KARINA RIBEIRO DA SILVA INVESTIGAÇÃO DAS BASES MOLECULARES ... · KARINA RIBEIRO DA SILVA . INVESTIGAÇÃO DAS BASES MOLECULARES DA IMUNODEFICIÊNCIA PRIMÁRIA DA PROTEÍNA C3 DO

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  • KARINA RIBEIRO DA SILVA

    INVESTIGAO DAS BASES MOLECULARES DA

    IMUNODEFICINCIA PRIMRIA DA PROTENA

    C3 DO SISTEMA COMPLEMENTO HUMANO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Imunologia do Instituto de Cincias Biomdicas da Universidade de So Paulo, para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias.

    rea de concentrao: Imunologia

    Verso original

    So Paulo 2014

  • KARINA RIBEIRO DA SILVA

    INVESTIGAO DAS BASES MOLECULARES DA

    IMUNODEFICINCIA PRIMRIA DA PROTENA C3 DO

    SISTEMA COMPLEMENTO HUMANO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Imunologia do Instituto de Cincias Biomdicas da Universidade de So Paulo, para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias.

    rea de concentrao: Imunologia

    Orientadora: Prof Dr Lourdes Isaac

    Verso original

    So Paulo 2014

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a minha me, a sra Eliana Chagas por ter me dado a vida, pelo apoio e pacincia desde

    o incio da faculdade at hoje, e por todas as oraes para que tudo desse certo. A minha irm

    Flvia Regina por todo apoio, ao meu namorido Rosemberg de Jesus Farias que esteve ao meu

    lado nos momentos difceis e me fez sorrir deixando as coisas mais fceis, obrigada pela

    compreenso. Tenho um agradecimento especial professora, escritora, palestrante, vizinha,

    amiga, madrinha e segunda me, sra Dora de Amarante Romariz por estar presente na minha

    famlia, e na minha vida desde meu nascimento, por me ajudar no pior momento da minha vida

    me estendendo a mo e colaborando ativamente na minha formao, sem sua ajuda seria

    impossvel realizar esse sonho, saiba que nunca vou te esquecer e que reside eternamente em meu

    corao.

    Gostaria de agradecer a Profa Dra Lourdes Isaac pela orientao e pela confiana no

    desenvolvimento desse trabalho, por dividir seu conhecimento e parte de sua vida na minha

    formao profissional, foram trs anos dos quais nunca me esquecerei, muitos momentos bons e

    alguns momentos ruins que fizeram parte do meu crescimento individual, afinal nas adversidades

    que aprendemos, se voc no cai no aprende a levantar, certo!

    Agradeo tambm a todos os colegas do laboratrio de complemento, Adriana Patrcia Martinez

    Granado, ris Arantes de Castro, Leandro Dantas Breda, Lorena Bavia, Marlene Pereira de

    Carvalho Florido, Mnica Marcela Castiblanco Valencia, Tatiana Rodrigues Fraga. Eu aprendi

    muito com todos e esse trabalho tem um pedacinho de cada um de vocs que me ajudaram e

    estiveram ao meu lado.

    Meus agradecimentos tambm a todos os demais professores do Instituto de Cincias e

    Biomdicas da USP, pelas aulas e discusses de trabalhos que auxiliaram no meu aprimoramento

    e desenvolvimento profissional.

    Agradeo tambm a Luci Deise Navarro e ao Instituto de Qumica pelo sequenciamento das

    minhas amostras e rpida prontido na entrega dos resultados.

  • Aos colegas de trabalho e amigos do Instituto Pasteur como Adriana Candido Rodrigues por

    ouvir meus desabafos, a Juliana Galera Castilho Kawai pelo ajuda no sequenciamento das

    amostras, a Andreia de Cssia Rodrigues da Silva pelas inmeras trocas de horrio para

    concluso desse trabalho.

    Agradeo tambm as agncias Fapesp e CNPq pelo auxlio financeiro fornecido durante toda a

    execuo deste projeto.

    Mais uma vez, muito obrigada a todos!

  • Quando seus esforos forem visto com indiferena,

    lembre-se que o sol d um espetculo todas as manhs

    e muitos continuam dormindo. Autoria desconhecida.

  • RESUMO

    Silva KA. Investigao das bases moleculares da imunodeficincia primria da protena C3 do Sistema Complemento Humano. [dissertao (Mestrado em Imunologia)]. So Paulo: Instituto de Cincias e Biomdicas, Universidade de So Paulo; 2014.

    O sistema complemento participa da imunidade natural e da imunidade adquirida. Este sistema pode ser ativado por trs diferentes vias: a via clssica, a via alternativa e a via das lectinas, desencadeando uma cascata proteoltica que ir resultar na possvel eliminao de microorganismos e, por sua vez, no restabelecimento da homeostasia do indivduo. A protena C3 possui um papel central participando das trs vias deste sistema. Sua clivagem gera fragmentos que esto associados a vrias funes biolgicas como opsonizao, quimiotaxia, anafilatoxinas, alm da formao da C3-convertases, que amplificam a via de ativao efetora contra patgenos. A completa deficincia de C3 rara, est comumente associada a repetidas infeces, ao desenvolvimento de doenas mediadas por imunocomplexos e glomerulonefrite. Neste trabalho ns investigamos as bases moleculares desta deficincia em uma paciente com histrico de consanguinidade. Nosso estudo identificou uma mutao gentica responsvel pela completa deleo do xon 27, implicando na perda de 99 nucleotdeos (regio 3450 at 3549 correspondente ao cDNA do C3). O sequenciamento do gene C3 da regio 6690313 at 6690961 mostrou uma troca de nucleotdeos T por um C (TC) na posio 6690626, causando a excluso do o xon 27 e deficincia da protena C3 do complemento humano nessa paciente. Tambm confirmamos o padro de herana autossmica recessiva desta deficincia. Verificamos ainda que os fibloblastos da paciente estimulados com LPS por 24 h foram incapazes de secretar a protena C3, o que nos leva a suspeitar que esta protena mutante seja rapidamente degradada ainda dentro da clula, impedindo sua liberao para o meio extracelular.

    Palavras-chave: Sitema Complemento. Deficincia de C3. Excluso de xon.

  • ABSTRACT

    Silva KA. Investigation of molecular basis of the primary immune deficiency C3 protein of the human complement system. (Mestrado em Imunologia). So Paulo: Instituto de Cincias e Biomdicas, Universidade de So Paulo; 2014. The complement system participates in the natural immunity and acquired immunity. This system can be activated by three different pathways: the classical pathway, the alternative pathway and the lectin pathway, triggering a proteolytic cascade that will possibly result in the elimination of microorganisms and, in turn, in restoring the homeostasis of the individual. The C3 protein has a central role in the activation of all pathways. Its cleavage produces fragments that are associated with various biological functions such as opsonization, chemotaxis, and production of anaphylatoxins. In addition, the C3 participates in formation of C3 convertase of the alternative pathway which amplifies the activation of effector against pathogens. The complete C3 deficiency is rare and commonly associated with recurrent infections, development of diseases mediated by immune complexes and glomerulonephritis. In this work, we investigated the molecular basis of this deficiency in a patient family with a history of consanguinity. Our study has identified a genetic mutation responsible for the complete deletion of exon 27, resulting in the loss of 99 nucleotides (region 3450 to 3549 of the cDNA corresponding to C3). The sequencing of the C3 region 6690313 to 6690961 showed a T nucleotide exchange to C (T C) at position 6690626 causing deletion of exon 27 leading to deficiency of the human complement protein C3 in this patient. We also confirmed the autosomal recessive patters of this patient deficiency in the family. We observed that patient fibroblasts stimulated with LPS for 24 h were unable to secrete C3, which leads us to suspect that this protein is degraded within the cell preventing its release into the extracellular.

    Keywords: Complement system. C3 deficiency. Exon skipping.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Representao das trs vias de ativao do sistema do complemento e a formao do

    MAC................................................................................................................................ ....17

    Figura 2 Representao da ligao til-ster encontrada e C3 e C4 do sistema complemento19

    Figura 3 Formao do MAC. ............................................................................................. 22

    Figura 4 Clivagem e regulao da protena C3do complemento ......................................... 29

    Figura 5 Reguladores do complemento .............................................................................. 30

    Figura 6 Modelo baseado na estrutura cristalogrfica de C3 humano ................................. 32

    Figura 7 Representao esquemticadas regies do cDNA de C3 que foram amplificadas e

    sequenciadas ........................................................................................................................ 54

    Figura 8 Heredograma da famlia objeto de estudo ............................................................ 58

    Figura 9 Anlise por Western blotting da presena de C3 nos soros da famlia .................. 60

    Figura 10 Eletroforese em gel de agarose (1%) com fragmentos amplificados por RT-PCR62

    Figura 11 Eletroforese em gel de agarose (1%) com fragmentos amplificados por RT-PCR da

    regio H (3308-3930 nt) do cDNA de C3 ............................................................................. 63

    Figura 12 Sequenciamentodos nucleotdeos do fragmento H de cDNA de C3.................... 64

    Figura 13 Sequenciamento dos nucleotdeos da regio 6690313 at 6690961 do gene C3

    correspondente aos limites do ntron 27- xon 27 e xon 27-ntron 28 .................................. 65

    Figura 14 Anlise por Western blotting do sobrenadante de fibroblastos estimulados com LPS

    por 24 h ............................................................................................................................... 66

    Figura 15 Modelo baseado na estrutura cristalogrfica de C3 humano ............................... 71

    Figura 16 Mecanismo de transcrio, splicing em RNAm e traduo para sntese proteica . 72

    Figura 17 Representao do mecanismo de splicing .......................................................... 74

    Figura 20 Formao de splicing alternativo em eucariotos ................................................. 75

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Quantificao das concentraes srica de C3, C4 e imunoglobulinas ................. 45

    Tabela 2 Contagem diferncial de leuccitos no sangue da paciente A.S.S ........................ 46

    Tabela 3 Iniciadores e posio do nucleotdeos (nt) utilizados para as reaes de RT-PCR e

    reaao de sequenciamento .................................................................................................... 53

    Tabela 4 Quantificao da concentrao de protenas FB, FH, FI e C3 por imunodifuso radial

    ............................................................................................................................................ 57

    Tabela 5 Atividade hemoltica mediada pela via alternativa do sistema complemento ....... 59

    Tabela 6 Atividade hemoltica mediada pela via classica do sistema complemento ............ 59

    Tabela 7 Anlise densitomtrica ........................................................................................ 61

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    aa - aminocidos ANA domnio proteico anafilatoxina AP50 - ensaio hemoltico da via alternativa do complemento Arg - arginina Ca2+ - clcio C1INH - do ingls C1-inhibitor C4BP - do ingls C4b-binding protein cDNA - DNA complementar CEPSH - Comisso de tica em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos CH50 - ensaio hemoltico da via clssica do complemento CPN - carboxipeptidase CR-1 - receptor 1 do complemento CR-2 - receptor 2 do complemento CR-3 - receptor 3 do complemento CR-4 - receptor 4 do complemento CUB - domnio proteico de C3 Cys - cistena DAF - do ingls decay-accelerating factor DEMEN - Dulbeccos modified Eagles medium DNA - cido desoxirribonuclico dNTP - desoxirribonucleotdeo trifosfato C3adesArg - C3a que teve a arginina C-terminal removida por carboxipeptidase N DC - clulas dendrticas DAF - do ingls Decay-accelerating factor EDTA - do ingls ethylenediamine tetraacetic acid ESE - do ingls exonic splicing enhancers ESS - do ingls Exonic splicing silencers FB - Fator B FD - Fator D FH - Fator H FI - Fator I Glu - cido glutmico Gln - glutamina hCG - gonadotrofina corinica humana HRF - do ingls Homologous restriction factor Ig - imunoglobulina IgG - imunoglobulina G IgM - imunoglobulina M ISE do ingls intronic splicing enhancers kDa - kilodalton kb - kilobase kg - Quilograma

  • LPS - lipopolissacardeo MAC - complexo de ataque membrana MASP 1/2/3 - do ingls mannose-binding lectin associated serine protease 1/2/3 MBL - do ingls mannose binding lectin MCP- protena cofactor de membrana Mg - miligrama Mg++ - magnsio MG 1-8 domnios de macroglobulinas 1 - 8 da protena C3 mL - mililitro N - indivduo normal ng - nanogramas nt - nucleotdeos NaCl - cloreto de sdio NaHCO3 - bicarbonato de sdio NK - do ingls natural killer NO - xido ntrico P - paciente pb - pares de base PBS - do ingls phosphate buffer saline PCR - reao em cadeia da polimerase PMN - polimorfonuclear RNA - cido ribonucleico RNAm - cido ribonucleico mensageiro RT-PCR - do ingls real time polymerase chain reaction SCR - do ingls short consensus repeat SDS - dodecil sulfato de sdio snRNA - RNA nuclear SLE - lpus eritematoso sistmico Ser - serina SFB - soro fetal bovino SFBi soro fetal bovino inativado SR - protenas reguladoras T - timina TCD8+ - linfcito T citotxico TED - thioester - containing domain Tris - Trizma base g - micrograma L - microlitro M - micromolar VEGFR-2 - receptor 2 fator de crescimento endotelial vascular

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................................... 16

    1.1 O Sistema Complemento ................................................................................................ 16

    1.2 A Via Clssica ............................................................................................................... 18

    1.3 A Via Alternativa ........................................................................................................... 18

    1.4 A Via das Lectinas ......................................................................................................... 20

    1.5 MAC .............................................................................................................................. 21

    1.6 Funes biolgicas do complemento .............................................................................. 23

    1.6.1 Formao do MAC ...................................................................................................... 23

    1.6.2 Opsonizao................................................................................................................ 23

    1.6.3 Quimiotaxia ................................................................................................................ 23

    1.6.4 Solubilizao e remoo de imunocomplexos .............................................................. 24

    1.6.5 Efeito adjuvante e ativao de linfcitos B .................................................................. 24

    1.6.6 Anafilatoxinas C3a, C4a e C5a ................................................................................... 25

    1.6.7 Remoo de clulas apopttica ................................................................................... 25

    1.7 Reguladores plasmticos do complemento...................................................................... 26

    1.8 Reguladores de membrana do complemento ................................................................... 28

    1.9 A protena C3 ................................................................................................................. 31

    1.10 Deficincias do C3 humano .......................................................................................... 35

    2 OBJETIVOS ................................................................................................................... 44

    2.1 Objetivo geral ................................................................................................................ 44

    2.2 Objetivo especfico......................................................................................................... 44

    3 MATERIAL E MTODOS ............................................................................................ 45

    3.1 Histrico familiar ........................................................................................................... 45

    3.2 Bipsia da pele e coleta do soro ...................................................................................... 46

    3.3 Determinao da concentrao de protenas por imunodifuso

    radial...................................................................................................................................... 47

    3.4 Atividade hemoltica mediada pela via alternativa do sistema complemento ................... 47

    3.5 Atividade hemoltica mediada pela via clssica do sistema complemento ....................... 48

  • 3.6 Cultura de fubroblastos e estmulo com LPS .................................................................. 49

    3.7 Extrao de RNA de fibroblastos e estmulo com LPS ................................................... 50

    3.8 Extrao de DNA genmico de fibroblastos ................................................................... 50

    3.9 Sntese de cDNA empregando transcriptase reversa e amplificao por reao em cadeia

    utilizando DNAda polimerase (RT-PCR) ............................................................................. 51

    3.10 Purificaodos produtos da reao de RT-PCR ............................................................. 51

    3.11 Sequenciamento do cDNA de C3 humano e DNA genmico do gene de C3 ................. 52

    3.12 Concentrao de sobrenadante de fibroblastos estimulado com LPS ............................. 55

    3.13 Western blotting ........................................................................................................... 56

    4 RESULTADOS ............................................................................................................... 57

    4.1 Anlise da concentrao de protenas por imunodifuso radial ....................................... 57

    4.2 Anlise da atividade hemoltica da via alternativa do sistema complemento ................... 58

    4.3 Anlise da atividade hemoltica da via clssica do sistema complemento ........................ 59

    4.4 Anlise por Western blotting da presena de C3 nos soros da famlia e anlise densitomtrica

    ............................................................................................................................................ 60

    4.5 Anlise do gel de agarose com regies do cDNA de C3amplificadas por RT-PCR ......... 62

    4.6 Anlise do gel de agarose do fragmento H amplificadas por RT-PCR ............................. 63

    4.7 Anlise do sequenciamento gentico da regio H do cDNA de C3 e do gene C3 ............ 63

    4.8 Anlise por Western blotting da presena de C3 no sobrenadante em cultura de fibroblastos

    estimulados com LPS da famlia .......................................................................................... 66

    5 DISCUSO...................................................................................................................... 68

    6 CONCLUSES ............................................................................................................... 78

    REFERNCIAS ................................................................................................................. 79

  • 16

    1 INTRODUO

    1.1 O Sistema Complemento

    O sistema complemento importante para defesa contra patgenos e participa tanto da

    resposta imune inata, quanto da resposta imune adquirida. Pesquisas realizadas durante a ltima

    dcada mostram como o complemento discrimina tecidos saudveis do hospedeiro, restos

    celulares, clulas apoptticas, clulas neoplsicas e patgenos e ainda sincroniza uma resposta

    imunolgica eficiente (Ricklin et al., 2010).

    Composto por aproximadamente 40 protenas, este sistema est presente tanto no plasma

    quanto na superfcie de vrios tipos celulares (Trouw et al., 2011). Estas protenas interagem

    entre si e com outras molculas do sistema imunolgico de forma altamente regulada para a

    eliminao do microorganismo, geralmente sem causar danos ao indivduo. O principal local de

    sntese da maioria das protenas do complemento o fgado, embora algumas protenas como C3

    possam ser sintetizadas localmente por macrfagos, clulas dendrticas e fibroblastos (Katz et al.,

    1989; Reis et al., 2006; Reis et al., 2007; Trouw et al., 2011; Walport, 2001). Suas principais

    funes biolgicas envolvem o reconhecimento e eliminao de patgenos, remoo de

    imunocomplexos, alm de servir como uma ponte entre a resposta imune inata e a resposta imune

    adaptativa. O sistema complemento quando ativado tambm promove reaes inflamatrias pela

    gerao das anafilatoxinas C3a, C4a e C5a, alm da ativao de clulas como leuccitos e clulas

    endoteliais (Ricklin et al., 2010).

    Sua ativao depende de uma cascata proteoltica de serino proteases caracterizadas pela

    alta conservao dos stios catalticos de serina, histidina e aspartato (Amara et al., 2011). Esta

    ativao pode ocorrer por trs vias distintas, a via clssica, a via alternativa, e a via das lectinas

    que culminam em uma via terminal comum que leva formao do Complexo de Ataque

    Membrana (MAC), responsvel pela lise osmtica da clula alvo (Figura 1).

  • 17

    Figura 1 - Representao das trs vias de ativao do sistema do complemento e a formao do MAC

    Vias de ativao do sistema complemento. A via clssica pode ser ativada por IgM e IgG especficas ligadas ao antgeno. A via das lectinas pode ser ativada pela ligao da mannose binding lectin (MBL) a resduos de manose ou outros tipos de acares. MBL pode ser encontrada associada s serino proteases (MASP) 1, 2 e 3. A via alternativa iniciada pela hidrlise espontnea da ligao til-ster encontrada na cadeia do C3 nativo com formao de C3 convertase e gerao dos fragmentos C3b. As trs vias culminam em uma via terminal comum que leva formao do complexo de ataque membraba (MAC) a partir da associao de C5b as protenas C6 e C7. Na sequncia, C8 se liga a C7 e vrias protenas C9 se ligam a C8. Fonte: Adaptado de Walport, 2001.

    MASP-3

  • 18

    1.2 A Via Clssica

    A via clssica foi historicamente a primeira a ser descrita e pode ser ativada de formas

    diferentes (Walport, 2001), mas principalmente na presena de imunocomplexos. Esta via pode

    ser iniciada pela interao de pelo menos uma molcula de IgM ou duas molculas de IgG

    especficas ligadas superfcie do antgeno. Este imunocomplexo se liga subunidade C1q do

    complexo C1 pela poro Fc, domnios CH2 (IgG) ou CH3 (IgM). O componente C1 formado

    por uma molcula de C1q, e duas de C1r e C1s. A molcula de C1q composta por 18 cadeias

    polipeptdicas (6 cadeias A, 6 cadeias B e 6 cadeias C). J as molculas C1r e C1s so proteases

    formadas cada uma por uma cadeia nica de 90 kDa e 85 kDa, respectivamente. A molcula C1q

    apresenta um peso molecular de 400 kDa (Campbell et al., 1979; Lacroix et al., 1989; Yonemasu

    et al., 1980) e, ao se ligar ao complexo antgeno-anticorpo se ativa e cliva a subunidade C1r, que

    por sua vez cliva a subunidade C1s, ativando-a. Esta clivagem ativa C1s que ir clivar o

    componente C4 gerando os fragmentos C4a e C4b (Figura 1). Aps hidrlise da ligao til-ster

    em C4, h deposio covalente de C4b no local da sua ativao (Ricklin et al., 2010). O

    componente C2, uma vez ligado ao fragmento C4b, ser clivado por C1s dando origem aos

    fragmentos C2a e C2b (Golan et al., 1982). O fragmento C2b liberado, dando origem ao

    complexo C4b2a que atua como uma C3-convertase que, por sua vez, ir clivar a protena C3 em

    C3a e C3b. O fragmento C3b poder tambm se ligar C4b2a formando C4b2a3b (C5-

    convertase) a qual clivar a protena C5, gerando os fragmentos C5a e C5b (Janssen et al., 2007;

    Zipfel, Skerka, 2009). O fragmento C5b ir se ligar a C6 formando o complexo C5b6 ao qual C7

    se ligar (C5b67) que por sua vez ir se ligar a C8 e sequencialmente vrias molculas de C9,

    dando origem a uma via terminal comum com formao do complexo de ataque membrana

    (C5b6789n) (MAC) (Figura 3) (Ricklin et al., 2010).

    A protena C-reativa pertence famlia das pentraxinas e tambm pode ativar a via

    clssica do complemento, independente de anticorpos especficos (Kaplan, Volanakis, 1974). Em

    condies inflamatrias agudas ou injria tecidual, a protena C-reativa encontrada no plasma

    em maior concentrao ligando-se molcula C1q, deslocando o C1-inibidor, desencadeando da

    mesma forma a cascata proteoltica da via clssica.

    1.3 A Via Alternativa

  • 19

    A via alternativa, segunda via a ser descrita, a mais antiga evolutivamente e a mais

    empregada na defesa contra patgenos. Sua ativao tem incio a partir da hidrlise espontnea

    da ligao til-ster (Figura 2) localizada na cadeia do C3, gerando C3(H2O) (Walport, 2001).

    Acompanhado por mudana conformacional, o C3(H2O) capaz de se ligar protena plasmtica

    Fator B (FB). O FB uma pr-enzima com 93 kDa que interage com a superfcie do C3(H2O)

    formando o complexo C3(H2O)B. Nessa condio o FB clivado por outra enzima, o Fator D

    (FD). O FD encontrado na forma ativa no plasma humano com peso molecular de 25 kDa

    (Fearon et al., 1974; Pangburn et al., 1986). Quando o C3(H2O)B clivado pelo FD, esta reao

    gera os fragmentos Ba e Bb (Figura 1). O fragmento Bb permanece ligado ao C3(H2O),

    formando a C3-convertase [C3(H2O)Bb] a qual na presena de ons Mg++ atua como serino-

    protease, clivando C3 em C3a e C3b.

    O fragmento C3b tambm pode interagir com FB formando C3bB. Uma vez complexado

    o FB agora poder ser clivado igualmente por FD em Bb e Ba gerando C3bBb que atua tambm

    como uma C3-convertase, clivando mais molculas de C3, amplificando esta via de ativao.

    Como a C3-convertase um complexo instvel que pode ser rapidamente dissociado, sua

    estabilidade assegurada pela properdina, que se liga C3-convertase, estabilizando-a,

    regulando-a positivamente e aumentando a meia vida deste complexo (Fearon, Austen, 1975).

    Figura 2 - Representao da ligao til-ster encontrada em C3 do sistema complemento

    Em A: C3 intacto com ligao til-ster entre carbono e enxofre (seta) ntegra. Em B: C3 ativado, hidrlise

    da ligao til-ster entre carbono e enxfre (seta) inicia a ativao da via alternativa do sistema complemento. Fonte: Adaptado de Walport, 2001.

    A B

  • 20

    A hidrlise da ligao til-ster do componente C3 permite a ligao covalente de

    C3(H2O) e C3b em grupamentos amina ou hidroxila, na superfcie da clula alvo ou de molculas

    aceptoras. Esta ativao inicial pode ser rapidamente amplificada em clulas ou microorganismos

    estranhos, mas imediatamente regulada no hospedeiro (Mller-Eberhard, Pangburn, 1980;

    Ricklin et al., 2010).

    Quando C3b se liga enzima C3bBb, forma o complexo C3bBb3b que atua como C5-

    convertase, capaz de clivar o componente C5 gerando os fragmentos C5a e C5b. Como resultado,

    o fragmento C5b ir se ligar a C6 e C7, C7 se liga a C8 que se liga em sria sequencialmente a

    protenas C9, formando assim C5b6789(n) (MAC) capaz de lisar o patgeno (Ricklin et al., 2011;

    Ware et al., 1981).

    1.4 A Via das Lectinas

    A via das lectinas ativada em resposta ao reconhecimento da lectina ligante de manose

    (MBL) de polissacardeos microbianos presentes em vrios patgenos como bactrias, leveduras,

    protozorios e vrus. A MBL uma protena que pertence famlia das colectinas com 650 kDa

    com 18 subunidades de 31 kDa e, na presena de ons Ca2+ capaz de se ligar a N-

    acetilglicosamina, frutose e resduos de manose de polissacardeos (Ohta et al., 1990). A MBL

    possui uma estrutura semelhante de C1q. Esta protena est associada a serino-proteases MBL-

    associated serine protease (MASP)-1, MASP-2 e MASP-3. A MASP-1 uma molcula com 83

    kDa formada por uma cadeia pesada de 66 kDa e uma cadeia leve de 31 kDa responsvel pela sua

    atividade proteoltica (Matsushita, Fujita, 1992). J a MASP-2 possui uma massa molecular de 76

    kDa e formada por duas cadeias, a cadeia A com 52 kDa, e a cadeia B com 31 kDa (Thiel et al.,

    1997). Em 2001, Dahl e sua equipe descreveram outro membro do complexo MBL, a MASP-3,

    assim designada devido sua homologia estrutural com MASP-1 e MASP-2 (Dahl et al., 2001).

    As MASP-1 e MASP-2 possuem estruturas e funes semelhantes quelas encontradas

    em C1r e C1s. A MBL ao se ligar ao acar presente na parede celular do patgeno sofre uma

    mudana conformacional, e sua protena associada MASP-2 alterada estruturalmente tornando-

    se ativa. A MASP-2 ser responsvel por clivar o componente C4 em C4a e C4b (Figura 1). O

    fragmento C4b ir se depositar covalentemente no local da sua ativao, seguido pela ligao de

    C2. Esta ligao permite que a MASP-2 tambm atue sobre a cadeia polipeptdica nica de C2

  • 21

    clivando esta protena em C2a e C2b. O fragmento C2a permanece associado ao fragmento C4b

    originado dessa clivagem, formando C4b2a, que atua como uma C3-convertase clivando a cadeia

    de C3 em C3a e C3b. O fragmento C3b se liga C4b2a formando C4b2a3b, que por sua vez

    atua como uma C5-convertase clivando o componente C5 em C5a e C5b. Novamente o

    fragmento C5b ir se ligar a C6 e C7, C7 se liga a C8 que se liga sequencialmente a vrias

    protenas C9, formando assim o MAC (Mollnes et al., 2002).

    Assim como MBL, as ficolinas tambm pertencem famlia das colectinas,

    compartilhando com elas a presena de uma regio estruturalmente semelhante ao colgeno e um

    domnio globular com afinidade a determinados carboidratos presentes em abundncia em certos

    patgenos. Quando ocorre a ligao deste domnio globular ao patgeno, ocorre tambm a

    ativao da MASP-2 desencadeando uma atividade proteoltica contra os componentes C2, C4 e

    C3, iniciando a ativao da via das lectinas e a resposta imune contra o patgeno (Matsushita et

    al., 2000). Endo et al. (2012), utilizando camundongos nocaute para as ficolinas A e B (Fcna -/-,

    Fcnb -/- e Fcna-/-b-/-) mostraram sua importncia na defesa contra infeco por Streptococcus

    pneumoniae. Quando a defesa do hospedeiro (camundongos) foi avaliada atravs da infeco

    transnasal com uma estirpe de Streptococcus pneumoniae capaz de ser reconhecida apenas pelas

    ficolinas A e B e no por MBL, a taxa de sobrevivncia bacteriana foi consideravelmente

    reduzida nos camundongos Fcna -/-, Fcnb -/- e Fcna-/-b-/- em comparao aos animais controle. Isso

    mostra a incapacidade de ativao da via das lectinas na ausncia dessas ficolinas, sugerindo que

    ambas so essenciais na infeco contra Streptococcus pneumoniae (Endo et al., 2012).

    1.5 MAC

    Todas as vias do sistema complemento culminam em uma via terminal comum e na

    formao do MAC. A C5-convertase gerada pelas vias clssica, alternativa e das lectinas, cliva a

    protena C5 em C5a e C5b. Conforme j mencionado anteriormente, o componente C5 possui

    peso molecular de 190 kDa, e em muito se assemelha aos componentes C3, C4 e 2-

    macroglobulina mas, ao contrrio dessas protenas, no apresenta ligao til-ster. O peptdeo

    C5a um dos principais fatores quimiotticos de clulas inflamatrias, participando ativamente

    do processo inflamatrio (Aleshin et al., 2012; Bokisch et al., 1970). J o fragmento C5b se

    associa a C6 (C5b6) ao qual C7 ser acoplado. Em seguida a molcula de C8 ser incorporada ao

  • 22

    complexo formando C5b678. A ligao de C8 ao complexo C5b-7 aumenta drasticamente a

    interao hidrofbica entre essas molculas acentuando a ligao de vrias unidades da protena

    C9 (Aleshin et al., 2012; Ware et al., 1981). A glicoprotena C9 (71 kDa) possui alta afinidade

    pela membrana celular, facilitando sua insero na bicamada lipdica.

    Durante a associao de vrias protenas C9 (que pode ser de 12-18 molculas de C9),

    ocorre a polimerizao (poli-C9) fundamental para a formao do MAC (Figura 3). O MAC

    permitir a entrada descontrolada de gua, o extravasamento de material intracelular de baixo

    peso molecular e a sada de sais e ons que levam a clula ao desequilbrio osmtico, ruptura da

    membrana celular e morte do patgeno (Ricklin et al., 2011; Ware et al., 1981).

    Figura 3 Formao do MAC.

    Complexo C5b (bege) e associao das protenas C6 (azul), C7 (roxo), C8 (verde claro), C8 (verde), C8 (verde musgo) e vrias molculas de C9 (cinza) que vo se inserir na membrana celular e aps a polimerizao dando origem ao MAC. Fonte: Aleshin et al., 2012.

    A perforina, encontrada em linfcitos TCD8+ e clulas natural killer (NK), e a protena

    C9 possuem muitas semelhanas tanto estruturalmente quanto funcionalmente. Ambas possuem

    um importante domnio altamente conservado que lhes permite a insero na membrana celular,

    formando um canal responsvel pelo seu papel ltico. Ambas tambm apresentam uma

  • 23

    considervel homologia na sequncia de aminocidos (aa) dispostos na regio N-terminal

    (Shinkai et al., 1988; Young et al., 1986).

    1.6 Funes biolgicas do complemento 1.6.1 Formao do MAC

    O complexo C5b-9(n) tambm pode ser formado em fase fluda como, por exemplo, no

    soro humano. Isso ocorre com a formao de um complexo C5b-9 hidroflico que no exerce

    mais atividade ltica. Este complexo pode se associar S-protena que se liga de forma apolar a

    superfcies nascentes de molculas C5b-7, alterando estruturalmente este complexo e o seu

    potencial de ligao membrana celular permanecendo na fase fluda (Bhakdi et al., 1978).

    Muito se discute o papel do MAC na sua fase fluida, mas pouco se sabe at o momento.

    1.6.2 Opsonizao

    A fagocitose um importante mecanismo de remoo de clulas apoptticas, necessrio

    para a restaurao da homeostase e resoluo do processo inflamatrio. Os fragmentos C3b, C4b

    e iC3b participam ativamente desse processo facilitando a fagocitose. Esses fragmentos recobrem

    patgenos, produtos liberados durante lise celular e clulas apoptticas, facilitando sua remoo

    pelos fagcitos via receptor CR1 (C3b e C4b), receptor CR2 (C3d e iC3b) e receptor CR3 e CR4

    (iC3b) do complemento (Lambris et al., 1988).

    Kemper et al. (2008) descreveram a funo da properdina como opsonina, facilitando a

    fagocitose de clulas T apoptticas. O complexo C3bBbP pode se ligar a clulas T apoptticas

    que expressam proteoglicanas especficas que iro mediar a opsonizao pelos fagcitos via C3b

    do complexo.

    1.6.3 Quimiotaxia

    O fragmento do sistema complemento mais importante para o processo quimiottico o

    C5a. Desde a dcada de 70, estudos mostram sua contribuio na quimiotaxia de

    polimorfonucleares durante o processo inflamatrio para sua resoluo (Snyderman et al., 1971).

    Este fragmento aumenta a sntese de molculas de adeso por clulas endoteliais, a atrao de

    leuccitos circulantes para o stio inflamatrio, aumentando a capacidade de eliminao do

  • 24

    patgeno, alm de aumentar a sntese e liberao de citocinas por diferentes tipos celulares

    (Manthey et al., 2009)

    1.6.4 Solubilizao e remoo de imunocomplexos

    Imunocomplexos podem ser intercalados por C3b e C4b formando uma rede (Czop,

    Nussenzweig, 1976) e assim serem solubilizados evitando seu depsito em paredes vasculares e

    ativao do complemento que pode levar a reao inflamatria local. A remoo desses

    imunocomplexos pode ocorrer pelo receptor de complemento (CR) -1 do complemento, presente

    em eritrcitos e demais clulas sanguneas. Os imunocomplexos recobertos por C3b e C4b se

    ligam ao CR1 e, ao passarem pelo fgado, so fagocitados pelas clulas de Kupffer (Cornacoff et

    al, 1983).

    Helmy et al. (2005) mostraram a expresso do receptor CR1g (receptor pertencente

    super-famlia das imunoglobulinas) nas clulas de Kupffer. Esse receptor se liga aos fragmentos

    C3b e iC3b do complemento aumentando sua eficincia no processo de fagocitose e, assim como

    CR1, removem os imunocomplexos da circulao.

    1.6.5 Efeito adjuvante e ativao de linfcitos B

    O efeito adjuvante do fragmento C3d do complemento foi explorado inicialmente por

    Dempsey et al. (1996). O estudo mostrou que a construo de um modelo de antgeno

    recombinante base de lisozima de ovo de galinha ligado a uma, duas ou trs molculas de C3d

    imunognica, estimulava a sntese especfica de IgG1 logo aps a primeira imunizao.

    Wang et al. (2004) construram um antgeno recombinante utilizando a gonadotrofina

    corionica humana (hCG) e uma trinca de C3d (hCG) como adjuvante. Seus resultados

    mostraram um aumento significativo nos nveis de anticorpos anti-hCG eficientes na

    neutralizao da bioatividade da hCG.

    Pepys et al. (1974) propuseram que o sistema complemento poderia estimular os

    linfcitos B para produo de anticorpos, e desde ento, muitos autores investigaram essa funo

    biolgica. Bohnsack et al. (1988) estudaram os diferentes tipos de ligantes do CR2 para a

    ativao dos linfcitos B. Carter et al. (1992) comprovaram que CD19 (uma protena de

    membrana pertencente superfamlia das imunoglobulinas) presente nos linfcitos B, participa

    da sua ativao, sinalizao e resposta imunolgica. Dempsey et al. (1996) mostraram que os

  • 25

    fragmentos C3d e C3dg ligados ao antgeno so capazes de estimular a sntese de anticorpos

    especficos por meio da ligao desses fragmentos ligados ao antgeno ao receptor receptor CR2

    (CR2/CD19) presente nos linfcitos B concomitantemente a IgM de membrana especfica.

    Camundongos foram imunizados com um modelo antignico recombinante utilizando lisozima

    (de ovo de galinha) fundida com duas ou trs cpias de C3d. Este antgeno foi de 1000 a 10000

    vezes mais imunognico do que a lisozima de ovo de galinha sozinha. No mesmo ano, Croix et al.

    (1996) estudando animais CR2 deficientes verificaram que a expresso desse receptor nos

    linfcitos B fundamental para a resposta imunolgica T-dependente.

    1.6.6 Anafilatoxinas C3a, C4a e C5a

    Os fragmentos C3a, C4a e C5a so conhecidos por sua atividade anafiltica, isto , sua

    capacidade de se ligar a mastcitos e basfilos (via receptor presente nessas clulas)

    desencadeando a liberao de mediadores pr-inflamatrios como heparina e histamina

    aumentando a sntese de molculas de adeso pelas clulas endoteliais, recrutando leuccitos

    circulantes para o foco inflamatrio (Manthey et al., 2009). C3a e C5a tambm podem estimular

    a produo de espcies reativas de oxignio em neutrfilos aumentando sua ao microbiana

    (Elsner et al., 1994; Manthey et al., 2009).

    Os fragmentos C3a e C3adesARG (C3a que teve a arginina C-terminal removida por

    carboxipeptidase N) podem agir aumentando a sntese e expresso de TNF- e IL-1 em

    moncitos localizados em stios inflamatrios, dessa forma modulando a resposta inflamatria

    (Takabayashi et al., 1996).

    O fragmento C5a medeia a sntese e liberao de citocinas como IFN- por diferentes

    tipos celulares alm de participar do processo de reparao tecidual, promoo da angiognese e

    produo de fatores de crescimento durante a resoluo do processo inflamatrio (Manthey et al.,

    2009; Mastellos et al., 2001).

    1.6.7 Remoo de clulas apoptticas

    A remoo das clulas apoptticas depende de C1q que se liga de superfcie das

    vesculas de clulas apoptticas, impedindo a exposio de auto-antgenos para o sistema imune e

  • 26

    prevenindo a formao de auto-anticorpos que podem desencadear o desenvolvimento de doenas

    auto-imunes (Korb et al.,1997). O reconhecimento molecular envolve as protenas C1q e MBL da

    via clssica e lectinas respectivamente via receptor para C1q (presente em clulas endoteliais e

    plaquetas). Essas protenas tm uma ligao direta com a remoo de clulas apoptticas e

    necrticas, facilitando sua opsonizao pelas clulas dendrticas, e remoo do microambiente

    (Nauta et al, 2004).

    Em 1996, Takizawa et al. (1996) mostraram que molculas de iC3b se depositavam em

    clulas apoptticas facilitando sua opsonizao via CR3 e CR4. Mais tarde, Mevorach et al.

    (1998) mostraram que o bloqueio desses receptores reduzia significativamente a fagocitose de

    clulas apoptticas recobertas por iC3b, comprovando sua importncia na remoo dessas clulas.

    1.7 Reguladores plasmticos do complemento

    O inibidor de C1 (C1INH) uma protena que pertence a uma famlia de serino proteases

    envolvidas com o sistema de coagulao. Possui uma nica cadeia conservada evolutivamente

    com 104 kDa composta por 370-390 aa e sua concentrao no plasma de aproximadamente 200

    g/mL (Ziccardi, 1982).

    O C1INH capaz de inibir a ativao do complexo C1 (Ziccardi, 1982) bloqueando os

    stios catalticos de C1r e C1s, e que terminam por se dissociarem das molculas de C1q,

    impedindo assim a ativao da via clssica do complemento (Figura 4) (Sim et al., 1979). Essa

    interao com C1 consiste em uma ligao irreversvel em um stio estrutural contendo de 30-40

    aa na sua regio carboxi terminal (Potempa et al., 1994). De forma semelhante, este regulador

    pode se associar s MASPs (MASP-1 e MASP-2), interrompendo a ativao da via das lectinas.

    O Fator I (FI) pertence famlia das serino proteases e sua concentrao no plasma

    6413 g/mL (Ferreira de Paula et al., 2003). Esta protena se apresenta na forma de um dmero

    com 88 kDa contendo duas subunidades, uma cadeia pesada de 50 kDa e uma cadeia leve de 38

    kDa. A cadeia leve do FI possui trs stios de glicosilao e uma regio cataltica com aa

    importantes para o desempenho da sua funo. A cadeia pesada de FI tambm possui trs stios

    de glicosilao e composta por 32 aa (Catterall et al., 1987; Pangburn et al., 1977).

    O FI responsvel pela clivagem da cadeia tanto do C3b quanto do C4b, porm

    necessria a presena de co-fatores como Fator H (FH), protena de membrana com atividade de

  • 27

    cofator (MCP), CR1 ou a protena ligante de C4b (C4BP) (Figura 4). Quando isso acontece, o

    C3b clivado em iC3b e posteriormente nos fragmentos C3c e C3dg; C4b clivado em C4c e

    C4dg, dessa forma interrompendo a formao da C3-convertase e a continuidade da cascata de

    ativao do complemento (Pangburn et al., 1977).

    O FH uma glicoprotena de cadeia nica composta por 1231 aa com peso molecular de

    150 kDa, e sua concentrao no plasma de 443106 g/mL (Ferreira de Paula et al., 2003;

    Ripoche et al., 1988; Whaley, Ruddy, 1976). O FH age sobre C3b promovendo o deslocamento

    de Bb acelerando o decaimento do complexo C3bBb, consequentemente regulando a via

    alternativa do complemento. Este componente tambm desempenha o papel de cofator

    favorecendo a clivagem do C3b pelo FI e o decaimento funcional da C3-convertase (Pangburn,

    1986).

    A C4BP um importante cofator de FI com concentrao plasmtica de aproximadamente

    33583 g/mL (Ferreira de Paula et al., 2003; Rezende et al., 2004; Scharfstein et al., 1978).

    Liga-se a C4b promovendo a dissociao e impedindo a formao do complexo C4b2a (C3-

    convertase), acelerando seu decaimento e impossibilitando a continuao da cascata de ativao

    da via clssica, alm de atuar como co-fator de FI (Fujita et al., 1978; Gigli et al., 1979;

    Scharfstein et al., 1978). Assim como outros reguladores do complemento, a C4BP compartilha

    com FH domnios comuns denominados short consensus repeat (SCR) formadas por

    aproximadamente 60-70 aa cada. C4BP pode ser encontrada em trs isoformas compostas por

    diferentes subunidades originadas a partir de diferentes combinaes entre as cadeias e . A

    forma mais comum composta por sete cadeias com oito SCRs cada, e uma cadeia com trs

    SCRs (Sanchez-Corral et al., 1995).

    A S-Protena foi descrita por Podack e Mller (1979). Ela foi descoberta durante o estudo

    do complexo terminal C5b-9 na sua fase fluda, e somente em 1985, Janne e Stanley (1985)

    mostraram que a S-Protena era idntica vitronectina, nome pelo qual esta protena tambm

    conhecida. A S-Protena atua inibindo o local de interao entre os stios de ligao de heparina e

    o complexo C5b-7, dessa forma, interrompendo sua interao com a membrana celular e a

    formao do MAC (Figura 3) (Milis et al., 1993). Seu peso molecular de 75 kDa e sua

    concentrao no plasma em adultos normais varia entre 59,8 e 171,2 g/mL (Ferreira de Paula,

    2002).

  • 28

    A Protena S-40,40 (Figura 5) foi identificada pela primeira vez em 1988, por Murphy et

    al. (1988) depositada no glomrulo renal em pacientes com gomrulonefrite. Hoje conhecida por

    clusterina, uma protena heterodimrica com 80 kDa formada por duas cadeias (uma

    subunidade e uma subunidade ) de 40 kDa cada. Sua principal fonte so as clulas de Sertoli e

    sua concentrao no plasma de indivduos normais pode variar entre 35 a 105 g/mL.

    Semelhante S-Protena, este regulador se liga ao complexo C5b-7 impedindo sua interao com

    a membrana celular, a associao de C8-9 e formao do MAC (Fritz, 1992; Murphy et al., 1998).

    A properdina uma glicoprotena com 56 kDa que pode formar dmeros, trmeros ou at

    tetrmeros na sua forma ativa ou inativa. o nico regulador positivo do complemento e sua

    concentrao no plasma 255 g/ml (Ferreira de Paula et al., 2003). Sua principal funo

    estabilizar o complexo C3bBb aumentando sua meia vida (Ferries et al., 1988).

    A carboxipeptidase-N (CPN) foi descoberta em 1960, por Erds e Slone (1960) como

    uma enzima plasmtica capaz de inativar a bradicinina, aps a remoo de resduos de arginina

    C- terminal nela presentes. Anos mais tarde se descobriu que a CPN um importante inativador

    de anafilatoxinas (Gerard, Hugli 1981). A CPN uma enzima tetramrica com peso molecular de

    280 kDa, formada por duas subunidades, uma com 48 kDa que responsvel pela sua ao

    enzimtica, e uma subunidade com 83 kDa que promove a estabilizao da molcula. Sua

    concentrao no plasma de aproximadamente 30 g/mL (Bokisch et al., 1970; Levin et al.,

    1982). A CPN age em C3a, C4a e C5a da mesma forma que age na bradicinina, removendo a

    arginina presente na poro C-terminal dessas molculas, interrompendo a ao anafiltica e

    inflamatria dessas molculas (Hugli, 1984).

    1.8 Reguladores de membrana do complemento

    O CR1 ou CD35 foi o primeiro receptor a ser descrito desempenhando um papel muito

    importante na regulao do complemento. O gene que codifica este receptor est localizado no

    cromossomo 1, na regio q32 (banda 32 do brao longo do cromossomo). O CR1 atua como

    cofator de FI ao clivar os fragmentos C3b e C4b. O iC3b gerado pode ento ser novamente

    clivado pelo FI na presena de cofatores como FH, C4BP ou o prprio CR1 (que pode ser

    encontrado tambm na forma solvel), dando origem aos fragmentos C3c e C3dg (Figura 4). O

    fragmento C3dg ser ento clivado por outras proteases gerando C3d e C3g (Weiss et al., 1989).

  • 29

    Figura 4 - Clivagem e regulao da protena C3 do complemento

    Degradao dos produtos da C3 convertase gerando C3a e C3b que clivado por FI e cofatores que

    podem ser FH, MCP e CR1. O C3b pode sofrer uma nova clivagem pelo FI na presena de co-fatores gerando iC3 e C3f. O fragmento iC3b pode sofrer uma clivagem pelo FI na presena de co-ftores dando origem a C3c e C3dg. C3c e C3dg iro sofrer ao de outras proteases que iro clivar esses fragmentos. Fonte: Modificado de Agarwal et al., 2001.

    O CR1 uma glicoprotena de cadeia nica com peso molecular de aproximadamente 220

    kDa que pode ser encontrada ancorada na membrana celular por uma curta cauda citoplasmtica,

    ou est presente na forma solvel no plasma. Este receptor encontrado em vrios tipos celulares

    como eritrcitos, neutrfilos, eosinfilos, moncitos e macrfagos, clulas dendrticas, linfcitos

    T e B e clulas de Langerhans (Ahearn et al., 1989; Weiss et al., 1989).

    A MCP ou CD46 (Figura 5) est presente em vrios tipos celulares como fibroblastos,

    linfcitos T e B, clulas endoteliais, e em todos os demais leuccitos, exceto em eritrcitos. Esta

    protena possui uma cadeia com 45-70 kDa, composta por uma cauda hidrofbica transmembrana

    com 31 aa seguida de 14-23 aa citoplasmticos, e uma poro N-terminal com stios de

    glicosilao. A MCP atua como cofator de FI na clivagem de C3b e C4b inibindo a formao das

    convertases das trs vias de ativao (Matsumoto et al., 1992; Seya et al., 1986).

    C3b

    iC3b

    C3c

  • 30

    Figura 5 - Reguladores do complemento

    C1-INH: inibidor de C1. C4bp: protena ligante de C4b. FI: Fator I. MBL: lectina ligante de manose. DAF:

    fator de acelerao de decaimento. CR1: receptor de complemento 1. MCP: protena de membrana com atividade de co-fator. CD59: inibidor de lise de membrana. Clusterina e S-Protena. FH: Fator H. Masp-1,2 3 3 (Mannose binding lectin-associated serine protease).

    Fonte: Modificada de Francis et al., 2003.

    A protena Decay-accelerating factor (DAF) possui aproximadamente 70 kDa e encontra-

    se distribuda em vrios tipos celulares como clulas epiteliais glomerulares, eritrcitos e

    leuccitos. A DAF est inserida na membrana celular por uma ncora de glicosil-fosfatidil-

    inositol responsvel por transmitir sinais intracelulares, mas tambm pode ser encontrada solvel

    no plasma. Sua principal funo acelerar o decaimento da C4b2a da via clssica ou C3bBb da

    via alternativa da C3-convertase e C5-convertase, respectivamente (Figura 5), dissociando a

    ligao desses complexos (Lublin et al., 1989; Richard et al., 1989).

    O homologous restriction factor (HRF) assim como a DAF est presente em vrios tipos

    celulares e encontra-se inserido na membrana atravs da ncora de GPI. Esta protena com 65

    kDa possui alta afinidade pelos componentes C8 e C9 da via terminal comum e sua ligao ao

    complexo C5b-8 e C5b-9 impede a formao do MAC (Martin et al., 1987, Tandon et. al., 1992).

  • 31

    A glicoprotena CD59 (Figura 5) um importante regulador do sistema complemento e

    assim como as protenas DAF e HRF est ancorada a membrana celular por GPI. O CD59

    humano possui 20 kDa e encontra-se amplamente distribudo em linfcitos, clulas epiteliais,

    endoteliais e sanguneas. Sua ligao ao componente C8 ou C9 bloqueia a insero dessas

    molculas na bicamada lipdica, a polimerizao e formao do MAC (Davis et al., 1989, Meri et

    al., 1990).

    1.9 A protena C3

    O gene C3 humano est localizado no cromossomo 19 (Whitehead et al., 1982) que

    compreende 42 kb com 41 xons e um peso molecular aproximado de 190 kDa. A protena C3

    que pertence famlia da 2-macroglobulina tem aproximadamente 1663 aa que formam duas

    cadeias distintas e , ligadas por uma ponte de sulfeto (Figura 4) (Bruijn et al., 1984; Fong et

    al., 1990; Janssen et al., 2005).

    A cadeia (Figuras 6 e 7) possui 75 kDa abrangendo os 23-667 aa codificados pelos 16

    primeiros xons. Durante todo o processo de clivagem da protena C3, esta cadeia se mantm

    ntegra sem sofrer clivagem proteoltica. J a cadeia (Figura 6) possui 115 kDa que abrangem

    672-1663 aa codificados pelos 25 xons restantes. Nesta cadeia est localizada a ligao tiol-ster

    (Bruijn et al., 1984; Janssen et al., 2005).

    A concentrao desta protena no plasma aproximadamente 1,3 mg/mL (Vik et al.,

    1991) e sua principal fonte de sntese so os hepatcitos (Alper, Rosen, 1976). Porm, estudos

    mostraram que este componente pode ser sintetizado por vrios tipos celulares como clulas

    endoteliais (Warren et al., 1987), moncitos (Whaley, 1980), macrfagos (Cole et al., 1980),

    fibroblastos, leuccitos polimorfonucleares, alm de clulas dendrticas (Reis et al., 2006; Reis et

    al., 2007).

  • 32

    Figura 6 - Modelo baseado na estrutura cristalogrfica de C3 humano

    Em A temos a estrutura cristalogrfica da protena C3. Em B temos os domnios presentes na cadeia (1-

    645), e na cadeia (650-1641). Domnios do tipo macroglobulina de 1 a 8 (MG), domnio ligante (LNK), domnio anafilatoxina (ANA), stio de clivagem da cadeia (NT), regio dos domnios proteicos 912-962 (CUBg) e domnios proteicos 1269-1330 (CUBf), domnio til-ster (TED), domnio carboxi-terminal (C345C). ncora. Clivagem do C3 gera C3a e C3b, e clivagem do C3b gera C3c, C3f, e C3dg (C3g + C3d). Fonte: modificado de Janssen et al., 2005.

    A clivagem do C3 ocorre entre os resduos 77 e 78 (Arg-Ser) da cadeia gerando os

    fragmentos C3b e C3a. Esse C3b gerado capaz de se ligar covalentemente a hidroxilas ou

    Cadeia Cadeia

    nc

    ora

  • 33

    aminas presentes na superfcie de clulas, complexos carboidratos ou imunocomplexos. Esta

    ligao fundamental para a continuada ativao do complemento e mediada pela ligao til-

    ster envolvendo uma sulfidrila (Cys 988) e uma carboxila (Glu 990), ambas localizadas na

    regio do C3d (Lambris, 1988). Diferente do C3 nativo, o C3b expressa vrios stios de ligao

    para vrias protenas do complemento que incluem properdina, FH, FI, FB, CR1 e MCP o que lhe

    permite a amplificao da ativao do complemento pela C3-convertase (via FB na presena de

    FD), ou a regulao atravs da inativao de C3b (via FI na presena de cofatores com MCP,

    CR1 e FH) (Lambris, 1988).

    A regulao do fragmento C3b pelo FI um processo que ocorre em trs etapas e requer a

    presena de cofatores como MCP, CR1 e FH que iro induzir uma mudana conformacional

    permitindo que o FI possa interagir com C3b. Primeiro ocorre a clivagem da cadeia entre os

    resduos 1281-1282 (Arg-Ser). Em poucos segundos ocorre a clivagem entre os resduos 1298-

    1299 (Arg-Ser) do C3 gerando os fragmentos iC3b e C3f. Em terceiro o FI medeia uma nova

    clivagem nos resduos 932-933 (Arg-Glu) do iC3b gerando C3dg que posteriormente ser clivado

    por outras proteases plasmticas (Lambris, 1988).

    Os eventos que levam clivagem do C3 originam os fragmentos C3a, C3b, iC3b, C3c,

    C3dg e C3f (Figuras 4 e 6) que exercem vrias propriedades biolgicas. Os componentes C3b e

    iC3b participam do mecanismo de opsonizao de antgenos, facilitando a internalizao desses

    agentes pelos fagcitos (Walport, 2001). A desgranulao de mastcitos e basfilos mediada

    pelo componente C3a, promovendo a liberao de mediadores inflamatrios como a histamina. O

    C3b tambm atua na solubilizao e remoo de imunocomplexos formados na circulao. Este

    fragmento se liga de forma covalente aos imunocomplexos impedindo a formao de grandes

    complexos que, ao passarem pelo fgado, sero removidos da circulao sangunea (Davies et al.,

    1994). O C3b tambm participa na formao da C5-convertase, via de ativao efetora contra o

    patgeno. J o fragmento C3d atua na imunidade adquirida, estimulando a sntese de

    imunoglobulinas antgeno-especfico pelas clulas B (Carroll, 1998; Ricklin et al., 2011).

    Hartmann et al. (1997) mostraram que o fragmento C3a capaz de estimular a

    quimiotaxia de mastcitos e a mobilizao de clcio livre, Daffern et al. (1995) provaram que

    C3a e C3adesArg so quimiotticos para eosinfilos e ativador de neutrfilos, e Mousli et al.

    (1992) demostraram a eficincia desse fragmento C3a na estimulao da protena G na ativao

    de mastcitos e liberao de histamina.

  • 34

    Suresh et al. (2003) mostraram que animais C3 deficientes durante epsdio de infeco

    viral sistmica causada por vrus da coriomeningite linfoctica tem o mecanismo de expanso de

    clones de linfcitos TCD8+ sigficativamente prejudicado diminuindo o nmero desssas clulas,

    mostrando sua necessidade do componente C3 na expanso dessas clulas efetoras.

    Estudos cristalogrficos de C3 descreveram minuciosamente cada domnio dessa protena.

    O domnio thioester - containing domain (TED) na regio 963-1268 aa que inclui os fragmentos

    C3d e C3g e o domnio CUB (912-962 aa e 1269-1330 aa) esto intimamente ligados (Figura 6).

    Esses domnios so altamente conservados e associados proteo do hospedeiro contra o

    patgeno, compondo uma regio nobre da protena C3. O CUB se insere entre os domnios MG7

    (807-911 aa) e MG8 (1331-1474 aa) gerando uma distncia estrutural necessria para as

    interaes moleculares e ligao com o domnio TED (Janssen et al., 2005).

    A ligao til-ster encontrada em um bolso hidrofbico localizado no domnio TED.

    Esse bolso formado por Cys 988 - Gln 991, resduos altamente conservados entre certas

    protenas do complemento e protenas que pertencem famlia -2 macroglobulinas, como o

    caso do C3. A mudana conformacional do C3 nativo para que ocorra a hidrlise da ligao til-

    ster impedida pelos domnios MG8-TED, bloqueando esta ligao e gerando um mecanismo

    de controle contra a hidrlise pela gua. A posio do domnio TED essencial para a

    manuteno e proteo do C3, o TED sustentado pelas interaes com MG2, MG8 e CUB

    responsveis pela sua conformao estrutural essencial para ativao desse componente (Janssen

    et al., 2005).

    Os resduos 1-534 compreende os cinco domnios MG1 a MG5, alm dos resduos 535-

    577 do domnio MG6 e LNK formando a cadeia . Juntos os seis domnios MG1 a MG5 e MG6

    formam voltas helicoidais como em um anel chave, e os resduos 578-577 de MG6 formam um

    lao atravs desse anel e mais trs hlices em uma configurao que se alinha ao domnio MG1

    (Janssen et al., 2005).

    O domnio ANA (650-726) se liga ao domnio MG6 por um extenso anel que abrange a

    regio N-terminal (730-745). Os resduos 746-806 formam MG6 (completando MG6) seguido

    de um stimo domnio MG7 (807-911), e o domnio MG8 composto pelos resduos 1331-1474

    corresponde ao domnio -2 macroglobulina. J os resduos 1496-1641 formam a regio

    carboxiterminal do domnio C345C que est covalentemente ligado a MG8 por cadeias

  • 35

    polipeptdicas e MG7 por uma ponte de sulfeto denominada como regio ncora (1475-1495)

    (Janssen et al., 2005).

    A clivagem do C3 nativo remove o domnio anafilatoxina (ANA) gerando C3a e C3b,

    expondo a ligao til-ster antes oculta, mostrando o papel crtico que ANA tem na proteo

    indireta dessa ligao e a interao entre ANA e TED. ANA tem uma extensa interao com

    MG8 e MG3. Esta interao permite manter a estrutura proteica estvel mantendo MG8 em uma

    posio correta, permitindo o aumento da interao com o domnio TED. As interaes entre os

    domnios proteicos de C3 s so possveis devido conformao estrutural da molcula, e

    mudanas conformacionais que ocorrem durante sua ativao. Qualquer alterao estrutural em

    qualquer domnio pode ter srias consequncias, comprometendo a ativao e principalmente a

    funo dessa protena (Janssen et al., 2005).

    1.10 Deficincias do C3 humano

    A deficincia primria do C3 humano tem sido descrita em pacientes em diferentes

    regies do mundo e at hoje 31 casos foram descritos. Suas manifestaes clnicas consistem em

    infeces recorrentes por bactrias Gram-negativas como Neisseria meningitidis, Enterobacter

    aerogenes, Haemophilus influenzae, Escherichia coli, bactrias Gram-positivas como

    Streptococcus pneumoniae, otite mdia e, em alguns casos so acompanhadas por doenas

    mediadas por imunocomplexos (Reis et al., 2006).

    Alper et al. (1972) descreveram pela primeira vez uma paciente africana com 15 anos de

    idade, suscetvel a infeces piognicas marcantes desde a infncia. Esta paciente apresentou

    episdios de infeces por Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes e Klebsiella

    pneumoniae, alm de meningite e otite mdia. O estudo do caso mostrou que a paciente era

    homozigota para a deficincia de C3. Seus nveis sricos dessa protena correspondiam a um

    milsimo abaixo do normal (Normal: 15-30 U/mL). Seus pais apresentaram nveis reduzidos de

    C3 (pai: 11 U/mL, me: 7 U/mL), quando comparados com pacientes normais. Posteriormente

    com os avanos da Biologia Molecular, Botto et al. (1992) demonstraram que esta diferena era

    causada pela deleo de 800 pares de base (pb) codificadores de parte da cadeia do C3.

    Constatou-se a deleo dos xons 22 e 23 e gerao de um cdon de parada prematuro no RNA

  • 36

    mensageiro (RNAm) de C3 desta paciente (Alper et al., 1972; Botto et al., 1992) produzindo

    consequentemente uma protena truncada.

    Ballow et al. (1975) estudaram uma paciente com 4 anos de idade que, com um ms de

    vida apresentava diarria persistente e otite mdia. Aos 17 meses e aos 23 meses de vida

    apresentou quadro febril associado infeco por Streptococcus pneumoniae. Aos 20 meses

    sofreu novamente com quadro de diarreia, otite mdia e foi diagnosticada com infeco urinria

    causada por E. coli. A concentrao de C3 srica era 10% do normal e a anlise da atividade

    microbicida bacteriana neste soro foi aproximadamente 11% e mesmo aps a reconstituio do

    soro com C3 purificado foi 52% (Ballow et al., 1975).

    Grace et al. (1976) descreveram o caso de uma garota africana com 4 anos de idade que

    apresentou quadros constantes de meningite causada por pneumococos. A atividade hemoltica

    mediada pela via clssica (CH50) estava completamente ausente no soro, e o seu nvel de C3 era

    zero. Seu irmo faleceu ainda na infncia por meningite. Embora seus pais no possussem

    histrico de consanguinidade, ambos so heterozigotos para a deficincia da protena C3 (Grace

    et al., 1976).

    Um ano depois, Osofsky et al. (1997) estudaram o paciente S.A que sofreu com febre alta

    durante 5 dias, erupo mculopapular eritematosa, linfodenopatia, hepatoesplenomegalia,

    artralgias e otite mdia. A dosagem do nvel srico de C3 foi

  • 37

    Trs anos mais tarde, Pussel et al. (1980) relataram o caso de 3 irmos de uma famlia

    com origem palestino-libanesa com homozigose para a deficincia de C3. Conforme

    heredrograma da famlia, o caso da paciente II-3, uma garota com 13 anos de idade, apresentou

    quadros frequentes de cefalia, dor abdominal alm de proteinria. A irm (II-5) com 7 anos de

    idade, sofria desde o primeiro ano de vida com proteinria, hematria e pneumonia. O irmo (II-

    6), um garoto diagnosticado aos 5 anos de idade, aos 3 anos desenvolveu peritonite, proteinria, e

    seus pais no possuam laos de consanguinidade. A concentrao de C3 no soro da me foi 89%,

    e dos trs irmos foi zero, enquanto que o intervalo de normalidade de 60-130% e a atividade

    hemoltica mediada pela via clssica foi 66%, 10%, 10% e 10% respectivamente, em relao ao

    soro referncia (50-125%) (Pussel et al., 1980).

    O caso de uma garota chinesa de 10 anos de idade com completa ausncia da protena

    C3 foi publicado por Hsieh et al. (1981). Ela teve entrada no hospital com febre alta, tosse,

    artralgias e erupes cutneas por uma semana. A paciente teve 12 episdios de pneumonia, 5 de

    otite mdia, bronquite e episdios de convulses. A atividade hemoltica mediada pela via

    clssica do pai era 12,5%, da me 30,0% e da paciente zero. A paciente tinha uma irm mais

    velha que, aos 6 meses, teve pneumonia, meningite e posteriormente faleceu, e seus pais no

    possuam histrico de consanguinidade (Hsieh et al., 1981). Mais tarde, em 1994, Huang et al.

    (1994) utilizando mtodos de Biologia Molecular descobriram que esta paciente (na poca com

    22 anos de idade) apresentava no RNAm de C3 a excluso de 34 nucleotdeos na regio 3 do

    xon 10 e substituio da base GT no stio doador de splice do ntron 10 do gene C3, gerando

    um cdon de parada prematuro responsvel pela deficincia de C3 (Huang et al., 1994).

    Ainda em 1981, foi descrito no Japo o caso de duas irms com lpus eritematoso. A

    paciente 1 com 19 anos de idade sofria com episdios recorrentes de bronquite, erupes na face

    e artralgia contnua, embora gozasse de boa sade at os 10 anos de idade. A paciente 2 com 14

    anos de idade possua um histrico mdico semelhante ao da irm. Os nveis de C3 no soro tanto

    da paciente 1 quanto da paciente 2 foram indetectveis. O ensaio hemoltico feito com o soro da

    paciente 1 apresentou de 6,3 U CH50/mL, e a paciente 2 apresentou 5,8 U CH50/mL, e o SHN

    mostrou valor de 40 U CH50/mL (Sano et al., 1981).

    Roord et al. (1983) estudaram uma famlia holandesa, residente em um pequeno vilarejo.

    A famlia era composta pelo pai com 60 anos de idade, a me com 59 anos de idade, e mais 13

    filhos com idades variadas. Dentre estes, um faleceu aos 3 anos com meningite, e outro com 6

  • 38

    anos de idade sem histrico de infeces recorrentes. Conforme heredograma da famlia os

    pacientes dos casos II-6, II-10 e II-12 foram os objetos de estudo. A paciente do caso II-6, uma

    mulher com 26 anos de idade sofria com quadros de otite mdia constantes, e infeces cutneas.

    Aos 5 anos contraiu Staphylococcus aureus, meningite e, aos 9 anos, teve sepse e meningite por

    Neisseria meningitidis. A paciente do caso II-10, uma garota com 19 anos de idade, desenvolveu

    meningite pneumoccica com 2 anos de idade e quadros constantes de otite mdia e posterior

    desenvolvimento de leses cutneas. J a paciente do caso II-12, uma garota com 16 anos de

    idade apresentou quadro semelhante ao caso 10 sofrendo de otite mdia de repetio desde os 8

    meses. A atividade hemoltica foi de 17 U CH50/mL no caso 6, 10 U CH50/mL no caso 10 e 11

    U CH50/mL no caso 12 (Normal: 185-261 U CH50/mL). A concentrao de C3 funcional foi 232

    U /mL no caso 6, 175 U /mL no caso 10 e 150 U /mL no caso 12, indicando a homozigose para

    deficincia da protena C3 entre os pacientes (Roord et al., 1983).

    Neste mesmo ano, Berger et al. (1983) investigaram o caso de uma garota com 11 anos

    que, desde o primeiro ms de vida, apresentou quadros de infeces recorrentes e, aos 4 anos, foi

    diagnosticada com deficincia de C3. O nvel desta protena no soro da paciente no foi

    detectvel por ensaios hemolticos ou imunoqumicos. A bipsia renal mostrou proliferao

    endocapilar, difuso com aumento da matriz mesangial induzindo glomerunonefrite grave,

    alteraes j descritas em outros casos de deficientes de C3 (Berger et al., 1983).

    O caso de um garoto laociano com 7 anos de idade com deficincia da protena C3 foi

    sucintamente descrito por Borzy e Houghton (1985). Alm do baixo nvel dessa protena, o

    paciente apresentou episdios de infeces persistentes, hematria, protenria, e a anlise

    histopatolgica renal mostrou sinais de mesangiopatia com glomerulonefrite transmembranar

    (Borzy, Houghton 1985).

    Dois anos mais tarde em 1987, Cozma et al. (1987) relataram brevemente o caso de uma

    garota com 12 anos de idade com doena renal terminal e completa ausncia da protena C3. A

    paciente apresentou deterioramento gradativo do rim e posterior insuficincia renal. Uma bipsia

    deste rgo revelou 80% de esclerose glomerular com possvel glomrulonefrite membrano-

    proliferativa do tipo I (Cozma et al., 1987).

    No Brasil, o primeiro caso de deficincia de C3 foi descrito por Grumach et al. (1988). O

    paciente C.A sofria desde os 3 meses de idade com infeces recorrentes por Giardia,

    broncopneumonia, meningite, otite mdia, febre alta, artrite e infeco urinria. A dosagem do

  • 39

    C3 no soro da famlia foi 45mg/dL para a me, 71 mg/dL para o pai e de zero para a paciente

    (Normal: 70-154 mg/dL). Dos indivduos testados, 8 membros da mesma famlia apresentaram

    nvel normal dessa protena, embora outros 4 estavam no limite mnimo de normalidade

    (Grumach et al., 1988). Mais tarde no nosso laboratrio investigou-se o RNAm de C3 desse

    paciente, quando se descobriu a presena de um cdon de parada prematura no xon 30 causada

    pela subtituio de um G por um A (GA) na posio 1716 (Reis et al., 2002).

    No mesmo ano, Borzy et al. (1988) estudaram o caso de um garoto de 10 anos de idade

    que, aos 5 meses, foi diagnosticado com infeco por Streptolococcus pneumoniae. Aos 7 meses

    foi internado com pneumonia lombar, aos 20 meses pela segunda vez teve infeco por S.

    pneumoniae que se repetiram aos 3 e aos 5 anos. Sua bipsia renal mostrou mesangiopatia e

    glomerulonefrite, mas ainda com funo renal normal. Os nveis antignicos de C3 no soro do

    paciente eram indetectveis e no estudo da famlia apenas metade do nvel desta protena estava

    presente, quando comparado a um indivduo normal (Borzy et al., 1988). Mais tarde, Singer et al.

    (1996) descreveram o caso desse paciente mais detalhadamente. Sua deficincia est associada ao

    baixo processamento, expresso e secreo de C3 pelas suas clulas. A expresso de RNA

    mensageiro de C3, tanto do paciente quanto dos seus parentes, foi muito baixa, quando

    comparadas com um indivduo normal. Os dados sugeriram que o defeito gentico esteja na

    mutao que afeta a transcrio do gene C3, o processamento do RNA e sua estabilizao,

    embora fosse necessrio o aprofundamento do estudo molecular para sua confirmao (Singer et

    al., 1996).

    Um ano mais tarde foi feito o breve relato do caso de uma mulher com 28 anos de idade

    com completa ausncia da protena C3 do complemento. Ela sofreu desde a infncia com

    infeces de repetio, dentre elas pneumonia, meningite meningoccica e otite mdia. (Weiss et

    al., 1989).

    Botto et al. (1990) descreveram o caso de um paciente com 10 anos que apresentou

    quadros recorrentes de otite mdia, infeces respiratrias e seus pais possuam histrico de

    consanguinidade. A anlise gentica do paciente mostrou uma substituio GTAT na regio 5

    no stio doador de splicing do xon 18 causando a deleo do xon 8 e gerando um cdon de

    parada prematuro no RNAm de C3 levando deficincia dessa protena (Botto et al., 1990).

    Imai et al. (1991) descreveram o caso de um homem com 23 anos de idade que desde

    1984 sofria de proteinria persistente e microhematria. Aos 4 anos, ele apresentou meningite e

  • 40

    erupes cutneas. Em sua famlia foram encontradas mulheres deficientes de C3 (homozigotas)

    portadoras de lpus eritematoso sistmico. A concentrao de C3 foi < 1 mg/dL, < 9 U CH50/mL,

    a bipsia renal mostrou ligeira proliferao mesangial e glomerulonefrite, comum nos casos de

    pacientes homozigotos para a deficincia da protena C3 (Imai et al., 1991).

    Em 1992 foi relatado o caso de um neozelands de 19 anos de idade que desde a infncia

    apresentou episdios de febre alta, impetigo, pneumonia e meningococcemia. A protena C3 no

    foi detectada no soro. A atividade hemoltica dependente da via clssica foi zero, enquanto o

    normal 1600 U CH50/mL e, sua atividade hemoltica mediada pela via alternativa foi 20 U

    AP50/mL contra 150 U AP50/mL do normal, confirmando sua deficincia (Peleg et al., 1992).

    Ainda em 1992, Sanal et al. (1992) publicaram o caso de uma paciente com 4 anos de

    idade deficiente de C3. Seu histrico mdico apresentou quadros de infeces piognicas, otite

    mdia e meningites de repetio. Sua atividade hemoltica foi zero. Aps a adio de C3

    purificado no soro, a atividade hemoltica mediada pela via clssica subiu para 19,9 U CH50/mL

    enquanto no indivduo controle foi 21,9 U CH50/mL (Sanal et al., 1992).

    Outro paciente neozelands com deficincia de C3 foi descrito por Singer et al. (1994). O

    estudo mostrou uma mutao no xon 13 do cDNA do C3, alterando uma Asp para Asn em uma

    regio importante e altamente conservada na cadeia do C3. No mesmo ano Katz e

    colaboradores publicaram um estudo em que eles identificaram nesse paciente o defeito na

    secreo da protena C3. Ensaios de imunoprecipitao e de imunofluorescncia utilizando

    fibroblastos mostraram a presena do pr-C3 intracelular, entretanto a protena C3 no foi

    detectada no meio extracelular explicando sua deficincia (Singer et al., 1994). Um ano depois

    novamente Katz e colaboradores descreveram outro estudo feito com a famlia desse paciente. O

    pai apresentou uma concentrao de C3 de 68 mg/dL, a me 47 mg/dL e a irm 165 mg/dL

    (normal= 130 mg/dL). J atividade hemoltica da via clssica foi de 976 U CH50/mL para o pai,

    925 U CH50/mL para a me e 1265 para a irm (normal= 1370 U CH50/mL) (Katz et al., 1995).

    Quatro anos mais tarde (2000), foi relatado o caso de duas irms japonesas por

    Matsuyama et al. (2000). A paciente 1 com 36 anos de idade, aos 16 desenvolveu sintomas de

    lpus eritematoso sistmico (SLE), mesma poca do diagnstico da deficincia de C3. A paciente

    2 com 34 anos de idade foi diagnosticada com deficincia de C3 aos 14. A paciente 1 tinha o

    nvel de C3 em 320 mg/dL e de 6,3 U CH50/mL. J a paciente 2 tinha 270 mg/dL e 5,8 U

    CH50/mL (C3 Normal: 60-110 mg/dL e 40,0 U CH50/ mL). A anlise molecular mostrou que as

  • 41

    irms apresentavam a substituio da base GT na posio 3303 do cDNA do C3, causando um

    cdon de parada prematura no xon 26 do gene C3, resultando na deficincia de C3 (Matsuyama

    et al., 2000).

    Mais tarde, em 2001 o nosso laboratrio estudou o caso do paciente L.A.S ento com oito

    anos de idade, histrico de consanguinidade e deficiente de C3 que sofria com adenites graves,

    sinusites, dois casos de tonsilites purulentas, broncopneumonia e infeco por Giardia lamblia.

    Sua dosagem de C3 foi 0,15 g/mL. Tanto a atividade hemoltica mediada pela via clssica

    quanto pela via alternativa de seu soro foi zero, e a expresso de RNAm de C3 era reduzida

    (Ulbrich et al., 2001). Mais tarde, Reis et al. (2002) estudando este paciente em nosso laboratrio

    descreveram que sua deficincia era desencadeada por um cdon de parada prematura na posio

    848 no xon 20 do RNAm de C3 responsvel pelos baixos nveis de RNAm desta molcula (Reis

    et al., 2004).

    J em 2005, no Japo, foi descrito o caso de um homem com 22 anos de idade

    diagnosticado com lpus eritematoso sistmico. Seu histrico mostrou infeces de repetio por

    pneumonia, febre alta e eritema. Seu nvel de C3 no era detectado no soro e seus pais possuam

    histrico de consanguinidade. A anlise da sequncia gentica apontou uma mutao no stio

    receptor de splice (AGGG) no ntron 39 com uma alterao de 38 nucleotdeos, levando

    deleo do xon 39 do gene C3. Utilizando fibroblastos do paciente foi possvel verificar a

    presena do pr-C3 intracelularmente, porm a protena madura no foi detectada no meio

    extracelular (Tsukamoto et al., 2005).

    Bhide (2006) relatou brevemente o caso de uma famlia deficiente da protena C3 do

    complemento. A paciente 1, uma garota com 3 anos de idade sofria com cefalia, febre, vmitos,

    otite mdia e episdios de infeco por Staphylococcus pneumoniae e Escherichia coli. Seu

    irmo, o paciente 2 com 10 anos de idade que apresentava histrico mdico semelhante ao da

    irm. A dosagem da atividade hemoltica mediada pela via clssica do paciente 1 foi de apenas

    28,5% e, da paciente 2 de 33,7 %, contra 80-100% do normal e, seu nvel de C3 foi de 0,06 g/L

    para ambas as crianas (Normal: 0.7-1,6 g/L) (Bhide, 2006).

    Trs anos mais tarde, em 2008, Kida et al. (2008) descreveram o caso de um paciente

    japons heterozigoto para o gene C3 com 22 anos de idade que desde os 2 anos apresentava

    infeces bacterianas recorrentes, meningites, bronquites e pneumonia. A concentrao de C3

    no era detectado no soro, apresentando < 12 U/mL de CH50 contra 35-45 U/mL do normal. A

  • 42

    insero de um T na posio 3176 do xon 24 e uma mutao no senso C3303G no xon 26

    resultaram em um cdon de parada prematura responsveis pela deficincia (Kida et al., 2008).

    Singh et al. (2009) publicaram o estudo de uma garota que foi internada aos cinco anos de

    idade com febre alta, dor de cabea, e sinais de meningite que foram confirmados aps

    investigao mdica. Porm a garota sofria desde o nascimento com histrico de infeces de

    repetio e novo quadro de meningite aos 3 meses. A concentrao de C3 era 112 mg/dL bem

    abaixo de um indivduo normal (770-1950 mg/dL). As causas da deficincia ainda no foram

    descobertas.

    O caso de uma garota com 13 anos de idade deficiente da protena C3 foi relatado em

    2010. Em 1973 com cinco anos de idade a paciente desenvolveu caxumba, e trs meses mais

    tarde edema generalizado com glomrulonefrite. Sua concentrao de C3 no soro era muito baixa

    e a anlise gentica identificou uma mutao no exon 29 do gene de C3. A mutao consiste na

    deleo de dois nucleotdeos (TT) na posio c.3736_3737 causando um stop cdon na posio

    1246 alterando TT por fenilalanina causando a deficincia da protena C3 do complemento

    (Rodriguez-Marco et al., 2010).

    Recentemente no Japo, estudos relataram o caso de um garoto com 4 anos de idade que

    apresentou dois episdios de infeces com bactria Estreptococcus pneumoniae, otite mdia

    aguda e gastroenterocolite. Seu nvel de C3 era 0,3 mg/dL contra 75-150 mg/dL do normal e seus

    pais no tinha histrico de consanguinidade. O estudo gentico apontou uma mutao no senso

    na regio 1432C > T (Arg 478 terminal) no xon 12 do gene C3 como causa da sua deficincia

    (Okura et al., 2011).

    A deficincia de C3, como em alguns casos supracitados, geralmente acompanhada pelo

    acmulo de imunocomplexos. Quando a sntese desta protena reduzida ou at mesmo

    completamente ausente, isto pode contribuir para a deposio desses imunocomplexos em tecidos

    e rgos causando leses teciduais ou at mesmo falncia do rgo em questo (Chen et al.,

    2010).

    Pacientes deficientes da protena C3 apresentam um quadro muito comum de infeces

    frequentes predominantemente bacterianas ou virais. Dos 31 casos aqui relatados, 14

    apresentaram otite mdia, 8 apresentaram pneumonia, 10 apresentaram meningite e 6 relataram

    febre alta. Em alguns casos foi feito o diagnstico da infeco caracterizada por Streptococcus

  • 43

    pneumoniae, Streptococcus pyogenes, Klebsiella aerogenes, Escherichia coli e Giardia (Kida et

    al. 2008; Okura et al., 2011; Reis et al., 2006; Rodriguez-Marco et al., 2010; Singh et al., 2009 ).

    Outros casos de pacientes deficientes de C3 apresentaram quadro de proteinria,

    hematria, faringite, leses cutneas, artrite e infeces respiratrias de repetio como

    bronquites e sinusite. Em apenas um caso houve de uma paciente que apresentou quadro de sepse

    por Neisseria meningitidis.

    A deficincia da protena C3 rara na populao mundial, com apenas 31 casos qui

    descritos desde 1972. Ao contrrio de vrias outras doenas genticas, as mutaes encontradas

    so exclusivas de cada caso. Observamos que em sua maioria so causados por alteraes de

    nucleotdeos em uma posio especfica, ou a deleo de um xon gerando um cdon de parada

    prematura causando a deficincia de C3, mas somente alguns casos tiveram suas bases

    moleculares definidas. Por essa razo e devido ao ndice de pacientes deficientes de C3 com

    infeces constantes, necessrio o estudo aprofundado das causas moleculares desta deficincia

    e sua melhor compreenso para futuras terapias como alternativa de tratamento, e dessa forma

    promover uma melhor qualidade de vida para esses pacientes.

  • 44

    2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo geral

    O objetivo principal desse trabalho caracterizar a deficincia primria de C3 e suas

    bases moleculares na paciente objeto de estudo.

    2.2 Objetivos especficos

    Determinar os nveis de C3 e outras protenas do sistema complemento no soro da famlia

    objeto de estudo e caracterizar a atividade hemoltica desse soro mediada pelas vias clssica e

    alternativa do complemento.

    Caracterizar o padro de herana desta deficincia na famlia objeto de estudo.

    Determinar a capacidade de secreo de C3 em sobrenadante de cultura de fibroblastos da

    paciente e controle, estimulados por LPS.

  • 45

    3 MATERIAIS E MTODOS

    3.1 Histrico familiar

    A famlia em estudo natural da cidade de So Paulo. A paciente A.S.S nasceu em 24 de

    janeiro de 2006 e foi encaminhada para investigao desta deficincia pela Dra Anete Servciovic

    Grumack da Faculdade de Medicina do ABC. De acordo com o histrico mdico, a paciente sofre

    de repetidas infeces graves desde o nascimento. Com sete dias de vida, ela apresentou febre

    alta seguida de convulses que levaram ao seu internamento em Unidade de Terapia Intensiva.

    Durante sua internao ela desenvolveu um quadro de hidrocefalia que foi tratada, obtendo alta

    17 dias depois. Com 1 ano de idade, a paciente foi novamente internada em UTI por celulite

    periorbital e, aps alta, apresentou quadro de repetidas infeces das vias areas superiores. Com

    2 anos de idade, a paciente sofreu nova internao por celulite cervival e infeco aguda das vias

    arias superiores (IVAS). Com 3 anos de idade, sofreu nova internao por pneumonia causada

    por S. pneumoniae.

    Para investigar a possibilidade de deficincia de complemento ou deficincia de

    imunoglobulinas, pesquisou-se as concentraes das protenas C3 e C4, e de IgA, IgG e IgM,

    foram determinadas no soro da paciente, conforme Tabela 1.

    Tabela 1 - Quantificao das concentraes sricas de C3, C4 e imunoglobulinas

    Protenas (mg/mL) Igs (mg/mL)

    Paciente C3 C4 IgA IgG IgM

    2 anos

  • 46

    Tabela 2 - Contagem diferencial de leuccitos sanguneos

    Tipos celulares Paciente (%) Paciente

    (ncels/mL)

    Valores normais

    (%)

    Valores normais

    (ncels/mL)

    Leuccitos totais No informado 12.960 No informado 4.000-10.000

    Neutrfilos

    bastonetes No informado No informado 32 50-5.000

    Neutrfilos

    segmentados 44 5.663 5610 2.300-6.600

    Linfcitos 45 5.897 3010 1.000-4.000

    Moncitos 6 726 64 100-1.000

    Eosinfilos 4 492 32 50-500

    Basfilos 1 168

  • 47

    3.3 Determinao da concentrao de protenas por imunodifuso radial

    Para quantificar as protenas C3, C4, FH, FI e FB do sistema complemento nos soros

    desta famlia, utilizamos o mtodo de imunodifuso radial simples (Mancini et al., 1965). Uma

    placa de vidro de 8 x 8 cm foi previamente revestida com 2 mL de agarose a 1% em gua

    destilada, e secas em estufa a 37 C. Posteriormente, esta placa foi recoberta com 6 mL de

    agarose (1% em PBS) contendo anticorpos policlonais especficos para cada protena

    (Complement Technology, Tyler, Texas, USA) diludos a 2%. Uma vez solidificada esta segunda

    camada de agarose, foram feitos poos de 3 mm de dimetro onde foram adicionados (duplicatas)

    5 L de soro da paciente, cada membro da famlia e controle. A placa foi incubada por 48 h no

    caso de C3, C4 e FI, e por 24 h para FB e FH em cmara mida a 4 C, para difuso das amostras

    e formao do halo de precipitao. Aps o perodo de incubao, as placas foram lavadas com

    soluo fisiolgica (NaCl 150 mM) por 24 h a 4 C. Depois de secas, as placas foram coradas

    com azul de Coomassie por 20 min, e o excesso descorado por 2 h.

    Para a construo da curva padro, inclumos uma mistura de soros humanos de 50

    indivduos normais, com concentraes das protenas do complemento determinadas previamente.

    Para essa curva, adotamos as seguintes diluies para o soro: 100%, 50%, 25% e 12,5%. As

    diluies foram representadas como x, e o dimetro do halo formado em y em mm2. Sendo

    assim, construmos uma curva de regresso linear do tipo y = a x + b, para obtermos a

    concentrao das protenas de interesse. Somente consideramos os valores, quando R2 0,95. A

    determinao da concentrao proteica foi feita em duplicata.

    3.4 Atividade hemoltica mediada pela via alternativa do sistema complemento

    Para o ensaio hemoltico da via alternativa do complemento, utilizamos 3 mL de uma

    suspenso de hemcias de coelho (1:2) em Alsever estril (Bioboavista, Valinhos, SP, Brasil)

    completando para 15 mL com soluo tampo AP-CTD (AP-CTD: VBS- - [NaCl 20,95 g; Na

    Barbital 0,5 g; cido barbitrico 1,15 g; pH= 7,2]; EGTA 0,2 M; MgCl2 0,2 M). Lavamos a

    suspenso de hemcias 3 vezes aps centrifugao a 2500 x g a 4 C por 15 min. Aps descartar

    o sobrenadante, coletamos 100 L da papa de clulas ressuspendendo-a em 9,9 mL de AP-CTD.

  • 48

    As hemcias diludas (100 L) foram distribudas em tubos contendo as diluies 1:4, 1:8, 1:10,

    1:16 e 1:32 dos soros da famlia, da paciente e do controle. Em seguida, incubamos a reao em

    banho-maria por 30 min a 37 C. Passado este perodo adicionamos 900 L de tampo VBS- -

    EDTA (VBS- - 5x; EDTA 0,2 M) para interromper a ativao, seguido por centrifugao a 2500 x

    g por 10 min a 4 C (Nilsson, Nilsson 1984). Como controle, incubamos as hemcias apenas com

    a soluo VBS- -EDTA (0%); com H20 para obtermos a lise total de hemcias (100%). Para cada

    amostra removemos 350 L (em duplicata) do sobrenadante e transferimos para uma nova placa,

    a qual foi lida no leitor Espectramax Plus 384 (Molecular Devices, Sunnyvale, Califrnia, USA)

    a 405 nm. Os valores encontrados em cada soro foram comparados com o esperado para lisar

    100% de hemcias descontando-se o controle negativo (branco). A porcentagem de lise foi

    medida como segue:

    % de lise = D.O amostra D.O branco X 100

    D.O 100% Lise - D.O branco

    Com este clculo e preparo da curva, obtivemos o volume de soro necessrio para lisar

    50% de eritrcito, este volume corresponde a uma unidade