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Jornal Diálogo Com ênfase em Teologia das Religiões Afro-brasileiras Ano I - Nº 1 Aproximando saberes Faculdade de Teologia Umbandista promove o III Congresso Brasileiro de Umbanda do Sé- culo XXI e reúne grandes nomes da academia nacional e latinoamericana A assimetria do sagrado O Inconsciente e a linguagem simbólica nas Religiões Afro-brasileiras ------------ p.12 Magia em Cuba O sistema mágico-religioso da cultura cuba- na e suas influências ----------------------- p.8 O olhar ocidental Uma visão homogeneizadora em relação ao povo africano ---------------------------- p.11 www.ftu.edu.br/jornaldialogo Fevereiro de 2011 Produção acadêmica Alunos da Faculdade de Teologia umbandis- ta apresentam seus trabalhos ------------- p.6 Comida de Santo A arte oculta na preparação dos alimentos sa- grados nas religiões afro-brasileiras ----- p.9

Jornal Diálogo - Fevereiro/2011

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Jornal Diálogo - Fevereiro/2011

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Jornal DiálogoCom ênfase em Teologia das Religiões Afro-brasileiras

Ano I - Nº 1

Aproximando saberes Faculdade de Teologia Umbandista promove o III Congresso Brasileiro de Umbanda do Sé-

culo XXI e reúne grandes nomes da academia nacional e latinoamericana

A assimetria do sagradoO Inconsciente e a linguagem simbólica nas Religiões Afro-brasileiras ------------ p.12

Magia em CubaO sistema mágico-religioso da cultura cuba-na e suas influências ----------------------- p.8

O olhar ocidentalUma visão homogeneizadora em relação ao povo africano ---------------------------- p.11

www.ftu.edu.br/jornaldialogo Fevereiro de 2011

Produção acadêmicaAlunos da Faculdade de Teologia umbandis-ta apresentam seus trabalhos ------------- p.6

Comida de SantoA arte oculta na preparação dos alimentos sa-grados nas religiões afro-brasileiras ----- p.9

Iniciando o diálogoO Jornal Diálogo é uma pu-

blicação da Faculdade de Teolo-gia Umbandista (FTU)

Diretor Geral da FTUF. Rivas Neto (Pai Rivas)

Vice-Diretora Geral da FTUMaria Elise Rivas

(Sacerdotisa Yamaracyê)

Coordenação do CursoCassiano Terra Rodrigues

Comissão EditorialJoão Luiz de A. Carneiro

Simone NakagumaSumaia Gonçalves

Yuri Tavares

Editora Maria Elise Rivas

(Sacerdotisa Yamaracyê)

Jornalista responsável Rodrigo Mariano

RevisãoÉrica Ferreira da Cunha Jorge

Maria Alice quaresma Silvia Garrubo

Proj. Gráfico e diagramação Rodrigo Mariano

FACULDADE DE TEOLOGIA UMBANDISTA

Avenida Santa Catarina, 400 Vila Alexandria

04635-001 – São Paulo – SPTelefone 55 11 5031-8852

www.ftu.edu.br - [email protected]

Editorial

Jornal DiálogoCom ênfase em Teologia das Religiões Afro-brasileiras

Expediente

Maria Elise Rivas (Sacerdotisa Yamaracyê)Vice-Diretora da FTU e Editora do JD

A Faculdade de Teolo-gia Umbandista (FTU) fundada pelo sacerdote das religiões afro-brasileiras F. Rivas Neto (Pai Ri-vas) é uma instituição de ensino superior autorizada e credenciada pelo MEC (Ministério da Edu-cação) por meio da portaria 3864 de 18 de dezembro de 2003 para formação de bacharéis em teolo-gia com ênfase nas religiões afro-brasileiras. No último semestre de 2010, foram diplomados os seus primeiros teólogos, marcando definitivamente a história das re-ligiões afro-brasileiras.

Um dos primeiros diplomas expedidos pela FTU

Com esta iniciativa a FTU marcou a história como a primeira institu-ição de ensino superior a oferecer um curso de teologia com este en-foque. Igualmente importante é o fato de seus primeiros vinte e um teólogos serem diplomados com chancela da USP. O JD- Jornal Diálogo surge após estes avanços significativos carregando o espírito que seu nome expressa. Aproveitando o conceito de diálogo oferecido pela FTU, este jornal em formato eletrônico o exercitará em vários ângulos. As-sim temos no primeiro momento o

diálogo intrar¬religioso, no nosso caso, entre os vários terreiros das Religiões Afro-brasileiras. Logo em seguida, surge o diálogo in-terreligioso que visa aproximar as várias religiões para bus¬car soluções pacíficas que respeitem a diversidade. O terceiro tipo de diálogo é o interdisciplinar que partindo do interreligioso quer ampliar a abrangência para as demais áreas da gnose humana: Filosofia, Arte e Ciência. O quarto diálogo trata da transdisciplinariedade que para nós permite não só aproximar, mas de alguma forma hibridizar estas contribuições tão diferentes em um primeiro momento, mas que pos-suem pontes de conexão entre si. O último estágio deste diálogo é a Convergência que já não consegue mais ser associado a um tipo específico de setor da gnose humana, porém em essência possui todas eles em um estado su-perior de realidade. Seguindo esta premissa básica de diálogo a FTU realizou no último mês de novembro a terceira edição do Congresso Brasileiro de Umbanda do Século XXI. Nela o tema abordado foi “As Religiões Afro-brasileiras aproximando os Saberes”. A primeira edição do JD, com satisfação, apresenta resumos das conferências e oficinas real-izadas constatando a existência de muito mais pontos de semelhança do que diferenças entre todos nós. Boa Leitura!

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Mito, Oralidade, Filosofia e Religião

Conferencista: Prof. Dsc. Cassiano T. Rodrigues (FTU e PUC-SP) O prof. Cassiano procurou desenvolver o seu discurso sobre mito, oralidade, filosofia e religião utilizando o Mito de Prometeu como exemplo. Trata-se de um mito grego muito antigo que possui, pelo menos cinco versões. Resumindo o objeto deste mito, o mesmo pode ser compreen-dido como um Titã que rouba o fogo dos Deuses para entregar aos homens. Como castigo, Prometeu é acorrenta-do e todos os dias um abutre devora o seu fígado. Durante a noite o mesmo se regenera criando um círculo vicioso de dor e sofrimento para Prometeu. Importante ressaltar que Só-focles, segundo a pesquisa do prof. Cassiano, escreveu três mitos de Prometeu. Apenas um, no entanto, so-breviveu: o Prometeu “acorrentado”. Interessou ao prof. Cassiano utilizar o trecho do diálogo de Pro-tágoras que se dirige à Sócrates e foi registrado por Platão (328-27-348-47 a.C.). Protágoras foi um famoso sofis-ta da época. Antes de entrar no mito propriamente dito, o professor foi à etimologia da palavra mito encont-rando o significado de relato, narra-tiva, “história que se conta” na língua grega. Uma vez esclarecido estes pon-tos, o professor contou o mito de Prom-eteu. Recordou o público presente sobre

os dois personagens centrais: Prometeu e Epimeteu como dois irmãos. Epimeteu significa pensar de forma atrasada e Prom-eteu pensar adiante. Epimeteu distribui as potências para cada animal, permitindo sua existência e sobrevivência. O homem é tratado de forma diferente das demais criaturas. No mito o homem surge nu, o que remete a ausência de algo. Isto vai ao encontro do fecha-mento do mito, quando o professor Cas-siano comenta que existe uma espécie de conto mítico que decreta a morte do mito. Isto se deve ao fato de na parte fi-nal do mito, ser oferecido ao homem a capacidade de fazer política como uma

ordem direta de Zeus. Impõe em Seu nome a Lei que assegura a morte para todo aquele que não consegue viver em conjunto, ser um cidadão político. Prof. Cassiano também apon-ta que na Grécia Antiga a técnica foi definida como algo específico, que não consegue ser realizada por todos. A ex-ceção é a técnica política, onde todos são capazes de realizá-la. Política é técnica, pois quem é político deve op-erar na governança do corpo social. Esta é sua atividade bem delimitada. Chegando ao final de sua con-ferência, o professor se dirige a leitura de Platão sobre a lição do sofista. O sofista se interessa por este discurso apresentado ao final do mito, porque se os homens são capazes de fazer política entre si, o que eles precisam é saber falar, precisam argumentar. Ex-atamente a tarefa que o sofista mais se interessa: uso da palavra. contra esta posição sofista. Acredita que a políti-ca é uma técnica, porém precisa ser aprendida realmente. Cabe a filosofia dizer o que é o verdadeiro. Não ficar só na aparência, como trabalha o so-fista.

Vem aí o IV Congresso Brasileirode Umbanda do Século XXI

Arte, Filosofia e Ciência nas Religiões Afro-Brasileiras

FTU promovendo o diálogo interdisciplinar

Maiores informações: www.ftu.edu.br

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A Juventude diante das Religiões

Conferencista: Prof. Dsc. Jorge Claudio Noel Ribeiro Júnior (PUC-SP)

No início de sua exposição, o prof. Jorge Cláudio confessou ter se interessado pela expressão adotada pelo Congresso: “Umbanda do Século XXI”. De certa forma a pesquisa con-duzida por ele passa pelo tema na justa medida em que procura compreender os jovens que serão peças chaves não só da Umbanda mas de todas as re-ligiões neste século. Logo em seguida, fez questão de separar o conceito “religião” de “religiosidade”. Para ele, religião é um dos vários hormônios de uma “glândula psíquica”. Religiosidade se-ria a capacidade de articular as várias religiões ou percepções do Sagrado, inclusive a do ateu. O prof. Jorge Cláudio em sua pesquisa procura compreender como o jovem se situa diante das re-ligiões partindo de um estudo de caso, a própria PUC-SP onde leciona há décadas. Para compreender o estudo de caso, o professor apresentou sua visão de juventude, os quais destacamos os seguintes pontos: Juventude não é ap-enas uma idade biológica; Juventude é sintoma da Cultura (M. Rita Kehl); e Juventude necessita de energias para passar à autonomia, a religiosidade é uma energia. Dentro de alguns cenários em que a sociedade está inserida, o pro-fessor Jorge Cláudio destacou as car-acterísticas de consumo – uma espécie de nova ética geral de conduta – como norteadora dos cidadãos-consumi-dores. Por conta desta característica geral, o consumo atinge as religiões e com ela dialoga ou entra em tensão de forma inconstante. A mídia também é destacada neste cenário, como algo que coteja os jovens. Cria-se uma dis-puta deles pelo comércio e passam a ser cultivados em “estufas” determi-nadas pela escolarização.

Retomando o estudo de caso, o prof. Jorge Cláudio comentou que foram aplicados questionários aos alu-nos da PUC-SP. Comentou também que a maioria dos alunos da PUC não são católicos, afinal estamos em uma sociedade plural. A dispersão ficou assim: Católicos – 35%, Protestante – 6%, Espírita – 6%, Outras denomi-nações – 15%, crentes sem religião 24% e ateus+agnósticos 13%. O professor ressaltou que tra-ta-se de um projeto empírico.A cada quatro anos faz aplicação do question-ário. Até hoje o mesmo fora aplicado para 2300 pessoas. Nem todos os alu-nos entrantes são pesquisados. Apenas ¼ de forma aleatória. Além disto, a religiosidade foi pesquisada por ele no estudo de caso como uma capacidade humana, histórica e culturalmente determinada , de elaborar significados para a totali-dade da existência. A questão que se tenta responder neste estudo de caso é “O que acontece com a religião de su-jeitos com alto nível de escolaridade, herança cultural e renda?”. Para responder esta questão, o prof. Jorge Cláudio desenvolveu um índice de religiosidade e o mesmo foi alcançado em maior quantidade no grupo classificado por ele como “crentes pluralistas”, ou seja, abertos às experiências da religiosidade. Alguns dos temas centrais para os jovens foram: ter um sentido pessoal para a vida e para a morte; sociabilidade, alteridade e compro-misso social; e respeito pelas religiões e críticas às igrejas. Os jovens pesquisados con-cordam que:• Para mim, a vida tem sentido;• Cabe principalmente a mim definir os rumos da minha vida;• Sinto-me feliz com frequên-cia; entre outros.

Os jovens pesquisados não concor-dam que:• Apenas a minha religião é verdadeira;• Tenho medo de Deus;• Já pensei em suicídio; entre outros. Diante destas respostas dos jovens, além de outras que foram apresentadas, o professor Jorge Cláu-dio nos convida ao diálogo sobre a juventude. Compreender como eles enfrentam a questão da religião e da religiosidade.

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Pai Wiliam abre a oficia lem-brando o início da música, quando o homem de alguma forma buscava reproduzir em sons aquilo que vivia em aspectos individuais, coletivos e espirituais. Três grandes realidades podem ser identificadas na música: som, silêncio e ruído. A música pos-sui nesses três modos de se expressar a possibilidade de identificar tudo que existe na natureza e por onde as so-ciedades começaram a caminhar na diversidade existente hodiernamente. Para mostrar a abrangência desta teoria, encontramos no ruído o caos, o caótico que existe no mundo e no som a organização do mundo, modo que não assusta, algo “já esper-ado”. Expressão da não surpresa, algo que foi “domado”, ou seja, o ruído “domado”. Os cultos afro-brasileiros pos-suem uma música livre, segundo pai Wiliam, pois são ancestrais a todos os tipos de música. Existem três grandes grupos de música: modal, tonal e serial. Serial é a mais recente, feita em proces-sos matemáticos. Existe a intenção direta do músico sobre a mensagem da música que produz. O sacerdote nos esclarece que existe de alguma forma a tentativa de quebrar valores anteriores ancestrais, dissociando da parte emotiva da música.

A Música tonal é uma pa-dronização da música, basicamente é quase tudo que escutamos nas rádios. A Música modal é mais velha, real-izada de um único modo. É a música “misteriosa”, trabalha essencialmente os sentimentos. São músicas arquiteta-das em cinco notas. A música modal pede um exercício coletivo, pratica-mente impede a execução individual. É este tipo de música que os cultos afro-brasileiros utilizam. Pai Wiliam lembra do signifi-cado etimológica da palavra, que vem do grego e dela derivou a lenda das 9 musas (filhas da Memória). Faziam oposição a ninfa Lethe, o rio do es-quecimento. Cada musa era respon-sável por um instrumento:

Música como mediadora do Sagrado

Expositor: Pai Wiliam do Carmo (Mestre Obashanan)

Em outras tradições, como a que deu origem ao povo germânico, temos também as 9 Valquírias que represen-tam a morte:

Nas tradições de origem africana, te-mos os nove filhos de Oyá – também correlacionados à morte:

Os nove filhos eram músicos, mas apenas Egungun cantava. Os outros não falavam. Retomando a música atual, Pai Wiliam nos conta que ela possui um apo-geu e um perigeu. Já as músicas primevas, como é o caso dos cultos afro-brasileiros, não possui este processo. Elas só findam quando alguém ordena o seu encerra-mento. Logo, a música primeva pode ser associada a uma espiral crescente. Pai Wiliam também apresentou uma relação direta entre as primeiras no-tações musicais com o sistema musical de Ifá, principalmente com os 16 Odus. Após a parte teórica, Pai Wiliam apresentou vários tambores de diversos lugares do mundo e dentro do Brasil, di-versas tradições religiosas. Ao final, todos ficaram emocionados com os toques real-izados na oficina por ele e todos seus ir-mãos alabês da OICD(Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino).

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Trabalhos dos alunos formandos e formados da FTU

1ª Exposição: Alunos do 4º anoTema: Intolerância Religiosa – uma reflexão filosóficaAluna representante: Cláudia Silva A aluna Cláudia afirmou que o processo de negação do outro nor-malmente é baseado na desigualdade que se consubstancia em uma socie-dade de fortes e fracos, ricos e pobres, “sábios” e ignorantes. A aluna também foi na raiz da palavra tolerância e encontrou no latim tolerare, que significa sofrer pacientemente, sustentar no sentido de alimentar alguém, ou agüentar (CALEPINO, 1502). Logo, conclui Cláudia, a posição de tolerância vem legitimar a própria intolerância. Por considerar a religião um pilar fundamental na formação do ethos do indivíduo, afirma a aluna Cláudia, a intolerância religiosa é uma chaga social que mais aflige a comunidade . Historicamente é citado o mouro que de característica física foi tachado como “sem fé cristão”, os judeus, a música e tantos outros pro-cessos de intolerância. No Brasil, os americanos sofreram forte processos de intolerância e dominação por parte dos jesuítas. Na sequência, a aluna apre-senta um diagrama que mostra como uma “marca” pode virar estigma:

Outro exemplo citado no caso das religiões Afro-brasileiras, é o “mac-umbeiro”. E questiona o público pre-sente: Por que não posso ter um livre pensar, querer ser um “macumbeiro”, professar minha religião?

Concluindo sua fala, a aluna apresen-ta um conceito que pode mitigar, para não dizer neutralizar, a intolerância: “O Sagrado é a Espiritualidade uni-

Os objetivos deste trabalho de conclusão de curso (TCC) da teóloga Érica são:• Discussão do embate entre a Medicina e Sa-beres populares;• Consolidação da Medicina no Brasil;• Apropriação dos Saberes;• Papel da Umbanda. Ainda segunda Érica, a doen-ça e a cura para os povos ameríndios e africanos possuíam características muito específicas. Estava ambas liga-das de forma interdependente à Na-tureza; existia um profundo respeito aos mais velhos; a Tradição Oral exer-cia papel preponderante na cura, entre outros. A doença representava a aus-ência de forças vitais seja em aspectos naturais ou sobrenaturais. A teóloga Érica aborda a im-portância do encontro cultural destas duas matrizes anteriormente citadas com a matriz indo-européia no Brasil. Lembra que existia uma multiplici-dade de nações e grupos étnicos que geraram um verdadeiro caldeamento cultural. Ganha destaque a vinda da família real ao Brasil em 1808, pois a partir daí começaram a surgir as Esco-las de Medicina nos moldes europeus aqui em nossas terras. As primeiras faculdades de Medicina se instalaram no Rio de Janeiro e Salvador. Neste instante todos os mateiros, quimbandeiros, rezadeiros, curandeiros começam a ser vistos como “sujeira social”. Um mundo da desordem (curandeirismo) versus um mundo da desordem (me-dicina na metrópole).

Fases do Embate:• 1ª fase: Prática sob fiscalização. Curan-deiros precisam pedir permissão aos órgãos reguladores para exercerem suas

versal inerente a todo o ser humano, imaterial e atemporal” (RIVAS NETO, 2003)

2ª exposição:Tema: O embate entre a medicina e as múltiplas artes de cura no BrasilExpositora: Érica Ferreira da Cunha Jorg

práticas de cura. São eles os órgãos: Junta de Higiene e Fisicatura-Mor;• 2ª fase: Chegada do Espiritismo. As práticas oriundas dos saberes popu-lares são classificadas como doença, seus praticantes vão para os manicô-mios. Isto se acentua com a consolida-ção da Psiquiatria como especialidade médica no país.• 3ª fase: Ilegalidade. É inserido na constituição um artigo que proíbe as práticas de curandeirismo, sob pena de prisão e multa. Para explicar o papel terapêu-tico da Umbanda nesta mediação entre a tensão Medicna e Saberes Populares, a teóloga cita o papel do Sacerdote W. W. da Matta e Silva como o primeiro a apresentar um estudo sistematizado e teológico da Umbanda e o sacer-dote médico F. Rivas Neto fundando em 2003 a Faculdade de Teologia Umbandista, dando voz e vez para os praticantes das religiões afro-brasilei-ras até então excluídas. Ao final de sua fala, a teólo-ga Érica cita a proposta pedagógica da FTU de aproximar os saberes acadêmico e religioso visando a Con-

3ª exposição:Tema: Paisagem Sonora Um-bandista – Três Modelos de Tem-plos na Cidade de São PauloExpositor: José Roberto Silva – Tata Macaia Os objetivos deste trabalho de conclusão de curso (TCC) do sac-erdote e teólogo José Roberto visam discutir:• A paisagem sonora de três templos de Umbanda da Grande SP;• Suas características comuns e indi-viduais;• O quanto a construção sonora é im-portante para o desenvolvimento dos ritos e para a relação da comunidade pertencente aos templos e aos con-sulentes; Para iniciar a discussão, Pai José Roberto evoca o conceito de paisagem sonora (soundscape) que foi criado pelo etnomusicólogo ca-nadense R. Murray Schafer. Este con-

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ceito tem relação com a percepção de sons de diversos ambientes. São registros que estavam desaparecendo de seus ambientes de origem, com o intuito de preservação dos originais e composições musicais. Além disto, Pai José Roberto evoca também de Murray a idéia de esquisofonia como a distorção dos sons imposta pela sociedade moderna. Outras expressões trazidas pelo etno-musicólogo são marco sonoro, jardim sonoro e ruído sagrado. Apoiado neste instrumental conceitual e metodológico de Murray, o teólogo escolheu três terreiros onde seus dirigentes se declaram umbandis-tas e possuem uma ampla diversidade de elementos rito-litúrgicos entre si. O primeiro templo foi a Fraternidade Espírita Cristã, não uti-liza atabaques e é profundamente in-fluenciado pelo espiritismo (“karde-cismo”); o segundo foi o Terreiro de Umbanda Oxum Apará e João Baia-no encontra em sua sacerdotisa uma praticante umbandista que foi iniciada no culto Angola; e, por fim, a Casa de Caridade Raízes Nagô de Mãe Ieman-já, fundada em 1950 pela Dona Tereza e trás sua iniciação do culto nagô do Recife e marca profundamente a um-banda lá praticada. Diante desta diversidade, foram analisados em cada um a paisa-gem física, a paisagem humana, a di-reção espiritual e a paisagem sonora do Rito. Como principais conclusões, Pai José Roberto destaca que a diver-sidade umbandista se manifesta de di-versas maneiras e uma das mais prim-orosas é por meio da música.Também ressalta que o terreiro de Umbanda é um cadinho cultural que se canta em vários dialetos e sotaques, e tudo se faz muito compreensivo, pois clara-mente a música tem um destino, ela percorre um semelhante e esse semel-

4ª exposição:Tema: Umbanda: “Teologia da Felicidade”Expositora: Fernanda Leandro Ribeiro A teóloga Fernanda ini-ciou sua fala evocando o significado histórico do termo teologia. Teologia

pode ser entendida como discurso so-bre as coisas divinas. Fazendo uma referência direta ao princípio Nous, puro e imutável, que garante a ordem tanto no cosmo como na pólis. Pos-suia um caráter político, pois tratava o homem considerando suas relações com os outros. Dentro do Cristianis-mo, lembra a teóloga Fernanda, quatro autores desenvolveram a perspectiva teológica iniciada por Platão: Clem-ente, Orígenes, Agostinho e Tomás de Aquino. A teologia na perspectiva da Escola de Síntese é considerada de maneira diferente do pensamento vi-gente cristão. Afinal, Deus, a Divin-dade, o Sagrado é tratado como um princípio inerente a todo o ser huma-no. O Sagrado é tanto transcendente como imanente. Ainda apresentando o seu pensamento sobre a visão da Escola de Síntese, nesta teologia não existe espaço para privilegiados, pois não utiliza a idéia de predestinação. E a religião não é o único caminho que conduz ao Sagrado. Por outro lado, a teologia de síntese retoma o sentido primevo quando busca a noção de interde-pendência existente nos gregos. A visão maniqueísta também já não faz mais sentido. O mal passa a ser visto como o bem só para si e o Bem como o bem para si e para todos.

Após esta visão de teologia, a teóloga apresenta a idéia de felicidade. Novamente indo aos gregos, é pos-sível encontrar a idéia de estabilidade alcançada por meio da razão e das vir-tudes. Felicidade é o bem maior. Na Umbanda ela pode ser compreendida, segundo a autora, como um estado de consciência que se reconhece enquan-to espírito. Novamente não existe sep-aração entre imanente e transcenden-te. Ela abrange aspectos individuais e coletivos. Diante da diversidade um-bandista, a felicidade está de algu-ma forma ligada à liberdade. E para a teóloga Fernanda esta liberdade, criatividade e inovação nas práticas religiosas e na doutrina requer uma responsabilidade, citando como ex-emplo a Lei do Karma. Após a exposição teórica, a teóloga apresentou uma pesquisa de campo realizada com mais de 140 indivíduos que se reconhecem um-bandistas acerca do tema “Umbanda trás felicidade?”. Diante dos resulta-dos, a autora pode concluir que:• A Umbanda devolve ao homem o sentido de sacralidade. E é tanto individual como coletiva;• É uma religião universalista que possibilita a convivência pacífica;• Apresenta-se ao homem da pós-modernidade como um caminho

Curso de Extensão Universitária da Faculdade de Teologia Umbandista

Modalidades: presencial e telepresencial A quem se destina: portadores ou não de curso superior. O aluno ao final docurso receberá um certificado de partici-pação emitido pela FTU que é credenciada pelo MEC.Após o sucesso dos cursos de extensão universitária em 2010 no Brasil, Portugal e Uruguai, os mesmos continu-arão com muito mais novidades em 2011. Acompanhe as notícias pelo site da faculdade – www.ftu.edu.br ou pelo email extensã[email protected]

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O professor Julio começou sua exposição apresentando uma música sacra de Eleguá que pode ser associado a Exu. Explica o professor que na tradição cubana, Eleguá abre e fecha os trabalhos ritualísticos e sua intenção era abrir sua fala com esta mesma força. O professor abordou sobre as primeiras províncias que legalizaram os cultos afro-cubanos, Santeria/ Regla de Ocha. Existia uma pressão do governo local que não se opunha a manifestações católicas, porém estes cultos sofrem preconceitos e pressões das mais variadas. Os sacerdotes destas tradições são conhecidos como Babalaocha, afirmou o professor Moracen. Vários Babalaochas se reuniram para discutir sua tradição e isto de certa forma fa-cilitou a organização do culto em Cuba. Um dos ritos que fazem parte da “regra” seria o recolhimento de sete dias, entregando oferendas e pas-sando por iniciações várias. Entre os babalaochas importantes, o professor cita o Sr. Octavio Samá. Já a tradição de ifá também se manifestou em Cuba. O sacerdote de Ifá pratica a “regla de ifá” e o mesmo é conhecido como babalabo ou babalao. Eles possuem ascendência sobre os demais sacerdotes. É um sistema de adivinhação permitido apenas para os homens, que executam os processos

de adivinhação no tabuleiro de Ifá. Ultimamente tem aparecido algumas mulheres que tentam se habilitar neste sistema, mas existe muita controversa sobre o tema. Os itanifás são conheci-dos em Cuba como pataqui, segundo o prof. Julio. Ele recita um pataqui fa-zendo menção à Oxum e Orula (rela-ção com Orunmilá Ifá) onde Orula faz a interdição das mulheres em fazer uso do sistema oracular de Orula. O número de orixás conheci-dos em Cuba oscila entre duzentos e quatrocentos, porém o professor co-menta que apenas oito são cultuados frequentemente. Esta relação é marca-da pela diversidade, pois, assim como o Brasil, Cuba recebe muitas influên-cias: franco-haitiana, africana, entre

outras. O Vodu cubano, por exem-plo, vem da tradição franco-hatiana. Historicamente dentro das tradições religiosas locais, Cuba é considerada sagrada e foi “dividida” em dois espa-ços: de um lado os mortos e do outro Deuses, Santos e Orixas. O professor Julio apresenta as principais divindades comentando suas qualidades e impactos sociológi-cos. Muitos ritos foram comentados pelo professor, marcando a diversi-dade das nossas tradições também em Cuba. Ao final, o professor apresen-tou um vídeo mostrando a cultura de seu país. Uma espécie de manifesta-ção de festa de celebração cubana quando todos vão para a rua.

Sistema mágico-religioso da cultura cubana

Conferencista: Prof. Dsc. Julio Moracen (UNIFESP)

Rito ExuO Guardião da Era Dourada das Encruzilhadas da Vida e do DestinoA FTU (Faculdade de Teologia Umbandista) – primeira faculdade de teologia das re-ligiões afro-brasileiras do mundo – autorizada e credenciada pelo MEC (Ministério da Educação) realizará no dia 22 de outubro de 2011 o seu já tradicional Rito de Exu - O Guardião da Era Dourada das Encruzilhadas da Vida e do Destino.

Confirme sua presença por meio do email: [email protected] ou pelo telefone (11)5031-8852

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Antes de abrir a oficina pro-priamente dita, a teóloga e sacerdotisa Maria Elise pediu a benção de seu pai espiritual, Pai Rivas, e dos Ancestrais para a realização da oficina. Na se-quência convidou três congressistas para participarem da oficina como representantes da plateia. Ao dialogar com os congressi-tas a Mãe Maria Elise questiona sobre a visão de cada um sobre a necessi-dade de se alimentar. Além disso, per-guntou sobre a forma de se alimentar, sobre a ciência do que está comendo quando se dispõe a tal ato. Diante das respostas, a sacerdotisa comenta que nos alimentamos antes o que vemos, o que sentimos pelo olfato e, só então, degustamos. Para sustentar o distanciamen-to do homem com o alimento e tam-bém com o seu preparo, a Mãe Maria Elise lembra da comida feita por nos-sos pais ou avós. Como a maioria das pessoas possui uma preferência por esta comida, pois de alguma forma aquilo que está sendo preparado pelo pai/mãe, avó/avô é potencializado por bons pensamentos e boa vontade de cozinhar. Mãe Maria Elise justifica o nome santo para a comida, pois se sacraliza o alimento dentro das tradições afro-brasileiras. E as mul-heres possuem um papel fundamental neste preparo, afinal foi para elas que os Ancestrais guardaram a posição de Iabacê. Sobre as frutas, lembra da im-portância de alimentar-se também da semente. Pois a semente é totipotente.

Dela surge a árvore que dará muitos frutos mostrando a descendência. As-sim, comer a semente é comer a sua descedência. Durante sua explanação, no púlpito, uma iabacê do Centro de Cultura Viva das Tradições Afro Brasileiras preparava algumas comi-das utilizadas no santo. No caso uma canjica, axé branco dedicado ao orixá Oxaguiã. Esta comida possui um as-pecto imanente, observado pelos nos-sos sentidos, e um aspecto transcen-dente que se liga ao Orixá.

Isto se dá, pois ,para a sac-erdotisa, as religiões afro-brasileiras concebem o homem numa cosmov-isão que tem sua referencialidade em dois “universos” interdependentes. No universo imanente se relaciona com o natural: regulado pela singu-

laridade, relativo ao espaço-tempo (geográfico e seqüencial) e consci-ente (regido pela razão e sentido). Já o universo transcendente se relaciona com o sobrenatural. É comum, cole-tivo e vai ao encontro do inconsciente, do irracional. Também é atemporal e adimensional. Ainda é necessário aditar ao pensamento da Mãe Maria Elise que nestes dois mundos não existe solução de continuidade. Isto historicamente deu ao religioso afro-brasileiro o estigma de primitivo. Como exemplo de comida de santo, a teóloga e sacerdotisa Maria Elise escolheu o acaçá que representa todos seres vivos. Além disso:

• É o símbolo de um corpo, de um ser;• É o símbolo da vida (para afastar a morte do caminho das pessoas, para que o sacrifício não seja o homem);• Poupa dos percalços do destino (sem oferendas ninguém escapa dos dissab-ores do destino). Ao final da oficina os alabês da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divi-no foram convidados a tocar e a canji-ca feita durante a mesma, foi ofertada a todos os presentes como significa-ção de restituição do axé para todos.

Comida de Santo

MÃE MARIA ELISE JUSTIFI-CA O NOME SANTO PARA A COMIDA, POIS SE SACRALIZA O ALIMENTO DENTRO DAS TRADIÇÕES AFRO-BRASILEI-RAS. AS MULHERES POSSUEM UM PAPEL FUNDAMENTAL NESTE PREPARO

Expositora: Prof. Maria Elise Rivas (Sacerdotisa Yamaracyê) FTU

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O prof. José Flávio inicia sua conferência comentando que além da titulação acadêmica conquistada em anos de exercício profissional, duas outras titulações são igualmente im-portantes. Ele comentou com o pú-blico presente que é Babalossaim e Babalorixá. O professor comentou sobre os vários momentos históricos pelo qual o continente africano passou, receben-do influência de praticamente todas as culturas do planeta. Especificamente sobre a expansão da navegação pelos mares americanos o professor lembra a carta de Pero Vaz de Caminha e sua perplexidade ao se questionar quem eram os americanos? Seus hábitos e costumes completamente diferentes? A sociedade eurocêntrica necessita após estas “descobertas” inserir novos conceitos para compreender o que é a humanidade. Uma vez no Brasil, o profes-sor José Flávio inicia o seu recorte no nordeste. Vindo uma grande quan-tidade de escravos bantus. Mais tarde chegam escravos de origem fon e yorubá. Especialmente em Salvador, São Luis e Recife sofrem profundas influências destes povos africanos. Já no país inicia uma profunda hibrid-

ização entre todas estas etnias com o povo brasileiro, chamando a atenção para os indígenas. A memória destes momen-tos especiais para o Brasil ficaram marcadas na religiosidade e em todos os aspectos da sociedade, segundo o professor. Cita os maracatus, afoxés, quilombos e comunidades quilombo-las. Diante desta diversidade o profes-sor cita um trabalho que ele conduziu em Alagoas, o grupo indígena dos cariris-xocós. Eles lutaram bravamente para manter sua identidade e esta era marcada pela árvore da jurema que re-metia ao seu mito de origem. O mito diz que a Jurema foi quem trouxe aquele povo para viver, os ofertou a vida. Este mito trazia a língua originária deles que de certa forma também foi resgatada. A ár-vore da Jurema era tida para os índios como a árvore da vida. Conversando com um dos índios naquela época da pesquisa, o mesmo falava como era importante beber o vinho de Jurema. Era pelo vinho de Jurema que eles conheciam a vida. Ao tomar Jurema, continua o professor, eles vão ao encontro dos Encantados que dão sentido as suas vidas. Dentro das diversas Umbandas

este poder da Jurema é consubstan-ciado na Cabocla Jurema. É com esta afirmação que o professor José Flávio afirma como a Jurema possui vários significados e influencia as religiões Afro-brasileiras das formas mais di-versas possíveis. Nos Candomblés de origem bantu, o professor evoca Ogum Kariri que mostra as profundas contribuições recebidas por ambas as tradições no sincretismo brasileiro. Estas celebra-ções plurais reforçam o DNA brasileiro. Para mostrar esta concretização na cultura brasileira, o professor lembra da música da Maria Betânia sobre a cabocla Jurema. Logo após ensejou que os congressista cantassem pontos, músicas e louvarias sobre a Jurema e, de fato, todo o Congresso de alguma forma ficou juremado.

História, memória e identidade: os cantos da Jurema

Conferencista: Prof. Dsc. José Flavio Pessoa de Barros (UERJ)

Confira o mais novo livro do Pai Rivas: “Espiritualidade e Ciência na Teologia das Religiões Afro-brasileiras”A FTU EDITORA lançou no III Congresso Brasileiro de Umbanda do Século XXI o livro Espiritualidade e Ciência composto por textos in-éditos com gráficos e diagramas ilustrados de autoria do Pai Rivas, bus-cando mostrar a complexidade da teologia das Religiões Afro-brasilei-ras sem perder a simplicidade que nossos Ancestrais Ilustres expressam no terreiro. Tudo isto por meio do diálogo direto entre Espiritualidade e Ciência. Aliás, o livro nos mostra como a segunda pode ser um mé-todo eficaz para alcançar a primeira sem menosprezar outras formas.

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A Imagem da

África no Brasil O prof. Zamparoni comentou sobre a honra que sentiu por ser con-vidado para falar ao Congresso. Ape-sar do tema ter entrado na “moda”, o imaginário sobre a África ainda é permeado de preconceitos e visões distorcidas sobre estes esteriótipos. A África é vista como um mundo ilusório. Outra visão é pensar a África como uma grande floresta ou animais exóticos, específicos da região. Ao citar estas imagens, o pro-fessor também lembra dos documen-tários na TV paga. Onde os mundos são separados: de um lado as savanas e de outros pajens e negros que vivem em “tribos”. Com isto se gera uma homo-geneização do que é o povo africano. O professor Zamparoni comenta que isto é histórico. Desde as primeiras investidas do europeu no continente africano, os responsáveis pela iden-tificação dos povos observavam a característica de um grupo e extrapo-lava para todos os africanos. Também afirmou que todos os ritos que não se aproximavam dos cultos cristãos, ficaram estigmatizados como cultos satânicos. Logo, a conclusão do professor

é que a África é primitiva, todos os po-vos são iguais, todos os povos são tidos como genéricos. Os ocidentais sofre-ram dois grandes processos de homoge-neização: • Império Romano;• Cristianismo. No entanto, nós não re-duzimos franceses aos italianos ou vice-versa, coloca o professor. Já no continente africano isto é feito sem nenhuma preocupação. A própria ex-pressão bantu não é reconhecida pelo povo africano. E com este exemplo o professor Zamparoni lembra que é um grande perigo a homogeneização. O professor também mostrou várias outras fotos e figuras sobre o povo africano mostrando grandes de-turpações entre o que é retratado e o que existe de fato. Da mesma forma este processo ocorre em plagas ameri-canas com relação ao indígena. Na sequência, o professor Zamparoni mostra uma série de fo-tos apresentando a mulher como algo sexualizado, estereotipado, exótico, não produtor de conhecimento. Em vários documentários internacionais, as mulheres são tratadas com roupas exóticas. Exclui-se seus usos e cos-

tumes no cotidiano que são muito diferentes. Quando estas representa-ções cotidianas surgem, mostram uma juventude ligada ao tráfico de drogas e de armas. Isto quando não são apre-sentados a miséria total destes povos. Para combater este status quo imagético, o professor Zamparoni mostra fotos da África em suas várias modalidades: reunião de trabalha-dores; movimento de luta pelos di-reitos homossexuais; edifícios moder-nos; entre outros símbolos tão comuns em várias cidades do planeta. Na parte final de sua confer-ência, o professor Zamparoni retorna o tema para o Brasil. O grande salto desumanizador dos povos africanos foi a escravidão. O racismo científico do século XIX foi, entretanto para o professor, o pior salto deste gênero. A África foi criada com a imagem de pessoas que batem tambor em rituais satânicos, capazes de jogar futebol, mas não para filosofar. Cita a escola do Olodum como um estereótipo deste modelo racista-científico. Urge rever-mos os nossos conceitos e mudar o nosso imaginário sobre os africanos.

Conferencista: Prof. Dsc. Valdemir Zamparoni (UFBA)

VESTIBULAR FTU Processo Seletivo 2011

Teólogo com ênfase na Umbanda/Religiões Afro-brasileirasInscrições 03 de jan. de 2011 a 10 de fev. de 2011Horário: 16h às 20h Matrícula14 a 15 de fev. de 2011 Provas

12 e 13 de fevereiroHorário: 13h às 17h

Início das aulas16 de fev. de 2011

Informações(55 11) [email protected]

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Pai Rivas abriu sua confer-ência apresentando três ritos das Re-ligiões Afro-brasileiras. O primeiro rito apresentado foi a Kimbanda. O rito realizado nas dependências da FTU no dia 23/10 reuniu milhares de pessoas e durante o mesmo, Exu le-vou todos os presentes para a rua. Em um dado momento o vídeo apresentou uma visão panorâmica que dava para perceber a quantidade de pessoas lo-tando praticamente o quarteirão in-teiro onde está situada a faculdade. Logo após, Pai Rivas apre-sentou um rito de Caboclo realizado na sede da OICD, na Rua Chebl Mas-sud – Água Funda que data o ano de 2005. Vários sacerdotes e sacerdoti-sas oriundos de várias Escolas trabal-haram de forma conjunta mantendo suas características ritualísticas. Esta demonstração viva reforça a idéia de

Unidade na Diversidade discutida am-plamente pelo conferencista em suas obras. O último rito foi um Toque de Jurema no Centro de Cultura Viva das Tradições Afro-brasileiras. Nele foi possível assistir Mestre Canindé, Mestre Zé Pilintra e outros Mestres acostados nos Mestres encarnados. Lembrando que no Catimbó-Jurema, o médium que domina os fundamen-tos da Jurema é chamado de Mestre assim como os Encantados que trabal-ham com ele. Com esta diversidade de ri-tos, Pai Rivas iniciou sua exposição propriamente dita evocando as três raízes formadoras do povo brasileiro como as mesmas que deram origem às religiões afro-brasileiras: • Raiz do autóctone -> Índio; • Raiz do colonizador -> Europeu;

• Raiz do escravizado -> Africano Estas três raízes se fundiram em diversas quantidades e modali-dades dando origem a um verdadeiro mosaico. Por isto se justifica a enorme diversidade existente na tradição das religiões Afro-brasileiras em todo o território brasileiro. Mas é possível encontrar pontos comuns dentro de uma mani-festação tão plural? Para Pai Rivas sim, lembrando que diante de tantos ritos, todos possuem a Oralidade em comum. Estamos em uma sociedade que prioriza a tradição escrita sobre a oral, marca registrada do Ocidente. No entanto, a conferência foi clara ao afirmar que o homem que es-creve é o homem que fala. E quando pensamos, na maioria das vezes, fala-mos mentalmente conosco. Logo,

As Religiões Afro-brasileiras: A Assimetria do Sagrado

Conferencista: Prof. F. Rivas Neto – Pai Rivas, Sacerdote das Religiões Afro-brasileiras e Diretor Geral da FTU

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todo o processo de escrita passa por um anterior de fala. Seja a fala ex-plícita, seja fala tácita da mente. Além deste ponto central co-mum, encontramos na conferência outros elementos: Culto às Divin-dades; Culto aos Ancestrais; Cânticos (Música); Danças; Uso de Bebidas – Estado superior de consciência; Sacrifício Ritualístico de Animal; Oferendas – comidas votivas; Transe. Pai Rivas comentou que apesar de algumas escolas não fazerem uso do sacrifício ritualístico, de alguma for-ma tomam contato com o axé animal e neste caso existe um uso indireto do fundamento. Dando continuidade à ex-posição, Pai Rivas comentou de alguns fatores sociológicos e antropológicos que implicam a construção identitária dos umbandistas. Diante das dicotomi-as acentuadas em níveis ideológicos, coercitivos e econômicos, a Umbanda ou as Religiões Afro-brasileiras fun-cionam como uma terapia social, por meio do diálogo que inclui e remete à Convivência Pacífica. Este diálogo procura aproximar o centro e a perife-ria seja nos ângulos espirituais, cult-urais, sociais, políticos e econômicos. Sendo assim, quanto mais propenso ao diálogo mais próximo do centro o indivíduo se encontra. O oposto o coloca cada vez mais distan-te do diálogo centro-periferia perman-ecendo na periferia.

Defendendo esta posição, Pai Rivas explica o conceito de Es-colas como componente da teologia de síntese. As Escolas são caracter-izadas por uma forma de conhecer e praticar o contato com o Sagrado de maneira específica, diretamente influenciada pela maior ou menor influência das três matrizes supra-citadas. Uma Escola está calcada no tripé: Epistemologia (doutrina), Método (linha de transmissão) e Ética (alteridade). Na sequência Pai Rivas apresenta os fatores espirituais que as Escolas exercitam com seus adeptos. Neutralizar as desigual-dades – respeitando as diferenças,

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porém sem estabelecer uma hierar-quização entre os diversos valores simbólicos; Promover condições propícias para despertar o Sagra-do; e Incrementar várias lingua-gens simbólicas decodificadas e traduzidas como forma de inclusão em todos os níveis. Como existem vários ângulos de interpretação, Pai Rivas sustenta que o contato com o Sagrado é assimétrico. Para entender melhor este último item faz-se necessário pen-etrar na teoria do inconsciente propugnada pelo Pai Rivas que também foi exposta em sua confer-ência. Partindo da teoria freudiana do Inconsciente, Pré-consciente e Consciente na analogia clássica com o “iceberg”, o conferencista levou aos presentes a seguinte in-dagação. Se está bem definido em Freud o iceberg em suas porções emersa e submersa, o que seria então o “oceano” que funciona como estrutura basilar deste siste-ma?

Fonte: http://my.opera.com/siamar/blog/2009/07/27/teoria-de-freud

Pai Rivas sugere que este “oceano” é a Espiritualidade vi-vente em todos nós de forma atem-poral e adimensional tal qual o

próprio Espírito. Ou seja, o termo Espiritualidade foi escolhido por Pai Rivas nesta teoria do inconsci-ente, pois remete ao Espírito. No fundo, não deixa de ser uma pro-posta onto-epistemológica. A essência (Espírito-Iman-ifesto) manifesta-se na substância gerando a existência em dois mun-dos: Visível e Invisível (regidos pelas quatro dimensões). Esta cos-movisão possui profunda ligação com a cosmogênese que, segundo a teologia de síntese, também se estabeleceu pela manifestação da essência (poder volitivo do Orixá) na substância escura dando origem a existência do(s) universo(s) tão bem representada no big bang. Observando o fluxograma da mente, é possível estabelecer como existe o trânsito das infor-mações da mente indiferenciada – Espiritualidade – até o corpo é a mente em seu aspecto mais denso.

Para sintetizar e ao mesmo tempo resumir a teoria exposta, Pai Rivas apresentou quatro itens básicos e fundamentais:1. O que é? A Mente Inconsciente é a Espiritualidade. A Espirituali-dade não é somente religião. A Es-piritualidade é inerente a todo ser humano vivente no seu interior2. Como acessá-lo? (Metodologia usada nas Religiões Afro-Brasilei-ras) O acesso à espiritualidade pode ser por intermédio de vários ritos das religiões afro-brasileiras, que evocam, trazem o conteúdo do inconsciente decodificado e tradu-zido para o consciente: Diálogo com os Deuses (Oráculos); Bori; Ebó / Sacudimento; Oferendas Várias; Transe; e outros3. Qual Objetivo? Reconhecer-se como Espírito. 1°Estágio: Identi-ficação com o Ancestral Ilustre. 2°Estágio: Identificação com o Pai Divino (Orixá). 3°Estágio: Identi-

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ficação com o Poder Divino4. Rito-liturgia. A sua rito-liturgia é uma forma de acesso ao Sagrado via inconsciente, pois fragiliza o Inconsciente Superficial de várias maneiras. Como exemplo Pai Ri-vas citou: Música (toques dos ilús); Dança; Canto; Transe Mediúnico / Possessão; Diálogo com os Orácu-los; Diálogo com os Ancestrais

Conclusões trazidas ao final da conferência pelo Pai Rivas

1. As Religiões Afro-Brasileiras em suas várias manifestações são formas, via inconsciente, de acesso ao Sagrado.

2. A Unidade das religiões Afro-Brasileiras é uma realidade que desaparece se o todo é fragmenta-do em seus componentes, portanto há fortes elos de união entre todas elas (semelhanças que superam as diferenças).

3. O Conceito de Escola como um equalizador das várias linguagens de acesso ao inconsciente. Fator anti-desagregativo.

4. O acesso ao inconsciente pro-fundo, como linguagem ou met-odologia preferencial de acesso à Espiritualidade é um aspecto único de assimetria do Sagrado.

5. Permite a constatação que toda religião conduz ao Sagrado. O mesmo pode acontecer com os demais conhecimentos (científico, filosófico, artístico, religioso)

6. O Sagrado não é privilégio dos religiosos, mas de todos, pois encontra-se em essência, no inte-rior de todo ser humano.

7. O Sagrado é a espirituali-dade universal inerente a todo ser humano, vivente em seu interior.

Para acessá-lo é necessário pen-etrar no inconsciente profundo, decodificando e traduzindo seu conteúdo para o consciente.

8. O sagrado transcende as religiões, sendo portanto assimé-trico. A assimetria do sagrado se deve ao fato das religiões vê-lo de várias maneiras diferentes e isto permite a interação e a paz entre os homens. As Religiões Afro-brasileiras são os principais exem-plos desta interação. Sendo assim, todas as religiões são necessárias, mas são visões particularizadas do Sagrado. Assim sendo toda re-ligião é legítima, pois é uma forma de perceber o Sagrado. O sagrado é uma forma de conhecimento que se manifesta na religião, na filoso-fia, na arte e na ciência. As mesmas diferem apenas no quanto possuem de abstrato-concreto, irracional-ra-cional ou inconsciente-consciente.

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