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recriação do jornal de letras
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JLJORNAL DE LETRAS, ARTES E IDEIAS
Ano
XX
XII
. Núm
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110
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dez
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OSCAR NIEMEYER
Último atoJoaquim Benite 1943-2012
a morte do génio das curvas eternas. Paginas 11 a 13
As inéditas notas do diretor do teatro
de almada sobre Timão de Antenas, de
Shakespere, que estreia no dia 20
Evocação da vida e obra do encena-
dor, com os testemunhos de quem com
ele trabalhou, por Maria Leonor Nunes *
Textos de Filomena Oliveira/ Miguel Real e
Vitor Gonçalves. Paginas 6 a 10
Guimarães 2012O que continua e o que fica da CECPaginas 1 a 23
Sena e ramos RosaCartas de poetas Paginas 14 a 15
JL / Educação * Camões*Agenda Cultural
BREVE ENCONTRO
Vasco Graça MouraCCB de artes e letras
As humanidades, o fado e a arquitectura marcam forte presença na programação do CCB para 2013. São as grandes novidades numa em que se pretende inovar, sem perder de vista o que já foi feito. O JL falou com Vasco Graça Moura.
JL: Quais foram as suas maiores preocupações a criar a grelha de programação de 2013 para o CCB?Vasco Graça Moura: A grelha não é apenas da minha responsabilidade, é um trabalho de grupo. Uma das preocupações é manter uma linha de continuidade. Há aspectos emblemáticos na actividade do CCB, que se devem manter, sobretudo na música, dança e teatro. Ao mesmo tempo, tentamos encontrar uma programação complementar, que mantenha uma linha consistente. Por exemplo, não só há uma temporada ligada à música, com vários tipos de repertório, como criamos um programa para jovens intérpretes, chamado “Bom Dia Música”.
O fado parece ser mesmo uma das grandes apostas, com o ciclo “Há Fado no Cais”.É fruto de um protocolo com o Museu do Fado e a EGEAC. Além de concertos dados por grandes fadistas e alguns em princípio de carreira, temos um ciclo sobre a história do fado, coordenado por Rui Vieira Nery, e um outro, sobre a escrita de letras de fados, por Fernando Pinto do Amaral.
“Transformar a fraqueza financeira em força cultural”E as artes visuais?A grande novidade, sobre a qual poderia falar melhor a Dalila Rodrigues, é a abertura de uma nova galeria dedicada preferencialmente a exposições de arquitectura. A primeira, que já está patente, é dedicada ao Nuno Portas. Seguem-se muito outras.
Além das Artes, a programação de 2013 será rica em letras.Acrescentámos um ciclo dedicado às humanidades, no plano da Literatura, a História, o testro português. Há dias dedicados a Ruy Belo, António José Saraiva, António Lobo Antunes, Carlos Queiróz. Em 2014seguir-se-ão outros nomes. Há também um ciclo dedicado à grande poesia brasileira do século XX,coordenado por Arnaldo Saraiva. Esperemos que a partir daqui se criem pistas de diálogo sobre estas temáticas.
E mais alguma surpresa?Entre finais de 2013 e princípios de 2014, queremos consagrar uma iniciativa à necessidade de reabilitar as humanidades no ensino secundário e superior. Temos um documento de trabalho mágnifico, da autoria de Vitor Aguiar e Silva. Já contactamos todas as faculdades e departamentos de letras. Ainda não sabe-mos se o figurino será um encontro, um congresso ou um festival. Estamos em contacto também com o governo e é conhecida a importância da iniciativa. É possível despertar os espíritos e os interesses.
Em geral, há uma predominância de produçõesportuguesas?Nós temos todo o interesse em promover a cultura por-tuguesa. Mas, por outro lado, como atravessamos uma fase de construção económica, é evidente que sai mais barato recrutar artistas portugueses. Por isso, vamos tentar transformar a nossa franqueza financeira numa força cultural. Teremos menos estrelas internacionais, mas tal não afectará a qualidade. JL MANUEL HALPERN
Estreia de no Teatro Alberto Entre o ser e o parecer, uma peça do dramaturgo Neil LaBute para reflectir sobre as razões da beleza, das aparências e das ciências. Chama-se justamente Há muitas razões para uma pessoa querer ser bonita e estreia a 21, no Teatro Alberto, em Lisboa. A encenação é de Joao Lourenço, que também assina a realização vídeo e a versão
Há muitas razões para uma pessoa querer ser bonita
Histórias de Taipei é o título do ciclo dedicado ao cinema chines Edward Yang (1947-2007), a decorrer na Culturgest, em Lisboa, de 13 a 16 de Dezembro. O programa, comissário por Au-gusto M. Seabra, conta com os filmes In Our Time / Expectation (1982), Taipei Story (1985) a 13, às 21 e 20; The Terrorizers (1986), a 14, às21 e 30; A Brighter Summer Day (1991), a 15, às 15; e Mahjong (1996), a 16, às 18 e 30. Yang “foi certamente o mais ‘ocidentalizado’ dos realizadores de Taiwan, mas foi também, como poucos outros, o cineasta de uma cidade, Taipei. E foi um dos grandes cineastas das últi-mas duas dácadas do século XX”, refere o comissário.
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T Ler é Mágico é o mote do Festival do Livro, a decorrer no edifício AXA, na Avenida dos Aliados, no Porto, de14 a 16 de dezembro. Além de uma feira do livro e do artesanato, o certa-me, coorganizado pela CulturePrint e a Câmara Municipal, inclui ciclos de cinema dos quais se destaca a sessão de curtas ‘Tudo Isto é Fado’ (a 12, às 21 e 30) -, leituras de contos e de poesia, concertos, oficinas, peças de teatro,lançamentos de livros, e tertúlias. Entre outras, a tertúlia ‘Literatura, Política e Cidadania’, com António Veríssimo, Luís Isidro, Susana Campos, Carlos Vinagre, Bernardino Guimarães e Paulo Esperança.
Os Demonios, de Dostoeiévski, é o ponto de partida da nova criação da companhia Mala Voadora, que sobe ao palco do TeatroMunicipal São Luiz, em Lisboa, de 13 a 16 de dezembro. Um espectáculo “em torno de uma Comunidade, sobre aquilo que é Comum, e evoca o contexto cultural em que surgiu o Comunis-mo”, Revelação tem direção de Jorge Andrade, interpreta-ções de, entre ou-tros, Anabela Almeida, Cláudia Gaiolas e Miguel Fragata, e cenografia de José Capela. A 13 e 14, o Jardim de Inverno da sala lisboeta acolhe outro espectáculo do Temps d’Images: a performance Tempus Fugit, de Sónia Baptista e Cláudia Varejão.
“Será preciso que um dia um ator entregue o seu cor-po vivo à medicina, que seja aberto, que se saiba enfim o que acontece lá dentro, quando está a atuar. Que se saiba como é feito, o outro corpo. Porque o ator atua com um corpo que não o seu”. Eis um fragmento de Carta aos Atore, de Valère Novarina, uma reflexão sobre a arte do ator e o sentido do teatro, escrita em 1973, de que o en-cenador Jorge Silva Melo faz a leitura integral, a 20 e 21 de dezembro, às 19, no Teatro da Politécnica, em Lisboa. A sessão é de entrada livre mediante reservas.
Vai acontecer
Destaque 2
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dramatúrgica com Vera San Payo de Lemos. A interpretação é de Ana Guiomar, Jorge Corrula, Sara Prata e Tomás Alves. Os cená-rios são de António Casimiro e os figurinos de Dino Alves. Está em cena de 4ª a sáb., às 21 e 30, dom. às 16, na Sala Azul.
JL | jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012 3
Vencedores do cinema
A Última vez que vi Macau
Filme vencedor do Luso-Brasileiro
A Última Vez que vi Macau, a
mais recente longa-metragem
de João Pedro Rodrigues e
João Rui Guerra da Mata,
foi o filme vencedor da 16.ª
edição do Festival Luso –
Brasileiro de Santa Maria da
Feira (que decorreu de 2 a 9
dezembro). Joao rui Guerra
recebeu ainda o prémio de
melhor curta-metragem, com
O Que Arde Cura. O certame,
promovido pelo Cineclube da
Feira, atribuiu os calardoes
de melhor atriz à brasilei-
ra Cristiana Ubach, pelo seu
des jnempenho de Boa Sorte,
meu Amor, de Daniel Ara-
gão, e de melhor ator a Joao
rui Guerra da Mata, por A
ultima Vez que vi Macau. O
filme Sudoeste, do brasileiro
Eduardo Nunes, foi outro dos
grandes vencedores, arreca-
dando os palmarés do júri,
da critica e do publico.
Ainda na longa metragens em
competição, Cama de Gato,
de filipa Reis e João Miller
Guerra, foi distinguido com
o prémio revelação. Boa Sor-
te, Meu Amor, recebeu ainda
o prémio dos Cineclubes.
Nas curtas, Filme para Poeta
Cego, de Gustavo vinagre,
foi o vencedor do prémio de
revelação; A Mão que Afaga,
de Gabriela Amaral Almeida,
do prémio especial do júri,
que atribuiu ainda duas men-
ções honrosas:por Lullaby,
e a Maya Darin, por Versão
Francesa, também distinguido
Onda Curta. O Facínora, de
Paulo abreu, recebeu ainda
o prémio dos cineclubes. No
Córtex – Festival de Curtas-
-Metragens de Sintra (de 28
de novembro a 2 de dezembro),
que este ano homenageou o
realizador António campos,
foram distinguidos os filmes
Noite, de Flávio Pires, com
o prémio de melhor curta na-
cional pelo júri; Nada Fazi,
de Filipa Reis e João Miller
Guerra, com o prémio do
publico; e Blu, de Contan-
tim Nicolae Tanase, eleita
a melhor curta internacional
pelo júri.
Por lapso, não saíu no ul-
timo numero do JL a notícia,
já escrita, dos palmarés
do Cinanima e do Lisbon &
Estoril Film Festival, pelo
que agora os publicamos. Um
dos mais importantes festi-
vais europeus de cinema de
animação, o grande prémio
foi para o Canadá, com Les
Grands Alleur et le petit
ici, de Michèle Lemieux.
Entre os outros palmarés,
destaca-se o António, para
Outro homem Qualquer, de
Luis Soares; Cineasta, para
Branco, de Raquel Felguei-
ras; e Filme Publicitário, A
Energia na Terra chega para
Todos, de José Miguel Ribei-
ro. No Lisbon & Estoril Film
Festival, L’Intervallo, de
O Juri, composto por Alfred
Brendel, Fanny Ardant, pre-
miou Melvil Poupaud pela sua
interpretação em Laurence
Anyways, de Xavier Dolan, e
Student e Djeca receberam
o prémio especial do júri
Joao Bénard da Costa. O filme
colectivo Winter, Go Away!
Foi eleito o melhor primeira
obra, e Rengaine, de Ranchid
Djaidani, recebeu o premio
Cineuropa. JL
Fado na INCMO musicólogo Rui Vieira Nery é o denominador comum da colecção que a Imprensa Nacional/Casa da Moeda dedica ao fado. De início são editados quatro volumes. Para uma História do Fado, o mais completo livro sobre o assunto alguma vez editado em Portugal, tem uma edição, revista e aumentada pelo autor. Para o público estrangeiro, saiu A History of Portuguese Fado,mas antes uma adaptação, com o cuidado de explicar conceito, que muitas vezes subiste, de que o fado é de ‘direita’.O livro, que temporalmente se situa no início do século XX, está dividido em três secções: ‘O Fado e o Ideal republicano’, ‘O fado e o Movimento Operário’e a Grande Guerra’. Finalmente, foi reeditado o clássico, de 1937, Ídolos do Fado, de A. Victor Machado. Um dos mais importantes regis-tos sobre o fado nos anos 30, que sai em edição fac-similada, com uma longa introdução explicativa do próprio Rui Vieira Nery. JL
Dicionário do Cinema Português 1895-1961 e Fernando Lopes, Um Rapaz de Lisboa, dois livros do crítico e estudioso de cinema Jorge Ramos. O primeiro, editado pela Caminho, é uma obra de referência, com entradas para todas as longas metragens e grande parte das médias e curtas dos pri-meiros 56 anos do cinema em Portugal. Podem encontrar-se não só os títulos dos filmes, como realizadores, ato-res e técnicos. Em Fernando Lopes, Um Rapaz de Lisboa, numa edição conjun-ta Sociedade Portuguesa de Autores e Imprensa Nacional Casa da Moeda, faz uma homenagem ao realizador falecido este ano. De forma sintética e fluida, Leitão Ramos percorre, por capítulos, a vida e a obra do autor de Belar-mino, sempre com muitas imagens a acompanhar. É um olhar muito comple-to, passando pela infância, a criação da revista Cinéfilo, o Cinema Novo, o parêntesis televisivo, a sua curta experiência como ator e a filmografia completa, de Belarmino a Em Câmara Lenta. JL
EDITORIALJOSÉ CARLOS DE VASCONCELOSDuas figuras
Muitas vezes acontece isto no jornalismo: tem-se uma edição preparada, até com uma capa já feita, e os acontecimentos obrigam a mudá-la, de forma profunda. Mais habitual nos diários e na imprensa generalista, também acontece numa publicação como o JL. Antes de mais porque é “jornal”, com tudo que isso pressupõe e sig-nifica. Em geral são tristes, sobretudo a morte de alguém. Foi o que sucedeu agora, em ‘dose dupla’, com o desaparecimento de Joaquim Benite e Oscar Niemeyer. Niemeryer, um génio da arquitetura e uma grande figura humana, criador de uma cidade, “capital do futuro”, em que se fala português – e ele próprio neto de portugueses. Com uma ex-traordinária obra espalhada pelo mundo, plena de inventiva e fan-tástica beleza, dedicamos-lhe ao longo dos anos, muitas matérias, de que destacamos os temas, que foram capas, publicados pouco depois de completar 90 anos (nº 714,de 25/2/1998) e quando chegou aos 100 (nº 970,de 5/12/2007). Neste último, sublinhava aqui a circunstância rara, com paralelo no nosso Manoel de Oliveira, de se festejar o seu centenário continuando ele em plena actividade criadora e profissional. Inclusive indo, com regularidade, ao seu atelier em
Fernando Lopes e filmesportugueses em livro
Copacabana, frente ao mar e ao banco onde está agora, em pedra, o seu amigo Carlos Drummond de Andrade. Por aí com a mágoa de já não lhe poder bater à porta e recordando a sua simpatia substantiva, ou derrame, em especial o encontro e a conversa (e o almoço…) que ‘contei’ naquela edição de 1998. Edição para a qual até teve a generosidade de escrever “Aos meus amigos de Portugal”, uma espécie de longa carta autobiográfica em que falava de si, do seu percurso e da sua obra.
“Niemeyer, um génio da arquitetura e uma grande figura humana; Benite, uma obra das mais relevantes do teatro em Portugal
Seja como for, bem gostaríamos de neste JL falar mais do arquitecto que desenhou e edificou curvas eterna. Impossivel, por falta de espaço até porque queríamos dar, como damos, o devido destaque a tudo que conseguiu fazer no teatro português, e em particular no Teatro de Almada, o Joaquim Benite fazer inclusive um Festival Internacional que conquistou dimensão e prestágio europeus. Benite cuja morte prematura ocorreu em vésperas de estrear (no próximo dia 20) a suaultima encenação, Timão de Até nas de William Shakespear. Já estava previsto uma conversa
com o encenador, que infelizmen-te já não se pode realizar. E, como a vários títulos se impunha, a matéria passou a ser outra e muito mais larga.Conheci o Benite quando teria 20 e poucos anos, já jornalis-ta, trabalhamos ambos no Diário de Lisboa, onde fiz critica de teatro e conheci a sua paixão pelo teatro. Se bem me recordo, o início da atividade do grupo, ou de levar à cena a primeira peça, teve alguns adiamentos, o que levou a haver quem desconfiasse da capacidade de
realização do seu diretor. Pois essa capacidade foi-se impondo cada vez ‘melhor’, e a obra que o Benite deixa é mais relevantes das últimas décadas em Portugal.PS Acabar com o Câmara Clara, que a Paulo Moura Pinheiro faz tão bem, e é o melhor programa do género da televisão portuguesa. É uma vez mais negar o serviço público; e mostra a cegueira e/ou os interesses, em vários sentidos, de quem manda numa RTP a caminhar para oprecipício…JL
BrevesCONCERTO PARA JOSÉ SARAMAGO, por ocasião dos 90 anos do seu nascimento às 18 e 30,no Salão Nobre do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (R.do Jardim do Tabaco, 34). Interpretações de Ana Tomás (soprano), Tiago Oliveira (tenor), Duarte Martins (piano) e Philippe Marques (piano)
PESSOA E AUTOREFLEXIVIDADE, colóquio internacional na Universidade de Évora, a 12,13 de dezembro.Com Paula Morão, Rosa Maria Martelo,Ida Alves,António Carlos Cortez, Fernando J.B. Mar-tinho, Gastão Cruz, entre outros.
TITO PARIS Alma de Artista, fotobiografia e documentário sobre o músico cabo-verdiano, que comemora 30 anos de carreira, lançada amanhã, quinta-feira,13 no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa. A obra será também lançada em Cabo Verde, a 19 dedezembro, em São Vicente, na Academia Jotamont, e a 20, em Santiago, no Hotel Praia Mar.
A FONTE DAS PALAVRAS, exposição de Maria João Worm, inaugura amanhã, quinta-feira, 13, às 18 e 30, na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais.
POESIA DE SEGUNDA categoria,curtametragem de Luís Santo Vaz, exibida a 13, pelas 18 e 30,na Casa Fernando Pessoa.
QUEM VIAJA PARA ALÉM da curva assume o risco de tocar a realidade, exposição que inaugura a 14, pelas 18, na Casa Museu Abel Salazar, em S. Mamede Infesta.
MEMÓRIAS DO PORTUGAL FUTURO, lançamento da serie documental com a presença de Mário Soares,a 14, às 19 e 30, no cinema São Jorge.
PINTURA E MÚSICA na poesia de Camilo Pessanha, encontro com a historiadora de arte e musicóloga Barbara Aniello, a 16, às 16, no espaço Prova de Artista, em Lisboa (R. Tomás Ribeiro, 115). Moderação de Maria Teresa Dias Furtado.
MOSTRIN, Mostra de Teattro para a Infância e Juventude, até 16 de dezembro, no Auditório de Alfornelos(Praça José Afonso 15) Sessões sempre às 16.
OFICINAS DE NATAL para crianças dos 7 aos 12 anos, no Museu doo Oriente. Entre dias 17 e 21 e 26 e 28 de desembro. Cinema e expo-sições unem-se para uma quadra multicultural.
POESIA E REVOLUÇÃO, tema do último número da revista Relâmpa-go, lançado a 18, pelas 18 e 30,na Casa Fernando Pessoa. Apresentação de Fernando J.B. Martinho e Luís Quintais.
INTERIORES: 100 anos deArquitectura em Portugal, exposi-ção que inaugura a 21 de dezem-bro, pelas 19 horas, no MUDE, Mu-seu do Design e da Moda de Lisboa. Comissariado por Pedro Gadanho.
Câmara Clara, o diário Cultural da
autoria de Paula Moura Pinheiro, na RTP2, vai
terminar no final do ano. O anúncio foi feito
em comunicação pela jornalista que também é
subdiretora
daquele canal. Explicou que a decisão lhe
havia sido comunicada, em junho
deste ano, por Jorge Wemans, que na
altura era diretor da RTP2. O
programa era exibido, de segunda a sexta, num
formato mais curto e, aos domingos, em
formato longo. Contactado pelo JL, Paula
Moura Pinheiro não quis prestar quaisquer
declarações, remetendo para o comunicado, em
que aforma: “Foi, para mim, um enorme
LeYa lança ‘Escrytos’O grupo editorial LeYa acaba de lançar
Escrytos, uma plataforma permite a
qualquer um a autoplicação de livros e
textos originais em formato digital, e a
comercialização em lojas online de todo o
mundo. A publicação é gratuita, sendo apenas
necessário que o autor tenha o texto em
formato Word e efetue o registo no sítio
(www.escrytos.com). Em comunicado, a editora
explica: “Esta plataforma vai ao encontro
daquela que tem sido a sua estratégia no
contexto da estimulação da criatividade
editorial e até mesmo no da procura de novos
talentos de língua portuguesa”.
Na Escrytos, o autor tem acesso ao software
de conversão do formato word em ePub, ou
seja, num ebook, e pode criar a capa do
livro, escolher imagens, cores, formatos,
fontes gráficas, entre outros elementos,
através de um programa próprio, bem como
criar o código ISBN, obrigatório para todas
as publicações. Terminado o processo de
publicação e defenido, pelo autor, o preço
do livro digital, o mesmo fica disponível
em lojas online parceiras do projeto
(Almedina, Amazon, Fnac.pt, Wook, Kobo,
entre outras). A plataforma disponibiliza,
ainda, um conjunto de serviços pagos, com
a solicitação de um parecer editorial (uma
avaliação prévia da qualidade dos textos,
sobretudo de poesia e ficção), serviços
de edição e revisão de texto, e de promoção (como a criação de press releases e booktrailers).
Conferência de Miguel WandschneiderO curador e programador da Culturgest
Miguel Wandschneider apresenta amanhã,
quinta-feira, 13, às 18,30h, a conferência
Copo Meio cheio, copo meio vazio, na
Sala Multiusos da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, da Universidade Nova de
Lisboa. A comunicação, que irá focar a sua
experiência pessoal no domínio da curadoria
e da programação de exposições, abordando
as questões da difusão e divulgação da
arte contemporânea, integra-se no ciclo
Mediações, uma iniciativa do Instituto de
História de arte daquela faculdade.
Concerto solidário Aurea, Deolinda e David Fonseca são alguns
dos músicos que sobem ao palco do Teatro do
Tivoli, em Lisboa, hoje, 12, às 21 e 30,
para o concerto ‘ Live Freedom’. Promovido
pela Amnistia Internacional, o espetáculo
tem como objetivo chamar a atenção do
público para os direitos humanos e para o
trabalho desenvolvido pela organização, e
conta ainda com a participação da equipa das
manhãs da rádio Comercial: Pedro Ribeiro,
Ricardo Araújo Pereira, Vanda Miranda e
Vasco Palmeirim. A receita dos bilhetes
reverte a favor da Amnistia.
Êxito de tabu em FrançaEm cinco dias de exibição nas salas
francesas, Tabu, de Miguel Gomes, fez
mais de 27 mil espectadores, com sessões
esgotadas no fim-de-semana, situando-se no
15º lugar, no top 20 de França. O filme está
em exibição em 42 cidades, em Paris com seis
cópias, somando-se o sucesso de bilheteira
ao entusiasmo com que foi acolhido pela
crítica. Vai estrear ainda na Alemanha, a
20, em 28 salas. Entretanto, Tabu integra a
lista dos melhores filmes de 2012 (no segundo
lugar) da revista inglesa Sight & Sound.
Papiano Carlos (1918-2012)Estreou-se em 1942, com um livro de poemas,
em 46 publicou outro, com capa de Júlio
Pomar, e a partir daí deu a lume muitas
outras obras, em particular dedicadas
à infância e à juventude, sendo a mais
conhecida A Menina Gotinha de Água, de 1963,
que tem tido sucessivas edições. Comunista,
lutou contra a ditadura, foi três vezes
preso pela polícia política, colaborou
em jornais e revistas - como a Vértice,
a Seara Nova - e nos cadernos de poesia
Notícias de Bloqueio, de que foi mesmo um
dos diretores, com outros integrantes da
chamada segunda geração neorrealista, como
Egito Gonçalves, Luis Veiga Leitão e Daniel
Filipe. Falamos de Papiniano Carlos, nascido
em Moçambique mas desde cedo radicado no
Porto, onde estudou Engenharia e Ciências
Geofísicas, trabalhou e viveu até morrer,
no passado dia 5, com 94 anos. Militante
político e cultural, foi da direção do
Teatro Experimental do Porto (TEP), E EM
2009 foi-lhe atribuída a Medalha de ouro
da cidade. O seu último título,A Viagem
de Alexandra, para crianças, ilustrado por
Manuela Bacelar, saiu em 1989, e teve uma
reedição em 2008.
JL, erro técnicoNa nossa última edição, devido a um erro
técnico de paginação, na p.3, ao alto, onde
deveria ter saído a notícia dos Festivais de
Cinema Cortex a que se reportava a imagem,
que saiu, de um filme de António Campos Luso-
Brasileiro de Santa Maria da Feira, apareceu
a notícia “O livro objeto de conversas
em Lisboa”. Notícia repetida aliás, mais curta, na mesma página. Pelo facto pedimos desculpa aos nossos leitores.
Paula Moura Pinheiro “Orgulho-me do serviço que prestámos”
privilégio
trabalhar sobre as obras das muitas cen
tenas de criadores, artistas e
investigadores de que a Câmara Clara se
ocupou ao longo dos últimos seis anos e
meio”. E acrescenta Um serviço que é uma das
faces, em meu entender
inegociável, do serviço público de
televisão”. Que espaço e que
visibilidade reserva o serviço
público de televisão à cobertura de uma das
áreas nevrálgicas do
desenvolvimento do país: a inovação nas
artes e nas ideias e a conservação do nosso
extenso e precioso património cultural-
da literatura à arquitectura.” Entretanto,
decorre uma petição pública de telespetadores
pela manutenção do programa. Pode ler-
se:”Mais do que um programa de divulgação
cultural, o programa Câmara reflexão, debate
e procura de convergências, colocando-
nos a nós espetadoresperante nós mesmos,
perante o outro, pelo universo criativo
que herdamos, que partilhamos, em que nos
movemos.” Juntamente com o Câmara Clara,
também terminou o programa de divulgação
musical Top Mais, apresentado por Francisco
e Isabel Figueira. Era o programa mais antigo
da televisão pública, a seguir ao Telejornal,
com 20 anos de existência.
O fim do programa Câmara Clara
Destaque 4
tudo isto é fado
Pretende, na generalidade e em tópicos especificos, historiar a riquissima tradiçcao e patrimonio do fado e recuperar algumas das suas ediçoes clássicas.
Para uma hitória do fado, e asua tradição inglesa a HITÓRIA OF PORTUGUESE FADO, da autoroa do hitóriador
e crítico Rui Vieira Nery, oference-nos uma completa e bem, documentada história do Fado, das suas raízes
oitocentistas às vozes que asseguram a sua constante renovação. FADOS PARA A REPÚBLICA, do mesmo autor,
retrata a curiosa ligação do Fado ás transformações políticas e sociais mais radicais, como foi o caso da I
república. Por último, ÍDOLOS DO FADO, edição fac-símile de um clássico de 1937, de A. Victor Machado. Edi-
çãoes da IMPRESA NACIONAL- CASA DA MOEDA.
São os quatroprimeiros livrosde coleção
JL | jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012 5
Joaquim Benite (1942-2012)
Último atoUm dos nomes mais destacados do teatro portuguÊs do século XX, que fundou e dirigiu a Companhia e o Festival de Teatro de Almada, morreu no passado dia 5. Mas a 20, no Teatro Azul, estreia a sua úl-tima encenação: Timão de Atenas, de Shakespeare, pela primeira vez representado no nosso país. O JL evoca o encenador, com testemunhos de muitos que com ele trabalharam, revela as suas últimas notas, recolhidas pelo seu assistente, Rodrigo Francisco, que o irá substituir na direção, e antecipa o es-petáculo. Publica ainda textos de Filomena Oliveira/Miguel Real e Vitor Gonçalves, bem como um poema de Yvette Centeno.
Teatro de Almada (CTA) teria
muitas salas cheias, uma média
de 247 espetadores por sessão,
no ano passado, como saliente
Rodrigo Francisco, que agora será
o seu diretor.
Recentemente, por exemplo, O
Mercador de Veneza , com encenação
de Ricardo Pais, contabilizou sete
mil espetadores. “Um dos frutos mais
promissores e importantes do trabalho de
JB em Almada foi a formação desse público
invulgar”, diz ainda. “E não só soube criá-lo, como
mantê-lo, o que é ainda mais difícil. E é um público
militante, participativo, que gosta de refletir sobre o
que se vê e não procura apenas entretenimento. Esse
foi o segredo de JB. Como nos dizia sempre: podemos
fazer teatro de muitas maneiras, sem texto, sem
encenadores, até sem atores, mas não sem público.”
PEDAGOGIA E INVESTIGAÇÃO
Como encenador, acrescenta Rogério de Carvalho,
“Benite deixou uma marca”. E sublinha: “Os seus
espetáculos tinhas uma estética própria, uma
visão social e política característica de todo
o trabalho que realizava”. Era também um grande
diretor de atores. Mais, diz ainda, Era um
“homem pedagógico”. “A minha formação também
passou por ele, não só pelo trabalho, mas pelas
suas ideias que muitas vezes discutíamos”.
A vertente pedagógica também é destacada
pelo ator Luís Vicente, atualmente diretor da
Companhia de Teatro do Algarve, que teve com
o JB um relação de 3 décadas: “Com ele aprendi
muito do que sei. Fazia parte da sua maneira
de estar e de ser essa preocupação no modo como
se relacionava sobretudo com os mais novos. Quem
quisesse aprender tinha nele um mestre. Foi o caso
de Vítor Gonçalves, que foi assistente de encenação de
JB e diretor-adjunto da CTA, durante 27 anos. Cháma-
lhe justamente “mestre” e fala de uma certa natureza
“socrática”, do gosto pela troca de ideias, pelas conversas
madrugada dentro (ver texto, enviado de Moçambique,
onde agora vive e trabalha). E Rodrigo Francisco,que foi
assistente de JB desde 2006 e também diretor-adjunto da
CTA, fala de uma relação quase “filial”. Ainda lhe é difícil
falar no passado de JB, de que se considera um “discípulo”
e “amigo”. “No teatro, as relações são muito semelhantes
De quantas personagens fez a marcação em palco? Às vezes,
acudia-lhe ao espírito da conversa uma ou outra “fala”,
uma ou outra “deixa” de Brechet ou Shakespeare. Às vezes,
subitamente declamava um pedaço de texto, recitado entre
duas passas, o cigarro rápido entre os dedos, a voz
enrouquecida pelo fumo, forte. Voz de comando. O teatro para
ele era essencialmente literatura, como não se cansava de
dizer. E nesse sentido, o encenador, tal como o ator, eram
“intérpretes” do texto.
Quantas cenas desenhou, gesto a gesto? Às vezes, movia-se
repentino, hesitante sobre um calcanhar e entrava em cena,
mordaz, a mordiscar um dichote, uma história do Pacheco
ou do Cesariny. Em quantos atos dividiu a vida? O olhar de
intenso fulgor, o riso arrastado, a língua afiada.Não poupava
críticas, nem imprecações, ainda menos reivindicações para
a sua causa. Não era homem de poucas falas nem de meias
palavras.Representava o próprio teatro em qualquer palco.
“Espero que os teatros saibam resistir, porque eles são,
hoje, os refúgios da liberdade. Os teatros, na tradição
ocidental, não seguem ‘pensamentos únicos’. São fóruns
de reflexão e prazer estético, onde se discute sem limites
a multiplicidade dimensional do ser humano, que não o
esqueçamos é também social e política”, escrevia no Diário
que fez para o JL de 4 de Maio de 2011, quando estava em
cena a sua encenação de A Mãe, de Brecht. E acrescentava :
“Um teatro vivo é um teatro que se inscreve numa comunidade,
a tua e interage com ela. E cria , com o seu público e
os seus colaboradores, o que poderemos chamar uma relação
racional afetiva”.
Não se limitava a fazer bons espetáculos, criava diálogos
entre o apuro estético e o imperativo ético. Pensava o
teatro. “Não é um emprego, é uma vocação”, disse em 2004,
ao Correio da Manhã. “O teatro faz parte de mim”. Joaquim
Benite (JB) era um “homem de teatro”, diz simplesmente
Rogério de Carvalho, a quem, muitas vezes chamou para
encenar. Eram, aliás, da mesma geração e Rogério de
Carvalho chegou a integrar o Grupo de Campolide, como
ator. “Acompanhei sempre o seu percurso e era realmente um
grande dinamizador, formou gerações de atores e teve uma
importância relevante na formação de um público de teatro
em Portugal”. JB orgulhava-se disso. Recordava como nos
primeiros tempos em Almada chegava a ter um espetáculo com
17 atores em palco e cinco espetadores na plateia. Muitos
anos, persistência e regularidade depois, a Companhia de
Maria Leonor Nunes
Destaque 6
às de uma família, porque passamos horas juntos e criam-se
ligações muito fortes. Por isso, havia uma relação de mestre
aluno, mas também de um grande companheirismo”, lembra. “O
que é de salientar é a capacidade que ele tinha de juntar
pessoas dos mais diversos quadrantes. Isso é visível nas
centenas de mensagens de pesar que chegaram ao teatro,
vindas do mundo inteiro”.
Rodrigo Francisco passou, de resto, do conhecimento do
palco à escrita dramatúrgica. Escreveu duas peças, Quarto
minguante e Tuning, esta uma das últimas que JB encenou. E
o dramaturgo e agora diretor do TMA, não deixa de salientar
a “generosidade” dedicava à encenação, procedendo a uma
permanente “investigação, ao nível da compreensão do texto
ou da psicologia das personagens”. (Página 8 – continuação
texto página 7 – Joaquim Benite)
“Tinha esse olhar de cientista na abordagem, mas não
deixava de o fazer também pela trancedência, procurando uma
explicação para a vida fora dos limites da racionalidade”,
adianta. “E eram momentos de criação, de partilha
perfeitamente galvanizadores e fisicamente muito esgotantes.
Um ensaio cm JB, como um dia me disse, era um trabalho de
investigação muito sério, feito com muito esforço e honesto
estudo”.
E não tinha tempo, nem pressa. Houve ensaios que começaram
já noite dentro, mesmo de madrugada e não raramente
principiavam com uns dedos de conversa no bar, sobre uma
cena, uma personagem, e seguiam o fio da conversa até à sala,
a que curiosamente chamava “laboratório”. “Era um encenador
que gostava de perder tempo, de caminhar muito devagar, de
conversar pelo caminho. Criava assim uma atmosfera criativa
e o trabalho já ia meio feito para a sala de ensaios”, di<
Rodrigo Francisco.
Além do mais, JB, como frisa Rogério de Cravalho, foi
também “um homem que formou à sua volta um coletivo capaz
de sustentar o edifício que criou”. Gostava do teatro
também pela sua natureza de trabalho colectivo. E sobre a
sua equipa escrevia no referido Diário que fez para o JL:
“Penso que aprendi, desde muito pequeno e muito pobre, a
rafrear o orgulho e a dominá-lo, como um luxo a que só se
podem dar os bem-nascidos, ou os protegidos posteriores da
roda da fortuna. O ego inflado não é sinal de inteligência.
E é, de resto, uma das dificuldades com que nos denfrontamos
no teatro. Brecht dizia aos atores que, ao entrarem na
sala dos ensaios, deviam deixar os egos pendurados, com
os chapéus e os abafos, no bengaleiro. À noite, no Teatro
da Trindade, cheio como um ovo, assito à segunda parte de
A Mãe, de Brecht. Recordo-me dos ensaios, dos atores, dos
músicos, dos técnicos. E penso que é a sua luta constante
contra o orgulho egoísta e individual que faz da equipa a
que pertenço um caso especial da coesão”. Para Rogério de
Carvalho, tudo está profundamente implicado: “Todo o seu
trabalho foi sempre como o seu teatro: humano”.
E terá sido isso que sempre o moveu, aproximar-se da
natureza humana. “Gosto de trabalhar as subtilezas,
as obscuridades do ser humano. Trabalhar as coisas no
seu sentido simbólico e poético”, disse a Joana Emídio
Marques, do Diário de Notícias, a propósito dos seus 40
anos de carreira. “40 anos de corrida”, como escrevia na
altura no Diário para o JL. Uma corrida de obstáculos,
contra as dificuldades e falta de apoios oficiais ao teatro,
pela dignificação da sua arte e da cultura. Foi o teatro
que sempre o fez correr. E só a morte o poderia parar:
no passado dia 5 de dezembro. Tinha 69 anos e a estreia
absoluta de Timão de Atenas, de Shakespeare, marcada para
dia 20.
Porém, o pano nunca descerá para o encenador. Dos
encenadores, costumava dizer, não rezará a História, com um
desprendimento que talvez fosse mais mágoa do que alívio,
Notas para uma encenação
a sua consciência crítica que está a ser abordada.
• A encenação não procurará uma linha psicológica: é
a ação que determina o comportamento das personagens.
• “A atualização dos textos clássicos pode ser peri-
gosa: trata-se de textos atemporais, e atualizá-los impli-
caria muitas vezes amputar-lhes alguns dos seus significados
mais preciosos”. (JB)
• A mistura de tragédia com comédia é um das marcas
de Shakespeare, o que o levou a ser considerado, até ao
Romantismo, como um desrespeitador das leis aristotélicas:
curiosamente, são justamente a sua poesia e a sua desmesura
que tornam as suas peças tão apetecíveis ao teatro moderno e
contemporâneo.
• “Não basta querer representar. É preciso querer
levar o teatro até às ultimas consequências - querer sempre
superar-se a si mesmo. Não vale a pena querer ser ator: é
preciso querer ser um grande ator: é preciso querer ser um
grande ator”. (JB)
• O gesto do ator deve resultar de um movimento in-
terior dele mesmo, com um significado, senão redunda no es-
bracejar, que já Hamlet criticava nos atores: “Por que é que
agridem o ar? Ele fez-vos algum mal?”
DA DEIFICAÇÃO DO OURO
• Shakespeare introduz o tema do ouro como o fator de
inversão de todos os valores e de toda a lógica. Numa época
de disputas religiosas apoiadas no homocentrismo, Shakes-
peare volta a colocar o Homem num plano natural, ao nível
dos animais - a propósito desta posição, veja-se a carta de
Rousseau a Voltaire sobre o terramoto de Lisboa de 1755.
Rosseau adota o ponto de vista de que até uma grande calami-
Do Tema e Estrutura da Peça
• Na primeira cena resume-se, na fala do Poeta, todo
o enredo da peça: Timão, um homem rico e antigo chefe mili-
tar, um esbanjador, perde os amigos quando se vê desapossado
dos seus bens.
• Timão de Atenas é uma peça formalmente singular,
desequilibrada: “Shakespeare nunca escreveu uma peça que
fosse simples”. (JB)
• O texto aborda a falsidade das relações humanas,
a falsa lisonja (Timão diz “Devemos odiar a Humanidade”).
O cetismo em relação à Humanidade é total: os homens serão
sempre corruptos.
• Hoje em dia, no nosso País, 87% das pessoas não
acreditam na Democracia, dada a corrupção dos políticos e
dos seus ideais. A História tem-nos mostrado que um sistema
democrático pode descambar num regime político prejudicial
para o povo.
• A dimensão trágica e existencial é bastante forte:
“A tragédia de Timão, que escolhe afastar-se da Humanidade
para morrer sozinho, é a tragédia de cada um de nós”. (JB)
• “Não basta ajudar o fraco a que se erga, é preciso
depois sustentá-lo também”: no início do século XVII Shakes-
peare utilizava um expressão que podia ser utilizada ipsis
verbis para criticar o sistema liberal vigente hoje em dia.
• “Em Shakespeare a complexidade dos textos não resi-
de no enredo, mas na multiplicidade de significados. Não nos
interessa a história, mas a forma como a história é conta-
da”. (JB)
• A raiva interiorizada pode ser muito mais violen-
ta do que a “gritaria”. Se um ator gritar na direção de um
espetador, este é afetado emocionalmente por um ruído: não é
dade é necessária à transformação e à evolução da Natureza,
ainda que isso constitua um revés para os humanos.
• O outro passou a ser o Deus das sociedades moder-
nas. É alienante, porque tem a capacidade de transformar
características do ser humano no seu oposto (o feio torna-
-se belo; o velho novo; o desonesto honesto, etc.). O ter
destrói o ser. Em si mesmo, o ouro não vale nada: tem apenas
o valor que a Humanidade convencionou atribuir-lhe. Timão
demonstra isso claramente, quando na cena em que procura ra-
ízes só encontra ouro - e este não pode matar-lhe a fome.
• Karl Marx cita duas obras literárias no seu ma-
nuscrito sobre o dinheiro, de 1844: Timão de Atenas, de
Shakespeare, e Fausto, de Goethe. O facto de o filósofo ale-
mão citar justamente Shakespeare para ilustrar as caracte-
rísticas alienadoras de dinheiro para a Humanidade dá-nos a
ideia da dimensão gigantesca da poesia de Shakespeare, que
teve a coragem de fazer esta denúncia no seio da sociedade
inglesa do início do século XVII, já com Jaime I no poder.
• “Vivemos numa sociedade que se encontra imersa num
sistema financeiro que torna difícil, muitas vezes, pensar em
temas como a alienação pelo dinheiro. Se refletirmos pro-
fundamente, o ouro em si mesmo não vale nada - é apenas uma
convenção para facilitar trocas comerciais, tal como eram
as bagas de cacau nas sociedades índias da América do Sul,
antes da conquista espanhola”. (JB)
• “Toda a nossa vida pode ser enquadrada num sistema
de trocas - até os afetos”. (JB)
• “Só numa sociedade muito diferente da atual se po-
derá substituir o valor atribuído ao dinheiro por outro tipo
de valor: nomeadamente o valor artístico”. (JB)
Começamos a trabalhar com os atores no dia 1 de outubro, embora o Joaquim viesse concebendo a encenação já há mais de um ano, durante o período que passou internado. Às vezes, nas visitas, perguntava--lhe: “ E o Timão?”, e ele mudava o olhar e revelava-me mais uma ideia: o chão branco, os figurinos escuros, a distribuição dos pa-peis - tudo no sentido de uma depuração absoluta do espetáculo, que fizesse revelar o jogo dos atores e, sobretudo, o texto. “Nada de Cadillacs”, dizia, sarcástico consigo mesmo, referindo-se á adapta-ção dramatúrgica que havia dirigido, em 2008, no Festival de Mérida. A ideia final, a da bancada como único elemento cenográfico, revelou--ma o Joaquim no início de setembro, na sua esplanada favorita da Ericeira, local que ele elegeu para trabalhar nas adaptação drama-túrgica da magnífica tradução que Yvette Centeno lhe oferecera. “Olha lá, este Shakespeare devia ter lá muitos atores na Companhia dele: isto é gente que nunca mais acaba! Corta os criados.”E cortámos, adaptámos, lemos, relemos e o resultado foi conjunto de palavras “radiosas”, que os atores tomaram como suas logo desde os primeiros ensaios de leitura. Pelo que começámos a trabalhar com os atores - alguns jovens e ou-
tros, indefetíveis, com quem o Joaquim fez questão de voltar a tra-balhar. O momento ficou registado por Catarina Neves, que realizou um documentário sobre o Joaquim e sobre todo o processo de criação peça. Os atores mais velhos (e, mesmo mais velhos, a maior parte estreara-se profissionalmente com o Joaquim) sentiram que a forma de abordar o trabalho fora, desta vez, atípica. Desta vez preocupara-se em passar rapidamente da mesa para o palco, em deixar um esquema de marcações estabelecido, em ultimar pormenores, como se fôssemos es-trear daí a uns dias: “Põe o Horta a fazer as árvores. Quero sombras refletidas, de árvores verdadeiras. Nada de vídeos”. E as árvores lá estão. E lá está a bancada. E lá está a mesa a descer do teto. O chão branco, a representação sóbria. Este é um espetáculo “sem tru-ques”. É um espetáculo para atores e para um público que goste ver atores e de ouvir bons textos sejam eles de Shakespeare e de Middle-ton, como parece que este Timão é: mas que sejam textos bons.As notas que se seguem são os apontamentos possíveis, tirados à pressa nos ensaios de leitura, nas alturas em que consegui vencera vontade de deixar-me ficar simplesmente a ouvir o Joaquim, e a acom-panhar a lucidez e a riqueza do seu discurso.JL. Rodrigo Francisco
JL | jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012 7
apesar de ter dito numa entrevista ao DN, em 200o, “Os
encenadores não têm posteridade. No futuro, pode haver uma
referência nos livros a Luís Miguel Cintra, mas nunca vão
saber como ele foi. Essa impossibilidade de posteridade
traz-me felicidade. Não tenho de apanhar com séculos de
julgamentos, só tenho de me confrontar com os atuais. Isso
dá-me uma sensação de liberdade e impunidade”. Talvez se
enganasse. O seu teatro continuará sempre em cena. Como
revela Rodrigo Francisco ao JL, todos os anos será reposta
uma das suas encenações no Teatro de Almada. Em 2014, em
príncipio voltará à cena O Presidente, de Thomas Bernhard.
“Algumas peças que marcaram a carreira do Joaquim fazem
parte do património teatral português e vamos repô-las como
tal como o Teatro Piccolo de Milão faz com as de Strehler.
Essa vai ser uma das linhas da futura programação do TMA”,
asserva. “Isso permitirá também rever algumas das melhores
interpretações de Teresa Gafeira, uma grande atriz, que foi
a sua companheira de uma vida”.
A sua “escrita teatral” e a sua energia criadora não vão
sair de cena. E é assim mesmo que Yvette Centeno o deseja
ver celebrado: “Pela sua vida, pela sua obra e pela sua
paixão do teatro, verdadeiramente um herói ajudado a subir
ao Olimpo que merece” (ver poema junto).
ESCRITA POR ESCRITAFoi a 24 de abril de 1971 que JB se estreou como encenador,
no Campolide Atlético Clube, com O avançado centro morreu
ao amanhecer, do argentino Agustin Cuzzani. Do Grupo de
Campolide, que fundou, faziam parte “gloriosos malucos”
como José Martins, José Saraiva, Carlos Gonçalves, os
irmãos Carlos Francisco e Pedro Artur, Nuno Amorim, Teresa
Dias Coelho, que era a protagonista feminina dessa peça,
Manuel Coelho, Teresa Gafeira ou Manuel João Gomes. Ao
correr dos anos, encenaria cerca de uma centena de peças,
de dramaturgos como Shakespeare, Brecht, Molière, Marivaux,
Goldoni ou Beckett. Mas também de autores portugueses,
tendo sido o primeiro a encernar um texto teatral de José
Saramago. Também encenou ópera, nomeadamente a recente A
Rainha Louca, de Alexandre Delgado.
A sua inclinação teatral manifestou-se, no entento, ainda
nos verdes anos. Fez clubes de teatro e experimentou ser
ator amador. Mas como confessava, faltava-lhe a técnica e a
disciplina. Também fez critica teatral. E um dia pensou que
tinha que “sujar as mãos” e passar da escrita sobre teatro
à escrita do teatro. Olho por olho, escrita por escrita.
Escrever sempre foi aliás o seu empenho. Ero jovem e queria
ser escritor. Fazia poemas e chegou a publica-los. A relação
com a literatura vinha-lhe de um tio, Aleixo Macedo, um
humanista, republicano, que fora seminarista e cultivava a
leitura. Com ele, Jb cresceu, depois da morte dos seus pais,
quando andava pelos seis anos, a mãe de tuberculose com
38 anos, o pai de ataque cardíaco, com 64 anos.
Não foi, aliás, feliz a infância de JB e pouco gostava
de recordar esses tempos duros e dolorosos, em que andava
descalço pelos campos de Mem Martins, a pedir esmolas
e sopas de leite com os irmãos. O pai caiu em desgraça
e a custo conseguia sustentar os filhos. Foram os contes
de reis que rendeu um espetáculo de homenagem, que João
Villlaret lhe promoveu no Coliseu, que valeram a JB as
primeiras botas. Não admira que desse tempo gostasse apenas
de recordar as mimosas pelos caminhos palmilhados. E a
obstinada decisão de usar o nome da mãe, como “povocação e
irreverência”.
Estudou no Liceu Passos Manuel e a família paterna
predestinou-o à contabilidade. Mas as suas contas foram
outras. Aos 17 anos, começou a trabalhar na Enciclopédia
Luso-Brasileira, então dirigida por António Sérgio. Afonso
Cautela levou-o depois para o República, onde começou a sua
carreira de jornalista, que tivera os primeiros arroubos
no Notícias de Amadora. Passaria a seguir pelo Diário de
Lisboa, por O Século e já no final dos anos 80, depois de
um longo interregno, por O diário. Mal tinha chegado ao
República, quando um dia o chefe de redação, Artur Inês,
descobrindo o seu apelido paterno, o desafiou a puxar dos
pergaminhos e começou a fazer crítica. JB aceitou, mas não
começou bem. E advertiu que naquele jornal não se dizia mal
da Sr.ª D.
JB encontrava, de resto, parecenças entre o jornalismo e o
teatro, o primeiro pela mise en page, o segundo pela mise en
scéne. “Depois têm em comum o caráter efémero: o jornalismo
refaz-se todos os dias e o teatro também”, dizia ao DN. E
juntava por outro lado: “O teatro é ação. Quase todos os
grandes dramaturgos geriram teatros, como Brecht, Moliére.
Não há esse artista que está desligado da sociedade. O
teatro é a forma de escrever que está relacionada com a
acção”. E quando lhe perguntaram por que não escrever via
teatro, respondeu: “Não tenho tempo de vida para fazer todas
as peças de que gosto. Por outro lado, sei que posso dizer
coisas através da voz dos outros. Porque é que havia de
colocar uma voz que é inevitavelmente mais medíocre ao pé
destes homens? Ser escritor não é mais importante que ser
encenador, ou ser jornalista. O importante é ser feliz”.
LEGADO TEATRALDepois do 25 de Novembro, JB, que era chefe de redação
de O Século, teve um processo. Percebeu que era a altura
de deixar o Jornalismo e profissionalizou o no Teatro da
Trindade durante um ano. Levou então á cena uma peça de
Virgílio Martinho, 1383, adaptação da Crónica de Fernão
Lopes, e uma outra do dramaturgo brasileiro Dias Gomes.
Vergílio Martinho, João Vieira, Carlos Paredes ou Mário
Rio de Carvalho, de quem JB falava sempre com uma enorme
reverência em termos culturais, foram compagnons de route
do grupo que depois se mudou para a outra margem, fixando-
se em Almada, primeiro na Incrível Almadense, depois
num pequeno armazém abastecedor transformado em Teatro
Municipal, que foi a casa da companhia que passou a chamar-
se de Almada (CTA), durante muitos anos.
Só em 2006 se inaugurou o Teatro Azul, aquele por que
batalhou anos a fio, ate que Manuel Maria Carrilho, então
ministro da Cultura, o tomou como uma prioridade, percebendo
a importância do “movimento teatral” criado em Alamada. E
uma cidade com aquela, conforme afirmou o encenador francês,
Bernard Sobel, um teatro com aquela dimensão é um verdadeiro
ato poético. Um projecto dos Arquitetos Manuel Graça Dias,
Egas José Vieira e Gonçalo Afonso Dias, que alias já tinham
colaborado com a CTA a nível cenográfico.
“È a realização de um sonho. Mas sou uma pessoa que não
olha muito para o passado e diria que não é um ponto de
chagada, mas sim um novo ponto de partida”, declarou JB
na altura. Manuel Graça Dias recorda como foi gratificante
trabalhar no projecto do Teatro Azul, com o programado
fornecido pela companhia e acompanhado muito de perto por
JB. “Ele valorizava muito a surpresa. Tinha uma exigência
muito interessante para nós, arquitecto, porque achava que a
sala principal deveria de ter uma imagem, um carácter forte.
Não lhe interessava a ideia de um espaço neutro para que
os encenadores o pudessem povoar. Pelo contrario, dizia, os
encenadores são capazes de trabalharem em sala do século
XIX, porque não hão de trabalhar numa sala contemporânea,
cuidada. Nesse sentido, encorajou muito que a sala principal
tivesse uma personalidade, embora existisse uma sala
principal de maior anonimato. Isso foi muito estimulante
e surpreendente”, sublinha. “De resto, tivemos uma relação
sempre criativa e entusiasmante, em que o Joaquim foi muito
provocador. Aderiu ao que fomos propondo e inventando. E
continuou a consultar-nos ao longo do tempo. Acho que era
assim também no seu teatro. Sempre com uma relação criativa,
entusiasmada e divertida”.
Mas JB criou outros espaços teatrais, alguns provisórios,
outros ao ar livre, onde foram decorrendo muito dos
espectáculos da Festa e depois do Festival de Teatro de
Almada (FTA), criado há 30 anos (ver caixa). Se mais
não tivesse feito, como saliente Rogério de Carvalho, o
festival, o maior do país e um dos mais importantes da
Europa, bastaria para que “Joaquim Benedite ficasse na
História do Teatro em Portugal, nas últimas décadas. O FTA,
tal como o seu magnifico Teatro Azul, são “mareas” indeléveis
do seu legado.
A sua vida foi inequivocamente um palco. Conta-se que,
quando acumulava o teatro e o jornalismo, ele costumava
deixar sempre um casaco na sua cadeira, enquanto dava uma
saltada a Campolide. Se perguntavam “Onde está o Benedite?”,
logo alguém respondia: “Deve estar por aí, está ali o casaco
dele”. Se alguém agora perguntasse, a resposta talvez fosse:
“Deve estar por aqui, está ai o seu teatro”.
Destaque 8
Um
fes
tiva
l pa
ra o
fut
uroUm “milagre”, dizia
JB ao JL em 2008, a propósito do Festival de Teatro de Almada (FTA), que então celebrava 25 anos. O prodígio era de sobrevivência sempre com orçamentos reduzidos de um festival, que começou numas “tábuas” improvisadas na Rua dos Tanoeiros, expandiu-se para muitos palcos nas duas margens do rio e conquistou um público fiel, quen enche salas e ruas. Os orçamentos são cada vez mais minguados, mas o público continua na casa dos 20 mil espectadores. Ano após ano, confessava na altura JB, interrogava-se como era possível que o FTA resistisse e continuasse sempre. Mas todos sabem a resposta: só foi pssível criar um festival com a sua dimensão, apesar das limitações do país, porque um “trabalhador do teatro”, conforme gostava de se apresentar, como Benite o sonhou e levou para a frente, com a sua
equipa.A programação da edição de 2013, em que se assinala o 30º aniversário do FTA, já está preparada. Como sempre, cruzar-se-ão espetáculos de grandes criadores internacionais e estreias portuguesas, nomes consagrados e jovens revelações. Essa foi desde o primeiro momento a aposta de JB. Ganha. “Procuramos procuramos que todos os espetáculos apresentados tenham um nível de qualidade estética fora do comum, não só em relação aos estrangeiros como aos portugueses”, dizia ao JL em 2007. E essa é uma herança para o futuro, como assevera Rodrigo Francisco, que vai assumir também a direção do FTA. “Vamos respeitar, assim sejamos capazes de o fazer, ou seja, a seriedade, o rigor e a inspiração artística. E ressalva: “Claro que JB é insubstituível. E não se pode substituir pessoas que são insubstituíveis”.Quanto a financiamentos, o FTA já tem garantidos para 2013 os de alguns organismos europeus, apoiantes habituais, outros conseguidos o ano passado. Mas em relação aos apoios da Secretaria de Estado da Cultura, tudo em aberto. Como acontece de quatro em quatro anos, vai candidatar-se ao subsídio da Direção Geral das Artes. O projeto será apresentado até 21. “Vai ser por certo um ano de crise, já a edição do ano passado o foi, mas mesmo assim, temos asseguradas grandes produções de importantes companhias europeias, como o Joaquim tinha vindo a fazer”, sustenta. ”E aguardaremos qual será o subsídio atribuído. A diretora das Artes terá anunciado que havia um teto máximo de 400 mil euros. Nesse caso teria-mos então um corte de pelo menos 25 mil. É duro, mas julgo que vamos conseguir colmatá-lo a nível dos financiadores europeus”.
Chora o Olimpoo valoroso herói:caiu junto aos portões da cidade de Atenas.
Coronte não o deseja:não aceita as moedas,a sua luz mais forteofuscaria a trevada memória...
Diónisos vem buscá-locom as suas bacantes:ele sobe triunfantecom o Rei do cortejo...
Vénus abre-lhe o colode abraços generososE Hermes cede-lhe as asaspara poder voar...
Zeus entrega a coroa de fogoreservada aos heróis:o Olimpo é o Reinode memória perpétuaonde não há Carontesreceosos... JL YVETTE K. CENTENO
A Joaquim Benedite no seuOlimpo (in memoriam)
A escolha das peças que Joaquim
Benite levava a cena sempre
foi inspirada pelos sinais do
tempo. Nada de acasos. “Os seus
espectáculos eram feitos no
tempo certo e com uma leitura
própria”, salienta Rogério de
Carvalho. E Luís Vicente não
deixa de sublinhar: “A escolha
de um texto para o Joaquim
não era um ato leviano, nem se
prendia com o facto de poder dar
um bom espectáculo. Ele pagava
um texto para reflectir sobre a
contemporaneidade e era em torno
desses problemas que sentimos
dia-a-dia que montava as suas
dramaturgias”.
JB implicava-se social
e politicamente em cada
espectáculo, em cada ato, em
cada gesto do seu teatro e da
sua vida. Há muito que pensava
encenar Timão de Atenas, de
William Shakespear, uma peça
nunca antes representada no nosso
país. E este afigurou-se o tempo
certo para o fazer. A estreia
absoluta é dia 20, no Teatro
Municipal de Almada, como tinha
programado.
Foi há três anos que desafiou
Yvette Centeno a traduzir
Timão de Atenas. Era antiga a
cumplicidade teatral que os
ligava. Vinha ainda dos tempos
iniciais do Gropo de Campolide.
“Não houve nada que eu não
tivesse traduzido, nomeadamente
Otelo”, garante a poetisa. Disse
pois a JB que a tradução iria
levar o seu tempo, era “sem
prazo” porque só o poderia fazer
à noite. Levou justamente um ano.
Pesou também a complexidade do
texto, em parte em verso. “Fiz
várias revisões até me parecer
que soava bem na boca dos atores,
porque fiz verso livre, procurando
o ritmo, a verdadeira pulsão do
texto. Deu-me bastante trabalho.
Quando lhe entreguei disse-lhe
que era um prendinha, porque
nunca poderia pagar o esforço dos
meus olhos, quase todos os dias
Shakespeare em estreia absoluta
até ás quatro da manhã. Ele riu-
se muito.”
Depois de um prolongado
afastamento dos palcos, por
doença, JB tomou essa tradução e
começou a trabalhar na encenação,
que marcaria o seu regresso.
Ainda começou os ensaios,
arquitectou o “edifício” do
espectáculo, fez as marcações
dos atores.Como garante Rodrigo
Francisco: “Nos últimos tempos,
foi muito angustiante, porque ele
começou a sentir que talvez não
viesse até á estreia e chegou a
dar-me exemplos de fontes onde
eu deveria ir beber, quando ele
já cá não estivesse. Apontou-
me caminhos para o futuro para
manter o seu projecto”. Foi isso
mesmo que transmitiu aos atores,
quando tomou em mãos a encenação.
Timão de Atenas, como adianta
Yvette Centeno ao JL, “tem uma
dimensão social muito atual”.
Temos diante de nós a diferença
entre o momento do sucesso
e a tragédia da queda. È uma
atualidade trágica, a desgraça do
herói, que é como quem diz a de
um país em sofrimento, num mundo
em crise. E tem tudo a ver com a
consciência e a crise de valores
que estamos a viver”.
Literariamente, o mais
interessante para a profª
e tradutora é o “modo como
Shkespeare trata a loucura de
Timão, comparável á de Rei Lear”
E se “Lear enlouquece por culpa
própria, porque se enganou em
relação ao amor das filhas, Timão
enganou-se sobre a fidelidade de
quem é subserviente”.
Desde o primeiro momento em que
pensou fazer a peça, JB convidou
Luís Vicente para ser Timão. E
ao correr do tempo, diz o ator,
foi desenvolvendo “complicidades”
com o olhar de Shkespeare sobre
o tema central: o dinheiro. “ È
a questão do valor do dinheiro,
a importância que se dá ao
ouro que está em causa. Porque
razão o dinheiro é tão decisivo
na relação entre as pessoas?
Joaquim refletia muito sobre
isso e propunha-nos que também o
fizéssemos. Ele fez uma pesquisa
exaustiva e fomos confrontados
com o pensamento de vários
filósofos, nomeadamente com Marx,
porque ele era um marxista”.
Timão é a terceira personagem
Shakeperiana que Luís Vicente
protagoniza numa encenação
de Benite. Todas elas foram
uma “aprendizagem muito
gratificante”. Timão implica
algumas dificuldades, como
ressalva, pela própria natureza
do texto e por apresentar algumas
irregularidades do ponto de vista
psicológico da personagem. “A
propósito de Otelo, o Joaquim
falou de Shakespeare. È uma
expressão feliz julgo que se
aplica a Timão”, afirma. È um
espetáculo que JB orientou para
uma “reflexão sobre os tempos que
correm”, segundo o ator, mas
feito com uma “grande depuração”.
“ Tanto cenográfica, como ao nível
dos figurinos e dos comportamentos
ou da gestualidade, como em
nenhum outro”, adianta.
A depuração foi, de resto,
o caminho que seguiu na sua
arte de encenar como reconhece
Rodrigo Francisco. Curioso é
que, observa, “dispondo de um
dos maiores palcos do pais, um
teatro com condições uniccas, que
lhe permitia utilizar recursos
técnicos raros, JB tenha assim
mesmo enveredo pela simplicidade,
por “cenografias mais depuradas,
pequenos apontamentos cénicos
carregados de sentido, procurando
cada vez mais o texto”.
Timão de Atenas conta com
cenografia de Jean-Guy Lecat,
figurinos de Sónia Benite e
interpretação de Paulo Matos,
Teresa Gafeira, Ivo Alexandre,
Marques D’Arede, Alberto Quaresma
e André Gomes, entre outros. Em
Janeiro, a nove retumará a sua
carreira no Teatro de Almada, até
3 de Fevereiro. JL
JL | jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012 9
Espera um pouco
Esmagava-me quando eu me deborcava por sob a minha vaidade: confortava-me quando me escondia dos meus fracassos.Não sei se somos aquilo em que nos tornamos ou se nos tornamos naquilo que somos, nunca o percebi.Mas o Joaquim era aquilo que eu queria ser: a tenacidade feita corpo, a convicção feita verbo. Acreditava inabalavelmente na bondade intrínseca do ser humano: em quase três décadas não me lembro que alguma vez tenha despedido alguém só porque na alma, assumia que os fracassos dos que com ele colaboravam eram, antes demais, os seus.Nunca se cansava de ensinar, os atores, os assistentes, os técnicos, a senhora do bar, as senhoras da limpeza,
os vagabundos, o tipo que encontrava na rua por acaso, os ardinas, os varredores, e a mim também.Era profundamente socrático na sua pedagogia. Às vezes a minutos da estreia – era capaz de como se o tempo também parasse para o escutar divagar em rodopiantes e alarmantes considerações sobre assuntos que – para os encantos que se fazem surdos ao conhecimento – pareciam pura perda de tempo.Conversava, conversava, e voltava a conversar e, quando parecia que nada tinha acontecido a cena resolvia-se o dinheiro aparecia as estratégias de defesas estavam montadas. “È isto a morte” dizia-me então “È assim mesmo, não deve ser difícil. È quando já não
posso prenunciar nem mais uma palavra, fazer um só gesto, jogar num jogo quando o meu corpo exige estender-se e os meus olhos se fecham que, só então, quero repousar.Não gosto que um dia passe sem que me encontre exausto.”O Luís Vicente e eu, por razoes diferentes, e momentos distintos, um dia separamo-nos – só fisicamente – dele, mas, ainda hoje, quando em privado a ele nos referimos, é assim que o tratámos: - “o nosso Mestre”.Mas... Já basta de verborreicos panegíricos! Joaquim é simples: não podes desaparecer assim.Não vale a pena lembrar-te a obra, nem auspiciar-lhe este ou aquele futuro, não tenho forças para palavras de conveniência.Joaquim, agora a Teresa já não
te pode valer, nem eu, nem o Rodrigo. E como lamentámos.Ligo o teu numero e nada.Porque não atendes? Senão respondes que faço agora?Desde que parti que procura perceber porquê. È sempre em ti que penso em cada êxito ou derrota que enfrentei depois.Haverá Verdi no teu enterro amanhã?sempre que me pedias. “No meu funeral tens que por esta música...”com voz rouca eu ria-me e afugentava a realidade que esta madruga me revelou.Cria a cena, barafusta o que for necessário e não saias daí.Nós, os que te amamos estamos a caminho. JL
Vitor Gonçalves
Ainda não me conhecia quando o conheci. Tinha 17 anos e não sabia que iria fazer, deste homem, a razão da minha busca.A sua paixão contagiou-me e tornou-se tão minha que já as não sabia separar.Em noctívagos solilóquios instruiu-me e ensinou-me a ver. O que lhe devo? Tudo.Que falta me faz? Toda.O que mais me assalta a memoria? A sua pertinácia. “A única razão porque uns fazem teatro e outros não é porque, os que o fazem, nunca desistirão de o fazer. A que espécie pertences tu?” Durante 27 anos zanguei-me com a sua teimosia todas as noites, só para descobrir, manha rompida, que era ele que tinha razão.
Filomena Oliveira e Miguel Real
Joaquem Benite foi não só um dos
grandes encenadores portugueses e
europeus e um dos mais empenhados
e mais lúcidos “ trabalhadores do
teatro” ( como se auto-classificava)
da segunda metade do século XX,
como a sua visão no teatro se
integrava num explicito projecto
cultural para Portugal, alimentado
por quatro veios nervosos, que,
cruzados e unificados na criação
da Companhia de Teatro de Almada
(CTA) e do Festival de Teatro de
Almada, lhe desenharam uma vida
de luta, de resistência e de
esperança, ora extinta fisicamente
mas espiritoalmente.
Em primeiro lugar, uma conceção
cosmopolita e internacionalista
da arte da representação, recusando
nacionalismos ideológicos ou
sectarismos políticos, fazendo a
Companhia participar nos grandes
movimentos teatrais europeus,
tanto na criação de espetáculos
quanto na receção deste fossem
europeus, mediterrânicos, africanos
ou da América Latina. Não só por
Joaquim Benite mas sobretudo
também por ele, passou grande
parte da internacionalização
do teatro português a partir da
década de 1980. A estratégia
de internacionalização da CTA,
concretiza poderosamente na
criação e realização anual do
Festival de Teatro de Almada,
foi absolutamente singular no
espaço cultural português e devia
merecer um detalhadíssimo estudo
de caso, próprio de uma tese de
doutoramento. Não se tratou de
ir ao estrangeiro de apresentar
espetáculos ou de receber estes
em Portugal. Diferentemente, cada
peça recebida constituía objeto
de estudo de modo a preencher
uma lacuna ou uma atualização
no processo formativo português
ligado à arte do teatro. Em segundo
lugar, um apurado conhecimento
estético do teatro. Portugueses
possuíram porventura o conhecimento
pormenorizado a historia do teatro
que Joaquim Benite possuía,
a correntes dramatúrgicas,
os fundamentos filosóficos das
diferentes opções de encenação,
as matrizes da caracterização de
personagens, o leque de opções
na construção de diálogos, as
harmonias entre luz, música e
palavra. Verdadeiramente, de peças
clássicas encenadas realisticamente
a peças modernistas encenados
vanguardistamente, nenhum grande
texto de teatro, reflexo de uma
vibrante corrente cultural, esteve
ausente dos palcos dirigidos por
Joaquim Benite; nenhum grande
autor teatral europeu da Grécia
clássica ao pós – modernismo
francês e inglês, esteve ausente do
reportaria da CTA.
Em terceiro lugar, a sua aposta
na descentralização cultural.
Não foi a única, como evidenciam
o CENDREV, em Évora o teatro da
Serra do Montemuro ou o Bando,
em Palmela, entre outros. Mas
é indubitavelmente – a de maior
projeção nacional e internacional,
tendo ajudado vigorosamente a
colocar no mapa cultural português
e europeu uma cidade sem historia
dos subúrbios lisboetas como
Almada. Vasta pensarmos na Amadora,
no Cacem, em Loures, Oeiras ou
em Setúbal para de imediato
percebermos, culturalmente falando,
Benite e os seu companheiros
injetaram um pujante acrescento
cultural, tornando-se, de certo
modo, o rosto cultural da cidade
para efeitos exterior. Justifica-se,
assim, que o município retribuísse
o prestigio acrescido que a
Companhia trouxera para a cidade
atribuindo-lhe a direção do “Teatro
Azul”, atualmente um dos melhores
teatros europeus e uma bela peça de
Um mestre de gerações
“Nenhum grande texto de teatro, reflexo de um vibrante corrente cultural, esteve ausente dos palcos dirigidos por Joaquim Benite”arte arquitetónica.
Finalmente, em quarto lugar, a
busca e a conquista de uma ampla
base popular para a sua companhia e
para o seu Festival. Quem frequenta
as suas instalações (as antigas e
as atuais) sabe que nas cadeiras de
Almada se misturam o intelectual
mais bairoaltino com o trabalhador
mais tradicional, irmanados
no objetivo de aliar o prazer
estético com o empenhamento cívico
do cidadão. Uns privilegiarão
mais esta última vertente, outras
aquela, mas todos encontravam no
repertório da CTA e do Festival
motivo suficiente tanto para o
prazer dos sentidos quanto para a
reflexão interventiva.
Esta foi a base do segredo de
Joaquim Benite – a não separação
entre a representação ( o teatro)
e a vida real, social, politica,
económica ou, noutras palavras
na aliança inextrincável entre o
deleite estético e empenhamento
cultural. Transformar uma peça num
motivo cultural significa vincular
o teatro ás suas raízes sociais
mais fundas, integrando-o, como
lição para o presente histórico, no
movimento social de que se originou
e foi expressão.
Caro Joaquim, Não nos víamos á um
ano. Não voltaremos a encontrar-
nos. Lamentamos. Nós é que perdemos
a lição de um Mestre, habitualmente
enquanto jantávamos ou no convívio
a seguir ás estreias. JL
Destaque 10
Tinha no desenho a sua linguagem e na curva a sia assinatura, espalhada por centenas de obras únicas e inconfundíveis, em numerosos países. Construiu Brasília e morreu a 5 de Dezembro, no rio de Janeiro, a dez dias de cumprir 105 anos. Além de um genial arquiteto, que recebeu os mais importantes prémios, incluindo o Pritzker, em 1988, desapareceu um homem generoso e empenhado na luta contra as injustiças. O JL, que lhe dedicou nemerosas matérias (ler comentário de JCV na p.3), recorda-o aqui através das suas próprias palavras e das de outros artistas e arquitetos, algumas delas publicadas nestas colunas
Óscar Niemeyer ( 1907- 2012)O arquiteto prodigioso
“Meu nome deveria ser Óscar ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares. Ribeiro e Soares, de Portugal; Almeida, árabe, e Niemeyer, alemão. Sem contar algum sangue negro ou índio que, como se sabe, faz parte de toda a família brasileira. Uma mistura de raças que me faz bem integrado na mestiçagem de meu povo”.
MINHA ARQUITETURA NÃO ACEITA COMPROMISSOS, visa a beleza e a intervenção, sem cair em pequenos detalhes, atuando, isso sim, nas próprias estruturas, nas quais se insere e se exibe desde o primeiro traço
MINHA ARQUTETURA PREFERIDA: bela, leve, variada, criativa, criando surpresa.
TUDO COMEÇOU quando iniciei os estudos da Pampulha desprezando deliberadamente o ângulo reto tão louvado e a arquitetura racionalista feita de régua e esquadro, para penetrar corajosamente nesse mundo de curvas e retas que o concreto oferece.
A MONUMENTALIDADE nunca me atemorizou quando um tema mais forte a justificava. Afinal, o que ficou da arquitetura foram as obras monumentais, as que marcam o tempo e a evolução da técnica. As que , justas ou não sob o ponto de visita social, ainda nos comovem. É a beleza a se impor na sensibilidade do homem.
SEMPRE QUE VIAJO, olhar para as nuvens é a minha distração perdileta, curioso, procurando decifrálas como se estivesse em busca de uma boa e esperada mensagem.
COMO TODOS OS ARQUITETOS
da minha geração tive grande influência da obra de Le Corbusier, que pela nossa arquitetura, por sua vez, se entusiasmou. Encontrar os amigos, esquecer um pouco nossas angústias, rir, mesmo sem muita razão para isso, é velho um velho hábito que, como quem rega uma flor todos os dias, venho cultivando há muitos anos.PREFIRO A LINGUAGEM SIMPLES, do quotidiano. “A literatura engrandece quando se aproxima da linguagem oral”, disse Morávia numa das suas entrevistas. Mas se os livros de conteúdo social me entusiasmavam, outros, que nada disso oferecem, também me atraíam. Era a pureza literária a dispensar outros predicados, embora, juntos, pudessem, sem dúvida, enriquecer ainda mais. Como a beleza se impõe!
NUNCA ACREDITEI NA VIDA ETERNA. Sempre vi a pessoa humana frágil e desprotegida nesse caminho inevitável para a morte. O importante é dizer não aos que insistem em nos oprimir, incendiar o mundo, ricos e medíocres de mais para compreendê-lo.
UM DIA A VIDA SERÁ MELHOR, com certeza, sem as preocupações de luxo e poder que tanto a desmerecem. Modestos e realistas, os homens aceitarão afinal serem filhos deste velho planeta, como as florestas e rios os bichos da terra e os peixes do mar”
O HOMEM SEGUE O SEU DESTINO, satisfeito, quando suas convicções e esperanças com ele coincidem. Até hoje só fiz esculturas de protesto.
SEMPRE DEFENDI a importância que tem para qualquer arquiteto ou artista plástico uma boa experiência no desenho figurativo.Mesmo se na sua profissão não tiverem interesse ou necessidade de desenhar uma figura humana, naquela prática
lhe dará a habilidade manual do desenho à mão livre.NUNCA OLHO PARA TRÁS nunca me critiquei pelas faltas cometidas. Sou filho da natureza, um pequeno e humilde ser nela inserido para ela transfiro – em parte, pelo menos – minha qualidades e defeitos. Foi assim que ela me fez.
SÁBADOS E DOMINGOS SÃO OS DIAS QUE MAIS TRABALHno meu escritório da Avenida Atlântica. Sozinho, a folhear, alguns livros, escrever um texto qualquer, desenhar, pensar na vida ou simplesmente olhar o belo mar de Copacabana. Dizem que Descartes ficava na cama até as 11 horas da manha
a sonhar sias teorias, e isso é o que procuro fazer, nesses dias em que a maioria vai para a pria ou resolve assistir ao futebol.SOU PESSOA SIMPLES, aberta para a vida, apta a aceitar todas as mudanças que os tempos estabelecem. E, por isso mesmo, compreendo a evolução da família, o triste e inevitável
JL | jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012 11
afastamento entre pais e filhos, a liberdade que a juventude exige para assumir seus próprios destinos. Mas lembro com saudade e reservas, é claro, os nossos velhos tempos.
DUAS COISAS GUARDO COM SATISFAÇÃO. Uma é esse desinteresse pelo dinheiro, que mantive por toda a vida; a outra, minha vontade de ajudar as pessoas, ser-lhes útil, dividir. 12 DESTAQUE / Óscar Niemeyer
NINGUEM IMAGINA quantas vezes trabalho graciosamente, como fico longos períodos colaborando sem nada receber; como divido com meus amigos os projetos que elaboro, convidando-os para participar comigo.
BRASIL... Muitas vezes me senti jacobino ao defender meu pais no exterior. Ao recusar as criticas, não raro justas, feitas muitas vezes num tom amigo e conselheiro. Mas, não sei porquê nunca as tolerei. Lembro-me um dia, em paris, da minha resolta quando alguém começou a criticar o Brasil, as despesas imensas que eram feitas,
as obras gigantescas que surgiram, quando a situação, diziam, exigia politica mais económica e realista. E não me contive, ponderando que tudo isso era natural – uma espécie de moléstia infantil, inevitável nos países em vias de desenvolvimento. E explicava que o Brasil era um
continente. Um país jovem, que tudo justifica. Uma força da natureza.TODOS TEMOS DENTRO DE NÓS UM SER OCULTO, que nos leva para um lado ou para outro. E o meu gosta dessas coisas, de mulher, de se divertir, de chorar, de se preocupa com a vida, é um sujeito complicado.
ACHO QUE TUDO VAI DESAPARECER. O tempo cósmico é curto. Já me perguntaram : não lhe dá prazer saber que mais tarde vamos passear ver o seu trabalho? Mais tarde a gente desapareceu também. É a evolução da natureza. Tudo nasce, acaba, o tempo que isso vai perdurar é relativo.
PÚBLICO, eu tento fazer bonito, diferente, que crie surpresa, porque sei que os mais pobres vão poder usufruir de nada, mas podem parar de ter um momento de prazer.
POR ENQUANTO SÓ USAM ARQUITETURA quem tem dinheiro. Os outros estão fodidos vivem nas favelas.NO MEU TRABALHO SEMPRE CONVOQUEI OS ARTISTAS, os pintores, mesmo no primeiro trabalho, na Pampulha. A aquitetura não pode ser vista como uma coisa isolada. Quando um arquiteto está a desenhar uma parede, está a imaginar se ela vai ter uma pintura, uma escultura, uma parede de pedra. O artista não vêm depois colocar o quadro onde quer.
QUANDO FOI PARA BRASÍLIA LEVEI 15 ARQUTETOS, mas também um médico, em
engenheiro, dois jornalistas, cinco amigos meus que estavam na merda e precisavam de trabalho. Eu queria que a conversa em Brasília fosse mais variadae não só de arquitetura.
A VIDA É ASSIM: TEMOS DE SEPARAR AS COISAS. É chorar chorar e rir a vida inteira. Aproveitar os momentos de tranquilidade e brincar um pouco. E os outros é aguentar. A vida é um sopro.
O MEU ESCRITÓRIO FOI SEMPRE DE MUITA BOMÉMIA, mas que não prejudicavam o trabalho. A gente era jovem. Às vezes fechávamos o escritório e fazíamos uma semana de arte e brincávamos um pouco.
AH, BRASÍLIA, COMO LUTÁMOS PARA TE REALIZAR! Como me espanto lembrado que foste em quatro anos apenas, respeitando as nuances do plano - piloto do Lúcio Costa, com tuas ruas, praças, prédios de apartamentos e palácios! Mas quantas alegrias e angústias tu nos deste!
A ARQUITECTURA? VALE REPETIR. O importante é a vida, os amigos, este mundo injusto que devíamos
No seu atelier, no grande ecrã de cores florescente, onde nos últimos anos trabalhava por causa dos problemas de visão, Óscar Niemeyer ainda reviu, a poucas semanas da sua morte, o projeto que concebeu para o Museu da Arte Contemporânea de Ponta Delgada, adianta ao JL Amândio Silva, ex-secretário – geral da Fundação Luso Brasileira. A contrastar com as cores fortes do ecrã, o risco do arquiteto que reinventou, com a sua arquitetura, a alma moderna brasileira. Três salas de exposições espalhada por um edifício com duas cúpulas. A uni-la uma via deponal onde poderá também ser criado um auditório. Este é um dos tês projetos que Óscar Niemeyer fez para Portugal mas que ainda não foram concretizados. A inauguração da obra chegou a estar prevista para este ano, antes das eleições legislativas, mas não passou de boa vontade politica. A primeira pedra nunca foi colocada, nem há certezas enquanto só financiamento, sobretudo neste período de grandes constrangimentos orçamentais. E esse parece ser o destino das obras do arquiteto brasileiro para Portugal. “Um facto que lamento profundamente”, afinal ao JL Amândia Silva, lembrando o adiamento da construção da sede da Fundação Luso Brasileira, na Quinta dos Alfinetes. “Foi um projeto que Niemeyer ofereceu a Lisboa e que sempre esperou que viesse um dia a ser construído”, acrescenta. As obras chegaram
OS PROJECTOS PARAPORTUGALE EM CURSOa começar, construíram-se as fundações e o primeiro andar, nos terrenos cedidos pela câmara, mas o projeto acabou por ser suspenso. Várias entidades que se comprometerem com o financiamento acabaram por recuar. Sem meios para concluir obra, a Fundação Luso Brasileira devolveu o terreno a câmara Municipal de Lisboa e liquidou as dívidas junto dos fornecedores. A hipótese de voltar a avançar com a obra, que chegou a ser equacionada como sede da Comunidade de Países de Língua Oficial portuguesa, poderá estar a cima da mesa. Amândio Silva chegou a reunir-se com o anterior Governo, mas a actual conjuntura não favorece a obra. O mesmo aplica-se ao empreendimento turístico encomendado por Fernanda Pires da Silva, do grupo grão Para, para o Algarve.O cenário é muito deferente em outros países. Até aos últimos dias, incluindo os que passou no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, Óscar Niermeyer foi sendo informado da andamento
dos trabalhos do seu atelier. No Brasil, estão em curso três, o Memorial Encontro das Águas, em Manaus, e a Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Belém do Pará, e a Universidade da Iguaçu, no Paraná. Em África, tem a Biblioteca de Zeralda, na periferia da capital da Argélia, e em França, o edifício de boas vindas do Chateau Lacoste, em Aix-en-Provence. JL
Destaque 12
Não é o ângulo reto que me atraiNem a linha reta, dura, inflexível,criada pelo homem.O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhasDo meu país,No curso sinuoso dos seus rios,Nas ondas do mar,No corpo da mulher perferida.De curvas é feito todo o universo, O universo curvo de Einstein.
Óscar Niemeyer
POEMA DA CURVA
mudar. O resto… Vivemos num regime capitalista, e seus governantes, por mais progressistas que sejam, nada de essencial nos oferecem. Representam essa sociedade de classes, de ricos e pobres, de sem-terra, de sem-tecto, que só a revolução pode modigicar.PARA SE SER UM BOM ARQUITECTO é preciso fazer o que se gosta e não ter medo de errar, não olhar para a crítica.
EU ACHO QUE OS PROJECTOS QUE FIZ NA EUROPA são os melhores, o acabamento foi melhor. Eu fiquei com aquela preocupação de mostrar o progresso do país não apenas no campo da arquitectura mas também no campo da engenharia. As obras são mais amplas, os vãos são maiores. Mas o projecto que eu mais gosto é esse que fiz para o Memorial da América Latina. Pela liberdade que o tema me dava. Vou-te contar uma coisa que você vai ficar espantado. Fiz o projecto em cinco minutos. Eu estava no hotel, fiz uma perspectiva, como quem estava vendo uma coisa que estava surgindo.
UMA VEZ ESCREVI UNS CONTOS, mas achei que estavam uma merda e joguei fora. Mas um dia vou escrever, sabe porquê? Porque eu gosto de escrever. Quando não tenho ninguém para esperar, eu escrevo, qualquer besteira. Gosto de ver uma prosa limpa, correcta.
ENORME PLASTICIDADE da linguagem arquitectónica, possível devido a uma perfeita simbiose formal entre um invólucro muito livre e imaginativo e o sistema estrutural que o suporta.
Retirado dos livros Meu Sósia e Eu, A Curva do Tempo, do documentário A Vida é Um soproe das edições do JL 714, de 25 de Fevereiro de 1998, e
970, de 5 de Dezembro de 2007
Um homem militante“Oscar Niemeyer teve uma vida muito bonita. Foi um dos maiores artistas do seu tempo e um homem maior que a sua arte.
CHICO BUARQUE
Trata-se de ser fiel a princípios. E não a tácticas, estratégias de ordem política ou conquista de poder. Não tem nada que ver com isso. Simplesmente trata-se de princípios e não se pode renunciar a eles. O Oscar Niemeyer não renunciou eu eu não o felicito por isso,nem lhe agradeço porque simplesmente é uma expressão da sua própria humanidade. Eu creio que é uma pessoa que está em paz consigo mesmo. E estar em paz consigo mesmo não é fácil. Porque vivemos num mundo de contradições, de tensões, no fundo vivemos num temporal e manter o rumo no meio desse temporal, com ventos que sopram de todos os lados, isso Oscar conseguiu.
JOSÉ SARAMAGO
Oscar é um homem militante, engajado na luta pela igualdade social, pela transformação da sociedade, mas enquanto arquitecto quando faz
os seus projectos o que ele quer dar às pessoas é beleza, alegria da forma bela, porque sabe da importância e maravilha da beleza. Ele diz que quer que as pessoas se espantem.
FERREIRA GULLAR
A arquitectura de Niemeyer respira naturalidade e intemporalidade , superando as noções estereotipadas de tradição e de modernidade. A construção faz a Natureza.
ÁLVARO SIZA VIEIRA
Personagem solitária do seu percurso de corredor de fundo, difícil de fazer escola pela constante imprevisibilidade dos gestos, sobrevive ao barulho da arquitectura contemporânea recente que deles, gestos, abusa até à náusea. Há gestos e gestos: uns ficam, a maioria «dissolve-se no ar» ou seja, no tempo.
NUNO PORTAS
Percebemos que homem extraordinário, que grande intuição tem para conseguir captar o essencial da sua arquitectura num desenho tão rápido.
MANUEL GRAÇA DIAS
A sua capacidade de antecipar a modernidade em
cada momento é o que mais me surpreende. Uma alma tão consistente merece um corpo de o acompanhe.
ALCINHO SOUTINHO
Num continente em parte desconstruído e em parte não construído pode conceber-se outra opção que não seja a de tentar construir? É este optimismo que Niemeyer se sente no direito de transmitir aos povos condenados a cem anos de solidão – de que terão, por fim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra, como obra maior a exibir uma dignidade arquitectural irrecusável, criativa, diferente, livre do passado distante.
ALEXANDRE ALVES COSTA
A arquitectura é uma arte pública e os «objectivos» desenhados por Oscat Niemeyer são exemplos paradigmáticos, com traço inconfundível, sempre com selo de origem. Felizmente continua a haver lugar para «objectos» exepcionais.
MANUEL SALGADO
Retirado do documentário A Vida é Um Sopro e das edições do JL 714, de 25 de Fevereiro de 1998, e 970, de 5 de Dezembro de 2007
Desenhos A raiz de qualquer arquitecto
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Ideias/opinião 33
O diálogo transatlânticoatravés de Carlos Fuentes
Carlos Fuentes era um homem de
encantador convívio e múltiplos
talentos – romancista, contista,
ensaísta, diplomata. Era, ademais,
um homem elegante, inclusive no
trajar – o que surpreendeu José
Saramago que afinal concluiu que
somar exigência crítica com gravata
bem escolhida não era coisa pequena
(JL, 30 de Maio de 2012). Tinha
o dom de gentes e sabia ser um
agregador. Exerceu superiormente
esta dimensão de agregador no
âmbito do Foro, dimensão relevante
para uma instituição como a nossa
que reúne, e esta é de várias
tribos – a dos empresários, a dos
políticos, a dos intelectuais,
a de personalidade dos meios de
comunicação.
Celso Lafer*
Carlos Fuentes Acreditava na América Ibérica porque via o Atlântico não como um abismo mas sim como uma ponte dos vários encontros dos quais resultamos
A capacidade de lidar com a
diversidade de várias tribos
do nosso Foro e exercer a
função de agregador teve a sua
correspondência na diversidade das
direções e escrituras que sempre
foram um signo de vitalidade da
obra de Carlos Fuentes (CF), como
apontou com discernimento Octávio
Paz em Solo a dos voces. Assim,
respondeu ao estímulo de promover
a diversidade inerente ao dialogo
transatlântico no âmbito do nosso
Foro da mesma maneira que na sua
obra respondeu aos múltiplos
estímulos do seu “eu” literário.
3O seu ponto de partida de criador
literário e grande narrador foi
instigado pelo desafio de entender
o México (os cinco sóis de um país
que não tem começo mas tem origem
– Os cinco soles de México, pp.
7-9) e lidar com os caminhos e
descaminhos da Revolução Mexicana
(por exemplo: La Muerte de Artemio
Cruz, Los años com Laura Diaz).
Entretanto, a sua ficção e a sua
ensaística não se circunscrevem
aos estímulos da criação dada pela
circunstância mexicana do seu
eu literário e intelectual. Para
voltar a Octavio Paz: “en CF, por
ejemplo, coexisten varias voces y
cada una de esas voces, cada uno de
esos dialectos, es igualmente sujo:
como determinar que es mexicano,Lo
mexicano es el choque a la
confluencia de todas esas voces…” Na
confluência destas múltiplas vozes,
tem um papel relevante a voz da
literatura em língua espanhola, mas
também a voz da língua portuguesa
da literatura brasileira. Por
essa razão, é um agudo e sensível
estudioso e dos grandes romances
latino-americanos e não posso,
como brasileiro, deixar de destacar
o arguto apreciador de Machado
Assis, Machado de La Mancha, que
considerava como o único romancista
americano do século XIX.
No âmbito de múltiplas direções do
percurso de CF vou cingir-me ao seu
papel no diálogo transatlântico.
Vou explorar o tema, tendo como
foco a sua dimensão de intelectual
público, que foi uma faceta
importante da sua personalidade
literária – como foi a de Octavio
Paz e é a Mario Vargas Llosa.
O tema intelectual público diz
respeito à relação entre os
intelectuais e o poder, ou seja,
aos nexos ente política e cultura
– para falar com Bobbio, autor do
grande livro II dubbio e la scelta
– Intellecttuali e potere nella
società contemporanea (1993).
Nas democracias modernas e
pluralistas o poder ideológico
– que é o que se exerce sobre
as mentes através da produção
e transmissão de ideias – é
fragmentado. É um poder exercido
pela palavra e pela sua difusão de
impacta os comportamentos.
A política contemporânea em
sociedades complexas requer este
tipo de poder que está ao alcance
dos intelectuais. Refiro-me tanto
àqueles intelectuais que têm o
domínio dos conhecimentos técnicos
necessários para equacionar a
relação meios-fins, como é o caso
dos economistas, dos juristas,
dos educadores, dos engenheiros,
dos especialistas em meios de
comunicação, quanto àqueles
intelectuais que propiciam, para
a sociedade e para o poder – em
exercício ou potencial – principais
gerais, valores, sentido de
direção.
Exerceu a tarefa intelectual de
agitar ideias, suscitar problemas
(Bobbio, p 127) no âmbito mais
amplo do espaço público. Um destes
espaços que ele ajudou a criar foi
o Foro. No âmbito do Foro, exerceu
esta tarefa de intelectual público,
como diria Bobbio, com espírito
laico, vale dizer que o espirito
critico que se opõe ao dogmático
(Bobbio, p.130) – o que significa
que este espirito laico pode ser
exercido a partir de distintas
posturas
O sentido de direção do diálogo
transatlântico que CF, com sucesso,
empenhou-se em imprimir ao Foro,
está intimamente ligado à sua
conceção de intelectual público.
Neste sentido, um livro modelar
desta sua conceção é o seu livro
En esto creo, de 2002, publicado no
Brasil em 2006 pela Rocco, com o
título Este é o meu credo. O título
em espanhol é mais revelador.
Permite evocar a distinção que
Ortega y Gasset elaborou entre
crenças e ideias.”Las ideas se
tienen, en las creencias se está”.
Aponta Ortega que crenças não são
ideias que temos, mas sim ideias
do que somos. As crenças em que
estamos nos sustentam e são o fundo
a partir do qual pensamos as ideias
que resultam da nossa actividade
intelectual. As ideias, complementa
Ortega, necessitam de crítica como
o pulmão de oxigénio e se afirmam
apoiando-se em outras ideias que,
radicadas em nossas crenças, nos
permitem enfrentar o mar de dúvidas
que nos envolvem (cf. Ortegay
Gasset, Ideas y Creencias, Madrid,
Alianza Edit., 1986, pp. 23-38).
En esto creo é um livro da
maturidade de CF. É uma decantação
do seu percurso intelectual
público. O livro é constituído
por pequenos verbetes que são a
elaborada expressão das ideias que
resultam das suas crenças. Estes
verbetes são entradas, também
na aceção histórico-geográfica
brasileira, ou seja, vias de acesso
– caminhos mas também fronteiras –
para o entendimento de problemas do
continente das nossas preocupações.
Está alfabeticamente organizado de
A a Z.
Estes verbetes lidam com os temas
que dizem respeito às muitas
circunstancias que cercaram não só
o “eu” de CF, mas cercam o nosso
contemporâneo.
76
34JL | jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
O primeiro verbete de En esto
creo intitula-se América Ibérica.
Para os propósitos desta minha
intervenção, pondero que não se
trata apenas de um caso alfabético.
Carlos acreditava na América
Ibérica porque via o Atlântico
não como um abismo mas sim como
uma ponte dos vários encontros dos
quais resultamos. Estes encontros
são uma expressão das varias vozes
que, como mencionei citando Octavio
Paz, caracterizam a pluralidade
da sua escrita. É por isso que
a sua crença na América Ibérica
é tão profunda e explicativa
da sua militante dedicação ao
Foro Iberoamerica e ao diálogo
transatlântico que constitui a
sua razão de ser. Neste diálogo CF
empenhou-se em incluir Portugal e
o Brasil que são a outra face do
mundo ibérico, - a da cultura e da
política lusitana e brasileira, que
se expressam em português e têm,
com a que se expressa em espanhol.
Por obra da História e da Geografia
a herança de um compartilhado
repertório de significados.
arlos Fuentes Acreditava na América
Ibérica porque via o Atlântico não
como um abismo mas sim como uma
ponte dos vários encontros dos
quais resultamos
Entre os muitos verbetes de En
esto creo, deixo de lado o que
dizem respeito ao mundo da vida
(a lebenswelt de Husserl) ou à
cultura no sentido amplo. Vou
fazer referencia apenas a alguns
que são relevantes para perceber
o sentido da direção de natureza
politica, subjacente ao modo
como, no meu entender, concebia o
diálogo transatlântico, destaco os
verbetes:
(i) Esquerda- na qual aponta que
a globalização permite à esquerda
chamar a atenção sobre a dicotomia
crescente entre o espaço económico
e o controle político e observa
que se o capitalismo porpoe as
razoes da economia a democracia
propõe os valores do consenso
político, para concluir que, no
meio-termo entre ambos, a esquerda
é o espaço político no qual os mais
fracos da sociedade e do mercado
podem combater e negociar as suas
conquistas.
(ii) Globalização – como tema do
final do século XX que se prolonga
no século XXI e que, com o Deu
Jano, tem duas faces – que vem
levando a união de Creso – o
dinheiro e o Hedonismo – o prazer.
Esta união permite que os vícios
da aldeia global façam surgir
os vícios da aldeia local – os
tribalismos, os nacionalismos
redutores e Chauvinistas, a
xenofobia, os preconceitos raciais
e culturais.
Neste contexto nega a política do
avestruz que esconde a cabeça na
areia, e a do touro que destrói
tudo na loja de louças, e evoca,
como caminho, globalizar a
solidariedade tsl como proposto
por Fernando Henrique Cardoso no
memorável discurso pronunciado em
30 de outubro de 2001, em sessão
solene na Assembleia Nacional da
República Francesa, que tive o
privilégio de ouvir, acompanhando-o
como seu chanceler (cf. Palavra do
Presidente 14, 2001, pp. 499-505).
(iii) Política – Na qual examina
as suas luzes (a de Roosevelt e a
de Cárdenas de sua infância), e
suas sombras (os seus carrascos)
, mas pondera que, se houve nos
EUA um senador McCarthy, houve
também uma Martin Luther King. Há,
portanto, esperança na postura
de CF. Esta explica a sua vocação
para o diálogo e a sua postura de
intelectual público que tem, na
linha de Tocqueville, a preocupação
salutar com o futuro que o fez
velar e combater.
(iv) Revolução – No trato deste
grande tema, que diz respeito,
como aponta Hannah Arendt, à
possibilidade de um novo início
fruto de uma aspiração trazida pelo
potencial da convergência entre
libertação e liberdade, observa que
as duas mais coerentemente modernas
foram a Francesa e a Americana.
A que teve desdobramentos mais
significativos foi a Francesa, pois
o capitalismo e a democracia foram
os seus rebentos.
“O caráter laico de uma Revolução
é, no seu entender, a garantia da
sua sanidade, o que significa, em
outras palavras, não acreditar,
como diria Bobbio, no milagre da
política. Daí, para Carlos, os
descaminhos insanos da Revolução
Russa, que associou a herança
religiosa bizantina com o
comunismo; da Revolução Chinesa
que, na época de Mao, trouxe a
rigidez legitimista e burocrática
do antigo Império do Meio; da
Revolução Cubana que, a partir da
esquerda, consagrou a fraude mortal
da direita latino-americana: o
culto ao líder máximo.
É claro que CF, a partir do eu da
sua circunstância, não deixa de
examinar os vários paradoxos da
Revolução Mexicana para concluir
que a Revolução, no século XXI,
como um novo início, que não se
confunde nem com a revolta nem com
a rebeldia, requer pluralizar o
mundo e valorizar dialogicamente
as diferenças étnicas, políticas,
religiosas, sexuais e culturais.
Daí o significado do verbete
xenofobia, no qual destaca a
importância do ato fraternal num
mundo globalizado rodeado de
abismos. O verbete está permeado
pela sua convicção de que as
culturas perecem no isolamento e
prosperam na comunicação. Daí o
alcance do diálogo transatlântico,
no qual se empenhou.
Concluo lembrando que, no verbete
Sociedade Civil, CF destaca a
sua importância, reflete sobre o
terceiro setor e sobre as várias
modalidades da sua articulação e
presença. Lembra que o terceiro
setor tem um pé na sociedade e
outro nas instituições e pode
enriquecer as instituições públicas
e privadas e abrir horizontes
em um mundo em transformação. O
Foro Iberoamerica e o diálogo
transatlântico como um terceiro
setor sui generis vem cumprindo
estas funções inspirados pelo
saber com sabor que é como podemos
definir a sabedoria de um grande
intelectual público como foi Carlos
Fuentes, que animou e vivificou
a nossas atividades desde o seu
momento inaugural.
* Celso Lafer é prof. catedrático de Filosofia do Direito da Universidade de São Paulo (USP) e tem uma vasta obra em vários domínios, incluindo o da Ciência Política. Entre muitos outros cargos, foi embaixador do Brasil na ONU, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e, duas vezes, ministro das Relações Exteriores. É membro da Academia Brasileira de Letras. Este texto tem com base a sua intervenção no recente XIII Foro Iberoamérica, em Cartagena de Indias. Recorde-se que Carlos Fuentes, que também integrava o Foro, morreu em 15 de maio último, tendo-lhe o JL dedicado várias matérias na sua edição de 30 de maio, que Lafer cita. JL
“ Nas democracias mo-dernas e pluralistas o poder ideológico é fragmenta-do É um poder exercido pela palavra e pela sua difusão”
Ideias/crónica, livro 36
Alterações climáticas fora de controle
ECOLOGIA
VIRIATO SOROMENHO MARQUES
18ª sessão dos países que subscrevem a Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla inglesa) terminou sem resultados sequer mediocremente satisfatórios (se é que tal expressão seria legítima…). Em 2009, na 15ª edição da referida conferência, as esperanças eram altas. A União Europeia ainda aparecia dominada por um propósito de querer fazer a diferença em prol de um combate efetivo às alterações climáticas. Na altura, apesar da crise económica, a União ainda não estava devorada pela fúria fratricida em torno das “dívidas soberanas”. Nos EUA. Um presidente Obama. Recém-empossado, Prémio Nobel da Paz, enchia o mundo de esperança numa nova política de responsabilidade ambiental dos EUA, depois de oito anos de autismo de George W. Bush. Depois, foi o fracasso. O desapontamento. A manifestação da mais completa irresponsabilidade.O que se passou em Doha foi o dobre de finados na esperança de que o Protocolo de Quioto, cujo prazo de validade irá expirar em 31 de dezembro próximo, pudesse ser substituído sem deixar um ruidoso vazio. Infelizmente, é isso mesmo que vai suceder. Apesar de todos os relatórios científicos apontarem para um agravamento da situação climática ao longo deste século. É neste momento realista pensar que a temperatura mundial poderá estar 4º C mais quente, por volta de 2100. A política tornou-se numa máquina de cegueira colectiva. Uma arma de destruição maciça. Mas a geração que deixou esta ignomínia ser possível não vai ter uma velhice tranquila. Num mundo devastado pelas alterações climáticas, a guerra de gerações, a perseguição aos mais idosos, acusados de irresponsabilidade para com as gerações que ainda não haviam nascido, será um dos temas culturais e securitários mais recorrentes. Não há crimes perfeitos. JL
Onze livros, por exemploComo nas letras, também aqui reunimos alguns livros acabados de publicar e a que ainda não tínhamos registado, sem prejuízo de a eles voltar. Livros que, como muitos outros que ao longo do ano assinalamos, poderão ser bons presentes nesta quadraSendo, para este efeito, a ordem dos
fatores arbitrária, começamos por dois
livros sobre a História contemporânea
portuguesa e que têm o ditador,
Salazar, como “personagem central”.
O primeiro não é o típico livro de
investigação, divulgação ou análise:
dá-nos 41 anos de História(s) do
Estado Novo (As palavras. Os factos)
de uma forma original. Assim, entre
1933, quando se “institucionalizou”
a ditadura, com a “aprovação” da
Constituição, e em 1974, quando
ela foi derrubada, a 25 de Abril,
temos, ano a ano, os eventos mais
importantes ou significativos de cada
ano, sobretudo através ou a partir das
palavras dos protagonistas, dos quais
de fazem pequenas biografias, e entre
os quais avulta, até 1968, Salazar.
Há também uma breve referência ao
que ocorre no mundo, transcrições ou
excertos de documentos, regulamentos,
iconografia, etc. Uma leitura, pois,
muito interessante e ilustrativa
de toda uma época, a desta obra de
Marcelo Teixeira, licenciado em
História, escritor e ex director da
Oficina do Livro (Ed. Parsifal, 352
pp., 17,90 euros).
A arte de saber durar (Ed. Tinta da
China, 368 pp., 17 euros). Trata-se de
um ensaio “sobre o processo de tomada
do poder pela frente política liderada
por ele”, que o autor escreveu, como
sublinha, para “tentar perceber as
razões da durabilidade do regime
salazarista, a mais longa ditadura da
Europa no século XX”. E os mecanismos
que o permitiram, foram, segundo
Rosas, o apoio da oligarquia e a
composição dos interesses dominantes,
o corporativismo, o papel das forças
armadas e da Igreja Católica, a
violência preventiva e repressiva, a
apetência totalitária e o ‘homem novo’
salazarista.
De História é também, afinal, Melo
Antunes – Uma Biografia Política, da
igualmente prof.ª daquela universidade
e investigadora, que se tem dedicado
com especial atenção ao estudo (de
vários aspetos) do 25 de Abril (Ed.
Âncora, XXpp., 29 euros). Melo
Antunes (MA), figura central do
MFA, da descolonização, do período
revolucionário, do “grupo dos nove”,
da institucionalização da democracia
na sequência do 25 de Novembro, foi,
como salienta a autora, não só “um
militar de carreira, mas muito mais:
um grande intelectual, um ideólogo,
um doutrinador – há quem lhe chame
o intelectual fardado”. Rezola teve
acesso a documentação inédita e, em
seu juízo, “o papel do MA no processo
revolucionário ganha novas cores com
os dados agora descobertos e com a
documentação disponibilizada na Torre
do Tombo”. Quanto á dimensão humana
e intelectual do principal autor do
programa do MFA fala muito bem o
prefácio do seu amigo António Lobo
Antunes.
Biografia também como não podia
deixar de ser, sobretudo, mas
não só, política, é a de Marcelo
rebelo de Sousa, da autoria, como
é lógico, não de um historiador mas
de um jornalista, Vítor Matos
(Ed. A Esfera dos Livros,
712pp, 25 euros). Marcelo,
64 anos (feitos hoje, 12
de dezembro!), está aí,
ativíssimo, como comentador
político e político
disfarçado ou sob as
vestes de comentador,
potencial candidato a
Belém, etc., etc. Prof.
de Direito e em certos
períodos mais ou menos
jornalista, sempre
muito bem informado,
talentoso, com enorme
capacidade de trabalho,
frenético, amigo dos
amigos e intriguista,
sabedor e imaturo, desde
muito novo tem um percurso
singular na vida, em especial
na política do país (o pai foi
ministro de Marcelo Caetano, seu
padrinho). Vítor Matos fez um bom
trabalho e dá, por vezes até com
grande soma de pormenores, inclusive
familiares, esse percurso. A biografia,
esclarece o autor, além de 80 outras
entrevistas, teve toda a colaboração
do biografado, através de dezenas de
horas de conversa, mas não lhe foi
‘submetido’ para leitura prévia.
Mudando de área, para a Filosofia,
chega às livrarias uma entrevista de
João Maurício Brás a Onésimo Teotónio
Almeida, que é em simultâneo um
diálogo entre os dois, como aliás o
criativo título indica: Utopias em
dói menor – Conversas transatlânticas
com Onésimo (Ed. Gradiva, 320 pp,
14,50 euros). Decerto mais conhecido
como escritor, cronista e contador de
histórias, Onésimo é um universitário,
doutorado em Filosofia numa das mais
prestigiadas escolas dos EUA, a Brown,
em Providence, na qual é prof. nessa
área, em particular de Ética (Brás
doutorou-se na Nova de Lisboa). E
tem uma obra filosófica, aliás em boa
parte ainda não reunida em volume(s),
como desse livro se vê, até agora
talvez apenas devidamente valorizada
no substancial volume de Miguel
Real sobre a Filosofia em Portugal
editado pela IN/CM. Pois estas muito
interessantes “conversas” – às quais
em breve o JL voltará - têm também
o mérito de a divulgar e comentar,
de chamar a atenção para ela, graças
a JMB, que a conhece muito bem; e
graças, claro, ao próprio Onésimo, à
sua clareza e à forma como fala das
coisas mais complexas da forma mais
simples possível, sem ‘arrogância’,
sem jargão e sem querer mostrar
erudição… Prefácio de Carlos Fiolhais
e posfácio de José Eduardo Franco.
E, até porque estamos no Natal,
referência a um livro que tem como
título uma pergunta de certa forma
surpreendente: Quem foi quem é Jesus
Cristo?. A ela respondem, sob vários
ângulos, da sua “biografia impossível”
a Jesus e as mulheres, de Jesus e
o dinheiro a Jesus e a Igreja, dez
autores. A saber: Anselmo Borges,
Xabier Pikasa, Antonio Pinero, Juan A.
Estrada, J. Ignacio Gonçalez – Faus,
Isabel Allegro de Magalhães, Juan
José Tamayo e André Torres Queiruga. A
coordenação é de A. Borges – teólogo
e docente da Un. de Coimbra, autor de
uma assinalável obra neste domínio –
que assina o texto introdutório, “De
Jesus a Jesus Cristo” (Ed. Gradiva,
312 pp., 15 euros).
Três livros mais,em (quase) tudo: 1)
Vencer o medo – Ideias para Portugal,
de Manuel Carvalho da Silva (Temas
e Debates, 220 pp, 15,50 euros).
São seis textos do até há pouco, e
durante muitos anos, secretário-geral
da maior central sindical portuguesa,
a CGTP, que entretanto se doutorou
em Sociologia e coordena o CES em
Lisboa. Textos de intervenções, social
e política portuguesa, problemas e
desafios, em particular no mundo do
trabalho e do sindicalismo, contra a
inevitabilidade das atuais políticas,
apresentando e defendendo novas
A PAIXÃO DAS IDEIAS
GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS Onde a noite se
acaba…
A leitura do tempo tem sempre
magia e permite-nos partir daí
para a perceção da vida. Ao
acabar de publicar O Ano XX,
Lisboa 1946 – Estudo de Factos
Socioculturais: Dois homens, uma
só obra (Imprensa Nacional – Casa
da Moeda), José-Augusto França
prossegue uma obra multifacetada,
incansável e minuciosa, onde se
têm incluído estudos de tempo,
que nos permitem compreender os
acontecimentos emblemáticos de
determinados períodos, partindo
daí para o entendimento do país e
do mundo, uma vez que a história
sociocultural permite chegarmos
à visão de conjunto, sobretudo,
quando o cicerone é referência
da história da arte europeia e
mundial, como afirmou a diretora
– geral da UNESCO, Irina Bokova,
na bonita mensagem que enviou
no dia em que o mestre perfez
a bonita (e jovial, diga-se
abono da verdade) idade de nove
décadas.
Lembramo-nos de Os Anos Vinte
em Portugal (1992), Lisboa,
1898 (1998), Lisboetas no
Século XX – Anos 20, 40 e 60
(2005) e O Ano X – Lisboa 1936
(2010), e esses antecedentes
constituíram preciosos meios
para a compreensão histórica de
anos significativos. Desta vez,
deparamo-nos no pórtico da obra
com uma homenagem, merecida
e significativa, a um primeiro
companheiro desses anos, um
jornalista, ficcionista e etnólogo
que em 1946 (um ano depois de
Calenga) escreveu A Maravilhosa
Viagem dos Exploradores
Portugueses, sendo obrigado a
deixar na gaveta um romance de
denúncia anticolonialista, Terra
Morta. Falo de Fernando Castro
Soromenho (1910 – 1968), exemplo
de intelectual e resistente,
analista lúcido da emancipação
africana.
O Ano XX é um ano chave da
chamada “Revolução Nacional”,
o ultimo a ser assinalado desse
modo, já de fugida, ressoando a
ironia imperial. É o ano a seguir
ao fim da guerra e por isso parece
ser de um certo alívio, apesar de
todas as esperanças frustradas.
E, quase surpreendentemente,
ouve-se a voz de Oliveira
Salazar a dizer: “Quando um país
encontra, como Portugal, uma
linha conveniente de pensamento
e de ação política, assente em
segura experiência, é desassisado
trocá-la, dando atenção ás vozes,
aliás, dissonantes, que se
erguem das ruinas e das divisões
da Europa a apregoar sistemas
salvadores”. Mas, no essencial,
isso serve para concluir: “Não
desejamos sair, pretendemos
ficar”.
Porém, num tom de certo humor, o
inefável Borda d’Água, fazendo o
juízo do ano, entre o conselho
para plantar couves e orégãos e
a indicação do tempo que faria,
diz: “Estão todos a olhar uns
para os outros como quem diz: Que
vai sair disto tudo? E a resposta
ninguém atina com ela”. De facto,
a obra procura, à distância do
tempo, responder à questão em
15 capítulos, organizados com
critério e minúcia. Começa com os
ecos do fim da terrível guerra e
com a revista Time a apresentar
Salazar como o decano dos
ditadores (uma maça apodrecida
e uma pergunta” Até que ponto
em Portugal o melhor é mau”…).
Armindo Monteiro regressara
de Londres sob a suspeita de
excessiva anglofilia (1943), mas
agora havia que elogiar, sem
alardes, a vitória aliada.
De facto, havia leves esperanças,
velhos republicanos como José
Domingues dos Santos esperam que
os ventos novos sejam propícios e
regressam. Realizam-se eleições
(novembro de 1945), mas a
continuidade prevalece. O ano de
46 é charneira em que os Aliados
hesitam quanto à questão ibérica,
por proximidade excessiva da
Guerra Civil espanhola e por
receio de mudanças bruscas.
As prometidas “eleições tão
livres, como na livre Inglaterra”
tornam-se uma miragem. Francisco
Valença, no Sempre Fixe,
lembra ambiguamente para o
ato eleitoral, o carneiro com
batatas, comparado com as batatas
a três escudos o quilo.
O certo é que Salazar quis ficar,
recusando a saída. O director
Reuters, Douglas Brown, é expulso
por simpatias oposicionistas,
como a revista Time passou a
estar proibida… É o tempo da
criação do MUD, Movimento de
Unidade Democrática, criado em 8
de outubro de 1845, ilegalizado
“José-Augusto França prossegue uma obra multifacetada, incansável e minuciosa”
em 1948, e José – Augusto França
(JAF), com conhecimento de
causa, fala-nos do processo das
assinaturas e das intimidações,
apresentadas por Marcelo Caetano
ao contrário do que realmente
aconteceu. A lista dos mais
prestigiados intelectuais,
que participam ativamente, é
significativa: António Sérgio,
Ferreira de Castro, João de
Barros, Lopes Graça, Ramada
Curto, Aquilino Ribeiro, Vieira
de Almeida, Palma Carlos, Joaquim
de Carvalho, Azeredo Perdigão,
Vitorino Nemésio, José Régio,
Casais Monteiro, António Pedro,
Hernâni Cidade.
Mas, naturalmente, a “situação”
acena com o “período comunista”.
E o autor, tem absoluta razão
ao dizer que então, para
Salazar, era fundamental criar
um “inimigo”, sobretudo com a
guerra terminada. O presidente do
Conselho, em 23 de fevereiro de
1946, fala de “ideias falsas e
palavras vãs” e é muito crítico,
especialmente para as Nações
Unidas, para a reconstrução e
para o processo de Nuremberga
– estando em causa episódios,
complacências e cumplicidades
bem próximos. O tema do Império
Colonial vem à baila, com a
lembrança da tradição republicana
do velho “ultimatum” inglês.
Uma das curiosíssimas chaves da
reflexão de JAF está no episódio
que intitula significativamente
como “Os Garotos”. O que estava
em causa era a perceção por
Salazar do crescente sentido
crítico que ia minando a base do
regime, em especial relativamente
aos mais jovens, que tomavam
consciência da abertura e da
modernização. Depois das eleições
ganhas inevitavelmente pela
União Nacional, o líder quis
ouvir os colaboradores. Afinal,
o país legal “não se imbuíra dos
princípios ideológicos e morais
com que o Estado Novo pretendia
definir-se”.
Segundo Franco Nogueira, Salazar
“exasperado com os ataques a que
assistira e que procuravam também
feri-lo, não pudera conciliar
o sono” numa determinada
madrugada, “considerando que,
perante as criticas que a si
próprio via dirigidas, devia ir
a Belém apresentar a demissão
ao Presidente da República…
porém, pelas cinco horas da
manhã, tomará uma decisão,
dizendo de si para si o que
na manhã seguinte revelou ao
ministro das Finanças que o veio
visitar (e que só esse ministro,
Lumbrales, podia ter contado ao
narrador). O que o chefe então
lhe disse foi exatamente: ‘Ora,
são uns garotos’. Após o que
adormecera tranquilamente”. E
tudo continuou. A I Conferência
da União Nacional (11 novembro)
pretendeu dar um impulso ao
regime. Salazar apareceu,
apesar da crise neurasténica,
enquanto o atento Marcelo Caetano
encerrou, notando-se uma luta de
protagonismo com Santos Costa,
que proferira em Braga o discurso
de 28 de Maio.
Ao longo do livro vai-se tomando
pulso ao tempo: a literatura,
a vida artística, o cinema, o
teatro e a música, a imprensa
possível, “os lisboetas tinham
mudado mais do que em 20
anos anteriores, levados pela
aceleração do ritmo da história,
mesmo alheia, em costumes que uma
nova economia de consumo fizera
alterar…”. Rodrigues Miguéis
intitularia a sua obra de 1946
Onde a noite se acaba. Era um
novo tempo que se abria, incerto
mas prometedor. Recomeçava tudo
José-Augusto França
O ANO XX, LISBOA 1946 – ESTU-DOS DE FACTOS SOCIOCULTURAIS: DOIS HOMENS, UMA SÓ OBRAImprensa Nacional – Casa da Moeda, 392 pp, 24,99 euros
alternativas;
2) Nos bastidores dos telejornais
– RTP 1, SIC e TVI, da autoria de
Adelino Gomes, um dos mais justamente
conceituados jornalistas portugueses,
com larga experiência de rádio,
televisão e imprensa escrita,
e que entretanto se doutorou em
Sociologia nesta área, em que é agora
investigador. Trata-se de um trabalho
muito completo, sério e rigoroso,
realizado entre 2007 e 2010 a partir
do estudo dos jornais das 20, os de
maior audiência, das três televisões
generalistas portuguesas. Trabalho
revelador, à altura de Adelino
Gomes, e que interessa não só à
gente dos media como a outros
públicos que queiram estar bem
informados (Ed. Tinta da China,
432 pp., 15,90 euros);
3) Julgamento – Uma narrativa
crítica da Justiça, por Laborinho
Lúcio (D. Quixote, 536 pp., 24,90
euros), é um misto de memórias/
histórias do autor, em especial
como figura destacada daquele sector
(desde delegado do MP e magistrado,
na segunda metade da década de 60,
a conselheiro, director do Centro de
Estudos Judiciários e ministro da
Justiça), e de um largo conjunto de
opiniões, um ensaio, sobre esse sector
da Justiça. E como o autor o conhece
muito bem, sabe da matéria, escreve
(como fala) com elegância e humor, a
obra, a que voltaremos, recomenda-se (
ler nota de Jorge Listopad na pag.39).
Enfim, para que não se diga que
só falamos de livros e autores
portugueses, duas notas finais sobre
dois books a merecerem também mais
larga referência do filósofo francês
Michel Onfray, que, tendo ‘acreditado’
e deixado de acreditar, considera a
psicanálise uma espécie de alucinação
coletiva, apresentando-nos o seu
criador como uma figura a vários
títulos ou mesmo condenável: intitula-
se Anti-Freud (“e se lhe dissessem
que Freud é uma fraude?”) e tem um
equilibrado prefácio de J.L. Pio de
Abreu, o qual salienta que Onfray
“também matou o Deus que existia em
Freud, permitido que, finalmente, o
possamos ler sem atavismos religiosos”
(Ed. Objectiva, 648 pp., 29 euros).A
Era Secular, um minucioso longo
trabalho de investigação e análise
(mais de 800 páginas compactas, em
corpo pequeno) sobre a secularização
do mundo, Charles Taylor, um filósofo
canadiano de 81 anos, pretende “definir
e delinear” a mudança que nos leva de
“uma sociedade em que é virtualmente
impossível não acreditar em Deus
a uma sociedade em que a fé, mesmo
para o mais sólido dos crentes, é
uma possibilidade entre outras”.
(Ed. Instituto Piaget, 820 pp., 57,24
euros)JL
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Valter Hugo Mãe
AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA
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JL JORNAL DE LETRAS, ARTES E IDEIAS
A neve trancou Zagred. O tram deixou de passar. As poucas pessoas na rua iam de botas agressivas assentando passos nervosos no chão. Um homem abria um carreiro na neve quando percebeu o meu nariz no ar, procurando. Perguntou-me se buscava Boris Bucan, eu respondi que sim. Indicou-me uma passagem discreta. Uma última porta a dar para o pátio onde o temporal, na hora certa, veio todo cair sobre mim.
Foi apenas então que percebi porque me haviam dito para cuidar do calçado, da cabeça, das orelhas, das pernas, do nariz, da alma mais imediata, da força de vontade. Fiquei, subitamente, branco de cima a baixo. Molhadamente branco e gelado. Toquei à campainha. Sacudi-me, imitando com incompetência o meu cão depois do banho. A porta estava aberta, entrei.
As telas brancas, quadradas, grandes, disseram-me que estava certo. Estava no atelier
Recebeu-me simpaticamente, indicando-me a sala mais quente, iluminada, onde as telas para uma exposição em 2013 se acumulam. A sua esposa, Inga, ajudou-me com o inglês e o croata. Era minha intenção dizer que queria sobretudo chegar perto, ter esse privilégio da proximidade e auscultar, como me é costume, a intensidade de alguém cujo trabalho me impressiona.
Percebi que Boris Bucan é como os seus quadros. Robusto, de olhar cirúrgico , retirando-nos gorduras. Retira-nos as gorduras aos gestos, às palavras, às intenções. É direto. Achei muito coerente com o seu trabalho de depuração das formas. Uma depuração pelo lado sensual, permissibo, prazeroso da arte, mas indubitavelmente uma depuração. Porque sempre reduz cada representação ao seu mínimo. É um caçador do elementar, da brevidade. Como se pesquisasse o modo mais breve de mostrar algo. Diria que reduz cada coisa à mais estilizada e imediata representação possível. A realidade torna-se irónica, mais irónica, o olhar é sempre humorístico e desarmante. Inusitado. Senti-me nu. Molhado, ainda, e nu.
Sem dúvida que é isso que mais me fascina no seu trabalho. A capacidade de deixar apenas a
dimensão mais bela e improvável de cada coisa representada. Estamos sempre no território da surpresa, da insinuação, da profunda originalidade. Faz-me lembrar, a cada quadro, a genial capacidade de criar logótipos, de criar símbolos, a iconografia. Algo de uma força comunicacional poderosa. Cada imagem contém, em potência, o discurso absoluto. Explica. Faz ver tudo na sua esplendorosa elementaridade, simplicidade, improbabilidade.
Pedi a Inga que nos fizesse um retrato, que ficou meio torto e desfocado. De todo o modo, aparecemos, bem esticados, em frente a uma das telas. Aparecemos bem, quero dizer. Pensei que a neve me entrava costas adentro, ainda caindo em pingas cruéis pela camisa. O casaco de malha dava-me, contudo, um ar confortável para todas as ilusões. Agradeci. Trouxe os catálogos que me ofereceu como folhas de ouro. Escondi-os na mochila para que ficassem protegidos. Sim. Do calçado, da cabeça, das orelhas, das pernas, do nariz, da alma mais imediata, da força de vontade. Os catálogos, acontecesse o que acontecesse, tinham de sobreviver o regresso ao hotel, regresso a Portugal.
Uma resma de folhas de ouro na mochila não ajuda a andar. Quase nos acende uma luz no coração, é verdade, mas para andar não é uma ideia boa. Tropecei no caminho, mesmo que com os sapatos de herói das neves que comprei na loja à entrada do hotel, e
fiquei de joelhos por um segundo. Comecei a rir-me. À minha frente, uma senhora levava um enorme cão se atreve a olhar para mim. Veio cheirar-me. A senhora disse-lhe qualquer coisa. O bicho parecia sorrir. Era simpático. Levantei-me. Fiz o resto do caminho com o cão a controlar-me. Ia virando o rosto para trás a ver se eu tinha mais ataques estranhos. Acho que percebeu que eu vinha de conhecer o Boris Bucan e que, com nevão ou sem nevão, o mundo não estava para me impedir tal aventura. Os bichos sentem estas urgências.
Fui comer a um italiano e pus-me a alongar as vistas nos catálogos como quem vê paisagens. Os quadros gráficos não são planos. Têm diversos sentidos, comportam-se como emaranhado de coisas longe e perto que importa descobrir ou apensa intuir. Quando me apercebi de que o tram voltou a passar, duvidei se não era um objeto de traçar uma linha na tela branca de neve. Quase vi os escritos de Bucan na rua, ali mesmo na realidade toda. Talvez a dizerem: instrumento de cordas. Orquestra Sinfónica de Zagreb. Nenhuma orquestra no mundo tem melhor património plástico do que esta. Nenhuma foi mais inteligente. Podem bem fazer espetáculos em que se paga para ver o cartaz e não o concerto. Com Boris Bucan essa inversão do protagonismo é um risco. Um risco bom.
Depois de seco, nenhuma constipação me pegou. Lembrei-me do que se dizia antigamente. Que a constipação apanha-nos sobretudo pela tristeza. E eu estava contente de mais.
“Boris Bucan é como os seus quadros.Robusto, de olhar cirúrgico, retirando-nos gorduras. Retirando-nos gorduras aos gestos, às palavras, às intenções.”
Debate-Papo 36
JORGE LISTOPAD
QUARTETO DE ALEXANDRIAQuem alguma vez passou em Alexandria, não só que nunca se esquece mas ainda se lembra do romance de Lawrence Durrell (1912-1990), ou melhor: dos quatro livros do romance sobre Alexandria. E ao contrário, quem leu a obra-prima do escritor inglês, vai lembrar-se da cidade onde nunca esteve e que está à sua espera. Uma vez escrevi um conto que se passava nessa cidade, que tinha visitado pouco antes. No seu conteúdo havia um misto de estranheza e de paixão. Amanhã vou procurá-lo. Porém, agora tenho outro agradável dever: abrir a edição de O Quarteto de Alexandria publicado pela D. Quixote, quatro romances num único livro. Justine, Balthazar, Mountolive e Clea, talvez que este último esteja estilisticamente mais afastado desse já clássico romance inglês. Para completar a informação: este megalivro tem mais de 900 páginas e pesa muito, mas uma vez diante dele esquecemos o peso mecânico da existência. Como se pode verificar, adoro este livro e não só a partir da edição hodierna. Ao lado do nosso mundo criou um outro mundo completo. Felizes daqueles que podem dar os primeiros passos de hibernação com O Quarteto ao seu lado. O inverno será leve. Que bom é por vezes podermos depender do eloquente silêncio de alguém outro.
KEERSMAEKEREnquanto Anne Teresa de Keersmaeker abandou Lisboa para hibernar algures noutro território de sua escolha, posso apenas lembrar o espetáculo em três “volumes” realizado no Teatro Camões, coreografado para os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado (CNB), ao que saiba a única além da sua para quem a coreógrafa belga trabalhou. A primeira coreografia dessa trilogia foi o Preludio à sesta de um fauno com toda a sua famosa história desde Debussy a Nijinsky. Claro, Anne Teresa não brinca com a sua inspiração: foi bem diferente, inclusive no início a homenagem sem som feita ao bailarino russo que criou pela primeira vez o bailado e que levantou tanta celeuma em Paris, aquando da visita dos Ballets Russos àquela cidade. O que evidenciou maior diferença foi a caracterização do fauno, não como ser solitário e melancólico numa shakespeariana floresta de fadas, mas um delírio de presença mútua algo animalesca, e onde a diferença entre o homem e a mulher é reduzida ao mínimo, andrógina. A segunda peça, Grosse Fugue, segundo Beethoven, apesar de 20 anos volvidos sobre a sua criação, deu ocasião aos bailarinos da CNB, acompanhados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, com dois violinistas, uma viola e um violoncelo. Talvez tenha sido o terceiro ballet da noite a convencer aqueles que ainda não o estavam sobre a maestria da coreógrafa: Noite Transfigurada de Arnold Schonberg é uma das grandes partituras do compositor, aqui ainda com um pé na música antes de si próprio como criador de novas formas e a música trabalha com harmonias. Ess rotura interna da peça musical foi justamente recriada num cenário de sombras e de claro-escuro a exprimir, na tensão da composição, algo pertencendo aos primeiros anos do expressionismo. Noite Transfigurada, nesse sentido, é exemplar da maestria estilística de ATKM.
O JULGAMENTOAgora vamos pôr os pés na terra manontroppo: fala de Laborim Lúcio, autor de O Julgamento – Uma Narrativa Crítica da Justiça (D. Quixote). Homem de exatidão, de rigor de palavra, sentido de humor, que nas mais de cinco centenas de páginas reaprecia a
O HOMEMDO LEME
MANUEL HALPERN
Em fim o mundo“O mundo não vai acabar a 21 de dezembro de 2012, nem em nenhum outro dia de 2012”, assegura o governo americano, no seu site oficial. Eles devem saber do que estão a falar, porque têm bombas suficientes para acabar com este mundo e o outro. Quanto a 2013, isso logo se vê. O governo americano para já não arriscar qualquer palpite. Essa ausência de informação sobre o estado de saúde do mundo no próximo ano é, no mínimo, inquietante. Talvez eles estejam à espera do reveillon para nos dar a notícia: “Lamentamos informar os habitantes da Terra que o planeta vai explodir em meados de março, por favor mantenham a calma”. Mas pelo menos até ao final do mês estamos safos, o que já não é nada mau. Parte-se do princípio que, nesta matéria, os americanos sabem mais que os Maias. E este último fizeram a profecia há um milhar de anos só para semear a confusão nos povos do futuro (atenção, não confundir o povo Maia com a astróloga Maya). Contudo, os profetas Maias enganaram-se num ponto fulcral: estavam convencidos Mitt Romney ia ganhar as eleições americanas. Com Barack Obama tudo fica um pouco mais tranquilo. Nós por cá, no meio desta crise, estamos demasiado ocupados em (sobre) viver o dia a dia, para nos preocuparmos com assuntos de tal envergadura. Primeiro o dinheiro para o bife, depois as grandes questões do universo. Porque sem dinheiro para o bife não há cosmos que resista. Mas isto dos bifes é como os mundos: ou há moralidade ou comem todos. Bum!
SEGUNDA VIA Primeiros passos para a hibernação
matéria de que é feita a justiça; quer a justiça em si, quer a justiça como instituição, quer a filosofia de estarmos no mundo. Fui ao lançamento do livro do autor, que me dá a honra de ser seu amigo, na livraria Buchholz. Nem cheguei nada atrasado, mas já não havia lugares; então, num cantinho, ouvi e depois aplaudi comme il faut o discurso de Jorge Sampaio, e o do fazedor do livro, esperando que através da instituição ambos reconhecem o meu aplauso invisível. O livro já está em minha casa à espera da dedicatória e só nessa altura vou ler todas as páginas por inteiro, estando neste momento apenas a folhear alguns capítulos. De uma vez por todas quero afirma publicamente que gosto de Álvaro Laborim Lúcio e não desfazendo sempre pensei que seria um bom Presidente da República: figura, verbo, seriedade, autocrítica em forma de humor ou dialeticamente ao contrário, tudo possui; mas visto que as coisas são como são, não acalento muitas esperanças.
PONTE DE SORSim senhor, fui à província: surpresa. Encontrei, num Centro de Artes e Cultura local, em primeiro lugar: bom gosto extremo, distribuição de espaço adequado para as múltiplas atividades, simpatia. Segundo: assisti à inauguração da exposição de dois jovens pintores: Gabriel Garcia, que sintetiza fantasia com imaginação (como se sabe, são duas coisas distintas), e Emanuel Berenguel, cuja pintura vem melhorando de exposição para exposição. Terceiro: pude encontrar-me, depois de algum tempo de ausência, com o marquês de Fronteira e Alorna, Fernando Mascarenhas, com quem jantamos na sua “casinha” que é um palácio, com alguns amigos, e pré-combinámos alguma coisa em comum. É segredo. É ele o mecenas desse Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor. Ao viajar para lá, através da passagem chuvosa ergueu-se um arco-íris absolutamente excecional. Ao voltar, era a noite noitíssima.
INÊS PEDROSAE porque estamos no tempo da pré-hibernação, o que provavelmente e inconscientemente para mim significa leituras, apresento mais um livro e mais uma vez da D. Na página 30 diz ela: “O problema é que as palavras, as que são ditas e as que ficam por dizer, alteram as relações entre as pessoas e por consequência a história do mundo. A literatura apenas testemunha esse fenómeno.” Esta citação podia ser o leitmotiv do livro que, aliás como todos os textos de Inês, remetem ao Lust zum Fabulierem de Goethe. A autora é, do ponto de vista dessa história, de grande inventividade das pequenas coisas e de narrá-las, não sendo este romance de algum amor e desamor no domínio de sentimento único; é evidente o prazer de descobrir, e ainda por cima quando lemos ouvimos música. Se se quiser, este livro ainda mais do que alguns outros da mesma autora lembra a desenvoltura do checo Milán Kundera, do feminino e em português tout compris.
FIM DE HIBERNAÇÃO É fácil dizer a palavra hibernação. Mas seja-me permitido constatar que a natureza como recusa essa secular ordem dos animais e, talvez devido a uma qualquer alteração climatérica, tenha a casa cheia de formigas muito ocupadas, sem parecerem conhecer as ordens antigas. Nada está certo.
O COELHINHO
(JORGE LISTOPAD)
O coelhinho irrompeu no meu quarto, de saco às
costas. Não lheperguntei nada, apenas o olhei com surpresa. Foi
ele que começou:
- Vou emigrar.- Pois bem, para onde?
- Para a Grécia!
39JL | jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
20 de OutubroChegámos cedo a Vila Nova de Foz Côa e andámos às voltas pela cidade sem encontrarmos o Centro Cultural. Mas no meio das andanças acabámos por dar com a antiga casa da minha avó, no Largo da Igreja, onde em miúdo, com o meu irmão, incitados pelos primos mais velhos, estivemos clandestinamente pisando uvas no lagar do vinho – com o consequente castigo quando os pais notaram que as nossas pernas se tinham tingido de roxo. Hoje no sítio do lagar estão escritórios. Muita coisa mudou. A vila passou a cidade, já não desligam o gerador de eletricidade às dez da noite, a Avenida é finalmente uma verdadeira avenida, no Pavilhão de Exposições e Feiras decorre o Festival do Vinho do Douro Superior, a Câmara Municipal tem um Centro Cultural.Centenário. Fez 100 anos que o meu pai aqui nasceu. Em maio e junho a Hemeroteca Municipal de Lisboa tinha organizado uma pequena exposição a propósito do centenário do nascimento de Guilherme de Castilho. Aproveitando documentação da Hemeroteca, a Câmara Municipal de Foz Côa organizou no Centro Cultural uma exposição mais ampla, com manuscritos, livros, artigos, correspondência, fotografias, começando nos anos 30 nos tempos da Presença em Coimbra e cobrindo depois a vida literária de Guilherme de Castilho até aos anos 80.Durante as últimas semanas estive em contacto quase diário com as pessoas ligadas à exposição para dar a minha ajuda, facultando documentação que está comigo. Deu-me gosto voltar a vasculhar os papéis do meu pai e selecionar cartas de presencistas e outros escritores. E também fotografias velhas, perdidas em álbuns ou amontoadas em envelopes, no geral muito pequenas e já bastante desvanecidas: graças aos Photoshop transformei-me em restaurador, digitalizando imagens de Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Saúl Dias/ Júlio, Ruben A, etc.A abertura da exposição foi feita com uma cerimónia simples, como o meu pai teria gostado. Num país que vive como se não tivesse um passado, foi bom saber que em Foz Côa existe um município e um grupo de pessoas, com entusiasmo e amor pelas Letras, que quiseram recordar quem veio antes.À noite o jantar foi num restaurante, em família, várias gerações.
4 de Novembro
Por volta das nove telefonou o Vasco Graça Moura para me dizer que tinha sido atribuído o Prémio Fernando Namora pelo romance Domínio Público. Fiquei naturalmente muito satisfeito, tanto mais que andava desconsolado – e até um pouco intrigado – com a “carreira” discreta que o Domínio Público até agora teve, não obstante críticas muito boas, para
além de referências positivas no universo que me é menos familiar dos blogues. Intrigado porque o livro conta uma história atual, que me parece ter muito a ver com o país que hoje somos. A história decorre em 2009 e 2010 e as vias e os dramas das personagens estão no livro muito ligados às circunstâncias bastante angustiantes em que Portugal e os portugueses viviam já na época dos PECs do Eng. Sócrates e em vésperas de nos cair em cima a simpática Troika.O Domínio Público lida também com questões da cultura e da língua portuguesa. O património cultural do nosso país, que nasceu quase há 900 anos, está em grande medida votado ao esquecimento e ao desinteresse generalizado, sobretudo quando se trata de literatura. O próprio Namora, alguém o lê? Tirando o Eça, alguém lê os escritores do passado? E o Pessoa está transformado em “calebrity”, uma espécie de Paris Hilton das letras lusas, famoso, festejado, mas pouco lido. Quanto à língua, vivemos na regra do desleixo e do vale tudo – incluindo o acordo ortográfico, que entre muitas outras calamidades, faz tábua rasa da origem latina da nossa língua. Mais um fenómeno de aculturação. É irónico que tenhamos agora de ir a outras línguas, como por exemplo o inglês, que é essencialmente germânico, para encontrar muitas das raízes latinas que deitamos fora nas nossas palavras. Por tudo isto, deu-me grande satisfação o facto de o júri do prémio ter expressamente salientado o modo como no meu livro utilizo a língua portuguesa.
6 de Novembro
Acabei de ler o primeiro volume das Passions Intellectuelles, em que a Elisabeth Banditer escreve longamente sobre o século das luzes em França. Este volume é dedicado sobretudo às Academias (Letras e Ciências) e à Enciclopédia. É fascinante constatar que é no século XVIII que nasce o mundo em que ainda
hoje vivemos. Também fascinante o papel que as mulheres (em muitos casas aristocráticos) desempenham no movimentodas luzes. Mas com a revolução (da burguesia), a partir de 1790 as mulheres desaparecem da vida pública durante mais de um século. Antes de passar aos outros dois volumes de Badinter vou ler Le Règne des Femmes 1715-1793, de Jean Haechler.
É uma pena que atualmente em Portugal sem despreze o francês e já quase ninguém o fale ou leia. Foi e é a língua de uma grande cultura, ainda hoje com um movimento editorial de um enorme vigor em muitas áreas superiores ao inglês. Agora corremos atrás da língua inglesa e de tudo o que tenhas um ar de Inglaterra ou de América sem nos darmos conta de quanto no encontramos longe da mente anglo-saxónica. Não os compreendemos plenamente e eles não nos compreendem a nós e, na verdade, tendem a tratar-nos com alguma condescendência. Os Franceses não são certamente perfeitos, mas são mais “a nossa gente”.
16 de Novembro Como sempre, era já noite quando chegámos a Monsaraz. O largo da igreja, totalmente deserto e silencioso, com o pelourinho e as casas todas em volta, parece sempre, à luz dos candeeiros, uma paisagem imaginária e irreal, um quadro inventado por um pintor. Ainda mais irreal quando o grupo de cante alentejano ensaiava no clube – há muito no mundo das mulheres por quem tenho tanto carinho, uma é a minha mãe, outra a mãe do meu filhinho... – o som espalhando-se pela terra e depois até dentro da nossa casa mesmo em frente. Monsaraz para nós é sobretudo o verão. Mas acabamos sempre por não resistir a um último fim de semana de paz e sossego absolutos. Estivemos quase para desistir e regressar a Lisboa logo após a chegada. A tremer de frio pusemos a mão na parede da sala e era como se estivéssemos numa câmara frigorífica. Mas não desistimos. Acendemos a lareira e durante a primeira noite não chegámos a despir parkas e casacos. Na manhã seguinte a casa estava habitável e até apareceu um pouco de sol. Tirei do saco os NY Times Book Review e os New York Review of Books, que vou juntando e depois leio de atacado para saber o que passa nas letras USA. Quando me cansar tenho A Vida em
Lisboa, de Júlio César Machado, publicado em 1857 (mais um esquecido), que não é um grande romance, mas nos conta como se vivia e como se pensava em Lisboa há século e meio. A Luisa continua nos mistérios suecos do Henning Mankell.
17 de Novembro Absolutamente nada para nos distrair. Horas e mais horas de leitura interrupta. Depois, até ao terraço para o pôr-do-sol que nesta época não é tão glorioso como no verão, mas mesmo assim ... Às oito e meia estávamos no Lumumba para o ensopado de borrego seguido de bolo rançoso, sem esquecer azeitonar, queijo curado cortado em fatias fininhas e tinto da Adega Cooperativa de Monsaraz. Passeio pela terra para fingir que assim fazemos a digestão e depois regresso a casa. Trouxe o computador, mas hoje vou fazer gazeta ao e-mail e, em vez disso, fico com o belíssimo livro do Ben Almeida Faria O Murmúrio do Mundo.
19 de Novembro Uma última ida ao terraço para um pôr-do-sol de despedida. Felizmente estamos virados para o lado de Reguengos e Évora e nao temos que padecer a vista do Alqueva. Dizem que é o maior lago artificial da Europa. Gostamos sempre muito de ser os maiores de qualquer coisa. Mas a verdade é que o Alqueva, visto lá de cima, de Monsaraz, não parece um lago. Parece um charco. Parece que choveu demais e a água ainda não teve tempo de ser absorvida pela terra. Além disso, tremo ao pensas nas monstruosidades que à pala do turismo vão ser perpetradas naquele pobre recanto do Alentejo. Temos vocação para fazer cimento e estragar paisagens, o que no turismo é o mesmo que matar a galinha dos ovos de ouro.
28 de Novembro Programa da RTP Ler+, Ler Melhor. Estiveram esta tarde cá em casa a filmar, para uma entrevista de 5 minutos. Começaram por me pedir que fizesse um breve resumo do livro. Sempre a pergunta a que me é mais difícil responder de forma minimamente satisfatória. Como hei de resumir em um minuto um história que demorei 400 páginas a contar? Apesar dos temas sérios em que toca, muita gente me disse que o Domínio Público é divertido de ler, com diálogos vivos e algum humor. Não sei se consegui transmitir esta ideia na entrevista. O livro, entretanto, voltou a aparecer nas livrarias, agora com um pequeno autocolante alusivo ao prémio. Ter direito a uma segunda vida é um luxo. Vamos ver como se porta.
Paulo Castilho, 67,escritor, diplomata, foi diretor-geral dasComunidades Portuguesas e embaixador de Portugal na Suécia, no Conselho da Europa e na Irlanda. Estreou-se como ficcionista, em 1983, com O outro lado do espelho, a que se seguiu Fora de Horas, distinguido com os três principais prémios nacionais, e Letra e Música, entre outros. Domínio Público, o seu último livro, aca-ba de receber o Prémio Fernando Namora
Paulo Castilho Uma segunda vida
Diário
40jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
JN