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INFORMATIVO SEMANAL JORNAL PONTE GIRATÓRIA # EDIÇÃO 1 # MAIO 2013

Jornal Ponte Giratória - 1ª edição

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Jornal semanal do Festival Palco Giratório.

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Page 1: Jornal Ponte Giratória - 1ª edição

INFORMATIVO SEMANAL

JORNAL PONTE GIRATÓRIA

# EDIÇÃO 1 # MAIO 2013

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SESC PERNAMBUCO

PresidenteJosias Silva de Albuquerque Diretor RegionalAntônio Inocêncio Lima Diretor de Administração e FinançasWladimir Paulino Vilela Diretora de Atividades SociaisSílvia Cavadinha Diretora de Educação e CulturaTeresa Ferraz Gerente de CulturaJosé Manoel Sobrinho Coordenadora do FestivalPalco Giratório RecifeGaliana Brasil Assessora de ComunicaçãoMaíra Rosas

JORNAL PONTE GIRATÓRIA EdiçãoValmir Santos (MTB 22.457/SP) TextosClarissa Falbo e Paula Melo Projeto GráficoRafa Mattos ApoioAssessoria de Comunicação do Sesc PE

Contato:[email protected]

O Jornal Ponte Giratória é uma ação integrada ao 7º Festival Palco Giratório Recife, realização conjunta do Sesc PE e do Departamento Nacional do Sesc. Os artigos opinativos não refletem, necessariamente, o ponto de vista da publicação.

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Eis que chega o mês de maio, trazendo a sétima edição do Festival Palco Giratório Recife! Com uma programação eclética, fruto da imaginação e criatividade dos produtores culturais de todas as regiões do País aprovados pela Curadoria Nacional do Sesc. Com esta marca da diversidade quem ganha é o público que nos prestigia, pois tem espetáculo na rua e nos teatros da cidade.

Este ano, teremos um diferencial, trata-se da circulação semanal de um Informativo que denominamos JORNAL PONTE GIRATÓRIA, pois afinal de contas, estamos no Recife, onde as pontes facilitam os acessos para os seguidores da nossa programação. Também ampliamos o quantitativo de espetáculos com acessibilidade comunicacional para ninguém ficar de fora.

Teremos ainda a “Cena Gastrô”, pois os chefs da gastronomia pernambucana não quiseram ficar de fora e criaram novos pratos para seus cardápios, inspirados na nomenclatura dos espetáculos. E como a alma humana, se enriquece com arte; além do alimento, haverá a “Cena Bacante”, quando criadores, atores e público se confraternizam.

Que venham todos participar deste Festival que o Sesc oferece ao público pernambucano!

Teresa Ferraz | Diretora de Educação e Cultura do Sesc Pernambuco

BOAs-vINDAs

O Jornal Ponte Giratória irradia informação e pensamento crítico na 7ª edição do Festival Palco Giratório Recife. Mergulha nas singularidades e variantes das artes do teatro, da dança e do circo. Ausculta artistas daqui e de outros Brasis.

São textos inerentes às obras, às atividades formativas e às quatro ações exclusivas que reafirmam a identidade da versão local deste projeto de circulação nacional: a Cena Bacante, voltada às experienciações fora de molduras e afeitas ao hibridismo de linguagens; a Cena Gastrô, em que chefs de restaurantes são convidados a criar pratos inspirados nos temas das peças; a Cena Fotô, um workshop com noções teóricas e práticas de fotografia, além de exposição; e por fim esta publicação semanal.

As páginas que seguem constituem, assim, um espaço documental e reflexivo. Um elogio da memória impressa, digital por extensão, a despeito do caráter efêmero das artes cênicas e gastronômicas.

Intentamos aprofundar processos criativos, ideias, poéticas e análises. E dar ouvidos a Fernando Pessoa, para quem “o que em mim sente está pensado”.

Intervenção urbana Pingos & pigmentos é a primeira do gênero a integrar a programação do festival

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As artes do corpo, pode-se dizer, têm a idade da humanidade. A historiografia dá notícias de um teatro primitivo no Antigo Oriente, cerca de 1500 Antes de Cristo. Assim como nas civilizações islâmicas, por volta do ano 600. Num salto para a Idade Média, na Itália do começo do século XVI, a Commedia Dell’Arte semeia a noção artesã do ofício de ator, cuja habilidade corporal o descola do teatro literário dito culto. Esses artistas vão a feiras e praças, apresentam-se de cidade em cidade, daí a condição de saltimbancos. E num outro salto, para o final da década de 1970 e início dos 80, o governo brasileiro idealiza o Projeto Mambembão, um marco na difusão das artes cênicas entre as chamadas regiões centrais e periféricas.

Esta breve linha de tempo situa a “ancestralidade” do Festival Palco Giratório em sua natureza itinerante. Lançado em 1998, numa iniciativa do Departamento Nacional do Serviço Social do Comércio (Sesc), com sede no Rio de Janeiro, não demora a fixar-se como um projeto de excelência dado o espírito colaborativo no envolvimento dos seus equivalentes regionais. “A rede não tem cabeça, é uma construção coletiva”, diz a gerente de cultura do Sesc Nacional, Marcia Costa Rodrigues, presente ao lançamento do 16º Palco Giratório ocorrido em 14 de março no Sesc Belenzinho, em São Paulo. Participaram do encontro artistas e curadores representantes de vários Estados.

O projeto cobre as 27 unidades federais, contribuindo para uma política cultural de descentralização. Os departamentos são instados a dialogar com os criadores locais dentro da realidade dos seus modos de criar e produzir, ponderando a qualidade e sem paternalismos. “A

curadoria é um lugar de muita responsabilidade”, diz um dos coordenadores da equipe curatorial, Raphael Vianna, do Departamento Nacional. Os técnicos costumam se reunir durante dez dias, no ano anterior, para examinar cerca de 100 propostas e chegar a bom termo quanto aos espetáculos que irão viajar.

“Não analisamos projetos estritamente pelo ângulo artístico. Nossa premissa também é a contramão, no sentido de estimular a produção à margem do eixo”, diz a curadora pelo Departamento Regional em Pernambuco, Galiana Brasil, coordenadora geral do Palco Giratório no Estado.

Para o Circuito Nacional 2013, foram selecionados 18 grupos oriundos das regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Seus espetáculos de circo, dança e teatro perpassam vários gêneros e linguagens, como criação para criança, rua, formas animadas e intervenção urbana, esta incorporada pela primeira vez.

Cada departamento tem autonomia para incrementar sua programação. Além dos espetáculos, o público de Recife e região é incentivado a debater com os criadores ao final das sessões. Já os artistas, sejam estudantes, amadores ou profissionais, têm a chance de integrar oficinas e aprimorar sua formação.

Coube ao Sesc PE bolar estratégias para o seu evento. Entre elas, está a Cena Bacante, com experimentos e performances curtas exibidas nas noites de sexta-feira. E a Cena Gastrô, voltada à alquimia da arte gastronômica, em que chefs elaboram pratos exclusivos conforme o conteúdo de determinadas obras.

A edição deste ano faz conexões com departamentos do Sesc em Alagoas, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, firmando mão dupla de núcleos artísticos entre Pernambuco e as referidas praças.

Outro segmento particular são as Aldeias, mostras locais de artes cênicas e demais manifestações culturais – no caso de Pernambuco, corresponde ao Festival de Artes do Vale do São Francisco realizado em agosto pelo Sesc Petrolina.

Com orçamento nacional de R$ 8,5 milhões, o Palco Giratório não quer apenas fazer circular, mas promover trocas de experiências e vivências nos territórios da cena e da sua recepção pelo distinto espectador.

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Lançamento do festival no dia 14/3 no Sesc Belenzinho (SP)

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Por valmir santos

Sesc PE encampa 7ª versão do Festival Palco Giratório cuja 18ª edição do projeto nacional é lançada em SP

CENA NuMéRICA46 espetáculos

7 performances ou experimentos

47 grupos ou artistas

6 teatros

2 praças, além de rua, largo e pontes

6 restaurantes na Cena Gastrô

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Uma política de pão e circo que vai muito além dos moldes arcaicos de tapear a realidade com arte e alimentação inferiores. O Festival Palco Giratório Recife apresenta uma dinâmica bastante diversa. É pão e circo, sim. Mas contempla também monólogo, dança, intervenção urbana, performance. É camarão, ravióli, piña colada. É arte e comida para a alma.

Durante maio inteiro, Recife e Olinda são palco da Cena Gastrô, uma das ações integradas às apresentações cênicas do evento. Chefs de seis restaurantes criaram pratos e drinks inspirados na maioria das 46 montagens da programação.

Público e artistas são recebidos para uma experiência gastronômica diferente: uma homenagem dupla ao bom teatro e ao bem comer. As refeições são vendidas a preços populares.

Para a coordenadora do Palco Giratório, Galiana Brasil, mentora da Cena Gastrô, ambas as experiências estéticas são complementares, inclusive na educação dos sentidos: cena e gastronomia ligadas desde o princípio histórico à festa, à celebração da bebida, do alimento.

“Gostaríamos de fazer com que o público complementasse a apreciação estética experimentada no teatro com sua correspondente gastronômica inspirada no espetáculo. Acrescentamos a essa inspiração inicial o diálogo com os chefs, o mote artístico com que cada um cria. É, de fato, um trabalho de processo criativo que retroalimenta a veia criativa do festival”, afirma a coordenadora.

Os chefs convidados – César Santos, da Oficina do Sabor; Rivandro França, do Cozinhando Escondidinho; Ivalmir Barbosa, do Senac; Claudio Kovacic, do Kovacic; Hilda Gil, do restaurante natural Nossa Casa; e André Falcão, do La Pasta Galleria – prepararam receitas como A pereira da tia miséria, uma entrada assinada por Rivandro, que leva queijo de coalho e hortelã fritos, com tomate seco e mel de engenho picante, tudo flambado na cachaça. O beijo no asfalto gratinado, um prato de macaxeira com camarão, criado por César Santos. E o Pássaro do sol, um merengue italiano com amoras maceradas e redução de aceto balsâmico, de André Falcão.

Nos menus, as cerca de 40 criações buscam aproximar espectadores do teatro e comensais da gastronomia, e vice-versa. Com este intento, a produção do Palco Giratório distribuiu passaportes entre as seis casas participantes. Quem consumir qualquer prato da Cena Gastrô ganha, automaticamente, um passaporte que dá direito a assistir a uma peça à escolha, gratuitamente. O recibo pode ser trocado na bilheteria do festival.

Chef Rivandro FrançaSobremesa: Colchão de noiva no palcocom pingos e pigmentos

KovacicRua Dom Pedro Henrique, 153-A, Boa VistaTelefone: (81) 9612-7776Horário de funcionamento:qui. a sáb. 12h/15h e 20h30/3h (fecha de dom. a quar.)Não aceita cartõesFunciona apenas com reserva, pelo Facebook “Kovacic A Cozinha”e pelo telefone

Nossa CasaAvenida Oliveira Lima, 784,Boa VistaTelefone: (81) 3032-4408Horário de funcionamento:12h/15h (fecha sáb. e dom.)Cartões: M e V

fotografias: Rafa Medeiros

ARTE E COMIDA D’ALMA

Público e artistas do Palco Giratórioexperimentam alta gastronomia na Cena Gastrô

Por Paula Melo

Oficina do saborRua do Amparo, 335, OlindaTelefone: (81) 3429-3331Horário de funcionamento: ter. a sex 12h/16h e 18h/0h; sáb. 12h/1h; dom. 12h/17h; fecha seg.Cartões: H, D, A, V, MSite: www.oficinadosabor.com

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Chef André FalcãoRaviolonni Simbá

Chef Claudio Kovacic

Nossa CasaAvenida Oliveira Lima, 784,Boa VistaTelefone: (81) 3032-4408Horário de funcionamento:12h/15h (fecha sáb. e dom.)Cartões: M e V

Chef César santos

Chef Hilda Gil

Chef Ivalmir BarbosaFilé de peixe com mexilhões Tu sois de onde?

Cozinhando EscondidinhoRua Conselheiro Peretti, 106,Casa AmarelaTelefones: (81) 8618-6781 e (81) 9669-3924Horário de funcionamento:quar. a dom. 12h/16h; sex. e sáb. até 22hCartões: V, M, H, D

Restaurante-Escola do senacAvenida Visconde de Suassuna, 500,Santo AmaroTelefone: (81) 3413-6691Horário de funcionamento: 12h/15h(fecha sáb. e dom.)Cartões: V, M, A, DSite: www.pe.senac.br

La Pasta GalleriaAvenida Herculano Bandeira, 77, Galeria Joana D’Arc, PinaTelefone:(81) 3328-3848Horário de funcionamento: ter. a qui. 19h/0h;sex. e sáb. 19h/1h; dom. até 0hCartões: M, V

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Coquetelde ilusão,de Raphael santacruze convidados no CAsA

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Centro de Articulação de saberes ArtísticosDivulgação

O espectador contemporâneo compartilha cada vez mais trabalhos em processo. Percebe que algumas pérolas da Arte brotam do estágio do inacabado, do ensaio, e não apenas do que configura um resultado, um espetáculo. Afinal, há margem para o sublime no precário. Para o inominável que desata as convenções formais e temáticas.

A Cena Bacante abre-se convictamente ao campo dos experimentos, assim como Baco, segundo a mitologia romana, abraçou sua sina: ele descobriu que macerar uvas dava vinho, foi invejado por isso, conheceu a loucura e só depois celebrou a cura e a liberdade de empreender novas rupturas.

Pelo terceiro ano consecutivo, a ação do Festival Palco Giratório dedica os finais de noite de sexta-feira ao rito e ao risco das linguagens híbridas, sempre a partir das 23h. O Anexo Cultural CASA (Centro de Articulação de Saberes Artísticos), na Tamarineira, vai abrigar sete criações.

Na primeira noite (3/5), Coquetel de ilusão aproxima o circo-teatro do ilusionismo e de outras linguagens, cabendo ao mágico Raphael Santacruz ciceronear seus convidados, jovens e veteranos, em clima festivo de abertura do festival. Um diálogo inventivo com as tradições do picadeiro. Santacruz, que assina concepção, direção e pesquisa com Chris Galdino, apresenta ainda o trabalho Abracasabra, associando sua arte ao cotidiano do cidadão comum.

A Cena Bacante abre-se convictamenteaos experimentos e às performances

A sexta seguinte (10/5) traz os experimentos em dança de Cara da mãe. São três etapas vivenciais a partir da memória corporal das intérpretes-criadoras Ana Luiza Bione, Janaina Gomes e Íris Campos. Dirigidas por Luciana Lyra, elas tecem relação com depoimentos de mulheres participantes da oficina Mito-Mãe, realizada pelo Coletivo Cênico Tenda Vermelha. Já o núcleo Labô-Espetáculo mostra parte de seu treinamento e do trabalho atualmente em processo, m maiúsculo. Alex Brito, Bruno Britto e Eddie Monteiro desenham três personagens: dois amigos que mantêm uma relação cheia de segredos e expectativas e um espectador que assiste ao drama de ambos. Nessa permuta de lugares, questionam noções de tempo e espaço e as pessoas neles inseridas. Direção de Virginia Brasil e preparação corporal de Murilo Freire.

No dia 17/5, é a vez da performance Tiro, na qual a designer Isabela Faria discute liberdade feminina. No solo, chaves que em algum momento guardaram segredos são finalmente liberadas, simbolizando a quebra de dogmas e tabus. É a vez também do Solo para várias vozes, performance vocal do intérprete-pesquisador Conrado Falbo concebida a partir de prospecção junto ao Coletivo Lugar Comum com o mote das possibilidades da voz em cena, além de seus estudos afins como doutorando da UFPE. Em cena, uma voz em rascunho busca suas possibilidades além da fala e do canto, acompanhada por si mesma ou desdobrando-se no espelho dos próprios sons.

A última noite (24/5) é dedicada ao fragmento A visita, extraído do clássico O tartufo, do comediógrafo francês Molière (1622-1673), e dirigido por Rafael Moraes. A proposta é fruto do projeto de formação Experimenta Cena, coordenado por Jailson Lima no Sesc Petrolina. O encerramento da Cena Bacante fica a cargo do multiartista Marcondes Lima, cofundador do Grupo Mão Molenga, aqui às voltas com o exercício performático Sereia no escuro, sob assistência de direção de Carla Denise. Calcado na improvisação como meio de expressão e não de preparação para o trabalho do ator, ele joga com os limites de linguagens (representação, canto e dança) sem preocupar-se com as convenções. O ator, em tom confessional, faz de si personagem. Fala do fazer artístico, entremeia memórias e evoca o ser mitológico das águas, metade peixe, metade mulher, como metáfora do artista e dos estados de inadequação, de dubiedade e de inconformismo diante da existência.

ELOGIO DA RuPTuRA

Conrado Falbo interpreta Solo para várias vozes

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QuEM ENCENA uM CONTO AuMENTA uM PONTO

“Gente de teatro quando lê livros que gosta pensa logo na possibilidade de encená-los”, conta Sandra Vargas, atriz do Grupo Sobrevento (SP). Foi assim com São Manuel Bueno, mártir, escrito pelo espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936). Os integrantes do Sobrevento leram a obra e se impactaram com as reflexões de um padre bom e santo que duvida da própria fé.

À época, porém, o teatro de bonecos, linha estética do grupo há 25 anos, parecia não responder às necessidades de uma possível adaptação. “Julgávamos que o romance impusesse um tom realista, o qual só pudesse ser alcançado se abandonássemos os bonecos”, diz Sandra. Os bonecos continuaram, o livro seguiu bem guardado e o intento de adaptá-lo postergado por dez anos.

Até que uma das passagens criadas por Unamuno fosse rememorada em pesquisas sobre o ofício do artista, justo a que narra a chegada de um mamulengueiro para se apresentar no povoado do pároco. Enquanto o mestre mostra a sua arte, a mulher com quem é casado morre. Em respeito ao público, ele decide levar o espetáculo até o fim. Outra vez o texto que tratava da dúvida e de novo a vontade de dividi-lo com os espectadores. Agora formas estáticas e sem articulações, parecidas com as figuras de um presépio, trariam o distanciamento e a conotação épica que o livro demandava. Tudo uma questão de tempo de maturação.

Nove horas é a duração estimada pelo diretor da Companhia Atores de Laura (RJ), Daniel Herz, para levar a íntegra das páginas de O filho eterno, do naturalizado paranaense Cristovão Tezza, para o palco. “Mas adaptar é abrir mão”, diz. Nos 80 minutos do monólogo, o ator Charles Fricks interpreta um escritor pai de um filho com síndrome de Down, narrando na terceira pessoa a história. Para Herz, a dinâmica da linguagem usada no original, com a narração e os sentimentos do personagem se sobrepondo, gera uma interessante teatralidade e chama a plateia a se colocar no lugar do protagonista. Outro aspecto lembrado pelo diretor é a generosidade do autor: “O Cristovão nos confiou a sua obra, não fez ponderações ou reservas à adaptação.” A sintonia com o escritor foi tão profícua que o novo trabalho da companhia, Beatriz, é mais uma transposição da literatura de Tezza para a cena.

O universo do escritor moçambicano Mia Couto e o folguedo do cavalo marinho são a matéria prima do Grupo Peleja (SP) para Gaiola de moscas, adaptação do conto homônimo. “Encontramos

links entre a realidade de Moçambique retratada pelo autor e as passagens fantásticas por ele criadas e o modo de vida e as manifestações populares da zona da mata pernambucana”, diz Lineu Gabriel, ator do Peleja. Estruturado em forma de jogral e bastante corporalizado, o espetáculo combina a prosa de Couto com o ritmo e a pulsação da manifestação folclórica.

Baldroca, peça da Associação Teatral Joana Gajuru (AL), é a adaptação para o teatro de rua de Corpo fechado, conto do mineiro Guimarães Rosa (1908-1967) incluído no livro Sagarana. “Guimarães combina com a rua e sua obra combinou com a nossa pesquisa em cultura popular”, diz Abides de Oliveira, ator do grupo responsável por adaptar o conto.

Histórias curtas de outro autor brasileiro, Artur Azevedo (1855-1908), resultaram em Amor confesso, da Cia. Falácia (RJ). Na peça, os atores Cláudia Ventura e Alexandre Dantas, amigos, companheiros de trabalho e namorados na vida real, vão se casar e em comemoração decidem encenar oito contos do maranhense sobre uniões amorosas. O inesperado é que, uma a uma, as histórias vão revelando finais não tão felizes assim. “Usamos a linguagem narrativa para adaptar. A brincadeira é trabalhar com o texto tal qual foi escrito, mexer o mínimo possível em sua estrutura. Assim fazemos dos espectadores nossos cúmplices e as cenas só se resolvem na cabeça de quem está na plateia”, diz Dantas.

Estatuetas usadas pelo Grupo Sobreventodão vida à obra de Miguel de Unamuno

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Charles Fricks, da Cia. Atores de Laura, interpreta o texto de Cristovão Tezza

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Criadores dividem detalhes sobre processos de adaptação de obras literárias para o teatro

Por Clarissa Falbo

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A peça não começou. O público está no palco e pode manusear os objetos de cena, percorrer o espaço que logo mais será ocupado pelos atores, sentir com as mãos o cenário em uma espécie de tour tátil. Uma voz passa informações sobre a encenação: uma sinopse, a descrição dos figurinos e notas sobre o contexto da montagem.

Não se trata de uma encenação fora dos padrões tradicionais, estamos falando apenas de um espetáculo com audiodescrição, ferramenta que facilita a fruição de obras cênicas às pessoas com deficiência visual.

Os dispositivos de acessibilidade comunicacional não param por aí. A tradução em libras (língua brasileira de sinais) também pode ser usada para que os surdos assistam a espetáculos teatrais com maior facilidade. “Para cada barreira existente há uma acessibilidade que permite transpô-la. Precisamos pensar estratégias e tecnologias para democratizar o acesso à arte”, diz a arte-educadora e mestre em educação inclusiva Andreza Nóbrega. Ela é a responsável por tornar acessíveis os espetáculos do Festival Palco Giratório Recife desde 2010. Uma cabine com isolamento acústico ao fundo da plateia é o local de trabalho dos audiodescritores. Os profissionais observam as cenas e narram, durante intervalos silenciosos, a movimentação dos atores, as mudanças na iluminação, as piadas visuais etc. Rádios e fones similares aos usados para traduções simultâneas servem para que as falas dos descritores sejam ouvidas pelas pessoas de baixa visão ou cegas que estejam presenciando a encenação.

As notas introdutórias, passadas antes de se iniciar a peça, situam o espectador que não tem acesso às informações visuais do programa do espetáculo, por exemplo, e o tour tátil, uma ferramenta opcional, pode ser utilizado para familiarizar o público com elementos presentes na cena e evocados pelo texto.

Para a tradução em libras, o intérprete fica posicionado ao lado do palco ou do espaço cênico e passa o texto para o público surdo. Para diferenciar as falas dos personagens, ele muda a posição do corpo e executa, com o movimento das mãos, sinais que caracterizam cada papel. O intérprete indica também a entrada de músicas, efeitos sonoros e ruídos da sonoplastia.

Disponibilizar recursos de acessibilidade comunicacional é apenas um ponto do trabalho de inclusão. De acordo com o gerente de cultura do Sesc Pernambuco, José Manoel Sobrinho, a acessibilidade é uma política institucional que começa na modificação da estrutura física das unidades do Sesc no Estado, com a construção de rampas, por exemplo, e finda na formação de público para as sessões. “Nossos projetos estipulam também a divulgação dos eventos acessíveis e a articulação com as entidades representativas dos deficientes para que eles venham ver os espetáculos”, diz.

TEATRO DE TODOsOs sENTIDOs

Espetáculos com audiodescrição e traduzidos para libras compõem a

programação inclusivaPor Clarissa Falbo

Espetáculo Divinas abre as sessões acessíveis do Palco Giratório Recife

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AS SESSõES DESTA EDIÇÃO

DIVINAS

O FILHO ETERNO

GAIOLA DE MOSCAS

SIMBá, O MARUJO

A PEREIRA DA TIA MISÉRIA

3/5 às 19h30Teatro Barreto Júnior

9/5 às 20hTeatro Apolo

26/5 às 19hTeatro Hermilo Borba Filho

(Infantojuvenil) 25/5 às 16hTeatro Marco Camarotti

23/5 às 16hPraça do Carmo