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Rua 31 de Janeiro, n.º 22 2005-188 Santarém 243 305 080 R. Câmara Pestana, n.º 44 2140-086 Chamusca 249 769 160 e-mail: [email protected] PUB SEMANÁRIO REGIONAL O MIRANTE PORTE PAGO Autorizado pelos CTT a circular em invólucro fechado de plástico - Envoi fermé autorisé par les PTT Portugais Autorização - Autorisation - DE00302008GRC PME - Pode abrir-se para verificação postal Semanário - Ano XXII - N.º 905 - Preço: 0.60 - Director: Alberto Bastos - EDIÇÃO 22º ANIVERSÁRIO - 16 Nov 2009 Esta edição de aniversário de O MIRANTE vai marcar uma nova viragem nos destinos do nosso jornal como empresa e projecto editorial. A partir desta semana iniciamos com os CTT uma parceria que nos vai permitir sair do sistema do Porte Pago até final de Janeiro em todos os 23 concelhos da nossa área de abrangência. Vamos retomar, a partir dessa data, uma nova política de preços e de con- dições de assinatura que nos permitirá aumentar ainda mais a nossa influência junto dos leitores e anunciantes. Esta edição de aniversário está a chegar pela primeira vez a muitos leitores que provavelmente nunca receberam um jornal na sua caixa de correio. A parceria com os CTT vai permitir implementar novas regras na distribuição do jornal e na angariação de assinantes. Vamos fazer de 2010 o ano da implan- tação de O MIRANTE em concelhos onde ainda não temos presença significativa como é o caso de Ourém e Rio Maior. Vamos continuar a apostar na expansão do jornal no concelho de Vila Franca de Xira e Benavente onde o nosso trabalho é reconhecido e valorizado. Todos os dias Um jornal de serviço público vamos ter gente na rua a fazer jorna- lismo mas também a distribuir jornais, a angariar assinaturas, a conquistar a melhor publicidade do mercado junto dos melhores anunciantes da região. Temos projectos para o futuro que não podemos partilhar agora porque não cabem nestas linhas. É possível, no entanto, deixar aqui a promessa de que não vamos ficar muito tempo a festejar aniversários ou o êxito de edições como esta. Amanhã já estaremos a trabalhar numa próxima iniciativa. Vamos continu- ar a mostrar que a imprensa regional tem futuro e que o jornalismo de proximidade é um serviço público que ainda tem muito para dar às nossas comunidades. Centenário da República e desafios culturais Sentido de humor é fundamental António Valdemar 19 Paula Junqueiro 19 Orlando Ferreira 18 “Quem não se comunica, se trumbica!” As regiões desenvolvidas ganham quando têm uma imprensa forte José Eduardo Carvalho 15 Quando lá chegámos ainda havia fumo… José do Carmo Francisco 15 Eduardo João Martinho 14 Que fica de nós quando partimos? José Niza 11 Baptista-Bastos 11 À Redacção de O MIRANTE com o grato abraço do camarada mais velho Olham para os jornais como se fossem um espelho Testemunhos Joaquim Veríssimo Serrão 14 Vinte e dois anos a lutar pelo prestígio do Ribatejo

Jornal Aniversário

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Jornal Aniversário

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Rua 31 de Janeiro, n.º 22 2005-188 Santarém 243 305 080 R. Câmara Pestana, n.º 44 2140-086 Chamusca 249 769 160 e-mail: [email protected]

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S E M A N Á R I O R E G I O N A L

O MIRANTEPORTE PAGO

Autorizado pelos CTT a circular em invólucro fechado de plástico - Envoi fermé autorisé par les PTT Portugais

Autorização - Autorisation - DE00302008GRCPME - Pode abrir-se para verificação postal

Semanário - Ano XXII - N.º 905 - Preço: 0.60 - Director: Alberto Bastos - EDIÇÃO 22º AnIvErsárIO - 16 Nov 2009

Esta edição de aniversário de O MIRANTE vai marcar uma nova viragem nos destinos do nosso jornal como empresa e projecto editorial. A partir desta semana iniciamos com os CTT uma parceria que nos vai permitir sair do sistema do Porte Pago até final de Janeiro em todos os 23 concelhos da nossa área de abrangência.

Vamos retomar, a partir dessa data, uma nova política de preços e de con-dições de assinatura que nos permitirá aumentar ainda mais a nossa influência junto dos leitores e anunciantes.

Esta edição de aniversário está a

chegar pela primeira vez a muitos leitores que provavelmente nunca receberam um jornal na sua caixa de correio. A parceria com os CTT vai permitir implementar novas regras na distribuição do jornal e na angariação de assinantes.

Vamos fazer de 2010 o ano da implan-tação de O MIRANTE em concelhos onde ainda não temos presença significativa como é o caso de Ourém e Rio Maior. Vamos continuar a apostar na expansão do jornal no concelho de Vila Franca de Xira e Benavente onde o nosso trabalho é reconhecido e valorizado. Todos os dias

Um jornal de serviço público vamos ter gente na rua a fazer jorna-lismo mas também a distribuir jornais, a angariar assinaturas, a conquistar a melhor publicidade do mercado junto dos melhores anunciantes da região.

Temos projectos para o futuro que não podemos partilhar agora porque não cabem nestas linhas. É possível, no entanto, deixar aqui a promessa de que não vamos ficar muito tempo a festejar aniversários ou o êxito de edições como esta.

Amanhã já estaremos a trabalhar numa próxima iniciativa. Vamos continu-ar a mostrar que a imprensa regional tem futuro e que o jornalismo de proximidade é um serviço público que ainda tem muito para dar às nossas comunidades.

Centenário da República e desafios culturais

Sentido de humoré fundamental

António Valdemar 19

Paula Junqueiro 19

Orlando Ferreira 18

“Quem não se comunica, se trumbica!”

As regiões desenvolvidas ganham quando têm uma imprensa forteJosé Eduardo Carvalho 15

Quando lá chegámos ainda havia fumo…José do Carmo Francisco 15

Eduardo João Martinho 14

Que fica de nós quando partimos?

José Niza 11

Baptista-Bastos 11

À Redacção de O MiRAnte com o grato abraço do camarada mais velho

Olham para os jornais como se fossem um espelho

Testemunhos

Joaquim Veríssimo Serrão 14

Vinte e dois anos a lutar pelo prestígio do Ribatejo

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Director Geral: Joaquim António Emídio - Cart. Prof.: 3637; Director: Alberto Bastos - Cart. Prof.: 2295; ([email protected]) Chefe de Redacção: João Calhaz - Cart. Prof.: 3149 ([email protected]), Chefe de Redacção Adjunto: António Palmeiro - Cart. Prof.: 2984, Redacção: ([email protected]) Jornalistas: Ana Isabel Borrego - Cart. Prof.: 7987, Ana Santiago - Cart. Prof.: 4733, Elsa Ribeiro Gonçalves - Cart. Prof.: 5532; Fernando Vacas de Jesus - Cart. Prof.: 3712 ([email protected]), Ricardo Carreira - Cart. Prof.: 5536; O MIRANTE Económico (Suplemento produzido por Terra Branca - Comunicação Social, Lda.) Departamento Gráfico: Mário Cotovio, Fábio Oliveira; ([email protected]) Departamento Comercial: Carla Mendes, Marco Rodrigues; ([email protected]) Marketing/Publicidade e Projectos Especiais: Joana Salgado Emídio; ([email protected]). Departamento Administrativo e Financeiro: João Pedro Bento; ([email protected]); Recrutamento: [email protected]; Redacção Santarém: Rua 31 de Janeiro, n.º 22 - Ap. 389 • 2005-188 SANTARÉM • Telef.: 243305080 Fax: 243305081 [email protected] Redacção Vila Franca de Xira: Rua Serpa Pinto, n.º 130 - 1º andar - Apartado 10 086 2600-262 Vila Franca de Xira Telef.: 263 271 085 Fax: 263 271 280 Redacção Chamusca: Rua Câmara Pestana, n.º 44 •Ap. 34 2140-086 CHAMUSCA Telef.: 249769160 • Fax: 249769169 Proprietário: J. A. A. Emídio e Maria de Fátima Emídio, Rua Câmara Pestana, 46 • 2140-086 Chamusca Contribuinte 900 302 798 Sede do editor: L. Marª Marques de Carvalho, 22 2140 Chamusca Sede da Redacção: Rua Câmara Pestana, 46 • 2140-086 Chamusca Execução gráfica: O MIRANTE Apartado 389 • 2000-104 Santarém Impressão: Imprejornal, S.A. Distribuição: VASP - Sociedade de Transportes e Distribuição, Lda.

Fundado em 16 de Novembro de 1987S E M A N Á R I O R E G I O N A L

O MIRANTE

Preço assinatura anual Portugal 15,50€; Europa 70€; Resto do Mundo 110€

Inscrito no I.C.S. (sob o nº 112.570) Depósito Legal nº. 24646/88

Sócios Honorários do Clube de Leitores

Há 22 anos, quando O MIRANtE começava a dar os primeiros passos, eu era deputado na Assembleia da República. E, como é sabido, políticos, treinadores de futebol, toureiros ou estrelas de telenovela, lêem os jornais de outra maneira. Isto é, olham para os jornais como se fossem um espelho. E gostam de se ver bonitos.

Durante muitos anos de política activa – incluindo dois mandatos como presidente da Assembleia Municipal de Santarém – o espelho de O MIRANtE sempre me reflectiu como eu era: nem me fez fretes, nem me julgou na praça pública ou nas primeiras páginas.

Acompanhei a sua já longa caminhada, vi-o crescer, conquistar leito-res (e toneladas de publi-cidade!), e transformar-se em qualquer coisa maior do que um “jornal de bairro”: é hoje, ao que

José Niza*

julgo saber, o semanário regional com maior tiragem no País.

Por detrás destes fenómenos há sempre muito trabalho, imaginação e mais trabalho. E, chegado aqui, coloco em título, um nome, o do Joaquim António Emídio.

tenho dito e escrito que, de forma geral, considero a Imprensa regional um exemplo de isenção e de objectivi-dade. É que não leio em jornais como O MIRANtE, O Ribatejo, o Jornal do Fundão, por exemplo, os excessos, as injustiças e os atentados à dignidade e ao bom-nome das pessoas que hoje se escrevem diariamente em jornais ditos de “referência”.

Mas não há nenhum jornal que ao longo de muitos anos e de milhares de exemplares, não cometa erros ou injustiças, muitas vezes em nome do apuramento da verdade ou dos bons costumes. E O MIRANtE, como todos os outros, não está isento disso. É a vida.

*Médico, compositor, ex-deputado

Uma tese que fez escola, por algum tempo, defendia o princípio da «dis-tanciação» em jornalismo. Como se o jornalista nada tivesse a ver com o acontecimento que narrava, como se o jornal nada tivesse a ver com o jor-nalista, como se o jornalista fosse uma abstracção isenta de sentimentos e de emoções. Contrariei sempre e combati com veemência, às vezes com furor, esta aberração teórica, que conduzia à uniformidade do estilo e a um par-ticular pensamento único.

A grandeza de um jornal consiste, entre outras virtudes, na diversidade da escrita, na diferença dos olhares, na variedade das interpretações. E, sobretudo, na capacidade de os seus jornalistas em transmitir emoções, em relatar sentimentos, em captar o que oculta a careta humana, a dor humana, a alegria humana. A sábia

Baptista-Bastos*

À Redacção de O MiRante, com o grato abraçodo camarada mais velho

utilização das palavras é um factor determinante. Sem o conhecimento do idioma, sem a posse de um vocabulário que se não cinja aos rudimentos, sem uma relação quase sanguínea com as palavras - nada a fazer.

Para escrever, o jornalista tem de ler, ler muito, frequentar os clássicos, quase todos eles grandes jornalistas, como Fialho de Almeida, Ramalho, Camilo e Eça (jornalistas de génio), outros, muitos outros mais. Eles legaram-nos um tesouro valiosíssimo e forneceram-nos visões do mundo e do homem ainda hoje significativas. E estes de que falo, todos eles, tomaram partido, quero dizer: transmitiram as pessoais selecções que dos aconteci-mentos e dos factos faziam. tomar partido não é ser parcial: é possuir uma filosofia de vida e um conceito humanista do ser. A objectividade procura-se sempre, mas é inatingível. A independência não existe. Nada nem ninguém, sobretudo os jornalistas, está acima do pulsar da vida. E o jornal, não esqueçamos, é o monstro devorador dos quotidianos.

Há muitos anos que sou leitor do « OMIRANtE.» Ele fornece-me indica-ções preciosas sobre a vida do Ribatejo: vai à rua, fala com as pessoas, edita as pequenas e grandes angústias de quem aqui vive - incidências importantíssi-mas que os grandes rotativos ignoram com soberba e ostentação. Aliás, devo dizer, sou grande consumidor da Imprensa dita regional. E colaboro, quase desde sempre, no «Jornal do Fundão», de que «O MIRANtE» é parente próximo. Esta Imprensa das regiões do País constitui a expressão de uma outra liberdade. Uma liberdade estabelecida nos laços sociais que cria e desenvolve. Uma liberdade nascida na «aproximação» e não na «distan-ciação» com o leitor.

E qualquer destes periódicos reacti-vou e reabilitou as fundas tradições do grande jornalismo português. Um jor-nalismo fundador de uma literatura, de um estilo, de um modo de observar e de ajudar a raciocinar. Não só nos tempos do fascismo: ainda hoje, a Imprensa «do interior» leva, frequentemente, à construção de novas relações de pro-ximidade, e concilia o respeito mútuo com a dimensão colectiva dos seus objectivos. A «distanciação» afasta leitores, trata-os como desconhecidos, exclui-os da comunidade de afectos, redu-los a números.

Olham para os jornais como se fossem um espelho

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Sócios Honorários do Clube de Leitores

Há dias a Joana Salgado Emídio contactou-me no sentido de vir a ser membro honorário do Clube de Leitores de O MIRANTE. Nada lhe respondi então, mas fiquei a pensar no assunto, procurando encontrar uma explicação para o convite.

Porquê tal distinção? Bem ou mal, cheguei à conclusão de que o mérito não era intrinsecamente meu, antes dever-se-ia à minha respeitável idade... Não me parece que exista outra explicação. Nada fiz de especial pelo Jornal a não ser acreditar no projecto do Joaquim António Emídio em 1987 e nele ter colaborado desde o primeiro número até 2001.

Quando nos chamam “mestre” sem o sermos ou “professor” sem termos o título ou, neste caso, nos convidam para “membro honorário” de uma confraria, é caso para conferir o bilhete de identidade! Cara Joana, eis o que tenho a propor: vamos esperar mais algum tempo, porventura até que eu complete os 80… Passarei a ter mais um suplemento de ânimo para perseverar na vida. É assim como uma espécie de certeza de não morrer enquanto tiver um

Eduardo João Martinho*

Que fica de nós quando partimos?

testemunho para dar. Por associação de ideias, o convite da

Joana fez-me lembrar uma muito recente e inesperada afirmação da minha neta Inês: «Avô, tu estás velhinho, mas o mais importante é que eu gosto muito de ti.» A seguir, sentou-se a meu lado no sofá e aninhou-se. Fiquei sem fala. Aonde é que uma criança com menos de cinco anos vai buscar uma tão comovente “declaração de amor”?

O efeito da inexorável passagem do tempo, que é disso que se trata, leva a uma interpelação verbalizada por Teresa Martinho Marques numa das entradas do seu blogue Tempo de Teia: «O que fica de nós quando partimos?» Ela mesmo ensaiou uma (poética) resposta à sua própria pergunta: «A memória do que deixámos espalhado pela casa. As pegadas no coração dos outros. Impressões digitais que não desaparecem, nem se conseguem limpar. Vivemos sem luvas pela vida. Deixamos marcas em todos os lugares. A cor e forma das marcas dependem dos caminhos escolhidos. Dos caminhos percorridos.»

Passando em revista o que escrevi para O MIRANTE, pergunto-me: O que ficou dessa colaboração?

Para a generalidade dos leitores, provavelmente nada ou pouca coisa. Em regra, um artigo de jornal é para ter impacte num dado momento, passado o qual o seu destino é o “papelão”. Para ressuscitar o que se pretender arrancar ao esquecimento da “espuma dos dias”, só mesmo uma busca numa hemeroteca.

Para o autor, é diferente: Ele poderá ter visto alguns escritos seus reproduzidos num outro jornal ou em livro; poderá ter ouvido apreciações estimulantes em relação à abordagem de certos assuntos; poderá ter ajudado a esclarecer certas questões técnicas; poderá ter antecipado cenários políticos que se vieram a confirmar; etc. E estes factos também contribuem, directa ou indirectamente, para o prestígio do jornal.

Por múltiplas razões, O MIRANTE é hoje um semanário de referência com inúmeros leitores um pouco por todo o lado, para o que também concorre a versão on-line. Os “caminhos escolhidos” e os “caminhos percorridos” por Joaquim António Emídio e a sua equipa ditaram um êxito que “ficará” e que merece o nosso aplauso. Parabéns!

*????

Quando o chamusquense animado pela vontade e o coração, de seu nome honrado Joaquim António Emídio, resol-veu lançar O MIRANTE, não estava de-certo no seu propósito erguer o que viria a ser, vinte e dois anos depois, o jornal mais lido da província do Ribatejo.

Sendo a vila da Chamusca uma das mais benquistas povoações dessa área regional, não vislumbrava no seu ho-rizonte vir a ser um pioneiro da vida e das tradições ribatejanas. Pondo os seus fulgores de homem dinâmico e de intelectual activo da sua Chamusca à região envolvente, não lhe passava pela mente que o seu pequeno jornal pudesse vir a ser mais que um órgão de dimensão regional, aquilo em que hoje se tornou: um autêntico repositório dos anseios da sua província natal.

Joaquim Emídio sabia, pela sua expe-riência de jornalista, o papel de outros semanários de informação de há muito lançados na província do Ribatejo. Basta mencionar dois exemplos: o centenário

O Correio do Ribatejo lançado em Santa-rém no ano de 1891 e que até ao ano de 1943 se chamou Correio da Estremadura, fundado pelo jornalista João Arruda, veio a ter como director o homem de letras, advogado e historiador Dr. Virgílio Arru-da, que deu ao semanário uma dimensão nacional. O segundo órgão regional da província chamou-se Vida Ribatejana e surgiu pelo ano de 1930 na castiça Vila Franca de Xira. Os dois semanários ainda perduravam três a quatro gerações mais tarde, já não falando de outros jornais de mais curta existência que entretanto deixaram de se publicar.

Entretanto a população de Portugal aumentou; as iniciativas de ordem re-gional aumentaram e o Ribatejo ganhou uma nova dimensão. Não obstante as reformas administrativas que pretende-ram acabar com a designação Ribatejo (Trocada pela de Vale do Tejo), a verdade é que a antiga designação não acabou. Continuou a caracterizar a região que desce de Ferreira do Zêzere e depois se unifica desde Abrantes até à cidade de Lis-boa, região que na margem esquerda se estende desde a Chamusca até Alcochete e ao Montijo e, na margem esquerda, reú-ne os concelhos de Rio Maior, Azambuja e Vila Franca de Xira: no conjunto de três regiões demarcadas (A Lezíria, o Bairro e a Terra de Benavente e Coruche) existe uma fisionomia típica que os geógrafos não recusam chamar geográfica.

Com a juventude que então possuía e ainda, graças a Deus, possuiu, Joaquim Emídio, em 16 de Novembro de 1987, lançou o seu O MIRANTE, que logo estendeu da sua Chamusca natal a toda a província do Ribatejo, com ardor de homem do Ribatejo, sem pensar nas dificuldades a vencer, procurou outras áreas do Tejo que se impunha beneficiar e elas não faltaram ao seu chamamento. Subiu até à cidade de Tomar e terras de Dornes, aventurou-se à industriosa Alca-nena e à agrícola Rio Maior, transformou o nosso Ribatejo numa província maior. O director do pequeno semanário nascido na Chamusca deu ao nosso Ribatejo, se não uma dimensão maior, pelo menos uma “alma” maior onde cabem todos os anseios e esperanças da província do Ribatejo, o que significa todas as mani-festações de vida e dos homens, da terra que o rio Tejo banha e fertiliza.

*Professor, Doutor, Historiador

Joaquim Veríssimo Serrão*

Vinte e dois anos a lutar pelo prestígio do Ribatejo

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Não exageraria em considerar o jornal O MIRANTE um study case dos mass media. Continuo sem saber se o sucesso do jornal advém da força do seu projecto editorial ou da criteriosa e competente gestão da empresa e da estrutura que o suporta. Conheço muito pouco de comu-nicação social para arriscar uma opinião. Mas constato, que a par do Expresso e de A Bola, referências dos media nacionais, O MIRANTE é a referência incontornável dos jornais regionais. Tal facto afere-se pela tiragem, muito superior à maioria dos títulos nacionais, pelo número de colaboradores, e pela influência e poder que apresenta.

Ao longo deste percurso de vinte anos, sempre conheceu uma evolução constante mas sustentada. As opções que estiveram na base e que fundamentaram o seu crescimento foram sempre felizes.

As regiões desenvolvidas ganham quando têm uma imprensa forte

José Eduardo Carvalho*

Refiro dois ou três exemplos. Primeiro, a estratégia de penetração em determi-nados mercados regionais: a região do Sorraia, depois Vila Franca de Xira, agora a Área Metropolitana de Lisboa, e pelo que constato, Ourém/Fátima. Segundo, a diversificação das edições em segmentos geográficos. Permite uma oferta jornalís-tica diferenciada, optimizando um corpo comum de conteúdos, elaborados por um núcleo restrito de colaboradores. Esta es-tratégia editorial permitiu concretizar um projecto regional de comunicação, não aumentando excessivamente os custos operacionais. Por último, a distribuição do jornal com o Expresso no distrito de Santarém. Não conheço as contrapartidas dadas por O MIRANTE ao Expresso, neste acordo, mas reconheço as grandes vanta-gens que O MIRANTE dele retira.

As regiões desenvolvidas e dinâmicas tudo têm a ganhar em possuírem uma impressa forte, independente e responsá-vel. Têm as empresas, as instituições e as autarquias. Se não percebermos isto, não perceberemos o momento que estamos a viver nesta região.

*Presidente da Direcção da NERSANT, AE

Sócios Honorários do Clube de Leitores

Quando lá chegámos ainda havia fumo…

José do Carmo Francisco*

Estou ligado a O MIRANTE não desde sempre mas para sempre. Para mim jorna-lismo e literatura sempre estiveram ligados. Eu entrei para o jornalismo em 1978 por causa da literatura. Escrevi um poema na morte do poeta Ruy Belo e enviei-o ao jornalista Carlos Pinhão que sabia ser seu amigo. Dois dias depois tinha o subchefe de redacção de A BOLA no BPA da Rua do Ouro para me dar os parabéns e dizer que o poema seria publicado no «Diário Popular». Falta explicar que o jornal A BOLA era impresso nas oficinas do «Diário Popular» cujo director era Jacinto Baptista, daí a relação.

Com O MIRANTE foi parecido. Publi-quei na colecção Salamandra ao lado de um poema do fundador de O MIRANTE – Joaquim António Emídio. Conheci-o na Fundação Gulbenkian. Quando em 1997 fui convidado a integrar os seus quadros redactoriais eu já conhecia O MIRANTE há uns anos e já tinha publicado colabo-ração esporádica. Durante quase cinco anos caminhei duas vezes por semana para Santarém. Primeiro para a Rua Serpa Pinto, depois para o Beco dos Agulheiros.

Participei na fundação do Suplemento Cultural ALMA NOVA e alguns dos meus livros foram publicados por O MIRANTE: «1983 – Um resumo», «Mesa dos extrava-gantes», «O saco do adeus» e «As embos-cadas do esquecimento».

Como jornalista entrevistei pessoas quase anónimas (a mãe de Carlos Cruz quando fez cem anos, uma senhora da Madalena de Tomar que festejou cem anos na EXPO 98) e escritores e artistas naturais ou radicados no Ribatejo como por exemplo Mário Ventura, Alçada Baptista, Carlos Vale Ferraz ou Helena Marques. Lembro-me de que fui eu, em O MIRANTE, quem pela primeira vez denunciou o facto de José Torres só ter na Segurança Social os descontos de quando em 1956 era apenas aprendiz de torneiro nos Claras de Torres Novas. (Falo destes nomes apenas de memória – não tenho fichas nem ficheiros electrónicos, tudo o que fiz está encadernado nas colecções do jornal).

Costumo recordar sempre a história do homem que veio avisar o seu jornal de um fogo – não os bombeiros nem o governo civil mas sim o seu jornal. Veio numa bici-cleta a pedais e eu, repórter disponível, lá fui com ele para escrever a notícia daquela vida em perigo. Era uma mulher entrevada numa casa de um bairro operário no cora-ção da cidade que julgo já não existir hoje. Estampado no rosto do homem a convicção de que nem a polícia nem os bombeiros nem os poderes convencionais poderiam resolver o seu problema. Apenas o seu jor-nal – O MIRANTE. Como as casas ao lado da senhora estavam abandonadas iam para lá drogados que queimavam os colchões. Daí o medo do senhor que me foi chamar de bicicleta. Sei que quando lá chegámos ainda havia fumo. É esta a força junto dos seus leitores que O MIRANTE mantém e desenvolve hoje em dia. Estamos em 2009, já passaram 8 anos sobre a minha saída de um jornal onde me tornei mais jornalista, mais cidadão e mais escritor. A minha vida nunca teria sido tão rica, variada e compensadora se não tivesse passado por O MIRANTE. Quando troquei este jornal a 90 quilómetros por um outro à porta de casa, cometi um dos erros da minha vida. Hoje estou na revista «Ler» e resta-me continuar a fazer parte da grande equipa de O MIRANTE mas do lado de cá. Como leitor atento, documentado e feliz de um grande jornal.

*Escritor

16 Novembro 2009 | O MIRANTE16 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 17

16 Novembro 2009 | O MIRANTE18 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Sócios Honorários do Clube de Leitores

«O Rio de Janeiro/ Continua lindo/…Alô torcida do Flamengo/ Aquele abraço!...Chacrinha continua/ Balançando a pança/ E buzinando a moça/ E comandando a massa/ …Alô, alô, seu Chacrinha/ Velho guerreiro/ Alô, alô, seu Chacrinha/ Velho palhaço/ Alô, alô, Terezinha/ Aquele Abraço!... Alô moça da favela/ Aquele Abraço!/ Todo mundo da Portela/ Aquele Abraço!...

Na comunicação há uma velha máxi-ma de êxito garantido: «Num texto ou numa exposição oral, devemos sempre começar por dizer “o que se vai dizer”, dizer de seguida “o que se tem a dizer” e terminar “dizendo o que se disse”.»

Não irei utilizar esta máxima de enorme utilidade mas vou tentar manter como pano de fundo o jornal O MIRANTE; o meu Portugal, país do desenrascanço e “uma questão que, também eu, tenho comigo mesmo” e, finalmente, Chacrinha, velho guerreiro que distribui hoje alegria e irreverência no “andar de cima”. Escrever (tal como viver) é escolher e eu escolhi.

Fui rever e fiquei a saber que O MIRANTE apareceu pela primeira vez em 16 de Novembro de 1987, na Chamusca, como mensário de 16 páginas e com uma tiragem de dois mil exemplares. Apresentava-se com uma máxima bem definida: O caminho faz-se caminhando!

Nestes anos, O MIRANTE ajudou-nos a processar conhecimento, a viver a cidadania e a perceber um pouco melhor a vulnerabilidade da condição humana.

Vivemos hoje num tempo especial

onde o futuro parece cada vez mais digital e onde somos ameaçados com o desapa-recimento de tudo o que está relacionado com os velhos media - Gutenberg, direitos de autor, rádio, televisão, anúncios, etc. Com notícias exclusivamente online, em actualizações constantes, com cada um a receber os canais que quiser, pelas redes sociais que quiser, o que é que sobrará então para os jornais em papel? Quem sabe afinal o que, neste âmbito, nos estará reservado no futuro?

A vertigem tecnológica apossou-se já do nosso quotidiano. Reféns da ideologia da novidade, somos hoje forçados a lidar com a abundância de oráculos. Wikipe-dia, Google, Youtube, Napster, Flickr, Facebook, Twitter são para muitos a vanguarda… e a tradição já amanhã!

Em “Ideias Optimistas”, livro recen-temente editado em Portugal, Walter Isaacson escreve de uma forma muito curiosa: «Imaginemos que nos últimos 550 anos a nossa informação nos tinha sido entregue de forma digital através de ecrãs. Depois, um qualquer Guten-berg moderno, tinha inventado uma tecnologia que permitia transferir estas palavras e imagens para páginas de papel (…) que podíamos levar connosco para o pátio, para o banho ou para o autocarro. Certamente ficaríamos encantados com este enorme passo em frente e iríamos prever que esta tecnologia um dia seria capaz de substituir a Internet.”

Voltando ao nosso labirinto e à nossa realidade, o que sabemos é que ao longo destes anos, O MIRANTE tem sido uma fonte privilegiada de comunicação onde a oportunidade, a clareza e a simplici-dade têm sido marcas determinantes. Assim continue, são os meus votos. Com bom senso, bom gosto e golpe de asa! Muito caminho tem ainda para caminhar…

Apesar da sua utilidade, não utilizei a velha máxima referida no início do texto! Eu desenrasco-me, pensei eu! O desenrascanço é talvez uma capacidade genuinamente portuguesa e é hábito dizer-se: ‘Entre mortos e feridos alguém há-de escapar’. Sabemos que nem tudo o que pode correr mal em teoria, corre mal na prática e, até desconfiamos que a Lei de Murphy tenha aplicação em Portugal.

Há quem tenha já tentado desmontar os mecanismos que fazem mover o homo economicus lusitano talvez para que o paradigma português dos três ‘pês’ (pobres, periféricos e preguiçosos) se transforme no paradigma dos três ‘ós (organizados, orgulhosos e ousados). Mas, na realidade, continuamos a ser um país de muita fidalguia sem nobreza onde reina ainda o “Sô Doutor”, instituição nacional criada pela República para substituir a aristocracia. E continua-mos também com a obsessão da mítica grandeza do passado. Permanecemos dominados pela ambição de “levantar hoje de novo o esplendor de Portugal” e de recuperar a grandeza perdida dos “egrégios avós”. Mas, verdadeiramente, esse “esplendor” nunca existiu! Se, como país, não percebemos a nossa identidade

‘vocacional’… há aqui muito trabalhi-nho para os media.

Não perdi ainda uma visão opti-mista de Portugal e continuo mesmo a surpreender-me com a qualidade e a quantidade das nossas inúmeras ri-quezas. No entanto, lamentavelmente, vivemos permanentemente num am-biente de “imagem, sondagem e saca-nagem”, numa esquizofrenia colectiva muito dominada pela cunhocracia e pela ‘canalhocracia’ (termo atribuído a D. Pedro V, quando o Partido Regenerador desapareceu).

(Tenho à minha frente dois jornais diários do passado dia 28 de Outubro e nem preciso de ler para além das linhas. No jornal ‘i’ desse dia, o ex-ministro da Justiça, Alberto Costa, ao passar a pasta ao outro Alberto, de quem se diz amigo há mais de 40 anos afirmava: “As amizades na política moderna exigem esfaqueamentos, abandonos, rejeição, intriga…” e, do outro lado da barrica-da, no Diário de Notícias, Luís Filipe Menezes afirmando que poderia estar agora a formar Governo dizia: “Saí do PSD porque me fizeram a vida negra”. Stultorum infinitus est numerus é uma verdade confirmada pela autoridade de Deus.)

Profissionalismo, bom senso, compe-tência e ética são atributos necessários ao exercício do poder. Mas não estamos sós, até na melhor Universidade do mundo, em Harvard, a Ética continua a ser uma disciplina de opção…Compete também aos media, onde se inclui O MIRANTE, fazer com que nesta sociedade cada vez mais complexa, possamos ver mais longe e mais depressa e ter, como dizia Mon-taigne: “Antes uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia”…

Ouvir rádio é uma continuada emo-ção! É mesmo a minha companhia de todos os dias quando me desloco para a empresa. Por acaso ou talvez não, só recentemente reparei na letra de ‘Aquele

Abraço’, fantástica canção interpretada por Gilberto Gil.

É uma ode a Chacrinha, ao maior comunicador do Brasil que se foi embora em 1988. Ele era a alegria, era o circo, era palhaço, mágico e mestre de cerimónias. O povo brasileiro não se esquecerá nunca do Velho Guerreiro “balançando a pança e comandando a massa”. “Quem não se comunica, se trumbica!” é uma das suas expressões mais populares, aquela que ele mais vezes repetia.

Também eu a utilizo frequentemente e nunca precisei de saber o significado de “trumbicar”, para entender o que Chacrinha nos pretendia verdadeira-mente dizer…

Revisitar Chacrinha fez-me também recordar a história de alguém que, não sa-bendo uma palavra de alemão, afirmou ao ouvir um discurso de Hitler: “Não percebo nada do que ele está a dizer, mas, pela forma como o diz, percebo perfeitamente o que ele quer dizer”.

As mensagens orais, contrariamente ao que ocorre nas mensagens escritas, fornecem a quem as ouve, sinais de interpretação, ficando os ouvintes à mercê do processo expositivo do orador. Quando alguém lê um texto, está apenas dependente de si próprio e corre mesmo o risco de se ‘trumbicar’! Mas neste caso, tem a oportunidade de voltar atrás, reler, passar adiante, rever, ponderar, reinterpretar, prestar mais ou menos atenção a qualquer uma das partes do texto consoante a sua necessidade e o seu interesse.

É assim bem maior o desafio para quem escreve do que para quem fala. É esse o dia-a-dia de O MIRANTE e, segun-do consta, não se tem ‘trumbicado’!

Alô Chacrinha, Alô Portugal,Alô O MIRANTE…aquele abraço!

* Administrador da Rodoviária do Tejo

Orlando Ferreira*

Alô, alô O MIRANTE….aquele abraço!

“Quem não se comunica, se trumbica!”

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 19

Sócios Honorários do Clube de Leitores

O Mirante, desde a sua fundação, tem proporcionado um conhecimento e reflexão em torno dos problemas da região, do pequeno grande mundo do ribatejo e a sua partilha nas respon-sabilidades do presente e inquietações do futuro. Os 22 anos de existência do jornal colocam-nos perante um diver-sificado registo de acontecimentos que transformam O Mirante, numa refe-rência para avaliar o que tem ocorrido em múltiplos domínios locais, nacionais e também internacionais.

apresento, nesta data, ao meu colega Joaquim emídio e à sua equipa – que possui um conjunto de jornalistas de notáveis em qualquer local do país e em qualquer órgão de comunicação social – as minhas saudações a propósito de mais este aniversário.

O Mirante tem pela frente indecli-náveis desafios. Circunscrevendo – me a algumas realizações que também fazem parte do programa de actividades da academia nacional de Belas artes da qual tenho a honra de ser presidente, desde 2008, destacarei, para o ano de 2010 e no espaço de Santarém: o segundo centenário de Herculano que está a motivar um dossier destinado a

preparar um conjunto de intervenções públicas e uma significativa recolha e sistematização de textos dispersos com grande impacto para o ribatejo; e o desejo de reeditar com as respectivas actualizações (a cargo do Prof. Dr. Vic-tor Serrão que faz parte da academia nacional de Belas artes e de alguns dos seus colaboradores) o inventário artístico de Santarém, elaborado por Gustavo de Matos Sequeira. a acade-

mia espera contar com a colaboração do Dr. Francisco Moita Flores que sempre dedicou apreço à cultura e que teve como mandatário da sua reeleição o Dr. Pedro Canavarro que pertence à academia nacional de Belas artes.

Outras realizações que abrangem a Golegã encontram-se inscritas no pro-grama da academia: apoiar a integra-ção no Património da Unesco, da casa de Carlos relvas e do seu fabuloso espólio internacionalmente já reconhecido; celebrar o centenário do nascimento do escultor Martins Correia. a academia já escreveu a este respeito, ao Dr. José Veiga Maltez, presidente da Câmara da Golegã, que voltou a ser reeleito e vai, continuar a obra de grande significado e alcance e que retirou a Golegã da rotina e da mediocridade.

O centenário da proclamação da república avulta nas prioridades culturais e cívicas de 2009/2011. Os principais Símbolos da república foram elaborados por artistas e intelectuais que fizeram parte da academia. tive a honra de ser designado, representante da academia das Ciências na Comissão nacional das Comemorações. O facto foi logo comunicado, pelo presidente da academia à comissão, indicando todos os meus contactos. Por outro lado, como presidente da academia das Belas artes, em diversa correspondência enviada, nomeadamente ao Dr. artur Santos Silva já me prontificara a colaborar com a Comissão nacional.

na sequência da sessão pública efectuada no dia 6 de Outubro na academia e acerca dos Símbolos da república,- bandeira, hino, busto, mo-edas, medalhas e selos -- aguardamos, até ao momento, uma resposta do presidente da Câmara de torres novas perante a disponibilidade de colabo-ração da academia com o município, pois o espólio de alfredo Keil, um dos autores do hino nacional a Portuguesa -- segundo aceitação dos herdeiros e responsáveis da autarquia, mencionada em O Mirante -- ficaria nas actuais instalações do Museu e Biblioteca.

Por tudo isto (e muito mais) O Mi-rante pode contribuir para: colocar as grandes figuras da república, os seus espólios, o testemunho e a lição da sua entrega aos princípios da cidadania, no mapa cultural e político do ribatejo.

*Presidente da Academia Nacional de Belas Artes

Sócio efectivo da Classe de Letras da Academia das Ciências

Comemorar na academia de Belas artes o segundo centenário de Herculano com um conjunto de intervenções publicas e uma recolha e sistematização de textos dispersos com grande impacto para o ribatejo

a reedição actualizada do inventário artístico de Santarém, elaborado por Gustavo de Matos Sequeira, um dos maiores eruditos do século XiX.

O apoio da academia nacional de Belas artes à Câmara da Golegã: na integração no Património da Unesco, da casa de Carlos relvas e nas comemorações do centenário do escultor Martins Correia

a disponibilidade da academia colaborar com a Câmara de torres novas pois o espólio de alfredo Keil, um dos autores do hino nacional a Portuguesa ficaria nas actuais instalações do Museu e Biblioteca desta cidade, juntamente com o espólio de Maria Lamas.

Colocar no mapa cultural e político do ribatejo as grandes figuras da república, os seus espólios, o testemunho e a lição da sua entrega aos princípios da cidadania.

António Valdemar*

Centenário da República e desafios culturais

Gosto das pessoas com sentido de humor. acho que elas sabem que o riso é também a melhor forma de exercer a crítica. e de desarmar os outros. e de os surpreender. estas são exactamente duas das características que mais ad-miro e que hoje gostaria de destacar também no jornal O Mirante. O sentido de humor e o sentido crítico, inseparáveis se quisermos intervir de forma inteligente e justa, têm de nortear a política redactorial de um jornal. O Mirante sabe isso muito bem. Provavelmente há já 22 anos. De forma mais próxima, só o conheci recentemente - desde a altura em que fez a cobertura do “Fatias de Cá Bar É” em Constância. e gostei. também por isso gosto de fazer parte do Clube de Leitores.

Constância, Nov. 2009.

Paula Junqueira*

Sentido de humor é fundamental

16 Novembro 2009 | O MIRANTE20 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

O Clube de Leitores de O MIRANTE é uma associação sem fins lucrativos que pretende juntar todos os leitores do nosso jornal à volta de interesses comuns. Os membros do Clube de Leitores de O MIRANTE serão convidados para todas as iniciativas por nós organizadas. Serão ainda desafiados a participar em visitas turísticas guiadas e outras iniciativas de âmbito cultural que a administração do jornal e a direcção do Clube de Leitores do jornal venha a organizar.

O Clube de Leitores de O MIRANTE arrancou em Maio deste ano, mas

estava pensada há algum tempo. Joaquim Veríssimo Serrão (Santarém), Leonel Correia Guiomar das Neves (Pego - Abrantes), Dionísio Mota Leiria (Amadora) Jack Fernandes (Alaska-EUA) que pagaram as suas assinaturas com valores muito acima dos preços estabelecidos, fazendo-o por iniciativa própria, foram os primeiros membros do Clube de Leitores de O MIRANTE.

Para ser membro do Clube de Leitores de O MIRANTE basta pagar um mínimo de cinco euros, para além do preço de assinatura anual do jornal. Os membros associados do Clube de Leitores

poderão, no futuro, ter acesso a entradas gratuitas em espectáculos da sua área de residência, fruto de protocolos que O MIRANTE irá desenvolver com as autarquias locais e associações, assim como de outros produtos que venham a ser negociados com empresas parceiras de O MIRANTE.

Para saber mais informações sobre esta iniciativa e a forma como pode fazer parte do Clube de Leitores de O MIRANTE escreva para o nosso jornal ou telefone e fale com o departamento de assinaturas e promoção de O MIRANTE.

Clube de Leitores de O MIRANTE continua a crescer

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Depoimento

Compreender alguns leitores de O MIRANTE não é tarefa fácil. São portugueses que comunicam através de uma linguagem demasiado avançada. Escrevem palavras que não encontro nos dicionários e prontuários antigos. Que não constam do acordo ortográfico. “kem foi u palhaxu k dix ixtu pa ?????? e assim kem anda a dizer ixtu k xe kale pa e k ixtu n e pa guxar!!!! ax: vegeta”. Esta mensagem estava há dias na caixa de correio electrónico dos comentários. Pensei responder para solicitar ajuda ao autor. Desisti. Percebi que o meu interlocutor não compreenderia a minha ignorância.

Há quem use outras línguas para nos contactar. Por estes lados não há Mirandês mas há quem escreva em Min-

Obrigado leitores por tudo o que me dão mesmo quando me dão na cabeça

derico, o antigo calão dos vendedores de Minde. “Sou antónio forno desta piação. Jordaria copiíssima a do alberto guedes 14 do quadrazal do cresta com regatinha cópia pra diante. Jordamos vila franca que esse engenho seja emanado. Carlos Amoroso”. Que me perdoe o autor do e-mail por não lhe ter dado resposta nem lhe ter publicado o texto. Eu sabia lá se se tratava de alguma ofensa ao Profeta. Se fosse a chamar-me cabeça de abóbora, porque não?! Comparado com muitos mi-mos que me dirigem, cabeça de abóbora até seria simpático.

Por falar em legumes deixem-me apresentar um hortelão de primeira. Tem um pseudónimo vegetal e usa o vernáculo reticente. Ou seja, aquele que tem reticências. Benza-o Deus. “É uma me..a

Alberto Bastos*

voçês são uns filhos da p..a!!!!! Cabeças de c.....o. nome: jaquim das Couves”. Deste género há mais uns tantos leitores atentos e agradecidos. Não pagam nada e desabafam em grande. Poupam no psiquiatra e não precisam ir ao futebol insultar os árbitros. “Cobarde escondeste no nome de guarda-rios, note-se que és de facto um grande porcalhão, também nunca te vi mudar de cuecas. nome: maria Alves”. É a faceta terapêutica de O MIRANTE. Levamos com aquilo tudo em cima e nem refilamos. Serviço público à antiga portuguesa.

Alguém escreveu há tempos que os fóruns da internet e as caixas de comen-tários dos jornais funcionam como as portas das casas de banho públicas. Locais onde, sob anonimato se escrevem, im-punemente, as maiores alarvidades. Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Alguns comentários dirigidos a O MIRANTE, podem ser anónimos e agressivos mas en-sinam-nos muito sobre o estado da nossa democracia. Sobre este nosso país. Sobre a maneira como encaramos o diálogo, a tolerância. “Só um porco faz esta notícia. Por causa desta notícia vou votar João de

Carvalho”. Nome: ricardo miguel de sá Fonseca. E escreve um outro: “Gostava de saber quem é esse Sr.Paspalho que se esconde por detrás de um nome fictício e uma máscara.....................grande valente este socialista encapotado, a soldo de al-guém que nem sequer se mostra, algum frustrado. nome: rui Filipe”. Uma escola de vida a caixa dos comentários às notí-cias. Eu não falto a nenhuma aula.

A maior parte dos e-mails dos leitores de O MIRANTE é valiosíssima. Aponta er-ros, lança o debate, denuncia situações, dá informações e sugestões. “Desde quando Porto Alto é freguesia? Nome: José”. “Agradecia que corrigissem esta notícia pois o referido pátio e a rua do Pinheiro situam-se no casco antigo da vila de Be-navente, sede de Concelho e de Freguesia. Cumprimentos. nome: António Neves”. “Deveria esse artigo informar mais. Estou fazendo uma pesquisa e esse artigo não foi muito útil para mim! Tentem mel-horar um pouco mais! nome: secreta”. Prometemos que iremos melhorar, amiga secreta. Prometemos!!!

*Jornalista - Director Editorial(Carteira Profissional 2295)

Por falar em legumes deixem-me apresentar um hortelão de primeira. Tem um pseudónimo vegetal e usa o vernáculo reticente. Ou seja, aquele que tem reticências. Benza-o Deus.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE26 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Tem 84 anos. É médico há 60 anos. Filho único de uma família da Chamusca que vivia do comércio. Orlando Lopes continua a dar consultas no seu consultório de Lisboa para entreter o tempo e para não mergulhar na solidão. Uma doença que mata. Formou-se em clínica geral em 1947 por causa do seu professor da primária que convenceu os pais do pequeno rapaz interessado pelos estudos a mandá-lo para Lisboa porque daria um bom médico. Orlando Lopes foi director, durante muitos anos, do serviço de hemoterapia do Instituto Português de Oncologia (IPO) em Lisboa. É do tempo em que as pessoas não fingiam estar doentes para faltar ao trabalho e hoje o seu maior tormento é a morte. A dos amigos, que lhe deixam muitas saudades, e a dele, na qual pensa cada vez mais.

Quando era criança já desejava ser médico?

A ideia foi do meu professor de ins-trução primária. Ele falou com os meus pais dizendo que, pelo meu grande interesse pelos estudos, valia a pena ir para medicina. Curiosamente, depois de me formar passei a ser o seu médico durante pelo menos 40 anos.

Como é que a sociedade via a profissão?

O médico era uma pessoa muito considerada e respeitada, era a pessoa mais importante da localidade. Hoje as pessoas mais velhas ainda têm um grande respeito, mas os mais novos consideram o médico como um profis-sional que está ali para resolver o seu problema, simplesmente.

Qual foi o seu primeiro trabalho como médico?

Comecei em 1949, depois de cumprir o serviço militar, por trabalhar com os ferroviários.

Que memórias tem da tropa?Na altura assinei um manifesto de

apoio à candidatura de Humberto Del-

“As pessoas contavam mais segredos ao médico que ao padre”Orlando Lopes, médico natural da Chamusca, aos 84 anos ainda dá consultas

gado contra Salazar e por causa disso mandaram-me para a bateria antiaérea de Leixões. Acabei por tratar um fami-liar do comandante da unidade e ele escreveu uma recomendação. Nunca li o que tinha escrito, mas quando entrei para o Instituto Português de Oncologia soube que tinha sido aceite por causa do comandante. A PIDE tinha recebido boas indicações minhas por parte do comandante, o que anulou o episódio do apoio à candidatura.

Como era ser médico quando ini-ciou a profissão?

Trabalhava-se de dia e de noite. Tínhamos que ir a casa dos doentes sem-pre que éramos chamados, a qualquer hora. Nessa altura não havia grandes fingimentos. As pessoas quando cha-mavam o médico era porque estavam mesmo doentes. Ninguém andava à procura de motivos para faltar ao trabalho.

Porque é que hoje já não é as-sim?

Houve uma revolução para mudar o estado do país. Mas bruscamente houve muita gente que pensou que se podia mudar do zero para o infinito. Verificou-se uma mudança grande na relação médico-doente.

Antigamente as pessoas reconhe-ciam mais o papel do médico?

Era habitual dar-se prendas pelo reconhecimento do empenhamento na resolução do seu problema de saúde. Primeiro pediam desculpa pelo atre-vimento e depois lá entregavam uma cesta de ovos, uma galinha, uma peça de louça…

A medicina evoluiu muito desde que se iniciou na profissão…

O aparecimento dos meios de diag-nóstico vieram permitir uma melhor intervenção, a descoberta de determi-nadas doenças e um melhor tratamen-to. Antigamente o diagnóstico era feito através da auscultação, palpação e da conversa.

Hoje o médico já não conversa muito com o paciente.

Sim, mas a conversa é muito impor-tante. Agora o doente chega, queixa-se e o médico manda fazer uma bateria de exames complementares. Isso é muito grave, porque muitas vezes o que a pessoa tem é uma doença mais do foro emocional do que orgânico e a conversa permite fazer esse despiste.

O médico também era um con-fidente. Contaram-lhe muitos se-gredos?

Muitos confessavam ao médico mais

coisas que ao padre.Lidou muitos anos de perto com

doenças como o cancro. Como foi essa experiência?

Era muito incómodo e triste comu-nicar aos familiares do doente que este tinha um cancro e que não ia sobreviver.

A morte incomoda-o?Aconteceu muitas vezes termos

uma relação mais prolongada e mais próxima com um doente que acabava por morrer. Sentia uma grande tristeza e normalmente não falava do assunto, não era capaz de desabafar.

Lidou muito tempo com a morte dos outros. Pensa também na sua morte?

O viver mais tempo é muito preju-dicial nesse pensamento. Vamos vendo os outros a desaparecerem e a ficar com saudades deles. Isso não é muito agradável. É inevitável os mais velhos

pensarem na morte. Quem é que o procura actualmen-

te no seu consultório?As pessoas mais velhas que ainda

gostam que o médico os ouça. As pes-soas mais novas não têm tempo para conversar.

Porque é que continua a traba-lhar?

O pior que existe actualmente é o isolamento e o medo. Trabalho para estar fora de casa, para conviver, para estar entretido e vou continuar até conseguir.

Acredita em Deus?Há coisas que são difíceis de enten-

der. Há coisas que não têm uma expli-cação lógica. Às vezes interrogamo-nos porque é que uma pessoa tão boa, tão jovem, morreu. É difícil responder a isso e acredito que há um poder superior.

Entrevista publicada em 15/11/2007

JAEAntónio Palmeiro

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 27

À hora da entrevista o médico Orlan-do Lopes acabava de estacionar o carro na Rua Mouzinho de Albuquerque, no bairro Azul, na Chamusca, frente à sua casa. Sai da viatura com uns sacos. Tinha ido às compras. Dá os bons dias com uma grande simpatia e encaminha-se para a porta alta da entrada do edifício de dois pisos de traça antiga, onde sempre morou. Só usa a casa aos fins-de-semana ou nas férias, porque o resto do tempo passa-o na sua casa de Lisboa, onde tem consultório e trabalha de segunda a sexta-feira mas só durante meio-dia. Uma forma de estar entretido.

Apesar dos seus 84 anos é uma pessoa enérgica. Sobe com ligeireza a escadaria de madeira, a cheirar a cera, até ao primeiro andar. Abre a porta da sala composta de móveis antigos, com poucos artigos de decoração, sem livros. A casa transparece simplicidade como simples é o entrevistado. Primeiro quer saber que tipo de perguntas vão ser feitas, para se preparar. Depois as palavras vão saindo. Faz umas pausas para se tentar lembrar de datas de episódios de uma vida dedi-cada à medicina.

Veste-se de forma informal. A sala está escura mas a determinada altura

levanta-se para abrir as janelas e entrar mais luz na casa de tectos muito altos que faz com que o frio se concentre. Fala numa voz calma, sem vaidades tentando explicar o melhor que sabe o que lhe é pedido. Não se mexe do seu lugar no sofá demonstrando não estar nervoso por dar uma entrevista.

Orlando Lopes é a imagem de uma pes-soa simples, encantadora, conversadora e que gosta de companhia. Emociona-se quando fala dos amigos que já morreram. Pela conversa de cerca de uma hora fala várias vezes na amizade. Parece ser al-guém que ainda preza muito os amigos, que é capaz de abdicar de coisas para preservar a amizade e os valores de uma sociedade fraterna.

Não tem pejo em dizer que durante muitos anos as pessoas da Chamusca,

de onde saiu muito novo mas onde é uma pessoa conhecida e respeitada, lhe pediam favores. Na altura era médico no Instituto de Oncologia em Lisboa. Apesar de não lidar directamente com o cancro tentava ajudar quem o procu-rava. Sempre que alguém da sua terra era internado tentava saber o seu estado, dar-lhe mais algum conforto e tentava resolver as dificuldades que apareciam pelo caminho.

É parco em gestos, como se as palavras estivessem bem medidas e suficiente-mente fortes. Só de vez em quando levanta uma mão. Olha as pessoas de frente. Quando fala ou é questionado fixa o olhar nos olhos do interlocutor. Demonstra ser uma pessoa sensível ao longo da entrevista e alguém que sofre sozinho. Não é de desabafar as tristezas

que sente quando sabe que alguém que lhe é querido morre. Acredita em poderes superiores que comandam a vida quando tenta arranjar explicações para coisas que sucedem e não descobre a resposta. Nas fotografias mantém o tronco hirto, braços caídos e olhar no infinito. Orlando Lopes é um médico à moda antiga nascido no seio de uma família humilde e não renega as suas origens.

Como é que nasceu a paixão pelo jogo das damas?

Foi na Chamusca. Comecei a aprender com o António Santiago, que depois me apresentou a uma pessoa extraordinária que era o poeta de Almeirim Francisco Henriques. Começámos por jogar e de-pois ficou uma grande amizade.

Não se limitou só a jogar por jo-gar.

A partir de certa altura comecei a interessar-me por estudar as jogadas, o que acontecia fora do normal, a apro-fundar as técnicas. Depois surgia com a novidade e apanhava os adversários de surpresa. Foi esse o segredo para alcançar um patamar mais alto.

Quando foi estudar para Lisboa continuou a jogar?

Jogava para ocupar os tempos livres. Ia para um clube existente nos Anjos

onde participava em competições. Mais tarde foi fundada uma federação. Fui o primeiro campeão nacional de damas.

De que forma é que as damas con-tribuíram para a sua formação?

Foi importante para o meu convívio com outras pessoas, os outros jogadores. Apesar de sermos adversários enquanto decorre a competição, quando esta acaba mantém-se a amizade. Esse convívio é importante para uma profissão como a minha em que tem que se contactar com as pessoas.

Registava as jogadas que fazia?Uma grande parte. Anotava sempre o

que se passava no jogo e depois em casa ia estudar as situações para me emendar no que estava mal.

A sua vida mudou alguma coisa por causa do jogo?

Afastou-me de comportamentos des-

viantes. Fez-me manter longe da política que muitas vezes faz perder amigos. Nunca me inscrevi como militante em nenhum partido.

Mas foi convidado…Houve um primeiro-ministro que

numa conversa no meu consultório me convidou para entrar no seu partido. Respondi que não porque tinha amigos em todos os partidos. E a esposa dele virou-se para mim e disse que me com-preendia perfeitamente.

O jogo das damas devia ser ensinado aos alunos nas escolas do primeiro ciclo?

Seria muito importante porque representa uma fuga a determinados vícios, à violência. As damas transmitem calma, além de ajudar a desenvolver a capacidade de raciocínio.

“Ainda tenho alguns amigos

de infância”

Como foi a sua infância? Comecei na instrução primária

em 1930, na altura com o professor Álvaro Martins. Foi quem aconselhou os meus pais para que eu continuasse os estudos. Fiz o liceu, que na altura era até ao 6º ano. O sétimo ano já foi feito em Lisboa no Liceu Gil Vicente. Depois fiz o exame para entrar em medicina.

Tinha família em Lisboa?Não. Fiquei a viver em casa de umas

pessoas da Chamusca que tinham casa em Lisboa. Só vinha à Chamusca na altura das férias e era nessa altura que reencontrava os amigos do tempo da escola. Tenho alguns amigos de infância, como o Joaquim Brito e o Joaquim Alcobia, que ainda estão vivos. A maior tragédia de uma pessoa viver mais tempo é ver desaparecerem os amigos. Cada vez que algum amigo morre fica uma grande saudade.

Na altura era um privilegiado?Eram poucos os que iam para

Lisboa estudar.

Uma pessoa sensível e que

preza a amizade

A paixão pelo jogo das damas

É parco em gestos, como se as palavras estivessem bem medidas e suficientemente fortes. Só de vez em quando levanta uma mão. Olha as pessoas de frente. Quando fala ou é questionado fixa o olhar nos olhos do interlocutor

16 Novembro 2009 | O MIRANTE28 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 29

[email protected]. Cónego Dr. Manuel

Nunes Formigão nº2 Loja B São Domingos-Santarém

Telf/Fax: 243 372 759Telm: 936 254 164

Qualidade e Responsabilidade

ArmAndo PAuloMediador Exclusivo

Depoimento

Trinta e cinco anos depois do 25 de Abril a censura aí está, mais ou menos encapotada, novamente a condicionar a liberdade de expressão consagrada na Constituição. E desta vez sinto-a na pele, como lâmina fria em pulso palpi-tante. Este ano não posso escrever sobre qualquer tema que me apeteça. Nem eu nem os meus colegas. Este ano, neste preciso momento, há um tema tabu, que se for abordado por algum de nós neste jornal implica o pagamento de balúrdios de multa. Foi um tribunal que assim o ditou. A nós resta-nos obedecer e acreditar que aquilo em que muitos acreditaram há mais de três décadas não está a ir por água abaixo.

Como diria o povo, a coisa está pre-ta. Hoje somos proibidos de escrever sobre determinado tema, que envolve determinada entidade que não gostou dos escritos. Amanhã somos proibidos de escrever sobre o quê e sobre quem? Não se abriu uma caixa de Pandora? Não será assim que começam as dita-duras? E a Constituição da República, que consagra a liberdade de expressão como direito primordial, serve afinal para quê?

Hoje, mais que triste estou indig-nado. Era um puto quando aconteceu

A vitória é difícil mas é nossa!

João Calhaz*

essa manhã redentora em que Salgueiro Maia ascendeu ao panteão dos heróis. Nessa altura, banidas as mordaças, gritava-se nas ruas: “A vitória é difícil mas é nossa!”. Assim espero que volte a acontecer. E prometo-vos, caros leitores, um dia essa história será contada.

Chefe de Redacção(Carteira Profissional 3149)

Como diria o povo, a coisa está preta. Hoje somos proibidos de escrever sobre determinado tema, que envolve determinada entidade que não gostou dos escritos. Amanhã somos proibidos de escrever sobre o quê e sobre quem?

16 Novembro 2009 | O MIRANTE30 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Entrevista publicada em 05/07/2006

Chegou a ser procurado pela Pide quando era militante comunista antes do 25 de Abril. Após a revolução desiludiu-se com a política por não suportar oportunistas. Alder Dante, o professor disciplinador e o árbitro autoritário de outros tempos, leva hoje uma vida discreta consagrada à família.

Como é que veio parar a Al-meirim?

Morava em Évora e os meus sogros em Abrantes. Não queria ir com a minha mulher, que também é professora, para junto dos meus pais nem para perto dos meus sogros. Por isso escolhemos uma zona equidistante. Vim para Almeirim em 1967.

Quando chegou tinha consciência que era nesta terra que ia fazer a sua vida?

Sim. Tanto que comprei logo uma casa. Nunca ambicionei viver em grandes cidades como Lisboa ou Porto, embora em termos de arbitragem sejam as mais importantes no país.

Almeirim é a sua segunda terra?É a terra que adoptei. Apesar de ter

vivido poucos anos na minha aldeia, há sempre uma certa nostalgia pela terra onde nasci. Há também outra localidade que me marcou muito e que foi Peniche, onde dei aulas aos filhos dos pescadores. São pessoas com uma sensibilidade ex-traordinária desde que se saiba conviver com eles.

Como é que foi a sua infância?Os meus avós eram trabalhadores

rurais, tal como o meu pai que depois se inscreveu na GNR e foi para Lisboa. Não tínhamos água canalizada. Comí-amos pão duro. O meu pai estava na guarda e à noite estava a tirar o curso comercial e foi progredindo na carreira até primeiro-sargento. Comemos o pão que o diabo amassou.

Onde conheceu a sua mulher?No magistério em Évora, onde estu-

dávamos.Almeirim tem-lhe dado o valor que

merece?Nunca procurei que alguém me desse

valor algum. Procuro viver o mais discre-to possível. Por exemplo: muita gente em Almeirim ainda hoje tenta adivinhar qual é a minha simpatia clubista.

E qual é?Cheguei a filiar-me no Lusitano de

Évora. Tenho um orgulho enorme em ser alentejano e até digo por brincadeira

Alder Dante e as confissões de um “homem discreto” que adoptou Almeirim como segunda terra

“Comi o pão que o diabo amassou”

que sou presidente da frente de liberta-ção do Alto e Baixo Alentejo. Sabem o que é que representava o Lusitano na primeira divisão? O Sporting nunca lá ganhou. E tenho uma certa predilecção pelo verde.

Alguma vez foi convidado para entrar no mundo da política?

Fui e dei o meu apoio pelo PCP em Almeirim.

Tem simpatia pelo partido?Tinha! Cheguei a ser filiado. Foi a queda do muro de Berlim que

o afastou?Já tinha saído do partido anos antes.

Mas já depois do 25 de Abril. Aliás, nessa altura vi uma série de oportunistas. Hoje quem se mete nos partidos políticos ou no futebol não vai à procura de idealismos, mas de tacho. Agora vou vivendo das canções de luta que vou ouvindo do Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, das poesias do Ary dos Santos…

Era uma pessoa revoltada? Continuo a sê-lo.Um revoltado passivo, que não

participa na política?Se fosse assim não estava a dar es-

tas opiniões. Mas não me envolvo em manifestações. Por exemplo, está uma fábrica para fechar aqui bem perto e os trabalhadores estão a dar uma ajuda ao fazer greve.

Está a falar da Opel de Azambuja?Todos têm o direito de fazer greve,

mas não por dá cá aquela palha, por exemplo, os professores foram fazer greve por um comunicado da ministra. Os sindicatos da educação pensaram nos outros trabalhadores que têm os filhos nas escolas? Que cooperação há entre os diversos sindicatos para não beliscarem os direitos dos outros trabalhadores?

Quer dizer que não é um corpora-tivista?

O problema hoje é que muitos em vez da inteligência usam os conceitos estandardizados. O trabalhador ainda não se apercebeu que existem muitos sindicalistas que não fazem nada e não conhecem as realidades das fábricas, das empresas.

Antes do 25 de Abril também par-ticipava na luta do PCP?

Havia aqui em Almeirim uma célula do partido numa tipografia, onde aprendi a compor, e a partir da qual se fazia a distribuição clandestina da propaganda do partido. Uma vez a Pide (polícia po-lítica do antigo regime) andou à minha procura na escola onde dava aulas.

E chegou a ser preso?Na altura não estava em Almeirim. O

director da escola disse-lhes que se lhe perguntassem se eu era bom professor

que podia responder, mas sobre política não sabia de nada.

Qual era a sua participação no partido?

Falar com as pessoas.Ganhou essa consciência política

ainda no Alentejo, quando era jo-vem?

Ganhei com as necessidades por que fui passando na vida.

Como é que agora ocupa o tem-po?

Com os meus três netos e numa empresa de abrasivos que tenho com os meus dois filhos, em Alpiarça.

“Os PrOFEssOrEs Têm dE dAr O ExEmPlO”Alder dante era conhecido em

Almeirim como professor e a nível nacional como árbitro de futebol de primeira linha. Qual das duas facetas se cola melhor à sua pele?

São duas coisas distintas. A expressão que eu utilizava, de ser um árbitro rural, tem a sua razão de ser. E acrescentava sempre: com muito sebo nas costas…

Porquê essa expressão?Como sabem o sebo é escorregadio.

Normalmente no futebol dão-se muitas palmadinhas nas costas. E eu tendo sebo nas costas e a mãozinha que me dava a palmadinha escorregava.

Era uma pessoa insubmissa?A minha alcunha na arbitragem, foi o

senhor Vítor Correia que me a pôs, era o Tolan. Era o nome de um barco que naufragou no Tejo em Lisboa e ninguém era capaz de o virar.

Como professor tinha também uma imagem de autoridade e de alguma

severidade.Hoje temos aí os resultados da falta

disso a que chamam severidade. Para mim continua a haver, dê-se as voltas que se der, três princípios fundamentais na educação e nas escolas: pontualidade, hábitos higiénicos e disciplina.

Não transigia nesses aspectos?Não transigia nesses aspectos mas

havia um pequeno pormenor: o primeiro a dar o exemplo era eu. O professor não pode exigir pontualidade se não estiver na escola à hora da entrada. Não pode ser um indivíduo que agarra num papel ou numa ponta de cigarro e atira para o chão. E tem que ser disciplinado nas suas atitudes. Se não o fizer, tudo isto vai ruindo.

Os professores hoje não são assim tão rígidos porque não querem ou porque não podem?

Pelas duas razões. E também ainda não percebi qual é a qualidade e a intensidade dos programas. E não me venham com histórias de que hoje te-mos os computadores, porque eles só lá têm o que lá pomos. Eu exigia primeiro que tudo, na matemática, a memoriza-ção da tabuada. Porque tem de haver exercícios para desenvolvimento dessa memorização.

O que é que se passa hoje na edu-cação?

Os pais querem calar os filhos com dinheiro. Delegam a educação nos profes-sores, mas estes também não estão para isso porque ao mínimo problema os pais insultam-nos e agridem-nos.

Puxava as orelhas ou dava reguadas aos seus alunos?

Sim.

António Palmeiro João Calhaz

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 31

Recentemente houve a apresen-tação do livro do ex-árbitro Jorge Coroado em Almeirim. Porque não esteve presente?

Uma pessoa veio convidar-me, mas depois de saber quais eram as pessoas que iam participar dei a entender que não estava interessado. Mais tarde a mesma pessoa veio a minha casa para me convencer e tive que lhe dizer redon-damente que não. Que dos apitos que tenho, nenhum é de ouro ou dourado. São de latão e de plástico.

Acompanha o que se passa na arbitragem?

Tenho seguido a actividade. Todos os anos contacto 17 ou 18 árbitros interna-cionais de todo o mundo. E há muita coisa que escapa aos jornalistas desportivos portugueses. Ainda ninguém indagou porque é que tínhamos dois árbitros no top classe da UEFA, que fazem jogos da liga de campeões europeus, e neste momento já lá não estão?

Porque é que Santarém não tem árbitros na primeira liga?

Faltaram figuras de proa para que as entidades superiores tivessem algum respeito pelas pessoas e pelo passado delas. E a arbitragem nacional não tem observadores que tenham sido árbitros internacionais. Nunca vi um soldado a mandar num general. E o que vemos é árbitros do distrital a observar os colegas de escalões superiores.

Isso tem implicações…Hoje quem perde um lugar de topo na

arbitragem perde muito dinheiro. Nunca foi convidado para ser diri-

gente da arbitragem distrital?Ainda há pouco tempo me convida-

ram para uma lista mas disse-lhes logo o que eles queriam. O primeiro-ministro trabalha com uma equipa escolhida por si. Na arbitragem enquanto não for o indivíduo escolhido ou eleito para diri-gir a escolher as pessoas com quem vai trabalhar e em quem tem confiança não se vai a lado nenhum.

Como é que o sector devia funcio-nar?

Tenho um projecto que aponta para a existência de 13 elementos no conselho de arbitragem, para não haver empates na hora de votar. O presidente tem que ser uma pessoa de prestígio, mas não obrigatoriamente árbitro. Os restantes elementos dividem-se por quatro co-missões para nomeações de árbitros. Uma delas itinerante com a missão de contactar as várias comissões distritais para as leis não serem aplicadas de ma-neira diferente.

Qual é então o problema da arbi-tragem?

“Não tenho nenhum apito

dourado”Antigo juiz diz que no mundo da arbitragem não há amigos

Os árbitros hoje andam ao Deus dará. Se os puser a votar, eles não votam naqueles que sabem que lhes vão pedir responsabilidades. Hoje ninguém chama os árbitros à razão.

O que é que isso origina?Actualmente os árbitros são uns

“caseirões”, com algumas excepções. Veja-se os cartões que são mostrados aos jogadores que vêm de fora e aos que jogam em casa.

“NA ARbItRAgem NãO há AmIgOS”era considerado um árbitro disci-

plinador e autoritário.Nunca tratei dentro do campo algum

jogador por tu. E muito menos utilizava expressões como vai para aqui ou vai para além.

e os jogadores tratavam-no do mesmo modo?

Um jogador que me fizesse isso ia imediatamente para a rua. Foi o que acon-teceu numa final da Taça de Portugal com o Valdo, num Benfica-Belenenses. O jogador do Benfica foi para a rua por utilizar uma linguagem dessas comigo. Que eu não tinha com ele nem com ninguém. Embora saiba que há árbitros que a têm.

Na arbitragem não foi alvo de ten-tativas de suborno?

Não, não, não. Houve uma vez, num jogo que fui fazer no Norte, em que o dirigente de um clube, que tinha empa-tado, chamou-me. E como era uma truta grande, que ainda é, virei-lhe as costas e comecei a assobiar. Os meus fiscais de linha riam-se porque já conheciam a minha maneira de ser. Ele queria-me pôr as mãos nas costas, mas as minhas têm muito sebo.

também houve a história de um dirigente desportivo que andou aqui em Almeirim à sua procura. Lembra-se disso?

Não foi comigo que a história se passou. Contaram-me também. Quem me contou era funcionário camarário. E essa pessoa terá dito a esse dirigente

desportivo que veio do Norte para não fazer uma coisa dessas porque saía da-qui todo amachucado. E estava sujeito a isso…

Alguma vez ficou retido na cabine devido à ira do público?

Alguma vez? Perguntem-me é as vezes que não fiquei. Montes de vezes que tive de sair acompanhado pelas autoridades.

A sua mulher também o acompa-nhava aos jogos?

Muitas vezes era ela que tirava o carro do estádio. Nalgumas delas enquanto eu saía com a Polícia ou a GNR. Isso aconteceu por exemplo num jogo Porto - Sporting. Dessa vez havia um colega árbitro que estava a ouvir a estratégia que estava a ser delineada para me tirarem do estádio e que ia depois transmitir lá fora aos adeptos. Vejam as amizades…

Qual era a sua relação com a comu-nicação social?

Era boa. Uma vez até saiu num jornal desportivo nacional uma entrevista sem eu nunca ter falado com o corresponden-te no distrito que a escreveu.

Ainda há cavalheiros no futebol?Poucos. Os dirigentes desportivos

num mês estão bem e no outro a seguir já não se podem ver. A coerência deve ser permanente.

teve de se pôr ao alto com algum jo-gador para impor a sua autoridade?

Ao alto não. Mas nunca recuava. Uma vez num jogo da primeira divisão num estádio grande, assinalei uma grande penalidade, veio o capitão de uma das equipas a correr para mim. Eu dei um passo em frente, tinha 1,82 metros, como tenho, não era nada meigo e ele chocou comigo e caiu de costas. Devia estar à espera que eu recuasse…

Arranjou inimigos no futebol?Arranjei-os como árbitro e depois

como comentador arbitral. há uma grande rivalidade nesse

meio?Aparentemente são todos amigos.

Na realidade ninguém é amigo de ninguém.

há muitos interesses em jogo?E agora muito mais, quando o prémio

de jogo na primeira divisão é superior a muitos ordenados.

Fala-se muito na corrupção na arbitragem, mas casos palpáveis são poucos.

O único que comeu de alto abaixo foi o Francisco Silva.

e havia mais quem merecesse comer.

Isso não sei. Mas há um ditado que diz que, todo o pássaro come trigo e só o pardal é que paga. E outro que diz que quem chibos vende e cabras não tem de algum lhe vem. Eu via e vejo pessoas com um nível de vida acima das possibilidades daquilo que aparentemente os empregos lhe podem oferecer. Já o meu pai me dizia: “Deus manda ser bom mas não manda ser parvo.”

Na sua opinião porque é que as coisas não são esclarecidas?

(risos) Houve um ex-colega meu que escreveu um livro há pouco tempo. Fala de várias pessoas mas quando chega aos tubarões não nomeia nenhum porque diz que não quer arranjar mais inimizades.

Porque é que o senhor não escreve também um livro?

O livro que eu escreveria já está todo escrito. Ninguém acredita nele. Está escrito em Gondomar, está escrito noutros lados. Não sei com que tinta é escrito. O que é certo é que se vai di-luindo e quando é para chegar a certas pessoas… Só vi uma pessoa que pôs o nome aos bois, que foi o ex-presidente do Sporting Dias da Cunha. Como é que se pode mudar o futebol se as pessoas que lá estão são as que trouxeram o futebol para este estado?

Não tem pena que o seu filho não tenha seguido a arbitragem?

Eu é que lhe tirei isso da cabeça. Disse-lhe para não ir por esse caminho, que não leva a lado nenhum.

É mesmo uma pessoa desiludida com esse mundo?

Não sou nada desiludido, sou prag-mático.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE32 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

O jogador que acabou em árbitroAlder Dante começou a carreira da

arbitragem quase por acaso. No enclave angolano de Cabinda disputava-se o derbi entre Sporting e Benfica locais. Como não havia árbitro, Alder Dante, então jogador do Futebol Clube de Cabinda, foi convidado a apitar. Como conhecia as leis do jogo, aceitou.

As coisas não correram mal e foi de-safiado a seguir essa carreira. Com o re-gresso a Portugal, é colocado numa escola de Peniche. Ao mesmo tempo começa a tirar o curso de árbitro em Leiria.

Apitou clubes prestigiados como Real Madrid, Barcelona, Celtic, Dínamo de Kiev, Nantes ou Steaua de Bucareste. Participou em jogos de selecções como a Espanha e a Jugoslávia. O primeiro jogo internacional que dirigiu foi um Espanha-Malta, em Cartagena. Ter-minou a carreira internacional num Suécia-Albânia.

Deixou a arbitragem em 1989, como árbitro internacional de futebol, mas permaneceu atento ao fenómeno. Pri-meiro como comentador da Antena 1 e agora apenas como espectador de sofá. Crítico e cáustico.

Da sua folha de serviços constam 23 jogos internacionais, 167 na primeira divisão, 27 na Taça de Portugal, 204 na segunda divisão, 45 na terceira divisão e 104 nos escalões jovens. Ao todo 540 desafios.

Alder Dante veio do meio rural e tem “muito sebo nas costas”. Uma expressão utilizada várias vezes para sublinhar que nunca foi fácil porem-lhe a mão em cima.

No liceu de Évora baptizaram-no como “Zé Careca” porque andava sem-pre com o cabelo cortado à escovinha. Imposição do pai, militar da GNR, oriun-do de família de trabalhadores rurais, que lhe incutiu a veia disciplinadora e os princípios de rectidão que o continuam a orientar ao longo da vida.

O sentido de justiça e a pontualida-de são duas características marcantes deste homem que vive desde 1967 em Almeirim mas ainda carrega o sotaque alentejano que o liga às origens na aldeia de Venda, concelho de Alandroal, onde nasceu há 66 anos.

A assumpção das raízes leva-o a auto-intitular-se com humor presidente da Frente de Libertação Nacional do Alto e Baixo Alentejo. Militante comunista antes do 25 de Abril, confessa-se “desi-ludido com os oportunistas”. Há muito que não tem participação activa na vida política. Vai “alimentando a alma” com músicas de Zeca Afonso, de Adriano Correia de Oliveira e com os poemas de Manuel Alegre e Ary dos Santos, entre outros.

Na sala onde Alder Dante nos recebe, num apartamento de rés-do-chão no centro de Almeirim, duas vitrinas cheias de pequenas recordações remetem-nos para a faceta que o tornou conhecido

a nível nacional até final da década de oitenta. Galhardetes de clubes, apitos e outros artigos dão conta da dimensão da sua carreira na arbitragem.

Aposentado do ensino primário há cerca de 12 anos, é cáustico quanto ao mundo de futebol. Desiludido? “Não. Pragmático”. Porque nunca teve ilusões sobre os jogos de interesses que se vi-vem nesse meio. Garante que nunca foi corrompido, embora admita que alguns possam ter pensado em tentá-lo.

Só que Alder Dante veio do meio rural e tem “muito sebo nas costas”. Uma expressão utilizada várias vezes para sublinhar que nunca foi fácil porem-lhe a mão em cima.

O cabelo relativamente comprido que usa dá-lhe um toque de rebeldia que condiz com o discurso. Veste-se informalmente, calças de fazenda ver-des, camisa de manga curta creme. A voz é sonora, própria de quem passou uma vida a falar para crianças em tom que se ouça. Emprega muitos adágios populares. “Deus manda ser bom, não manda ser parvo” é um dos seus preferidos.

Um homem de famíliaNa parede da sala, uma caricatura sua

com a assinatura do cartoonista Fran-cisco Zambujal rivaliza com fotografias de família. É casado, tem dois filhos e três netos. A sua cumplicidade com a esposa, que o ajuda a recordar alguns pormenores da sua carreira para esta entrevista, é evidente. Acompanhou-o para muitos jogos e ainda há pouco mais de um mês foi com ele para o Torneio de Toulon, em França, onde Alder Dante esteve como embaixador da Associação

de Futebol de Santarém. Com a filha, o filho e o genro tem

uma empresa de telas e abrasivos em Alpiarça. E gosta de estar com os netos, com quem ocupa parte do seu tempo livre.

Apesar de ser oriundo de uma família com poucos meios, os pais deram-lhe possibilidade de tirar o curso do magis-tério primário em Évora. No primeiro ano que deu aulas, na capital alenteja-na, teve uma turma com 54 alunos e quatro classes.

Depois seguiu para Lisboa para prestar serviço na Polícia Militar. A robustez física que lhe confere os seus 1,82 metros ajudou. Foi mobilizado para Angola. Aí prosseguiu também a carreira paralela de futebolista que tinha iniciado no Lusitano de Évora. Jogou a médio no Atlético de Luanda e Futebol Clube de Cabinda.

De regresso à metrópole, foi profes-sor em Peniche, zona que ainda hoje visita com frequência e onde comprou casa na Areia Branca. Jogava ao mesmo tempo no Nazarenos e foi nessa altura que começou a tirar o curso de árbitro em Leiria, que lhe permitiu tornar-se conhecido no meio futebolístico.

Em termos de preferências clubís-ticas, um tema tabu para os árbitros, encolhe-se um pouco. Confessa-se “militante” do Lusitano de Évora e, depois de alguma insistência, diz ter “alguma predilecção pelo verde”. A cor da esperança que não tem relativamente ao futebol português. Pelo menos en-quanto por lá andarem os mesmos que lá estão há décadas.

Alder Dante, o professor e árbitro alentejano que fez de Almeirim terra adoptiva

Um osso duro de roer

Um dos episódios mais insólitos da car-reira de árbitro de Alder Dante passou-se num jogo dos escalões jovens realizado na Escola Agrária de Santarém. Frente a frente estavam a União e a Académica de Santarém. As peripécias começaram logo quando chegou ao campo e verificou que não havia policiamento.

Disse que não apitava o jogo sem polícia e lá acabou por aparecer um carro com dois agentes. Mas, no entretanto, Alder Dante já tinha ouvido “um velhote” da bancada dizer-lhe que ele tinha era medo. “O que ele foi dizer. Cheguei ao pé dele e só lhe disse: o senhor já tem idade para ter juízo e para não se meter nestas salsadas”.

A partir daí as “bocas” cessaram. As intervalo um indivíduo voltou à carga e o árbitro saltou para a bancada agarrou-o pelos colarinhos. “A sorte dele” é que conhecia o seu pai e as coisas ficaram por aí, “senão levava-as”. Só que a paz durou pouco tempo.

“Quando vimos do intervalo há outro indivíduo que começa a miar. Voltei-me para os fiscais de linha e disse que aquele já as tinha garantidas no pêlo depois do jogo acabar”, diz.

E assim foi. “O jogo acabou, deixei os jogadores saírem do campo, subi a bancada, agarrei o indivíduo pelos colarinhos, tirei-lhe os óculos cheguei à barreira e despejei-o. O homem ficou todo riscado”.

Um comunista com predilecção pelo verde

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 33

Depoimento

faziam buscas no espaço. A menina desaforada lançou-se numa conversa deslaçada. Atirei uma pergunta: Mas gosta mesmo disto? Não estava à espera de uma resposta polida e não foi. Sem papas na língua declara que dia em que não fosse para a cama com pelo menos cinco homens não era um dia feliz e que gostava mesmo de sexo.

“Dia em que não faça sexo pelo menos cinco vezes não é dia para mim”

António Palmeiro*

De entre um grupo de doze rapari-gas brasileiras de saias de tamanhos de cintos e calções curtíssimos para realçar a bunda, que entretinham uns clientes numa casa de alterne no concelho de Salvaterra de Magos, destacava-se uma mais desbocada. Estavam guardadas por dois militares da GNR a um canto do estabelecimento, enquanto os outros

Acompanhava uma operação policial que culminou com o encerramento do espaço e a detenção das meninas. Quando entrei de rompante com os guardas à fr-ente de pistolas-metralhadoras nas mãos a sala estava escura. Quando acenderam as luzes percebi porque é que nestas casas não convém haver muita luminosidade. As raparigas eram feias, mesmo feias. Duvido que o melhor de cada uma das doze pudesse fazer uma mulher razoavel-mente atraente. A clientela não tinha melhor aspecto. A menina desaforada lá ia continuando o seu chorrilho de ordinarices.

A máquina fotográfica parecia mais letal para quem preferia o convívio com as meninas ao descanso em casa roubado há horas. Deviam ser umas duas da manhã. Houve uma espécie de tumulto com o primeiro flash. Os guardas da brigada de intervenção rápida tentavam acalmar os ânimos com a simpatia que o momento exigia. Tive que fazer uma pausa nas fotos e fui atrás de um grupo de militares que caminhava pelo terreno nas traseiras do bar.

Entrámos nuns anexos a uns cem metros. Abre-se uma porta e uns seios sal-tam desconcertadamente quando uma mulher se levanta repentinamente da cama. O cliente enfia em-baraçadamente as calças. “Não estava a fazer nada,

não estava a fazer nada, estava a dormir com esta amiga…”, explica-se atabalhoa-damente. Dos quartos que disso só tinham mesmo o nome, vinha uma baforada de ar quente, rarefeito e bafiento que as ventoinhas tentavam frustradamente combater. No meio daquele circo pensava que este episódio era mais uma experiên-cia profissional e pessoal.

Cheguei a casa às seis da manhã. Na viagem de carro lembrava-me de algumas imagens caricatas. Como a de um cliente barrigudo que envergava um colete camuflado sem camisa, de umbigo proeminente. Um caçador furtivo muni-ciado de notas para atrair as suas presas de bexigas na cara e celulite nas ancas. Foi realmente uma experiência no mínimo interessante. E comprovei que de noite todas as gatas são pardas.

*JornalistaChefe de redacção adjunto

(Carteira Profissional 2984)

Entrámos nuns anexos a uns cem metros. Abre-se uma porta e uns seios saltam desconcertadamente quando uma mulher se levanta repentinamente da cama. O cliente enfia embaraçadamente as calças. “Não estava a fazer nada, não estava a fazer nada, estava a dormir com esta amiga…”, explica-se atabalhoadamente.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE34 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Francisco Leonor faz parte de um grupo de homens mais antigos com quem, ao longo dos últimos 30 anos, venho actualizando a cultura geral e a sabedoria de vida. Esta entrevista estava no meu pensamento há muitos anos. Sempre achei que era uma missão difícil por isso fui adiando o trabalho. A nossa relação é de velhos conhecidos. Tudo o que sei da sua vida é informação roubada nas alturas em que parava por Almeirim e o visitava para actualizar as novidades ou, simplesmente, para saber o preço de uma tela ou de um móvel antigo.

A vida vai-nos afastando dos caminhos de sempre. Agora que vou menos ao seu reduto saber das novidades ou ouvir as histórias de vida, resolvi finalmente deitar mãos à obra. Esta não é uma entrevista com um homem de letras ou da política. Também não é verdadeira-mente uma conversa com um homem de negócios como Francisco Leonor é verdadeiramente. O leitor julgará se valeu a pena tanto papel gasto. Por mim acho que sim. Não ficamos a saber o segredo da sua careca mas sempre ficam registadas outras curiosidades da vida de um homem de 84 anos que é, talvez, a enciclopédia viva mais antiga da cidade da sopa da pedra.

Quem conhece a forma como Fran-cisco Leonor negoceia uma obra de arte, ou uma propriedade, ou um móvel do século XVII, não imagina que a sua vida de trabalho começou aos 12 anos como tipógrafo numa oficina de Rio Maior. E que era tão frágil de saúde que o médico pediu à sua mãe que o tirasse de uma cave húmida onde trabalhava sem horário e com ordenado que incluía o direito à alimentação.

Só aos 19 anos, depois de passar pelas minas de Linhite de Rio Maior, é que o seu padrinho, a pedido da sua mãe, o empregou num escritório em Almeirim onde trabalhou cerca de trinta anos no negócio dos vinhos. Até ao dia em que o seu padrinho morreu e iniciou uma vida

comercial por conta própria que, mais tarde, o lançou no negócio dos móveis.

“As pessoas hoje têm menos respeito pelo seu semelhante. Ainda há dias, ao atravessar numa passadeira, um ciclista gritava comigo: despacha-te ó velho, ou ainda te passo a ferro. Outro exemplo: Como sou eu que faço a limpeza da mi-nha loja, um dia destes estava a limpar o pó do vidro de uma das janelas que dá para a rua e um jovem gritou-me do outro lado. “Então, ó querida, hoje estás de serviço!”

Francisco Leonor nasceu em Almei-rim em 1922 e teve cinco irmãos. O pai morreu quando tinha um mês, por isso, assim que terminou a escola teve que arranjar emprego para ajudar no sustento da casa.

Como é que um escriturário durante 30 anos se torna um antiquário de pres-tígio e homem de negócios ? Francisco Leonor responde com um encolher de ombros. “Nem eu esperava isso da vida. Mas não escondo que o facto de em 1958 já ter amealhado 200 contos no banco tenha contribuído para o êxito que pro-curei nesta vida profissional.”

Dos vários recuerdos que foi mos-trando ao longo da entrevista vimos uma caderneta de depósitos à ordem do Banco Lisboa e Açores, com um saldo, até 1958, de mais de duzentos contos. “Eu sabia cuidar de mim”, diz, com aquele ar sereno e sério que sempre lhe conheci. Dos vários recuerdos que foi desencantar a várias gavetas, vimos que aos 17 anos já figurava na ficha técnica de um jornal, e que há bem pouco tempo publicou, no jornal da terra, um poema. “Uma das coisas que impressiona o meu afilhado Paulo é eu abrir uma gaveta e encontrar aquilo que procuro”. Quem quiser en-contrar nesta confissão alguma ponta de vaidade em Francisco Leonor desengane-se. Falar de si e das suas qualidades não é para Francisco Leonor. Como tenho o privilégio de o conhecer há trinta anos reparei que fez o trabalho de casa para dar aos jornalistas matéria de interesse

para esta entrevista. É que, apesar dos seus 84 anos, apesar de ser, talvez, a maior enciclopédia viva do concelho de Almeirim, Francisco Leonor nunca tinha dado uma entrevista na sua vida.

Desengane-se quem pensa que esta conversa podia derivar para as grandes histórias de negócios, para as grandes aventuras que se escondem por detrás dos grandes negócios com uma peça de arte, um móvel do século XVII, um relógio de prata ou de ouro, um Cristo em marfim do século XVIII, os segredos na compra e na venda de uma propriedade. Fran-cisco Leonor tem a postura dos grandes homens que regra geral levam para a campa os seus maiores segredos. Não foi por acaso que um vizinho aconselhou a sua mãe, quando ele tinha 17 anos, a fazê-lo padre. A ideia não foi em frente por causa das dificuldades económicas. Mas Francisco Leonor não hesita quando lhe perguntamos a meio da entrevista. Não foi para padre mas a sua vida é um pouco como a vida de um padre? “Pode ser. Não enjeito essa conclusão. A minha vida tem regras, posturas, muitas convicções e práticas que são normas na vida de um padre”.

Sentado numa cadeira de pé alto, de costas para uma parede, com o movimen-to da rua e da porta do estabelecimento a ver-se por um espelho, esta conversa com Francisco Leonor durou duas horas mas percorreu um tempo que dura há quase um século.

A gente passa ali na rua e mesmo que o senhor esteja numa ilha do fim do mundo, a sensação que temos é que está sempre aqui dentro, a pôr a conversa em dia ou a actualizar as notícias da caserna. Como um padre dentro de um igreja. Não acha que a sua vocação sempre foi realmente a de ser padre ?

Talvez. Mas naquela altura, quando propuseram isso à minha mãe, era mais para que eu pudesse ter, no futuro, recur-sos para poder ajudar mais a família. No fundo queriam que eu fosse advogado e

pudesse ter uma vida mais desafogada do que tínhamos naquela altura. A ida para o seminário era para fugir à pobreza.

A vida obrigou-o a mudar muito. Sente que noutras épocas foi um homem completamente diferente do que é hoje ?

Parece-me que não. Sempre me co-nheci assim. Tenho um presente muito coerente com o passado. Eu acho que isto nasce já com as pessoas. É genético.

Porque razão nunca constituiu uma família tradicional?

Isso foi mais por ter feito uma assis-tência muito grande à minha mãe. E como ela ficou cega piorou ainda mais as coisas. Ainda assim correspondi-me com meia dúzia de raparigas mas ninguém me quis. Elas lá sabem porquê. No fundo, elas também sabiam que se casassem comigo iam ter trabalho porque a sogra iria viver connosco e isso implicava tra-balho dobrado.

Quer dizer que o facto de nunca ter casado ou vivido com uma mulher não foi por falta de pretendentes nem por ter medo do sexo oposto?

Foi mais pela minha dedicação à mi-nha mãe que viveu até aos 93 anos. Re-conheço também que não havia grande entusiasmo da minha parte. Tive sempre um certo receio que não conseguisse cor-responder às expectativas que se geram num casamento. Não posso é dizer que não procurei. Não aconteceu e isso devia estar escrito na minha vida logo que eu nasci. Ao sentir-me responsável pelo bem estar da minha mãe tomei uma opção de vida. É claro que todas as mulheres, ao saberem que eu tinha aquele encargo, devem ter pensado duas vezes antes de se interessarem por mim. No fundo elas sabiam que ao casarem comigo casavam também com a minha mãe.

A sua escola é a da vida, todos sabe-mos isso, mas houve algum autor que o ajudou a orientar o seu espírito ao longo da sua vida ?

Era um autor que escrevia sobre negócios que se chamava MARDEN

Uma conversa com Francisco Leonor, o antiquário de Almeirim, o homem que imitava Salazar

A minha loja é uma casa de lamentações

JAE

Entrevista publicada em 20/12/2006

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 35

– aprendi muito com os seus livros. Li quase tudo o que havia dele traduzido em português.

Há algum segredo para se chegar aos 84 anos com a vitalidade e o espí-rito que ainda tem hoje que parece ser sempre mais arguto e esclarecido?

Em novo não tive uma vida muito regrada, porque sempre gostei de me deitar tarde (ainda hoje gosto) e a partir de certa altura comecei a levar uma vida muito mais agitada porque era chamado para muitas festas. Na altura fazia muito bem o papel de imitador de algumas figuras públicas como era o caso de Oliveira Salazar. Era o animador de serviço das festas cá da terra. Por isso, às vezes chegava muito tarde a casa. A partir dos 30 anos comecei a ter uma vida mais regrada. Ainda hoje não fumo, não perco noites exageradamente, e faço uma alimentação saudável. Evito carne de porco, por exemplo, e todo o tipo de comida que não é saudável.

Uma das razoes para se viver muitos anos é levar uma vida regrada ?

A outra razão é ter também uma vida espiritualmente serena, embora neste capítulo existam sempre contrariedades. Ninguém vive sem aborrecimentos. Mas temos que ter sempre presente que os outros sofrem sempre mais do que nós.

Esta vida dos negócios de móveis antigos permite-lhe alguns relacio-namentos privilegiados. Isso é tão compensador como o próprio negócio ou não é tanto assim ?

Esta vida proporciona um relaciona-mento muito grande com pessoas com uma formação acima da média e com uma cultura que muitas vezes me sur-preende. É no mínino reconfortante a pessoa sentir, em qualquer parte que se encontre com essas pessoas, uma certa atenção e amizade. Posso dizer que cada cliente que tive é um amigo. Não tenho inimigos entre as pessoas que me procu-ram ou procuraram para negociar.

Mas os clientes vêm aqui para serem “enganados”. Isso é dos livros ?

Aqui não. Dantes dizia sempre ao meu cliente, principalmente às senhoras, quando notava alguma hesitação na com-pra de uma peça: o cliente aqui nunca perde. Quando tiver aborrecido com a peça devolve que eu devolvo também o dinheiro que pagou. Agora é um pouco diferente. Isto está muito mau. Já não se vende quase nada.

Essa história também é dos livros. Isto quando está mau para uns está bom para outros. Ou dito de outra maneira: para um comerciante o ne-gócio nunca está bom. Ele quer sempre mais e mais.

Já o meu patrão dizia isso. Isto está sempre mau. Penso que é uma caracte-rística dos portugueses andarem sempre a queixar-se, a fazerem ouvir as suas lamúrias. Mas temos que ser realistas: agora a crise é mais séria do que das ou-tras vezes. De verdade eu não me posso queixar muito porque soube ser formiga nos melhores tempos. E aguento a crise com mais facilidade que muitos outros que têm a mesma actividade.

Formiga é favor. As formigas amea-lham apenas para comer e o senhor fez

fortuna. Hoje é um homem rico. Não sou um homem rico. Sou re-

mediado.O trabalho para si continua a ser

um vício. Como a religião na vida dos padres. Tem consciência que, por mais desgraças que lhe aconteçam na vida, o senhor jamais conseguirá gastar o dinheiro que ganhou até hoje? Mesmo que viva até aos 100 anos?

Dentro deste ritmo não tenho medo. Mas é preciso saber que as operações nos hospitais hoje em dia são muito caras. Tenho um amigo que pagou recente-mente dez mil euros por uma cirurgia à vista. Quando me dizem que tenho algum património, respondo que é verdade mas que não é para vender, é para deixar aos meus sobrinhos. São eles os meus filhos que nunca tive.

Ser um homem rico e muito co-nhecido tem as suas desvantagens. Segundo sei muita gente procura-o para lhe pedir dinheiro emprestado. Como é que consegue fugir de tantas solicitações ?

Eu não fujo. Procuro é ajudar. A minha casa, posso dizer, é um muro de lamenta-ções. Vem aqui muita gente, quase todos os dias, e já tenho emprestado dinheiro. Algum até com grande risco como já aconteceu muitas vezes. Lembro apenas um caso que foi o da conhecida Tonicha quando ela abriu um restaurante em Almeirim. Mas é raro o dia que não vêm aqui pedir-me ajuda. E eu tento ajudar sempre que posso.

Há muitos que ficam a dever para sempre ?

Quando empresto pouco dinheiro, para não ter preocupações com o rece-bimento, mentalizo-me logo que não vou receber. Quando é muito, procuro ter alguns cuidados, tenho que arranjar uma habilidade para me poder defender desses casos mais complicados.

Há muita gente que, não tendo como saldar uma divida em dinheiro, paga com o corpo?

Comigo não. Nunca fui para a cama com uma mulher para cobrar uma dívida.

Mas já emprestou dinheiro debaixo de uma certa confiança conquistada com a malícia a que o sexo, ou a von-tade de ter sexo, se presta ?

Também nunca aconteceu.É difícil enganá-lo ou fazê-lo cair

no conto do vigário?Não é muito difícil porque estou

quase sempre bem intencionado. Mas reconheço também que sou um homem que tem muitas precauções.

Quando diz que a sua casa é um muro de lamentações quer dizer tam-bém que é um local de confissões?

Sim, também. As pessoas não vêm só pedir dinheiro. Vêm também pedir conselhos e, ás vezes, orientações para os negócios e a vida familiar. Ainda hoje me telefonou um advogado a pedir

conselhos por causa de um leilão que vai acontecer em breve.

Acha que tem jeito e intuição sufi-ciente para ser um bom conselheiro tanto de negócios como de assuntos familiares ?

Penso que sim. Tenho alguma prática da vida que me dá essa segurança e esse saber. Noutros casos é pura intuição. Acho que isto já nasceu comigo.

Quando imitava o Salazar nesses serões com amigos tinha consciência do que ele era como governante ?

Não, não tinha essa consciência. E escrevi muitas vezes ao Salazar a pedir ajuda para os outros. E muitas das expo-sições que lhe fiz foram atendidas.

Segundo sei continua a escrever às várias instituições, ou pessoas com poder de decisão, quando alguém lhe pede ajuda ou precisa de fazer ouvir a sua voz

Mantenho essa tradição de escrever. E contínuo a faze-lo à mão. Um dia destes escrevi ao presidente do Benfica a pedir-lhe para se recandidatar e não deixar cair as acusações sobre o processo do apito dourado. E já cá tenho a resposta ( mos-trou uma carta assinada por Luís Filipe Vieira que lhe agradece a comunicação e a confiança demonstrada).

Imagino que a instituição que mais cartas recebe é a câmara de Almeirim. Também porque os seus interesses estão quase todos neste concelho.

Pode ser. Mas nunca tive benefícios da Câmara de Almeirim. Aliás, tudo o que pedi à Câmara para mim teve quase sempre resposta negativa. No entanto defendo e sou adepto do presidente Sousa Gomes porque reconheço que ele desenvolveu muito a cidade.

Está a exagerar?Não estou não. Não me lembro de

nenhum assunto que tenha ido tratar com o presidente que tenha sido bem sucedido. O que significa que não é por ter boas relações com a Câmara que vejo os meus projectos facilitados.

O senhor é a pessoa mais bem infor-mada sobre o que passa no concelho. As novidades caem todas aqui antes de chegarem aos jornais ou à boca do povo ?

Não digo que seja a pessoa mais bem informada de Almeirim mas muito infor-mado isso sou.

Pode dizer-se que aos 84 anos ainda tem uma saúde de ferro ?

Não é verdade. Há muitos anos que tenho um pulmão “avariado” . É um daqueles problemas que me impede de viajar, por exemplo, para ir ver uma corrida de toiros a Espanha que eu gos-tava muito. O problema do pulmão foi uma constipação mal curada e também porque antigamente passávamos fome. Éramos mal alimentados pois as dificul-dades eram muitas.

Não conheço muito da sua activi-dade em prol da cidade e das colecti-vidades ?

Fui director da Banda Marcial de Almeirim durante seis anos. Foi uma experiência que marcou a minha vida. Todas as pessoas deveriam passar, pelo menos uma vez, por colectividades porque ali aprende-se um bocadinho a

governar e a conhecer as dificuldades que existem.

Sempre o imaginei um homem que é capaz de guardar o papel mais insignificante…

Quando era novo tinha a mania de coleccionar recortes com notícias e acontecimentos. Sou fiel ao provérbio “guarda o que não presta que um dia hás-de precisar”. Tenho um armário cheio de lembranças e papéis que fui guardando ao longo dos anos.

Uma vez disse-me que não tinha inimigos. Como é que um homem que vive tanto tempo e faz tantos amigos não se engana de vez em quando?

Talvez tenha um ou dois inimigos por causa de ignorância e de serem pessoas mal formadas. Nunca senti que tenha feito mal a alguém. Sinto-me bem com a minha consciência. Sou daquelas pessoas que acorda sempre tranquilo. Procuro esquecer os meus inimigos. Por vezes o problema é eles não me darem tréguas. Os inimigos que tenho foi por querer fazer bem. O problema é que fui mal compreendido. Num caso tive mesmo que recorrer ao tribunal e ganhei como ganho todos os casos onde me meto. Posso dizer que nunca perdi uma questão em tribunal.

Fale-nos muito da sua terra em poucas palavras.

Almeirim está a transformar-se para pior. O dinheiro é um dos grandes fac-tores para haver tanta intriga e inveja. Nalguns aspectos a liberdade que o 25 de Abril permitiu foi mal aproveitada.

Essa história de imitar o Salazar nunca lhe trouxe problemas?

E podiam ter sido bem graves. Com a ajuda de um retransmissor imitei o Salazar a falar ao país. E a partida foi de tal modo bem organizada que isso ouviu-se no rádio do Clube Agrícola de Almeirim. Pediram-me para o imi-tar a dizer que ia haver outra guerra mundial. Deu um burburinho enorme e algumas pessoas foram logo para casa. No outro dia o assunto foi muito falado e chegou ao conhecimento dum depu-tado da região. Como não gostaram da brincadeira e, além disso, soube-se que tinha sido eu o imitador, quiseram chamar-me à responsabilidade. Entre-tanto, alguns amigos intercederam por mim junto do deputado, dizendo que era coisa de rapaziada nova, e safei-me da história.

Há pelo menos um episódio na sua vida que o marcou para sempre, antes do 25 de Abril, relacionado com o tempo da ditadura em que o país viveu,

Fiz parte da comissão concelhia de apoio à candidatura do General Hum-berto Delgado e sofri as consequências disso. Fui interrogado pela PIDE. Só não me chegaram a prender porque tive quem me defendesse muito bem. Cheguei a estar deitado, de noite, e sentir carros a pararem à porta da minha casa. E pensava muitas vezes: desta é que é para me levarem. Mas acho que nunca fui preso porque eu tinha um grande amigo que por sua vez era grande amigo de Henrique Seixas, guarda-costas do Américo Tomás.

Fui interrogado pela PIDE. Só não me chegaram a prender porque tive quem me defendesse muito bem.

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Tem sessenta anos, é australiano e está em Portugal há 21. Sam Abercromby chegou até nós guiado por estranhas visões. O seu quartel-general é em Vila do Paço, concelho de Torres Novas. Exprime-se através da pintura, da arquitectura, da música, da cerâmica e da literatura. É aqui que tem o seu bem mais precioso: os amigos. Não quer regressar à Austrália. Sente-se em casa e diz que é tratado pelos portugueses como…mais um.

Quando descobriu que era um artista?

Na altura estava a viver em Ate-nas, na Grécia. Tinha 21 anos. Um dia, não percebo porquê, deu-se um clic. Eu estava a ler e a falar com um francês com quem partilhava a casa. Um costureiro que trabalhava para os cabarets de Atenas. Inesperadamente

ele disse: “Sam, tu és um australiano preguiçoso”. Com uma voz arrastada, sarcástica. Aquilo cortou-me o coração. Não percebo porquê mas esfaqueou-me espiritualmente. Ele tinha razão. Eu estava a flutuar sem direcção. Sem objectivos. Lembro-me daquele mo-mento como se fosse agora. O Guy ali a dizer, com um total desprezo: “Tu és um australiano preguiçoso”.

O que fez? No dia seguinte comecei a pintar e

nunca mais parei. Eu já pintava mas era por brincadeira, entretenimento. A partir daquele momento comecei a pintar ideias que não poderiam ser ex-pressas em qualquer outra linguagem. Pela primeira vez percebi o que era a pintura para mim.

Como foram os seus primeiros quadros?

Um sobre a minha mãe, um sobre o meu pai e outro sobre mim. Pintei-os sem ter essa consciência. O do meu pai era um cavalo completamente saudável, mas cortado em bocados, sumindo-se dentro de uma pedra. O segundo era a cabeça de uma gazela a chorar. O terceiro era um auto-retrato meu a esconder a boca e por cima uma

lua, contra um fundo azul-escuro. O Guy ficou tão comovido quando viu os quadros que tentou retirar a acusação que me fizera de preguiçoso. E eu não permiti. Disse-lhe que ele não tinha o direito de me retirar aquela força que ele me dera. Ele é que me fez soltar o meu interior.

Como foi parar a Atenas? Depois da escola o meu pai conse-

guiu-me um emprego no Ministério da Educação. Na área da ilustração de livros para as escolas.

Foi funcionário público?Ao fim de três semanas fui ter com o

meu pai e disse-lhe que não podia conti-nuar ali. Eu tinha 19 anos e fiz cálculos. Só quando tivesse 62 anos teria poder suficiente para modificar alguma coisa naquele departamento. Ia-me enterrar ali vivo. Eles já sabiam como eu era e o chefe de departamento já nem me dava trabalho. Mas tive que cumprir os três meses do contrato. Foram três meses a olhar para a rua através da janela. Não podia levantar-me da cadeira. Quando aquilo acabou fiz uma festa de liberta-ção. Depois o meu pai arranjou-me um emprego numa plataforma petrolífera. Foi aí que ganhei dinheiro para vir

Pensaram que eu tinha enlouquecido

No dia em que fez 39 anos, a 10 de Junho de 1986, Sam Abercromby chegou a Tomar guiado por uma série de visões que tinha começado a ter meses antes, na cidade de portuária de Fremantle, Austrália, onde residia. O pintor jura a pés juntos que as visões não foram provocadas por nenhum produto que andasse a consumir. “Eu sempre fui contra o consumo de drogas”, diz com convicção.

Nas visões apareciam uma casa com três arcos que tinha o nome dele gravado numa varanda em ferro forjado. E havia um pavimento em xadrez preto e branco, coberto por água, que ele tinha que atravessar para chegar a umas escadas. Muitos elementos apontavam para um país do sul da Europa.

As visões sobre a casa de Vila do Paço, concelho de Torres Novas, que ainda está na sua posse e onde está o seu atelier, só se tornariam realidade um ano e meio após a chegada - quan-do foi para Pousos pintar um retrato de um cliente e se deslocava à Loja Grande em Vila do Paço para comprar tintas, pincéis e colas. Mas houve uma visão que se cumpriu à chegada. “Eram 3 da tarde quando o autocarro onde eu viajava parou em Tomar, em cima da ponte velha, para deixar passar uma banda de música. Era Feriado Nacional mas eu não sabia. Acordei e ali estava o que eu tinha visto, tal qual eu tinha visto. A banda, o castelo em frente, ao fundo da rua, a queda de água ao meu lado. Comecei aos saltos. As pessoas pensavam que eu tinha endoidecido”.

O pintor diz que nunca mais voltará à Austrália. Mas nem sempre pensou da mesma maneira. Ao fim de um ano e meio em Tomar e com a vida a andar para trás, telefonou aos amigos a pedir que o ajudassem a regressar. Tinha avião a 22 de Dezembro mas em Agosto recebeu um telefonema de uma amiga alemã que lhe tinha levado quarenta quadros, para tentar vender no seu país, a dizer que tinha cinco mil contos para depositar na conta dele. “Durante 5 anos a Bár-bara vendeu tudo o que pintei. Foi a minha salvação mas também foi uma espada de dois gumes. Quando ela morreu, de repente, de cancro, eu não tinha criado mercado aqui. Pintava aqui e vivia aqui mas vendia tudo lá. Ninguém aqui sabia que eu era pintor”, explica.

A pouco e pouco Sam Abercromby foi conquistando o seu lugar no mer-cado internacional de arte. Mas nem sempre tem histórias bonitas para comprar. Há tempos um incêndio na casa de um dos seus grandes clientes, o ex-basquetebolista e seu compatriota, Luc Longley, dos Chicago Bulls, fez desaparecer, para sempre, duas de-zenas de quadros da sua autoria, oito dos quais o pintor classificava entre os seus dez melhores de sempre.

Sam Abercromby é um artista australiano que foi arrastado para Portugal por extraordinárias visões“Já não me preocupo muito em saber se estou a ser compreendido ou não”

Alberto Bastos

Entrevista publicada em 18/07/2007

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 39

As pessoas dizem muitas vezes que não percebem nada de arte.

Não percebem, nem precisam perceber. Se algo é belo e nos toca isso é arte. Não precisamos saber a que corrente artística pertence. Não precisamos saber se um quadro foi pintado há quinhentos anos ou há dez minutos. Se um livro, uma escultura, uma pintura, uma música mexe com o melhor que há em nós, já sabemos tudo o que devemos saber. Também não precisamos ser psicólogos para termos sentimentos.

Essa parece uma resposta dema-siado simples.

Claro que há níveis. Se queremos perceber muito sobre psicologia temos que estudar psicologia. Se queremos saber mais sobre arte temos que estudar arte. Mas isso não significa abdicar dos sentimentos primários que a arte transmite. Esses são es-senciais. E quando aprofundamos os nossos conhecimentos isso não signi-fica necessariamente que passemos a sentir melhor as coisas. Até podemos complicar o nosso relacionamento com a arte. Eu conheço músicos que não gostam de música. Estão de tal modo atentos às técnicas que quando ouvem alguma música só querem ver se está tecnicamente perfeita. Não conseguem sentir.

Não se limita a pintar. Exprime-se também através da arquitectura, da música, da cerâmica, da escul-tura…

Arte é arte. É a expressão dos meus sentimentos. É isso que eu procuro nessas várias linguagens.

Tenta ser compreendido?Cada vez menos. Estou a chegar a

um ponto que não me preocupo muito em saber se estou a ser compreendido ou não. Um artista tem a responsabi-lidade de tentar comunicar o melhor possível se a ideia for transmissível, mas há ideias que eu sei que nunca conseguirei transmitir de forma a se-

Quando Sam Abercromby nasceu, a 10 de Junho de 1947, a sua família vivia numa casa isolada em Wiluna, na Austrália Ocidental. O vizinho mais próximo morava a cerca de quarenta quilómetros. A aldeia mais próxima ficava a uma centena de quilómetros. A principal cidade a mais de mil.

A maior parte do tempo, o pai de Sam, não estava em casa. Era represen-tante da empresa Mobil e andava de quinta em quinta a registar as encomen-das dos fazendeiros. Geradores, bombas de tirar água, óleo, massa consistente…Um trabalho duro e solitário. Algumas quintas distavam entre si duzentos quilómetros. Três semanas fora e ape-nas uns dias em casa. A mãe era uma jovem da cidade que não se deu muito bem com o isolamento. Durante algum

tempo esteve em tratamento longe de casa e dos filhos. Sam e a irmã, dois anos mais velha, ficaram entregues a uma ama.

A ausência dos pais não foi vivida com dramatismo. “Sempre fomos crianças felizes. Fomos amados. Hoje vivo aqui feliz por causa desses meus primeiros dez anos na Austrália”, conta o artista.

As únicas brincadeiras com outras crianças eram com aborígenes. Não havia escola. Sam comunicava com o professor através de um rádio alimen-tado por um gerador. “Montava-me na bicicleta, com os auscultadores e um mi-crofone, e pedalava para gerar energia. Era assim que eu conseguir falar com o professor que estava a mais de 900 quilómetros de distância”, conta.

Embora esteja disposto a falar da sua infância e da sua família, Sam Aber-cromby não tem muita informação. “A minha família cultivava um certo secretismo sobre o passado. Deve ser da nossa costela escocesa. Frios, dis-tantes, dignos, calados. Mordemos a língua, cerramos os lábios e seguimos em frente. Somos estóicos”, explica. A mãe de Sam tem 90 anos e vive com a irmã em Sidney. O pai faleceu quando ele tinha 19 anos. Era com ele que Sam se entendia melhor.”O meu pai e eu sempre tivemos um relacionamento perfeito. Ele reconheceu-me como indivíduo. Era um relacionamento de iguais. Ninguém na família percebia isto. Pensavam que estávamos em luta constante quando afinal estávamos em diálogo constante”.

para a Europa.Porquê a Europa? Pela arte? Imagina. Eu vinha de uma escola

de Arte. A Austrália nessa época tinha 130 anos. Ultra-recente, sem História. Tudo o que estudei era europeu. Fui para Atenas. Fiquei a viver num quarto pequeníssimo na encosta da Acrópole. Eu olhava da casa de banho quando estava na sanita e pela janela, que era apenas um buraco na parede, via a Acrópole. Estava no Paraíso. Estive lá 7 anos. Até 1975. Vivia como um grego. Falava grego.

Vivia da pintura?Artisticamente eu era um designer.

Trabalhei como desenhador durante uns três anos. Desenhava gravatas, embalagens para sabonetes, para prefumes, etc. Só pintava à noite e aos fins-de-semana.

Dava para viver?Fazia também uns trabalhos de

tradutor, ensinava inglês e era soli-citado para uns certos esquemas. Os gregos eram mestres em contornar as leis. Um estrangeiro que tivesse autorização de residência podia man-dar vir o carro sem pagar impostos. Mas havia um buraco na lei. Não era mencionado se a autorização era para um ou mais carros. Cheguei a ter vinte e seis carros em meu nome a circular na cidade. Por cada um recebia cem dólares de comissão. Havia também o caso das escolas de línguas. Elas não podiam legalizar-se se não tivessem ao seu serviço um estrangeiro cuja língua materna fosse o inglês. Eu era o “native-speaker” de quatro escolas de Atenas.

Não havia lá mais estrangei-ros?

Havia mas não tinham autorização de residência.

Como conseguiu a autorização de residência rapidamente?

Pura sorte. Entrei num café e tropecei, com o meu pé 47, numa cadeira. Pedi desculpa em inglês à senhora que estava lá sentada e ela pediu-me para lhe ensinar inglês. Era a esposa do director do serviço

que dava autorizações de residência a estrangeiros.

Bom, isso é mais que sorte.E dava-lhe as aulas no carro. O mari-

do era muito ciumento. Ele acreditava que enquanto ela conduzia nada de mal podia acontecer. Mas não havia razão para ciúmes. Não tive nada com a senhora. Ela era uma mulher com garra. Independente. E tratávamo-nos de igual para igual. Gostava muito dela e ela ensinou-me muita coisa sobre a Grécia. Acabei por ser grande amigo daquela família até à morte dela em 1988 e do marido, um ano depois. Saí da Grécia em 1975 mas mantive contacto. Visitei-os quatro ou cinco vezes.

A sua relação com a arte começa muito tempo antes, segundo sei.

Aos 10 anos. Na altura a minha família vivia em Perth e eu fui estudar para um colégio chamado Soldados por Cristo. Uma escola Wesleyana (re-ligião Metodista). Estive lá 3 anos. A filosofia deles era simples. Cada crian-ça é uma criatura de Deus. Tem um dom especial e um destino especial. A missão do professor é descobrir qual é o dom e o destino de cada criança.

O que descobriu o professor?Que o meu dom e o meu destino

eram a arte. Descobriu, logo, logo. Depois foi para uma escola de

arte. Foi em 1961. Tinha 13 anos e era

inocente e ingénuo. O que lhe ensinou a escola?

Ensinou-o a ser artista? As escolas ensinam-nos as técnicas

e as filosofias. Depois é connosco. O que eu aprendi deu-me a preparação suficiente para poder, mais tarde, exprimir as minhas ideias.

Uma infância no meio de nenhures

A vida erótica dos Templáriosrem compreendidas. Pelo menos neste tempo e por toda a gente.

Hesitou na utilização da palavra artista. Tem alguma dificuldade em utilizar a palavra artista para se designar a si próprio?

Nos últimos anos não há cão nem gato que não seja artista. E qualquer merdita é considerada arte. Como se tudo fosse igual. Não posso con-cordar com essa ideia. Uma senhora faz croché. Isso é arte? Não, porque ela não está a transmitir ideias. Está simplesmente a cobrir superfícies de forma decorativa utilizando uma determinada técnica. Ela não está a tentar dizer nada que valha a pena dizer. Coisas que venham a ser lem-bradas. No futuro, alguém que olhe para o seu trabalho o mais que poderá dizer é: “Uau! Santa paciência!”Mais nada. A arte desperta sentimentos. Cria ambientes para viajarmos dentro das nossas cabeças. Isso é arte.

Há diversas fases no seu percurso artístico?

Eu sou uma única fase. Eu aprendi as técnicas para poder escolher o meu caminho. As minhas ideias não estão ligadas a nenhuma corrente ou escola.

Mas o seu caminho não é linear. Pois não. Eu perco-me continua-

mente e encontro-me continuamente. Quando me perco fico desanimado e não faço nada. Visito os meus amigos e choro. Estou perdido, não sei nada, sou um inútil, não tenho nada para dizer, sou um falhado. É por isso tenho amigos com quem conto nestas altu-ras. Para me animarem. Para fazerem com que eu sobreviva. E felizmente tenho amigos aqui em Portugal. Te-nho muitas provas de amizade nessas alturas.

E quando se encontra?Quando estou em descoberta, quan-

do tenho um sucesso de criação, sou o primeiro a telefonar a todos a dizer para virem ver. Venham! É fantástico, fabuloso, sou o melhor. Nessas alturas a minha vida vale a pena.

Está a recuperar casas antigas aqui em Vila do Paço. Compôs a música para a próxima peça do Grupo de Teatro “Fatias de Cá”, O Perfume. Por este andar só lhe falta escrever um livro.

Já o escrevi. Sobre a vida erótica dos Templários.

Vai ser publicado?Não. É mesmo erótico. É pura ima-

ginação. Ficção. Um dia interroguei-me sobre os Templários. Afinal eles viviam como nós vivemos agora. Não andavam a pensar que eram figuras históricas. Eu tentei imaginar como seria um dia normal de um grupo de Templários no Convento de Tomar. Daí até à vida sexual deles foi um passo. Eles eram homens. Tinham sexo e necessidades sexuais. Comecei a efabular. A fabricar essa vida erótica, possível dos Templários.

As escolas ensinam-nos as técnicas e as filosofias. Depois é connosco. O que eu aprendi deu-me a preparação suficiente para poder, mais tarde, exprimir as minhas ideias.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE40 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Concentração totalJá perto do final da entrevista quando

interrogado sobre o medo e a morte, Victor Mendes inclina-se para a frente e encurta a distância entre si e o jorna-lista. É impossível fugir àquele olhar ali tão próximo. Um metro que parece ter apenas um palmo. Um momento quase hipnótico. As palavras deixam de ter qualquer importância. O gravador con-tinua a registá-las mas o entrevistador deixa de as ouvir para se concentrar na expressão do toureiro. Um touro na arena, perante um olhar assim, é um animal desarmado. Vencido.

Na sala onde decorre a entrevista não há nada que nos recorde que estamos na casa de um dos maiores matadores de toiros de todos os tempos. A excepção é um óleo assinado por Xavier Noguera mostrando picadores a cavalo e toureiros

numa zona de claustros. A explicação virá mais tarde, os filhos. “Quando eram pequenos eu passava muito tempo fora e quando regressava era para recuperar de colhidas. Eles sempre associaram o toiro a algo mau, que fazia mal ao pai. As minhas coisas estão numa outra sala”, explica.

Mais tarde havemos de verificar que não se trata de uma sala mas de um autêntico museu de dois pisos. Cabeças de toiros embalsamadas, pinturas, foto-grafias, esculturas, livros, revistas, trajes de luces, mil e um objectos que recordam uma carreira repleta de sucessos. Um espólio de valor incalculável que encan-taria qualquer aficionado.

Victor Mendes recebe-nos informal-mente na sua vivenda às portas de Vila Franca de Xira. Lá do alto têm-se uma vista esplêndida sobre o Tejo. O toureiro que estamos habituado a ver em trajes

cintilantes tem a barba por fazer, en-verga calções pelo meio da perna, uma t-shirt cinzenta. Na cabeça traz um boné de baseball e calça uns ténis brancos. “Pareço um cigano”, diz a sorrir. Não é verdade. Quem presta atenção aos pormenores descobre o toureiro nos mais pequenos gestos. A pose erecta do corpo. A maneira de andar, a colocação das mãos.

É véspera de uma importante actu-ação no Campo Pequeno e anda numa roda-viva. Pede-nos quinze minutos para acabar de discutir pormenores da construção de um redondel com o engenheiro encarregue da obra. Tem uma esfoladela no cotovelo direito. Uma insignificante picada de insecto quando se pensa no mapa de cicatrizes que os toiros lhe desenharam no corpo.

Numa cristaleira da sala há cerâmica sul-americana. Numa outra um veleiro.

Na parede por cima da lareira estão penduradas duas cabeças de veado embalsamadas. Uma foto junto a um animal abatido denuncia o seu gosto pela caça grossa.

A entrevista decorre à volta de uma mesa baixa, de sala de estar. Há duas caixas de charutos em madeira. Em cima delas um livro “saveurs de cigare”. Fotos de família olham-nos de cima de um mó-vel. Um binóculo antigo montado num enorme tripé de madeira está apontado à paisagem.

O telefone toca de vez em quando mas ele ignora-o. Chegam-nos rumores de pessoas na entrada da casa. Interrompe a entrevista duas vezes para falar com a esposa. Sempre cortês, sempre atencioso. Desculpa-se. Nunca mostra enfado ou impaciência. De cada vez que regressa à conversa concentra-se totalmente nela. Abstrai-se de tudo o resto.

Victor Mendes é um dos melhores matadores de toiros de sempre. Natural de Marinhais, cresceu no meio taurino de Vila Franca de Xira e afirmou-se nas melhores praças do mundo. Tomou alternativa há 25 anos, toureou em mais de mil corridas. Tem o corpo marcado por dezanove cornadas que são o mapa da sua peregrinação por uma profissão onde poucos triunfam. Esteve por três vezes às portas da morte e diz que se agarrou à dor como forma de se agarrar à vida. Na arena costuma sorrir. Por se sentir feliz e para afastar o medo.

“Sorrio para afastar o medo”Um simples mortal chamado Victor Mendes que se imortalizou como matador de toiros

Depois de uma carreira de pro-jecção com grande exposição pública são cada vez mais raras notícias sobre si. Tem-se resguardado?

Eu não me preocupo em ser notícia.

Tento ser o mais discreto possível por-que entendo que pertenço ao grupo dos comuns mortais. Sou um homem como qualquer outro, com virtudes e defeitos.

Nem todos os comuns mortais che-gam onde chegou.

Tive a felicidade de ter conseguido

cumprir o que projectei para a minha vida que foi ser matador de toiros. É verdade que sou o toureiro que conseguiu triunfar mas também sou o homem simples que gosta da vida, dos amigos, da família.

O que é necessário para triunfar? Eu abracei a profissão de matador de

toiros e vivi dela e para ela. Para triunfar nesta profissão são necessárias qualida-des físicas, intelectuais, psicológicas. É necessário um apurado sentido estético. É preciso ser forte a todos os níveis. E é necessária uma entrega total. Esta é uma profissão muito selectiva onde há mais vencidos que vencedores. O caminho para o sucesso é muito exigente. São poucos os que conseguem tornar-se figuras.

Como gostava de ser recordado?Como um toureiro completo que

dominou todos os tércios e que arriscou o máximo em todas as circunstâncias. Toureei sempre pelo prazer de tourear e creio que posso servir de exemplo pela honestidade e pelo perfeccionismo.

O risco compensa sempre?Tem que haver algum controle. Um

toureiro não é um suicida. Mas o público sabe reconhecer o toureiro que domina o toiro. O que arrisca para dar a volta a um toiro mais complicado. É ali que se joga o triunfo.

Assumir o risco é ir mais além?Muitas vezes estou na cara do toiro e

ele avisa-me. ‘tem cuidado’, porque o toiro avisa sempre. Eu não ignoro o aviso mas não desisto de ir mais além. Durante a lide o toiro evolui e o toureiro tem que se ir adaptando às suas características. Ele é um cúmplice do jogo, não é um inimigo. O toureiro tem de ter capacidade e inteligên-cia de interpretar os sinais do animal para conseguir dominar a situação e impor-se. Tem que conseguir superar-se.

Há muitas formas de dominar si-tuações.

Sim, há muitas formas de matar o toiro. Há a forma leal, correcta dos que conseguem impor a sua superioridade e coragem e há a forma rateira, cobarde, a fugir. E dessa o público não gosta, porque o público é sensível e percebe. Por isso é que muitas vezes é o toiro que triunfa. É ele que recolhe os aplausos quando já morto é recolhido.

O seu sorriso na praça é uma imagem de marca. Porque sorri?

Está no meu temperamento. Não é um sorriso forçado. É a minha forma de afastar o medo. Há toureiros a quem o medo seca a boca, há outros que vomitam antes dos grandes momentos, eu sorrio. Mas ter medo não é fraqueza. Se tu não tens medo de estar frente a um toiro és um louco.

Não é um sorriso de felicidade?Claro que também é um sorriso de feli-

cidade. Estou ali a fazer aquilo que gosto e sinto um enorme prazer nisso.

Quando está a tourear costuma pensar na morte?

Eu penso é na vida e na alegria de estar na cara de um toiro. Penso em fazer uma boa lide. Tenho consciência que a morte

Entrevista publicada em 31/05/2006

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 41

Um cidadão do mundo

Víctor Manuel Valentim Mendes nasceu em Marinhais a 14 de Fevereiro de 1959 e foi baptizado na Igreja de São João em Coruche, onde o pai era cabo da GNR. Cresceu em Vila Franca para onde foi viver com quatro anos de idade quando o pai passou a ser escrivão do tribunal local. Com humildade, conta que a mãe trabalhava a dias para ajudar

o orçamento familiar.O gosto pelos toiros despertou logo na

Escola do Bacalhau onde fez a instrução primária. O pai que era aficionado e via com bons olhos o gosto do filho pela festa brava pediu ao maestro José Júlio que lhe desse as primeiras lições. Mais tarde Victor Mendes conhece os irmãos Badajoz e foi António que o preparou para novilheiro e lhe apadrinhou a alternativa.

Víctor Mendes foi figura mundial, triunfou nas principais praças e destacou-se pela sua humildade, inteligência,

coragem, cultura taurina e facilidade de chegar ao público com simpatia, emoção e calor humano. Cumprimenta com o mesmo afecto o sapateiro que lhe arranja as botas e o Presidente da República, ou o Rei de Espanha.

O matador é crente e costuma entrar nas igrejas para meditar e estar com Deus mas não tem qualquer devoção por santo ou santa em particular. Costuma rezar antes de entrar na arena. Não é supers-ticioso nem usa qualquer amuleto.

Considera-se um homem rico porque faz o que gosta e diz que é feliz por ter

uma família “fantástica”. Quando fala da esposa Helena e dos três filhos, Diogo, António e Pedro, os seus olhos brilham de uma maneira muito especial.

Orgulha-se de ter o melhor museu nacional da tauromaquia em sua casa onde guarda, troféus, muletas, espadas, capotes, trajes, cabeças de toiro, quadros, esculturas e memórias sem fim. Em Se-tembro de 2001 cortou a colecta em Vila Franca, mas continuou a tourear porque não consegue viver sem a emoção de estar diante um toiro.

existe mas nunca penso na morte. Mas já viu a morte muitas vezesLevei dezanove cornadas ao longo da

minha carreira. Já estive três vezes mais para lá que para cá. Mas mesmo naque-les momentos nunca pensei na morte. Sempre pensei na vida. Agarrava-me à dor para me agarrar à vida. Pensava, ‘se me dói é porque estou vivo’. Felizmente Deus deu-me uma boa condição física e uma grande força psicológica que me têm sido fundamentais nos bons e nos maus momentos.

Já se despediu várias vezes das arenas, mas não consegue arrumar o capote e a muleta?

Retirar-me é impossível. Faço 10/12 fes-tivais, maioritariamente de beneficência, todos os anos em Espanha, mantenho o contacto com o mundo taurino.É isso que me mantém vivo e feliz.

Para além das cornadas dos toiros que outro tipo de cornadas se levam na profissão?

Levo esta profissão muito a sério e com seriedade. E mesmo assim, abdicando de muita coisa, sinto que vivo num mundo de falácias, críticas e invejas onde parece que tudo pode mudar rapidamente. O importante não é que as coisas corram bem num determinado período de tempo, isso não é muito difícil, o importante é manter um nível alto ao longo de uma carreira e vinte e cinco anos depois, continuar a gostar do que faço.

É um mundo de invejas?Sem dúvida. Quando alguém atinge

um patamar elevado logo outros vêm dizer que são melhores mas não tiveram oportunidades para triunfar. Não pode-mos cair no erro de dar importância a isso. Esse argumento é ridículo.

“O que eu fazia para tourear “Como é que nasce o seu gosto

pelos toiros?O meu pai era um grande aficionado

e eu ia às esperas de toiros com ele. De-pois comecei a ir sozinho a Vila Franca de Xira e Samora Correia. Comecei a frequentar as tentas do Conde Cabral e do Tomás da Costa. Um dia o maes-tro José Júlio levou-me para a quinta da Boiça e foi lá que tomei o primeiro contacto com a espada, a muleta e o capote. Recebi do maestro José Júlio as primeiras indicações e comecei a interessar-me.

Mas depois foi para Coruche...Como fui colocado em Benavente a

fazer o serviço cívico estudantil (tempo de serviço comunitário obrigatório para entrar na Universidade a seguir ao 25 de Abril de 1974) e como conhecia o senhor António Badajoz de Coruche aluguei um quarto na pensão da Ponte da Coroa em Coruche. Ia a Benavente dar aulas a adultos e batia os tentade-ros com o António Badajoz. Ainda lhe servi de motorista quando ele fracturou um braço após uma colhida no Campo Pequeno quando era bandarilheiro do José João Zoio.

Foi uma experiência marcante?O senhor António Badajoz era um

toureiro sério e uma figura respeitada que me ajudou imenso. Eu queria ser novilheiro como o António de Portugal e o Parrerita, ele disse-me que não havia espaço para todos e aconselhou-se a preparar-me bem para ser bandarilhei-ro profissional. Foi o que fiz porque o que eu queria era tourear. Em 1976 fiz a minha prova de bandarilheiro em Alcácer do Sal e tomo a alternativa em 11 de Agosto, dois meses depois, em Coruche tendo como padrinho o senhor António Badajoz. A partir daí as figuras espanholas que vinham tourear cá contactavam-me porque eu andava muito bem na cara dos toiros.

Esteve na última corrida com toiros de morte em Portugal, em 1977, com o maestro José Júlio?

Foi a 7 de Maio de 1977 com José Júlio, o António de Portugal e o venezuela-no Rayito de Venuzuela estoquearam numa corrida de concurso e foi tudo parar à prisão.

Na comitiva do Rayito vinha o apode-rado e moço de espadas do Curro Rome-ro, Gonzalo Sánchez Conde, conhecido por “Gonzalito” que ficou surpreendido

com a forma como eu toureava e pediu-me o contacto. Convidou-me a ir tentar sorte a Espanha.

Foi uma decisão complicada?Muito dura. Ainda não tinha feito o

serviço militar e estava matriculado em Direito. Ainda havia fronteiras e muitas dificuldades.

Mas foi...Fui. Cheguei a Madrid em Janeiro de

1978 com um frio diabólico. O Gonzalito mandou-me para Sevilha e eu comecei a estabelecer contactos com o maestro Curro Romero e outras figuras do tou-reio e a treinar com uma grande figura de quem me fiz amigo, o Juan António Luíz Espartaco. Treinámos muito na pracita de Santiponce em Sevilha Havia um ambiente extraordinário e ainda fiquei mais motivado.

E como é que os pais reagiram à ida para Espanha?

O meu pai (Jaime Mendes) era aficio-nado e gostava que o filho fosse toureiro. A minha mãe (Esmeralda Valentim) é que sofria mais, mas compreendeu e aceitou a minha opção. O maestro José Júlio, o maestro António Tadório, o Ludovino Bacatum que organizou a iniciativa “Vila Franca procura um toureiro” e o senhor João Oliveira, que era da Misericórdia, incentivaram-me imenso e ajudaram a convencer os meus pais.

Ir para Madrid implicava dinheiro para pagar um quanto e o comer. Houve que reunir recursos.

Como era o ambiente taurino em Vila Franca de Xira na década de 70?

Vila Franca tinha um ambiente taurino intenso. Vivia-se a festa com grande entusiasmo. Tínhamos ainda o José Falcão a dar cartas em Espanha. O José Júlio e o Mário Coelho estavam em stand-by, surgiu um novilheiro ex-traordinário de Calhandriz, o António de Portugal que se formou com o José Júlio. Havia um ambientaço. Vivíamos a festa com prazer e havia as tertúlias onde se falava da festa e se debatia o mundo taurino.

Chegou a Espanha em 1978. Como foi a sua evolução?

Foi uma evolução segura mas rápida. Comecei a triunfar, triunfar, triunfar e começaram a surgir os contratos. Fiz uma boa carreira como novilheiro de 1979 a 81 e fiquei nos seis primeiros do

“escalafon”, o top dos novilheiros em Espanha. Entretanto todos os outros novilheiros portugueses não tinham conseguido brilhar em Espanha e des-de 1974 que não tínhamos uma figura portuguesa porque tinha morrido o José Falcão (toureiro de Vila Franca) em Barcelona.

Surge então a oportunidade de ser matador de toiros?

Foi a empresa Balana que me ofere-ceu a hipótese de tomar a alternativa na Monumental de Barcelona a 13 de Setembro de 1981. Foi uma alternativa extraordinária com duas grandes figu-ras máximas e triunfei com saída pela porta grande. Nessa temporada ainda fiz cinco corridas e saí em ombros em três delas. Tive convites para ir tourear para a América.

É nessa altura que é chamado para cumprir o Serviço Militar Obri-gatório.

Veio mesmo na pior altura. Fui assen-tar praça na Escola Prática de Cavalaria em Santarém. Depois fui um dos três melhores do meu pelotão e fiquei lá três meses a dar recruta com a ajuda do furriel Martins. Fui responsável pela formação do segundo pelotão de apoio da Polícia do Exército. Foi uma experi-ência interessante mas complicou-me muito a vida.

Deixou de tourear?Arranjava sempre maneira de tou-

rear aos fins-de-semana. Como estava na tropa nem sequer tinha autorização para sair do país mas isso não me tra-vava. Chegava a ir a Espanha tourear e uma vez até fui à Venezuela. Toureei em Maracaibo no Sábado e regressei no domingo à noite. O meu azar foi um atraso no voo. Em vez de entrar no quartel de manhã, entrei segunda-feira à tarde. Apanhei uma reprimenda do oficial de dia.

Ele chegou a saber da aventura?Uns dias depois alguém lhe disse que

vinha num jornal que eu tinha triunfado numa corrida na Venezuela mas ele não acreditou.

Era incrível demais para ser verdade. Um fim-de-semana levei uma cornada em Espanha. Fui cosido lá mas depois tive que me tratar no quartel. O enfer-meiro ficou espantado quando me foi tirar os pontos ao descobrir que aquele tipo de linha não era utilizada em Por-tugal mas apenas em Espanha.

Toureou 1134 corridas e matou

mais de 2500 toiros

Ao longo de 17 anos, 18 temporadas, Víctor Mendes toureou 1134 corridas e matou 2500 toiros nas principais praças do mundo. No seu corpo tem as marcas de 19 cornadas e esteve por três vezes perto da morte.

Foi o toureiro português que mais triunfos alcançou em Espanha, França e América Latina. Curiosamente, foi em Portugal que realizou o menor número de corridas, apenas 91.

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(CONTROLO A DIABETES. DOMICÍLIOS)

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Depoimento

Aquele dia começou cedo. Cinco da manhã. O fato de ballet da Sofia com as pontas de “Índia” por aparar para a festa do dia seguinte. Eu, frente ao computador e a uma caneca de muito café e pouco leite, para completar um guião de perguntas de suporte a uma entrevista. Saloia, em bom rigor. Que do Ribatejo nos distanciámos sem saber e sem querer.

Tive um pressentimento, confesso. A proposta e marcação de entrevista ficou à responsabilidade de um camarada meu,

O peixe congelado não é apanhado no Tejo

Ana Santiago*ainda novato nestas andanças (mas quem não o é, mesmo com dez anos de profis-são?), que me garantia ligações fortes ao nosso Ribatejo. Pedi-lhe para certificar-se sobre a forma mais eficaz de lá chegar.

Sobre este aspecto, repito, sobre este aspecto, era completamente infundada a minha preocupação. O jovem cuidou de averiguar muito bem da localização da empresa. Meteu-se ao caminho noite fora, mas como a iluminação não era abundante decidiu regressar. Levantou-se de madrugada [afinal eu não trabalhava

só e desconhecia] e empenhou-se em nova aventura. Assim pôde garantir-me com segurança que sabia o caminho e estava pronto a demonstrá-lo.

Pouco depois das 8h00 eu seguia com o meu camarada de trabalho no mesmo carro. Voltava a indagá-lo sobre as suas certezas, ele voltava a confirmá-las. A Joana Emídio seguia atrás de nós.

O digníssimo empresário recebeu-nos no gabinete o melhor que soube. Até perceber que não era ele o objecto da entrevista. O meu camarada, ainda novato nestas andanças (mas quem não o é, mesmo dez anos depois?) escudou-se na máquina fotográfica para não mais a largar. Afinal tinha marcado a entrevista com a pessoa errada equivocado por um

nome semelhante.O digníssimo senhor não deixou de

falar connosco. Embora tenha evitado con-templar o meu camarada olhos nos olhos. Convidou-nos para almoçar um outro dia. Felizmente salvámos a situação. Se é que é possível dizê-lo. Mas o que é certo é que todos aprendemos uma lição. Ou três, em bom rigor: O peixe congelado não é apanhado no Tejo, a zona saloia está bem distante do Ribatejo e nunca, mas nunca, devemos partir para uma entrevista sem ter certeza absoluta de que vamos falar com a pessoa que queremos. Mesmo correndo o risco de nos enganar no caminho.

*Jornalista – Coordenadora da Edição Vale do Tejo

(Carteira Profissional 4733)

O jovem cuidou de averiguar muito bem da localização da empresa. Meteu-se ao caminho noite fora, mas como a iluminação não era abundante decidiu regressar. Levantou-se de madrugada [afinal eu não trabalhava só e desconhecia] e empenhou-se em nova aventura. Assim pôde garantir-me com segurança que sabia o caminho e estava pronto a demonstrá-lo.

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O que faz no dia a dia para proteger o ambiente e poupar energia?

Tenho um cuidado extremo em fazer a triagem de tudo aquilo que são resíduos para não ferir o ambiente onde vivo, a fim de preservar o planeta. Quanto ao consumo de energia apenas utilizo lâm-padas necessárias apagando todas as restantes que não estão a servir.

O sistema de ensino e a forma como as crianças são educadas pela família vão-se modificando. O que devia ter ficado dos métodos antigos e o que foi bom ter acabado?

As gerações vão-se sucedendo e com elas o ensino evoluiu, no entanto os princípios básicos da educação familiar devem ser preservados para assim poder ajudar os educadores. O que foi bom ter acabado foi o facto de só terem direito ao ensino as famílias com capacidade económica.

Como funciona a assistência médica na loca-lidade onde vive?

A assistência médica funciona dentro dos mínimos exigidos, no entanto verifica-se que não é suficiente para quem dela necessita.

Como é reconhecido o esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região?

Ricardo Luís Costa Presidente da Junta de Freguesia de S. Vicente do Paul, concelho de Santarém

O esforço de quem gera a riqueza e bem-estar na Região é sempre reconhecido desde que haja transparência, bom censo e dedicação à causa.

O que devem fazer as autarquias para ajudar melhor as empresas e empresários?

Dando-lhe apoio solicitando dignamente a sua expansão na criação de postos de trabalho o que vem valorizar toda a região.

Na nossa região há alguém que possa sobre-viver sem carro?

Há sempre alguém que por força das circunstân-cias é obrigado a viver sem automóvel.

No entanto, hoje em dia e face à velocidade da vida que imprimimos a nós mesmos o veículo não é um objecto de luxo mas um bem necessário.

O que faz mais falta na terra onde vive?A terra onde vivo preza-se de ter acompanhado o

progresso e o futuro, no entanto há sempre alguma

coisa que falta a qual não se pode aqui transmitir porque estamos a trabalhar nela todos os dias para o bem-estar social da população.

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O esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região acabará por ser reconhecido. E poderá ser potenciado por infra-estruturas e meios de apoio que facilitem a actividade empresarial. As autarquias têm aqui um papel importante promovendo a existência de um conjunto de meios tanto físicos como em termos de serviços que possibilitem e tornem atracti-vas a instalação nas regiões respectivas de um conjunto de empresas que se deseja o mais vasto e diverso possível.

Aqui na região não é possível vi-ver ou trabalhar sem ter um carro. A dispersão geográfica e populacional é grande e não há transportes públicos que possibilitem uma autonomia mínima de deslocação.

A escola tem que recompensar o esforço. Tem que ensinar que nada que tenha valor se faz sem esforço. Esta é a base de qualquer sistema de ensino. Promover e estimular a capacidade de trabalho, de aprendizagem e de criação.

A assistência médica na localidade onde vivo padece do mal geral. Tem qualidades e defeitos e tem que se aper-feiçoar.

João Protásio FialhoMédico – PsiquiatraSantarém e Leiria

Não sei dizer bem como é reconheci-do o meu esforço, no entanto não posso dizer que não sou acarinhada por todos os que me procuram.

Os órgãos autárquicos a que te-nho recorrido esforçaram-se sempre para facilitar a minha vida.

Viver sem carro na região é possível, embora seja complicado.

Procuro pôr em prática o que aprendo sobre protecção do ambiente e poupança de recursos, para que os nossos filhos possam viver num mundo melhor.

Do sistema de ensino antigo deviam ter ficado as regras e o respeito que o próximo merece. Foi bom ter acabado o regime ditatorial.

O maior problema que enfrento no meu dia a dia é a falta de estacio-namento.

Maria João Constâncio R. Contente CorreiaEmpresária/Gerente: Pata-Choca, Lda. / Pétalas e Cheiros - Santarém

O sistema de ensino e a forma como as crianças são educadas pela família vão-se modificando. O que devia ter ficado dos métodos antigos e o que foi bom ter acabado?

A presença da mãe em casa (se fosse essa a sua opção de vida), as refeições em família sem televisão. O ensino da nossa história a geografia e a autoridade dos professores. O que foi bom ter acabado foi o clima de medo (nalguns casos, terror) que as crianças tinham dos seus professores.

Na nossa região há alguém que possa sobreviver sem carro?

Nuno Miguel Vieira Alves FerreiraPresidente da Junta de Freguesia de S. Nicolau, Santarém Profissão: Bancário

Naturalmente que sim. Desde que devidamente assegurada na rede de transportes alternativos eficaz e fiável.

Como é reconhecido o esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região?

Conforme se tem visto há empresas que continuam a querer instalar-se em Santarém que não deixa de ser o reco-nhecimento transmitido por outros, do trabalho e carinho desta autarquia à instalação de novas empresas.

O que devem fazer as autarquias para ajudar melhor as empresas e empresários?

Conceder facilidades na instalação dessas empresas que garantam efectiva-mente uma mais valia para os concelhos, com consequências sociais positivas.

O que faz no seu dia a dia para pro-teger o ambiente e poupar energia?

Separo e deito o lixo em locais pró-prios. Apenas uso viatura quando é estri-tamente necessário. Utilizo lâmpadas de baixo consumo e racionalizo o consumo da água.

Como funciona a assistência médica na localidade onde vive?

Penso que tem vindo a melhorar gradualmente. A criação das unidades de saúde familiar, tem demonstrado grande capacidade de resposta e deviam ser incrementadas.

O que faz mais falta na terra onde vive?

Fundamentalmente segurança que é onde sinto maiores carências.

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Entrevista publicada em 26/07/2007

António, o homem que todas as semanas faz sorrir os leitores do Expresso com o humor requintado do cartoon, tem pena de nunca ter esboçado um desenho infantil. Em criança perdeu um concurso porque o júri não acreditou que fosse o autor da obra. O artista natural de Vila Franca de Xira, que lamenta a pobreza cultural em volta da festa brava, deslumbrou-se cedo com as mulheres e viveu uma juventude atormentada pelo fantasma da guerra colonial a que escapou por pouco. É através da arte que interpreta a realidade à sua volta.

Nasceu em Vila Franca de Xira. Como foi a infância na cidade ribeirinha?

Nadei muito naquele rio. Aprendi a nadar na piscina de Alhandra. Tínhamos algumas aventuras no Tejo um bocado irresponsáveis, mas felizmente nunca tiveram consequências más. Também fui muito marcado pelas esperas em Vila Franca e pelo Colete Encarnado.

É uma paixão que ainda man-tém?

Não sou propriamente um aficiona-do. Mas aprecio uma espera. Sou com-pletamente contra esta guerra contra os toiros. Acho que uma terra como Vila Franca de Xira sem toiros fica assim uma espécie de Moscavide. É pena que isso não envolva outras formas culturais e seja um pouco um gueto. Podiam fazer outras coisas que não fosse só discutir toiros e jogar às cartas...

O quê por exemplo?

Ver filmes, ler e discutir temas ligados a outras artes que não só à tauromaquia. O facto das pessoas estarem juntas nas tertúlias podia permitir outras coisas. Pelos nomes de algumas tertúlias percebe-se a actividade cultural que lá vai dentro: “Companheiros do balde”, “parras”… Em Espanha há o Hemingway e o Picasso, em Portugal o mundo dos toiros ficou menos defendido. Foi uma pena ter morrido tão cedo o Álvaro Guer-

ra que ajudava a conciliar os toiros com o resto. Há algum analfabetismo à volta da tauromaquia. E um conservadorismo imenso. Espero que mude.

Saiu desse conservadorismo cedo para Lisboa…

Fui estudar para Lisboa. Ia e vinha. Tinha uma vida muito cheia do lado de cá. E depois aconteceu a atracção da grande cidade por um lado. E aquilo que eu costumo dizer brincando que

O distanciamento da Igreja agravou-se depois do cartoon de 1992 [preservativo no nariz do Papa]?

Não tem mais para agravar. Acho que o cartoon do Papa já é reflexo de uma certa forma de pensar em relação àquilo que são as formas de pensar da própria Igreja. Continuo convencido que o tempo vai dar-me razão. A Igreja é perita em pedir perdões. Um dia destes está a pedir perdão por ter rejeitado o preservativo, por ter tratado mal as mulheres e os homossexuais. Depois

pedirá perdão pelos crimes sexuais dos seus padres. Depois vai acabar com o celibato e pedir perdão porque aquilo era uma coisa um bocado doentia. Espero estar vivo para assistir a este espectáculo de perdões consecutivos. A Igreja é uma instituição medieval que nós herdamos. Podia ter um papel mais positivo do que tem se ajudasse as pessoas a serem melhores.

O caso do preservativo mexeu com a sua ética? Como é que sabe quais são os seus limites?

A não ser que tenha uma componente social, pública, evidente e notória não mexo na vida privada das pessoas. Mas se um político tem um comportamento fora do comum, mas tem um discurso Deus, Pátria e Família aí há uma con-tradição e hipocrisia. Não critiquei o Papa enquanto líder religioso. Critiquei o Papa enquanto líder político a falar para fora da própria Igreja. É o Papa a falar para a sociedade em geral. Nesse sentido eu atinjo-o. A Igreja é tendencial-mente antidemocrática. Gosta muito

foi a descoberta do caminho marítimo para o sexo feminino. Foi um período de algum excesso e de algumas descobertas que me afastou de Vila Franca.

Respirava-se outro ar em Lis-boa…

Havia um contraste entre Vila Franca e Lisboa. É uma das coisas mais surpreendentes. Lisboa ficava longe. Vinha todos os dias para Lisboa e Lis-boa passou calmamente a integrar o meu quotidiano, mas nessa altura as pessoas de Vila Franca vestiam-se com uma roupa especial para vir a Lisboa. Era um acontecimento.

Teve uma juventude feliz.E complexa a partir de determinada

altura. Mas muito intensa.Passou pelas normais crises exis-

tenciais…Estudei pintura e isso também não

“A Igreja é uma instituição medieval” da democracia quando coincide com os seus pontos de vista.

Não é fácil estabelecer fronteiras.Intuo até onde posso ir. Essa coisa

dos limites não é assim tão clara. Nesta profissão temos que reagir a coisas que não se sabe muito bem como é que são. Não posso ter uma fórmula senão não consigo encaixar os novos aconteci-mentos. Tento errar o mínimo de vezes possível. Não me sentir envergonhado por aquilo que desenhei. Só se consegue estar bem na informação, na imprensa, dessa maneira. É claro que posso arran-jar os meus 10 mandamentos, mas a realidade não fica só aí.

Vila Franca de Xira tem uma “overdose” de tauromaquiaAntónio, o cartoonista que estabelece códigos com os leitores desconhecidos

Ana Santiago

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António. O nome apareceu pela pri-meira vez em 1974 no jornal “República” por um acaso. Os desenhos do jovem cartoonista, natural de Vila Franca de Xira, eram enviados sem assinatura para o periódico e o conterrâneo e jornalista Álvaro Guerra decidiu que o espaço não poderia voltar a aparecer em branco. Começava assim uma carreira com mais de 35 anos do artista, grande parte feita no jornal Expresso. António Antunes, 54 anos, filho de comerciantes, conformou-se com o baptismo e trilhou assim ao longo do tempo uma relação com os leitores do jornal com os quais estabeleceu códigos.

Vive em Lisboa e tem o seu gabinete de trabalho no atelier de design que criou há mais de 20 anos. Numa altura em que ainda não poderia dar-se ao luxo de viver da crítica social. O atelier fica perto da Mesquita a quem o artista chama ironicamente de “vizinho do lado” para abordar a questão dos fundamentalismos religiosos. As fotografias dos dois filhos, um arquitecto que vive em Vila Franca

e uma engenheira química que está a especializar-se na Holanda, ocupam o espaço cheio de uma organização desor-ganizada onde se consegue encontrar. Não há fotografias de mulheres, mas há muito que António se deslumbrou com o sexo feminino. Nunca casou, mas é um homem de paixões.

Já não é o artista de pasta ao ombro que desenhava nos cafés para impres-sionar as raparigas. A forma de engate encapotada é hoje um tipo de exibi-cionismo que o aborrece. Dispensa ser conhecido no café e incomoda-se de ser reconhecido pelo público no Alentejo a meio de um almoço. Aborrece-o esta condição de personagem meio pública meio privada.

O artista, que se completou na Escola António Arroio e que deixou a meio o curso de Belas Artes, tem pena de nunca ter feito um desenho infantil. Aprendeu a ler e escrever antes de ir à escola. Foi um aluno brilhante. Em Vila Franca de Xira não levou o primeiro prémio de um concurso de desenho porque o júri não

acreditou que tivesse sido o autor da obra. Foi uma das primeiras injustiças que sentiu o jovem, que seria para sempre atormentado pelo fantasma da Guerra Colonial. Teve tudo preparado para fugir para França, mas o destino poupou-o.

Intitula-se como designer gráfico, cartoonista e animador cultural em part-time. Coordena um grupo de cria-tivos que colaboram no atelier. O seu último filho é o World Press Cartoon. Um dos projectos é fazer uma exposição de escultura, uma arte que o ocupa nos momentos de menos tensão. Não tem um horário para criar, mas os prazos são disciplinadores. Tem uma televisão no gabinete e jornais amontoados. A sua mente vive em permanente criação. Três vezes por semana faz 40 piscinas por dia e no Inverno gosta de dar um pulo à neve. De voz rouca e aparente timidez, que se dilui no primeiro minuto de con-versa, garante que o que mais lhe custa é quando as pessoas da sua idade falam do seu tempo. “Como se as pessoas tivessem tempo! O meu tempo ainda é hoje”.

Pressentiu as brechas que se abriam no regime porque o primeiro desenho foi publicado exactamente a 16 de Março de 1974 no jornal “Re-pública”…

O 16 de Março foi uma coincidência porque o desenho já lá estava há um mês ou dois, mas a leitura desse tempo já lá está. Está lá escrito que alguma coisa vai quebrar. O 16 de Março é uma tentativa de golpe, mas antes disso pairavam coisas no ar. Percebia-se que o regime perdia energia todos os dias e que estava a dar as últimas.

E para o jovem António era essa a maneira de se expressar.

Uma das coisas que me levou aos jornais foi dar àquilo que eu sentia al-gum sentido social. Mesmo que fizesse uma grande pintura qual seria a vida que poderia ter? Na melhor das hipó-teses faria uma exposição ou venderia a alguém que a colocaria numa parede. Assim as coisas não existem. Os jornais ofereciam-me a possibilidade de me expor socialmente. Era como que me sentisse a participar nesse movimento colectivo através dos jornais.

Quando ficou claro que queria ser artista?

Fui crescendo. Repare, o meu primei-ro desenho aparece publicado a 16 de Março. A 23 de Abril entro no serviço militar. Costumo dizer que era o tipo que faltava para as coisas mudarem todas. O que é ridículo, como é óbvio, porque com dois dias de tropa não fiz nada. Durante um tempo não pude fazer nada porque estava longe de Lisboa. Voltei para Lisboa e retomei os desenhos na imprensa com alguma irregularidade. Depois acabei o serviço militar e voltei a trabalhar em publicidade onde já tinha trabalhado antes dos jornais. O

cartoon era uma aventura que iria até onde fosse possível, mas por outro lado tinha uma profissão.

Não foi à guerra, mas retrata-a em muitos trabalhos. É-lhe particu-larmente dolorosa?

A guerra é sempre uma chatice. Ape-sar de haver guerras que se justificam porque as pessoas estão encurraladas e têm que sair dessa situação. Até agora o homem não foi capaz de viver sem guerras. Esperemos que algum dia se consigam formas de dirimir os conflitos de forma equilibrada sem passar por aí. Vemos agressões claras, arrogâncias, prepotências. Continuo a detestar isso. Acho a guerra um método perfeitamente medíocre. Se algum dia chegarmos a um ponto civilizacional em que consigamos resolver os conflitos prescindindo da guerra será para mim uma coisa muito positiva.

Acredita que pode ajudar a mudar o mundo?

Não sou assim tão optimista em re-lação ao nosso papel. Acho que somos um grão de areia nesta engrenagem. Na ínfima parte daquilo que podemos influenciar acho que é preferível fazer a não fazer. Tento alertar as pessoas em relação à crueldade da guerra. E à cruel-dade de algumas guerras em particular que são completamente injustificadas na forma como se desenrolam. Mas nós somos animais, os animais são violentos, a natureza é violenta. Algumas guerras ainda são piores que outras porque têm que ver com processos de dominação, de agressão e de humilhação que não deveriam existir.

Como é que se caricaturaria a si próprio?

Já o fiz. Foi um pouco doloroso. É contra natura. Não apetece repetir.

Não tenho distanciação. Estou muito dentro de mim. É como se tivesse um anjo bom e um anjo mau.

Agrada-lhe a ideia da perpetuidade dos trabalhos que ficarão quando desaparecer?

Eu próprio já deitei alguns desenhos fora porque acho que não merecem viver. Acho mais importante marcar o meu tempo do que fazer vaticínios acerca do que vai acontecer depois de morrer. Só tenho pena de que haja projectos que não consegui concretizar porque Portugal é pouco dinâmico. Há coisas que quis fazer e não fiz. Não encontrei comprador. Na mudança de século tinha um projecto para fazer as figuras do século XX. Era um conjunto de três álbuns com desenhos e crónicas. Não vou assistir a outra mudança de século… Nisto Portugal é fértil. Obriga a grande desgaste. Para fazer um projecto tem que gastar o quádruplo da energia para o conseguir.

Há pessoas difíceis de caricatu-rar?

Tudo é caricaturável, mas é evidente que há personagens piores que outros. Quer por características fisionómicas quer por um certo cinzentismo. Hoje já não vejo a caricatura como o jogo anatómico. Preciso de um pouco de sal e pimenta. Deve ser um gozo anatómico cheio de intencionalidades, de sentido. Não basta fazer só uma coisa engraçada. Não sou um tipo engraçado, a não ser quando estou com os amigos.

Não é condição fundamental para ser cartoonista…

É preciso ter sentido de humor, que é outra coisa. O humor é uma construção mental. Quando estou com os amigos em círculos que estou à vontade aí o humor corre a jorros…

ajudava. Não havia grande perspectiva profissional para a minha opção. Isso também levava a alguma tensão fami-liar. Por outro lado há outros factores que condicionam esse tempo. Como a guerra colonial. Para os jovens dessa altura era uma espécie de fantasma que nos perseguia desde a infância. E que nos limitava imenso. O serviço militar queria dizer regra geral guerra em África e isso era um pesadelo e ia sempre marcando. E quanto mais nos aproximávamos dessa altura mais tensos isso nos tornava.

Como vê hoje Vila Franca?Não acompanho muito, mas não sei

muito bem o que a presidente pensa sobre o concelho. Para Vila Franca de Xira tenho algumas ideias. Acho que era vital tirar dali a linha de caminho de ferro ou desviá-la. Não só é perigoso como poluente. Corta-nos uma das me-lhores coisas que é o contacto com o rio. Podiam aproveitar-se edifícios como o da fábrica da moagem. Depois gostava de puxar a brasa à minha sardinha e fazer um museu ligado à caricatura. Criar boa estatuária para a terra, azulejos e animar os espaços públicos de uma forma que toque as pessoas, que as influencie, que as sensibilize.

Isso não acontece em Vila Franca?Em Vila Franca há o risco da tauroma-

quização da cultura. Existe uma estátua ao campino com touro, uma estátua ao toureiro. Só falta a do cavaleiro e ca-bresto. Parece que a vida é só isto. Não tenho nada contra, mas é uma questão de dose. É uma overdose. Era bom que se fizesse uma boa escultura de Álvaro Guerra. Na estatuária pública é preciso haver abertura à vida e à sociedade. O que não pode acontecer são coisas sem qualidade. Vivenciar a arte é trazê-la para a rua. Embelezar o quotidiano das pessoas. Tem que ser feito por alguém que saiba sonhar uma terra.

Quando desce a rua e se depara com a estátua de Alves Redol o que sente?

Sinto que a estátua é péssima. Já ouvi críticas completamente idiotas a dizer que o homem está nu. Os homens estão nus todos os dias. E não vem mal ao mundo. A estátua não me diz nada. Pior do que isso é a estátua da pobre varina que é uma coisa abominável. Já me coloquei ao lado da varina com alguns amigos para explicar o que penso. Trata-se de uma escultura supostamente naturalista. Ela tem os braços maiores do que eu apesar de ser mais baixa. Os braços teriam que lhe dar pelas canelas. A estatuária pública necessita de outra coisa. Há um analfabetismo estético muito grande.

O jovem artista que adivinhou a revolução

O rapaz que se esqueceu de assinar o cartoon

Para Vila Franca de Xira tenho algumas ideias. Acho que era vital tirar dali a linha de caminho de ferro ou desviá-la. Não só é perigoso como poluente. Corta-nos uma das melhores coisas que é o contacto com o rio.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE52 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Nas escolas os professores perderam autoridade e ela é crucial para o sucesso da educação. Não serão necessárias medidas extremistas, mas o respeito é muito importante. Hoje em dia, na relação professor-aluno, o papel dominante já não é do professor, tal seria inadmissível noutros tempos. Há valores que não se podem perder, têm de ser transmitidos não só em casa mas também na escola, caso contrário, terá um impacto negativo no aproveitamento escolar. A escola é a base da educação de todos nós, é aqui que se formam as personalidades, é essencial cultivar valores.

A nossa assistência médica funciona muito mal agra-vada pela retirada de especialidades anteriormente a funcionar no hospital de Tomar. Em situações de urgên-cia somos obrigados a deslocar-nos a outros hospitais. A abertura de tantos hospitais num raio de tão poucos quilómetros, veio prejudicar os cidadãos.

O que mais falta faz actualmente são empregos. Essa é a grande prioridade. Quanto ao resto tudo faz falta. Creio que não há uma região, ou cidade, que considere que tem tudo o que necessita.

A nível regional, não se verifica uma forma de compensação ou reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelos empresários. Eu, pessoalmente, nunca tive qualquer reconhecimento pelo trabalho desempenhado.

As autarquias deveriam unir esforços com as

Judite Jesus da SilvaPresidente do Conselho de Administração da AFRIZAL, SA - Tomar

empresas, cooperar. Deveriam criar infra-estruturas que facilitem e incentivem a implementação de mais empresas nos pólos industriais principalmente; atrair investimento de fora para o concelho. Para que os em-presários se queiram instalar na nossa cidade ou na nossa região também é necessário que existam um conjunto de facilidades, desburocratização e atractivos com as condições mínimas para a sua instalação, manutenção e crescimento. Por exemplo, na Zona Industrial de Tomar, que é onde nos encontramos, seria importante uma infra-estrutura com restaurante, café, multibanco, correios, quem sabe uma creche para as crianças cujos pais aqui trabalham, um local que assegurasse um con-junto de serviços mínimos. Por outro lado, na cidade ainda há quem queira inovar, quem tenha iniciativas, é necessário deixar explorar a parte do turismo, e mesmo espaços de lazer para os tomarenses. Precisamos atrair dos de fora e os de cá também, se dermos oportunidade

às pessoas de preferirem ir para outras cidades, seja às compras ou para investir, a nossa terra é que perde, e todos nós.

É difícil sobreviver sem carro, pelo menos no con-celho de Tomar que é o que eu conheço. Não existe uma rede de transportes que cubra todo o concelho e quem não tiver transporte próprio e tiver de se deslocar de fora da cidade, tem muito poucas opções. O táxi fica muito dispendioso e há para certos sítios, há um autocarro por dia, quando há.

As questões ambientais não dependem apenas dos cidadãos. São necessárias medidas autárquicas, como mais ecopontos, por exemplo. Quanto à poupança de energia, tento fazer uma utilização de água e luz bastante racional, evitar gastos supérfluos e utilizar equipamentos economizadores de energia. Penso que todos temos o dever de fazer estas e outras pequenas coisas que estão ao nosso alcance.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 53

Depoimento

Cada vez que passo em Gouxaria, Alca-nena, o pensamento foge-me para aquele casal que perdeu o filho de 20 anos, pouco tempo antes do Natal de 2008, numa recta mal calculada em plena Serra de Santo António. Antes de me contar o que acon-teceu, uma mãe banhada em lágrimas insistiu em mostrar-me os objectos do filho. Respeitei o seu momento de luto e acabei por passar uma tarde de domingo chuvosa com alguém que não conhecia de

Os lugares revisitados por uma jornalista

Elsa Ribeiro Gonçalves*

lado nenhum mas que partilhou comigo toda a dor que sentia. Cada vez que vou a Alqueidão de Santo Amaro, Ferreira do Zêzere, lembro-me que ali mora, numa casa térrea com um bonito jardim, uma jovem mãe que deu o fígado ao seu filho para que este não perdesse a vida e o mima com todas as forças que tem. Sempre que passo na A23 vinda de Abrantes para Tor-res Novas sei que, algures por ali, morreu num acidente de automóvel uma jovem

numa madrugada de temporal. E reduzo a velocidade por momentos. Por mais que não queira, acabo sempre por revisitar os lugares por onde passo, e volto a passar, com as reportagens que mais marcaram e que o tempo não apaga como faz com muitas outras. Pergunto-me se isto tam-bém acontece com os meus colegas de profissão? Ainda não sei porquê mas a memória teima em guardar mais histórias tristes do que alegres. Por isso ainda não esqueci cada vez que passo no Tramagal, Abrantes, que ali mora uma mulher com a filha de sete anos numa barraca sem água nem luz à espera que vague uma habitação social. Ou que vi homens de barba feita a chorar na primeira greve que se realizou na construtora João Salvador, em Tomar.

Mas, nem tudo são tristezas e há também lugares que me despertam sor-risos numa segunda visita. Sempre que regresso ao centro histórico de Abrantes é impossível não me lembrar de que já ali estive com um burro naquele que foi o protesto mais insólito que acompanhei. E como não me lembrar dos dois sacos de laranjas que o senhor Serafim Luís Homem, morador em Limeiras, Vila Nova da Barquinha, fez questão de me oferecer quando o fui ouvir tocar violino em sua casa? Do espirituoso “Encontro de Gémeos”, organizado pela paróquia da Sagrada Família, que fui assistir no Entroncamento ou da festa que o gru-po de pessoas que se juntam todos os anos para cantar os Reis em Montalvo, Constância, fez quando viu a carrinha de

O MIRANTE a chegar? São estas expe-riências tão distintas, e vividas quase ao ritmo diário, que fazem com que ainda continue a achar que tenho o privilégio de ter uma das profissões mais bonitas do mundo.

*Jornalista(Carteira Profissional 5532)

São estas experiências tão distintas, e vividas quase ao ritmo diário, que fazem com que ainda continue a achar que tenho o privilégio de ter uma das profissões mais bonitas do mundo.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE54 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

O que faz mais falta na terra onde vive?

Segurança!O sistema de ensino e a forma como

as crianças são educadas pela família vão-se modificando. O que devia ter ficado dos métodos antigos e o que foi bom ter acabado?

Para mim deveremos sempre pre-servar o respeito e a boa educação, mas nunca formar ignorantes.

O que faz no seu dia a dia para pro-teger o ambiente e poupar energia?

Apliquei as regras básicas de reci-

clagem como por exemplo: ecopontos, apagar todos os aparelhos eléctricos não utilizados, utilização de lâmpadas económicas etc.

Como funciona a assistência médica na localidade onde vive?

Aqui,.. o que todos sabemos é que ainda há muito por fazer, mas estamos um pouco melhor.

Como é reconhecido o esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região?

Penso que naturalmente é reconheci-do, porque está directamente ligada uma há outra, como por exemplo: o criar mais postos de trabalho.

O que devem fazer as autarquias para ajudar melhor as empresas e empresários?

Inovarem para tornarem a região diferenciadora do País e aproveitar as localizações para fixação de empresas e pessoas.

Na nossa região há alguém que possa sobreviver sem carro?

Penso que sim, mas no entanto é de referenciar uma melhoria no sector de transportes que seria sempre bem vinda.

Lúcio Horácio da Silva AlmeidaSócio Gerente da EQUITEJO Soc. Comer. de Equipa. Escrit, Lda - Santarém

Como é que é reconhecido o esfor-ço de quem gere riqueza e bem-estar na região?

Existem algumas individualidades no nosso concelho que têm o reconhe-cimento de todos, por esses motivos, nomeadamente o Sr. Louro.

O que devem fazer as autarquias para ajudar melhor as empresas e empresários?

As autarquias podem ajudar as em-presas e os empresários criando espaços industriais, com rendas baixas, para incentivar a fixação de novas empresas no seu território.

Na nossa região há alguém que possa sobreviver sem carro?

Infelizmente há quem tenha que so-breviver sem o carro. Para mim o carro já é uma ferramenta indispensável.

O que faz no seu dia-a-dia para proteger o ambiente e poupar ener-gia?

Em casa uso energias renováveis e faço a separação do lixo doméstico

Octávio CoroadoTécnico de Sistemas de AVACSócio e responsável técnico da Electrorecâmbio, Climatização e Ventilação, Lda - Santarém

para reciclagem. Na minha actividade profissional faço separação dos resíduos industriais para reencaminhamento para valorização e reciclagem dos resíduos.

O sistema de ensino e a forma como as crianças são educadas pela família vão-se modificando. O que devia ter ficado dos métodos antigos e o que foi bom ter acabado?

Embora por falta de tempo dos pais, penso que é importante no mínimo, à hora das refeições estas serem tomadas em conjunto.

Como funciona a assistência mé-dica na localidade onde vive?

Falando da minha experiência pró-pria, penso que funciona bem, mas reconheço que faltam médicos de família especialmente.

O que faz mais falta na terra onde vive?

Espaços de lazer para os mais peque-nos e idosos. Espaço públicos onde se poderiam praticar desportos e circuitos de manutenção.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 55

Como é a assistência médica na localidade onde vive?

Não funciona. Um dos médicos que prestava serviço foi-se embora, o outro reformou-se e, pelos vistos, não há quem os substitua.

O que faz mais falta na terra onde vive?

Assistência médica eficiente, uma agência bancária e um posto da GNR.

Como é reconhecido o esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região?

Sentimos que até hoje o reconheci-mento tem sido nulo. Esperamos que no futuro seja melhor.

O que devem fazer as autarquias para ajudar melhor as empresas e empresários?

Se não complicarem já ajudam. O que por vezes não acontece.

Na nossa região há alguém que possa sobreviver sem carro?

De certeza que não. Os transportes públicos são poucos e cobrem uma área muito restrita.

O que faz no seu dia-a-dia para pro-teger o ambiente e poupar energia?

A protecção do meio ambiente depen-de da consciência de cada um. Eu separo o lixo para reciclagem, economizo onde posso e evito desperdícios. Desligo as luzes que não estou a precisar e utilizo lâmpadas de baixo consumo; tenho aparelhos de baixo consumo e quando não os estou a utilizar não os deixo em “stand-by” e uso um sistema de energia solar.

O sistema de ensino e a forma como as crianças são educadas pela família vão-se modificando. O que devia ter ficado dos métodos antigos e o que foi bom ter acabado?

Penso que os professores têm pouca au-toridade o que é muito mau para o ensino pois origina abusos e indisciplina.

António Marques Alexandre Gerente da Carpego, Comércio de automóveis, LdªPego, Abrantes

Basílio Duarte OleiroPresidente da Junta de Freguesia de Arneiro das Milhariças, concelho de Santarém

O esforço de quem gera riqueza, por vezes é mal entendido. Há sempre aqueles que muito criticam e nada fazem. Neste perí-odo tão conturbado que se vive no nosso país desejo aos que continuam a gerar riqueza, coragem e muitos anos de vida.

As autarquias devem eliminar a burocracia para melhor ajudarem as empresas. Dentro do possível, devem também baixar alguns impostos. Com isso iriam ajudar ainda mais as empresas e empresários. O bom trabalho que tem sido feito melhoraria.

Sem carro a vida das pessoas fica pa-ralisada. Na nossa região e noutras, o carro é um meio de transporte útil e necessário para as deslocações rápidas.

Faço o possível para proteger o ambiente. Cumpro as regras ambientais e poupo no gás, na electricidade, no com-bustível, etc…

No ensino o que foi bom foi ter acaba-do a falta de liberdade de outros tempos. Para melhorar o actual sistema só com o apoio das famílias e da sua interacção com os professores. A nível do que se perdeu era bom recuperar o respeito e o convívio familiar e com os professores, bem como o tipo de alimentação mais saudável.

A assistência médica na nossa locali-dade é boa. Mas é pena que só tenhamos médico duas vezes por semana.

O que faz mais falta na minha terra é um parque de jogos. Outras coisas que fazem falta são mais actividades desporti-vas e culturais, saneamento básico e uma nova rede de águas, assim como a limpeza dos rios e ribeiras.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE56 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Entrevista publicada em 02/05/2007

A vida de António Bento Vintém é desconcertante e dava um filme. Foi funcionário público, jornalista, agitador cultural em Santarém na década de sessenta. Comeu lagostas na prisão de Caxias onde esteve detido 19 meses pela PIDE. Foi pedreiro e canalizador em Itália e França, enquanto preparava a luta armada contra o antigo regime. Viveu com a identidade falsa de Jean Dossier e foi lider do já extinto Partido Comunista Reconstruído.

Quais são as relações que man-tém actualmente com Santarém?

Muito poucas, exceptuando com al-guns amigos que lá tenho. Alguns amigos de escola que ficaram lá. Infelizmente um morreu há pouco tempo, o Carlos Damá-sio, que foi médico. Quando os meus pais morrem, e em 11 meses morreram-me pai, mãe e irmã, duas de cancro e um com AVC, liquidou-se a casa e as minhas ligações a Santarém resumem-se a ir aos encontros de antigos alunos do liceu.

Que recordações guarda da terra onde nasceu?

De Coruche, onde nasci, não tenho grandes recordações. Saí de lá com um ano para irmos para Tomar. Voltei lá de-pois, com uns 12 anos, porque o meu pai era apontador de obras através do fundo de desemprego. O Estado empregava as pessoas que estavam no desemprego.

Considera-se um ribatejano?Eu sou ribatejano. Nasci naquela

franja entre o Alentejo e o Ribatejo. Cheguei a pegar garraios…

Gosta da festa brava? Vai às cor-ridas?

Sempre que tenho cá amigos estran-geiros vamos aos toiros, desde que esteja na época deles. Não sou propriamente um aficionado, mas fui à inauguração do Campo Pequeno por exemplo.

A sua juventude fica marcada pela prisão em Caxias.

Sim, tinha uma actividade cultural extremamente intensa…

E também política?Não. Fui preso porque um gajo é apa-

nhado, fala em mim, eles vão ver quem eu era e chegam a Santarém. Vêem que é um funcionário público, jornalista, ligado ao teatro, à Orquestra Típica e pensam que sou o grande revolucionário que está ali escondido e abarbatam-me logo.

E não era?Não. Era um puto com 21 anos que

gostava de fazer coisasMas passou a ser?Depois passei à universidade. A mi-

nha posição já era de esquerda, como

é óbvio. Era um fulano interessado por teatro, por cinema, estava ligado a tudo quanto tinha a ver com cultura, orga-nizava conferências, debates. E a PIDE assustou-se. Porque não tinha reparado muito naquilo.

Como foram esses 19 meses em Caxias? Sofreu torturas?

Sim. Esmagaram-me um testículo, acordei uma vez no hospital da Ordem Terceira depois de ser agredido… Havia duas coisas: eles queriam que eu falas-se do medo que eles tinham e eu não correspondia ao medo que eles tinham. Mas não ia denunciar ninguém. Embora nem soubesse sequer o que denunciar,

pois não estava a fazer nada organiza-damente.

Tinha conhecimento de algumas manobras clandestinas?

Eu já dava cursos de marxismo-leni-nismo em casa. Não era a madre Teresa de Calcutá...

Mas daí até estar a atentar contra a segurança do Estado…

Até essa altura não tinha feito nada. Estive seis meses em isolamento. Levei porrada a dar com um pau. Uma vez atirei-me ao pescoço de um inspector, o Tinoco, em plena sala de interrogatório. Atiraram-me com várias cadeiras acima para abrir a mão.

“Existo para mudar o mundo”António Bento Vintém, revolucionário, intelectual, editor, agitador de consciências

João Calhaz

“Nunca deixei de me bater”

Viver da edição de livros num país onde se lê tão pouco deve ser complicado?

É um luxo.Mas consegue dar-se a esse luxo?Porque tenho uma tipografia. E daí

dar-me ao luxo de editar os livros que quero e não os que preciso para ganhar dinheiro. Neste momento estamos a editar literatura da África não lusófona. África é o continente do futuro.

Uma editora pode ser também uma plataforma de acção política?

Só é.É também uma forma de ir alimen-

tando a sua costela subversiva?

Não é alimentar a costela. É agir de forma activa. As pessoas mudam por dentro, não é por fora. Se não se vende não se chega às pessoas. Há essa questão que é necessário vencer, mas insistindo… Apesar de tudo já publicá-mos uns 600 títulos.

Quem é que escolhe os autores que publicam?

Habitualmente é o João Nilo, mas te-mos uma orientação específica. Depois temos autores que a gente dita porque são bons e caem aqui. Nós recebemos três originais por semana, dos quais dois não se adaptam ao nosso estilo. No resto, estamos a editar na área das literaturas africanas de expressão não portuguesa e do contra contra-terrorismo…

O que é isso do contra contra-terrorismo?

É contra o Bush. Contra uma estupi-

dez chamada o eixo do mal. Isso é militância política pura e

dura.Nunca deixei de ser militante. Nunca

deixei de me bater.E vale a pena?Eh pá, se não vale então é melhor

um gajo matar-se. Eu não sou cristão, portanto não espero o paraíso em sítio nenhum. Nem o dos árabes, que deve ser porreiro mas ainda não percebi para que é que são as virgens. Aquilo deve ser do caraças, estar a desvirginar aquela gente toda… Eu existo para mudar o mundo, que acho que deve ser a obrigação de todos os cidadãos.

São esses os seus amanhãs que cantam?

Só assim os amanhãs podem cantar, aprendendo a letra e a música.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 57

Era um homem teso, passe a ex-pressão?

Nunca fui cobarde e nunca tive medo. Nem hoje.

Foi na prisão que ganhou a sua costela revolucionária?

Foi aí que me tornei um revolucio-nário, enquanto pessoa a favor da luta armada. Não há revolucionários sem luta armada. É por isso que sempre fui anti-PCP.

Anti-PCP mas fundador de um Par-tido Comunista Reconstruído.

Reconstruí-o eu. Houve depois uma cisão que deu o PCP-ML, e aquele onde eu estava deu origem à UDP depois do 25 de Abril.

Como passavam o tempo na pri-são?

A gente dava cursos de marxismo de forma aberta porque lá não nos podiam prender. O sítio mais livre que havia em Portugal naquela altura era a cadeia de Ca-xias. Entretanto o Marcello Caetano chega ao poder e passados uns tempos saí.

E que encontrou cá fora? Notava-se a Primavera marcelista?

Quando saí de Caxias, a única coisa que sabia é que durante os primeiros dois meses ninguém é preso a não ser que dê uma chapada a um Pide. Quando se sai não se sabe lidar com isso. Arranjaram-me emprego no jornal República, depois fui para o Novo Observador e mais tarde para a editora Panorama que era de uma pessoa de Santarém, o Lima Rodrigues. No meio disto tudo estava como free lancer no Tempo e o Modo e na Vida Mundial.

Foi nessa altura o seu corte com Santarém?

Sim. Depois disso não voltei mais em termos de estar lá a viver. Mas ia lá frequentemente. Os meus pais e a minha irmã viviam lá.

Pouco tempo depois surgia o exílio.

Estava a trabalhar na Panorama e um dia ao chegar a casa, na Buraca, quiseram-me apanhar. Fugi, nem cheguei a entrar em casa. Aí já tinha actividade política. Estávamos em 1970. Ainda estive na clandestinidade na zona da Lousã, porque estávamos a planear um assalto militar à cadeia de Caxias para soltar os presos. Mas alguém “cantou” e fugi para a Itália. Estive lá até dia 8 de Março de 1974.

Regressa então a Portugal.No dia 16 de Março estou a porta do

quartel das Caldas, para ter um encon-tro com um camarada que estava lá, e vejo sair aquela tropa chefiada pelo Luís Faria.

Tinha informações do que se estava a preparar?

Não. Estava-se à espera de um mo-vimento de extrema-direita contra o Marcello Caetano. E o 16 de Março nunca se soube o que era. Se um golpe, se um contra-golpe. Só se sabe que deu com os burrinhos na água.

Estava lá por mero acaso?Estava por mero acaso em frente

ao quartel, debaixo de uma árvore. Chamava-me Jean Dossier, tinha lentes de contacto azuis, era louro e tinha passaporte francês. Estava ali como

turista, com um nome absurdo que foi o que me puderam arranjar em Itália, onde tínhamos a base do então Partido Comunista de Portugal.

Eram apoiados por estruturas italianas?

Sim, a casa onde estávamos era deles, do Partido Radical.

Porque é que o PCP era o inimigo principal?

Porque estava a manter o regime. Tinha de se pegar em armas, isto só ia à força como depois se viu. E o PCP, durante anos e anos, sempre se opôs. Achávamos que sem o PCP eventualmen-te a revolução era possível. Com ele não era. A malta não queria um país onde as pessoas ganhassem mais. A malta queria um país de pessoas. Depois o ganhar mais dependia das solidariedades e das capa-cidades profissionais de cada um. Era o princípio de quem não ganha o pão que come, come sempre o pão de alguém. E hoje penso exactamente a mesma coisa apesar de ser patrão de 90 pessoas.

Onde é que estava no 25 de Abril?Estava escondido numa casa de apoio

em Riba d’Ave. Estávamos a trabalhar o norte.

Sabia do que se preparava?Não. Aí pelas três da manhã chegou

o dono da casa a dizer que tinha de sair de lá porque não se sabia o que ia acontecer. E puseram-me em Paredes, na casa do Vítor Sá, que foi um grande escritor. Fiquei por ali a tentar saber o que se passava, sozinho. Entretanto descobri uma bicicleta velha, uma pas-teleira, e fui nela até ao Porto. Estava a revolução na rua. Vim para Lisboa a 26. Esqueci-me de dizer que tinha fundado uma livraria assim que saí de Caxias. Era a livraria Outubro. Quando fui para o exílio ficaram lá pessoas que entretanto fundaram a UDP, após um afastamento ideológico.

Em 1977 abandona a política activa. Porquê?

Percebi que o país tinha degenerado nisto. Que é o estado a que a gente che-gou, que é o estado novo.

Acha que Portugal precisa de mais uma revolução.

Eh pá, precisa! Mas eventualmente já não por uma questão de tomada do poder…

E já não também pela luta arma-da?

Essa questão não está posta de lado, se for mesmo preciso. Mas o problema não é por aí. Mudou-se as moscas, mas o produto de que as moscas se alimentam manteve-se.

Como é que reagiu ao 25 de Novem-bro de 1975, quando Portugal esteve à beira da guerra civil?

Tinha entrevistado o Jaime Neves (comandante dos Comandos) na véspera. Fui para Milão nessa noite, publiquei a entrevista com o Jaime Neves no Proletário Vermelho. Foi um escândalo à esquerda porque o Jaime Neves era considerado de ultra-direita. A gente apoiou o Movimento dos Nove. Ainda tenho cartazes disso em casa.

Isso para um Partido Comunista era quase uma heresia?

Só que este não era um problema de

Um revolucionário formado em Caxias

Nasceu em Coruche em 21 de Janei-ro de 1945, viveu alguns anos da sua infância em Tomar e fez-se homem em Santarém, onde viveu até ser detido pela polícia política do regime salazarista em Novembro de 1967 por conspirar contra a segurança do Estado. Esteve dezanove meses em Caxias, onde comeu lagosta e fumou charutos cubanos par-tilhados por filhos de gente de posses que também ali foram parar. António Bento Vintém era então um jovem idealista de 21 anos mas já com muita vida vivida. A cadeia transformou-o num tenaz revolucionário.

Em Santarém era uma espécie de homem dos sete ofícios. Trabalha na delegação do Instituto Nacional do Trabalho, toca bandolim na Orquestra Típica Scalabitana, integra o cine-clube de Manuel Castela, dedica-se à pintura, anda pelo teatro, foi colaborador e jornalista do Jornal do Ribatejo, do Correio do Ribatejo, do Jornal de No-tícias. Organiza exposições e colóquios. Agita consciências e prega a doutrina marxista-leninista no sótão da casa dos seus pais, na Rua Luís de Camões, a alguns jovens da cidade.

Toda essa actividade leva-o a ser alvo das atenções da Pide. Das memórias do cárcere guarda no recanto mais negro os longos dias de tortura do sono – uma vez 15 dias, de outra 12. Esmagaram-lhe um testículo. Foi sovado. Queriam informações que ele não queria ou não podia dar. Tentaram adivinhar no jovem dinâmico e idealista um perigoso elemento subversivo que não existia. Mal sabiam que ao condená-lo a Caxias estavam a contribuir para o nascimento do revolucionário que defendeu a luta armada antes e depois do 25 de Abril.

Em Caxias havia liberdade para o debate político e ideológico entre os opositores ao regime que ali estavam concentrados. As salas de reclusão eram ninhos de conspiradores contra o regime que assim alimentavam as suas convicções políticas. “Ali não havia o risco de se ser preso”, diz com ironia. Foi também na prisão que casou em Março de 1968 com a companheira, grávida do filho que viria a baptizar como Carlos Vladimiro em homenagem aos dois patronos do marxismo-leninismo.

Quando a Pide tentou pela segunda vez deitar-lhe a mão já não encontrou o jovem ingénuo e idealista. Fugiu para Itália e em Milão ajudou a montar uma empresa de construção civil cujos lucros ajudavam a fomentar as activi-dades subversivas. Faziam trabalhos de canalizador, de pedreiro, de pintor. E limpezas de empresas. “Fazíamos limpezas, por exemplo, à IBM onde saquei os projectos do napalm que passei a camaradas chineses”, diz com humor e orgulho. Em 1977 abandonou a política partidária. Hoje dedica-se de corpo e alma à sua editora, a Europress, em Lisboa. Dirige 90 pessoas mas não esqueceu o passado revolucionário, nem tem tiques de capitalista.

ser comunista ou não. Era um problema de fazer avançar condições que permi-tissem às pessoas fazer a revolução por dentro. A gente sonhava um povo que soubesse o que queria e não um povo que quisesse o que pudesse comprar.

É esse o povo que temos hoje?É o povo que quer o que pode comprar.

E que se chateia e faz greves quando pode comprar menos.

A questão do consumo é a força motriz da sociedade capitalista.

Não sei se é motriz, eu acho que é sui-cidária. Mas espero estar cá para ver.

O senhor também vive dos consu-midores, do mercado?

Eu não vendo produto de consumo, vendo papel impresso. Vendo jornais e revistas.

Mas se não houver compradores o seu negócio não vinga?

Exacto. Mas a grande diferença entre a utopia e a estupidez é aceitar e achar que está bem. Ou achar que eu sozinho mudo o mundo todo. Isso pensa-se aos 18 anos.

Chegou a acreditar nisso?Acredito ainda hoje.Que sozinho se consegue mudar

o mundo?Não. Mas acredito que a única for-

ma de mudar é, por virtude disso, não ficarmos calados. Cada um fazer a sua obrigação no sentido de mudar.

Não se sente rendido ao capita-lismo?

Não. As minhas contas bancárias pessoais nunca tiveram mais de 15 euros. E a minha família está toda aqui na empresa. É tudo investido para au-mentar a produção, diminuir o esforço, aumentar a produtividade. Eu ganho o pão que como.

Na sua actividade empresarial nunca sofreu consequências desses tempos conturbados e da actividade política que desenvolveu?

Não consigo vender para nenhuma câmara do PCP. O Álvaro Cunhal es-creveu um livro chamado “Os pequeno-burgueses radicais” contra o Vítor. O Vítor era eu.

Imagine que Portugal tem virado para um regime comunista nessa altura...

Não era geo-politicamente possível. Nunca tivemos ilusões. A revolução a fazer aqui era de mentalidades. Tentar construir um povo culto.

Depois de 1977 nunca mais se meteu na política?

O Guterres chateou-me durante meses para me candidatar à Câmara de Loures. Num quadro geral político, hoje, sinto-me mais próximo do PS do que de qualquer outro partido. Mas não aceitei.

Foi aí que me tornei um revolucionário, enquanto pessoa a favor da luta armada. Não há revolucionários sem luta armada. É por isso que sempre fui anti-PCP

16 Novembro 2009 | O MIRANTE58 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Há dias vi a lista de devedores ao fisco divulgada pela Direcção Geral de Impostos e fiquei abismado. Dela constam vários clubes da região, entre eles alguns históricos do panorama fute-bolístico distrital. São dívidas elevadas. E não estão lá outros que vivem com a corda na garganta.

Vem isto a propósito de algumas acusações que me fizeram quando num artigo de opinião de um jornal

Depoimento

Futebol ou feira de vaidades?

Fernando Vacas de Jesus*

de aniversário de O MIRANTE reflecti sobre este assunto e falei nas verbas que alguns dirigentes dos clubes de futebol ofereciam aos jogadores seniores.

Ao verificar o estado a que isto che-gou, fruto de gestões completamente erradas feitas no passado e que se man-têm teimosamente no presente, chego à conclusão que muitos dirigentes não aprenderam nada, nem fizeram qual-quer reflexão sobre o assunto.

Os clubes servem para cultivar as vaidades de dirigentes. Há treinadores e jogadores que apenas pensam em sugar o quanto possam. São raros os que se preocupam com o futuro. Futuro que pode vir a ser muito negro principal-mente para os dirigentes, que agora impam de vaidade. Já não é segredo para ninguém que na impossibilidade de recuperar as verbas em dívida com o património dos clubes, o fisco não vai deixar de recorrer aos bens dos dirigentes.

Dirigentes que depois se voltam contra as câmaras municipais, que de algum modo, também têm culpas no cartório, porque durante muitos anos foram alimentando a feira de vaida-des em que se transformou o futebol sénior do distrito, colocando muito do nosso dinheiro nas mãos de quem não o sabia gerir e não lhe pedindo contas desses apoios.

A teta das autarquias secou, como já devia ter secado há muito tempo. Por isso volto a reafirmar que é pre-ciso que todos os agentes desportivos, principalmente os ligados ao futebol sénior, se juntem e reflictam sobre o problema e não continuem a endividar-se. Os dirigentes têm que saber contar apenas com o que têm. Os treinadores e jogadores devem começar a pensar que só podem treinar e jogar por amor à camisola.

Jornalista(Carteira Profissional nº 3712)

A teta das autarquias secou, como já devia ter secado há muito tempo. Por isso volto a reafirmar que é preciso que todos os agentes desportivos, principalmente os ligados ao futebol sénior, se juntem e reflictam sobre o problema e não continuem a endividar-se.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 59

Eu ainda sou do tempo das reguadas na escola. Foi bom ter acabado a repressão que alguns docentes aplica-vam aos alunos. Apesar disso, dos métodos antigos gostava que tivesse ficado o respeito já que, ultimamente, temos tido vários exemplos do contrário nas nossas escolas.

A minha assistência médica é no posto de S. Do-mingos, em Santarém, que aproveito para felicitar. Tanto os funcionários administrativos como os médicos, em especial a minha médica de família, fazem um tra-balho excelente.

Em Santarém ainda falta saneamento em alguns locais apesar de nos últimos anos a cidade ter evoluído a um ritmo alucinante em todos os aspectos. A cidade

Jorge António da Silva NunesSócio Gerente da Casa de Escapes e Acessórios S. Pedro, Lda

irá ser uma grande capital de distrito.Podemos sobreviver sem carro próprio mas não

podemos viver sem ele. Mas reconheço que os transportes públicos têm melhorado e que irão melhorar mais para serem uma alternativa.

Em minha casa e no meu trabalho todas as lâmpa-das foram mudadas para lâmpadas de baixo consumo. E fazemos a separação dos lixos apesar de ter de deslocar-me cerca de um km até ao ecoponto mais próximo.

Para ajudar as empresas as autarquias devem agilizar os processos e desburocratizá-los. Mas tenho que reconhecer que se tem registado uma evolução. Já se notam algumas melhorias.

Na primeira fila do reconhecimento dos que geram riqueza está O MIRANTE e a restante comunicação social regional, ao darem destaque aos empresários nas suas páginas. Ainda há poucos meses, nas comemorações do 10 de Junho, Dia de Portugal, vi com agrado o nosso

Presidente da República Prof. Cavaco Silva condecorar alguns empresários da nossa região. Foi o reconhecimento a nível nacional do seu trabalho.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE60 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

António Dias Lourenço, filho de uma costureira e de um ferreiro, tornou-se operário cedo quando ainda era menino e aos 13 anos aderiu ao Partido Comunista Português. Amigo e companheiro de aventuras dos escritores neo-realistas do seu tempo, foi director do Avante durante 17 anos e ainda hoje tem a sua secretária na redacção do jornal. Aos 92 anos mantém um invejável sentido de humor que o leva a dizer que Alves Redol não gostaria da estátua que lhe fizeram. “Parece que está na casa de banho”, comenta.

Mora em Lisboa, mas conhece bem Vila Franca de Xira…

Nasci em Vila Franca. Num bairro da ponta ocidental. Já quase a passar à clandestinidade morei naquela tra-vessinha que vem do chafariz. O Alves Redol era o principal, mas eu e vários jovens com tendências intelectuais e políticas demos grande impulso a todo esse movimento literário que é conhecido naquela zona.

Como vivia a sua família?A minha mãe, filha de pescadores

varinos, era costureira e o meu pai era ferreiro. Tínhamos uma vida de-safogada. Não eram capitalistas, mas ganhavam bem. A oficina do meu pai ficava em Alverca. Fui para Lisboa e depois é que vim morar para Alverca. Fui trabalhar para a aviação.

Não teve tempo de ser menino? De ir brincar para o Tejo?

O Tejo era uma parte da minha actividade desportiva. Também jogava

futebol no clube de Vila Franca. Che-guei a meter três golos no adversário. Tinha que atentar na direcção do vento para que atirando do lado da baliza a bola pudesse fazer a curva. Não era nada fácil…

Foi amigo de infância do Re-dol…

Sim. Muitas vezes quando a maré já estava vazia íamos de barco até uma rocha que ficava um bocadinho fora do Tejo no momento da vazão da maré. Descíamos e íamos apanhar o marisco. Éramos íntimos amigos.

Como ocupavam o tempo?Éramos jovens profundamente

ligados à intelectualidade e ao jorna-lismo. Aos 13 anos aderi ao Partido Comunista Português. Já eu escrevia na imprensa. Organizávamos aulas no velho sindicato que funcionava como escola. Chegamos a juntar 50 ou 60 tra-balhadores com mulheres. Costureiras e fiadeiras e operários. Aprendi a falar Esperanto para poder dar aulas à malta. Tínhamos muita actividade literária e com forte participação nesses jornais da época. Não só de Vila Franca e do Ribatejo, mas também de Lisboa. “O Diabo” era nosso. Eu escrevia até com pseudónimo para aliviar muita coisa do trabalho humano da zona, das fábricas e

“Meu Tóino muito queri-do: espero que continues a melhorar dessa aborrecida doença que nem ao menos permite trincar uns carame-lozitos daqueles que tu gos-tas (…) Afectuosos abraços para os padrinhos e para ti, meu queridito, com muitas saudades”. É um excerto de uma das várias dezenas de cartas que António Dias

Lourenço escreveu ao filho durante a sua reclusão no Forte de Peniche. Os bilhetes postais, coloridos pelo autor, são pequenas mensagens de um pai há longos anos detido por trás das muralhas da velha e histórica fortaleza quinhentista transformada por Salazar no elo principal do universo carcerário da ditadura.

As mensagens carimbadas pela prisão destinavam-se a “um filho muito querido” de quem estava separado e que uma leucemia ceifou aos dez anos. Mesmo à distância António Dias Lourenço foi um pai dedicado e atencio-so. As palavras dedicadas ao filho estão reunidas num livro para infância e juventude “Saudades… não

têm conto – cartas da prisão para o meu filho Tóino”. O antigo director do Jornal Avante quer que os postais do Tonoc possam ser para outros meninos aquilo para que, singelamente mas com imenso amor, afinal foram feitos: “estorinhas das de dizer boa-noite aos nossos filhos”.

António Dias Lourenço o filho do ferreiro que se tornou operário ainda menino Trabalhou nos aviões de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e foi amigo de Redol, Torga e Soeiro

dos campos. Como sabe Vila Franca era a pátria do campesinato e da cultura, das lezírias.

Como é que o senhor se apercebia da chegada dos gaibéus, dos ratinhos, dos caramelos?

Ah, então! Eles atravessavam o Tejo ali em frente à estação. Não havia a ponte. Havia uma barraca à borda do Tejo. Era um camarada que lia a imprensa diária aos trabalhadores que vinham do Norte trabalhar o campo e atravessavam o Tejo – gaibéus, ratinhos e caramelos – vendia-lhes os copos e dava-lhe as informações do que se ia passando no mundo.

No seu livro sobre Vila Franca fala nos proprietários que soltavam os cães e na esposa caprichosa que pedia ao marido para baixar os ordenados para ter um colar de pérolas… Como se apercebia desta realidade?

Nós tínhamos um contacto estreito com os camponeses que não podiam passar para o lado de lá sem tomar o barco. Houve patrões agrários que recu-saram que as mulheres dos camponeses ficassem com os seus maridos…

E não lutavam contra isso?Lutavam, mas às vezes não tinham

força. Despediam-nos. A pouco a pou-co foram encontrando a força para ir rompendo com isso.

As situações de injustiça revolta-

Ana Santiago

Cartas ao Tóino dos calabouços de Peniche

Entrevista publicada em 04/04/2007

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 61

Porque é que não foi aprender o ofício do seu pai?

Eu fui construir e reparar aviões. Era uma coisa muitíssimo importante. Um trabalho de rigor e de tempo. Lembro-me que um militar que tinha que partir para um raid das antigas colónias tinha o avião amarrado à borda do Tejo. Veio uma ventania e levou o avião para uma ilha no meio do Tejo. Veio ter connosco: ‘Meus amigos, não quero que trabalhem mais que aquilo que podem, mas tenho a data marcada para a partida e agora está o estupor do avião escangalhado’. Nós fizemos um trabalho esforçado para ele partir naquele dia. Como paga fez um voo com cada um dos rapazes que tinha ajudado a reparar o avião.

A veia revolucionária surgiu na aviação?

Era aprendiz de torneiro e até introdu-zi melhorias nas condições de trabalho. Havia um engenheiro que um dia me quis arrancar para fazer trabalhos com menos tempo. ‘Olhe, veja lá se me consegue fazer isto com menos tempo’. E eu fiz a coisa. Disse que não me responsabilizava se a máquina se escangalhasse. Fiz o tra-balho rápido, mas depois para eles não ficarem com essa tabela para os trabalhos resolvi escangalhar a máquina. Disse-lhe: “Vê o que aconteceu por trabalhar com a velocidade que você me impôs?” Tudo era feito de propósito para não criar um horário de trabalho brutal.

Conheceu Gago Coutinho?Conheci! E Sacadura Cabral. Lá na

aviação. Trabalhámos para ele, aliás. E eles tinham-nos em grande apreço. Foi o começo do trabalho industrial naquela zona. Em 20/21 fizemos uma manifesta-ção em Alverca para vir saudar Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

Como passou da aviação para a Sodapóvoa?

A certa altura fui despedido. Eu e mais outro. Houve um despedimento de duzentos e tal operários na aviação numa acção de massas que fizemos. Eles tinham necessidades desses trabalha-dores nessa especialização. Aos outros voltaram a chamá-los. Só nós dois não fomos chamados.

Porquê?Nós é que fomos os agitadores daquela

acção inicial. Foi uma acção massiva. Eram acções anti-patronais. Neste caso de Estado.

O que pretendiam?Melhores salários. Estavam a querer

morder os nossos interesses. E nós con-seguimos fazer uma acção de grande volume apanhando uma quantidade de operários. A zona era do proletariado agrícola, mas começou a industrializar-se e a introduzir grandes lotes. A Sodapóvoa era uma grande fábrica. Foi aqui que conheci pela primeira e única vez o Salazar e o Carmona. Exigiram que os trabalhadores se juntassem em frente da porta onde o Salazar e o Carmona iam entrar. Só um operário é que gritou ‘Viva Carmona, Viva Salazar’. Esse trabalhador teve até um acidente de trabalho com gás dias depois e nós é que o salvámos.

Também privou com Soeiro Pereira Gomes.

Fui eu quem trouxe Soeiro Pereira Gomes para o partido comunista portu-guês. Veio de África e foi trabalhar para a Cimentejo, em Alhandra. Começou a fazer trabalho intelectual de alto valor em Alhandra. A certa altura o Redol começou a ter dificuldades em dedicar-se à literatura por causa do trabalho no partido. Então nós decidimos libertar o Redol para que se pudesse dedicar à literatura. Assim foi.

Quem o levou a si para o partido?Foi um camarada que foi do Barreiro

trabalhar para a aviação. Lembro-me que a certa altura fui convidado para membro da Juventude Comunista, já era então membro do regional no Baixo Ribatejo, mas ninguém sabia disto. Entrei também. Era simultaneamente membro da juventude e membro do regional. Estávamos na clandestinidade.

Participou nas reinvindicações da Sodapóvoa pelos subsídios?

Sim senhora. Um dia estava a tornear um grande veio redondo e no armário onde tinha as ferramentas tinha um livro de Marx. Enquanto o torno ia tor-neando o veio eu ia lendo. A certa altura vem uma mão e tira-me o livro. Agarra: ‘Então não ser preciso mais nada?’. Era o director belga. Saltei para o meio da oficina: ‘É para me despedir? Olhem este quer despedir-me por causa de um livro’, gritei. Ficou à rasca. Chamou o encarregado e disse-lhe para me castigar com alguns dias sem trabalho. Mas não fui despedido (risos).

QuASe duAS déCAdAS de ClAndeSTinidAdeViveu quantos anos na clandesti-

nidade?Dezassete anos. Durante esse tempo

era responsável pela imprensa do par-tido. Tive a responsabilidade de todo o Alentejo e de todo o Algarve. De todo o distrito de Lisboa e Santarém. Quando passei à clandestinidade em 1941 os camaradas deram-me Alentejo, Algarve, Covilhã e Gouveia. Fazia as ligações de bicicleta. Era já do comité central e ia fazer o controlo político dessas zonas. Quando tive que deixar o Alentejo por-que foi assassinado o Germano Vidigal e a malta achou que eu devia sair dali. Já estavam quase em cima de mim. Fui 17 anos director do Avante. Era a profissão que tinha no partido.

Teve alguma situação mais com-plicada?

Várias. Olhe, quando foi a morte do camarada Alex. Foi morto perto de Lou-res. Morava do lado de lá do Tejo. Íamos reunir a minha casa em À das Lebres para discutir algumas medidas. Eu tinha o contacto de João. O Campino, que já tinha sido preso, tinha decidido escrever Joana. A Pide lá foi à procura da Joana. Foi isso que me salvou. Alex foi morto frente dos trabalhadores. Deram-lhe um tiro e atiram-lhe a bicicleta para cima.

vam-no?Sim, sim. O meu pai que era ferreiro

não pendia muito para a literatura, mas a quaisquer acções de teatro que havia em Lisboa ele levava os filhos. Isso foi tocando a mim e a outros que fomos ganhando força intelectual. Pudemos entrar em contacto com autores de grande mérito e até às vezes com eles próprios…

Por exemplo?Olhe, o Miguel Torga. Uma vez eu, o

Redol e ele passámos o Tejo para o lado de lá. Tinha acabado a Guerra Civil de Espanha. Estávamos a falar os três sobre o assunto. O Torga, o Redol e eu a certa altura começámos a cantar a interna-cional (hino dos partidos comunistas e socialistas). A certa altura diz o Torga: “Caramba, nunca pensei que alguma vez se pudesse cantar a Internacional alto neste nosso Portugal!”. É claro. Ninguém mais podia ouvir. Senão nós três. Estávamos sozinhos.

Como conheceu Redol?Ele começou a escrever num jornal

do Ribatejo onde eu já estava ligado. Fala-se muito nos passeios do Tejo, mas fomos nós que os criámos. O Redol e eu fazíamos o trajecto entre Vila Franca e o Carregado. Saíamos do barco e íamos petiscar para o campo. Uma gaita! Íamos comer, mas íamos era conver-sar sobre política. No Tejo não havia ninguém para nos ouvir. Ali ficávamos e ali fazíamos grandes reuniões. Já nas propriedades do Palha Blanco.

de que é que falavam?Da política, da acção de massas, do

trabalho intelectual, das empresas. um dia o amigo transforma-se em

escritor…O Redol a certa altura começa a

escrever. E um dia em Vila Franca

chama-me. Tinha seis folhas de papéis almaço escritas à mão. ‘Olha, quero que tu leias e que me digas se sou capaz de escrever um romance’. Então eu pus-me em sentido, em jeito de brincadeira: ‘Decreto número um, artigo primeiro: Declaro que tu és capaz de fazer um romance’ (Risos). Claro que era capaz de escrever romances, como sabe, fez vários… mas esse era o primeiro. Chamava-se “Glória – uma aldeia do Ribatejo”.

O senhor que o conheceu bem acha que se gostaria de ver retratado nesta estátua que tem em Vila Franca de Xira?

À certa que não. Em Vila Franca nenhum de nós gostou disso. Já está feita há uns tempos. Parece que está na retrete. Já viu? Não gostámos nada.

Apesar de dizer que costumava inspirar-se junto ao Tejo…

Nós só não acabámos com isso porque a estátua foi construída num terreno particular. O dono da terra podia dizer que sim ou não. E lá está o Redol. Parece que está na casa de banho…

O operário revolucionário

Um homem de olhar vivo põe as mãos no balcão da venda de livros da sede do PCP. Na rua Soeiro Pereira Gomes, em Lisboa. É António Dias Lourenço, o operário revolucionário de Vila Franca de Xira que se evadiu do forte de Peniche e durante 17 anos assumiu a direcção do jornal oficial do partido “O Avante”. O jornal já vive sem o correr da pena do revolucionário, mas António Dias Lourenço não vive sem o cheiro da redacção. Tem lugar cativo numa sala onde trabalha ao ritmo dos seus 92 anos. “Fiz há pouco 29 anos”, diz a brincar. Nem os anos de reclusão nos calabouços de Peniche lhe retiraram a vontade de continuar a lutar. Nem a perda de um filho, aos dez anos, que não resistiu a uma leucemia.

António Dias Lourenço viveu os horrores da tortura, mas é um homem profundamente afável. Fala das três filhas com orgulho. As recordações das três mulheres com quem viveu deixam transparecer alguma decepção na vida amorosa de quem casou aos 18 anos. Dezoito foram também os anos

passados atrás das grades. Da primeira vez fugiu ao fim de cinco anos e um dia. Oito anos depois foi preso outra vez e lá esteve até ao 25 de Abril. Ca-sou duas vezes e o convite para dar o segundo nó foi feito a partir da prisão. Tal como a proposta de divórcio. “Nós os que estávamos na clandestinidade não tínhamos tempo para namorar. Decidíamos juntar os trapinhos sem dar contas a ninguém”, ilustra.

O menino que viveu a infância em Vila Franca de Xira aderiu aos 13 anos ao PCP. Pouco depois de começar a trabalhar na aviação de Alverca. Já com o diploma da escola industrial. Daí se-guiu para a Sodapóvoa acompanhando o movimento operário. Sobrevive com o ordenado de funcionário do PCP. A pensão de 11 anos como deputado é entregue directamente ao partido. “Nem me pergunte quanto é que já nem me lembro”, diz o homem que assumiu de bom grado o risco de ser morto. “Assumíamos o risco para con-quistar a liberdade”.

O homem que arriscou a vida para ajudar a conquistar a liberdade

Sobrevive com o ordenado de funcionário do PCP. A pensão de 11 anos como deputado é entregue directamente ao partido. “Nem me pergunte quanto é que já nem me lembro”

16 Novembro 2009 | O MIRANTE62 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

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Os empresários não podem ser ignorados pelos eleitos locais. É nossa obrigação ouvi-los antes de tomar decisões, que digam respeito às questões de desenvol-vimento de actividades económicas e dos recursos naturais, assim como a aquisição de bens e serviços.

Os operários e as suas famílias re-conhecem e respeitam quem através do seu trabalho e a aplicação do seu dinheiro, gera riqueza e cria emprego. As associações empresariais, a comunicação social regional, as autarquias locais, divul-gam e atribuem o merecido mérito a quem proporciona o bem-estar de todos.

O automóvel faz parte da nossa cultu-

Manuel João da Rosa Pedro da Silva Presidente da Junta de Freguesia de Praia do Ribatejo

ra de estatuto social. Quem o tem, está dependente dele. Também não existem alternativas eficazes de conciliação de horários com outros meios de transporte, de casa para o emprego ou por exemplo a deslocação aos supermercados, nem a cha-mada partilha de carros, esquema utilizado nalguns países. Esta sobrevivência é mais acentuada para quem vive nas aldeias ou lugares mais distantes dos grandes e médios centros urbanos.

Para a reciclagem faço a separação e deposito nos ecopontos, cartão, plás-tico, vidro e pilhas. Desligo as luzes e quaisquer equipamentos eléctricos que não vou utilizar.

Do antigo sistema de ensino deveria ter ficado a autoridade do professor. Foi bom ter acabado o uso e abuso da “régua” e do castigo físico como forma de ministrar o ensino das disciplinas.

Na freguesia o sistema de saúde funciona razoavelmente. Há 2 postos de saúde do serviço nacional e uma policlínica privada.

Falta-nos uma cobertura a 100% da rede e estação de tratamento de esgotos domésticos da freguesia.

Ultimamente tem sido reconhecido o papel dos empresários da região, mas como tudo na vida ainda pode ser feito mais. É necessário que os empresários sejam ouvi-dos sobre as suas necessidades e que sejam ajudados para investirem mais e criarem mais empregos. Atendendo que Santarém

Manuel Eduardo Costa LopesMédico OftalmologistaGerente da Climeco - Clínica Médica - Santarém

vai receber compensações por o aeroporto não ter ido para a Ota, poderia ser aliviada a carga fiscal para as empresas

Sobreviver sem carro na região é possível mas muito difícil. Nesta zona há poucos transportes públicos

Utilizo lâmpadas de baixo consumo e, quando possível, separo os plásticos do vidro e do cartão. Infelizmente, na zona histórica da cidade (onde vivo), não há locais próprios para o efeito.

Dos métodos do antigo sistema de ensino devia ter ficado o respeito pelos outros. Foi bom ter acabado o clima de medo que se vivia nas escolas mas foi muito mau ter-se instalado o chamado “facilitismo”, que leva as pessoas a acre-ditar que podem ter tudo o que quiserem sem esforço.

A nível da saúde muito foi feito mas há falta de profissionais. E a situação pode complicar-se mais se não aumenta-rem o número de vagas já que a grande maioria dos médicos situa-se na faixa dos 50 anos. O que faz mais falta em Santarém é segurança. Para além disso falta também a dinamização do centro histórico e uma boa rede de transportes públicos .

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 63

Depoimento

Cinco e meia da tarde de sexta-feira e o jornal recebe a informação de que um homem acaba de cair ao rio Tejo na ponte D. Luís, em Santarém. Desloco-me até à Ribeira de Santarém, junto aos pilares da ponte e já o espaço se encontra vedado pela polícia. Alguns, poucos populares ainda presentes, vão falando sobre o caso e comentam entre si que o homem que caiu à água é o intendente Cardoso, conhecido operacional da PSP

Uma notícia de seis meses com o “quem” incerto

Ricardo Carreira*

de Santarém. A presença de vários agentes far-

dados, e outros à civil, e a chegada de cada vez mais meios de busca e socorro faz pensar que a ideia não é descabida. Por muito que se diga que toda a gente merece a mesma atenção a verdade é que as figuras conhecidas e com responsabi-lidades nos seus meios suscitam sempre mais atenção das autoridades.

Um pescador diz a outra pessoa que

ouviu o grito de um homem e o estrondo de embate forte na água no meio do silêncio de uma pescaria de final de tarde. Meti-me na conversa e o homem confirma a versão.

O tempo vai passando e as buscas prosseguem em barcos que batem o rio e as margens à procura de indícios. Em terra agentes descem pelo meio de calhaus e silvas até à água, sem novidades.

Respeitosamente atrás da fita de-limitadora da área de acesso restrito colocada pela PSP vejo o tempo a passar e o dia não tarda em ficar noite. Tenho de ir à procura de melhor posição.

De câmara fotográfica e de vídeo na mão subo até à linha do caminho-de-ferro e por ali caminhei para obter novos ângulos das buscas. Sigo até onde posso dois agentes que batem as mar-gens. Vou até Alfange a calcar gravilha a menos de um metro dos carris da linha de caminho-de-ferro. Aquilo mete mais medo agora de que quando em pequeno andava por ali com amigos a explorar caminhos até às Portas do Sol.

No rio, nada de novo. Feitas fotos e frames de vídeo regresso à Ribeira para ver se o ambiente é mais esclarecedor. Chega e sai gente, polícia e bombeiros vão para cá e para lá já a noite vai cer-rada como breu. Numa viatura civil, acompanhada por agentes, pareço ver a ex-mulher de Aguinaldo Cardoso. Não há mais nada a fazer do que estar atento a novidades junto da PSP desde esse episódio de 27 de Março de 2009. E ir a

correr para casa tomar banho, limpar a poeirada toda e ir para o jantar-debate da Ordem dos Enfermeiros num hotel da cidade. Sempre deu para acalmar!

Muitos boatos, rumores, “estórias” e até piadas se foram ouvindo, contanto e inventando ao longo de meses desde que o caso teve lugar. Dois pescadores de beira Tejo encontraram o corpo do intendente em Muge, Salvaterra de Magos, em finais de Setembro. Afinal, sempre era verdade. Aquele final de dia e começo de fim-de-semana durou meio ano. Ao fim de seis meses confirmou-se o “quem” da notícia, que faltava.

*Jornalista(Carteira Profissional 5536)

Por muito que se diga que toda a gente merece a mesma atenção a verdade é que as figuras conhecidas e com responsabilidades nos seus meios suscitam sempre mais atenção das autoridades.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE64 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

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O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 65

16 Novembro 2009 | O MIRANTE66 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Bifes, pescada e abstinência sexual

Quando era atleta de competição era como o Carlos Lopes que comia de tudo e bebia uns copitos?

Não. Hoje bebo com regularidade à refeição e gosto muito de vinho, mas durante aqueles anos todos não bebia. Nem cerveja. Durante os 18 anos que corri não bebi dez cervejas.

E tinha cuidado com a alimen-tação?

Tinha algum. No início era uma coisa doentia. Incutem-nos uma série de coisas que nós depois, com o tempo, percebemos que não são

correctas. Nos primeiros tempos do Sporting, nos dias em que estivésse-mos no estádio de Alvalade - e podia ser um dia ou uma semana ou duas consecutivas - comíamos sempre ao almoço e ao jantar pescada cozida e bife grelhado. Ainda hoje não consigo comer pescada.

E havia autorização para escapa-delas nocturnas?

Nós nunca fomos muito disso até porque havia aquela ideia de que os atletas de alta competição não deviam ter relações sexuais. Eu não tenho ver-gonha de dizer que enquanto jovem estava meses sem ter relações sexuais. Era assim que nos diziam que tinha de ser e eu fazia.

Era quase um sacerdócio…

Completamente. Nós éramos putos com vinte anos e acordávamos ao meio da noite completamente encharcados. Ou estávamos num sítio qualquer e até corávamos de vergonha porque qualquer coisa nos fazia ter uma erecção.

Na altura já havia assédio às vedetas?

O tempo era outro mas costumo dizer que nos meus tempos de jovens terei passado muitas vezes por ma-ricas. É verdade. As miúdas devem ter pensado que eu não gostava de mulheres. Felizmente que as coisas mudaram. Comecei a ler mais e a falar com outras pessoas que me diziam que não era preciso ser assim. A minha ida à França abriu horizontes.

“O ciclismo era quase um sacerdócio”Marco Chagas foi o ciclista que mais vezes venceu a Volta a Portugal em Bicicleta

Marco Chagas venceu quatro voltas a Portugal em bicicleta. Um feito que mais ninguém alcançou até hoje. Correu na Volta a França, foi companheiro de Joaquim Agostinho. A dieta rigorosa e abstinência sexual a que se submeteu nos melhores anos da juventude levam-no a dizer que ser ciclista naquela altura era quase um sacerdócio.

Como é que um miúdo de Pon-tével conseguiu ser um dos melhores ciclistas portugueses de sempre?

Tive uma infância normalíssima para uma família humilde que vivia com di-ficuldades e com as carências habituais na altura. Fiz aqui a escola até à sexta classe, não era um aluno brilhante mas era bom.

Deixou de estudar devido a essas dificuldades económicas?

Apesar das dificuldades penso que os meus pais podiam ter-me proporcionado mais uns anos de escolaridade. Mas já tinha aquele pensamento da bicicleta e decidi deixar os estudos e ir trabalhar. Mais tarde arrependi-me, mas na altura percebi que havia dificuldades grandes na família e decidi ajudar. A minha mãe trabalhava no campo e a minha irmã, que é mais velha, casou e pouco depois teve um filho que os meus pais também ajudaram a criar. Foi uma vida complicada.

Não compensou essa falta de estu-dos mais tarde?

Aquilo que aprendi foi do dia-a-dia da minha vida e do facto de ter andado muito tempo fora. O francês aprendi no ano que lá estive a correr, e hoje tenho alguma facilidade na língua francesa mas tenho muita dificuldade na língua inglesa. Acho que é uma pena e uma falha enorme de que me arrependerei sempre. Gostava de ter maior capacidade de lidar com as línguas estrangeiras e até no português.

Ainda se lembra do seu primeiro emprego?

Foi numa casa fotográfica que havia

no Cartaxo. Ainda nem tinha idade para trabalhar mas comecei logo a ganhar o meu primeiro ordenado, que era de 300 escudos por mês. Devia ser uma coisa bai-xinha mas era muito bom para mim.

Era um salário dividido pela fa-mília?

Sim, entregava-o aos meus pais. Era

mais uma ajuda para a casa. E isso, não sendo muito significativo, ajudou a que tenha comprado a minha primeira bicicleta de corrida aos 14 anos. Custou dois contos e é claro que os meus pais ajudaram. Era um “chasso” mas foi com ela que me estreei na competição.

Mas começou a andar de bicicleta

mais cedo…Sim. Quando tinha seis anos o meu

pai conseguiu oferecer-me uma bicicleta, que comprou à família do dr. Sérgio Ser-ra, que é o actual director do Centro de Saúde do Cartaxo. Era uma bicicleta que não era nova mas que ele mandou arran-jar e foi nela que comecei a pedalar.

Foi um grande presente para si?Claro. Foi o Natal mais feliz da minha

vida. Quando me levantei de manhã, cheguei à cozinha e vi que tinha lá a bicicleta tive uma alegria que ainda hoje recordo.

Foi com o tal “chasso” que comprou aos 14 anos que começou a correr…

Exacto. O meu pai tinha muitos pro-blemas de coração e em determinada altura alugou uma casa no Cartaxo para evitar as deslocações, porque às 07h00 tinha de estar sempre na abertura do mercado. Nessa altura fui para o rancho do Cartaxo e quando regressei a Pontével a minha ligação ao rancho continuou. Até acho que foi aí que comecei a dar mais às pernas. E modéstia à parte até tinha algum jeito para dançarino. Ia aos ensaios de bicicleta e fazia duas vezes o percurso entre o Cartaxo e Pontével.

O “bichinho” do ciclismo veio tam-bém da família…

O meu tio Ramiro Martins foi um ciclista de qualidade, de tal forma que foi campeão nacional e atleta olímpico em 1960. Ele deixou de correr quando eu tinha quatro anos, mas lembro-me de ele sair de casa para ir correr e das tabletes de açúcar, que era o que havia na altura.

E como foram as suas primeiras corridas a sério?

Comecei a correr pela Casa do Povo de Pontével nos campeonatos da FNAT, actual INATEl. Na altura corria quase clandestino porque só tinha 14 anos e não podia correr federado. Inscreveram-me como se tivesse 16 anos e lembro-me de levar grandes “tareias” nas corridas por-que corria com gente de todas as idades. Mas muitas vezes batia-me com eles e cheguei a fazer oitavos lugares. Aos 16 anos fui campeão regional de Santarém e vice-campeão nacional.

Foi aí que começou a dar nas vis-tas…

Sim. As pessoas começaram a saber que eu tinha jeito e o senhor Vítor Matias,

Entrevista publicada em 24/05/2006

João CalhazJorge Guedes

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 67

Além das 4 voltas a Portugal tam-bém correu no estrangeiro. Como foi essa experiência?

Fui para o estrangeiro um pouco prematuramente, em 1980. Tinha aca-bado de perder uma volta por doping no Lousa e o Agostinho convidou-me para ir para a equipa dele. Fui mas tinha 23 anos. Era um puto. Tinha acabado de casar e ser pai, estava no início de vida, tinha saído da tropa em Junho desse ano e de repente vou para um mundo diferente.

Custou muito a adaptar-se a França?

Até me adaptei bem. Fiz uma série de corridas e estava a ter uma evolu-ção muito boa mas vim a Portugal e apanhei papeira. Estive perto de três semanas sem poder sair de casa. Parei a preparação e foi um retrocesso muito

grande. Mesmo assim acabei por ir à Volta a França e acabei em 41º. A cinco dias do fim da volta era 22º e entraria seguramente nos 20 primeiros na pri-meira vez que fui lá trabalhar para o Agostinho, que foi quinto nesse ano. Só que ele teve uma gripe quase no fim e numa etapa duríssima eu fiquei para trás uma série de vezes para o ajudar a recolar.

Em 1984 pelo Sporting as coisas ainda correram pior…

Sim. O Agostinho voltou ao Sporting para dar projecção à equipa e irmos à Volta a França mas ele morreu, em Maio, no Algarve. Foi um ano horrí-vel. Fomos à Colômbia e nem pude ir ao funeral dele. Ao quarto dia de lá estarmos tivemos a notícia da morte e acabei por me vir embora e nem acabei a Volta à Colômbia. Foi das coisas mais

marcantes para mim.Mas foram à mesma à Volta a

França?Fomos mas não nos preparámos

minimamente e levámos uma tareia. Acabei em sessenta e tal e sabe Deus como. Só tivemos uma coisa boa que foi o Paulo Ferreira ter enganado um francês e ganho uma etapa.

Acha que tinha condições para ter tido mais sucesso na carreira internacional?

Eu era um corredor jeitoso mas a nível internacional nunca ia ganhar a Volta a França. Estou convencido que tinha condições para um dia, aos 28 ou 29 anos, fazer nos dez primeiros da Volta a França ou nos cinco primeiros da Volta a Espanha, mas mais do que isso acho que não. Naquela época havia vinte corredores de alto nível.

Acredita que podia ter ficado entre os primeiros na Volta à França

um sportinguista ferrenho que ainda é vivo, levou-me aos treinos de captação do Sporting. Fomos para Monsanto fazer um circuito duro e acho que dei boas indicações, pois eles ficaram com vontade que eu ficasse lá. Por sua vez, o Benfica era treinado pelo senhor Francisco Valada, por quem ainda hoje tenho uma grande consideração, e que me levou lá a treinar. Foi a única vez que vesti a camisa do Benfica e acho que eles também gostaram.

Escolheu o Sporting pelo seu amor ao clube?

Sim, pelo amor à camisola, que era uma coisa que se sentia fortemente na altura. Teve de haver um entendimento porque o Sporting não tinha a cate-goria mais baixa, que era populares, e propuseram-me pagar um subsídio de 700 escudos por mês, o que era obra, e eu corria individualmente. Quando tivesse pontos suficientes passaria a júnior.

Aceitou o convite?Aceitei e fui fazer as primeiras corridas

sozinho. Corria com uma camisola verde clarinha, sem publicidade nem nada. Na primeira corrida fiquei em quarto, fiz vários terceiros e segundos lugares mas nunca conseguia ganhar. O Sporting começou a perceber que eu tinha algum jeito e mandou o treinador dos amadores comigo ao nacional, que se disputou em Aveiro. Finalmente tive alguém que me organizou a corrida. A chegada era a Sangalhos e ele sabia que havia uma subida antes da meta e mandou-me ir atrás deles até essa subida. Eu assim fiz e ganhei. No dia seguinte havia o contra-relógio e também ganhei.

Deve ter sido uma época desgas-tante…

Passei o ano todo desgraçado porque apanhava cada “empeno” que não podia. Era um puto e foi uma sobrecarga de quilómetros e de treinos exagerada. Até porque eu trabalhava também.

Que características o levaram a ser o ciclista que mais vezes venceu a Volta a Portugal?

A minha grande especialidade era o contra-relógio. Não era que fosse muito melhor que os outros, mas sabia que, des-de que me preparasse bem, e porque as voltas tinham sempre um grande contra-relógio, arrumava com a concorrência. Com a vantagem do contra-relógio, sem quedas ou quebras físicas, dificilmente eu perderia uma volta.

O que é que o fazia ser especial nos contra-relógios?

Para já há condições naturais que não se trabalham. E eu tinha um limiar anaeróbico muito elevado. Mas a melhor

“Fui para o estrangeiro prematuramente”

coisa que um corredor pode ter é uma ca-pacidade de sofrimento acima da média. É dar tudo da partida à chegada, sejam 5 km ou 20 km. É preciso ter algum jeito para gerir aquilo tudo.

Como é que se dava com a pres-

são?Ao contrário da maioria dos meus

colegas, para mim o estar de camisola amarela e liderar uma corrida só me ajudava porque chegava à noite e dormia tranquilo porque estava à frente. Den-

tro da corrida preocupava-me em estar sempre num bom lugar e gerir as forças da melhor forma. Poucas vezes andei em fugas e me meti em aventuras que sabia que não iam dar em nada. Só atacava nos momentos certos.

Treinador e comentador

Quando terminou a carreira de ciclis-ta, aos 33 anos, Marco Chagas nem teve tempo para descansar. Na época seguinte foi convidado para treinar a Tensai – Mundial Confiança e aceitou.

Pegou numa equipa em que oito corredores eram estreantes na Volta a Portugal mas ainda assim conseguiu que

a equipa vencesse uma etapa, envergasse a camisola amarela um dia e tivesse dois corredores nos dez primeiros. No ano seguinte já colocou um ciclista (Manuel Abreu) a discutir a volta e a terminar em segundo.

Depois foi para a Sicasal. Foram três anos que o marcaram, até pela experi-ência internacional, mas foi um período extremamente desgastante. “Fui para a Sicasal quando o projecto já era um limão muito espremido e cheio de vícios mas

ainda assim houve coisas boas. Descobri o Vítor Gamito mas nunca ganhei a vol-ta. Aliás, nos cinco anos que treinei fiz quatro vezes segundo mas nunca venci nenhuma volta”, recorda.

Hoje, cerca de uma década depois, diz que foi uma experiência interessante mas que não lhe deixou saudades. Não afirma que nunca mais dirigirá uma equipa mas garante que só com uma proposta irrecusável ou por paixão. Como por exemplo se aparecesse uma equipa da

região. “Envelheci mais naqueles anos na Sicasal que nos 18 como corredor”, afirma.

Quando deixou de treinar recebeu o convite para ser comentador de ciclismo da RTP. Aceitou e ainda hoje mantém essa actividade, sendo considerado por muitos o melhor comentador de ciclismo em Portugal. Além da RTP faz também comentários para uma produtora que trabalha para a RTP e a Sport Tv.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE68 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Cobaia do doping

Marco Chagas é dos desportistas que mais sentiu na pele os problemas do doping. Foi na época que correu que os controlos começaram a ser mais apertados. Devido a análises positivas perdeu uma Volta a Portu-gal que tinha vencido e foi desclas-sificado em outra ocasião.

O seu primeiro problema foi na volta de 1979, quando era atleta do Lousa. Nesse ano ganhou a sua primeira Volta a Portugal mas foi desclassificado já depois da volta ter terminado. É um assunto que o deixa triste mas sobre o qual não tem receio de falar.

“Naquela altura havia muita in-definição e muita falta de cuidado também. Eu e o pessoal da minha geração pagámos muito caro isso porque até aos anos 70 o uso dessas substâncias era livre”, refere Marco Chagas, admitindo que nesse ano tomou coisas que não devia ter tomado.

“Nós achávamos sempre que estávamos dentro da lei. Ainda hoje a fronteira é muito ténue. Só que naqueles tempos não tínhamos mé-dicos nem ninguém que nos apoiasse ou que nos dissesse o que se podia ou não tomar. Normalmente eram os massagistas que diziam que o outro tinha dito que se podia tomar. Nós fomos um bocado cobaias disso”.

O erro serviu-lhe de emenda e garante que a partir daí nunca mais tomou nenhuma substância ilegal. O que não o impediu de ser desclassifi-cado mais uma vez devido a análises de doping positivas.

“Foi a maior injustiça que me podiam ter feito”, diz, garantindo que, conscientemente, nunca tomou nada que tivesse efedrina e muito menos norefedrina, substância que acusou nas voltas a Portugal de 1984 e 1987, em que foi desclassificado. “Eu muitas vezes nem vitaminas tomava”, garante.

Luís Horta, um dos mais reco-nhecidos especialistas portugueses na matéria, tem uma justificação que Marco Chagas considera que pode ser a razão para o que lhe aconteceu.

Nessa altura (anos 80) começa-ram a vir para Portugal as primeiras tabletes energéticas e alimentos líquidos compostos feitos na hora. João Rocha, que era presidente do Sporting e tinha negócios nos Esta-dos Unidos, mandou vir produtos desses para a equipa de futebol e posteriormente para a secção de ciclismo.

“Hoje está provado que no início esses concentrados alimentares tinham uma composição demasia-do rica, incluindo os derivados da efedrina”, diz o ciclista recordando que as substâncias que levaram à sua desclassificação hoje são legais.

Um percurso cheio de títulos

Marco António Martins Chagas sagrou-se pela primeira vez campeão de Portugal de profissionais pelo Sporting em 1974, com apenas 18 anos, feito que repetiria na época seguinte.

Do Sporting foi para o Águias/Clock, vencendo em 1978 a prova portuguesa de Perseguição em estrada. No ano seguinte mudou-se para o Lousa e ganha a Volta a Portugal em bicicleta. Dias depois a vitória é-lhe retirada por uso de doping.

Desanimado, foi correr para França,

ao lado de Joaquim Agostinho. Regressa a Portugal e vence a Volta em 1982 (FC Porto) e 1983 (Mako Jeans). Em 1984, de novo com a camisola do Sporting, preparava-se para vencer nova volta mas acusou doping. Vingou-se em 1985, vencendo a volta e sagrando-se campeão de Portugal.

Não se ficou por aí. Em 1986 con-seguiu a quarta Volta a Portugal, um feito que mais ninguém conseguiu. No seu currículo destacam-se ainda as vitórias na Volta à África do Sul em 1978, Volta da Independência do Brasil em 1982, Volta à Madeira em 1983 e a clássica Porto-Lisboa, Volta ao Alentejo em 1984 e G.P. do Minho em 1987.

Faz 50 anos em Novembro mas tem um físico de fazer inveja a muito jovem. O ar jovial com que encara o dia-a-dia ajuda. A roupa também. Chega ao ponto de encontro, o café Aleixo, em Pontével, vestindo um pólo justo preto e calças de ganga. Calça ténis cinzentos. A tez morena sugere que não é “pássaro de gaiola”. Ou não desse ainda as suas pedaladas pelas estradas da região, já não numa bicicleta de corrida mas numa BTT.

Marco Chagas irradia simpatia. As pessoas que vão entrando no café cumprimentam-no carinhosamente. Ele retribui no mesmo registo. Quando fala gesticula muito com as mãos. O vocabulário está longe de ser pobre. Ele foi um dos que ajudou a romper com o conceito de que os ciclistas eram todos homens rudes incompatibilizados com o bom português.

A prática como comentador televisivo ajuda à fluidez do discurso. As leituras que o acompanham desde a infância dão-lhe lastro. Recorda-se perfeitamente das velhas Citroen cinzentas da Funda-ção Gulbenkian que funcionavam como bibliotecas itinerantes. Dos livros que leu de Camilo Castelo Branco, Alexandre Herculano, Júlio Dinis e outros clássicos da nossa literatura.

“A literatura hoje é muito menos

Breve perfil de um campeão que nunca renegou as raízes

Sempre a “puxar” pela vida

trabalhada. E isso pode ter alguma responsabilidade naquilo que é hoje a nossa língua, que está menos cuidada”, observa.

Lamenta não ter estudado mais. A vida modesta da família não o permitiu. Começou a trabalhar novo. E depois vie-ram as bicicletas. Foi sempre a pedalar, pela montanha da vida acima. E chegou ao topo naquilo que fazia. Se pudesse, gostava de ter seguido línguas ou história. “Sou um apaixonado por tudo o que tem a ver com o passado”, diz.

Não admira que eleja os The Beatles

como uma das referências musicais – “fi-carão sempre na história” -, a par com os também britânicos Queen. Portugueses como Paulo Carvalho, Vitorino e José Cid - “noutro estilo” – também o marca-ram. Dos mais recentes aponta Delfins, Madredeus, GNR e Mariza.

No jogo das perguntas e respostas corta a direito. Não se mete por vias sinuosas nem por discursos redondos. É expansivo. Revela pormenores íntimos quando recua aos melhores anos da ju-ventude, em que as relações sexuais lhe estavam vedadas por conselho técnico durante meses a fio. Para concentrar energias na alta competição. Houve ra-parigas que chegaram a duvidar da sua virilidade, conta com humor.

Era uma vida de sacerdote, assume. Tal como reconhece que no apogeu da sua carreira mal havia tempo para estar com a família. Nos últimos anos separou-se. Perdeu a mãe e o pai. Essas experiências abalaram-no. Nota-se quan-do nos dirigimos a casa dos pais, onde guarda os troféus que remetem para a história de um grande atleta. O que mais voltas a Portugal ganhou até hoje. Foi aí que vestiu a camisola amarela para a fotografia. Com a disponibilidade de um campeão a quem a glória não roubou a humildade.

É em Pontével que tem as raízes. Anda a recuperar uma casa para regressar do afastamento ocasional. A pequena vila ribatejana sempre foi o seu porto de abrigo. Gosta de viajar, conheceu muitos países, surpreendeu-se com a África do Sul do apartheid e emocionou-se quando lá regressou e viu esse sistema racista abolido. Adora também o Brasil – “é pena ser tão longe”.

Mais próximo é o Estádio de Alvalade, onde vai com regularidade ao futebol. Sportinguista ferrenho, deixou de ser sócio, desiludido com o novo modelo de gestão do clube. “Quando se criou a SAD comprei 100 acções, mas depois fiquei algo desapontado”.

Velha glória do clube, Marco Chagas tem um vasto espólio ligado à carreira que neste momento está cedido a uma professora da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa para um trabalho. São fotografias, recortes, pedaços de memória que um dia poderão ser dados a conhecer em forma de livro. Para mais tarde recordar.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 69

No meu quotidiano tento implementar sempre que possível medidas de poupança de energia e que poluam o menos possível o ambiente. Um consumo equilibrado de água e luz e a reciclagem do lixo doméstico poderão ser algumas das medidas fundamentais para proteger um planeta que diaria-mente é agredido e desrespeitado nos gestos mais simples do nosso dia-a-dia.

Nos dias de hoje a maioria das pessoas depende do automóvel para trabalhar mas podem ser en-contradas alternativas, principalmente para quem trabalha ou habita em zonas centrais das cidades.

O sistema de ensino tem sofrido inúmeras alterações e reformulações nos últimos anos, con-tribuindo para a um novo paradigma e novas formas de aprendizagem. Hoje em dia, temos métodos mais dinâmicos e interactivos, onde se promove a auto descoberta e a aprendizagem adequada ao ritmo do aluno. A educação das crianças, marco fundamental do seu desenvolvimento, tem passado por várias modificações, fruto das novas exigências com que se confrontam pais e educadores. Ser o motor da educação duma criança é um enorme desafio que engloba muitas dúvidas e dilemas. Incutir e trans-mitir regras e valores de inserção em determinada sociedade comporta a adequação às características

Sandra SilvaPsicóloga Clínica - Climeco – Clínica Médica Cirúrgica Oftalmológica - SantarémData de Nascimento: 5 de Julho de 1982

pessoais e individuais de cada criança e à forma como ela se posiciona dentro da sociedade.

Os métodos educacionais utilizados por cada família ou sistema de ensino devem ser ajustados à realidade em que a criança se insere. Um elevado grau de ponderação é exigido quando falamos de educação, não existe um método único e infalível, mais do que utilizar métodos antigos ou colocar de parte alguns deles, importa compreender a persona-lidade e características psicológicas da criança.

Na região de Santarém algumas lacunas pre-cisam ser preenchidas no campo da assistência médica. Em termos dos tempos de espera para aten-dimento em consultas e urgências e ainda no acesso a consultas de especialidade. Neste campo será necessário um esforço conjunto das várias entidades

em Hospitais e Centros de Saúde para promover um atendimento mais rápido á comunidade.

A área da Saúde é a que necessita de maior incentivo e implementação de medidas de cres-cimento e desenvolvimento. Seria muito salutar para quem trabalha na área da Saúde poder parti-cipar em eventos científicos promovidos na região de Santarém.

Os órgãos autárquicos devem disponibilizar e implementar medidas de incentivo às empresas e empresários da região. Podem fazê-lo través de apoios financeiros e logísticos como meio de modernização e crescimento das empresas que se inserem na região e serão um dos motores de desenvolvimento regional.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE70 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

ASSociAção de cAçA e peScA dA lezíriA grAnde

Lezíria GrandeSituada no Concelho de Vila Franca de Xira, A Lezíria Grande constitui uma das zonas mais produtivas

do país, estendendo-se ao longo de 14 mil hectares de terras de enorme fertilidade, onde se fazem varia-das culturas: tomate, milho, arroz, girassol, melão, beterraba, entre outras mais residuais. A Lezíria é uma autêntica ilha na terra, ladeada pelas águas dos Rios Tejo e Sorraia, com um dique na sua envolvente com 80 Km de comprimento.

A zona pertence a 144 proprietários, entre eles a Companhia das Lezírias, possuidora de 60% da área.

Caça, PesCaA Actividade Cinegética na Lezíria é constituída por duas Zonas de Caça: Zona de Caça Municipal da

Lezíria Grande do Norte (7 000 ha) e Zona de Caça Municipal de Lezíria Grande do Sul (1 500 há).Quanto à caça a codorniz é rainha, furtando-se entre os extensos restolhos agrícolas tendo este

ano sido já abatidas 3000 exemplares. As rolas também estão em bom plano com 500 exemplares abatidos enquanto os pombos foram apenas 50. Em terrenos deste tipo são muito comuns as narcejas nos canteiros de arroz, as tarambolas e galinhas de água nas abundantes valas. Os patos avistam-se por vezes em grandes bandos e são com certeza uma caça com que se poderá contar, além dos javalis que atravessam o Sorraia e que são ideias para esperas.

Existe também um Campo de Treino com 60 ha, semeado com luzerna ideal para treino dos cães, onde se pensa realizar aqui um dia as 24h da caça.

Dos 700km de redes de canais e valas que constituem a Lezíria Grande de Vila Franca de Xira, 30km estão ordenados do ponto de vista da pesca, através de uma concessão de pesca desportiva nas valas da Caneja, Mar de Cães e Ruivo. Praticando-se a pesca desportiva, devolvendo o peixe À água com o objectivo da gestão sustentável piscícola.

ContaCtos:Lezíria Grande – Associação de Caçadores e PescadoresEstrada Nacional nº 10 (ao Camarão)2600-997 Vila Franca de XiraTelefone: 263 274 214Fax: 263 209 163

Rui Paixão Telemóvel: 913 300 680 / e-mail: [email protected]

J. pintassilgo & Filhos, lda

Construção Civi l e obras Públicas

Alvará nº 30451Telem.

919 856 867 e 917 206 820

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 71

Depoimento

O pedido de ajuda via e-mail alertava para uma situação de, aparente, injusti-ça sobre uma família pobre de Foros de Salvaterra. A missiva descrevia o drama de um casal a quem a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Salvaterra de Magos tinha retirado três crianças menores durante uma madrugada de início de Verão.

Após uma pequena conversa tele-fónica com a mãe das crianças sigo

A revolta da Tatiana, do Filipe e da Soraia

Ana Isabel Borrego*

em direcção à sua casa. Confesso que me dirigi para o local com algumas reservas. Como em muitos órgãos de informação também à redacção de O MIRANTE chegam dezenas de pedidos de ajuda para os mais diversos proble-mas. E a experiência diz-nos que nem sempre a realidade dos factos condiz exactamente com aquilo que nos é contado.

Depois de estacionar o carro sou

recebida pelos pais à porta de casa. O olhar triste e perdido de Marília e as lágrimas no rosto de Joaquim Bonito, ao recordar a forma como as autoridades lhes roubaram os filhos, comoveram-me. Não sou mãe. Mas sou filha. E não consigo, sequer, imaginar o meu desespero se me “roubassem” os meus pais em qualquer altura da minha vida. Mais do que entender o desespero da Marília consigo alcançar a angústia e revolta da Tatiana, do Filipe e da Soraia. Que, no momento mais importante das suas vidas, são afastados repentina-mente, a meio do sono, sem qualquer justificação, dos pilares essenciais das suas vidas.

Apesar de considerar a situação da-quela família injusta, mantive sempre presentes as regras fundamentais da minha profissão. Apurar os factos reais, rigor e imparcialidade. Questionei, vi a condição da casa e saí de lá convicta que o lugar das crianças seria junto dos pais. Perdi a conta ao número de vezes que tentei chegar à fala com a técnica responsável por este caso. Sem sucesso. Até hoje nunca consegui ter um interlocutor do lado da CPCJ que me permitisse fazer o contraditório.

Voltei a casa da Marília várias vezes. Foi com satisfação que percebi que o meu sexto sentido não se tinha enga-nado quando soube que um grupo de populares decidiu avançar, voluntaria-

mente, com a construção de uma nova habitação para a família de Marília Batista. Com condições de higiene e habitabilidade. Os requisitos pedidos pela CPCJ.

Acompanhei o evoluir desta obra ao longo de doze meses. Assisti ao entu-siasmo da conclusão da nova casa e ao desânimo deste grupo de voluntários - que bateu a todas as portas do concelho e da região a pedir ajuda material para concluir o projecto – quando soube que a técnica da Segurança Social responsável por este caso determinou que ainda não estavam reunidas todas as condições para as crianças regres-sarem para junto da mãe. Como elas tanto anseiam.

Como jornalista tenho que manter a imparcialidade e limitar-me a contar os factos aos leitores. Mas, esta é, de longe, a história mais injusta que já acompanhei. Uma mãe que tem final-mente uma casa em condições para receber os filhos e dar-lhes todo o amor que merecem e não pode.

Quantas crianças não gostariam de receber o amor que a Tatiana, o Filipe e a Soraia estão impedidos de receber? E muitas dessas crianças partilham o mesmo tecto que os pais! E talvez não se importassem de viver num Centro de Acolhimento!

*Jornalista(Carteira Profissional 7987)

Quantas crianças não gostariam de receber o amor que a Tatiana, o Filipe e a Soraia estão impedidos de receber? E muitas dessas crianças partilham o mesmo tecto que os pais! E talvez não se importassem de viver num Centro de Acolhimento!

16 Novembro 2009 | O MIRANTE72 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Entrevista publicada em 18/04/2007

Já não serão muitos os que se lembram do defesa central que brilhou com as camisolas da Académica, do Benfica e do Vitória de Guimarães. Rui Rodrigues fez carreira nas décadas de 60 e 70, formou-se em Farmácia graças à sua passagem por Coimbra onde travou amizade com um jovem ribatejano que o ajudou a vir parar à Chamusca. Hoje tem uma farmácia na Parreira, uma terra de que gosta e que lhe faz lembrar a África natal pelas trovoadas e pelas pessoas simples e sinceras.

Como é que veio parar ao Ribatejo?

Inicialmente vim trabalhar em 1991 como director técnico para uma farmácia da Chamus-ca, com a doutora Carlota. Vim através do Martinho Cabeça, um amigo já falecido que era filho do dono da farmácia da Chamusca. Conheci-o na facul-dade em Coimbra, em 1969. Quando entrei na universidade ele já andava no último ano. Jogava hóquei em patins na Académica. Entretanto apare-ce o concurso para abrir uma

Rui Rodrigues foi o jogador mais vezes internacional A da Académica de Coimbra (9 vezes), integrou a equipa do Benfica campeã nacional em 1973 que acabou o campeonato sem derrotas e com apenas dois empates. Um grupo de luxo onde pontificavam Eusébio, Simões, Humberto Coelho, en-

tre outras estrelas. Toni, Artur Jorge, Bento, Mário Campos ou Gregório Freixo foram outros colegas que teve nos relvados. No total jogou 14 vezes pela selecção A num tempo em que ainda não se enriquecia a jogar futebol.

Teve experiências como trei-nador na União da Chamusca e

Parreira, treinou e foi campeão com os infantis do Benfica em 196, já estava então estabelecido na Parreira - “ia quase todos os dias para Lisboa”. Andou também entre 1985 e 1990 por Angola e Moçambique onde treinou várias equipas. Não seguiu a carreira porque diz que não teve bons padrinhos.

Brinca dizendo que lhe tinham de pagar tanto como a José Mou-rinho para voltar a treinar uma equipa da região. Tem o sonho de abrir uma escola de futebol em Cabo Verde, terra do seu antigo companheiro e amigo Alhinho. Tentou fazer o mesmo na região mas não conseguiu levar o projecto avante.

farmácia na Parreira. Concorri e ganhei.

Já tinha algum conheci-mento desta região?

Não. Isto era totalmente novo para mim. Entretanto fui conhecendo a zona e como continuo a gostar de futebol vinha aqui à Parreira ver uns jogos…

Quando soube que tinha ganho o concurso para insta-lar uma farmácia na Parreira o que é que pensou?

Tinha ido passar o Natal a Guimarães. Mal lá cheguei recebi um telefonema do Martinho a dizer que tinha ganho o concurso. Meti-me logo no carro e vim comemorar aqui. Como era difícil arranjar instalações aqui na Parreira para criar a farmácia, tiveram de ser feitas obras nesta casa pelo senhorio e estive quase um ano à espera para abrir a farmácia. Foi em 1996.

Nunca se arrependeu de ter vindo para a pacatez do campo?

Não, pelo contrário. Gosto muito disto. Habituei-me.

Foi uma espécie de des-canso do guerreiro após ter calcorreado tanto mundo?

Não. Trabalhei muito. Não é cansativo mas tenho que estar aqui 24 horas por dia, mesmo que não apareçam clientes. O sossego por vezes é de tal modo que fecho a porta. Quando vem alguém, toca à campainha.

Como é que se vai entre-tendo no seu dia a dia?

Vou-me entretendo jogando a paciência, às vezes contactan-do um amigo ou outro.

Costuma estar com os seus antigos colegas de equipa?

Ocasionalmente. Infeliz-mente estive no funeral do Bento e a semana passada no funeral do Ernesto que jogou na Académica comigo. O enterro foi em Portimão. Fui com o Mário Campos, com o Marques. Depois apareceu o Toni e outros. A almoçar éra-mos dez. Vamos conversando uns com os outros.

Qual é o seu grau de envolvimento na vida da comunidade?

É pouco. Ajudei naquilo que gosto e que sei. Pediram-me

para ajudar o clube e estive a orientar a equipa de futebol durante cerca de dois anos. Gostei da rapaziada, só que era uma grande responsabi-lidade. Esses jogos do Inatel parece que são para brincar mas cuidado…

É por causa da grande riva-lidade entre as equipas?

Não é bem isso. A rapaziada vai para os casamentos e sai da festa para o jogo e depois voltam para o casamento. Já morreram vários jogadores em campo, como o Féher. Deus queira que isso não aconteça aqui… Avisei várias vezes que

não era responsável por isso. Quando as coisas acontecem é muito complicado.

Foi por isso que deixou de treinar a equipa da terra?

Deixei porque apareciam dois ou três ao treino, o resto não aparecia, e ao domingo queriam jogar todos.

Nunca foi convidado para se envolver na política lo-cal?

Não. Não sou político, nunca fui. Na conversa com os amigos dou a minha opinião, mas como dizia a minha mãe: “teima mas não apostes”.

Ainda é reconhecido pelo seu passado de futebolista de topo, ou já são poucos os que se lembram disso?

Aqui ainda há pessoas que se lembram. Tenho aí uns livros e fotografias que de vez em quando mostro, quando apare-ce um ou outro que pergunta se joguei à bola.

Tem saudades do tempo em que era famoso?

Todos temos a nossa época. Temos de saber caminhar ao longo do percurso. Sei que não posso voltar atrás, embora por vezes sonhe que estou a jogar

O farmacêutico da Parreira que jogou no BenficaRui Rodrigues estabeleceu-se no Ribatejo depois de abandonar os campos de futebol

João Calhaz

Um treinador sem bons padrinhos

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 73

É de bata branca vestida, gestos lentos e voz pausada que Rui Rodrigues recebe os jornalistas de O MIRANTE na sua farmácia na aldeia de Parreira, no interior do conce-lho da Chamusca. O “doutor paciência”, como é tratado por alguns amigos que foi fazendo nos 11 anos que leva na localidade, é a imagem da serenidade e aparenta estar de bem com a vida. Vive com a esposa no imóvel que tam-bém alberga a farmácia que ali criou, duas décadas depois de ter pendurado as chuteiras que calçou ao serviço da Acadé-mica de Coimbra, do Benfica, do Vitória de Guimarães e da selecção nacional. Os três filhos já se emanciparam e já lhe deram duas netas.

Sente-se bem ali, diz que foi bem acolhido e que o sossego por vezes até é de mais, embora África continue a chamar por si. Nasceu em 17 de Maio de 1943 na então Lourenço Mar-ques, hoje Maputo. Mas não é a Moçambique que gostava de regressar. Já lá não tem família e ficou um pouco de-cepcionado pela forma como foi tratado quando lá esteve já depois da independência: “Em Angola tratavam-me como o irmão moçambicano. Em Moçambique era o cooperante português”. Cabo Verde é o destino preferido para traba-lhar numa escola de futebol e abrir uma farmácia.

Rui Rodrigues viveu uma infância e juventude feliz em Moçambique, com muita brin-cadeira, praia e futebol. Em 1962 vem pela primeira vez à metrópole para integrar a se-lecção de juniores que vai dis-putar um torneio na Roménia, conta na sua voz pausada e com um leve sotaque africano. Os contactos que já havia mantido com a Académica dão fruto em Setembro desse ano com a sua

contratação pelo carismático clube de Coimbra.

Durante alguns anos teve de conjugar a vida de fute-bolista com o serviço militar que dura três anos e meio (nas Caldas da Rainha, no Porto, na Figueira da Foz e finalmente em Coimbra) e com os estudos. Esteve para ingressar na escola agrícola, fez exame de aptidão para entrar em Medicina mas acabou por ir parar ao curso de Farmácia de que saiu bacharel e apto a dirigir uma farmácia. “Foi uma vida sempre a lutar”, diz antes de se preparar para atender mais um cliente.

O seu antigo colega, treina-dor e padrinho de casamento Mário Wilson aconselhou-o quando era ainda um miúdo a despontar na Académica: “Vai jogando a bola e de vez em quando, quando não tiveres nada que fazer, vai estudando”. Rui Rodrigues assim o fez e quando deixou os relvados tinha o “canudo”. Trabalhou em laboratórios farmacêuticos até arranjar colocação numa farmácia da Chamusca graças aos bons ofícios de um velho amigo ribatejano que conheceu em Coimbra, Martinho Cabeça, que já o havia incentivado a concluir o curso quando ainda jogava no Benfica. Acabou o curso em 1975, já após o seu regresso à Académica.

O contributo do amigo da Chamusca, já falecido, foi várias vezes recordado por Rui Rodrigues ao longo desta conversa. O homem que foi es-trela nos relvados não esquece quem lhe deu a mão numa fase crucial da sua vida e acabou por o encaminhar para a pacatez da charneca ribatejana onde o tempo corre devagar. Para a pequena localidade da Parrei-ra onde se ouve o cantar dos pássaros e onde “as trovoadas parecem as de África”.

Coimbra?Saudade. Vou sempre ao

almoço de Natal da Acadé-mica. No último, quando me vim embora comecei a chorar. É uma emoção.

Moçambique?Turismo, praias e marisco.Benfica?É um grande clube. Há

é outros interesses que não havia antigamente.

Parreira?Faz-me lembrar África,

pelos convívios, pela trovoa-

da. E as pessoas são sinceras, simples. Pelo menos no grupo de amigos que tenho aqui.

Um vício? Fumar cachimbo é um.

Outro é jogar à paciência.Um medo?Tenho medo das trovoa-

das que caem aqui.Uma ambição?Ter saúde até aos 80 anos.Uma paixão?Ensinar miúdos a jogar à

bola.

“Foi num jogo em Alvala-de. Corto a jogada na nossa meia-lua, faço umas tabelas e como a defesa do Sporting subiu para deixar o Nené fora de jogo, eu, que continuei a correr, de repente vi que estava sozinho perante o Damas e pensei: ‘Como é que vou resolver o problema?’. O

Damas saiu dos postes, vejo-o em cima da linha de grande área e meto-lhe a bola por cima. Modéstia à parte uma das coisas que eu tinha de melhor era o passe. Calculei a baliza e fiz-lhe um chapéu e o 2-0. Também gostava de marcar golos, só que era muito raro”.

O “doutor paciência”

Palavras cruzadas

à bola ou que o treinador pede para eu entrar. Aí eu digo que já não tenho idade para isso e ele insiste para eu ajudar a equipa (risos)…

Preferia ter jogado nos tempos actuais, onde um jo-gador da sua craveira ganha salários chorudos?

Não. Joguei na Académica, que era um sonho. Nove anos depois joguei no Benfica, quase sempre com o estádio cheio e com grandes jogadores ao meu lado. Aliás costumava dizer que era mais difícil os treinos do que propriamente os jogos. Porque nos jogos o Eusébio e o Simões partiam os outros todos lá na frente e nós cá atrás descansávamos.

Como era a sua relação com Eusébio sendo ele seu conterrâneo e da mesma geração?

Óptima. É raro encontrá-lo, porque ele tem muito que fazer, como acompanhar o Benfica. As relações com os meus ex-colegas são excelen-tes. E sempre que posso estou com eles.

Costuma ser convidado para participar em festas das casas do Benfica?

Sim. Fui por exemplo a Vila Viçosa e também a Alpiarça.

O que é que sente um fu-tebolista profissional quando a sua carreira está a chegar ao fim?

Há um despertar. E foi esse despertar que apareceu na hora H na minha vida. Quando jogamos nunca envelhecemos. Somos sempre jovens e por ve-zes não pensamos no futuro.

Fica um vazio?Sim. Durante uns tempos

senti um vazio muito grande ao domingo, não sabia para onde

é que havia de ir. Ia almoçar com a família, dava um passeio, para contornar a situação.

Não ia aos estádios matar saudades?

Não.Tinha medo de ter alguma

recaída, de ficar pior?Não. Não vou ao Estádio da

Luz porque fica longe daqui e os jogos acabam muito tarde.

No seu tempo já se falava de doping e de viciação de arbitragens?

Sempre. Esse é um proble-ma já de muito antes de nós.

Passou ou assistiu a algu-ma situação de dopagem?

Eu sou daqueles que dizem que nunca tomou nem volta a tomar (risos)... Mas a base de trabalho é que conta. Só assim é que os jogadores do campeonato inglês podem correr tanto e com tantos jogos por semana.

Foi alvo de alguma mani-festação racista quando foi jogador?

Não, nem aqui nem em Moçambique. Havia troca de piropos entre jogadores du-rante o jogo, mas era paleio de

praia para tentar desorientar os adversários.

Como foi a sua infância em Moçambique?

Em comparação com os miúdos de hoje vivi melhor a juventude que eles. Aos 15 anos já tinha uma bicicleta a motor, ia para a praia que ficava ali na cidade. O meu pai morreu ti-nha eu oito anos. A minha mãe trabalhava para nos sustentar. Eu jogava basquetebol e fute-bol, andei ainda no hóquei em patins. Tinha sempre o tempo ocupado.

As farmácias são uma mina de ouro?

Há farmácias e farmácias. As que podem comprar grandes quantidades de medicamen-tos têm percentagens grandes nas compras e quando podem pagar a pronto ainda mais benefício têm. Eu não posso ter um stock muito grande pelo que não beneficio desses descontos. Além disso, só fecho ao domingo à tarde. Sou só eu e a minha mulher, que é ajudante técnica.

Não é uma pessoa muito ambiciosa?

A minha primeira ambição é ter saúde. Depois ter dinheiro para viver. Sempre pensei as-sim. A vida é difícil porque as despesas são muitas e temos que ter cabecinha.

Sente-se bem na pele de farmacêutico?

Gosto da minha actividade porque aqui sou um homem dos sete ofícios. Sou padre, sou conselheiro, sou médico… As pessoas pedem-me conselhos sobre tudo e eu dou-os. Gosto de contar histórias.

O golo a Damas

“Costumava dizer que era mais difícil os treinos do que propriamente os jogos. Porque nos jogos o Eusébio e o Simões partiam os outros todos lá na frente e nós cá atrás descansávamos.”

16 Novembro 2009 | O MIRANTE74 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Depoimento

Tinha acabado de chegar à redacção de O MIRANTE onde fui muito bem re-cebido por todos. Para trás tinham ficado nove anos e meio ao serviço da Força Aérea Portuguesa (FAP) – com passagem por Timor-Leste e Afeganistão – e ainda um ano no fundo de desemprego à es-pera que o telefone tocasse depois de ter respondido a centenas de propostas de trabalho, sem resposta de volta. Até que O MIRANTE decidiu dar-me a oportuni-dade de concretizar o meu segundo sonho – ser jornalista – já que o primeiro havia sido concretizado quando orgulhosamente vesti a farda da FAP.

Quanto custou manter o Museu do Ar em Alverca?

Jorge Afonso da Silva*

Estávamos em Janeiro deste ano e a poucos meses das eleições autárquicas que viriam a ser agendadas para 11 de Outubro. O assunto Museu do Ar e a sua possível mudança de Alverca do Ribatejo para Sintra, já tinha sido esquecido ou pelos menos parecia adormecido. As coisas estavam calmas e serenas como o executivo da câmara de Vila Franca de Xira queria e sem muitas novidades como a oposição desejaria.

Dessa experiência fantástica nasceram, cresceram e mantiveram-se amizades por todos os locais que passei. Depois de ter vindo morar para Alverca fiquei a par da problemática da saída, ou da não saída do Museu do Ar, do “Berço da Aviação”, para Sintra.

Como tinha e penso ainda ter algumas fontes de informação bem colocadas dentro da Instituição comecei a apalpar terreno. O mesmo será dizer que fui “para o terreno”, parafraseando um amigo e ex colega de trabalho.

Após várias conversas pessoais, telefo-nemas, informações e contra-informações consegui a confirmação oficial e exclusiva de que o Museu do Ar em Alverca ia fechar portas no final desse mês de Janeiro e que se ia mudar definitivamente para Sintra.

A notícia apanhou desprevenido o exe-cutivo da Câmara de Vila Franca de Xira que ao princípio ainda tentou minimizar a questão, não lhe dando muita impor-tância. Até ao momento em que passei a informação que tinha. Aí o tom de voz mudou radicalmente e passaram a dar atenção ao jornalista “maçarico”, como diríamos na tropa.

Depois disso o caso passou a ter contor-nos mais sérios. Estávamos a poucos meses das eleições. A manutenção do museu era – não sei se ainda é – por um lado, uma bandeira do município de Vila Franca de Xira e por outro, uma arma de arremesso da oposição que acusava o executivo de pouco ou nada fazer para manter a estru-tura em Alverca.

A saída do Museu do Ar, antes das

eleições autárquicas, era uma derrota para Maria da Luz Rosinha e seus pares e uma vitória para a oposição que poderia capitalizar esse facto nas eleições que se avizinhavam.

A notícia saiu no nosso jornal na edição de 15 de Janeiro. Nessa mesma semana a decisão de encerrar o Museu e passá-lo para Sintra foi alterada. Ou pelo menos adiada, depois de um “acordo de cavalheiros”. O que foi feito? Quem alterou a decisão? Quem fez pressão? Que tipo de pressão? Quem encostou quem à parede?

Posso partilhar com todos vocês que decorreram reuniões, entre elementos do executivo camarário e altas patentes da Força Aérea Portuguesa no próprio Museu do Ar, nessa mesma semana. Houve muitas pressões e outras tantas “jogadas” para que o museu se mantivesse em Alverca a todo o custo. Pelo menos até às eleições autárqui-cas. Digo-vos ainda que a autarquia de Vila Franca de Xira enviou um ofício – tendo como anexo a nossa notícia e uma outra do DN feita a partir daquilo que tínhamos escrito – ao Ministro da Defesa da altura a expor a situação. A poucos meses das eleições, alguém tinha de recuar. Recuou a FAP e o museu manteve-se em Alverca. Até quando? Espero ter novidades dentro de algum tempo. E não demorará muito. Só para terminar, acrescento que o novo e moderno Museu do Ar em Sintra con-tinua em obras e será um dos melhores da Europa. Para bom entendedor, meia palavra basta.

*Jornalista(Carteira Profissional 8861)

Nessa mesma semana a decisão de encerrar o Museu e passá-lo para Sintra foi alterada. Ou pelo menos adiada, depois de um “acordo de cavalheiros”. O que foi feito? Quem alterou a decisão? Quem fez pressão? Que tipo de pressão? Quem encostou quem à parede?

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 75

A falta de uma rede de transportes públicos dimen-sionada às necessidades das pessoas, obriga-as a ter carro próprio. Isso é preocupante ao nível ambiental. Para se resolver a situação as medidas devem ser toma-das de forma sustentável com transportes públicos de qualidade e que façam a sua parte no que respeita ao ambiente. Infelizmente ainda existem muitos autocar-ros que para além de circularem vazios, provocam um impacto bastante grande no ambiente.

Recorro diariamente a uma fonte de energia renovável para o aquecimento das águas. Penso que um painel solar é algo importantíssimo para a educação ambiental, pois para além do serviço que presta, só por estar no telhado faz lembrar a sua importância ambien-tal. Também não tenho lâmpadas de incandescência, procurei substitui-las pelas chamadas economizadoras e não estou arrependida. Para o aquecimento da casa recorro a fontes de energia renovável e procuro não desperdiçar água. Faço também a separação do lixo doméstico, valorizando desta forma os materiais que poderão ser reciclados. Uma vez que sou professora, procuro ainda transmitir valores importantes do ponto de vista ambiental e ensinar os meus alunos como devem proceder com o objectivo de poupar água e energia.

No futuro, teremos um conjunto de pessoas que têm realmente a escolaridade, mas sem competências. Hoje em dia, fazer um aluno reprovar é muito complicado pois existem uma série de condicionalismos e imposições legais que levam a que as crianças transitem de ano sem terem as competências necessárias. A exigência e a procura da excelência deveria ser o objectivo, em lugar de almejarmos apenas o razoável. É complicado para alguns alunos que têm mais capacidades cognitivas estarem em turmas em que não é possível desenvolver as suas competências.

A maioria das pessoas reconhece o esforço que se tem feito ao nível autárquico para gerir de forma sustentável os recursos. Sabemos isso porque nos abordam na rua e referem que estão satisfeitas com o trabalho que tem sido desenvolvido. Por outro lado,

Vera Lúcia Mendes OliveiraProfessoraSecretária do executivo da Junta de Freguesia de Achete, concelho de SantarémData de nascimento: 3 de Janeiro de 1980

existem empresas locais que são requisitadas para a re-alização de diversos trabalhos dentro da nossa freguesia, isso mostra a preferência e confiança dos habitantes em quem produz. Sendo uma região em que a agricul-tura é um dos motores da economia, há uma procura interessante desses produtos e uma estima, respeito e consideração por aqueles que acabam por contribuir para o desenvolvimento local.

O Dr. António Veneno é provavelmente dos últi-mos “João Semana”. Temos o privilégio de ter ao nosso serviço um médico que se preocupa com os seus doentes, pois quando estão algum tempo sem procurarem assis-tência, ele próprio abdica do seu tempo para os ir ajudar, de forma completamente desinteressada. A assistência médica na Freguesia de Achete funciona muito bem. A equipa que aqui trabalha é muito competente. Neste campo é necessário aliar o profissionalismo ao humanis-mo. Aqui há sempre disponibilidade para atender mais

um doente e prestar mais um serviço. Era muito importante a instalação de empresas

para que as pessoas se fixem nesta zona. Por outro lado era muito importante a construção de um Centro Escolar em Achete para permitir rentabilizar recursos e ao mesmo tempo oferecer às nossas crianças um ensino com mais condições. No que toca a infraestruturas des-portivas um pavilhão polidesportivo que servisse toda a freguesia, independentemente do local onde possa estar instalado é algo de muito importante, principalmente para mobilizar os jovens para a prática de desporto.

16 Novembro 2009 | O MIRANTE76 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

É mulher, mãe de três filhos e directora do Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Trabalha dez horas por dia e dorme de telemóvel à cabeceira para estar contactável 24 horas. A prisão não fecha à noite ou ao fim-de-semana. Evasões e suicídios são situações delicadas com que tem de lidar.

É curioso ver uma mulher à frente de um estabelecimento pri-sional…

Nem por isso. Comecei a exercer funções de direcção em 1995 [no Es-

tabelecimento Prisional das Caldas da Rainha]. Já nessa altura havia uma série de mulheres à frente deste tipo de estabelecimentos.

Como surgiu a oportunidade de ocupar o cargo?

Comecei a trabalhar em 1986 nos ser-viços prisionais de Alcoentre. Primeiro como técnica de reeducação. Como era um trabalho à tarefa, e a segurança em termos laborais não era muito grande, fui trabalhar para a Caixa Agrícola do Bombarral. Depois abriu concurso pú-blico para técnica de reeducação e tentei em 1989. Na altura tive conhecimento de um projecto que estava a ser desenvol-vido nas Caldas da Rainha para reclusos com história de toxicodependência. Era essencialmente tratamento e reinserção social desses reclusos. Precisava de

Ana Santiago

Mulher de aparência frágil e pulso firme dirige o Estabelecimento Prisional de AlcoentreJoana Patuleia diz que não é pessoa para virar as costas aos desafios

Quem nunca viu um filme em que o prisioneiro tenta escapar-se da torre da prisão descendo por uma corda de lençóis. Ou serra as grades da cela com uma lâmina? Os episódios são dignos de qualquer película de aventura, mas tam-bém já foram vivenciados no Estabele-cimento Prisional de Alcoentre. No ano passado um homem tentou evadir-se da

prisão descendo de um sétimo andar do torreão com lençóis atados. A tentativa de fuga foi frustrada até porque a ala central dá directamente para o portão principal onde estão sempre guardas de sentinela. “Os guardas junto ao pátio sentiram e o homem foi detectado”, recorda Joana Patuleia.

Fugir de um sétimo andar pendurado num lençol

mudar… E pedi para ir para as Caldas da Rainha.

E como correu a experiência?Foi muito gratificante. A casa de saída

funcionava em regime aberto e todos os reclusos trabalhavam no exterior. Também havia uma grande abertura à comunidade local. Muitos dos reclusos que saíram em liberdade ficaram a trabalhar nos sítios onde estavam em regime aberto.

Como chegou a directora?Fui para as Caldas como técnica de

reeducação em Maio de 1995. E era tam-bém substituta da directora. Ela resolveu sair em Setembro para outro serviço. Fui apanhada. Era a única técnica su-perior e acabei por ficar como directora quase sem dar por isso. Quase nem tive preparação, até psicologicamente, para assumir aquele cargo.

Nem teve hipótese de dizer que não…

Também não sou pessoa de virar as costas aos desafios. Tenho receios, limitações e dificuldades como qualquer pessoa. Mas com empenho, determina-ção e com a ajuda das pessoas que estão envolvidas nos projectos é mais fácil. Também já tinha a experiência como técnica de reeducação, o que acaba por nos dar alguma percepção do que se passa no estabelecimento. Todo o expe-diente passa pelos serviços de educação e acabamos por ter uma abrangência da dinâmica do próprio estabelecimento. Não tinha experiência de direcção, mas conhecia bem o sistema prisional. Nas Caldas tínhamos 180 reclusos que depois viemos a reduzir. O estabeleci-mento estava muito degradado. Havia necessidade de melhorar as condições de habitabilidade. Demorou muitos anos, as coisas foram feitas passo a passo…

Qual foi a primeira situação com que se deparou?

Um surto de sarna logo no primeiro dia. No dia que o sub-director geral dos Serviços Prisionais foi ao estabelecimen-to dizer-me que iria ficar como directora espoletou-se a situação. Foi tudo de-sinfectado, fizeram-se contactos com o

Hospital Prisional, o médico do Hospital Prisional veio ao estabelecimento, foram distribuídos medicamentos apropriados e a lavagem das roupas foi feita a alta temperatura. Foram transferidos dois ou três reclusos que estavam na fase de contágio. Toda essa agitação foi marcante. Nesse dia, resultado dessa situação, os reclusos recusaram-se a ser fechados. Tivemos que ir à rua explicar a situação.

Lembra-se do que disse?Penso que nestas situações o impor-

tante é sempre dar informação às pessoas para que estejam esclarecidas e apelar à calma. Desde que percebam o que se passa e quais foram as diligências que se tomaram tudo se resolve.

Foi o seu primeiro dia... Não ficou assustada?

(Risos) Essas coisas motivam e dão-nos força para tentar fazer outras coisas. Qualquer pessoa fica apreensiva e receo-sa, mas tem que ter algum auto-controlo e capacidade de reflexão.

Quais são as situações mais difíceis de resolver?

Uma evasão é sempre um motivo de enorme preocupação. Quando isso acontece significa que não cumprimos o nosso papel, apesar de poderem exis-tir outras situações que conduziram à evasão. Pode ser uma falha humana. Nós temos aqui em Alcoentre reclusos em regime aberto que têm uma vigi-lância descontínua. Se há uma evasão pode colocar-se em causa a avaliação do recluso que foi colocado em regime aberto. Mas quando é colocado em re-gime aberto são dados pareceres pela chefia, pelos guardas, técnicos e director que acaba por decidir-se pela colocação ou não colocação. Em 2005 tivemos cinco evasões o que foi muito. Em 2006 só tivemos uma e foi de um homem de regime aberto. Temos outras situações dolorosas, como é o caso de um suicídio num estabelecimento prisional.

Já passou por isso…Sim, tanto nas Caldas, como em

Alcoentre. São situações que mexem connosco. Sentimos uma grande tristeza. Por outro lado isso leva-nos a pensar que alguma coisa poderia ter sido feita para a evitar. Mas muitas vezes não é

Entrevista publicada em 10/01/2007

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 77

O prisioneiro que se atrasou três dias no

trânsito

Um recluso do Estabelecimento Prisional de Alcoentre que gozou de uma saída precária de 48 horas ligou várias vezes para a prisão a dizer que estava atrasado. “Dizia-nos: ‘Não se preocupem que já aí vou ter. Estou atrasado, mas vou entregar-me’. Re-gressou três dias depois”, explica a di-rectora do Estabelecimento Prisional de Alcoentre, Joana Patuleia, que não perdoa as ausências não autorizadas. O castigo é inevitável: sozinho numa cela, mais conhecida como a solitária. “Têm que perceber que há regras”, sublinha a directora. Quatro vezes por ano os reclusos com direito a saída precária ausentam-se do Estabeleci-mento Prisional de Alcoentre. São 48 horas de liberdade para interromper a monotonia da cela. Às vezes acontece não regressarem. Sempre que isso acontece comunica-se a situação às polícias e os guardas do EPA partem no encalço do homem.

Alguma vez pensou trabalhar numa prisão?

Sim, fazia muitas vezes o percurso Bombarral-Lisboa. Lembro-me de passar aqui e pensar: ‘Hei-de trabalhar aqui’. Tinha muita curiosidade.

Viveu sempre no Bombarral…Nasci em Lisboa, mas cresci no

Bombarral. Estudei lá até ao 9º ano e fui um ano para as Caldas da Rainha. A minha mãe, que era professora do segundo ciclo de biologia, foi dar aulas para Torres Vedras e lá fiz o 11º e 12º. Depois parti para Lisboa e licenciei-me em política social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Ao fim de dois anos de iniciar o curso estava muito ansiosa para me casar. Tinha tido um namoro de alguns anos, tínhamos crescido juntos… Acabei o curso já com a minha filha Francisca.

Como conseguiu?Com determinação e força de vonta-

de. Costumo dizer que o que distingue o possível do impossível é a vontade humana. Nessa base há muita coisa que julgamos impossível e que acabamos por fazer.

Os seus pais reagiram bem à pro-fissão que escolheu?

O pai é o mais preocupado. Volta e meia conto-lhe qualquer coisa e ele diz: ‘coitada’. Ficam um pouco apre-ensivos porque sabem que vivo tudo intensamente.

E o marido não receia?Dá-me um apoio muito forte. Nas

situações complicadas ficamos mais frágeis. Não somos super homens ou mulheres. Neste momento é importan-te ter alguém que diga ‘faz o melhor que puderes’.

A família não se importa de ter a mãe presa no trabalho?

Eles estão habituados a isso. Come-cei a trabalhar nos serviços prisionais em 1996. Cresceram neste ambiente. Às vezes pedem que a mãe se afaste e deixe o serviço à porta de casa. Mas também percebem que precisam de dar apoio. Passei das Caldas, onde ti-

nha 180 reclusos, para Alcoentre, com 600. A alteração foi grande e a minha filha do meio dizia: ‘A minha mãe precisa de muito miminhos’. É duro. São preocupações diárias e às vezes não conseguimos dizer vem aí o fim-de-semana e não há mais nada…

Leva os problemas para casa?Abstrair-me é difícil, mas tenho a

sorte de ter uma família que me dá um suporte muito bom. O marido e três filhos. Uma de 22 anos que está a acabar o curso de engenharia biomédica, uma de 18 no curso de arquitectura de design de moda e um rapaz de 17 anos no 11º. É uma vida muito preenchida.

Vem muito cá ao fim de sema-na?

No período de adaptação era mais complicado. Agora já estamos cá há dois anos e as pessoas já perceberam quais são os objectivos e os princípios da direcção. Mas ouvir o toque do telemóvel é dramático…

A prisão não fecha…São 24 horas. E ao fim de semana

também.Já lhe aconteceu ter que vir à

prisão à noite?Sim, às três da manhã. Em situação

de evasão.Mas a sua presença adianta?Sim, os serviços estão a trabalhar

e precisam de algum incentivo. Podia chegar só às sete ou oito da manhã ou mais tarde para tratar do expediente, mas a obrigação do director é estar nos momentos em que as pessoas precisam mais.

Nunca lhe passa pela cabeça que os reclusos possam procurar a sua casa?

Não! Isso nunca me passa pela cabeça.

E no dia a dia?Não tenho medo. Quem está fora do

sistema é que imagina uma cadeia com outras características. Trabalho no sis-tema há muitos anos e não tenho esses receios. Se calhar pelo relacionamento com os reclusos não me parece que haja motivos para represálias.

esse o caso. Em que circunstâncias aconte-

cem?Em situações de desespero, situações

de algum problema familiar que possa surgir no exterior e portanto alguma sensação de impotência da pessoa que está presa e não pode resolver. Pode ser uma alteração da situação jurídica de uma pena de cinco anos que passa para 12 anos de prisão. É claro que para isso a pessoa tem que ter algumas fragilidades em termos emocionais para que isso aconteça. Mas muitas vezes não são situações passíveis de ser evitadas. Percebemos que não tínhamos possi-bilidades… É uma das coisas que mais me custa.

Está há dois anos à frente do EPA. Já foi possível mudar alguma coisa?

As obras que se iniciaram no pavilhão complementar já foram uma grande vitória. Era um ambiente com poucas condições. Não só para os reclusos, mas para as pessoas que lá trabalham.

Ainda usam o balde higiénico…Sim, no pavilhão complementar, que

está actualmente em remodelação. É uma situação que incomoda. Mas desde que a pessoa tenha algum gosto pela hi-giene da cela consegue manter as coisas minimamente arranjadas e limpas.

Chama habitualmente os reclusos ao seu gabinete?

Atendo todos os que entram no esta-belecimento. E todos aqueles que fazem pedido para falar com a directora. Às vezes entendo que os devo chamar e aconselhar sobre alguma situação ou ati-tude menos própria. Ou por ter recebido uma carta da família a pedir ajuda para o recluso. Alguns pedem trabalho ou a possibilidade de terem saída precária prolongada que não sou eu que conce-do. Mas faço parte do conselho que dá o parecer. Outros pedem transferência para outros estabelecimentos. O director tem que ser um ouvinte. Não só relati-vamente aos reclusos, mas em relação às pessoas que aqui trabalham.

Em que situação concede saídas?Em primeiro lugar é necessário que o

recluso tenha saída precária prolongada concedida pelo juiz. Mediante essa saída precária é feita uma avaliação. Depois é feita uma proposta para regime aberto voltado para o exterior. Habitualmente são colocados nesse regime após o uso da segunda saída prolongada. Só depois de colocar em regime aberto – e é o director que o faz – está automaticamente em condições para beneficiar das saídas de 48 horas. Há uma em cada trimestre. São quatro.

É normal não voltarem?Temos alguns insucessos. Este ano na

altura do Natal ficámos muito satisfeitos. Tivemos 120 precárias prolongadas e todos regressaram. É isto que nos motiva. Significa que estão a ser bem avaliadas as situações e que os reclusos estão a perceber as regras.

Nunca se sentiu confrangida por ser mulher?

Não! Antes pelo contrário. Eles respeitam-me. Podem é não respeitar as decisões. Mas isso não tem a ver com ser mulher ou homem.

Uma mulher de armas

O gabinete da directora do Estabe-lecimento Prisional de Alcoentre tem janelas vidradas com vista para o tor-reão, a ala central do estabelecimento, uma unidade que acolhe 600 reclusos. O espaço de trabalho, repleto de documen-tação na secretária, não foi escolhido ao acaso. Joana Patuleia, 43 anos, gosta de controlar mesmo ao longe o ambiente do pátio do EPA.

Conhece todos os reclusos do es-tabelecimento. Sempre que vem um novo elemento cumprir pena Joana Patuleia chama-o ao gabinete. Para explicar as regras da casa. Com a mesma frontalidade e naturalidade com que

acolhe um jornalista no espaço. Deixa de lado a secretária imponente para começar a conversa. Prefere sentar-se mais próxima da sua interlocutora. A mulher de figura aparentemente frágil tem uma postura firme e determinada. Temperada com humanismo e boa disposição. É respeitada em todo o estabelecimento.

Conhece como a palma das suas mãos os corredores e os portões sob o arame farpado que delimitam o espaço da prisão. Pelo menos uma vez por mês faz questão de fazer um périplo pelo estabelecimento acompanhada do chefe de guardas. Gosta de tomar o pulso da casa que gere. Teima em entrar nas celas. Participar nas activi-dades dos reclusos. Para conhecer bem as condições habitacionais e de higiene em que vivem. O estado das coisas não

é perfeito, mas tem melhorado. O am-biente está mais calmo desde que uma mulher tomou as rédeas da instituição. Na parte mais degradada da prisão, o pavilhão complementar, ainda se usa o balde higiénico, mas Joana Patuleia tem esperança de que as novas condições cheguem já no próximo ano.

A família, o marido e os três filhos, já se habituaram a ter a mãe presa no trabalho. O companheiro, que é também o cozinheiro oficial lá de casa, é o maior suporte de Joana Patuleia que de vez em quando tem que ouvir as recomendações dos filhos quando chega atrasada para o jantar ou fala de trabalho em casa. Já trabalhou na Caixa de Crédito Agrícola e deu aulas de geografia, mas foi o bichinho dos serviços prisionais que ficou. Os dias de trabalho nunca são iguais.

A menina que sonhava trabalhar na prisão

16 Novembro 2009 | O MIRANTE78 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

As pessoas, de um modo geral, reconhecem o esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região. No entanto isso depende do estado educacional de cada individuo, pois o sentimento tanto pode ser de inveja como de reconhecimento “ quiçá gratidão “.

As autarquias já davam uma grande ajuda aos empresários se não criassem tantas dificuldades burocráticas. Digo isto mas reconheço que nesta região a situação não está muito mal.

Nos tempos que correm não é de todo fácil viver sem carro. Contudo uma coisa é sobreviver sem carro outra coisa é viver sem ele, são parâmetros distintos.

Nas clínicas temos empresas especializadas que fazem as recolhas em recipientes próprios dos re-síduos prejudiciais ao ambiente. Em casa utiliza-se o ecoponto e, no que respeita a poupar energia, vou tentando usar lâmpadas economizadoras. Também verifico regularmente se não deixo luzes superflua-mente acesas.

Antigamente nas escolas havia castigos severos e reguadas mas também havia disciplina e respeito. Brincava-se às escondidas, ao lenço, fazia-se papagaios de papel, brincava-se aos piões, eu sei lá, um mundo de coisas saudáveis. E havia tempo até para fazer um almoço ou lanche á beira de um rio ou lago ou mesmo no campo. Hoje em dia o estádio educacional

Custódio José F. da SilvaDentista - RegiMagos Lda - Salvaterra de Magos, Marinhais, Lisboa e Póvoa de Santa IriaCargos: Gestor, Empresário, Director clínico e Gerente

tende a dar aos filhos coisas na maior parte das vezes supérfluas, para que não nos perturbem nos nossos afazeres, contudo a mensagem que se vai passando não é de todo a melhor pois os valores de Família cabeça de casal padrões fortes de uma afectividade sólida vão-se perdendo e provavelmente fica o egoísmo a prepotência o orgulho desmesurado e o mais grave a solidão pois com tanta tecnologia ao seu redor já não existe tempo para confraternizar com os amigos, ler um livro, enfim nem tanto nem tão pouco.

Não nos podemos esquecer que de berço é que começa o estádio educacional. O que for feito de bom fica e o que se errar, tarde ou nunca será reposto.

Nos centros de saúde não há médicos de família que abranjam a totalidade dos utentes. Essa situação tem obrigado muitas pessoas a fazerem seguros de saú-de compatíveis com as suas pretensões e capacidades económicas. Quem deveria assegurar o direito à saúde

em todas as vertentes era sem dúvida alguma o Estado pois os cidadãos já descontam para terem esse direito. Se o Estado não tem essa capacidade de dar o que é de direito, deveria permitir às pessoas optar entre fazer descontos que vão sustentar o Serviço Nacional de Saúde ou fazerem seguros de saúde.

O que seria excelente para a minha terra era um centro comercial, pois gente chama gente. Em termos de riqueza monetária também trazia proveitos mas essencialmente a parte humana. Movimento e ale-gria são factores essenciais para que as pessoas andem bem, fazendo-as esquecer um pouco as amarguras da vida. Para além disso há sistemas de esgotos que ainda não estão em funcionamento apesar de colocados há anos; acessibilidades pensadas no presente esquecendo o futuro; faltam passeios para protecção de pessoas e bens, enfim pequenas grandes coisas que facilitariam a vida quotidiana dos residentes e forasteiros.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 79

16 Novembro 2009 | O MIRANTE80 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

Na generalidade, o esforço de quem investe e cria riqueza, não é reconhecido. É comum pensar-se que os que criam riqueza o fazem exclusivamente para seu proveito pessoal. Poucos reparam que eles estão a criar mais-valias com os postos de trabalho e com os impostos que pagam.

As autarquias podem ajudar muito as empresas. Melhorando as acessibilidades; aligeirando a carga bu-rocrática e promovendo incentivos financeiros de modo a atrair investimentos, mormente os que podem trazer mais valor acrescentado com a sua base tecnológica.

O carro é mais um vício dos nossos tempos, nome-adamente quando não é usado em trabalho. A nossa

Amílcar Lourenço QueirozGestor da empresa Optijovem Lda – Santarém

região está bem servida de transportes públicos.Desde longa data que faço a separação criteriosa

dos lixos domésticos. Também abandonei quase por completo as lâmpadas incandescentes. Nos pequenos percursos ando a pé e o carro fica em casa. E utilizo em casa aquecimento com recurso a energias renováveis.

A educação e o respeito, principalmente para com os mais velhos não são dogmas de ontem ou de hoje mas de todos os tempos. Hoje, infelizmente, numa boa parte das famílias, por uma questão ou por outra, foram-se perdendo.

Não tenho opinião formada sobre a qualidade dos serviços de saúde públicos por, felizmente, não ter tido necessidade de recorrer a eles. No entanto, considero que Santarém está bem servida de instalações e de meios. O pior será o Centro de Saúde que funciona no antigo hospital. Não é digno de uma capital de Distrito nem oferece o mínimo de condições para os doentes e para

todos os agentes de saúde que ali prestam serviço.O que faz falta a Santarém é uma maior ligação ao

Rio Tejo.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 81

Depoimento

Ter o privilégio de ser jornalista em O MIRANTE e aprender todos os dias algo novo com os profissionais que aqui trabalham é sempre gratificante. Temos uma secção no jornal onde perguntamos aos nossos leitores, se fossem jornalistas, sobre o que escreveriam. Não deixa de ser irónico que, quando se desafia um jornalista para escrever sobre algo que o marcou, a resposta seja sempre tardia. Arrisco falar de dois casos que me tocaram no último ano: a história de Francisco Quaresma e o seu afilhado, José Ribeiro. Ambos vivem numa bar-raca, estreita demais para duas pessoas, bem lá no meio do monte, em Vila Nova de São Pedro, concelho de Azambuja. O tecto feito de lixo, num quarto sem janelas nem ventilação, onde os lençóis da cama não são mudados há meses. Não têm água, esgotos nem electrici-dade. “Não temos nada”, disseram-me em Março. Francisco e José são apenas dois casos de um cenário que aparenta estar a aumentar na nossa região, sem que haja ainda capacidade das autar-quias para colocar estes portugueses em habitações dos planos especiais de realojamento, como acontece em Vila Franca de Xira, onde a lista de espera tem mais de 1000 famílias. Em Portu-

Dois pobres no meio de dois milhões

Filipe Matias*

gal, segundo o Instituto Nacional de Estatística, existem actualmente dois milhões de pobres. A meio de 2009 fui desafiado a realizar um trabalho sobre o Complexo do Carregado, onde é guar-dada uma parte importante da fortuna nacional. Ironia do destino, foi ao lado de 200 toneladas de ouro que encontrei famílias a viver com menos de 200 euros por mês, em condições de pobreza que os olhos escondem mas a alma não. Pode o jornalista, além de relatar os factos que acontecem na actualidade, escavar mais fundo e dar voz a quem nada tem? Eu acredito que sim e é por isso que acredito em O MIRANTE e nos seus leitores para sermos, juntos, um jornal mais próximo de todos.

Jornalista(Carteira Profissional 8239)

“Não há ainda capacidade das autarquias para colocar estes portugueses em habitações dos planos especiais de realojamento, como acontece em Vila Franca de Xira, onde a lista de espera tem mais de 1000 famílias.”

16 Novembro 2009 | O MIRANTE82 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 83

Como é reconhecido o esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região?

Somos reconhecidos pelo bom traba-lho desempenhado e pela forma como tentamos ajudar os nossos clientes.

O que devem fazer as autarquias para ajudar melhor as empresas e empresários?

Deviam dar a oportunidade de as empresas se destacarem e ficarem conhe-cidas por meio de obras públicas.

Na nossa região há alguém que possa sobreviver sem carro?

Sobreviver sobrevive, embora um carro seja um bem quase indispensável nos dias de hoje.

O que faz no seu dia a dia para pro-teger o ambiente e poupar energia?

Tentamos reciclar e evitamos deixar luzes desnecessárias acesas.

O sistema de ensino e a forma como as crianças são educadas pela família vão-se modificando. O que devia ter ficado dos métodos antigos e o que foi bom ter acabado?

Deviam de ter permanecido o respeito pelo próximo e a boa educação. Acho que foi dada muita liberdade a crianças e jovens. Mas foi bom ter acabado o tempo em que as crianças tinham de trabalhar arduamente desde muito cedo. Hoje podem estudar e destacar-se na sociedade.

Como funciona a assistência médica na localidade onde vive?

Funciona bem. Os profissionais ten-tam sempre fazer o seu melhor sendo muitas vezes incansáveis.

O que faz mais falta na terra onde vive?

Facilidades de trânsito. A partir de uma determinada hora é complicado entrar em Benavente e movimentar-nos dentro da vila.

Hoje todas as famílias têm pelo menos um carro. O dia-a-dia é uma correria e o automóvel facilita, embora em algumas situações a sua utilização seja única e exclusivamente uma mani-festação de comodismo. Na nossa cida-de não temos eficácia nos transportes urbanos e as ciclovias começam em sítio algum e terminam em sítio nenhum. Eis algumas das razões do uso e abuso do veículo automóvel.

Existem muitos mitos acerca da protecção do ambiente que precisam ser esclarecidos. Pessoalmente procu-ro minimizar os danos ambientais, co-laborando na reciclagem de produtos, realizando aproveitamento total de papel, utilizando lâmpadas poupado-ras, fazendo uma boa gestão da água, quer a nível do local de trabalho, quer da minha habitação. É de elogiar o tra-balho que tem vindo a ser desenvolvido na educação, em relação a este tema. As crianças estão motivadas e são elas que acabam por alertar os pais e familiares para melhorar o ambiente.

A educação tem vindo a sofrer al-guma alteração ao longo dos tempos, com alguma banalização de ideais. A grande maioria das crianças não tem respeito pelos pais e consequentemente pelos adultos em geral, entre os quais os professores. Este facto encontra-se tal-vez relacionado ao pouco tempo que os pais têm para os acompanharem, con-tudo não acho que seja desculpa para serem tão permissivos e descuidados. Julgo que os Pais de hoje se esquecem que a educação e acompanhamento em pequeninos se vai reflectir em todo o percurso de vida dos seus filhos. De referir que, considero muito positivo a proximidade de hoje existente entre pais - educandos - professores, as crian-ças não têm de ter medo dos adultos, têm de ter respeito.

A assistência médica pública não funciona da melhor maneira. Consi-dero que há falta de médicos na região. Muito dos bons profissionais têm vindo a reformar-se e, não havendo ninguém para os substituir, a população está a ficar sem médico de família. Em relação às especialidades médicas como oftal-mologia, dermatologia, ginecologia, entre outras, o acesso é dificultado e

Cláudia Martinho CláudioFarmacêutica – Farmácia Central de AlmeirimResidente em Santarém

lento, assim sendo as pessoas vêem-se obrigadas a aderir a medicina privada. No entanto devido ao menor poder económico de muitas famílias tal não possível daí a dificuldade e o descon-tentamento. Considero que há que trabalhar muito neste sentido, havendo um longo caminho a percorrer, no qual é necessário a intervenção do Estado, Câmaras e Comunidade, para que o acesso à consulta médica seja facilitado à população.

A minha região necessita de uma rede de transportes urbanos eficaz e com preços acessíveis. Precisa também de assistência médica com boa cobertura (24h) pois a doença não tem hora de chegar, infantários com horários flexíveis para os pais que trabalham, melhoria nos apoios as pequenas e médias empresas para a sua fixação na região, apoio á terceira idade quer na sua habitação quer em centros de convívio, quer no apoio total de cuidados continuados.

Na minha cidade, Santarém, faltam ainda espaços verdes agra-dáveis de lazer. Os espaços verdes que existiam, não eram agradáveis para lazer e transformaram-nos ou estão a transformá-los em espaços não verdes de lazer. Fica alguma mágoa com a des-caracterização da cidade. Enfim, nem tudo é mágoa e é com muita alegria que vejo a agenda cultural a crescer e diversificar-se, ficando os sinceros parabéns a quem contribui para tal.

Quem gera riqueza e bem-estar acaba sempre por ser reconhecido. Por vezes poderá não o ser a curto prazo nem pelas entidades/pessoas competentes. Contudo, acredito por-que o sinto, que as pessoas directamente envolvidas dão valor aos serviços, con-selhos e acompanhamento prestados pela minha profissão (farmacêutica). A farmácia não é apenas um local de venda e aconselhamento de produtos mas também gera muitos sentimentos e muitas amizades, que origina riqueza pessoal e bem-estar. Existe um provér-bio que a minha avó ainda hoje me diz: “fazer bem e não olhar a quem” e, como a grande maioria dos provér-bios populares ainda hoje se aplica, eu procuro aplicá-lo.

Carlos Manuel Sousa GuardaGerente da Decapagem, Metalização e Lacagem Triunfo, Lda em Benavente

O que faz mais falta na terra onde vive?

A c a s a d a C u l t u r a . E s -paço para integrar todas as as -sociações da Freguesia, para fins culturais, desportivos e de lazer.

Que devem fazer as autarquias para ajudar melhor as empresas e empresários?

Baixar impostos e facilitar a aqui-sição de terrenos para a sua fixação na região.

Como é reconhecido o esforço de quem gera riqueza e bem-estar na região?

Bem. As autoridades responsáveis estão atentas e solidárias com todos os que se empenham na melhoria do bem-estar dos cidadãos.

Na nossa região há alguém que possa sobreviver sem carro?

Que remédio, se não tiver meios económicos para assumir os custos.

O que faz no seu dia a dia para proteger o ambiente e poupar energia?

Faço pouco. Reconheço que poderia fazer bastante mais.

O sistema de ensino e a forma como as crianças são educadas pela família vão-se modificando. O que devia ter ficado dos métodos antigos e o que foi bom ter acabado?

O sentido de família perdeu-se com a falta de tempo que os pais disponibilizam para os filhos. Foi bom ter acabado o excesso de dureza que alguns professores exerciam sobre as crianças.

Como funciona a assistência mé-dica na localidade onde vive?

Com a nossa integração na uni-dade de Saúde Familiar do Alviela a assistência médica melhorou bastan-te.

Manuel CordeiroPresidente da Junta de Freguesia de Vale de Figueira

16 Novembro 2009 | O MIRANTE84 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS

A mulher que comanda a mítica Casa Cadaval

A condessa “menina” Teresa

Teresa Álvares Pereira Schönborn-Wiesentheid, a Condessa que está à frente da Casa Cadaval em Muge tem uma alma latina e um perfil germânico. Irradia simpatia e energia. Ilumina-se quando fala da avó, a famosa Marquesa do Cadaval. Diz que não percebe nada de política mas considera que mais importante que a monarquia é a democracia. Adora Portugal mas nasceu na Alemanha. É trilingue. Em criança o pai falava-lhe em alemão, a mãe em português e a língua comum em toda a casa era o italiano.

Antes do 25 de Abril dizia-se que o regime salazarista tinha alguma desconfiança em relação à nobreza. Sentiu isso?

Nunca me senti constrangida em nada e na altura do drª. Salazar vivia na Alemanha. Sei que ele tinha uma grande consideração pela minha avó. Vejo todos os dias as notícias porque gosto de estar informada no que se passa à minha volta e no mundo.

Presumo que preferisse viver numa monarquia.

Como já disse sou monárquica por tradição e convicção. Fui educada numa democracia, na Alemanha depois da guerra, claro que a minha posição é a de defender a monarquia constitucional. Ainda há pouco tempo estive em Ingla-terra que é uma monarquia antiquíssima como sabemos que aliás é um pólo de atracção turístico muito importante. Penso que o que interessa é que um país seja bem governado, seja ele o governo monárquico ou não.

Não há diferença entre Monarquia e República?

A Monarquia preocupa-se mais com determinados valores éticos de ordem moral e religiosa e que se estão a perder infelizmente.

É sócia da Real Associação do Ri-batejo?

Sou, mas não me peçam para partici-par em sessões onde há pessoas horas e horas a falar. Sou sócia mas não participo activamente.

Sente-se Condessa?Tenho um título desde que nasci que

herdei do meu pai, mas sinto-me uma pessoa perfeitamente normal.

As pessoas tratam-na como?Há muitos que me tratam por menina

Teresa. É um tratamento carinhoso e respeitoso. São pessoas que me conhecem desde criança. Amigos, trabalhadores. Os mais próximos chamam-me Teresa. Depois há outros que me chamam Dona Condessa. O que é normal, não é?!

Dá jeito ter um título nobiliárqui-co?

De vez em quando ajuda mas ser da nobreza não é só facilidades. Há uma carga histórica e moral pesada. O nosso nome tem história. É uma responsabilidade “noblesse oblige”.

Tem ligações com a família real portuguesa?

Gosto imenso deles todos. Sou amiga e vizinha de D. Duarte. Eles vivem em Sintra, como eu aos fins-de-semana. Toda a minha família sempre foi muito amiga de toda a família real portuguesa.

O que sente no 5 de Outubro?O que sente a generalidade dos portu-

gueses. É dia livre.

Alguma vez foi convidada para fazer parte das listas de algum partido político?

Nunca.

QuANDO viviA NA AleMANhA Só PeNSAvA eM PORTugAlNasceu aqui em Portugal? Nasci na Alemanha. Nasci eu e os meus

irmãos. A excepção foi o meu irmão Paulo que nasceu em Lisboa.

Onde estudou? Fiz o equivalente ao antigo quin-

to ano do liceu na Alemanha, em Wiesentheid,depois estudei num colégio na Suiça e mais tarde fui para Inglaterra estudar Turismo e Língua Inglesa. A seguir voltei à Alemanha onde acabei o curso de Turismo. Mas cada vez que tinha dias livres vinha cá. Sempre contei os dias para voltar a Portugal. Sempre gostei mais de Portugal do que da Alemanha.

O que é que a atraí-a em Portugal?O sol e as pessoas. As pessoas são mais

simpáticas nos países latinos do que nos países do norte. Gosto das pessoas, do país. E tinha amigos cá. Além disso havia a Casa Cadaval e os cavalos. Os cavalos estavam cá. O sol estava cá. Aqueles Invernos alemães sempre escuros, cinzentos, com aquela neve. Com aquela lama. Às quatro da tarde já é noite.

Não gosta de neve?Adoro ir oito dias, quando está muito

frio, fazer esqui mas oito dias apenas. A educação que teve devia ser bas-

tante rígida, formal…Eu adapto-me bem a qualquer situação.

Se tiver que ser formal também sou. Mas custa-me imenso. De um modo geral sou descontraída mas também exijo regras.

Com pais de diferentes nacionalida-des qual é a sua primeira língua?

O nosso pai sempre falou connosco em alemão e a nossa mãe em português. Mas entre eles falavam italiano. Está a ver a confusão. Eu não fui bilingue, fui trilingue.

Quantas línguas fala? Falo as três que aprendi em criança

mais o Francês, o Inglês e o Espanhol. Costumo dizer que falo seis línguas mas todas mal.

Na sua juventude era uma jovem sossegada ou também foi rebelde?

Eu não era diferente dos outros jo-vens. Também tive os meus momentos de rebeldia.

Quando vinha com os seus irmãos a Portugal costumava brincar com as crianças de Muge?

Fazíamos todas as brincadeiras que qualquer criança normal faz. A minha mãe e a minha tia também fizeram o mesmo quando eram meninas. Desde a caça aos gambozinos, montar a cavalo, apanhar tareia dos outros miúdos. Andávamos co-bertos de porcaria o dia todo. Só tínhamos

António Palmeiro

Entrevista publicada em 05/04/2006

Eu adapto-me bem a qualquer situação. Se tiver que ser formal também sou. Mas custa-me imenso.

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 85

que estar lavados e limpos para o jantar, o resto do dia podíamos andar como quiséssemos. E tínhamos sempre que tirar as esporas antes de almoçar. De resto fazíamos trinta por uma linha. Lembro-me de quando éramos mais velhos andarmos de jipe sem carta às escondidas dos nossos pais, eu sei lá.

Era castigada quando a apanha-vam?

Levei alguns estalos dos meus pais e da minha avó. É normal.

MulhErEs Estãohá cinco gEraçõEs à frEntE da casa cadavalPorque é que ficou à frente da casa

cadaval?Infelizmente a pessoa que decidiu isso

já não está cá para explicar. A minha mãe deixou essa determinação.

Já trabalhava com a sua mãe aqui?Trabalhei cinco anos na Alemanha e

em Portugal no ramo do turismo. Depois uns austríacos pediam-me para ir traba-lhar para uma agência imobiliária onde estive durante dois anos. Mais tarde a mãe pediu-me para vir para cá e já cá estou desde 1982. Vim ajudar a mãe que estava a gerir a Casa Cadaval.

sabia que mais tarde ou mais cedo ia ocupar o lugar de administradora?

Eu achava que ia ficar aqui mas não nesta posição.

a casa cadaval é tradicionalmente gerida por mulheres.

Sou a quinta geração de mulheres à frente desta Casa.

Porque é que isso acontece?Por razões circunstanciais. O meu avô

morreu muito cedo com a tuberculose. O pai dele também morreu novo.

assumiu este lugar na sequência de acontecimentos trágicos.

A minha avó morreu em Dezembro de 1996. A minha mãe morreu nova, em Junho de 1998. Esteve dez meses a sofrer com uma doença gravíssima, foi muito doloroso para mim. O meu pai morreu seis semanas depois. 1998 foi um ano trágico. E eu tive que assumir as rédeas da Casa Cadaval. Era muito mais fácil sermos dois ou três do que ser um. As responsabilida-des caem todas em cima de mim.

Que dificuldades sentiu nessa al-tura?

A gestão era feita pela minha mãe. Eu era o número dois. E essa posição é mais confortável. Quando se chega a número um tem que se pensar muito bem nas coi-sas que se fazem, porque já não se tem o apoio. Já não se têm as costas quentes.

os seus irmãos aceitaram bem esta situação?

Somos uma família muito afastada em termos de distância mas muito próxima afectivamente. E somos todos muito unidos.

os irmãos vivem em Portugal? Todos temos casa cá, mas os únicos

que residem em Portugal são o Filipe, que casou com uma francesa, e eu. A minha irmã casou com um alemão mas vem muito a Portugal. Os filhos dela falam todos português. O meu irmão Paulo está casado, outra vez, com uma italiana que, curiosamente nasceu no Peru. Agora vive na Francónia (Alemanha).

“Só resulta o que se faz com paixão”

Um cavalo negro passa em frente à janela rasgada a toda a altura da parede da sala. Teresa Schönborn fala em castelhano ao telemóvel. Depois de desligar acende mais um cigarro. A seguir ao picadeiro começa uma vinha. A manhã está cinzenta.

A sala onde nos encontramos é ampla e tem um pé direito muito alto. O chão é feito das pedras que segura-vam os arames das vinhas, ardósia. As paredes à nossa frente são brancas. As que estão nas nossas costas verdes. Há mobiliário antigo em madeira. Um espelho imenso com moldura

dourada. Numa das paredes quinze quadros colocados simetricamente com gravuras de cachos de uvas e parras de diferentes castas.

Estamos sentados em sofás. A Condessa de Schönborn-Wiesentheid, administradora da Casa Cadaval, tem um sorriso franco. Uns olhos grandes que se mostram generosamente e que por vezes transmitem a tranquilidade de um bosque no Outono. Veste calças azul-escuro e um casaco de malha azul acinzentado sobre uma camisola de gola cor-de-rosa. Dois anéis no mindi-nho da mão esquerda. Calça sapatos rasos.

“Sou casada com a Casa Cadaval”, diz a certa altura. Tem cinquenta anos que lhe vincam o rosto quando fica séria. A morte da avó, Olga Cadaval e

da mãe, Graziela, deixaram marcas mas há um interior apaixonado que vem à tona com frequência em expressões adolescentes. Mais à frente concorda com a impressão que transmite. “Tudo o que se faz com paixão resulta. O que se faz por obrigação não sai bem”.

A simplicidade desarmante que revela ao longo do encontro com os jornalistas contrasta com o seu aspecto físico. É uma mulher alta e forte. Um corpo que confirma a ascendência germânica.

Ilumina-se quando fala da avó, a famosa Marquesa de Cadaval. É junto ao busto dela, na loja dos vinhos que faz questão de posar quando lhe pe-dimos para fazer mais algumas fotos. “Era uma mulher extraordinária que eu adorava”, justifica-se.

O dia de Teresa Schönborn começa cedo. Levanta-se às sete e depois de uma sessão de ginástica acompanha o início das actividades agrícolas. Vai a pé ou de jipe, raramente a cavalo. Só no regresso ao escritório é que toma o pequeno-almoço. Uma refeição rápida. “Cinco minutos”, diz.

Quando se trata de trabalho vem ao de cima a sua costela alemã. É discipli-nada, organizada e pragmática. Gosta de acompanhar de perto as tarefas que são executadas pelas pessoas que tem ao seu serviço e veste de uma forma completamente informal. No escritório usa a Internet para pesquisa de algumas informações, para enviar e receber

correio electrónico e pouco mais. Embora a Casa Cadaval produza

alguns dos melhores vinhos do Ribatejo confessa que não participa no processo da sua feitura. “A minha irmã é enó-loga. Eu não sou. Tenho uma grande dificuldade em perceber a qualidade do vinho quando está a ser feito. Não sei se vai ser ou não um grande vinho. Por vezes peço-lhe a ela para ir à adega”. Mas sabe apreciar um vinho depois de feito. Sabe distinguir as suas caracte-rísticas. E às refeições gosta de beber um bom vinho.

Como era tradição na família teve aulas de piano e ballet. Sorri quando conta os resultados de tão esmerada

“Detesto a violência mas adoro touradas” educação. “Toquei piano sempre pessi-mamente. Foi por imposição dos meus pais. Não passei do Für Elise. Fiz ballet pessimamente, mas adorava. Com o meu físico era difícil ir longe. A única disciplina onde era realmente boa era na natação. Fazia parte da equipa do meu clube da Baviera”.

Administradora da Casa Cadaval é a ela que Teresa se dedica de alma e coração mas isso não a impede de ter uma imensa vida social. Tem amigos em Portugal e no estrangeiro e adora conviver e conversar embora as grandes festas não sejam da sua predilecção.. “Uma senhora inglesa disse-me uma vez, com toda a razão, que mais de mais de dez pessoas é uma multidão. Gosto de jantares com pequenos grupos”.

A Condessa de Schönborn-Wiesen-theid gosta de romances históricos mas nem todos os autores a cativam. O Me-morial do Convento do José Saramago foi posto de lado por não ser exactamente o seu tipo de leitura. E se não gosta de grandes grupos também não se dá bem com alguns best-sellers como o famoso Código Da Vinci por uma simples razão: “Como toda a gente discutia o famoso Código Da Vinci perdi a curiosidade e por isso não o li.

Musicalmente os seus gostos são bastante ecléticos. Tanto aprecia um concerto de música clássica como um concerto de rock. Não tem bilhetes para a actuação dos Rolling Stones no Porto, em Agosto mas se tivesse não os desperdiçava. Lamenta ter de se deslocar a Lisboa de cada vez que lhe apetece as-sistir a algum espectáculo. Um dos seus passatempos é a culinária mas raramente cozinha quando está em Muge, só quando vai passar algum fim-de-semana à casa de família em Sintra.

Não gosta de cinema alemão porque os filmes são em geral “maçadores”, pre-fere as comédias francesas e americanas, detesta thrillers. Ribatejana de coração gosta de touradas e defende a sua conti-nuidade por uma questão de afirmação nacional. “As touradas fazem parte da nossa cultura. Detesto a violência mas adoro as touradas”, afirma.

Adega Cooperativa de Alcanhões, CRL; Afrizal, SA; Agro-Ribatejo, Lda; Águas de Santarém; Ajudef, Lda; Alain

Afflelou; Alhandra Sport Club; Ana - Aeroportos de Portugal, SA; Anacleto Silva Batista; Armando Paulo; Arte e

Flor; Assoc. Caça e Pesca Lezíria Grande; Auto Electrica Torrejana, Lda; Aviventro, Lda; Bar Desportivo Marinhais;

Benetton; Biolabor, Lda; Boa Viagem; Borrego Leonor & Irmão, SA; BPI; Câmara Municipal Almeirim; Câmara

Municipal Alpiarça; Câmara Municipal Azambuja; Câmara Municipal Benavente; Câmara Municipal Cartaxo;

Câmara Municipal Chamusca; Câmara Municipal Constância; Câmara Municipal Coruche; Câmara Municipal

Entroncamento; Câmara Municipal Santarém; Câmara Municipal Tomar; Câmara Municipal Vila Franca de Xira;

Cadova; Café Arco Íris; Café Por do Sol; Cafetaria Pau de Canela; Caixa Crédito Agricola Mútuo Azambuja; Cai-

xa Geral de Depósitos; Carpego, Comércio Automóveis, Lda; Casa das Bifanas; Casa das Peles; Casa de Escapes e

Acess. S. Pedro, Lda; Casa dos Óculos; Casasdasofia - Med Imob, Lda; Cenfim; Central Cervejas e Bebidas; Centro

de Jardinagem; Centro Ensino Cabeleireiro Santarém; Café Restaurante Por do Sol; Churrasqueira O Caniço; Clen

Lab - Lab Analises Clinicas; Climeco - Clínica Médica Cir. Oft., Lda; Clínica Dentária Dra. Rosário Saramago; Clí-

nica Dr. Luís Marçal; Clínica Médica Dr. António Chambel, Lda; Coelho e Maximiano, Lda; Com. Interm. Lezíria

Tejo; Companhia das Lezírias SA; Construções Paulo J CÂMARA Mareira, Lda; Cristóvão Oliveira - Técn. Oficial de

Contas, Lda; CRT / MELF; Dai, SA; Decapagem e Metal. Triunfo, Lda; Depilconcept; Dijocarros, Lda; Ecodeal; EDP;

Eduforte - Com. Mat. Const, Unip. Lda; Egtecnico; El Galego; Electromobiladora da Torre, Lda; Electrorecâmbio,

Lda; Ema Cabeleireiros; Embate - Med. Seg., Lda; Equitejo, Soc. Com. Equip. p/ Esc., Lda; Estores Vidal; Etace -

Com. Elect. Lda; Farmácia Central Almeirim; Farmacia Flamma Vitae; Farmácia S. José; Fecoal; Francisco Frade;

Governo Civil de Santarém; Grafisanta - Artes Gráficas, Lda; Greif Portugal, Lda; Hiperserve, Lda; Incompol SA;

Instituto Emprego e Formação Profissional; Instituto Politécnico Tomar; Irmãos Lima Salvador Const., Lda; Junta

Freguesia Achete; Junta Freguesia Almeirim; Junta Freguesia Arneiro Milhariças; Junta Freguesia Asseiceira; Junta

Freguesia Aveiras de Cima; Junta Freguesia Azinhaga; Junta Freguesia Azoia de Cima; Junta Freguesia Bempos-

ta; Junta Freguesia Benavente; Junta Freguesia Benfica do Ribatejo; Junta Freguesia Biscainho; Junta Freguesia

Branca; Junta Freguesia Carregueiros; Junta Freguesia Casével; Junta Freguesia Chouto; Junta Freguesia Coruche;

Junta Freguesia Erra; Junta Freguesia Fazendas de Almeirim; Junta Freguesia Foros de Salvaterra; Junta Freguesia

Golegã; Junta Freguesia Louriceira; Junta Freguesia Mação; Junta Freguesia Madalena; Junta Freguesia Marvila;

Junta Freguesia Nossa Senhora da Piedade; Junta Freguesia Ortiga; Junta Freguesia Paialvo; Junta Freguesia Pernes;

Junta Freguesia Pontével; Junta Freguesia Póvoa da Isenta; Junta Freguesia Póvoa de Santarém; Junta Freguesia

Praia do Ribatejo; Junta Freguesia Raposa; Junta Freguesia Rossio ao Sul do Tejo; Junta Freguesia S José Lama-

rosa; Junta Freguesia S. Joâo Batista; Junta Freguesia S. Nicolau; Junta Freguesia S. Salvador; Junta Freguesia S.

Vicente Paúl; Junta Freguesia Sabacheira; Junta Freguesia Santa Margarida Coutada; Junta Freguesia Santa Maria

Olivais; Junta Freguesia Serra S. António; Junta Freguesia Tancos; Junta Freguesia Vale da Pinta; Junta Freguesia

Vale das Mós; Junta Freguesia Vale de Figueira; Junta Freguesia Vale de Santarém; Junta Freguesia Vale Paraiso;

Junta Freguesia Vaqueiros; Junta Freguesia Várzea de Santarém; Junta Freguesia Vila Franca de Xira; J J Louro

Pereira, SA; J. Gomes; J. Pintassilgo & Filhos, Lda; Joaninha Serviços; João Afonso Contabilidades; Dr. João Fia-

lho; João Neves Vital Lourenço; Joaquim Fernando Amado Correia; “Joaquim Francisco Ferragens; Lda”; Joaquim

Silva; José Luis Silva Rosa; Laboratório Maria Leonilde Godinho Silva; Lagespinturas; Livraria Garret; Luisarte;

Mega Circuito, Lda; Mini-Mercado Celeiro de Azambuja; Mira e Barreira, Const., Lda; Mopafil; Moquil; Nersant;

Novo Horizonte Café Restaurante; Nuance Cabeleireiro; O Corticeiro; O Sonho; O Tostão; Pastelaria Dom Doce;

Óptica Isabel, Lda; Optijovem, Lda; Ortobest; Ortoribatejana-Com.Mat. Ort, Lda; Ourivesaria Pérola, Lda; Padaria

Combatente; Paital - Adm. Econ. Fiscalidade, Lda; Pastelaria St Clara; Patachoca - Selfservice e Comida p/ Fora,

Lda; Paulo Gil Roxo; Pedro Faustino Const Unip, Lda; Pedro Lamy; Pétalas e Cheiros, lda; Pneusol; Previqual -

Consult. Alimentar, Lda; Quinta da Murta - Soc Agric., Lda; Regimagos; Resitejo; Restaurante O Moinante; Res-

taurante Os Primos; Ribatejana; Ribatel; Ribtejo, SA; Rodoviária do Tejo, SA; Roques Vale do Tejo; Samortech;

Sandra Silva; Santa Casa Misericórdia de Pernes; Sapataria Salomé; Saúde À Esquina, Lda; Siga Viagem; Snack

Bar Leal; Soc. Agric. Vale da Lama D Atela, Lda; Sonia Cabeleireiros; Super Bock; Tagusgas SA; Talho Jorge;

Tecnogarden – Soc. Unip, Lda; Tejo Inox - Equip. Hoteleiros, Lda; Teresa Porém Interior Design; Tertúlia Bar;

Empresas e instituições que colaboram nesta edição de aniversário de O MIRANTE

O MIRANTE | 16 Novembro 2009 EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS | 87

16 Novembro 2009 | O MIRANTE88 | EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO 22 ANOS