Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Jurisprudência da Terceira Seção
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 33.511 - MG (Registro n. 2001.0131061-5)
Relator:
Autora:
Réu:
Suscitante:
Suscitado:
Ministro Paulo Gallotti
Justiça Pública
Roberto Luiz de Paula Freitas
Juízo Federal da 3.a Vara de Juiz de Fora - SJ/MG
Juízo de Direito de Além Paraíba-MG
421
EMENTA: Penal - Conflito de competência - Desmatamento e queimada de aproximadamente 25 hectares - Propriedade particular - Inexistência de autorização dos órgãos competentes - Área de preservação permanente sujeita à fiscalização e controle do lhama.
1. Compete à Justiça Federal processar e julgar a ação penal em que se apura a prática de delito contra o meio ambiente, previsto na Lei n. 9.605/1998, consistente no desmatamento, sem autorização, de área de preservação permanente sujeita à fiscalização do Ibama.
2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juiz Federal da 3'" Vara de Juiz de Fora, o suscitante.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o suscitante, Juízo Federal da 3.a Vara de Juiz de Fora - SJ/MG, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Vicente Leal, Fernando Gonçalves, Gilson Dipp e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Felix Fischer e Jorge Scartezzini.
Brasília-DF, 14 de agosto de 2002 (data do julgamento).
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no DI de 24.02.2003.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Paulo Gallotti: Versam os autos sobre conflito negativo de competência entre o Juiz Federal da 3.a Vara de Juiz de Fora e o Juiz
RST}, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
422 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de Direito de Além Paraíba, no Estado de Minas Gerais, relativamente ao
inquérito policial instaurado contra Roberto Luiz de Paula Freitas para apurar a prática do delito referido no artigo 39 da Lei n. 9.605, de 12.02.1998,
em razão de ter sido surpreendido pela Polícia Militar promovendo
desmatamento na Fazenda Bom Sossego, de propriedade particular, de aproximadamente 25 ha (vinte e cinco hectares) de área de preservação
ambiental permanente, com queimada e cozimento de carvão, sem a devida autorização dos órgãos competentes.
O Juízo de Direito, acolhendo o parecer do Ministério Público Estadual, declinou de sua competência em favor da Justiça Federal.
Esta, por sua vez, suscitou o presente conflito, com base na manifestação ministerial de fls. 12/16, assim resumida, no que interessa:
"Vindo os autos à apreciação do Ministério Público Federal, houve inicialmente uma requisição pela confecção de laudo pericial, que
afirmou ser a área desmatada de propriedade particular, situada na zona
rural do município de Além Paraíba.
( ... )
Entende o Ministério Público Federal que a Justiça Federal não possui competência para apreciar o delito objeto do presente inquéri
to policial.
( ... )
A Lei n. 9.605/1998 não fez referência expressa à competência da Justiça Federal para o processo e julgamento dos crimes ali pre
vistos. Desta forma, a competência da Justiça Federal, nos exatos ter
mos do artigo 109, IV, da Constituição Federal, somente se firma quando a infração penal for cometida em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas pú
blicas.
Assim, a competência da Justiça Federal tem de ser analisada no caso concreto, sendo irrelevante a mera capitulação do evento crimi
noso em um dos artigos da Lei n. 9.605/1998.
Nem mesmo o fato do Ibama possuir atribuição para autuar o
autor de desmatamento determinaria a competência federal na maté
ria, e isto é assim porque a proteção do meio ambiente é matéria de
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
RST], Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 423
Municípios. Exemplo disto é que a autuação existente no caso concre
to foi lavrada pelo Instituto Estadual de Florestas - IEF.
c·· .) Na verdade, o interesse federal estaria presente em delitos pra
ticados contra a flora, quando o ato criminoso houver sido praticado
em áreas protegidas pelo Poder Público Federal e de responsabilidade direta federal.
Por outras palavras, o delito teria de ocorrer dentro dos limites,
ou entorno, de Unidade de Conservação, ou APA Federal.
E isto é assim porque a criação de espaços especialmente protegidos também é competência comum atribuída a todos os entes federativos. Eis as disposições contidas no artigo 9.Q. da Lei n. 6.938/1981:
'Art. 9.Q.. São Instrumentos da política nacional de meio am
biente:
COmissis) ...
IV - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal, tais
como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas.'
Portanto, pelo exame dos autos, entende o Ministério Público Federal que não restou demonstrado o efetivo interesse da União, pois evidenciado que a suposta infração ocorreu em terras particulares, não
declaradas como de especial proteção ambiental por qualquer ente federal.
Nem mesmo o fato do desmatamento investigado haver eventualmente atingido vegetação de Mata Atlântica seria determinante da competência federal, pois a Constituição Federal considerou a Mata Atlântica como patrimônio nacional, o que não significa pertencer ela ao patrimônio da União. No caso, patrimônio nacional é um bem de interesse de todos os entes federativos, que devem assegurar sua preservação."
Instada, a Subprocuradoria Geral da República opinou pela competência da Justiça Federal.
Relatei.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
424 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): A partir de 1998, com a edição da Lei n. 9.605/1998, os delitos contra o meio ambiente passaram a ter disciplina própria, não se definindo contudo a Justiça competente para conhecer das respectivas ações penais, certamente em decorrência do contido nos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, que estabelecem ser da com
petência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proteger o meio ambiente, preservando a fauna, bem como legislar concorrentemente sobre essas matérias.
Resta, portanto, verificar, no caso, se o delito teria sido praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, a teor do disposto no artigo 109, IV, da Carta Magna, de forma a firmar ou não a competência da Justiça Federal.
A própria descrição dos fatos está a indicar que se encontra presente
essa hipótese, razão pela qual cabe à Justiça Federal o processo e julgamento do presente feito.
A propósito, confira-se o seguinte trecho do parecer da Dra. Cláudia Sampaio Marques, Subprocuradora-Geral da República, verbis:
"No entanto, muito embora a área pertença ao particular, é certo que trata-se de área de preservação permanente, sujeita à fiscalização e controle pelo Ibama, órgão integrante do Poder Executivo Federal.
Os crimes contra o meio ambiente não são de competência exclusiva da Justiça Federal ou da Justiça Estadual 'Isto porque a Constituição Federal considerou ser da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente, explicitando o combate à poluição e a preservação das florestas, da fauna e da flora' (Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Ney de Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa, Crimes e Infrações Administrativas Ambientais, Editora Brasília Jurídica, 2000, p. 122).
Para que a Justiça Federal processe e julgue crimes contra a flora e a fauna é necessário que estes sejam praticados 'em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas' (art. 109, IV, da CF).
No caso concreto, o delito foi praticado contra serviço da União, na medida em que lhe compete privativamente, através de seus órgãos,
RST], Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 425
o combate aos delitos cometidos em florestas de preservação permanente, a teor do artigo 3Q
, § lQ, da Lei n. 4.771/1965: 'a supressão total
ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida
com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for neces
sária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade
pública ou interesse social'.
Estudando este tema, ensina Nicolao Dino de Castro e Costa Neto que,
'De igual sorte, as florestas de domínio privado. Também em
relação a estas não existe a competência privativa da União para
legislar, tampouco a exclusividade do exercício do poder de po
lícia. Entretanto, o Código Florestal, no artigo 19, com a reda
ção dada pela Lei n. 7.803/1989, deixou patenteado o interesse
federal na questão, ao prever que a utilização de qualquer tipo de
formação florestal depende de aprovação prévia do lbama, 'bem
como da adoção de técnicas de condução, exploração, reposição
florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas que
a cobertura arbórea forme'.
Assim, mesmo que os Estados detenham parcela do poder de
polícia em relação às reservas florestais legais em áreas integran
tes de seu território, presente estará o interesse federal, traduzi
do na previsão legal, expressa e indeclinável, de atuação do
lbama, no que concerne ao controle da utilização racional de tais
ecossistemas. Daí pode-se chegar à conclusão de que competen
te será a Justiça Federal para processar e julgar as infrações cujo
objeto material sejam florestas, de preservação permanente ou
não, naturais ou plantadas, públicas ou de domínio privado'. (ob.
cit., p. 125).
A lesão, na hipótese, não se configura necessariamente contra bem
da União, mas contra seu serviço, hipótese que se enquadra perfeita
mente na competência da Justiça Federal, a teor do artigo 109, IV, da
Constituição Federal.
Além disso, é inegável o interesse prevalente da União na preser
vação desses bens, tanto que atribuiu a um ente seu fiscalizar o cum
primento da legislação pertinente.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
426 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Voltando às lições de Nicolao Dino de Castro e Costa Neto,
'Dessa forma, prevendo a lei, por exemplo, o exercício do poder de polícia dos órgãos federais, as condutas que implicarem
em violação das atividades administrativas das quais estes estiverem incumbidos estarão submetidas à competência jurisdicional da Justiça Federal.' (ob. cit., p. 124)." (fls. 22/25).
Pelo exposto, conheço do conflito e declaro a competência do Juízo Federal da 3l1. Vara de Juiz de Fora-MG, o suscitante.
É o meu voto.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 34.790 - PA (Registro n. 2002.0038567-6)
Relator:
Autora:
Réus:
Ministro Hamilton Carvalhido
Justiça Pública
Alberto Marques do Nascimento e Iracema Cardoso Rodrigues
Suscitante: Alberto Marques do Nascimento
Advogados: Rita Simone Lopes Lucas e outros
Suscitados: Juízo Federal da laVara da Seção Judiciária do Estado do Pará e Juízo Auditor da Justiça Militar do Estado do Pará
EMENTA: Conflito de competência - Penal - Crime praticado por militar e civil contra civil - Crime militar - Ocorrência - Unidade de processo - Impossibilidade - Inexistência de crime a ser
processado e julgado na Justiça Federal - Concessão de habeas corpus de ofício.
1. "Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os po
liciais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças." (artigo 125, § 4J!., da Constituição da República).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDENCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 427
2. "Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum, pela prática do crime comum simultâneo àquele." (Súmula do Superior Tribunal de Justiça, Enunciado n. 90).
3. Em inexistindo lesão direta a bens, serviços ou interesses da União Federal, de suas autarquias ou empresas públicas, é de se reconhecer a competência da Justiça Comum Estadual para a apuração de responsabilidade penal, mormente quando da conduta delituosa resultar prejuízo tão-somente a particular. Precedentes.
4. Conflito de competência conhecido para declarar competente para conhecer do fato criminoso imputado ao denunciado Alberto Marques do Nascimento o Juízo Auditor da Justiça Militar do Estado do Pará. Habeas corpus concedido de oficio para anular ab initio o processo instaurado contra a denunciada Iracema Cardoso Rodrigues, com a conseqüente remessa dos autos ao Juízo Estadual com competência.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as aCIma indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitado, Juízo Auditor da Justiça Militar do Estado do Pará, quanto ao réu Alberto Marques do Nascimento e, quanto à ré Iracema Cardoso Rodrigues, conceder o habeas corpus de ofício para anular o processo ab initio com remessa dos autos à Justiça Estadual, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Paulo Medina, Fontes de Alencar e Gilson Dipp. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca.
Brasília-DF, 9 de abril de 2003 (data do julgamento).
Ministro Hamilton Carvalhido, Relator.
Publicado no DJ de 05.02.2003.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Conflito de competência suscitado pelo denunciado Alberto Marques do Nascimento, em face do Juízo da
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
428 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I li. Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará e do Juízo Auditor da Justiça Militar do Estado do Pará, nos seguintes termos:
"C·· .) Que o Requerente, em 31.01.2001, fora denunciado pela Procura
doria da República, como incurso no artigo 316, § 2.2., c.c. art. 29, ambos do Código Penal Brasileiro, estando o processo com data marcada para oitiva de testemunha de acusação em 28.05.2002, conforme se comprova com as xerocópias em anexo, cujo processo tramita na 4l1. Vara Penal Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará.
Tal denúncia fora baseada em dados colhidos em procedimento administrativo promovido junto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, onde sequer o Suplicante fora chamado para prestar quaisquer esclarecimentos, em total afronta ao princípio constitucional da ampla defesa.
Em contrapartida, foi instaurado inquérito policial militar e posteriormente conselho de disciplina, no qual fora absolvido por insuficiência de provas que levasse a comprovação de envolvimento militar no crime suscitado.
Que, com base no que fora apurado em IPM, o ora requerente também fora denunciado pela Justiça Militar Estadual do Pará, como incurso no artigo 251 do Código Penal Militar, sendo a peça inicial recebida pelo Juiz-Auditor, reconhecendo dessa maneira sua competência para julgamento do feito, estando o processo em fase de oitiva de testemunhas de acusação.
A processualística penal brasileira ampara o Princípio do ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato, aplicando-se ao Direito Penal material e Processual, evitando o trâmite paralelo de dois processos idênticos.
Ressalta-se, Ex.", que apesar da qualificação jurídica no processo em voga ser diversa da qualificação dada na esfera federal, o fato é o mesmo, ensejando a litispendência.
Isto posto, requer:
1. Que ambos os processos tenham sua instrução suspensa, até decisão final desse Tribunal;
2. Que seja oficiada a 411. Vara Federal, Seção Judiciária do Estado do Pará, bem como a Auditoria Militar Estadual do Pará, para que
RST], Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 429
prestem as devidas informações acerca dos respectivos processos de números 2000.011353-4 e 102/2001;
3. Requer mais que, após proferida a decisão, seja a mesma remetida às autoridades competentes, para executá-la, fazendo assim a verdadeira Justitia." (fls. 2/3).
o Ministério Público Federal se manifestou pelo conhecimento do conflito para que seja declarada a competência da Justiça Militar para processar e julgar Alberto Marques do Nascimento (militar), declarando-se competente a Justiça Comum para o julgamento de Iracema Cardoso Rodrigues, cidadã civil.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Sr. Presidente, consta dos autos que o suscitante Alberto Marques do Nascimento e a denunciada Iracema Cardoso Rodrigues estão sendo processados na Justiça Federal, pela prática dos seguintes fatos:
"( ... )
'Trata-se de Procedimento Administrativo, instaurado no âmbito desta Procuradoria da República, com base em cópias xerográficas do Processo Administrativo n. 264, de 03.02.1999, enviadas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, para apurar a responsabilidade penal dos ora denunciados.
Consta da peça informativa que, no dia 03.02.1998, Elizeu Bentivi Braga, funcionário da empresa Neves Flipper Ltda, compareceu no Centro de Avaliação Técnica dos Bombeiros - CAT para efetuar o pagamento da taxa de vistoria anual do citado estabelecimento comercial, sendo atendido pelo denunciado Alberto Marques do Nascimento, 3.Q. SGT BM, que exercia a função de protocolista da Diretoria de Serviços Técnicos do CBMP.
O valor informado pelo denunciado Alberto Marques do Nascimento foi de R$ 198,90 (cento e noventa e oito reais, e noventa centavos), que foi pago no Posto Avançado dos Correios, localizado no mesmo prédio do CAT, sendo atendido pela denunciada Iracema Cardoso Rodrigues atendente comercial da ECT.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
430 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ocorre que, o valor correto da taxa seria de apenas R$ 19,69 (dezenove reais, e sessenta e nove centavos), fato que a vítima só veio a tomar conhecimento quando da renovação da vistoria anual, em
26.04.1999 - mais de um ano após o pagamento indevido.
Embora constem nos autos acusações recíprocas feitas entre os acusados, existem provas de conluio para a prática delituosa que ora se apura. Senão vejamos. O requerimento de vistoria foi preenchido pelo denunciado Alberto Marques do Nascimento com o valor correto, bem como registrada esta quantia no livro do protocolo de taxas e emolumentos do CAT-BM, conforme apurou a perícia técnica rea
lizada nos documentos, além de haver reconhecimento desse fato pelo denunciado.
Por sua vez, o Documento de Arrecadação - DDA, de n.
0107153, foi preenchido pela denunciada Iracema Cardoso Rodrigues, sendo que na primeira via, que fica com o cliente, lançou o valor cobrado a maior de R$ 198,90, e não a autenticou mecanicamente. Na
terceira via, no entanto, que pertence ao arquivo dos Bombeiros, registrou o valor correto e a autenticou.
A conduta praticada por ambos amolda-se perfeitamente ao tipo penal previsto no § 2ll. do art. 316 (crime de excesso de exação qualificado) c.c. art. 29, ambos do Código Penal, posto que, valendo-se da qualidade de funcionários públicos, os denunciados desviaram dos cofres públicos quantia indevidamente cobrada.
Isto posto, requer o Ministério Público Federal o recebimento da presente denúncia, prosseguindo-se nos ulteriores de direito - rol de testemunhas de fl. 5 - até final sentença condenatória às penas do art. 316, § 2ll., c.c. o art. 29, ambos do Código Penal.'
( ... )." (fls. 617).
Pelos mesmos fatos, o Bombeiro Militar Alberto Marques Nascimento está sendo processado na Auditoria da Justiça Militar do Estado do Pará
(fls. 13/14).
Tem-se, assim, como caracterizado, na espécie, conflito positivo de
competência somente em relação ao Bombeiro Militar Alberto Marques do Nascimento, uma vez que, conforme relatado, tanto o Juiz Federal da la Vara
da Seção Judiciária do Estado do Pará, como o Juiz-Auditor da Justiça Militar do Estado do Pará, declararam-se competentes para conhecer do mesmo
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 431
fato criminoso atribuído ao militar (artigo 114, inciso I, do Código de Processo Penal).
Resta saber, agora, se o delito atribuído a Alberto Marques do Nascimento, bombeiro militar, se enquadra, ou não, na definição de crime militar, o que ensejaria a competência da Justiça Militar Estadual para processar e julgar o feito.
O artigo 125, § 4.2., da Constituição da República, dispõe que: "Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação dos praças".
E o artigo 9.2. do Decreto-Lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969, definindo os crimes militares, estabelece que:
"Art. 9.2.. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração, ou a ordem administrativa militar;
f) (revogado pela Lei n. 9.299/1996);
IH - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
432 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso I!, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência à determinação legal superior.
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão de competência da Justiça Comum."
Pois bem, o delito atribuído ao Bombeiro Militar tem igual definição na lei penal comum e na castrense, impondo-se, deste modo, para a solução do presente conflito de competência, saber se, in casu, os fatos atribuídos ao denunciado se enquadram, ou não, em qualquer das hipóteses previstas nos incisos I! e lI! do artigo 9Q do Código Penal Militar.
De início, cumpre registrar que o denunciado, sargento do Corpo de Bombeiros Militar, encontrava-se em situação de atividade, considerando-se que:
"( ... ) Na sistemática da lei, militar em situação de atividade é aquele que detém a condição de militar da ativa, em contraposição ao militar da reserva ou reformado, sem confusão conceitual do militar em serviço ( ... ).
Aqui a lei considerou como razão específica para submeter à jurisdição penal, pela configuração do crime e pela subseqüente submissão à Justiça especializada, a condição de militar, tanto no sujeito ativo quanto no passivo, independentemente dos motivos ou do lugar da prática
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 433
do delito." (HC n. 80.249-PE, relator Ministro Celso de Mello, in DJ de 07.12.2000).
Desse modo, exclui-se, logo de início, a incidência do inciso IH do artigo 9.Q. do Código Penal Militar.
E, da análise do inciso H do aludido dispositivo legal, tem-se como configurada a hipótese descrita na sua alínea c, vale dizer, são considera
dos crimes militares os praticados "por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda
que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil".
Do exposto, resulta que o delito imputado ao suscitante deve ser pro
cessado e julgado pela Justiça Militar Estadual, não havendo falar, por outro lado, em ocorrência de conexão ou continência para fins de união de
processo e julgamento, tal como se recolhe do artigo 79, inciso I, do Có
digo de Processo Penal, verbis:
"Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de pro
cesso e julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;"
Veja-se, a propósito, o enunciado n. 90 da Súmula desta Corte Supe
rior de Justiça:
"Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum, pela prática do
crime comum simultâneo àquele."
Pelo exposto, conheço do conflito para declarar competente para co
nhecer do fato criminoso imputado ao denunciado Alberto Marques do Nas
cimento o Juízo Auditor da Justiça Militar do Estado do Pará.
Concedo habeas corpus de ofício para anular, ab initio, a ação pe
nal instaurada contra a denunciada Iracema Cardoso Rodrigues, por entender que inexiste, na espécie, crime a ser processado e julgado perante a Jus
tiça Federal.
É esta, com efeito, a letra do artigo 109 da Constituição da Repúbli
ca, no que interessa à espécie:
RST}, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
434 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
( ... )
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
( ... )." (nossos os grifos).
In casu, trata-se ação penal visando à apuração de possível crime praticado por Iracema Cardoso Rodrigues, que, em conluio com o Bombeiro Militar Alberto Marques do Nascimento, exigiram o pagamento da taxa de vistoria anual de estabelecimento comercial da empresa Neves Flipper Ltda em valor superior ao legalmente previsto, desviando o excedente em proveito próprio.
Recolhe-se, ainda, dos autos, que os denunciados recolheram o valor correto da taxa de vistoria anual aos cofres públicos.
Tem-se, assim, que da alegada prática delituosa resultou tão-somente prejuízo a particular, inexistindo, em princípio, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresa pública a ensejar a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.
Nesse sentido:
"Penal. Processo Penal. Crime de estelionato. Ausente a ofensa a bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias, ou empresas públicas. Competência do juízo comum estadual.
- Inocorrendo efetivo prejuízo a bens, serviços ou interesses da União, e estando comprovada a prática de estelionato cometido contra particulares, a competência é da Justiça Comum Estadual para processar e julgar o feito (caso idêntico ao CC n. 23.117-RS, reI. Min. José Arnaldo).
- Conflito conhecido, declarando competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul." (CC n. 27.631-RS, relator Ministro Jorge Scartezzini, in DJ de 27.11.2000).
"Habeas corpus. Condenação por júri. Alegação de incompetência do foro. Crime praticado por funcionário público.
A condição de funcionário público federal não confere ao agente a faculdade de ver-se processado e julgado em foro federal. De par
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 435
com semelhante premissa há que aferir o envolvimento de bens, serviços ou interesses da União, bem como o efetivo exercício da função pública." (HC n. 65.913-SP, relator Ministro Francisco Rezek, in DJ de 24.06.1988).
Assim sendo, declaro nulo o processo em relação à denunciada Iracema Cardoso Rodrigues, com a conseqüente remessa dos autos ao Juízo Estadual com competência.
É o voto.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO N. 1.108 - DF
(Registro n. 2002.0009698-7)
Relator: Ministro Fernando Gonçalves
Embargantes: Wesley Nogueira Amaral e outros
Advogados: Antônio Carlos Rocha Pires de Oliveira e outro
Embargado: Tribunal Superior Eleitoral
Interessado: Ministério Público Eleitoral
EMENTA: Reclamação - Embargos de declaração - Omissão -Infringência.
1. Não subsiste, em sede de embargos declaratórios, a pretensão de redirecionar o curso da causa, à guisa de omissão, emprestando-lhe feição nova, não aventada pela Corte, porque, evidentemente, não submetida pela parte à sua apreciação, travestindo, assim, o recurso de caráter meramente integrativo em infringente.
2. Embargos rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Felix Fischer,
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
436 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Fontes de Alencar e Vicente Leal. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Scartezzini.
Brasília-DF, 12 de junho de 2002 (data do julgamento).
Ministro José Arnaldo da Fonseca, Presidente.
Ministro Fernando Gonçalves, Relator.
Publicado no DI de 01.07.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Versa a espécie acerca de embargos de declaração opostos por Wesley Nogueira Amaral e outros contra acórdão desta Terceira Seção que guarda a ementa seguinte:
"Agravo regimental. Reclamação. Competência. Tribunal Regional Eleitoral. Matéria não-eleitoral.
1. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça conhecer e decidir recurso contra decisão proferida por Tribunal Regional Eleitoral, em sede de mandado de segurança impetrado contra ato de seu presidente, versando matéria administrativa, não-eleitoral, a propósito de sua atividade-meio.
2. Agravo regimental improvido." (fi. 1.105).
Sustentam os Embargantes, no essencial, a existência de diversas omissões no acórdão que não teria apreciado a argüição de maltrato à letra dos arts. 105, UI; 124, § 4Jl.; 5Jl., caput, e 121, § 3Jl.; 5Jl., inc. LIV; 5Jl., inc. LUI; 5Jl., inc. U, e 5Jl., inc. XXXV, todos da Constituição Federal, bem como aos arts. 543 e 544 do CPC, e arts. 27, § 3Jl., e 28, caput, da Lei n. 8.038/1990, no pertinente à competência do Superior Tribunal de Justiça.
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): Em primeiro lugar, como já devidamente pacificado na jurisprudência, o julgador não está "obri
gado a responder todas as considerações das partes, bastando que decida por inteiro a questão". (REsp n. 330.098-SP, STJ, reI. o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 437
A controvérsia na espécie, girando exclusivamente acerca do tema relativo à competência, se resume, como já anteriormente assentado, no seguinte:
"Os reclamantes, servidores do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, fizeram impetrar mandado de segurança contra ato do Desembargador-Presidente daquela Corte visando ao recebimento dos denominados quintos, consoante a Lei n. 9.527/1997. Concedida a ordem, pelo Ministério Público Eleitoral foi manejado recurso especial eleitoral, cujo seguimento foi negado, dando ensejo à interposição de agravo de instrumento, baixado em diligência para complementação de peças faltantes pelo colendo Tribunal Superior EleitoraL
Em conseqüência, a presente reclamação ao fundamento básico de usurpação de competência deste Tribunal, pois o mandado de segurança versa matéria administrativa não-eleitoral." (fi. 1.481).
Ao fundamento de não se apresentar a decisão do TSE, relativa à baixa do agravo para complementação do instrumento, como excedentes, de modo a invadir a competência do STJ, teve a reclamação negado seguimento, inclusive em sede de agravo regimental, por se cuidar de matéria de índole não-eleitoral e eminentemente administrativa, com incidência da Lei n. 4.737, de 1965 (Código Eleitoral) - arts. 22, lI, e 276, I, letras a e b, bem como da Lei Complementar n. 35/1979 - art. 21, VI.
Já - agora - nos embargos são levantadas considerações de ordem constitucional e legal não suscitadas anteriormente e, portanto, não debatidas e nem decididas, dado que a invocação dos diplomas legais referenciados - Código Eleitoral e Lei Orgânica da Magistratura Nacional - apresentam-se como suficientes à decisão por inteiro da causa.
Pretendem, na verdade, os Embargantes, à guisa de omissão, redirecionar o curso da causa, emprestando-lhe feição nova, não aventada pela Corte, porque, evidentemente, não submetida pela parte à sua apreciação, travestindo, assim, o recurso de caráter meramente integrativo em infringente.
Não houve qualquer omissão. Certo ou errado a Seção apenas teve em mira asseverar não competir ao Superior Tribunal de Justiça conhecer e decidir recurso contra decisão proferida por Tribunal Regional Eleitoral, em sede de mandado de segurança impetrado contra ato de seu presidente, versando matéria administrativa, não-eleitoral, a propósito de sua atividade-meio.
Rejeito os embargos.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
438 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MANDADO DE SEGURANÇA N. 8.269 - DF (Registro n. 2002.0036515-3)
Relator: Ministro Fontes de Alencar
Impetrante: Wagner César da Costa Magalhães
Advogados: Alcides Mattiuzo Júnior e outro
Impetrado: Ministro de Estado da Justiça
EMENTA: Mandado de segurança.
- Ausência de direito líquido e certo.
- Segurança denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a segurança. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Vicente Leal, Felix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini, Paulo Gallotti e Laurita Vazo Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca.
Brasília-DF, 26 de fevereiro de 2003 (data do julgamento).
Ministro Fontes de Alencar, Relator.
Publicado no DJ de 17.03.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Fontes de Alencar: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Wagner César da Costa Magalhães, objetivando dar efeito suspensivo ao recurso administrativo interposto contra ato do Sr. Ministro de Estado da Justiça.
Argumenta o Impetrante:
"O presente mandado de segurança individual é interposto e levado a apreciação deste transparente Tribunal, com o fito de se obter a ordem para que o recurso administrativo interposto em face da decisão da autoridade coatora, seja recebido e processado sob os efeitos do caráter suspensivo, haja vista que a análise acurada das razões recursais
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 439
poderá resultar na anulação do decreto demissionário, posto que o processo administrativo está recheado de nulidades, algumas de ordem pública, o que sem dúvida alguma consiste em afronta a direito líquido e certo, preenchendo os requisitos, inclusive para o deferimento da liminar pleiteada.
Urge repisar, que a pretensão do Impetrante não representa aventura jurídica, muito pelo contrário, está estribado no bom direito, destacando-se ainda, o fato deste inquestionável Tribunal já ter-se manifestado em casos análogos, donde a decisão repousou na pretensão do Impetrante, concessão de efeito suspensivo a recurso, conforme se denota pela cópia da liminar em anexo, proferida no MS n. 7.962-DF.
Ademais, o próprio legislador quando da confecção do Regime Jurídico Único, estampou a possibilidade do recebimento de recurso com efeito suspensivo, assim, o pedido é juridicamente possível." (fl. 8).
A medida liminar pretendida restou indeferida (fl. 123).
Nas informações prestadas às fls. 129/150, o Ministro de Estado da Justiça destaca o seguinte:
" ... O pedido revisional não tem natureza de recurso, nem efeito suspensivo, portanto, não se aplicam os aludidos dispositivos à matéria em tela. Aliás, o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, em seus arts. 174 a 182, estabelece procedimento próprio para a revisão do processo disciplinar. Assim, afasta-se a aplicação da norma ínsita no art. 61, parágrafo único, da Lei n. 9.784/1999, à questão em debate, consoante o disposto no art. 69 da última lei ordinária citada: os processos administrativos especificas continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei. (grifou-se)." (fl. 142).
O parecer da Subprocuradoria Geral da República está pela denegação da segurança, em parecer assim ementado:
"1. Administrativo. Mandado de segurança. Pedido revisional de processo administrativo que determinou exoneração de servidor público. Concessão de efeito suspensivo ao pedido. Impossibilidade.
2. Indeferida a liminar por não restar demonstrado no mandamus qual ato da autoridade impetrada, que a concessão desta medida atingiria.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
440 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Pedido revisional do processo administrativo não tem a natureza de recurso. Ausência de direito líquido e certo. Parecer do Ministério Público Federal pelo conhecimento e denegação da segurança pleiteada." (fi. 251).
VOTO
O Sr. Ministro Fontes de Alencar (Relator): O parecer do Subprocurador-Geral da República Dr. Moacir Guimarães Morais Filho, bem demonstrou a inviabilidade da irresignação:
"Preliminarmente, entende o Ministério Público Federal que por estarem presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o writ deve ser conhecido, porém, da análise do mérito, opina-se pela denegação da segurança pleiteada.
O Impetrante, pleiteia mediante a interposição do presente mandamus, a atribuição de efeito suspensivo ao pedido revisional de processo administrativo, entretanto, o pedido revisional, conforme outrora salientado pelo Ministro de Estado e Justiça, não tem caráter de verdadeiro recurso.
O pedido de revisão é um processo autônomo que corre em apenso aos autos do processo original, conforme versa o artigo 17 da Lei n. 8.112/1990. Em verdade, a Lei n. 9.784/1999 que disciplina o processo administrativo, distingue estes dois institutos procedimentais em seu Capítulo XV, disciplinando o procedimento cabível a cada instituto.
O Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União estabeleceu procedimento próprio para a revisão do processo disciplinar, não se aplicando as regras pertinentes a tramitação dos recursos. Destarte, não cabe conferir a tal ferramenta processual o efeito suspensivo pleiteado neste writ.
O mandado de segurança tem como função a defesa de direito líquido, certo e incontestável, ameaçado por ato manifestadamente inconstitucional de qualquer autoridade, que se designa como autoridade coatora.
O pedido in quaestio carece de direito líquido e certo. Compreende-se como direito líquido e certo aquele contra o qual não se pode opor motivos ponderáveis e sim meras alegações, cuja improcedência
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 441
o magistrado pode reconhecer imediatamente, sem necessidade de detido exame.
A concessão do efeito suspensivo ao pedido revisional sub examen, não previsto normativamente, tal qual o efeito suspensivo aplicado em recurso administrativo, não merece análise, tendo em vista não ter sido concedido pela autoridade administrativa, pois assim não dispõe expressamente a norma, inexistindo lesão a direito líquido e certo tal qual alega o Impetrante.
Celso Antônio Bandeira de Meno (Curso de Direito Administrativo, loa ed., Editora Malheiros, 1998), salienta não caber a concessão de efeito suspensivo ao recurso contra aplicação das penas de exoneração, suspensão e multa, salvo por razões de interesse público. Ora, se mesmo nos recursos administrativos descabe atribuir efeito suspensivo aos recursos contra tais penalidades, o mesmo seria inviável no pedido revisional, um instrumento procedimental de natureza própria e diversa do recurso.
Não ocorrendo quaisquer vícios na tramitação do processo administrativo o qual determinou a exoneração do servidor capaz de ensejar a utilização da via escorreita do mandado de segurança, posto inexistir lesão a direito líquido e certo do servidor, opina o Ministério Público Federal, pelo conhecimento e denegação da ordem impetrada." (fls. 253/256).
Adoto como razão de decidir o que se encontra na manifestação do Minis.tério Público Federal, e denego a segurança.
MANDADO DE SEGURANÇA N. 8.461 - DF (Registro n. 2002.0072235-7)
Relator:
Impetrante:
Advogado:
Impetrado:
Ministro Paulo Gallotti
Paulo Rogério Celindo
Nil Rosinha Queiroz Bragaglia
Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado
Sustentação oral: Josefa Maria Lourenço da Silva (pelo impetrado)
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
442 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Processo civil - Administrativo - Mandado de segurança - Ilegitimidade passiva - Inocorrência - Concurso público -Edital n. 001/1993 - Agente da polícia federal - Decadência - Art. 18 da Lei n. 1.533/1951 - Extinção.
1. No mandado de segurança, a legitimidade da autoridade é
definida na pessoa que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado. Tratando-se, no caso concreto, de portaria ministerial, a autoridade apontada como coatora é parte legítima.
2. Não há que se falar em ato omissivo contínuo quando aberto novo concurso, porque caracterizado ato concreto da Administração
na recusa dos candidatos remanescentes do certame anterior, iniciando-se dessa data a contagem do prazo decadencial.
3. Aplicação do art. 18 da Lei n. 1.533/1951.
4. Extinção da ação mandamental.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar extinto o processo, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Fontes de Alencar, Vicente Leal, Fernando Gonçalves, Felix Fischer,
Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 11 de dezembro de 2002 (data do julgamento).
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no DJ de 17.03.2003.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Paulo Rogério Celindo impetra o presente mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato praticado
pelo Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, objetivando participar da segunda etapa do concurso público para Agente da Polícia
Federal a que se refere o Edital n. 1/1993, em face da abertura de novo cer
tame em 31 de outubro de 2001.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 443
Alega o Impetrante, em síntese, que foi aprovado na primeira fase do concurso público aberto pelo Edital n. 1/1993, que previa o preenchimento de 800 (oitocentas) vagas, sendo classificado em 1.175ll. lugar, havendo, pelo quadro demonstrativo de lotação real elaborado pelo Departamento de Polícia Federal e publicado no Diário Oficial da União, Seção I, p. 17.085, de 2 de setembro de 1996, 1.053 vagas disponíveis, com exclusão das oferecidas no referido concurso.
Segundo o Autor, o resultado da primeira etapa foi homologado pela Portaria n. 603, de 27.12.1994, publicada no DOU de 19.12.1994, tendo expirado a validade do certame no dia 28.12.1996, sem que houvesse sido prorrogado.
Entende violado o direito líquido e certo de ser convocado para a segunda etapa do concurso, uma vez que, na qualidade de classificado na primeira fase, teria sua vaga garantida.
Indeferida a liminar (fl. 81), a autoridade apontada como coatora apresentou informações suscitando preliminares de ilegitimidade passiva, ausência de direito líquido e certo e carência de ação. No mérito, diz que o Impetrante não atingiu a classificação necessária para participar da segunda fase, porque foram oferecidas somente 800 vagas, como previa o edital,
e, ainda, mais 190 vagas para preencher as lacunas dos que, por vários motivos, desistiram da participação (fls. 86/116).
A Subprocuradoria Geral da República recomenda a extinção do feito por ilegitimidade passiva ad causam ou ocorrência da decadência, denegando-se a ordem, se conhecida, manifestando-se a União, após pedido de vista, no mesmo sentido (fls. 118/125 e 130/141).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): Afasto, desde logo, a pretendida ilegitimidade da autoridade apontada como coatora, uma vez que a impetração se calca na falta de prorrogação do certame, bem como no número de vagas criadas pela Portaria n. 212/2001, do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, que, somadas àquelas oferecidas pela Portaria n. 172/1993, em princípio, se mostraria suficiente à convocação do requerente para participar da segunda etapa do concurso.
Ultrapassada essa prefaciaI, no entanto, não vejo como deixar de re'conhecer a ocorrência da decadência.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
444 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na verdade, a compreensão pacificada e consolidada no âmbito desta
Corte é no sentido de que a abertura de novo concurso caracteriza ato con
creto da Administração que recusa os candidatos remanescentes do certame
anterior, iniciando-se daí a contagem do prazo de decadência para a
impetração de mandado de segurança por quem se sentiu lesado em seu direito líquido e certo.
No caso, o requerente diz ter sido aprovado na primeira fase do con
curso cuja validade se expirou em 1996. Depois disso, consta dos autos que
a administração expediu o Edital n. 63/1997, de 5 de setembro de 1997 e
o Edital n. 45/2001, de 31 de outubro de 2001, ambos com a mesma fina
lidade do Edital n. 1/1993, ou seja, a abertura de concurso para o preen
chimento de novas vagas.
Assim, seguindo a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de
Justiça, qualquer direito a ser reclamado pelo Impetrante deveria ter sido
exercido dentro do prazo decadencial da ação mandamental, que, no caso,
iniciou na data da abertura do concurso imediatamente posterior àquele do qual participou, ou seja, o inaugurado pelo Edital n. 63/1997, datado de 5
de setembro de 1997.
Mas, se assim não fosse, mesmo que o prazo decadencial tivesse iní
cio a partir da data do concurso aberto em 2001, mais precisamente no dia
5 de outubro, a decadência teria se operado, porquanto o ajuizamento da
presente ação somente foi efetuado no dia 8 de julho de 2002, conforme
certificado a fl. 2 dos autos.
Sobre o tema veja-se os precedentes:
A - "Processo Civil. Administrativo. Mandado de segurança. Con
curso público. Edital n. 1/1993. Perito criminal. Participação na segun
da etapa. Inexistência de ato omissivo contínuo. Impetração voltada
para novo certame. Decadência. Art. 18 da Lei n. 1.533/195l.
Inexistência da teoria do fato consumado. Extinção.
1. Inexiste ato omissivo contínuo da Administração se o edital,
contra o qual se volta o impetrante, já esgotou seu conteúdo juridico, vale
dizer, teve seu prazo de validade completado, cessando-lhe a eficácia.
O Concurso Público é ato administrativo autônomo: tem início e fim.
Encerrado o certame regulado pelo Edital n. 1/1993 e aberto novo, é deste último ato, concreto e objetivo, que flui o prazo decadencial da
via mandamental.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO 445
2. Decadência reconhecida nos termos do art. 18 da Lei n. 1.533/ 1951.
3. Afastada a teoria do fato consumado, pois a situação de direito é, ainda, inexistente, uma vez que não foi o impetrante nomeado para o cargo. A liminar concedida neste writ, proporcionando-lhe apenas a faculdade de cursar a segunda etapa do referido concurso, não configurando qualquer consolidação de eventual direito. Precedente desta Seção (MS n. 6.183-DF).
4. Preliminar de decadência reconhecida para julgar extinto o writ, com apreciação do mérito, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil.
5. Custas ex lege. Honorários advocatícios incabíveis nos termos das Súmulas n. 512-STF e 105-ST]." (MS n. 5.664-DF, relator o Ministro Jorge Scartezzini, DJU de 27.03.2000).
B - "Agravo regimental. Mandado de segurança. Decadência. Artigo 18 da Lei n. 1.533/1951. Ato omissivo continuado. Inexistência.
1. A abertura de novo concurso pela Administração Pública, porque substancia explícita declaração concreta de recusa de aproveitamento dos candidatos do concurso anterior, põe termo ao que se tem denominado omissão continuada e se constitui em termo inicial do tempo de decadência do mandado de segurança.
2. Incidência do artigo 18 da Lei n. 1.533/1951. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido." (AgRg no MS n. 7.033, relator o Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26.03.2001).
C - "Mandado de segurança. Concurso público. Fiscal do Trabalho. Nomeação. Ato omissivo. Decadência.
Com a abertura de novo concurso, tem-se ato concreto da Administração recusando os candidatos remanescentes do certame anterior, iniciando-se a contagem do prazo de decadência para impetração de mandado de segurança buscando a nomeação dos aprovados. (precedentes).
Mandado de segurança extinto." (MS n. 7.456-DF, relator o Ministro Felix Fischer, DJU de 11.03.2002).
Diante do exposto, o meu voto é no sentido de julgar extinta a presente ação, com exame do mérito, a teor do art. 269, IV, do Código de Processo Civil.
RSTJ, Brasília, a. 15, (170): 419-445, outubro 2003.