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Suplemento de Saúde da edição n° 49 do Jornal Contexto

Jornal Contexto / Suplemento "Sentidos" - Edição 49 (Maio -2016)

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Caderno Suplementar da Edição 49 do Jornal Laboratório Contexto - Produção dos alunos do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Comunicação Social.

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Suplemento de Saúde da edição n° 49 do Jornal Contexto

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ExpedienteSentidos é o Suplemento de Saúde da edição N° 49 do Jornal Con-texto, produzido por alunos da disciplina de Jornalismo Impresso I, da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Equipe Suplemento Saúde- Edição 49

Chefe de Redação: Alisson Castro

Reportagem: Alisson Castro, Fagner Honorato, Jamile Oliveira, Rodri-go Macêdo, Mirian Jesus, Ullisses Machado e Yago de Andrade.

Fotografias: André Teixeira, Alisson Castro, Fagner Honorato, Jamile Oliveira, Rafael Amorim, Mirian Jesus, Ullisses Machado e Yago de Andrade.

Diagramação: Mirian Jesus, Sheila Milena, Ullisses Machado e Yago de Andrade

Revisão Geral: Alisson Castro e Ullisses Machado

Capa: Alisson Castro e Ullisses Machado

Projeto Gráfico: Mirian Jesus

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo

Chefe de Departamento de Comunicação(DCOS):Prof. Dra. Raquel Marques Carriço Ferreira

Núcleo de Jornalismo: Prof. Dra. Greice SchneiderFone: 2105-6919/ 2105-6921 Email: [email protected]

Coordenação Editorial: Prof. Dra. Michele da Silva Tavares( DRT- 1195/SE)

Universidade Federal de SergipeCampus José de Aloísio de CamposAv. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão- SE

Reitor: Dr. Ângelo Roberto Antoniolli

Vice-reitor: Prof. Dr. André Mauricio C. Souza

Pró-reitor de Graduação: Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses

Diretor do CECH: Dr. Iara Maria Campelo Lima

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Editorial

A publicação SENTIDOS é o suplemento de saúde da edição n° 49 do Jor-nal Contexto. O nome atende a uma demanda de abordar a saúde do pon-to de vista mais humanista e menos tecnicista. Os sentidos são os responsáveis por apresentar ao nosso corpo o meio externo, assim como também podem ser as significações que nós damos as coisas que fazem parte da nossa vida.

Aqui, a pluralidade não está limitada às interpretações que a palavra dispõe, o corpo do suplemento também é plural. As reportagens não apenas tratam da saúde física, mas também da emocional e psíquica. Ter a sensibilidade para apurar e escrever sobre pessoas que lidam com a fraqueza da condição humana tão de perto é um grande desafio. A ciência e a crença andam de mãos dadas no cotidiano de quem trabalha com a saúde e também no daqueles que necessitam de seus cuidados.

Cuidado aqui é uma palavra essencial. O termo que pode significar coi-sas diferentes a depender do contexto. Cuidado com a radiação. Cuida-do ao falar com os pais. A preocupação e o zelo são características im-portantes para o desenvolvimento do trabalho jornalístico. A dedicação e o comprometimento em evitar a propagação de preconceitos servem de mote para que uma publicação sobre saúde não seja apenas um emprego de linguagem jornalísti-ca aos termos científicos, mas sim um panorama da complexidade da vida humana.

Coube a nós aprender sobre o desenvolvimento de vírus e aparecimento de sintomas físicos e mentais, mas também a ler as lagrimas nos olhos. De alegria e de dor. De con-tentamento e de saudade. A ver e sentir a angústia do diagnóstico até o resplandecer da cura. A entender e explicar causas e consequências de enfermidades que nem sem-pre fizeram parte da experiência de vida de quem escreveu. O aprendizado foi gran-de e é com ele que passamos aquilo que apreendemos para os leitores. Esperamos que o leitor seja capaz de experimentar as mesmas sensações e Sentidos que nós.

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Maio/16Sentidos: Suplemento de Saúde

4 Microcefalia

Uma vida em constante atençãoO estímulo precoce, no hospital e em casa, é importante para evitar o agravamento do quadro psicomotor dos bebês com microcefalia.

“Eu soube depois que nasceu. Fiz o exame e deu essa doença. Eu tive chikungunya com 2 meses e dengue com 7. Não tenho apoio de ninguém da família. O pai nem sei por onde anda. Não consigo dormir direito. O bebê chora toda noite. Estou cansada”, desaba-fa, praticamente sem pausa de uma frase para outra, Mônica dos Santos, 30, mãe de David Santos Guimarães, um bebê de 3 meses diagnosticado com microcefalia quando nasceu.

Desempregada, Mônica mora em Nossa Senhora do Socorro, no conjunto Albano Franco. As crianças nascidas com microcefalia na capital e Grande Aracaju estão sendo assistidas pelo serviço da prefeitura da capital, através do Centro Especializado em Reabili-tação (CER). Em virtude da divisão em macro-região de saúde, cuja configuração espacial foi definido pelo Governo Estadual, Socorro ficou como município do interior. O HU/UFS Hospital Universitário/Universidade Federal de Sergipe (HU/UFS), portanto, contempla os bebês do interior.

A epidemia de microcefalia

Em novembro de 2015, Cláudio Maierovitch, Diretor de Departa-mento de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, con-firmou à imprensa o caráter de epidemia no que diz respeito à mi-crocefalia no país. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2014 foram notificadas 147 casos de microcefalia, ao passo que no final de 2015 já tinham sido notificadas 399 casos. O aumento, pois, dos casos registrados de um ano para o outro configurou a expressão real de um caso epidémico.

A microcefalia é uma condição neurológica na qual o bebê nasce com o crânio menor do que o tamanho normal. É comumente diag-nosticada no início da vida e é, do ponto de vista neurológico, o resultado do crânio não crescer o suficiente durante a gestação ou após o nascimento. “A microcefalia pode existir independente ou não do zika vírus.

A parte do diagnóstico só é fechada depois e ainda não é possível afirmar que é por conta do zika. Não temos como identificar, por ser muito nova. As pesquisas estão sendo bem rápidas, mas algu-mas respostas ainda não temos”, explica Géssica Uruga Oliveira, coordenadora do Serviço de Fisioterapia Laboratorial do HU/UFS, e integrante da equipe multidisciplinar que assiste as crianças mi-crocéfalas encaminhadas pelas respectivas prefeituras do interior para o HU.

Em comunicado emitido pelo Centro de Controle e Prevenção de

Doenças Transmissíveis (CDC), sediada no Condado de Dekalb, Geórgia (EUA), confirmou a relação entre o zika e a ocorrência de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas pelo vírus. Fo-ram analisadas pesquisas da comunidade médica e científica de diversos países, entre eles o Brasil, que é pioneiro no estudo do zika vírus associado à microcefalia, segundo informações do Portal Bra-sil, vinculado ao Governo Federal.

Em fevereiro de 2016, no último boletim da Secretaria de Estado da Saúde sobre os casos de microcefalia, foram notificados 192 ca-sos, destes 11 foram descartados e 181 estão em investigação. No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou 1.113 casos de microcefalia até o dia 9 de abril. De acordo com o boletim do Governo Federal, divulgado terça-feira, 12, foram notificados 7.015 casos suspeitos desde outubro de 2015, quando iniciou as investigações – 2.066 foram descartadas e outros 3.836 estão em fase de investigação.

O serviço

De acordo com Géssica Uruga, o serviço de assistência às crianças microcéfalas já está estabelecido no HU/UFS, de modo que não há necessidade de um novo mutirão, tal qual o que foi realizado con-juntamente com a Secretaria de Estado da Saúde, em meados de dezembro do ano passado. Essa iniciativa, em forma de parceria, pretendia realizar as primeiras avaliações das crianças suspeitas.

Inicialmente, o acompanhamento era realizado todas as quintas-feiras pela manhã, mas para contemplar um maior número de crianças, a equipe sentiu a necessidade de outros dias e horários, já definidos: segunda-feira, quinta e sexta pela manhã, e terça-feira e quinta pela tarde. “A gente precisou fazer uma reestruturação em toda a unidade para poder atender todas essas crianças. Esse mês serão atendidas para tratamento mais 33 crianças”, justifica Uruga.

Na planilha do HU são 67 crianças sendo acompanhadas no progra-ma de microcefalia, sendo que 33 destas estão propriamente em processo de reabilitação.

O processo de reabilitação

A reabilitação dos bebês microcéfalos começa com uma avaliação – uma abordagem multidisciplinar - tão logo elas chegam ao hos-pital, pois há a necessidade de identificar o impacto no desenvol-vimento da criança, que pode ser comprometedor, uma vez que se trata de um quadro clínico complexo (comprometimento intelec-tual, auditivo, visual, emocional, epilepsia, etc). Como cada criança

precisa atingir um determinado e especifico desenvolvimento, elas estão sendo avaliadas uma por uma até a equipe ter segurança de que ela atingiu o desenvolvimento adequado para a idade.

As crianças que apresentarem determinado atraso são imediata-mente encaminhadas para uma equipe multidisciplinar que envol-ve fisioterapeuta, enfermeira, assistente social, psicóloga, terapeu-ta ocupacional e fonoaudióloga. “Essas crianças vão passar por um processo que chamamos de estimulação precoce, que significa a tentativa de fazer com que essas crianças, que estão com o desen-volvimento motor atrasado, consigam recuperar o desenvolvimen-to. E quanto antes iniciar esse tratamento, melhor a recuperação”, explica a coordenadora. O estímulo precoce, no hospital e em casa, é importante para evitar o agravamento do quadro psicomotor desses bebês.

O Ministério da Saúde determina que o acompanhamento clínico seja no mínimo de dois anos. “Mas, por experiência na reabilitação em neuropediatria, essas crianças vão precisar de acompanhamen-to a longo prazo. Muitas para toda a vida. Isso não significa que elas vão fazer fisioterapia a vida inteira, mas vão precisar ser acompan-hadas. Esses primeiros dois anos são essenciais por conta da esti-mulação precoce”, esclarece Uruga.

A formação morfológica dos bebês pode até ser semelhante, mas cada criança terá uma evolução diferente a depender da área do cérebro que foi se desenvolvendo durante o processo de estímu-lo diário. Como qualquer outra doença da neuropediatria, uma criança pode desenvolver ou ter mais comprometimento do que outra.

De acordo com Maciela Rocha, assistente social da equipe multi-disciplinar, encontram-se em andamento as entrevistas de perfil social das famílias. “Nesse perfil, estamos construindo variáveis de idade, escolaridade, de local de residência, de número de filhos, de renda, questões de habitação, etc”, explica Rocha. Essa amostra foi interrompida temporariamente em detrimento das demandas por atendimento exigirem prioridade e urgência. Quanto ao benefício, é preciso agendar atendimento em uma agência do INSS ou pelo telefone 135, com ligação gratuita. Depois os responsáveis preen-cherão um requerimento. Em seguida, a criança passará por uma avaliação médica e social até que comprove a sua condição de be-neficiária. O benefício é de até um salário mínimo mensalmente.

Por Rodrigo de MacêdoE-mail: [email protected]

Foto: Rafael Am

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5 Zika

Há pouco mais de um ano, em fevereiro de 2015, profissionais de saúde da Bahia reportaram casos de pacientes com manchas avermelhadas pelo corpo. Em um primeiro momento, a suspeita era de um novo tipo de dengue. Os sintomas eram parecidos. Em abril do mesmo ano, o diagnóstico confirmado por pesquisa-dores do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi outro: a contaminação era por um novo vírus pouco conhecido, o zika, identificado primeiramente em amostras de sangue de pacientes de Camaçari e, logo em seguida, em moradores de Salvador e Feira de Santana.

Após seus primeiros registros na Bahia, hospitais lotavam em cada vez mais estados e as notificações eram feitas uma atrás da outra. Era um novo sinal de alerta que vinha da epidemia de zika.Segundo o artigo Surto de Doenças Exantematosas Associadas aos Vírus da Zika, Chikungun-ya e Dengue (Outbreak of Exanthematous Illness Asso-ciated with Zika, Chikungunya, and Dengue Viruses), elaborado por pesquisadores da Fiocruz Bahia, os surtos causados pelo zika vírus têm ocorrido predomi-nantemente na região Nordeste, sobretudo em Pernam-buco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Paraíba, Piauí e Alagoas. No entanto, devido à ampla distribuição do mosquito transmissor no país, há um risco real em regiões que ainda não foram afetadas, considerando a expansão do vírus.

O combate ao mosquito aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, chikungunya, e zika vírus ocorre no Brasil há décadas. No início do século XX, o mosqui-to já era um problema, mas não por conta da dengue. Na época, a principal preocupação era a transmissão da febre amarela. Alguns fatores colaboram para tornar o aedes aegypti tão eficiente para a transmissão des-sesvírus. Entre eles, estão sua capacidade de se adaptar a zonas urbanas, mais precisamente áreas residenciais, onde se aproxima do homem e existem inúmeros criadou-ros para a sua reprodução.

Das doenças causadas por esse vetor, a dengue é a mais conhecida no Brasil e considerada a mais perigosa pelo número de mortes. Segundo dados do Ministério da Saú-de, a primeira ocorrência de dengue no país aconteceu entre 1981 e 1982 e anos depois, em 1986, houveram epi-demias no Rio de Janeiro e em algumas capitais do Nordeste. Os casos vêm ocorrendo no Brasil de forma continuada até os dias atuais. Em 2016, foram registrados 495.266 casos prováveis de dengue no país até o mês de março, segundo o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. A chikungunya e a zika são doenças recentes no país, que passou a registrar casos da primeira somente em 2014 e da segunda em 2015. Desde então, a dúvida é constante: é dengue, chikun-gunya ou zika? Os três vírus estão circulando simul-taneamente, dificultando um rápido diagnóstico dos pacientes. Alguns sintomas são semelhantes, como febre, dor, enjoo, diarreia e vermelhidão nos olhos. No entanto, cada doença tem um perfil e características mar-cantes que as diferem.

PRINCIPAIS SINTOMAS

Dengue Febre alta, dor no corpo e atrás dos olhos, fra-queza e vômitos. Sinais duram de 2 a 7 dias. Chikungun-ya Dores e inchaços nas articulações e nos pés, mãos, tornozelos e pulsos. Os sinais costumam durar de 3 a 10 dias. Zika Exantema (erupções na pele ou manchas vermelhas), coceira, febre alta, dores musculares e nas articulações. A partir da picada infectada, a doença tem um período de incubação de aproximadamente quatro dias até os sintomas começarem a se manifestar. Podem durar de 3 a 7 dias. Até o momento, medica-mentos e procedimentos têm sido adotados apenas para aliviar os sintomas, como paracetamol para febre, anti inflamatórios para dores articulares e musculares e, no caso de erupções pruriginosas, os anti histamínicos podem ser considerados. Alguns dos medicamentos usados hoje já eram indicados antes do surgimento da chikungunya e da zika, em casos de dengue. Não existem ainda tratamentos específicos ou vacinas contra essas in-fecções e os procedimentos de prevenção adotados são os mesmos para as três, sendo o controle do mosquito a principal medida preventiva.

De acordo com o Instituto Carlos Chagas, o vírus foi iso-lado pela primeira vez em macacos Rhesus da Floresta Zika, Uganda, em 1947. Foi descrito como vírus zika pela primeira vez em 1952 e foi subsequentemente isolado em um humano na Nigéria dois anos depois. Evidências de infecção humana com esse vírus foram reportadas na África e Sudeste da Ásia ao longo dos anos.Em 2007, houve uma forte epidemia nas ilhas Yap, Micronésia. O vírus foi detectado fora de sua área geográfica original. Mais recentemente, no fim de 2013, a Polinésia France-sa enfrentava uma epidemia de dengue quando mais de 8.500 casos de zika foram diagnosticados, estimando se que 11% da população havia sido infectada. Foram registrados também 40 casos de síndrome de Guillain-Barré.

Há suspeitas de que o vírus tenha chegado ao Brasil du-rante a Copa do Mundo, e de que tenha sido trazido por turistas africanos ou asiáticos. A doença, parecida com a dengue, foi identificada poucos meses após seus primei-ros registros, em abril, e se espalhou rapidamente pelo Nordeste, havendo hoje casos por todo o país. Em outu-bro, o vírus atingiu a Colômbia e outros países da América Latina e Caribe nos meses seguintes. Foram registradas e comprovadas pelo Ministério da Saúde três mortes no Brasil: um homem que tinha Lúpus, uma doença autoimu-ne, e não resistiu à zika, no Maranhão; uma adolescente de 16 anos do município de Benevides, no Pará; por fim, uma jovem de 20 anos do município de Serrinha, no Rio Grande do Norte. Estudos continuam sendo feitos para verificar se houveram outras causas para o óbito da jovem, além da infecção pelo vírus, e ainda não é possível afirmar se o zika foi a causa exclusiva de sua morte. O zika se mostra muito menos letal do que a dengue, que mata entre 25 e 50 mil pessoas anual-mente no mundo, mas a relação do zika com a Síndrome de Guillain Barré, uma rara doença neurológica e possivel-

mente com a microcefalia em bebês preocupa a todos. Em Sergipe, o alto número de casos de microcefalia vem preocupando autoridades e pesquisadores de todo o país. A situação foi denunciada pelo jornal O Estado de São Paulo no mês de fevereiro junto com estudos que vêm sendo feitos para confirmar se esse crescimento é ou não relacionado com o zika vírus. Em fevereiro deste ano, o estado recebeu pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB USP) que, juntamente com equipes locais, investigaram a epidemia e descobriram “sopa de vírus” no Bairro Industrial de Aracaju, onde a população é vulnerável e com alta exposição ao mosquito.

O jornalista Fernando Gabeira também relatou o caso em reportagem especial para seu programa na Globo News exibida no início de abril. Em visita ao gabinete do prefeito de Aracaju, João Alves Filho, depois de ter visto de perto o Bairro Industrial, esclareceu a situação do lugar. Gabeira constatou que o quadro não era tão assustador, exceto ao entrar “bem para dentro” do bairro, onde estão as invasões.

Josineide Dantas, agente de saúde do Programa de Saú-de da Família (PSF), que mora e atua no Bairro América, em Aracaju, diz que está trabalhando junto com agentes de endemias e compõe a força tarefa contra o aedes, convocada pelo governo federal. Para ela, a situação em bairros vulneráveis e insalubres como o Bairro In-dustrial, Bairro América, Rosa Elze, Coqueiral e Santa Maria é realmente muito preocupante por conta de suas condições de saneamento básico e descuido do governo. “Combater esse surto epidemiológico é uma responsabilidade social e é uma responsabilidade também do governo prestar mais atenção a esses bairros vulneráveis. A culpa não é apenas da população desses bairros, depende também dos gestores municipais e de políticas públicas que deveriam ser implantadas para garantir sua qualidade de vida. Há um descaso do poder público”, critica Josineide.

Zika vírus e suas indefinições

Por Jamile [email protected]

Novas descobertas e dúvidas que chamam a atenção do mundo

Josineide Dantas, agente de saúde do Programa de Saúde da Família (PSF),

Foto: Jamile Oliveira

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Maio/16Sentidos: Suplemento de Saúde

A secretaria de saúde está agindo conjuntamente com outras áreas do governo para controlar a situação em Aracaju e nos municípios. “Foram implantadas salas estaduais de situação. A resolução desse problema não se dá apenas dentro da saúde, ela é abrangente. A sala é composta por representantes da saúde e de outras áreas do governo, como por exemplo, o Banco do Brasil, os Correios, a DESO, a Energisa e outros atores que estão desenvolvendo ações em suas áreas. O foco é o controle do mosquito e esse controle é intersetorial. É claro que depende da população”, explica Eliane Aparecida Nas-cimento, coordenadora do Núcleo Estratégico (Nest) do estado e responsável pelo programa de combate à dengue.

DESCOBERTAS

Uma nova possibilidade preocupa pesquisadores brasileiros: doenças neurológicas causadas em adul-tos supostamente pelo vírus da zika. As autoridades de saúde já investigavam a relação do zika com o au-mento da ocorrência de microcefalia, uma anomalia que implica na redução da circunferência craniana de recém nascidos, mas adultos também podem estar sofrendo consequências graves da infecção pelo vírus. Os principais sintomas são: falta de ar, visão turva, con-fusão mental, dormência nas mãos e nos pés e, poste-riormente, dificuldade de falar e andar. Desde o início de 2016, pessoas vêm indo ao hospital com esses sintomas. As três doenças diagnosticadas são a sín-drome de Guillain Barré, encefalite e a encefalomielite. O aumento de casos dessas doenças em tão pouco espaço de tempo pode estar relacionado com o surto do vírus.

A possível relação desse agressor com a síndrome de Guillain Barré já vem sendo investigada há algum tempo pelos médicos, mas a Encefalite e a Encefalomielite são novidades nesses estudos e podem ser desenca-deadas por diversos vírus, além de bactérias e fungos. Todas são graves e atingem o sistema nervoso central. A encefalite por infecção viral pode causar uma infla-mação do tecido cerebral, e inchaço (edema cerebral). Há possibilidade de destruição das células nervosas, sangramento (hemorragia intracerebral) e dano cerebral permanente. A encefalomielite é também uma doença inflamatória que afeta além do cérebro, a medula espinhal. Causa prejuízos como perda de visão, em de-corrência da inflamação do nervo óptico e fraqueza, que pode evoluir ainda para impossibilidade de coordenar os movimentos musculares. A síndrome de Guillain Barré é um pouco diferente. O sistema de defesa começa a ata-car o próprio corpo destruindo a camada de gordura das células por onde as informações nervosas são transmi-tidas. As células do sistema nervoso são afetadas,

deixando de possuir a bainha de mielina, que é ca-racterística principal da síndrome. Causa inflamação dos nervos, que provoca formigamento, dificuldades respiratórias, enfraquecimento muscular generalizado e até mesmo paralisia.

O Ministério da Saúde já confirmou que a infecção pelo zika vírus pode provocar a síndrome de Guillain Barré e especialistas em síndromes neurológicas do Rio de Janeiro juntamente com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) realizaram pesquisas recentes sobre característi-cas genéticas e imunológicas desses casos, investigan-do cerca de 20 casos de síndrome de Guillan Barré e outros cinco de encefalite e encefalomielite, após a morte de um paciente com encefalite, em janeiro deste ano, atendido na rede particular do Rio. Fo-ram verificados casos de encefalite e encefalomielite ligados ao zika, mas ainda não sabem exatamente como o vírus está agindo.O diagnóstico e tratamento rápido dessas doenças neurológicas é fundamental para que os pacientes consigam se recuperar totalmente. Ainda existem muitas dúvidas, portanto medidas estão sendo tomadas para ajudar os médicos a chegarem a um diagnóstico correto, como a criação de uma cartilha, para a comunidade médica e para a população.

ZIKA E MICROCEFALIA

O que inicialmente era uma suspeita, agora é uma forte associação entre a infecção com o zika vírus e aumento de casos detectados de malformações congênitas e com-plicações neurológicas em vários lugares do mundo.O Ministério da Saúde tem investigado 4.291 casos de microcefalia no Brasil desde outubro de 2015, e do total de casos de microcefalia analisados e confirmados, 130 tiveram resultado positivo para o zika, segundo dados do informe epidemiológico do Ministério da Saúde, divulga-do no dia 29 de março deste ano.

Dados do ministério também mostram que o estado de Pernambuco é o que mais sofre com microcefalia, com 944 casos confirmados. Ao mesmo tempo, a in-festação por aedes aegypti no estado vem aumentando desde o início do ano.Com as inúmeras pesquisas reali-zadas para entender a circulação do zika no primeiro se-mestre de 2015 e o surto de microcefalia no segundo semestre, além da confirmação pelo Ministério da Saúde em novembro, hoje é possível concluir que há uma relação causal entre o vírus e a microcefalia, mas o vírus não é o único culpado. Microcefalia já não era novidade no Brasil e no Nordeste, a região mais afe-tada pelo surto, mas com a epidemia de zika, notificações tornaram se compulsórias.

Segundo o médico infectologista e professor da Universi-dade Federal de Sergipe, Marco Aurélio de Oliveira Góes, a microcefalia pode ser causada por diversos fatores como doenças genéticas, medicamentos e infecções durante a gravidez. “As asso-ciações entre o zika vírus e a malformação são fortes, já que boa parte dessas mães tiveram a síndrome de exantema, a síndrome de manchas na pele, além do vírus também já ter sido encontrado em líquido amniótico de fetos com microcefalia e identificado em tecido de fe-tos mortos. Agora com a sorologia, ou seja, o marcador da infecção, tem sido encontrado também em crianças com microcefalia”, explica.

Muitas mulheres também tiveram infecção pelo vírus du-rante os primeiros meses de gravidez e mesmo assim tiveram crianças saudáveis. Em muitas situações, o vírus presente na mãe não chega a transpassar a pla-centa e não atinge o feto.Para muitos cientistas, não restam dúvidas quanto a essa relação, mas outros pedem tempo e cautela para que sejam realizados mais estudos, explicando que é preciso verificar exa-tamente como seria a ação do vírus da zika no desen-volvimento do cérebro. O Ministério da Saúde orienta as gestantes para adotarem maiores medidas de prevenção contra o mosquito aedes aegypti, como roteger -se da ex-posição de mosquitos, usar repelentes permitidos para gestantes, vestir calças e camisas de manga comprida, e manter portas e janelas fechadas. Informações duvi-dosas sobre a zika e boatos circulam nas redes sociais e aplicativos de celular desde o início do surto, causando incerteza e insegurança da população, que se torna cada vez mais preocupada com segurança. Es-ses rumores cresceram após o surto de microcefalia no nordeste brasileiro e embora as novas descobertas científicas estejam trazendo avanços para a pesquisa, ainda restam dúvidas:

- A zika pode ser transmitida pela saliva ou pela urina? Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz consta-tou a presença do vírus zika ativo (ainda capaz de provo-car a infecção) em amostras de saliva e de urina, mas os pesquisadores envolvidos alertam que perguntas científi-cas permanecem em aberto, como o período de sobre-vivência viral na saliva e na urina e a relevância dessas potenciais vias alternativas de transmissão viral.

- A zika pode ser transmitida pelo leite materno? O vírus também já foi identificado no leite mater-no, mas ainda não houveram relatos de casos em que tenha havido a transmissão do vírus zika para o bebê através dele. A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, coordenada pela Fiocruz, afirma que o lei-te materno traz inúmeros benefícios ao recém nascido, incluindo o aumento da imunidade, e as informações até agora não são suficientes para recomendar a suspensão da amamentação em casos de mães com zika.

- Quanto tempo após a infecção pelo vírus zika po-dem aparecer os primeiros sintomas da síndrome de Guillain Barré? Em geral, a doença se manifesta de duas a qua-tro semanas depois, mas em alguns casos chegou a apa-recer em até 12 semanas.

- Gestantes podem viajar para uma área com circulação de zika? Antes, a grávida deve consultar o seu médico para aconselhamento. A principal medida a ser toma-da é evitar picadas de mosquito para prevenir a infecção por zika, dengue ou chikungunya.As gestantes que via-jarem para áreas onde circula zika devem mencionar isso durante suas consultas pré natais.

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7 Câncer

Tratamento do Câncer em Sergipe

Tratamento de câncer em hopistais sergipanos gera insegurança em pacientes oncológicos.

Mírian Jesus

[email protected]

De acordo com o artigo 196 da Constituição Fede-ral, ’’saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de ou-tros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’’. Apesar da Constituição garantir tais direitos, por que os pacientes oncológicos têm sido negligenciados por tanto tempo? Em Sergipe, um estado com 2,2 milhões de habitantes, ape-nas dois hospitais oferecem radioterapia - etapa mais frágil do tratamento por conta da pouca ofer-ta e, cada um deles, possui apenas um aparelho.

No final de janeiro de 2016, Aracaju acompanhou um pouco da história de Iva Tarciane Leite através do noticiário local. Iva era uma jovem estudante de 22 anos, acometida de câncer nos membros infe-riores que estava há quatro meses na fila da radio-terapia e corria o risco de perder sua perna. Depois de muito lutar pela eficácia do seu tratamento, ela não resistiu e morreu. Entretanto, após a cirurgia de Iva em janeiro de 2014, sua radioterapia foi agen-dada para maio do mesmo ano. Porém, devido a problemas com o equipamento da radioterapia, o tratamento só foi iniciado em outubro e concluído na segunda quinzena de dezembro. Logo em se-guida, Iva foi diagnosticada com metástase e fale-ceu um mês depois, tornando-se mais uma vítima da ineficácia do tratamento ao câncer em Sergipe.

A atual situação do tratamento ao câncer em Ser-gipe é assustadora. Existem somente dois apare-lhos de radioterapia no estado: o do Hospital de Urgência de Sergipe (Huse), que possui 18 anos e o do Hospital Cirurgia, que tem 30 anos. O aparelho chamado de acelerador linear atende diariamente a uma média de 60 pacientes e costuma quebrar com frequência. De acordo com a assessoria de co-municação do Huse, existem hoje 63 pessoas em tratamento de radioterapia e 50 em planejamento. Quando questionada sobre a falta de medicamen-to, a informação é de que, através de licitação, a Fundação (Hospitalar de Saúde, FHS) entra em contato com o fornecedor e a medicação só falta quando realmente está em falta no mercado. “A de-mora é só realizar a compra’’, informou a assessoria.

Após muitos transtornos e perdas em decorrência de um tratamento ineficaz com o objetivo de trocar experiências e lutar por um tratamento oncológico digno, o grupo Mulheres de Peito, composto por 138 mulheres acometidas de câncer, surgiu como um espaço onde elas trocam experiências, recebem orientação e lutam juntas para conseguir melho-res condições de tratamento. O grupo não possui sede, mas vivencia a necessidade de reparos na Saúde. Elas realizam trabalhos de autoajuda e já possuem inclusive integrantes de outros estados.

De acordo com Sheila Galba, integrante do grupo Mulheres de Peito, no final do ano de 2015 o acelera-dor linear estava quebrando devido ao mau funciona-mento do Schoeler (peça que refrigera o acelerador linear). ”Essa peça custava 29 mil reais. Ela foi com-prada, mas só foi instalada em janeiro quando fomos lá reclamar’’, conta. Além dessa conquista, o Trata-mento Fora de Domicílio (TFD) também é uma vitória das Mulheres de Peito. Segundo Galba, no mês de março foram enviadas 40 pessoas para receber o tratamento de radioterapia em Arapiraca (AL), porém havia uma fila de espera com mais de 300 pessoas, contrapondo a informação dada pela assessoria do Huse. ‘’Eu não estou mais na fila de espera, já con-cluí o meu tratamento, mas me sinto num filme de ficção científica no qual, uma nave vem para salvar as pessoas e não pode levar todas”, conta Sheila.

O Reflexo da ‘’Desaceleração’’

Medo e desconfiança são sentimentos que perpas-sam os corações dos pacientes de oncologia em Sergipe. Se o psicológico é extremamente importan-te, nesse ponto o tratamento desfavorece ainda mais seus pacientes. A gravidade da doença não permite erros porque existe uma urgência extrema em todos os grandes e pequenos detalhes do tratamento.

Alice Ramos é uma paciente em tratamento. Ela descobriu o câncer no final de 2009 e fez seu tra-tamento de radioterapia em São Paulo. Segundo ela, a deficiência da radioterapia em Aracaju não é um problema recente. ‘’Aqui a máquina quebrava todos os dias e faltava medicação. O tempo pas-

sou e quase nada mudou, pois a máquina con-tinua quebrando e ainda faltam medicamentos’’, afirma. Há 11 meses, Alice descobriu dois novos tumores: um no quadril e outro no pulmão. Nova-mente ela está fazendo quimioterapia, mas não sabe se fará a radioterapia no Huse. ‘’Eu espero poder fazer fora porque não tenho segurança aqui.

O tratamento precisa mudar para que a gente não saia do convívio da nossa família para ir a outro es-tado. Eu tenho o convênio do Ipes e faço a quimiote-rapia na Avosos. Lá nunca me faltou tratamento’’, ex-plica. O tratamento contra o câncer é extremamente delicado. O tempo entre a cirurgia para a retirada do tumor, a quimioterapia e a radioterapia deve ser de um ano. Entretanto, com o déficit de máquinas e medicamentos, é difícil encontrar um paciente que tenha terminado o tratamento no tempo correto.

Jicelma Vieira fez radioterapia somente seis me-ses depois da quimioterapia. Além disso, sua ra-dioterapia demorou dois meses e onze dias pra ser concluída no Huse, quando deveria ter sido concluída em 30 dias (consecutivos). ‘’O tratamen-to só demorou menos porque eu fui na rádio e na TV para lutar. Tenho alegria e vontade de viver. O meu lema é viver, viver, viver e viver’’, conta Jicel-ma. Segundo Galba, a média de tempo do trata-mento de Jicelma Vieira é considerada boa, pois existem centenas de pessoas na fila que esperam muito mais tempo. ’’O câncer não dói. As pessoas que estão na fila à espera de tratamento não es-tão sentindo nada, mas o câncer está lá dentro’’.

Foto: Mírian Jesus.Placa colocada em frente ao Hospital de Urgência de Sergipe , alerta sobre a situação da radioterapia.

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Maio/16Sentidos: Suplemento de Saúde

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Plano de Expansão da Radioterapia

A palavra ‘’câncer’’ pode soar de forma assustadora e quando associada a seus tratamentos dolorosos e às suas sequelas físicas remete a uma sentença de morte deflagrada. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o cân-cer é a segunda maior causa de morte no Brasil. Tendo em vista o expressivo número de casos da doença no país, o Ministério da Saúde criou o Pla-no de Expansão da Radioterapia no Sistema Úni-co de Saúde (SUS) em hospitais que realizam ser-viços de oncologia, através da portaria Ministerial Nº 931 de maio de 2012. O objetivo do plano é am-pliar e qualificar os hospitais, promover uma gran-de compra centralizada de aceleradores lineares e execução de obras necessárias para ampliação e implantação de serviços de radioterapia no país.

De acordo com a Agência Sergipe de Notícias (ASN), em novembro de 2015, o ministro da saúde Marcelo Castro assinou uma ordem de serviço para cons-trução do bunker (local que abriga o acelerador li-near) do Huse no qual será instalado um novo acele-rador linear. Além disso, outro aparelho também será entregue, através de convênio, ao Hospital Cirurgia. Estão sendo investidos R$2.129.997,03. Esses re-cursos são oriundos do Governo Federal. De acordo com a coordenadora de infraestrutura da FHS/SES (Secretaria de Estado da Saúde) Claudimara Carval-ho, em depoimento à ASN, a previsão é de que o equipamento seja instalado no segundo semestre de 2016. ‘’A perspectiva é de um prazo de seis meses para a execução da obra, incluindo a construção do bunker, além de dois meses para o condicionamen-to e instalação do equipamento. Serão nove meses para concluir o serviço e entregar aos usuários um novo tempo para a radioterapia no estado’’, apontou.

Fonte: (INCA) Instituto Nacional do Câncer

Direitos Sociais dos Pacientes com câncer

Foto: Mírian JesusMulheres que fazem parte do Grupo Mulheres de peito, com objetivo de ajudar por meio de consel-hos e informações outras mulheres que estão em tratamento.

Existem direitos que devem ser garantidos aos pacientes oncológicos. Conhe-cê-los auxilia no processo de solicitação dos benefícios previstos em lei, o que diminui os impactos financeiros e sociais sofridos pelos pacientes. Ao ter qualquer desses direitos negados, o paciente pode recorrer à justiça, se necessário, para garanti los.

Da Prevenção ao Tratamento

Após diagnosticar a doença, através de exames preventivos ou sintomas, o pa-ciente deve iniciar o seu tratamento. Cada caso possui um tratamento especí-fico que é traçado pelo oncologista, porém a maioria dos tipos de câncer são curados através da quimioterapia, radioterapia e cirurgia, juntas ou separada-mente. O medicamento utilizado na quimioterapia possui a capacidade de matar as células do cancerígenas, ele pode ser injetada na veia ou em forma de com-primidos. A radioterapia, utiliza raios x especiais para destruir células tumorais e a cirurgia é o principal tratamento contra o câncer pois retira o tumor cancerígeno.

Arte: Mírian Jesus

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9 HIV

O HIV é um vírus que ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. Causador da Síndrome da Imunodeficiência Humana – AIDS, que se caracteriza pelo enfraquecimento do sistema de defesa do corpo e pelo aparecimento das doenças oportunistas. Sua principal forma de trans-missão é através da relação sexual sem o uso de ca-misinha com alguém infectado, além de outras for-mas como o uso de drogas e transfusão de sangue.

No Brasil, os primeiros casos foram detectados no início dos anos 80, mas desde 1977 já se ouviam falar através de notícias vindas dos Estados Unidos sobre um “câncer” que estava afetando o sistema imunológico das pessoas fazendo doenças simples se tornarem completamente mortais. Em uma época onde ninguém sabia do que se tratava e a doença ainda não tinha nome, e como a maioria dos infec-tados eram homens homossexuais, logo ficou con-hecida como a “peste gay”. Com o passar do tempo que essa atribuição de gênero foi se desmistifican-do com o auxílio de pesquisa e constatou se que não existia pré requisito para contrair a doença.

O HIV também atingiu pessoas famosas aumen-tando ainda mais a repercussão da doença na im-prensa brasileira. Agenor de Miranda Araújo Neto foi deles. Conhecido como o Rebelde Cazuza vocalista e um dos principais letristas da banda de rock na-cional, Barão Vermelho, assumiu ser soropositivo em fevereiro de 1989. Uma das maiores polêmicas na época que até os dias de hoje é tema de debates em universidades foi o caso da edição 1.077 da revista Veja, de 26 de abril de 1989 onde trazia o cantor nacapa de magro e abatido com terrível chamada “Ca-zuza uma vítima da AIDS agoniza em praça pública”. Ele morreu em no dia 7 de julho de 1990 aos 32 anos. Assim como Cazuza outro caso que ficou bastan-te conhecido foi cantor Renato Russo, outra vítima.

Entre as mulheres está à atriz Sandra Bréa, sím-bolo sexual dos anos 70, estampou capa de revis-ta musculinas e chocou o país ao revelar publica-mente, em agosto de 1993, que contraiu o HIV e que seu resto de vida seria dedicado a luta contra o preconceito. Em 1999, ela descobriu um tumor maligno no pulmão em estado avançado. A atriz era fumante. Sandra morreu no dia 4 de maio de 2000. Outra famosa que partiu cedo decorrente ao vírus da AIDS foi a também atriz Claudia Mag-no. Sucesso nas telenovelas brasileiras faleceu no início de 1994, vítima de insuficiência respiratória provocada por complicações decorrente ao vírus.

O sociólogo e ativista dos direitos humanos Hebert José de Sousa, o Betinho, descobriu ser portador do HIV em 1986 durante uma transfusão de sangue que era obrigado a se submeter periodicamente devido a hemofilia – distúrbio que impede a coagulação no sangue – fundou e presidiu até o fim da sua vida a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids . Ele morreu em 1997, bastante debilitado e deixando dois filhos. O cartunista Henrique de Souza Filho, irmão de Betinho também sofria com a hemofilia e como o irmão contraiu o vírus durante uma transfusão de

sangue. Morreu em janeiro de 1988 aos 43 anos no auge de sua carreira. Outro irmão do Sociólogo, chamado Chico Mario morreu por consequência da mesma doença. No ano passado o Ator americano Charlie Sheen assumiu ser HIV positivo durante uma entrevista após não aguentar mais as chantagens que vinhasofrendo.

No Brasil, 36 anos após o primeiro surto da doença, o HIV/Aids continua amedrontando todas as classes, gêneros, raças,origens e orientações sexuais. Em Sergipe, segundo a gerência do programa estadual DST/Aids, da secretária de Estado de Saúde, o pri-meiro caso de HIV/Aids foi descoberto em 1987 e de lá até os dias de hoje 4.738 pessoas foram diagnos-ticadas com o vírus no estado e a faixa etária mais prevalente é de 30 a 39 anos, que correspondem a 36,95% dos casos e já levou 1.253 pessoas a óbito.Aracaju, capital do estado, lidera o ranking com 2.158 infectados.

Um soropositivo pode viver anos sem apresen-tar nenhum sintoma. A única maneira de ficar sa-bendo é fazendo o exame, o que pode ser um terror para muita gente, mas o médico geren-te do núcleo de DST/Aids Almir Santana, garan-te que o medo diminuiu bastante. “No início era! Porque antigamente não tinha muita coisa para ser fazer após o resultado. Hoje fazer o exame é

Aracaju Lidera Ranking de Infectados Pelo HIV em SEGerente do núcleo de DST/Aids desconstrói a ideia de grupo de risco e defende que o “risco” é

gerado pelas pessoas que não se previnem.

Fagner Honorato

[email protected]

Foto: Fagner HonoratoJânio sabe que está infectado com o HIV há oito anos.

um ganho, ao descobrir começa se a tratar a cedo”.

Com o tratamento é possível viver relativamente de for-ma saudável com a doença. “Hoje se consegue con-viver com o vírus, é uma doença crônica e você pode ter um controle, mas é preciso seguir o tratamento à risca, tomando a medicação corretamente, tendo uma boa alimentação e cuidado da saúde mental”, ressalta Almir. Com apenas uma gota de sangue col-hida do dedo e menos de 30 minutos já dá para ficar sabendo se a pessoa possui o HIV, o vírus da Aids. O exame pode ser feito de forma gratuita na rede pública, em centros de testagem (CTA), em algumas unidades de saúdes e em laboratórios particulares.

Ao descobrir que o paciente é soropositivo ele é en-caminhado para o serviço de referência que hoje é o ambulatório de DST localizado na Rua Bahia, no bai-rro Siqueira Campos, onde essa pessoa é submetia a outros exames para saber a carga viral e a imu-nidade e, logo após, começar o tratamento à base de coquetéis antivirais. O gerente informa que hoje não existem grupos de risco, “não há mais, risco são aquelas pessoas que não se previnem”. E para se prevenir é preciso usar as camisinhas que estão disponíveis gratuitamente nas unidades de saúde.

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Maio/16Sentidos: Suplemento de Saúde

Criada em 2001, pela Cáritas Arquidiocesana de Aracaju, A casa de apoio Bom Samaritano, localiza-da no bairro 18 do Forte, é uma instituição mantida por doações, um convênio anual com governo do estado e alguns profissionais da saúde que trabal-ham de forma voluntária. Atualmente, a Casa assiste sete pessoas que vivem com HIV/Aids, sendo duas mulheres e cinco “Quando eles chegam aqui eles estão com o emocional fragilizado e o objetivo da casa é dar um apoio a essas pessoas. ”. A Casa tem capacidade para receber 12 pessoas, mas por falta de voluntários, principalmente da área de saúde, no momento não é possível, “Só não recebemos os 12 porque não temos técnicos de enfermagem suficien-te”, explica Rosilda Torres, coordenadora da casa.

Entre os moradores está o baiano Jânio da Soleda-de. Sentado em uma mesa, escutando uma música que soava como uma “brega apaixonado”, através de uma caixinha portátil ele me recebeu com um so-rriso ,de início, meio envergonhado. Mas, em nen-hum momento, demostrou resistência para contar sua história. O nosso personagem não sabe o ano em que nasceu. Chegou a Aracaju só com a certi-dão de nascimento, mas acabou perdendo. “Acho que tenho 30 anos”, diz meio duvidoso. Segundo a coordenadora da casa eles já estão providenciando esses documentos para que Jânio possa trabalhar.

Ainda pequeno o menino da cidade de Itapicuru, in-terior da Bahia, fugiu de casa junto com irmão. O padrasto não permitia que eles dormissem em casa. “Como a casa era pequena ele não deixava nem eu nem o eu irmão, só a minha irmã podia”. Abando-nado pela sociedade Jânio conheceu o álcool ainda criança, com 10 anos de idade. Com uma vida sem nenhum tipo de apoio e tendo as ruas como sua casa, além do álcool conheceu outras drogas como o crack.

Sem saber o futuro, sem expectativa de vida e sem sonhos algo que mudaria ele para sempre estava para acontecer. Por falta de orientação, até hoje ele não sabe ler, desconhecendo os perigos de uma vida sexual sem proteção ele se relacio-nou sexualmente com várias pessoas de todos os tipos sem se proteger. E foi aí que tudo começou. Logo vieram os primeiros sintomas e ele não ima-ginava o que era. “Não sentia vontade de fazer nada, ficava pelos cantos, com vontade de ficar deitado o dia inteiro, não sabia o que eu tinha”.

Há oito anos, Jânio estava deitado de baixo de uma marquise de um prédio do centro da cidade de Ara-caju quando começou a passar mal. Uma pessoa, segundo ele de coração bom, passava pelo local e prestou socorro, chamou o SAMU onde foi levado para o hospital João Alves. Foi lá que Jânio descobriu que era soropositivo e segundo ele de imediato não se se assustou com diagnostico. “Não me assustei, não sabia o que era o HIV e a primeira pergunta que eu fiz era se tinha cura”. Ao saber que não tinha, ele

ficou com coração balançado e achou que morreria, mas foi tranquilizado pelo médico ao ser informado que se fizesse o tratamento de forma correta ainda teria muitos anos de vida. Enquanto conversávamos Jânio batia com a mão esquerda na mesa tentando disfarçar a timidez. Perguntei como ele foi parar na Casa de Apoio do Bom Samaritano e ele recorda, meio risonho, falando que ao apresentar uma mel-hora desde que foi internado fugiu do hospital para beber, e acabou voltando para as ruas, mas um dia foi pedi ajuda no albergue ao lado da Casa de Apoio do Bom Samaritano, onde uma assistente social o apresentou a coordenadora da casa, Rosilda. E, a partir desse dia, ele teve sua vida transformada.

Na instituição Jânio recebeu tudo o que não re-cebia nas ruas. Ele agora tinha um teto, passou a ter uma alimentação saudável e a fazer o seu tra-tamento de forma correta. No entanto, havia algo ainda mais importante: Tinha amor e carinho. Por razões de segurança e cuidado os moradores da instituição só podem sair com autorização e com hora para voltar. “Não me sinto preso”, relata. De-mostrando ser um homem de muita fé em Deus, desde que chegou a instituição ele largou o vício do álcool, parou de fumar, largou as drogas e a esperança de um futuro melhor brotou em seu co-ração. “Graças a Deus a minha vida mudou. Quero trabalhar, meu maior sonho é poder ajudar a minha mãe, não tenho magoa dela”. A mãe de Jânio e nem seus familiares sabem que ele é soropositivo. “Não contei! Ainda tenho medo do preconceito”. Meio indignado ele me fala que as pessoas não deve-riam ter preconceito. “Eu não me sinto doente. Se

eu topar em você não vai passar o vírus para você”.

A Casa de Apoio do bom samaritano promove pas-seios para seus moradores e foi em um desses pas-seios que ele conheceu a sua namorada também portadora do vírus. Ele me fala que está apaixonado. Para ele foi amor à primeira vista. Jânio não me falou o nome da felizarda. “Ela é linda! É mais velha que eu, mas eu não ligo. ”. Jânio às vezes recebe a libe-ração da instituição para passar o final de semana na casa de sua amada. E assim que resolver os seus problemas com os documentos ele garantiu que a primeira coisa que fará é arrumar um emprego.

A Casa de Apoio do Bom Samaritano tem como objetivo principal dar condições para que os por-tadores do vírus do HIV e doentes da AIDS vivam com dignidade, conquistando autonomia para que eles possam resgatar a cidadania que é deles por direito. É um alento para aqueles que viven-ciam diariamente preconceitos, medos e incerte-zas. Por meio de acolhimento, abrigo, apoio espi-ritual, a casa promove ações visando a qualidade de vida e o resgate da esperança dos assistidos. Pequeno box: A Casa de Apoio do Bom Samari-tano é mantida por doações de pessoas físicas e jurídicas e aceitam doações de recursos financei-ros e materiais como alimentos, materiais de lim-peza e higiene, roupas usadas e de cama e mesa banho. Telefone para contato: 3236 2605 (Rosilda).

Casa de Apoio Bom Samaritano

Arte: Mírian Jesus

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11 Psicologia

A psiquiatrização da normalidade...

O século XXI revelou fragilidades demonstradas psicologicamente pelo ser humano. No entanto, é frequente a sensacionalização de comportamentos e o uso inadequado de diversos termos.

O “louco”, “retardado”, “débil mental” ou, lembrando das pa-lavras mais atuais, “esquizofrênico”, “psicopata”, “surtado” e “bipolar”: é fácil perceber que temos uma parcela da sociedade que ainda age de forma preconceituosa e ignorante, a começar pela forma pejorativa como são usadas certas palavras, na in-tenção de ofender alguém. Esse fenômeno implica muitas vezes em um mau diagnóstico ou negligência para com o que pode ser algo psicopatologicamente grave ou, por outro lado, a sen-sacionalização de um comportamento que pode ser passageiro, que nada tem a ver com uma doença mental.

Os conceitos dos termos mais usuais elucidam e mostram a importância de se conhecer a definição de determinadas sen-tenças técnicas, específicas de uma área profissional, visando apresentar suas devidas complexidades. Recentemente, vimos o caso da edição 2417 da Istoé, onde foi dito que a presidenta Dilma tem tido explosões nervosas, surtos de descontrole e que perdera as condições emocionais para conduzir o país. Seria a presidenta surtada e descontrolada?

Para tal diagnóstico, ela teria de sofrer de um episódio de de-sorganização da representação da realidade, desencadeado a partir de uma vivência não significável através dos recursos re-presentativos possuídos pelo indivíduo, desenvolvidos em um momento crítico da neurogênese (sequência de eventos que leva à formação do sistema nervoso) na primeira infância (cinco primeiros anos). Com o intuito de poder entender uma vivência

que se mostrou irrepresentável psiquicamente, uma busca por padrões concebíveis é tentada, sem sucesso, pelo sistema ner-voso da pessoa, que leva a contínuas mudanças de representa-ções perceptivas em busca de formas um pouco mais estáveis, que lhe permita reconhecer e se relacionar com a realidade. Os surtos são comuns em esquizofrênicos e podem também acon-tecer na fase maníaca aguda do transtorno bipolar.

Outro caso de grande relevância nos últimos dias foi a per-formance da advogada Janaina Paschoal, no ato Juristas pelo Impeachment, em frente à Faculdade de Direito da USP. Sua ati-tude foi classificada como um ataque de nervos e histeria. Esses dois impedem o funcionamento normal do indivíduo, dificultando até mesmo a execução de tarefas mais básicas, como comer e dormir. Pessoas que passaram por essa experiência dizem que é como perder o entusiasmo pela vida. Esses dois exemplos evi-denciam também a natureza machista que envolve o ambiente político, há pouco tempo experimentado pelas mulheres.

À revista Fórum, a deputada federal (PT-MG) e autora da PEC 290/2013, que deu origem ao Marco Legal da Ciência, Tecnolo-gia e Inovação, Margarida Salomão, disse que há mais de qua-renta anos, um clássico dos estudos de gênero, o livro Langua-ge and the Woman’s Place (em português, Linguagem e Lugar da Mulher), de Robin Lakoff, prefigurava o problema agora posto pelo inédito protagonismo das mulheres na cena pública. “Pois é fato que mulheres no poder são mulheres que se deslocam para

fora de “seu lugar”. Como lidar com elas? Se adotam o estere-ótipo feminino clássico (da personagem decorativa e submissa, invisível na sua faina árdua, cuja única aparência pública admis-sível é ornamental), elas desqualificam-se para cumprir “funções de homem” como seja, o exercício do poder”, afirmou. Ela ainda atenta para um dilema. “Se, por outro lado, aceitam o desafio de se estabelecer num universo predominantemente masculino, em que prevalecem as atitudes consideradas másculas (a as-sertividade, a competitividade, a casca grossa de quem disputa) desqualificam-se como mulheres. São mulheres de grelo duro, como as chamou o Lula”, lamentou a deputada. Duro dilema em que as mulheres sempre perdem, disse Margarida.

Além dessa problemática social, é importante voltarmos os olhos para outra questão: os interesses da indústria farmacêu-tica que se fazem envolvidos na psiquiatrização do indivíduo. Em texto especial para a Folha de São Paulo (Os novos depen-dentes, 2009), Joel Birman, psicanalista e professor da UFRJ e da UERJ e especialista no assunto, adverte-nos sobre uma frequente confusão entre depressão e melancolia. “Ela faz com que a população creia que a condição depressiva seria não apenas uma anomalia como também uma patologia psíquica, decorrente da desregulação dos neuro-hormônios no sistema nervoso central”, explica. De acordo com Birman, a depressão seria o signo infalível de uma enfermidade nervosa, a ser devida-mente submetida à intervenção psicofarmacológica. O profes-

Por Ullisses [email protected]

Foto: André Teixeira

“Surtada”, “louca” ou ”bipolar”? Muitas vezes nenhum desses nomes é o apropriado.

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Maio/16Sentidos: Suplemento de Saúde

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sor da UFS e psicanalista, Marcel Soares, aponta que quadros melancólicos nomeados pelo DSM (Diagnostic and Statistic Ma-nual of Mental Disorders, em português, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) de depressão são indicados pela apatia e distanciamento do mundo, embotamento afetivo. Além disso, ele ressalta que a pessoa se distancia dos objetos e das coisas que sempre foram significantes para ela e nada a mobiliza. “Vale a menção de que a depressão não é tristeza e que a primeira implica em um grau muito mais prolongado e de engessamento psíquico que a segunda”, ressalta.

No caso de outras doenças, como os transtornos de ansie-dade, Marcel afirma que o que acontece é um comportamento de aceleração do pensamento, desdobrando-se em aceleração corporal (tremores, taquicardia, enjoo) que se relaciona com a tentativa do sujeito de corresponder as demandas que lhe são impostas. Para ele, a melancolia diz da paralisia do pensamen-to; a ansiedade da hiperaceleração. Isabel Fortes, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psica-nalítica da UFRJ e professora da Pós-Graduação em Psicanáli-se, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida-RJ, fez uma análise a partir do livro O sujeito na contemporaneidade (2012; resenha feita em 2013), também de autoria de Birman: “as novas modalidades de mal-estar teriam começado a indicar a sua diferença há algumas décadas, tomando o lugar das anti-gas formas de sofrimento [...] na modernidade - período que iria do século XIX até meados do século XX -, a subjetividade era re-gulada pelo conflito psíquico, que indicava uma oposição entre as pulsões e as interdições morais”, reportou. Diferentemente dessa época, ela anuncia que os tempos atuais seriam regidos por formas diferentes de regulação social, nas quais imperam a exigência da performance e da iniciativa individual. “Em vez da interdição, observa-se hoje uma incitação à ação”, concluiu.

Marcel esclarece que existem várias possibilidades de ler este fenômeno e que uma delas é a da representação social: novas condições começaram a aparecer nos últimos tempos e era ne-cessária uma explicação sobre elas. Com isso, ele reitera que era necessário um nome para explicar por que algumas pes-soas eram acometidas por medos severos, que as impediam de sair de casa, ir trabalhar, que não estava mais no registro do científico, mas no campo social. Ele ainda afirma que com a modernidade tardia (ou pós-modernidade) os sistemas de tradi-ção começaram a ruir e que as explicações que dávamos para o funcionamento do mundo já não eram mais suficientes. “Um exemplo: não é possível explicar certos acometimentos a partir da noção de “escolha divina”, pois com a modernidade deseja-mos ser donos do nosso próprio destino”, explana. Por fim, ele cita o próprio jogo de forças. “Nomear significa controlar. Quem nomeia o corpo, o controla. Antes a nomeação era dada pela igreja e pelos seus signos (pecado, culpa) e a cura era prescrita (penitência, controle das ações, pertencimento ao coletivo); hoje o nome é dado pela ciência e seus signos (transtorno, patologia, desregulação neurológica) e a cura é prescrita por quem detém o saber (ansiolíticos, reguladores de humor, antipsicóticos)”, fi-naliza.

HUMANISMO É PRECISO

Formada em medicina na UFS, com residência em psiquiatria em Salvador, a hoje psicoterapeuta psicanalítica Ana Rita Me-

psiquiatra”, revela. Depois disso, trabalhou durante muito tempo como clínica geral, trabalhou no PSF (Programa de Saúde da Família) e o coordenou durante 8 anos em Laranjeiras. Logo, conheceu a psicanálise. “Foi uma época muito interessante, porque a saúde pública ela tem toda uma atenção diferenciada e foi algo muito bom. Era mais ou menos o que eu queria e aí eu vi num jornal uma chamada sobre um curso de introdução ao pensamento psicanalítico lá no núcleo e então me inscrevi”, conta. Na sua primeira experiência de jornada no núcleo psica-nalítico de Aracaju, um psicanalista paulista chamado Cláudio Rossi fez a palestra de abertura, numa época onde havia um caos aéreo e o voo dele não chegou, parou em Salvador de ma-drugada. Com isso, ele teve de pegar um táxi, sem suas malas. Um belo motivo para fúria... não para ele. E aquela foi a inspira-ção da qual Ana Rita precisava. “Ele contava isso e eu pensava ‘gente, esse homem não está p. da vida?!”. E aí ele fez toda a palestra de abertura, relacionou com a psicanálise todo esse momento mostrando que ela é isso, não ter certeza de nada”, relembra a doutora.

Para ela, psicanálise “é a possibilidade de abrir escolhas”. A postura do psicanalista frente àquela situação a faz trazer um alerta: “a rigidez “quebra” a pessoa”. “Aquilo me chamou muito a atenção e ele trazia isso. Eu sendo também psiquiatra, trazia também para o modelo médico e pensei ‘estou certa’, porque eu achava que eu não sabia nada. Tinha coisas dentro da medi-cina que eu não sabia e é muito diferente mesmo do modelo da onipotência médica de saber tudo”, explica.

NARCISISMO QUE ADOECE

As transformações que vêm ocorrendo em todos os níveis sociais, como o uso de novas tecnologias, a precarização das

relações presenciais e o cyberbullying têm sido motivo de gran-de discussão. Em ferramentas como Tumblr, Facebook e Twit-ter, frequentemente nos deparamos com jovens aparentemente saudáveis do ponto de vista mental que expressam os mais pro-fundos sentimentos de depressão e angústia.

No entanto, para Ana Rita a tecnologia não é a única culpada por essa questão e compara com a medicalização: “O ruim não é a tecnologia. Assim como a questão da medicalização, não é o remédio que é ruim, não é o psiquiatra, não é o psicanalista, mas sim o uso que a gente faz. A tecnologia é espetacular, mas o que estamos fazendo com ela enquanto sujeito? Não é a tec-nologia que afasta as pessoas”, defende. Ela ainda aponta que isso é reflexo do mundo que a gente vive. “As pessoas estão vi-vendo um momento extremamente narcísico no sentido de reco-lhimento, de isolamento e de pensar que eu me basto por mim mesmo”, denuncia. Ela diz que as pessoas têm se escondido através de uma tela de computador, celular, o que as permite ex-pressar todas as suas fantasias e que a tecnologia talvez tenha mostrado, feito perceber e trazido esse questionamento. Ainda sobre a internet, ela lamenta que nas redes sociais as pessoas se expõem da forma mais surreal possível. Por fim, constata de forma contundente esse dilema do indivíduo na rede. “Se estão tristes, põem no facebook, se estão alegres, a mesma coisa. Não existe mais um limite desse momento narcísico. É preciso se sentir o rei para suportar a desilusão de ser humano”, conclui.

“As pessoas estão vivendo um momento extremamente narcísico no sentido de recolhimento, de isolamento e de pensar que eu me basto por mim mesmo”, diz a psicoterapeuta psicanalítica Ana Rita Menezes.

...e a banalização de termos psicopatológicos

nezes passou por grande desilusão com o modelo psiquiátrico. Ela vê uma falta de humanização do tratamento para com os pacientes. “Eu andava meio desiludida com a psiquiatria. Queria algo dentro da medicina que visse o sujeito como um indivíduo, não como um estômago ou um coração, então achei que a psi-quiatria fosse a área que me levaria a isso”, afirmou. Ela diz que há uma disparidade na abordagem entre alguns lugares, lem-brando do seu período de residência em Salvador. “Ela era muito focada no modelo médico, biológico, diferente de Campinas e Ribeirão (Preto), onde eles têm preceptores, grupos de discus-são, dentro da psiquiatria”, lamenta.

Dessa forma, teve de tomar uma difícil decisão. “Comecei a dar plantão numa clínica psiquiátrica e percebi que aquilo não era o que eu queria. Então me afastei, parei de trabalhar como

Foto: André Teixeira

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13 Psicologia

Contém: os desafios que envolvem o diagnóstico, encam-inhamento, tratamento e medicalização dos usuários do serviço público

Por Alisson [email protected]

Os transtornos psicológicos englobam uma série de condições e sintomas que afetam a mente. Como por exemplo, desequilíbrio emocional, triste-za profunda e constante, delírios e irritabilidade. Os sofrimentos psíquicos mais comuns são a depres-são e a ansiedade. Segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, essas duas doenças estão entre as dez que mais diminuem a qualidade de vida dos brasileiros. Embora esses transtornos sejam muito comuns, ainda existem uma série de preconceitos em relação ao seu tratamento, desde o diagnóstico até as organizações de saúde públi-ca que atendem a essa demanda.

A lei 10.216, sancionada em 6 de abril de 2001, garante as pessoas acometidas de transtornos mentais, assegurados sem qualquer tipo de dis-criminação, direitos ligados ao tratamento de que precisam. É de direito das pessoas com sofrimento psíquico ter acesso ao melhor tratamento do siste-ma de saúde e que esse seja feito com humanida-de e respeito. Dessa maneira, é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental e auxiliar as ações de saúde para portado-res de transtornos mentais.

Diagnóstico e encaminhamentos

O diagnóstico clínico toma como referência os mar-

cadores da psiquiatria. A intensidade do sofrimento vivido, as questões que o sujeito traz e o impacto delas na vida do diagnosticado, que são o fio con-dutor do trabalho em saúde mental. “O diagnóstico fornecido pelo psiquiatra, no caso de um transtorno mental, será importante, mas não exclusivo. Para o psicólogo, o modo de viver tais sinais e sintomas é muito importante, ou seja, é preciso que ele esteja integrado às outras esferas da vida daquele sujeito. Onde vive? Quais são os projetos de vida? Como ele percebe sua existência?”, afirma a psicóloga Taísa Belém.

Tomar conhecimento sobre a enfermidade men-tal não é um processo de fácil absorção para as pessoas em sofrimento psíquico ou para os seus familiares. Infelizmente, existe uma noção de que o diagnosticado se torna inválido ou é digno de pena. Esse preconceito muitas vezes está incutido no pensamento do próprio paciente que não quer se associar, por exemplo, ao uso dos serviços do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Situação recorrente, de acordo com Alessandra Aragão, 29 anos, coordenadora do CAPS II Arthur Bispo do Rosário, localizado no bairro José Conrado Araújo. “Muitos chegam aqui dizendo ‘eu não sou doido não. Vou ser tratado em lugar de doido? Existem transtornos variados e de graus variados, esse preconceito é prejudicial”, conta.

Além de enfrentar as dificuldades do diagnóstico, a pessoa em sofrimento psíquico também precisa enfrentar as questões relacionadas aos encamin-hamentos. Muitas vezes é difícil fechar um quadro claro do que a pessoa tem e ela começa a ser enviada de lugar em lugar, de hospital a hospital até que seja, nos casos mais severos, enviada aos CAPS. A assistente social Rosangela Nunes, 46 anos, acredita que essa falta de esclarecimento atrapalha no estágio inicial do tratamento. “A pes-soa normalmente peregrina nos serviços públicos de saúde em busca de ajuda até encontrar um em que ela realmente possa parar, se colocar, ser ouvi-da, cuidada, observada para depois ter o veredito: seu lugar é aqui”, desabafa.

Os casos mais graves de transtornos mentais são encaminhados para os CAPS. Essas instituições surgiram para substituir os hospitais psiquiátricos no Brasil. Existem seis deles na grande Aracaju. Os centros se diferenciam entre si através dos tipos de pacientes a quem atendem (adultos, infanto-juvenil, dependentes químicos), o número de pessoas que eles são capazes de atender e o seus períodos de funcionamento. São cinco tipos: CAPS I, que atende a todas as pessoas com transtornos men-tais severos durante o dia, em cidades de pequeno porte; CAPS II, que também atende a pessoas em sofrimento psíquico durante o dia em cidades de médio porte; CAPS III, que tem serviços 24 horas, geralmente disponíveis em grandes cidades e que atendem apenas adultos; CAPSi, que funciona durante o dia e atende exclusivamente à demanda infanto-juvenil; por último, o CAPS ad, que trata pessoas com problemas pelo uso de álcool e ou-tras drogas.

A recepção e o cuidado com as pessoas encamin-hadas aos CAPS são imprescindíveis para que as barreiras e preocupações que os familiares e até mesmo os próprios pacientes carregam dentro de si mesmos sejam derrubadas. Rosangela, que atua na área de saúde mental há mais de quinze anos, descreve como costumam chegar os usuários do CAPS II Arthur Bispo do Rosário. “Chegam bastante fragilizados. O primeiro sinal é a crise de choro, não conseguem nem verbalizar as suas demandas e necessidades. Nesse primeiro momento cabe aos

Atendimento a pacientes com transtornos mentais e suas adversidades

Psicotrópicos requerem maior cuidado. Foto:Alisson Castro

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profissionais apenas tentar tranquilizar os novatos e explicar para eles quais as funções da instituição”, conta. Ela diz que quando conseguem se acalmar e expressar suas preocupações, uma coisa costuma chamar sua atenção. “Em seguida, a crise de cho-ro. Os responsáveis pelas pessoas com transtorno mental não se preocupam apenas com os compor-tamentos diferentes que seus amados possuem, mas também como eles são impactados por essas circunstâncias”, revela. Dessa forma, não é raro que a família dos pacientes seja encaminhada também para um tratamento de transtorno mental. Esse cui-dado com a família é de extrema importância para a melhora do usuário do serviço médico.Muitas vezes cabe aos profissionais da saúde men-tal explicar que não existe cura para algumas pato-logias, mas que isso não significa que os doentes são incapazes. Na verdade, o CAPS trabalha para socializar essas pessoas, além de oferecer cursos e fazer palestras sobre respeito às diferenças. “É preciso mostrar a sociedade que essas pessoas existem e que são cidadãos com direitos e deve-res”, afirma a farmacêutica especialista em saúde mental e coordenadora do CAPS.

Tratamento e medicalização

O tratamento dos transtornos mentais passa pela necessidade de medicalização dos pacientes. No entanto, é preciso cuidado com uso dos psicotró-picos. Esses remédios também conhecidos como antipsicóticos são equiparados aos entorpecentes pela capacidade de causar dependência por aque-les que os usam de forma abusiva ou indevida. Além do risco de causar dependência, esses me-dicamentos também possuem efeitos diversos que alteram o indivíduo que os consome e sua relação com as outras pessoas. “A medicalização acaba por controlar e submeter pessoas, abafando ques-tionamentos e desconfortos. Sentimo-nos impelidos a buscar solução para certas angústias e incômo-dos produzidos por uma cultura perversa e violenta,

recorrendo à medicação ou encontrando na doença um rótulo que justifique isso”, afirma a psicóloga Taísa Belém. A necessidade do cuidado com os psicotrópicos não exclui a sua importância para o tratamento das pessoas com transtornos mentais. Lucas Fernandes (nome fictício) é um garoto de 11 anos que não conseguia formular frases e tinha até dificuldades para beber água devido ao grau de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) que ele possuía. O tratamento no CAPS se deu através das oficinas e consultas psicológicas assim como pelo uso da Ritalina. Os resultados foram excelentes. Com o tempo, o garoto já estava com sintomas bem mais leves e inclusive deixou de precisar do CAPS. Hoje pode fazer o tratamento ambulatorial.

O caso de sucesso está ligado ao uso correto da medicação e a utilização de métodos paralelos a ela e que também são alternativas para o cuidado de pessoas em sofrimento psíquico. A arteterapia é um exemplo. Os CAPS normalmente realizam oficinas com seus usuários de maneira que eles

possam se expressar através da arte. Taísa Be-lém, psicóloga especialista em arteterapia, define: “Entendemos a arte como uma linguagem dentre as várias que podem ampliar o campo de produção de sentidos, pontes para a expressão e ampliação da margem de autonomia dos sujeitos em relação a própria vida e suas questões”.

Vários artistas, como por exemplo van Gogh, que foi um pintor espetacular, possuíam quadros de transtornos mentais e utilizavam a arte como uma forma de ponte com a realidade. Alguns autores afirmaram que ele poderia ter transtorno bipolar por sua constante variação de humor. John Nash, matemático que inspirou o filme “Uma Mente Bril-hante”, foi diagnosticado com esquizofrenia e Er-nest Hemingway, um dos maiores escritores que já existiu, sofria de depressão. Nesse caso, o sentido é construído na relação terapêutica, no encontro entre essas subjetividades. O sujeito vai trazer sua percepção, seu olhar e compor sua narrativa. Seja pintando, calculando ou escrevendo, esses ho-mens conseguiram dissociar a ideia de que uma pessoa com transtorno mental não é capaz de pro-duzir algo útil. Na verdade, suas próprias condições de vida os influenciaram a produzir suas obras. Infelizmente, alguns artistas e grandes personali-dades que enfrentaram sofrimentos psíquicos não conseguiram prolongar suas vidas ou recuperar o bem-estar de suas mentes. Porém, os anos que levaram tais gênios trouxeram avanços no trata-mento dos transtornos mentais. Hoje se sabe que a medicação deve ser usada com cuidado e que as alternativas são muito importantes para uma inserção e entendimento do usuário na socieda-de. Não se pode esconder as pessoas com trans-tornos mentais. Pelo contrário, é preciso mostrar à sociedade que elas existem e que elas podem conviver e produzir. Humanizar o tratamento, socia-bilizar os pacientes e dar visibilidade é o caminho.

A arteterapia é uma forma alternativa de tratamento. Foto:Alisson Castro

Foto:Alisson Castro

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Água mineral, almoço, água de coco, picolé, ain-da tem!”, repetia incansavelmente o ambulante que debaixo de um sol escaldante vendia seus produtos na entrada principal do maior hospital público do Estado de Sergipe. Pontualmente às 14h30, da terça-feira, 28 de março, dois sujeitos, um homem de meia idade e uma mulher de ca-belos em tons escuros seguem até a recepção.

Trajados com jalecos brancos, por um momento chegam a se confundir com as centenas de pro-fissionais que atendem no Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) todos os dias, mas um de-talhe os diferencia dos demais. Uma princesa das histórias infantis bordada na vestimenta da mulher, e borboletas sobre flores no jaleco do senhor de meia idade não permitem confundir. Não são médicos, são contadores de histórias.

No interior do Hospital, idosos, crianças, mães e pais aguardam na recepção o seu atendimento. Alguns chegaram cedo. Muito cedo. Seguindo o corredor à esquerda da recepção, a segunda porta identifica o setor de humanização do Hos-pital. Por lá o senhor de meia idade, José Ante-nor Aguiar, e mulher de cabelos escuros, Tânia Cristina Cardoso, membro fundador e voluntária do Grupo Prosarte Contadores de Histórias, res-pectivamente, passam todas as terças-feiras antes de se dirigirem ao setor de Oncologia Pediátrica.

“Quem vier, de onde vier, que venha em paz e traga sorrisos”. Ao lado de uma pequena abel-ha, a citação na porta recepciona os visitantes do setor de humanização, e por lá, é notável a pre-sença da fé católica. Dentro dele, um tom destoa na parede bege. O mais significativo símbolo da religião é a primeira coisa que se vê. Mas o des-taque florido “Welcome”, também acolhe a todos, sem distinguir o credo. Antes de realizar suas vi-

sitas, os voluntários precisam obrigatoriamente passar pelo local para retirar a ficha com a autori-zação de acesso. É lá também que há o controle des-te tipo de atividade. As novas inscrições ou projetos precisam ser aprovados pela equipe que possui a função de organizar os dias e horários em que os gru-pos poderão acompanhar seus pacientes de alma.

Atualmente o HUSE trabalha com três frentes ligadas à humanização. Os voluntários, que compreendem tanto os que realizam ações de cunho religioso, quanto àqueles que realizam atividades lúdicas, como é o caso do Grupo Prosarte. A segunda frente está ligada à saúde do trabalhador, que atende os funcionários do HUSE e os acolhimentos que aconte-cem nos casos críticos, cuja intervenção foi nomeada de “Sala de Espera”, completando assim a terceira frente de trabalho.

O responsável por manter esse controle sobre a rotina do setor é o gerente do serviço, Eldér Magno. Segundo ele, não há, por parte da gestão, nenhum grupo sistemático que atenda a área da Pediatria, todos os projetos desenvolvidos são ações volun-tárias. “Nós contamos atualmente com mais de 200 voluntários que atendem os mais variados setores, e através da Humanização, buscamos atender o maior número possível de pessoas, sejam elas pacientes, acompanhantes ou funcionários”, explica.

Oncologia Pediátrica

Logo após passar pelo setor de Humanização, os grupos seguem para a Oncopediatria. Pelos corre-dores, seguranças, enfermeiros, macas, funcionários da limpeza, e vários semblantes de tristeza. Há muita sobriedade e morbidez. São poucas cores e sorrisos pelo caminho. É tudo muito cinza. O percurso dura em média dois minutos. Após isso, somente 22 de-graus separam os dois setores. Ao subir, os contadores vão direto para a Brinquedoteca, onde começam as sessões de leituras de histórias para os pequenos que por lá se encontram.

1,2,3... Era uma vez: contando histórias no hospital

Por Yago de Andrade

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Grupos de contadores de histórias atuam de forma voluntária no HUSE apresentando um mundo lúdico às crianças da Oncologia Pediátrica

Humanização

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A dimensão do ambiente não interfere na sua recep-tividade. Apesar de minúsculo, o local passa um ar de tranquilidade, é acolhedor, diferente do restante do prédio. Os brinquedos espalhados pela estante, os livros de princesas, lápis e desenhos para colorir dão vida ao local. Quase nada é cinza. O que discerne é uma das coisas que os meninos mais gostam: a televisão que, por alguns minutos, os leva para outro mundo, longe de toda aquela tensão que passam diariamente.

Numa mistura de tons, a aura do ambiente traz à mente a imagem de um arco-íris, que também é lembrado graças às cores do reconfortante assento onde os pequenos se posicionam para ouvir as histórias trazidas pelos contadores. Com os olhinhos brilhando, eles não perdem a atenção por um segundo. Enquanto acompanham, aten-tos, suas finas veias recebem a medicação diária. Fotos em murais espalhados pelas paredes brancas remetem as crianças e jovens que por ali já passaram. Uns voltaram para casa. Os outros “transformaram-se em pequenas estrelinhas”, como são denominados os pequenos que su-cumbem ao tratamento.

Arte em Prosa

Contar histórias é algo inerente ao ser humano. Todos nós, de alguma forma realizamos esse tipo de atividade diariamente. Geralmente, o nosso primeiro contato com a contação é vivenciado ainda enquanto criança, no ambiente familiar, através dos nossos tios, avós, pais, e na maioria das vezes, da nossa mãe. Isso não é privilégio somente dos profissionais da área, mas o que nos diferencia deles é algo bem simples: a narrativa aplicada.

Apesar de ser algo natural, para se tornar um profissional na área é necessário que haja muita dedicação, estudo e muito amor pelo que se faz. Alguns deles, para se tornarer contadores bus-caram realizar cursos obtendo assim um maior embasamento para atuar na área. A partir de um destes cursos surgiu o Grupo Prosarte.

O início se deu logo após a conclusão do Cur-so "A Arte de Contar Histórias", oferecido pelo SENAC-SE em 2004. Na época, sentindo a ne-cessidade de dar continuidade a um projeto que atuasse com frequência e desenvolvessem ações que visassem proporcionar um mundo lúdico para as pessoas, vários integrantes do Curso resolveram se unir e formar um grupo. Em abril de 2004, todos os interessados reuniram-se para criar o grupo de contadores de histórias, o qual foi nomeado e registrado por: "Grupo Prosarte de Contadores de Histórias".

Atualmente, sete pessoas compõem o Grupo, porém, somente três delas tem a disponibilidade de tempo e principalmente emocional para rea-lizar atividades dentro do HUSE. Além do “Seu Antenor” e da voluntária Tânia Cristina, quem também espalha a magia das histórias infantis por lá é escritora e contadora Telma Costa. Ela ainda compõe outro grupo de contadores de histórias, o Grupo Hannah.

Durante seus onze anos de atuação dentro do Prosarte, Telma revela que a falta de voluntários é uma das maiores dificuldades que o Grupo tem encontrado para dar continuidade as atividades dentro do hospital. “Eu e o coordenador, Antenor, assumimos o trabalho no HUSE e às vezes con-tamos as histórias sozinhos, quando não posso comparecer ou ele. Graças a Deus, desde o ano passado estamos com a voluntária Tânia Gois que realmente está compromissada com sua missão”, relata.

Além de atuar no Hospital Público, o Prosarte deixa suas sementinhas plantadas em creches, orfanatos, casas de apoio à pessoa idosa, colé-gios e bibliotecas públicas, tudo de forma voluntá-ria. Estas sementinhas, segundo “Seu Antenor”, são colhidas quando o Grupo percebe que está conseguindo acrescentar em algo na vida daque-las pequenas criaturas. “Desenvolver um trabalho voluntário durante doze anos e de forma assídua é gratificante. Você chegar e ver o semblante caído de uma criança ou até de um acompanhan-te, e no fim da contação, ver a mudança daquela expressão, não tem nada que pague”, acredita.

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Inspiração

A maioria dos grupos que atuam nos hospitais tem sua inspiração em um modelo criado pela Clown Care Unit, instituição norte-americana que, desde 1986, desenvolve ações lúdicas com profissionais de saúde vestidos como palhaços nos hospitais dos Estados Unidos. No Brasil, o projeto mais conhecido é o Doutores da Alegria. A organização da sociedade civil sem fins lucrativos atua há 24 anos com profissionais treinados em São Paulo e no Recife.

Em Sergipe, o projeto que mais se assemelha ao Doutores da Alegria é a Unidade de Tratamento do Riso, ou simplesmente, U.T.rIso. Criado em 1999, o Grupo atua em casas de apoio à pessoa idosa e nos Hospitais, incluindo o HUSE. Assim como o Prosarte, eles também buscam envolver as famí-lias dos pacientes e os profissionais de saúde que atuam nos locais.

Atualmente, a U.T.rIso possui seis integrantes, entre doutores e "bestagiários", que desenvolvem ativida-des semanais no Hospital de Urgência de Sergipe. Portados com seus narizes vermelhos e rostos pin-tados, o Grupo já realizou cerca de cem mil visitas ao longo dos quase 17 anos de atuação.

Percursora do Projeto, Fátima Basto ou Dra. Riso-leta como se identifica para os pacientes, costuma frequentar junto com os outros integrantes nos dias de quinta-feira, buscando sempre trabalhar com a música e artes plásticas para inserir a arte junto à assistência ao paciente.

De modo geral, a atuação do Grupo é voltada para a criança enferma. Porém, os recursos lúdicos utili-zados diferenciam-se a depender das condições fí-sicas e psicológicas dos pacientes. Algumas vezes, principalmente nos leitos, os voluntários utilizam-se somente da música para atender os pequenos e

tirá-las mesmo que por um momento daquela difícil realidade. “O que nos motiva é a vontade de ver as crianças hospitalizadas passarem por um processo de internamento e/ou tratamento, com o mínimo de trauma, dor e tristeza. Perceber que somos agen-tes de transformação quando temos e criamos a possibilidade de resgatar a alegria de uma criança”, explica Fátima.

Os Acompanhantes

Ao lado dos pequenos, os acompanhantes tam-bém buscam no momento da contação um refúgio, ou às vezes, apenas um tempo para descansar. A maioria são mães, que tentam sempre dar o máxi-mo de atenção e apoio que seus filhos necessitam, mas são humanas, assim, não conseguem deixar de se abater com a situação de suas proles. Tam-bém precisam de apoio.

Além de compartilhar da dor da pessoa que está ao seu lado, os acompanhantes tem outras preo-cupações fora do hospital, seja o trabalho, a casa, ou os outros filhos, e os contadores compartilham dessa realidade. Por isso, os grupos tentam pro-porcionar a eles um momento de renovação. “É um trabalho de extrema necessidade, não só para as crianças que tem nisso a oportunidade de ver o lúdico, mas para os acompanhantes também, que muitas vezes estão com semblante mais caído do que o próprio paciente. E esse momento da con-tação é quando eles renovam as energias, e isso nos motiva a continuar esse trabalho, até o dia que Deus nos permitir”, acredita Antenor.

“Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor, é a dose mais forte e lenta de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta”. Assim como muitas “Marias”, a Maria Eliane carrega em si todos os adjetivos da música cantada por Milton Nascimento. Já são onze meses acompanhando o tratamento do filho de 4 anos, que sofre com um tu-mor no mediastino (espaço existente entre os dois

pulmões, no centro do tórax). Ela busca não se deixar abater com a situação dele, porque precisa estar forte para dar apoio em tudo que o pequeno precisar.

Durante as contações, seus olhos com olheiras profundas não deixam passar despercebido nen-hum sinal das histórias, chega a ficar mais atenta que o próprio filho. Mas seu campo de visão tam-bém alcança o dele, e quando ele ri, ela esboça um sorriso tímido e em seguida baixa a cabeça em aprovação. Sinais de felicidade ganham o rosto da mulher de meia idade que interage com o Chico, um pequeno macaquinho que Seu Antenor leva consigo. “Sempre que ele pode sair do leito eu trago ele aqui, é um momento de distração para as crianças, é como uma terapia, um “desestresse”, conta a mãe, que como a canção diz “possui a estranha mania de ter fé na vida”.

Fé. Essa foi umas das coisas mais evidentes em todo ambiente hospitalar. Nas salas das chefias, nos leitos, nos corredores, nas pessoas. Sejam elas funcionários, guardas, pacientes, acompanhan-tes ou voluntários. Cada um deles expressava de alguma forma sua fé, alguns carregavam objetos que identificavam sua religião, outros sussurravam ali mesmo suas orações. Seu Antenor nunca negou isso, pelo contrário, ao final das atividades profere junto às crianças a oração que segundo ele, man-terá os pequenos protegidos, a oração do Anjo da Guarda.

E assim, os contadores se despedem da Onco-pediatria. Descendo as escadas dos corredores cinzas e passando por mais guardas com semblan-tes sérios eles seguem para outra ala do hospital, a Pediatria Geral, onde lá encontrarão mais crianças esperando suas histórias e mais acompanhantes ao lado delas. No caminho, o incansável Antenor ainda tem fôlego para relatar mais uma história, a de uma avó que como muitas que passaram e pas-sam diariamente por ali, sofrem com a dor dos seus netos, e veem no momento lúdico da contação uma válvula de escape para os pequenos.

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“Certa vez, estávamos chegando para contar histó-rias e nos deparamos com uma criança chorando de dor por conta dos medicamentos. A avó, ao lado dela, estava visivelmente desesperada com a situação do neto, e o que mais lhe doía era a sensação de não poder fazer nada para ajudá-la. Então, me aproximei um pouco das duas e comecei a con-tar uma história. No início ela (a criança) não deu muita atenção, devido as dores que sentia, mas aos poucos fui conseguindo atraí-la

“Quem

vier, de

onde vier, que venha em paz

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para o universo que a gente cria quando conta. Ao final, os semblantes mudaram, o da criança e o da avó. Saí de lá com sentimento de que minha missão diária havia sido cumprida, mas então, a avó, pediu que esperasse um minuto, e com lá-grimas nos olhos me disse: ‘Eu não tenho como lhe agradecer, eu não tenho como lhe pagar, mas espero de coração que Deus lhe pague’. Para mim, não tem maior recompensa do que isso”.