deu lugar a 55 trailers alinhados e
simétricos, de forma limpa e de estética agradável aos olhos elitista que, pouco a
pouco, começam a ser ressignificados pelos mangueirenses. Consideramos que os
novos lugares estão se constituindo devido à presença dos antigos proprietários,
que possuem laços relacionais com muitos clientes/moradores, e as pessoas que
voltam a participar das rodas de pagode que permanecem aos finais de semana.
Alguns outros bares e/ou tendinhas foram apontados como o ponto de
encontro dos mangueirenses que gostam de escutar determinado tipo de música.
Localizado perto da antiga Associação de Moradores da Candelária, o Bar Cabeça
de Touro era o reduto dos seresteiros que cantavam durante toda a noite
acompanhados pelo violão de sete cordas de Mané do Cavaco56. Após passar por
diversos donos, a área do bar deu lugar a um conjunto de quitinetes.
Ligado ao samba, o morador Célio57 afirma que o lugar mais conhecido é o
Bar/Tendinha do Neném Cotó, no Buraco Quente. Um ponto de encontro dos
compositores e amantes de samba: Aluísio Dias, Seu Gasolina, Mestre Tinguinha,
Bira, Zé Rock, entre outros eram encontrados com frequência nessa tendinha.
Conforme ele lembra, as pessoas iam para lá logo após a missa:
– Esse bar era situado dentro do Buraco Quente ao lado da Igreja Católica, da Capela. Onde aproveitando ali, saía da missa direto pro... Aqui existe uma religiosidade, né? [...] Então, domingo missa. E depois da missa, vamos cantar um pouco lá no bar, beber cerveja e uma pinga lá.
Seu Neném Cotó é falecido, mas o bar ainda está ativo aos cuidados da família.
Vale destacarmos que este bar ficou eternizado na letra do samba “Folha de Zinco”
de Jurandir da Mangueira e Ratinho, gravado pelo grupo Fundo de Quintal (grifo
nosso):
A nêga voltou a me avisar Que a goteira do barraco nossas coisas vai molhar Desci o morro escorregadio Aquela chuva sentindo frio Passei na tendinha no Neném Cotó Tomei umas e outras pra esquentar Na subida toquei o vizinho do lado Uma folha de zinco eu arranjei emprestado A velha goteira não vai mais incomodar Meu barraco em Mangueira todo novo vai ficar
56 Virtuoso instrumentista que tocou com Martilho da Vila. 57 Entrevista realizada em 08 de outubro de 2013.
83
Vou mandar pintar de verde e rosa Do Buraco ao Chalé não vai ter moradia mais formosa
Vendendo especialmente itens alimentícios de consumo instantâneo, quando
um bar diversifica seus produtos, eles são identificados como tendinha, mercearia,
mercadinho ou bazar. O fotógrafo e jornalista Clóvis Scarpino é consideravelmente
sucinto em sua percepção das tendinhas durante suas investigações em Mangueira
no século passado: tendinha é “uma porta aberta com dois litros de cachaça balas e
cocadas para as crianças. E linguiça e álcool.” (SILVA, CACHAÇA e OLIVEIRA
FILHO, 1980).
Entretanto, na atualidade, não conseguimos ter uma visão tão simplificada.
Dentro desses lugares o olhar se perde: “– Tem quase tudo”, como afirmam os
moradores. Das bebidas dos bares, aos artigos hidráulicos e tecnológicos, como
pendrive, mouse, cabos USB, uma tendinha procura atender toda a demanda dos
moradores que não querem ou descer o morro ou ir tão longe para consegui-los.
Estando tudo aos olhos do freguês, não há um morador que entre para comprar uma
coisa e saia com no mínimo de duas, mesmo que seja uma balinha como troco. A
moradora Eliana explica a relevância desse tipo de estabelecimento comercial na
localidade em que vive (Candelária):
– É a salvação de quem mora aqui, né? Porque essa parte aqui, a Candelária, não tem nada, né? O supermercado mais próximo daqui ou é no São Cristovão, na Cancela, ou é ali perto da estação, né? Porque muitas vezes você quer uma coisa, assim, pra agora. Não vai dar tempo de você correr até lá perto da Estação da Mangueira e comprar. Então, esses mercadinhos, mercearias são a salvação. [...] E lá sempre encontra alguém. É onde a gente para pra conversar. Onde encontra alguém que tá lá também comprando alguma coisa.58
Entre os estabelecimentos que vendem produtos sortidos, o Bazar Dokito
(Figura 27) foi um dos mais apontados pelos moradores como ponto de encontro.
Localizado na Candelária, a categoria bazar é explicitada apenas na fachada do
estabelecimento e pelo proprietário que ratificou durante uma conversa: “– Aqui é
‘Bazar do Dokito’”59. Para os moradores o lugar é chamado apenas pelo nome
próprio Dokito ou de tendinha, Tendinha do Dokito. Os mangueirenses afirmam ser
ali um ponto de encontro porque são frequentes os casos os quais um morador vai
58 Entrevista realizada em 20 de agosto de 2013. 59 Entrevista realizada em 15 de novembro de 2013.
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para comprar alguma coisa e, por encontrar outra pessoa ali, aproveita para “por a
conversa em dia”, permanecendo por mais tempo que o esperado no bazar.
Ademais, o proprietário conta que:
– Todo final de semana, quem é conhecido se encontra aqui. Prepara um churrasquinho aqui na churrasqueira elétrica que nós temos aqui e discutem, às vezes assunto do trabalho, às vezes o comunitário e às vezes é só para distração mesmo, desparecer um pouco do trabalho da semana inteira e curtir aquele dia de folga que todos nós merecemos.60
Figura 27: Bazar Dokito, Candelária
Legenda: Com rica variedade de produtos, algumas tendinhas ainda oferecem aos moradores
“atrativos”, como churrasqueiras, conjuntos de mesas e cadeiras, música ambiente, tudo para que o freguês sinta-se confortável.
Fonte: arquivo de pesquisa.
2.2.3 Ruas, becos e vielas
Para o mangueirense os espaços de circulação são lugares de apropriação
individual e coletiva; eles remodelam os projetos urbanísticos e os espaços urbanos.
Durante a investigação, observamos que é recriado nos espaços públicos/coletivos
um ambiente similar ao vivenciado em casa, ou seja, as práticas e as significações
60 Entrevista realizada em 15 de novembro de 2013.
85
do lar são expandidas para a dimensão da rua. Em síntese, a rua é a casa em
Mangueira.
Essa ideia – “a casa é a rua” – parte dos estudos do antropólogo Roberto
DaMatta (1997), quando propõe uma percepção sobre o comportamento, as
contradições e as redes de relações da sociedade brasileira a partir das dimensões
de “A casa e a rua”. Além de serem designações de espaços físicos, de estruturas
fisicamente mensuráveis, a casa e a rua são, para o antropólogo,
entidades morais, esferas de ação social, providências éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados, e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas. (p. 15)
Em cada uma dessas esferas o conjunto de valores dos sujeitos varia
consideravelmente: a casa é um lugar das particularidades/individualidades, da
compreensão, do diálogo; é o lugar da intimidade e da autenticidade, ou seja, onde
as pessoas podem mostrar quem elas são de fato. A casa é um lugar onde
“podemos fazer coisas que são condenadas na rua, como exigir atenção para nossa
presença e opinião” (p. 20). Nessa perspectiva, podemos considerar a casa um
“lugar íntimo” (TUAN, 1983, p. 152), isto é, um lugar "onde encontramos carinho,
onde nossas necessidades fundamentais são consideradas e merecem atenção sem
espalhafato."
Na rua, em contrapartida, somos tratados da mesma maneira, não há
distinção ou atenção às particularidades. Há impessoalidade e isolamento, meios
pelos quais se mantêm a ordem e o cumprimento das leis. Como coloca DaMatta:
“passamos sempre por indivíduos anônimos e desgarrados, somos quase sempre
maltratados pelas chamadas ‘autoridades’ e não temos nem paz, nem voz.” (1997,
p. 20)
Em todo caso, se a casa distingue esse espaço de calma, repouso, recuperação e hospitalidade, enfim, de tudo aquilo que define a nossa ideia de “amor”, “carinho” e “calor humano”, a rua é um espaço definido precisamente ao inverso. Terra que pertence ao “governo” ou ao “povo” e que está sempre repleta de fluidez e movimento. (p. 57)
Diante dessa perspectiva, constatamos que há distinções entre as “ruas” de
Mangueira: as ruas que contornam o morro possuem um grande fluxo de pessoas
por causa da distância dos serviços de transporte – trem, metrô e ônibus – e dos
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estabelecimentos comerciais. Analisamos que são lugares despersonalizados, do
sujeito comum, de qualquer um. Apenas em alguns trechos específicos, próximos
aos bares particularmente, podemos encontrar grupos de pessoas, pois estendem
as interações que acontecem no interior do comércio ao âmbito da rua. No interior
do morro, verificamos que as ruas/vielas/becos e escadarias são lugares de
hostilidade: além de sermos vigiados, há marcas da ocupação dos traficantes por
todos os lados – buracos de bala e pichações exaltado a facção criminosa nas
paredes, há sofás, cadeiras e coberturas para abrigá-los. Por outro lado, são lugares
onde as pessoas convivem e se apoderam: conversam com vizinhos, realizam
atividades lucrativas e lúdicas, constroem mais um pedacinho da sua casa ou loja.
Retomando o pensamento de Roberto DaMatta, o antropólogo ainda coloca
que há momentos na sociedade brasileira pelos quais as práticas e os significados
da casa invadem a rua e vice-versa, tomando como exemplo o carnaval brasileiro:
nesta festividade popular o público e o privado se confundem, as impessoalidades e
as hierarquias ficam embaçadas. Além disso, afirma que, por termos uma dinâmica
muito familiar, operamos pela lógica do “englobamento”, na qual diante de certas
conveniências, problemas ou relações a rua engloba a casa, ou a casa engloba a
rua.
Observamos os dois movimentos no morro: invasão e englobamento entre a
casa/particular e a rua/público como em outras favelas. A liberdade de apropriação
simbólica do território e as esferas de familiaridade e de intimidade entre os
moradores e destes com os espaços públicos embaçam com os limites físicos,
legais e morais entre a casa e a rua. A pessoalidade experienciada no lugar casa é
vivência no lugar rua: o diálogo e o convívio se expandem pelas ruas, escadas,
becos e vielas do morro.
Dessa forma, o englobamento ocorre porque é possível recriar no espaço
comunitário o mesmo ambiente da casa: seus códigos (fundamentados na família,
na amizade, na lealdade, no sujeito e na intimidade) são expandidos para a
dimensão da rua onde o código é assentado em leis universais. Essa observação
ratifica o que entendemos por Comunidade Mangueira: os moradores se sentem
reconhecidos, seguros e protegidos – qualidades que geralmente não vivenciam
quando estão fora do morro. Por esse motivo, temos situações em que as pessoas
defendem sua comunidade tanto quanto sua casa.
87
As ruas, becos, vielas, em suma, os espaços de circulação são lugares onde
se dão diferentes atividades relacionais, assim como, formas e níveis de interação
entre os moradores. Ao percorrer esses locais, encontramos mangueirenses que
colocam suas cadeiras na rua para uma tarde de conversar com amigos, realizam
serviços de manicure e pedicure em frente de casa para ajudar na renda familiar,
sentam nas escadas à espera dos filhos que regressam da escola, brincam e se
divertem, estendem as roupas em varais improvisados nas grades das janelas,
constroem mais um pedacinho de sua casa nas áreas ainda não ocupadas (Figura
28).
Figura 68 – Em Mangueira, a rua é a casa: um espaço de apropriação, de reconhecimento e de intimidade
Fonte: arquivo de pesquisa.
A Rua Graciete Matarazzo, na comunidade da Candelária, foi o lugar no qual
os moradores reconheceram e destacaram imediatamente a rua como um ponto de
encontro, especificamente o trecho conhecido como Rua de Baixo. Nesta extensão,
temos movimentação de pessoas (e motos) durante todo o dia devido a sua
88
conformação que conta com a Capela Nª Srª da Candelária e sua creche, uma
padaria, alguns bares e tendinhas. Ademais, são realizadas festas juninas, gritos de
carnaval, brincadeiras no dia das crianças e no Natal, apresentações de Folia de
Reis da Sagrada Família da Mangueira: é um lugar que tende a aproximação e as
atividades interativas e coletivas entre os moradores.
Outro destaque desse trecho é a Praça dos Aposentados e Pensionistas. Em
frente ao comércio do senhor Márcio, um grupo de moradores, em sua maioria
pessoas idosas e aposentadas, passa o dia jogando dominó e conversando sobre
assuntos de dentro e de fora da comunidade. Com bancos e cadeiras improvisados,
todos são bem acolhidos e sentem-se em casa (Figura 29). Nesse lugar é criado um
ambiente de lazer coletivo, onde também são organizadas festinhas de aniversário e
churrascos, onde cada um contribui com alguma coisa. Como explica Márcio:
– Cada um traz... A gente faz os papelzinho, coloca numa bolsinha, a pessoa mete a mão ali. “– Po, tirei uma aza.” “ – Po, tirei um prato de salgadinho.” “– Tirei...” Entendeu? Aí, tira e vai anotando no caderno, o nome da pessoa, a pessoa tirou isso. Aí, no dia as pessoas vai trazendo. A gente faz... o que a gente faz? A gente faz só algumas coisas: a gente enche de mesa, a gente arruma a churrasqueira, a gente arma o nosso esquema. A gente arma o nosso esquema, entendeu?61
Figura 29 – Praça dos Aposentados e Pensionistas, um lugar íntimo para os moradores da Candelária
Fonte: arquivo de pesquisa.
61 Entrevista realizada em 19 de agosto de 2013.
89
2.2.4 O Palácio do Samba
Localizada entre as comunidades Buraco Quente e Olaria, a atual sede do
Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira foi um ponto
de encontro destacado até pelas pessoas que não apreciam o samba ou brincam
carnaval. Por causa da visibilidade e relevância da agremiação para a história do
carnaval brasileiro, o Palácio do Samba é um lugar que atrai e reúne pessoas de
diversas partes do mundo.
Entre as atividades que são realizadas nesse lugar, os moradores destacaram
as tradicionais feijoadas e sambas que acontecem aos sábados como as ocasiões
em que se dão interações, (re)encontros, constituição de novos laços entre
moradores e desses com pessoas que não são da comunidade. As festas dos
seguimentos da Escola de Samba, como as Festas dos Compositores, da Bateria e
das Baianas, também foram apontadas como outro momento relevante, pois
recebem tanto os componentes da Estação Primeira quanto os integrantes de outras
agremiações. Durante uma conversa dentro da quadra, Verônica, membro do
Departamento Feminino da Escola de Samba, conta-nos um caso que podemos
identificar a importância da agremiação e do seu samba (evento) para a
conformação de novas amizades:
– A gente conhece muita gente. Tem vezes que você passa na rua “– Oh Verônica!” e você [balança os braços como se estivesse acenando para alguém] ou passa aqui de ônibus... É pessoa do samba. [...] Aí esse grupo chegou e falou assim “– Posso ficar por aqui?” [...] Aí nós conhecemos esse grupo de Minas Gerais. Gente, que pessoas maravilhosas! Eu, assim... De tantas pessoas que a gente conhece... Mas foi, assim, um grupo especial, que eles ficaram com a gente, fez uma amizade como se nós nos conhecêssemos há... Há muito tempo! E foi pra quadra sambar e... Você tá entendendo? Então, no samba a gente tem oportunidade de conhecer muitas pessoas. Pessoas que você nem... Aí, de repente “– Joice!”, “– Fulana!” aí já sai, vem assim de braços abertos pra te abraçar, aquele abração! Você tá entendo? Isso é muito importante! Você conhece pessoas que às vezes você não da... Mas que te trata com tanto carinho que passa ser seu amigo62.
Para a antropóloga Mª Goldwasser, o Palácio do Samba se caracteriza como
a praça e o clube para os moradores do morro: “a escola se faz, para muitos, o
62 Entrevista realizada em 21 de novembro de 2013.
90
centro das reuniões domingueiras, o campo de futebol das crianças, a festa dos fins
de semana a cena de promoções oficiais, o centro da vida comunitária.” (p. 110).
Nesse lugar, os mangueirenses – identificação que agora se equivale aos
moradores do morro e aos torcedores da agremiação – cantam, sambam, brincam,
trabalham, organizam, tocam (Figura 30). Verônica nos relata seu sentimento pelo
lugar e pela agremiação: “– Essa escola, isso aqui é vivo, gente! Isso aqui respira!
Isso aqui é nosso! É um cantinho nosso que... A gente tem uma paixão por essa
escola louca!”63
Figura 30: No Palácio do Samba, mangueirenses e curiosos se inter-relacionam ao som da bateria da agremiação.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Vale destacarmos que o Palácio do Samba não foi o único e o primeiro ponto
de encontro dos mangueirenses; antes mesmo da fundação da Escola de Samba
em 28 de abril de 1928, os moradores evidenciaram os terreiros como um
importante ponto de encontro de sambistas e de pessoas que viviam no morro. Após
a instituição, a primeira sede funcionou até 1959 na entrada do Buraco Quente,
formalmente denominado de Travessa Saião Lobato, em um casarão que
atualmente acomoda as atividades da Associação de Moradores da Mangueira
(Figura 31). O próximo lugar a abrigar a Estação Primeira foi a quadra do Clube
63 Entrevista realizada em 21 de novembro de 2013.
91
Cerâmica, na Candelária. Em uma reportagem64, o mestre sala Delegado conta que,
quando trabalhava na Fábrica Cerâmica Brasileira, solicitou autorização para a
utilização do lugar ao patrão, carinhosamente chamado de Doutor Robertinho, que
consentiu prontamente.
Figura 31- Com tantos curiosos e interessados pela cultura popular, a sede antiga ficou pequena para abrigar um número cada vez maior de frequentadores.
Fonte: FLÓRIDO, 2005, f. 69.
Com a concessão de um terreno próximo ao Buraco Quente pelo Governo do
Estado, o ponto de encontro mais uma vez muda e essa localidade volta a acolher
os ensaios. Durante os dois anos de construção da quadra, 1971 a 1972, foi o
Esporte Clube Garnier, no Rocha, que acolheu aos mangueirenses. Com a
inauguração da sede nova, também conhecida como Palácio do Samba, em 1972, a
Estação Primeira e os mangueirenses não mais precisaram migrar pelo morro e
arredores.
No livro “O Palácio do Samba” (1975), Mª Goldwasse destaca a transferência
da Escola de Samba para outro lugar ser decorrente do acentuado aumento no
64 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eXgQy07Y9xY. Acesso em 30 de agosto de 2013.
92
número de pessoas que frequentavam os ensaios. De acordo com a antropóloga, o
crescente interesse e valorização da cultura popular levaram muitas pessoas da
classe média a caracterizarem, de modo geral, as escolas de samba como “redutos
de conservação ‘das mais autênticas tradições da música popular brasileira’.”
(GOLDWASSER, 1975, p. 44), atraindo cada vez mais adeptos e curiosos.
Mª Goldwasser ainda frisa que a entrada de outras pessoas na Escola de
Samba introduziu uma variável desconhecida na experiência interna da Estação
Primeira: a impessoalidade do trato das relações sociais. Como explica a autora:
É presumível que não tivesse, de início, esse alargamento se estendido muito além do círculo habitual de freqüentadores da Escola, ou, pelo, menos, não tivesse ultrapassado de muito o nível social das camadas tradicionalmente associadas a essa modalidade de agremiação, porque é comum entre os frequentadores mais antigos da Mangueira distinguir-se certas rede de relações muito particularmente adensadas e desdobra-se o conjunto como uma cadeia de pequenos círculos sociais interligados, mas definidamente demarcados. Esses círculos centralizam-se em torno de certas figuras ou grupos nucleares, fundados em geral sobre o princípio de parentesco ou de vizinhança [...] (GOLDWASSER, 1975, p. 45)
A partir de conversas com integrantes da escola durante três eventos65 no
Palácio do Samba, verificamos que ainda existem relações de parentesco ou de
vizinhança no interior da agremiação, como nas conformações das alas, assim como
redes de relações que se adensaram com o tempo. Durante a entrevista com
Verônica, por exemplo, descobrimos que seus familiares também estão envolvidos
na Escola:
– Seu marido também faz parte? – Faz. Ele é da bateria. Filho, neto, genro, sobrinho... aqui nessa bateria deve ter umas seis, oito cabeças da minha família. Homens. Muita gente. Meu marido tá até na Velha Guarda da Ala da Bateria.66
Entretanto, também observamos que Estação Primeira tem expandido seus
círculos sociais e acolhido qualquer pessoa interessada em conhecer e/ou participar
de suas atividades, como as passistas de outras nacionalidades. Por esse motivo, o
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira foi identificado pelos integrantes e
moradores do morro como um amálgama de pessoas de diferentes classes,
gêneros, etnias e idades independente do lugar onde ele se desenvolva. 65 Escolha do Samba em 14 de setembro de 2013; Festa da Ala das Baianas em 10 de novembro de 2013; Escolha da rainha de bateria da Mangueira do Amanhã em 24 de novembro. 66 Entrevista realizada em 21 de novembro de 2013.
93
2.2.5 Fundação
A partir de 1947, uma parceria entre a Igreja Católica e a prefeitura da cidade
do Rio de Janeiro criou a Fundação Leão XIII: uma instituição dedicada à
“‘assistência material e moral dos habitantes dos morros e favelas do Rio de
Janeiro’” (VALLA, 1986 apud, VALLADARES, 2005). Na verdade, Fundação Leão
XIII foi uma estratégia dos setores conservadores da cidade que se sentiram
ameaçados diante da organização que começava a se firmar nas favelas, traduzida
pelo slogan “é necessário subir o morro antes que os comunistas desçam” (LIMA,
1989 apud ZALUAR, 2006).
Chamada pelos mangueirenses apenas de Fundação, a Fundação Leão XIII
de Mangueira está localizada na Rua General Bento Ribeiro, no alto do Morro dos
Telégrafos, e presta alguns serviços básicos aos moradores como, emissão de
documentos e exames de saúde67. Em 2013, o Sistema FIRJAN68, por meio do
programa SESI Cidadania e em parceria com a Fundação Leão XIII, inaugurou na
mesma área da Fundação o “Espaço SESI/SENAI Mangueira” para promover
diferentes atividades gratuitas para os moradores69: reforço escolar, cursos
profissionalizantes nas áreas de elétrica, construção civil e mecânica de motos,
cursos de educação básica para jovens e adultos, aula de idiomas e atividades
esportivas.
67 De acordo com informações do site da instituição, a fundação Leão XII tem com atribuição “atuar como órgão executor das políticas de assistência social do Estado do Rio de Janeiro, exercendo as funções de assessoramento, gerenciamento, coordenação de programas e projetos sociais, articulando e / ou implementando serviços assistenciais de âmbito regional ou local no que for necessário, quando constatado não atendimento da demanda pelos municípios.” Disponível em: http://www.leaoxiii.rj.gov.br/ Acesso em: 04 dez. 2013. 68 O Sistema FIRJAN é um importante parceiro das empresas do Estado do Rio de Janeiro na busca pelo desenvolvimento. As cinco organizações que compõem o Sistema (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN, Centro Industrial do Rio de Janeiro – CIRJ, Serviço Social da Indústria – SESI, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e Instituto Euvaldo Lodi – IEL) trabalham a fim de garantir uma posição de destaque para a indústria fluminense nos níveis político, econômico e social do cenário nacional. Informações disponível em: http://www.firjan.org.br/. Acesso em: 04 dez. 2013. 69 Informação disponível em: http://www.firjan.org.br/data/pages/2C908CEC3E3365F6013E80971E6A790A.htm. Acesso em: 04 dez. 2013.
94
Das áreas que compreende a Fundação, como as salas de aula e a
biblioteca, a quadra de esportes foi evidenciada pelos moradores devido à
pluralidade de atividades realizadas. Além das aulas de ginástica para as pessoas
da terceira idade, a quadra sempre é animada com partidas de futebol das crianças
e, aos finais de semana, com o campeonato de queimada realizado por um grupo de
adultos. “– Vem gente de fora jogar queimado aí. Esse queimado é pesado mesmo!
Eles jogam pra valer!”70, conta Rose, moradora do morro e funcionária do Espaço
SESI/SENAI Mangueira. Aos sábados à noite, a quadra abriga o baile “pago funk”71
do Boca Miúda: prática que começou a ser reativada não só no Telégrafos, mas
também na Candelária após a entrada da UPP72.
Lembram os mangueirenses que a quadra também abrigava Festas Juninas e
os ensaios do Bloco Feitiço é Nosso, principal adversário do Bloco Balanço da
Mangueira nas competições do Banho de Mar à Fantasia. Vale destacarmos que as
cores branca e azul do bloco eram vistas pelos moradores de outras localidades
como um afronte ao verde e rosa da Estação Primeira e a principal causa de sua
derrota para o bloco rival – Balanço da Mangueira – que tinha as cores da
agremiação.
2.2.6 Clube do Cerâmica
A linha de contorno da base do Morro da Mangueira era um polo industrial no
século passado. A proximidade do centro comercial e de exportação do Rio de
Janeiro e a farta mão de obra morando no morro e arredores atraíram inúmeros
empresários para investirem na região. As empresas, que se diversificavam quanto
aos produtos fabricados – café, alumínio, sorvete, queijo, ladrilhos, pastilhas, entre
outros –, sempre deram suporte aos moradores, especialmente em momentos de
festividades, com doação de alimentos e brindes. Devido ao aumento da
criminalidade, muitas fábricas fecharam e/ou se transferiram.
70 Entrevista realizada em 03 de dezembro de 2013. 71 Baile cujos ritmos musicais pagode e funk se revezam durante sua realização. 72 Com a entrada da UPP na comunidade, todos os bailes foram encerrados devido a sua proximidade com o tráfico de droga.
95
A fábrica que os moradores narram com mais afeto e saudosismo é a
Companhia Cerâmica Brasileira, localizada na vertente sul do morro, na comunidade
Candelária. A fábrica, de grande estrutura e intensa produção de ladrilhos e
pastilhas, demandava um grande número de funcionários – muitos já moradores da
comunidade e outros migrantes, vindos do estado de Minas Gerais que, por
conseguinte, acrescentaram a densidade no morro, constituindo novas redes sociais
e relações de parentesco que nos chegam até hoje.
A proximidade e simpatia que a família Ludolf (proprietária da fábrica) tinha
por seus funcionários alcançavam também as práticas vivenciadas no morro: os
esportes, as festas, as danças, as músicas. A partir do discurso de algumas pessoas
que foram funcionárias da fábrica, percebemos que a afinidade entre as partes – a
família Ludolf e a comunidade – acarretou a fundação de uma área de
lazer/esportiva ao lado da fábrica, denominada de Clube Cerâmica: mais um lugar
para manifestações dos mangueirenses, para a constituição de outras redes sociais
e a novas práticas relacionais.
Contam os moradores que o Clube Cerâmica ficava aberto diariamente e que
era gratuito para eles. O lugar tinha quadra de basquete, futebol de salão, mesas de
pingue pongue e totó, um salão interno, ou seja, uma grande área de lazer.
Contando com essa estrutura, lembram os moradores que os momentos auges entre
as atividades realizadas nesse clube eram os concursos de Rainha da Fábrica e
Rainha da Primavera e, principalmente, os Bailes Black e Soul que aconteciam
todos os domingos, terminando à meia noite.
Apuramos que os bailes do Clube Cerâmica eram frequentados tanto por
adultos quanto por adolescentes cujos responsáveis deixavam participar porque
sabiam que o lugar apresentava segurança: sem tráfico, brigas ou assédio (Figura
32). “– Era bom! Era ambiente! Era ambiente mesmo, legal. Você não via, não tinha
tóxico, não tinha nada. [...] Era lazer mesmo. Era um baile de lazer. Não tinha pouca
vergonha não."73, lembra Ciça, que só podia ir ao baile após a autorização de sua
mãe. Por ser um ambiente reconhecidamente aprazível e seguro, mangueirenses de
todo o morro se encontravam e se conheciam no Clube do Cerâmica, formavam
laços de afetividade e confiabilidade, constituindo uma nova rede social que envolvia
também seus familiares. Como conta Ciça:
73 Entrevista realizada em 26 de dezembro de 2013.
96
– E todo mundo era do morro. Aí, descia todas as comunidades. Não era só Buraco Quente, Candelária. De tudo quanto é lugar! Você passava a conhecer as outras pessoas. "Você mora onde?" "Eu moro lá" Aí, quem tivesse caro... Aí, o que que acontecia, assim, você morava lá em cima do morro, eu tinha caro, eu levava você pra sua mãe saber que você tava chegando em casa. Era assim antigamente aqui. [...] Era bom mesmo! Tempo bom, minha filha!74
Figura 32 – Com bandas tocando ao vivo, mangueirenses de todas as partes do morro se encontravam nos bailes do Clube Cerâmica
Fonte: arquivo de pesquisa.
Durante uma entrevista com Márcio, morador da Candelária, descobrimos que
ele e um grupo de amigos, adolescentes na época, criaram o Bloco Amarelinho –
embrião do Bloco Balanço da Mangueira – a partir de uma brincadeira dentro do
Clube Cerâmica. Conforme revela Márcio com orgulho:
– Foi ali que começou, no pingue pongue. Aí nós começou com o Bloco os Amarelinho. Aí depois do Bloco os Amarelinho, passamos pro Balanço da Mangueira. Aí fomos crescendo, o bloco foi crescendo. A gente começamos no pingue pongue.75
Dado esse contexto, é importante frisarmos que os lugares como o Clube do
Cerâmica, ou seja, os pontos de encontro de pessoas de diferentes localidades do
morro, estão deixando de existir da comunidade, sobretudo em consequência das
intervenções do estado e do poder paralelo. Como resultado, as dinâmicas que
aconteciam entre os moradores da toda a Mangueira foram exauridas, outras
esvaziadas, como o concurso de Rainha da Fábrica, os jogos de carta do grupo
“Rola Acampada” e as partidas de futebol na Candelária. Atentamos ainda que cada 74 Entrevista realizada em 26 de dezembro de 2013. 75 Entrevista realizada em 19 de agosto de 2013.
97
eventual espaço na comunidade é propício à geração de outras formas de
interações e de novos enlaces e redes sociais. É uma comunidade de sociabilidade
pujante: os moradores estimam estar em contato com outras pessoas. Eles buscam
e proporcionam o encontro e a interação de diferentes maneiras; e os lugares são a
base onde as inter-relações podem se efetivar.
2.2.7 Associação de Moradores
De acordo com os mangueirenses, a associação de moradores tem um
importante papel no morro: ela é responsável por conseguir melhorias para a
comunidade, de resolver qualquer imprevisto, de apaziguar conflitos e de organizar
atividades para as crianças, por exemplo. Apesar de representar, de ser a voz dos
mangueirenses, o que foi narrado é que a associação e suas lideranças são
escolhidas e comandadas pelos “donos do morro”, que mandam e desmandam em
todo território.
Na pesquisa em campo, verificamos que existiam quatro associações de
moradores no morro: Buraco Quente, Telégrafo, Chalé e Candelária; cada qual
independente da outra, com liberdade de ação e seu próprio presidente.76
Entretanto, houve um movimento paralelo que desativou a associação de moradores
da Candelária e do Chalé, e deixou a cargo da Associação de Moradores do Buraco
Quente as atividades e os representantes comunitários. Ela passou a ser conhecida
como Associação de Moradores da Mangueira, com uma “filial” no Telégrafos na
mesma sede da antiga associação da localidade.
Nas entrevistas com os moradores, apenas a Associação de Moradores da
Candelária – AMOC - apresentou relevância às interações sociais. A mais antiga da
Mangueira e muita ativa durante seu período de funcionamento, a AMOC além de
assistir os moradores da localidade, organizava diferentes eventos, como as rodas
de samba, bailes e gritos de carnaval que reuniam muito moradores. O lugar
76 Ainda que não consigamos precisar esse dado, presumimos que esse quadro tenha se mantido até a década de 1990, pois o último registro que encontramos de participação de todos os presidentes foi no período do Favela-Bairro.
98
também foi ponto de encontro dos foliões que se divertiam e ensaiavam o Bloco
Balanço da Mangueira para as disputas do Banho de Mar à Fantasia.
A área em torno da AMOC também tinha seu significado. Um muro era o
ponto de encontro para quem queria coversar no final da tarde ou namorar durante
toda a noite. Como lembra Elcir, morador da Candelária desde que nasceu:
“– Só lá na AMOC mesmo, só na associação. Porque o pessoal que estava em torno dela, assim, mais pra cima, tinha um murinho onde agente sentava e ficava conversando, entendeu? Tinha fluxo de pessoa o dia inteiro praticamente.”77
Devido as obras do programa Favela-Bairro, toda a área ao redor da AMOC foi
modificada e o muro demolido, dando lugar aos "Predinhos Rosa"78.
Constatamos, desse modo, que cada pequeno detalhe, cada lugar
aparentemente irrelevante no morro, como o murinho da AMOC ou uma escadaria, é
muito significativo para os mangueirenses. Os espaços são apropriados por pessoas
próximas, com vínculos construídos no convívio cotidiano e/ou familiar; as ligações
que elas possuem vão estabelecendo significações nesses espaços. Retomando os
pensamentos do geógrafo Tuan (1983, p. 6): “O processo de significação dos
espaços decorrentes da sociabilidade é primordial, pois é o sentido depositado no
espaço o converte em lugar (de sentido, reconhecimento e pertencimento).”
2.2.8 Centros religiosos
Nas igrejinhas, capelas ou assembleias espalhadas pelo morro (Figura 33),
verificamos que as pessoas se relacionam durante as missas ou cultos, e nos
eventos organizados pelas lideranças desses lugares, como café da manhã, bingo e
retiros em sítios ou passeios na Basílica de Nossa Senhora Aparecida em São
Paulo.
77 Entrevista realizada em 23 de setembro de 2013. 78 Maneira pela qual os moradores denominam os prédios cor de rosa construídos nas obras do programa Favela-Bairro em Mangueira.
99
Figura 33 – Alguns centros religiosos na comunidade
Fonte: arquivo de pesquisa.
Dentro de Mangueira somam três capelas católicas, nas localidades
Candelária (Capela N. Sr.ª da Candelária), Buraco Quente (Capela N. Sr.ª da
Conceição) e Telégrafos (Capela N. Sr.ª de Todos os Povos). Os moradores
católicos explicam que esses lugares apresentam atividades durante a semana,
como aulas de catequese e crisma, e que nas missas dominicais eles chegam à
lotação máxima, obrigando muitos católicos a participarem de pé durante toda a
100
celebração eucarística. Eles afirmam ainda que os diáconos, coroinhas e demais
pessoas que auxiliam nas celebrações e no funcionamento da igreja também são da
comunidade; apenas os padres são de outras cidades ou estados.
Em questão de quantidade, passamos por inúmeros outros centros religiosos
durante um percurso da base ao topo do morro: Igreja Universal, Igreja Adventista,
Assembleia de Deus, Igreja Batista. As atividades realizadas nesses pontos de
encontro variam: cultos, momentos de oração, escolinha dominical, estudos bíblicos,
entre outros, cada uma com seu dia e horário determinados.
Nas entrevistas, os mangueirenses destacaram que os lugares “evangélicos”
têm levado à conversão de um número cada vez maior de moradores que, por sua
vez, deixam de frequentar outros pontos de encontro e dinâmicas sociais, como a
quadra da Escola de Samba, os grupos de carteado, as festas juninas e a folia de
reis. Desse modo, presumimos que a religião também é uma força de mudança
dentro da comunidade. Conforme observamos na fala de Rose:
– O [Clube] Cerâmica eu frequentei muito. Na época que ia pro baile, hoje em dia eu sou evangélica, sou cristã. Então, não vou mais pra baile, pra samba da Mangueira. Tem até um pessoal aqui do trabalho que fica “– Vamos na Mangueira! Vamos na Mangueira!”. Aí eu falei: “– No samba eu não vou mais.” Mas eu já fui muito pra samba.79
As pessoas entrevistadas deram seu depoimento de que os moradores
seguidores da umbanda, do candomblé ou de outra religião ou seita praticam seus
rituais fora do espaço do morro. Ademais, elas afirmaram desconhecer a existência
de terreiros ativos na comunidade. Gilmar, baluarte da Escola de Samba, narra que
a Estação Primeira foi fundada no terreiro da sua bisavó, Tia Fé, e que existiam
alguns terreiros e pais e mães de santos antigamente em Mangueira. Por ser
praticante, Gilmar lembra que, quando adolescente, frequentou o terreiro do senhor
Jovino, na localidade Joaquina, e acompanhava sua madrasta ao terreiro do seu
João, na Candelária. Quando questionada sobre a existência de terreiros
atualmente, Gilmar foi bem firme em sua resposta: “– Não, agora não. Agora todo
mundo virou crente.”80 Em outras conversas, alguns moradores recordam que no
Buraco Quente existiram os terreiros da Dona Ednéia e Dejanira, famosos por sua
farta distribuição de doces no dia de São Cosme e São Damião.
79 Entrevista realizada em 03 de dezembro de 2013. 80 Entrevista realizada em 10 de dezembro de 2013.
101
Destacamos que a ausência de terreiros, assim como de moradores
praticantes de religiões afrodescendentes não é uma característica particular de
Mangueira. O fenômeno também acontece em outras comunidades cariocas e é
gerado, principalmente, por traficantes protestantes que formam o “Exército de
Jesus”. Alguns casos de intolerância religiosa nas favelas foram destacados pela
imprensa em setembro de 2013, por exemplo: uma mãe de santo foi expulsa do
Complexo do Lins e outra recebeu avisos de que suas atividades não eram bem
vindas no Parque Columbia por traficantes que frequentavam a igreja evangélica.
2.2.9 Bicas d’água
A carência também leva à inter-relação no Morro de Mangueira. Em algumas
conversas, os moradores explicitaram que as pessoas são solícitas e acolhedoras
quando percebem que alguém da comunidade está vivendo um momento de
dificuldades ou tristeza. Ciça e Rose contam, respectivamente, como agem os
mangueirenses:
– Ajuda, ajuda. Na hora da dor, não tem como você passar por cima. Não tem como, não tem como. Tem que ser muito ruim. Você não acha? Muito ruim. [...] 81 – Aqui é um lugar, assim, bom. O pessoal é muito, né? Chegado um ao outro. Você tem, você sente o calor humano, né? Na comunidade. Diferentes de muitos lugares aí que tem; você tem que sentir... É frio. Você pode contar com todo muito. Se você passar mal, tem um, tem outro e tal. Pode tá sempre contanto com as pessoas que estão a sua volta. Um pessoal legal.82
No entanto, nem todas as carências conseguem ser sanadas pelos próprios
moradores. Para as pessoas terem acesso aos serviços básicos, por exemplo, não
apenas a Mangueira, mas as comunidades de modo geral contam com a ajuda de
“padrinhos”, ou seja, políticos que trazem benefícios aos moradores. De acordo com
os pesquisadores Pandolfi e Grynszpan, no trabalho intitulado "Poder Público e
Favelas: uma relação delicada" (2002), os contatos entre líderes das associações de
moradores e políticos abriram a favela para a prática da troca/venda de votos,
81 Entrevista realizada em 26 de dezembro de 2013. 82 Entrevista realizada em 03 de dezembro de 2013.
102
visando investimentos na localidade, constituindo currais eleitorais e práticas
clientelistas.
Nos anos de 1960 e 1970, período de poucas políticas públicas específicas
para as favelas, surgiram ações que ficaram conhecidas como “política da bica
d’água”: os parlamentares intermediavam entre os moradores e o poder público
(ZALUAR e ALVITO, 2006) e privatizavam algumas atribuições do estado. Práticas
que nos chegam até hoje, como a distribuição de gás, o serviço de segurança, o
calçamento, a rede de esgoto e os centros sociais e de saúde. Na comunidade da
Candelária, por exemplo, há um posto de saúde que só presta serviços médicos em
época de eleição.
Durante o século passado, a carência de água encanada em todo o morro foi
o principal meio dos políticos para a conquista de votos através da instalação de
bicas d’água. Os moradores Célio e Roberto lembram algumas personalidades e
suas ações em Mangueira, respectivamente:
– Caldeira foi um dos primeiros políticos que teve. O morro não tinha saneamento nenhum. Ele conseguiu colocar um cano de ferro para lá com uma biquinha. Então, o morro todo pegava água ali. Aí botou em três pontos diferentes... 83 – Me lembro que na época aí quem botou essas bicas foi Graciete Matarazzo, que é o nome dessa rua aqui. É o nome dessa rua aqui. Dava brinquedo pra gente quando era criança.84
Na memória dos mangueirenses, as bicas d’água eram outro ponto de
encontro em Mangueira. Os moradores que realizaram várias viagens pelos becos
carregando na balança85 suas latas de água e aqueles que escutam as lembranças
de seus familiares mais velhos contam que as filas e os tanques das bicas d’água
eram ao mesmo tempo um momento de festa e briga, um lugar onde era possível
saber tudo o que se passava no morro. Além de buscar água, era comum as
mulheres lavarem roupas, tanto de seus familiares quanto de famílias que pagavam
pelo serviço, e os homens e as crianças tomarem banho. Os moradores Arthur,
Gilmar, Elcir e Roberto narram algumas de suas lembranças, respectivamente:
83 Entrevista realizada em 08 de novembro de 2013. 84 Entrevista realizada em 26 de agosto de 2013. 85 Nome dado ao modo das pessoas carregarem nos ombros uma vara de madeira com uma lata de água presa em cada uma das extremidades.
103
– Ah! Tinha briga! Tinha... ô... [risos] a gente brincava que... tinha uma senhora, que ela morava do lado da bica. Então, quando a água chegava ela já era a primeira, né? Dona H. Enquanto ela não enchesse o latão dela, minha filha, ninguém entrava na fila! Aí, sabe o que o eu fazia? Eu era esperto! Eu tinha um montão de lata. O que que eu fazia, falava para ela: "A senhora vai encher as minhas latas, mas... eu vou encher o seu barril..." Aí, ela ia enchendo as latas dela e eu carregava. Eu carregava para ela. Aí, de 2 em 2, ela enchia uma para mim. Aí eu ia botando as minhas [latas] tudo ali. Aí quando acabava de encher o barril dela, as minhas latas estavam tudo cheias. Aí o que eu fazia? Aí eu começava a carregar [as minhas latas].86 – Porrada! Como saia porrada! Fazia fila de lata, de vez em quando saia porrada, latada...87 – Se você quiser saber de alguma coisa, vai lavar roupa. “O seu fulano, falaram de...” [risos] Então, lavava roupa fazendo fofoca. Sempre saia briga, porque... Eu cheguei primeiro, mas ele chegou era mais forte um pouquinho queria encher a lata na minha frente e eu não deixava, entendeu?88
– Ficava fila! Não podia furar fila não, senão dava uma briga danada! Se botasse uma lata na frente da outra ali, de madrugada. Eles botavam uma balança, uma madeira, né? A lata tinha alça, né? Ai botava a laça assim... Aí carregava uma lata na frente e a outra a trás. Ai botava no ombro e subia o morro. Na dificuldade mesmo o pessoal. [...] Ficava a madrugada todo pegando água. Você escutava o barulho da lata a noite toda, entendeu? Era difícil, entendeu?89
Uma particularidade desses pontos de encontro é que a interação se dava
entre os moradores de uma mesma localidade, pois cada uma tinha suas bicas
d'água e seus tanques mais próximos, entre elas, Cabine (na linha de trem),
Veterinária e Graciete Matarazzo na Candelária, Caldera nos Três Tombos, Trinta e
Viaduto no Buraco Quente, e também no Morro dos Telégrafos (esta não foi
identificada por nenhum nome particular). Ciça conta sua lembrança sobre a bica
próxima a sua casa:
– A minha mãe não deixava a gente pegar água. Pagava... Porque a nossa água você tinha que atravessar a rua e descer um barranco que era o tal de registro berado à linha de trem, a rede ferroviária, e era muito perigoso. [...] Aí minha mãe não deixava que era muito perigoso. E ali tinha uns homens muito abusado. Ficava ali só pra ver as menininhas. Então, minha mãe pagava [...] tinha uns galão grandão.90
É importante destacarmos que a única bica d'água ativa é do Largo do
Pedregulho, mas conhecida como “Biquinha do Leão”. Construída por D. Pedro II em
86 Entrevista realizada em 26 de agosto de 2013. 87 Entrevista realizada em 10 de dezembro de 2013. 88 Entrevista realizada em 23 de setembro de 2013. 89 Entrevista realizada em 26 de agosto de 2013. 90 Entrevista realizada em 26 de dezembro de 2013.
104
1880, contam os moradores que ela foi muito utilizada pela sanar a sede dos
cavalos da tropa do Império e para abastecer a população que começava a crescer
na região, vertente norte do morro. Entre as demais, localizamos apenas o marco da
bica d'água Graciete Matarazzo, na subida de uma escadaria na Candelária.
Entretanto, com a modernização do sistema elétrico da localidade, o lugar não foi
respeitado pela equipe da Light: foi instalado um poste de luz na frente da bica
(Figura 34)91.
Figura 34 – Os pontos de encontro e seus marcos de memória são desrespeitados pelas intervenções públicas que acontecem na comunidade
Fonte: arquivo de pesquisa.
2.2.10 Além Mangueira
Além dos pontos de encontro identificados pelos moradores de dentro ou dos
arredores do morro, também foram apontados lugares além de seu território. São
91 Junto ao coletivo de arte O Círculo, aspiramos à realização de uma intervenção artística onde as bicas d’água estavam localizadas no morro e arredores.
105
espaços significativos por fazerem parte de alguma prática realizada pelos
mangueirenses, como aproveitar um dia de sol e usar recursos tecnodigitais online.
Entre os lugares “além Mangueira”, os moradores destacaram as praias do
Flamengo, Arpoador e Leme, sendo esta mais conhecida como “Praia do Oi”. O
apelido se deve por todos que ali estão serem conhecidos, tendo que cumprimentar
as pessoas conforme caminham pela praia: “– Oi! Oi! Oi!”. Com a criação da linha de
ônibus 462, que possui um ponto de parada em frente à antiga discoteca Help em
Copacabana, esse lugar também passou a ser identificado como “Praia do Oi”
atualmente. Como explicam o casal de moradores Luana e Ailson:
– Agora é o Help. A antiga Help, em Copa. Porque inventaram aí o 462 em 15 minutos, aí a melhor... – Aí todo mundo só vai para ele [ônibus 462] – 15 minutos! É rapidinho! Então, ele é a melhor viagem que tem; é 462. Falou em 462, a gente tá Help. E todo mundo se encontra na Help. [...] – Parecia que nego segue a gente. A gente mudava de praia e começava a encontrava gente do morro. Nos primeiros dias que eu ia para praia, acho que foi até o primeiro ano, não é? Pô, a gente não via ninguém... [...] Não via ninguém! Aí depois foi, meu deus do céu! Era só "Oi! Oi! Oi! Oi!" e rapaz!92
Para os moradores da Candelária, esse trecho da praia de Copacabana
também é chamado de “Acapulco”. O apelido tem origem em um episódio da série
mexicana “Chaves” em que as pessoas que moram em uma mesma vila se
hospedam de modo imprevisto no mesmo hotel na cidade litorânea de Acapulco, no
México. Assim, os moradores da vizinhança passam as férias juntos, estendendo
suas brigas, confusões e implicâncias para esse outro lugar. Durante um dia
ensolarado, o morador Douglas expõe como identifica a praia:
– Copacabana, Copacabana. Copacabana em frente a Help. Tradicional Praia do Oi ou Acapulco. Não tem o Chaves, que foi pra Acapulco? [...] Hoje Acapulco tá cheia. – Vocês chamam assim, Acapulco? – É. Eu vejo, assim, “Vai pra Acapulco?” Já sabe que é aquele lugar lá em Copacabana. – Encontra a Candelária toda lá? – É. Candelária toda. Aí rola aquele comentário: “Vai pra Acapulco?” Farofada...93
92 Entrevista realizada em 13 de setembro de 2013. 93 Entrevista realizada em 13 de setembro de 2013.
106
Com o desenvolvimento das tecnologias contemporâneas94, um novo ponto
de encontro surgiu para as interações entre os moradores: o Facebook. Através
desse site de redes sociais95, as pessoas da comunidade geram, expandem e/ou
mantêm conexões com outras pessoas de dentro ou de fora do morro. Nesse caso,
a interação se dá através da conversação – síncrona e assíncrona – mediada por
computador.
Observamos que esse ambiente online é frequentemente acessado pelos
mangueirenses, especialmente pelo celular e nas lan houses. Como colocou um
morador: “– É uma praga!”. Ele proporciona a continuidade de laços relacionais e de
redes sociais dos mangueirenses mais jovens e adultos que cresceram e/ou
estudaram juntos e que agora não estão mais geograficamente próximos. Conforme
conta a moradora Eliana:
– É pelo Face que eu encontro com três colegas minhas que estudaram comigo no CIEP Nação Mangueirense e que moram aqui e que moram em outra parte do morro. Eu converso com elas ou colegas que moravam aqui, estudaram comigo, que moraram aqui e que agora moram em outro lugar e que eu reencontrei no Facebook.96
Após acompanharmos o perfil do Facebook dos mangueirenses que
entrevistamos durante o processo de pesquisa, observamos que as publicações
estão atreladas às práticas relacionais da comunidade: os churrascos e as festinhas
que acontecem nas ruas, as atividades esportivas da Vila Olímpica, os sambas no
Palácio do Samba. As interações estão centradas na troca de comentários entre as
pessoas, geralmente alguma lembrança do momento compartilhado ou gracejo da
situação.
No Facebook, encontramos, ainda, quatro grupos com o nome “Mangueira”:
dois de moradores da Candelária e dois da Escola de Samba. Por serem grupos do
tipo fechado, não conseguimos investigar as relações nesses lugares. Na categoria
páginas, localizamos apenas da “nação mangueirense” (GOLDWASSER, 1975), ou
seja, dos apaixonados pela Escola de Samba. São elas: “Estação Primeira de
94 “Por novas tecnologias entendemos a fotografia, o cinema e o vídeo. Por tecnologias contemporâneas, as computacionais.” (VENTURELLI, 2004, p. 11) 95 Der acordo com Recuero (2011, p. 102-103), “são os espaços utilizados para a expressão das redes sociais na Internet [...] Embora os sites de redes sociais atuem como suporte para as interações que constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes sociais. Eles podem apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é importante salientar que são, em si, apenas sistemas. São os atores sociais que utilizam essas redes, que constituem essas redes.” 96 Entrevista realizada em 20 de agosto de 2013.
107
Mangueira”97, apresentada como a página oficial da agremiação, “Mangueira é
Nação”98 e “G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira”99, ambas administradas por
torcedores. Nessas páginas, as pessoas divulgam e travam sérias discussões sobre
tudo que envolve a Escola de Samba – a administração da nova presidência, os
desfiles oficiais e técnicos, os eventos da quadra, a escolha do samba enredo, os
ensaios das alas, a entrega, devolução e venda de fantasias, entre outros.
Ao expandirmos nossa pesquisa online, verificamos a comunidade não possui
nenhum site que informe os acontecimentos do morro, de maneira que o morador
possa estar conectado com toda sua comunidade, como na página “Rocinha.Org”,
site da favela da Rocinha100. Por outro lado, encontramos “Mangueira online”: um
site de classificados que reúne serviços oferecidos aos mangueirenses, como
manicure, pintor, frete, pizza, entre outros. Entretanto, parece estar abandonado e
não ter muito acesso: o contador marca 308 visitações. Em sua página no
Facebook, a última publicação data 27 de setembro de 2013. Localizamos também o
blog de uma moradora adolescente101 que promove a conscientização da
comunidade sobre diferentes assuntos – drogas, gravidez na adolescência, violência
contra animais – e da Associação Mulheres e Meninas do Morro102, onde são
divulgadas as atividades desenvolvidas pela ONG do mesmo nome. Os demais sites
que abordam a Mangueira tratam de assuntos relacionados à Escola de Samba,
projetos sociais e espaços culturais; entre eles: “Escola de Samba Estação Primeira
de Mangueira”103, “Torcida Nação Verde e Rosa”104, “Ala dos Compositores da
Mangueira”105, “Instituto Mangueira do Futuro”106, “Centro Cultural Cartola”107.
97 https://www.facebook.com/GRESEPMangueira . Acesso em 19 de junho de 2013. 98 https://pt-br.facebook.com/pages/Mangueira-é-nação/166644060202104. Acesso em 19 de junho de 2013. 99 https://www.facebook.com/G.R.E.S.EstacaoPrimeiraDeMangueira. Acesso em 19 de junho de 2013. 100 http://www.rocinha.org/. Acesso em 06 de janeiro de 2013. 101 http://raphaellamoreninhah.blogspot.com.br/. Acesso em 28 de novembro de 2013. 102 http://www.meninasemulheresdomorro.org.br/. Acesso em 08 de setembro de 2013. 103 http://www.mangueira.com.br/. Acesso em 19 de junho de 2013. 104 http://www.nacaoverdeerosa.com.br/. Acesso em 19 de junho de 2013. 105 http://www.mangueiracompositor.com/. Acesso em 19 de junho de 2013. 106 http://www.mangueiradofuturo.com.br/. Acesso em 08 de setembro de 2013. 107 http://www.cartola.org.br/. Acesso em 08 de setembro de 2013.
108
3 “FALA MANGUEIRA, FALA!”108
3.1 A Candelária e o Jornal Bate Boca
No princípio da investigação, imaginava-se que a comunidade mangueirense
fosse homogênea, uniforme e fechada, principalmente devido à cultura comunitária e
aos laços relacionais observados. Posteriormente, percebi ser ali um território plural
e repartido, com significativas diferenças. Observei que até a forma de ocupação do
espaço não se apresenta de forma coesa: os casebres se tocam na parte superior,
mas a base é separada por comércios, bares, antigas fábricas e vilas residenciais.
Em cada localidade que adentrava e com cada morador que conversava era
possível conhecer, sentir e vivenciar uma divisão em ilhas de convívio, um
arquipélago com momentos de rivalidade, outros de indiferença.
Foi junto aos moradores da Candelária que esse sentimento foi mais latente e
visível. Localizada na extrema direita, próxima à Quinta da Boa Vista, a Candelária
parece ser uma comunidade à parte (Figura 35). De modo geral, o que se entende
por Mangueira é a área próxima do Palácio do Samba, conhecida como Buraco
Quente, e a parte superior do morro, onde é possível identificar à distância o
principal aspecto que caracteriza a visualidade das favelas, ou seja, um aglomerado
de casas que se constituiu através da apropriação ilegal do espaço.
Figura 35 – Mapa: usualmente, reconhecemos como mangueira a área do Buraco Quente. De frente para o morro, temos a Candelária na estrema direita
Nota: Marcações sobre mapa do Google Earth. Fonte: Google Earth.
108 Trecho da música “Fala Mangueira”, de Mirabeu e Mílton de Oliveira.
109
A distância, porém, não é apenas física, mas também identitária: “nós da
Candelária” e “eles”. Os moradores da Candelária expressam que as situações que
acontecem do outro lado do morro não chegam e/ou não interessam a eles e vice
versa, reforçando o distanciamento e a falta de relação entre as partes. Entre os
motivos da segregação, eles narraram que a localidade sempre foi vista como
privilegiada, ou seja, as melhorias, os benefícios seriam sempre destinados a essa
localidade – fato que negam e argumentam ser o Buraco Quente o beneficiado.
Explicam ainda que as escolhas do samba-enredo e as partidas de futebol
reforçavam a divisão e a rivalidade antigamente: as disputas eram ferrenhas e
acirradas. Em algumas poucas e rápidas falas também destacaram as brigas por
território entre os “donos do morro” e a agressividade dos mangueirenses de outras
localidades. Como contam os moradores Ailson e Luciano, respectivamente:
– A rixa já é antiga, milenar. Porque, segundo os mais velhos, a gente sempre foi considerado Zona Sul. Tá entendendo? Sempre foi considerado Zona Sul dentro da Mangueira, a Candelária.109 – Eles batiam na gente. A gente batia neles. [...] Tudo de lá. Aqui não tinha muito essas coisas não, entendeu? Aí, sempre foi guerra. [...] De vez em quando eu ia lá porque tinha um colega lá até maneiro. [...] Aí eu ia lá, eu ia lá. Mas eu não gosto de lá não [...] é uma brigalhada.110
Como hipótese dessa distinção, destaco os diferentes grupos de migrantes
que se fixaram no morro, em especial os mineiros e nordestinos; uma ocupação
regional do território, reverberando sociabilidades diferentes. Nesse viés, observo
que existem diferentes sentimentos: o comunitário, quando se pensa em “Toda-a-
Mangueira”, especialmente em momentos de embate com o poder público; a
indiferença, quando não há interesse pelo “o que acontece do lado de lá”; e a
hostilidade, quando manifestam as contraposições, as competições. Percebo, assim,
que os mangueirenses percorrem esses três sentimentos conforme as
circunstâncias.
Em 28 de setembro de 2013, durante uma entrevista com os moradores da
Candelária, conversamos sobre a divisão territorial-identitária e a falta de um
movimento comunitário, tanto nessa localidade quanto em todo o morro, para a
109 Conversa realizada em 13 de setembro de 2013. 110 Conversa realizada em 28 de setembro de 2013.
110
conquista de melhorias e a preservação da memória local. Questionei ao morador
Luis, mais conhecido como Nego, se não havia em Mangueira algum meio de
comunicação comunitário – site, rádio e/ou jornal – pelo qual as pessoas pudessem
se manifestar, discutir e reunir seus pensamentos, forças e ações. Coloquei como
exemplo a iniciativa de um grupo de moradores do Complexo do Alemão que criou o
"Jornal Voz do Morro"111: uma página no Facebook onde é possível saber, informar e
debater os acontecimentos da comunidade. Atencioso e sincero em suas
colocações, Luis lembrou que na Candelária havia um jornal comunitário chamado
Bate Boca com edições bimestrais e negou o conhecimento de qualquer outro meio
comunicacional interno112.
Em conversas com outros moradores dessa localidade, descobri que a
Associação de Moradores da Candelária – AMOC possuía um sistema de
comunicação. Através de alto falantes, a associação informava assuntos de
interesse comum, particularmente, falecimentos e reuniões. Como lembra o senhor
Robson:
– [...] Que lá eles tinha um alto falante que qualquer coisa que acontecia, que precisava, eles comunicava ali no alto falante, fala, né? Aí, todo mundo aqui escutava aqui embaixo. [...] O pessoal escutava. O alto falante ficava em cima, né? “– Ah, morreu fulano de tal.” Aí, avisava no alto falante. Aí todo mundo: “– Hi, morreu fulano”. Aí, todo mundo sabia, né?113
Diante da indiferença entre as ilhas que compõe a "Totalidade-Mangueira",
não espanta o fato de Luis e muitos outros moradores da Candelária não saberem
da existência da Rádio Comunitária Mangueira (inativo), com sede no Telégrafos, e
o jornal “A Voz do Morro”, “órgão oficial da Escola de Samba Estação Primeira de
Mangueira”, publicado desde 1935114. De acordo com a pesquisadora Regina
Andrade (2005), em seu artigo “A Voz do Morro: primeiro jornal popular das favelas
brasileiras”, o objetivo deste jornal era divulgar as manifestações culturais
comunitárias, registrar suas atualidades e resgatar fatos e acontecimentos típicos do
111 https://www.facebook.com/vozdascomunidades. Acesso em: 08 de janeiro de 2012. 112 No artigo "Cidadania cultural no Morro da Mangueira: a tecnologia como espaço de resistência" (2006), os autores João Maia e Juliana Krapp falam sobre a existência de um sistema de envio de mensagem para celular (SMS) denominado "CandêNews" na Candelária. Por um período de seis meses, um hacker morador da localidade "invadiu o sistema de uma determinada operadora, e criou uma mala-direta de celulares previamente cadastrados, de moradores da comunidade. Dessa forma, os meninos da Lan House podiam enviar, a qualquer hora, notícias sobre a região." (p. 8) 113 Entrevista realizada em 26 de setembro de 2013. 114 Sua publicação não segue uma regularidade. A segunda edição, por exemplo, foi publicada em 1986, e a quinta edição em 1996. (ANDADRE, 2005)
111
morro da Mangueira. Atualmente, em forma de revista (Figura 36), seu foco são
assuntos da agremiação, como a vitória do “Chiquinho da Mangueira” a presidência
da Escola de Samba e o descaso do antigo presidente – Ivo Meirelles – às
instalações (Palácio do Samba e barracão).
Figura 36 – Jornal / Revista A Voz do Morro
Legenda: De jornal a revista, A Voz do Morro tinha por objetivo divulgar as manifestações culturais
comunitárias, registrar suas atualidades e resgatar fatos e acontecimentos típicos do Morro de Mangueira.
Fontes: CABRAL,1998, f. 64; arquivo de pesquisa.
Segundo o morador Cleber, o Jornal Bate Boca foi uma iniciativa de um grupo
de oito moradores da Candelária que buscavam reunir as demandas e
manifestações locais nas páginas do impresso. Ele lembra que as edições
bimestrais foram lançadas durante três anos, de 1991 a 1994, e que era cobrada
uma pequena taxa, com o intuito de realizarem a próxima tiragem do jornal e de
comprarem cestas básicas para os moradores. Destaca, ainda, que o jornal terminou
porque algumas pessoas casaram e saíram do morro, outras se envolveram em
outras atividades; assim, o grupo reduzido não conseguiu prosseguir com as
publicações.
Ao analisar uma edição impressa do Bate Boca (Anexo A), verifico que o
jornal tinha algumas características das gazetas de grande circulação: diferentes
matérias, seção do leitor, jogos, piadas e charadas, anúncios, entre outros; sempre
com foco e direcionado à Candelária (Figura 37). Além disso, percebo o jornal como
o resultado de um trabalho coletivo e colaborativo, haja vista existir o envolvimento
112
de um grupo para sua organização e a participação dos moradores através de
solicitação de temas a serem abordados e de envio de material.
Figura 37: Capa do Jornal Bate Boca, ano I, n. 2, 1991
Fonte: arquivo de pesquisa.
Retomando a conversa com o morador Luis, ele colocou também que, com o
fim do jornal (1994) e da Associação de Moradores da Candelária (1997/1998), os
moradores da Candelária estavam "sem uma voz" diante das situações positivas ou
negativas. Segundo ele, alguns moradores começavam a pensar na reativação do
Bate Boca como um caminho para que voltassem a ter uma "liderança" e
animassem os moradores da localidade. Ademais, destacou o interesse em resgatar
algumas dinâmicas comunitárias e salvaguardar a memória local, explicitando os
times que jogavam no Campo do Cerâmica, as festas juninas e os blocos de
carnaval.
Pensando no exemplo da página "Jornal Voz do Morro", perguntei se os
mangueirenses não têm o hábito de usar o Facebook. "– Isso aqui é uma praga!
Todo mundo tem!", respondeu-me Luis rindo. Sugeri, assim, que criassem uma
página nesse site de rede social, já que é um recurso que não tem nenhum
113
dispêndio e os moradores podem ter acesso. Luis adorou a ideia; começamos ali a
reativação do Jornal Bate Boca.
3.2 A reativação do Jornal Bate Boca: uma experiência em poética relacional
Em seu livro “Estética Relacional” (2009), Nicolas Bourriaud aponta que as
produções artísticas dos anos 1990 estavam centradas na elaboração de relações
de convívio com o intuito de testar sua capacidade de resistência dentro do atual
contexto social, ou seja, globalizado e tecnológico. A arte relacional, “uma arte que
toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social
mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado” (p. 19), seria
um hiato, um interstícios, uma forma de relação perante a imposição da “auto-
estrada de comunicação” (p. 11) e do enquadramento dos espaços de convívio,
como os Shopping Centers e as praças de alimentação.
O desenrolar das práticas artísticas e dos estudos em arte relacional levaram
a expansão da questão. José Luiz Kinceler (2002; 2007; 2008) cunhou a expressão
“arte relacional em sua forma complexa”, em que considera existir complexidade
quando não nos atenhamos às partes, mas sim ao todo que constitui uma rede
interdependente. De acordo com Kinceler, Althausen e Damé:
Na arte relacional em sua forma complexa, a proposta artística proporciona um reencontro crítico-criativo na realidade, uma possibilidade de ocupar criativamente espaços intersticiais capazes de provocar novas formas de representação que renegociem as relações entre a arte contemporânea e a vida. Neste sentido, as ações cotidianas, o artista em constante deriva pela sociedade, os interstícios sociais excluídos, proporcionam o lugar para acontecimentos gerando reflexão crítica sobre o tipo estrutural de representação que tende afirmar imagens de si mesma como verdades naturais. Ou seja, as propostas relacionais em sua forma complexa transitam tanto pelos marcos convencionalizados da instituição Arte quando se aproximam de acontecimentos e situações inseridos nos mundos de vida cotidiana, disponibilizando ao artista novas possibilidades de atuação no Real que materializem espaços de vida que gerem participação, reflexão e diálogo a partir do convívio. (2002, p. 85)
O pesquisador e artista Fábio Nunes (2010) apresenta a ideia de uma arte
tecnorrelacional, na qual destaca que devemos considerar nossa relação com os
114
dispositivos tecnológicos, visto que há interação e interferência em nossa
sensibilidade. Como esclarece o autor:
As posturas tecnorrelacionais não são oriundas de proposições dogmáticas contra o capital ou contra a globalização necessariamente, mas, acima de tudo, se dão em torno de experiências vividas no cotidiano permeado pela tecnologia – nos bancos, nos transportes públicos, nos supermercados e, claro, nos meios de comunicação – e buscam compreender de que forma essa tecnologia interfere nas relações, como parte dela, como interlocutoras, ou ainda como protagonista. E o questionamento que parte do indivíduo e das suas relações com seu contexto vivido e cada vez mais tecnológico. (NUNES, 2010, p. 234)
A obra desses autores, em especial de Nunes, era estudada no início da
investigação para o amadurecimento das perspectivas relacionais e
tecnorrelacionais dentro da convivência com pessoas da comunidade. Com o
objetivo de dar a voz e oferecer a escuta para a memória dos mangueirenses sobre
lugares relacionais, visava à criação de mecanismos tecnológicos. Em um ambiente
virtual, por exemplo, iria propor a convergência das narrativas e/ou dos suportes
exteriores de memória (COLOMBO, 1991), como fotos e filmagens, além de
possibilitar a interação direta entre sujeitos. De acordo com o pensamento de Nunes,
essa ação seria:
Uma interferência que se propõe em ir além de devaneios estéticos – o deslumbramento da imagem digital e suas potencialidades – para a imersão em sua inserção social – nas relações entre indivíduos e/ou máquinas. A tecnologia então é pensada no interior de um contexto social, gerando ou intermediando relações. (NUNES, 2010, p. 19)
A partir da descoberta das obras "Poética da Relação" (2011) e "Introdução a
uma Poética da Diversidade" (2005) do poeta, antropólogo e filósofo Édouard
Glissant, percebi que suas colocações estavam dialogando melhor com a condição
real dos mangueirenses, ou seja, as divisões entre localidades/ilhas, as relações
entre elas e a ideia de uma totalidade, a Mangueira.
Em uma perspectiva ao mesmo tempo real e utópica, Glissant pensa sobre
uma poética da relação dentro do que imagina ser a "Totalidade-mundo" ou "Todo-o-
mundo". Este imaginário abarcariam a diversidade – cultural e identitária – existente
no mundo, em face da homogeneização ou a imposição e o reconhecimento de uma
única raiz / história e de uma prática totalitária. Nesse viés, afirma que o que deve
existir diante à diversidade é relação.
115
Para Édouard Glissant a relação é movimento, uma rede de
interdependência, da qual não podemos ter a totalidade absoluta/fechada dos
elementos – alguns em opacidade – que compõe o outro da relação e nem certeza
dos resultados das interações; estes, por sua vez, são imprevisíveis. “Caso contrário
[a relação] ficaria reduzida a uma mecânica suscetível de ser desmontada ou
reproduzida.” (2011, p. 163) Afinal, não nos cabe pensar a relação decomponível em
elementos primordiais, separáveis ou redutíveis; afinal, não somos capazes de
abordar a totalidade da relação, mas sim de imaginá-la na totalidade mundo.
Na reflexão glissantiana, os elementos heterogêneos quando colocados em
relação se intervalorizam, ou seja, não há diminuição ou degradação do outro. O
conhecimento do outro, da existência do diverso, e a identificação de elementos
comuns caracteriza-se como a primeira condição a poética da relação. Não pode
haver nem dependência nem independência na relação: o que se tem é uma rede de
interdependência dos círculos, dos particulares, das ilhas.
Diante da diversidade de "Toda-a-Mangueira" e de "Todo-o-mundo" (onde me
encontro) a experiência de reativação do jornal desvelou e conformou uma poética
da relação – o encontro com o outro, o (re)conhecimento e valorização do diverso,
assim como de elementos comuns. A partir dos pensamentos do filósofo Jacques
Rancière (2010), identifico que isso possa ser a instauração de um momento
político:
Um momento político ocorre quando a temporalidade do consenso é interrompida, quando uma força é capaz de atualizar a imaginação da comunidade que está comprometida e de se opor a outra configuração da relação de cada um com todos.115
Percebo que o processo de feitura e a circulação do jornal rompem, mesmo
que de forma singela e sutil, as conformidades assentadas durante longos anos,
gerando uma nova imaginação da “Totalidade-Mangueira” e de relação entre ilhas,
isto é, o encontro e a troca entre as localidades. Além disso, as dinâmicas para a
reativação e a manutenção do Jornal Bate Boca – JBB conformam e evidenciam
outras redes sociais, lugares e memórias coletivas.
115 Tradução própria do seguinte trecho: “Un momento político ocurre cuando la temporalidad del consenso es interrumpida, cuando una fuerza es capaz de actualizar la imaginación de la comunidad que está comprometida allí y de oponerle otra configuración de la relación de cada uno con todos.” (2010, p. 11)
116
Essa proposta relacional reapresenta algumas particularidades: 1) foi
elaborada junto com os moradores, ao invés da apresentação de um projeto
semiestruturado que se efetiva através do envolvimento dos moradores
colaboradores; 2) não trabalhou com oficinas que visassem o nivelamento de
saberes entre os componentes, conforme ocorre em algumas ações artísticas
colaborativas; 3) não é possível apontar uma figura central, um mediador ou
propositor de algo totalmente novo à comunidade – papel que eu desempenharia
caso prosseguisse com a ideia primeira de desenvolver uma estrutura online (site ou
weblog) à relação entre diferentes atores a partir dos discursos mnemônicos dos
pontos de encontro dos mangueirenses. Afinal, um grupo de moradores – Luis,
Carlos, Gilson e Cleber – já começava a se organizar para a reativação do jornal; eu
estaria somando ao grupo.
A princípio, a nova configuração do Jornal Bate Boca teve cinco pessoas
como integrantes, sendo quatro moradores da Candelária e eu. Em 15 de novembro,
outro morador entrou para somar ao grupo – Marquinhos Papão – a convite do Luis;
somamos seis. Os cinco integrantes se conhecem desde criança, cresceram junto
na Candelária, participando do Bloco Balanço da Mangueira e das partidas de
futebol no Campo do Cerâmica.
O novo grupo que criamos, o Coletivo JBB, coloca-se como agenciador e
animador de uma rede maior para que o jornal se faça uma voz coletiva de “Toda-a-
Mangueira”, ressoando as demandas, os anseios e as manifestações do morro, e
abrindo ponto de comunicação entre as ilhas que compõem Mangueira.
Implica esclarecer que o coletivo não se posiciona como um detentor do saber
e fechado no próprio invólucro: procuramos atuar de forma menos instrucional e
mais dinamizadora, menos diretiva e mais integradora. Desse modo, o Bate Boca é
“Toda-a-Mangueira”; um trabalho de contágio e de colaboração que requer o
envolvimento entre os sujeitos à sua realização, cujos níveis e formas de interação e
participação variam de acordo com o comprometimento e a motivação de cada um.
Revelamos, assim, os contornos de uma produção colaborativa sem
hierarquias e ativamos os poderes criadores da coletividade. Experienciamos a
riqueza da inter-relação, de uma comunicação em diferentes escalas e meios sem
perda da densidade relacional que estávamos animando. Uma ativa circulação em
todos os sentidos entre sujeitos, memórias, lugares, formas, saberes, gêneros,
objetos, afetos, desejos.
117
A reativação do jornal tem como principal objetivo criar um sistema de
comunicação entre as pessoas (primeiramente entre moradores da Candelária) e
emanar uma voz coletiva, sendo capaz de trabalhar sobre questões centrais da
comunidade e partilhar suas memórias coletivas. Dessa forma, não trata de tornar
acessíveis informações já veiculadas pela grande mídia, mas, em vez disso, criar um
ambiente que capte, discuta e difunda as questões cotidianas do morro como, por
exemplo, as altas contas de luz após a instalação dos novos marcadores pela Light
e os blocos de carnaval que não são mais ativos. Assim, o projeto se assenta no
compartilhamento de interesses reconhecidos e vivenciados comunalmente.
A partir da vivência na comunidade, das demandas que são apontadas nas
conversas pelos (ciber)lugares do morro, agrupamos e organizamos as informações
e os interesses que estarão na edição online e impressa do jornal. Trabalhar com
assuntos que afetam e falam da vida cotidiana e da memória dos mangueirenses faz
com que o jornal seja um motivador à discussão entre inter-localidades.
Nesse contexto, acredito que os recursos online podem possibilitar que outros
moradores (dessa e de outras ilhas) tenham livre ação para emanar sua voz sem ter
que passar pelo filtro do Coletivo JBB – prática que se desenvolve em tímidos e
curtos passos nas primeiras experiências na página do Facebook. Entre os motivos
da escolha deste site de rede social pelo grupo, destaco: é um recurso em que
grande parte dos moradores tem acesso (a "praga do morro"), inclusive todos os
integrantes do JBB, não é pago e é fácil de ser manuseado.
Percebo que a utilização de um recurso online pelo JBB vai ao encontro do
conceito de Inteligência Coletiva do pesquisador Pierre Lévy, ou seja, “uma
inteligência distribuída por toda a parte, incessantemente valorizada, coordenada em
tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.” (2011, p.
29). Para o autor, a Inteligência Coletiva é uma condição antropológica que pode ser
efetivada no meio social a partir do uso de recursos técnicos informacionais na
Internet. Como esclarece Jenkins, em seu livro “Cultura da Convergência” (2009):
O que consolida uma inteligência coletiva não é a posse do conhecimento – que é relativamente estática –, mas o processo social de aquisição do conhecimento – que é dinâmico e participativo –, continuamente testado e reafirmando os laços socais do grupo social. (p. 88)
118
Em seu livro “A Inteligência Coletiva” (2011), Lévy também destaca que
caminhamos para o exercício de uma “democracia direta em tempo real” na qual os
sujeitos são ativos nas decisões do coletivo, intervindo na política e na estrutura
social. Defende assim, a ideia de um “dispositivo de democracia direta em tempo
real”, na Internet, que
permitiria a cada um contribuir de maneira continua para a elaboração e o aperfeiçoamento dos problemas comuns, para a abertura de novas questões, para a formulação de argumentos, para enunciar e adotar posições independentes umas das outras sobre grande variedade de temas. (p. 67)
Nesse sentido, mais uma vez a dimensão política desperta no Jornal Bate
Boca; não apenas por estar no ciberespaço, na Internet – cada vez mais utilizada
para manifestações e posicionamentos em decisões e ações que afetam o coletivo –
mas principalmente por dar a palavra / a voz, buscar o diálogo e transformar as
circunstâncias locais, de modo que possa desestabilizar a partilha do sensível
(RANCIÈRE, 2005). Como afirma Jacques Rancière, em seu livro “Momentos
Políticos”(2010): “A política só existe pela ação dos sujeitos coletivos que modificam
concretamente as situações afirmando aí sua capacidade e construindo o mundo
com esta capacidade.”116
3.2.1 Primeiro de muitos encontros: as reuniões do Jornal Bate Boca
A primeira reunião do Jornal Bate Boca me pegou de surpresa e foi um
impacto para todos que estariam compondo o Coletivo JBB. Sábado, dia 12 de
outubro, estava na Candelária para conversar com um morador, quando Luis passou
e me convidou para a primeira reunião que estaria acontecendo na casa do Cleber,
conhecido como Clebão. O convite inesperado me deixou apreensiva e desconfiada
devido a algumas situações específicas: eu só conhecia um dos integrantes do
jornal, iria à casa de outro morador que ninguém havia mencionado, não sabia andar
sozinha em algumas áreas da comunidade, não conhecia os demais integrantes, 116 Tradução própria do seguinte trecho: “La política existe solamente por la accion de los sujetos colectivos que modifican concretamente las situaciones afirmando allí su capacidade e constryendo el mundo com esta capacidade” (2010, p. 12)
119
entre outros fatores que podem representar uma condição arriscada, tanto para
quem é do morro quanto para quem só o conhece através da mídia. Entretanto, a
confiança tinha que ser recíproca para a efetivação de uma relação naquele
momento. Luis também não sabia quem eu era; eu era uma estranha em seu
território. Apesar de pouco me conhecer acreditou que eu poderia estar junto,
constituindo mais um nó na trama para a reativação do jornal.
Após um breve e labiríntico caminho guiado por Luis até a casa de Cleber,
aguardamos os demais moradores. Gilson e Carlos, apelidados de Doente e Mé
respectivamente, chegaram aos poucos. Todos olhavam de forma receosa para
minha presença, principalmente por acrescentar ao meu status de “estranha no
morro” o fato de eu ser a única mulher em um grupo de quatro, atualmente cinco,
homens.
A minha presença, ou seja, a “estranha mulher”, fez com que alguns de seus
assuntos – conversas particulares e corriqueiras de amigos homens – não fossem
tão livremente explanados, assim como a fala de palavras de baixo calão que,
quando mencionadas, eram seguidas por “– Desculpa aê, Joice”. No início, as
situações delicadas da comunidade, principalmente as que envolviam direta ou
indiretamente o tráfico e a UPP, também não eram abordadas, ou faladas
indiretamente de modo que dificultasse o meu entendimento.
A criação de laços de confiabilidade e de credibilidade, conquistados através
da convivência e reciprocidade, possibilitou que qualquer assunto fosse discutido e
explanado entre as pessoas do grupo dentro ou fora das reuniões. Entretanto, a
sensação de efetiva aproximação se deu quando começaram a me chamar por
apelidos, como “Joice H” ou “Baixinha”. Longe de ser pensado como algo ofensivo,
ou bullying, o apelido em Mangueira é tratado como o nome próprio da pessoa e
demonstra intimidade entre os moradores. Ninguém sabe quem é Luis ou Carlos,
mas todos conhecem Nego e Mé. Vale destacar que fora de Mangueira, é comum o
morador ser apelidado de “Mangueira” ou, no diminutivo, “Mangueirinha”.
Foi na primeira reunião que percebi a dimensão da iniciativa e acertamos
alguns pontos para a reativação do jornal, como o dia e horário das próximas
reuniões, o objetivo do jornal e seu nome. A partir da única conversa que tive com
Luis idealizava que iríamos trabalhar sobre a proposta da criação e administração de
algum ambiente online, uma página no Facebook, um blog, um site; recursos que
não precisaríamos de verba e que todos poderiam acessar e contribuir. Mas eles
120
queriam e estavam dispostos a muito mais: de imediato, Carlos colocou que um
amigo seu iria rodar o impresso e que poderíamos organizar um corredor cultural.
Fomos, assim, amadurecendo as aspirações em cada encontro de modo que se
expandiram envolvendo “Toda-a-Mangueira” e “Todo-o-mundo”.
A possibilidade de mudar o nome do jornal – “Fala Candê”, “Diz aí Candê”,
“InfoCandê” – foi um momento de debate e de argumentações nos primeiros
encontros do grupo. Alguns eram contra e outros a favor da mudança. Debatemos
que a expressão “Candê” fica restrita à comunidade da Candelária. Propus que
pensássemos em “Toda-a-Mangueira”, apesar dos sentimentos de hostilidade e
indiferença. Além disso, percebemos que o nome Bate Boca alude tanto uma
expressão popular para discussões exaltadas, uma querela, quanto uma conversa
informal com amigos. Ao final, acordamos que a manutenção de Jornal Bate Boca
ressoa o objetivo do jornal: ser uma voz coletiva que é discutida e que provoca
debate, uma voz que anima os moradores prostrados e descrentes da situação local.
Para que todos pudessem participar e não estivessem esgotados após um dia
de trabalho, a princípio combinamos que as reuniões aconteceriam aos sábados, às
10h. Entretanto, os finais de semana são o dia de descanso, dia de continuar
tomando a cervejinha com os amigos (que já vem no embalo da sexta feira) e fazer
um churrasquinho, como se fala na comunidade. Além disso, são aos sábados que
costumam comemorar os aniversários. Diante desses atrativos, as reuniões foram
minguando de seis pessoas, para quatro, três, até o dia da festa de um morador que
só ficamos eu e o Clebão na reunião. Pelo grupo fechado do Facebook, expusemos
a situação e decidimos que as reuniões aconteceriam durante a semana,
começando às 18h. No início de 2014, durante a produção da segunda edição do
JBB e do Corredor Cultura, decidimos manter as reuniões durante a semana, às
quartas ou quintas feiras no mesmo horário e lugar.
Além dos encontros presenciais, inserimos também os recursos tecnológicos
online visando à manutenção da interação/comunicação entre os integrantes. A
criação de um grupo fechado no Facebook proporciona que muitas discussões,
tomadas de decisão, exposições de ideias, compartilhamento de saberes sejam
realizados além das reuniões em Mangueira, além de uma relação “cara a cara”.
Nesse ambiente online também são postadas informações sobre o morro, a
conquista de algum material, lembretes das reuniões e pendências de ações. O uso
da conta pessoal de e-mail também é utilizada para o envio de materiais digitais,
121
como fotos e textos, e atualmente são frequentes o contato por telefone e pelo
aplicativo WhatsApp Messenger117 para situações imediatas, como os avisos da
eleição da nova presidência da Associação de Moradores da Mangueira e do início
da medição de algumas ruas da Candelária para as obras do PAC-2 .
Prolongando-se por aproximadamente duas horas, as reuniões são o
momento em que tomamos as principais decisões, entre elas, a temática central e
os demais assuntos que serão explorados no jornal, a estrutura necessária para a
realização do corredor cultural e as estratégias que devem ser tomadas para
alcançar os objetivos. Ocorre também a apresentação dos materiais e informações
coletadas, como as entrevistas e fotos, e a divisão das tarefas entre os componentes
do grupo que, de acordo com sua preferência e conhecimento se prontificam em
realizá-las118.
É importante destacar que as reuniões sempre são realizadas na casa do
Clebão. Morador ativo, Cleber sempre esteve envolvido em atividades da
Candelária, como o Grupo Afro Dudu-Êwe (Juventude Negra), técnico do time de
futebol Gelol que disputava no Campo do Cerâmica e presidente de ala no Bloco
Balanço da Mangueira. Devido a complicações de saúde, Cleber sai raramente de
casa atualmente; estado que não compromete seu envolvimento com questões da
comunidade e suas aulas particulares de reforço escolar ou para concursos. Sua
casa é um lugar referência, é o ponto de encontro da equipe do Jornal Bate Boca.
3.2.2 A primeira edição do Jornal Bate Boca: futebol em Mangueira
A primeira edição do Jornal Bate Boca (Anexo B) foi uma experiência nova
tanto para o Coletivo JBB quanto para "Toda-a-Mangueira". Apesar de alguns
integrantes já terem participado do jornal que circulou na Candelária de 1991 a
1994, toda a dinâmica que estávamos gerando era nova, principalmente por causa
do envolvimento de outras pessoas além da equipe do jornal, da expansão na
117 WhatsApp Messenger é um programa permite trocar mensagens pelo celular através de conexão com a rede móvel. 118 Mesmo com a separação das tarefas, a dinâmica interna do jornal se desenvolve de modo horizontal entre os integrantes, não havendo cargos estabelecidos. Todos são responsáveis pelas atividades do Jornal Bate Boca, cada qual ao modo e possibilidade do integrante.
122
abrangência do jornal e da utilização de dois meios de comunicação: a página do
Facebook e o jornal impresso.
Quando equiparado ao antigo, o atual impresso do Jornal Bate Boca
apresenta alguns pontos de convergência e outros de divergência: buscamos seguir
a estrutura do anterior, algumas de suas seções foram mantidas, outras foram
tiradas e elaboradas; os títulos de algumas seções foram trocados, outros criados,
com o intuito de dar continuidade nas próximas edições. Assim, temos na edição
impressa: “Em pauta”, que aborda o tema central do jornal; “Bate Boca”, apresenta
uma entrevista ligada ao tema principal; “Seu direito”, traz alguma questão jurídica;
“Interessa a Comunidade”, trabalha com assuntos cotidianos do morador; “Arte e
Cultura”, explora alguma questão da arte ligada ao tema central; “Passatempo”, com
dois jogos – um caça-palavras e um jogo de 7 erros; “Receita da Tia (nome da
pessoa)”, espaço destinado ao passo a passo de especiarias de alguma moradora;
“Piada”, busca brincar com o tema central; “Anúncios e Apoio”, onde expusemos
uma breve propaganda daqueles que contribuíram com a atual edição do jornal. A
diagramação foi o que mais se transformou: o atual JBB apresenta alguns traços
similares de um jornal de grande circulação ou de bairro, apresentando uma mistura
de fotos e textos, e elementos gráficos, como a divisão dos textos em colunas e os
dados de rodapé (período da publicação, logo do jornal e número de página).
Visando futuras incorporações de recursos tecnológicos e a divulgação da
página www.facebook.com/jornalbateboca, introduzimos no cabeçalho do jornal
impresso um QR Code que direciona para a página principal do JBB Online (Figura
38). O Código QR funciona como um código de barras e pode ser escaneado e
traduzido – em texto, imagem, site, entre outros – pela maioria dos aparelhos
celulares que têm câmera fotográfica e acesso à Internet. Ele tem sido muito
utilizado em campanhas publicitárias, revistas, eventos, museus para ampliarem
suas informações. Alguns serviços online possibilitam que sejam criados códigos
gratuitamente, como o Kawa QR Code utilizado para a geração do código do Jornal
Bate Boca Online.
123
Figura 38 – QR Code do Jornal Bate Boca Online
Fonte: arquivo de pesquisa.
Para a primeira edição do Jornal Bate Boca os assuntos abordados
transpareciam fatos que aconteceram e estavam acontecendo na Candelária, dos
quais as pessoas não compreendiam o porquê ou que estavam gerando certo
desconforto. O principal deles era o fim do Campo do Cerâmica, seguidos pelo alto
valor das contas de luz após a instalação dos novos marcadores e o desrespeito do
morador quanto ao descarte do seu lixo domiciliar. Outras questões mais foram
apontadas, como a falta de outras linhas de ônibus na região, as futuras obras do
PAC-2 e o desrespeito dos policiais; entretanto, não cabia discutirmos todos os
assuntos em uma única edição do jornal. Decidimos, então, que trabalharíamos
sobre um tema central e outros assuntos de interesses comum em cada edição do
jornal: a publicação de lançamento abordaria o futebol, com foco nos times da
comunidade, a entrada da Light e o descarte do lixo.
Foi no momento de levantamento dos temas e assuntos para o jornal que me
deparei com a seguinte situação: sendo moradores da Candelária e apresentando
rixa às outras comunidades que compõem a "Totalidade-Mangueira", os integrantes
do grupo afirmaram querer focar o jornal de onde moravam e pareceram irredutíveis
sobre seu posicionamento. Como estava percorrendo "Toda-a-Mangueira", percebia
que as demandas locais se faziam presente em outras partes do morro e que a ideia
de um jornal comunitário animava outras pessoas: “– Eu posso escrever uma coluna
sobre cidadania?”; “– Aqui tem diferentes cursos, vocês poderiam divulgar?”. Esses
foram os pontos comuns que direcionavam a uma poética da relação diante da
diversidade de "Toda-a-Mangueira".
124
Discutimos sobre os prós e os contras em expandir o jornal. Em cada reunião,
buscava mostrar que, apesar da diversidade, há situações equivalentes entre as
localidades/ilhas e que a necessidade de "uma voz" é uma demanda de todo o
morro. A partir da proposição de reativação do jornal, minha ação era em direção à
conformação imaginada da “Totalidade-Mangueira”: enquanto interventora dentro da
linha da pesquisa-ação, minha atitude sempre foi buscar defender a totalidade, isto
é, uma perspectiva ampliada, respeitando a singularidade das localidades. Desta
forma, se o tema central era futebol e os editores escreviam sobre times e o Campo
do Cerâmica que não existe mais na Candelária, eu trazia os times e o Campo dos
Bandeirantes, localizado no Telégrafo. Se o lixo é um problema latente na
Candelária, eu mostrava que é também na Pedra, na Casinhas, no Telégrafos, na
Vila Olímpica (Figura 39).
Figura 39 – Pontos de Coleta de lixo em Mangueira
Legenda: Apontar pontos de convergência entre as localidades do morro foi relevante à
constituição de uma poética da relação e da “Totalidade-Mangueira”. Pontos de coleta de lixo: à esquerda, Candelária; à direita, Vila Olímpica.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Assim, compreendemos que, apesar dos cortes territoriais e das rivalidades,
estamos dando a voz à totalidade comunitária e que a diversidade e
heterogeneidade entre as ilhas enriquecem o lugar Mangueira onde vivem. Como
artista e pesquisadora, atento para que a poética da relação ocorra em consonância
com a dinâmica das comunidades locais e que se signifique como encontro e
diálogo com a alteridade presente.
A experiência e a consciência da importância do outro, do diverso só se
efetivaram durante a produção da primeira edição do Jornal Bate Boca; não apenas
do outro dentro de “Toda-a-Mangueira”, mas também do outro além de seu
125
arquipélago. Para que fosse possível a publicação impressa do jornal, por exemplo,
precisávamos de outras pessoas, de outros saberes que pudessem estar somando.
Nesse viés, contamos com a colaboração da professora Carolina Macêdo para a
correção ortográfica e da artista-educadora Jéssica Góes para a diagramação das
páginas.
Trançamos uma nova relação com “Todo-o-mundo” e começamos a gerar
uma rede social em torno do Jornal Bate Boca: a cada momento uma nova
configuração se firmava a partir do interesse e da inter-relação entre pessoas de
dentro de fora do morro. É importante destacar que as inter-relações se
estabeleceram através de encontros presenciais e à distância; muitas trocas foram
realizadas por e-mail, de modo assíncrono, e outras pelo software Skype, onde
conversamos através de áudio, vídeo e texto de modo síncrono. As páginas do
jornal impresso, por exemplo, foram construídas de forma colaborativa e coletiva
utilizando esse programa.
Para que pudéssemos conseguir os materiais para o jornal, criamos uma
dinâmica no grupo na qual cada um era responsável por alguma função. “– Quem
pode buscar a receita com a tia?”; “– Quem pode pegar as blusas com dos times
Furacão e Candelária?”; “Quem pode fazer as entrevistas?” As tarefas eram
divididas, porém recolher fotos pela comunidade era uma missão de todos. Alguns
moradores, sabendo da reativação do JBB e o tema futebol, ofereceram
prontamente os materiais que tinham e se disponibilizaram para ajudar em qualquer
outra atividade.
Ao começarmos escrever para a edição impressa do jornal, deparamo-nos
com a dificuldade de reunir todos do grupo para a elaboração de um único texto
sobre cada um dos assuntos: demandaria horas de atenção que não poderíamos
disponibilizar de nossas rotinas particulares, além daquelas já dedicadas às reuniões
presenciais. Nesse caso, os recursos online também nos auxiliaram, em especial o
Google Drive119 que já era conhecido por alguns. Assim, para cada texto do jornal foi
aberto um documento dentro desse serviço online – editorial, receita, piada, futebol,
arte, entrevista, Light, Comlurb – e cada um contribuía de acordo com sua
possibilidade. Apesar de todos terem acesso e poderem editar os textos, alguns
119 Um serviço de armazenamento e sincronização de arquivos da Google, o Google Drive fornece entre seus tipos de arquivos um que se assemelha ao editor de texto Microsoft Word e que pode ser compartilhado e editado simultaneamente entre várias pessoas.
126
manifestaram interesse em redigir sobre determinado tema, outros afirmaram não ter
afinidade com a escrita e preferiram se dedicar à realização das entrevistas, ao
recolhimento das fotos, blusas dos times e à preparação de qualquer outro material
necessário para o Corredor Cultural.
Infelizmente, devido a um erro no arquivo que foi entregue à gráfica, a última
página do jornal não foi impressa. Nela estão a receita, os jogos, a piada e os
apoios. Por desconhecermos algumas especificidades gráficas, algumas
informações foram cortadas e outras acrescentadas, e as imagens saíram em preto
e branco. Entretanto, tais acontecimentos não atrapalham a leitura da primeira
edição e ela pode ser lida na íntegra através do site Issuu (Figura 40): serviço de
publicação online cuja principal vantagem é a sua interface, que se aproxima do
estilo de folhear um livro.
Figura 40 – A Primeira edição do Jornal Bate Boca, versão online
Legenda: As edições impressas do Jornal Bate Boca também estão online. Devido ao erro na primeira publicação impressa, apenas podemos lê-lo na íntegra através do endereço eletrônico http://issuu.com/joicehenck/docs/jbb_._ed1.
Fonte: arquivo de pesquisa.
É importante salientar que, apesar do impresso ter seu lançamento trimestral
e uma tiragem de mil cópias, o Jornal Bate Boca se mantém ativo online, em que
expõe algumas matérias de acordo com a fugacidade dos acontecimentos de dentro
e de fora do morro que possam interessar aos moradores. Muitas dessas postagens
não sairão na edição impressa por já serem ultrapassadas, como a eleição do
presidente da nova Associação de Moradores da Mangueira e algum curso ou
concurso (Figura 41).
127
Figura 41 – O Jornal Bate Boca se mantém ativo na Internet na página do Facebook, acessível pelo endereço eletrônico www.facebook.com/jornalbateboca.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Há casos em que as postagens buscam diretamente gerar questionamentos
ou provocar uma reconstrução mnemônica, além de ser possível convergir assuntos
abordados no JBB com publicações de outras comunidades, como o que ocorreu
com a postagem sobre o lixo na página “A Voz do Morro” do Complexo do Alemão.
Como exposto anteriormente, um dos objetivos do Jornal Bate Boca Online é
proporcionar que cada morar exponha seus desejos, aflições, lembranças, que seja
um sujeito ativo frente à Mangueira, assim como “Todo-o-mundo”.
Percebo que o incentivo mútuo foi elemento primordial para a reativação do
jornal. Afinal, caso alguém desanimasse ou se desmotivasse, a produção final iria
sofrer danos, podendo até mesmo não acontecer. A ausência de algum integrante
nas reuniões ou o silêncio de alguma outra pessoa que estava envolvida
diretamente com o jornal, por exemplo, gerava preocupação e ansiedade, e
evidenciava a necessidade do outro para se chegar à finalização e execução dos
objetivos, entre eles o jornal impresso. O sentimento de pertencimento e a
valorização do potencial de cada um eram exercitados e exigidos: todos tinham que
saber de sua importância para o grupo e que ninguém estava em uma condição de
superioridade com relação aos demais.
128
3.2.3 I Corredor Cultural do Jornal Bate Boca
“– Vamos organizar um corredor cultural”, foi o que o Carlos disse na primeira
reunião que tivemos para a reativação do Jornal Bate Boca. A partir das ideias que
os integrantes sugeriam, percebi que se tratava de um momento de encontro entre
os moradores, com algumas atividades dentro do tema central do jornal; desejavam,
especialmente, realizar uma exposição de fotos e blusas dos times de futebol da
Candelária.
Em cada reunião íamos acrescentando e sonhando o que poderia ter no
Corredor Cultural: por ser o momento de lançamento do jornal, Carlos imaginou um
coquetel, com alguns salgados frios e refrigerantes; por saber da minha atuação
profissional (arte-educadora), o grupo sugeriu que eu realizasse oficinas de artes
para as crianças da comunidade, deixando a meu critério a escolha do que seria
elaborado; a partir da minha experiência com grafites junto ao Círculo na Rua Icaraí
e pensando no “Circuito das Casas-Tela” do Pavão/Pavãozinho e Cantagalo, propus
que fizéssemos um grafite próximo ao campo.
Assim, o que era para durar apenas o turno da tarde a princípio, cresceu e
configurou uma programação de doze horas de atividades (Anexo C): campeonato
de futebol com as crianças, grafite, oficinas de arte (pintura mural e composição),
exibição do vídeo "Siri X Mancha” e do documentário "Pelada: futebol na favela",
coquetel, bate boca (discussão sobre futebol em torno de algumas perguntas).
Entretanto, organizar e agenciar um corredor cultural não foi uma tarefa tão
fácil quanto imaginada. Tivemos que ser perseverantes; persistimos e acreditamos
no que nos movia: o desejo de ver os moradores reunidos, conversando sobre suas
lembranças, (re)construindo suas memórias e discutindo sobre futebol.
Criamos listas sobre todos os itens necessários para que o Corredor Cultural
fosse realizado: mesas, cadeiras, som, painéis, comidas, bebidas, fotos, blusas,
copos... Os itens foram divididos de acordo com o que cada um poderia conseguir.
Em cada reunião ou pelo grupo do Facebook íamos expondo nossas conquistas ou
fracassos em campo. “– Ele não vai mais poder emprestar a cadeira. Vai fazer uma
129
festa e vai usar tudo”; “– O som e o data show estão confirmados. O Cientista vai
emprestar.”
Inúmeras vezes discutimos sobre essas listas. Alguns eram considerados
mais sonhadores – “– Vamos pedir apoio para o Chiquinho” –, outros mais
descrentes – “Ninguém vai querer apoiar um jornal que nunca viu”. Verdadeiros
impasses que sempre eram provocados pela afirmativa geral: “– Só saberemos se
formos lá pedir.” Sem patrocínio ou qualquer verba em caixa, os materiais utilizados
contaram com a colaboração dos integrantes do próprio grupo e dos comerciantes e
moradores da comunidade.
Diante das inúmeras falas que ressaltavam a mudança de percepção das
pessoas quando alguma atividade envolvia a arrecadação direta de dinheiro – “–
Quando envolve dinheiro, a coisa muda.” –, preferimos solicitar a doação do
material, como guardanapo, refrigerante, conjunto de mesas e cadeiras, som, data
show, palito de dente, entre outros. Uma ação de "colaboração às escuras", ninguém
sabia ao certo o que seria o I Corredor Cultural do Jornal Bate Boca, assim como
não conheciam a atual versão do jornal que estaria circulando no morro. A cada
colaboração nos comprometíamos em colocar uma propaganda do comércio no JBB
online e impresso120.
Convidamos outras pessoas (não moradores) para interagirem por meio de
diferentes ações no corredor cultural, ressignificando a experiência comunitária
cotidiana. A proposta era também abrir a redoma de saberes e práticas encerradas
no morro, proporcionar novos encontros, a troca e o compartilhamento de múltiplos
saberes entre pessoas pertencentes a ilhas e arquipélagos diferentes, como o morro
e o asfalto. A credibilidade, aceitabilidade e interesse pelo o que estávamos
organizando em Mangueira – tanto o JBB quanto o Corredor Cultura – proporcionou
um significativo crescimento na rede de interação e colaboração que estávamos
gerando.
Entre as colaborações combinadas previamente, destaco: a doação de
material descartável e de bebidas de dois comerciantes da Candelária – Bazar do
Dokito e Bar do Walmir; o empréstimo do DVD do documentário “Pelada: futebol na
favela”, pela Trator Filmes (após algumas conversas por e-mail a empresa concedeu
que o lançamento no Rio de Janeiro se desse no I Corredor Cultural do JBB); o
120 Página que infelizmente teve um erro no arquivo e não foi rodada na gráfica. Ela foi publicada na segunda edição, mesmo que o comerciante não tenha mais apoiado o JBB.
130
grafiteiro Sark se prontificou em realizar um trabalho no muro que fica em frente ao
antigo Campo do Cerâmica; o presidente da Estação Primeira, Chiquinho da
Mangueira, patrocinou a compra de alguns materiais; o empréstimo do equipamento
audiovisual pelo morador Marcos Cientista; integrantes do coletivo de arte O Círculo
se dispuseram em ajudar nas oficinas de arte e realizar registros fotográficos.
O Corredor Cultural teve três datas. Primeiramente planejamos para o dia 15
de dezembro, domingo, quando todos estão na comunidade. Entretanto, como
ressaltaram: “– O movimento é fraco, as pessoas ficam em casa”. Antecipamos,
assim, para o dia anterior, sábado, mas o jornal impresso estava atrasado, além de
ser o dia da comemoração de aniversário de um morador e todos estavam
convidados. Restou-nos o último sábado antes do Natal, dia 21 de dezembro. Não
ficamos satisfeitos com a data, pois os sites de meteorologia apontavam chuva para
esse final de semana. Contudo, preferimos manter a data e acrescentamos uma
nota de aviso no cartaz de divulgação do Corredor Cultural e na online – “em caso
de chuva, o evento será adiado”.
Além da definição da data, outro impasse que tivemos foi sobre o lugar onde
estaríamos realizando o corredor cultural. “– Vamos realizar no salão da igreja,
porque lá não chove”, era a solução dada por alguns integrantes do grupo. No
entanto, como eles mesmos expuseram durante as reuniões, o salão da capela Nª
Srª da Candelária não era convidativo e apropriado para a dinâmica que queríamos,
já que nos transmitia a ideia de um lugar segregado, fechado e “elitista” distante do
lugar rua que todos têm vez e voz em Mangueira. Decidimos, assim, realizar o
corredor na Rua de Baixo, como é conhecido um trecho da Rua Graciete Matarazzo.
Na verdade, através dos discursos dos integrantes era possível perceber que
a ida para rua, a ocupação de um lugar que é a casa do mangueirense no morro,
representava muito mais a transgressão do sufocamento e do silenciamento sofridos
pelos moradores. Com a entrada da Unidade de Polícia Pacificadora em Mangueira,
a implantação da base policial na Candelária, as constantes rondas e restrições
policiais sobre as ações e as atividades que até então eram comuns, os moradores
se viram oprimidos em ocupar e vivenciar seu lugar da maneira que lhes conviesse:
fazendo a unha, organizando festinhas de aniversário, rodas de samba ou bailes
funk, jogando uma partida de futebol, escutando música alta... sem dia e horário
para acontecer. A liberdade anteriormente experienciada dentro do morro, mesmo
131
que controlada pelo poder paralelo local, transmitia aos moradores um sentimento
maior de segurança e de identificação com o poder em vigor.
Podemos pensar, nesse contexto, o conceito de espaciosidade e
apinhamento proposto por Tuan: “Espaciosidade está intimamente associado com a
sensação de estar livre. Liberdade implica espaço; significa ter poder e espaço
suficientes em que atuar.” (p. 59) “Apinhamento é saber-se observado” (p. 69) O
Corredor Cultural seria um momento de espaciosidade, libertando-nos do
apinhamento do poder público que restringe e priva a liberdade nas ruas de
Mangueira. É importante destacar que o apinhamento das casas e dos habitantes
que se vive cotidianamente na comunidade – os moradores sabem que estão sendo
observados uns pelos outros, que suas conversas estão sendo escutadas, que seus
passos estão sendo espiados –, por outro lado, não repreende ou inibe seu
sentimento de espaciosidade.
Chegou o dia do I Corredor Cultural do Jornal Bate Boca. Às oito horas da
manhã já estávamos lá prontos para executar nossas ações: cada um era
responsável por alguma atividade, como fixar os cartazes da exposição de fotos,
pegar os itens descartáveis e alimentícios, organizar os manequins com as blusas
dos times, comprar o gelo para as bebidas, auxiliar o grafiteiro, entre outras. De
acordo com o que havíamos elaborado, o corredor começavam às nove horas com o
“Campeonato Bate Boca”.
A programação planejada ocorreu ao mesmo tempo de forma organizada e
livre, respeitando a dinâmica do lugar e os imprevistos. Durante o evento,
percebemos que a rígida manutenção das ações que aconteceriam de acordo com a
programação empobrecia a vivência dos eventos espontâneos: moradores
contribuíram com suas fotos e blusas no momento da montagem da exposição que,
por sua vez, reconfigurou-se até a última atividade programada; o campeonato de
futebol que havia sido planejado não aconteceu, mas um morador organizou uma
partida de futebol entre meninas; o “Bate Boca: futebol” não aconteceu em um único
momento, ele se estendeu durante todo o evento considerando os times oficiais e da
Mangueira (Figura 42); um morador, cuja porta da casa onde mora fica de frente ao
corredor cultural, compartilhou suas habilidades gastronômicas oferecendo um
delicioso feijão branco com dobradinha para todos; as oficinas de arte se
estenderam durante seu turno; um comerciante nos emprestou os isopores para
colocarmos os refrigerantes e o gelo para o “coquetel de lançamento do jornal
132
impresso”; o jornal impresso ficou a disposição dos moradores e o coquetel
aconteceu junto com exibição dos vídeos (Figura 43); e não choveu, apesar do céu
estar carregado de nuvens bem escuras prontas para desabar uma enxurrada na
cidade carioca.
Figura 42 – I Corredor Cultural do JBB: exposição de fotos
Legenda: No Corredor Cultural, as memórias coletivas eram (re)construídas, compartilhadas e herdadas entre os moradores e não de Mangueira
Fonte: arquivo de pesquisa.
Figura 43 – I Corredor Cultural do JBB: exibição de vídeos e coquetel
Legenda: Com uma programação de doze horas, o corredor cultural ocorreu de forma livre e espontânea, com algumas atividades alteradas e outras imprevistas
Fonte: arquivo de pesquisa.
Como explanado, nós não tínhamos conhecimento prévio ou controle sobre
algumas das ações; uma delas foi o grafite. Com o grafiteiro Sark acertamos o dia, o
133
horário, os materiais e a temática central através de conversas pelo Facebook, mas
o grafite que ele realizaria, nós não desconhecíamos. Idealizávamos ver ao final de
seu trabalho dois times de futebol se enfrentando como os que aconteciam no
Campo do Cerâmica. Contudo, não foi essa imagem que Sark nos apresentou em
seu esboço: apenas alguns traços de um goleiro com os braços abertos. Como em
todo o processo do corredor cultural, procuramos não intervir e deixar que a
liberdade que estamos vivendo também fosse experienciada pelo grafiteiro. Ao final,
a imagem do goleiro pronto para segurar a bola lançada não poderia ter sido outra:
além de servir de brincadeira de “golzinho” para as crianças, os braços abertos
parecem acolher a todos que chegam à Candelária (Figura 44).
Figura 44 – Coletivo JBB e grafiteiro Sark
Legenda: De braços aberto, o goleiro grafitado por Sark, além de agarrar as bolas da garotada nas peladas de rua também acolhe a todos que chegam à comunidade da Candelária.
Fonte: arquivo de pesquisa.
As oficinas de arte – pintura mural e criação artística – foram planejadas por
mim para serem um primeiro passo para futuras experimentações em arte e
tecnologia a partir da técnica de Realidade Aumentada (RA)121; tenciono que a
121 “Realidade aumentada é um segmento da ciência da computação que integra objetos virtuais ao mundo presencial e permite que nossos movimentos concretos interfiram no cenário virtual. Trata-se de pesquisas que unem computação e a captura de imagens em movimento. Vários experimentos asseguram o rastreamento e reconhecimento de sinais e símbolos por mecanismos de visão e sensores que enviam dados para serem processados pelo programa de computador.” (SILVEIRA, 2010, p. 153)
134
pintura e as colagens sejam os mercadores da RA em uma proposta
tecnorrelacional de longo prazo que será planejada e elaborada coletivamente.
Pensei a oficina de “pintura mural” como uma atividade permanente,
acontecendo em outras edições do corredor cultural (Figura 45). Visando facilitar a
leitura dos futuros marcadores de RA, optei trabalhar sempre com duas cores base:
o preto e outra que seja mais representativa dentro do tema central do jornal. Assim,
para primeira temática, a cor que escolhi foi o verde. Entretanto, a mistura e a
variedade de cores que o grafiteiro Sark realizava ao lado encantaram a todos,
levando a utilização da cor azul na pintura mural também. Com aproximadamente 15
crianças, essa oficina ocorreu sob orientação e auxílio da artista Fátima do Rosário,
integrante do coletivo O Círculo, durante o turno da manhã em frente ao antigo
Campo do Cerâmica. Encantada com resultado da atividade, Fátima afirmou que: “–
A ideia foi deles, eu não fiz nada.”
Figura 45 – I Corredor Cultural do JBB: Oficina de Pintura Mural
Legenda: No muro de frente ao antigo Campo do Cerâmica, as crianças criaram uma pintura mural a partir da temática futebol.
Fonte: arquivo de pesquisa.
No turno da tarde, realizamos a oficina de “criação artística” com orientação
também de Fátima e Helena Sá, artista e poeta da Mangueira, também integrante do
O Círculo. Foi uma atividade de composição a partir da colagem de “imagens
prontas”, ou seja, símbolos de fácil entendimento e reconhecimento como
pertencentes ao tema futebol, e de desenhos que as pessoas estariam criando
(Figura 46). Enquanto arte-educadora, elaborei essa oficina pensando em minhas
ações educativas, nas quais os trabalhos práticos são embasados na reflexão e
apreciação de obras de diferentes artistas. Para esse momento, explorei os
135
trabalhos da artista Leda Catunda que, em suas últimas produções, apropriou-se da
“riqueza futebolística”, seja dos detalhas na elaboração das imagens dos escudos ou
das logomarcas, ou na escolha de determinado material para sua realização. Dentro
do processo de criativo de Catunda, ocorrem diferentes experimentações: camada,
entrelaçamento, composições de formas e cores retiradas de inúmeros produtos
prontos vendidos que veiculam todo o repertório visual que compõe o universo do
futebol.
Figura 46 – I Corredor Cultural do JBB: Oficina de Criação Artística
Legenda: Proposta inspirada nos trabalhos da artista Leda Catunda; as crianças desenvolveram composições com imagens prontas e desenhos sobre o tema futebol.
Fonte: arquivo de pesquisa.
Enfatizo que durante todo o I Corredor Cultural do Jornal Bate Boca – tanto no
processo de conformação quanto no dia do evento – tivemos um intenso
envolvimento e participação de pessoas de dentro e de fora do morro, vindo ao
mesmo tempo colaborar e vivenciar um encontro relacional: a diversidade
característica de “Toda-a-Mangueira” e “Todo-o-mundo” encontraram como ponto
comum para a inter-relação o desejo de estar junto e de compartilharem suas
vivências/saberes, e as memórias coletivas sobre o futebol.
Percebo, agora, o corredor cultural como uma forma colaborativa de organizar
um diferente evento de rua na comunidade. As manifestações levantadas durante a
pesquisa na Candelária que possivelmente se aproximam do Corredor Cultural
foram o bloco de carnaval, as festas juninas e as festividades folclóricas e de
consciência negra, estas realizadas na Associação de Moradores da Candelária.
Através das narrativas, identifico que esses eventos envolviam e animavam os
moradores da Candelária. Quando penso sua organização, percebo que eles são
136
bem diferentes do Corredor Cultural do JBB: “– Não tinha as fotos recordando, e não
tinha pintura, artes, nada disso. [...] Só fazíamos o que era da data, com música e
comida.”, como expõe Cleber.
Cabe destacar que a ideia central do Corredor Cultural, na verdade, não
adveio de Carlos, mas sim de outro integrante, Gilson. A partir de sua experiência no
trabalho – uma empresa que patrocina eventos culturais (música, literatura) e realiza
encontros entre os funcionários –, Gilson contou que gostaria de realizar um evento
com exposição de fotos do Campo do Cerâmica na Rua de Baixo, onde os
moradores poderiam “– relembrar a cultura da comunidade; o futebol já tava no
cotidiano”. Esclareceu, ainda, que o nome era o ajuntamento da estrutura do lugar,
ou seja, uma estreita passagem que lembra um corredor, e da cultura futebolística
do local. Por outro lado, Carlos pensava primeiramente em reunir as blusas dos
times que jogavam no Campo do Cerâmica para si, com o intuito de “– Guardar uma
recordação da minha infância para mostrar para meu filho. Ele não vai ter o privilégio
que eu tive de participar do campo.” Esclareceu que o corredor cultural seria uma
oportunidade de estar expondo o material que possui e dos outros moradores
também. Constato, então, que as ideias se convergiram com a proposição de
reativação do jornal e no processo de conformação do evento.
3.2.4 Jornal Bate Boca e Corredor Cultural: segunda edição
A excelente recepção da edição de estreia tanto do evento quanto do jornal
impresso alimentou nosso desejo de prosseguirmos com as ações. Devido ao
período que trabalharíamos a nova edição – janeiro, fevereiro e março –, o tema
escolhido para a segunda edição (Anexo D) foi o carnaval, especialmente os blocos
que não existem mais na comunidade – Balanço da Mangueira (Candelária) e
Feitiço é Nosso (Telégrafos) – e as lembranças que giram em torno da rivalidade
entre eles, das disputas no Banho de Mar à Fantasia, das alas e suas caprichosas e
irreverentes fantasias feitas de papel crepom.
Outras questões também foram desenvolvidas no jornal: abordou cidadania e
a falta de ônibus na seção “Interessa a Comunidade”, tratou sobre remoção na parte
“Seu direito”; foram reativadas as seções de cursos e de poesia. Justificamos que os
137
assuntos escolhidos e a retomada de algumas seções são resultados do feedback
da comunidade; seja no morro ou na Internet, durante o "bate boca" com os
mangueirenses tomamos conhecimento de suas expectativas, sugestões, elogios e
críticas.
Também sobre carnaval, o II Corredor Cultural do Jornal Bate Boca ocorreu
em 22 de março de 2013 contando como uma intensa programação (Anexo E):
assim como o primeiro, o evento durou todo o dia e contou com o envolvimento de
moradores e não de Mangueira para sua realização. Conseguimos organizar uma
exposição de fotos do Bloco Balanço da Mangueira, de máscaras cedidas pela
fábrica Condal e de fantasias de papel crepom e de escolas de samba dos grupos
especial e acesso (Figura 47). Os moradores brincaram e se divertiram “desfilando”
pelo corredor com as fantasias e máscaras e comentando sobre as fotos.
Figura 47 – II Corredor Cultural do JBB: exposição de fotos e fantasias
Fonte: Arquivo de pesquisa.
As experimentações em artes plásticas/visuais com a garotada do morro
aconteceram em dois turnos novamente (Figura 48) e contou com a colaboração dos
artistas Jéssica Góes e Gabriel Barros, assim como dos pais e irmãos das crianças
que estavam participando da proposta. Pela manhã, a Oficina de Pintura Mural
privilegiou o desenho de máscaras a pedido das crianças nas cores verde, rosa e
138
preto. No turno da tarde, a Oficina de Arte trabalhou com a customização de
máscaras com cola colorida e purpurina. Mais uma vez, essas atividades foram
pensadas com o objetivo de criarmos, a partir dos desenhos/criações, marcadores
de Realidade Aumentada em uma futura oficina de arte e tecnologia.
Figura 48 – II Corredor Cultural do JBB: Oficina de Pintura Mural e Criação Artística
Nota: À direita, Oficina de Pintura Mural; à esquerda, customização de máscaras. Fonte: arquivo de pesquisa.
Devido à afetuosa recepção que teve na comunidade durante o I Corredor
Cultural, o grafiteiro Sark manifestou o interesse em continuar colaborando com as
iniciativas do jornal ao ser convidado para a segunda edição. Durante o evento, Sark
realizou um incrível grafite em que pudemos destacar a convergência de "Toda-a-
Mangueira" e sua Ilha-Candelária, respectivamente representadas pelas cores da
Escola de Samba – verde e rosa – e uma grande cartola (simbolicamente
representando o compositor e cantor Cartola) e por uma mangueira com um balanço
em movimento, símbolo do Bloco Balanço da Mangueira (Figura 49)
139
Figura 49 – A “Totalidade-Mangueira” e a Ilha-Candelária representadas no grafite de Sark no II Corredor Cultural do JBB
Fonte: arquivo de pesquisa.
De modo improvisado, o turno da tarde foi animado pelo bloco "Balanço da
Mangueira, Nova Geração" – denominação dada pelos moradores ao verem ali uma
possível reativação do antigo bloco que faziam parte. Crianças fantasiadas de
roupas de papel (cartolina, jornal e crepom) confeccionadas por um morador e
batucando em latas de lixo122 doadas por Carol (namorada do grafiteiro Sark), foram
guiadas por um senhor que percorreu o trecho da Rua de Baixo divertindo e
contagiando todos que ali estavam (Figura 50). Logo em seguida, membros da
bateria de um recente bloco da comunidade – “Alegria da Mangueira” – juntaram-se
às crianças. Acompanhados pela bateria e envoltos pelos passistas mirins, os
moradores se revezavam para cantar seus sambas preferidos na aparelhagem de
som emprestada, outra vez, pelo Cientista.
122 Após o evento, as lixeiras foram guardadas na casa de Cleber, membro do jornal. A equipe do Jornal Bate Boca está debatendo sobre as melhores estratégias para sua distribuição na comunidade, entre elas, fazer uma campanha de coleta seletiva de lixo e deixá-las aos cuidados dos comerciantes locais.
140
Figura 50 – II Corredor Cultural do JBB: bloco “Balanço da Mangueira, Nova Geração”
Legenda: Com roupas de papel crepom, jornal e cartolina, sambando e batucando em latas de
lixo, crianças e adultos se divertiram com bloco “Balanço da Mangueira, Nova Geração”. Fonte: arquivo de pesquisa.
A novidade desse corredor cultural foi o "cantinho" denominado “Pegue, leia e
devolva ou passe adiante”. A partir dessa edição, teremos livros de diferentes estilos
literários que poderão ser pegos gratuitamente pelas pessoas durante o evento.
Após algumas discussões sobre o incentivo à leitura e as melhores estratégias para
disponibilizarmos os livros doados à comunidade, almejamos que o "cantinho" seja
ativado durante outros dias e em diferentes lugares do morro, como um bar, uma
padaria ou, até mesmo, nos becos e escadarias.
A partir da vivência e da avaliação de tais proposições, considero que o Jornal
Bate Boca e o Corredor Cultural são resultados das motivações compartilhadas em
um estado animado por debates, discussões, e enfrentamentos, indagações e
contradições, assim como de estados de cumplicidade, de acolhimento e de
encorajamento. Ambos são dispositivos revificantes de um discurso polifônico e
ressonante que envolve a “Totalidade-Mangueira” e a “Totalidade-Mundo”
imaginadas.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os atuais processos urbanos de modernização e gentrificação são resultado
de uma governança empreendedorista (RIBEIRO e SANTOS JR., 2013) que visa
uma cidade de negócios (LEITE, 2012). Respaldadas pelas exigências dos comitês
dos megaeventos Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, as reestruturações do Rio de
Janeiro também estão voltadas para a segurança pública, cuja estratégia está
centrada na ocupação policial das favelas cariocas; particularmente daquelas
próximas às vias de acesso aos principais pontos da cidade e aos centros esportivos
onde acontecerão os eventos e, também, daquelas que podem despontar a
valorização imobiliária.
Dado esse quadro, constatamos que vivemos uma situação de
vulnerabilidade e incerteza; afinal, desconhecemos as próximas intervenções e
quem será diretamente afetado. Isso ocorre, em especial, porque as pessoas
comuns têm pouca participação na elaboração e execução dos projetos. Mesmo
com manifestações contra algumas das recentes políticas públicas, presenciamos
constantes casos de remoção em massa de inúmeras famílias, de criação de novas
barreiras territoriais, como que aconteceram na Penha e em Vila da Penha, e de
produção de espaços vazios de sentido.
Nesse viés, Mangueira apresenta os “atrativos” para o exercício de uma
governança empreendedorista: a proximidade do Estádio Mário Filho, mais
conhecido como Maracanã, e a visibilidade internacional, que combina a riqueza
cultural e artística do samba e do carnaval com os intensos confrontos armados
entre traficantes e policiais. Assim, as medidas governamentais recentemente
realizadas na comunidade transitam entre o “embelezamento” do morro,
particularmente em sua barra – próximo à quadra da Escola de Samba – e a
contenção da violência, com a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora em
2010.
Acreditamos que a transformação e a erradicação dos lugares na comunidade
sem qualquer pudor pelo poder público deve-se também a uma questão cultural, ou
seja, além das "pessoas do asfalto" repudiarem a "estética da bricolagem" e
temerem a “favela-labirinto”, os significados e os valores depositados nos espaços
142
são de um grupo específico – neste caso, os mangueirenses – e não geral. Daí que
elas acontecem sem que as lideranças governamentais se preocupem com os
moradores, a dinâmica e a cultura local, e são justificadas como um benefício
prestado à sociedade.
De modo semelhante a outras localidades da cidade, as ações que já
ocorreram em Mangueira – obras do Favela-Bairro, a instalação da UPP e a
Operação Choque de Ordem – foram impactantes e brutais, e causaram
transformações tanto em sua estrutura física quando social. Lembrando esse
contexto, a comunidade teme as intervenções que estão previstas pelo Programa de
Aceleração do Desenvolvimento – PAC-2 e começa a se sentir em ruínas.
O acompanhamento da emergência de um novo padrão arquitetônico e de
planejamento urbano, ao longo desta pesquisa, revelou uma fissura que ultrapassa a
trama do morro: ela atinge os sentimentos de pertencimento e de reconhecimento
dos moradores em relação à sua comunidade e, particularmente, aos seus lugares
de afeto. Isso acontece porque a comunidade foi erguida por seus próprios
moradores, ou seja, a construção e o elemento utilizado para tal foram feitos,
recolhidos e/ou selecionados pelos mangueirenses. Mangueira é a história de vida
de seus moradores.
Nessa dimensão, a análise sobre os pontos de encontro demonstrou que,
afetá-los, é afetar também toda a trama de suas inter-relações: o encontro com o
outro (de dentro e de fora do morro), a sedimentação e constituição de enlaces
entres sujeitos (Figura 51). A coletividade que se fortalece e identifica através dos
lugares também é abalada. Embora alguns sejam aparentemente irrelevantes – uma
escadaria, um campo de futebol, um bar, uma bica, um beco –, percebemos que
nesses espaços de convivência subexiste uma intimidade compartilhada, e os
moradores reconhecem, mesmo que por “memória emprestada”, sua identidade e a
cultura comunitária. Ademais, eles servem à manutenção da diversidade entre as
ilhas de “Toda-a-Mangueira” e desta com “Todo-o-mundo”. Por isso, cremos que são
lugares que devem ser protegidos e a memória que os abarca avivada.
143
Figura 51 – Jogo de Aniversário do Cleber no Campo do Cerâmica. Gelol x Gelol Mirim, 1986.
Fonte: arquivo de pesquisa
Tratando-se de uma pesquisa de cunho poético e do método da pesquisa-
ação, o processo de investigação apresentou algumas dificuldades, especialmente a
apreensão espacial da “Mangueira-labirinto” e os confrontos armados, que
acontecem mesmo após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora. Antes
mesmo da realização desta pesquisa, essa forma de violência já era observada e
vivenciada a pouca distância: do Instituto de Artes da UERJ, inúmeras vezes
escutamos as trocas de tiros e acompanhamos as balas traçantes cortando o céu.
Por esse motivo, tivemos que estar sempre atentos aos avisos dos moradores sobre
possíveis tiroteios e/ou invasões e enfrentar a insegurança de penetrar em um
território desconhecido e arriscado.
Em Mangueira, somos vigiados, controlados e punidos não apenas pelo poder
paralelo local, mas também pelo poder do estado, representado pelos policiais da
UPP (Figura 52). Também estamos observando isso e nem tudo podemos explicitar
aqui; afinal, não temos a ilusão que os policiais são "bonzinhos" e que os traficantes
não se encontram mais na "comunidade pacificada". Tivemos que ter atenção tanto
no assunto abordado quanto ao modo de falar durante as conversas/entrevistas com
os moradores; no fim das contas “– As paredes escutam tudo.” e “– Se falarmos, não
144
sabemos as consequências.”, como afirmam os mangueirenses. Além disso, saber
demais ou não saber se posicionar pode representar sentença de morte.
Figura 52 – Policiais da UPP realizando uma ronda durante o II Corredor Cultural do JBB
Fonte: arquivo de pesquisa
Apesar dos moradores saberem de alguma situação e/ou quererem seus
direitos frente a uma injustiça, como a violência ou assassinato de algum morador, é
o silêncio e a submissão que prevalecem diante dos poderes legal e paralelo. A “lei
do silêncio” que vigora no morro fez com que pouca coisa sobre a condição local
fosse exposta de imediato e livremente pelos moradores durante as entrevistas,
entre elas o tráfico de drogas, a presença de pessoas armadas, a entrada da UPP.
Muitas dessas vinham à tona após a confirmação de laços de confiabilidade entre as
partes, e a garantia do anonimato e da ausência de gravações audiovisuais.
Nessa linha, as circunstâncias “(i)legais” de Mangueira também têm efeito
nesta pesquisa: Até que ponto podemos falar? Até onde podemos ir? Deparamo-nos
com a dificuldade de redigir e de comentar sobre uma realidade da qual
acompanhamos e que começamos a fazer parte, ao mesmo tempo que pertencemos
a outro lugar: estamos em uma outra ilha fora da “Toda-a-Mangueira”. Por conta
145
disso, a elaboração deste trabalho foi pensada e realizada de forma a não ferir a
integridade dos moradores e a valorizar/evidenciar algumas particularidades de
Mangueira.
Por questões éticas, ratificamos que utilizamos nomes fictícios para os
mangueirenses entrevistados: não queremos expor as pessoas visando sua
segurança e a manutenção dos laços de confiança construídos durante o processo
de pesquisa. Em contrapartida, revelamos – com consentimento – os nomes e/ou
apelidos dos colaboradores envolvidos diretamente com o Jornal Bate Boca.
Consideramos que as atitudes desses moradores ou não junto ao jornal são de
respeito e prestígio por “Toda-a-Mangueira”. São pessoas que “– Estão trazendo
algo de bom para a comunidade” e que precisam ser reconhecidas – especialmente
os moradores, por serem lideranças comunitárias.
Gostaríamos de ressaltar que a imagem arquipelágica de Mangueira foi
percebida no processo de pesquisa: primeiramente, quando os moradores
indicavam apenas pessoas de sua própria localidade para uma próxima entrevista;
em seguida, a rivalidade declarada entre a Candelária e as demais ilhas de “Toda-a-
Mangueira”. Por não obtermos contato com moradores que transitam por outras
ilhas, não conseguimos penetrar e/ou estabelecer vínculos efetivos com algumas
localidades, entre elas Olaria e Joaquina. Assim, o mapeamento dos pontos de
encontros dos mangueirenses e as memórias coletivas que os abarcam explicitados
neste trabalho é inicial/parcial. Esclarecemos, também, que tanto os lugares quanto
as lembranças são reflexos direto dos entrevistados: da localidade onde moram, dos
lugares que frequentam (ou frequentavam) e os grupos que pertencem. Junto às
ações do Jornal Bate Boca, desejamos dar prosseguimento às entrevistas e ao
levantamento dos pontos de encontro.
As características humanas de cada ilha também foram notadas: em algumas
localidades, os moradores eram mais receptivos e engajados, como na Candelária e
Telégrafos; em outras, mais fechados e desconfiados, como no Buraco Quente.
Esses e outros atributos observados na comunidade também foram apontados pelos
próprios moradores das localidades durante as entrevistas123. A partir da
compreensão de que Mangueira é um território plural e repartido, um composto de
123 É importante destacar que o enlace afetivo criado entre mim e um grupo de moradores da Candelária proporcionou que essa localidade fosse o apoio para pesquisa em campo. Assim, estive com pessoas que me protegiam e defendiam diante de qualquer eventualidade, e que pude referenciá-las durante as entrevistas.
146
ilhas, exercitamos a poética da relação, isto é, uma prática que nos permitiu o
(re)conhecimento da diversidade e de sua importância para a “Totalidade-
Mangueira”.
O trânsito entre as ilhas e a aproximação do outro culminou na reativação do
Jornal Bate Boca (Figura 53): um jornal comunitário que “bate boca” sobre as
questões postas nesta pesquisa, ou seja, o apagamento dos pontos de encontro e
das dinâmicas sociais que se davam nesses espaços, o desejo por salvaguardar a
memória da comunidade, a necessidade de emanar uma voz una e plural que rompa
o silêncio e que fale pelos moradores, a quebra da estagnação dos mangueirenses
frente aos acontecimentos da comunidade, em suma, problemáticas que atravessam
a história de "Toda-a-Mangueira". O jornal incorpora as vicissitudes de um território
marcado pelo descaso e interesse público, pelas violentas disputas entre poderes e
pelo rico material cultural e artístico mangueirense. Ativamos, assim, outra dimensão
da potência social, crítica, política e artística existente no morro.
Figura 53 – Capa da segunda edição do JBB, jan/fev/mar de 2014
Fonte: arquivo de pesquisa.
147
É importante acentuarmos que o Jornal Bate Boca é uma produção coletiva e
colaborativa, gerado em meio a uma rede de vínculos que se configura a cada nova
edição: convidamos e contagiamos pessoas de fora do morro, ampliando a poética
da relação a "Todo-o-mundo". Nossas famílias foram envolvidas, atraímos colegas
de trabalho e pessoas que pouco conhecíamos; todos acreditaram na reativação do
jornal e colaboraram como podiam. O coletivo de arte O Círculo também se envolveu
nas novas ações desenvolvidas junto aos moradores: firmamos uma nova ponte de
afetos e sentido, e crescemos nossa rede de relações com a comunidade.
Há ainda uma problemática importante para se considerar nesta pesquisa: a
obsessão pela memória e o medo do esquecimento. De acordo com Andreas
Huyssen, em seu livro “Seduzidos pela Memória” (2000), a memória se tornou um
elemento de obsessão cultural – “febre da memória das sociedades midiatizadas
ocidentais” (p. 35) – e de proporções monumentais em todos os pontos do planeta,
como se o propósito fosse alcançar a recordação total.
Segundo o autor, o temor pelo esquecimento e a obsessão pela memória são
gerados pela continua fluidez e intenso fluxo contemporâneo (de informação, de
tempo, de pessoas), pelo acelerado processo de mudanças e pelo contínuo
encolhimento do espaço-tempo. Para Huyssen, as pessoas estão se sentindo
angustiadas, ansiosas e assustadas por perceberem que estão imersas em uma
onda que se propaga continuamente e cada vez mais distante do seu eixo de
origem, homogeneizando culturas e identidades.
Nesse viés, a cultura da memória tem acalentado o impacto gerado pelas
mídias de massa/novas mídias na sensibilidade e na percepção dos indivíduos, em
especial sobre sua concepção e experiência temporal e espacial. São produzidas
inúmeras estratégias de sobrevivência de rememoração pública e privada, e
construídas proteções contra o desaparecimento e a obsolescência, apesar delas
mesmas poderem ser transitórias e incompletas. Andreas Huyssen esclarece, assim,
que: "o enfoque sobre a memória é energizado subliminarmente pelo desejo de nos
ancorar em um mundo caracterizado por uma crescente instabilidade do tempo e
pelo fraturamento do espaço vivido." (p. 20)
Em contrapartida, a obsessão pela memória e/ou o temor pelo esquecimento
dos mangueirenses não estão atrelados à fluidez e à efemeridade da
cibercultura/cultura de massa, mas sim às abruptas e violentas transformações
148
vivenciadas em seu território: esta é a perspectiva que nos leva a compreensão do
crescente desejo dos moradores em tornar evidente suas lembranças de um
passado experienciado em Mangueira, como o Campo do Cerâmica e os blocos
Feitiço é Nosso e Balanço da Mangueira.
A cultura da memória presente no morro está calcada no saudosismo pelas
práticas relacionais e pelos lugares que não existem mais. A situação é intensificada
devido à forma como pontos de encontro foram se extinguindo e ao início do
processo para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC-2.
Diante disso, entendemos que tais fatos desencadearam um movimento de retorno
ao centro cultural comunitário e identitário, evidenciado através das memórias
coletivas e compartilhado entre os moradores.
As mudanças decorrentes da expansão tecnológica digital, com destaque a
vivência do instantâneo e do homogêneo, parecem não ter abalado a “Totalidade-
Mangueira”. A comunidade pode ser considerada um exemplo em que ainda persiste
a vivência de um tempo desacelerado e de cultura comunitária. Esta, por sua vez,
reanima-se com a dimensão global dos recursos tecnodigitais. Como destacam Maia
e Krapp no artigo "Cidadania cultural no Morro da Mangueira: a tecnologia como
espaço de resistência" (2006, p. 2):
a velocidade do mundo virtual não surge como um elemento homogeizante, mas, pelo contrário, aparece como uma ferramenta de resistência aos poderes hegemônicos, uma contra-racionalidade - um elo às diferenças e um celebração à força da cultura popular. [...] vemos a intimidade compartilhada nas ruas, esquinas e bares da comunidade ser vivenciada também através das novas tecnologias - em grupos de e-mail, fotologs, blogs, comunidades no orkut, websites em geral e em mensagem com SMS (para celular). [...] encontra nas novas tecnologias uma nova maneira de perceber e construir o seu local, levando-o ao mundo e dando a si mesma continuidade, "através da mudança."
Retomando as colocações de Huyssen, no que toca a obsessão pela
memória e o temor pelo esquecimento, o autor ainda alerta a respeito do equivoco
em se triunfar a ideia de um arquivo total, a preservação total do passado pelos
adeptos ao ciberespaço, e questiona sobre o quão confiável ou a prova de falhas
são esses novos recursos digitais. O autor também atenta acerca do deslocamento
da noção de memória, que se transferiu para o domínio dos computadores, dos
chips, entre outros dispositivos, e situações que travam a rememoração ativa das
culturas.
149
os críticos lamentam rotineiramente a entropia da memória histórica, definindo a amnésia como perigoso vírus cultural criado pelas novas tecnologias de mídia. Quanto maior é a memória armazenada em banco de dados e acervos de imagens, menos é a disponibilidade e a habilidade da nossa cultura para se engajar na rememoração ativa. (HUYSSEN, 2000, p. 67)
Pensando nas questões da memória social e da cultura eletrônica, Fausto
Colombo apresenta significativas reflexões em seu livro “Os arquivos imperfeitos”
(1991). Em sua análise sobre a técnica mnemônica, desde o estudo da retórica até
práticas e mecanismos tecnodigitais, Colombo afirma que os sujeitos
contemporâneos estão vivendo uma obsessão arquivística que é dominado pelo
audiovisual. Temos a impressão de poder ver tudo, em qualquer lugar e exatamente
como foi.
Destacando a impregnação da informática na vida cotidiana, o autor profere
que a popularização dos aparelhos de gravação conduziu e ampliou as
possibilidades das pessoas de arquivamento e caracteriza a mnemotécnica na
atualidade. Temos a impressão de que não há esquecimento no mundo
contemporâneo e, assim, emerge o mito da memória absoluta e completa. Tudo
guardar; formas e formas de registro do passado; incessante necessidade de
guardar em uma, duas, três meios diferentes para não esquecer e para não perder o
registro, a memória.
Entretanto, Colombo alerta que os “suportes exteriores de memória” se
desgastam, se perdem, são suscetíveis de falhas, em síntese, não há segurança
nos suportes, em especial os tecnológicos. Devemos estar atentos, assim, que a
prática da gravação e do arquivamento não nos preserva do esquecimento. Na
verdade, caímos no mito do não esquecimento; o “estar guardado” não é sinônimo
que iremos lembrar. Conforme destaca o autor: “o importante não é mais recordar,
praticar a memória, é saber que a recordação está depositada em algum lugar e que
sua recuperação é – pelo menos na teoria – possível.” (p. 104)
É nessa lógica arquivística da sociedade contemporânea, na qual há uma
gradativa exteriorização da memória, em imagens, objetos-lembranças e
documentos alcançam a função de depositário de memória, que o sujeito, sua
identidade de sujeito rememorante sofre grande abalo: há ausência de confiança na
memorização subjetiva, considerando-a fraca, incapaz de conservar e sujeita a
150
falibilidades. Deste modo, a confiança está depositada nos meios de registro
mecânico.
Diante das colocações de Colombo e Huyssen, ratificamos que nesta
pesquisa não objetivamos a criação de um arquivo total, assim como, de uma
memória absoluta e completa sobre os pontos de encontro dos mangueirenses.
Acreditamos que a memória é constantemente reconfigurada a partir do presente,
levando-se em consideração o quadro social que o sujeito pertence. Por isso, as
narrativas mnemônicas registradas neste trabalho são recortes das contínuas
dinâmicas social, temporal e espacial, e podem sofrer alterações se realizadas em
outro momento.
A partir do método da pesquisa-ação, no encontro com o outro e o interesse
por suas lembranças, buscamos animar os sujeitos para o exercício ativo de suas
memórias e de imaginar uma “Totalidade-Mangueira”, de modo a fortalecer seu
sentimento comunitário e identitário compartilhado, ao mesmo tempo, em suas ilhas
e em “Toda-a-Mangueira”.
Frisamos, ainda, que o Jornal Bate Boca trabalha com “suportes exteriores de
memória” – fotografias, vídeos ou outros elementos ligados ao tema central – e que
está desenvolvendo um acervo de imagens dentro das temáticas abordadas no
jornal e das atividades agenciadas nos corredores culturais. Acreditamos que tais
elementos são testemunhos de um momento vivenciado em Mangueira e que são
significados a partir da memória social dos sujeitos no tempo presente. Assim, temos
consciência de que guardar os registros não garante a lembrança e o sentido dos
fatos abordados para os moradores.
Seguimos agora para o aprofundamento da investigação. Almejamos nos
lançar ao exercício de experimentações em arte e tecnologia, uma poética
tecnorrelacional, explorando a técnica de Realidade Aumentada e recursos
audiovisuais junto a “Toda-a-Mangueira”. Cabe-nos esclarecer que terminamos esta
pesquisa envolvidos com o Jornal Bate Boca: continuamos a desenvolver esse
projeto ainda que reconheçamos toda a dificuldade e todo o exercício que é se
aproximar do outro, de outra ilha.
151
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160
ANEXO A – Jornal Bate Boca, ano 1, n. 2, 1991
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ANEXO B - Jornal Bate Boca, 1. ed., out./dez. 2013
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ANEXO C - Cartaz do I Corredor Cultural do Jornal Bate Boca
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ANEXO D - Jornal Bate Boca, 2. ed., jan./mar. 2014
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ANEXO E - Cartaz do II Corredor Cultural do Jornal Bate Boca