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Setembro/2015 – Edição 222 Jornal Jurídico A Tipificação do Terrorismo, um Direito Penal do Inimigo, no Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 - Rodrigo Silva Barreto e Mayagara Mylana Müller Goerg p. 1 Pelo Fim da Aberratio Nominada Defensoria Pública - Rafael Jayme Tanure p. 29 Pode o Parlamentar Estar Sujeito à Ação de Improbidade Administrativa? – Rogério Tadeu Romano p. 31 Atualização Monetária dos Créditos Trabalhistas: Novos Parâmetros Jurisprudenciais – Gustavo Filipe Barbosa Garcia p. 37 Águas Subterrâneas: a Complexidade da Gestão Institucional – Maria Luiza Machado Granziera e Beatriz Machado Granziera p. 43 O Transporte Rodoviário Internacional de Cargas e o Aproveitamento de Créditos de ICMS Desta Atividade por se Tratar de Exportação de Serviços – Ivo Ricardo Lozekam p. 53 Acórdão na Íntegra – Tribunal Regional Federal da 1ª Região – p. 57 Pesquisa Temática – Aposentadoria – p. 62 Jurisprudência Comentada – A Figura do Bystander no Direito Brasileiro: a Extensão do Conceito de Consumidor (Breve Comentário ao Recurso Especial nº 1.100.571/PE) – Fernanda Dalla Valle p. 71 Medidas Provisórias – p. 81 Normas Legais – p. 84 Indicadores – p. 85

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Jornal Jurídico Síntese - Setembro 2015

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Setembro/2015 – Edição 222

Jornal Jurídico

A Tipificação do Terrorismo, um Direito Penal do Inimigo, no Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 - Rodrigo Silva Barreto e Mayagara Mylana Müller Goerg – p. 1

Pelo Fim da Aberratio Nominada Defensoria Pública - Rafael Jayme Tanure – p. 29

Pode o Parlamentar Estar Sujeito à Ação de Improbidade Administrativa? – Rogério Tadeu Romano – p. 31

Atualização Monetária dos Créditos Trabalhistas: Novos Parâmetros Jurisprudenciais – Gustavo Filipe Barbosa Garcia – p. 37

Águas Subterrâneas: a Complexidade da Gestão Institucional – Maria Luiza Machado Granziera e Beatriz Machado Granziera – p. 43

O Transporte Rodoviário Internacional de Cargas e o Aproveitamento de Créditos de ICMS Desta Atividade por se Tratar de Exportação de Serviços – Ivo Ricardo Lozekam – p. 53

Acórdão na Íntegra – Tribunal Regional Federal da 1ª Região – p. 57

Pesquisa Temática – Aposentadoria – p. 62

Jurisprudência Comentada – A Figura do Bystander no Direito Brasileiro: a Extensão do Conceito de Consumidor (Breve Comentário ao Recurso Especial nº 1.100.571/PE) – Fernanda Dalla Valle – p. 71

Medidas Provisórias – p. 81

Normas Legais – p. 84

Indicadores – p. 85

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Doutrina

A Tipificação do Terrorismo, um Direito Penal do Inimigo, no Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012

RODRIGO SILVA BARRETOFormado em Ciência Jurídica e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (em 10.01.2015).

MAYAGARA MYLANA MÜLLER GOERGFormada em Ciência Jurídica e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (em 10.01.2015).

RESUMO: Trata-se de um trabalho que analisa o Direito Penal do inimigo, juntamente com a tipificação do terrorismo no Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012. De maneira exemplificativa, expõe o Direito Penal do inimigo e as suas contradições no Estado de Direito. Após, de maneira crítica, descreve como é empregado no âmbito da tipificação do terrorismo no novo Código Penal.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal do inimigo; terrorismo; terror; novo Código Penal.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direito Penal do inimigo; 1.1 Teoria da pena para Günther Jakobs; 1.2 Direito Penal do inimigo e Direito Penal do cidadão; 1.3 Fundamentação; 1.4 Sujeito e aplicabilidade jurídica do Direito Penal do inimigo; 2 Contrarrazões ao Direito Penal do inimigo; 2.1 Fato histórico;

2.2 Fato jusfilosófico; 2.3 Crítica à prevenção geral positiva fundamentadora – Simbolismo e punitivismo; 2.4 Direito Penal do autor; 3 Novo Código Penal e a conduta do terrorismo; 3.1 Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 236, de 2012; 3.2 As críticas ao Título IX do novo Código Penal – Terrorismos; Referências.

INTRODUÇÃO

Quando as garantias inerentes ao ser humano são deixadas de lado para “tentar” resguardar os direitos de outros, há necessidade de avaliar como tal procedimento ocorre em um Estado de Direito.

Nesse sentido, observa-se que o Direito Penal do inimigo tem como pedestal a “retirada” de direitos inerentes

a certas pessoas. O Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012, conhecido como projeto

do novo Código Penal, elenca vários tipos penais com o emprego Direito Penal do inimigo, entre eles o terrorismo, que, além de nunca ter sido tipificado, surge com penas desproporcionais.

O referente trabalho tem como objeto de pesquisa observar o Direito Penal do inimi-

go, as suas contradições e o seu empregado, diretamente, ligado ao terrorismo no novo Código

Penal brasileiro.

Então, o primeiro capítulo, não de forma taxativa, mas, sim, enume-rativa, está separado para identificar, justificar e analisar o Direito Penal inimigo. Logo em seguida, nos mesmos moldes do primeiro capítulo, analisará a contradição desse legado implantado por Günther Jakobs. Por último, o terceiro capítulo fará uma análise detalhada do tipo penal terrorismo no novo Código Penal, onde, visivelmente, há aplicação do Direito Penal do inimigo.

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1 DIREITO PENAL DO INIMIGO

Apesar de, ao longo da história, estar sempre presente a conduta do inimigo, para, assim, os membros dos Estados continuarem no poder, foi por meio de Günther Jakobs, idealizador do Direito Penal do inimigo1, influenciado pela teoria do sistema2, que houve a sua classificação mais moderna, inicialmente exposta em maio de 1985 durante um congresso em Frankfurt, na Alemanha, mas empregado diretamente pelos Governos “democráticos” somente após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

Para delinear o Direito Penal do inimigo, Jakobs (2003, p. 51-53) analisa, primordialmente, a denominação de direito e o problema central do Direito Penal.

1 O Direito Penal do risco não é abordado no estudo em si, mas para desmis-tificar o Direito Penal do inimigo e o Direito Penal do risco. Aduz Prittwitz: “Este último descreve, a meu ver, uma mudança no modo de entender o Direito Penal e de agir dentro dele, mudança esta resultado de uma época, estrutural e irreversível; uma mudança cujo pronto de partida já é fato dado e que tanto encerra oportunidades como riscos. Direito penal do inimigo, em contrapartida, é a consequência fatal e que devemos repudiar com todas as forças de um direito oenal do risco que se desenvolveu e conti-nua a se desenvolver na direção errada” (PRITTIWITZ, Cornelius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo/SP: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 47, p. 31-45, mar./abr. 2004, p. 32).

2 Teoria importada da biologia de Maturana e Varela para sociologia por Niklas Luhmann em seu livro: Sistemas socieales. Lineamientos para uma teoria general. Rapidamente, percebe-se que a teoria sistêmica, ou teoria dos sistemas, realça os sistemas autopoiéticos, que são os sistemas vivos, psíquicos e sociais. Além de autopoiéticos, são também autorreferentes e operacionalmente fechados, sendo que autorreferente seria “La capacidade de entablar reaciones consigo mismos y de diferenciar essas relaciones frente a las de su entorno. Esta tesis abarca al sistema como um hecho y a las condiciones de su descripción y análisis mediante otros sistemas (a su vez autorreferenciales)” (LUHMMANN, Niklas. Sistemas sociales. Lineamientos para uma teoria general. 1. ed. Spain: Alianza Editorial, p. 38).

O primeiro é o vínculo entre pessoas que são titulares de direi-tos e deveres, ao passo que a relação com um inimigo não se determina pelo Direito, mas pela coação, totalmente vinculado com as concepções do contrato social de Rousseau e também de outros pensadores jusfilosóficos, como Hobbes, Kant e Fichte.

Por sua vez, o segundo é, para ele, a incompatibilidade entre juridicidade e efetividade, sendo que uma real efetividade da juridicidade não somente se encontra no fundamento jurídico da norma, mas também no comportamento dos indivíduos que desejam ser consideradas pessoas perante o Estado. Assim, aduz Jakobs3:

Sem algum fundamento cognitivo, a sociedade constituída juridicamente não funciona, pois nela não apenas confirmam sua identidade as pes-soas corajosas, mas também os indivíduos covardes querem encontrar seu meio de sobrevivência. [...] não somente a norma precisa de um fundamento cognitivo, mas também a pessoa. Aquela que pretende ser tratado como pessoa deve oferecer uma certa garantia cognitiva de que vai ser comportar como pessoa; [...].

Especificamente, percebe-se que, consoante o autor (Jakobs, 2003, p. 53), o indivíduo não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas também o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que, do contrário, vulneraria o direito à segurança das demais pessoas. Ademais, acrescenta o autor, quando a norma for ne-gada, o Direito Penal deixar de ser uma reação da sociedade diante da conduta de um de seus membros e passa a ser uma reação contra um adversário, indubitavelmente contra um inimigo.

Dele perpetua-se que a pena deve ser entendida como mar-ginalização do ato em seu significado lesivo para a norma e, com isso, como constatação de que a estabilidade normativa da sociedade permaneça inalterada.

3 JAKOBS, Günther. Ciência do direito e ciência do direito penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Manole, 2003. p. 54.

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22Outrossim, a pena é a confirmação da identidade da sociedade (conhecida como prevenção geral positiva), isto é, da estabi-lidade normativa que com a pena se alcança – desde que se pretenda –, pois esta é sempre a finalidade da pena. Todavia, quando não há um bem jurídico protegido e o Direito Penal é usado como instrumento de pedagogia social, então é meramen-te simbólico e não é legítimo para sustentar-se, por si mesmo, como finalidade da pena (Reghelin, 2007, p. 282).

Agora, um ato penalmente relevante não se pode definir como lesão de bens, mas somente como lesão da juridicidade. Por sua vez, a lesão da norma é o elemento decisivo do ato penal-mente relevante, e não a lesão de um bem. Nesse liame, subtrai a escrita4:

La pena es coacción; [...] Em primer lugar, está la coacción em cuanto portadora de un significado, portadora de la respuesta al hecho: el hecho, como hecho de uma persona racional significa algo, significa uma desautorización de la norma, um ataque a su vigência, y la pena también significa algo, significa que la afirmación del autor es irrelevante y que la norma sigue vigente sin midificaciones, manteniéndose, por lo tanto, la configuración de la sociedade. En esta medida, tanto el hecho como la coacción penal son médios de interaccón simbólica, y el autor es tomado em serio em cuanto persona; [...] Sin embargo, la pena no sólo significa algo, sino que también produce físicamente algo. [...] Em esta medida, la coacción no pretende significar nada, sino quiere ser efectiva, lo que implica que no se dirige contra la persona em Derecho, sino contra el individuo peligroso.

Nesse sentido, pode-se dizer, ainda, que Jakobs estrutura as suas ideias a partir das seguintes proposições: (1) tanto as leis quanto o cidadão devem dar uma garantia cognitiva; (2) se o cidadão não dá tal preservação cognitiva, o Estado não deve tratar como cidadão; (3) o Direito Penal, mais estritamente a pena, positivamente, presta-se à manutenção e à segurança da

4 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Derecho Penal del Enemigo. Madri: Civitas Ediciones, S. L., 2003. p. 23-24.

identidade social; (4) apesar de a pena ter função da prevenção positiva, a função da pena não é a de retribuir o mal praticado por alguém, nem de impor a prevenção especial positiva ou negativa, mas apenas e tão somente proteger a não violação das normas, mantendo as expectativas sociais.

Ainda que tenha recém descrito um discernimento inicial, é nítido que o Direito Penal do inimigo, além de ser uma “grande” arma para o Estado “derrotar” o inimigo, podendo, nesse caso, ser qualquer um que o mesmo queria5, percebe-se que há contra-dições no próprio pensamento de Jakobs. Apesar disso, ainda surgem dúvidas, entre elas: Como são os “inimigos”? Como o Estado age frente a esses “inimigos”? Principalmente, como se fundamentou tal teoria posta em tela na modernidade?

1.1 Teoria da pena para Günther Jakobs

Entre as várias teorias da pena, podem-se descrever a teoria mista, a teoria dialética unificada, a teoria de prevenção especial, tanto negativa quanto positiva, e a teoria de prevenção geral negativa e positiva6.

A teoria da prevenção-integração nasceu, ao final do século XIX, com Durkheim, que descrevia a função positiva do delito sendo a coesão. Também, tal teoria liga com pensamento de Freud, que parte da noção de que o homem vem a ser um ser social apenas por meio de um processo lento de socialização, e, com Hegel, que considerava a pena como contra-afirmação

5 Não se pode negar a técnica conhecida como völkisch, onde o Estado ou um grupo alimenta e reforça os piores preconceitos de outro grupo para estimular publicamente a identificação do inimigo de vez (ZAFFARONI, E. Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2007. p. 57).

6 O estudo, em si, não visa a estudar cada teoria, somente a teoria apoiada pelo autor Jakobs.

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de que o autor não poderia agir de maneira a burlar as leis e, também, que a pena funciona como resposta à pretensa lei do infrator, reafirmando que a única lei geral era do ordenamento, fonte certa da ideia ora ordenada (Junqueira, 2004, p. 70-71).

A teoria da prevenção se divide em várias ramificações, mas o que está em tela, todavia, é a teoria da prevenção geral positi-va. Segundo Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar7, a legitimação discursiva que pretende atribuir ao poder punitivo a função manifesta de prevenção geral positiva é que a criminalização estaria fundamentada em seu efeito positivo sobre os não crimi-nalizados, não para dissuadi-los pela intimidação, e sim como valor simbólico produtor de consenso, e, portanto, reforçador de sua confiança no sistema social e geral (e no sistema penal em particular). Em última instância, o delito seria uma má pro-paganda para o sistema, e a pena seria a expressão por meio da qual o sistema faria uma publicidade neutralizante.

Para Claus Roxin, citato por Anitua (2007, p. 799), a prevenção geral positiva tem três funções inter-relacionadas: efeito social pedagógico de respeito às normas, consolidação da confiança no direito que os Tribunais produzem e pacificação da cons- ciência jurídica da comunidade, ao ser comprovada a supera-ção do conflito.

Jakobs é um dos defensores e criadores dessa prevenção geral positiva (fundamentadora e não limitadora), fundada na concepção do sociólogo Luhmann, sobre o papel das normas jurídicas, que diz que o Direito Penal tem a missão de esta-bilizar a convivência social e preservar a função orientadora das normas jurídicas. Assim, o delito apresenta-se como frustação de expectativas, ou seja, a confiança institucional

7 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejan-dro. Direito penal brasileiro – Teoria geral do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1 v., 2003. p. 121.

veio a substituir a confiança pessoal nos sistemas complexos (Reghelin, 2007, p. 287).

Entretanto, é nítido falar que não somente Jakobs, mas também pensadores como Welzel, Hassemer e Kaufmann apoiam na prevenção geral positiva fundamentadora.

Entre os mais importantes, há Welzel, que descreve que o Di-reito Penal cumpre uma função ético-social, sendo que é mais importante que a proteção do bem jurídico. Ademais, função ético-social é a garantia de vigência real dos valores da ação da atitude jurídica. A proteção de bens jurídicos constitui so-mente uma função de prevenção negativa. A mais importante missão do Direito Penal é, no entanto, de natureza ético-social. Ao proscrever e castigar a violação de valores fundamentais, o Direito Penal expressa, da forma mais eloquente de que dispõe o Estado, a vigência de ditos valores, conforme o juízo ético--social do cidadão, e fortalece a sua atitude permanente de fidelidade ao Direito8.

Entrando mais afinco ao pensamento de Jakobs sobre a preven-ção geral positiva fundamentadora9, percebe-se que, em seu entendimento, primordialmente, a norma serve para confirmar a identidade da sociedade, serve como uma orientação para a sociedade e, caso alguém descumpra a norma, a norma manterá a sua vigência independentemente. Vale ressaltar que, quando o delito é negativo, a pena é positiva, culminando, inclusive, que o poder punitivo é exercido não para reparar os danos das vítimas, e sim para impor um mal ao autor do fato.

8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 16. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 115-116

9 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Derecho Penal del Enemigo. Madri: Civitas Ediciones, S. L, 2003; JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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22Ainda sim, retira-se do pensamento de Jakobs, como sublinha Franco10, que a prevenção geral positiva fundamentadora substi-tui o dogma do bem jurídico pelo princípio de danosidade social, encarando o Direito Penal como um sistema específico de que se espera a estabilização social, pela via da restauração da confiança na vigência das normas (em verdade, erige a norma à categoria de bem jurídico). Sendo que somente a danosidade social pode constituir fundamento bastante para a punibilidade. Nesse contexto, a punibilidade do indivíduo passa a depender não de circunstâncias existentes na sua pessoa, mas sim daquilo que se imagina ser necessário para exercitar os cidadãos na fidelidade ao direito.

Ele, claramente cauteloso, não indicou que todos os infratores são “inimigos”, mas, sim, somente aqueles que assim o querem, inequivocamente, aqueles que pela própria culpa podem ser assim tratados, visto que nas derivações filosóficas semelhantes surgiram regimes problemáticos, como o nazismo e fascismo.

Análogo, segue o pensamento de Jakobs11:

[...] tanto el hecho como la coacción penal son medios de interacción simbólica, y el autor es tomado en serio en cuanto persona; pues si fuera incompetente, no seria necesario contradecir su hecho. Sin embargo, la pena no sólo significa algo, sino que también produce físicamente algo […] la coacción no pretende significar nada, sino quiere ser efectiva, lo que implica que no se dirige contra la persona en Derecho, sino contra el individuo peligroso.

Com base em tudo isso, ao passo de Anitua (2007, p. 803), observa-se que um dos grandes problemas das sociedades

10 FRANCO, Helena Lahude Costa. O problema dos fins da pena criminal. Breve análise da legislação portuguesa. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10233-O-problema-dos-fins-da-pena-criminal-Breve--anlise-da-legislao-portuguesa#_ftn47>. Acesso em: 5 fev. 2015.

11 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Derecho Penal del Enemigo. Madri: Civitas Ediciones, S. L., 2003. p. 23-24.

atuais relaciona-se em torno dos valores da “comunidade”, ou o sentimento de tal coisa que poderia ser imaginado, postulado ou fixado. Em vez de debater o novo sentido de comunidade e identidade – baseado no individualismo, na diversidade e na desconstrução de valores aceitos –, os poderes estatais tentam voltar à história para esses valores “tradicionais”, por meio de um aumento da violência punitiva. Obtém-se mais violência, porém não mais sentido. Violência que não será somente a imposi-ção não alcançada desses valores “poderosos”, mas também a exercida pelos que definem a si mesmo ou se identifiquem com valores em parte diferentes, mas igualmente baseados na exclusão daquele que não participa dessa nova identidade.

Há de se pensar, em uma maneira geral, que o Direito Penal do inimigo tem como fim da pena a teoria prevenção geral positiva fundamentadora; segue, portanto, (1) ideia de confirmação da identidade da sociedade, (2) ideia da confiança institucional que veio substituir a confiança pessoal nos sistemas complexos, (3) ideia que o ordenamento jurídico será mantido, mesmo que al-guém descumpra; (4) ideia que o Estado deve proteger a norma, não a pessoa; (5) ideia que há uma troca da função de proteção do bem jurídico para o emprego da danosidade social; (6) ideia de ver o Direito Penal como sistema que espera a estabilidade social, por via da confiança, tendo, com tudo isso, (7) uma ideia de valor simbólico ligado em matéria de comunicação e afirmação dos valores vigentes no ordenamento jurídico.

1.2 Direito Penal do inimigo e Direito Penal do cidadão

Se já houve uma explicação dos termos que cercam o Direito Penal do inimigo, mesmo que rapidamente, há necessidade de diferenciá-lo com o Direito Penal do cidadão, visto que, apesar de Jakobs achar esta nomenclatura incorreta, cidadão é todo indivíduo independente de sua origem, sua cor e sua raça. O “inimigo”, por sua vez, será analisado com mais afinco nos

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próximos capítulos, mas já se pode dizer que é aquele o qual o Estado assim o deseja, por exemplo, os terroristas.

Jakobs, ao abordar o Direito Penal do “inimigo” e do “cidadão”, descreve que há diferenças drásticas, mesmo que as duas concepções, em um Estado de Direto, na teoria, sejam polos distintos em um conceito, na prática, teoricamente conhecido como terceira velocidade do Direito Penal, e interajam-se12. Afinal, para resguardar a ordem em um Estado Democrático algumas pessoas não devem ser consideradas cidadãos, mas, sim, inimigos do Estado.

O Direito Penal do cidadão, conhecido como teoria do ga-rantismo, foi criado por Luigi Ferrajori. A sua teoria liga-se, a não ser permitido a ninguém, seja com poderes emendando na Constituição, seja com poderes editando por lei infracons-titucional, mitigar ou relativizar nenhum dos direitos e das garantias fundamentais. Além disso, o alicerce do garantismo encontra-se na liberdade do cidadão, sendo que todas as regras dessa teoria devem ser observadas, sejam elas penais ou processuais penais.

Nessa linha tênue, encontra-se a própria explicação de Jakobs13: “El derecho penal del ciudadano es el Derecho de todos, el Derecho penal del enemigo el de aquellos que forman contra el enemigo; frente al enemigo, es sólo coacción física, hasta llegar a la guerra”. Equitativamente, acrescenta que “el Derecho penal del ciudadano mantiene la vigência de la norma, el Derecho penal del enemigo (em sentido amplio: incluyendo el Derecho de las medidas de seguridade) combate peligros;[...]”.

12 Nesse sentido: SANCHEZ, J. Silva. La Expansión Del Derecho Penal. 2. ed. Madri: Civitas Ediciones, S. L., 2001.

13 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Op. cit., p. 33.

Seguindo a concepção de Jakobs, aduz o mesmo autor14 que o Direito Penal de inimigo legitima-se como um Direito Penal de emergência (Direito Penal de exceção). Os preceitos penais a ele correspondentes devem por isso ser estritamente separados do Direito Penal dos cidadãos, preferivelmente, também na sua apresentação externa. Ainda, pronuncia-se que a separação do Direito Penal do inimigo do Direito Penal do cidadão tem que ser de um modo tão claro que não exista perigo algum de que possa se infiltrar por meio de uma interpretação sistemática, ou por analogia, por qualquer forma no direito de cidadãos. O Código Penal, em sua configuração atual, oculta em não poucos pontos o extravasamento dos limites que correspondem a um Estado de liberdades.

Após analisar o Direito Penal do cidadão e o Direito Penal do inimigo, percebendo, assim, as suas diferenças, há, necessaria-mente, a fim de que seja melhor explicado tanto o Direito Penal do cidadão quanto o Direito Penal do inimigo, a obrigação de tentar classificar quem são os sujeitos do Direito Penal do inimigo e, logo após, ver como é a sua aplicabilidade jurídica.

1.3 Fundamentação

Ao ver como o Direito Penal do inimigo se estrutura, quem ele ataca, como ele ataca, fica-se uma dúvida: Como ele se funda-menta? Apesar de já terem sido descritos alguns pensadores, é necessário entrar mais afinco na sua fundamentação, princi-palmente de pensadores jusfilosóficos, porque é a partir deste que Jaboks defende a sua teoria.

Inicialmente, Jakobs, para apoiar a sua concepção teórica, descreve aquele que infringe a lei, na verdade, burla um con-

14 JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 143.

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22trato. A fim de que tal pensamento seja analisado mais afinco, o mesmo ampara-se na teoria de Rosseau, que aduz, no seu livro Do contrato social15:

Do resto, todo malfeitor, ao atacar o direito social, torna-se, por seus delitos, rebelde e traidor da pátria; cessa de ser um de seus membros ao violar suas leis, e chega mesmo a declarar-lhe guerra. A conservação do Estado passa a ser então incompatível com a sua; faz-se preciso que um dos dois pareça, e quando se condena à morte o culpado, se o faz menos na qualidade de cidadão do que de inimigo.

Especificamente, é viável dizer que, consoante Reale (2002, p. 647), o homem natural, para Rousseau, é um homem bom que a sociedade corrompeu, sendo necessário libertá-lo do contrato de sujeição e de privilégios, para se estabelecer um contrato social legítimo, conforme a razão da soberania política.

Nos mesmos moldes, percebe-se que o fundamento dessa so-berania é a vontade geral, que não resultada apenas na soma da vontade de cada um. A vontade particular e individual de membros de cada um diz respeito a seus interesses específicos; porém, enquanto cidadão e membro de uma comunidade, o indivíduo deve possuir também uma vontade que se caracterize pela defesa do interesse coletivo, do bem comum (Marcondes, 2004, p. 201).

Jakobs, por sua vez, ao pronunciar sobre Rousseau, descreve o seguinte16:

En correspondencia con ello, afirma Rousseau que cualquier malhechor que ataque el derecho social deja de ser miembro del Estado, puesto

15 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Edição Eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Moraes, p. 49. Disponível em: <http://www.nesua.uac.pt/uploads/uac_documento_plugin/ficheiro/0a348e9f51cbbfad351ad56c840240030d290f67.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2015.

16 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Derecho Penal del Enemigo. Madri: Civitas Ediciones, S. L., 2003. p. 26-27.

que se halla en gerra con éste, como demustra la pena pronunciada en contra del malhechor. La consecuencia reza así: al culpable se le hace morir más como enemigo que como cidadano.

Ademais, seguindo o mesmo liame de tal pensamento, o mesmo cita Fichte, que compreende que “quien abandona el contrato ciudadano [...] en sentido estricto pierde todos sus derechos como ciudadano y como ser humano, y pasa a un estado de ausencia completa de derechos”.

Ainda sim, Jakobs, descrevendo o pensamento de Fichte, pronuncia-se que há uma atenuação da morte civil como regra geral mediante a construção de um contrato de penitências, mas, claramente, havendo exceções, assassinato intencional e premeditado. Nesses casos, considera o condenado como uma peça de gado, descrevendo que a pena, na verdade, é um instrumento de segurança.

Hobbes, por sua vez, considerava um ser mau por natureza, somente preocupado com os próprios interesses e sem cuidados pelos interesses alheios, tendo se decidido a viver em sociedade ao perceber que a violência era causadora de maiores danos. A sociedade ter-se-ia originado da limitação recíproca dos egoísmos (Reale, 2002, p. 647).

No pensamento de Jakobs (2003, p. 28), Hobbes é um teórico do contrato social, mas, intrinsicamente, submete-se ao contrato de submissão, onde a submissão deve ser entendida como uma metáfora para que os cidadãos não perturbem o Estado em sua organização. Nessa via, salienta Jakobs17: “Para Rousseau y Fichte todo delincuente es de por sí enemigo, para Hobbes al menos el reo de alta raición”.

O último filósofo pronunciado por Jakobs para fundamentar a sua teoria do Direito Penal do inimigo é Kant, com pensamentos

17 Idem, p. 29.

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separados em duas fases, pré-crítica e crítica, que criticou o sujeito cartesiano, o caráter psicológico da experiência des-se sujeito e os pressupostos metafísicos de uma consciência entendida como uma substância pensante. A crítica ligou em dois pilares: o homem se autoconhecer e a possibilidade de o mesmo se manifestar livremente após se conhecer. A pré-crítica envolve o raciocínio dogmático desenvolvido por Cristian Worff.

O que vale ressaltar é que, na concepção de Jakobs, Kant desdenha que, além de toda pessoa autorizada poder obrigar a outra a entrar em uma constituição cidadã, quem não participa em um Estado legal pode ser “expelido”. Outrossim, acrescenta uma nota de rodapé de Kant do livro Sobre a paz perpétua, de 1795, onde afirma que ali pode haver pessoas que representam perigo, e tal via exige do direito que obrigue o cidadão a parti-cipar do contrato18. Portanto, mais completa a nota de rodapé, descreve Kant19:

Admite-se comumente que não se pode proceder hostilmente contra ninguém a não ser quando ele de fato já me lesou, e isto também é in-teiramente correto quando ambos estão no estado civil-legal. Pois, pelo fato de que entrou nesse estado, ele dá àquele (mediante autoridade que possui poder acima de ambos) a segurança requerida.

Conclui-se, a priori, que, para Rousseau, o inimigo deixa de ser membro do Governo quando infringe o contrato social; para Fichte, perde todos os seus direitos quem “deixa” de ser mem-bro do Estado; para Hobbes, considera fora da sociedade, ou seja, considera inimigo somente em caso de alta traição con-tra o Estado; e, por fim, para Kant, quem não aceita o estado comunitário-legal deve ser tratado como inimigo.

18 Idem.19 KANT, Immanuel. À paz perpétua. Porto Alegre/RS: L&PM, 2008. p. 23.

1.4 Sujeito e aplicabilidade jurídica do Direito Penal do inimigo

O Direito Penal do inimigo é uma “arma” que trata o cidadão, por escolha de um grupo, como inimigo. Entretanto, como classificá-lo?

Consoante Jakobs (2003, p. 57), o “inimigo”, em outras tradu-ções, o “não alinhado”, é um indivíduo que, não apenas de ma-neira incidental, em seu comportamento, ou em sua ocupação profissional, ou por meio de vinculação a uma organização, vale dizer, mas também em qualquer caso de forma presumivelmente permanente, abandou o direito e, por conseguinte, não garante o mínimo de segurança cognitiva do comportamento pessoal e o manifesta por meio de sua conduta.

Em relação ao comportamento incidental, descreve-se a de-linquência sexual e o antigo criminoso habitual perigoso (por exemplo, no Brasil, entregar à vadiagem, à mendicância, ao rufianismo – arts. 59 e 60 da LCP e 230 do CP). Em relação à ocupação profissional, pode-se citar a criminalidade econômica, a criminalidade organizada e, também, especialmente o tráfico de drogas. Por último, em relação à vinculação a uma organiza-ção, cita-se o terrorismo, a criminalidade organizada, novamente a criminalidade de entorpecentes ou a antiga premeditação à criminalidade.

Ao passo que mostrou o sujeito do Direito Penal do inimigo, é necessário mostrar como acontecem os “ataques” a esses inimigos.

Primeiramente, o Estado pode proceder de dois modos: ou trata o indivíduo como cidadão, e, assim, respeita todas as garantias inerentes a ele, ou trata o indivíduo como inimigo, e, assim, retira algumas ou todas as suas garantias em um Estado de Direito.

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22Para melhor entender essa diminuição de garantias, Jakobs (2003, p. 55) assim exemplifica as particularidades típicas do Direito Penal do inimigo: (1) ampla progressão dos limites da punibilidade, vale dizer, a mudança de perspectiva do ato prati-cado pela do ato que se vai praticar, sendo aqui exemplificadores os tipos de criação de organizações criminais ou terroristas, ou de produção de entorpecentes por grupo organizado; (2) falta de uma redução da pena proporcional a essa progressão, como, por exemplo, a pena para quem dirige uma organização terrorista, que é igual à de um autor de um homicídio tentado, aplicando-se logicamente a diminuição de pena pela tentativa e supera, de maneira ostensiva na maioria dos casos, as pe-nas reduzidas de tentativa previstas para os demais crimes de associações terroristas; (3) passagem da legislação de Direito Penal à legislação de combate à criminalidade e, concreta-mente, à criminalidade econômica; (4) supressão de garantias processuais e materiais à incomunicabilidade do acusado, que constitui-se em exemplo clássico.

Em outra escrita, Meliá20 descreve que

Derecho penal del enemigo se caracteriza por tres elementos: en primer lugar, se constata un amplio adelantamiento de la puniblidad, es decir, que en este ámbito, la perspectiva del ordenamento jurídico-penal es prospectiva (punto de referencia: el hecho futuro), em lugar de – como esto habitual – retrospectiva (punto de referencia: el hecho cometido). En segundo lugar, las penas previstas son desproporcionadamente altas: especialmente, la anticipación de la barrera de punición no es tenida em cuenta para reducir em correspondência la pena amenazada. En tercer lugar, determinadas garantias procesales son relativizadas o incluso suprimidas.

Atribui, então, que a aplicabilidade do Direito Penal do inimigo se dá na seguinte forma: o inimigo é punido com medida de segu-rança; a análise para punição é consoante a sua periculosidade;

20 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Op. cit., p. 33.

as medidas de segurança são realizadas para proteger o futuro; o Direito Penal é prospectivo, ou seja, anteciparia/preveniria um eventual delito que poderia ser praticado por uma pessoa; o Estado retira a sua “concessão” de cidadão, caso condenado, e somente importa a periculosidade do inimigo; o Estado age com coação, para resguardar a norma; o Direito Penal do inimigo visa a adiantar o âmbito de proteção da norma, alcançando, assim, atos preparatórios; a pena é considera desproporcional; a falta de uma redução da pena proporcional a essa progressão; a supressão de garantias processuais.

Indubitavelmente, apesar de não ser a parte das contrarrazões do Direito Penal do inimigo, percebe-se que o sujeito nessa te-oria acaba sendo quem o Estado ou um grupo social queria. O sujeito, ora decretado inimigo, acaba sendo “atacado” não com um Direito Penal de inimigo que tenta proteger a norma jurídica, mas, sim, com um Direito Penal do autor respaldado em ataques nos grupos marginalizados, seguindo o sentido da palavra, nos grupos sociais que vivem à margem da sociedade, já há muito tempo esquecidos pelo Governo.

2 CONTRARROZÕES AO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Em um discernimento inicial, a crítica do Direito Penal do inimi-go tem várias fundamentações, que serão analisadas separa-damente. A priori, percebe-se que as contrarrozões ao Direito Penal do inimigo pormenorizam uma análise entre o Estado de Direito e o Estado de polícia, que priva o indivíduo na condição de cidadão, como já explicado no primeiro capítulo, sendo que, por um lado, há a teoria política do Estado Constitucional, e, por outro, o Direito Penal do inimigo (Zaffaroni, 2007, p. 9).

A história, sendo umas das primeiras contrarrazões, é a prova que sempre houve discriminação dos seres humanos; retiran-

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do, portanto, a sua condição de cidadão. Claramente, certas pessoas foram consideradas, ao longo da história, inimigos da sociedade e, com isso, a aplicação do Direito Penal do inimigo já acontecia antes, mesmo que não houvesse tal conceito des-mistificado por Jakobs.

Enquanto a história já mostra as suas facetas com o “inimigo”, o Direto também o fazia. Deste modo, como outra contradição ao Direito Penal do inimigo, aufere-se que o tratamento dife-renciado de seres humanos privados do caráter de pessoas (inimigos da sociedade) é próprio do Estado absoluto. Com isso, introduz-se uma contradição permanente entre a doutrina jurídico-penal que admite e legitima o conceito de inimigo e os princípios constitucionais internacionais do Estado de direito, ou seja, com a teoria política deste último. Em um Estado Constitu-cional de Direito, o conceito de inimigo é inconcebível, mesmo em guerra, e o “inimigo” deve ser considerado um cidadão (Zaffaroni, 2007, p. 11-12).

Nesse liame, depreendem-se dois pensamentos no mundo político. Ou há respeito aos direitos humanos, ou há violação do mesmo que arrasa com os cidadãos inimigos, ou seja, acarreta em genocídio, como, por exemplo, a reação ao terrorismo, que nada mais é do que as ações de vingança do Estado.

Portanto, a quantidade de direitos que se é retirado de uma pessoa não priva ou anula a condição de cidadão ao indivíduo. Ainda mais apesar de o Estado ter poder para privar os seus membros de certos direitos, não há liberação de retirar a sua qualidade de cidadão.

Ao passo que o Estado despersonaliza o cidadão e o torna ini-migo, chegará um ponto que todos serão inimigos e não haverá mais cidadãos em um Estado de Direto. Assim, como o livro O alienista, de Macho de Assis, primeiro serão considerados loucos, inimigos no caso do Direito Penal de inimigo, quem a sociedade assim considera. Depois, outros critérios serão acei-

tos para classificar a loucura (o inimigo), sendo que chegará um dia que existirão mais loucos (inimigos) que pessoas “normais” na sociedade.

Só há de esperar, em uma perspectiva positiva, conforme o livro, que o Estado, no final das contas, vire Simão Bacamarte21 e diga: “[...] trata-se de uma doutrina nova, cujo primeiro exemplo sou eu. Reúno em mim mesmo a teoria e a prática”, vendo, assim, que o único louco é ele, ou seja, o único inimigo é o próprio Estado, e não os cidadãos que o formam.

2.1 Fato histórico

Mao Tsé-Tung22 declama que “o poder político nasce do fuzil”, e nessa via será descrito que, quando há de descrever a história, é nítido que o Estado sempre criou um inimigo, seja para manter no poder, seja por outros pensamentos interligados à soberania de uma nação.

A questão da legitimidade do uso da força persiste desde a exis-tência das primeiras sociedades organizadas. Para alguns, está na obra de Maquiavel, para quem os fins justificam os meios, e a violência é apenas um desses meios. Para outros, certamente desde o surgimento daquilo que constituía o justo ou injusto no recurso à violência, em civilizações como as da Grécia e de Roma, há uma dimensão moral que limita tanto o jus ad bellum quanto o jus in bello. Não interessa sobre o que seja o embate, serão sempre aqueles com poder dominante que controlarão a caracterização da violência de seus oponentes23.

21 ASSIS, Machado de. O alienista. Rio de Janeiro: Novo Aguilar, v. II, 1994. p. 35.

22 TSÉ-TUNG, Mao. O livro vermelho. São Paulo: Martin Claret, p. 9.23 BASSIOUNI, M. Cherif. Terrorismo: o persistente dilema da legetimidade.

Revista Liberdades, São Paulo/SP: Departamento de internet IBCCrim., ano 6, p. 76-85, jan./abr. 2011, p. 76-77.

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22A fim de que tenha um poder punitivo, qualquer Estado, pri-meiramente, tem que se organizar em seu âmbito interno. A Europa, “centro” do mundo, só conseguiu se expandir quando reorganizou as suas sociedades em uma forma hierarquizada, ou seja, militarizada. Esse imenso exército foi distribuído em células, conhecido também como pequenas sociedades, onde o comandante era e ainda é o pater e os hierarquicamente infe-riores eram as mulheres, os filhos, os velhos, os escravos e os animais. Assim, primeiro aprendia a obedecer ao pater, depois aprendia a obedecer ao Estado. Rousseau24, da mesma for-ma, descrevia que “a mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família. As crianças apenas permanecem ligadas ao pai o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação”.

Nessa via, declama Beccaria (2015, p. 26):

Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá--la tornava inútil, os homens acabaram sacrificando uma parte da liberdade para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do de-pósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo.

Em Estados teocráticos, o genocídio em massa era considera-do normal. No âmbito interno, inimigos eram os colonizadores rebeldes e as mulheres desordeiras. No âmbito externo, os ini-migos na Europa eram os albigenses e cátaros, depois, com a extinção deles, era satã e as suas infinitas formas de se expor tanto interno quando externo em uma nação. Nesse liame, fala-

24 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Edição Eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Moraes, p. 11. Disponível em: <http://www.nesua.uac.pt/uploads/uac_documento_plugin/ficheiro/0a348e9f51cbbfad351ad56c840240030d290f67.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2015.

-se da bruxaria que na época, consoante Kramer e Sprenger25, era identificada em quatro principais elementos:

Em primeiro lugar, é necessário, de modo mais profano, renunciar à fé católica, ou negar de qualquer maneira certos dogmas da fé; em se-gundo lugar, é preciso dedicar-se de corpo e alma à prática do mal; em terceiro lugar, há de ofertar-se crianças não-batizadas a satã; em quarto, é necessário entregar-se a toda sorte de atos carnais com íncubos e súcubos e a toda sorte de prazeres obscenos.

Desde a sua própria origem, o poder punitivo mostrou uma formidável capacidade de perversão, montada – como sempre – como um preconceito que impõe medo. Com singular pres-teza, o modelo inquisitorial foi seguido pelos Tribunais laicos e generalizou-se. Quando, no século XVI, a inquisição romana entrou em decadência, o modelo permaneceu nas mãos do poder político e os inimigos eram os hereges ou os reformis-tas, que protagonizavam o espetáculo patibular e festivo das execuções públicas nas principais praças de todas as cidades da Europa. Na Espanha, os principais inimigos nunca foram as bruxas – embora muitas tenham sido eliminadas –, mas sim os opositores do monarca, acusados de hereges ou dissidentes, isto é, de hostis judicatus, prolongando-se a Inquisição até o século XIX (Zaffaroni, 2007, p. 34).

Na Revolução Industrial, surgiu ao poder uma nova classe social: os industriais e os comerciantes, aferindo, claramente, em disputas com a nobreza e com o clero. Na tentativa de di-minuir o poder punitivo dos cleros e nobres, essa nova classe social fez uma mudança na realidade operativa da punibilida-de, causando, aí, um reducionismo penal. O aumento drástico populacional das cidades causou um aumento considerável de indesejáveis nas cidades. Portanto, um novo inimigo surgiu, abruptamente: os mendigos, os sem trabalhos, em geral, os

25 KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras (malleus maleficarum). Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2014. p. 77.

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indesejáveis. Como não eram mais toleráveis as mortes das praças, começaram, nessa época, a colocar em prisões pre-ventivas os oras indesejáveis.

Na época da Colonização, o poder punitivo foi empregado para convertê-las em imensos campos de contração para os nativos (dado que todos eram considerados biologicamente inferiores). Os inimigos eram os nativos, nesse caso, índios, ou pessoas com nacionalidade fora da Europa, nesse caso, africanos, que eram escravizados, chineses e japoneses. Não obstante, não somente na época na colonização, mas, também, na época da neocolonização que o procedimento de inimigo foi tratado nos mesmos modelos concebidos na sociedade. Para variar, os de “fora” foram tratados como pessoas inferiores, sendo conheci-dos como subespécie. Apesar de esse conceito de inimigo ser conceituado naquela época, é claro que até hoje, em todas as nações, há problemas com pessoas de outra nacionalidade nos Estados Democráticos, principalmente pessoas xenofóbicas.

No final dessa época, mais estritamente no final do século XIX, foi com grande vulto que surgiram na sociedade a teoria de Lombroso e a Escola Positivista, totalmente diferentes da Escola Clássica influenciada pelo Iluminismo. O inimigo, para Lombroso, tinha formato específico de aparência, uma cara “serrada” e outras peculiaridades inaceitáveis no presente para classificar uma pessoa que comete crime, indubitavelmente, um inimigo.

No século XX, houve um grande crescimento da globalização e, com esse crescimento, vieram grandes novos problemas para o Direito Penal. Depois da Primeira Guerra Mundial e antes da segunda, exaltou-se o heroísmo e, também, surgiram concep-ções ideológicas que, com algumas modificações, deram fun-damentações para a criação do Direito Penal do inimigo. Ainda mais, surgiram discursos penais de caráter biologistas, que, no final, virou marxismo da Rússia, idealismo na Itália, genocídio de judeus na Alemanha.

Entretanto, vale frisar, quem era o inimigo dessa época? Os peri-gosos ou inimigos foram parasitas para os soviéticos, subumanos para os nazistas e inimigos do Estado para os fascistas, todos submetidos ao sistema penal paralelo, composto por tribunais especiais inquisitoriais/policiais. É claro que, na realidade, os nazistas foram muito mais cruéis, visto que eliminaram os doentes que consideravam incuráveis e castraram e esterilizavam milha-res de pessoas por sua orientação sexual, porém isso não exclui outras atrocidades nem impede que, no fundo, houvesse uma base ideológica comum no campo penal, que era o perigosismo médico/policial (racismo) proveniente do século XIX (Zaffaroni, 2007, p. 57).

Deixando o inimigo de lado, rapidamente, vale exemplificar que, mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, os países que são tradados como heróis no presente, naquela época, já sabiam das atrocidades aos judeus na Alemanha, mas, como não viam interesses para a sua nação ou para os governantes, nada faziam até aparecer algum interesse particular, por isso há necessidade de sempre deixar de lado aquela concepção irrisória de, um lado, ser o certo e, do outro lado, ser o errado.

Ao chegar perto do século XXI e depois do inimigo principal do mundo, ou, como sempre, dos EUA perder (URSS) na guerra fria, o inimigo declarado foi a guerra às drogas. Os EUA, além de lutar contra tal guerra, impôs várias nações a fazer o mesmo, principalmente países da América Latina, como Peru, Brasil e México. No auge, encontrava-se a política de tolerância zero, que, em teoria, diminui drasticamente a criminologia, mas, na prática, era diferente. Afinal, tal pensamento ideológico, jun-tamente com o pensamento intitulado Broken Windows, que pretende realizar uma luta contra pequenos distúrbios que torna em grandes patologias criminais, somente diminuiu o convívio sadio entre os indivíduos da sociedade e gerava efeitos ainda piores na criminalidade.

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22No mesmo critério, Busato (2007, p. 325) exemplifica que esta ideia era, e ainda é, relevante ao grupo social dominante, na medida em que vendia uma pretensão de segurança ao preço da intervenção e do controle da vida cotidiana, e, devido a isso, foi empregado por forte esquema de propaganda no sentido de vendê-la como responsável única pela redução da criminalidade.

No século XXI, com a suposta perda da guerra às drogas e com os ataques terroristas realizados em 11 de setembro de 2001, surge um novo inimigo que é enfrentado com uma legislação própria. Em qualquer lugar, esse autoritarismo, interligado com um aparato publicitário, causa pânico à sociedade e, mesma, clama para o Estado, o salvador da pátria, a dar uma solução rápida, mas, se realmente analisar, é nítido que é meramente paliativa e não resolve nenhum problema social. Assim, declama Souza e Bertoni26:

A midiatização do medo da criminalidade estende-se igualmente à esfera política, resultando numa verdadeira inflação legislativa: para atender aos clamores midiáticos, bem como oferecer à sociedade mais “proteção” e “segurança” (e menos impunidade), os poderes públicos são pressionados para elaborar, no menor período detempo possível, legislações repressoras à criminalidade.

Portanto, percebe-se que havia inimigos com legislações pró-prias para o julgamento em cada época, podendo ser o negro, como escravo, a mulher, como bruxa, um grupo social, como estrangeiros ou como judeus; porém, apesar de ser visto como errado no presente, no passado era visto como certo, e o Estado e a sociedade assim empregavam, no mesmo modo que hoje há leis que a sociedade cumpre normalmente. Por isso, essa é a primeira crítica ao Direito Penal do inimigo, porque o descrito por Jakobs somente são condutas que criminalizaram pessoas

26 SOUZA, Bernardo de Azevedo e; BERTONI, Felipe Faoro. A cultura do medo e a (in)segurança do direito penal. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 433, p. 87-106, 2013, p. 95.

que nunca foram considerados cidadãos para um Estado, sendo ele democrático ou não.

2.2 Fato jusfilosófico

Ao passo que a teoria do Direito Penal do inimigo foi funda-menta nos pensamentos de Hobbes, Kant, Rousseau e Fichte sobre a via do contratualismo27, as suas críticas também não ficaram aquém.

Inicialmente, Rousseau e a sua autocontradição. Afinal, ao mes-mo tempo em que considera inimigos os assassinos, descreve que o pacto social estabelecido por todos dá direitos iguais aos mesmos; somente cabe ao soberano, portanto, não distinguir qualquer cidadão28.

27 De tal ordem é a preeminência dessa doutrina que não será exagero dizer que a história do contratualismo é a história mesma da cultura jurídica indivi-dualista burguesa. Representando, de início, uma simples justificação, muitas vezes implícita, da origem e da autoridade do Governo (pactum subjectionis), a ideia do contrato social veio se transformando, aos poucos, na explicação originária da própria sociedade e do Estado (pactum unionis civilis), à me-dida que o individualismo se afirmava como tendência peculiar da época. Ao mesmo tempo, esse potenciamento da doutrina exigia explicações mais refinadas e sutis, de sorte que o primitivo contratualismo, que repousava sobre a crença na historicidade do “estado de natureza” (contratualismo de caráter histórico, que ainda é o de Grócio e de Locee) se converteu em uma explicação racional da ordem jurídica sobre um pressuposto de ordem psicológica (contratualismo como pressuposto psicológico, tal como nô-lo apresentam Hobbes e Rousseau), para, afinal, sublimar-se em um mero pressuposto lógico, em uma ficção racionalista (contratualismo de ordem lógica, de Kant e Fichte) (REALE, Miguel. O contratualismo – Posição de Rousseau e Kant, 1942. p. 119. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/65989>. Acesso em: 9 fev. 2015).

28 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Moraes, p. 46. Disponível em: <http://www.nesua.uac.pt/uploads/uac_documento_plugin/ficheiro/0a348e9f51cbbfad351ad56c840240030d290f67.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2015.

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Não há somente uma contradição, mas também há outras, como ao aferir guerra entre Estados, que ele assim aduz29: “[...] cada Estado não pode ter como inimigo senão outro Estado, nunca homens, entendido que entre coisas de naturezas diversas é impossível fixar uma verdadeira relação”. Outrossim, pode-se descrever que tal pensamento tem um olhar contratualista, inter-ligado ao poder-dever, diferentemente de uma fundamentação para combater o “inimigo”.

Agora, ao se referir a Hobbes, percebe-se que há vários escrito-res que contradizem os seus pensamentos, mas vale ressaltar o pensamento de Locke, que foi um filósofo inglês do Iluminismo.

John Locke pode ser visto como um otimista em relação à na-tureza humana e ao convívio entre os indivíduos, considerando como princípio básico da existência da sociedade o entendimen-to racional entre os homens. Locke se contrapõe, assim, tanto à concepção de Hobbes, de um soberano absoluto, quanto à dos defensores dos direitos divinos dos reis. A sociedade resulta de uma reunião de indivíduos, visando a garantir suas as vidas, a sua liberdade e a sua propriedade, ou seja, aquilo que pertence a cada um, ao contrário de Hobbes (Marcondes, 2004, p. 201).

A maior diferença entre os dois encontra que, para Locke, como crítico da monarquia absoluta, quem realiza um ato de resistência legítimo, reclamando o respeito de direitos anteriores ao contrato estatal, é um cidadão que exerce o seu direito; para Hobbes, como defensor do Estado absoluto, trata-se de um inimigo a quem é mister conter com força ilimitada, sem respeitar sequer as margens da pena, porque deixou de ser um súdito. Quem, para Locke, exerce o direito de resistência à opressão é, para Hobbes, um inimigo pior do que um criminoso. Para Locke, pas-sa a ser uma pessoa como as demais; para Hobbes, é o súdito

29 Idem, p. 19.

que resiste ao abuso de poder do soberano quem perde a sua condição e passa a ser um inimigo, que está sempre vinculado à sua negação radical do direito de resistência à opressão no seio de um Estado ao qual se deve total obediência como único meio de conter o ser humano, movido sempre pelas buscas de honras e benefícios (Zaffaroni, 2007, p. 127).

Jakobs, ao descrever Kant, não enfrentou a fundo a questão deste na fundamentação daquele; aliás, Kant aceita a punição somente quando efetivamente já houver uma lesão, ao con-trário de Jakobs, que nega o descrito de Kant após citá-lo. Tal pensamento encontra-se delineado a seguir e já descrito no capítulo anterior30:

Admite-se comumente que não se pode proceder hostilmente contra ninguém a não ser quando ele de fato já me lesou, e isto também é inteiramente correto quando ambos estão no estado civil-legal. Pois, pelo fato de que entrou nesse estado, ele dá àquele (mediante autori-dade que possui poder acima de ambos) a segurança requerida. Mas o homem (ou o povo) no puro estado de natureza tira de mim esta segurança e me lesa já por que eu sou continuamente ameaçado por ele, e posso força-lo ou a entrar como em um Estado comum legal ou a retirar de minha vizinhança; [...].

Uns dos grandes críticos de Kant foi Anselm von Feuerbach, o qual separou melhor o campo da moral e do Direito; do pecado e do Direito. Ademais, foi um jurista alemão que criou um livro chamado Anti-Hobbes, mas foi, na verdade, contra Kant. Além disso, foi o fundador da doutrina do Direito Penal da Alemanha, interligando com a dissuasão psicológica.

Não só Feuerbach, mas também Hegel criticou Kant. Hegel, além da bifurcação entre a razão teórica e a razão prática de Kant ser contestada, criticou Kant na sua concepção de um sujeito “perfeito”, ou seja, um sujeito transcendental como ex-

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22cessivamente formal, sem que nunca houvesse analisado a sua origem. Hegel acreditou na autorreflexão e que o mundo está sempre em evolução, seja o humano, seja o animal. Assim, o espírito toma uma consciência cada vez maior de si mesmo, por isso entendeu a fenomenologia como a “ciência dos atos da consciência”.

Com base em tudo que foi descrito nesse capítulo e conforme Zaffaroni (2007, p. 131), é possível objetar-se que não se trata de assinalar como tais aqueles que exercem um direito de re-sistência, mas, sim, certos criminosos que não exercem nenhum direito natural pré-contratual nem nada parecido. Esta objeção não leva em conta o fato de que, ao consagrar o conceito de inimigo, introduz-se diretamente o modelo do Estado absoluto, sem importar em relação a quem esse conceito é aplicado, pois o rompimento do princípio do Estado de Direito deixa aberto o caminho para que, mais cedo ou mais tarde, estenda-se o con-ceito a qualquer resistente, que são os que criam obstáculos à sua arbitrariedade ou o que considera conveniente neutralizar ou eliminar por razões de poder.

2.3 Crítica à prevenção geral positiva fundamentadora – Simbolismo e punitivismo

Quando se pensa em uma abordagem crítica e sólida para a prevenção geral positiva fundamentadora, há de se pensar em várias teorias.

Se pensar que tal prevenção tem, primeiramente, a capacida-de de instrumentalizar o homem pela força do Estado, sendo evidente que o Estado possui facilidade na conservação do poder. Mormente, não se pode esquecer que a prevenção geral positiva fundamentadora e o Direito Penal do inimigo concedem tanto poder para o Estado que as ideologias fascistas e nazistas podem impor um poder estatal mais uma vez. Análogo, a simbo-

logia, ou o Direito Penal simbólico, cria uma suposta impressão tranquilizadora para a sociedade e, se não está, a comunicação agirá para ser um instrumento de garantia ao sistema, dando, assim, somente mais poder para o mesmo, que vê necessidade de haver uma forma organizada que represente “a” autoridade.

Ao falar do simbolismo e do punitivismo, há de salientar que, apesar de tentar descrever a crítica ao simbolismo separado da crítica do punitivismo, os dois conceitos entrelaçam-se.

A aplicação do medo na sociedade, a insegurança “passada” para a sociedade, faz acarretar na sociedade um clamor por uma solução ao suposto problema central do Estado moderno. Os Governos, mais estritamente os políticos, tentando ficar ou entrar no poder, declamam a solução para a insolucionável questão criminal. Assim, fazem seus marketings em cima da insegurança e, com isso, propõem novas leis ou leis mais severas no âmbito penal. Nisso, entra a questão do Direito Penal simbólico e o aumento da punibilidade, sendo que, com condutas punitivas meramente simbólicas, há um pensamento de “solução” da cri-minalidade, mas, cada vez mais, há necessidade de achar outras condutas ou de aumentar a punibilidade da conduta criminosa para saciar a sociedade.

Outrossim, outra justificativa seria que a quebra da bipolaridade do poder a nível mundial, somada à globalização econômica, e por força desta, cultural, levou a humanidade a um discurso mais ou menos hegemônico ditado a partir de uma fonte bem conhecida. Este discurso é o discurso da insegurança social, do rompimento de qualquer padrão em prol de uma pretensão de segurança que nunca chega. O estabelecimento de uma única potência mundial ao lado do crescimento das organizações supranacionais e o poder de que se revestem as decisões toma-das, tanto por uma quando por outra, são fatores determinantes na adoção de uma política criminal uniforme a nível mundial, especialmente em âmbito de interesses coletivos, como o meio

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ambiente, o trânsito de armas ou a economia. Do mesmo modo, o crescimento da importância da mídia potencializa a difusão das ideias ditadas por este modelo (Busato, 2007, p. 320-321).

A vadiagem (art. 59 do LCP) e a mendicância, ora revogada (art. 60 da LCP), são exemplos de condutas tipificadas no Brasil, que são aplicadas o simbolismo e, principalmente, o Direito Penal do inimigo, levando ao Direito Penal do autor. Na América Latina, pode-se dizer que há aplicação da prevenção geral positiva fundamentadora por meio de medidas de seguranças, medidas que servem para tirar o “mal” do convívio social e resguardar a norma jurídica.

Cerrados à ideia exposta, aduzem Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar (2003, p. 123) que a comunicação seria um símbolo que se usa para manter a confiança no sistema, de modo que também instrumentaliza (mediatiza) uma pessoa, utilizando a sua dor como símbolo. Outrossim, o Direito Penal baseado nessa teoria propõe às agências judiciais que imponham penas por obras delituosas toscas – que se tornam conhecidas e, desses modo, ferem a confiança no sistema. Por sua vez, a medida da pena para esse Direito Penal seria aquela adequada para renormatizar o sistema. Não obstante, a lógica da prevenção geral positiva indica que, em um sistema bastante desequilibrado devido às suas falhas, à injustiça distributiva, às carências da população, à seletividade do poder, a confiança naquele, por intermédio da criminalização, exige penas eventualmente atrozes e recurso de investigação inquisitoriais.

Por sua vez, Meliá31 descreve que

el Derecho penal simbólico no sólo identifica un determinado hecho, sino también (o: sobre todo) a un específico tipo de autor, quien es definido no como igual, sino como otro. Es decir, que la existencia de la norma penal

31 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Cancio. Op. cit., p. 78.

– dejando de lado las estrategias a corto plazo de mercadotecnia de los agentes políticos – persigue la construcción de los autores como otros no integrados en esa identidad, mediante la exclusión del otro. Y parece claro, por otro lado, que para ello también son necesarios los trazos vigorosos de un punitivismo exacerbado, en escalada, especialmente, cuando la conducta en cuestión ya se hallaba amenazada de pena. Por lo tanto, el Derecho penal simbólico y el punitivismo mantienen una relación fraterna.

Não somente o punitivismo e simbolismo que são criticados, mas também há questões como Bitencourt (2011, p. 117) descreve fundamentando em críticas de Alessandro Baratta, Luzón Peña, Muñoz Conde e Mir Puig. Por essa via, salienta o mesmo que a teoria da prevenção geral positiva fundamentadora não constitui uma alternativa real que satisfaça as atuais necessidades da teoria da pena. É criticável também a sua pretensão de impor ao indivíduo, de forma coativa, determinados padrões éticos, algo inconcebível em um Estado Social e Democrático de Di-reito. É igualmente questionável a eliminação dos limites do ius puniendi, tanto formal como materialmente, fato que conduz à legitimação e ao desenvolvimento de uma política criminal ca-rente de legitimidade democrática.

Portanto, tal teoria somente mostra a potência repressiva da mo-dernidade, intrinsicamente, ligado a políticas penais de diversos governos com função simbólica de impor valores morais únicos a uma sociedade miscigenada. Se há apoio para legitimar, em um Estado Democrático, no mínimo, deveria respeitar princípios e garantias individuais. Todavia, não se pode esquecer que o punitivo encerra as condições de reprodução de uma organiza-ção social hierarquizada e baseada na exclusão e nas reações psicossociais como o medo.

2.4 Direito Penal do autor

Se for possível pensar que para cada conduta considerada crimi-nosa há um autor com personalidade específica, se, realmente, for possível pensar que a característica do autor faz a prática

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22do crime acontecer, o Direito Penal não será do ato, mas, sim, será um Direito Penal do autor. Não obstante, tal pensamento encontra em pessoas que acreditam que outras pessoas são inferiores em alguma maneira, sendo moral, sendo biológico ou sendo psicológica.

Em seu fundamento, o Direito Penal do autor se baseia nos postulados aristotélicos da culpabilidade, que parte da ideia de que o homem é um ser racional capaz de escolhas e, portanto, aquele que escolhe se apartar da virtude o faz como o lançar de uma pedra: uma vez lançando-a, é incapaz de retê-la ou voltar atrás. É nesse sentido que se quer punir, não pelo ato praticado, mas pelo fato de ser ladrão, assassino, terrorista ou estelionatário, por supor uma personalidade perigosa, pelos seus antecedentes ou pela condução “anormal” de vida, o que é sobejamente atentatório ao princípio da legalidade32.

Em relação à tipologia etiológica que tem por fim último detectar os autores sem que seja preciso esperar o acontecimento da conduta, percebe-se que no Direito Penal do autor possibilita a criminalização da má vida ou do estado perigoso, indepen-dentemente da ocorrência do delito, por meio da seleção de indivíduos portadores de determinados caracteres estereotipa-dos: vagabundos, prostitutas, dependentes tóxicos, jogadores, ébrios. Também a aplicação de penas pós-delituais, em função de determinadas características do autor, por meio de tipos normativos de autor: reincidentes, habituais, profissionais33.

32 SILVA, Zilan Costa e. Breves considerações sobre o direito penal do inimi-go. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/8627-Artigo-Breves--consideraes-sobre-o-Direito-penal-do-inimigo>. Acesso em: 11 fev. 2015.

33 LEMIN. Matheus Magnus Santos. Direito penal do inimigo. Sua expansão no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10368-Direito-Penal-do-InimigoSua-expanso-no-ordena-mento-jurdico-brasileiro>. Acesso em: 11 fev. 2015.

Agora, Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar (2003, p. 132), para descrever o Direito Penal do autor, falam que o delito é signo de uma falha em um aparato complexo, mas que não deixa de ser uma complicada peça de outro maior, que é a sociedade. A falha no pequeno mecanismo acarreta um perigo para o mecanismo maior, isto é, indica um estado de periculosidade. As agências jurídicas constituem aparatos mecanicamente determinados para o reparo ou a neutralização das peças defeituosas. Dentro desta corrente, nem os criminalizados nem os operadores judi-ciais são pessoas, mas coisas complicadas: umas, devido a seus defeitos, destinadas a sofre a criminalização; outras, fadadas a exercê-la por causa de seus componentes especiais. Trata--se de um jogo de parasitas e leucócitos do imenso organismo social, que, no entanto, não interessam em sua individualidade, mas apenas em razão da saúde social.

Para melhor diferenciar o Direito Penal do ato do Direito Penal do autor, Conde34 aduz:

La distinción entre Derecho penal de acto y Derecho penal de autor no es sólo una cuestión sistemática, sino también, y fundamentalmente, política e ideológica. Sólo el Derecho penal basado en el acto cometido puede ser controlado y limitado democráticamente.

El Derecho penal de autor se basa en determinadas cualidades de la persona de las que ésta, la mayoría de las veces, no es responsable en absoluto y que, en todo caso, no pueden precisarse o formularse con toda nitidez en los tipos penales. Así, por ej., es muy fácil describir en un tipo penal los actos constitutivos de un homicidio o de un hurto, pero es imposible determinar con la misma precisión las cualidades de un homicida o de un ladrón.

Por eso, el Derecho penal de autor no permite limitar el poder punitivo del Estado y favorece una concepción totalitaria del mismo.

34 CONDE, Francisco Muñoz. Derecho Penal Parte General. 2. ed. Valência: Tirant Lo Blanch, 1996. p. 226.

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De la concepción del Derecho penal Derecho penal de acto se de-duce que no pueden constituir nunca delito ni el pensamiento, ni las ideas, ni siquiera la resolución de delinquir, en tanto no se traduzcan en acto externos.

Com base em tudo isso e consoante Reghelin35, é nítida a ob-servação que salienta que o Direito Penal do autor causa neo-retribucionismo e inocuização.

O neoretribucionismo, por sua vez, não se preocupa com a proporcionalidade entre ato e castigo, mas em sustentar uma vingança que conduza a penas desproporcionais e que violem a dignidade humana. Ainda sim, a inocuização entende a pena privativa de liberdade cada vez mais como um fim de si mesma. Hoje, por exemplo, os EUA são o melhor exemplo de neoretribu-cionismo e inocuização, principalmente em relação ao terrorismo, na verdade, nas reações ao terrorismo.

Dado que o Direito Penal do inimigo é a proteção à norma vigente, e não a proteção do bem jurídico, verifica-se que a intenção de neutralizar o agente ou o potencial nocivo, indepen-dentemente de conduta ou bem jurídico a ser protegido, o que, novamente, com a devida vênia, acredita-se não ser justificável como forma de reintegração da norma supostamente violada, mesmo que subjetivamente, caracterizando, assim, um Direito Penal do autor. Desta feita, reitera-se não haver sustentáculo suficiente na tese de Jakobs que justifique a punição exacer-bada e a relativização de direitos e garantias individuais contra uma suposta proteção de uma norma que, ainda no campo hipotético-dedutivo, pode nem mesmo vir a ser violada36.

35 REGHELIN, Elisangela Melo. Entre terroristas e inimigos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo/SP: Revista dos Tribunais, ano 15, n. 66, p. 271-314, maio/jun. 2007, p. 298.

36 LEMIN, Matheus Magnus Santos. Direito penal do inimigo. Sua expansão no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10368-Direito-Penal-do-InimigoSua-expanso-no-ordena-mento-jurdico-brasileiro>. Acesso em: 11 fev. 2015.

Diante do exposto, nitidamente, o Direito Penal do autor é fielmen-te criticado. Não só ele, mas todo o aparato do Direito Penal do inimigo sofre grandes problemas em um Estado de Direito, visto que a aplicação do Direito Penal do inimigo nunca devia acontecer nem internamente e nem externamente. O Estado, erroneamente, sempre encontra um inimigo, talvez Bill Clinton37 tenha razão, so-mente uniremos toda a humanidade quando houver um ataque extraterreste e os inimigos serem outros, não a humanidade.

3 NOVO CÓDIGO PENAL E A CONDUTA DO TERRORISMO

Antes de realizar uma análise abstrusa sobre os artigos rela-cionados no novo Código Penal, indubitavelmente, Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 236, de 2012, há receio de avaliar a conduta terrorista de maneira extrínseca para, após, de maneira intrínseca.

Já é confortável que as ações legitimadoras empregam o Direito Penal do inimigo no terrorismo. Mas o que é terrorismo? Aí surge uma grande dúvida.

Em âmbito internacional, o conceito de terrorismo é muito vago no presente, ainda mais que, na história, tenha mudado de no-menclatura várias vezes. Nisso, apesar de já ter havido outras classificações pela ONU38, em 24 de setembro de 2014 houve

37 Entrevista dada em um programa chamado Jimmy Kimmel Live na TV americana.

38 Nesse sentido, a Resolução nº 1.566 do Conselho de Segurança da ONU, a Resolução nº 1.373, que tendia a impedir o financiamento do terrorismo, a Resolução nº 57/1983, a Resolução nº 1.540 e as várias convenções e protocolos ratificados pela ONU, entre eles a Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas, a Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo e a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear.

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22uma tentativa factível do Conselho de Segurança da ONU de tentar classificar o terrorista. Entretanto, tal conduta, vulgo a Re-solução nº 2.178, como Ambos39 salienta, não conseguiu tipificar essa conduta (mas está em vigor). Afinal, a resolução fala, de modo muito impreciso, no “terrorismo em todas as suas formas e todas as suas formas de manifestação”. Na parte operativa, usa indistintamente “terroristas”, “grupos terroristas”, “indivíduos” e “pessoas” para designar aqueles que viajam para o exterior para praticar atos com “finalidade” terrorista. Uma finalidade terrorista como essa deve consistir na prática de um ato terroris-ta, na preparação ou na participação nesse ato ou também na participação de um treinamento terrorista. Nesse entendimento, abriu-se um leque para qualquer pessoa ser classificada como terrorista, acarretando em quebra nos direitos humanos.

Agora, consoante Bassiouni40, o significado psicológico de terrorismo também depende amplamente da percepção de vul-nerabilidade da sociedade, assim como da forma pela qual um determinado governo alimenta essa sensação. Nesses casos, análises quantitativas e comparativas da lesão perdem o seu significado. O 11 de Setembro é um caso. Ocorreram aproxi-madamente 3.600 mortes. Entretanto, nos Estados Unidos, há aproximadamente 25.000 pessoas mortas todos os anos como resultado de embriaguez ao volante e 20.000 mortes anuais causadas por homicídios violentos.

Por isso, não há um consenso na definição de terrorismo no âmbito internacional. Na verdade, o que se rotula terrorismo é

39 AMBOS, Kai. O meu terrorista, o teu terrorista? Gestão do Boletim Biênio 2013/2014. Boletim IBCCrim., 264, nov. 2014. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5219-O-meu-terrorista-o-teu-terrorista>. Acesso em: 12 fev. 2015.

40 BASSIOUNI, M. Cherif. Terrorismo: o persistente dilema da legitimidade. Revista Liberdades, São Paulo/SP: Departamento de internet IBCCrim., ano 6, p. 76-85, jan./abr. 2011, p. 76-77.

somente (re)ação política de determinado grupo social. Quando aconteceu o ataque, atentados tanto em 11 de setembro nos EUA quanto em 11 de março de 2004, rapidamente, foi classifi-cado como atos terroristas, mas, no bombardeio a Hiroshima e Nigasaki e nos bombardeiros de Israel no Estado da Palestina, não houve nenhuma classificação. Por que será?

Burlando esse conceito, em âmbito nacional, os EUA, na United States Code, Title 18, Crimes and Criminal Procedure, Part I, Crimes, Chapter 133B, Terrorism, classifica o terrorismo41 como atividades que:

(A) involve violent acts or acts dangerous to human life that are a violation of the criminal laws of the United States or of any State, or that would be a criminal violation if committed within the jurisdiction of the United States or of any State;

(B) appear to be intended: (i) to intimidate or coerce a civilian population; (ii) to influence the policy of a go-vernment by intimidation or coercion; or (iii) to affect the conduct of a government by mass destruction, assassination, or kidnapping; and

(C) occur primarily outside the territorial jurisdiction of the United States, or transcend national boundaries in terms of the means by which they are accomplished, the per-sons they appear intended to intimidate or coerce, or the locale in which their perpetrators operate or seek asylum.

Rapidamente, percebe-se que a classificação dada ao terroris-mo na lei americana, a priori, pode-se aplicar nas ações que o

41 EUA – United States Code. Dispõe sobre o terrorismo em âmbito nacio-nal. Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/uscode/text/18/part-I/chapter-113B>. Acesso em: 12 fev. 2015.

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mesmo faz e fez ao longo da história nos outros Governos mun-diais, visto que “intinidate” e “coerce” dentro, fora ou na divisa de qualquer Estado, com violência ou com muita violência e com motivos de afetar outros Estados com destruição em massa, sequestro ou qualquer outro meio sempre foi um meio utilizado pelos EUA (sem qualquer resguardo do direitos humanos) para alcançar um fim.

Na caça ao terrorista Bin Laden, por exemplo, se é certo que Bin Laden estava desarmado e foi assassinado intencionalmente, não teria aplicabilidade a legítima defesa, pois ela requer uma agressão injusta atual às forças especiais de intervenção, sen-do que ele não teria servido à justiça, mas sim a prejudicou. A admissibilidade de um assassinato seletivo não é possível pelo fato de que os Estados Unidos da América – ao contrário da falsa retórica da “guerra contra o terrorismo” – não se encontram em um conflito armado com a Al Qaeda, que é uma rede terrorista organizada descentralizada e desarticulada, por isso, não pre-enche os pressupostos de uma parte em conflito no sentido do direito internacional humanitário (Ambos, 2011).

Finalmente, em relação ao Brasil, antes de falar de vias de fatos no novo Código Penal, há de mostrar as legislações que não estão aquém de tal código.

Inicialmente, a Constituição Federal de 1988, que expõe, no art. 4º, VII, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, e, no art. 5º, XLIII, que considera o terrorismo crime inafiançável e insuscetível, respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitem. Não obstante, no art. 2º da Lei de Crimes Hediondos observa-se que o terrorismo é insuscetível de anistia, graça, indulto e fiança; também, no art. 8º na mesma lei, se há associação criminosa para fins de terrorismo, será de três a seis anos de reclusão a pena prevista. Em relação ao cumprimento da pena, o art. 5º da ainda Lei de Crimes Hediondos, além de ter modificado o art. 83 do Código Penal, proibiu a progressão

de regime para caso de terrorismo antes de cumprir dois terços da pena. Por sua vez, a Lei de Segurança Nacional – Lei nº 7.170/1983 –, no seu art. 20, classifica o terrorismo e tipifica--o: devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, prati-car atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas42.

Agora, devido à falta de tipificação aprofunda do terrorismo, vários são os projetos que tentaram modificá-lo. Entre eles, os Projetos de Lei do Senado nº 499, de 2013, nº 728, de 2012, nº 588, de 2011, nº 762, de 2011, nº 707, de 2011 (esses dois últi-mos influenciaram os artigos no novo Código Penal), e o Projeto de Lei nº 486, de 2007. Nas suas fundamentações, encontra-se a necessidade de criminalização dessa conduta, implicando em um Direito Penal de risco, em um Direito Penal do autor e, prin-cipalmente, um Direito Penal do inimigo, mas, como salientado no Ofício nº 345/2014-ASL43 do Conselho Federal da OAB, não há necessidade de criar tal tipificação com urgência, visto que, além de já houver condutas tipificadas no ordenamento jurídico que estão entrelaçadas com o terrorismo, como o homicídio e a lesão corporal, há o Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012, que está criando um novo Código Penal.

Portanto, depois disso, fica-se a pergunta: Além do inimigo já estar tipificado na conduta terrorista, como será que o mesmo está sendo montado no novo Código Penal?

42 BRASIL. Decreto nº 7.170, de 1983. Lei de Segurança Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm>. Acesso em: 12 fev. 2015.

43 BRASIL. Ofício nº 345/2014-ASL. OAB Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=154826&tp=1>. Acesso em: 12 fev. 2015.

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223.1 Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 236, de 2012

O novo Código Penal, desdenhado no Projeto de Lei nº 236, de 2012, revogando a Lei de Segurança Nacional, tipifica o terro-rismo no Título IX, Dos Crimes contra a Paz Pública, Capítulo I, Terrorismo, arts. 245 e seguintes44. Primeiramente, classificam-se as condutas e a pena, respectivamente:

Art. 245. Causar terror na população mediante as seguintes condutas:

I – sequestrar ou manter alguém em cárcere privado, ou ameaçar de morte ou lesão pessoas, ainda que indeterminadas;

II – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou químicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição ou ofensa massiva ou generalizada;

III – usar, liberar ou disseminar toxinas, agentes químicos, biológicos, radiológicos ou nucleares, ou outros meios capazes de causar danos à saúde ou ao meio ambiente;

IV – incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado;

V – interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados;

VI – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares:

44 BRASIL. Projeto de Lei nº 236, de 2012. Atualizado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal em 17.12.2014. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=158984&c=PDF&tp=1>. Acesso em: 1º fev. 2015.

Pena – prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à violência, grave ameaça ou dano.

Após dizer quais condutas são praticadas pelos terroristas, no mesmo artigo, mais estritamente no § 1º, passa-se a restringir as condutas de terroristas com os seus intuitos, que, além de “causar terror”, consoante o caput do art. 245, é de forçar certas pessoas a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe; é de conseguir recursos para organizações políticas ou grupos armados e é de haver motivos de precon-ceituosos, consoante aduzido a seguir:

§ 1º Somente se configura o crime descrito no caput quando a con-duta:

I – for praticada para forçar autoridades públicas, nacionais ou estran-geiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe;

II – tiver por objetivo a obtenção de recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; ou

III – for motivada por preconceito de raça, cor, etnia, religião, naciona-lidade, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.

No § 2º, encontra-se uma exceção à regra, influenciado pelas passeatas ocorridas em 2014, que descreve uma exclusão do crime bastante contraditória no âmbito jurídico. Logo, então, cita-se o § 2º do art. 245: “Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propó-sitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”.

Se o art. 245 tipifica a ação terrorista, nitidamente, é visível que o art. 246 descreve o financiamento ao terrorismo, o art.

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247 descreve favorecimento pessoal do terrorismo e o art. 248 descreve caso de aumento da penal até a metade.

Vale ressaltar, rapidamente, que a pena dada ao financiamento ao terrorismo é o mesmo que dada ações terroristas, acarretan-do em uma discrepância nas condutas realizadas, como escrito a seguir, junto ao art. 247:

Financiamento do terrorismo

Art. 246. Oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens ou recursos financeiros, com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática de terrorismo, ainda que os atos relativos a este não venham a ser executados:

Pena – prisão, de oito a quinze anos.

Favorecimento pessoal no terrorismo

Art. 247. Dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou deva saber que tenha praticado ou esteja por praticar crime de terrorismo:

Pena – prisão, de quatro a dez anos.

Escusa absolutória

Parágrafo único. Não haverá pena se o agente for ascendente ou des-cendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada ou recebida.

O art. 248, por sua vez, devido a influências da Copa do Mundo, da Olimpíada e da Copa da Confederação, descreve um aumen-to de pena até a metade, quando houver grandes eventos no Brasil (Direito Penal de exceção), seja esportivo, seja cultural, seja educacional, seja religioso.

Para chegar a tal tipificação, desde 2012, houve várias tentativas e êxitos de mudanças na conduta classificada como terrorismo.

Entre elas45 a do Senador Cidinho Santos, com a tentativa de mudar o conceito de terrorismo; do Senador Sergio Souza, com a tentativa de alteração na exclusão do crime, “visto que os movimentos sociais não podem gozar de imunidades nos seus atos e entre outros”; do Senador Tomas Nogueira, também com a tentativa de alteração na exclusão do crime; do IBCCrim., dando um parecer em todo o Código e descrevendo que terroristas também podem ter se motivado por questões sociais.

Ademais, ainda há a do Senador Gin Argelio, com a tentativa na alteração na exclusão do crime; do Senador Ciro Nogueira, com a tentativa também na alteração na exclusão do crime; do Senador Aloysio Nunes Ferreira, com a tentativa na exclu-são do crime, porque “qualquer ação, seja ela reivindicatória, política ou social, mas que cause terror na população por meio de violência ou comportamentos equiparados, deve ser criminalizada e punida como ato de terrorismo”; da Senadora Ana Rita, com a tentativa de modificar o conceito da orientação sexual, conforme o princípio de Yogyakarta, no inciso III do art. 248, que ora é o art. 245, § 2º, inciso III; da Emenda nº 74 do Senador Randolfe Rodrigues, com a tentativa de retirar a con-duta de terrorismo no novo Código Penal, visto que os incisos da conduta terrorista estão descritos ao longo do projeto de lei, “não se justificando especificar o intento de causar terror na população como um tipo distinto. Tal diferenciação poderá causar interpretações discrepantes pelo Poder Judiciário ao analisar o caso concreto”.

Aliás, não só no Título IX o terrorismo é descrito, mas também no art. 7º, inciso III, descrevendo que, mesmo acarretando ato terrorista de brasileiro fora do Brasil ou acarretando no território brasileiro, mas por estrangeiro, a lei brasileira será aplicada.

45 BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404>. Acesso em: 5 fev. 2015.

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22Ainda sim, o art. 41, inciso XI, que classifica o terrorismo como crime hediondo.

Ao passo que o terrorismo é tipificado no novo Código Penal, percebe-se que uma simples leitura já torna visíveis certa críticas. Mas quais são elas? Quais fundamentos podem citar?

3.2 As críticas ao Título IX do novo Código Penal – Terrorismos

Beccaria46 descreveu que somente a lei pode punir e que “se a interpretação arbitrária das leis é um mal, também o é a sua obscuridade, pois precisão ser interpretadas”. Outrossim, Roxin47 pronuncio que,

tradicionalmente se distinguen cuatro consecuencias o repercu-siones del principio de legalidad, plasmadas en forma de “prohi-biciones”, de las cuales las dos primeras se dirigen al juez, y las dos últimas, al legislador: la prohibición de analogía, la prohibición del Derecho consuetudinario para fundamentar o agravar la pena, la prohibición de retroactividad y la prohibición de leyes penales indeterminadas o imprecisas.

A priori, nítida é a primeira crítica à tipificação do terrorismo no Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 236, de 2012. Claramente, são os conceitos vagos na tipificação de tal conduta, ferindo o princípio da legalidade, como nos indivíduos considerados terroristas, tanto o caput do art. 245 quanto os incisos I, II e III do § 1º do art. 245, e como na fundamentação da/na exceção de criminalização que acarreta o Judiciário invadindo a esfera do Legislativo.

46 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível em: <http://www.jahr.org>. Acesso em: 18 fev. 2015.

47 ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte General. 2. ed. Madri: Civitas, t. I, p. 140.

O caput do art. 245 fere o princípio da legalidade devido à in-determinação do conceito “causar terror”. Afinal, “causar terror” não possui nenhuma nomenclatura clara relacionada com o terrorismo. Um cidadão pode cometer um homicídio e causar terror para a família da vítima e para a sociedade. Uma empresa pode poluir um ecossistema e causar terror a um grupo social que dependia desse ecossistema. No dicionário48, no mesmo pensamento descrito, percebe-se que terror é algo ou alguém que consegue aterrorizar (amedrontar, apavorar).

Para melhor identificar o terrorista, o legislador tenta melhor classificá-lo no inciso I, II e III do § 1º do art. 245. Entretanto, burlando o princípio da legalidade, mais uma vez, o legislador gera imprecisão na conduta do terrorismo, juntamente com outras condutas no novo Código Penal, e, junto à nomencla-tura em aberto no “causar terro”, possibilita as interpretações mais diversas de atos terroristas, incluindo uma verdadeira situação simbólica (umas das críticas ao Direito Penal do inimigo).

Por exemplo, quando sequestra ou mantem alguém em cárce-re privado (art. 245, inciso I) por motivo de forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe (art. 245, § 1º, inciso I), nada mais é do que sequestrar pessoa com o fim de obter para si ou para outrem qualquer vantagem (art. 159).

Quando incendeia, depreda, saqueia, explodi ou invadi qual-quer bem público ou privado, pode ser tanto classificado como terrorismo (art. 245, inciso IV) quanto dano qualificado (art. 163, inciso III).

48 DICIONÁRIO ELETRÔNICO. Disponível em: <http://www.dicio.com.br>. Acesso em: 19 fev. 2015.

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Quando apodera ou exerce, ilicitamente, o controle de aero-nave, embarcação ou outros meios de transporte coletivo, por motivo de facciosismo político, religioso ou com o objetivo de coagir autoridade (art. 535), é a mesma coisa que apoderar-se do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de transporte (art. 245, inciso VI) por motivo de objetivar a obtenção de recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 245, § 1º, inciso II).

Quando constrange, mediante violência ou grave ameaça, por motivo de facciosismo político, autoridade legítima a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda, no exer-cício das suas atribuições (art. 538), nada mais é que alguma possiblidade dos incisos do art. 245, juntamente com o inciso I do § 1º do art. 245.

Quando pratica, por meio de grupos armados, civis ou mili-tares, atos contra a ordem constitucional e o Estado Demo-crático (art. 53749), nada mais é que qualquer possibilidade dos incisos do art. 245, juntamente com o inciso II do § 1º do art. 245.

Outra discrepância com o princípio da legalidade seria a ex-clusão de crime de terrorismo (§ 2º do art. 245), visto que os ataques socialmente classificados como terrorismos têm propó-sitos sociais ou reivindicatórios, podendo ser eles compatíveis e adequados à sua finalidade (mais uma vez, incorretamente, o Judiciário fará papel do Legislativo ao seu bem querer).

49 Vale ressaltar que o art. 534 descreve um aumento de penas para essas condutas, dos crimes contra o funcionamento das instituições democrá-ticas e dos serviços essenciais, só que tal artigo é uma cópia do art. 248, ocorrendo mais confusões no novo Código Penal.

Para Bobbio (1995, p. 117), tais contradições (incompletude por exuberância) só mostram lacunas no ordenamento jurídico. Ademais, para melhor exemplificar, acrescenta o mesmo que um ordenamento somente é completo quando jamais se verifica a falta de uma norma e de normas contraditórias, e, se é pos-sível demostrar que nem a proibição nem a permissão de um certo comportamento são dedutíveis do sistema, percebe-se que o sistema é incompleto e que o ordenamento jurídico tem uma lacuna, no caso em tela, a tipificação do terrorismo, uma grande lacuna.

Importantemente, ao ler a divergência entre os tipos penais e verificar a necessidade do non bis in idem, há de se perguntar: Será que os princípios regentes do conflito aparente da norma não trazem alguma solução?

Hungria50, de maneira fiel à divergência dos tipos penais exem-plificados, salienta:

Não é admissível que duas ou mais leis penais ou dois ou mais disposi-tivos da mesma lei penal se disputem, com igual autoridade, exclusiva aplicação ao mesmo fato. Para evitar a perplexidade ou a intolerável solução pelo bis in idem, o Direito Penal (como o direito em geral) dis-põe de regras, explicitas ou implícitas, que previnem a possibilidade de competição em seu seio.

O primeiro princípio é da especialidade, onde considera que uma normal penal específica absolve uma norma geral, sendo que há uma mesma lesão jurídica. Nesse sentido, o infanticídio (norma específica), que é selecionado, e não o homicídio (norma geral). Na via da tipificação do terrorismo, percebe-se que tal princípio não se enquadra no âmbito do terrorismo como nor-

50 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1 v., 1997. p. 145.

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22ma específica, pois, ao comparar terrorismo (art. 245) com os arts. 163, 535, 538, por exemplo, percebe-se que as condutas descritas são as mesmas e tal especialidade no terrorismo não foi descrita pelo legislador.

O segundo princípio do conflito aparente da norma é a da subsi-diariedade, onde uma norma subsidiária, ou, melhor, uma norma penal qualifica ou constitui outra norma penal, por exemplo, a conduta tipificada como roubo que abrange furto e lesão ou ameaça de lesão. O terrorismo, por sua vez, abrange outros tipos penais, como sequestros, dano qualificado e formação de grupo armado. Entretanto, a falta de qualificação do terrorismo deixou tais condutas iguais, e não deixou o sequestro, o dano qualificado e a formação de grupo armado como norma que qualifica ou constitui a norma de terrorismo.

O último princípio do conflito aparente da norma é o princípio da consunção, onde o fato mais amplo e grave consome e ab-sorve os demais fatos menos amplos e graves, ou seja, a pre-paração – por meios menos graves – para a realização de meio mais grave é consumido. No terrorismo, não há como saber se existe alguma conduta de preparação. Afinal, os tipos penais são iguais e não se diferem.

Nessa via, cita-se o descrito no art. 12 do Projeto de Lei do Se-nado (PLS) nº 236, de 2012, que descreve o conflito aparente de normas:

Conflito de normas

Art. 12. Na aplicação da lei penal, o juiz observará os seguintes critérios, sem prejuízo das regras relativas ao concurso de crimes:

I – quando um fato aparentemente se subsume a mais de um tipo penal, é afastada a incidência;

a) do tipo penal genérico pelo tipo penal específico;

b) dos tipos penais que constituem ou qualificam outro tipo;

Consunção criminosa

II – quando uma conduta descrita em tipo penal menos grave integra necessariamente a fase de preparação ou execução de tipo penal mais grave, aplicam-se somente as penas a este cominadas;

III – não incidem o tipo penal relativo a fato posterior quando se es-gota a ofensividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal anterior gravoso.

Aliás, ao comparar o art. 12 e a pena descria no art. 245, é visível certa incoerência. Claramente, os princípios, ora resguardados pelo art. 12, são burlados pela pena do art. 245, que, além de pena de oito a quinze anos, condena no sentido bis in idem. Afinal, se um cidadão pratica a conduta no art. 245, inciso IV, além de condenado por terrorismo, será classificado por dano qualificado, dado que na pena do art. 245 está descrito que será punível, juntamente com o terrorismo, a sanção de violência, grave ameaça ou dano, sendo que há uma ação de dois tipos penais idênticos para o autor “sofrer”.

Por isso, além de haver tipos penais iguais no ordenamento jurídico, percebe-se que, caso o Judiciário consiga interpretar de forma diferente os tipos penais iguais (trabalho incompetente do legislativo) e, assim, tente aplicar o art. 12 desse Código, haverá outra discrepância referente à pena do art. 245 que exclui os princípios regentes no conflito aparente da norma e condena a mesma conduta em dois ou mais tipos penais desse excelente projeto de lei, em regra, condena no sentido de bis in idem.

Outro problema a ser apontado na tipificação do terrorismo é a dissonância com o princípio da proporcionalidade. A origem

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deste encontra-se na Magna Cardo Rei João sem Terra. Para Hassemar51, inicialmente, o princípio de proporcionalidade

exige una concordancia material entre acción y reacción, causa y con-secuencia, delito y consecuencia juridicopenal. Constituye parte del postulado de Justicia: nadie puede ser incomodado o lesionado en sus derechos con medidas jurídicas desporporcionadas. [...] Este principio – como los de justicia e igualdad – no es más que un marco que tiene que ser completado con concretas experiencias e instrumentos del sector jurídico en el que rige.

Em relação ao princípio da proporcionalidade no âmbito do legislador, as penas são criadas e apropriadas ao tipo penal. Não obstante, nítida é a falta de penas apropriadas no novo Código Penal.

Intrinsicamente, no âmbito do terrorismo já se percebem pro-blemas, sendo que o financiamento ao terrorismo tem a mesma pena mínima e máxima de quem pratica terrorismo. Este, por mais que esteja no Título IX, Dos Crimes contra a Paz Pública, tem com função proteger o bem/a vida e devia estar no Título I, Dos Crimes contra a Pessoa. Aquele tem como proteção a paz pública. Por isso, a proteção diferente de bem jurídico protegido, necessariamente, acarreta em penas diferentes nesses dos tipos penais e não iguais.

Extrinsecamente, é visível que as penas de cada tipo penal ex-posto no Projeto de Lei do Senado nº 236 são desproporcionais em uma maneira geral. Por quê?

Quando alguém comete maus-tratos aos seres humanos (art. 139), a pena é de um a cinco anos, se, e somente se, houver a

51 HESSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1984. p. 279.

finalidade de educação, ensino, tratamento ou custódia, mas, quando alguém comete maus-tratos a animais (art. 404), a pena é de um a quatro anos sem nenhuma restrição.

Quando fala em poluição, primeiramente, pensa-se que todos praticam, seja dirigindo um carro, seja usando matérias de limpeza, seja em produtos químicos por algumas empresas, mas o legislador condena tal ato com pena de um a quatro anos (art. 424).

Por fim, seguindo uma dialética do terrorismo, juntamente com o Direito Penal do inimigo, é nítido descrever que o terrorismo no novo Código Penal é, pura e simplesmente, a “busca” implacável de um inimigo que não afronta o território brasileiro, ou seja, a aplicação de um Direito Penal do inimigo.

O Direito Penal do inimigo interliga-se com o direito de exceção, o terrorismo, no art. 248, que, por sua vez, aplica o direito de exceção, devido à suposta “necessidade” de tipificar tal conduta rapidamente em relação a realizações de grandes eventos.

Outrossim, o Direito Penal do inimigo tenta prevenir um eventual delito futuro, por isso o terrorismo encaixa-se nesse conceito, visto que, no Brasil, nunca houve casos, mas, devido à preven-ção (prospecção, antecipação), tenta-se tipificá-lo.

O Direito Penal do inimigo contém penas consideradas despro-porcionais; o terrorismo possui penas desproporcionais. Afinal, praticar terrorismo tem pena igual a oito até quinze anos, além das sanções correspondentes à violência, à grave ameaça ou ao dano, e financiar terrorismo também tem pena igual a oito até quinze anos, totalmente desproporcional.

O Direito Penal do inimigo acarreta em um Direito Penal simbó-lico, e o terrorismo é um Direito Penal simbólico, dado pela falta

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O terrorismo é um Direito Penal do autor, onde nomeia um autor já tipificado pela sociedade. Claramente, um indivíduo voltado à religião muçulmana (considerando o mesmo inferior seja moral, seja biológico ou seja psicológica).

O Direito Penal do inimigo pune o autor, consoante a sua peri-culosidade. O terrorismo aplica a periculosidade do agente com base nos recentes ataques terroristas, principalmente no ataque de 11 de Setembro.

O terrorismo visa a proteger a paz pública, diretamente, e visa a resguardar o ordenamento jurídico vigente. Na mesma medida, o Direito Penal do autor visa a proteger a norma vigente.

O terrorista é visto como ser inferior pela sociedade, devido as suas ações serem vistas com ligações religiosas. Sem dúvida, ele é classificado como um inimigo a ser abatido, e não como cidadão a ser julgado. Por sua vez, o Direito Penal do inimigo também o julga igual.

Há de se pensar que, além de inúmeros erros tanto na tipificação do terrorismo quanto em todos os tipos do novo Código Penal, o Direito Penal do inimigo está fielmente empregado nos artigos relacionado ao terrorismo, gerando, portanto, não uma classi-ficação correta dos autores terroristas, não uma “solução” do Estado contra esses criminosos, não um Direito Penal de ultimo ratio, não um Código onde respeita princípios constitucionais e infraconstitucionais, não um ordenamento que respeita o Estado de Direito e, principalmente, todos os cidadãos, sendo eles na-

cionais ou estrangeiros, mas, sim, uma tipificação de terrorismo e um Código onde volta, mais uma vez, para o extermínio de certos grupos sociais, principalmente os grupos que vivem a margem da sociedade.

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Doutrina

Pelo Fim da Aberratio Nominada Defensoria Pública

RAFAEL JAYME TANUREAdvogado Brasileiro e Português, Pós-Graduado em Finanças Públicas – TCMG, Pós-Graduado em Direito Europeu pela Universidade de Coimbra.

É certo que cada povo é dono do próprio nariz, entretanto, se vive, no Brasil, um caos institucional relativo à defesa do cidadão me-nos favorecido. E esse caos de incongruências se pode nominar Defensoria Pública.

Para tanto, basta se utilizar da mais eficaz forma de estudos das Ciências Sociais, qual seja, o estudo comparado, aqui mais espe-cificamente o direito comparado.

Há um estudo bastante completo, em seis volumes, denominado “Acesso à Justiça”, realizado pelo Professor Mauro Cappelletti, recém falecido, em 2004, enquanto titular do mais alto posto da Faculdade de Direito da Universidade de Florença, na Itália, e pelo jurista norte-americano Bryant Garth. No Brasil, esse estudo foi resumido e traduzido pela então Ministra Ellen Gracie do Supremo Tribunal Federal.

Em suma, a pesquisa leva a duas conclusões: ou o caos judiciário brasileiro se dá por certos invencionismos; ou os brasileiros são realmente os melhores e vivem sozinhos no planeta.

Isso porque tal estudo traz uma simples e crua realidade: não existe outro lugar no mundo onde a aberratio nominada Defensoria Pública subsista.

Por quê? A mais óbvia das respostas salta aos olhos. Tal instituição traz pouco ou nenhuma pacificação social. As pessoas simples-mente não confiam na Defensoria Pública. E isso não se dá por falta de estrutura ou falta de preparo das Defensorias, que muitas vezes ostentam seus gabinetes em suntuosos edifícios.

O fato se dá pela simples razão serem uma aberração jurídica. Pelo menos a defesa dos cidadãos deve ser exercida por instituições independentes da sociedade civil, como a OAB e a OAP (Ordem dos Advogados Portugueses que recebe 100% das nomeações oficiosas dos necessitados e dos revéis).

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Ou seja, chega de ditadura ou inquisição. É sabido o papel da OAB em defesa da democracia e das liberdades individuais, tanto em momentos de paz quanto em momentos de crise.

Realmente se pode esperar tal atitude da Defensoria Pública?

É óbvio que não. Basta pensar que em 99% das atuações da Defensoria Pública o Estado acaba por acusar, defender e julgar.

O que é isso senão uma inquisição remodelada?

Não é por nada que as pessoas não confiam na Defensoria Pública para patrocinar suas defesas. E essa incongruência aumenta em situações corriqueiras em que o próprio Estado é parte ou tem interesse direto no conflito.

Nesses casos, o Estado é parte, acusação, defesa, julgador e o que pune. E qual papel sobraria ao cidadão (se é que assim pode ser chamado)? O de ser punido, claro.

Quem ficaria pacificado em situação parecida?

A mitigação de sociedades civis como a OAB e a imprensa é apenas a ponta do iceberg que se esconde por trás de aberra-ções jurídicas como tal.

Se toda essa irracionalidade não bastasse, ainda tem que se le-var em conta os elevadíssimos custos desse projeto inquisitório.

A manutenção das defensorias não passa apenas pelos altos salários dos Defensores Públicos, mas também por suas férias, 13º e outras vantagens. Passa, ainda, pelo custeio de toda infra-estrutura de pessoal administrativo, e dos suntuosos edifícios. Além de tudo isso, a lei ainda permite a nomeação de advoga-dos dativos que não podem receber mais do que um defensor público e não possuem todas essas regalias e nem todos os custos indiretos para a Administração, o que ao final sairia muito mais barato para o Erário.

Para que então a Defensoria Pública, senão inquirir o cidadão? O Zé das Couves gostaria de saber.

Ainda há talvez o pior de todos os problemas que o Zé das Couves sente na pele. O de qual seja o notório descomprome-timento e impessoalidade de grande parte do funcionalismo público brasileiro. Principalmente no que se tem presenciado nas Defensorias Públicas, onde os defensores, mesmo com todas as regalias de um funcionário público concursado, não se fixam em seus cargos, transformando-se rapidamente em professores ou Magistrados. Usando da função apenas como escada para promoção pessoal.

E o Zé das Couves que teve seu caso negligenciado e aban-donado?

Seria bom que tais operadores não se esquecessem de que advocacia é paixão, e não subversão.

Como alternativa a tal subversão, o que se tem percebido é o surgimento de diversas ONGs e escritórios de zonas similares às iniciativas inglesa e norte-americana. Iniciativas essas con-duzidas por advogados do setor privado que muitas vezes se localizam e atendem nos bairros, estando próximos dos cida-dãos. Esses são apenas alguns exemplos que se pode extrair do estudo citado.

É por esses motivos que se espera, no mínimo, além de saber ler e escrever, que os juristas e legisladores desse País tenham a humildade de aprender e tirar proveito das experiências de outros povos do planeta e dos antecedentes. Tomando-se a mesma razão desses no sentido de se extinguir as Defensorias Públicas.

Pois ninguém espera o retorno ditatorial ou inquisitório masca-rado de qual aberração que seja.

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Doutrina

Pode o Parlamentar Estar Sujeito à Ação de Improbidade Administrativa?

ROGÉRIO TADEU ROMANO Procurador Regional da República aposentado, Professor de Processo Penal e Direito Penal, Advogado.

O parlamentar deve ser submetido, pelos atos que atentem contra os princípios norteadores, que guarnecem a Administração, à ação civil de improbidade e a processo por falta de decoro parlamentar.

Questiona-se se é possível aplicar a Lei de Improbidade Adminis-trativa a parlamentar, um agente político.

Para muitos os agentes políticos, que exercem funções governa-mentais, judiciais, e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo negócios públicos, não poderiam ser tratados como os servidores públicos, razão pela qual os fatos tipificados na Lei de Improbidade Administrativa não poderiam ser imputados a eles.

Ora, tal ilação contraria o princípio republicano, princípio demo-crático qualificado, que não diferencia perante a lei. Como tal, res-ponde o agente político à ação de improbidade em primeiro grau, se sujeito às sanções ditadas na Lei nº 8.429/1992, não havendo falar em foro por prerrogativa de função.

Foi nessa linha de princípio que o Supremo Tribunal Federal de-clarou, no julgamento das ADIns 2.797 e 2.860, inconstitucional a

Lei nº 10.628, que deu redação censurável ao art. 84, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal. Aliás, há precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental na Petição nº 4.073/DF, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 24 de outubro de 2007, unânime, DJe de 13 de fevereiro de 2013, no sentido de que, tratando-se de ação civil por improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), mostra-se irrelevante, para efeito de definição de competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular de mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois a ação civil em questão deverá ser ajuizada perante o Magistrado de primeiro grau.

De início, necessário lembrar lição de Marcelo Figueiredo (Probi-dade administrativa. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 24) no sentido de que, com relação aos agentes políticos, ocupantes de cargos

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eletivos, nada obsta a aplicação da Lei de Improbidade. Nes-sa linha de pensar, prossegue o ilustre comentarista da Lei nº 8.429/1992:

Verifica-se a amplitude do preceito. O art. 2º menciona as relações e possíveis vínculos dos sujeitos ativos e terceiros, com o intuito de abran-ger, em um primeiro momento, aqueles que se relacionam diretamente com a “administração”: os eleitos, os nomeados, os designados, os contratados, os empregados. Há, portanto, equiparação ou ficção legal. Para os efeitos da lei, é indiferente se o sujeito ativo é agente político, servidor contratado por tempo determinado (art. 37, IX, da CF), o ocu-pante de cargo em comissão, sujeito ao regime da CLT. Todos estão abrangidos pela lei. Em relação à alusão aos “eleitos”, constante do art. 2º (ou, como deseja a lei, “agentes públicos”, guindados por eleição), cumpre tecer breves considerações.

Como é cediço, o regime constitucional dos ocupantes de cargos eletivos (enfocamos os parlamentares) recebe da Constituição um tratamento peculiar, cintado de garantias, imunidades, prerrogativas etc. Gozam os parlamentares dos direitos constitucionais estampados nos arts. 53 e seguintes da CF. Concretamente, são beneficiários pela inviolabilidade criminal em razão de suas opiniões, palavras e votos. Ao lado dela, igualmente estão protegidos pela imunidade criminal, que tem por escopo principal impedir o processo e a prisão. Não podem ser processados sem prévia licença do órgão a que estão vinculados. Contudo, como visto, as imunidades alcançam o processo criminal, os crimes, não se estendendo a cominações civis ou ao ressarcimento civil. Sendo assim, nada obsta ao ajuizamento da ação prevista na lei em tela. Poderá haver alguma sorte de “conexão” com o crime; contudo, essa questão somente poderá ser resolvida caso a caso, para efeito de eventual sobrestamento dessa ou daquela ação.

Questão interessante é a seguinte: parlamentar condenado por ato de improbidade nos termos da lei pode ainda perder o mandato por razão diversa? A hipótese é clara. Se condenado por ato de improbidade (con-denação civil), poderá sofrer ainda a perda de mandato por ausência de decoro parlamentar (art. 55, II, da CF). É óbvio que não se trata de consequência jurídica imediata. Contudo, forçoso convir na procedência da tese. O Parlamento não poderá continuar a contar em seus quadros com uma figura condenada por improbidade administrativa no decorrer de seu mandato. A sua condenação, ainda que civil, é motivo mais do que suficiente para ensejar (possibilitar) a perda de mandato por ausên-

cia de decoro. Cremos que, se o ato de improbidade não foi cometido no exercício do mandato, não se vinculou a atividade parlamentar, não há que se falar em perda do mandato. É, em síntese, necessária uma relação jurídica entre o ato de improbidade e o exercício do mandato.

Portanto, o parlamentar poderá ter seus direitos políticos sus-pensos se processado por infringência à Lei de Improbidade.

O art. 1º da Lei de Improbidade pretende traçar seu raio de abrangência para colher em suas malhas toda e qualquer pessoa que com a administração se relacione, tomada essa expressão em seu sentido mais amplo. Assim devem ser incluídos os agentes políticos.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Apontamentos sobre os agentes públicos. São Paulo: RT, 2ª tir., p. 4), o que radicaliza o conceito de agentes públicos é o fato de todos eles serem agentes que exprimem um poder estatal, munidos de uma autoridade que só podem exercer por lhes haver o Estado emprestado sua força jurídica, exigindo ou consentindo-lhes o uso, para a satisfação de fins públicos. De um lado, observa-se a natureza pública da função e de outro, de ordem subjetiva, a investidura nela.

Bem conhecida é a classificação de agentes públicos em 3 (três) grandes grupos, admitindo-se ulterior subdivisão, como lecionou Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (RDP, v. 1/40):

a) agentes políticos;

b) servidores públicos;

c) particulares com atuação de colaboração com Poder Público.

Os agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e,

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22portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado.

A ação de improbidade administrativa é ação civil, ajuizada para proteção do princípio da moralidade, que se aplica a qualquer agente público (Lei nº 8.429/1992), em que se objetiva coibir a prática de atos desonestos e antiéticos contra a Administração, em processo de competência do Juízo de primeiro grau, e que se distingue dos chamados crimes de responsabilidade, cuja na-tureza é diversa, dado o seu regime penal, razão pela qual deve correr perante as instâncias ordinárias. Da mesma maneira, não há como confundir o processo com relação aos parlamentares por falta de decoro parlamentar, que se aproxima do processo de impeachment, que tem natureza processual, julgamento e o fim, a pena, tipicamente criminais.

Em verdade, as penas aplicadas pela Lei de Improbidade Admi-nistrativa, por força de ajuizamento de ação civil de improbidade, têm natureza tipicamente civil, diverso do sistema adotado para o crime de responsabilidade, no qual o sistema jurídico pátrio adota o modelo europeu, à luz das lições de Duguit, Esmein, Bryce e Tocqueville, entre outros, obedecendo a um rito penal, razão pela qual segue as regras de competência processual penal estabelecidas pela Constituição. No entendimento de Paulino Jacques (Curso de direito constitucional. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 254 e 255), o processo por crime de respon-sabilidade tem processo, julgamento e fim, pena, tipicamente criminais. Diverso é o disposto pela Lei nº 8.429/1992, em que se dispõe sobre ação civil.

Convivem, pois, em nosso sistema, a chamada improbidade administrativa, de natureza civil (Lei nº 8.429/1992) e os crimes de responsabilidade, nos quais se sobressai a natureza penal.

Diverso do modelo previsto para a ação de improbidade, temos aquele que rege o crime de responsabilidade, onde, no Brasil,

seguimos o impeachment europeu, processo misto, de natureza político-penal. Aliás, esse caráter foi entendido pelo Supremo Tribunal Federal, como se verifica dos casos do Procurador-Geral da República contra a Constituinte Estadual de São Paulo (1947), e do Procurador-Geral da República contra a Constituinte Esta-dual do Piauí (1947), nos quais se arguia a inconstitucionalidade dos dispositivos das Constituições desses Estados-membros que definiam os crimes de responsabilidade do governador do estado e lhe regulavam o processo e o julgamento. O Tribunal decidiu que, sendo o impeachment um processo constitucional--penal (misto), não podiam as Constituições estaduais definir os crimes ou estabelecer penas, nem, tampouco, regular o proces-so e o julgamento em divergência com a Constituição (Arquivo Judiciário, v. 85, p. 77 e 147).

Tal o pensamento alicerçado no Brasil, desde 1916, em monogra-fia de Aníbal Freire (Do Poder Executivo na República brasileira).

Os agentes políticos respondem por crime de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais (art. 85, parágrafo úni-co, da Constituição Federal), mas, em relação ao que estivesse definido como ato de improbidade, deveriam responder na forma da lei própria, a Lei nº 8.429/1992, aplicável a qualquer agente político, sendo em consequência julgados pelo juízo de primeiro grau.

Dir-se-á, pois, que há disciplinas diversas em matéria de impro-bidade que, embora visem à guarda da disciplina da moralidade da Administração Pública, têm objetivos constitucionais diversos: o específico, da Lei nº 8.429/1992, que disciplina o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, de tipificação cerrada, envolvendo um amplo rol de possíveis acusados, até mesmo pessoas que não tenham vínculo com a Administração; e o referente à exigência da probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente no que concerne ao Chefe do Poder

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Executivo, que, no plano infraconstitucional, completa-se com o disposto no art. 9º da Lei nº 1.079/1950.

Da mesma forma, o processo administrativo-parlamentar, por quebra do decoro instaurado contra deputado federal, encon-tra sua disciplina no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados e no Regulamento do Conselho de Ética daquela Casa Legislativa, a partir do art. 51, III e IV, da Constituição Federal.

São entidades distintas que podem desencadear processos autônomos, não obstante possam tratar dos mesmos fatos.

Réu, na ação de improbidade administrativa, é o agente público responsável pela prática de ato de improbidade. A intenção dada pela Constituição Federal, observada uma interpretação sistemática, foi de conferir a maior abrangência possível ao conceito. Assim, os agentes políticos estão sob as ordenanças do princípio da moralidade, escudo protetor dos interesses co-letivos contra a lesividade.

Deve ser lembrado julgamento do Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental em Petição nº 1.738-2/MG, Tribunal Ple-no, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 01.09.1999, DJ de 01.10.1999, no sentido de que, mesmo em se tratando de membro do Congresso Nacional, que detém prerrogativa de foro ratione muneris, nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, b), falece competência originária ao Supremo Tribunal Federal para processar qualquer medida desvinculada de qualquer finalidade de ordem penal. No mesmo sentido, o julgamento do Agravo Regimental na Petição nº 4084-8/DF.

A discussão grassa a partir do entendimento do Supremo Tri-bunal Federal, quando do julgamento daquela Reclamação nº 2.138/DF, que julgou um caso específico de Ministro de Estado, entendendo incabível a aplicação da Lei nº 8.429/1992, Lei de

Improbidade Administrativa, em relação a determinados agentes políticos.

Avulta a importância da divergência inicial, do que se lê do voto do Ministro Carlos Velloso, ao sustentar que, em linha do prin-cípio, a Lei nº 8.429/1992 aplicar-se-ia igualmente aos agentes políticos, a menos que sua conduta fosse tipificada como crime de responsabilidade, de que trata a lei especial, conforme de-termina a Constituição Federal (art. 85, parágrafo único).

Disse, aliás, o Ministro Velloso, no seu voto na RCL 2.138:

Isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a Administração Pública. Infelizmente, o Brasil é um país onde há corrupção, apropriação de dinheiros públicos por administradores ímprobos. E isso vem de longe. No excelente livro de Patrick Wilcken – O império à Deriva – A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821, Objetiva, tradução de Vera Ribeiro, p. 121 – está consignado:

“A corrupção sempre fora uma característica da vida ao redor do império, mas assumiu uma forma concentrada no Rio.

[...] Enquanto a vida era uma luta para muitos dos cortesãos mais pe-riféricos, os ministros do governo logo passaram a ter um padrão de vida muito acima dos recursos que poderiam ter ganho legitimamente. [...] Por trás das bengalas, mantos e perucas, e por trás das cerimônias formais e dos éditos proferidos em linguagem refinada, o roubo em nome da Coroa disseminou-se à larga.”

Ora, os chamados crimes de responsabilidade têm uma ca-suística própria, do que se lê do art. 85 da Constituição Federal, onde estão listados os seguintes casos: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

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22Percebe-se, da leitura do art. 11 da Lei nº 1.079/1950, no que concerne ao tipo que trata da guarda e legal emprego de dinhei-ros públicos, que assiste razão ao Ministro Luiz Roberto Barro-so (Crimes de responsabilidade e processo de impeachment) quando sustenta a não recepção desse dispositivo diante da ordem constitucional de 1988 e mesmo diante da Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/1969, só o admitindo diante dos termos da Constituição de 1946.

A Lei de Improbidade, ao contrário, reserva sanção aos agentes políticos que praticam atos ilícitos, de natureza administrativa, em situações que capitula de forma taxativa, nos arts. 9º, 10 e 11 (Lei nº 8.429/1992).

Diverso dos atos administrativos, os agentes políticos ainda praticam atos de governo, que são aqueles inerentes à atividade tipicamente discricionária, em obediência ao que determina a Constituição.

Anoto, por sua importância, julgamento do Supremo Tribunal Federal, no PET-QO 3923, em que foi relator o Ministro Joaquim Barbosa, onde se fez a seguinte dicotomia:

a) A Lei nº 8.429/1992 regulamenta o art. 37, § 4º, da Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritas na Lei de Improbidade Administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade;

b) Crime de responsabilidade ou impeachment, desde os seus primór-dios, que coincidem com o início de consolidação das atuais instituições políticas britânicas na passagem dos séculos XVII e XVIII, passando pela sua implantação e consolidação na América, na Constituição dos EUA de 1787, é instituto que traduz à perfeição os mecanismos de fis-calização postos à disposição do Legislativo para controlar os membros dos dois outros Poderes. Não se concebe a hipótese de impeachment exercido em detrimento de membro do Poder Legislativo. Trata-se de

contraditio in terminis. Aliás, a Constituição de 1988 é clara nesse sen-tido, ao prever um juízo censório próprio e específico para os membros do Parlamento, que é o previsto em seu art. 55. Noutras palavras, não há falar em crime de responsabilidade parlamentar.

Destaco voto, no julgamento do mérito, do Ministro Joaquim Barbosa:

Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe aquela específica da Lei nº 8.429/1992, de tipificação cerrada, mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública (Lei nº 8.429/1992, art. 3º); e uma outra norma-tividade relacionada à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, V, que constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da Re-pública que atentem contra a probidade da Administração. No plano infraconstitucional, essa segunda normatividade se completa com o art. 9º da Lei nº 1.079/1950.

São disciplinas normativas diversas, que visam à preservar o mesmo valor ou princípio constitucional, qual seja, a moralidade da Administração Pública, porém têm objetivos constitucionais diversos.

Por certo, o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, objeto de con-cretude face ao disposto na Lei nº 8.429/1992, traduz o princípio da moralidade administrativo, norteador da Administração, onde a Constituição consagra o combate sem tréguas à corrupção e à impunidade no setor público. Ímprobo é o desonesto da Administração que merece sanção razoável, proporcional à sua conduta lesiva, diante de tipos cerrados expostos na Lei de Improbidade Administrativa.

E conclui o Ministro Joaquim Barbosa:

O contraste é manifesto com a outra disciplina da improbidade, quando direcionada aos fins políticos, isto é, de apuração da responsabilização

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política. Nesse caso, o tratamento jurídico da improbidade, tal como prevista no art. 85, V, da Constituição e na Lei nº 1.079/1950, assume outra roupagem, e isto se explica pelo fato de que o objetivo constitu-cional visado é muito mais elevado. Cuida-se aí de mais um dentre os inúmeros mecanismos de checks-and-balances típicos das relações entre os poderes do Estado no regime presidencial de governo. Tem equivalência, no presidencialismo, aos mecanismos de apuração da responsabilidade política típicos do sistema parlamentarista – como, por exemplo, a moção de censura ou de desconfiança.

Aliás, a natureza do instituto e os objetivos constitucionais por ele visado explicam por que nessa modalidade especial de responsabilização as penalidades são diferenciadas e podem parecer relativamente bran-das, se comparadas às previstas na Lei de Improbidade. E o objetivo da punição é lançar no ostracismo político o agente político faltoso, especialmente o chefe da Nação, cujas ações configurem um risco para o estado de Direito, para a estabilidade das instituições, em suma, um Presidente que por seus atos e ações perde a public trust, isto é, a confiança da Nação. Igualmente, a natureza política e os objetivos constitucionais visados com esse instituto é que explicam por que ao agente eventualmente condenado por crime de responsabilidade são aplicáveis apenas duas punições, e nada além dessas duas únicas punições: a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de funções públicos pelo prazo de 8 anos. É que, como bem disse Aléxis de Toc-queville, no seu clássico “Democracia na América”, o fim principal do julgamento político nos Estados Unidos é retirar o poder das mãos do que fez mau uso dele e de impedir que tal cidadão possa ser reinvestido de poder no futuro.

Fica a conclusão de que o parlamentar deve ser submetido, pelos atos que atentem contra os princípios norteadores, que guarnecem a Administração, à ação civil de improbidade e a processo por falta de decoro parlamentar, nos termos do que es-tabelece a Constituição, pois não se submetem a impeachment.

A improbidade administrativa, prevista na Lei nº 8.429/1992, é entidade diversa daquela existente quanto ao crime de respon-sabilidade ou ao processo por falta de decoro parlamentar. Eles não se excluem, mas têm resultados absolutamente distintos.

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Doutrina

Atualização Monetária dos Créditos Trabalhistas: Novos Parâmetros Jurisprudenciais

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIALivre-Docente e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Pós-Doutor e Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Professor Universitário, Advogado e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União, Ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

O credor deve receber os seus direitos de forma integral, atualizada e completa, afastando quaisquer prejuízos decorrentes do inadim-plemento da obrigação.

Trata-se de mandamento inerente ao sistema jurídico, com o fim de se concretizar o ideal de justiça, aplicável, assim, a todas as modalidades de créditos.

No presente estudo, cabe examinar o tema na esfera trabalhista, com especial destaque às recentes posições firmadas na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal.

O art. 389 do Código Civil de 2002 prevê que, se não for cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente esta-belecidos e honorários de advogado (quando cabíveis, conforme a Súmula nº 219 do TST).

Especificamente quanto à Fazenda Pública, o art. 100, § 12, da Constituição da República, acrescentado pela Emenda Constitu-cional nº 62/2009, passou a prever que

a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.

Entretanto, quanto ao dispositivo em questão, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 4.357 e 4.425, considerou inconstitucional a expressão que esta-belece o índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária dos precatórios, por se ter entendido que ele não é su-ficiente para recompor as perdas inflacionárias.

Tendo em vista a relevância do tema, e para a sua melhor compre-ensão, transcrevem-se os seguintes trechos da ementa:

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[...] Impossibilidade jurídica da utilização do índice de remuneração da caderneta de poupança como critério de correção monetária. Violação ao direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII). Inadequação mani-festa entre meios e fins. Inconstitucionalidade da utilização do rendimento da caderneta de poupança como índice definidor dos juros moratórios dos créditos inscritos em precatórios, quando oriundos de relações jurídico-tributárias. Discriminação arbitrária e violação à isonomia entre devedor público e devedor privado (CF, art. 5º, caput). [...] 5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóte-ses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifes-tamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período). 6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remu-neração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, § 1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, § 12, da CF, incluído pela EC 62/2009, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário. 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, ao reproduzir as regras da EC 62/2009 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, § 12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra. [...] 9. Pedido de declaração de incons-titucionalidade julgado procedente em parte. (STF, ADI 4.357/DF, Pleno, Rel. p/o Ac. Min. Luiz Fux, DJe 26.09.2014)

O STF, em questão de ordem, também decidiu a respeito da mo-dulação dos efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade, conforme o seguinte julgado:

Questão de ordem. Modulação temporal dos efeitos de decisão declara-tória de inconstitucionalidade (Lei nº 9.868/1999, art. 27). Possibilidade.

Necessidade de acomodação otimizada de valores constitucionais con-flitantes. Precedentes do STF. Regime de execução da Fazenda Pública mediante precatório. Emenda Constitucional nº 62/2009. Existência de razões de segurança jurídica que justificam a manutenção temporá-ria do regime especial nos termos em que decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. 1. A modulação temporal das decisões em controle judicial de constitucionalidade decorre diretamente da Carta de 1988 ao consubstanciar instrumento voltado à acomodação otimizada entre o princípio da nulidade das leis inconstitucionais e outros valores constitucionais relevantes, notadamente a segurança jurídica e a pro-teção da confiança legítima, além de encontrar lastro também no plano infraconstitucional (Lei nº 9.868/1999, art. 27). Precedentes do STF: ADI 2.240; ADI 2.501; ADI 2.904; ADI 2.907; ADI 3.022; ADI 3.315; ADI 3.316; ADI 3.430; ADI 3.458; ADI 3.489; ADI 3.660; ADI 3.682; ADI 3.689; ADI 3.819; ADI 4.001; ADI 4.009; ADI 4.029. 2. In casu, modulam-se os efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade proferidas nas ADIs 4.357 e 4.425 para manter a vigência do regime especial de pagamento de precatórios instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009 por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016. 3. Confere-se eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: (i) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Cons-titucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (a) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consu-midor Amplo Especial (IPCA-E) e (b) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e (ii) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/2013 e nº 13.080/2015, que fixam o IPCA-e como índice de correção monetária. [...] 7. Atribui-se competência ao Conselho Na-cional de Justiça para que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da presente decisão. (STF, QO-ADI 4.357/DF, Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 06.08.2015)

Ainda a respeito da matéria, a Lei nº 13.080/2015, que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias da União para 2015, no art. 27, também prevê que

a atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da Constituição Federal, bem como das requisições de pequeno valor

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22expedidas no ano de 2015, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2015, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E do IBGE, da data do cálculo exequendo até o seu efetivo depósito.

Como se pode notar, na liquidação do valor devido, a ser objeto de execução, devem ser acrescidos juros e correção monetária1.

A correção monetária tem como objetivo a mera atualização do valor em razão do tempo transcorrido.

Os juros de mora, por seu turno, decorrem do atraso no paga-mento da obrigação. Sendo assim, deve ser acrescentado ao valor principal devido, já atualizado, o percentual de juros.

No âmbito trabalhista, a correção monetária, em regra, é devida a partir do vencimento da obrigação.

Os juros, por sua vez, são devidos a partir do ajuizamento da ação trabalhista.

Nesse sentido, o art. 883 da CLT prevê que a importância da condenação deve ser “acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial”.

Conforme explicita a Súmula nº 439 do TST, “nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Os juros incidem desde o ajuizamento da ação, nos termos do art. 883 da CLT”.

Cabe ressaltar que, nos termos da Súmula nº 200 do TST, “os juros de mora incidem sobre a importância da condenação já corrigida monetariamente”.

1 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 717.

A Lei nº 8.177/1991, no art. 39, prevê que os

débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento.

Na realidade, o dispositivo em questão versa sobre correção monetária (e não juros, no sentido próprio).

Os juros, na verdade, são disciplinados no art. 39, § 1º, do mesmo diploma legal, ao prescrever que aos

débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conci-liação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação.

O art. 15 da Lei nº 10.192/2001 previa que permanecem

em vigor as disposições legais relativas à correção monetária de débi-tos trabalhistas, de débitos resultantes de decisão judicial, de débitos relativos a ressarcimento em virtude de inadimplemento de obrigações contratuais e do passivo de empresas e instituições sob os regimes de concordata, falência, intervenção e liquidação extrajudicial.

Anteriormente, o exposto antes era confirmado pela Orientação Jurisprudencial nº 300 da SBDI-I do TST:

Execução trabalhista. Correção monetária. Juros. Lei nº 8.177/1991, art. 39, e Lei nº 10.192/2001, art. 15 – DJ 20.04.2005. Não viola norma constitucional (art. 5º, II e XXXVI) a determinação de aplicação da TRD, como fator de correção monetária dos débitos trabalhistas, cumulada com juros de mora, previstos no art. 39 da Lei nº 8.177/1991 e conva-lidados pelo art. 15 da Lei nº 10.192/2001.

Em se tratando da Fazenda Pública, a Orientação Jurispruden-cial nº 7 do Pleno do TST assim dispunha:

Juros de mora. Condenação da Fazenda Pública. I – Nas condena-ções impostas à Fazenda Pública, incidem juros de mora segundo

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os seguintes critérios: a) 1% (um por cento) ao mês, até agosto de 2001, nos termos do § 1º do art. 39 da Lei nº 8.177, de 01.03.1991; b) 0,5% (meio por cento) ao mês, de setembro de 2001 a junho de 2009, conforme determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 10.09.1997, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001. II – A partir de 30 de junho de 2009, atualizam-se os débitos trabalhistas da Fazenda Pública, mediante a incidência dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, por força do art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.06.2009. III – A adequação do montante da condenação deve observar essa limitação legal, ainda que em sede de precatório.

No entanto, segundo a Orientação Jurisprudencial nº 382 da SBDI-I do TST, “a Fazenda Pública, quando condenada subsidia-riamente pelas obrigações trabalhistas devidas pela emprega-dora principal, não se beneficia da limitação dos juros, prevista no art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 10.09.1997”.

Cabe esclarecer que a TRD (Taxa Referencial Diária) foi extinta pela Lei nº8.660/1993 (art. 2º). Com isso, segundo a jurispru-dência anterior, os débitos trabalhistas também passaram a ser corrigidos monetariamente pelo índice da TR (Taxa Referencial), previsto no art. 1º da Lei nº 8.660/1993, que é aplicado aos de-pósitos de poupança (art. 7º da Lei nº 8.660/1993).

De todo modo, com supraexplicitado, a TR tinha como objetivo apenas a correção monetária, e não os juros, os quais também são devidos e devem ser acrescentados (1% ao mês, atualmente aplicados de forma simples, e não capitalizada)2.

Mais recentemente, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, em arguição de inconstitucionalidade, decidiu que os créditos trabalhistas devem ser atualizados com base na variação do

2 Os juros de mora devem ser calculados sobre os valores corrigidos, conforme a legislação vigente em cada período (até fevereiro de 1987: 0,5% ao mês, de forma simples; de março de 1987 a fevereiro de 1991: 1,0% ao mês, capitalizados; a partir de março de 1991: 1,0% ao mês, de forma simples).

Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Decidiu-se, assim, ser inconstitucional a expressão “equivalentes à TRD”, prevista no art. 39, caput, da Lei nº8.177/1991, dando inter-pretação conforme a Constituição Federal para o restante do dispo-sitivo, com o objetivo de se assegurar o direito à atualização mone-tária dos créditos trabalhistas (TST, ArgInc 479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, J. 04.08.2015).

Essa importante decisão do TST, exercendo o controle incidental e difuso de constitucionalidade, levou em consideração a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal, em especial nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 4.357 e 4425, notadamente a respeito do tema em estudo, ao declarar a inconstitucionalidade da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, prevista no art. 100, § 12, da Constituição da Re-pública, afastando, assim, a aplicação da Taxa Referencial (TR).

Entendeu-se que o direito fundamental de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da CRFB/1988) seria violado se a atualização mo-netária fosse feita conforme o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, por ser insuficiente para a preservação do valor real do crédito.

A adoção do IPCA-E, por sua vez, como índice de atualização monetária, também teve como fundamento o já decidido pelo STF, inclusive em questão de ordem na ADI 4.357/DF.

Tendo em vista a atualidade do tema, transcreve-se a ementa do referido julgado:

Arguição de inconstitucionalidade. Expressão “equivalentes à TRD” contida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991. Ratio decidendi definida pelo Supremo Tribunal Federal. Interpretação conforme a Constituição. Declaração de inconstitucionalidade por arrastamento, por atração, consequência, decorrente ou reverberação normativa. Interpretação conforme a Constituição. Modulação de efeitos autorizada pela integra-

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22ção analógica prevista no art. 896-C, § 17, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.015/2014. Respeito ao ato jurídico perfeito. Na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs 4.357, 4.372, 4.400 e 4425, foi declarada inconstitucional a expressão “índice oficial da remuneração básica da caderneta de poupança”, constante do § 12 do art. 100 da Constituição Federal. Mais recentemente e na mesma linha, desta feita por meio da decisão proferida nos autos da Ação Cautelar nº 3764-MC/DF, em 24.03.2015, o entendimento foi reafirmado pela Suprema Corte, e fulminou a aplicação da TR como índice de correção monetária. A ratio decidendi desses julgamentos pode ser assim resumida: a atualização monetária incidente sobre obrigações expressas em pecúnia constitui direito subjetivo do credor e deve refletir a exata recomposição do po-der aquisitivo decorrente da inflação do período em que apurado, sob pena de violar o direito fundamental de propriedade, protegido no art. 5º, XXII, a coisa julgada (art. 5º, XXXVI), a isonomia (art. 5º, caput), o princípio da separação dos Poderes (art. 2º) e o postulado da propor-cionalidade, além da eficácia e efetividade do título judicial, a vedação ao enriquecimento ilícito do devedor. Diante desse panorama, inevitável reconhecer que a expressão “equivalentes à TRD”, contida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, também é inconstitucional, pois impede que se restabeleça o direito à recomposição integral do crédito reconhecido pela sentença transitada em julgado. O reparo, portanto, dessa iníqua situação se impõe e com urgência, na medida em que, ao permane-cer essa regra, a cada dia o trabalhador amargará perdas crescentes resultantes da utilização de índice de atualização monetária do seu crédito que não reflete a variação da taxa inflacionária. A solução para a questão emana do próprio Supremo Tribunal Federal e recai sobre a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (ou por atração, consequência, decorrente, reverberação normativa), caracte-rizada quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma impugnada se estende aos dispositivos normativos que apresentam com ela relação de conexão ou de interdependência. A técnica já foi utilizada pela Corte Maior, em inúmeros casos e, especificamente na discussão em exame, em relação à regra contida no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, a partir do reconhecimento de que os fundamentos da ratio decidendi principal também se encontravam presentes para proclamar o mesmo “atentado constitucional” em relação a este dispositivo que, na essência, continha o mesmo vício. A consequência da declaração da inconstitucionalidade pretendida poderá acarretar, por sua vez, novo debate jurídico, consistente em definir o índice a ser aplicável e, tam-bém, o efeito repristinatório de distintas normas jurídicas, considerando haverem sido diversas as leis que, ao longo da história, regularam o tema. Porém, a simples declaração de que as normas anteriores seriam restabelecidas, de pronto, com a retirada do mundo jurídico da lei in-

constitucional, ainda que possível, não permitiria encontrar a solução, diante da extinção da unidade de referência de cuja variação do valor nominal se obtinha a definição do fator de reajuste, além de, de igual modo, haver sido assegurado no comando do STF a indicação do índice que reflete a variação plena da inflação. Nessa mesma linha de argu-mentação e como solução que atenda à vontade do legislador e evite a caracterização do “vazio normativo”, pode ser adotada a técnica de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado, que mantém o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas. Pretende-se, pois, expungir do texto legal a expressão que atenta contra a Constituição e, uma vez mantida a regra que define direito à atualização monetária (o restante do art. 39), interpretá-la em consonância com as diretrizes fixadas na Carta, para assegurar o direito à incidência do índice que reflita a variação integral da “corrosão inflacionária”, dentre os diversos existentes (IPC, IGP, IGP-M, ICV, INPC e IPCA, por exemplo), acolhendo-se o IPCA-E, tal como definido pela Corte Maior. Mas isso também não basta. Definido o novo índice de correção, consentâneo com os princípios constitucio-nais que levaram à declaração de inconstitucionalidade do parâmetro anterior, ainda será necessária a modulação dos efeitos dessa decisão, autorizada esta Corte por integração analógica do art. 896-C, § 17, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.015/2014, a fim de que se preservem as situações jurídicas consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais em virtude dos quais foi adimplida a obriga-ção, sobretudo em decorrência da proteção ao ato jurídico perfeito, resguardado desde o art. 5º, XXXVI, da Constituição, até o art. 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LIDB. Em conclusão: declara-se a inconstitucionalidade por arrastamento da expressão “equivalentes à TRD”, contida no caput do art. 39 da Lei nº 8.177/1991; adota-se a técni-ca de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado, a preservar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas; define-se a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização a ser utilizado na tabela de atualização monetária dos débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho; e atribui-se efeito modulatório à decisão, que deverá prevalecer a partir de 30 de junho de 2009 (data de vigência da Lei nº 11.960/2009, que acresceu o art. 1º-F à Lei nº 9.494/1997, declarado inconstitucional pelo STF, com o registro de que essa data corresponde à adotada no Ato de 16.04.2015, da Presidência deste Tribunal, que alterou o Ato TST.GDGSET.GP nº 188, de 22.04.2010, publicado no BI nº 16, de 23.04.2010, que estabelece critérios para o reconhecimento ad-ministrativo, apuração de valores e pagamento de dívidas de exercícios anteriores – passivos – a magistrados e servidores do Tribunal Superior do Trabalho), observada, porém, a preservação das situações jurídicas

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consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais em virtude dos quais foi adimplida a obrigação, em respeito à proteção ao ato jurídico perfeito, também protegido constitucionalmente (art. 5º, XXXVI). (TST, ArgInc 479-60.2011.5.04.0231, Pleno, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 07.08.2015)

É certo que os créditos devem ser pagos sempre de forma atua-lizada, preservando-se o seu valor real, não sendo justo que o credor receba montante que não corresponde aos índices de inflação, pois isso geraria manifesta perda do poder de compra.

A discussão que surge, assim, é quanto ao índice a ser aplicado para a atualização monetária.

Segundo a recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, mesmo que o devedor não seja a Fazenda Pública, a correção monetária também passa a ser devida de acordo com o IPCA-E, e não mais conforme a TR.

Não obstante, os juros de mora, nesse caso, são de 1% ao mês (§ 1º do art. 39 da Lei nº 8.177/1991).

É importante registrar que as decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema em estudo são relativas à correção monetária quando o devedor é a Fazenda Pública.

O STF, ao menos expressamente, ainda não proferiu declaração de inconstitucionalidade, mesmo que por “arrastamento”, quanto às previsões legais específicas voltadas aos entes privados e aos particulares.

Ademais, segundo o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a correção monetária passou a ser devida de acordo com o IPCA-E, e não mais conforme a TR (caderneta de poupança). Entretanto, quanto a débitos da Fazenda Pública de natureza não tributária, o exame mais atento revela que os juros moratórios, que não se confundem com a atualização monetária, ainda são devidos se-

gundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança (em regra 0,5% ao mês)3.

Diversamente, no setor privado, quanto aos créditos trabalhistas, seguindo a jurisprudência atual do TST, observa-se a aplicação do IPCA-E (correção monetária) mais 1% de juros ao mês.

Cabe, assim, acompanhar a evolução jurisprudencial a respeito do importante tema, inclusive quanto à modulação dos efeitos da in-constitucionalidade de parte do art. 39, caput, da Lei nº 8.177/1991, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

3 “[...] IV – Imperiosa a incidência do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, acrescido pela Lei nº 11.960, a partir do dia 30 de junho de 2009, o qual determina a aplicação, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remunera-ção básica e juros aplicados à caderneta de poupança, visto que, no ponto (juros moratórios sobre débitos não tributários), a regra não sofreu os efeitos do julgamento da ADI 4357/DF. [...] VI – Agravo regimental provido” (STJ, AgRg-REsp 1.235.021/RS, (2011/0025488-2), 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 18.12.2014). “[...] 4. No entanto, o colendo Supremo Tribunal Federal, ao examinar a questão por meio da ADI 4.357/DF (Rel. Min. Ayres Britto), declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º da Lei nº 11.960/2009. 5. Assim, nessa linha de entendimento da Suprema Corte, a 1ª Seção do STJ, nos autos do REsp 1.270.439/PR, julgado pelo rito dos recursos repetitivos, Relator Ministro Castro Meira, firmou o entendimento de que a partir da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei nº 11.960/2009: (a) a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando os índices de remuneração básica da caderneta de poupança; e (b) os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para a qual prevalecerão as regras específicas. 6. No caso em apreço, como a matéria aqui tratada é de natureza previdenciária, em virtude da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, o reajustamento da renda mensal do benefício previdenciário, o índice a ser utilizado é o INPC, nos termos do art. 41-A da Lei nº8.213/1991, acrescentado pela Lei nº 11.430/2006. 7. Agravo regimental do INSS des-provido” (STJ, AgRg-AgRg-REsp 1.427.514/RS, (2013/0420876-3), 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 27.03.2015).

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Doutrina

Águas Subterrâneas: a Complexidade da Gestão Institucional1

MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERAAdvogada, Mestre e Doutora em Direito pela USP, Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da UniSantos. Autora dos livros Direito de Águas e Direito Ambiental.

BEATRIZ MACHADO GRANZIERAAdvogada, Cursou Environmental Sciences na UC Berkeley, Pesquisadora do Projeto Releitura dos Acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) do CESA/IBRAC, promovido pelo Centro do Comércio Global e Investimento da Escola de Economia de São Paulo e pela Escola de Direito de São Paulo, ambos da Fundação Getúlio Vargas

RESUMO: O objetivo deste trabalho é tratar dos desafios institucionais relacionados com a gestão das águas subterrâneas no Brasil. O domínio das águas subterrâneas é dos Estados, cabendo a eles sua guarda e proteção e, no âmbito administrativo, a aplicação dos instrumentos de gestão previstos nas políticas de recursos hídricos (enquadramento, outorga, cobrança etc.). Na prática, entretanto, os aquíferos extrapolam as fronteiras estaduais e não obedecem aos limites das bacias hidrográficas. Para uma gestão efetiva, torna-se necessária a articulação entre os diversos Estados que compartilham os aquíferos, na busca por soluções integradas. Assim, é grande o desafio a ser enfrentado, para assegurar que esses mananciais com potencial para garantir o abastecimento em quantidade e qualidade para as futuras gerações. A implementação dos

1 Este artigo é um desdobramento do trabalho apresentado no XVIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas – ABAS, entre os dias 14 e 17 de outubro de 2014, na Cidade de Belo Horizonte/MG.

instrumentos de gestão de forma articulada e integrada no âmbitos dos Estados é essencial para a garantia da proteção das águas subterrâneas.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão de recursos hídricos; águas subterrâneas; efetividade das normas ambientais.

ABSTRACT: This article aims to describe the institutional challenges related to groundwater management in Brazil. According to the Federal Constitution, the State is in charge of groundwater protection, as well as the application of management tools provided in the policies of water resources. In practice, however, aquifers extend beyond State boundaries. For effective management it is necessary articulation between the various States that share aquifers. Currently there are many challenges to be overcome to ensure that groundwater, a resource with potential to supply water in quantity and quality for future generations be protected.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Tratamento legal das águas subterrâneas no Brasil; 1.1 Domínio e gestão; 1.2 A gestão das águas subterrâneas e o CNRH; 2 Águas subterrâneas como um bem compartilhado entre os Estados; 3 Desafios na gestão das águas subterrâneas; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A gestão dos recursos hídricos é tema sempre relevante, não só para o abastecimento humano, como também para o desenvolvimento estrutural do País, sobretudo na geração de energia, na indústria e a na agricultura. No Brasil, embora seja um recurso abundante, não é suficiente para garantir sua disponibilidade em todas as regiões, e atualmente vivemos um momento de insegurança hídrica. Basta verificar que a região Amazônica possui 74% da água e apenas 5% da população, e o Sudeste, onde se concentram 43% da população, não possui mais que 6% da disponibilidade hídrica.

A escassez que ocorre periodicamente no Nordeste e que mais recentemente vem ameaçando o Sudeste evidencia o papel fun-damental da gestão dos recursos hídricos como forma de garantir a sua disponibilidade.

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Nesse contexto, as águas subterrâneas, também abundantes no território nacional e muito menos conhecidas que as águas superficiais, passam ser estratégicas. Discutir a proteção dos aquíferos é discutir a segurança hídrica do País, umas vez que as águas subterrâneas possuem um enorme potencial para garantir o abastecimento hídrico de qualidade e em quantida-des adequadas para o uso humano. Esse recurso pode e deve ser utilizado, porém de forma racional e coordenada, para não comprometer esses mananciais para as presentes e futuras gerações.

Os Estados, detentores do domínio das águas subterrâneas2, em sua grande maioria, possuem regras específicas para a gestão desse recurso, seja em suas Políticas Estaduais de Recursos Hí-dricos, em suas leis ambientais ou, ainda, em diplomas editados exclusivamente para tratar desse tema. Essas regras trazem, de maneira geral, instrumentos apropriados para a proteção, mas,

2 CF/1988, art. 26, I.

na prática, o que se nota é que os instrumentos previstos nas leis nem sempre são aplicados de forma abrangente, resultando, muitas vezes, em um verdadeiro abismo entre a previsão legal e a efetiva proteção e gestão das águas subterrâneas.

Essa questão torna-se mais complexa, na medida em que os limites dos aquíferos não acompanham as fronteiras políticas dos Estados e tampouco os limites das bacias hidrográficas. Grandes aquíferos são compartilhados por diversos Estados. Como exemplo, o Sistema Aquífero Guarani (SAG) abrange 8 Estados da Federação3 e o Sistema Aquífero Urucuia (SAU), 6 Estados4.

Decisões estaduais isoladas sobre a gestão de um corpo hídrico compartilhado com outros Estados não são ideais, uma vez que o impacto global no aquífero acaba não sendo considerado, o que pode resultar em superexplotação ou em contaminação. Se, por uma lado, ações integradas parecem ser o único meio de gerenciar esses corpos hídricos, por outro, articular essas ações entre os diversos entes é uma tarefa que vem se mos-trando extremamente desafiadora.

Para melhorar a gestão, um passo fundamental é identificar quais são os principais desafios enfrentados pelos órgãos e entidades estaduais de recursos hídricos e meio ambiente para a proteção das águas subterrâneas. Este artigo se propõe, a partir da análise da legislação aplicável às águas subterrâneas no Brasil, identificar as principais dificuldades na gestão das águas subterrâneas, como forma de orientar ações no sentido de aprimorar a proteção desses recursos.

3 No território brasileiro, o Sistema Aquífero Guarani (SAG) é compartilhado entre os seguintes Estados: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.

4 O Sistema Aquífero Urucuia (SAU) é compartilhado entre os seguintes Estados: Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Goiás e Minas Gerais.

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221 TRATAMENTO LEGAL DAS ÁGUAS

SUBTERRÂNEAS NO BRASIL

1.1 Domínio e gestão

De acordo com o critério de domínio adotado para as águas superficiais, os corpos hídricos que ultrapassam de alguma for-ma os limites de um Estado pertencem à União5. A lógica dessa divisão de domínio fundamenta-se na necessidade de haver um único tratamento para um bem que incida nos territórios de um ou mais Estados, pois não haveria sentido em cada um deles efetuar seu gerenciamento de forma isolada.

Já o critério constitucional adotado para as águas subterrâneas no Brasil foi o domínio dos Estados, diferentemente das águas superficiais6. Todavia, os aquíferos muitas vezes abrangem os ter-ritórios de várias Estados, cabendo-lhes a responsabilidade pela guarda e proteção dos aquíferos localizados em seu território.

No que se refere à obrigação de proceder pela gestão das águas subterrâneas em seus territórios, cabe aos Estados a aplicação dos instrumentos previstos nas políticas de recursos hídricos (enquadramento, outorga, cobrança, etc.). Saliente-se que essa atribuição refere-se a cada Estado, no âmbito de seus órgãos e entidades competentes, e de acordo com suas próprias políticas de águas, muito embora os aquíferos possam ultrapassar os limites geográficos desses entes federativos.

A Lei nº 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional e o Siste-ma de Gerenciamento de Recursos Hídricos, retoma o preceito constitucional que confere à água a natureza de bem de domínio público7, consequentemente adstrito ao regime jurídico de direito

5 CF/1988, art. 20, III.6 CF/1988, art. 26, I.7 Lei nº 9.433/1997, art. 1º, I.

público. Esse fato implica consequências jurídicas quanto ao seu uso, como: a necessidade de autorização do Poder Público para as derivações, lançamentos de efluentes para diluição e alteração do regime hídrico, consubstanciada na outorga do direito de uso de recursos hídricos, observadas as condições estabelecidas na legislação ambiental e nos processos de li-cenciamento ambiental, assim como a sujeição dos usuários à fiscalização e à aplicação de penalidades, quando infringirem as normas relativas ao uso e à proteção da água. Todos esses instrumentos, de acordo com a lei, são aplicados por parte de cada Estado, nos limites de seu respectivo território.

A questão que se coloca é que, de acordo com o direito em vigor, não há uma instância legalmente estabelecida para que os Estados que compartilham os aquíferos estabeleçam um planejamento ou uma gestão integrada de modo vinculado. No momento anterior à concessão das outorgas, tampouco existe, institucionalmente, um âmbito de negociação entre os Estados que compartilham o aquífero, para que se estabeleçam as re-gras comuns (equivalentes às regras de operação de barragens que impactem mais de uma bacia hidrográfica), válidas para a utilização das águas do aquífero compartilhado.

O art. 4º da Lei nº 9.433/1997 dispõe que a União articular-se-á com os Estados tendo em vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum, que podem ser apontados como aqueles corpos hídricos que, localizados em uma mesma bacia hidrográfica, são objeto de domínios distintos. A articulação é necessária ao planejamento integrado, à aplicação dos instru-mentos de gestão e à sistematização de procedimentos, de forma a garantir a observância do princípio da adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gerenciamento e, consequentemente, a proteção da qualidade e da quantidade dos recursos hídricos. Dessa forma, a União deverá articular-se com os Estados na busca desses objetivos.

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Todavia, a lei não prevê a articulação entre os Estados, para tratar das águas subterrâneas compartilhadas entre eles, já que a União não detém esse domínio, embora os aquíferos sejam fornecedores de água para os corpos hídricos, inclusive os da União. Essa questão é nevrálgica porque as águas subterrâneas, se, por um lado, apresentam melhor qualidade, por outro lado, estão expostas a riscos maiores, em função da fragilidade de sua autorrecuperação e pela contaminação.

O desafio diz respeito a uma articulação permanente entre os Estados, no que se refere às águas subterrâneas. Nesse tema, a Lei nº 9.433/1997 aborda a matéria prevendo uma instância de negociação, no âmbito da atuação dos órgãos colegiados – Comitês de Bacia Hidrográfica e Conselhos de Recursos Hídricos, na linha da gestão descentralizada e participativa. Entende-se por negociação os trabalhos atinentes à conclusão de acordos por meio de concessões mútuas, em que as partes buscam seus interesses, porém em harmonia com os interesses das outras partes.

Sem a articulação/negociação entre os vários órgãos e enti-dades, as decisões não avançam, e perde-se a necessária coesão no âmbito dos poderes públicos. O termo integração, nesse cenário, é a base da atuação administrativa na gestão das águas. Cabe ainda considerar que muitas vezes a bacia hidrográfica em que atua um comitê nem sempre corresponde à área de incidência do aquífero, o que explicita outra dificuldade e a necessidade de coordenação de mais de um comitê, quando se trata de gestão de águas subterrâneas.

Cabe salientar que a Lei nº 9.433/1997 tem natureza de norma geral e se aplica a todo o território nacional. Os Estados, ao for-mularem suas políticas estaduais de recursos hídricos, devem seguir a norma geral, conforme determina os parágrafos do art. 24 da Constituição. Dessa forma, ainda que as águas sub-terrâneas pertençam aos Estados e a eles caiba a sua gestão,

a Lei nº 9.433/1997 poderia ter estabelecido diretrizes para a articulação entre esses entes, no que diz respeito à gestão das águas subterrâneas compartilhadas. Ao longo do tempo, o Con-selho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) passou a regras indicativas aos Estados para a gestão de águas subterrâneas.

1.2 A gestão das águas subterrâneas e o CNRH

Os principais documentos disciplinadores da temática das águas subterrâneas no Brasil são as resoluções específicas do Conse-lho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)8, editadas no intuito de suprir lacunas da Lei de Águas para a gestão desse recurso, bem como para a gestão integrada dos recursos hídricos em geral, cabendo, para o presente artigo, citar as mais relevantes.

A gestão integrada das águas subterrâneas e superficiais é objeto da Resolução CNRH nº 15/2001. Na aplicação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, a referida resolução deter-mina que, no caso dos aquíferos [...] subjacentes a duas ou mais Unidades da Federação, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) promoverá a integração dos diversos órgãos dos Governos Federal, Estaduais e do Distrito Federal, que têm competências no gerenciamento de águas subterrâneas9. Se é positiva essa regra, dispondo sobre a articulação, a norma não estabelece as formas de realizar essa articulação, o que remete à decisão discricionária dos órgãos e entidades, no que se refere à necessária atuação conjunta, na busca de integração.

Além disso, a resolução mencionada prevê que os Municípios devem ser orientados no que diz respeito às diretrizes para

8 GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar; RIBEIRO, Márca Maria Rios. Águas subterrâneas: aspectos compartilhados para gestão de recursos hídricos na legislação brasileira, p. 5. Disponível em: <http://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/view/23316>. Acesso em: 29 abr. 2014.

9 Resolução CNRH nº 15/2001, art. 5º.

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22promoção da gestão integrada das águas subterrâneas em seus territórios, em consonância com os planos de recursos hídricos10.

Um ponto fundamental consiste na proposta de estímulo aos Municípios para a proteção das áreas de recarga dos aquíferos e a adoção de práticas de reuso e de recarga artificial, com vistas ao aumento das disponibilidades hídricas e da qualidade da água. Entende-se que os estímulos reportam-se a Instrumentos Econômicos, em que os Estados, detentores do domínio das águas subterrâneas, ofereceriam benefícios aos Municípios que aderissem às práticas definidas como desejáveis. Um exemplo a ser considerado consiste no ICMS Ecológico, em que o Estado transfere recursos aos Municípios, como forma de compensação por restrições ao uso do solo ou outra situação similar, de acordo com a lei estadual que instituir esse repasse.

Outro ponto estratégico a considerar sobre as águas subterrâ-neas consiste nos Planos de Recursos Hídricos, documentos técnicos que fornecem as informações e os dados necessários à gestão sistêmica, integrada e participativa dos recursos hídricos.

A Resolução CNRH nº 22/2002 objetiva introduzir as águas subterrâneas nos planos de recursos hídricos, detalhando a citada Resolução CNRH nº 15/2001. Nessa linha, os Planos de Recursos Hídricos devem promover a caracterização dos aquíferos e definir suas inter-relações com os demais corpos hídricos superficiais e subterrâneos e com o meio ambiente, visando à gestão sistêmica, integrada e participativa das águas. E, no caso de aquíferos subjacentes a grupos de bacias ou sub--bacias hidrográficas contíguas, os comitês deverão estabelecer os critérios de elaboração, sistematização e aprovação dos respectivos Planos de Recursos Hídricos, de forma articulada, o que implicaria uma articulação entre comitês.

10 Resolução CNRH nº 15/2001, art. 6º.

Trata-se de uma estratégia para contornar o fato de que a loca-lização dos aquíferos não coincide com as bacias hidrográficas, como já mencionado, o que gera um vazio normativo. Afinal, os Planos de Recursos Hídricos, previstos na Lei nº 9.433/1997, não se reportam aos espaços ocupados pelos aquíferos, pois as dimensões destes não correspondem às bacias hidrográficas, nem aos Estados, nem aos País.

Na prática, seguindo as regras da lei federal e também das leis estaduais, que tratam esse tema de forma similar, para estabele-cer o planejamento de um aquífero, considerando todo o corpo hídrico, é necessário que os planos das bacias hidrográficas que tenham incidência no aquífero sejam elaborados conjunta-mente, no que concerne às águas subterrâneas, cabendo aos Comitês estabelecer os critérios de elaboração, sistematização e aprovação dos respectivos Planos de Recursos Hídricos, de forma articulada.

A Resolução CNRH nº 91/2008 dispõe sobre procedimentos gerais para enquadramento dos corpos de água superficiais e subterrâneos. O enquadramento dos corpos de água se dá por meio do estabelecimento de classes de qualidade conforme o disposto nas Resoluções Conama nºs 357/2005 e 396/2008, ten-do como referência básica a bacia hidrográfica como unidade de gestão e os usos preponderantes mais restritivos.

A proposta de enquadramento deve considerar, de forma inte-grada e associada, as águas superficiais e subterrâneas, com vistas a alcançar a necessária disponibilidade de água em pa-drões de qualidade compatíveis com os usos preponderantes identificados.

Nesse sentido, foi editada a Resolução Conama nº 396/2008, dispondo sobre a classificação e diretrizes ambientais para en-quadramento especificamente em relação às águas subterrânea. Essa norma constitui um avanço na legislação ao considerar que

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os aquíferos se apresentam em diferentes contextos hidrogeo-lógicos e podem ultrapassar os limites de bacias hidrográficas e que as águas subterrâneas possuem características físicas, químicas e biológicas instrínsecas, sendo necessário que suas classes de qualidades sejam pautadas nessas especificidades.

Além disso, a referida resolução considera a necessidade de integração das Políticas Nacionais de Gestão Ambiental e de Recursos Hídricos, bem como de uso e ocupação do solo, a fim de garantir as funções social, econômica e ambiental das águas subterrâneas. Nesse sentido, estabelece que os órgão ambientais em conjunto com os órgãos gestores dos recursos hídricos deverão implementar áreas de proteção de aquíferos e perímetros de proteção de poços de abastecimento, objetivando a proteção da qualidade da água subterrânea.

A norma prevê ainda a implantação de áreas de restrição e con-trole do uso das águas subterrâneas, quando necessário para proteção dos aquíferos, da saúde humana e dos ecossistemas. Para tanto, os órgãos de gestão de recursos hídricos e de meio ambiente deverão articular-se para definição das restrições e das medidas de controle do uso das águas subterrâneas.

A Resolução Conama nº 396/2008 determina que as restrições e exigências da classe de enquadramento das águas subterrâneas deverão ser observadas no licenciamento ambiental, no zonea-mento ecológico-econômico e na implementação dos demais instrumentos de gestão ambiental. Em relação à disposição de efluentes e de resíduos sólidos, tal resolução determina que estes não poderão conferir às águas subterrâneas características em desacordo com seu enquadramento.

Essa norma vem preencher uma lacuna no que se refere às tratativas voltadas ao enquadramento das águas subterrâneas, estabelecendo um conteúdo específico para os planos de bacias hidrográficas, inclusive no que se refere à efetividade das deci-sões. Todavia, esse instrumento de gestão não vem sendo im-

plementado no Brasil, na forma prevista nas políticas de recursos hídricos e na Resolução Conama nº 357/2005, nem em relação às águas subterrâneas, tampouco em relação às superficiais.

A Resolução CNRH nº 92/2008 estabelece critérios e procedi-mentos gerais para proteção e conservação das águas subter-râneas no território brasileiro, visando a identificar, prevenir e re-verter processos de superexplotação, poluição e contaminação, considerando especialmente as áreas de uso restritivo previstas na Resolução CNRH nº 22/2002, anteriormente comentada.

Na continuidade da regulamentação das águas subterrâneas, e tendo em vista a necessidade da atuação integrada dos órgãos componentes do Singreh na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, a Resolução CNRH nº 126/2011 estabele-ce as diretrizes para o cadastro de usuários de recursos hídricos e para a integração das bases de dados referentes aos usos de recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

Releva destacar a importância do cadastro de usuários de recursos hídricos. Embora não conste da lista de instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, o cadastro de usuários é uma ferramenta poderosa para nortear todo o planejamento das bacias hidrográficas e da utilização dos aquíferos. A Agência Nacional de Águas – ANA, por meio da Resolução ANA nº 317/2003, instituiu o Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos – CNARH, para registro obrigatório de pessoas físicas e jurídicas de direito público ou privado usuárias de recursos hídricos.

Nos termos da Resolução CNRH nº 126/2011, o cadastro de usuários de recursos hídricos tem como objetivo o conhecimento da demanda pelo uso da água, bem como oferecer suporte à implementação dos instrumentos das políticas de recursos hídri-cos e a fiscalização dos usos e interferências nesses recursos11.

11 Resolução CNRH nº 126/2011, art. 2º.

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22As resoluções do CNRH avançaram no tema das águas sub-terrâneas, estabelecendo as diretrizes básicas para a sua ges-tão e mesmo definindo a necessidade de articulação entre os Estados na implementação dos instrumentos das políticas de águas. Além disso, deu-se ênfase à necessidade de apoio aos Municípios para que eles, como entes federados competentes para o ordenamento do uso do solo, também participem das ações relacionadas à proteção das águas subterrâneas.

2 ÁGUAS SUBTERRÂNEAS COMO UM BEM COMPARTILHADO ENTRE OS ESTADOS

Conforme anteriormente mencionado, o regime jurídico das águas subterrâneas é estabelecido por parte cada Estado quan-do da formulação de sua Política Estadual de Recursos Hídricos. Os Estados são livres para formular suas políticas, consoante a norma geral em vigor e de acordo com suas características e ne-cessidades regionais. Ao analisar as normas referentes às águas subterrâneas, verifica-se que tais políticas, embora suficientes para garantir minimamente a proteção dos aquíferos na parte localizada em seus territórios, não conversam entre si. Aplica-se em cada Estado uma regra diferente para esses corpos hídricos. Em se tratando de aquíferos compartilhados entre Estados, isso significa que um mesmo corpo hídrico é gerenciado de maneira distinta. No caso do Sistema Aquífero Guarani, por exemplo, de 8 maneiras distintas, sem considerar a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, que também o compartilham.

3 DESAFIOS NA GESTÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

O ordenamento jurídico brasileiro não apresenta fórmulas para a articulação institucional entre os entes federados, no que se refere à gestão das águas subterrâneas. Todavia, os instrumentos

de gestão de recursos hídricos previstos nas normas estaduais podem conferir a necessária segurança hídrica desses recursos, desde que implementados e permanentemente revistos.

Assim, as dificuldades impostas 1) pelo critério de domínio e 2) pela não coincidência da localização dos aquíferos com as bacias hidrográficas, núcleo da gestão das águas no País, não impedem que se proceda à gestão eficiente e sustentável das águas subterrâneas.

O cadastro de usuários é uma base de dados de importância estratégica para o mapeamento dos usos, localização e fina-lidades. Sem conhecimento, fica prejudicado o processo de gestão. Em se tratando de águas subterrâneas compartilhadas entre vários Estados, o sistema de cadastro de cada Estado deve ser minimamente compatível com os sistemas dos demais, o que explicita a necessidade urgente de utilização de bases de informação que “conversem” entre si, sob pena de se perderem os recursos aplicados nesses meios de conhecimento sobre os recursos hídricos.

O cadastro de usuários é um instrumento relacionado com a outorga de direito de uso de águas. É necessário um esforço integrado dos Estados na busca de autodeclarações de uso, em processo público, com prazos determinados, para que o usuário, cadastrado ou não e que tenha ou não outorga de uso de recursos hídricos, possa declarar a utilização de águas subterrâneas, com a oportunidade de regularizar-se, sem sofrer penalidades durante a vigência desse processo.

Esse procedimento não é inédito e foi adotado com sucesso quando da implantação da cobrança pelo uso de recursos hídricos na Bacia do Rio Paraíba do Sul e em outras bacias hidrográficas. A Resolução CNRH nº 48/2005, que estabelece critérios gerais para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, incluiu, entre as condições necessárias ao início da cobrança, o

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processo de regularização de usos de recursos hídricos sujeitos à outorga na respectiva bacia, incluindo o cadastramento dos usuários da bacia hidrográfica12.

No que se refere às outorgas, além dos procedimentos admi-nistrativos deverem ser o mais uniformes possível para a sua concessão, há que haver uma negociação sistemática entre os Estados que compartilham um aquífero, com vistas a estabelecer regras comuns, válidas para a utilização das águas do aquífero compartilhado. Além disso, ainda que cada Estado tenha a com-petência para outorgar o uso da água, é fundamental a troca de informações entre todos os Estados que as compartilham, para evitar danos irreparáveis no futuro.

Considerando que parte dos riscos de contaminação decor-rem de defeitos na construção e na manutenção dos poços, a fiscalização é necessária, mas, antes disso, os programas de comunicação social podem transmitir a importância do cuidado na operação e manutenção dos poços profundos.

Releva mencionar que tanto o sistema de outorgas como o cadastro de usuários, como são processos dinâmicos, devem ser revistos e complementados periodicamente, cabendo uma destinação específica do orçamento para essa atividade, funda-mental para apoiar as decisões acerca do planejamento e dos usos futuros desses recursos.

No que se refere à implantação de empreendimentos em área de incidência dos aquíferos, há Estados que já exigem estudos pormenorizados de natureza hidrogeológica, como condicionan-te das licenças ambientais. Esses estudos tendem a permane-cer isolados nos processos de licenciamento junto aos órgãos e entidades estaduais de meio ambiente, mas poderiam ser transmitidos aos sistemas estaduais de informação, como fonte adicional de conhecimento a respeito dos aquíferos.

12 Resolução CNRH nº 48/2005, art. 6º, II.

No que se refere à gestão participativa, já foi dito que a área de atuação dos comitês de bacia hidrográfica não corresponde necessariamente à área de incidência dos aquíferos. Dessa for-ma, todas as atividades de planejamento relacionado às águas subterrâneas, a cargo do comitê – prioridade de usos para a outorga de uso de recursos hídricos, proposta de enquadramen-to dos corpos hídricos, definição de usos de pouca expressão, proposta de mecanismos e valores para a cobrança de recursos hídricos, entre outros –, devem ser feitas de comum acordo com todos os comitês cuja área incida sobre o aquífero.

Além do âmbito dos instrumentos de gestão de águas, há que se mencionar a possibilidade de criação de Unidades de Con-servação em áreas de afloramento ou recarga dos aquíferos, como forma de limitar o uso do solo e impedir a contaminação por essas vias. Há que se considerar que esses espaços protegi-dos, quando de proteção integral, obrigam que o Poder Público proceda à desapropriação da área, ensejando maiores gastos à Administração. Uma alternativa mais factível seria a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, ficando para o respectivo Plano de Manejo o zoneamento da área, impondo maiores restrições aos usos em áreas de afloramento ou recarga.

É importante salientar o papel dos Municípios na proteção das águas subterrâneas, que muitas vezes são a fonte de abastecimen-to público. Nessa linha, há que haver uma forte articulação entre os Estados e seus Municípios localizados nas áreas de incidência dos aquíferos, com vistas a estabelecer formas conjuntas de uso e ordenamento do solo de modo a proteger esses mananciais.

Nesse diapasão, vislumbra-se a aplicação de instrumentos econômicos na busca da efetividade da proteção dos aquíferos, como, por exemplo, a previsão, em lei, de acesso a financia-mentos estaduais e a outros tipos de incentivos, especificamente para Municípios que considerem as águas subterrâneas e sua fragilidade, em suas leis de uso e ocupação do solo, e que efe-tivamente cumpram as regras de proteção fixadas.

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22Assim, a chave da proteção das águas subterrâneas é a condução dos procedimentos administrativos, aplicando, de forma articula-da, os instrumentos previstos nas leis, tendo em vista o compar-tilhamento desses recursos. A cooperação, princípio básico da gestão e objeto do parágrafo único do art. 23 da Constituição, é também mencionada nas várias convenções internacionais sobre temas ambientais e em suas respectivas declarações.

A Lei Complementar nº 140/2011 foi editada para regulamentar a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção, entre outros bens, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas. Para tanto, prevê várias formas de cooperação: 1) con-sórcios públicos; 2) convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público; 3) Comissões Tripartites; 4) fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos; 5) delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta lei complementar; e 6) delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro.

A adoção desses mecanismos pode ser frutífera. Todavia, esses arranjos institucionais demandam custos administrativos para a sua implementação. Considerando a necessidade de aplicação desses recursos na implantação dos instrumentos das políticas públicas, voltados à real proteção das águas subterrâneas, é possível que os órgãos e entidades estaduais possam, desde logo, buscar formas mais simples de articulação para a solução de problemas comuns que poderão ser o embrião de estruturas mais perenes. Hoje, porém, é necessário começar a conversar.

CONCLUSÃO

A partir das considerações efetuadas, é fundamental traçar caminhos que possibilitem a gestão compartilhada desses cor-

pos hídricos. Apesar do arcabouço legislativo tratado no item anterior, que abrange as principais instrumentos a serem apli-cados, verifica-se que a gestão estadual dos aquíferos ocorre tradicionalmente de forma isolada. A integração, dessa forma, é um longo caminho a ser percorrido, com muitos desafios a serem transpostos, considerando que se trata de uma medida de efetividade da lei.

Não há metodologia específica para que ocorra a articulação, nem poderia existir. É a troca de informações, sobretudo a com-preensão da importância e da fragilidade das águas subterrâneas que alimentam esse conceito. A forma de superar a dificuldade consiste no fortalecimento institucional dos atores envolvidos, e a disponibilização, para as pessoas envolvidas com a gestão de recursos hídricos, os meios, para que se dê articulação.

Nessa ordem de ideias, a implantação de uma política pública deve ser considerada como um empreendimento, formulando--se estratégias de atuação e desenvolvendo-se uma cultura empreendedora, que aceite o desafio de fazer acontecer os resultados, sem deixar de lado a transparência nas decisões e cumprindo-se a regra imposta na Constituição Federal sobre a obrigação de proteger e preservar o meio ambiente, em que se incluem as águas, para as atuais e futuras gerações13.

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Doutrina

O Transporte Rodoviário Internacional de Cargas e o Aproveitamento de Créditos de ICMS Desta Atividade por se Tratar de Exportação de Serviços

IVO RICARDO LOZEKAM Tributarista, Diretor da Lozekam Consultoria Ltda.

INTRODUÇÃO

O conhecimento e a correta utilização das regras tributárias inerentes a sua atividade são fatores determinantes para a sobrevi-vência de qualquer empresa.

No tocante ao ICMS, a gestão tributária deve atentar não apenas para ordena-mento Constitucional, mas também para as regras estabelecidas no Regulamento Esta-dual do ICMS de sua unidade da Federação.

Neste trabalho, vamos verificar o tratamento con-ferido pela Constituição Federal e pelos regulamentos do ICMS dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, quanto

ao aproveitamento de créditos deste imposto, relativos à atividade de transporte rodoviário internacional de cargas.

ICMS – BREVE HISTÓRICO

O ICMS – Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Inte-restadual e Intermunicipal e de Comunicação está previsto no art. 155, II, da Constituição Federal de 1988.

A Carta Magna de 1988 acrescentou a letra “S” de serviços ao antigo ICM, ampliando seu leque para Transportes e Comunicação.

Em 1968, mediante a edição do Decreto-Lei nº 406, o governo de-terminou a não incidência do ICM na exportação de produtos indus-trializados, embora tenha ao mesmo tempo aumentado as alíquotas internas para compensar a arrecadação; criou-se aí a ideia de que,

para ser competitivo, o país não deve exportar impostos.

A DESONERAÇÃO DO ICMS NAS EXPORTAÇÕES

Com a implantação do Plano Real, a ba-lança comercial passou a ser momentane-amente deficitária, entre os anos de 1994 a 1996. Diante dessas circunstâncias, o Deputado Antonio Kandir propôs o PLP

95/1996, que foi aprovado pelo Congres-so Nacional, já durante a sua gestão como

Ministro do Planejamento do Governo Fernando Henrique Cardoso, e o PLP transformou-se desde

então na chamada “Lei Kandir”, a Lei Complementar nº 87, de 1996, substituindo o Decreto-Lei nº 406 de 1968.

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Entre as alterações trazidas na legislação do ICMS a mais sig-nificativa em nosso entender foi a completa desoneração das importações que destinassem mercadorias ao exterior, alcan-çando inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados.

Ademais, a Lei Complementar nº 87/1996 garantiu aos ex-portadores o aproveitamento integral do crédito de imposto relativo aos insumos utilizados nas mercadorias exportadas (art. 21, § 2º).

Note-se que, até então, mesmo com o advento da Lei Kandir, a Constituição Federal não contemplava em sua redação a deso-neração da exportação de serviços, sendo que redação do art. 155, II, § 2º, assim previa:

X – não incidirá:

a) sobre operações que destinem ao exterior, produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar;

[...].

A DESONERAÇÃO DO ICMS NAS EXPORTAÇÕES DE SERVIÇOS

A desoneração do ICMS nas exportações de serviços, incluindo--se o serviço de transporte rodoviário internacional de cargas, somente ocorreu com o advento da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, que alterou o anteriormente re-ferido art. 155, § 2º, X, a, da Constituição Federal para conceder imunidade do ICMS para toda e qualquer operação de expor-tação e garantir ao exportador o aproveitamento do respectivo crédito, ficando assim a redação atual do referido dispositivo constitucional:

X – não incidirá:

a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;

[...].

O INGRESSO DE DIVISAS

Configura-se como ingresso de divisas a entrada de recur-sos no país, originado de empresas estrangeiras proveniente do pagamento da contraprestação de serviços prestados. Ou seja, o recebimento de numerário, diretamente de fonte situadas no exterior, em outra moeda, a qual será convertida para o real.

Suponhamos que um determinado serviço de transporte de cargas, originado em São Paulo com destino a Buenos Aires, foi prestado a destinatário no exterior por empresa nacional. No entanto, a contratante e tomadora deste serviço também se tratou de uma empresa estabelecida no Brasil. Neste caso, apesar de ter sido executado um transporte internacional de cargas, não houve o efetivo ingresso de divisas em nosso País. Não se configurou, neste caso, portanto, uma exportação de serviços.

O TRANSPORTE INTERNACIONAL DE CARGAS E A INCIDÊNCIA DE ICMS

Com o advento da Carta Magna de 1988, o antigo ICM – Im-posto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços passou a se denominar ICMS – Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, incluindo serviços de transporte e comunicação, ampliando-se o âmbito de incidência deste imposto até então

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22centrado nas operações mercantis para compreender também a prestação de serviços.

Como vimos anteriormente, a Constituição Federal, no inciso X do § 2º do art. 155, veda a incidência do ICMS sobre operações que destinem mercadorias ao exterior e sobre serviços prestados a destinatários no exterior.

No entanto, neste mesmo inciso X asseguram-se a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas ope-rações e prestações anteriores.

O REGULAMENTO DO ICMS DO ESTADO DE SÃO PAULO E A ATIVIDADE DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERNACIONAL DE CARGAS

O Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo segue fielmen-te os dispositivos constitucionais anteriormente mencionados, no que concerne à não incidência de ICMS sobre o transporte internacional de cargas iniciado no Brasil, com destino ao exterior, assim como também, apesar desta não incidência, o direito ao aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações anteriores.

O Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto nº 45.490/2000, com as atualizações até o Decreto nº 61.130, de 23.02.2015, expedido pela Secretaria da Fazenda Estadual de São Paulo, determina a não incidência do ICMS sobre esta atividade, no inciso V do art. 7º da Seção II, Capítulo I, Título I, Livro I:

Art. 7º O Imposto não incide sobre:

[...]

V – a saída de mercadoria com destino ao exterior e a prestação que destine serviço ao exterior.

Este mesmo decreto da Fazenda Paulista admite a manutenção destes créditos de ICMS, consoante o art. 68, Livro I, inciso I, Subseção IV, que, por sua vez, nos remete ao art. 7º anterior-mente referido:

Subseção IV – Da Manutenção do Crédito:

Art. 68. Não se exigirá o estorno do crédito do Imposto:

I – Em relação as operações não tributadas previstas no inciso V e no § 1º do art. 7º;

[...].

Entende também o Fisco paulista que é legítimo o aproveita-mento pelas transportadoras, como crédito de ICMS relativo às entradas ou aquisições de combustíveis (óleo diesel, gasolina e álcool), quando consumidos na execução da prestação de serviço de transporte, desde que referidos serviços sejam regularmente onerados pelo imposto, ou, não o sendo, haja expressa determinação para a manutenção do crédito (Solução de Consulta nº 38/1997 – Sefaz/SP).

O REGULAMENTO DO ICMS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E A ATIVIDADE DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERNACIONAL DE CARGAS

Tal entendimento não é diferente do adotado pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, em seu Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto nº 37.699/1997 com alterações atualizadas até o Decreto nº 52.274, de 26.02.2015, ao determi-nar no Livro I, Título V, Capítulo V, em seu art. 35, inciso II, que:

Art. 35. Não se estornam os créditos fiscais relativos:

[...]

II – as mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior;

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[...].

O direito ao aproveitamento de créditos de ICMS relativos às aquisições do combustíveis e lubrificantes as transportadoras está previsto no Regulamento do ICMS do Rio Grande do Sul, por meio da Instrução Normativa nº 45/1998, Título I, Capítulo V, na Seção 2, que trata das mercadorias destinadas ao uso ou consumo, em seu item 2.1.2:

2.1.1 Não se incluem entre mercadorias usadas ou consumidas no estabelecimento:

A mercadoria consumida como insumo na prestação de serviços, tal como combustível e lubrificante utilizado na prestação de serviço de transporte.

Note-se que tanto o Regulamento do ICMS paulista quanto o gaúcho, ambos aqui em análise, entendem que, para as demais mercadorias adquiridas pelas transportadoras (peças, para manutenção, pneus e lonas), é vedado o crédito fiscal nas suas entradas ou aquisições por, no entendimento do Fisco, estas entradas não serem destinadas a consumo na execução de prestação de serviço de transporte, admitindo tão somente os créditos relativos às aquisições de combustíveis e lubrificantes, bem como relativos às aquisições do ativo imobilizado, como as aquisições de caminhões novos.

TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERNACIONAL DE CARGAS FRACIONADO

Também não incide ICMS, sendo permitidas as aquisições dos créditos de ICMS aqui referidos, quando o serviço de transpor-te internacional é efetuado por uma ou mais empresas, com transbordo.

Não raro, a empresa contratada realiza o serviço de transporte internacional por etapas. Do local de origem até a divisa com o

país vizinho, o transporte é realizado com o mesmo veículo. Na fronteira, a mercadoria é trasladada para um veículo apropriado e levada até o local de destino, no exterior.

Isto se dá, por exemplo, quando a mercadoria vai para um dos países que integram o chamado Cone Sul. Por razões de segurança, foi firmado um acordo pelo qual só alguns tipos de veículos e de cargas ficam autorizados a transpor a fronteira. Assim, a empresa de transporte vê-se compelida, por força de um tratado internacional, a fragmentar o referido serviço.

Portanto, em um serviço de transporte iniciado em São Paulo (capital) destinado ao Porto de Santos para ser despachado ao Exterior, o crédito de ICMS referente a esta operação poderá ser aproveitado, pois a mercadoria amparada pela não incidência do ICMS, como vimos, tem a manutenção do crédito.

Neste caso, apesar de esta prestação isoladamente ter ocorrido somente em território nacional, há, na espécie, um único servi-ço de transporte, sendo que apenas sua execução ocorre em etapas, dada a necessidade de troca de modal.

SÍNTESE CONCLUSIVA

Verificamos que na atividade de transporte internacional de cargas, iniciada em território brasileiro, com destino ao exterior, mesmo que de forma fracionada, até o porto ou local de frontei-ra, por força dos Regulamentos do ICMS analisados, não tem a incidência de ICMS. Também verificamos que, apesar desta não incidência do imposto, a legislação, a exemplo das exportações, faculta a estas transportadoras manterem os créditos de ICMS relativos às aquisições de combustíveis e do ativo imobilizado, desde que o pagamento destes fretes seja efetuado por empresa estrangeira, representando ingresso de divisas no Brasil.

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Acórdão na Íntegra

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0031032-33.2006.4.01.3400Apelação Cível nº 2006.34.00.031803-3/DFRelator: Desembargador Federal João Batista MoreiraApelante: Rodoviário União Ltda.Advogados: Andre Puppin Macedo e outros(as)Apelante: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECTAdvogados: Gustavo Esperança Vieira e outros(as)Apelados: Os mesmos

EMENTA

LICITAÇÃO – REVOGAÇÃO – EMPRESA VENCEDORA – PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DO ATO – INDEFERIMENTO – PREJUDICIALIDADE, EM RAZÃO DO TEMPO DECORRIDO – PRETENSÃO SECUNDÁRIA DE INDENIZAÇÃO – REEMBOLSO DAS DESPESAS COM A LICITAÇÃO – DEFERIMENTO NA SENTENÇA – RESSARCIMENTO DE OUTROS PREJUÍZOS COM ANTECI-PAÇÃO DE PROVIDÊNCIAS EM FACE DA EXPECTATIVA DE CONTRATA-ÇÃO – ACRÉSCIMO – PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA

1. Na sentença, foi julgado “parcialmente procedente o pedido para condenar a Ré a reembolsar à autora as despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 09/2004, as quais deverão ser comprovadas na fase de exe-cução da presente decisão ou em liquidação de sentença, conforme o caso”.

2. A esta altura, não seria faticamente possível atender à pretensão prin-cipal de anular a revogação da Licitação nº 009/2004, sucedida por uma pluralidade de contratos, resultantes de pregões, com o prazo de sessenta meses (já completamente executados, ao que se presume), a fim de que o contrato seja celebrado com a autora-apelante.

3. Prejudicada a anulação da revogação, prejudicada está, em conse-quência, a alegação de desrespeito ao devido processo legal para esse ato. Resta, pois, examinar a consistência do interesse da autora apenas para avaliar a pretensão secundária de indenização.

4. O art. 49 da Lei nº 8.666/1993 estabelece que “a autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado”.

5. Esse dispositivo deve ser interpretado, conforme a Constituição, de modo a não impedir a revogação de licitação para, motivadamente, atender, conforme demonstrado no caso, ao princípio da eficiência. Não se vai exigir que determi-nada licitação seja mantida a qualquer custo, mesmo em face da mudança, no meio do processo, da política administrativa, com o intuito de melhor atender ao interesse público. O que o dispositivo legal busca evitar é o desvio de finalidade ou, mesmo, a mera arbitrariedade do administrador público, caracterizados pela revogação de licitação para atender a interesse privado ou, mesmo sem desvio de finalidade, por motivos desproporcionais à gravidade desse ato.

6. Não é o que ficou demonstrado, ao contrário, restou evidenciado que a revogação aconteceu em período conturbado da administração da ECT, ao ponto de ter-se tornado necessária a substituição dos componentes da di-reção da empresa e a consequente mudança de sua política administrativa.

7. Lícita a revogação da licitação, deve-se examinar se o ato teria, mesmo assim, gerado obrigação de indenizar, sabido que atos lícitos também podem empenhar a responsabilidade objetiva do Estado.

8. A mudança de orientação, que resultou na revogação da licitação, foi ato de planejamento, que, se não feriu direito subjetivo, pelo menos frustrou uma expectativa legítima da empresa.

9. A autora tem direito ao reembolso das “das despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 009/2004”, assim como a indenização por eventuais prejuízos efetivos que tenha tido em razão da antecipação de providências (ex.: investimentos) realizadas em função da classificação (em 1º lugar) na licitação em referência.

10. Parcial provimento à apelação da autora para aditar ao dispositivo da sentença indenização por esses supostos prejuízos (sujeitos a comprova-ção em liquidação). Em consequência, deixa de haver condenação em honorários de advogado.

11. Prejudicada a apelação da ECT.

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ACÓRDÃO

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Re-gião, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da autora e julgar prejudicada a apelação da ECT, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 22 de julho de 2015.

Desembargador Federal João Batista Moreira

RELATÓRIO

Na sentença, de fls. 738-752, foi julgado “parcialmente procedente o pedido para condenar a Ré a reembolsar à autora as despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 09/2004, as quais deverão ser comprovadas na fase de execução da presente decisão ou em liquidação de sentença, conforme o caso”.

Apela Rodoviário União Ltda. com os seguintes argumentos: a) “a Excelentíssima juíza da singela instância entendeu por julgar improcedente o pleito autoral sob os seguintes funda-mentos: a) é possível que a administração revogue determinado processo licitatório, sem a prévia oitiva do licitante vencedor; b) apesar de não haver superveniência de fatos novos, restou configurado a prevalência do interesse público pelos seguintes motivos: b.1) respeito à moralidade pública, tendo em vista os recentes escândalos envolvendo a ECT; b.2) aumento e nova configuração da malha viária objeto da Concorrência nº 09/2004; c) não há falar em direito à indenização, visto que o objeto do certame ainda não havia sido adjudicado à ora requerente”; d) “apesar da decisão final do Tribunal de Contas da União ter sido favorável à ECT, a equipe técnica daquele órgão vislum-brou inúmeras irregularidades na revogação da Concorrência nº 09/2004”; e) foi descumprido o princípio do contraditório, inexistiu interesse público que justificasse a revogação do Certame nº 09/2004 e havia direito subjetivo à contratação, logo, há direito à indenização.

Apela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, argu-mentando que: a) “a apelada apenas se classificou no certame, sendo que no momento da deliberação pela autoridade compe-tente (art. 43, VI, do Estatuto), decidiu-se revogá-la por razões de interesse público decorrente de fato superveniente (art. 49, da Lei nº 8.666/1993)”; b) “antes da homologação da licitação, não exsurge aos concorrentes nenhum direito subjetivo capaz de impedir a revogação da abertura do processo licitatório, inspirada por óbvia e declarada conveniência pública, nem tam-pouco alguma lesão patrimonial de que se lhe irradiasse direito a indenização”; c) “com a revogação da licitação por motivo de mérito, não adveio repercussão alguma na esfera jurídica da apelada (em relação aos seus direitos e interesses privados), que só teria adquirido direito subjetivo com a aceitação definitiva da proposta e adjudicação do objeto da licitação”.

Também apresenta (a ECT) contrarrazões à apelação da auto-ra, que podem ser assim resumidas: a) “a apelante apenas se classificou no certame, sendo que no momento da deliberação pela autoridade competente (art. 43, VI, do Estatuto), decidiu-se revogá-la, por razões de interesse público”; b) “após realizar um estudo detalhado do certame revogado, aprimorou o objeto em discussão, visando atender todas as suas demandas, de forma precisa, eficiente e econômica”; c) “no ano de 2006, iniciaram-se novos processos licitatórios” por meio de pregões eletrônicos; d) “o objeto daquela concorrência, [...], não é o mesmo dos cer-tames atuais, pois todas as linhas que ali estavam foram remode-ladas, adequadas e remanejadas, visando uma maior eficiência e economia para os Correios”; e) “a situação de um particular não se conformar com a revogação da Concorrência nº 009/2004, ocasionada por razões de interesse público, não pode, em ne-nhuma hipótese, prejudicar a sociedade brasileira dependente dos serviços prestados pela ré”; f) “a Administração Pública não tem o dever jurídico de contratar, pois a escolha insere-se na sua competência discricionária”; g) “não cabe indenização por lucros cessantes e danos emergentes, conforme pleiteia a autora, pois sequer houve homologação ou adjudicação, bem como não há

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22nexo de causalidade entre a revogação e a suposta lesão do patrimônio do particular (que são as despesas para participar daquela licitação)”; h) “essa indenização somente abrangeria as despesas que o vencedor suportou para participar da licitação ou que tenha sofrido em decorrência dela, não abrangendo lucros emergentes ou cessantes”; i) “não seria razoável exigir que a Administração fosse obrigada a contratar com a autora quando o objeto da licitação, da forma como se encontrava, tornou-se inoportuno e inconveniente ao serviço buscado pela requerida”; j) “a Concorrência nº 009/2004 restou inoportuna para a ECT, uma vez que, após a publicação do Edital, ocorreram mudanças na estrutura operacional da empresa que não foram devidamente contempladas pelo projeto básico inicial do Sitra”; l) o princípio da eficiência “ ‘exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional’”; m) “haveria aplicabilidade do § 3º do art. 49 do Estatuto, somente se o procedimento licitatório tivesse sido concluído”; n) “a autora protocolou recurso administrativo”, que “não foi provido”; o) “na Concorrência nº 009/2004 era previsto um contrato de 30 meses (com a possibilidade de renovação por mais 30), no novo sistema foi previsto que a duração seria de 60 meses”; p) “não houve prejuízos (danos) ao licitante, pois sequer o objeto do certame lhe foi adjudicado, ou seja, não houve sequer formalização do contrato (adjudicação), com a sua consequente homologação”.

A autora apresentou contrarrazões, aqui reproduzidas em resu-mo: a) “a revogação do certame trouxe prejuízos a esta empre-sa, os quais devem ser suportados por quem os causou”; b) “a revogação da licitação ocorreu por motivo de mérito, segundo a existência de suposto interesse público na referida revogação”; c) “os argumentos tecidos em favor da revogação não represen-tam a verdade acerca dos fatos e, sobretudo, tentam ludibriar esse ilustre Tribunal distorcendo informações e suscitando confli-tos inexistentes”; d) “não conceder a reparação material em que incorreu a ora apelada atenta contra o princípio da moralidade, que por sua vez deve permear toda atividade do administrador público, exigindo uma atividade responsável e coerente para a

correta identificação dos padrões de conduta que individualizam o bom administrador, vinculando-o à finalidade pública”.

É o relatório.

Desembargador Federal João Batista Moreira Relator

VOTO

A esta altura, depois de vários anos, não seria faticamente pos-sível atender à pretensão principal de anular a revogação da Licitação nº 009/2004, sucedida por uma pluralidade de contra-tos, resultantes de pregões, com o prazo de sessenta meses (já completamente executados, ao que se presume), a fim de que o contrato seja celebrado com a autora-apelante. Prejudicada a anulação da revogação, prejudicada está, em consequência, a alegação de desrespeito ao devido processo legal para esse ato. Resta, pois, examinar a consistência do interesse da autora apenas para avaliar a pretensão secundária de indenização.

O art. 49 da Lei nº 8.666/1993 estabelece que “a autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ile-galidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado”.

Esse dispositivo deve ser interpretado, conforme a Constituição, de modo a não impedir a revogação de licitação para, motiva-damente, atender, conforme demonstrado no caso, ao princípio da eficiência. Não se vai exigir que determinada licitação seja mantida a qualquer custo, mesmo em face da mudança, no meio do processo, da política administrativa, com o intuito de melhor atender ao interesse público. O que o dispositivo legal busca evitar é o desvio de finalidade ou, mesmo, a mera arbitrariedade do administrador público, caracterizados pela revogação de lici-

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tação para atender a interesse privado ou, mesmo sem o desvio de finalidade, por motivos desproporcionais à gravidade do ato.

Não é o que ficou demonstrado, ao contrário, restou eviden-ciado que a revogação aconteceu em período conturbado da administração da ECT, ao ponto de ter-se tornado necessária a substituição dos componentes da direção da empresa e a consequente mudança de sua política administrativa.

Consoante registrou a ilustre magistrada, na sentença, “o dis-positivo supracitado não deve ser interpretado de forma literal, mas sim teleológica, ou seja, o julgador, ao aplicar a norma ao caso concreto, deve buscar também sua finalidade e sua ade-quação aos princípios constitucionais que regem as ações da administração pública. Não se pode olvidar que a finalidade do dispositivo legal supracitado é evitar que os responsáveis pela to-mada de decisões no âmbito da administração pública possam, a qualquer tempo e de forma arbitrária, reavaliar a situação fática anterior, que conduziu à realização de um determinando proce-dimento licitatório, para o revogar. Tal finalidade se torna ainda mais evidente ao se verificar que, na maioria das vezes, os cri-térios para o preenchimento dos cargos de direção e chefia das repartições públicas são políticos e, portanto, bastante maleáveis a cada alternância de poder, o que pode gerar instabilidade nas relações jurídicas entabuladas entre a administração e particula-res. Ademais, não se pode desconsiderar que, infelizmente, no Brasil, ainda há muitos casos de corrupção, sendo comum que administradores tomem decisões visando a atender a interesses pessoais e não aos da coletividade. Esta realidade, contudo, não pode engessar a administração de forma a se exigir, em toda e qualquer situação, que existam concomitantemente os dois requisitos elencados na norma, quais seja, fato superveniente e interesse público, para que se possa revogar a licitação. Na realidade, o que se deve perquirir é se, embora ausente um dos requisitos, o ato foi praticado com desvio de sua finalidade. Se esse ato objetivou atender ao interesse de toda coletividade ou apenas de determinadas pessoas e se os princípios da impes-soalidade, eficiência, moralidade foram observados”.

Situação semelhante acontece com a teoria dos motivos de-terminantes, a qual requer comedimentos. A administração, assim como o juiz, não necessita declinar todos os motivos para sustentar o ato, logo, num segundo momento pode invocar mo-tivos anteriormente não considerados. Não há uma tal espécie de “preclusão consumativa”. O que é inadmissível é o desvio de finalidade ou a simples arbitrariedade, caracterizados pela invocação de novos motivos que só na aparência servem para reforçar a estrutura do ato, evidenciando a pretensão de mantê--lo a qualquer custo.

Lícita, nesses termos, a revogação da licitação, deve-se pergun-tar se o ato teria, mesmo assim, gerado obrigação de indenizar, sabido que atos lícitos também podem empenhar a responsa-bilidade objetiva do Estado.

A mudança de orientação, que resultou na revogação da licita-ção, foi ato de planejamento que, se não feriu direito subjetivo, pelo menos frustrou uma expectativa legítima da empresa.

A responsabilidade por danos decorrentes da confiança em promessas do Estado, manifestadas em planos e programas (no caso, um edital de licitação), é objeto de estudo de Almiro do Couto e Silva, concluindo que, “conquanto possa sempre o Estado alterar seus planos, há situações, contudo, em que a modificação causa tal prejuízo aos particulares e desmente de forma tão acentuada as promessas firmemente feitas pelo Poder Público que importaria grave lesão à justiça material não reconhecer direito à indenização [...] Há situações em que o Estado incentiva de forma tão nítida e positiva os indivíduos a um determinado comportamento, mediante promessas concretas de vantagens e benefícios, que a violação dessas promessas implica infringência ao princípio da boa-fé, cabendo ao Estado indenizar os danos decorrentes da confiança [...] Decisivo para concluir-se se os atos do Estado geram mera expectativa ou se deram causa a direito subjetivo é saber se as promessas foram realmente firmes, precisas e concretas [...] Cuidando-se de

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22aplicação de princípio genérico, como é o da boa-fé, que não comporta incidência imediata, não é possível ultrapassar, como diretriz para sua realização concreta, os limites estabelecidos pelos requisitos ainda muito abstratos de que a responsabilidade do Estado só surge em razão de promessas firmes e feitas de forma clara e precisa pelo Estado [...].

Transportadas essas lições para o caso presente, conclui-se que a autora tem direito ao reembolso das “das despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 009/2004”, assim como a indenização por eventuais prejuízos efetivos que tenha tido em razão da antecipação de providências (ex.: investimentos) que tenha sido levada a realizar em função da classificação (em 1º lugar) na licitação em referência.

Por isso, dou parcial provimento à apelação da autora para adi-tar ao dispositivo da sentença indenização por prejuízos (que vierem a ser comprovados em liquidação) que a empresa tenha suportado em razão da antecipação de providências motivadas pela vitória na Licitação nº 009/2004-ECT.

Em consequência, deixa de haver condenação em honorários de advogado.

Prejudicada a apelação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

É como voto.

Desembargador Federal João Batista Moreira Relator

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO SECRETARIA JUDICIÁRIA

26ª Sessão Ordinária da Quinta Turma

Ap 0031032-33.2006.4.01.3400/DF

Pauta de: 22.07.2015 Julgado em: 22.07.2015

Relator: Exmo. Sr. Desembargador Federal João Batista Moreira

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Néviton Guedes

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Zilmar Antônio Drumond

Secretário: Fábio Adriani Cerneviva

Apte.: Rodoviário União Ltda.

Adv.: Andre Puppin Macedo e outros(as)

Aptes.: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT

Advs.: Gustavo Esperança Vieira e outros(as)

Apdos.: Os mesmos

Nº de Origem: 2006.34.00.031803-3 Vara: 6ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: DF

SUSTENTAÇÃO ORAL CERTIDÃO

Certifico que a(o) egrégia(o) Quinta Turma, ao apreciar o pro-cesso em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, deu parcial provimento à Apelação da Autora e julgou prejudicada a Apelação da ECT, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Néviton Guedes e Juiz Federal Márcio Barbosa Maia (Conv.). Ausente, por motivo de férias, o Exmo. Sr. Desembar-gador Federal Souza Prudente.

Brasília, 22 de julho de 2015.

Fábio Adriani Cerneviva Secretário(a)

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Pesquisa Temática

AposentadoriaAposentadoria – empréstimo consignado – desconto do valor do benefício – ausência de crédito na conta-corrente – cobrança indevida – restituição em dobro – dano moral – configuração

“Apelação cível. Aposentado. Empréstimo consignado. Desconto do valor consignado do benefício. Ausência de crédito do valor contratado na conta-corrente do autor. Cobrança indevida. Restituição em dobro. Dano moral configurado. Fixação do quantum indenizatório. Obediência ao critério de razoabilidade e proporcionalidade recurso conhecido e par-cialmente provido. 1. Remanesce incontroverso nos autos que os descontos efetuados no benefício do apelado, a título de empréstimo consignado, foram efetivamente realizados, contudo, a apelante não juntou aos autos qualquer comprovante de crédito em favor do apelado. 2. Assim, deve ser mantida a sentença no que concerne a restituição do indébito em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. 3. Em relação aos danos morais, é evidente o abalo psicológico causado ao apelado que sofreu descontos em seu benefício previdenciário sem nunca ter recebido o crédito decorrente do empréstimo. 4. O valor fixado a título de danos morais deve ser arbitrado em patamar razoável, conforme os preceitos da proporcionalidade e razoabilidade, não se olvidando as peculiaridades do caso concreto. Desta feita, reduz-se o patamar do dano arbitrado para o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). 4. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJCE – Ap 0004513-43.2013.8.06.0121 – Rel. Carlos Alberto Mendes Forte – DJe 22.09.2014 – p. 28)

Aposentadoria – complementação – cabimento

“Processual civil. Embargos de declaração. Concessão de efeito infringente. Acolhimento. Complementação de aposentadoria. Pedido dirigido ao Banco do Brasil. Ex-empre-gador. Portaria nº 966/1947. Benefício previsto em cláusula do extinto contrato de trabalho. 1. Compete à Justiça Estadual processar e julgar litígios instaurados entre entidade de previdência privada e participante de seu plano de benefícios. Precedentes. 2. Hipótese, todavia, em que o pedido é dirigido diretamente ao Banco do Brasil e com base na

sua Portaria nº 966/1947 e normas administrativas posteriores, segundo as quais o pagamento desse benefício integrou cláusula do extinto contrato de trabalho, circunstância que determina a competência para o julgamento da Justiça do Trabalho. Entendimento pacificado no âmbito da 2ª Seção. 3. Embargos de declaração acolhidos. Agravo instrumento a que se nega provimento.” (STJ – EDcl-EDcl-AI 860.989 – (2007/0017505-5) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 25.08.2014 – p. 1082)

Aposentadoria – cômputo de tempo de atividade rural – ausência recolhimento de contribuição previdenciária – ilegalidade

“Pessoal. Aposentadoria. Cômputo de tempo de atividade rural sem a devida contribuição previ-denciária. Ilegalidade de dois atos. Alteração a posteriori do fundamento legal de uma concessão. Legalidade do ato respectivo.” (TCU – Proc. 018.485/2011-1 – Ac. 4799/2013 – 2ª C. – Rel. José Jorge – DOU 20.08.2013)

Aposentadoria – contribuinte individual – prestações em atraso – indenização – cabimento

“Previdenciário. Agravo legal. Apelação em mandado de segurança. Aposentadoria. Contribuinte individual. Prestações em atraso. Indenização. Para fins de contagem de tempo de serviço, devem ser

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22levados em consideração os critérios legais existentes nos períodos sobre os quais se referem as exações. A obrigatoriedade imposta pelo § 4º do art. 45 da Lei nº 8.212/1991, quanto à incidência de juros moratórios e multa no cálculo das contribuições pagas em atraso relativas ao reconhecimento de tempo de serviço para fins de aposentadoria de trabalhador autônomo, somente é exigível a partir da edição da Medida Provisória nº 1.523, de 11 de outubro de 1996, que, conferindo nova redação à Lei da Organização da Seguridade Social e Plano de Custeio, acrescentou o mencionado parágrafo. Os argumentos trazidos pelo agravante não são capazes de desconstituir a decisão agravada. Assim, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder que justificasse sua reforma, a decisão atacada deve ser mantida. Agravo não provido.” (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 0006463-72.2004.4.03.6183/SP – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis – DJe 31.07.2014 – p. 1027)

Aposentadoria – desaposentação – devolução dos valores recebidos – descabimento

“Previdenciário. Mandado de segurança. Pedido de renúncia à aposentadoria. Prova pré-constituída. Exame restrito à matéria de direito. Análise sistemática do nosso ordenamento jurídico acerca da postulada desaposentação. Possibilidade. Não exigibilidade de devolução dos valores mensais devidamente recebidos. Caráter alimen-tar da prestação em foco. Precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça. 1. A hipótese é de remessa necessária e de apelação de sentença pela qual foi concedida a segurança, em ação mandamental objetivando a renúncia de aposentadoria para a concessão de um novo benefício mais vantajoso. 2. Não há que falar em decadência quanto ao direito de revisão da renda mensal inicial do benefício, pois ao contrário do que afirma o INSS, a presente hipótese não versa sobre revisão de RMI e sim sobre renúncia de aposentadoria para obtenção de benefício mais vantajoso, mediante a contagem do tempo de contribuição posterior à DIB (data de início do benefício). 3. Em-bora a ação de mandado de segurança não permita a dilação probatória, impondo-se a prova pré-constituída do alegado direito líquido e certo, não se verifica, na presente hipótese, necessidade de dilação probatória visto que a documentação anexada aos autos pelos impetrantes se afigura suficiente para o deslinde da causa, levando-se em conta não só a análise da matéria fática, como também da matéria de direito relativa à pretensão de renúncia de aposentadoria do Regime Geral da Previdência Social, objetivando a aquisição de benefício mais vantajoso. 4. Do exame amplo e sistemático da legislação que disciplina a matéria, verifica-se que não obstante inexistir previsão legal expressa a autorizar a renúncia de aposentadoria em manutenção, tampouco existe preceito legal que, expressamente, estabeleça óbice a ato de cancelamento de benefício. 5. A Constituição Federal é clara quando dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II), de maneira que a ausência de dispositivo legal que proíba expressamente a renúncia de benefício previdenciário constitui circunstância que deve ser interpretada como possibilidade legal de revogação do benefício, não havendo que falar em violação de ato jurídico perfeito ou de direito adquirido, na medida em que não ocorre prejuízo para o indivíduo ou mesmo para sociedade. 6. A renúncia à aposentadoria é um direito personalíssimo, eminentemente disponível, subjetivo e patrimonial, decorrente da relação jurídica constituída entre o segurado e a Previdência Social, sendo, portanto, passível de renúncia independentemente de anuência da outra parte, sem que tal opção exclua o direito à contagem de tempo de contribuição para obtenção de nova aposentadoria. 7. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela possibilidade de desaposentação, restando expresso em recente acórdão que o entendimento daquela col. Corte é no sentido de se admitir a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de um novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontre o segurado. 8. No que se refere à discussão sobre a obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos durante o tempo de duração do benefício original, o eg. Superior Tribunal de Justiça tem firme entendimento no sentido de que a renúncia não importa em devolução dos valores percebidos, pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, era indiscutivelmente devidos. Precedentes do eg. STJ. 9. Não prospera a tese de que a desaposentação implicaria desequilíbrio atuarial ou financeiro do sistema, pois tendo o autor continuado a contribuir para a Previdência Social, mesmo após a aposentadoria, não subsiste vedação atuarial ou financeira à renúncia da aposentadoria para a concessão de um novo benefício no qual se estabeleça a revisão da renda mensal inicial. 10. Cumpre ainda afastar a argumentação de que seria irrenunciável e irreversível o ato de concessão de aposentadoria no âmbito do RGPS, a teor do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, que dispõe que: ‘Art. 18. [...] § 2º O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus à prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado’, porquanto aplicável à espécie o consignado pelo Ministro Marco Aurélio, do eg. STF, ao proferir voto como Relator no Recurso Extraordinário nº 381.367/RS, no sentido de que o aludido preceito legal (§ 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991) não se coadunaria com o disposto no art. 201 da CF/1988, pois, em última análise, implicaria desequilíbrio na equação ditada pela Constituição ao acarretar apenas o direito ao salário-família e à reabilitação, impondo restrição que afetaria a feição comutativa decorrente da contribuição obrigatória, isto é, o referido preceito da legislação previdenciária infraconstitucional há de ser interpretado conforme a Carta Magna, sendo vedada na realidade a indevida duplicidade de aposentadorias, mas não o novo cálculo de parcela previdenciária que deva ser satisfeita, haja vista que o art. 201 da CF, em seu § 11, assegura que: ‘os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, no caso e na forma da lei’. 11. Ademais, é preciso considerar que sendo desfeito o ato administrativo de concessão do benefício previdenciário, fica superada a vedação contida no § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991, ao vedar a acumulação de benefícios pelo aposentado e, por conseguinte, o tempo de contribuição do segurado retorna ao seu patrimônio jurídico, pois a renúncia é apenas das prestações pecuniárias relativas ao benefício originário e, como o segurado continuou trabalhando e, portanto, vertendo contribuições, não há óbice para a contagem e soma dos períodos de contribuição posteriores a DIB da primeira aposentadoria, a fim de obter novo benefício mais vantajoso. Precedentes desta Corte. 12. Destarte,

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conclui-se que a que a parte impetrante possui direito de renunciar à aposentadoria atual para concessão de um novo benefício, com acréscimo do tempo de contribuição prestado após o deferimento da aposentadoria originária, com contagem a partir do dia seguinte à DIB (data de início do benefício), para efeito de cálculo da renda mensal inicial do novo benefício. 13. Apelação e remessa necessária conhecidas e desprovidas.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2012.51.06.101817-0 – (593949) – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Abel Gomes – DJe 02.12.2013 – p. 315)

Aposentadoria – EC 20/1998 – falta de tempo para a concessão do benefício – erro de cálculo dos proventos – ilegalidade

“Aposentadorias. Emenda Constitucional nº 20/1998. Falta de tempo para aposentadoria integral. Erro de cálculo dos proventos das aposentadorias proporcionais. Ilegalidade. Negativa de registro. Determinações.” (TCU – Proc. 025.638/2010-6 – Ac. 4585/2013 – 2ª C. – Relª Ana Arraes – DOU 09.08.2013)

Aposentadoria – recebimento por força de tutela antecipada – restituição dos valores pagos – impossibilidade

“Direito previdenciário e processual civil. Agravo legal. Restituição dos valores pagos. Impossibilidade. Caráter alimentar do benefício previdenciário. Princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Desprovimento. 1. Desnecessária a restituição dos valores recebidos a título do benefício de aposentadoria, usufruído por força da tutela antecipada, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Precedentes do STJ. 2. Agravo desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0027918-13.2012.4.03.9999/SP – 10ª T. – Rel. Des. Fed. Baptista Pereira – DJe 28.05.2014 – p. 2176)

Aposentadoria – renúncia – aproveitamento do tempo de contribuição no cálculo de nova aposentadoria – admissibilidade“Previdenciário. Embargos de declaração em agravo regimental em recurso especial. Possibilidade de renúncia da aposentadoria a fim de se aproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova aposentadoria. Desnecessidade de restituição aos cofres públicos do numerário despendido pela administração com o pagamento do benefício objeto da renúncia. Recurso Especial nº 1.334.488/SC representativo da controvérsia. Decisão devidamente fundamentada. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Inaplica-bilidade, no caso, da cláusula de reserva de Plenário. Embargos de declaração do INSS rejeitados. 1. Os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obs-curidade ou eliminar contradição existente no julgado. 2. Excepcionalmente, o recurso aclaratório pode servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, quando dotada de efeito vinculante, em atenção à instrumentalidade das formas, de modo a garantir a celeridade e a eficácia da prestação jurisdicional e a reverência ao pronunciamento superior, hipótese diversa da apresentada nos presentes autos. 3. No caso em apreço, o aresto embargado solveu fundamentadamente toda a controvérsia posta, tendo expressamente consignado que é direito do segurado renunciar à sua aposentadoria, a fim de reaproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova jubilação, independentemente do regime previdenciário em que se encontra, estando dispensado de devolver os proventos já recebidos. 4. Não se constatando a presença de quaisquer dos vícios elencados no art. 535 do CPC, a discordância da parte quanto ao conteúdo da decisão não autoriza o pedido de declaração, que tem pressupostos específicos, que não podem ser ampliados. 5. É vedado a este Tribunal apreciar violação de dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento. 6. Não há que se falar em declaração de inconstitucionalidade do art. 18 da Lei nº 8.213/1991, uma vez que, no caso, apenas foi dado ao texto desse dispositivo interpretação diversa da pretendida pelo INSS. 7. Embargos de declaração do INSS rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-REsp 1.337.794 – (2012/0167758-3) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 03.12.2013 – p. 1334)

Aposentadoria – renúncia – possibilidade“Previdenciário. Embargos de declaração em agravo regimental em recurso especial. Possibilidade de renúncia da aposentadoria a fim de se aproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova aposentadoria. Desnecessidade de restituição aos cofres públicos do numerário despendido pela administração com o pagamento do benefício objeto da renúncia. Recurso Especial nº 1.334.488/SC representativo da controvérsia. Decisão devidamente fundamentada. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Inaplica-bilidade, no caso, da cláusula de reserva de Plenário. Embargos de declaração do INSS rejeitados. 1. Os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscu-ridade ou eliminar contradição existente no julgado. 2. Excepcionalmente, o recurso aclaratório pode servir para amoldar o julgado à superveniente Orientação Jurisprudencial do Pretório Excelso, quando dotada de efeito vinculante, em atenção à instrumentalidade das formas, de modo a garantir a celeridade e a eficácia da prestação jurisdicional e a reverência ao pronunciamento superior, hipótese diversa da apresentada nos presentes autos. 3. No caso em apreço o aresto embargado solveu fundamentadamente toda a controvérsia posta, tendo expressamente consignado que é direito do segurado renunciar à sua aposentadoria, a fim de reaproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova jubilação, independentemente do regime previdenciário em que se encontra, estando dispensado de devolver os proventos já recebidos. 4. Não se constatando a

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22presença de quaisquer dos vícios elencados no art. 535 do CPC; a discordância da parte quanto ao conteúdo da decisão não autoriza o pedido de declaração, que tem pres-supostos específicos, que não podem ser ampliados. 5. É vedado a este Tribunal apreciar violação de dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento. 6. Não há que se falar em declaração de inconstitucionalidade do art. 18 da Lei nº 8.213/1991, uma vez que, no caso, apenas foi dado ao texto desse dispositivo interpretação diversa da pretendida pelo INSS. 7. Embargos de declaração do INSS rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-REsp 1.355.153 – (2012/0244544-0) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 20.05.2014 – p. 415)

Aposentadoria – renúncia – contagem de tempo de serviço – cabimento

“Previdenciário. Renúncia à aposentadoria. Contagem de tempo posterior à aposentação para obtenção de nova aposentadoria. 1. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de ser possível que o segurado renuncie à atual aposentadoria, com o objetivo de aproveitamento do tempo de contribuição posterior à aposentação e conces-são de um novo benefício; bem como que o ato de renunciar ao referido benefício tem efeitos ex nunc e não envolve a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos. Precedentes. 2. Apelação provida para, reformando a sentença, julgar procedente o pedido, condenando o INSS a cancelar o benefício atual do autor e a implantar uma nova aposentadoria a contar da data da citação.” (TRF 2ª R. – AC 2013.50.06.101795-6 – (620430) – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Antonio Ivan Athié – DJe 22.05.2014 – p. 224)

Aposentadoria – renúncia – contagem de tempo posterior para obtenção de nova aposentadoria – impossibilidade

“Previdenciário e constitucional. Renúncia à aposentadoria. Contagem de tempo posterior à aposentação para obtenção de nova aposentadoria (desaposentação). Impos-sibilidade. 1. O custeio do sistema previdenciário é norteado pelos princípios da universalidade, da solidariedade, do equilíbrio financeiro e atuarial (arts. 194, 195 e 201 da Constituição da República), razão pela qual o recolhimento de contribuições posteriores à inativação, por ter retornado o aposentado ao mercado de trabalho, não gera, necessariamente, qualquer direito à prestação pecuniária por parte da Previdência Social ao segurado jubilado, ressalvadas a hipóteses legais, como previsto na parte final do § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991. Precedente da 1ª Seção Especializada. 2. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 2013.51.01.021073-1 – 1ª T.Esp. – Rel. Antonio Ivan Athié – DJe 04.09.2014 – p. 282)

Aposentadoria – renúncia para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício mais vantajoso – impossibilidade

“Apelação em mandado de segurança. Previdenciário. Aposentadoria. Renúncia para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício mais vantajoso. Impossibilidade. Sentença denegatória da segurança mantida. Recurso não provido. Des. Fed. Messod Azulay Neto, Relator 2ª Turma Especializada.” (TRF 2ª R. – AC 2012.51.01.102742-3 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJe 14.06.2013)

Aposentadoria – retardamento da Administração Pública na conclusão do processo de aposentação – restituição devida – reconhecimento

“Processo civil. Constitucional. Administrativo. Agravo regimental em apelação cível. Desconto previdenciário. Servidor público. Satisfeitos os requisitos para aposentadoria. Afastamento. Retardamento da Administração Pública na conclusão do processo de aposentação. Restituição devida. 1. Em razão do excesso do prazo de 90 (noventa) dias para a conclusão do processo administrativo de concessão de aposentadoria, a contribuição previdenciária passa a ser indevida, impondo-se a devolução dos valores indevidamente descontados. 2. O advento da Lei Complementar Estadual nº 92/2011, que prevê expressamente a suspensão automática dos descontos previdenciários e a possibilidade do servidor requerer administrativamente a devolução dos valores indevidamente recolhidos, não acarreta a superveniente ausência do interesse de agir, e, sim, a procedência do pedido. 3. Diante dos descontos indevidos, o servidor público faz jus à restituição, conforme prevê o art. 165, inciso I, do CTN, observando-se que as vantagens pecuniárias anteriores a cinco anos da propositura da ação estão prescritas e que a devolução deve corresponder às parcelas descontadas somente a partir de 90 (noventa) dias do afastamento. 4. O valor de R$ 1.000,00 (mil reais), fixado a título de honorários advocatícios, remunera com dignidade a atividade profissional do advogado no caso, que versa sobre demanda repetitiva. 5. Na restituição de tributo são devidos juros de mora de 1% a partir do trânsito em julgado, nos termos do art. 167, parágrafo único, do CTN e da Súmula nº 188/STJ. Precedentes do STJ. 6. Agravo regimental conhecido e desprovido.” (TJCE – AG 0098776-78.2009.8.06.0001/50000 – Rel. Francisco Barbosa Filho – DJe 01.09.2014 – p. 44)

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Aposentadoria complementar – ex-ferroviário – alcance

“Administrativo. Ex-ferroviário. Aposentadoria complementar. Lei nº 8.186/1991. Adicional de periculosidade. Aplicação do disposto no art. 2º da Lei nº 8.186/1991. Apela-ção desprovida. 1. Os funcionários públicos civis da União, associados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviço Público, nos termos da Lei nº 5.235, de 20.01.1967, quando aposentados, tinham direito aos proventos assegurados aos demais funcionários, correndo à conta da União a diferença entre o provento pago pelo Instituto e aquele a que teria direito o funcionário (art. 1º). 2. A referida lei foi revogada expressamente pelo Decreto-Lei nº 956, de 13.10.1969, que, em seu art. 1º, que passou a prever que as diferenças ou complementações de proventos, gratificações adicionais ou quinquênios e outras vantagens, excetuado o salário-família, de responsabilidade da União, serão mantidas e pagas pelo Instituto Nacional de Previdência Social, por conta do Tesouro Nacional, como parcela com-plementar da aposentadoria. 3. Com o advento da Lei nº 8.186, de 21.05.1991, passou-se a estabelecer tratamento isonômico a todos os empregados da Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA, hoje extinta, referidos de forma genérica como ferroviários, estendendo-se o direito à complementação da aposentadoria paga na forma da Lei Orgânica da Previdência Social aos admitidos, sob qualquer regime, até 31.10.1969 (art. 1º), assim como aqueles que se aposentaram até a edição do Decreto-Lei nº 956/1969. 4. Posteriormente, foi sancionada a Lei nº 10.478, de 28.06.2002, para estender a complementação de aposentadoria, na forma disposta na Lei nº 8.186/1991, aos empregados da categoria ferroviária da RFFSA, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias, admitidos até 21.05.1991. 5. O direito ao recebimento dos proventos integrais se dá na forma estabelecida pelo art. 2º da Lei nº 8.186/1991. A complementação da aposentadoria devida pela União é constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o da remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na RFFSA e suas subsidiárias, com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço, sendo que o reajustamento do valor da aposentadoria complementada obedecerá aos mesmos prazos e condições em que for reajustada a remuneração do ferroviário em atividade, de forma a assegurar a permanente igualdade entre eles. 6. Inexiste base legal para a pretensão veiculada no presente processo, pois o adicional de periculosidade, por ter caráter provisório, não se incorporou a remuneração do autor, admitido na CBTU (subsidiária da RFFSA) em 28.12.1984, por ocasião de sua aposentadoria em 17.09.2004, razão pela qual este adicional não pode ser incluído no cálculo de complementação de aposentadoria a que ele faz jus. 7. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 2007.51.01.031633-8 – (501387) – 5ª T.Esp. – Rel. Guilherme Diefenthaeler – DJe 26.05.2014 – p. 152)

Auxílio-acidente – cumulação com aposentadoria – impossibilidade

“Previdenciário. Auxílio-suplementar. Auxílio-acidente. Cumulação com aposentadoria concedida após a vigência da Lei nº 9.528/1997. Impossibilidade. Entendimento conso-lidado pela jurisprudência do STJ. 1. É possível a cumulação dos benefícios de auxílio-suplementar (auxílio-acidente) com aposentadoria, desde que a lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-suplementar, e o início da aposentadoria sejam anteriores à vigência da Lei nº 9.528/1997, que vedou a possibilidade de cumulação dos be-nefícios. No mesmo sentido: REsp 1.244.257/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 19.03.2012; AgRg-AREsp 163.986/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 27.06.2012; AgRg-AREsp 154.978/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 04.06.2012; AgRg-REsp 1.316.746/MG, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 2ª T., DJe 28.06.2012; AgRg-AREsp 69.465/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 2ª T., DJe 06.06.2012; EREsp 487.925/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 3ª S., DJe 12.2.2010; AgRg-AgRg-Ag 1375680/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 19.10.2011; AREsp 188.784/SP, Rel. Min. Humberto Martins (decisão monocrática), 2ª T., DJ 29.06.2012; AREsp 177.192/MG, Rel. Min. Castro Meira (decisão monocrática), 2ª T., DJ 20.06.2012; EDcl-Ag 1.423.953/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), 1ª T., DJ 26.06.2012; AREsp 124.087/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), 1ª T., DJ 21.06.2012; AgRg-Ag 1.326.279/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 05.04.2011; AREsp 188.887/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho (decisão monocrática), 1ª T., DJ 26.06.2012; AREsp 179.233/SP, Rel. Min. Francisco Falcão (decisão monocrática), 1ª T., DJ 13.08.2012. 2. Na espécie em tela, é incontroverso o fato de que a aposentadoria foi concedida na vigência da norma proibitiva, embora o auxílio-doença o tenha sido em momento anterior. 3. Recurso conhecido e improvido.” (TJCE – Ap 0003274-67.2007.8.06.0071 – Rel. Durval Aires Filho – DJe 24.10.2014 – p. 31)

Benefício acidentário e aposentadoria – auxílio-suplementar – cumulação – tempus regit actum – observação

“Previdenciário. Acumulação de benefícios. Lesão que deu origem ao auxílio-suplementar (benefício acidentário) e aposentadoria anteriores à alteração do art. 86 da Lei nº 8.213/1991. Possibilidade. 1. A 1ª Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.296.673/MG, Rel. Min. Herman Benjamim, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendi-mento no sentido de que é possível a acumulação de auxílio-suplementar (auxílio-acidente) com aposentadoria, desde que a lesão que deu origem ao benefício acidentário e o início da aposentadoria sejam anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.213/1991. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 317.316 – (2013/0080684-0) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 03.02.2014 – p. 1975)

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22Desaposentação – aposentadoria mais vantajosa – possibilidade

“Processual e previdenciário. Agravo legal. Possibilidade de julgamento monocrático. Decadência não configurada. Renúncia e concessão de outra aposentadoria mais vantajosa. Desaposentação. Possibilidade. Desnecessidade de devolução dos valores já recebidos. Adotadas as razões declinadas na decisão agravada. Recurso improvi-do. Não procede a alegação de impossibilidade de julgamento com fulcro no art. 557 do Código de Processo Civil. A decisão monocrática foi proferida com supedâneo em jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista o julgamento do Recurso Especial nº 1.334.488/SC, sob regime do art. 543-C do CPC. Desse modo, observadas as exigências previstas no art. 557, § 1º-A, do CPC, não há em que se falar em impossibilidade de julgamento monocrático. O pedido inicial é de renúncia a benefício previdenciário e não de revisão de sua renda mensal inicial, não havendo que se falar em decadência. A aposentadoria é direito pessoal do trabalhador, de caráter patrimonial, portanto renunciável, não se podendo impor a ninguém, a não ser que lei disponha em sentido contrário, que permaneça usufruindo de benefício que não mais deseja. O col. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.334.488/SC, submetido ao regime do art. 543-C do CPC, firmou entendimento de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Visando prestigiar a segurança jurídica, deve-se acompanhar a orientação do Tribunal Superior reconhecendo-se o direito da parte autora à renúncia do atual benefício, devendo a autarquia conceder nova aposentadoria a contar do ajuizamento da ação, compensando-se o benefício em manutenção. O pagamento das diferenças deve ser acrescido de juros de mora a contar da citação (Súmula nº 204/STJ). A correção monetária e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, apro-vado pela Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justiça Federal, observada a aplicação imediata da Lei nº 11.960/2009, a partir da sua vigência. A autarquia previdenciária está isenta de custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/1996, do art. 24-A da MP 2.180-35/01 e do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/1992. Os honorários advocatícios devem ser fixados no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de primeiro grau, em estrita e literal observância à Súmula nº 111 do STJ (‘Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vencidas após a sentença’). Agravo a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AG-AC 0008999-41.2013.4.03.6183/SP – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis – DJe 13.08.2014 – p. 1137)

Desaposentação – atividade remunerada exercida após a concessão do benefício – renúncia – obtenção de aposentadoria mais vantajosa – possibilidade

“Previdenciário processual civil. Adequação da via eleita. Decadência não verificada. Aposentadoria. Desaposentação. Atividade remunerada exercida após a concessão do benefício. Renúncia. Obtenção de aposentadoria mais vantajosa. Possibilidade. Direito patrimonial disponível. Termo inicial. Correção. Juros. Honorários. Custas. Sentença parcialmente reformada. Segurança concedida em parte. 1. Insurgindo-se a parte impetrante contra o ato da autoridade impetrada que lhe negou desaposentação com a concessão de novo benefício, e comprovados os fatos por documentos, mostra-se adequada a via processual escolhida. 2. Não há que se falar em decadência do direito de revisão da renda mensal inicial da aposentadoria recebida pelo autor se o que se pretende é a renúncia a ela, com a utilização de períodos posteriores à jubilação em que foram vertidas contribuições, com a concessão de novo benefício. Prejudicial afastada. 3. Pretensão da parte impetrante de que seja declarado o direito de requerer, quando lhe convier, novos pedidos de desaposentação afigura-se incabível nesta via que somente comporta a proteção de direito líquido e certo. 4. A renúncia à aposentadoria pre-videnciária com o objetivo de sua majoração, para que sejam consideradas novas contribuições vertidas após a concessão do benefício, é possível, tendo em vista tratar-se de direito patrimonial disponível e inexistir vedação legal a respeito. 5. Descabida a devolução pelo segurado de qualquer parcela obtida em decorrência da aposentadoria já concedida administrativamente, por consistir em direito regularmente admitido. 6. Precedentes: STJ, REsp 1334488/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, J. 08.05.2013, DJe 14.05.2013; AgRg-REsp 1247651/SC, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJCE), 6ª T., J. 21.06.2011, DJe 10.08.2011; AgRg-REsp 1240362/SC, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJSP), 6ª T., J. 03.05.2011, DJe 18.05.2011. 7. Nada obsta a expedição de certidão de tempo de serviço, com averbação de tempo anterior e posterior à aposentadoria renunciada. 8. O termo inicial do novo benefício é a partir do requerimento administrativo e, na inexistência deste, da impetração do mandado de segurança. 9. Tratando-se de mandado de segurança, as prestações vencidas são devidas à parte impetrante desde a impetração e com-pensadas as parcelas percebidas a título da aposentadoria anterior desde a data de início do novo benefício. 10. A correção monetária e os juros devem incidir na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 11. Honorários advocatícios incabíveis. Custas processuais em reembolso. 12. Apelação provida, em parte, para reformando em parte a sentença, conceder parcialmente a segurança.” (TRF 1ª R. – AC 0059625-94.2010.4.01.3800/MG – Relª Desª Fed. Ângela Catão – DJe 13.06.2014 – p. 74)

Desaposentação – contagem de tempo posterior à aposentação para obtenção de nova aposentadoria – possibilidade

“Previdenciário. Renúncia à aposentadoria. Contagem de tempo posterior à aposentação para obtenção de nova aposentadoria. 1. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de ser possível que o segurado renuncie à atual aposentadoria, com o objetivo de aproveitamento do tempo de contribuição posterior à aposentação e conces-são de um novo benefício; bem como que o ato de renunciar ao referido benefício tem efeitos ex nunc e não envolve a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois,

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enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos. Precedentes. 2. Apelação provida para, reformando a sentença, julgar procedente o pedido, condenando o INSS a cancelar o benefício atual do autor e a implantar uma nova aposentadoria a contar da data da citação.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2013.51.17.103016-7 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Antonio Ivan Athié – DJe 20.05.2014 – p. 324)

Desaposentação – nova aposentadoria – cabimento

“Previdenciário. Desaposentação. Aplicação do entendimento consolidado mediante a submissão do feito ao rito do art. 543-C do CPC. Repercussão geral reconhecida pelo STF. Sobrestamento do feito no STJ. Desnecessidade. 1. A decisão agravada nada mais fez que aplicar o entendimento da Primeira Seção que, ao examinar o REsp 1.334.488/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 14.05.2013, processado nos termos do art. 543-C do CPC, chancelou o entendimento de que é possível ao segurado renunciar à aposentadoria para fins de obtenção de novo e posterior jubilamento (desaposentação), sem a necessidade de devolução dos valores recebidos por força do benefício pretérito. 2. A repercussão geral reconhecida pela Suprema Corte, nos termos do art. 543-B do CPC, não enseja o sobrestamento dos recursos especiais que tramitam neste Superior Tribunal de Justiça. Precedentes: AgRg-AgRg-AREsp 110.184/CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 30.10.2012; e AgRg-REsp 1.267.702/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 26.09.2011. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.342.894 – (2012/0184174-0) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 03.12.2013 – p. 1341)

Desaposentação – reversão de aposentadoria para obtenção de outra mais benéfica – renúncia – possibilidade

“Previdenciário. Desaposentação. Reversão de aposentadoria para obtenção de outra mais benéfica. Renúncia. Possibilidade. Art. 181-B do Decreto nº 3.048/1999. Art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991. Enriquecimento ilícito. Equilíbrio financeiro e atuarial. Contrapartida. Natureza alimentar. Devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria a que se renunciou. Desnecessidade. Recurso provido. 1. A Previdência Social é um direito fundamental. A pretensão do autor não se encerra na ‘renúncia’ a um direito fun-damental, mas alcança a implantação de outro benefício mais vantajoso, do que se conclui não haver vulneração aos atributos de um direito fundamental, indisponibilidade e irrenunciabilidade, e às garantias constitucionais dos direitos sociais e seus princípios norteadores, seguramente preservados. O Decreto nº 3.048/1999 extrapolou o campo normativo a ele reservado. 2. O art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, ao estabelecer que novas contribuições recolhidas após o retorno do segurado à atividade não lhe darão o direito a todos os benefícios previstos pelo regime, não repercute na situação em comento, porque o segurado, ao requerer a substituição de sua aposentadoria por outra, deixa sua condição de aposentado, passando, assim, a fazer jus às prestações da Previdência Social em decorrência do exercício da atividade que exerceu no período em que esteve aposentado. O efeito ex tunc operado na espécie elide a aposentação anterior, restabelecendo as coisas in status quo ante. 3. A aposentadoria, devida enquanto perdurou, não gera enriquecimento, antes, concretiza o princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, dispensada a devolução dos valores recebidos. Precedentes do eg. STJ. 4. A usufruição da aposentadoria renunciada dá-se dentro do princípio do equilíbrio atuarial, levando-se em conta as contribuições recolhidas até o ato concessivo. Retornando à atividade, o segurado verte para o sistema um excedente financeiro com o qual o regime não contava, portanto desnecessário, para a preservação do referido equilíbrio. 5. A col. 1ª Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso repetitivo (REsp 1334488), na sessão de 08.05.2013, à unanimidade, decidiu que ‘o aposentado tem direito de renunciar ao benefício para requerer nova aposentadoria em condição mais vantajosa, e que para isso ele não precisa devolver o dinheiro que recebeu da Previdência’. 6. Reconhecimento do direito da parte autora à renúncia ao benefício de aposentadoria de que é titular, ao recálculo e à percepção de nova aposentadoria, sem solução de continuidade ao cancelamento da anterior, desde a citação, aproveitando-se as respectivas contribuições e as posteriormente acrescidas pelo exercício de atividade, dispensada a devolução dos valores recebidos por força da aposentadoria renunciada. 7. Arcará o réu com honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado dado à causa. 8. Apelação provida em parte.” (TRF 3ª R. – AC 0001503-22.2014.4.03.9999/SP – 10ª T. – Rel. Des. Fed. Baptista Pereira – DJe 19.03.2014 – p. 528)

Pensão por morte – aposentadoria concedida judicialmente – pagamento devido

“Previdenciário. Processual civil. Pensão por morte decorrente de aposentadoria concedida judicialmente. Concessão administrativa de outra pensão no curso do processo, com renda mensal mais favorável. Manutenção da RMI do novo benefício deferido administrativamente. Entendimento da 3ª seção do TRF4. 1. A 3ª Seção do Tribunal Re-gional Federal da 4ª Região firmou, por maioria, entendimento no sentido de que ‘é possível a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação administrativa’ (EINF 2008.71.05.001644-4, 3ª Seção, por voto de desempate, Rel. p/o Ac. Des. Federal Celso Kipper, DE 08.02.2011). 2. Deve ser assegurada à pensionista a opção pelo benefício deferido administrativamente (com isso prestigiando o esforço adicional desempenhado pelo segurado, consistente na prorrogação forçada de sua atividade laboral), quando mais benéfico.” (TRF 4ª R. – AC 0017130-73.2013.404.9999/RS – 5ª T. – Relª Juíza Fed. Carla Evelise Justino Hendges – DJe 07.02.2014 – p. 229)

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22Pensão por morte – benefício instituidor de aposentadoria de aeronauta – efeitos

“Direito previdenciário. Embargos infringentes. Demanda que versa sobre o direito do INSS de revisar benefício de pensão por morte. Benefício instituidor de aposentadoria de aeronauta. Respeito aos limites constitucionais já em vigor antes da concessão da pensão por morte. I – Os benefícios concedidos antes da vigência da Lei nº 9.874/1999 pode-rão ser revistos até 01.02.2009, e os demais, concedidos após sua vigência, deverão respeitar o prazo decadencial decenal estabelecido pelo art. 103-A da Lei nº 8.213/1991. II – A pensão por morte rege-se pela lei em vigor no momento do acontecimento do fato ensejador de tal benefício, qual seja, o óbito do de cujus; assim, tendo o falecimento ocorrido em 2009, esse benefício deverá se submeter as regras estabelecidas pela Lei nº 8.213/1991, inclusive com relação ao teto para o pagamento dessa prestação pecu-niária. III – A Emenda Constitucional nº 41, de 19.12.2003, pôs fim à discussão acerca do teto dos benefícios previdenciários, determinando que: ‘O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de Previdência Social de que trata o é fixado em R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), devendo, a partir da data de publicação desta emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social’. IV – Embargos infringentes desprovidos.” (TRF 2ª R. – EI(AC) 2009.51.01.814524-4 – 1ª S.Esp. – Rel. André Fontes – DJe 08.04.2014 – p. 380)

Pensão por morte – perda da qualidade de segurado do de cujus – não preenchimento dos requisitos para qualquer espécie de aposentadoria – concessão indevida

“Ação rescisória. Previdenciário. Pensão por morte. Perda da qualidade de segurado do de cujus. Não preenchimento dos requisitos para qualquer espécie de aposentado-ria. Benefício concedido indevidamente. Decisão rescindida. Novo julgamento. Improcedência do pedido deduzido na ação subjacente. 1. O entendimento do julgado, no sentido de ser devida a pensão por morte mesmo na hipótese em que o de cujus perdeu a qualidade de segurado e não implementou os requisitos para qualquer espécie de aposentadoria, é interpretação que extrapola o limite da razoabilidade, pois não se coaduna com a jurisprudência consolidada sobre o tema à época em que proferido. Dessarte, merece acolhida o pedido para o rescindir, por ofensa frontal às disposições dos arts. 15, 74 e 102 da Lei nº 8.213/1991. 2. Em novo julgamento da causa, é de se julgar improcedente o pedido deduzido na ação originária, em face da ausência dos requisitos legais. 3. Firme a orientação da eg. 3ª Seção desta Corte quanto à irrepetibili-dade dos valores indevidamente pagos ao beneficiário, em vista da natureza alimentar da verba, recebida de boa-fé, por força de decisão judicial. 4. Procedente o pedido de desconstituição do julgado e improcedente o pedido deduzido na ação subjacente, sem condenação em honorários, por ser a autora beneficiária da Justiça gratuita.” (TRF 3ª R. – AR 0020092-28.2010.4.03.0000/SP – 3ª S. – Rel. Des. Fed. Baptista Pereira – DJe 07.02.2014 – p. 711)

Pensão por morte e aposentadoria – correção monetária e juros – possibilidade

“Direito previdenciário. Aposentadoria rural por idade. Boia-fria. Início de prova material suficiente. Idade mínima atingida para concessão do benefício. Trabalho rural compro-vado. Exercício de labor urbano por outro membro do núcleo familiar. Cumulação de pensão por morte e aposentadoria. Possibilidade. Correção monetária e juros. 1. Atingida a idade mínima exigida e comprovado o exercício da atividade rural, na condição de boia-fria, pelo período exigido em lei, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus à aposentadoria rural por idade. 2. Podem ser utilizados como início de prova material documentos em nome de membros do grupo familiar. 3. Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes especificamente, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, o entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada. 4. Comprovado o desempenho de atividade rural, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. 5. A lei previdenciária não impede a cumulação dos proventos de aposentadoria com a pensão por morte, tendo em vista serem benefícios com pressupostos fáticos e fatos geradores diversos. 6. Diante do decidido pelo Supremo Tribunal federal no julgamento das ADIns 4.357 e 4.425, em que apreciada a constitucionalidade do art. 100 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2009 e declarada a inconstitucionalidade de diversas expressões ali contidas, e alcançando, por arrastamento, o art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.06.2009 (atualização monetária pelo índice de remuneração da poupança), a correção monetária dos valores devidos deverá observar a sistemática da legislação anterior, adotando-se o INPC. 7. Decisão da excelsa Corte que não alcançou a sistemática aplicável aos juros de mora, tal como previstos na Lei nº 11.960, de 29.06.2009, de forma que, a partir de 30.06.2009, terão incidência uma única vez, calculados da citação até a data do efetivo pagamento, sem capitalização, pelo índice aplicável à caderneta de poupança. Em sendo a citação anterior à vigência desta lei, os juros de mora serão de 1% ao mês a partir da citação (art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/1987), até a modificação legislativa.” (TRF 4ª R. – AC 0004464-06.2014.404.9999/PR – 5ª T. – Relª Juíza Fed. Taís Schilling Ferraz – DJe 19.08.2014 – p. 387)

Servidor público estatutário – tempo de serviço – comprovação – aposentadoria devida

“Administrativo. Auxiliar local de órgão da Administração Pública Federal localizada no exterior. Enquadramento como servidora pública federal. Lei nº 8.112/1990. Precedentes do STJ. 1. Não corre a prescrição ‘contra os ausentes do Brasil em serviço público da União, dos Estados, ou dos Municípios’ (art. 169, II, do CC/1916, reproduzido o teor pelo

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art. 198, II, do Código Civil vigente). No caso, como a autora presta serviço púbico no exterior desde 1975, não há que se falar em contagem de prazo prescricional (nesse sentido: AC 2008.34.00.012163-7/DF). 2. A autora foi admitida em 01.03.1975 para prestar serviços como Auxiliar Administrativa junto à Comissão Aeronáutica Brasileira, em Washington, Estados Unidos, e, até o ajuizamento da ação, ainda prestava serviços sem interrupção, fazendo jus ao enquadramento no regime jurídico único dos servidores públicos civis da União, nos termos do art. 19 do ADCT e art. 243 da Lei nº 8.112/1990, averbando-se todo o tempo de serviço como Auxiliar Local para fins de anuênio e demais efeitos legais. 3. A autora deve apenas ser enquadrada em cargo compatível com as funções por ela desempenhadas até então, fazendo jus às eventuais diferenças salariais existentes entre a remuneração então percebida e a remuneração do cargo. Nesse sentido: MS 14382/DF (STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, unâ-nime, Julgado em 10.03.2010, DJe 06.04.2010). 4. Uma vez reconhecida a condição da apelante como servidora pública federal estatutária, nos termos da Lei nº 8.112/1990, faz ela jus a todos os direitos e vantagens inerentes ao cargo e à aposentadoria como servidora pública federal, uma vez que se encontram reunidos os requisitos legais para a sua concessão. 5. Os juros de mora são devidos à razão de 0,5% ao mês, a partir da citação, tendo em vista que a ação foi ajuizada após a vigência do art. 4º da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, que acrescentou a letra f ao art. 1º da Lei nº 9.494/1997, e, após a vigência da Lei nº 11.960/2009, deverá incidir a taxa de remuneração básica e juros da caderneta de poupança. 6. A correção monetária deve ser aplicada desde a data em que cada parcela se tornou devida (Súmula nº 19 deste Tribunal), com a utilização dos índices constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, devendo ser observada a prescrição quinquenal, no momento do cálculo das diferenças salariais. 7. Honorários advocatícios fixados na razão de 5% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC. 8. Apelação a que se dá parcial provimento.” (TRF 1ª R. – AC 2005.34.00.010324-0/DF – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 25.04.2014)

Tempo de serviço – conversão em especial – aposentadoria – tempus regit actum – observação

“Processual civil e previdenciário. Agravo regimental no recurso especial. Aposentadoria especial. Conversão de tempo comum em especial. Observância do princípio tempus regit actum. Agravo regimental não provido. 1. O STJ, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.310.034/PR, fixou a tese de que a configuração do tempo de serviço especial é regida pela legislação em vigor no momento da prestação do serviço. 2. Somente com a edição da Lei nº 9.032/1995 extinguiu-se a possi-bilidade de conversão do tempo comum em especial pelo mero enquadramento profissional. 3. Deve ser aplicada a lei vigente à época em que a atividade foi exercida em observância ao princípio do tempus regit actum. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.452.520 – (2014/0105033-0) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 26.08.2014 – p. 1578)

Tempo de serviço especial – prova material – valoração – aposentadoria devida

“Previdenciário. Labor rural. Atividade especial. Conversão. Lei nº 9.711/1998. Decreto nº 3.048/1999. Tempo de serviço urbano. Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Requisitos preenchidos. Concessão. 1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea. 2. Os documentos em nome de terceiros (pais/cônjuge) consubstanciam início de prova material do trabalho rural desenvolvido em regime de economia familiar. De outra parte, afigura-se possível o reconhecimento de atividade rural para fins previdenciários a partir dos 12 anos de idade. 3. A Lei nº 9.711/1998 e o Regulamento Geral da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/1999, resguardam o direito adquirido de os segurados terem convertido o tempo de serviço especial em comum, ainda que posterior a 28.05.1998, observada, para fins de enquadramento, a legislação vigente à época da prestação do serviço. 4. Até 28.04.1995, é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29.04.1995, não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05.03.1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 5. O tempo de serviço urbano pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas – não sendo esta admitida exclusivamente, salvo por motivo de força maior ou caso fortuito, a teor do previsto no art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991. 6. Comprovado o exercício de atividades urbanas, rurais e especiais, as quais devem ser acrescidas ao tempo reconhecido pelo INSS, tem o segurado direito à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição nas condições que lhe sejam mais favoráveis, em respeito ao direito adquirido e às regras de transição, tudo nos termos dos arts. 5º, inciso XXXVI, da CF, 3º e 9º da EC 20/1998 e 3º e 6º da Lei nº 9.876/1999.” (TRF 4ª R. – Ap-RN 0020707-59.2013.404.9999/RS – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira – DJe 11.04.2014 – p. 275)

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Jurisprudência Comentada

A Figura do Bystander no Direito Brasileiro: a Extensão do Conceito de Consumidor (Breve Comentário ao Recurso Especial nº 1.100.571/PE)

FERNANDA DALLA VALLEAdvogada.

EMENTA

Responsabilidade civil e direito do consumidor. Recur-so especial. Alegação de omissão do julgado. Art. 535 do CPC. Inexistência. Espetáculo circense. Morte de criança em decorrência de ataque de leões. Circo instalado em área utilizada como estacionamento de shopping center. Legitimidade passiva das locadoras. Desen-volvimento de atividade de entretenimento com o fim de atrair um maior número de consumidores. Responsabilidade. Defeito do serviço (vício de qualidade por inseguran-ça). Dano moral. Valor exorbitante. Redução. Multa. Art. 538 do CPC. Afastamento. 1. O órgão julgador deve enfrentar as questões relevantes para a solução do litígio, afigurando-se dispensável o exame de todas as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Precedentes. 2. Está presente a legitimidade passiva das litisconsortes, pois o acórdão recorrido afirmou que o circo foi apenas mais um serviço que o condomínio do shopping, juntamente com as sociedades empresárias rés,

integrantes de um mesmo grupo societário, colocaram à disposição daqueles que frequentam o local, com o único objetivo de angariar clientes poten-cialmente consumidores e elevar os lucros. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. No caso em julgamento – trágico acidente ocorrido durante apresentação do Circo Vostok, instalado em estacionamento de shopping center, quando menor de idade foi morto após ataque por leões –, o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor estende o conceito de consumidor àqueles que so-frem a consequência de acidente de consumo. Houve vício de qualidade na prestação do serviço, por insegurança, conforme asseverado pelo acórdão recorrido. 4. Ademais, o Código Civil admite a responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para ou-trem, como exatamente no caso em apreço. 5. O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de se mostrar manifestamente exagerado ou irrisório, distanciando-se, assim, das finalidades da lei. O valor estabelecido para indenizar o dano moral experimentado revela-se exorbitante, e deve ser reduzido aos parâmetros adotados pelo STJ. 6. Não cabe multa nos embargos declaratórios opostos com intuito de prequestionamento. Súmula nº 98/STJ. 7. Provimento parcial

do recurso especial. (STJ – REsp 1.100.571/PE – (2008/0233876-6) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 18.08.2011)

SUMÁRIO: Introdução; 1 Apresentação do acórdão; 2 A figura do bystander no direito brasileiro;

3 Comentários e conclusão.

INTRODUÇÃOA tônica do mundo globalizado é o consumo. Por tal razão, o direito do consumidor gradativamente ganhou des-

taque na sociedade atual, uma vez que os cidadãos praticam diuturnamente uma

série de transações, sem as quais a vida em sociedade torna-se impossível. Contudo, em que

pese à afirmação do direito do consumidor como uma disciplina de suma importância na ciência jurídica, inclusive com a sua paulatina incorporação aos currículos acadêmicos, muitas

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questões ainda se encontram longe de serem definidas. Uma delas é o próprio conceito de consumidor.

O presente trabalho abordará recente acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual a egrégia Corte, com am-paro no Código de Defesa do Consumidor, equiparou a vítima de acidente de consumo ao consumidor típico, a fim de respon-sabilizar as empresas que, embora não possuindo direta relação com a vítima, ocasionaram-lhe danos.

Para melhor entendimento do julgado, transcreve-se desde logo a ementa do acórdão o qual será analisado:

RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR – RECURSO ESPECIAL – ALEGAÇÃO DE OMISSÃO DO JULGADO - ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – ESPETÁCULO CIRCENSE – MORTE DE CRIAN-ÇA EM DECORRÊNCIA DE ATAQUE DE LEÕES – CIRCO INSTALADO EM ÁREA UTILIZADA COMO ESTACIONAMENTO DE SHOPPING CENTER – LEGITIMIDADE PASSIVA DAS LOCADORAS – DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE DE ENTRETENIMENTO COM O FIM DE ATRAIR UM MAIOR NÚMERO DE CONSUMIDORES – RESPONSABILIDADE – DEFEITO DO SERVIÇO (VÍCIO DE QUALIDADE POR INSEGURANÇA) – DANO MORAL – VALOR EXORBITANTE – REDUÇÃO – MULTA – ART. 538 DO CPC – AFASTAMENTO – 1. O órgão julgador deve enfrentar as questões relevantes para a solução do litígio, afigurando-se dispensável o exame de todas as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Prece-dentes. 2. Está presente a legitimidade passiva das litisconsortes, pois o acórdão recorrido afirmou que o circo foi apenas mais um serviço que o condomínio do shopping, juntamente com as sociedades empresárias rés, integrantes de um mesmo grupo societário, colocaram à disposição daqueles que frequentam o local, com o único objetivo de angariar clientes potencialmente consumidores e elevar os lucros. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. No caso em julgamento – trágico acidente ocorrido durante apresentação do Circo Vostok, instalado em estacionamento de shopping center, quando menor de idade foi morto após ataque por leões –, o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor estende o con-ceito de consumidor àqueles que sofrem a consequência de acidente de consumo. Houve vício de qualidade na prestação do serviço, por insegurança, conforme asseverado pelo acórdão recorrido. 4. Ademais, o Código Civil admite a responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para outrem, como

exatamente no caso em apreço. 5. O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de se mostrar manifestamente exagerado ou irrisório, distanciando-se, assim, das finalidades da lei. O valor estabelecido para indenizar o dano moral experimentado revela-se exorbitante, e deve ser reduzido aos parâmetros adotados pelo STJ. 6. Não cabe multa nos embargos declaratórios opostos com intuito de prequestionamento. Súmula nº 98/STJ. 7. Provimento parcial do recurso especial. (REsp 1.100.571/PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ-e 18.08.2011)

Nesse passo, este estudo pretende realizar breve análise da figura do bystander, ou seja, a vítima da relação de consumo, e da sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, verificando--se as implicações processuais decorrentes da incidência da legislação consumerista diante do emprego do art. 17 do CDC na hipótese.

Este artigo discute a conveniência de se autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos espectadores da relação de consumo que sofreram algum dano em face desta relação.

1 APRESENTAÇÃO DO ACÓRDÃO

O caso enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça originou--se de ação indenizatória ajuizada pelos pais de um menino de seis (6) anos de idade falecido em acidente ocorrido no ano de 2000, quando foi atacado por leões do Circo Vostok, primeira ré na demanda, durante apresentação circense. Além deste, foram demandadas as empresas que locaram o espaço para instalação do circo no estacionamento de um tradicional shopping center.

Julgada procedente a demanda pela Justiça de Pernambuco, as duas empresas que cederam o espaço do estacionamento ao circo interpuseram recurso especial visando à reforma da decisão sob a alegação de se tratar de relação locatícia, sendo inaplicável o Código de Defesa do Consumidor em afronta à

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22Lei Federal nº 8.245/1991 (lei a qual dispõe sobre a locação de imóveis urbanos), em violação também ao próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990), bem como ao Código Civil de 1916 no que tange à responsabilidade pelo animal causador do dano ser exclusiva do seu dono e, por fim, do Código de Processo Civil, art. 535, em razão de alegada omissão. A empresa proprietária do circo, primeira ré na ação, sequer recorreu da decisão de primeiro grau.

Em síntese, pretendiam as recorrentes verem afastada a sua responsabilidade pelo evento danoso ocorrido – acidente o qual vitimou o menino de seis (6) anos – sob a principal ale-gação de que se trata de contrato de locação e que a única responsável pelo incidente é a empresa proprietária do circo, locatária.

A sentença de primeiro grau, bem como o acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, entenderam pela responsabilização de todas as rés, quer na qualidade de donas do empreendimento (shopping center), quer en-quanto diretamente responsável pelas instalações circenses, entendendo ambos os juízos pela aplicação da legislação consumerista, com fulcro no disposto no art. 17 do diploma legal, e, consequentemente, da responsabilidade objetiva prevista nesse microssistema. Um dos fundamentos levanta-dos pelo Juízo a quo é o benefício gerado pela locação do espaço; afinal, o negócio circense atraíra clientes aos demais estabelecimentos.

O voto-condutor do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual será analisado, ratificou o entendimento supra-mencionado de que todas as empresas rés eram igualmente responsáveis pelo evento danoso causado aos pais da vítima.

Foi assim ementado o voto do relator, Excelentíssimo Senhor Ministro Luis Felipe Salomão, no que diz respeito à parte que interessa ao presente e breve estudo:

[...] 3. No caso em julgamento – trágico acidente ocorrido durante apre-sentação do Circo Vostok, instalado em estacionamento de shopping center, quando o menor de idade foi morto após ataque por leões –, o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor estende o conceito de con-sumidor àqueles que sofrem a consequência de acidente de consumo. Houve vício de qualidade na prestação do serviço, por insegurança, conforme asseverado pelo acórdão recorrido. [...]

Em síntese, o Senhor Ministro Relator ressaltou, em seu voto, que as questões controvertidas no caso sub judice cingiam--se, no âmbito recursal, em saber se há legitimidade passiva das rés, ora recorrentes, que teriam locado o circo e se elas também seriam responsáveis pelo acidente de consumo, bem como eventual excesso no quantum indenizatório fixado pela instância inferior.

Considerando que, em sede de recurso especial, há impedi-mento de revisão sobre as conclusões baseadas nas provas carreadas aos autos ao longo da instrução processual, o Ministro Relator do acórdão fundamentou o seu voto em consonância com o art. 17 do CDC:

[...] O Tribunal a quo fundamentou suas razões para condenar os recor-rentes, na definição de consumidor por equiparação, tal como descrita no art. 17 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), verbis: “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

Como se pode observar, o art. 17 do CDC estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores di-retos, acabam sofrendo as consequências do acidente de consumo, ou seja, às vítimas do evento, também chamado de bystander. Com efeito, a seção de que trata o mencionado artigo é a Seção II – “Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço”, cuja implica-ção, no caso em concreto, é a de que, se há espaço para aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos frequentadores-consumidores

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do shopping, este se aplicaria, também, ao frequentadores do circo, pela sua situação peculiar de ter sido contratado para incrementar as atividades comerciais do shopping, conforme ficou consignado no acórdão recorrido.

Ainda, elucidou o Ministro Luis Felipe Salomão em seu voto que:

Além do mais, as recorrentes não se desincumbiram de provar que a locação do circo não representava, de fato, mais um serviço que o Condomínio do Shopping Center Guararapes, sócio das empresas recorrentes, pusera à disposição dos seus frequentadores – consumi-dores, ônus este que caberia ao fornecedor (REsp. 540.235/TO, Rel. Min. Castro Filho). Por isso que não há invocar qualquer violação à Lei de Locações. O acórdão recorrido, como assinalado, baseou-se no art. 17 do CDC, sem deixar de reconhecer, com base nas provas dos autos, que a locação era, no fundo e ao cabo, um modo de cap-tação de clientela. Nesse ponto, destarte, cabe menção a Súmula nº 130/STJ, que estabelece: “Súmula nº 130: A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.

Imperioso observar que o argumento de se tratar de relação de locação, o qual afastaria a responsabilidade das empresas rés e a aplicabilidade da legislação consumerista, foi refutado, sob a égide do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor.

Por último, cabe observar que, embora o voto do relator seja no sentido de manter a condenação no que se refere à legitimi-dade e responsabilidade das recorrentes, quanto ao valor da indenização por danos morais, a fundamentação foi no sentido de reduzir o valor substancialmente para sua adequação aos parâmetros adotados pelo STJ em casos análogos.

Em consonância ao voto do Ministro Relator, votaram igualmente os Ministros Aldir Passarinho Junior e Raul Araújo.

Quanto ao voto do Ministro Aldir Passarinho Junior, importante fazer menção aos seus argumentos exarados em prol da apli-

cação da legislação consumerista e da equiparação de terceiro ao conceito de consumidor, afastando a legislação específica para locações:

[...] Em princípio, a mera locação de espaço externo em um imóvel contíguo ao shopping center não tem, automaticamente, o condão de atrair aos locadores a responsabilidade pelo que lá se passa. E também, em condições normais, não é de se imputar aos locadores o dever de fiscalizar instalações para aferição da segurança da atividade lá desenvolvida, porque não têm nem capacidade, nem obrigação legal para tanto. Compete-lhes, isso sim, velar para que seja uma atividade lícita e devidamente autorizada pela administração pública, por meio de alvará. Isso, ao que parece, o Circo Vostok pos-suía. Contudo, no caso específico dos autos, parece-me que houve uma integração entre o circo, o shopping e as empresas proprietárias do imóvel. De efeito, destacou o acórdão que o contrato de locação trazia nele impressa referência ao Shopping Center Guararapes e dispunha que a empresa locatária SISSI Espetáculos Ltda. (Circo Vostok) deveria se submeter às normas complementares que regulam o conjunto das atividades do dito shopping, ao seu Regimento Interno e, ainda, ao Estatuto da Associação dos Lojistas. Também registrou o Tribunal que a locatária forneceria quinhentos ingressos para os espetáculos. Ora, se locação era autônoma ao shopping, qual a razão para se sujeitar à regulamentação do mesmo? Se a Conpar e a OMNI não estão entre as titulares do shopping, como alegam, então por que o contrato traz o timbre do shopping e era pago dentro de suas instalações? E qual a finalidade de se obrigar a locatária ao forneci-mento de cinco centenas de entradas para os espetáculos, se não fosse, muito provavelmente, para a sua distribuição a frequentadores, funcionários ou clientes do shopping? O que se verifica, portanto, é que a locação não parecia ser verdadeiramente dissociada do shopping, mas a ele integrada, não importa se em grau maior ou menor. Daí se considerar inteiramente razoável, dentro do quadro probatório delineado nos autos, a assertiva do acórdão objurgado, no sentido de que a locação ao circo servia para igualmente atrair clientela ao shopping. Nessas circunstâncias particulares, há relação de consumo, ainda que indireta, englobando terceiros, nos moldes previstos no art. 17 do CDC, e, como tal, se estende para o shopping e as locadoras. Em consequência, a segurança aos frequentadores era-lhes exigível, não se tratando, aqui, de caso fortuito ou força maior, ou seja, de algo que supera o previsível, o fato excepcional, a

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22afastar a responsabilidade. É absolutamente previsível o perigo que animais selvagens podem causar para a assistência de um circo.

Veja-se que o voto supratranscrito tem o condão de afastar a relação locatícia alegada pelas recorrentes por entender que as locadoras se valiam do contrato de locação existente para atrair clientes ao seu estabelecimento entendendo se tratar de relação de consumo por equiparação de terceiros ao conceito de típico de consumidor.

O julgamento por maioria dos votos conheceu e deu parcial provimento ao recurso interposto pelas rés para fixar a indeni-zação por danos morais em R$ 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil reais), com correção e juros. Foi ressalvado o voto de divergência do Ministro Honildo Amaral de Mello Castro. A divergência era, principalmente, quanto à aplicação da legis-lação consumerista na hipótese, por se tratar de contrato de locação, no qual as partes não possuem responsabilidades expressas.

Em seu voto, o Ministro Honildo Amaral de Mello Castro sequer questionou a responsabilidade da primeira demanda – Circo Vostok; contudo, divergiu dos demais ministros ao isentar a responsabilidade das demais rés. A divergência incide nas par-ticularidades da hipótese em análise, uma vez que, no entendi-mento do ministro, é impossível atribuir responsabilidade civil ao locador de imóvel, pois ausente qualquer nexo de causalidade, bem como inaplicável o Código de Defesa do Consumidor em contrato locatício regido por lei especial própria.

Destarte, expressados os votos e o entendimento pertinente ao brevíssimo estudo, torna-se importante tecer alguns comentários sobre a figura do bystander, a qual está prevista no art. 17 do CDC, já mencionado, visando vislumbrar a responsabilidade do evento danoso das empresas as quais somente locaram imóvel para outra empresa circense instalar-se.

2 A FIGURA DO BYSTANDER NO DIREITO BRASILEIRO

As vítimas das relações de consumo possuem previsão legal no art. 17 do Código de Defesa dos Consumidores1: salienta-se que o referido artigo está situado no Capítulo IV denominado “Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e da Repara-ção dos Danos”, na Seção II intitulada “Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço”; portanto, conclui-se que a expressão mais adequada a ser utilizada ao bystander seria “das vítimas do evento a qual envolve fato do produto ou fato do serviço”.

Como visto, o artigo do CDC acima mencionado equipara aos consumidores as vítimas da relação de consumo. Em seus dispositivos iniciais, o CDC define como consumidor todas as pessoas físicas e jurídicas que adquirem produto ou serviço como destinatárias finais do produto ou prestação2. Sendo as-sim, as pessoas envolvidas em relações de consumo que não sejam destinatárias finais do produto ou da prestação de serviço são equiparadas à figura do consumidor, para fins de apuração da responsabilidade do fornecedor. Essa equiparação objetiva proteger as pessoas que, embora não utilizando os serviços e os produtos produzidos pelo fornecedor ou fabricante, são igualmente atingidas pelo evento danoso.

Hodiernamente, é comum que pessoas não envolvidas em de-terminada relação jurídica tenham seu patrimônio afetado ou

1 “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.�

2 “Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

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sofram prejuízo por danos causados por produto ou prestação de serviço desta relação. Pense-se, por exemplo, na hipótese de um acidente de avião, o qual foi contratado para prestar serviço de transporte a um destinatário final, em evidente relação de consumo, que por uma fatalidade cai e atinge a residência de terceiros. Ou ainda, ilustra-se com hipóteses mais rotineiras e ordinárias, como, por exemplo, uma pessoa que é inscrita no rol dos inadimplentes por meio de fraude, ou seja, em razão de outra pessoa utilizar seu nome para efetuar compras3.

Em ambas as situações, as pessoas que sofreram um dano, seja porque gravemente tiveram a sua residência destruída, seja porque tiveram o nome inscrito em cadastro negativo de crédito, não fazem parte de relação de consumo típica e não se enquadram no conceito clássico de consumidor. Contudo, estas pessoas, apesar de não comporem a relação jurídica, fo-ram vítimas de ato ou fato ilícito em decorrência a uma relação de consumo existente entre outras partes e, por isso, merecem ter seus direitos igualmente protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

No acórdão em análise é irrefutável que os pais do garoto de-vorado por leões quando assistia a espetáculo circense – ora autores na ação – sofreram imensurável sofrimento e abalo de ordem moral, em especial um dos autores – pai do garoto – que presenciou a cena e a aflição do seu filho de seis (6) anos de

3 Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – CESSÃO DE CRÉDITO – AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO ENTRE DEVEDOR E O APONTADO CEDENTE – DÉBITO ORIGINÁRIO INEXISTENTE – INSCRIÇÃO INDEVIDA – DANO MORAL IN RE IPSA CA-RACTERIZADO – RELAÇÃO DE CONSUMO – APLICAÇÃO DO ART. 17 DO CDC – A despeito da ausência de prova da titularidade ou mesmo da própria contratação, está caracterizada a relação de consumo, sendo que a parte autora, na qualidade de vítima do ato ou fato ilícito e danoso, é equiparada ao consumidor, conforme o art. 17 do CDC. [...]” (TJRS, AC 70042373019, 9ª C.Cív., Rel. Leonel Pires Ohlweiler, J. 11.05.2011).

idade enquanto era dilacerado pelos animais. Portanto, a exis-tência de dano se mostra inquestionável.

Em razão da constitucionalização do Direito do Consumidor4, o Código de Defesa do Consumidor, visando retratar a ideia impressa na Constituição Federal de que o consumidor é sempre a parte mais vulnerável na relação, adota a ideia de um conceito extremamente amplo atribuído ao consumidor, tanto que concede a alguns terceiros o status de consumidor. O terceiro, vítima da relação de consumo, é aquele que não detém a coisa para si, mas sim foi envolvido na relação por ser vítima de acidente ocasionado pelo fato do produto ou pelo fato do serviço5.

Na concepção do jurista Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin6, as vítimas de que se trata o dispositivo 17 do CDC são verdadeiros bystanders, isto é, meros espectadores que casualmente foram atingidos pelo defeito provocado do acidente de consumo.

Deste modo, o CDC amplia o conceito de consumidor ao equi-parar, nos casos específicos de vício no fato do serviço ou do produto, qualquer pessoa que seja alvo do acidente de consu-mo, ainda que não esteja diretamente vinculada à relação de consumo.

4 MARQUES, Cláudia Lima. Introdução ao direito do consumidor, p. 29, ar-tigo em BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor. Antônio Herman V. Benajamin, Cláudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

5 MORENO, Cláudio César Machado. A vítima da relação de consumo no Código de Defesa do Consumidor. Unopar Cient. Ciênc. Jurid. Empres: Londrina, v. 3, n. 1, p. 41-46, mar. 2002.

6 BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor. Antônio Herman V. Benjamin, Cláudia Lima Marques, Leonardo Rosco e Bessa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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22Ao contrário do que ocorre com o conceito padrão de consu-midor, o conceito previsto no art. 17 do CDC não reclama a existência de vínculo obrigacional entre o fornecedor e a pessoa atingida em sua incolumidade física, psíquica ou econômica, per-mitindo, pois, a extensão da tutela conferida aos consumidores às pessoas que tenham sofrido determinado dano em decorrên-cia a fato de produto ou serviço7. Nesta senda, bem anota Paulo R. Roque A. Khouri8, ao referir que o CDC, ao equiparar toda e qualquer vítima do acidente de consumo ao consumidor, criou uma outra espécie de relação obrigacional, a qual não nasce nem do contrato nem do ato ilícito, mas sim do simples fato de um produto ou serviço, ainda que independente da culpa do fabricante ou do prestador de serviço.

Ressalva-se que a extensão do conceito de consumidor e, consequentemente, a aplicação da legislação consumerista, acarretam em alterações substanciais, inclusive de cunho pro-cessual. Veja-se, por exemplo, que, ao aplicar no caso o Código de Defesa do Consumidor, o julgador estará alterando a com-petência ordinária para o ajuizamento de ação, que, na regra do Código de Processo Civil, é no domicílio do réu, para o foro do domicílio do consumidor, conforme preceitua o CDC. Ainda, poderá o julgador, se aplicado o supramencionado diploma le-gal, inverter o ônus da prova em favor do consumidor, a teor do art. 6º do CDC, ao contrário do previsto nas regras processuais comuns em que o ônus de provar é de quem alega (art. 333, inciso I, do CPC).

Tais consequências acabam por trazer dúvidas quando da aplicação do CDC em face da extensão do conceito de con-sumidor, pois acarretam em mudanças bastante importantes

7 Cruz, 2006, p. 53.8 Khouri, 2005, p. 54.

para o deslinde do processo. Mas, embora haja ainda inúmeros aspectos controvertidos, a tônica dos julgados do Superior Tri-bunal de Justiça é equiparar as vítimas da relação de consumo ao consumidor9 e, consequentemente, fazer com que estes terceiros se valham dos mesmos benefícios que tal diploma legal concede aos consumidores. Há ainda outros pontos di-vergentes, como a responsabilidade objetiva do fornecedor ou prestador de serviço, o que será melhor elucidado no próximo ponto, quando da realização de comentários e críticas sobre o acórdão ora analisado.

3 COMENTÁRIOS E CONCLUSÃO

Em análise ao julgado, constata-se que os ministros, por maioria, entenderam que as empresas as quais locaram o estacionamen-to do shopping center são também responsáveis pelo acidente de consumo ocorrido, sendo constada também na hipótese a falha na prestação de serviços – entretenimento ofertada pelo espetáculo de circo – bem como identificando os autores – pais

9 Nesse sentido: “DIREITO DO CONSUMIDOR – RECURSO ESPECIAL – CONCEITO DE CONSUMIDOR – PESSOA JURÍDICA – EXCEPCIONA-LIDADE – NÃO CONSTATAÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS – FORO DE ELEIÇÃO – EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA – REJEIÇÃO – A jurispru-dência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando eviden-ciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC. Mesmo nas hipóteses de aplicação imediata do CDC, a jurisprudência do STJ entende que deve prevalecer o foro de eleição quando verificado o expressivo porte financeiro ou econômico da pessoa tida por consumidora ou do contrato celebrado entre as partes. É lícita a cláusula de eleição de foro, seja pela ausência de vulnerabilidade, seja porque o contrato cumpre sua função social e não ofende a boa-fé objetiva das partes, nem tampouco dele resulte inviabilidade ou especial dificuldade de acesso à justiça. Recurso especial não conhecido” (REsp 684.613/SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 21.06.2005, DJ 01.07.2005, p. 530).

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do garoto falecido – como vítimas do fato oriundo da relação de consumo.

Os autores buscaram, desde o ajuizamento da ação, a res-ponsabilização das empresas as quais locaram o espaço para instalação do circo. Por outro lado, as empresas proprietárias do espaço refutam a sua responsabilidade com base na Lei de Locações, bem como sob a alegação de que não possuíam qualquer gerência sobre o circo, muito menos eram proprietá-rias dos animais que atacaram o menino, de modo que a única responsável pelo evento danoso é a primeira ré, empresa pro-prietária do empreendimento circense.

As questões controvertidas no julgado analisado, resumida-mente, cingiam-se em saber se há de fato legitimidade passiva das rés, as quais teriam locado espaço para o circo se instalar e proceder com suas apresentações diárias, se são igualmente responsáveis pelo evento danoso causado aos autores e se há excesso no valor fixado a título de danos morais.

Em princípio, a relação de locação de espaço externo de um imóvel, regida pela Lei das Locações, não atrai ao locador nenhu-ma responsabilidade pelos fatos que passam no imóvel locado, tampouco há como imputar ao locador o dever de fiscalizar se as atividades realizadas no imóvel locado estão de acordo com um padrão de segurança mínimo.

Entretanto, a situação do acórdão se mostrou distinta de uma relação locatícia de modo que houve uma integração entre lo-cadores e locatária, a qual aquelas se valerem do negócio do circo como atrativo de clientes também para o shopping center, empreendimento de propriedade das rés.

As recorrentes, portanto, se valeram da locação do espaço de estacionamento para o circo como forma de evidente atrativo de clientes e frequentadores do seu estabelecimento. Em outros jul-gados, igualmente há entendimento pacífico do egrégio Superior

Tribunal de Justiça de que não há distinção entre o consumidor que efetua compra daquele que somente frequenta o local10.

Sob a égide do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, parece não restar dúvidas acerca da legitimidade passiva e responsabilidade das empresas de empreendimentos e condo-mínio, visto que, em consonância com o referido dispositivo legal, equiparam-se a consumidores todas as pessoas que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, são vítimas de evento danoso, considerando a tamanha gravi-dade do fato do serviço que os atingiu, no qual contém vício de qualidade por insegurança.

O julgado brevemente estudado mostra seguir a tendência do Judiciário brasileiro no que tange à boa recepção da figura do bystander a qual já foi enfrentada anteriormente pelo STJ por meio do julgamento do REsp 540.235/TO11, no qual entenderam

10 REsp 437.649/SP, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 06.02.2003, DJ 24.02.2003, p. 242; REsp 7134/SP, 3ª T., Rel. Min. Dias Trindade, J. 12.03.1991, DJ 08.04.1991, p. 3887.

11 “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ACIDENTE AÉREO – TRANSPORTE DE MALOTES – RELAÇÃO DE CONSUMO – CARACTE-RIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO – VÍTIMA DO EVENTO – EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDOR – ART. 17 DO CDC – I – Resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de transporte de malotes para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica, uma vez que o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção, definindo como consumidor, para os fins protetivos da lei, ‘[...] toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’. Abrandamento do rigor técnico do critério finalista. II – Em decorrência, pela aplicação conjugada com o art. 17 do mesmo diploma legal, cabível, por equiparação, o enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de consumidor. Logo, em tese, admissível a inversão do ônus da prova em seu favor. Recurso especial provido.” (REsp 540.235/TO, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, J. 07.02.2006, DJ 06.03.2006, p. 372)

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22os Ministros que a vítima atingida em solo por queda de avião que prestava serviços é equiparada ao consumidor, nos termos do art. 17 do CDC.

Observa-se, portanto, uma tendência no Judiciário brasileiro no sentido de se equiparar as vítimas da relação de consumo ao consumidor e, consequentemente, que estas se valham dos benefícios que tal diploma legal concede a estes. Consequência lógica dessa orientação é observada no plano processual, com o benefício da inversão do ônus da prova.

Na prática, a extensão do conceito de consumidor e a utilização do Código de Defesa do Consumidor podem promover uma séria de alterações processuais e também de direito: regras processuais de competência e ônus da prova e também de di-reito material como a prescrição e a responsabilidade objetiva do fornecedor ou prestador de serviços.

Em relação à responsabilidade objetiva, cabe tecer especial comentário por ser uma das mais importantes diferenças quando da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao invés do Código Civil. Observa-se que as regras de responsa-bilidade civil inseridas na legislação civilista exigem por certo requesitos de difícil constatação e prova como, por exemplo, a culpa, ou seja, se o responsável pelo evento danoso agiu por imprudência, negligência ou imperícia. De outra banda, afastando-se do direito tradicional, o direito do consumidor concede ao dever de indenizar um fundamento objetivo: basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre este e o produto ou serviço.

Por óbvio que tais mudanças são bastante significativas e po-dem acarretar em relevantes prejuízos para uma das partes da demanda e também acarretar em inúmeros benefícios para a outra parte, razão pela qual a extensão da figura do consumi-

dor ao mero espectador ainda se mostra controvertida e é vista com certo receio por parte dos julgadores e práticos do direito quando da sua aplicação.

Nesse sentido, embora ciente de que a tendência do Judiciário é pela boa recepção da figura do bystander, é imperioso se fazer ressalva que tal instituto é ainda bastante controvertido e enfrenta obstáculos para sua correta interpretação.

Cabe, assim, por oportuno, relembrar o voto-vencido do Ministro Honildo Amaral de Mello Castro. Em seu entendi-mento, não haveria qualquer relação entre as recorrentes com o evento que causou a morte do menino – filho dos re-corridos. Reitera-se que, em suma, o ministro fundamentou que as recorrentes e locadoras do espaço não têm qualquer responsabilidade pelo evento que era de responsabilidade exclusiva da locatária.

O voto divergente ilustra e representa a dificuldade no en-tendimento da figura do bystander no direito brasileiro pelos seus intérpretes, ainda que a tendência majoritária seja pela boa recepção do instituto. Sabe-se que a aplicação de tal instituto, bem como a aplicação de microssistema tão espe-cífico causa um tanto quanto de resistência por parte dos aplicadores do direito. Isso porque a legislação consumerista, quando incidente em caso específico, principalmente aqueles que envolvem responsabilidade por dano causado a outrem, atrai inúmeros benefícios, sejam estes de ordem processual ou de ordem material, o que, todavia, não deve representar um óbice ou empecilho na aplicação e identificação das vítimas da relação de consumo que devem ser equiparadas ao consumidor.

Importante aduzir que o Judiciário vem rechaçando casos que acabariam por desvirtuar a figura do bystander e aplicar de

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forma equivocada a extensão do conceito do consumidor12 previsto naquele diploma legal. Essa postura é importante para corroborar a boa aceitação deste novo instituto do direito, afas-tando daqueles que pretendem se valer do Código de Defesa do Consumidor e de suas prerrogativas em razão da hipossufi-ciência do consumidor.

Coadunado a tal fato, surge, por óbvio, a necessidade de se fazer uma interpretação minuciosa em cada caso prático, surgindo daí a importância de um prudente processo interpretativo, devendo haver um ajuste da norma ao caso concreto e às peculiaridades apresentadas por cada hipótese.

12 Nesse sentido: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – EXTRAVIO DE BAGAGENS DO PREPOSTO CONTENDO PARTITURAS A SEREM EXECUTADAS EM ESPETÁCULO ORGANIZADO PELA EMPRESA AUTORA – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – EQUIPARAÇÃO AO CON-SUMIDOR – IMPOSSIBILIDADE – TEORIA DA ASSERÇÃO – EMPRESA AUTORA BENEFICIÁRIA DO CONTRATO HAVIDO ENTRE O MAESTRO E A RÉ – RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL – 1. Em caso de defeito de conformidade ou vício do serviço, não cabe a aplicação do art. 17, CDC, pois a lei somente equiparou as vítimas do evento ao consumidor nas hipóteses dos arts. 12 a 16 do CDC. 2. A teoria da asserção, adotada pelo nosso sistema legal, permite a verificação das condições da ação com base nos fatos narrados na petição inicial. 3. No caso em exame, como causa de pedir e fundamentação jurídica, a autora invocou, além do Código de Defesa do Consumidor, também o Código Civil e a teoria geral da responsabilidade civil. 4. Destarte, como o acórdão apreciou a causa apenas aplicando o art. 17 do CDC, malferindo o dispositivo legal, o que, como examinado, por si só, no caso concreto, não implica ilegitimidade passiva da autora, a melhor solução para a hipótese é acolher em parte o recurso da ré, apenas para cassar o acórdão, permitindo que novo julgamento seja realizado, apreciando-se todos os ângulos da questão, notadamente o pedido com base na teoria geral da responsabilidade ci-vil. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido” (REsp 753.512/RJ, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. p/o Ac. Min. Luis Felipe Salomão, J. 16.03.2010, DJe 10.08.2010).

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Medidas Provisórias

Medida Provisória nº 691, de 31.08.2015

Dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos. (DOU – Ed. Extra de 31.08.2015)

Medida Provisória nº 690, de 31.08.2015Dispõe sobre a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI sobre as bebidas classificadas nas posições 22.04, 22.05, 22.06 e 22.08, exceto o código 2208.90.00 Ex 01, da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011, altera a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, quanto à legislação do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica, e revoga os arts. 28 a 30 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, que dispõem sobre o Programa de Inclusão Digital. (DOU – Ed. Extra de 31.08.2015)

Medida Provisória nº 689, de 31.08.2015Altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. (DOU – Ed. Extra de 31.08.2015)

Medida Provisória nº 688, de 18.08.2015Dispõe sobre a repactuação do risco hidrológico de geração de energia elétrica, institui a bonificação pela outorga e altera a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, a Lei nº 12.783, 11 de janeiro de 2013, que dispõe sobre as concessões de energia elétrica, e a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, que institui o Conselho Nacional de Política Energética. (DOU – Ed. Extra de 18.08.2015)

Medida Provisória nº 687, de 17.08.2015Altera a Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, para dispor sobre a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – Condecine, e a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, para dispor sobre as taxas processuais sobre os processos de competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, e autoriza o Poder Executivo federal a atualizar monetariamente o valor das taxas e dos preços estabelecidos pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. (DOU de 18.08.2015)

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d. 2

22

MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO675 22.5.2015 1º Lei nº 7.689/88 3º676 18.06.2015 1º Lei nº 8.213/91 29-C678 24.06.2015 1º Lei nº 12.462/11 1º679 24.06.2015 4º Lei nº 11.977/09 6º-A679 24.06.2015 5º Lei nº 12.035/09 5º679 24.06.2015 6º Lei nº 11.473/07 2º684 22.07.2015 1º Lei nº 13.019/2014 83 e 88682 13.07.2015 1º Lei nº 12.712/2012 38681 13.07.2015 1º Lei nº 10.820/2003 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º681 13.07.2015 2º Lei nº 8.213/1991 115681 13.07.2015 3º Lei nº 8.112/1990 45

MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO680 07.07.2015 7º Lei nº 8.212/1991 22 e 28680 07.07.2015 8º Lei nº 8.036/1900 115687 18.08.2015 1º MP nº 2.228-1/ 2001 33 e 40687 18.08.2015 2º Lei nº 12.529/2011 23688 18.08.2015 2º Lei nº 10.848/2004 2º688 18.08.2015 3º Lei nº 12.783/2013 8º e 15688 18.08.2015 4º Lei nº 9.478/1997 2º689 31.08.2015-extra 1º Lei nº 8.112/1990 183690 31.08.2015-extra 8º Lei nº 9.430/1996 25, 27 e 29690 31.08.2015-extra 9º Lei nº 11.196/2005 28 a 30691 31.08.2015-extra 12 Lei nº 9.636/1998 37

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

2 .156-5, DE 24.08.2001 Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.157-5, DE 24.08.2001 Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.158-35, DE 24.08.2001 Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.159-70, DE 24.08.2001 IR. Alteração na Legislação

2.161-35, DE 23.08.2001 Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.162-72, DE 23.08.2001 Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.163-41, DE 23.08.2001 Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.164-41, DE 24.08.2001 Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.165-36, DE 23.08.2001 Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.166-67, DE 24.08.2001 Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.167-53, DE 23.08.2001 Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.168-40, DE 24.08.2001 Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.169-43, DE 24.08.2001 Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.170-36, DE 23.08.2001 Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.172-32, DE 23.08.2001 Usura. Agiotagem

2.173-24, DE 23.08.2001 Anuidades Escolares

2.174-28, DE 24.08.2001 União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.177-44, DE 24.08.2001 Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.178-36, DE 24.08.2001 Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.179-36, DE 24.08.2001 União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001 Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.181-45, DE 24.08.2001 Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.183-56, DE 24.08.2001 Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.184-23, DE 24.08.2001 Carreira Policial. Gratificação

2.185-35, DE 24.08.2001 Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.186-16, DE 23.08.2001 Patrimônio Genético. Diversidade Biológica

2.187-13, DE 24.08.2001 Previdência Social. Alteração na Legislação

2.189-49, DE 23.08.2001 IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001 Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.192-70, DE 24.08.2001 Proes. Bancos Estaduais

2.196-3, DE 24.08.2001 Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.197-43, DE 24.08.2001 SFH. Disposições

2.198-5, DE 24.08.2001 Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.199-14, DE 24.08.2001 IR. Incentivos Fiscais

2.200-2, DE 24.08.2001 Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.206-1, DE 06.09.2001 Programa Nacional de Renda Mínima

2.208, DE 17.08.2001 Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.209, DE 29.08.2001 Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE

2.210, DE 29.08.2001 Orçamento. Crédito Extraordinário

2.211, DE 29.08.2001 Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.213-1, DE 30.08.2001 Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.214, DE 31.08.2001 Administração Pública Federal. Recursos

2.215-10, DE 31.08.2001 Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.220, DE 04.09.2001 Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.224, DE 04.09.2001 Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001 Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.226, DE 04.09.2001 Alteração da CLT

2.227, DE 04.09.2001 Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.228-1, DE 06.09.2001 Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.229-43, DE 06.09.2001 Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.08.2015)Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

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22MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO691 31.08.2015-extra 15 DL 3.438/1941 4º 691 31.08.2015-extra 16 DL 9.760/1946 100691 31.08.2015-extra 18 Lei nº 9.636/1998 24 e 27691 31.08.2015-extra 18 Lei nº 13.139/2015 1º 2.156-5 27.08.2001 32 DL 1.376/74 1º e 112.156-5 27.08.2001 32 DL 2.397/87 122.156-5 27.08.2001 32 Lei nº 8.034/90 1º2.156-5 27.08.2001 32 Lei nº 9.532/97 2º2.157-5 27.08.2001 32 DL 1.376/74 1º2.158-35 27.08.2001 2º e 93 Lei nº 9.718/98 3º e 8º2.158-35 27.08.2001 3º e 93 Lei nº 9.701/98 1º2.158-35 27.08.2001 10 e 93 Lei nº 9.779/99 14 e 172.158-35 27.08.2001 19 e 93 Lei nº 9.715/98 2º e 4º2.158-35 27.08.2001 34 e 75 Lei nº 9.532/97 1º e 64-A2.158-35 27.08.2001 64 D nº 70.235/72 1º, 25 e 64-A2.158-35 27.08.2001 69 DL 1.455/76 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A2.158-35 27.08.2001 70 Lei nº 9.430/96 632.158-35 27.08.2001 72 Lei nº 8.218/91 11 e 122.158-35 27.08.2001 73 Lei nº 9.317/96 1º e 64-A2.158-35 27.08.2001 73 e 93 Lei nº 9.317/96 9º e 152.158-35 27.08.2001 75 Lei nº 9.532/97 1º, 15 e 64-A2.158-35 27.08.2001 82 Lei nº 8.981/95 292.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 9.432/97 112.158-35 27.08.2001 93 LC 70/91 6º e 7º2.158-35 27.08.2001 93 LC 85/96 Revogada2.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 7.714/88 5º2.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 9.004/95 Revogada2.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 9.493/97 7º2.161-35 24.08.2001 1º e 6º Lei nº 9.491/97 2º, 4º, 5º, 6º e 302.162-72 24.08.2001 6º Lei nº 9.094/95 2º2.163-41 24.08.2001 1º Lei nº 9.605/98 79-A2.164-41 27.08.2001 7º e 8º Lei nº 7.998/90 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e

8º-C2.164-41 27.08.2001 1º e 2º CLT 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A,

643 e 6522.164-41 27.08.2001 3º Lei nº 4.923/65 1º2.164-41 27.08.2001 4º Lei nº 5.889/73 182.164-41 27.08.2001 5º Lei nº 6.321/76 2º2.164-41 27.08.2001 6º Lei nº 6.494/77 1º2.164-41 27.08.2001 9º Lei nº 8.036/90 19-A, 20, 29-C e 29-D2.164-41 27.08.2001 10 Lei nº 9.601/98 2º2.165-36 24.08.2001 13 Lei nº 7.418/85 1º2.165-36 24.08.2001 13 Lei nº 8.627/93 6º2.166-67 25.08.2001-extra 1º Lei nº 4.771/65 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A,

44-B e 44-C2.166-67 25.08.2001 3º Lei nº 9.393/96 102.167-53 24.08.2001 2º e 3º Lei nº 9.619/98 1º e 4º-A2.168-40 27.08.2001 13 Lei nº 5.764/71 882.168-40 27.08.2001 14 Lei nº 9.138/95 2º2.168-40 27.08.2001 18 Lei nº 10.186/01 7º2.170-36 24.08.2001 8º Lei nº 8.212/91 602.172-32 24.08.2001 7º Lei nº 1.521/51 4º, § 3º2.173-24 24.08.2001 1º e 2º Lei nº 9.870/99 1º e 6º2.177-44 27.08.2001 1º e 8º Lei nº 9.656/98 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11,

12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

2.178-36 25.08.2001-extra 16 Lei nº 9.533/97 4º

MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO2.178-36 25.08.2001-extra 32 Lei nº 8.913/97 Revogada2.180-35 27.08.2001 1º Lei nº 8.437/92 1º e 4º

2.180-35 27.08.2001 4º Lei nº 9.494/97 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1º-E, 1º-F, 2º-A e 2º-B

2.180-35 27.08.2001 6º Lei nº 7.347/85 1º e 2º2.180-35 27.08.2001 7º Lei nº 8.429/92 172.180-35 27.08.2001 8º Lei nº 9.704/98 1º2.180-35 27.08.2001 10 CPC 7412.180-35 27.08.2001 14 Lei nº 4.348/64 4º2.180-35 27.08.2001 21 Lei nº 10.257/01 532.181-45 27.08.2001 45 Lei nº 8.177/91 182.181-45 27.08.2001 46 Lei nº 9.365/96 6º2.181-45 27.08.2001 52 Lei nº 10.150/00 1º2.183-56 27.08.2001 1º DL 3.365/41 10, 15-A, 15-B e 272.183-56 27.08.2001 3º Lei nº 8.177/91 5º2.183-56 27.08.2001 4º Lei nº 8.629/93 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A2.187-13 27.08.2001 2º Lei nº 6.015/73 802.187-13 27.08.2001 3º e 16 Lei nº 8.212/91 38, 55, 56, 68, 101 e 1022.187-13 27.08.2001 4º e 16 Lei nº 8.213/91 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 1472.187-13 27.08.2001 7º Lei nº 9.639/98 1º, 2º e 5º2.187-13 27.08.2001 16 Lei nº 9.711/98 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 172.189-49 24.08.2001 10 Lei nº 9.532/97 6º, II, 34 e 82, II, f2.189-49 24.08.2001 11 Lei nº 9.250/95 10 e 252.189-49 24.08.2001 13 Lei nº 9.430/96 792.189-49 24.08.2001 14 Lei nº 9.317/96 9º2.190-34 24.08.2001 7º e 8º Lei nº 9.294/96 2º, 3º e 7º2.192-70 25.08.2001-extra 23 Lei nº 9.496/97 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 2.196-3 25.08.2001 12 Lei nº 8.036/90 9º2.196-3 25.08.2001 14 Lei nº 7.827/89 9º-A2.197-43 27.08.2001 3º e 8º Lei nº 8.692/93 23 e 252.197-43 27.08.2001 4º e 8º Lei nº 4.380/64 9º, 14 e 182.197-43 27.08.2001 5º Lei nº 8.036/90 9º, 20, 23, 29-A e 29-B2.199-14 27.08.2001 18 Lei nº 9.532/97 4º2.211 30.08.2001 1º Lei nº 9.995/00 35 e 702.211 30.08.2001 2º Lei nº 10.266/01 18, 34, 38 e 512.214 01.09.2001-extra 1º Lei nº 10.261/01 1º2.215-10 01.09.2001 41 Lei nº 8.448/92 6º2.215-10 01.09.2001 41 Lei nº 8.460/92 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14,

14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A

2.217-3 05.09.2001 1º Lei nº 10.233/01 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119

2.220 05.09.2001-extra 15 Lei nº 6.015/73 167, I2.224 05.09.2001 4º Lei nº 4.131/62 6º2.225-45 05.09.2001 1º Lei nº 6.368/76 3º2.225-45 05.09.2001 2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117

e 1192.225-45 05.09.2001 4º Lei nº 8.429/92 172.225-45 05.09.2001 5º Lei nº 9.525/97 2º2.226 05.09.2001 1º CLT 896-A2.226 05.09.2001 3º Lei nº 9.469/97 6º2.228-1 05.09.2001 51 Lei nº 8.685/93 5º2.228-1 05.09.2001 52 e 53 Lei nº 8.313/91 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18,

§ 3º2.229-43 10.09.2001 72 Lei nº 9.986/00 222.229-43 10.09.2001 74 Lei nº 8.745/93 4º

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Normas Legais

Lei nº 13.161, de 31.08.2015 Altera as Leis nºs 12.546, de 14 de dezembro de 2011, quanto à contribuição previdenciária sobre a receita bruta, 12.780, de 9 de janeiro de 2013, que dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, dos Jogos Olímpicos de 2016 e dos Jogos Paraolímpicos de 2016, 11.977, de 7 de julho de 2009, e 12.035, de 1º de outubro de 2009; e revoga dispositivos da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, quanto à tributação de bebidas frias. Mensagem de veto (DOU de 31.08.2015 – Edição Extra)

Lei nº 13.160, de 25.08.2015 Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), para dispor sobre retenção, remoção e leilão de veículo, e revoga a Lei nº 6.575, de 30 de setembro de 1978. Mensagem de veto (DOU de 26.08.2015)

Lei nº 13.159, de 10.8.2015 Altera a Lei n° 11.484, de 31 de maio de 2007, que dispõe sobre os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos semicondutores e sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados, instituindo o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores – PADIS e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital – PATVD. Mensagem de veto (DOU de 11.08.2015 – Edição Extra)

Lei nº 13.158, de 04.08.2015 Altera os arts. 48 e 103 da Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, com a finalidade de instituir, entre os objetivos do crédito rural, estímulos à substituição do sistema de pecuária extensivo pelo sistema de pecuária intensivo e ao desenvolvimento do sistema orgânico de produção agropecuária. (DOU de 05.08.2015 – Edição Extra)

Lei nº 13.157, de 04.08.2015 Institui o Dia Nacional do Oficial de Justiça. (DOU de 05.08.2015 – Edição Extra)

Lei nº 13.156, de 04.08.2015 Altera a redação do § 2º do art. 5º da Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional de Meio Ambiente e dá outras providências. (DOU de 05.08.2015 – Edição Extra)

Lei nº 13.155, de 04.08.2015 Estabelece princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União, cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT; dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais; cria a Loteria Exclusiva – LOTEX; altera as Leis n°s 9.615, de 24 de março de 1998, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.671, de 15 de maio de 2003, 10.891, de 9 de julho de 2004, 11.345, de 14 de setembro de 2006, e 11.438, de 29 de dezembro de 2006, e os Decretos-Leis n°s 3.688, de 3 de outubro de 1941, e 204, de 27 de fevereiro de 1967; revoga a Medida Provisória n° 669, de 26 de fevereiro de 2015; cria programa de iniciação esportiva escolar; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 05.08.2015 – Edição Extra)

Page 86: Jornal Jurídico Setembro 2015

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

JAN 0,00407049 0,00032403 0,01258480 3,29250956 2,50147668 2,28267976FEV 0,00324393 0,00025562 0,00889763 3,22474793 2,47053081 2,26582204MAR 0,00258254 0,00020223 0,00636181 3,16607735 2,44697864 2,25092984ABR 0,00207817 0,00016074 0,00448489 3,09490082 2,42722347 2,23680224MAIO 0,00171636 0,00012537 0,00307247 2,99120473 2,41131602 2,22299522JUN 0,00143257 0,00009742 0,00209811 2,89713196 2,39720129 2,20895949JUL 0,00118345 0,00007490 3,92836447 2,81585785 2,38266939 2,19461767AGO 0,00095679 0,05744870 3,74036789 2,73409475 2,36880949 2,18027148SET 0,00077649 0,04308437 3,66231660 2,66469282 2,35403790 2,16668636OUT 0,00061931 0,03200444 3,57511595 2,61399953 2,33855666 2,15274946NOV 0,00049517 0,02344132 3,48604404 2,57146746 2,32133467 2,13873433DEZ 0,00040163 0,01721601 3,38710665 2,53499647 2,30257788 2,10643427

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

JAN 2,07922757 1,92889244 1,82436428 1,78690522 1,74698221 1,69935704FEV 2,05567163 1,91898472 1,82045213 1,78446229 1,74246747 1,69110781MAR 2,04654201 1,90319203 1,81622396 1,78380585 1,74042943 1,68417575ABR 2,02829747 1,88134212 1,81216110 1,78073586 1,73737513 1,67783019MAIO 2,01876888 1,86995038 1,80980654 1,77798709 1,73328976 1,67083940JUN 2,00963909 1,85923931 1,80530771 1,77474463 1,72965403 1,66310596JUL 1,99981401 1,85347870 1,80145260 1,77216082 1,72692204 1,65620620AGO 1,98886926 1,84805834 1,79867006 1,76784551 1,72234748 1,64720423SET 1,98144084 1,84263179 1,79503512 1,76179199 1,71808491 1,64057957OUT 1,97254074 1,83764259 1,79317380 1,75893021 1,71473261 1,63507917NOV 1,95515549 1,83348974 1,79081709 1,75382133 1,70999933 1,62984248DEZ 1,94323182 1,82983373 1,78867604 1,75044647 1,70549002 1,62695301

Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN 1,62386929 1,59486792 1,55092213 1,51994962 1,49829461 1,47419384FEV 1,62179339 1,59187519 1,54732306 1,51662972 1,49678285 1,47148630MAR 1,62105095 1,59034528 1,54620206 1,51553702 1,49641922 1,47082296ABR 1,61817384 1,58616573 1,54300342 1,51269919 1,49580744 1,46871096MAIO 1,61676079 1,58299499 1,54168528 1,51077748 1,49438031 1,46804446JUN 1,61426513 1,57900485 1,53878006 1,50823008 1,49328125 1,46738561JUL 1,61142741 1,57429299 1,53580521 1,50679260 1,49157191 1,46642363AGO 1,60828803 1,57024960 1,53312071 1,50458237 1,48872249 1,46320457SET 1,60506987 1,56482591 1,52939511 1,50237988 1,48638293 1,45984693OUT 1,60230109 1,56071032 1,52707243 1,50185123 1,48346051 1,45707848NOV 1,60052770 1,55743969 1,52421453 1,50013807 1,47975225 1,45446045DEZ 1,59869560 1,55444118 1,52226298 1,49925351 1,47736188 1,44808886

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN 1,44260695 1,36361913 1,27972513 1,20984351 1,14299958 1,07363172FEV 1,43514420 1,35333379 1,27146063 1,19928976 1,13539245 1,06416069MAR 1,42177947 1,34033256 1,26475742 1,19118967 1,12749995 1,05019312ABR 1,41400246 1,33233853 1,26160341 1,18538130 1,11932885 1,03733022MAIO 1,40724767 1,32215792 1,25620174 1,17936653 1,11066566 1,02634830JUN 1,39843751 1,31296715 1,24982762 1,17396628 1,10426095 1,02022693JUL 1,39578552 1,30995425 1,24758198 1,16952210 1,09909520 1,01022537AGO 1,39704286 1,30864561 1,24347850 1,16870401 1,09722991 1,00430000SET 1,39774173 1,30512178 1,23864777 1,16683707 1,09569593 1,00000000OUT 1,39342212 1,29824110 1,23273066 1,16369509 1,09143932 NOV 1,38483614 1,29281129 1,22476966 1,15813604 1,08622544 DEZ 1,37302810 1,28689159 1,21819143 1,15157208 1,08211341

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.

Indicadores

I – Índices de Atualização dos Débitos TrabalhistasPara Setembro de 2015

Aplicação do IPCA-E a partir de Julho de 2009

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Tabela para Atualização Diária de Débitos Trabalhistas

ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS (tabelas atualizadas em 03.09.2015)

• Conforme decisão proferida em 04.08.2015 pelo Tribunal Pleno do TST (Processo nº TST-ArgInc-479-60.2011.5.04.0231), a atualização monetária dos débitos trabalhistas pela TR, prevista no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, foi declarada incons-titucional.

• Para substituir a TR, foi eleito o IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial).

• À decisão foi atribuído efeito modulatório, para que o novo índice seja aplicado a partir de 30 de junho de 2009.

Em decorrência de tal decisão, fomos solicitados a alterar a tabela de atualização de débitos trabalhistas, conforme Ofício CSJT Setic nº 35, de 18.08.2015, da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

PRINCIPAIS ALTERAÇÕES

Os usuários perceberão duas importantes diferenças na atualização:

1. A TR é um índice prefixado, ou seja, a sua variação é divulgada para o mês seguinte. O IPCA-E, como índice de preços, é pós-fixado: a variação medida é a inflação do mês anterior.

2. Tal descompasso é um óbice à correção pro rata die do índice, pois não há como obter índices diários do mês corrente. Além disso, a natureza de índice inflacionário é conceitualmente incompatível com prorratização diária. Assim, o IPCA-E vigora fixo no mês inteiro, calculando-se apenas os juros até a data do pagamento, conforme § 1º do art. 39 da Lei nº 8.177/1991.

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II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados

sobre o principal corrigido):

• Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês;

• De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente

– 1% ao mês;

• De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados:

T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde

a data da propositura da ação, contidos no período compreendido

entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente

Nº Meses % Efetivo Nº Meses % Efetivo Nº Meses % Efetivo

01 1,0000 17 18,4304 33 38,8690 02 2,0100 18 19,6147 34 40,257+6 03 3,0301 19 20,8108 35 41,6602 04 4,0604 20 22,0190 36 43,0768 05 5,1010 21 23,2391 37 44,5076 06 6,1520 22 24,4715 38 45,9527 07 7,2135 23 25,7163 39 47,4122 08 8,2856 24 26,9734 40 48,8863 09 9,3685 25 28,2431 41 50,3752 10 10,4622 26 29,5256 42 51,8789 11 11,5668 27 30,8208 43 53,3977 12 12,6825 28 32,1290 44 54,9317 13 13,8093 29 33,4503 45 56,4810 14 14,9474 30 34,7848 46 58,0458 15 16,0968 31 36,1327 47 59,6263 16 17,2578 32 37,4940 – –

Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

01.10.1989 NCz$ 381,73 Decreto nº 98.211/89 02.10.1989

01.11.1989 NCz$ 557,33 Decreto nº 98.346/89 31.10.1989

01.12.1989 NCz$ 788,18 Decreto nº 98.456/89 01.12.1989

01.01.1990 NCz$ 1.283,95 Decreto nº 98.783/89 29.12.1989

01.02.1990 NCz$ 2.004,37 Decreto nº 98.900/90 01.02.1990

01.03.1990 NCz$ 3.674,06 Decreto nº 98.985/90 01.03.1990

01.04.1990 Cr$ 3.674,06 Port. 3.143/90 24.04.1990

01.05.1990 Cr$ 3.674,06 Port. 3.352/90 23.05.1990

01.06.1990 Cr$ 3.857,76 Port. 3.387/90 04.06.1990

01.07.1990 Cr$ 4.904,76 Port. 3.501/90 16.07.1990

01.08.1990 Cr$ 5.203,46 Port. 429/90 01.08.1990

Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

01.09.1990 Cr$ 6.056,31 Port. 3.588/90 03.09.1990

01.10.1990 Cr$ 6.425,14 Port. 3.628/90 01.10.1990

01.11.1990 Cr$ 8.329,55 Port. 3.719/90 01.11.1990

01.12.1990 Cr$ 8.836,82 Port. 3.787/90 03.12.1990

01.01.1991 Cr$ 12.325,50 Port. 3.828/90 31.12.1990

01.02.1991 Cr$ 15.895,46 MP 295/91 01.02.1991

01.03.1991 Cr$ 17.000,00 Lei nº 8.178/91 04.03.1991

01.09.1991 Cr$ 42.000,00 Lei nº 8.222/91 06.09.1991

01.01.1992 Cr$ 96.037,33 Port. 42/92 21.01.1992

01.05.1992 Cr$ 230.000,00 Lei nº 8.419/92 08.05.1992

01.09.1992 Cr$ 522.186,94 Port. 601/92 31.08.1992

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Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

01.01.1993 Cr$ 1.250.700,00 Lei nº 8.542/92 24.12.1992

01.03.1993 Cr$ 1.709.400,00 Port. Interm. 4/93 01.03.1993

01.05.1993 Cr$ 3.303.300,00 Port. Interm. 7/93 04.05.1993

01.07.1993 Cr$ 4.639.800,00 Port. Interm. 11/93 01.08.1993

01.08.1993 CR$ 5.534,00 Port. Interm. 12/93 03.08.1993

01.09.1993 CR$ 9.606,00 Port. Interm. 14/93 02.09.1993

01.10.1993 CR$ 12.024,00 Port. Interm. 15/93 04.10.1993

01.11.1993 CR$ 15.021,00 Port. Interm. 17/93 03.11.1993

01.12.1993 CR$ 18.760,00 Port. Interm. 19/93 02.12.1993

01.01.1994 CR$ 32.882,00 Port. Interm. 20/93 31.12.1993

01.02.1994 CR$ 42.829,00 Port. Interm. 02/94 02.02.1994

01.03.1994 URV 64,79 Port. Interm. 04/94 03.03.1994

01.07.1994 R$ 64,79 Lei nº 9.069/95 30.06.1994/30.06.1995

01.09.1994 R$ 70,00 Lei nº 9.063/95 01.09.1994/20.06.1995

01.05.1995 R$ 100,00 Lei nº 9.032/95 29.04.1995

01.05.1996 R$ 112,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.05.1997 R$ 120,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.05.1998 R$ 130,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.05.1999 R$ 136,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

03.04.2000 R$ 151,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.04.2001 R$ 180,00 MP 2.142/01 (atual 2.194-6) 30.03.2001

01.04.2002 R$ 200,00 Lei nº 10.525/02 28.03.2002

01.04.2003 R$ 240,00 Lei nº 10.699/03 10.07.2003

01.05.2004 R$ 260,00 Lei nº 10.888/04 25.06.2004

01.05.2005 R$ 300,00 Lei nº 11.164/05 19.08.2005

01.04.2006 R$ 350,00 MP 288/06 31.03.2006

01.04.2006 R$ 350,00 Lei nº 11.321/06 10.07.2006

01.04.2007 R$ 380,00 MP 362/07 30.03.2007-extra

01.04.2007 R$ 380,00 Lei nº 11.498/07 29.06.2007

01.03.2008 R$ 415,00 MP 421/08 29.02.2008-extra

01.02.2009 R$ 465,00 MP 456/09 30.01.2009-extra

01.01.2010 R$ 510,00 MP 474/09 24.12.2009

01.01.2011 R$ 540,00 MP 516/10 31.12.2010

01.03.2011 R$ 545,00 Lei nº 12.382/11 28.02.2011

01.01.2012 RS 622,00 Decreto nº 7.655/11 26.12.2011

01.01.2013 R$ 678.00 Decreto nº 7.872/11 26.12.2012

01.01.2014 R$ 724,00 Decreto nº 8.166/13 24.12.2013

01.01.2015 R$ 788,00 Decreto nº 8.381/14 29.12.2014

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)

Salário-de-benefício mínimo R$ 788,00

Salário-de-benefício máximo R$ 4.663,75

Renda mensal vitalícia R$ 788,00

Salário-família: I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);

II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos).

Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)

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228 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$) Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.399,12 8,00*

De R$ 1.399,13 até 2.331,8 9,00*

De R$ 2.331,89 até 4.663,75 11,00*

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

IV – Imposto de Renda na FonteTABELA PROGRESSIVA MENSALBase de cálculo em R$ Alíquota % Parcela a deduzir do imposto em R$

Até 1.903,98 - -

De 1.903,99 até 2.826,65 7,5 142,80

De 2.826,66 até 3.751,05 15,0 354,80

De 3.751,06 até 4.664,68 22,5 636,13

Acima de 4.664,68 27,5 869,36

Dedução por dependente 189,59

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano- -calendário.

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho

Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 397/2015 do TST, DJe de 13.07.2015, vigência a partir de 01.08.2015)

Recurso Ordinário R$ 8.183,06

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória R$ 16.366,10

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

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VII – Índices de Atualização dos Débitos JudiciaisTabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

VI – IndexadoresIndexador Março Abril Maio Junho Julho Agosto

INPC 1,51 0,71 0,99 0,77 0,58 0,28IGPM 0,98 1,17 0,41 0,67 0,69 0,25UFIR Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

SELIC 1,04 0,95 0,99 1,07 1,18 1,11

TDA

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75

Valores nominais reajustados – Reais 91,87

Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

JAN 11.230,659840 140.277,063840 3631,929071 13,851199 16,819757 18,353215

FEV 14.141,646870 180.634,775106 5132,642163 14,082514 17,065325 18,501876

MAR 17.603,522023 225.414,135854 7214,955088 14,221930 17,186488 18,585134

ABR 21.409,403484 287.583,354522 10323,157739 14,422459 17,236328 18,711512

MAIO 25.871,123170 369.170,752199 14747,663145 14,699370 17,396625 18,823781

JUN 32.209,548346 468.034,679637 21049,339606 15,077143 17,619301 18,844487

JUL 38.925,239176 610.176,811842 11,346741 15,351547 17,853637 18,910442

AGO 47.519,931986 799,392641 12,036622 15,729195 18,067880 18,944480

SET 58.154,892764 1065,910147 12,693821 15,889632 18,158219 18,938796

OUT 72.100,436048 1445,693932 12,885497 16,075540 18,161850 18,957734

NOV 90.897,019725 1938,964701 13,125167 16,300597 18,230865 19,012711

DEZ 111.703,347540 2636,991993 13,554359 16,546736 18,292849 19,041230

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

JAN 19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 28,131595

FEV 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 28,826445

MAR 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 29,247311

ABR 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 29,647999

MAIO 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 30,057141

JUN 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 30,354706

JUL 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 30,336493

AGO 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 30,348627

SET 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 30,403254

OUT 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 30,652560

NOV 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 30,772104

DEZ 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011 30,885960

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22Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN 31,052744 32,957268 34,620735 35,594754 37,429911 39,855905

FEV 31,310481 33,145124 34,752293 35,769168 37,688177 40,110982

MAR 31,432591 33,290962 34,832223 35,919398 37,869080 40,235326

ABR 31,611756 33,533986 34,926270 36,077443 38,062212 40,315796

MAIO 31,741364 33,839145 34,968181 36,171244 38,305810 40,537532

JUN 31,868329 34,076019 35,013639 36,265289 38,673545 40,780757

JUL 32,027670 34,038535 34,989129 36,377711 39,025474 40,952036

AGO 32,261471 34,048746 35,027617 36,494119 39,251821 41,046225

SET 32,422778 34,048746 35,020611 36,709434 39,334249 41,079061

OUT 32,477896 34,099819 35,076643 36,801207 39,393250 41,144787

NOV 32,533108 34,297597 35,227472 36,911610 39,590216 41,243534

DEZ 32,676253 34,482804 35,375427 37,070329 39,740658 41,396135

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN 41,495485 44,178247 46,864232 49,768770 52,537233 55,809388

FEV 41,860645 44,593522 47,103239 50,226642 52,868217 56,635366

MAR 42,153669 44,834327 47,286941 50,487820 53,206573 57,292336

ABR 42,452960 45,130233 47,372057 50,790746 53,642866 58,157450

MAIO 42,762866 45,455170 47,675238 51,090411 54,061280 58,570367

JUN 42,946746 45,714264 47,937451 51,269227 54,385647 59,150213

JUL 42,899504 45,814835 48,062088 51,412780 54,527049 59,605669

AGO 42,869474 45,814835 48,268754 51,345943 54,597934 59,951381

SET 42,839465 46,007257 48,485963 51,428096 54,696210 60,101259

OUT 43,070798 46,214289 48,791424 51,566951 54,964221

NOV 43,467049 46,362174 49,137843 51,881509 55,173085

DEZ 43,914759 46,626438 49,403187 52,161669 55,465502

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar:

Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967 NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970 Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986 CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988 R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo:Atualização, até setembro de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 60,101259 (setembro/2015) = R$ 100,68

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991)

Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994)

Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995)

Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)

Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002.Fonte: Site do Tribunal de Justiça de São Paulo

* Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.

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Setembro/2015 – Edição 222

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