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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
KATIANE MACHADO DA SILVA
AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NEOPENTECOSTAIS NA PERIFERIA:
ESTUDO DE CASO
PORTO ALEGRE2015
2
KATIANE MACHADO DA SILVA
AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NEOPENTECOSTAIS NA PERIFERIA:
ESTUDO DE CASO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para a obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientadora: Dra. Carmen Lucia Bezerra Machado
Linha de Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e Educação
Porto Alegre2015
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.
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AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NEOPENTECOSTAIS NA PERIFERIA: ESTUDO DE CASO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para a obtenção do título de Doutora em Educação.
Apresentada em 27 de fevereiro de 2015.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Profa. Dra. Carmen Lucia Bezerra Machado (FACED/UFRGS)
(Orientadora)
_______________________________________________
Profa. Dra. Conceição Paludo (UFPEL)
________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Albuquerque (UFRGS)
________________________________________________
Prof. Dr. Johannes Doll (FACED/UFRGS)
________________________________________________
Prof. Dr. Roberto Leher (UFRJ)
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[...] Sozinha, no seio de uma paz tão profunda, estou sentada, pensativa e inquieta. O excesso mesmo dessa serenidade perturba e a torna irreal. O vasto mundo está calmo, mas da calma que precede às tempestades. Escuto e espreito com todos os meus sentidos o menor índice do cataclismo iminente. Que não seja prematuro! Oh! Que não arrebente tão cedo! Minha irrequietude se explica. Penso, penso sem tréguas e não posso me impedir disso. Vivi tão longo tempo no coração da refrega que a tranquilidade me oprime e a minha imaginação volta, independente de meu controle ao turbilhão de destruição e morte que vai desencadear dentro de pouco tempo. Creio ouvir os gritos das vítimas, ver, como vi no passado, toda essa sensível e preciosa carne assassinada e mutilada, todas as almas violentamente arrancadas de seus nobres corpos e atiradas à face de Deus. Pobres humanos que somos, obrigados a recorrer à carnificina e à destruição para atingir nossa finalidade para introduzir na terra paz e felicidade duradouras! (LONDON, 2003, p.19)
Para mim, pelo menos, a sociedade moderna representa um avanço praticamente insignificante em relação à escravidão e à servidão, caso a situação da indústria continue desse modo, em que 90% dos verdadeiros produtores de riqueza não tem uma casa que possam chamar de suas; não tem um pedaço de terra, ou ao menos um cômodo que lhes pertença; não tem bens de nenhuma natureza.(...) Se essa é a organização definitiva da sociedade moderna, então a civilização é também uma maldição que se abate sobre a grande maioria da humanidade. (LONDON, 2004, p. 243).
Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como se fosse o Novo. [...] E em torno estavam aqueles que instilavam horror e gritavam: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! E quem escutava, ouvia apenas os seus gritos, mas quem olhava, via pessoas que não gritavam. Assim marchou o Velho, travestido de Novo, mas em cortejo triunfal levava consigo o Novo e o exibia como Velho. [...]. E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! seria ainda audível, não tivesse o trovão das armas sobrepujado tudo.
Bertold Brecht in: Poemas 1913-1956.
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DEDICO...
Às mulheres e homens de minha vida, mulheres,
homens lutador@s, bruxas e bruxos, hermanos e
hermanas, companheir@s dessa incrível viagem que
é viver. E, a todos que sonham, lutam e estão abertos
a construir o NOVO.
AGRADECIMENTOS
À minha doce e amada mãe que, com sua sabedoria e amor incondicional,
sempre me amparou, me acolheu, que me dá lições de vida todos os dias. Que é um
exemplo de lutadora, mulher e mãe. Às minhas irmãs, minhas amigas especiais, aos
meus tios/as e primas que me incentivaram, acreditaram em mim e em meus
sonhos. Contribuindo na concretude destes.
À minha orientadora, Carmen Lucia Bezerra Machado, pela sua paciência,
afetividade e sensibilidade, humanidade, pelas oportunidades de crescimento
pessoal e profissional, em cada momento de orientação de lágrimas e riso, de
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partilhas de vida e de socializar dores e indignações. Pelo respeito ao meu tempo de
compreensão e de leitura acadêmica, às minhas limitações.
Ao professor Johannes Doll, pela sua paciência, afetividade e sensibilidade,
pelas oportunidades de crescimento pessoal e profissional.
À professora Conceição Paludo, educadora, amiga, com a qual mais do que
compartilhar cafés, debatemos e polemizamos a realidade e as questões sociais.
Ao amigo e mestre professor Paulo Albuquerque, com quem pude
aprender/ensinar a postura provocativa frente ao mundo e aos seres humanos.
Àqueles que me ajudaram a chegar até aqui, acreditando e fomentando em
mim a ideia de fazer doutorado, em especial: À Carmen Castro, bruxa hermana, que
com sua postura educadora me problematiza, me faz pensar e incentiva sonhos que
se tornam realidade. À Denir Sosa e ao Jaime Fogaça, dois companheiros de luta e
sonhos que foram fundamentais para que eu acreditasse e seguisse os estudos.
À Marion Machado Cunha, amigo hermano que me lembra sempre de minha
raiz e de minha condição de classe. À Deise Ferraz quem aprendi a admirar e que
sempre me incentiva ao estudo. Tantos outros seres importantes nessa caminhada
como meus hermanos/as: Bolívar, Catinha, Chirlei, a Cecile, por me ouvirem e me
incentivarem ao estudo e, principalmente, por acreditarem em mim. À Ana Hanaer
bruxa, hermana amiga e companheira de vida e sonho, à Jana, amada hermana
com quem sempre pude contar.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em especial aos
grandes amigos e companheiros/as Paulo e Carmen Laura pela sua humanidade e
pelo espírito provocador, por contribuírem profundamente em minha formação de
educadora social, vocês dois foram exemplo para minha formação durante o
doutorado. Também a todos/as que compõem a linha de pesquisa Trabalho
Movimento Social e Educação, em especial, aos grandes amigos/as que ganhei
nesse processo de doutoramento: Beti, Soninha, Vera Rosane, Telmo, Vanessa,
Mara, Juliana, Simone, Patizão, e tantos e tantas com quem cruzei e de uma forma
ou outra compartilhamos saberes e vida. Ao quarteto fantástico Sonia, Elen, Ingrid e
Paola, com quem nos últimos tempos desse processo também pude vivenciar novas
experiências e com as quais nos ligamos mais que matéria.
Um agradecimento especialíssimo à Elen Machado Tavares pelos
aprendizados, pela companheira de vida e sonhos.
8
Às Organizações sociais, MST e MTD que forjaram em mim essa crença no
ser humano. Que produziu pela prática um sujeito inquieta e curiosa frente aos
problemas social e a realidade.
Às bruxas arteiras (Daiane, Judit, Gabi, Rose, Elisa, Tais, a Cris, as
espanholas que passaram no grupo), as mulheres livres (Karen, Ana, a Ana Mor,
Rosemar, a Judit, a Camila, a Graziela e outras que passaram por esse espaço de
debate do feminino) pela prática e pelo processo educativo vivenciado. Ao Ventre da
Lua arte terapias, espaço de se apropriar de outros olhares sobre o feminino. Em
especial pelas partilhas com Pilar, Luana, Judit, Rosemar, Clarice e tantas hermanas
com quem faço processos de sanação. À minha amiga e terapeuta Denise Nunes
que em conjunto me fez descobrir minha força para aprender a ser mais. Gratidão
profunda por estar comigo nesse processo árduo de descobrir-me capaz.
Aos hermanos Éverson e Pedro por entrarem durante esse doutorado em
minha vida e me propiciarem realizar mais um sonho, ter um pedaço de terra.
Também à Judit minha hermana de alma, de sonho, de diálogo. Um agradecimento
especial à minha amiga, companheira de vida e sonho Rosemar, que esteve comigo
nesses curtos e longos anos, que várias vezes me deu colo, ouviu-me, animou-me,
e que foi companheira no sentido profundo do termo. Te amo! Gracias por tudo!
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RESUMOA presente tese de doutorado parte da indagação “quais as práticas educativas que se produzem na Igreja do Evangelho Quadrangular, no Bairro Pestano, localizado na Periferia da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul”. Tem como objetivo central descrever, compreender e analisar essas práticas educativas. Os conceitos que fundamentam esse estudo são: Educação e trabalho, Periferia e Religião. Trata-se de estudo de caso de natureza qualitativa. Assumi como método o desenvolvimento da dialética marxiana. Para o objetivo proposto foram realizadas quatro entrevistas semi-estruturadas e registro em diário de campo com observação das diversas práticas que compõem a Igreja do Evangelho Quadrangular. Como resultado da pesquisa três práticas se destacam como centrais na análise: a Igreja, o Culto e a Célula. A Igreja, como espaço/território, instituição e também como um dos lugares de formação e educação do povo da periferia, sendo que todas as suas proposições estão alinhavadas por um instrumento: a bíblia, a qual é usada como uma “ferramenta” de evangelização desenvolvida no conjunto das práticas educativas que compõem as neopentecostais. A bíblia usada como uma verdade universal. A igreja também como espaço de dar testemunho, parte da pedagogia do exemplo. O Culto, espaço de cultuar as simbologias, espaço de educação e acolhimento. Local de encontro, de ser “escola”. E, a Célula, lugar de conhecer, acompanhar as pessoas, de construir relações sociais para fortalecer a família. O consumo ganha uma centralidade para responder as demandas necessárias do capital. A tese principal explicita que há uma conexão entre os neopentecostais e a reorganização do capital o que se materializa nas práticas educativas, pois é nelas que reside o processo educativo entre as Igrejas Neopentecostais e a produção de uma nova sociabilidade entre os sujeitos sociais no capitalismo. A Igreja teve que se reorganizar como o movimento do capital; a crise do capital também produziu uma crise na Instituição Igreja. O ascetismo, a renúncia, o auto- sacrifício, os velhos costumes, o desprezo pelos prazeres mundanos, enfim, as velhas roupas tiveram que ser deixadas, ou trocadas por uma nova roupagem, em que o consumo ganha uma centralidade, na qual se exacerba a relação de troca entre DEUS/IGREJA e seus fiéis. Nas práticas se concretizam as mudanças e nelas é que se operacionaliza o processo de formação humana necessário para responder às demandas necessárias do capital. Deste modo, estas práticas educativas religiosas neopentecostais contribuem para uma nova sociabilidade no movimento do capital em sua atual configuração.
Palavras Chave: Trabalho; Educação; Religiões Neopentecostais; Periferia.
SILVA, Katiane Machado. As Práticas Educativas Neopentecostais na Periferia. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. 135 folhas.
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ABSTRACTThe present doctoral dissertation starts from the wonder of “what educational practices are produced at Foursquare Gospel Church, in Pestano district, on the outskirt of Pelotas city, in Rio Grande do Sul state?”. It aims to describe, comprehend and analyze these educational practices. The concepts that based this study are: work and education, outskirts and religion. It is a qualitative case study. As methodology it is assumed the developing of the Marxian dialectics. To the proposed aim it was done four semi structured interviews and notes on the field diary, observing several practices that compound the Foursquare Gospel Church. As the research result three practices were seen as central in the analyses: the church, the worship and the cell. The church as place/territory, institution and also as a place of formation and people education on the outskirts, being all its propositions followed by an instrument: the bible, which is used as a “tool” to the evangelization developed and a set of educational practices that compound the Neopentecostals. The bible used as a universal truth. Place to give testimony as part of example pedagogy. The worship, place to adore symbols, place of education and welcoming. Place of meeting and of being a” school”. And the cells, as a place to know, accompany people and build relationship to strength families. The consumption assumes centrality to answer the needs and demands of the capital. The main thesis states that there is a connection between Neopentecostals and the capital reorganization and it is materialized in the educational practices, because on them, are the educational process between Neopentecostals and the production of a new sociability among the subjects in the capitalism. This way the Neopentecostal educational practices contribute to a new sociability in the capital movement in the actual configuration. The church had to be reorganized as a capital movement, because the crisis in the capital, also produced a crisis in the institution church. The old asceticism, renouncement and self-sacrifice, the old traditions, the disdain for the world pleasures, therefore, the old clothes had to be left, or changed by new ones, where the consumption earns a centrality, where is highlighted the relationship of exchanges with GOD/CHURCH and its churchgoers. In the practices are concretized the changes and on them are done the process of human formation needed to answer the needs and demands of the capital.
Keywords: work, education, Neopentecostals religion, outskirt, educational practices.
SILVA, Katiane Machado. As Práticas Educativas Neopentecostais na Periferia. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. 135 F.
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LISTA DE SIGLAS
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível SuperiorCEBs Comunidades Eclesiais de Base
DIEESEDepartamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
E P Educação PopularEJA Educação de Jovens e AdultosFEAB Federação Estudantes Agronomia do Brasil FEE Fundação de Economia e EstatísticaIDESE Índice de Desenvolvimento SocioeconômicoIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIEQ Igreja do Evangelho QuadrangularIDH Índice de Desenvolvimento HumanoMCP Movimento Consulta PopularMST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem TerraMTD Movimento dos Trabalhadores DesempregadosRS Estado do Rio Grande do Sul - BrasilUERGS Universidade Estadual do Rio Grande do SulUFRGS Universidade Federal do Rio Grande do SulVIA CAMPESINA Articulação de Movimentos Sociais do Campo
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS...................................................................................8
PALAVRAS INICIAIS.................................................................................16
2 A FORMAÇÃO SOCIAL RELIGIOSA BRASILEIRA...............................57
3 AS RAÍZES HISTÓRICO-TEÓRICO- METODOLÓGICAS DE ESTUDO SOBRE AS
PRÁTICAS EDUCATIVAS, AS RELIGIÕES NEOPENTECOSTAIS E A PERIFERIA.
....................................................................................................................73
3.4 DEUS E DIABO – UMA DICOTOMIA NECESSÁRIA NA SOCIEDADE DE
CLASSES...................................................................................................83
4 DO PROTESTANTISMO AO NEOPENTECOSTALISMO: A PRÁTICA EDUCATIVA
NA PERIFERIA..........................................................................................96
PALAVRAS FINAIS .................................................................................123
BIBLIOGRAFIA........................................................................................127
APÊNDICE A: TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO..............134
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO......................................134
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PALAVRAS INICIAIS
[…] A igreja em si, ela é algo fundamental social, dentro do contexto do bairro, porque as vezes tu olha o bairro, principalmente, aqui no Pestano o Getúlio Vargas. O pessoal tem um olhar que é muito violento. […] a igreja te influencia a mudar a tua história de vida, te influencia a mudar teus atos. Pô! eu bebia, agora não bebo mais. Pô! eu fumava, agora não fumo mais. A igreja é fundamental dentro do bairro, até por que a gente faz todo um trabalho agora mesmo com grupo de jovens, faz janta, faz churrasco, comemora aniversário, vamos numa pizzaria, algo mais saudável. A juventude hoje dá para contar nos dedos que moram dentro do bairro os que conseguiram se livrar da droga. […] A igreja é fundamental social, pra tua vida material, como espiritual, como já falei. É importante mudar os atos. Mudar tudo assim. Não que os crentes seja uma caixinha de fósforo fechada. Não pode isso, não pode aquilo. A bíblia diz que não é pela força nem por violência. Eu quero mudar...eu quero sair dessa situação, tem que tomar uma posição. Tem várias igrejas, várias placas, todas lutam pelo mesmo objetivo, pela palavra de Deus, pela presença de Deus, para salvar a humanidade...” (Maria1)
Este texto compõe as primeiras palavras da tese “As Práticas
Educativas Neopentecostais na Periferia: estudo de caso” tem como
objetivo situar as leitoras e os leitores sobre as questões centrais que envolvem
os resultados da pesquisa que aqui exponho.
A epígrafe que faz referência a Maria, uma das mulheres do universo de
sujeitos entrevistados, explicita algo que apareceu como constante no processo
de pesquisa sobre as Instituições Neopentecostais na Periferia da cidade de
1 Maria é uma das entrevistadas, sujeito de pesquisa. Conforme o termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 1), seu nome é preservado. Escolhi nomes bíblicos, uma vez que é a obra central presente na orientação ideológica do universo pesquisado. João, Ana, Judite e Sara são os demais sujeitos que serão citados ao longo da tese.
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Pelotas2 – local onde efetuei a pesquisa, no bairro Pestano – um estudo de
caso da Igreja do Evangelho Quadrangular. O estudo revelou que essa
Instituição atua não apenas como espaço de manifestação da espiritualidade,
mas também como ente capaz de realizar ações de acolhida, cuidado e
promover mudanças na vida material e espiritual dos sujeitos que nela
encontram seu “segundo lar”.
Utilizo marcações em negrito para elucidar um dos pontos que permeiam
a constituição da Tese: a Igreja Neopentecostal e sua prática educativa na
atualidade: acolhimento, mudança nas histórias de vida, e, como efeito, o
progresso em decorrência de novas práticas sociais a partir dos princípios
neopentecostais.
A opção por iniciar a partir da realidade atual se justifica segundo a
matriz conceitual na qual me apoio: inicio pelo presente e dele estabeleço
relações e ligações com as produções teóricas acerca das neopentecostais,
suas práticas educativas na periferia e as suas contribuições para compreender
a realidade local.
Tomo como princípio que a religião não se constitui como algo isolado,
mas depende de um conjunto de relações de produção de uma dada época.
Desenvolve-se e justifica-se a partir da história e suas relações. O presente
capítulo explicita questões referentes à elaboração da pesquisa (tese
justificativa, questionamentos, objetivos e metodologia) e algumas das relações
sociais, políticas presentes nos aspectos religiosos pesquisados, seus
processos educativos em curso, no que diz respeito à política e aos
evangélicos.
A religião como um tema geral engendra profunda complexidade. E,
apesar de ser um dos conceitos fundamentais da presente tese, é importante
salientar que a perspectiva é sobre as práticas educativas neopentecostais
na periferia da cidade de Pelotas. Isso não significa que essa religião seja a
2 Cidade localizada no Sul do Rio Grande do Sul (RS), Brasil.
15
única presente nessa localidade. A escolha se deu, sobretudo, a partir do
crescimento constante das neopentecostais, que avançam em passos
galopantes nos espaços de periferia. O conceito de religião neopentecostal
será mais amplamente desenvolvido num dos próximos capítulos.
Escrever sobre religião, seja qual for sua matriz, é um desafio, pois não
é um tema que compreende um tempo, um lugar. Sob a perspectiva da qual
escrevo não é algo intrínseco ao processo de produção humana, uma vez que
está atravessada por relações ideológicas com bases materiais.
Neste sentido o texto ganha forma e está organizado inicialmente pelas
Palavras Iniciais que objetivam uma síntese introdutória, uma chave de leitura
na apresentação dos resultados da pesquisa.
A seguir apresento a hipótese, a questão de pesquisa, os objetivos, uma
síntese da metodologia utilizada. Quem são os sujeitos da pesquisa? Como
utilizo metodologicamente a observação em diário de campo e entrevista semi -
estruturada. No universo de pesquisa meus sujeitos são homens e mulheres
integrantes da Igreja do Evangelho Quadrangular moradores do bairro Pestano.
Realizei 5 entrevistas com um grupo de mulheres que escolhi de acordo com
critérios que seguem: Chefes de família, militantes sociais, educadoras e
lideranças que fizeram ou fazem parte do MTD ou de organizações populares
na periferia. São pessoas de 25 a 60 anos.
E, as demais partes estão organizadas assim:
O primeiro capítulo, A religião na atualidade e as Neopentecostais, é
um capítulo teórico metodológico, no qual abordo as questões relacionadas à
pesquisadora, seus motivos e a construção do conhecimento. Este capítulo
desenvolve um aprofundamento da justificativa da pesquisa nas igrejas
neopentecostais a partir de um detalhamento, uma caracterização do lugar de
pesquisa e dos sujeitos que compõem a Igreja do Evangelho Quadrangular do
bairro Pestano em Pelotas/RS.
No segundo capítulo, A formação social religiosa brasileira,
historicizo e conceituo a religião com o objetivo de compreendê-la nas
16
diferentes correntes de pensamentos e os diferentes autores que se
propuseram a estudá-la com sua crítica e a sua polêmica. No ponto sobre a
religião saliento um estudo da obra de Karl Marx por considerá-lo um dos
autores que fornece ferramentas conceituais importantes para compreender o
processo religioso naquela localidade, a partir da perspectiva que me
proponho, tendo em vista a especificidade neopentecostal. Os primeiros
escritos desse autor sobre religião estão situados entre os anos de 1840 a
18463. Para compreender o modo de produção capitalista, Marx parte da crítica
à religião. Ela nasce como ponto de partida para entender o Estado e
consecutivamente a sociedade capitalista. Também inclui um estudo que visa a
compreender, a partir dos clássicos brasileiros, a religião e a formação social
brasileira, uma revisão de literatura. Assim, autores como: Gilberto Freire, Caio
Prado Junior, Sérgio Buarque de Hollanda, Darci Ribeiro e Marilena Chauí
sustentam o processo de análise do movimento da realidade estudada; É um
capítulo de contexto, de justificativa mais densa e que trabalha com os
aparelhos ideológicos e a relação Igreja e Estado. Nesse caminho apontamos
que em dado momento da história brasileira tivemos um contraponto no
processo de hegemonia religiosa, a proposição construída pela Teologia da
Libertação.
O terceiro capítulo, As raízes histórica - teórico - metodológicas de
estudo sobre as práticas educativas, as religiões neopentecostais e a
periferia, explicita a categoria teórica: a periferia. O capítulo, “A periferia um
“húmus” na luta social: campo em disputa”, descreve os aspectos históricos do
movimento do protestantismo às neopentecostais. Procura entender a religião
Protestante como um dos pilares que contribuem para a consolidação do Modo
de Produção capitalista e a partir desse processo descreve e analisa igrejas
neopentecostais e a periferia estudada no movimento de reorganização do
capital. Este capítulo historiciza desde a gênese da periferia e sua relação com
3 A Sagrada Família (...); Manuscritos econômico-filosóficos (1844); A miséria da filosofia (...); A ideologia Alemã (1846, escrita justamente com Engels); A questão judaica (...); “Crítica a Filosofia do direito de Hegel (...)
17
o processo de constituição das religiões pentecostais e neopentecostais nas
periferias urbanas. Também, aborda a história do diabo e essa dicotomia entre
deus e diabo nas sociedades de classes. Ainda, há a retomada às velhas
crenças religiosas e o fortalecimento das formas de controle social, entre estas,
“Deus e o Diabo”, busca compreender o retorno do “Diabo” e entender este
fenômeno retomado com potência ideológica pelas religiões evangélicas
pentecostais e neopentecostais.
O quarto capítulo, Do protestantismo ao neopentecostalismo: a
prática educativa na periferia, objetiva dar continuidade ao anterior no que
diz respeito a compreender as neopentecostais, ou seja, propõe uma descrição
da religião do evangelho quadrangular. Nesta parte trabalho com as categorias
“Educação e Trabalho: da indissociabilidade do processo”. Finalizo com o
subitem do capítulo, “O (culto) e o culto: a cura, a salvação e a graça”, trata da
centralidade da pesquisa, uma vez que descreve e analisa as práticas
educativas da Igreja do Evangelho Quadrangular, situada no bairro Pestano,
em Pelotas-RS: a Igreja, O Culto e a Célula, que são práticas educativas
neopentecostais.
Por fim, na quinta parte escrevo as Palavras Finais, as perspectivas de
pesquisas: alguns aspectos que sustentam as religiões nas sociedades de
classes. Essas palavras finais não têm a intenção de concluir a discussão,
porque a realidade e os processos estão em movimentos, assim, apenas se
encerra uma pesquisa, mas o desafio de estudar esse tema permanece, ele é
amplo, atual e polêmico.
Não reservei um espaço específico ou exclusivo para expor a empiria da
pesquisa, embora ao longo dos capítulos tenha abordado grande parte do que
foi encontrado no estudo. A totalidade da tese engendra diversos momentos de
exposição pertinentes aos aspectos analisados neste estudo de caso. Os
escritos que seguem esforçam-se em trazer os resultados da pesquisa.
18
1 A RELIGIÃO NA ATUALIDADE E OS NEOPENTECOSTAIS
Estudar as religiões como um fenômeno social não é novidade, estudar
as religiões evangélicas também não, há algum tempo as ciências vêm
buscando compreender esse processo. Contudo, pesquisar as religiões
evangélicas na periferia urbana e suas práticas educativas foi o desafio dessa
tese de doutoramento.
Este capítulo objetiva ser a parte metodológica da tese. Primeiramente,
abordo as questões relacionadas à pesquisadora, seus motivos e a construção
do conhecimento. Em seguida, se desenvolve a justificativa da pesquisa nas
igrejas neopentecostais. Logo após, trabalho com um detalhamento, uma
caracterização do lugar de pesquisa e dos sujeitos que o compõe a Igreja do
Evangelho Quadrangular do bairro Pestano em Pelotas/RS e por que estudar
essa realidade.
Todo este capítulo objetiva justificar e fundamentar o porquê dessa
pesquisa, contudo, isso perpassa o texto como um todo. Por isso posso afirmar
que se trata de um tema novo, polêmico e que requer muita pesquisa.
Escrever esta tese foi um desafio e um processo de muitos
aprendizados que se integram ao processo de formação humana de todo o
sujeito que se coloca como pesquisador curioso e atento ao seu objeto de
estudo. Isso que descrevo melhor se explicita no texto que segue.
19
1.1 A pesquisadora, seus motivos e a construção do conhecimento
[…]Não basta denunciar uma situação para que ela desapareça. Não basta estar firmemente comprometido com a luta para que ela se torne êxito. Não. Não Basta. É preciso conhecer por que e como as coisas chegaram a este ponto na Igreja e na sociedade. É preciso saber quais mudanças são possíveis a curto, médio e longo prazo, e de que modo podem ser feitas essas mudanças na Igreja e na sociedade. […] (MADURO, 1981, p 22-23)
Com a inspiração em Maduro, e em outros autores que são “fonte” e
“alimento” para conhecer e estudar esse fenômeno social das Religiões
Neopentecostais e Periferia Urbana escolhi a epígrafe que dialoga com o que
penso e com o por que realizei esta pesquisa.
Aqui descrevo os nexos e a relação entre o sujeito pesquisador e o
sujeito pesquisado, como se constitui o interesse de pesquisa. Como as partes
estão no todo, ou seja, como a pesquisa que tem uma relevância social
também se interliga às questões individuais da pesquisadora. Enfim, dentro do
todo que é a tese, esses elementos, formam e fortalecem a justificativa da
pesquisa.
Fui à memória rastear desde quando nasceu a minha curiosidade por
este tema, a Religião. Lembro que esteve presente desde a infância: nasci e
cresci numa família de religiosidade cristã, numa experiência de Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) e da teologia da libertação. Muito cedo fui educada
para questionar a igreja e sua hierarquia, seu poder. Sou filha de agricultores
Sem Terra que acamparam em 1979, em Ronda Alta/RS, região norte do Rio
20
Grande do Sul. E foram assentados no assentamento4 Brilhante que, para
muitos estudiosos, foi designado como um dos locais que, entre outros, gestou
o MST5.
Na adolescência foi preciso sair de casa, pois até hoje, os jovens não
têm muita opção de estudo e trabalho no campo. Fui estudar e quem sabe não
fazer uma faculdade? Esse sempre foi meu sonho de criança, ser professora.
Esse tempo foi decisivo na minha vida, foi nesse período que conheci muitas
pessoas. Já morando em Porto Alegre, namorei e vivi uma experiência que
mudaria o curso da minha vida.
Casei, sofri, chorei, perdi quem amava. Foi duro, contudo a vida, que é
movimento, trouxe essa violenta mudança. É nessa hora que percebemos
como deixamos de amar e demonstrar. Tudo parecia mais uma prova, e
daquele momento em diante tudo seria diferente, havia uma escolha, e eu
precisava decidir, pois o meu problema, como o de milhares de mulheres no
Brasil atual, era ser soropositiva.
Voltei a Ronda Alta/RS e me deparei com a realidade do MST, por morar
em um assentamento, comecei a participar e a atuar como militante, ter tarefas,
etc. Aquele momento foi um dos mais importantes da minha vida, eu não
possuía nenhum objetivo de vida e passei a ter, o mesmo que o de milhões de
brasileiros/as. E, agora, o meu sonho não era só meu, era também o do MST.
Logo no princípio fui convidada a trabalhar com a EJA (Educação de Jovens e 4 Acampamento e Assentamentos são territórios onde o MST se organiza para fazer a luta social. O Acampamento “é o primeiro espaço de luta e resistência, é a manifestação pública dos sujeitos e de seus objetivos [...] é um espaço de socialização política” (FERNANDES, 1997, p. 142), que este serve para iniciar o processo de organização das famílias sem – terra para a luta, primeiramente por terra, depois pelos demais objetivos que fazem parte do MST que são terra, reforma agrária e transformação social. Nele, as famílias experienciam toda uma organicidade que há no MST, como a organização das famílias por núcleos de base, em equipes de trabalho e em setores. O Assentamento é o segundo espaço que as famílias se organizam. “É uma fração de território conquistado” (FERNANDES, 1997, p. 142). Também, é um espaço de luta e resistência. A principal função do assentamento, além de dar um local para os sujeitos Sem Terra reproduzirem a vida, “a principal delas é a sobrevivência de seu projeto frente ao modelo econômico de desenvolvimento da agricultura” (FERNANDES, 1997, p. 142). Ambos são espaços de produção da existência e de formação política ideológica, espaços de construção de novas formas de trabalho, de organização social e de vivência de novos valores. 5 Leonilde Medeiros, em História dos Movimentos Sociais no Campo, e João Pedro Stédile e Bernardo Mançano Fernandes, em Brava Gente)
21
Adultos), e foi ali que percebi o quanto a educação é importante para a
consciência política e ideológica, então a assumi como uma tarefa.
Esse processo transformou minha vida, pois dali em diante fiz uma
ruptura profunda e uma opção política, assumi a luta social como um dos
princípios de vida.
Realizei o “sonho” de minha vida que era fazer faculdade. Isso
aconteceu, como costumamos dizer, através do vestibular da “luta”, no MST.
Tive a oportunidade de ser integrante da primeira turma de Pedagogia da Terra
da Via Campesina Brasil6. Neste período, realizei minha iniciação científica na
temática do Envelhecimento no MST, meu trabalho teve o título: “A Vida de
uma Lutadora: O Enraizamento da Experiência da Sem Terra Maria
Siqueira”.
Aprendi nesse processo que pesquisar é um ato que nos transforma,
pois desloca nosso saber, nossa forma de conceber o mundo. Desde a
graduação, a pesquisa tomou um sentido no meu processo de formação como
sujeito educanda - educadora.
Na pesquisa de iniciação científica me deparei com a religiosidade, uma
categoria empírica, um dos aspectos de formação no processo de constituição
ser sujeito da Sem Terra Maria Siqueira7. Aqui, me deparo novamente com o
tema, que produziu em mim um novo olhar, com relação a religiosidade, essa
relação do ser humano com o sagrado ou, poderia dizer, essa relação entre o
ser humano e o mundo visível e invisível, pois Maria é profundamente religiosa,
inicialmente católica, no fim da pesquisa estava se inserindo na religião
6 Curso de Pedagogia da Terra é um curso que iniciou em 2002, em parceria com o Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA) e Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Com duração de 4 anos divididos em 8 etapas que funciona dentro do Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC), em Veranópolis/RS. Neste há educandos (as) que fazem parte os movimentos sociais da Via Campesina (articulação dos movimentos sociais do campo, movimento indígena e mulheres trabalhadoras) e Movimento dos Trabalhadores desempregados (MTD).7Maria Siqueira foi sujeito de pesquisa da Graduação, pesquisei o processo de formação humana de uma das primeiras lideranças mulheres do MST, trabalhei com a metodologia de história de vida e dela aprendi seis aspectos que fazem parte de sua formação humana: as perdas; A religiosidade; O Enraizamento – voltar às origens; A relação com a família; A relação com o Movimento – Pertença e a Contradição.
22
evangélica, devido à filha e aos filhos fazerem parte, e me afirmando que todas
as religiões amam o mesmo deus. Também, essa dimensão da religiosidade
que é a mística do MST.
Após, continuei os estudos e me inseri no mestrado em Educação, o
qual realizei na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na linha de
pesquisa: Trabalho; Movimentos Sociais e Educação, no eixo de pesquisa
Envelhecimento e Trabalho com o tema: “Gerações no movimento do
Movimento: Um Estudo do Envelhecimento no MST”.
No mestrado, fiz um estudo de caso novamente, em Pontão e Sarandi,
região norte do Rio Grande do Sul, em uma das maiores ocupações de terra do
MST, a fazenda Anoni, hoje organizada em sete assentamentos. Trabalhei com
sete entrevistas com idosos/as que foram fundadores e coordenadores do MST
no início de sua constituição e hoje são idosos/as. Durante a pesquisa trabalhei
com três categorias de análise: a Luta social, a relação comunitária e o
trabalho. Não me propus a olhar a religião, mas se retomar agora o material de
campo esse tema virá à tona, principalmente em alguns idosos/as que eram
envolvidos com a terra, com as sementes e a preservação da vida.
Em seguida fiz uma passagem do campo para cidade, isso ocorreu
devido a estar no mestrado e também por uma mudança no meu quefazer, que
passou a ser uma nova realidade: as periferias. Assim, esse foi o local em que
passei a desenvolver uma prática social. Este processo da periferia, da
vivência no Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD)8 que se
inicia em 2007, levou-me a novas relações políticas e educativas. O mundo
urbano e a periferia, com todas as opressões presentes, espaço da prática
8
O Movimento dos Trabalhadores Desempregados — MTD, como o próprio nome assinala, é um Movimento de desempregados, que atua junto a desempregados. Mas esses, não são quaisquer desempregados, são sujeitos que estão em estado de desemprego permanente, ou seja, a maioria esmagadora nunca usufruiu de um salário fixo ou carteira assinada e sobrevive de “bicos”. A maioria quase absoluta é de mulheres, cuja origem étnico/ racial é negra. (PALUDO et al, 2013, p,47)
23
social e política, produziram, nas palavras de Gramsci (2002, p. 295), um
“pessimismo da inteligência” com um “otimismo da vontade”.
Costumo dizer em síntese que o MST me ensinou o valor do ser
humano e o MTD, a compreender-me como mulher.
A periferia foi uma nova realidade que tive que desvelar, tive que
desenvolver novas relações, novas formas de interpretação, romper com
preconceitos e com uma visão “romântica” sobre a cidade, esse duplo
movimento que é o ato de conhecer.
Na aparência, na periferia urbana, um novo cenário vem se
apresentando com novas formas de exploração, produzidas pela
objetividade/subjetividade do trabalhador urbano. Ao mesmo tempo em que há
o processo de violência e dominação exercido sobre o trabalhador urbano,
instituíam-se novos espaços fecundos de luta, que expressam o campo da luta
de classes. Como desvelou Marx (1989, p. 749), no Capital, “a acumulação de
riqueza num pólo é [...] acumulação de miséria, de trabalho atormentado, de
escravatura, ignorância, brutalização e degradação moral, no pólo oposto,
constituído pela classe cujo produto vira capital”.
Ao deparar-me na prática do MTD, no primeiro momento, aflorou um
sentimento de impotência e indignação, mas que logo foi dando espaço para a
esperança, para a utopia, pois ali, na periferia, local constantemente
“diabolizado” pelas forças dominantes da classe capitalista, através dos meios
de comunicação, se percebe um novo fôlego para a atual luta, tão sufocada
pelo capital. Constatei o que Paulo Freire (1987) afirmou ao longo de sua vida,
que o oprimido carrega dentro de si o opressor, mas também, a possibilidade
de sua libertação.
Num primeiro momento, a necessidade dessa pesquisa nasce a partir
dos estudos realizados no MTD, na Via Campesina9, na Consulta Popular10,
9Via Campesina é formada pela articulação dos movimentos sociais do campo, FEAB (federação dos estudantes de agronomia do Brasil), movimento indígena e mulheres trabalhadoras rurais.10 Movimento da Consulta Popular tem como objetivo discutir, estudar e construir um Projeto Popular para o Brasil. É composto por indivíduos, independente de credo, partido político, organizações. Vem se organizando desde 1999.
24
nos quais vem se debatendo o aumento das religiões e, ao mesmo tempo, o
papel que desempenham nessa conjuntura de reorganização do capital. A
partir dessa discussão e por realizar uma prática social na periferia, observo
empiricamente que essa questão das religiões neopentecostais vem se
constituindo como algo não novo e crescendo dia a dia na periferia.
Começo a dedicar um tempo de meu olhar curioso para esta questão
que vai tomando movimento na minha vida e que assumo como uma pesquisa
a ser feita. Isso vai se constituindo principalmente durante minha prática social
em Pelotas durante 2009 e 2010.
Minha inserção na periferia urbana de Pelotas/RS é devagar. Fui
designada pela direção do MTD para contribuir com o processo de constituição
de uma nova direção, pois a atual havia passado por um acidente com a perda
de uma companheira e a outra estava em processo de recuperação. Assim, fui
para Pelotas como uma tarefa de reorganizar um grupo de militantes para
dirigir a base do MTD.
Neste sentido, aos poucos, adentro este espaço, que desde o início me
provoca e me desafia. Observo que esta realidade, por mais que seja
explicitada nos meios de comunicação de massa como um lugar de "violência",
é local de produção da existência, local de produção de experiências11. Um
processo que necessita ser analisado à luz da própria produção social do
capital.
Esse processo vivido vai me formando e foi neste contexto que nasceu a
questão de pesquisa e a inquietação sobre as práticas educativas
desenvolvidas pelas igrejas neopentecostais na periferia. É deste lugar que
11 Quando me refiro a experiência, estou falando no sentido tanto de Freire, cujo pensamento sobre a experiência não é um conceito abstrato, fundamenta-se na vivência compartilhada (história) que é mediada pelo seu contexto histórico social; mas não é qualquer experiência (vivencia) é a experiência mediada pela linguagem dos indivíduos e mediada pelo mundo. A experiência da interação com o outro, por meio do diálogo, permite problematizar as relações consciência-mundo. O diálogo mediatiza sujeitos cognoscentes, com diferentes leituras de mundo, viabilizando um encontro em que “não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos. Há homens que, em comunhão, buscam saber mais” (Freire, 1987, p.81) bem como, Thompson desenvolveu esse conceito na sua obra A Condição da Classe operária Inglesa (1987) que está explicitada, tanto no sentido da opressão como na libertação desses sujeitos da periferia. Assim, experiência como possibilidade de desenvolvimento humano.
25
parto e que nasce o meu interesse por pesquisar a religião e, especificamente,
as Religiões Neopentecostais.
Começo a problematizar inicialmente a questão da religião e para isso
realizo um duplo movimento, um de compreender a religião na minha vida e
outro de compreender a constituição e o papel da religião nos processos
sociais humanos.
Partindo de minha experiência com esse fenômeno social observo que a
questão da religião atravessa minha vida desde a adolescência, quando vivi
diferentes experiências o que me levou, num dado momento da vida, a
começar a me interessar por esse tema. Em seguida, por curiosidade passo, a
pesquisar as diferentes religiões, buscando entender o que pregam para quem
e por quê? Assim, começo a problematizar a função das religiões. Isso se
aprofunda a partir da vivência no curso de pedagogia da terra, quando me
deparo com a Filosofia e com o Marxismo, nesse momento entra em confronto
a maneira como fui constituída, ou seja, uma concepção idealista x uma
concepção marxista.
E, ao mesmo tempo em que desenvolvo uma religiosidade profunda,
encarnada como a mística e o sentido de viver, também critico todas as formas
de alienação. Por isso considero tal pensar um processo dialético que traz em
si os pólos contraditórios entre o ser religiosa e a crítica de si mesma.
Em dado momento isso gerou crises, o que produziu saltos em meu
processo de formação e no ato de ser conhecedor. Isso me fez observar que
extirpar de si a religião é uma coisa, contudo, o nosso senso humano, nossa
subjetividade traz também uma raiz nesses processos espirituais. Nele, no
fundo tudo está em como nos relacionamos com a religiosidade. Essa
construção de tese me fez também retomar a relação com a natureza, com a
terra e comigo, elementos importantes na construção de nossas subjetividades.
Então, em minha experiência, acredito que a religião tem um duplo papel
na sociedade de classes, dependendo de como ela é utilizada pode ser
libertadora ou alienadora, pode nos tornar sujeitos de nossa história ou ainda
26
mais subalternos. Ela é um elemento que agrega, que une e que precisa ser
pensado estrategicamente em processos de formação da consciência e em
processos de construção de uma sociedade sem explorados e sem opressão.
Por isso, é necessário compreender a religião para além do indivíduo,
mas no movimento histórico-social, compreender como ela vem se
constituindo, qual seu papel, mas, principalmente, qual a relação entre a
religião e a periferia. Porque a periferia é a gênese das igrejas evangélicas no
Brasil, enfim há uma série de questões que nascem a partir de que me coloquei
a pesquisar esse fenômeno social.
1.2 As Religiões Neopentecostais e suas justificativas
Nas últimas décadas está acontecendo uma mudança em termos de
realidade religiosa brasileira, o avanço das religiões neopentecostais na
periferia urbana. Esse fenômeno social tem sido foco de pesquisas das
diversas áreas das ciências. Assim, nesse texto pretendo justificar o objeto de
estudo, sua importância e sua relevância social.
Na pesquisa, compreendi que a tese é parte da totalidade de um
fenômeno amplo, o qual requer uma dedicação maior que um estudo de
doutoramento, porque a religiosidade é produção humana, nesse processo
nasce, se constitui e se materializa. Ou seja, se manifesta em uma das
primeiras formas de pensar essa relação homem em si e com o mundo, e que,
em seus estágios de desenvolvimento se manifesta como uma forma de
compreender o mundo. O sagrado dialeticamente é estranhado e maravilhado.
(VIEIRA PINTO, p. 35, 2005)
Compreender a religião na atualidade requer um processo árduo e
desafiador de entendê-la em seu movimento real, pois esse movimento é
dinâmico e constante. Nas últimas décadas, há grandes transformações
religiosas em curso, como Mariano (1999, p. 9-10) aborda em seu livro
27
Neopentecostais Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil: “trata-se de
um autêntico processo de globalização ou transnacionalização dessa forma de
protestantismo popular”, ou seja, “O Brasil se destaca nesse contexto. […] o
maior país protestante da América Latina.” Essa mudança no panorama
religioso brasileiro está produzindo uma nova realidade no que se refere a
religiões no mundo, na América Latina e, nesse caso de estudo, também na
cidade de Pelotas. Houve o surgimento de novas religiões como a Igreja Nova
Vida (1960); a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), a Universal
do Reino de Deus (1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980),
Renascer em Cristo (1986), e a Igreja Mundial do Poder de Deus (1998) entre
tantas outras. (MARIANO, 2012, p. 32)
Uma das revistas de grande circulação no Brasil é a Revista Veja, cujo
viés ideológico apoia, sustenta e representa a classe hegemônica, também tem
atentado para as modificações no campo religioso brasileiro. Conforme
colunista dessa revista:
[…] Nas periferias, na ausência do estado e da Igreja Católica, os pentecostais atuaram como guias espirituais e como figuras centrais do assistencialismo. “As evangélicas pegaram fieis onde a Igreja Católica não tinha se preparado para arregimentar a nova população, e adaptaram a mensagem para diversos públicos”, diz Eustáquio Diniz. (AZEVEDO, 2012).
A atuação das Igrejas neopentecostais é um fenômeno visivelmente
crescente entre a população brasileira, sobretudo nas últimas décadas. Um dos
últimos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta
para essa mudança religiosa:
[…] Em 30 anos, percentual de evangélicos passa de 6,6% para 22,2%. Os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil no período intercensitário. Em 2000,
28
eles representavam 15,4% da população. Em 2010, chegaram a 22,2%, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de 26,2 milhões para 42,3 milhões). Em 1991, este percentual era de 9,0% e em 1980, 6,6%. (IBGE, Censo 2010)
Se por um lado há um crescimento da população evangélica (que
passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010), por outro há uma diminuição
dos frequentadores da Igreja católica. O senso de 2010 aponta para essa
informação, ainda que sem abordar os números referentes às religiões de
matriz africana e outras.
os católicos passaram de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010. Embora o perfil religioso da população brasileira mantenha, em 2010, a histórica maioria católica, esta religião vem perdendo adeptos desde o primeiro Censo, realizado em 1872. Até 1970, a proporção de católicos variou 7,9 pontos percentuais, reduzindo de 99,7%, em 1872, para 91,8%. (IBGE, 2010)
Essas informações revelam dados que compreendem cinco décadas do
século XX com relação à distribuição relativa da população residente por
religião declarada. É notável que há um crescimento não apenas da população
evangélica, como também dos “sem religião”. Sobre esses últimos, embora não
sejam tema da pesquisa, é interessante questionar em que condições se
produzem essas informações expostas pelo IBGE.
Não estou, com isso, questionando a veracidade dessas análises,
tampouco as bases de pesquisa da presente tese voltam-se para a
interpretação do crescimento dos “sem religião”. Considero, porém, que tal
fenômeno não possa ser ignorado. É importante referir que as informações de
pesquisa, sejam quais forem suas fontes, se produzem a partir de base
material. As informações apontadas pelo IBGE no quadro referido
compreendem dados de um tempo histórico delicado não apenas para o Brasil,
29
mas para a América Latina como um todo, tendo em vista a ditaduras civis e
militares que assolaram essas terras. Neste sentido, é possível que a própria
possibilidade de assumir-se “sem religião” foi ganhando espaço no Brasil a
partir da abertura política. É notável que a partir de 1980, período de anistia e
abertura política, houve também um crescimento das pessoas que se colocam
nessa perspectiva (sem religião).
As análises dos resultados da amostra do Censo Demográfico de 2000,
divulgadas pelo IBGE, apresentam um quadro interessante entre os anos 1950
e 2000, conforme podemos ver abaixo:
Gráfico: Distribuição relativa da população residente, por religião
declarada no Brasil 1950 - 2000.
Com relação às informações estatísticas a nível mundial, o crescimento
da população evangélica também é notável. De acordo com o Artigo 11421
publicado no “Espaço James”, um site Católico Apostólico Romano, “Estima-se
30
que 75% deles vivam na África, na Ásia ou na América do Su l”. O mesmo site
revela que “é possível que existam cerca de 2,2 milhões de igrejas evangélicas
em todo o mundo”.
Diante das informações do IBGE e do Espaço James, o que gera o
crescimento do número de pessoas que se autodeclaram evangélicas? Que
processos sociais, históricos causam este aumento? De que modo esta
realidade vem se expressando na vida dos sujeitos da periferia de Pelotas?
Pesquisar as religiões neopentecostais na periferia se justifica,
primeiramente, pela inexistência de pesquisa sobre a discussão de práticas
educativas e religiões neopentecostais. Para realizar este estudo fiz um
levantamento junto às principais universidades, revistas e periódicos do Brasil.
Para levantar possíveis estudos de práticas educativas e religiões
neopentecostais, pesquisei a plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no que diz respeito às publicações de
teses e de dissertações. Fiz um recorte dos últimos anos (2000-2014),
pesquisando os trabalhos ali publicados, desse conjunto de teses e
dissertações, encontrei alguns trabalhos acerca da temática das religiões
evangélicas, pentecostais e neopentecostais.
A produção bibliográfica sistematizada pela CAPES na temática
religião e educação, mostra na sua maioria, estar situada nas áreas do
conhecimento da teologia, ciências sociais (psicologia social, antropologia
social), biologia e educação. O foco dos estudos na área da educação são as
religiões evangélicas.
A partir desta pesquisa, encontrei apenas seis trabalhos que se
referem à temática da educação, sendo que, quatro deles, estão voltados a
processos de educação formal, e na maioria versam sobre a igreja Assembleia
de Deus. Não encontrei nenhum que discuta práticas educativas
neopentecostais.
Destes os trabalhos pesquisados encontrei apenas uma tese na
educação com o título: “As Igrejas Neopentecostais: Educação e Doutrinação”
31
(WREGE,2001). A tese fundamenta-se na antropologia e sociologia das
religiões. Com foco na análise de conteúdo Bardin das principais religiões
neopentecostais, entre essas, com recorte para Universal do Reino de Deus, e
a Igreja Internacional Graça de Deus. O autor busca analisar as crenças, os
valores e a doutrina dessas religiões e seu papel educativo junto aos seus
membros.
Também encontrei uma dissertação com o título: “Santos do Céu,
Santos da Terra: Implicações Sócio-Educativas da Pentecostalização de
assentamentos rurais em Goiás” (JUNQUEIRA, 2003) Essa se aproxima do
que estudo, pois discute uma perspectiva mais ampla da educação para além
da educação formal, com uma perspectiva de educação como formação
humana. As demais discutem a dimensão educativa, mas por outro viés que
está ligado ao Estado, à escola, aos processos propriamente de sala de aula.
Cito esses trabalhos de tese e dissertação como exemplos, pois esse
campo de pesquisa no que diz respeito às neopentecostais e à educação, se
torna fértil, principalmente, se analisarmos as mudanças religiosas. Nesse
desenho que está reorganizando a sociedade brasileira, podemos ver este
movimento religioso, nos diferentes lugares, seja no campo político, seja no
campo social, e neste caso, nas suas práticas educativas. Nele se apresenta
um conjunto de questões, que discutem quais e que espaços essas religiões
ocupam hoje na realidade brasileira? Quais as ações que elas desenvolvem?
Quem são os sujeitos centrais de sua prática? Há ligação entre as práticas
educativas neopentecostais e a reorganização do capital?
Foi a partir da realidade em que estava que pude observar um aumento
de templos / espaço, do número de seguidores / fiéis e um retorno às práticas
mais antigas, que enfatizam o Diabo, o medo, a culpa e o pecado.
Neste sentido se torna importante uma pesquisa sobre esse fenômeno
social na perspectiva de entender essas igrejas como “educadoras da
sociedade”. Conhecê-las, pesquisar que papel desempenham, de que forma
32
trabalham e que elementos as constituem e são necessários para todos que
pretendam desenvolver uma prática com as periferias urbanas na atualidade.
As Religiões têm desenvolvido um papel de educadoras a partir de suas
práticas sociais. A citação abaixo explicita isso, como a parte se liga ao todo e
a um conjunto de relações que as compõem, o que produz processos
educativos.
Os seres humanos concretos que compartilham uma mesma religião, qualquer que seja, são entes de carne e osso, cada um com um sexo e idade determinados, com formação e uma situação específicas (familiar, cultural, social, política e a base econômica material), com uma biografia e expectativas pessoais, com problemas e interesses particulares. Assim, os seres humanos que compartilham uma religião, qualquer religião, são indivíduos que não só compartilham crenças e ritos, mas também uma maneira comum de produzir alimentos, prepará-los, reparti-los, privatizá-los, comê-los; uma maneira de fabricar abrigos, construir casa; um modo de comunicar-se entre si. Em outras palavras: os seres humanos que compartilham uma religião, compartilham-na ao mesmo tempo em que estão numa vida coletiva, com múltiplas dimensões imbricadas, ligadas, relacionadas entre si. (SILVA, 2010, p. 117)
A partir dessa referência considero como o principal, o poder analisar
qual processo de educação acontece em seu seio, que sujeitos se constituem e
qual a ligação / relação há entre suas práticas sociais na reorganização do
capital.
O presente estudo tem origem a partir dessas experiências nas quais
pude observar as questões sociais que perpassam a realidade em que
estamos inseridos, assentada na compreensão gramsciana de que ‘[...] um
pensamento superior ao senso comum e cientificamente coerente, não se
esquece nunca de permanecer em contato com os “simples” e, mais ainda,
encontra neste contato a fonte dos problemas a estudar e a resolver [...]’
(GRAMSCI,1978, p. 27)
33
A partir destes elementos iniciais nasce uma das questões orientadoras
da pesquisa: quais os mecanismos de controle do capital na periferia
urbana? Essa questão parte de dois viezes centrais: o primeiro, devido a
minha inserção em uma organização social que se empenha em compreender
o modo de produção capitalista com o intuito de construir ferramentas para
superá-lo. E o segundo, na observação / problematização e interpretação do
cotidiano dos trabalhadores e de sua relação com as religiões neopentecostais.
Isso me levou a investigar as questões postas no parágrafo acima
acerca da religião, ou seja, qual a contribuição da religião para a
reprodução do capital?
Esse processo permitiu um aprofundamento da compreensão da
realidade em que estava inserida pessoalmente e como pesquisadora, tanto na
perspectiva do movimento da sociedade e da organização do trabalho, bem
como na organização da classe trabalhadora. Ao realizar tais estudos, que se
remetem a determinado momento histórico mundial, pude melhor compreender
o movimento do capital na sociedade, ao mesmo tempo, em que esses estudos
contribuíram para formular uma leitura crítica acerca da realidade neste início
de século.
O lugar de atuação das religiões neopentecostais foi inicialmente a
periferia urbana. Essa atingiu as pessoas mais pobres, e atualmente a classe
média também vem fazendo parte desse público. Seu objetivo principal é a
prosperidade material de seus participantes. Isso ocorre a partir da Teologia da
Prosperidade12. A sua prática está extremamente envolvida nos problemas
sociais do cotidiano, principalmente, nas questões voltadas a saúde, emprego,
12 A Teologia da prosperidade nasce nos EUA 1949 com o foco na cura, na prosperidade e na fé. No Brasil surge em 1970. É uma das bases do Neopentecostalismo. Destacam-se dois aspectos: Um novo conceito de fé e a ênfase no consumo. Nela prosperar, além de permitido, é incentivado, também é desvalorizado o sofrimento terreno. (SANTOS, 2006, p.14). A chamada “Teologia da Prosperidade”, para muitos evangélicos mera “teoria”, é uma formulação doutrinária moderna, surgida, como vimos, no pentecostalismo americano. Proclama a “plenos pulmões” que o crente que tem consciência e que possui a fé verdadeira desfruta o direito, como uma licença especial conferida pela divindade, de impor e exigir do próprio Deus o cumprimento das bênçãos prometidas no ambiente da aliança. (ALMEIDA JUNIOR, 2008, p. 155)
34
moradia, entre outros. O jeito de trabalhar envolve principalmente cultos, com
foco na bíblia e a centralidade está na noção do espírito santo. As pessoas que
fazem parte são chamadas de obreiros.
Essas questões polêmicas, atuais e ainda pouco estudadas, embora
recentemente venham ocupando as manchetes jornalísticas, passaram a
ocupar meu pensamento nos últimos anos do doutorado, o que gerou a
proposição da questão de pesquisa apresentada a seguir.
1.3 As Religiões Neopentecostais e Periferia do bairro Pestano em Pelotas-RS.
Para sobreviver e crescer no Brasil de hoje cada vez mais secularizado, cada vez mais indiferente às instituições religiosas e aos poderes e eclesiásticos tradicionais, cada vez mais radicalmente avesso às regras e imposições reguladoras da intimidade e do tempo de lazer e cada vez mais liberal no plano comportamental, várias igrejas pentecostais resolveram, esperta e realisticamente, abrir mão de preceitos, valores, tradições, tabus e verdades anacrônicos, disfuncionais e impopulares (MARIANO, 2012, p.234).
Num primeiro momento o processo que culminou na necessidade de
estudar as religiões na periferia nasce a partir das discussões realizadas junto
aos Movimentos Sociais do campo e da cidade. Na luta social a questão da
religião começa a ganhar um novo contorno, principalmente no que tange à
periferia e seu papel neste processo.
As organizações populares vivem um momento difícil, todas as
mudanças e o próprio processo de reorganização do capital ainda precisam ser
compreendidos. Tem-se o desafio da construção de uma estratégia para esse
processo. Os trabalhadores da periferia urbana são um potencial de
organização popular. Contudo, precisamos conhecê-los no seu movimento real.
Com o abandono do trabalho de base pelos diversos segmentos da
classe trabalhadora e com a rapidez das mudanças que estão curso, alguns
35
desafios são expostos, entre eles: a intencionalidade das religiões evangélicas
na periferia que, praticamente há um século, desde a sua origem, até o
momento, mergulharam nesse universo da periferia, apreendendo suas
necessidades, e ao mesmo tempo, a partir desse contexto, construindo sua
prática educativa o que nos aponta para uma mudança de hegemonia religiosa
no território brasileiro.
Foi por estar nessa realidade social da periferia que essa pesquisa se
construiu. Nasce com a intenção de entender as religiões evangélicas, suas
práticas educativas e a reorganização do capital.
Neste sentido, abre-se o desafio de pesquisar a religião como
educadora da sociedade, assim vai surgindo a necessidade de pesquisar esse
tema, aqui, tendo em destaque as religiões neopentecostais.
A questão de pesquisa começa a ser gestada no trabalho de base13 na
periferia, em Pelotas/RS nos anos de 2009/2010. Tarefa a que fui designada a
partir da conjuntura da morte de Osmar (Porto Alegre/RS) e Beti (Pelotas/RS)
do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), ambos de acidente
trágico o que levou a uma grande perda ao MTD, pois ambos eram dirigentes
reconhecidos e de destaque nessa organização. Sendo que a companheira
Beti, era a dirigente de Pelotas-RS.
Com este desafio posto, fui designada a fazer meu trabalho de
acompanhamento político-pedagógico com as mulheres da periferia do MTD
em Pelotas - RS, particularmente as mulheres que compõem os bairros Dunas,
Bom Jesus, Ceval, Pestano e Navegantes. O trabalho era constituir um grupo
de estudo e dele, constituir uma nova direção para o MTD no município, pois
com a morte de Beti e a impossibilidade de ação da outra dirigente que esteve
se recuperando do acidente por mais de seis meses.
Durante esse período, e aos poucos, me estabeleço no bairro Pestano,
na casa dessa militante / dirigente do MTD que está em processo de
13 Trabalho de base é entendido como a ação política transformadora, realizada por militantes de uma organização popular que, conhecendo a realidade de um território, despertam, organizam e acompanham sua população na solução dos problemas do cotidiano, ligando essa luta à luta geral contra a opressão.
36
recuperação do acidente. Desde a chegada ao bairro, aos poucos, vou
procurar me inserir na comunidade.
Assumo uma postura que Freire designa de Curiosidade
Epistemológica14 -- nada deve passar despercebido. Cada situação, cada
acontecimento, cada posição é observada, o olhar curioso perpassa o máximo
possível e na maioria das vezes traz consigo sentimentos de espanto, de
choque, desconforto, indignação. Passo a anotar falas, situações, ações que
me chamam atenção, que perpassam o cotidiano da periferia15.
Foi um tempo de inserção, um tempo de trabalho dividido entre o de
educadora popular e de compreender a realidade. Naquele momento, tudo era
novo, me sentia numa anomia, aos poucos começo a compreender esse
território, a periferia. Esse momento é muito significativo, e o tomo como o
ponto de partida dessa pesquisa.
É um tempo de desenvolver uma prática na periferia urbana de Pelotas,
fazer o trabalho de base com as integrantes do MTD, que na sua maioria são
mulheres negras chefes de família.
Como explicita a Professora Conceição:
[…] A tarefa do Movimento é, entretanto, metaforicamente falando, hercúlea, porque atua com a parcela da população que é, literalmente, excluída das possibilidades, pela disputa de vagas, de ter um emprego permanente. Observa-se que essa população não possui condições de reprodução digna da vida material e simbólica, no que diz respeito às exigências para a obtenção de emprego bem remunerado que possibilite: alimentação, habitação, saneamento, condições de saúde e de manter a saúde e educação escolar. O que não permite que preencha os quesitos exigidos para a competição, na direção de obtenção de um emprego, como gari, serventes da construção civil, serviços domésticos, serventes de escola, catadores, que são empregos que não requerem nível elevado de escolarização e qualificação. (PALUDO et al, 2012, p. 47)
14Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia (p.32) desenvolve este conceito.15 Estas anotações dão origem ao chamado Diário de Campo adotado como ferramenta na coleta de informações e modo de possibilitar a organização dos dados de pesquisa tal como propõe os estudos de natureza antropológica.
37
Conjugado, também fazia o movimento de estudar. Isso acontecia como
parte do trabalho. O estudo acontece junto à ação, e vai desde, buscar o que
se tem escrito sobre o local, mas também, conversar, observar, aprender as
histórias (causos, como o povo da periferia diz), enfim, conhecer essa nova
realidade, pois quanto mais a compreendemos, com mais precisão e acuidade
podemos ver ser construída a nossa prática social.
Portanto, considero importante descrever e compreender o lugar de
pesquisa, ou seja, sobre a história dessa periferia tanto do bairro Pestano como
da cidade de Pelotas.
Pelotas/RS possui uma população 341,180 habitantes (IBGE 2014 16),
sendo 53,0% mulheres e 47,0% homens. Dessa população 93,3% vive na
cidade e 6,7% vive no campo. Na cidade está organizada em [...] sete áreas
administrativas, divisão efetuada pelo Plano Diretor da cidade a fim de
melhorar a administração das áreas, e que estão divididas em: Areal,
Barragem, Fragata, São Gonçalo, Centro, Laranjal e Três Vendas. (Gonçalves
&Oliveira, 2010, p.3).
A partir do século XX deu se início a um intenso movimento de urbanização na cidade de Pelotas. Várias vilas começaram a se estruturar nesta área com a ajuda de empresas imobiliárias contratadas. O objetivo na época era ampliar o perímetro urbano da cidade. Neste período a urbanização da área se deu em etapas onde, primeiramente se tem a construção das vilas mais antigas, como as Três Vendas, Santa Terezinha de Jesus e Terras Altas (VIEIRA, 2005). A área foi ampliada em meados de 1960, onde foram acrescentados mais 641 lotes de terras e logo após em 1950, começou a se estruturar a vila Py Crespo, e, em 1953 surge a Vila Silveira, todas vizinhas. Em um segundo momento, se dava a ocupação da área pertencente ao Logradouro Público da cidade. Á área que foi destinada a setores ligados a atividade culturais e educacionais como a escola Visconde da
16IBGE. ESTIMATIVAS DA POPULAÇÃO RESIDENTE NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS COM DATA DE REFERÊNCIA EM 1º DE JULHO DE 2013. Página visitada em 16 de agosto de 2014. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2013/populacoes_estimativas_municipios_TCU_31_10_2013.pdf
38
Graça (Escola Agrícola), Associação Rural, Jokey Clube, logo após passou a se construir as primeiras vilas, situadas neste local, como a Tablada, Bairro Jardim, Pestano e Getúlio Vargas (OLIVEIRA e VIEIRA, 2010 p.5)
Assim a área Três Vendas [...] localiza-se na porção norte da cidade e
compreende a maior área administrativa. Possui uma população de 69.832
habitantes, distribuídas entre vinte e dois lotes de terras ou vilas [...]
(GONÇALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 3). [...] Além dessa população o bairro
também abrigou uma sociedade pobre, retirada de áreas de risco que deram
origem a novos loteamentos como Pestano e Getúlio Vargas, onde a situação
é precária no que diz respeito à infraestrutura. (IDEM, p. 5). Atualmente, alguns
desses bairros de subdividem, como por exemplo, Três vendas que está ao
norte e é das áreas mais populosas da cidade compondo 22 bairros/vilas.
No quadro abaixo, a partir do plano diretor municipal da cidade de
Pelotas estão listadas as vilas e suas respectivas áreas.
39
Quadro de Listagem das vilas e bairros que compõe o Macro Bairro Três
Vendas.
Vila Área Vila Área
1 Sitio Floresta 5.505.201,58 12 Quatro de Agosto
739.168,92
2 Leopoldo Brod 1.886.431,70 13 Cohab Lindóia 261.807,57
3 Sanga Funda 2.300.603.89 14 Lindóia/Py Crespo
1.017.984,04
4 Exército 3.496.814.16 15 Santa Terezinha
2.336.455,41
5 Getúlio Vargas 843.614.14 16 Municipários 164.143,36
6 Pestano 471.981.66 17 Tablada 1.164.276,65
7 Cohab Pestano 180.930,40 18 Santos Dumont 596.309,17
8 Santa Rita 1.658.107,10 19 Agrícola 909.369,13
9 Vila Jacob Brod 1.385.030,10 20 Bairro Jardim 513.062,76
10 Itamaraty 762.157,72 21 Vila Silveira 2.751.001,60
11 Vila Perez 1.296.139,29 22 Aeroporto 5.383.665,89
Fonte: III Plano diretor/ Prefeitura Municipal de Pelotas, 2008.
Na história da formação social do Rio Grande do Sul, Pelotas tem um
papel importante, por ter sido um dos centros comerciais (no século XIX) do
Estado do RS, e neste sentido, ter chegado a ser um polo de produção de
charque para todo o Brasil império, e tem uma tradição em cortumes, sendo
uma das segundas maiores concentração de cortumes do estado do RS. Sua
origem é de turcos, portugueses e negros. Devido a suas intensas atividades
econômicas, Pelotas foi um dos polos de escravidão do RS.
Atualmente, segundo a Fundação de Estatísticas Econômicas (FEE),
Pelotas está entre as 10 cidades de maior Produto Interno Bruto (PIB) do RS
com um PIB de R$ 5.532.992, o que representa 1,99% do PIB/RS (FEE/RS,
2012). Podemos ver esse índice na tabela da FEE/IBGE (2015)
40
Tabela: Participação percentual de PIB por Municípios do Rio Grande do Sul
GANHO DE PARTICIPAÇÃO (pontos 2003 -2012 %)
Participação %
Municípios 2003 2012
Caxias do Sul 5,08 6,00 0,92
Rio Grande 2,39 3,23 0,84
Passo Fundo 1,79 2,26 0,47
Gravataí 2,12 2,50 0,38
Cachoeirinha 1,25 1,62 0,37
Guaíba 0,60 0,95 0,35
Uruguaiana 0,84 1,14 0,30
Pelotas 1,80 1,99 0,19
Lajeado 0,75 0,94 0,19
Santa Maria 1,54 1,69 0,15
FONTE: FEE, 2015.
Contudo, apesar desta participação na economia, está no ranking das
10 cidades do estado com maior número de população extremamente pobre,
aqui segundo o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE). Pelotas é
a segunda cidade com maior número de pobres que chega a 6.659 de pessoas
que vivem em uma condição de pobreza extrema. Para o IBGE (2010) extrema
pobreza corresponde a uma renda per capita abaixo de R$ 70,00 por mês.
Com certeza esses índices também precisam ser questionados, pois as
vezes escondem ou maquiam informações reais, mesmo assim, esses índices
são provocativos para todos que se propõem a um processo educativo com o
povo da periferia dessa cidade. (IDESE, 2013, p.27)
No IBGE (2010), quanto aos aspectos demográficos, há as seguintes
informações, que considero importantes no sentido de compreender uma parte
dessa totalidade, e servem para elucidar elementos observados na realidade,
pois, em Pelotas/RS, 29,9 % da população vive com menos de ½ salário-
41
mínimo (IBGE, 2010). Enfim, essas informações nem sempre explicitam a
realidade.
Toda essa informação de saneamento inadequado que o IBGE 2010
aponta em torno de 81,9% da população em domicílio é com um problema
social grave na realidade pelotense, principalmente, na periferia, seja no
Pestano, na Ceval, ou no Dunas, podemos constatar um descaso total dos
órgãos responsáveis para garantir isso. Como aparece nos gráficos, sim, há
água encanada, mas ao mesmo tempo, não se tem um plano para garantí-la,
assim como luz e coleta de lixo, tudo é muito precário. Não se tem uma política
igual de atendimento para o centro e para a periferia.
A crítica que faço é que, no caso específico do Pestano, a população
está distante do centro, logo, esses problemas sociais são afastados do centro.
Isto me lembra a leitura de Jack London, o Tacão de Ferro, no qual o autor
descreve como são pensados os bairros para os trabalhadores e como há
despreocupação por parte dos órgãos responsáveis para resolver os seus
problemas. É como se essa população não pagasse impostos e neste sentido,
tivesse menos direitos. Essa desigualdade social na periferia é um elemento
transparente, e para quem está nessa realidade e consegue se apropriar de
uma leitura crítica de mundo, além de se indignar, produz um desvelamento
social desse discurso falacioso de que todos temos os mesmos direitos
humanos.
Pelotas tem uma população que vive em extrema pobreza (6, 62 %),
com renda igual ou inferior a 70 reais, índice que, ao vivenciar essa realidade,
sem uma pesquisa sobre esse foco, nos parece muito maior do que apenas
6,62%, as condições de vida são precárias e esse número é questionável, pois,
os critérios acadêmicos de classficação nem sempre são compreensíveis para
os leigos. Por exemplo, posso citar a mobilidade da população entre as
religiões frequentadas.
A tabela abaixo explicita essas informações aqui expostas com outros
dados que acho importante destacar.
42
Quadro de Indicadores sociais segundo os percentuais de renda da população de Pelotas em 2010
% de Extrema Pobreza – 2010 (renda per capta igual ou inferior a 70 reais).
6,62
% de pobre – 2010(renda per capta igual ou inferior a 140 reais).
15,20
% de Vulneráveis à pobreza– 2010 (renda per capta igual ou inferior a 255 reais referente a agosto de 2010, ½ salário).
32,56
% de crianças vulneráveis à extrema pobreza – 2010 (renda per capta igual ou inferior a 70 reais).
11,47
% de crianças pobres – 2010 (renda per capta igual ou inferior a 140 reais).
26,01
% de crianças vulneráveis à pobreza – 2010 (renda per capta igual ou inferior a 255 reais referente a agosto de 2010, ½ salário).
49,41
Fonte: Atas Brasil, 2013.
Estas informações nos colocam a pensar no desafio que é o trabalho
popular com a periferia urbana e as mais distintas dificuldades e possibilidades
que há nestes locais. Há um conjunto de políticas sociais que buscam acabar
com a “sede” em conta-gotas. Essa é a primeira impressão dessas políticas,
mas, ao mesmo tempo, há um movimento, que também observo, de um grupo
social — os chamados, momento, de pessoas que vivem em extrema pobreza
ou vulneráveis à pobreza — a terem certos acessos que até então lhes eram
negados.
Estudar, nesse elemento, o papel das pessoas que compõem o
chamado grupo da extrema pobreza e as políticas sociais da atualidade pode
dar origem a uma outra tese. Por ora, não adentro nessa seara. Compreendo o
seu duplo papel. Não desvalorizo, pois há vários elementos que compõem esta
relação. Aqui, é preciso desprender-se de juízos morais e compreender o
43
significado dessas pessoas dentre uma conjuntura política do capitalismo
mundial, entendendo-a na realidade local.
Compreende-se a necessidade de abordar a educação, desde os
processos de escolarização da população, e com este propósito construí um
quadro composto pelas informações do Atlas Brasil (2013) no que diz respeito
ao município de Pelotas/RS.
Quadro de Percentuais de Níveis de escolaridade e trabalho, por domicílio da população de Pelotas em 2010
% Número de pessoas em domicílios em que ninguém tem fundamental completo
24,47
% Número de pessoas de 15 a 24 anos que não estudam não trabalham e são vulneráveis na população dessa faixa.
7,19
% Número de pessoas com 18 anos ou mais sem fundamental completo e com ocupação informal
31,49
% Número de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza em que ninguém tem fundamental completo.
9,82
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013.
Outra informação importante acerca dessa realidade é sobre o
analfabetismo em Pelotas. Segundo o IBGE (2010), é analfabeta 1,2% da
população de 15 a 24 anos; 3% da população entre 24 e 59 anos; 11, 1% da
população com 60 anos ou mais. E, o índice geral de analfabetismo é 4,13%.
Desses dados, quero destacar os 31,49% da população que é
justamente a parcela da população com que desenvolvi minha prática durante
dois anos em Pelotas, e após, a pesquisa de campo. Essa é a parcela em que
estão os trabalhadores do MTD, pois, a maioria da população vive dos ditos
“bicos”17, trabalhos informais. Estas são as características os sujeitos e da
população do local de realização da pesquisa.
17 Bico é um conjunto de trabalhos informais, como por exemplo: ser diarista, cortar grama, fazer limpezas em geral, vender produtos de beleza, vender roupas de casa em casa, cuidar de crianças, trabalhar por dia na construção civil, como pedreiro, entre outro.
44
Na realidade do Pestano, especificamente, nos integrantes da pesquisa
e na Igreja do Evangelho Quadrangular podemos observar que se tratando da
população adulta a grande maioria tem em média o ensino fundamental
incompleto, e que a maioria dos jovens tem o ensino médio.
Com esta realidade adentra para enfrentar os inúmeros problemas, um
conjunto de políticas públicas, entre as quais destaco principalmente as
políticas sociais do governo federal, em especial o Fome Zero18.
O Fome zero é o programa que engloba boa parte do povo da periferia
com o qual o MTD trabalha, consequentemente, é essa a grande parte
população das religiões evangélicas pentecostais e neopentecostais.
Segundo uma matéria de 2014 do Jornal Diário Popular de Pelotas, “Em
julho de 2014, 12.044 famílias foram beneficiadas pelo programa; o equivalente
a 68,1% da estimativa de famílias pobres em Pelotas. O valor médio dos
benefícios é de R$ 127,69.” (Diário Popular, 2014).
Como descrevo anteriormente, são esses beneficiários do Fome Zero
que compõem as igrejas da periferia de Pelotas e também que fizeram parte
dos sujeitos que foram pesquisados para essa tese que vivem em Pelotas e na
sua maioria no bairro Pestano.
O Pestano organiza-se na segunda metade do século XX, e é fruto de
um processo que a prefeitura estava realizando à época. O “projeto da
prefeitura consistia na distribuição de lotes de terras em áreas planejadas,
evitando assim a ocupação desordenada dessas áreas”. (Gonçalves & Oliveira,
2010, p.5)
18 Sobre o programa Fome Zero: [...]O Programa Bolsa Família segundo a lei de sua criação (lei 10.836 de 09 de janeiro de 2004) é um programa de transferência de renda mínima. O critério para a seleção ocorre pela análise da renda mensal das famílias, que estabelece uma linha divisória entre aquelas que se encontram em situação de pobreza ou extrema pobreza. Cabe ressaltar que há um limite máximo de renda a ser obtido pelas famílias, independentemente do número de membros que a componham. O instrumento utilizado para seleção das que serão beneficiárias é o cadastro único. Sua efetiva inserção ocorre após o recebimento de um cartão magnético fornecido pela Caixa Econômica Federal, nele estará contido o NIS (Número de Identificação Social), utilizado por profissionais tanto para acessar as informações cadastrais das famílias, quanto pelas famílias para o saque do benefício. (PEREIRA, 2012, P.61)
45
O bairro Pestano, na cidade de Pelotas, por exemplo, de modo geral,
contém uma população que historicamente foi desapropriada de terras entre os
anos da década de 1950, e também parte da população é remanescente de
quilombos da região de Canguçu – município que fica cerca de 100km de
Pelotas.
A realidade do Pestano traz elementos comuns de outras realidades de
periferia urbana: falta saneamento básico, as moradias na sua maioria estão
em processo de inacabamento, as ruas não são asfaltadas, é um bairro
afastado da cidade, cerca de 40 minutos do centro. Também é um bairro onde
as pessoas se encontram na rua, nos fins de tarde, principalmente, as pessoas
sentam na rua, conversam neste lócus.
Desde o primeiro momento, há elementos que inquietam. Estes
elementos — culturais, sociais, históricos, e ideológicos como o futebol, a
música, a religião, as bebidas alcoólicas, a droga — são os que se acentuam
em meu olhar. Assim, o primeiro desafio do processo de pesquisa foi a
abertura de questões no sentido da importância de compreender, por exemplo:
- como surgiram cada um destes elementos? Com que objetivo? Para quê?
Após, que papéis desempenham? A partir de que materialidade se constituem?
Enfim, com que finalidade? O que isso produz quando se fala em processo de
formação humana? Dentre esses, há um que se destaca, a religião.
1.3 A questão de pesquisa e a tese
Ao pensar por onde começar e a partir das inquietações que me forjam
nestes últimos anos, decidi usar o nome movimento para desenhar a questão
central desta tese. Este processo foi se constituindo com um objetivo, não ser
mais um dos muitos trabalhos produzidos que ficam nos armários, prateleiras e
bibliotecas, tornando-se muitas vezes letra morta. Antes, poder ser um possível
46
instrumento que exponha ferramentas de análise capazes de melhor
compreender o fenômeno do crescimento das religiões neopentecostais na
periferia.
De início formulei a seguinte questão: quais os mecanismos de controle
do capital sobre a classe trabalhadora? Porém, em pouco tempo, fui
descobrindo que esta questão era demasiadamente ampla, uma vez que não
apenas alguns mecanismos passíveis de listagem que poderiam emergir. O
capital, desde onde escrevo, não é uma “coisa” a ser tratada, mas tal como
elucidou Karl Marx, o modo de produção capitalista é um conjunto de relações
sociais e isso leva à pergunta que orienta a pesquisa e necessita uma
delimitação precisa para fazer um bom recorte, chegar a termo no tempo do
curso. Este é um estudo que pode levar uma vida toda.
No processo entre estudo e prática social na periferia de Pelotas/RS a
questão de pesquisa foi se constituindo. Nesse percurso cheguei à seguinte
delimitação: “Quais práticas educativas se produzem nas igrejas
neopentecostais na Periferia de Pelotas?”. E, a partir disso, organizei o debate
sobre o método, a metodologia, realizei leituras e o planejamento do trabalho
de coleta de informações a serem analisadas e interpretadas transformando-se
em conhecimento acerca do tema.
Para constituir o que esta tese objetiva, busco justificar a origem do
interesse pelas religiões neopentecostais e por este tema das práticas
educativas religiosas, o como tudo foi sendo construído e se constituindo não
somente como uma necessidade coletiva, mas também, como um grande
desafio individual.
Como afirmou Fernando Pessoa, no processo de mudanças dessas
relações sociais se apresentam caminhos:
Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas
47
Que já têm a forma do nosso corpo.
E esquecer os nossos caminhos
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia.
E se não ousarmos fazê-la,
Teremos ficado para sempre.
À margem de nós mesmos.
Neste trabalho, observei:
Primeiro, o retorno ao sagrado e o resgate do papel histórico da religião
como educadora coletiva. Neste movimento, as igrejas neopentecostais
ganham evidência, porque as tradicionais como a católica e evangélicas estão
distanciadas da lógica e dos processos provocados pela reorganização social,
neste momento, provocada pela globalização19 e a mundialização20.
Segundo, a atuação das igrejas neopentecostais na periferia passa a ter
uma função no processo de reorganização do capital na medida em que a
abertura das fronteiras, as novas tecnologias de produção promovem e
aceleram situações de desenraizamento do sujeito de seus ambientes sócio-
culturais e produz uma nova sociabilidade.
Assim sendo, em terceiro lugar, as práticas educativas que sempre
estiveram embutidas na atuação das igrejas – a bíblia é ao mesmo tempo uma
proposta de civilização (pressupostos éticos) e de saúde, (o lugar da família, do
homem, do trabalho, entre outros) precisam ser desvendadas. Neste terceiro
milênio conhecer tais práticas pode contribuir para a resistência e o
enfrentamento ao capital.
Dessa forma, abrem-se algumas questões: Quais os pressupostos que
fundamentam as práticas educativas das igrejas neopentecostais? Diferem das
19 Aqui me refiro ao processo econômico de circulação das mercadorias e à internacionalização da sua produção.20 A mundialização mais do que um processo fundado na reprodução do capital envolve as relações políticas, sociais e culturais típicas à manutenção do capitalismo.
48
propostas civilizatórias da educação laica? Têm outras ênfases? Têm outros
marcos conceituais? De que modo atua a sua proposta de mudança
comportamental dos seus membros?
A pesquisa se constitui em um estudo de caso, de natureza qualitativa, e
tem como objetivo central: descrever, analisar e compreender as práticas
educativas neopentecostais no bairro Pestano da periferia de Pelotas/RS.
Com isso, não pretendo realizar uma generalização para os aspectos da
religiosidade neopentecostal brasileira, ainda que várias características da
cidade estudada possam se fazer presentes em outros locais, pois não é um
fenômeno isolado. Desse modo, a tese também se propôs a conhecer nas
práticas educativas a relação da religião, nas igrejas neopentecostais, e a
reorganização do capital. Propôs-se ainda a compreender a estrutura
organizacional, o objetivo/finalidade e a metodologia de ação da religião
neopentecostal na periferia de Pelotas, com a intenção de desvelar e
apreender elementos que possibilitem uma intervenção nessa realidade
no que diz respeito ao avanço do processo de organização do povo da
periferia.
Assim, compreender esse fenômeno social é parte da estratégia de
compreensão da realidade atual e especicamente do movimento de
reorganização do capital. Neste contexto emerge a hipótese de trabalho que dá
origem à tese de doutoramento.
A tese principal explicita que “Há uma conexão entre os
neopentecostais e a reorganização do capital”, que se materializa nas
práticas educativas, pois nelas reside o processo educativo entre as
Igrejas Neopentecostais e a produção de uma nova sociabilidade, entre
os sujeitos sociais no capitalismo, e em particular, nos sujeitos que estão
na Igreja do Evangelho Quadrangular do bairro Pestano de Pelotas/RS.
Deste modo, as práticas educativas religiosas neopentecostais
contribuem para uma nova sociabilidade no movimento do capital em sua atual
49
configuração. A Igreja teve que se reorganizar com o movimento do capital. A
crise do capital, também produziu uma crise na Instituição Igreja. O velho
ascetismo, a renúncia, o auto-sacrifício, os velhos costumes, o desprezo pelos
prazeres mundanos, enfim, as velhas roupas tiveram que ser deixadas, ou
trocadas por uma nova roupagem, onde o consumo ganha uma centralidade,
em que se exacerba a relação de troca entre DEUS/IGREJA e seus fiéis. Nas
práticas se concretizam as mudanças e nelas é que se operacionaliza o
processo de formação humana necessário para responder às demandas
necessárias ao capital.
1.4 Metodologia
O texto que segue, objetiva apresentar a metodologia de que me utilizo
para realizar este trabalho. É um estudo de caso, de natureza qualitativa,
sendo compreendido como “uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma
unidade que se analisa aprofundadamente” (TRIVIÑOS, 1987, p. 133).
Para este fim, me utilizo do caminho indicado por Marx na Contribuição
À Crítica da Economia Política, que o fundamenta assim:
[…] O último método é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, a unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também de intuição e representação. [...] (MARX, 2007, p. 256-257).
50
Por isso tenho como propósito apreender a realidade material, a qual,
Marx e Engels abordam na “A Ideologia Alemã” da seguinte forma:
Ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da terra que se sobe ao céu. Em outras palavras não partimos do que os homens dizem, imaginam, representam, tampouco do que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação dos outros, para depois se chegar aos homens de carne e osso; partimos dos homens em sua atividade real, é a partir do seu processo de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse processo vital. (MARX e ENGELS, 2007, p.19)
Com o objetivo descrito acima, em minha prática educativa na periferia
de Pelotas/RS, comecei a problematizar essa realidade, destacando um entre
os cinco elementos sociais que observei e que me dediquei a estudar como já
descrevi em item anterior. Um desses elementos – a religião, especificamente,
as religiões neopentecostais, entre as quais, optei pela religião do Evangelho
Quadrangular. Tal escolha se deu a partir de critérios que foram as pessoas
que compõem essa religião e que fizeram ou fazem parte de processos de
organização social na periferia.
O processo de pesquisa começa ao chegar em Pelotas em 2009, mas a
formulação de uma questão e por fim, de uma tese, se dá no doutoramento
(2012-2015). Parti de uma problematização da realidade e de uma
desnaturalização dessa. Contudo, foi o processo que constituiu o caminho
dessa pesquisa.
Inicialmente é uma pesquisa empírica e leituras bibliográficas feitas pela
realização do seminário Relendo clássicos na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação,
como aluna do Programa de Educação Continuada (PEC), no segundo
semestre de 2010.
51
As leituras desse seminário, principalmente, as de Antônio Gramsci –
Americanismo Fordismo (GRAMSCI, 2001, V4, pg.241-282), Álvaro Vieira Pinto
- Conceito de Tecnologia (VIEIRA PINTO, 2005, v1); e Paulo Freire – Medo e
Ousadia (2006), Cartas a Cristina (2003), e Pedagogia da Esperança (2003)
foram fundamentais para as primeiras formulações acerca do tema.
Em seguida, entrei no doutoramento e já com a delimitação de tema e
uma questão inicial como já registrei neste texto: “quais são as práticas
educativas das neopentecostais na periferia de Pelotas?”. Com essa pergunta
comecei a fazer as cadeiras obrigatórias e um conjunto de leituras dentro do
tema e foco de pesquisa. Esse processo se deu aproximadamente em um ano,
e conjugado a tudo, com menos frequência volto à realidade de Pelotas a qual,
nesse momento, ainda acontece numa perspectiva de pesquisa exploratória.
Todas essas viagens foram fundamentais para delimitar que lugar e que igreja
fariam parte desta pesquisa.
Nesse momento, em que ainda não havia uma delimitação, até projetava
fazer uma pesquisa que envolvesse campo e cidade numa relação de
compreender a periferia para além do urbano, mas na caminhada tive que ir
fazendo as podas e os recortes para dar conta do que poderia realizar.
Assim, dois anos após entrar no doutoramento, e depois de um conjunto
de leituras das publicações bibliográficas, fui fazer a pesquisa de campo para
ler o mundo. Para esse processo de trabalho, num primeiro momento, escolhi
as experiências de vida dos sujeitos da periferia urbana de Pelotas/RS que
estão ou estiveram organizados em Movimentos Sociais e fazem parte das
Religiões Neopentecostais. Thompson (2002) afirma que a experiência de vida
das pessoas de todo o tipo possa ser utilizada como matéria prima, a história
ganha uma nova dimensão (p.25). Neste caso, conhecer as experiências de
vida destes sujeitos permite entender, não apenas suas vidas, mas os
processos sociais e religiosos dos quais são partícipes.
Também me utilizo de técnicas como a observação registrada em
caderno de campo e entrevistas semi-estruturadas por ser esta ferramenta
52
mais apropriada para o que busco. A entrevista semi-estruturada, segundo
Triviños (2001), é uma técnica que possibilita aprofundar elementos durante a
entrevista, pode ser realizada a partir de perguntas orientadoras prioritárias,
possibilitando um diálogo e um conhecimento conjuntos. Sustentada nesta
perspectiva pude ampliar os questionamentos sobre as trocas das instituições
das quais participam e que mudanças são aportadas nestes processos que não
dispensam o envolvimento nas Igrejas Neopentecostais.
O roteiro dessas entrevistas foi organizado por eixos temáticos: a
história de vida e a religião; as relações sociais e as relações na periferia; a
vida e a periferia; os problemas sociais e a religião.
Portanto, quem são os sujeitos da pesquisa?
No universo de pesquisa meus sujeitos são homens e mulheres
integrantes da Igreja do Evangelho Quadrangular do bairro Pestano, isso para
a observação. Contudo, para as entrevistas, realizei 5 com um grupo de
mulheres que escolhi de acordo com os seguintes critérios: Chefes de família,
militantes sociais, educadoras e lideranças que fizeram ou fazem parte do
MTD, ou de organizações populares na periferia. São pessoas de 25 até 60
anos. Todas desempregadas, que vivem de bicos como explicita a descrição
acerca das mulheres do MTD de Pelotas.
As mulheres assumem o lugar de gestoras da sua vida e de sua família. Com elas, está toda a garantia de vida, elas trabalham em casa e “fazem bicos”, bem como militam no Movimento. A condição de não emprego/salário, não permite a organização da vida, as pessoas passam a depender cada vez mais de financiamento. (PALUDO et al, 2012, p,49)
As 5 entrevistadas em Pelotas são todas mulheres. A fonte de renda
mensal varia, ou seja, quatro das cinco fazem “bicos” (Trabalhos Informais).
Sobre a renda, três possuem renda de ½ a um salário mensal, uma é
aposentada e uma possui renda acima de um salário. Quatro estão nos
programas sociais do atual governo.
53
Quanto à escolarização, duas possuem ensino fundamental incompleto;
uma ensino médio; uma o ensino superior incompleto e uma ensino superior. É
difícil dizer sobre o nível de domínio da leitura. No conjunto, a maioria está
ligada à bíblia e a livros indicados pela igreja todos em estilos de auto-ajuda ou
a estudos realizados pelos MTD. Uma que tem maior grau de escolaridade faz
leituras extra a essas citadas, ligadas às demandas da universidade e do
trabalho de educação popular que desenvolve.
Sobre a Igreja, das cinco, quatro são partícipes direta e indiretamente da
Igreja neopentecostal, uma não tem religião e foi escolhida por ser responsável
política do MTD em Pelotas. Duas não residem no Pestano, uma mora na Bom
Jesus e a outra no Loteamento Fiação.
Sobre os papéis que desenvolvem na Igreja, duas são lideranças na
célula da igreja, uma desenvolve trabalho com a juventude da Igreja, uma
participa esporadicamente na Igreja e a outra não é partícipe.
O tempo de atuação na igreja, afora a que não participa e não se vincula
a nenhuma religião, todas já estiveram em várias outras Igrejas, fizeram ao
longo da vida um trânsito religioso, e as quatro passaram anteriormente por
religiões africanas antes de se considerarem evangélicas.
No que se refere à participação em Movimento social, das cinco, todas
são integrantes do MTD, uma é militante, duas são base social e duas são
dirigentes. Destaco ainda que a militante do MTD também é líder de célula da
Igreja e emprestou uma parte de sua casa para o Pastor fazer os cultos da
Igreja neopentecostal.
Quanto à saúde, há o posto do bairro, mas faltam especialistas. Há filas,
demora para exames. A forma de atendimento não é boa.
No que diz respeito às condições de moradia, ninguém paga aluguel, as
moradias não são regularizadas, as condições estão em processo de
organização e ainda há falta de infraestrutura necessária. Não há sistema de
esgoto ou saneamento adequado. Esse, na maioria do bairro, corre em valos
54
ao redor das casas. As ruas não são asfaltadas, e predominam, nas casas do
bairro, as que estão em processo de construção.
E, para a observação em diário de campo, busco a desnaturalização do
lugar e dos sujeitos, e junto, uma intencionalidade que tem questões
orientadoras: Quais os espaços ocupados pelas pessoas que participam na
Igreja? Qual a geografia? Como são as relações sociais e principalmente, quais
são suas práticas sociais na periferia de Pelotas, no Bairro Pestano?
Em conjunto entre observação seguida de entrevista, continuo
realizando leituras. Ou seja, ao mesmo tempo realizo as leituras e a pesquisa
de campo. Ela se deu no primeiro semestre de 2014. Contudo, saliento que a
mesma aconteceu desde 2009 e com ênfase em 2014, muitas informações
foram sendo organizadas na caminhada, antes do campo em si. Neste
processo se aprimorou e fiz o recorte necessário para a elaboração da tese.
A seguir iniciei o processo de ordenação, interpretação e análise dos
dados no exercício de elaboração teórica. Neste esforço o diálogo triangular
entre os autores, os registros no caderno de campo, e sujeitos de partilha,
homens e mulheres que compõe os espaços de estudo e pesquisa, organizei o
pensar e, por fim, realizei o esforço para expor os achados e os caminhos
percorridos de modo a compartilhar com os leitores e leitoras.
2 A FORMAÇÃO SOCIAL RELIGIOSA BRASILEIRA
55
2.1 Historicizando a Religião
Esta pesquisa se situa num campo de “explosivos”, me expresso dessa
forma devido à temática proposta estar intimamente ligada ao interesse de
fazer uma leitura histórica da atualidade e de que sujeitos são necessários para
contestá-la.
Para construir uma compreensão, ou uma base sobre este tema, e, na
perspectiva de entender a religião, iniciei essa trajetória em Marx Karl a partir
de sua célebre obra Crítica a Filosofia do Direito de Hegel Introdução de 1844
e, assim, decorri por outras obras do mesmo autor que dizem respeito ao tema
que investigo.
E percorri o seguinte caminho nas leituras: primeiramente houve o
estudo dos escritos de Marx, que nesta pesquisa é o fio condutor, devido ao
Materialismo histórico dialético. Em seguida me remeti a Antônio Gramsci
(1807-1937) estudioso e crítico da temática do fenômeno religioso na Itália no
início do século XX e cujos escritos mais importantes de religião se encontram
nos Cadernos do cárcere. Gramsci será uma das bases dessa pesquisa, pois
foi um dos autores que, ao meu ver, pode contribuir nessa leitura atual do
processo desenvolvido pelas neopentecostais no Brasil.
Após, recorri a Rosa Luxemburgo que em seu texto Igreja e Socialismo
de 1905 traz uma historicização da religião cristã. Também, intercalando com
os autores citados, fiz leituras de Lenin, Imperialismo fase superior do
capitalismo, Junho de 1917, e, ao mesmo tempo, pesquisei textos, livros, teses,
dissertações atuais que discutem a temática neopentecostal e as religiões na
atualidade. Essas leituras estarão inseridas no decorrer deste trabalho,
intercaladas com os autores que são base deste estudo.
Parti desse percurso e iniciei uma primeira compreensão da Religião
como a “[...] autoconsciência e o autoconsentimento do homem que ainda não
56
se encontrou ou que já se perdeu. [...] A religião cria uma consciência invertida
do mundo. [...] sua razão de consolo ou de justificação”. (MARX, 1991, p. 105).
E, Marx segue “A religião é a solução da criatura oprimida, o coração de um
mundo sem coração. O espírito de uma situação sem espírito. É o ópio do
povo”. (Ibidem, p. 106)
O fragmento de Marx elucida o início destes estudos e da sistematização
do conhecimento e ao mesmo tempo a cada leitura me remeto a ele para
verificar as interpretações que cada autor dá ao fenômeno religioso, que
compreensão carrega e como interage com a compreensão de Marx. Partindo
de um horizonte apontado por Marx de que a crítica da religião, está, no
essencial, terminada; é a crítica da religião o pressuposto à crítica (MARX,
2005, p.145). Mesmo Marx escrevendo sobre a Alemanha e num contexto
histórico distinto do nosso atual, posso tomar essa citação, pois ela auxilia a
compreender a sociedade capitalista a qual não está superada, e nesse
sentido, com o seu devido movimento, compartilho desse pressuposto
marxista: a religião cria e reproduz ilusões – uma consciência invertida.
A crítica que Marx aponta é interessante para entender como a religião
vem se constituindo. Quando ele a conceitua como “o ópio do povo”, aponta a
perspectiva de ser um elemento/aspecto que coloca como “consciência
invertida do mundo” que podemos interpretar como um afastamento da
realidade da matéria, do real, no que diz respeito ao devir histórico, ou seja, é a
retirada da responsabilidade do sujeito histórico concreto e a atribuição de
construir o devir a um ser transcendente.
Esta terminologia “religião como ópio do povo” não é marxista, aliás,
segundo Löwy (2000, p 272), outros autores se utilizaram dessa terminologia
da religião como “ópio”, principalmente os autores de esquerda neo-hegeliana.
E a expressão ganhou força entre os adeptos e não adeptos ao marxismo, ou
seja, todos/as que se propuseram a fazer uma crítica da religião.
Gramsci (2001, v.4 p. 17) também refletiu sobre a questão da religião
como “ópio”, trazendo um elemento novo quando a compara ao jogo do azar.
57
Ele até explicita de onde nasce essa expressão “ópio”. Segundo ele, é mais
fácil se firmar na fé, na crença da religião para alguns sujeitos, pois não os
compromete, arrisca-se menos “é mais vantajoso apostar que a religião é
verdadeira [...] para ganhar o infinito, a felicidade eterna”.
Nos estudos iniciais de Marx (1840/46), há uma centralidade a este
tema, produzindo uma crítica social, histórica e filosófica, a qual se deu
inicialmente porque o teórico estava num processo de entender a sociedade
capitalista. Foi por isso, que Marx (2005, p. 145) afirmou no início da Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel Introdução que “a crítica da religião é o
pressuposto de toda crítica”. Explicando melhor este trecho, nele está implícita
a relevância da religião para a vida e as relações sociais existentes e é esteo
pressuposto para a crítica da sociedade e de toda a desiguladade social.
Aqui, nesse estudo senti necessidade de apreender a concepção de
religião com que Marx e Engels trabalham. Desse modo, a interpretação de
Löwy sobre a obra desses autores contribuiu para minha compreensão. O
material foi extraído da aula de abertura do curso "Sociologia marxista da
religião", ministrado por Michael Löwy no curso de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade Estadual de São Paulo (USP), viabilizado pelo
Programa Escola de Altos Estudos da CAPES. Intitulada "Karl Marx como
sociólogo da religião", a aula foi realizada no dia 24 de setembro de 2014.
Löwy em sua fala aborda o conceito de religião em Marx e Engels e sua
relação com as relações sociais, elementos centrais para compreendê-la
atualmente. Ele sintetiza assim:
[…] As religiões entendidas como produto das relações sociais do processo histórico. A Religião é um fenômeno, faz parte das produções espirituais, das representações, das formas consciências, etc, que se transformam com a transformações históricas, se transformam e que estão relacionadas com as classes sociais e com a luta de classes.[…] essa é a inovação de Marx e Engels. Visão sociológica. Analisa a religião em relação com a sociedade, com as relação social, com as relação social de produção, relação social geral, com as classes e com classe sociais (LÖWY, 2014)
58
Neste sentido, a religião é importante, pois permite entender um dos
fundamentos que compõem a sociedade e o ser humano (SILVA, 2010).
Para elucidar a discussão Otto Maduro afirma que:
[...] nenhuma religião opera no vácuo. Toda religião, qualquer religião que possamos imaginar, é uma realidade situada num contexto humano específico: um espaço geográfico, um momento histórico e um meio ambiente social concreto e determinado. Uma consequência óbvia: toda religião é sempre uma invenção de seres humanos em determinado momento histórico. (MADURO, 1981, p. 70)
As religiões, ao longo de nosso processo de formação, aparecem
inicialmente como um elemento humano de compreensão do mundo. É o
momento de maravilhar-se, contemplar. (PINTO, 2006, p. 35).
Contudo na constituição das sociedades de classe (MARX, 1997), as
religiões desempenharam historicamente um papel fundamental de consolidar
a ideologia dominante. No escravismo e no feudalismo, estava diretamente
ligada ao estado (ao senhor e rei) após, no capitalismo, ela é descentralizada
do Estado, contudo continua tendo influência. É algo constitutivo da sociedade
capitalista.
Entender o papel das religiões é fundamental, tendo presente sua
função na consolidação da ideologia dominante, principalmente dessa como
um meio de coerção e amoldamento social, o que Gramsci cita como senso
comum.
O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço: é o “folclore” da filosofia e, como folclore, apresenta-se de inumeráveis formas, seu traço fundamental e mais característico é o de ser uma concepção (inclusive nos cérebros individuais) desagregada, incoerente, inconsequente, conforme a posição social e cultural das multidões das quais
59
ela é filosofia. [...] os elementos principais do senso comum são fornecidos religiões. (GRAMSCI, 2006, V1, p.114-115)
Gramsci explicita que tanto o senso comum, o folclore e a religião fazem
parte da ideologia, ou seja, constituem-se de ideologia. Por isso, também faz
uma crítica à religião como uma crença numa divindade que transcende o
homem e como alienação do homem. E os estudos sobre este tema
perpassam os Cadernos do Cárcere – um conjunto de 29 cadernos escritos
entre 1926 até 1937. Nos Cadernos do Cárcere “[...] apresenta-se, sobretudo
sob a forma da análise crítica da função prática da ideologia religiosa e dos
meios de combatê-las” (PORTELLI, 1947, p. 22). A crítica gramsciana é
importante para compreendermos tal fenômeno social.
Para Gramsci, que é um dos autores marxistas que se debruçam
diretamente em torno do tema religioso, devido ao processo de constituição do
estado italiano e da influência da religião católica como educadora social,
exerce importante papel na cultura italiana e na contrução ideológica.
A partir da compreensão de que a religião “não faz o homem, mas, ao
contrário, o homem faz a religião”, Marx (1991, p.105) pontuou-a como criação
humana, processo permanente de contradição, é parte constitutiva da
sociedade e, portanto, do Estado. Portanto para Marx: “A crítica da religião é a
premissa de toda crítica” (1991, p.g. 105).
É a partir desse ponto que me situo para entender as Religiões
Neopentecostais na atualidade, compreender a sua função de educadora na
conservação do capital. E, entender nesta perspectiva da luta humana
contínua. Ou seja, a luta contínua aparece como elemento dentro da história e
a religião perpassa tanto os indivíduos, como os grupos sociais. Gramsci
explicitou isso assim “A história é uma contínua luta de indivíduos e grupos
sociais para mudar aquilo que já existe em cada momento dado, mas para que
a luta seja eficaz, estes indivíduos e grupos deverão se sentir superiores ao
existente, educadores da sociedade”. (GRAMSCI, 2001, V4 p. 54-55)
60
2.2 Por que estudar a formação social religiosa brasileira
O texto aqui apresentado nasce na defesa de projeto de tese, quando a
professora doutora Conceição Paludo, que integrou a banca de projeto,
problematizou a necessidade de “compreender o papel da religião na formação
do povo brasileiro, e com isso desvelar quais são os elementos que sustentam,
em boa medida, o sucesso dessas igrejas.” 21.
Também, tem o propósito de trazer a relação entre a formação social e a
religião, a contribuição dos estudos clássicos da formação social brasileira, ou
seja, as raízes dessa formação, com isso compreender quais são os elementos
que constituem as práticas educativas neopentecostais na periferia de
Pelotas/RS.
Objetivando realizar um levantamento bibliográfico das referências
brasileiras sobre formação social e a religião, de modo sucinto, fiz uma revisão
da literatura clássica para a história brasileira: Caio Prado Júnior, Gilberto
Freire, Sérgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freire, Darci Ribeiro e Marilena
Chauí. Busco entender a tese dentro da questão da formação social e a sua
relação com a religião no sentido de compreender “o papel da religião na
formação do povo brasileiro e quais são os elementos que a sustentam?” não
pretendo responder na totalidade, mas fazer um “esforço”, pois as compreendo
como importantes na tese e essas questões percorrerão o todo do trabalho, já
que estão ligadas diretamente ao que estou desenvolvendo como tese. Enfim,
apreender e analisar o que dizem os autores sobre em seu movimento histórico
a temática da religião no Brasil. Vejamos a seguir.21 Texto extraído de parecer descritivo elaborado para a banca de projeto de tese em 20 de dezembro de 2012.
61
2.2.1 A contribuição de Sérgio Buarque de Hollanda, Darci Ribeiro, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior e Marilena Chauí
A chamada história brasileira tradicional está permeada por sentidos
religiosos desde a chegada dos portugueses com o processo que
desenvolveram enquanto colonizadores do Brasil.
A começar, junto com os navegadores portugueses está a Companhia
de Jesus (os jesuítas)22, uma das ordens religiosas com mais influência dentro
da Igreja católica. O espírito do evangelizador que paira até hoje em nossa
realidade vem com o pacote da colonização.
A constituição do que chamamos Brasil foi importante no momento
mundial de acumulação capitalista como destaca Karl Marx no livro O Capital,
no capítulo A Chamada Acumulação Primitiva, sobre a “descoberta” da
América:
[….] As descobertas do ouro e da prata na América, o extermínio, a escravidão das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início e a conquista da pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista. Esses processos edílicos são fatores fundamentais para a acumulação” (Marx, 2006, p.864).
22 [...] Os jesuítas foram sem dúvida os maiores artífices deste equilíbrio e para conservá-lo imprimiram à igreja um movimento progressivo que tende a dar satisfação às exigências da ciência e da filosofia, mas com um ritmo de tal forma lento e metódico que as mutações não são percebidas pelas massas dos simples, se bem que pareçam “revolucionárias” e “demagógicas” aos “integristas”. (GRAMSCI, 1978, p. 25) Segundo o que aponta este autor, os Jesuítas, formaram a ordem que se uniu à classe dominante no processo de acumulação e consolidação do capitalismo.
62
Não há como entender a realidade brasileira e não inseri-la na dinâmica
social mundial, pois ela é parte de um todo articulado dentro do modo de
produção capitalista, principalmente, se queremos compreender sua formação
social religiosa.
Para compreender a formação social religiosa, necessitamos
compreender a interpretação que Caio Prado Junior fez, ou seja, o Brasil nasce
como um grande “negócio”. Neste sentido escreveu:
[...]Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos. [...] com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que organizará a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país. [...] Este início, cujo caráter manter-se-á dominante através dos séculos da formação brasileira, gravar-se-á profunda e totalmente nas feições e na vida do país. Particularmente na sua estrutura econômica. E prolongar-se-á até nossos dias, em que apenas começamos a livrar-nos deste longo passado colonial. (PRADO JUNIOR, 1987, p. 14)
O Brasil como um “negócio” é um dos elementos que compõem a
formação sócio, histórica, cultural e religiosamente. Tal elemento é fundante na
constituição da identidade cultural do povo e o processo de colonização
brasileira é um dos elementos importantes para a acumulação e consolidação
do capitalismo mundial.
A análise do Brasil como um “negócio” se explicita na realidade atual,
exemplo disso é a teologia da prosperidade, que também tem esse elemento
econômico em sua prática. No caso analisado da realidade brasileira, a
periferia urbana se desvela como um elemento que constitui esse fazer
educativo das neopentecostais na periferias em que o consumo é estimulado
63
desde que se refira aos produtos/mercadorias oriundos dos integrantes da
própria igreja.
Esta noção de “negócio” no sentido proposto no texto, entendo, remete à
outra questão – a relação entre centro e periferia a partir da processo exposto
por Lênin no livro Imperialismo: Fase superior do capitalismo (1916), que
aborda uma divisão geopolítica do capitalismo, essa divisão entre centro e
periferia. Também, me utilizo dessa divisão no capítulo seguinte, quando
desenvolvo o conceito de periferia e ao longo do trabalho, pois o considero
como um dos elementos importantes para entender a tese, a formação social
religiosa brasileira e essa relação entre centro e periferia no Brasil, no caso
desta tese, em Pelotas/RS, no bairro Pestano.
Ao mesmo tempo que a sociedade brasileira se forma como periferia
(colônia) do centro (Portugal/Metrópole), nasce numa relação de dependência
com a metrópole, que será um outro elemento importante dessa formação
social. Essa relação de dependência perdura está nos elementos que
compõem a realidade social brasileira.
Essa relação dialética entre centro e periferia contribui para a construção
de modelos, um deles é que “o fora é melhor”, fundando um país que nasce
fragmentado e subjugado por interesses externos. Esse desvalor é necessário
para a não consolidação de um país/nação. A mistura do arcaico e do moderno
vivem “harmoniosamente” na realidade brasileira, constituindo-se, também, em
outro elemento da formação social. A harmonia entre o que é pior passa a ser
mostrada como o mlehor para a sociedade brasileira.
O processo colonizador é realizado com muita violência/exploração, isso
se materializa, inicialmente, pelo extermínio de índios e pela escravatura de
negros, e após pela exploração da mão de obra livre de imigrantes europeus.
Tudo isso trouxe consigo um conjunto de elementos que constituem o que se
chama nação brasileira.
64
A construção dessa nação é descrita e analisada por Marilena Chauí
que trabalhou o sentido e a intencionalidade desse construto em seu livro
Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária, que traz a questão religiosa
como imersa na formação e consolidação do Brasil-nação. Uso o termo nação
a partir da discussão de Chauí que aborda a matriz do termo e como este se
forma a partir da igreja católica romana, a qual definia, nação para os não
cristãos, estrangeiros, índios, todos que não compunham o povo de Deus, os
cristãos.
[…] no final da Antiguidade e início da Idade Média, a Igreja Romana fixou seu vocabulário latino, passou a usar o plural nationes (nações) para se referir aos pagãos e distingui-los do populus Dei, o “povo de Deus”. Assim, enquanto a palavra “povo” se referia a um grupo de indivíduos organizados institucionalmente, que obedecia a normas, regras e leis comuns, a palavra “nação” significava apenas um grupo de descendência comum e era usado não só para referir-se aos pagãos, em contraposição aos cristãos, mas também para referir-se aos estrangeiros (era assim que, em Portugal, os judeus eram chamados de “homens da nação”) e a grupos de indivíduos que não possuíam um estatuto civil e político (foi assim que os colonizadores se referiram aos índios falando em “nações indígenas”, isto é, àqueles que eram descritos por eles como “sem fé, sem rei e sem lei”). (CHAUÍ, 2001, p. 9)
A religião no processo de formação social foi um elemento do qual os
colonizadores se utilizaram para construir essa unidade povo-nação. Foi a
partir dela que se fizeram as primeiras práticas educativas, como por exemplo
a catequese que, como diz a citação abaixo, quebrou a força e a dureza, sem
retirar as potencialidades dos seres humanos que aqui se encontravam.
Foi, porém, ao calor da catequese católica - de um catolicismo, é certo, que para atrair os índios já se opulentara de novas cores e até de imitações, pelos padres, das gatimonhas dos pajés - que se amoleceram nos africanos, vindos de áreas de fetichistas, os traços mais duros e grossos da cultura nativa. A catequese era a primeira fervura que sofria a massa de
65
negros, antes de integrar-se na civilização oficialmente cristã aqui formada com elementos tão diversos. Esses elementos, a Igreja quebrou-lhes à força ou à dureza, sem destruir-lhes toda a potencialidade. (FREYRE, 2003, p. 228. Grifos da pesquisadora)
O processo de educação, a partir de preceitos religiosos, introduziu um
legítimo processo de aculturação, o qual tinha como objetivo:
[…] A melhor atenção do jesuíta no Brasil fixou-se vantajosamente no menino indígena. Vantajosamente sob o ponto de vista, que dominava o padre da S. J. , de dissolver no selvagem, o mais breve possível, tudo o que fosse valor nativo em conflito sério com a teologia e com a moral da Igreja. (FREYRE, 2003, p. 109)
Assim, a partir das crianças se inicia toda uma educação e um processo
de domesticação dos povos que aqui habitavam. E, assim, a
[…] cristianização, repetimos, processou-se através do menino índio, do culumim, de quem foi grande o valor na formação social de um Brasil diverso das colônias portuguesas na África; orientado em sentido oposto ao das feitorias africanas. No Brasil o padre serviu-se principalmente do culumim, para recolher de sua boca o material com que formou a língua tupi-guarani - o instrumento mais poderoso de intercomunicação entre as duas culturas: a do invasor e a da raça conquistada (FREYRE, 2003, p. 109).
Outro aspecto é a reorganização da forma religiosa, a introdução de
elementos novos ao culto religioso como se explicita abaixo:
Essa forma de culto, que tem antecedentes na península Ibérica, também aparece na Europa medieval e justamente com a decadência da religião palaciana, superindividual, em que a vontade comum se manifesta na edificação dos
66
grandiosos monumentos góticos. Transposto esse período — afirma um historiador — surge um sentimento religioso mais humano e singelo. Cada casa quer ter sua capela própria, onde os moradores se ajoelham ante o padroeiro e protetor. Cristo, Nossa Senhora e os santos já não aparecem como entes privilegiados e eximidos de qualquer sentimento humano. Todos, fidalgos e plebeus, querem estar em intimidade com as sagradas criaturas e o próprio Deus e um amigo familiar, doméstico e próximo — o oposto do Deus “palaciano” , a quem o cavaleiro, de joelhos, vai prestar sua homenagem, como a um senhor feudal.(HOLLLANDA, 1995, p. 145)
Tal modo se dá antes da entrada do capitalismo, em que Deus e o
Senhor são praticamente a mesma face, ou seja, ambos integram o Estado. A
partir da reorganização mundial de um novo modo de produção, o capitalismo,
a religião se transforma, ou melhor, se molda dentro da necessidade material
de separar aparentemente Estado e Religião. “Aparentemente”, uma vez que a
religião cristã segue sustentando as ideias da classe dominante.
A religião contribui para o processo de acumulação e consolidação do
capitalismo enquanto cultura religiosa, conforme considerado por Sérgio
Buarque Hollanda como mais “democrático”.
No Brasil, ao contrário, foi justamente o nosso culto sem obrigações e sem rigor, intimista e familiar, a que se poderia chamar, com alguma impropriedade, “democrático”, um culto que dispensava no fiel todo esforço, toda diligência, toda tirania sobre si mesmo, o que corrompeu, pela base, o nosso sentimento religioso (HOLLANDA, 1995, p. 150).
O país nação é uma mistura de culturas, uma mistura que FREYRE
(2003) descreve como […] A religião tornou-se o ponto de encontro e de
confraternização entre as duas culturas, a do senhor e a do negro; e nunca
uma intransponível ou dura barreira. (FREYRE, 2003, p. 227) O conjunto
destas práticas sociais corrompidas introduziu nas relações sociais uma forma
de viver de produzir a existência. E, assim:
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[...] Alguns daqueles pousos se estabilizaram, tornando-se arraiais e vilas capazes de prover, além das mercadorias, também as necessidades da religião e da justiça da população. Assim se constitui, com extraordinária rapidez, a base do que viria a ser uma vasta e próspera rede urbana. (RIBEIRO, 1995, p. 374)
Os negros tiveram que aprender para sobreviver na travessia do
oceano, depois nos campos de trabalho escravo, e em seguida, aprender a
viver na favela, numa outra forma de escravidão como trabalhador livre
explorado, a constituição de ser social brasileiro.
[…] O negro rural, transladado às favelas, tem de aprender os modos de vida da cidade, onde não pode plantar. Afortunadamente, encontram negros de antiga extração nelas instalados, que já haviam construído uma cultura própria, na qual se expressavam com alto grau de criatividade. Uma cultura feita de retalhos do que o africano guardara no peito nos longos anos de escravidão, como sentimentos musicais, ritmos, sabores e religiosidade. A partir dessas precárias bases, o negro urbano veio a ser o que há de mais vigoroso e belo na cultura popular brasileira.( HOLLANDA, 1995, p. 277)
As relações sociais entre os índios, negros e brancos produz um ser
social que foi e é pesquisado por autores nas diversas áreas do conhecimento,
produz vários brasis dentro de um mesmo país, o que também nos coloca
como um povo com grande diversidade e um campo de possibilidades.
A construção social do que hoje chamamos e caracterizamos por Brasil
tem influência da religião, que desde começo se fez presente nesse processo,
Ribeiro em seu livro O Povo Brasileiro traz a seguinte reflexão acerca disso:
[…] a religião católica e a língua portuguesa contribuíram para o subdesenvolvimento brasileiro. Ignoram que aqui chegaram a partir de crises que os tornaram excedentes, descartáveis, da mão de obra de suas pátrias, e que aqui encontraram um
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imenso país já aberto, de fronteiras fixadas, regendo autonomamente seu destino. (RIBEIRO, 1995, p. 449)
A relação entre a língua e a religião foi um fator que consolidou uma
identidade brasileira. Conjugado a esses elementos, os fatores desses seres
sociais serem, em sua maioria, despossuídos de riqueza e trazer consigo
apenas sua força de trabalho, os tornou quase presas ou possibilidade para a
difusão do ideal religioso, uma vez que estes seriam recompensados no
paraíso pelas dores e sofrimentos terrestres.
[…] Ideologia nenhuma, antes nem depois, foi tão convincente para quem exercia a hegemonia, nem tão inelutável para quem a sofria, escravo ou vassalo. Desapossados de suas terras, escravizados em seus corpos, convertidos em bens semoventes para os usos que o senhor lhes desse, eles eram também despojados de sua alma. Isso se alcançava através da conversão que invadia e avassalava sua própria consciência, fazendo-os verem-se a si mesmos como a pobre humanidade gentílica e pecadora que, não podendo salvar-se neste vale de lágrimas, só podia esperar, através da virtude, a compensação vicária de uma eternidade de louvor à glória de Deus no Paraíso (RIBEIRO, 1995, p.72).
Podemos observar esses elementos presentes hoje na realidade das
periferias. Eles formaram um culto, uma cultura que se enraizou no processo
de formação social.
[…] Tal é a força dessa ideologia que ainda hoje ela impera, sobranceira. Faz a cabeça do senhorio classista convencido de que orienta e civiliza seus serviçais, forçando-os a superar sua preguiça inata para viverem vidas mais fecundas e mais lucrativas. Faz, também, a cabeça dos oprimidos, que aprendem a ver a ordem social como sagrada e seu papel nela prescrito de criaturas de Deus em provação, a caminho da vida eterna. (RIBEIRO, 1995, p.72)
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Essa forma de orientar é nociva, pois, na grande maioria das vezes,
desde muito jovens, em uma cultura colonizada, somos educados a obedecer,
a não questionar, a não nos posicionarmos, enfim, a nos sujeitarmos frente ao
mundo, a assumirmos uma posição submissa. Essa mentalidade, de senhor e
escravo, perpassa tempos, lugares, espaços, culturas, povos e se enraizou
como um elemento de consolidação da dominação e da exploração.
Para sobreviver a toda essa organização social vigente, nascem
cotidianamente muitas formas de resistências. O que está moralmente
conceituado, na cabeça dos senhores e em parte da população a partir do
senso comum, como “preguiça inata”, pode ser interpretado também uma como
forma de resistência, já que no caso específico das periferias nem todos têm a
dignidade e a sobrevivência garantidas, pois muitos comem e pensam a
produção da existência para um dia, uma semana.
Cabe uma referência a Darci Ribeiro sobre a construção da periferia e
de como o conjunto de caracterísiticas sociais que hoje estão presentes no seio
que os constituiu como povo, em que o autor explicita:
[...] O doloroso é que esses bandos se instalam no meio das populações faveladas e das periferias, impondo a mais dura opressão para impedir que escapem do seu domínio. Isso é o que desejam muitas famílias pobres, geralmente desajustadas. Paradoxalmente, confiam é no crime organizado, que costuma limpar a favela dos pequenos delinquentes mais irresponsáveis e violentos e põe cobro à caçada de crianças pelos matadores profissionais. (RIBEIRO, 1995, p. 206)
Então, conhecendo os variados argumentos trazidos pelo conjunto dos
autores encontramos os campos férteis e sementeiras para germinar as mais
diversas religiões. Desde a noção do “negócio” que separa centro e periferia,
da noção de democracia que segmenta e hierarquiza politicamente, em nome
de uma democracia racial, uma ordem social sacralizada, a confiança no
imediato frente às necessidades em meio a essa realidade de luta e
70
adversidade, de força e resistência, as religiões são elementos de
conformação, de elo e para muitos de esperança, de “salvação” como afirmam
em diálogos as entrevistadas sobre o por que estão na Igreja.
[…] A anomia frequentemente se instala, prostrando multidões no desânimo e no alcoolismo. Muitas vezes se deteriora, também, na anarquia, em gestos fugazes de revolta incontrolável (RIBEIRO, 1995, p.206).
Nesse processo aparente de “caos”, um destaque às mulheres que com
muita luta se levantam e mesmo na dor e na adversidade estão à frente. Elas
são a maioria na Igreja, são as que gestam as famílias e que seguram
heroicamente as situações vividas, tal como o Ribeiro descreve.
[…] Apesar de toda a miséria, essa heróica mãe defende seus filhos e, ainda que com fome, arranja alguma coisa para pôr em suas bocas. Não tendo outro recurso, se junta a eles na exploração do lixo e na mendicância nas ruas das cidades. É incrível que o Brasil, que gosta tanto de falar de sua família cristã, não tenha olhos para ver e admirar essa mulher extraordinária em que se assenta toda a vida da gente pobre (RIBEIRO, 1995, p.206).
Compreender tais raízes da religião brasileira e entender o processo
exercido pelas neopentecostais nas periferias é fundamental. Por isso, o
capítulo que segue dá continuidade ao que estou me propondo.
71
3 AS RAÍZES HISTÓRICO-TEÓRICO- METODOLÓGICAS DE ESTUDO SOBRE AS PRÁTICAS EDUCATIVAS, AS RELIGIÕES NEOPENTECOSTAIS E A PERIFERIA.
Este capítulo tem como objetivo central abordar a formação social
religiosa, com ênfase na periferia. Aprofundo as raízes e a sustentação do
estudo do conceito de periferia. O objetivo é trazer parte das categorias
teóricas que dão sustentação e auxiliam na análise da tese, pois ao mesmo
tempo não reservei um único texto para a explicitação de conceitos, esses
estão no conjunto do texto, decidi abrir este espaço e escrever sobre a Periferia
especificamente, por compreender que há muitos atravessamentos que
constituem a periferia e seus sujeitos, sobretudo no modo capitalista de
produção, causa fundamental da criação dessa realidade.
O capítulo está dividido em duas partes: na primeira, abordo a Periferia.
Além de conceituar a Periferia como um espaço de luta e de disputa de classes
nos processos educativos. Por fim, o conceito de religião e a sua materialidade
nas práticas educativas.
3.1 A periferia um “humus” na luta social: campo em disputa educativa
“Os rejeitados e os inúteis! Os miseráveis, os humilhados, os esquecidos, todos morrendo no matadouro social. Os frutos
da prostituição – prostituição de homens, mulheres e crianças
72
de carne e osso, o fulgor e espírito; enfim, os frutos da prostituição do trabalho. Se isso é o melhor que a civilização
pode fazer pelos humanos, então nos deem a selvageria das ruas nua e crua. Bem melhor ser povo das vastidões e do deserto, das
tocas e cavernas, do que ser um povo das máquinas e do Abismo.”JACK LONDON23
A palavra “humus” traz em si o sentido de terra fértil e pode designar a
periferia na atualidade como um espaço de luta de classes, solo fértil, como
campo de possibilidade de luta e disputa das classes sociais. Espaço com
várias formas de controle, seja pelo álcool, drogas, cultura, meios de
comunicação de massa, religiões, entre outros. Com efeito, a periferia está
imersa em um conjunto de projetos sociais assistencialistas sendo executados
por governos chamados de “campo popular democrático”. Enfim, de muitas
ações, seja de movimentos sociais, seja de organizações não governamentais,
seja de atuação intensa das religiões como um todo, mas principalmente, das
religiões neopentecostais.
Para entender as neopentecostais desde a sua constituição, abordarei a
teologia da prosperidade e seu papel na educação das pessoas pautadas a
partir da naturalização das relações de consumo, focadas em uma relação
mercantilizada com o sagrado.
[…] Proveniente da ideologia norte-americana que apregoa o alcance do sucesso em meio à competitividade inerente ao capitalismo, a “Teologia da Prosperidade” ou “Teologia de Resultados” atende ao requisito das formas de permanência do neoliberalismo na América Latina e, assim sendo, no Brasil. A ideia de ascensão social que se encontra impregnada no ideário da educação escolar, é corroborada pelas instâncias da vertente neopentecostal do protestantismo brasileiro (WREGE, 2001, p. 111)
23 LONDON, Jack. O povo do Abismo. A fome e miséria no coração do império britânico: uma reportagem do início do século XX. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004.
73
Portanto, as neopentecostais que, nesse conjunto exposto até aqui,
amortizam a luta social que problematiza o modo capitalista de produção,
sustentando um processo de política de “panos quentes”, ou seja, cumprem um
papel de frear transformações nas raízes fundantes da sociedade vigente.
Assim, seguram a “panela de pressão” pronta para explodir, mas são contidas
pelos elementos psico-sociais, morais e educativos como o medo, a culpa, o
pecado e a crença no diabo, entre outros.
As neopentecostais desenvolvem uma prática educativa, pois em sua
ação introduzem novos fazeres, constroem ou fortalecem uma visão de mundo,
assim produzem uma ação política, e com isso uma prática educativa bem
como Saviani trabalha "[…] toda prática educativa possui uma dimensão
política assim como toda prática política possui...uma dimensão educativa"
(1983, p. 88).
Este processo constitui novas relações de ser e estar no mundo, aquela
pessoa que se sentia isolada e só, agora, passa a ter uma comunidade, uma
família. O ato de pertencer a um lugar e de ter relações sociais mexe
profundamente nessa pessoa que agora se vê ligada a um projeto de “deus”,
onde todos são irmãos, e que começa, portanto, a constituir relações solidárias.
Isso produz uma prática educativa, enraizada em outra teologia, a teologia da
prosperidade.
Vejamos o que esse “humus”, ou o que o povo do abismo, produz e
reproduz.
3.2 A Periferia
Estudar a periferia é uma tônica atual, recente historicamente. A periferia
se constitui com a entrada do modo de produção capitalista que reorganiza
74
uma nova forma de produção da existência. Assim, ao longo dos quatro últimos
séculos, vem se forjando e se modifica e se constitui como espaço de luta e
disputas.
Por que a Periferia? Por que este campo de pesquisa? O que
compreendo por Periferia? E, como ela é gênese, humus, locus, enfim,
território fértil para a constituição de todas as Religiões, mas principalmente, as
Igrejas neopentecostais?
É importante compreender as relações religiosas como um tipo
específico de relação social, pois a fé, embora possa se constituir em uma
experiência individual, se aprende e materializa a partir da cultura.
[…] os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, essas relações de produção correspondem a um grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas forças materiais constitui a estrutura econômica da sociedade, a base sobre a qual se elevam uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem as formas sociais determinadas da consciência. O modo de produção condiciona a vida social, política e intelectual. Não é a consciência que determinada o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. (MARX, 2007 p. 45)
Para compreender a ligação da religião como superestrutura da
sociedade, a referência ao texto de Marx tomada como base, consolida essa
sustentação do modo de produção.
Neste sentido, quais são as relações materiais que implicam na criação
da periferia? Como nasce? Qual sua origem? Quais os seus elementos
constitutivos e suas características?
Jack London (2003) designou uma massa de miseráveis no início do
século XX nos Estados Unidos da América, em seu livro Tacão de Ferro, de
1907, como sendo “Feras do Abismo”, um povo à margem, um povo de
75
possibilidade, um povo ainda sem rumo, ou pelo menos um povo sem uma
organização de classe.
À seguir trabalho com o movimento desse espaço no século XX, com o
objetivo de adentrar a centralidade que é a periferia urbana. Não vejo esse
passo como uma ruptura sem conexão, mas como algo interligado, pois o que
está inserido aqui é também a discussão periferia-centro feita por Lenin (1907),
não aborda a terminologia Periferia. Sua produção escrita discute a “partilha do
mundo” pelos países capitalistas, entre centro e periferia.
Como afirmava Lênin houve um processo de divisão sócio-político-
geográfica do mundo entre as potências mundiais, que o autor conceituou
como imperialismo, o qual compreendia como:
O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes. ( LENIN, 2012. p. 43)
Com o objetivo de fazer essa “partilha”, uma reorganização se
estabelece no início do século XX, é a partir desse tempo que nascem as
religiões pentecostais e após, as hoje denominadas religiões neopentecostais,
produto desse tempo histórico e desse contexto geopolítico.
Por isso temos o desafio de descrever os sujeitos, com o devido
cuidado, pois há elementos que são próprios de uma determinada realidade e
história, mas outros que perpassam a constituição da formação desse sujeito,
com devido ao movimento do real, sim, mas essa forma de ser e agir vai
perpassando as culturas e sendo massificada. O que estou querendo dizer com
tudo isso é que a negação dos direitos básicos é uma dívida histórica para com
os trabalhadores da periferia.
76
[…] Outro processo dramático vivido por nossas populações urbanas é sua deculturação. Sua gravidade é quase equivalente à primeira grande deculturação que sofremos, no primeiro século, ao desindianizar os índios, desafricanizar os negros e deseuropeizar os europeus para nos fazermos. Isso resultou numa população de cultura arcaica, mas muito integrada, em que um saber operativo se transmitia de pais a filhos e em que todos viviam um calendário civil regido pela Igreja, dentro de padrões morais bem prescritos. (RIBEIRO, 1995. p. 205-207)
O processo de violência em diferentes graus e níveis que sofre o povo
das periferias, cotidianamente, forma um terreno fértil para a ação de religiões.
O espaço de luta e de resistência, que individualmente cada um precisa para
sobreviver, que cada um estrutura para a sua existência, como descreve
Ribeiro:
[...] A questão hoje é mais grave. A luta dentro dessa massa urbana é ferocíssima. Se associam, eventualmente, nos festivais, como o Carnaval e cerimônias de Candomblé, como paixões esportivas coparticipadas e como os cultos de desesperados. Esses marginais não devem, porém, ser confundidos com a secular população favelada das grandes cidades, que de são suas principais vítimas. [….]Talvez, por isso, tanto se apeguem aos cultos evangélicos que salvam os homens do alcoolismo, as mulheres da pancadaria dos maridos bêbados, as crianças de toda sorte de violência e do incesto. Os cultos católicos, regidos por sacerdotes bem formados, raramente aparecem ali. Quem compete mais com os evangélicos são os cultos afro-brasileiros, que com sua hierarquia rígida e com sua liturgia apuradíssima abrem perspectivas de carreira religiosa e de vidas devotadas ao culto. (RIBEIRO, 1995. p.205-207. Grifos meus)
Na realidade em que os trabalhadores e as trabalhadoras produzem
suas vidas, em meio a um universo de diversos tipos de violência, muitas vezes
naturalizadas, esses seres humanos são aqueles que constituem uma
77
população-potencial para muitos fins. Por isso a periferia é historicamente lugar
e espaço de gênese das neopentecostais.
As periferias constituem como já escrevi anteriormente solo fértil para as
mais distintas religiões, pois o povo que ali produz sua existência luta e
acredita que é possível sair daquela condição, e as igrejas cumprem um papel
de semear a esperança, seja pela aceitação de sua condição ou para construir
estratégias de superação. O povo da periferia, muitas vezes, encontra na
religião acolhimento, um afeto, atenção, cuidado e solidariedade à sua
condição, ao seu problema, já que os problemas sociais são individualizados.
A seguir aprofundaremos o estudo da relaçao entre a periferia e as
religiões neopentecostais, a realidade de pesquisa, o conceito de periferia e o
movimento das religiões.
3.3 Periferia e as Religiões Neopentecostais
(...) Viviam como animais em grandes e esquálidos guetos operários, exasperados em meio à miséria e à degradação. Todas as suas antigas liberdades haviam desaparecido. Eram escravos do trabalho. Não havia, para eles, escolha de serviço. Da mesma forma, era-lhes negado o direito de se mudarem de um local para o outro, ou de portarem ou possuírem armas. Não eram servos da gleba como os agricultores, eram servos das máquinas e servos do trabalho. Quando surgiam necessidades esporádicas, como a construção de estradas e linhas aéreas, de canais, túneis, passagens subterrâneas e fortificações, trabalhadores eram recrutados nos guetos operários e vários milhares deles, por bem ou por mal, eram transportados para o canteiro de obras. Um verdadeiro exército deles trabalha agora na construção de Ardis, alojado em barracas miseráveis onde a vida familiar não pode existir, e onde a decência é substituída por uma degradante bestialidade. Na verdade, é nos guetos operários que vivem as feras do abismo, feras que os próprios oligarcas criaram, mas cujo rugido eles tanto temem. (LONDON, 2003, p. 226-227. Grifos meus)
78
Esta epígrafe extraída do livro Tacão de Ferro explicita a descrição de
como classe dominante construiu bairros medianos para os menos favorecidos ,
para os miseráveis. A descrição que esse autor fez sobre as “feras do abismo”
mexeu profundamente comigo. Nessa leitura, que fiz em processo de pesquisa,
observei vários elementos descritos por London, como as mil maneiras de
sobreviver que o povo da periferia utiliza, as formas de resistência que
constroem cotidianamente, a criatividade perante as adversidades, a garra e
força de lutar e a “fera” em potencial que carregam dentro de si.
Neste momento se gesta uma primeira inquietude, que formulo em
questão já abordada anteriormente: quais são os mecanismos de controle do
capital na periferia urbana capitalista? Fiquei nessa questão por um ano, ou
seja, todo o ano de 2009/2010. Os estudos de Gramsci (1978), Freire (2005),
Vieira Pinto (2008) me auxiliaram a compreender que a religião não era causa
fundamental dos mecanismos de controle, mas ela é um critério ideológico sem
o qual o capital não se sustenta. No sentido gramsciano a religião é cimento
social que recobre a estrutura capitalista.
De início busco abrir esse campo que é a periferia no sentido de
compreendê-la dentro da lógica de produção capitalista, isto é, entendê-la
dentro do processo de expropriação dos trabalhadores e de suas terras, que os
joga numa nova condição de existência.
O termo periferia deriva “(do grego periphéreia: de perí, "em torno", e
pherein, "levar"; através do latim peripheria) indica originalmente a linha que
define uma circunferência. Em geral refere-se ao limite de qualquer espaço ou
objeto”. Contudo, trabalharei com a visão da geografia e das ciências sociais
que produzem uma definição mais na linha de território ou de divisão
socioeconômica dos países. No modelo dual ‘centro-periferia’ de organização
territorial do sistema econômico mundial, a periferia é constituída pelos países,
dependentes dos países centrais ou industrializados.
79
Periferia é um território permanente de disputa, por isso a ênfase nesta
perspectiva. O desafio posto é compreender a gênese desse lugar/espaço em
disputa, entendendo-o, a partir do modo de produção capitalista situado em um
tempo histórico do século XVIII até nossos dias. Porque esse recorte histórico?
Justamente por que é aqui que começa a se gestar o que hoje conhecemos e
denominamos por periferia.
A periferia nasce a partir da constituição do modo de produção
capitalista, quer dizer, ela tem germes desde a constituição da luta de classes,
desde a constituição de expropriados e expropriadores. Mas molda-se, forja-se
com as características que a conhecemos no processo formação e
consolidação do capitalismo.
Tais características que hoje presenciamos e vivenciamos está descrita
em o Capital no século XIX, desde o século XVIII, com a Revolução Industrial.
O que quero dizer com a afirmação sobre a historicidade e permanência deste
processo? Que desde este período histórico se gestam elementos que
perpassam o tempo/época como: a condição miserável dos trabalhadores, a
sua má alimentação (desnutrição/fome), as más habitações e as mais diversas
formas de amontoamento de trabalhadores, como a redução de salários e o
alto custo de vida, enfim a exploração dos trabalhadores. E assim, “Muitos se
transformaram em mendigos, ladrões, vagabundos, em parte por inclinação,
mas, na maioria dos casos, por força das circunstâncias.”. (MARX, 2006, p.
848)
Com isso, lança-se a massa de trabalhadores de um lado para o outro.
Eles se tornam emigrantes e junto levam consigo o germe dessa nova e velha
forma de organização social, as relações pré-capitalistas e as relações
capitalistas. Esses trabalhadores livres que emigram na luta pela sobrevivência
constituem-se num papel importante no processo de acumulação do capital e
darão origem para o que hoje conhecemos como periferia. (MARX, 2006)
80
Com a constituição de campo e cidade, periféricos e na periferia tem por
base fundante a propriedade privada, a expropriação de terras de uma massa
de trabalhadores, o assalariamento de trabalhadores livres. Enfim, isso
perpassa os escritos de Marx e, principalmente nestes capítulos A Lei Geral da
Acumulação Capitalista e A Chamada Acumulação Capitalista. (Idem, 2006)
É no capitalismo que nasce o termo a pauperização da classe
trabalhadora, uma forma específica de periferia na constituição e reprodução
do capital, sem alternativas. Os trabalhadores são empurrados e encurralados
no entorno do centro, como bem evoca London (2003) denominando-os como
“Feras ou Povo do Abismo”24.
Contudo, sabemos que essa história da periferia é feita com ferro e fogo,
ou seja, com muita violência e sangue. A saída dos camponeses do campo não
foi pacífica, mas cheia de revoltas, prisões, repressão, morte. Os trabalhadores
se depararam com uma nova realidade na cidade e no campo, pois foram
expropriados de suas terras e tiveram que habitar os mais diferentes lugares
pela nova organização social e econômica. Como estes só detinham sua força
de trabalho como bem, a sobrevivência não está segura.
Os povos do abismo foram e são até hoje empurrados para as piores
condições de existência.
A própria população urbana, largada a seu destino, encontra soluções para seus maiores problemas. Soluções esdrúxulas é verdade, mas são as únicas que estão a seu alcance. Aprende a edificar favelas nas morrarias mais íngremes fora de todos os regulamentos urbanísticos, mas que lhe permitem viver junto aos seus locais de trabalho e conviver como comunidades humanas regulares, estruturando uma vida social intensa e orgulhosa de si. (RIBEIRO, 1995. p.205 a 2007)
24 Durante este e outros fragmentos do texto aparece a terminologia que resolvi utilizar a partir da produção escrita de London (2003) (Povo do abismo) ao denominar o povo da periferia.
81
Historicamente, os aparelhos ideológicos trabalham para que o povo do
abismo aceite e faça dessa condição um “destino”. Apesar de ser comum a
quase todos a luta permanente pela sobrevivência, há os que se submetem e
se adaptam sem questionar a cultura de sua época, e os que resistem e lutam
para construir possibilidade de transformar essa condição. Este processo está
descrito no Capital em “noventa por cento dos casos, a vida humana não
passa de uma luta para existir” (Marx, 2006, p. 757)
É interessante notar, a partir das leituras feitas e da própria realidade a
qual observo, que se formos aos mais distintos lugares da periferia há
elementos constitutivos, muitos descritos nos livros, seja por Marx (2006), seja
nas ficções romanceadas realistas, escritas por London (2003), ou no conjunto
de várias obras sociológicas, veremos que a falta de saneamento básico, as
más habitações e as condições de exploração perpassam tempos históricos e
estão intimamente ligados à continuação do capitalismo e à própria constituição
da periferia.
Outro campo presente dentro desta realidade é o estado paralelo que se
constitui, seja pelo tráfico de drogas, pelo jogo ou mesmo pelas Igrejas, como
abordou Ribeiro em seu livro o Povo Brasileiro, no qual relata as formas de
soluções de sobrevivência do povo da periferia.
[…] Outra expressão da criatividade dos favelados é aproveitar a crise das drogas como fontes locais de emprego. Essa "solução", ainda que tão extravagante e ilegal, reflete a crise da sociedade norte-americana que com seus milhões de drogados produz bilhões de dólares de drogas, cujo excesso derrama aqui. É nessa base que se estrutura o crime organizado, oferecendo uma massa de empregos na própria favela, bem como uma escala de heroicidade dos que o capitaneiam e um padrão de carreira altamente desejável para a criançada. (RIBEIRO, 1995. p.205 a 2007)
Assim, apreendo elementos que ajudam a entender o que esse universo
- a periferia, sua produção de vida, sua cultura, sua linguagem própria, suas
82
leis enfim, o como o povo faz desse espaço “humus” um espaço de luta e
disputa.
3.4 DEUS E DIABO – UMA DICOTOMIA NECESSÁRIA NA SOCIEDADE DE CLASSES.
Este texto nasce com o desafio de compreender o retorno do diabo
como um componente ideológico central nas religiões neopentecostais. O
objetivo é entender esse fenômeno do diabo retomado com grande força pelas
religiões evangélicas pentecostais e neopentecostais no fim do século XX e
principalmente nas primeiras décadas do século XXI.
Para entender o diabo na atualidade há que pensar em questões como:
Qual o papel do diabo? Qual sua necessidade? Qual o poder que exerce sobre
as “mentes e corações” humanos? Qual o sentido desse retorno? Por que a
necessidade dessa crença? Esse capítulo se constitui com a finalidade de
compreender essa e outras questões que vão nascendo tanto na revisão de
literatura quanto na pesquisa de campo.
Novamente se confirma que em situações históricas em que não se tem
um projeto de sociedade de contraposição ao hegemônico, os elementos de
coerção social ganham força, bem como os sentimentos conservadores se
fortalecem e questões como raça, etnia, homossexualidade, entre outros
sofrem um conjunto de ações de preconceito e discriminação.
Na verdade, tudo que envolve possibilidades de pensar além do que se
é, um conjunto a reorganização do capital uma crise social, político, cultural,
enfim, uma crise de referência, de modelos, se desvela com ela. Assim, os
elementos psíquicos, sociais e morais, como diabo, que pareciam estar mais
83
resolvidos são fortalecidos, são retomados com força e vão sendo atualizados
pela necessidade das religiões desse tempo histórico.
3.4.1 – A historicidade e atualidade do diabo.
A discussão sobre o diabo e seu papel social, seu papel como elemento
de controle psíquico, social e cultural é desafiador. Quando me propus a
estudar isso, não imaginava o quão complicado seria. Ao estudar a história
social do Diabo pude aprender como este e a religião são construções sociais,
produções humanas. Os elementos que constituem a religião em si e as mais
diversas religiões em cada período/tempo histórico se constituem de uma
maneira que se ligam intimamente com as relações sociais materiais de cada
época. Essa relação, deus e diab,o está ligada à luta entre o “bem” e o “mal”,
ao positivo e negativo, ao perfeito e imperfeito, essa dicotomia própria da
concepção metafísica de mundo.
Para compreender a dicotomia deus e diabo, trabalhei com dois
movimentos: o primeiro de pesquisa bibliográfica, sendo que desse me aporto
por alguns autores como: Wilhelm Reich, Ricardo Mariano, Carlos Roberto
Nogueira, Robert Muchembled. Há também, vários livros, textos e outros
autores da sociologia, antropologia, história e psicologia. Enfim, os mesmos
estarão dentro desse texto e do todo que compõe esse trabalho; O segundo foi
observar na realidade concreta da pesquisa de campo esse movimento atual
de um “retorno” do diabo, que poderia ser descrito como um salto quantitativo e
qualitativo dessa crença.
Na realidade pesquisada há fervor social em relação a deus e diabo –
sendo estes as causas, as explicações imediatas dos sucessos e insucessos
84
da vida. O que isso traduz no que diz respeito aos processos educativos da
religião? Como isso pode influenciar as práticas educativas neopentecostais (já
que as práticas educativas neopentecostais são o objeto central dessa tese)?
Como entender a representação social do diabo em pleno século XXI, quando
muitos autores até preconizavam o fim da religião?
Segundo Nogueira (2002, p.2), o diabo nasce tardiamente entre o século
XII-XIII, é uma criação cristã. […] é uma das figuras centrais no imaginário
cristão ocidental. Será na Idade Média, no modo de produção feudalista, que o
diabo ganhará força e passará a existir. E, será central para unificar uma
concepção constituída pelo papado e os grandes reinos.
[…] A invenção do diabo e do inferno com base em um modelo radicalmente original não é simplesmente um fenômeno religioso de grande importância. Ele marca o nascimento de uma concepção unificada, compartilhada pelo papado e pelos grandes reinos, […] O outono da idade média é, sob esse aspecto, a primavera da modernidade, pois são experimentadas concepções novas de Igreja e Estado, das quais decorrem formas inéditas de controle sociais das populações. (MUCHEMBLED, 2001, p. 18)
A partir da afirmação de Muchembled (2001), a constituição do diabo foi
necessária para essa consolidação da religião católica. O processo de construir
a luta eterna entre o bem e o mal, entre deus e diabo foi fundamental para
expandir uma concepção de mundo que se hegemonizou pelos séculos que
seguem sua criação, ou seja, uma forma de ser e agir frente à realidade
concreta, sendo que um dos principais elementos que sustenta essa
concepção é o medo, que será trabalhado como uma pedagogia que as mais
distintas religiões utilizam ao longo da história, a pedagogia do medo.
O diabo é importante num processo de educação moral entre classes,
porque tanto Deus como o diabo são mecanismos de controle social e
psicológico necessários em uma sociedade de explorados e exploradores,
numa sociedade de dominados e dominadores.
85
[…] Aliás, a eliminação do demônio tem suas consequência, entre outras coisas, implicará a transferência do mal para a constituição ontológica do universo o que não deixa de ser desagradável...Por isso, a atuação demoníaca só tem sentido quando se inscreve numa visão em que a liberdade ocupe o cerne da histórica humana. (NOGUEIRA, 2002, p.9)
Portanto, tanto um quanto o outro servem como elemento de contenção
psico-social, pois a partir deles se constitui um conjunto subjetivo e objetivo de
valores, como por exemplo, o medo.
Pelo estudo também podemos apreender que essa criação do diabo
serviu para a unificação da Igreja católica como hegemônica que, para esse
fim, se apropriou do que era popular aos diferentes povos, sobretudo os da
Europa, para transformar o que até então convivia com os povos que eram os
deuses pagãos, para inserir antigas práticas pagãs no imaginário católico.
Nesse exemplo, deus Cernunnos, deus da fertilidade e da caça foi
transformado em manifestação demoníaca. (MUCHEMBLED, 2001, p. 24).
Foi assim que
[…] Satã, Lúcifer, Asmodeu, Belial, Belzebu e na leitura apocalíptica, o diabo assumia, assim, múltiplos outros nomes, e às vezes sobrenomes, sobretudo na Europa. O diabo assume, com isso, aparência inumeráveis. Tornando animal, ele hesita entre a tradição judaico-cristã e os deuses associados a formas vivas dos pagãos. (MUCHEMBLED, 2001, p. 25-26)
Para desenvolver o imaginário social a respeito do diabo foram utilizadas
as mais distintas descrições de formas e manifestações. Por exemplo, a
construção de um diabo negro, vermelho, verde ou com chifres, entre outros.
As formas não são simplesmente cores e formas comuns, estão
simbolicamente representadas por uma lógica de pensamento que se perpetua
durante séculos no imaginário social.
86
Hoje, esse mesmo elemento aparece vestido a partir do olhar das
evangélicas, como por exemplo, a “guerra santa”25 travada com outras religiões
como a umbanda, o candomblé, as espíritas, e as católicas.
O diabo aparece nas religiões evangélicas com grande força, está nas
diversas pregações, nos documentos, no conjunto de práticas educativas que
as compõem. Mariano (2012) disserta que atualmente vivemos uma “Guerra
Santa” o que eu interpreto como uma “Nova Cruzada”, a qual pode ser
interpretada como uma reorganização hegemônica religiosa mundial e
brasileira.
Neste processo há um salto quantitativo e qualitativo do Diabo, que até
então estava no imaginário social, mas não com a amplitude e significado que
vem sendo utilizado.
Pela história podemos estudar outra interpretação do diabo como um
anjo que se rebelou contra seu pai deus, o que introduz o ser que se rebela
contra a autoridade, e jamais poderia se admitir que os seres humanos se
rebelassem contra uma ordem estabelecida, já que um dos princípios que
sustentam a devoção a deus é a obediência.
Em contraposição à lei, está o diabo, como oposto de tudo que
representa deus, a construção dessa representação de deus e diabo é
histórica.
Em uma palestra de Leandro Karnal26, “O mal primordial: o orgulho
nosso de cada dia” – Café Político Filosófico Literário (CPFL) cultura, pude
aprender algo que até então desconhecia referente à construção social do
diabo, o vídeo aborda assim:
25 Ver em MARIANO (2012, p.109-146). 26 Usarei a transcrição de falas da palestra de Leadro Karnal (2013) ao longo do texto, pois abordam elementos importantes no que se refere ao objeto de estudo dessa tese e da realidade religiosa brasileira. KARNAL, Leandro O mal primordial: o orgulho nosso de cada dia -cpflcultura.2013.Youtube. Disponível: <https://www.youtube.com/watchv=cpxVd5whW9U&index=1&list=PLTfXjnUiV6JGJMcXTH7YhsX4GLQ-JwCNQ.>. Acesso em 26 de mar. 2014.
87
[…] Lúcifer era o mais belo dos arcanjos. […] a ideia primordial de Lúcifer, o demônio, satã é que foi o primeiro ser da criação que trabalhou a ideia do eu em detrimento do nós. […] Lúcifer, arcanjo portador da luz. Ele se achou bonito, ao se achar bonito, se achou mais que os outros, se achou individuado, se achou indivíduo, se achou a parte a ponto de ter dito eu. Ao dizer eu, ele quebra o ritmo da criação que tinha sido concebida como nós. Todos os seres criados era nós. […] Lúcifer se tornou eu. […] “prefiro ser senhor no inferno do que escravo no céu.”.[...] Funda-se a história, ou seja, o período que há transformações da mitologia bíblica a partir do pecado de Lúcifer, já que os outros pecados da desobediência de Adão e Eva e homicídio de Abel são todos pecados posteriores a esse pecado inicial, o pecado que me considerei superior e tomei a minha própria iniciativa. (KARNAL, 2013)
A transcrição acima explicita é algo intolerável frente a qualquer religião
que trabalha com o princípio da autoridade. Deus nas religiões monoteístas
está acima de tudo de todos, ele é o poder maior, “vê tudo”, “pode tudo” “tudo
sabe” é onipotente, onipresente, onisciente. É um ser supremo. Essa
contraposição de alguém se achar deus é inadmissível e será compreensível
fazer de qualquer um que se oponha a isso símbolo do “mal”, ou como
“inimigo”.
Neste sentido,
[…] o Demônio como o pai da desobediência, coloca o problema de modo mais universal: a livre opção de todos e de cada um dos homens, entre o Bem e o Mal. O universo inteiro passa a ser pintado como dividido em dois reinos, o de Cristo e o do Diabo. […] Dessa polarização resulta que tudo que afasta os homens de Deus é uma manifestação do Diabo. (NOGUEIRA, 2002, p.26)
Por isso, ao estudar a construção social da hegemonia religiosa no
período em que se constitui o elemento diabo, também podemos acompanhar
88
um movimento social de adequação a um novo jeito de ser e de fazer a
religião, quando a religião católica está em pleno processo de consolidação.
Então, nesse processo será necessário que se constituam novos
elementos de controle social, um dos principais desse novo momento da
história da religião será o diabo, pois representa, entre outras coisas, a matéria,
o material, o humano, o incompleto, o inacabado, o imperfeito, a oposição ao
bem.
Do mesmo vídeo destaco a fala sobre o pecado da vaidade e a relação
dessa com o diabo, diz palestrante: […] Os homens não podem se comparar
por deuses porque os deuses são superiores. Os homens não podem pensar
como deus porque deus é eterno. É dessa tradição clássica e judaica que vem
a vaidade (KARNAL, 2013). E seguindo, trará outro elemento desse imaginário
construído do diabo/demônio. Ele traz a discussão do espelho como um grande
elemento do demônio. [...] A igreja medieval nos alerta que há um demônio em
cada espelho que atrai. Um espelho atrai todas as pessoas que nelas olham .
(idem, 2013). Todo esse conjunto de elementos que envolve essa construção
produz um imaginário social de deus e diabo.
Em seu livro “O Éter Deus e Diabo”, Wilhelm Reich trabalhou a dicotomia
entre deus e diabo e o círculo vicioso que esse processo produz no ser
humano:
[…] O reino do diabo constituí um círculo vicioso. Quando mais você luta para sair mais você fica preso a ele. Isso não é […] uma piada. É extremamente sério. O diabo é uma função essencial no animal encouraçado, o homem. […] O homem encouraçado está impedido de fazer contato direto com a natureza, as pessoas, os processos. Portanto desenvolve um contato substituto, que caracteriza basicamente pela falta de autenticidade. Quanto maior for uma cidade, mais solitário o indivíduo dentro dela. (REICH, 2003, p.137)
89
O que Reich aponta é o que outros autores também escrevem de
diversas formas, está ligado diretamente à liberdade, à autonomia ou ainda à
emancipação humana. Seres humanos presos a essa crença constroem uma
concepção de mundo que os aprisiona, os aliena, e, assim, continuam a
reproduzir a estrutura social vigente. Esses mecanismos psíquicos acabam
criando um arcabouço, no qual, os seres perdem a dimensão do que é o seu
processo de DEVIR. Acabam se acomodando, achando que tudo é obra
externa, que não são sujeitos do processo, fazedores da história humana.
E, o autor segue descrevendo essa dicotomia entre deus e diabo e seu
poder de reprodução.
[…] O que há de triste em tudo isso é que, no interior da estrutura da existência do homem encouraçado, tudo é lógico e correto. Visto que uma camada de maldade se interpola entre o cerne profundo, natural (“Deus”, “Jesus”, o bem, a “alma” etc.) e a aparência superficial, há uma exclusão da “bondade” original, que se torna inacessível. Portanto é bastante lógico e correto que as emoções sejam consideradas “más” e o intelecto “bom”. A coexistência e a cooperação das emoções sadias e intelecto sadio são inseparáveis. Todas as instituições de animais humanos encouraçados estão engendrados nessa dicotomia. […] Os maus instintos estão condensados sob o título de DIABO, as exigências morais sob o título de DEUS. Assim, Deus está combatendo o diabo e o diabo tenta eternamente o pobre homem a pecar contra Deus. (idem,138)
Os principais propagadores dessa dicotomia foram: as artes, a literatura
e todos os elementos que desempenham um papel de difundir as ideias do
imaginário que se misturava entre o que a Igreja pregava e o que era de cunho
popular. O conjunto de crenças perpassou tempo e espaço. Não foi somente a
Igreja católica que trabalhou com esse imaginário, mas o conjunto de todas as
religiões existentes relacionaram a existência do mal com o diabo/demônio.
(MUCHEMBLED, 2001, p.41)
90
[…] A imagem sobre-humana de satã é, antes de mais nada, uma propaganda produzida pelos doutos e difundida pelos criadores, escritores, eclesiásticos em seus sermões ou em contato com os fiéis. A ideia que nos ocorre é de que o exagero sistemático de traços demoníacos revelou-se necessário para apagar os caracteres um tanto inquietantes demais do diabo ludibriado, sentindo e sofrendo como um humano, evocado ao mesmo tempo por pessoas do povo e pelos letrados que mantinham mais próximo dessa tradição. (MUCHEMBLED, 2001, p. 45)
Foi assim que a partir do século XV, surgiu a demonologia, uma verdadeira
ciência do demônio, que lentamente começou a recobrir insensivelmente as crenças
da grande maioria da população, nesse âmbito.
[…] A imagem do diabo transformou-se radialmente no final da idade média. Nascida ao mesmo tempo, da imaginação popular e dos monges, ele fazia parte até então de duas tradições pouco conciliáveis, mesmo sendo frequentes trocas que operavam ente elas. [...] O movimento maior vinha de um catolicismo conquistador, (Idem, Ibidem)
Contudo, a igreja católica usou esse imaginário em suas práticas
educativas principalmente na doutrinação do corpo. Na construção do diabo,
ele foi relacionado com o corpo e com todas as formas de prazer27.
Também nessa relação deus e diabo destaco a construção do céu e do
inferno, os quais congregam esse imaginário.
[…] O inferno foi, por antítese, uma visão absoluta do supremo poder de punir, delegado a deus. Por outro […] A cultura
27 Não aprofundaremos essa discussão sobre prazer, pois só ela em si já demanda uma outra tese, contudo, destacamos que o prazer está intimamente relacionado com o pecado. Historicamente, ele é negado aos humanos numa sociedade de classes, onde se necessita de seres humanos alienados/dominados/explorados, uma premissa é que isso acontece, pois o prazer produz transcendência e eleva a condição humana podendo levar a uma libertação, algo que não é permitido para esse mundo, que se funda no sofrimento/na dor e no desespero. Essa “salvação” é obra de deus e só se adquire pós a morte. O que faz com que os seres crentes nisso acreditem que a felicidade só existe no paraíso, aceitando com resignação aquilo que é seu “destino”.
91
demonológica que estava sendo construída fundamentava, assim, sua argumentação em concepções imediata e fisicamente compreensível pelos interessados. (MUCHEMBLED, 2001, p.46)
As mudanças sociais e culturais que seguem a implementação do novo
modo de produção, o capitalismo, provocam mudanças sociais e religiosas,
entre elas a divisão dos cristãos entre católicos e protestantes (séc. XVI). A
Igreja precisa se reorganizar dentro da nova ordem e move-se
estrategicamente para manter-se hegemônica, sofrerá abalos no século XIX
com a teoria da evolução de Darwin.
[…] A teoria da evolução reenvia a criatura adâmica à sua origem animal. Essas feridas […] tornam-se mortais quando os homens aprendem que eles mesmos fazem sua história em condições que não escolheram. Deus é, de certa forma, a primeira vítima colateral da luta de classes no cenário da história profana. (BENSAID, 2013, p. 34)
É um período de efervescência da ciência, um tempo de profundas
mudanças sociais, uma reviravolta nas crenças, o homem passa a estar no
centro do universo, Deus sofre grandes ataques, um conjunto de estudiosos
pesquisam a religião, entre alguns, destaco, Karl Marx, Friedrich Engels,
Ludwing , Bruno Bauer, Ernst Bloch, que produzem muitas leituras e críticas
sobre esse fenômeno social. Nessa realidade a Igreja Católica se reorganiza e
reformula, se modifica, sai da relação com o Estado absolutista e passa a
construir uma relação com o Estado burguês, como vem fazendo ao longo de
sua história como aparelho ideológico28.
Portanto, essa discussão acerca da dicotomia bem e mal ganha nova
força e forma no século XXI, principalmente com o nascimento das religiões
neopentecostais no último quarto de século XX no Brasil e na América Latina.
28 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. 2° edição. Rio de Janeiro: Graal, 1985. Para ele a Igreja. Como instituição religiosa é um aparelho ideológico do Estado. (p. 68)
92
As igrejas nascidas sob essa vertente atualizam essa dicotomia. No cerne de
suas pregações esses elementos principalmente o diabo retomam sua
centralidade e atualizam elementos que eram constitutivos da igreja na idade
média.
O diabo passa a fazer parte das pregações e permeia o conjunto de
práticas sociais que compõem essas Igrejas neopentecostais.
O que antes era o inimigo, ou seja, o diabo, e que era materializado
pelas religiões pagãs, por outras religiões, ou mesmo pelo cristianismo primitivo
que não a religião católica apostólica romana, hoje se atualiza, pela
perseguição à Umbanda, ao Candomblé, às religiões espíritas e aos católicos.
(MARIANO, 2012, p. 109-146). Esse processo é nada mais que o próprio
movimento dessa realidade. Pois como explicitou Karl Marx no século XIX, “o
homem faz a religião” (MARX, 2010, p.145), e cada tempo produz a religião
necessária para constituir a ideologia de reafirmação das relações de
dominação e exploração.
No Brasil do século XXI, as religiões neopentecostais ganham “corpo”,
“força” e “massa”, se constituem, e a partir de suas práticas educativas
reformulam a crença em deus e no diabo, e os revivem e os revigoram no
sistema psico-social dos seres sociais pertencentes às evangélicas.
A batalha entre o bem e o mal é retomada, e os neopentecostais […]
creem que o que passa no “mundo material” decore da guerra travada entre as
forças divinas e demoníacas no “mundo espiritual”. Guerra, porém, que não
está circunscrita apenas a Deus/anjos X Diabo/demônios. (MARIANO, 2012, p.
113). Esse processo produz o que Mariano chama de “Guerra Santa”.
Nesta perspectiva segundo este autor […] os evangélicos identificam as
entidades da umbanda, os deuses do candomblé e os espíritos do kardecismo
como demônios, os neopentecostais vão bem mais longe ao vê-los como
responsáveis diretos por uma infinidade de males, infortúnios e sofrimentos.
(Idem, p. 115). Em seu livro Mariano descreve os sintomas dos endemoniados:
93
[…] apresentam sintomas. […] nervosismo, dores de cabeça constantes,
insônia, medo, desmaios ou ataques, desejo de suicídio, doenças cuja causa
os médicos não descobrem, visão de vultos ou audição de vozes, vícios e
depressão. (2012, p. 115)
Como na Idade Média, que em nome da caça às bruxas e aos hereges,
foram perseguidos e assassinados muitos seres humanos, principalmente, as
mulheres, hoje, esse processo volta não igual, porque a realidade não se
repete, mas com elementos comuns, ou seja, os endemoniados apresentam
sintomas e isso me reporta às descrições do Malleus Maleficarum (O Martelo
das Feiticeiras) que foi escrito em 1486 por dois monges dominicanos – o
manual ou um dos manuais da Inquisição.
Ambos os tempos históricos apresentam esses elementos, o que chama
atenção é que hoje, a ciência e tecnologia já descrevem tratamento para essas
“males”, contudo, o que se apresenta é o não acesso a esse conhecimento
pela massa da população que compõe essas Igrejas. Também está presente
sua leitura de mundo, esse processo de alienação que delega todos os
poderes ao sagrado, ao externo, tirando completamente a responsabilidade
humana dos atos, causas, efeitos e consequências. Colocando ainda mais
presente a relação de submissão. Desvela a religião como mecanismo de
controle social, de manutenção do “status quo”.
Assim, a relação de deus e diabo introduz elementos no processo de
educação humano que veremos a seguir. Entre eles, destaco a educação para
a obediência, uma educação para a submissão/subordinação. Uma educação
para adequação dos seres sociais frente as formas de organizações sociais
propostas pela Igreja e pelo Estado.
94
95
4 DO PROTESTANTISMO AO NEOPENTECOSTALISMO: A PRÁTICA EDUCATIVA NA PERIFERIA.
É interessante historicizar a discussão acerca das religiões
neopentecostais. Compreendê-las na realidade atual.
Pesquisei a religião protestante, que é a gênese do que hoje chamamos
de neopentecostalismo. Aqui, trabalho com dois enfoques: o primeiro são as
matrizes do protestantismo e o segundo sua ligação com o aspecto
socioeconômico e educativo. Qual foi o papel da religião neste momento? Qual
sua prática educativa na periferia?
Neste sentido abordar historicamente a religião neopentecostal requer
entender na sua gênese, que neste caso, nos remete ao Protestantismo do
século XVI. Tomo como referência a Obra de Max Weber, A Ética Protestante
e o Espírito do Capitalismo (1904).
Nessa obra, o autor desenvolve uma abordagem histórica que explicita o
papel do protestantismo na consolidação do capitalismo. Numa interpretação
inicial, esta aparecerá como mudança, mas depois se constitui como reforma, a
qual serve para conservar o sistema que está se constituindo, deixa a
possibilidade de transformação à religião. Na perspectiva weberiana, a religião
cumpre o papel de moldar, de constituir um processo de educação que
desenvolve naquele momento histórico um sujeito social que assume o
trabalho como virtude, como graça e não como mecanismo de exploração do
homem pelo homem.
Os elementos a serem destacados são os que me chamaram atenção,
pois nas leituras pareceram muito atuais, é o elemento da “graça” e da
“salvação” e desse “casamento” entre religião e modo de produção, aparece a
religião como elemento de amoldamento social, que designo na pesquisa como
96
“educadores da sociedade”. Também, o Protestantismo e seu papel na
constituição e consolidação do modo de produção do capital (WEBER, 1992).
A religião protestante nasce da crise da igreja católica que, em sua raiz,
era ligada a uma classe: a burguesia. No processo de sua gênese o
Protestantismo era praticamente a religião do capitalismo. (WEBER, 1992).
O caráter inicial do protestantismo reorganiza o controle ideológico, que
até então estava sob a tutela da igreja católica. A reforma não teria implicado
na eliminação do controle da igreja sobre a vida cotidiana, mas antes na
substituição do controle vigente por uma nova forma. [...] (WEBER, 1992, p. 20)
É importante contextualizar esses elementos, pois é desse processo que
se constituiu o Pentecostalismo e após o Neopentecostalismo. Darei ênfase ao
neopentecostalismo por ser objeto de estudo. Para isso, faz-se necessário
entender brevemente aspectos centrais da história, como conceitos e como
atuam as religiões neopentecostais.
O Neopentecostalismo, uma das vertentes do pentecostalismo, nasce
nos Estados Unidos da América, país com raízes fortes no Protestantismo.
(COELHO, 2004)
No Brasil, numa perspectiva histórica, este movimento religioso se inicia
em meados do século XX, [...] o neopentecostalismo brasileiro foi, virtualmente,
importado. Aparentemente, sua origem está atrelada à chamada confissão
positiva e ao evangelho da prosperidade, nascidos nos Estados Unidos, no
início do século XX. (ALMEIDA JUNIOR, 2008, p. 151).
É importante destacar que entendo Neopentecostalismo como:
Movimento surgido em meados do século XX que enfatizava o batismo com o
Espírito Santo e os dons espirituais, dinamizando o método litúrgico e incluindo
em sua teologia, doutrinas rejeitadas pela fé apostólica e ortodoxa (COELHO,
2004, p.3).
97
[…] O termo neopentecostal, apesar de consagrado, dá margem a certas confusões. Nem todas as centenas de novas denominações pentecostais que surgem são neopentecostais. O “neo” se refere à forma de ser pentecostal, e não ao tempo em que surgiu a Igreja. Devido ao sucesso, ao profissionalismo de sua aplicação e, especialmente, à crise da modernidade, práticas neopentecostais, como “declaração” de vitória e prosperidade, cânticos triunfalistas, segmentação de “mercado”, especialização litúrgica em torno de determinados temas como casamento, trabalho e doenças, estão presentes em qualquer tipo de igreja evangélica, e até mesmo em algumas católicas. (Lopes Júnior, 2012, s/p. Grifos meus)
O lugar de atuar das religiões neopentecostais foi inicialmente a periferia
urbana, que atingiu as pessoas mais pobres e atualmente a também classe
média. Seu objetivo principal é a prosperidade material de seus participantes.
Isso ocorre a partir da Teologia da Prosperidade: “nasce nos EUA 1949 com o
foco na cura, na prosperidade e na fé. No Brasil surge em 1970. É um das
bases do Neopentecostalismo. Destacam-se dois aspectos: Um novo conceito
de fé e a ênfase no consumo. Nela prosperar além de permitido é incentivado,
também é desvalorizado o sofrimento terreno.” (SANTOS, 2006, p.14).
A chamada “Teologia da Prosperidade”, para muitos evangélicos mera “teoria”, é uma formulação doutrinária moderna, surgida, como vimos, no pentecostalismo americano. Proclama a “plenos pulmões” que o crente que tem consciência e que possui a fé verdadeira desfruta o direito, como uma licença especial conferida pela divindade, de impor e exigir do próprio Deus o cumprimento das bênçãos prometidas no ambiente a aliança. (ALMEIDA JUNIOR, 2008, p. 155)
A sua prática está extremamente envolvida em problemas sociais do
cotidiano, principalmente, as questões voltadas a saúde, emprego, moradia,
etc. O jeito de trabalhar envolve principalmente cultos, foco na bíblia e a
centralidade está no espírito santo. As pessoas que fazem parte são chamadas
de obreiros.
98
4.1 A Igreja do Evangelho Quadrangular
O texto a seguir trabalha com a centralidade na Religião Quadrangular,
que é o estudo de caso feito para essa tese, o descrever e analisar o papel
desta Igreja, seu trabalho e o seu processo de educação na periferia de
Pelotas/RS.
Mariano (2012, p.28) escreve sobre As três ondas do pentecostalismo
brasileiro. Conforme o autor, a Igreja do Evangelho Quadrangular nasce na
segunda onda das Igrejas Evangélicas brasileiras, iniciada no final dos anos de
1950 e começo dos anos de 1960. Em meus estudos, a coloco junto das
neopentecostais, pois ao estudar, observo que essa igreja hoje está mais
alinhada com os preceitos neopentecostais porque traz em sua centralidade a
teologia da prosperidade. Trabalha com a “graça” e a fé. Trabalha ainda com
centralidade na evangelização através da cura divina.
A discussão das ondas é uma delimitação usada por Mariano (2012),
como uma forma de separar as religiões, contudo na atualidade os elementos
se atravessam, as religiões que eram pentecostais trazem elementos
neopentecostais. Este é o aspecto que observo nesta periferia.
A escolha pela Igreja do Evangelho Quadrangular se deu por dois
motivos, o primeiro é que a base social com a qual desenvolvi uma prática
social na periferia, em sua maioria, ou já havia passado ou ainda ou estava
nessa religião. Assim, também era o espaço com maior facilidade para poder
construir a pesquisa.
Essa religião nasce nos Estados Unidos da América na década de 1920
(MARIANO, ibidem, p. 30) e vem para o Brasil, e como trabalho a relação entre
a Igreja e a reorganização do capital, parto do pressuposto que cada tempo
99
histórico tem a religião necessária para aqueles sujeitos sociais de determinada
época. Assim, a crise do capital da década de 1970 traz consigo também uma
mudança nas relações religiosas, constituindo a necessidade de uma nova
religião, ou de novas formas de fazer religioso que dessem conta das
demandas atuais dessa reorganização.
Na periferia de Pelotas, no bairro Pestano, a Igreja do Evangelho
Quadrangular está situada em uma das ruas mais movimentadas, uma rua não
calçada, onde passa ônibus. É uma igreja modesta, simples, como todas as
casas que ali estão. As pessoas que dela participam na maioria são mulheres
chefes de família Há atividade quase todos os dias na Igreja, menos na
segunda-feira. A igreja é um centro de relações, espaço de partilhar a vida e
um dos únicos locais de lazer. Foi a única organização que presenciei naquele
espaço fazendo um trabalho junto com aquele povo, fazendo uma prática social
educativa.
Nesse sentido, “o estopim é a chegada da Igreja Quadrangular, com
seus métodos arrojados, forjados precisamente no berço dos modernos meios
de comunicação de massa, a Califórnia do entre-guerras” (FRESTON, 1994,
p.72). Essa Igreja do Evangelho Quadrangular - 1951 foi fundada por dois
norte-americanos no Brasil, sendo que essa deu origem para as varias outras
como: Brasil para Cristo (1955), da qual saiu a Casa da Benção (1964), A
Universal (1977) entre outras. (Mariano, 2012, p.25)
Há um crescimento dos evangélicos no Brasil, como apontam os dados
do IBGE, ou seja:
De acordo com dados do Censo 2010, o cenário pentecostal contemporâneo apresentaria a seguinte distribuição da população brasileira16: 48,5% dos pentecostais são filiados à Assembleia de Deus; 9% à Congregação Cristã do Brasil; 7,3% à IURD; 7,1% à IEQ e 3,3% à Deus é Amor. No entanto, ao se considerar a Região Metropolitana de Belo Horizonte o arranjo pentecostal se apresenta distinto17: 25% dos pentecostais são filiados à IEQ; 19% à Assembleia de Deus; 10% à IURD; 7% à
100
Deus é Amor e 2,5% à Congregação Cristã do Brasil. Em ambos os níveis em que se observa o número de adeptos da Igreja do Evangelho Quadrangular se encontra percentuais significativos, sendo que no contexto nacional a IEQ se apresenta como a quarta maior igreja pentecostal (1,8 milhões de adeptos em números absolutos) […] (ALEIXO, 2014, p51-52)
Essa nova realidade produz um aumento religioso dessa vertente na
periferia – espaço fértil de constituição de novas religiões ou mesmo de
mudança das que estão produzindo sua prática educativa.
[...] a Igreja do Evangelho Quadrangular, o aspecto litúrgico do neopentecostalismo remonta a Raymond Boatright, que introduziu no culto, instrumentos musicais que só se empregavam em shows, como guitarras elétricas e instrumentos de sopro, bem como o cântico de corinhos no estilo country. Surgiram os cultos carregados de intensa emoção, e sob som em alto volume. O aspecto de festa e liberação das emoções começou a se rotinizar. Os ingredientes estavam postos: sinais, milagres, prodígios e emoções afloradas, bem como a rejeição de qualquer teologia que pudesse analisar o movimento. Este estava acima da crítica e do questionamento. (COELHO, 2004, p.5)
Neste sentido os cultos
[...] baseiam-se em ofertas especializada de serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico e taumatúrgico, centrados em promessas de concessão divina de prosperidade material, cura física e emocional e de resolução de problemas familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade.(MARIANO, 2004,p.124)
Sobre o culto, aprofundarei nos capítulos que seguem, pois ele é uma
das práticas educativas das neopentecostais na periferia.
Alguns autores situam o pentecostalismo e neopentecostalismo em três
movimentos, ou seja, um no início do século XX, em torno de 1910
101
(Congregação Cristã em 1910 e Assembleia de Deus em 1911), o outro por
volta de 1950/60 {a Igreja do Evangelho Quadrangular 29 (1953, SP), Brasil
Para Cristo (1955, SP), Deus é Amor (1962, SP) e Casa da Bênção (1964,
MG)) e o último por volta dos anos 1970 em diante (Reino de Deus (1977, RJ),
a Internacional da Graça de Deus (1980, RJ), a Comunidade Evangélica Sara
Nossa Terra (1976, GO) e a Renascer em Cristo (1986 SP)}. (MARIANO, 2004)
O neopentecostalismo rompe com boa parte o ascetismo do
protestantismo, e também com um conjunto de elementos que compunha o
protestantismo e o pentecostalismo, como por exemplo o uso e costumes,
principalmente as questões comportamentais, pois passaram a consumir uma
série de mercadorias que anteriormente eram consideradas “pecado”, tais
como tipos de vestimenta, maquiagem, objetos eletrônicos, entre outros.
Assim, as religiões neopentecostais atuam desde sua gênese na
periferia urbana e será este o ponto de partida para entender as práticas
educativas.
29 No Censo 2000, a Igreja do Evangelho Quadrangular, a quinta maior denominação evangélica do país, tinha 1.318.805 adeptos, a Deus é Amor, 774.830, a Brasil Para Cristo, 175.618, e a Casa da Bênção, 128.676. (MARIANO,2004, p.135)
102
4.2 EDUCAÇÃO E TRABALHO: DA INDISSOCIABILIDADE DO PROCESSO
O objetivo é conceituar o trabalho na perspectiva abordado por
Mészáros (2005) na indissociabilidade do trabalho e educação.
A constituição da relação entre educação e trabalho parte do movimento
da sociedade da reorganização do capital, por isso, esse estudo é um recorte
circunscrito com enfoque a partir da década de 1960/70, com o marco do início
da crise do capital, no Brasil, e numa realidade de periferia.
Nesse processo de crise do capital no fim do século XX e na
necessidade de se constituir um ser social que dê conta de atender e de
responder às necessidades atuais do capital as práticas educativas
neopentecostais nascem como aspecto que operacionaliza esse processo de
educação.
A partir desta compreensão, é importante olhar para o trabalho e as
religiões neopentecostais, justamente, para percebermos como este forja estes
sujeitos, como se dá seu processo de formação e quais as relações que o
trabalho estabelece no seio da nossa sociedade atual.
No final do século XX, com a entrada do neoliberalismo30 que traz um
conjunto de medidas politicoeconômicas que vão contribuir para a
implementação e intensificação da reestruturação produtiva (modelo toyotista),
há um processo de reorganização da produção em função da crise da
acumulação da década de 1960/1970.
[…] Com a crise estrutural do capital, em meados da década de 1970, ocorre no centro dinâmico do sistema mundial do capital, com destaque para EUA, Europa Ocidental e Japão, um processo de reestruturação capitalista que atinge as mais
30 Emergência do Movimento foi uma decorrência do desemprego estrutural motivado pela direção dada ao processo de desenvolvimento capitalista, a partir de meados de 1970. Este processo ficou conhecido como Neoliberalismo
103
diversas instâncias do ser social. É no bojo deste processo sócio-histórico que surge o novo complexo de reestruturação produtiva que atinge o mundo do trabalho organizado. (ALVES, 2007, p155)
Tudo isso introduziu um novo modelo de organizar e de produzir as
mercadorias. Este modelo, que é flexível no sentido de pulverizar no mundo a
produção de bens e implacável na exploração, exige a incorporação dos seres
sociais para além da produção, precisa engajá-los, fazê-los ‘vestir a camiseta’,
ganhando pouco, mas estando ali inteiro, o que aprofunda a personificação do
capital. Isso traz mudanças sociais. Dentre elas, as possibilidades de um
trabalhador, pelo seu trabalho e com algum estudo, ascender social e
economicamente vão ficando cada vez mais restritas e consequentemente
criam-se novas necessidades de organização social.
[...] O desenvolvimento do modo de produção capitalista-industrial ocorre através de intensos processos de reestruturação produtiva. Há pouco mais de duzentos anos, o capitalismo moderno é atingido por processos de reestruturação produtiva que alteram objetividade (e subjetividade) do mundo do trabalho. (ALVES, 2007, p. 155)
A reestruturação produtiva do capital, durante o século XX, foi um longo
processo, marcado pelas inovações fordistas-tayloristas, em que mutações
sócio-organizacionais e tecnológicas modificaram as formas da produção de
mercadorias nos mais variados sub-setores da economia envolvidos na
indústria, na agricultora e nos serviços. As principais ideologias orgânicas da
produção capitalista neste século, a partir do destaque de Henri Ford e F.
Taylor conformaram os processos e os “modelos produtivos” após 1905,
racionalizando o trabalho capitalista lenta, desigual e combinadamente. Estas
alterações atingiram de modo diferenciado aos países e regiões, setores e
empresas até meados da década de 90.
104
O que surge hoje, com o novo complexo de reestruturação produtiva, o toyotismo, é tão-somente mais um elemento compositivo do longo processo de racionalização da produção capitalista e de manipulação do trabalho vivo que teve origem com o fordismo/taylorismo. (ALVES, 2007, p. 155-156. Grifo meu)
O século XXI apresenta especificidades no desenvolvimento das forças
produtivas, pois aglutina a centralidade dessa discussão sobre a alienação ou o
estranhamento frente ao próprio trabalho humano. […] Eles articulam, no plano
da subjetividade da produção capitalista, um novo regime de acumulação
centrado no principio da flexibilidade (categoria central da acumulação
capitalista num cenário de crise estrutural)” (ALVES, 2007, p. 157). Este
processo de alienação que é produção humana frente à forma que se organiza
a sociedade e o trabalho, generalizam-se na década atual.
Para desenvolver o processo de pesquisa, trabalho com essa
indissociabilidade das categorias de trabalho e educação, essa relação que
ambas possuem e que aprendo a partir de Mészáros:
[...] a idéia de universalizar o trabalho e a educação, em sua indissociabilidade, é muito antiga em nossa história. É, portanto muito significativo que essa idéia tenha sobrevivido apenas como uma idéia bastante frustrada, dada que sua realização pressupõe necessariamente a igualdade substancial de todos os seres humanos.” (2005, p. 68)
Para este fim umas das matrizes que utilizo é a pedagogia marxista que
tem sua concepção na omnilateralidade. Esta concepção parte de princípios
educativos, entre os quais destacamos o trabalho como uma categoria
fundamental. O trabalho, nesta perspectiva, é desenvolvido desde a discussão
do Livro O Capital (1998) em Marx, como princípio fundante do humano, e
desenvolvido em sentido pedagógico por Moisey Pistrak na Escola Comuna,
que se desenvolve com base no trabalho, na auto-organização e na atualidade.
Tais princípios se desenvolvem e são experienciados pelos mais diferentes
105
educadores sociais do mundo no século XX, e a partir desses teóricos nasce
uma compreensão da construção de uma Educação Pra além do Capital
(2005), desenvolvida por István Mészáros.
Esta compreensão está em nosso horizonte político-pedagógico, numa
perspectiva de uma Educação Para Além do Capital, no sentido que
fundamentamos com Mészáros (2005), ou seja, a educação é uma das
ferramentas para transformar esta visão de mundo constituída no capital, mas
ela não nascerá nova, ela deve ser gestada dentro do velho modo de
produção.
Por isso, para Mészáros (2005), as mudanças não podem ser formais,
mas essenciais, ou seja, possibilitar o sujeito a aprofundar a leitura de si e do
mundo, contribuir para o desvelamento da sociedade e dos homens e
mulheres, sendo o mais concreta possível. A educação para além do capital
deve ser para a vida, uma educação integral, que eduque os sujeitos nas suas
diferentes dimensões.
Outra referência que me fundamenta é a contribuição da Educação
Popular no Brasil que se gesta aproximadamente a partir de 1950,
representada nas obras de Paulo Freire.
Para Paulo Freire (2001), toda educação é um ato de político, é uma
forma de intervenção no mundo. Afirma que somos seres com a vocação
ontológica de ser mais. Explicita que a história é feita pelos homens, que nada
é determinado. A história é possibilidade, e somos frutos dessa história, ou
seja, somos sujeitos históricos. Seu objetivo é formar sujeitos conscientes de
historicidade para a transformação social.
Entender essa conceituação de educação é fundamental para poder
analisar criticamente a prática educativa na periferia. Portanto, o princípio
orientador da prática social pela qual me oriento a é educação popular, que é
entendida como: “[...] um instrumento de contribuição imediata a uma efetiva
participação popular em processos de transformação da sociedade classista e
opressora [...]”. (BARREIRO, 1980, p. 28). Portanto,
106
É uma prática que se dá, necessariamente, junto às classes subordinadas. Ela tem uma meta: a transformação. Trata-se da transformação das condições materiais e das condições simbólicas ou subjetivas que produzem e reproduzem, cotidianamente, as relações de subordinação entre as classes que concentram o capital econômico e político e as classes que são destituídas desses capitais. [...] (CAMP, 2007, p.13).
Constituindo-se a educação popular como:
Um processo educativo que se vincula de forma estreita à ação organizada das camadas populares, visando contribuir para a construção de uma sociedade em e de acordo com os seus interesses. Ela é, portanto, um processo criativo, sistemático e intencional. (PALUDO, 2001, p.100).
Esta experiência produz aprendizados individuais e coletivos. Isso está
diretamente ligado a algo central nessa formação e educação que é a
religiosidade que produz o sujeito e que o sujeito produz a Religião.
Este processo está intimamente ligado a alguns elementos importantes
que fazem parte da constituição do pedagógico que produz nas suas formas de
ser e agir frente a realidade, formas essas que não estão isoladas, mas que
são necessidades individuais que se juntam coletivamente.
Não se pode pesquisar práticas educativas e não conceituar educação e
trabalho, ou seja, não trazer a categoria trabalho, principalmente, quando o que
está em discussão é entender o processo de formação do povo da periferia.
Ao estudar a história do ser humano aprendi que o trabalho foi essencial
para o seu desenvolvimento, foi a partir dele, que os homens e mulheres se
humanizaram. Segundo Marx (2008), o trabalho é uma categoria histórica
chave, efetiva de análise das relações sociais de produção da sociedade.
Analisando tais relações, Marx constata que o homem ao trabalhar transforma
a si mesmo e a natureza: uma relação orgânica e dialética entre homem-
107
natureza e natureza-homem. Para o autor, o trabalho humano é o que visa um
resultado útil, desenvolvendo ação e reflexão, é a produção do ser humano.
No capitalismo, as relações sociais regem-se pela expropriação /
exploração / opressão do trabalho, imprimindo as leis da mercadoria à
produção humana e fazendo do trabalho vivo apenas “esteira” de sua
reprodução. O trabalho vivo, corporificado no trabalhador, só importa em sua
capacidade de transformação quando está submetido às leis de compra e
venda da força de trabalho logo, como mercadoria. É uma autoalienação, “um
processo de estranhamento”, como destaca Mészáros (2006) em sua obra, A
teoria da alienação em Marx .
Nesta pesquisa, o trabalho que é fundante do humano, tem uma
relevância, pois é através dessa contradição trabalho X capital que situo as
religiões neopentecostais, justamente, por entender que o trabalho é um nexo
central do capitalismo.
Logo, analisando o trabalho nesta perspectiva, busquei a partir das
leituras conceituar o que compreendo por trabalho e me remeto a alguns
autores como, por exemplo, Gramsci (1932) que parte do trabalho como um
princípio educativo, ou seja, a matriz do ser humano. O trabalho é mais do que
uma atividade – dá sentido ao humano e à sua formação. Ele desenvolve a
teoria da Práxis (Prática – teoria – prática), na qual a ciência e as correlações
de força constituem hegemonia.
É nesse contexto das relações sociais de produção capitalista que faço a
análise do processo educativo o qual ocorre nas práticas educativas
neopentecostais. As religiões neopentecostais em sua prática não explicitam o
trabalho como matriz de formação, contudo, este permeia toda a reprodução
social, porque a teologia da prosperidade atrela o trabalho aos ganhos
financeiros – a prosperidade é material.
A partir disso, surgem algumas questões. Quem são as trabalhadoras
que estão nas religiões neopentecostais? Que características sociais
108
possuem? O que nos desafia a pensar o trabalho também neste processo
social religioso e como este se liga á lógica do capital.
O marxismo se apresenta, nas palavras de Jameson (1999, p.187),
como uma “ciência do capitalismo” por excelência em função de conectar o
conhecimento e a prática, porque seu compromisso não é meramente
científico, ele tem sua epistemologia ancorada nas bases reais dos homens. E
seu valor é o de promover ferramentas filosóficas e teóricas fundamentais para
o campo da prática social dos trabalhadores. Isto é importante, pois as religiões
neopentecostais, enquanto sujeito coletivo, demarcam sua força social e
política na luta hegemônica e disso a “relação pedagógica”, da forma como
Gramsci (2004, p. 399, v.1) aprofunda a formação humana política e ideológica
de classe e na luta de classes.
A compreensão de Gramsci está diretamente imbricada à educação e
seu processo de socialização de conhecimentos e saberes, a religião também
é espaço de produzir modos de ser. […] Em outras palavras: os seres
humanos que compartilham uma religião compartilham-na ao mesmo tempo
em que estão numa vida coletiva, com múltiplas dimensões imbricadas,
ligadas, relacionadas entre si”. (SILVA, 2010, pg. 117)
Na prática social das religiões neopentecostais, essas categorias
acontecem conjuntamente. Toda a prática traz intrínseco um trabalho político
pedagógico que tem uma intencionalidade.
De acordo com Cunha (2010)
As relações políticas e ideológicas que constituem a partir da base econômica e nas classes antagônicas se manifestam nas “correlações de forças sociais e políticas” em que se travam “os projetos de classes distintos no seio da sociedade do capital”.(p. 61-62)
A partir do pensamento de Gramsci (2002, p. 122) as perspectivas de
classe incidem sobre as correlações de forças sociais e políticas. Elas
109
dependem das condições objetivas da estrutura e da forma como os sujeitos se
concretizam como classe, ou classes, e de como elas se enfrentam quanto às
concepções do mundo e da vida [...].
Assim, as classes sociais, com objetividades contraditórias, antagônicas, portanto, históricas, concretizam-se em um movimento de dominantes e dominadas, governantes e governados, dirigente e dirigidos. As composições e conexões de força e de relações de domínio, direção e consenso, permitem analisar as formas políticas e históricas em que as classes sociais produzem-se vivamente e agem sobre a estrutura econômica. (CUNHA, 2010, p. 62).
Há ainda que considerar que nesse conjunto antagônico, insanável do
ponto de vista histórico e dialético, se conjuga o trabalho como uma categoria
fundante dos seres sociais.
Portanto, o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas da reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente. (MÉSZÁROS, 2005, p. 65)
Neste sentido, da concepção marxista decorre que a “efetiva
transcendência da auto - alienação” do e no trabalho se caracterize como uma
tarefa inevitavelmente educacional. É a partir desta premissa histórica que
buscamos integrar a prática produzida nas neopentecostais na
indissociabilidade do trabalho e da educação.
Ao fazer uma breve levantamento sobre essa perspectiva histórica,
descobri que os teóricos marxistas retomam uma idéia de educação para a
formação humana que se liga à Paidéia grega que era concebida como uma
educação integral, que ao promover a integração da cultura da sociedade e da
criação individual de outro processo cultural, influenciam-se recíprocamente.
110
Ou seja, a educação está centrada na formação integral. Interpretando isso,
diria que Paidéia é um projeto político pedagógico para participar da vida
pública.
Após, MARX e os marxianos acrescentam a concepção da dimensão
social e histórica, pois compreendem que todos/as somos frutos do meio social
onde estamos inseridos, que a educação é um processo externo e interno.
Marx afirmou esta concepção no Prefácio a Critica a economia política “[...] não
é a consciência do homem que determina seu ser social, mas, pelo contrário, o
seu ser social que determina a consciência.” (Marx, 1983, p 24). As
circunstâncias, ao mesmo tempo formam e deformam, como diz Marx e Engels
no livro A Ideologia Alemã “as circunstância fazem os homens assim como os
homens fazem as circunstâncias” (MARX e ENGELS, 1991 p. 56).
Do mesmo modo ocorre a criação de conceitos como certo e errado,
pecado, bem e mal – circunstâncias que são, ao mesmo tempo, criadas pela
cultura e criadoras de seus preceitos morais. Neste sentido, o capítulo seguinte
aborda o centro ético moral das neopentecostais: Deus e o Diabo, e a história
de sua constituição e repercussão atual nas neopentecostais.
111
4.1 (O)CULTO e o CULTO: A CURA; A SALVAÇÃO E A GRAÇA
(O)CULTO e o CULTO: A CURA; A SALVAÇÃO E A GRAÇA é o item
que abre o último capítulo que compõe a tese. Parte essa, que compõe o
coração dessa pesquisa, pois se propõe a descrever, entender e analisar as
práticas educativas neopentecostais na periferia de Pelotas/RS.
Neste momento, trabalho com três práticas educativas neopentecostais,
abstraídas da realidade neopentecostal do Pestano, periferia de Pelotas/RS e
que se constituem a partir do trabalho de campo, no processo de pesquisa.
Na metodologia do estudo de caso, e trabalhando com a técnica de
entrevista semi-estruturada e anotações no diário de campo de observações
das diversas práticas da Igreja do Evangelho Quadrangular, vistei vários
espaços religiosos, sejam eles as reuniões de célula, os cultos, as atividades
recreativas, as rodas de conversa informais, os encontrso com as mulheres do
e no movimento, o trabalho cotidiano dos obreiros, a divulgação da palavra de
deus. Enfim, as diversas práticas que compuserem o universo do campo de
pesquisa.
As práticas educativas neopentecostais da periferia de Pelotas/RS que
destaco para serem analisadas e que dão sustentação à tese foram abstraídas
a partir das categorias encontradas na empiria das entrevistas e observações.
São elas:
A Igreja, como espaço/território, instituição, mas também como um dos
lugares de formação e educação do povo da periferia, sendo que todas as
suas proposições estão alinhavadas por um instrumento, a bíblia, a qual é
usada como uma “ferramenta” de evangelização desenvolvida no conjunto das
práticas educativas que compõem as neopentecostais. A bíblia é usada como
uma verdade única, absoluta. Espaço de dar testemunho, parte da pedagogia
do exemplo.
112
O Culto é um espaço e tempo para se destacar, pois nele, se
exacerbam o velho e o novo, o que é negado e o que se deseja. O culto é um
espaço de manifestação, de acolhimento, espaço de cultuar a simbologias,
espaço de educação. Local de encontro, de ser “escola”, num tempo
previamente planejado, anunciado e esperado.
Por fim, a Célula, lugar de conviver, conhecer e acompanhar as
pessoas, de construir relações sociais, de aprender valores, como a
cooperação, a solidariedade e o companheirismo, entre outros. Espaço de
fortalecer a família. Espaço de conquistar novas “ovelhas”, de propagar a
mensagem do evangelho, de formar liderança, de produzir um processo
educativo de ser professor e professora.
4.1 A Igreja
“A melhor coisa é a Igreja” (Maria)
[…] O divertimento e a distração representam um enorme papel nos ritos da igreja. A igreja age por métodos teatrais sobre a vista, o ouvido e o olfato (o incenso!) e, através deles, age sobre a imaginação. No homem, a necessidade de espetáculo — ver e ouvir qualquer coisa de não habitual e de colorido, qualquer coisa para além do acinzentado do quotidiano — é muito grande, é irremovível e persegue-o desde a infância até à velhice. Para libertar as largas massas desse ritual, dessa religiosidade rotineira, a propaganda anti-religiosa não basta, embora seja necessária. (TROTSKY, 2012)
As duas epígrafes versam sobre a Igreja e seu papel na vida das
pessoas e da periferia. Apontam a necessidade de entender esse fenômeno
social, além de fazermos como disse Trotsky acima uma propaganda anti-
113
religiosa. Esse fenômeno entre outros elementos que compõem a Igreja me
levaram a pesquisar o bairro Pestano, na periferia de Pelotas/RS. Neste bairro
a igreja tem um lugar de destaque. Neste texto, ela é e foi um dos elementos
que se destacou no processo de pesquisa, tendo em vista a dimensão de sua
importância na vida dos sujeitos pesquisados.
O processo de conhecer uma realidade requer muitos desafios, destaco
alguns que foram importantes na minha inserção na periferia, como: aprender
quem são os sujeitos que vivem ali? Como produzem sua existência? O que os
move? E como eles enxergam a realidade. Conhecer suas histórias, suas
dores, suas lutas diárias, suas necessidades. Ao mesmo tempo, não podemos,
ao conhecer, silenciar frente aos fenômenos sociais como o religioso e suas
implicações na vida prática desses sujeitos. A Igreja, acabou por se destacar,
por estar se alastrando feito um “rastilho de pólvora” e ir tomando conta de
onde passa. Como diz uma das entrevistadas […] “nem sempre gosto de ir à
igreja, mas ela deu um rumo para minha vida” (Ana).
Neste sentido “Quem frequenta ou vive na periferia das grandes cidades
brasileiras sabe que as igrejas pentecostais se multiplicam, a cada dia, como
os pães do milagre bíblico.” (FERNANDES, 2013, p. 2).
As mulheres que entrevistei comentam sobre a quantidade de igrejas no
bairro e uma delas em entrevista partilha: “[…] Agora tem um monte de igreja,
cada rua tem duas ou três. Tem tantas novas que já nem sei o nome .” (Sara).
Essa modificação no espaço também constrói um trânsito religioso, em cada
uma das conversas ou observações todos/as me afirmaram que passaram por
outras igrejas, e eu lhes pergunto por que trocaram de igreja e uma delas me
diz o seguinte:
[…] Igreja não é um comércio, veja pode ser que alguma sim, mas não é todas. Tem umas que tu vê que é comércio (cita a universal), ainda tem igreja que engana, mas não é só assim, muitas ajudam as famílias, tiram as pessoas do vício, das drogas, do álcool. (Judit)
114
O espaço da igreja é constituído como um espaço/território comunitário,
um território formado por relações sociais que se gestam pela prática social
desenvolvida na Igreja, onde um dos fundamentos é “todos somos irmãos”,
isso produz uma subjetividade, a qual se manifesta com um sentimento “não
estou só no mundo”. Uma das falas de entrevistas explicita esse “bem” que a
igreja produz nas pessoas “[…] Eu acho que se todo mundo fosse para a igreja
o mundo seria bem diferente, por que as pessoas vão se transformando,
transformam seu jeito de viver e tudo. Ensina a tratar todos com amor. “(Ana)
Se por um lado não propaga diretamente os valores da competitividade,
por outro lado, exacerba a questão dos indivíduos, produzindo uma
individualização do ser humano. Ao mesmo tempo que a Igreja produz essa
subjetividade de relações comunitárias, não mexe no cerne dos valores do
capital, ao contrário, os fortalece, como é o caso da família, da propriedade
privada.
A Igreja, tanto a instituição, como também o local de espaço de
formação e educação do povo da periferia, sendo que todas as suas
proposições estão alinhavadas por um instrumento, a bíblia, a qual é usada
como uma “ferramenta” de evangelização desenvolvida no conjunto das
práticas educativas que compõem as neopentecostais, principalmente essa
adaptação e abertura dos neopentecostais em relação a sua metodologia de
trabalhado popular, o que expressa desde a introdução da teologia da
prosperidade, como a abertura dos usos e costumes, a inserção de novos
valores como na ação concreta que foi conhecer a realidade brasileira, ou seja,
as origens de nossa formação social e religiosa. Isso produz um novo crente,
mais aberto, mais predisposto às mudanças necessárias à reorganização do
capital.
A igreja como um espaço de mudar o olhar, como um espaço para
crescer, para unir as pessoas no bairro, criar relações comunitárias, muda as
115
histórias de vida. A igreja com uma função social na comunidade discute os
problemas do bairro.
Na igreja lugar de aprender coisas “boas” e no terreiro “pode tudo”. A
igreja ensina que também tem o lado ruim. Ensina a “amar todo mundo”. A
Igreja “cuida” das pessoas, enfim como diz uma das participantes da igreja:
“Todo mundo que vai para Igreja se modifica”, logo, é uma das “educadoras
sociais” no bairro Pestano em Pelotas/RS, quem insinua que não é a Igreja que
educa, mas o próprio movimento que a Igreja propicia que “EDUCA”.
Neste sentido, a Igreja produz uma prática educativa, a qual tem uma
intencionalidade pedagógica de formar pessoas para divulgar (evangelizar) as
ideias da Igreja. Como é esse processo de educação? Caminha na lógica de
adaptação, de manutenção social – de um conformismo. Seu trabalho atinge
ambos os gêneros e todas as faixas etárias, mas as mais participativas são as
mulheres, a grande maioria, chefes de famílias. A igreja tem intenção explícita
de salvar almas, de conseguir ovelhas para Cristo e consegue atingir seu
objetivo. Quem é o Cristo? Cristo é a figura ideologicamente ligada ao bem e
tão respeitada quanto deus, os demais elementos antes presentes na igreja
católica como os santos são demonizados pelos neopentecostais. Como
chegar a Cristo? Pelo culto.
4.2 O Culto
O culto ao dinheiro tem seu ascetismo, sua renúncia, seu autossacrifício – a parcimônia e frugalidade, o desprezo dos prazeres mundanos, temporais e efêmeros; a busca do tesouro eterno. Daí a conexão entre o puritanismo inglês ou também do protestantismo holandês com o ganhar dinheiro. (MARX, 2011, p 175)
116
O culto é um espaço de formação de base para a Igreja, os seguidores,
os irmãos, os sujeitos que compõem o processo. Este ponto aborda elementos
encontrados no campo de pesquisa e aqui organizados para exposição como o
ritual e os símbolos e busca entender (o)culto e esse fazer que produz os
quadros dirigentes da Igreja. Os registros do Caderno de Campo foram
indispensáveis para a construção desta parte do texto. Neste sentido, eles
serão incorporados à escrita fazendo a referência à origem do registro
realizado em outro local e tempo, repeitando a autoria que por não ter sido
divulgada se demarca com o uso do formato itálico na letra.
É nos cultos que as pessoas se manifestam, contam suas histórias de
vida através de depoimentos, usam a voz para cantar e como um dos gestos
para exacerbar sua relação com os sagrado. Eles, os quadros, são o braço de
atuação da Igreja na periferia de Pelotas.
Repetindo o já escrito, por considerar fundamental digo que o culto é um
lugar para se destacar, pois nele se exacerbam o velho e o novo, o que é
negado e o que se deseja, espaço de manifestação, de acolhimento, espaço de
cultuar a simbologias, espaço de educação.
Neste local de encontro, de ser “escola”, há uma intenção explícita
percebida numa das primeiras observações: […] durante o culto, os louvores,
os hinos, tem o foco na auto-estima, motivam as pessoas, motivam a relação
com deus e a relação com a família. O culto é cheio de momentos, com rituais
e com muito uso da palavra seja pela música, pelos depoimentos, seja pela
leitura da bíblia, pelo sermão (Caderno de campo, janeiro de 2014).
Reconhecer-se no outro, os mesmos problemas, exemplo, desemprego,
álcool, drogas, violência familiar, doenças, entre outros, é outro recurso
utilizado durante o culto com destaque.
No Diário de Campo (Janeiro de 2014) encontro que […] muitos vão
buscar alívio e cura para seus males, desde um simples mal- estar ou
pertubação mental até doenças graves. Como população da periferia carrega
117
uma carga de carências, e normal ser um local de muita busca. Mulheres que
vão para orar para seus filhos e filhas que estão nas drogas, ou presos na
penitenciária. Também muitas pessoas que querem se livrar de problemas
diversos como álcool, droga, desemprego, entre tantas outras coisas. No culto
exacerbam seus anseios e desejos, manifestam suas dores e de certa forma
se confortam com os hinos, as palavras, as relações sociais que ali se
estabelece. Constroi uma gama de relações que os tornam não um só, mas
contudo, estes não tem a consciência de que juntos são mais, eles delegam
essa força, essas consquistas, essas possibilidade ao Deus, à Igreja, ao
pastor.
Este processo de não ver que é a ação das pessoas no mundo que as
leva a conquistar outras condições da existência produz ou alimenta um
processo histórico de dominação/subordinação que
[…] Configura-se assim um processo de dominação de uns sobre a maioria. Sob este aspecto, o pentecostalismo reproduz a relação de dominação/ subordinação internamente caracterizada em nossa sociedade capitalista. Tal relação não fica restrita à estrutura econômica, mas atravessa todos os níveis da sociedade. […] a ideologia pentecostal, subordinada a ideologia dominante, sendo assim espaço de ocultação e de exercício de dominação, encobre o sentido daqueles apelos e da própria dominação (ROLIM, 1985.p.221)
Essa prática educativa que se estabelece no culto produz uma
organização nas pessoas, isto é, durante o culto as pessoas começam a ouvir
o pastor o qual exerce a função de educador, vai trabalhando várias questões
como formas de comportamento, como o cuidado consigo, com suas coisas,
com seus pertences, a importância de estar limpo, tomado banho, de fazer os
processos de higiene, cuidados que antes passavam primordialmente pela
família. Hoje, com o conjunto de desestruturações desse processo, muitas
pessoas jovens estão num momento de “não” saber elementos primordiais para
118
viver, como por exemplo, produzir sua refeição, cuidar de si, de suas coisas, ter
iniciativa frente ao mundo.
O processo de violência e de aculturação é tão intenso, que na
aparência parece-nos que estes seres humanos estão apáticos frente à vida.
Isso pode ser interpretado de diversas formas. Por exemplo, esta apatia pode
ser considerada como uma das formas de resistência frente ao desconhecido.
Pode ainda ser considerado o resultado do mecanismo de controle social que o
culto constitui.
Enfim, o culto produz uma educação, um processo de educação, as
pessoas passam a cuidar-se, a relacionar-se, passam a ter momentos de lazer
e cultura, passam a conhecer outros lugares, pois a Igreja promove muitas
atividades com outras igrejas como a sua.
4.3 A Célula
Chego em Pelotas numa de minhas idas e vindas de trabalho com as
mulheres do MTD e me deparo com esse novo processo de organização da
Igreja no bairro Pestano, Pelotas/RS. Começo a pesquisar, e as mulheres que
estão na Igreja me contam que estão na escola de líderes e que vão organizar
uma célula em sua casa, fico curiosa e desde então me coloco para entender o
que essa metodologia utilizada pelas Igrejas, uma vez que não é só a
Quadrangular, mas há outras Igrejas do bairro também estão aderindo a esse
processo, faz com as pessoas que dela participam.
Ao me deparar com a célula, de início me surpreendi, pois como tinha
aprendido, a célula foi a forma inicial de organização do Partido Comunista no
início do século XX no Brasil, era um processo de trabalho de base junto ao
povo.
119
De certa forma essa metodologia popular também é um trabalho junto
ao povo, tem características comuns embora a finalidade seja completamente
oposto ao do partido. Segundo Maria: […] Uma célula é um grupo que se reúne
semanalmente para aprender como se tornar uma família, adorar ao Senhor,
edificar a vida espiritual uns dos outros, orar uns pelos outros e levar pessoas
ao Evangelho. Da conscientização política com a finalidade do compromisso
com a ação, reivindicação, participação, para a conscientização religiosa, que
visa a adoração, oração, evangelização em seus enunciados e concretizando a
teologia da prosperidade.
Em conversa com as mulheres, elas vão descrevendo como é o
processo formativo para ser um líder, fazer a escola de liderança. Uma delas
me diz o seguinte: “o líder é um professor” (Sara), eles têm prova (avaliação),
têm momentos de estudo, em que aprendem muitas coisas, cada um tem seu
material. Esses materiais são cartilhas, organizadas em módulos. Vão me
contando que líder só pode ter uma célula e que na hora do encontro tem duas
formas ou é misto, ou se separa a célula dos homens e a célula das mulheres.
Num dos locais onde realizei a pesquisa, há uma célula e Judite é uma
das líderes, que certa vez expressou: “[…] minha casa é um espaço de oração.
Transformei a minha casa em uma célula da igreja, um espaço de organizar e
juntar gente para a igreja. Fiz escola, fiz curso.”
A célula varia de igreja para igreja, mas segundo o que as integrantes da
Quadrangular me contam, cada célula deve ter no mínimo cinco pessoas e não
ultrapassar quinze. Esse processo acontece nas casas das pessoas, no geral,
segundo elas, a casa é um local, mas também há reuniões em outros lugares
que tenham espaço e silêncio.
Participei de três reuniões de célula, e o processo se parece com um
culto familiar, o casal responsável pela célula organiza o processo,
metodologicamente, que acontece assim: o primeiro momento é de chegada –
a apresentação, um momento de saber como cada um e cada uma está, como
120
foi a semana, as pessoas partilham sua vida, os acontecimentos cotidianos.
Após, é feito um momento de louvor, com canto, e em seguida a leitura de uma
parte da bíblia compondo a ação coletiva dos sujeitos - a oração. Então, o
casal de líderes organiza uma pequena roda de conversa, perguntando como
estão? Quais são as coisas que lhes aflige? O que de bom tem acontecido?
Desde que estão na célula o que mudou na vida das pessoas?
Então uma das dez pessoas que estão na reunião da célula diz: “estar
aqui é um alimento, desde que estou aqui mudei muito, me sinto mais feliz.”.
Em geral, todos, homens ou mulheres colocaram que era um local que lhes
fazia bem, constituindo um espaço de diálogo que testemunha a fé com os
relatos da vida cotidiana.
Em seguida, o casal de líderes que conduz a reunião diz: “ A função da
célula é melhorar a vida das pessoas, fazer com que vocês compreendam a
“palavra”. Vivam melhor, se tornem bons cristãos. Evangelizar e integrar as
pessoas”. O tempo todo, sua fala é guiada para como devemos ser e estar no
mundo como bons cristãos.
Aqui, nesta observação podemos analisar como esse processo produz
uma prática educativa entre as pessoas que compõem essa comunidade e que
estão na Igreja – controle social entre os pares pelos integrantes da hierarquia
religiosa.
A partir do poder de ser líder, há um processo de educação
problematizando questões (geralmente morais) comuns da comunidade, como
por exemplo, as fofocas, as intrigas, as diversas situações que desagregam as
pessoas. Sua fala é carregada de sentido moral, de “certo e errado”, de o que é
“bom e ruim”. Sua fala se aproxima da fala do pastor no culto, mesma
entonação, mesmos enfoques, é uma fala de orientação sobre como deve se
comportar um bom cristão da igreja. E, dá uma centralidade ao deus pai, à
família. Enfatiza que somos uma grande família que temos que cuidar uns dos
outros e o dever ser.
121
Enfim, a Célula é lugar de conhecer, acompanhar as pessoas, de
construir relações sociais, de aprender valores, como a cooperação, a
solidariedade e o companheirismo, entre outros. Espaço de fortalecer a família
heteronormativa e monogâmica. Espaço de conquistar novas “ovelhas”, de
propagar a mensagem do evangelho, de formar lideranças, de produzir um
processo educativo de ser professor/a.
122
PALAVRAS FINAIS
Perspectivas de pesquisas e alguns aspectos que sustentam as religiões
nas sociedades de classes.
Estas palavras finais, que intentam não concluir, porque a realidade e os
processos estão em movimento. Assim, apenas, se encerra uma pesquisa,
mas o desafio de estudar esse tema permanece, ele é amplo, atual e polêmico
e esta tese não é pretensiosa a esse grau de querer esgotar-se.
Seguimos com o desafio de aprofundar os elementos citados: como a
obediência e seu papel nas práticas educativas neopentecostais, seu processo
de educação. Após, trabalho com o simbólico nas práticas educativas
neopentecostais, das quais destaca-se o ritual, a simbologia, o culto. Como
isso nos educa, nos molda, nos adestra para responder às necessidades
sociais esconômicas e políticas.
Compreender as práticas educativas neopentecostais é compreendê-las
nesse viés que agora descubro como possibilidade e que é abordado por
Walter Benjamin que, em seu texto O capitalismo como religião, desenvolveu
uma interpretação que diz o seguinte:
[…] Em primeiro lugar, o capitalismo é uma religião puramente cultural, talvez até mais extremada que já existiu. […] Ligado a essa concreção do culto está um segundo traço do capitalismo: a duração permanente do culto. […] Em terceiro luar, este culto é culpabilizador. […] nesse aspecto tal sistema religioso é decorrente de um movimento monstruoso. Uma monstruosa consciência de culpa que não sabe como expiar lança mão do culto, não para expiar essa culpa, mas para torná-la universal, para martelá-la na consciência e, por fim e acima de tudo, envolver o próprio Deus nessa culpa, para que ele se interesse pela expiação. Esta portanto não deve esperada do culto em si, nem mesmo da reforma dessa religião. […] Faz parte da essência desse movimento religioso que é o capitalismo aguentar até o fim, ateia culpabilização final e total de Deus.
123
[…] A religião não é mais reforma do ser, mas seu esfacelamento. Ela é a expanção do desespero. […] A transcendência de Deus ruim. O quarto traço dessa religião é que Deus precisa ser ocultado e só pode ser invocado no zênite de sua culpabilização. O capitalismo é uma religião puramente de culto, desprovida de dogma. (BENJAMIN,2013, p.21-23)
Portanto analisar estas práticas dentro do sistema social que produz a
cultura do medo e do desespero é compreender que cada tempo produz sua
religião e que a abolição dessa forma de religião requer árduo processo de
desenvolvimento humano, no atual estágio social estas precisam ser
compreendidas, interpretadas e quiçá com isso possamos construir processos
que contraponham essa hegemonia religiosa.
Enfim, o que esses aspectos produzem na formação humana? Qual a
importância desses aspectos na reprodução social? Como o medo, o pecado e
a culpa, produzem o “Culto”? Como o capital produz o desespero, produz
pessoas que necessitam de “conforto”, de acolhimento, que amenizem,
escamoteiem os conflitos, as contradições existentes, as pessoas que
necessitam algo buscam a religião. Esses elementos produzem uma postura
das pessoas de pensar que tudo é “graça”, “vontade”, “ação” de deus.
Por fim, retira das mãos dos trabalhadores a responsabilidade por sua
história e delega essa ao sagrado, ao externo. Em contrapartida ao que se
denúncia acima, existem processos nos quais a religião esteve junto aos
oprimidos, um exemplo é o cristianismo primitivo, que nasce de um povo
escravo que é apropriado pelo império romano e retorna ao povo como um
processo de dominação religiosa, ou seja, uma forma de poder sobre o povo.
Portanto, todas as religiões de uma forma ou outra acabam reproduzindo a
ordem social vigente, dentro de seu seio há contra-sensos, contudo,
massivamente a religião tem se desvelado como um dos mecanismos de
dominação, alienação, coerção e educação das massas populares. A religião
pertence à ideologia, é um elemento que compõe as sociedades de classes.
124
A pesquisa teve como objetivo descrever, analisar e compreender as
práticas educativas neopentecostais periferia de Pelotas – RS.
Deste modo, a tese também se propôs a identificar as práticas
educativas da sociedade vigente, e encontrou como um dos resultados a
relação entre as neopentecostais e a materialidade socioeconômica e cultural
cujas relações encontram raízes na reestruturação produtiva do capital e seus
efeitos nos mais diversos campos das relações humanas.
No atual momento brasileiro há um movimento significativo no que diz
respeito à luta por uma nova hegemonia religiosa. Esse movimento se observa
na expansão das religiões evangélicas neopentecostais nas periferias, como
explicitam os dados do segundo Censo de 2010 do IBGE, em que há uma
projeção de que até 2025 teremos 50% da população evangélica. Constitui-se,
desse modo, como um dos argumentos para a importância de pesquisar esse
fenômeno religioso e suas práticas educativas e o que elas estão produzindo e
reproduzindo junto à sociedade brasileira. Avançaremos nesse objetivo em
pesquisas futuras, pois essa é uma das partes centrais decorrentes dessa tese,
ou seja, a análise das práticas educativas na periferia, em outros locais e
Igrejas.
A obediência, a culpa, o medo, o pecado, a produção do desespero são
elementos históricos e atuais das religiões na periferia e engendram esse
processo de práticas educativas sociais e religiosas na atual da realidade
brasileira. Como práticas simbólicas, o ritual, os símbolos, o culto e, ainda, o
medo, o pecado e a culpa: a produção do desespero sustentam a “Pedagogia
do Medo”. Compreender como se dá este processo pode dar origem a novas
pesquisas em que Deus e diabo como bipolaridades são ensinadas na
pedagogia do medo.
Enfim, todos esses elementos deixam em aberto um campo de
possibilidade de pesquisa estudo, que desafiam a todos que se interessam
pelo tema das religiões.
125
Portanto, a presente tese mais do que sintetizar um momento e uma
pesquisa também foi o momento de compreender o sentido da religiosidade e
de como isto se desdobra na minha vida. É um tema de estudo que, além de
responder as necessidades coletivas, carrega essa necessidade de resolver
questões individuais acerca do objeto de estudo, tive esta mesma experiência
na graduação e mestrado e neste momento novamente fecho mais um ciclo de
estudos. Outro caminho se abre para o mundo do trabalho, para o estudo, para
a vida...
126
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133
134
APÊNDICE A:
135
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu, (NOME)_____________
Carteira de Identidade ou CPF nº ___________________.
Residente no endereço ______________________ cidade/município de
Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, concordo em participar voluntariamente
desta pesquisa.
Declaro que fui esclarecida, de forma detalhada sobre a pesquisa que tem
como título As práticas educativas neopentecostais e os trabalhadores do
campo cidade que tem por objetivo: Conhecer, descrever, analisar e
compreender as práticas educativas neopentecostais no bairro Pestano da
periferia de Pelotas/RS. Fui esclarecida também a respeito do sigilo das
informações coletadas e da possibilidade de desistência em qualquer
circunstância da pesquisa.
Fui igualmente informada:
de que não terei nenhum gasto pela participação no estudo;
os objetivos do presente estudo;
da garantia de receber resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento
a cerca dos procedimentos e outros aspectos relacionados a pesquisa;
da afirmação de que não serei identificado e que as informações obtidas
serão utilizadas exclusivamente para esta pesquisa;
da liberdade de retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar
de participar do estudo sem nenhum prejuízo à minha pessoa.
136
Esta pesquisa é desenvolvida por Katiane Machado da Silva, aluna do Curso
de Doutorado em Educação da UFRGS, sob a orientação da Professora
Carmen Lucia Bezerra Machado com sede AV. Paulo Gama, s/n, prédio 12201,
sala 816, telefone 3308 4144.
Qualquer esclareciemnto pode ser obtido junto ao Comitê de Ética em
Pesquisa da UFRGS pelo telefone: 3308.3428.
Data, _____ de ______________ 2014.
_______________________________________
Assinatura da participante
_______________________________________
Assinatura da pesquisadora