23
HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Alexandre Issa Kimura (*) 1. Introdução. 2. Interpretação constitucional e sua especificidade. 3. Sujeitos da interpretação constitucional. 4. A distinção entre “regras” e “princípios” e sua relevância para a interpretação constitucional. 5. Parâmetros da interpretação constitucional. 5.1. J. J. Gomes Canotilho. 5.2. Luís Roberto Barroso. 5.3. Celso Ribeiro Bastos. 6. Os métodos da interpretação constitucional. 6.1. Método jurídico ou clássico. 6.2. Método científico-espiritual. 6.3. A “tópica”. 6.3.1.Método concretista da Constituição aberta. 6.4. Método hermenêutico-concretizador. 6.5. Método concretista de Friedrich Müller. 1. INTRODUÇÃO Hermenêutica e interpretação não são termos equivalentes. Consoante CARLOS MAXIMILIANO, interpretação é a aplicação da hermenêutica 1 . A hermenêutica descobre e fixa os princípios que regem a interpretação, vale dizer, “a hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar”. A hermenêutica é a ciência que, abstratamente, apresenta à ação interpretativa os métodos e processos que devem ser observados pelo intérprete. A interpretação, assim, opera-se no caso concreto, conferindo ao sujeito a tarefa de extrair o real alcance, o significado da norma jurídica. Para CELSO RIBEIRO BASTOS, a interpretação é sempre concreta, o que equivale dizer que só é passível de exercitar-se a interpretação quando se está diante de um caso a merecer decisão 2 . Em síntese, especifica que “a interpretação tem sempre em vista um caso determinado”. A hermenêutica, de sua parte, tem por objeto os enunciados, fórmulas que serão utilizadas pelo intérprete 3 . Interpretar, na lição de CARLOS MAXIMILIANO, é “explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo que na mesma se contém” 4 . Na ciência do direito, a interpretação é ato indispensável para a efetiva aplicação da norma 5 . Lembra PAULO BONAVIDES que “não há norma jurídica 1 Hermenêutica e aplicação do direito, 16.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.1. 2 Hermenêutica e interpretação constitucional, São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p.21. 3 Ibid., p.78. 4 Op. cit, p.9, nota 1. 5 Eros Roberto Grau anota: “Interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. O intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado [Gadamer 1991:397]; a interpretação do direito consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação [Gadamer 1991:401]. Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só

KIMURA, Alexandre Issa - Hermenêutica e Interpretação Constitucional

Embed Size (px)

DESCRIPTION

KIMURA, Alexandre Issa - Hermenêutica e Interpretação Constitucional.

Citation preview

  • HERMENUTICA E INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    Alexandre Issa Kimura (*)

    1. Introduo. 2. Interpretao constitucional e sua especificidade. 3. Sujeitos da interpretao constitucional. 4. A distino entre regras e princpios e sua relevncia para a interpretao constitucional. 5. Parmetros da interpretao constitucional. 5.1. J. J. Gomes Canotilho. 5.2. Lus Roberto Barroso. 5.3. Celso Ribeiro Bastos. 6. Os mtodos da interpretao constitucional. 6.1. Mtodo jurdico ou clssico. 6.2. Mtodo cientfico-espiritual. 6.3. A tpica. 6.3.1.Mtodo concretista da Constituio aberta. 6.4. Mtodo hermenutico-concretizador. 6.5. Mtodo concretista de Friedrich Mller.

    1. INTRODUO Hermenutica e interpretao no so termos equivalentes. Consoante

    CARLOS MAXIMILIANO, interpretao a aplicao da hermenutica1. A hermenutica descobre e fixa os princpios que regem a interpretao, vale dizer, a hermenutica a teoria cientfica da arte de interpretar.

    A hermenutica a cincia que, abstratamente, apresenta ao interpretativa os mtodos e processos que devem ser observados pelo intrprete. A interpretao, assim, opera-se no caso concreto, conferindo ao sujeito a tarefa de extrair o real alcance, o significado da norma jurdica.

    Para CELSO RIBEIRO BASTOS, a interpretao sempre concreta, o que equivale dizer que s passvel de exercitar-se a interpretao quando se est diante de um caso a merecer deciso2. Em sntese, especifica que a interpretao tem sempre em vista um caso determinado. A hermenutica, de sua parte, tem por objeto os enunciados, frmulas que sero utilizadas pelo intrprete3.

    Interpretar, na lio de CARLOS MAXIMILIANO, explicar, esclarecer; dar o significado de vocbulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expresso; extrair, de frase, sentena ou norma, tudo que na mesma se contm4.

    Na cincia do direito, a interpretao ato indispensvel para a efetiva aplicao da norma5. Lembra PAULO BONAVIDES que no h norma jurdica

    1Hermenutica e aplicao do direito, 16.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.1.2Hermenutica e interpretao constitucional, So Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p.21.3Ibid., p.78.4Op. cit, p.9, nota 1.5Eros Roberto Grau anota: Interpretao e aplicao no se realizam autonomamente. O intrprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado [Gadamer 1991:397]; a interpretao do direito consiste em concretizar a lei em cada caso, isto , na sua aplicao [Gadamer 1991:401]. Assim, existe uma equao entre interpretao e aplicao: no estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porm frente a uma s

  • que dispense interpretao6. Do mesmo modo, JORGE MIRANDA elucidativo: no possvel aplicao sem interpretao, tal como esta s faz pleno sentido posta ao servio da aplicao7.

    O Supremo Tribunal Federal expressou a percepo doutrinria, ao assinalar que o ordenamento normativo nada mais seno a sua prpria interpretao, notadamente quando a exegese das leis e da Constituio emanar do Poder Judicirio, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota da definitividade8. Em seguida, registrou que a interpretao, qualquer que seja o mtodo hermenutico utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, no se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produo normativa. Em uma palavra: o exerccio de interpretao da Constituio e dos textos legais - por caracterizar atividade tpica dos Juzes e Tribunais - no importa em usurpao das atribuies normativas dos demais Poderes da Repblica9.

    A interpretao da Constituio Federal ostenta peculiaridades prprias que a diferencia da interpretao das demais normas jurdicas. No entanto, no se afasta dos mtodos e princpios interpretativos clssicos10, como adiante se ver.

    2. INTERPRETAO CONSTITUCIONAL E SUA ESPECIFICIDADE

    O direito, enquanto sistema sinttico11, pode ser definido como conjunto de normas que se relacionam entre si, formando um todo unitrio e autnomo. O carter constitutivo do sistema jurdico reside no relacionamento entre os elementos que o compem (Constituio, Leis, Decretos, etc.), envolvendo dois aspectos: de uma parte, o formal, e, de outra, o material.

    Expressa PAULO DE BARROS CARVALHO: (...) como sistema nomoemprico prescritivo, o direito apresenta uma particularidade digna de registro: as entidades que o compem esto dispostas numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentao ou derivao, que se opera tanto no aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe permite possibilidade dinmica, regulando, ele prprio, sua criao e suas transformaes.

    operao [Mar 1991:236]. interpretao e aplicao consubstancia um processo unitrio [Gadamer 1991:381], se superpem (Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do direito, So Paulo: Malheiros, 2002, p.76).6Curso de direito constitucional, 10.ed., So Paulo: Malheiros, 2000, p.398.7Manual de direito constitucional, 4.ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p.258, tomo II.8Recurso extraordinrio n 250.393 (AgRg) - RS, j. 26-10-1999, 2 T. do STF, Relator Ministro Celso de Mello, RTJ 173/341.9Ibid.10Uadi Lammgo Bulos, em sentido contrrio, entende que inexistem diferenas entre a interpretao jurdica em geral e a interpretao dos preceptivos constitucionais. Lembra que a interpretao constitucional no difere da interpretao das demais normas jurdicas. Ambas seguem os mesmos cnones hermenuticos, apontados pela cincia jurdica (Manual de interpretao constitucional, So Paulo: Saraiva, 1997, p.14). Aduz, tambm, que os aspectos poltico e tipolgico, suscitados pelos escritores, com o intuito de especificarem a ndole da interpretao constitucional, no alcanam um resultado satisfatrio (op. cit., p.19).11No mbito da semitica, o signo pode ser estudado sob trs dimenses: a sintaxe, a semntica e a pragmtica. Na sintaxe (sistema sinttico) leva-se em conta as relaes formais existente entre os signos.

  • Examinado o sistema de baixo para cima, cada unidade normativa se encontra fundada, material e formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o ngulo de observao, verifica-se que das regras superiores derivam, tambm material e formalmente, regras de menor hierarquia12.

    A presente discusso margeada pela relao constitucionalidade / inconstitucionalidade. Esta assertiva bem sintetizada por JORGE MIRANDA, ao expor que constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relao: a relao que se estabelece entre uma coisa - a Constituio - e outra coisa - uma norma ou um ato - que lhe est ou no conforme, que com ele ou no compatvel, que cabe ou no cabe no seu sentido13.

    A Constituio positiva o fundamento ltimo de validade das normas (dos elementos) que compem o sistema jurdico. O sistema jurdico no comporta elementos que so relacionalmente invlidos14.

    Em outras palavras, a Constituio a norma suprema do ordenamento jurdico. Esta particular condio normativa deflagra determinados aspectos que singularizam a teoria da interpretao constitucional, se confrontada com a teoria da interpretao das leis em geral.

    Face esta posio singular, a interpretao da Constituio deve levar em conta especficas regras hermenuticas, sem se desvincular dos mtodos e critrios tradicionais.

    CELSO RIBEIRO BASTOS e CARLOS AYRES BRITO, detectando a especificidade da interpretao constitucional, alertam:

    V-se, para logo, que o nosso intento doutrinrio distinguir, sem separar. Isto , sem negar que os modelos jurdicos sejam umbilicalmente unidos, formando um todo compacto e indissocivel, pensamos que os de ndole constitucional agregam, aos caracteres bsicos de todo o conjunto, traos complementares que lhes so privativos. Da justificam e at mesmo exigem, por merecimento intrnseco ou virtude prpria, o recorte de moldes interpretativos ajustados respectiva silhueta. Melhor falando, justificam a formulao de uma tcnica especial de manejo dos j conhecidos mtodos de interpretao jurdica, principalmente o histrico, o lgico-sistemtico e o teleolgico15.

    12Direito tributrio: fundamentos jurdicos de sua incidncia, 2.ed., So Paulo: Saraiva, 1999, p.45.13Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p.11.14Marcelo Neves considera que as normas jurdicas, enquanto proposies integrantes de um sistema nomoemprico prescritivo, no esto no plano do ser, constituindo estrutura de significao dentica (dever-ser), condicionadas e condicionantes de um determinado contexto ftico-ideolgico. Em seguida, aduz que do ponto de vista interno, uma norma pertence ao ordenamento jurdico: 1) quando emana de um ato formal de rgo do sistema, isto , de rgo previsto direta ou indiretamente no ncleo normativo originrio, e ainda no foi desconstituda por invalidade ou revogada; 2) quando resulta de fato costumeiro a que o ncleo normativo originrio, direta ou indiretamente, atribui efeito normativo. Em outras palavras, pertencem ao sistema jurdico todas as normas que possam retrotrair imediata e mediatamente ao ncleo normativo que estabelece os rgos e/ou fatos bsicos de produo jurdica (Teoria da inconstitucionalidade das leis, So Paulo: Saraiva, 1978, p.42-43).15Interpretao e aplicabilidade das normas constitucionais, So Paulo: Saraiva, 1982, p.11-12.

  • Assim, evidencia-se a especificidade da interpretao constitucional pelas seguintes razes:

    a) Inicialidade fundante da Constituio As normas constitucionais, por sua supremacia, no podem ser

    contrariadas pelas demais normas do sistema, isto , a Constituio representa o vetor, o fundamento ltimo de validade das demais normas que compem o ordenamento jurdico. Assim, as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas a partir da Constituio, com base nela, mas no o contrrio16. Ao contrrio das leis infraconstitucionais, na interpretao das normas constitucionais no h outro vetor normativo que no sejam as prprias normas que integram a Constituio.

    b) Contedo poltico das normas constitucionais A Constituio , essencialmente, composta de princpios e regras

    representativos de valores e ideologias existentes numa determinada sociedade. Esta a razo pela qual na Constituio possvel observar, com maior nitidez, a proximidade existente entre o poltico e o jurdico. A Constituio , antes de tudo, um pacto poltico.

    RAL CANOSA USERA lapidar: Precisamente, la Carta juridifica algunos de los motivos

    polticos e ideolgicos ms sobresalientes en la vida de la Comunidad Nacional. Com arreglo al material que el operador de la interpretacin constitucional debe manejar, la valoracin de estos motivos cobra una especialsima dimensin. Valorar estos motivos significa, claro est, interpretarlos; de ah que, al hablar de la orientacin poltica, concluyramos encuadrando sta dentro de las formas de representacin del objeto interpretativo constitucional17.

    A extrao do significado do texto constitucional depende do equilbrio entre: (a) o esprito que previamente informou a alocao positiva das aspiraes da comunidade e, (b) a conformao do texto s circunstncias histricas e sociais.

    J. H. MEIRELLES TEIXEIRA explica que interpretar a Constituio significa compreender o sentido e o alcance de suas normas, pelo exato entendimento das suas expresses, de acordo com suas finalidades, e tendo em vista as condies e necessidades sociais de cada poca18.

    c) A estrutura da linguagem constitucional ROBERT F. TERWILLIGER considera que para o psiclogo, o estudo

    da linguagem diz respeito a algo que fazem os que da mesma linguagem se utilizam; em outras palavras, a linguagem consiste em algo que se expressa atravs deste ou daquele tipo de comportamento adotado por quem usa a linguagem19(g.n.).

    16Ibid., p.13.17Interpretacion constitucional y formula politica, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1988, p.116.18Curso de direito constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1991, p.268.19Ibid., p.27.

  • HANS-GEORG GADAMER expe: No precisamos, pois, demonstrar a tese de que todo entendimento um problema de linguagem e de que o sucesso ou fracasso no entendimento s se obtm no elemento da condio de linguagem. Todos os fenmenos do entendimento, da compreenso e da incompreenso, que formam o objeto da assim chamada hermenutica, representam um fenmeno de linguagem. Mas a tese que pretendo discutir d um passo ainda mais radical. A tese afirma que no apenas o processo do entendimento entre os seres humanos, mas tambm o prprio processo da compreenso representa um acontecimento de linguagem mesmo que se volta para algum aspecto fora do mbito da linguagem ou escuta a voz apagada da letra escrita. (...)20.

    RODOLFO VIANA PEREIRA, em sua obra Hermenutica Filosfica e Constitucional21, afirma que no se pode esquecer que o meio pelo qual ocorre a compreenso a linguagem. Tanto o pensamento como a comunicao s so realizados lingisticamente, eis que ela representa o nosso acesso aos fenmenos, a nossa possibilidade de conhecimento.

    Cincia linguagem. A Cincia do Direito expressa-se por linguagem. A Constituio, norma componente do sistema jurdico, se expressa mediante linguagem e, nesta perspectiva, exprime um sistema de comportamento a ser adotado num determinado Estado.

    A funo da linguagem constitucional transmitir, sinteticamente, a rotulao ideolgica e valorativa de determinado Estado. Em decorrncia, na interpretao da Constituio deve prevalecer o significado comum dos termos, pois a Constituio dirige-se, acima de tudo, ao povo. Uma das notas fundamentais que singularizam a interpretao constitucional deriva da seguinte circunstncia: o comportamento do intrprete da Constituio no pode ser condicionado ao significado tcnico que o termo possa ter.

    Demais, a linguagem constitucional composta de termos abertos, vale dizer, formada por termos com significado flexvel, que possibilitam ao intrprete a adaptao da norma realidade. Tal caracterstica, no entanto, no representa a idia de que os termos do texto constitucional so indeterminveis. Ao contrrio, a determinabilidade do termo - denotando-o e conotando-o -, se opera mediante a extrao do significado adequado, levando em conta as circunstncias ideolgicas e valorativas que informaram o esprito constituinte, bem como a harmonizao do texto constitucional com o seu tempo22.

    20Verdade e mtodo II, Petrpolis: Editora Vozes, 2002, p.216.21Hermenutica filosfica e constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.50.22A necessidade de uma permanente adequao dialctica entre o programa normativo e a esfera normativa justificar a aceitao de transies constitucionais que, embora traduzindo a mudana de sentido de algumas normas provocado pelo impacto da evoluo da realidade constitucional, no contrariam os princpios estruturais (polticos e jurdicos) da constituio. o reconhecimento destas mutaes constitucionais silenciosas (stille verfassungswandlungen) ainda um acto legtimo de interpretao constitucional. (J. J. Gomes Canotilho, direito constitucional e teoria da Constituio, 3.ed., [s.l.]: Livraria Almedina, [s.a.p.], 1154).

  • Como se v, as trs caractersticas mencionadas atribuem interpretao constitucional certas peculiaridades que no so apreendidas na interpretao das demais leis e atos normativos.

    3. SUJEITOS DA INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    PETER HBERLE23 prescreveu uma teoria da interpretao constitucional na qual, ao reconhecer que a Constituio interpretada por uma sociedade fechada (intrpretes jurdicos vinculados s corporaes e aos participantes formais do processo constitucional), acaba por pregar a possibilidade de se vincularem ao processo interpretativo todos os rgos estatais, todas as potncias pblicas, todos os cidados e grupos, no sendo possvel estabelecer-se um elemento cerrado ou fixado em numerus clausus de intrpretes da Constituio.

    Prope por critrios de interpretao mais abertos (interpretao em sentido lato), pois todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto , indireta ou, at mesmo diretamente, um intrprete dessa norma24.

    Para HBERLE: (...) povo no apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleio e que, enquanto tal, confere legitimidade democrtica ao processo de deciso. Povo tambm um elemento pluralista para a interpretao que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido poltico, como opinio cientfica, como grupo de interesse, como cidado25.

    Alerta que na democracia liberal, o cidado intrprete da Constituio. Por essa razo, tornam-se mais relevantes as cautelas adotadas com o objetivo de garantir a liberdade: a poltica de garantia dos direitos fundamentais de carter positivo, a liberdade de opinio, a constitucionalizao da sociedade, v.g., na estruturao do setor econmico pblico26.

    Destarte, esta pluralidade de intrpretes decorre da supremacia da Constituio, pois a ela todos se sujeitam. Reconhece-se, desta forma, que a interpretao da Constituio legitimamente exercida pelos Poderes Executivo, Legislativo (interpretao poltico-legislativa) e Judicirio (interpretao jurisdicional); pela doutrina (interpretao doutrinria); pelos cidados, isto , por uma multiplicidade de intrpretes que representam fontes interpretativas de diversas naturezas.

    Em decorrncia, esta ampliao dos sujeitos-intrpretes da Constituio faz com que se desenvolva uma fora normativa capaz de inspirar a Corte

    23Hermenutica constitucional - a sociedade aberta dos intrpretes da Constituio: contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio (trad. de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 1997, p.12-13).24Ibid., p.15.25Ibid., p.37.26Ibid., p.37-38.

  • Constitucional a interpretar a Constituio em correspondncia com a sua atualizao pblica27.

    De certa forma, a proposta de HBERLE embasa a conformao social harmonizada com a textura aberta dos termos que compem a Constituio.

    Quanto ao presente ponto, por fim, cumpre notar a observao de PAULO BONAVIDES28, ao considerar que a proposta de PETER HBERLE, caracterizada como mtodo concretista da Constituio aberta, sofreu profunda influncia da tpica29 - uma tcnica de pensar por problemas -, isto porque a interpretao tpica d-se mediante um processo aberto de discusso de problemas30.

    4. A DISTINO ENTRE REGRAS E PRINCPIOS E SUA RELEVNCIA PARA A INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    Faz-se imprescindvel a anlise do tema princpios constitucionais pela relevncia que ostenta para a sistematizao dos cnones interpretativos constitucionais.

    Diante das diversas acepes que o termo detm, no tarefa fcil conceituar princpio. De plano, cumpre frisar que os princpios, assim como as regras, so espcies do gnero norma jurdica.

    Quanto questo relativa configurao de princpios constitucionais, cumpre repisar o alerta dado por CANOTILHO acerca da distino entre princpios hermenuticos e princpios jurdicos. Os primeiros desempenham uma funo argumentativa, permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposio (cfr. Infra, cap. 3, cnones da interpretao) ou revelar normas que no so expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juzes, o desenvolvimento, integrao e complementao do direito (Richterrecht, analogia juris)31.

    De outra banda, leciona que os princpios que se distinguem das regras so verdadeiras normas, qualitativamente distintas das categorias de normas ou seja, das regras jurdicas32. neste segundo sentido que se trabalha com o termo princpio, isto , diferenciando-o das regras.

    EROS ROBERTO GRAU33, fixando o carter normativo dos princpios, assevera que aqueles que integram o sistema jurdico podem ser: 1) explcitos,

    27Ibid., p.41.28Curso de direito constitucional, 11.ed., So Paulo: Malheiros, 2001, p.465.29Conforme Manuel Atienza, o que normalmente se entende hoje por teoria da argumentao jurdica tem sua origem numa srie de obras dos anos 50 que compartilham entre si a rejeio da lgica formal como instrumento para analisar raciocnios jurdicos. As trs concepes mais relevantes so a tpica de Viehweg, a nova retrica de Perelman e a lgica informal de Toulmin (As razes do direito - teorias da argumentao jurdica, So Paulo: Landy, 2000, p.59).30Georges Salomo Leite, interpretao constitucional e tpica jurdica, So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p.68.31Direito constitucional e teoria da Constituio, op. cit., p.1.087, nota 22.32Ibid., p.1087.33Ensaio e discurso sobre a interpretao / aplicao do direito, So Paulo: Malheiros, 2002, p. 125 e ss.

  • quando enunciados textualmente na Constituio ou na lei (direito posto); 2) implcitos, quando no expressamente enunciados nos textos legais, mas destes inferidos; 3) gerais de direito, tambm implcitos, porm em estado de latncia sob dado ordenamento jurdico (direito posto), sendo coletados (descobertos) no correspondente direito pressuposto. Conforme a categoria em que se apresente o princpio, ser mais concretizado e ter menos capacidade de otimizao. Em regra, a maior otimizao conferida aos terceiros, reduzindo-se nos segundos e da para os primeiros.

    Todas estas categorias de princpios, inclusive, os gerais de direito, no so transcendentes. No so resgatados de uma ordem suprapositiva ou do direito natural, de um ideal de direito justo ou de idia de direito. Esto contemplados, em sua totalidade ou em parte, em determinado ordenamento jurdico de modo subjacente. No so anteriores ou posteriores ao Direito, mas so o prprio Direito. Eles no precisam ser positivados, porque j so positivos, ainda que, por vezes, em estado latente. O intrprete jamais os cria; cumpri-lhe, em cada caso, perceber diretamente ou, se necessrio, descobrir aquele ou aqueles aplicveis e declar-los34.

    Dada a capacidade que os princpios tm de revelar normas implcitas no sistema, eles cumprem importante papel na interpretao e aplicao do Direito.

    A sempre citada definio de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO lapidar:

    Princpio mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico. o conhecimento dos princpios que preside a inteleco das diferentes partes componentes do todo unitrio que h por nome sistema jurdico positivo35.

    Princpios e regras so espcies de normas que se diferenciam sob diversos aspectos.

    Os princpios e as regras so genricos, mas a dita generalidade que as regras detm , em essncia, diferente da generalidade dos princpios. A regra incide num nmero indeterminado de atos ou fatos. Apesar de tal indeterminabilidade, h especificidade nesses atos ou fatos, j que sua competncia regular somente a eles. Esta a razo pela qual as regras no comportam excees, vale dizer, as regras tm textura normativa fechada.

    Os princpios, no que toca sua aplicabilidade, so vagos. Comportam, por assim dizer, empregos diversos, j que sua textura normativa aberta. Sendo assim, os princpios tm enorme capacidade expansiva. Da se infere que so mandamentos de otimizao, podendo ser concretizados em diferentes graus, ditados pelas condies materiais e jurdicas extradas do ordenamento jurdico.

    34Ibid., p.132-138.35Curso de direito administrativo, 12.ed., So Paulo: Malheiros, 2000, p.747.

  • Os princpios carregam imensa carga axiolgica, isto , propagam parmetros arraigados na idia de direito ou na exigncia de justia. No choque entre princpios, o intrprete deve balancear os valores e os interesses em pauta e optar por aquele que, no caso, tenha maior grau de incidncia.

    Fazer uso das normas constitucionais como sistema no qual os princpios, sob o ponto de vista material, so hierarquicamente superiores s regras, no equivale dizer que, em todos os aspectos, entre tais espcies normativas existam planos hierrquicos diferenciados. A hierarquia entre princpios e regras emerge unicamente no ato de interpretao do texto.

    Sob o ponto de vista formal, as regras esto situadas no mesmo patamar que os princpios, at porque uma Constituio rgida exige o mesmo rigor procedimental para que suas normas (regras e princpios) sejam modificadas. Alis, o STF j firmou entendimento no sentido de que impossvel de se considerar inconstitucional uma norma constitucional inferior ao princpio36.

    Fixadas estas premissas, mister se faz elencar algumas relevantes contribuies doutrinrias que identificaram determinados parmetros para a interpretao constitucional.

    5. PARMETROS DA INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    Como conseqncia da estrutura do sistema jurdico e das peculiaridades justificantes da interpretao constitucional j estudadas, a doutrina reconhece determinados parmetros a serem observados pelo intrprete da Constituio.

    Aqui, preferimos o termo parmetro porque, no campo doutrinrio, determinados cnones de interpretao constitucional ora so compreendidos como princpios (J. J. GOMES CANOTILHO, LUIZ ROBERTO BARROSO e GLAUCO BARREIRA MAGALHES FILHO37), ora so sistematizados, conforme sua natureza, em postulados, instrumentais e princpios (CELSO RIBEIRO BASTOS).

    De qualquer sorte, vejamos as contribuies tericas e doutrinrias.

    5.1. J. J. Gomes Canotilho Para CANOTILHO, existe um ponto de referncia obrigatrio da teoria

    da interpretao constitucional: os princpios tpicos da interpretao constitucional38.

    A partir de uma postura metdica hermenutico-concretizante, construda pela doutrina e pela praxis jurdica, este catlogo contm tpicos

    36Ao direta de inconstitucionalidade, j.28-6-1996, TP do STF, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 163/872.37A sistematizao dos princpios de interpretao constitucional formulada pelo autor guarda correspondncia com a proposta elaborada por Canotilho, razo pela qual deixamos de elenc-los no presente trabalho. A respeito do tema, conferir sua obra hermenutica e unidade axiolgica da constituio, Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p.78-81.38Op. cit., p.1148, nota 22.

  • relevantes para a interpretao constitucional. Esta relao descritiva foi produzida diante da necessidade de se encontrar princpios que auxiliem a tarefa interpretativa39.

    Esta catlogo de tpicos so denominados pelo autor como princpios de interpretao da Constituio.

    Vejamos. a) Princpio da unidade da Constituio Segundo este princpio, a Constituio deve ser interpretada de forma a

    no haver, em seu texto, contradies, antinomias. A harmonia que deve existir entre as normas constitucionais, situadas no mesmo patamar hierrquico, retira a possibilidade de se depreender a existncia de normas constitucionais inconstitucionais.

    b) Princpio do efeito integrador Associado ao princpio da unidade da Constituio, o princpio do efeito

    integrador significa que na resoluo dos problemas jurdico-constitucionais deve dar-se primazia aos critrios ou pontos de vista que favoream a integrao poltica e social e o reforo da unidade poltica40.

    c) Princpio da mxima efectividade Tambm denominado princpio da eficincia ou princpio da

    interpretao efetiva, prescreve que a interpretao constitucional, ao buscar solues aos problemas de ndole constitucional, deve procurar o significado que tenha maior eficcia.

    d) Princpio da justeza ou da conformidade funcional Este princpio, em sede de concretizao da Constituio, exige que no

    seja subvertida a repartio de funes constitucionalmente fixadas. Sua tendncia, alerta CANOTILHO, ser considerado mais como um princpio autnomo de competncia do que como um princpio de interpretao constitucional.

    e) Princpio da concordncia prtica ou da harmonizao Sem se divorciar dos princpios da unidade e do efeito integrador, ele

    impe a coordenao e combinao dos bens jurdicos em conflito de forma a evitar o sacrifcio (total) de uns em relao aos outros41.

    Ressalta PAULO ARMINIO TAVARES BUECHELE que este princpio relaciona-se intimamente com o Princpio da Proporcionalidade, na medida em que este ltimo tambm pode ser utilizado como princpio de interpretao constitucional42.

    f) O princpio da fora normativa da Constituio

    39Ibid., p.1148.40Ibid., p.1149.41Ibid., p.1150. 42O princpio da proporcionalidade e a interpretao da constituio, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.104.

  • A abrangncia do princpio explicada por CANOTILHO: na soluo dos problemas jurdico-constitucionais deve dar-se prevalncia aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituio (normativa), contribuem para uma eficcia ptima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia s solues hermenuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a atualizao normativa, garantindo, do mesmo p, a sua eficcia e permanncia43.

    g) Princpio da interpretao conforme a Constituio O princpio da interpretao das leis em conformidade com a

    Constituio no , exatamente, um princpio de interpretao, mas um princpio de controle.

    Salienta EDUARDO GARCIA DE ENTERRA: El origen del principio que impone la interpretacin conforme a la Constitucin de todo el ordenamiente est en el proceso de constitucionalidad de las Leyes: antes de que una Ley sea declarada inconstitucional, el juez que efecta el examen tiene el deber de buscar em va interpretativa una concordancia de dicha Ley com la Constitucin. La anulacin de una Ley es un suceso bastante ms grave que la anulacin de un acto de la Administracin, porque crea por s sola una gran inseguridade jurdica44.

    A Constituio , quanto sua linguisticidade, composta de termos abertos, plurissignificativos. Atento a isso, CANOTILHO, verificando que quando a utilizao dos vrios elementos interpretativos no permite a obteno de um sentido inequvoco dentro dos vrios significados da norma, assinala que deve dar-se preferncia interpretao que lhe d um sentido em conformidade com a Constituio45.

    Aponta, ainda, as vrias dimenses do princpio: (1) o princpio da prevalncia da Constituio impe que, dentre as vrias possibilidades de interpretao, s deve escolher-se uma interpretao no contrria ao texto e programa de norma ou normas constitucionais; (2) o princpio da conservao de normas afirma que uma norma no deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituio; (3) o princpio da excluso da interpretao conforme a constituio mas contra legem impe que o aplicador de uma norma no pode contrariar a letra e o sentido dessa norma atravs deu uma interpretao conforme a constituio, mesmo que atravs desta interpretao consiga uma concordncia entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais46.

    PAULO BONAVIDES, por sua vez, reconhecendo tratar-se de um mtodo especial de interpretao, nega a natureza de princpio de

    43Direito constitucional e teoria da Constituio, 3.ed., [s.l.]: Livraria Almedina, [s.a.p.], p.1.151.44La constitucin como norma y el tribunal constitucional, Madrid: Editorial Civitas, 1985, p.95-96.45Op. cit., p.1151, nota 43.46Ibid., mesma pgina.

  • interpretao da Constituio, considerando ser um princpio de interpretao da lei ordinria de acordo com a Constituio47.

    De fato, este princpio deriva da presuno de que toda lei , em tese, constitucional (presuno juris tantum), consagrando-se, na hiptese de vrias interpretaes possveis, aquela que se harmonize com a Constituio. Preserva-se, assim, a permanncia da norma no sistema face o descobrimento de significado concilivel com a norma suprema. 5.2. Lus Roberto Barroso

    LUS ROBERTO BARROSO, em Interpretao e Aplicao da Constituio, adota a denominao princpios de interpretao especificamente constitucional para designar os parmetros que o intrprete deve seguir na interpretao da Constituio.

    Faz elucidativa explanao acerca dos princpios constitucionais como condicionantes da interpretao constitucional, recomendando:

    O ponto de partida do intrprete h que ser sempre os princpios constitucionais, que so o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituio, seus postulados bsicos e seus fins. Dito de forma sumria, os princpios constitucionais so as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificaes essenciais da ordem jurdica que institui. A atividade de interpretao da Constituio deve comear pela identificao do princpio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genrico ao mais especfico, at chegar formulao da regra concreta que vai reger a espcie.48

    Mais adiante, menciona que os princpios constitucionais so, precisamente, a sntese dos valores mais relevantes da ordem jurdica49, e os sistematiza em princpios fundamentais, princpios gerais e princpios setoriais ou especiais.

    Os princpios fundamentais so aqueles que contm decises polticas estruturais do Estado50, os fundamentos da sua organizao (v.g., Estado unitrio e federao, repblica ou monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo). So princpios que exprimem a ideologia poltica que permeia o ordenamento jurdico, representando o ncleo imodificvel do sistema, servindo como limite s mutaes constitucionais51.

    Os princpios constitucionais gerais so as especificaes dos princpios fundamentais (v.g., legalidade, isonomia); irradiam-se por toda ordem jurdica.

    Os princpios setoriais ou especiais so aqueles que presidem um especfico conjunto de normas afetas a determinado tema, captulo ou ttulo da Constituio52 (v.g., princpio da legalidade tributria ou da legalidade penal).

    47Curso de direito constitucional, 11.ed., So Paulo: Malheiros, 2001, p.474.48Interpretao e aplicao da Constituio, 4.ed., So Paulo: Saraiva, 2001, p.149.49Ibid., p.150.50Ibid., p.153.51Ibid., mesma pgina.52Ibid., mesma pgina.

  • Conforme o mencionado autor, a finalidade dos princpios, no mbito do sistema jurdico, (a) edificar as decises polticas fundamentais feitas pelo constituinte e expressar os valores superiores que inspiraram a criao ou reorganizao de um dado Estado; (b) propiciar unidade ao sistema jurdico; e (c) orientar os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, condicionando a atuao dos poderes pblicos e pautando a interpretao e aplicao de todas as normas jurdicas vigentes53.

    Ao tratar dos princpios de interpretao constitucional, elenca, assim como fez CANOTILHO, os princpios da interpretao conforme a Constituio, da unidade e da efetividade.

    Prope, a par dos princpios mencionados no pargrafo acima e j analisados no item anterior, os princpios (a) da supremacia da Constituio; (b) da presuno de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Pblico; e (c) da razoabilidade e da proporcionalidade.

    a) princpio da supremacia da Constituio Conforme mencionado no item 3., a Constituio, dada sua inicialidade

    fundante, o fundamento de validade de todos os atos normativos que compem o ordenamento jurdico. As normas infraconstitucionais devem ser interpretadas a partir da Constituio e no o contrrio.

    No dizer de LUS ROBERTO BARROSO, a supremacia constitucional em nvel dogmtico e positivo, traduz-se em uma superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituio como a fonte primria da produo normativa, ditando competncias e procedimentos para a elaborao dos atos normativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o contedo de toda a atividade normativa estatal conformidade com os princpios e regras da Constituio54.

    b) Princpio da presuno de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Pblico

    O presente princpio, obviamente, alia-se a confiana de que os atos emanados de cada um dos Poderes do Estado tm presuno de constitucionalidade.

    Consoante o autor, a presuno de constitucionalidade das leis encerra, naturalmente, uma presuno iuris tantum, que pode ser infirmada pela declarao em sentido contrrio do rgo jurisdicional competente55.

    c) Princpios da razoabilidade e da proporcionalidade No tocante ao tema, o autor inicia sua descrio salientando que o

    princpio da razoabilidade tem sua origem e desenvolvimento ligados garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direito anglo-saxo56. Assevera

    53Ibid., p.154.54Ibid., p.161.55Ibid., p.174.56Ibid., p.213. Paulo Armnio Tavares Buechele, demonstrando a localizao do princpio da proporcionalidade na constituio federal de 1988, adverte: de fato, tambm nos parece que o dispositivo que melhor se presta a sediar o princpio da proporcionalidade, na vigente carta poltica brasileira, o inciso LIV do artigo 5, assegurador do denominado Substantive Due Process of Law - garantia que consiste na exigncia constitucional de que as leis devem ser

  • que a clusula enseja a verificao da compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferio da legitimidade dos fins57.

    Adiante, alerta que: (...) na Europa continental como no Brasil, costumam fazer referncia, igualmente, ao princpio da proporcionalidade com o princpio da razoabilidade. Afirma ser o princpio da razoabilidade um parmetro de valorao dos atos do Poder Pblico para aferir se eles esto informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurdico: a justia58.

    Pondera, tambm, que a doutrina - tanto lusitana quanto brasileira - reproduz a trplice caracterizao do princpio da proporcionalidade, como referido pelos autores alemes59, dos quais:

    (...) se extraem os requisitos (a) da adequao, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Pblico se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; (b) da necessidade ou exigibilidade, que impe a verificao da inexistncia de meio menos gravoso para atingimento dos fins visados; e (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que a ponderao entre o nus imposto e o benefcio trazido, para constatar se justificvel a interferncia na esfera dos direitos dos cidados60.

    5.3. Celso Ribeiro Bastos

    Em Hermenutica e Interpretao Constitucional, a construo metodolgica do Professor CELSO BASTOS reside na verificao e anlise de trs nveis bem discernveis na decomposio da interpretao constitucional: (a) os postulados, (b) os instrumentais hermenuticos e (c) os princpios.

    O postulado um comando, uma ordem mesma, dirigida todo aquele que pretende exercer a atividade interpretativa. Os postulados precedem prpria interpretao, e se se quiser, a prpria Constituio. No se poder interpretar devidamente, sem se atentar para estes elementos. Trata-se de condio para a interpretao61 da qual o intrprete no poder descuidar.

    So postulados: a) supremacia da constituio (o ordenamento jurdico interpretado a partir da Constituio); b) unidade da constituio (o direito constitucional deve ser interpretado, evitando-se contradies em suas normas); c) maior efetividade possvel (sempre que possvel, o dispositivo constitucional dever ser interpretado no sentido que lhe atribua maior eficcia - a lei no emprega palavras inteis) e; d) postulado decorrente - harmonizao (exprime a idia de coerncia do sistema jurdico). razoveis, dizer, que devem conter uma equivalncia entre o fato antecedente da norma jurdica criada e o fato conseqente da prestao ou sano, tendo em conta as circunstncias sociais que motivaram o ato, os fins perseguidos com ele e o meio que, como prestao ou sano, estabelece dito ato (ob. cit., p. 48).57Ibid., p.214.58Ibid., p.219.59Ibid., p.223.60Ibid., p.223-224.61Hermenutica e interpretao constitucional, So Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p.95.

  • Quanto a este aspecto, de antemo, percebe-se a divergncia semntica e metodolgica entre a teoria aqui propugnada e as outras vozes doutrinrias. O que no presente trabalho so considerados postulados, a doutrina, em geral, denomina princpios.

    Ensina que os instrumentais hermenutricos impe-se como instrumentos de operao do sistema constitucional, e muitas vezes do direito em geral. So frmulas compreendidas como os expedientes, procedimentos, recursos de interpretao fornecidos pela teoria do Direito. So, portanto, frmulas que disciplinam a interpretao, mas que nada ganham em serem inseridas no prprio texto constitucional, uma vez que estas prprias frmulas, assim positivadas, demandariam outras para interpret-la62.

    O rol dos instrumentais tem a seguinte composio: a) a no ser excepcionalmente, e de forma devidamente fundamentada, no se deve atribuir aos termos interpretados significado distinto daquele que estes termos tm na linguagem comum (a Constituio no tolera o vocabulrio tcnico); b) a termos idnticos, utilizados por diferentes normas, se deve atribuir o mesmo significado, salvo rarssimas excees, quando se tratem de situaes diversas, embora o vocbulo utilizado seja o mesmo; c) a termos diferentes no se deve atribuir o mesmo significado, salvo em casos excepcionais, devidamente motivados; d) os significados lingsticos devem ser buscados segundo as regras sintticas da linguagem comum; e) a uma norma constitucional se deve atribuir um significado de acordo com a finalidade que persegue a instituio qual pertencer dita norma; f) regra constitucional deve ser atribudo significado que estiver de acordo com a inteno do legislador histrico; g) regra constitucional deve ser atribudo o significado que estiver de acordo com a inteno perseguida pelo legislador contemporneo ao momento da interpretao; h) uma regra constitucional deve ser compreendida de acordo com seu sentido histrico.

    Os princpios, segundo o autor, so as diretrizes, no sentido que fornecem uma direo precisa ao intrprete. Os princpios constitucionais consubstanciam-se em valores, mas muito genricos, em torno dos quais gravita todo um conjunto de regras sobre as quais incidiro63.

    A construo terica do Prof. CELSO BASTOS comporta algumas observaes.

    Como dito linhas acima, CANOTILHO alerta para a diferena existente entre os princpios de interpretao constitucional e os princpios constitucionais.

    A Constituio composta de regras e de princpios. O conceito de princpios constitucionais aqui tratado refere-se sua visualizao enquanto normas que, ao lado das regras, integram a Constituio. No se alude aos princpios especficos de interpretao constitucional.

    Para a fixao dos parmetros da interpretao constitucional nos parece correta a tricotomia postulados, instrumentais e princpios, at porque no nos parece aceitvel adotar o termo princpio para indicar duas realidades

    62Ibid., p.96-97.63Ibid., p.97.

  • distintas, quais sejam, os princpios constitucionais e os princpios de interpretao constitucional.

    Isto no significa dizer que os ditos princpios constitucionais sejam irrelevantes interpretao da Constituio. Ao contrrio, o arranjo normativo de princpios fixados pela Constituio servir de orientao mxima elucidao de um problema prtico de fundamento constitucional. Demais, alm de regra de interpretao, tambm objeto da interpretao. nos princpios que se ir encontrar as diretrizes valorativas vlidas aplicveis interpretao constitucional64.

    No s. Os postulados so pressupostos cogentes que nunca podem ser

    afastados da interpretao constitucional. Alm disso, outra peculiaridade reside na impossibilidade lgica de

    conflito entre os postulados. De sua parte, os princpios, acaso conflitantes entre si, devem ser balanceados para se obter aquele de maior peso no caso concreto, deflagrando-se o recuo do outro sem que seja eliminado do sistema, podendo, contudo, ser aplicado a casos futuros.

    Para sintetizar, leciona o Professor CELSO BASTOS que: (...) os postulados so pressupostos para uma vlida interpretao. Os instrumentais hermenuticos que so propriamente recursos da interpretao. E isso se afirma j que, no tocante aos princpios, dir-se-ia mais corretamente serem verdadeiras limitaes atividade interpretativa, na medida em que no se pode interpretar em sentido que lhes seja contraditrio, que olvide sua existncia ou que no os positive. O sustentculo natural de interpretao constitucional decorre da referncia impositiva que o intrprete deve aos princpios65.

    Desta forma, aps anlise das caractersticas e sistematizaes doutrinrias acerca da interpretao constitucional, cabe no item seguinte estudar os mtodos de interpretao constitucional. 6. OS MTODOS DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    O mtodo representa a maneira pelo qual o cientista orienta sua pesquisa para estudo de determinada rea da cincia. Nas palavras de WILSON ACCIOLI, o mtodo elemento essencial da cincia66.

    Nesta perspectiva, vrios so os mtodos articulados pela doutrina para clarificar o caminho pelo qual o intrprete pode trilhar para extrair a significao do enunciado da norma constitucional. Emergem, nesta dimenso, os denominados mtodos de interpretao constitucional. 6.1. O mtodo jurdico ou clssico

    64Celso Ribeiro Bastos, op. cit., p.133, nota 61.65Hermenutica e interpretao constitucional, So Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p.99. 66Instituies de direito constitucional, 3.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.12.

  • Pelo mtodo clssico ou jurdico as normas constitucionais devem ser interpretadas levando-se em conta os elementos (a) filolgico - literal, gramatical, literal; (b) lgico - sistemtico; (c) histrico - , (d) teleolgico - finalidade e utilidade social e; (e) gentico. Expe CANOTILHO que por este mtodo, interpretar a Constituio interpretar uma lei (tese da identidade: interpretao constitucional = interpretao legal)67. 6.2. Mtodo cientfico-espiritual

    Traado por RUDOLF SMEND, o mtodo cientfico-espiritual, segundo CANOTILHO, funda-se na necessidade de interpretao da Constituio em prestgio: (i) nas bases de valorao (= ordem de valores, sistema de valores) subjacentes ao texto constitucional; (ii) o sentido e a realidade da constituio como elemento do processo de integrao. O recurso ordem de valores obriga a uma do contedo axiolgico ltimo da ordem constitucional68.

    A concepo de SMEND, salienta PAULO BONAVIDES, precursoramente sistmica e espiritualista: v na Constituio um conjunto de distintos fatores integrativos com distintos graus de legitimidade. Esses fatores so a parte fundamental do sistema, tanto quanto o territrio a sua parte mais concreta69. 6.3. A Tpica

    A tpica influenciou decisivamente as cincias jurdicas para a fixao de uma Teoria da Argumentao.

    Reatando idias de ARISTTELES, CCERO E GIAN BATTISTA VICO, THEODOR VIEHWEG, em Topik und Jurisprudenz, props uma techne do pensamento orientada para o problema70.

    De contedo assistemtico, a reafirmao a tpica por VIEHWEG foi caracterizada por trs elementos:

    (...) por um lado a tpica , do ponto de vista de seu objeto, uma tcnica do pensamento problemtico; por outro lado, do ponto de vista do instrumento com que opera, o que se torna central a noo de topos ou lugar-comum; finalmente, do ponto de vista do tipo de atividade, a tpica uma busca e exame de premissas: o que a

    67Direito constitucional e teoria da Constituio, 3.ed., [s.l.]: Livraria Almedina, [s.a.p.], 1.136. 68Ibid., p. 1.139.69Curso de direito constitucional, 10.ed., So Paulo: Malheiros, 2000, p. 436.70Georges Salomo Leite esclarece que diferentemente das tcnicas de interpretao, que partem da norma para o problema (modelo subsuntivo-dedutivo), a tpica faz o caminho inverso, parte do problema para a norma, ou seja, do particular para o geral. Percebe-se, desde logo, que o pensamento tpico do tipo indutivo (particular-geral), ao passo que o pensamento sistemtico dedutivo (geral-particular). Isto faz com que a tpica coloque o problema a frente de tudo, dizer, o caso concreto o ponto de partida do pensamento problemtico, e a partir deste problema que a norma recebe seu sentido (Interpretao constitucional e tpica jurdica, So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 68).

  • caracteriza ser um modo de pensar no qual a nfase recai nas premissas, e no nas concluses 71.

    MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO verifica com clareza as feies que a tpica ostenta:

    A tpica assume uma estrutura dialgica que desponta sobre uma base retrico-argumentativa de feio intersubjetiva: suas premissas legitimam-se na aceitao do interlocutor, da mesma forma que o comportamento dos interlocutores orientado pela previsibilidade de oposio do adversrio. Para a tomada de deciso, necessrio o consenso; e o que em disputa fica provado em virtude de aceitao, passa a ser admissvel como premissa para outros raciocnios de ordem dialtica. Diante da infinidade do raciocnio tpico, permanece, ento, o debate como principal instncia de controle. A abertura para o dilogo sujeito crtica traz transparncia e legitimidade s decises no apenas porque suas premissas gozam de respeitabilidade, mas tambm pelo poder de persuaso de suas teses, medida que elas conseguem sobreviver ao ataque das crticas e erradicar progressivamente equivocidades. No existem, pois, respostas corretas ou verdadeiras, mas argumentos que se impem pela fora do convencimento72.

    Assim, apesar das severas crticas que sofre, a tpica figura como um procedimento pelo qual o sujeito lida com problemas, empregando-se, no caso, os topois.

    Em outras palavras, uma tcnica de pensar por problemas, orientados pelos denominados topoi, que significam pontos de vistas auxiliares utilizados na busca de uma soluo adequada para um problema previamente dado73. A funo dos topoi servir a uma discusso de problemas. Os topoi e os catlogos de topoi tm, em conseqncia, uma extraordinria importncia no sentido da fixao e da construo de um entendimento comum74.

    Assim, o emprego da tpica ressurgiu como uma proposta de concretizao do Direito, mediante busca de premissas e problematizaes norteadas por um elemento fundamental: a busca do justo.

    Por fim, depreende-se que o modo de pensar tpico, dada sua expansividade, uma ferramenta preciosa para a interpretao, pois diante de novos pontos de vista (topoi) possvel que se d uma mudana de situao, um novo rumo, naquilo j fixado, condicionado. 6.3.1. Mtodo concretista da Constituio aberta

    A tpica repercutiu na doutrina do direito constitucional com muita intensidade. Para PAULO BONAVIDES um dos mtodos de interpretao que a tpica mais de perto influenciou nos dias atuais foi o mtodo concretista da Constituio aberta, teorizado na Alemanha pelo prof. PETER HBERLE75.

    71Ibid., p.65.72Hermenutica e argumentao, p.158.73cf. George Salomo Leite, op. cit., p.61, nota 70.74cf. Thedor Viehweg, tpica e jurisprudncia, p.41.75Curso de direito constitucional, p.465, nota 69.

  • Conforme estudado no item 3. do presente trabalho, HBERLE detectou um imenso alcance da tpica, mediante fundamentaes e legitimaes plenamente aplicveis ao direito constitucional.

    A construo terica de HBERLE, diz BONAVIDES, parece desdobrar-se atravs de trs pontos principais: o primeiro, o alargamento do crculo de intrpretes da Constituio; o segundo, o conceito de interpretao como um processo aberto e pblico e, finalmente, o terceiro, ou seja, a referncia desse conceito Constituio mesma, como realidade constituda e publicizao76.

    Sobremais: (...) o mtodo da Constituio aberta representa uma contribuio fecunda, dos juristas da tpica ao Direito Constitucional. Sem a tpica, a teoria material da Constituio no teria feito os excepcionais progressos que alcanou, depois de chegar a um ponto de exausto a controvrsia do positivismo com o direito natural nos arraiais do pensamento filosfico europeu. A grande sada de Viehweg e Esser na hermenutica jurdica do sculo XX abriu pois caminho s correntes crticas de um constitucionalismo de renovao, que reaproximou, com base em profunda reflexo, a Constituio e a realidade. Fez possvel dentro da sociedade mvel e dinmica de nosso tempo, um Estado de Direito com fundamento de legitimidade nos direitos sociais e nas garantias concretas da liberdade humana77.

    Efetivamente, a nova hermenutica constitucional, com apoio na tpica, preocupa-se com solues possveis resoluo de propostas constitucionais. Estas propostas, no mbito da tpica, devem ser compatibilizadas com a realidade social. Assim, a textura normativa aberta das normas constitucionais , em sntese, o campo de trabalho dos legtimos intrpretes democrticos consecuo do programa social. 6.4. Mtodo hermenutico-concretizador

    Outro desdobramento que a tpica inspirou no direito constitucional foi o mtodo hermenutico-concretizador, elaborado por KONRAD HESSE.

    CANOTILHO expe suas caractersticas fundamentais: O mtodo hermenutico-concretizador arranca da idia de que a leitura de um texto normativo se inicia pela pr-compreenso do seu sentido atravs do intrprete. A interpretao da constituio tambm no foge a este processo: uma compreenso de sentido, um preenchimento de sentido juridicamente criador, em que o intrprete efectua uma actividade prtico-normativa, concretizando a norma para e a partir de uma situao histrica concreta. No fundo, este mtodo vem realar e iluminar vrios pressupostos da tarefa interpretativa: (1) os pressupostos subjectivos, dado que o intrprete desempenha um papel criador (pr-compreenso) na tarefa de obteno do sentido do texto constitucional: (2) os pressupostos objectivos, isto , o contexto, actuando o intrprete como operador de mediaes entre o texto e a situao em que se aplica: (3) relao

    76Ibid., p.466.77Ibid., p.472.

  • entre o texto e o contexto com a mediao criadora do intrprete, transformando a interpretao em (crculo hermenutico)78.

    Para KONRAD HESSE, precursor do presente mtodo, a interpretao constitucional no sentido estrito torna-se necessria e converte-se em problema quando uma questo jurdico-constitucional deve ser respondida, que no deixa decidir univocamente com base na Constituio. Diz o autor que onde no existem dvidas, no se interpreta e, muitas vezes, tambm no necessria interpretao79.

    HESSE distingue interpretao em sentido amplo e interpretao em sentido estrito. As normas constitucionais somente so interpretadas em sentido estrito, ocasio em que ocorre a denominada concretizao80. Noutro passo, a inexistncia de dvidas no deflagra a interpretao em sentido estrito, mas sim a interpretao em sentido amplo, isto , a compreenso da norma81.

    Destarte, s h interpretao em sentido estrito, portanto, concretizao, quando houver possibilidade de determinao do contedo da norma com a realidade.

    Apesar da distino entre concretizao e compreenso da norma, no processo interpretativo eles aparecem como conceitos interligados.

    Assim, a concretizao pressupe um entendimento do contedo da norma a ser concretizada. Essa no se deixa desatar da pr-compreenso do intrprete e do problema concreto a ser resolvido, cada vez82.

    Por tal mtodo, a interpretao no foge da norma - seu parmetro83 -, apesar de se considerar a existncia de uma margem de liberdade do intrprete (pr-compreenso) no processo de concretizao. Neste aspecto, salienta HESSE que no existe interpretao constitucional independente de problemas concretos84.

    78Direito constitucional e teoria da Constituio, 3.ed., [s.l.]: Livraria Almedina, [s.a.p.], p. 1.138.79Elementos de direito constitucional da Repblica Federal da Alemanha, trad. de Luiz Afonso Heck, Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Editor, [s.a.p.], p.53-54.80Canotilho explica que concretizar a constituio traduz-se, fundamentalmente, no processo de densificao de regras e princpios constitucionais. A concretizao das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta - norma jurdica - que, por sua vez, ser apenas um resultado intermdio, pois s com a descoberta da norma de deciso para a soluo dos casos jurdico-constitucionais teremos o resultado final da concretizao. Por sua vez, densificar uma norma significa preencher, complementar e precisar o espao normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de concretizao, a fim de tornar possvel a soluo, por esse preceito, dos problemas concretos (op. cit., p.1.127, nota 78).81Escritos de derecho constitucional, 2.ed., Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p.36.82cf. Hesse, op. cit., p. 61, nota 61.83Patrcia Ulson Pizarro assinala: a interpretao concretizante (konkretisierung) vincula a atividade interpretativa norma. A interpretao tem carter criativo: o contedo da norma interpretada s estar completo com sua interpretao no se podendo esquecer o limite da atividade interpretativa: a prpria norma (Interpretao constitucional: o mtodo hermenutico-concretizante, cadernos de direito constitucional e cincia poltica, n. 17, p.79, 85.84Ibid., p. 62.

  • Segue-se, pois, que para el Derecho constitucional la importancia de la interpretacin es fundamental pues, dado el carcter abierto y amplio de la Constitucin, los problemas de interpretacin surgen com mayor frecuencia que en otros sectores del ordenamiento cuyas normas son ms detalladas85.

    Existem, conforme HESSE, condies da interpretao constitucional. Salienta que a concretizao pressupe a compreenso do contedo da norma a concretizar. Esta no pode se desvincular da pr-compreenso do intrprete nem do problema concreto a resolver86.

    A tarefa do intrprete compreender o contedo da norma a partir de uma pr-compreenso que vai permitir-lhe contemplar a norma por certas expectativas, isto , condies histricas em que se encontra87.

    Dada a textura normativa aberta que detm a norma constitucional, atravs de uma atuao tpica orientada e limitada pela prpria norma, devem ser encontrados e provados pontos de vista que, pela inventio, so submetidos ao jugo das opinies favorveis e desfavorveis a possibilitar uma deciso mais clara e convincente possvel88.

    No emprego dos topoi, face o problema a ser solucionado e a multiplicidade de pontos de vista existentes, o intrprete deve adotar somente pontos de vista para a concretizao que estejam relacionados com o problema: a determinao pelo problema exclui topoi no-apropriados. Neste diapaso, o intrprete deve seguir o programa da norma89 e o mbito da norma a ser concretizada. So, como se depreende, diretivas para empregabilidade, coordenao e valorizao desse elementos na resoluo do problema90.

    Pela construo de HESSE, competem aos princpios de interpretao constitucional a funo dirigente e limitadora considerao, coordenao e valorao dos pontos de vista elaborados resoluo dos problemas. Tais princpios, segundo HESSE, so: (a) da unidade da Constituio; (b) da concordncia prtica; (c) da exatido funcional; (d) do efeito integrador e; (e) da fora normativa da Constituio.

    Em arremate, HESSE justifica sua teoria afirmando que para uma interpretao constitucional que parte da primazia do texto constitui este o

    85cf. Hesse, op. cit., p.36, nota 81.86Ibid., p.43.87Ibid., p.44.88Ibid., p.46.89Segundo Hesse, a concretizao do contedo de uma norma constitucional e sua realizao so, por conseguinte, somente possveis com o emprego das condies da realidade, que essa norma est determinada a ordenar. As particularidades, muitas vezes, j moldadas juridicamente, dessas condies formam o mbito da norma que, da totalidade das realidades afetadas por uma prescrio, do mundo social, destacado pela ordem, sobretudo expressada no texto da norma, o programa da norma, como parte integrante do tipo normativo. Como essas particularidades, e com elas o mbito da norma, esto sujeitas s alteraes histricas, podem os resultados da concretizao da norma modificar-se, embora o texto da norma (e, com isso, no essencial, o programa da norma) fique idntico. Disso resulta uma mutao constitucional permanente, mais ou menos considervel, que no se deixa compreender facilmente e, por causa disso, raramente fica clara (op. cit., p.50-51).90cf. Konrad Hesse, op. cit., p.64.

  • limite infranquevel de sua atuao; as possibilidades de compreenso do texto delimitam o campo de suas possibilidades tpicas91.

    Esmiuando o mtodo hermenutico-concretizante propugnado por KONRAD HESSE, PATRCIA ULSON PIZARRO traz as etapas procedimentais para a existncia de condies para a interpretao constitucional, o primeiro projeto (a) a pr-compreenso do fato concreto e do dispositivo normativo a ser interpretado, necessitando de uma fundamentao terico-constitucional como pr-requisito a atividade de interpretar; (b) o segundo momento a compreenso do intrprete para que se faa a concretizao, sendo que tal conduta s ser possvel face a um problema concreto (questo)92.

    Cumpre destacar, por fim, que a diferena existente entre o presente mtodo e o mtodo tpico-problemtico determinado pela seguinte circunstncia: enquanto o ltimo pressupe ou admite o primado do problema perante a norma, o primeiro assenta no pressuposto do primado do texto constitucional em face do problema93. 6.5. Mtodo concretista de Friedrich Mller

    O mtodo concretista de FRIEDRICH MLLER, conforme PAULO BONAVIDES, tem sua base ou inspirao maior na tpica, a que ele faz alguns reparos, modificando-a em diversos pontos para poder chegar aos resultados da metodologia proposta94.

    Destarte, consoante MLLER, no h identidade entre norma e texto da norma.

    Expe o autor: A no-identidade de norma e texto da norma, a no-vinculao da normatividade a um teor literal fixado e publicado com autoridade ressalta tambm do fenmeno do direito consuetudinrio. No se duvida da sua qualidade jurdica, embora ele no apresente nenhum texto definido com autoridade. Essa propriedade do direito, de ter sido elaborado de forma escrita, lavrado e publicado segundo um determinado procedimento ordenado por outras normas, no idntica sua qualidade de norma. Muito pelo contrrio, ela conexa a imperativos do Estado de Direito e da democracia, caractersticos do Estado constitucional burgus da modernidade. Mesmo onde o direito positivo dessa espcie predominar, existe praeter constitutionem um direito (constitucional) consuetudinrio com plena qualidade de norma. Alm disso, mesmo no mbito do direito vigente, a normatividade que se manifesta em decises prticas no est orientada linguisticamente apenas pelo texto da norma jurdica concretizanda. A deciso elaborada com ajuda de materiais legais, de manuais didticos, de comentrios e estudos monogrficos, de precedentes e de material do direito comparado, quer dizer, com ajuda de numerosos textos que no so idnticos ao e transcendem o teor literal da norma.

    91Op. cit., p.52, nota 81.92Ob cit., p.16-17, nota 83.93Cf. Canotilho, op. cit., p.1.138, nota 78.94Curso de direito constitucional, 10.ed., So Paulo: Malheiros, 2000, p.456.

  • Em meio massa dos materiais de trabalho resultantes da prxis e da cincia jurdicas, a metdica jurdica dispe de matria suficiente para elaborar as suas prprias condies fundamentais. Isso vale tambm diante de um estado atual dos esforos em interligar cincia jurdica e teoria da comunicao95.

    Detectando que a norma contm um mbito (Normbereich) e um programa (Normprogramm), MLLER especifica que o processo de concretizao deve tomar em conta o fato, o programa da norma e o mbito normativo96.

    Diante da insuficincia dos mtodos hermenuticos clssicos - pois lidam unicamente com textos -, a metdica estruturante apresenta-se como um procedimento desenvolvido com base no e com vistas ao direito constitucional97.

    A metdica estruturante de MLLER aberta realidade. A concretizao s se alcana com a norma de deciso, vale dizer, aps percorrido o processo de concretizao, atinge-se a norma aplicvel ao caso.

    Para concluir, conforme averba CANOTILHO, a interpretao das normas constitucionais um conjunto de mtodos, desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudncia com base em critrios ou premissas (filosficas, metodolgicas, epistemolgicas) diferentes mas, em geral, reciprocamente complementares98.

    O carter aberto da Constituio , por si s, condio suficiente para dar fundamento importncia do discurso.

    (*) O autor Procurador da Assemblia Legislativa do Estado de So Paulo. Corregedor. Professor de Direito Constitucional da Universidade Cruzeiro do Sul - SP.

    95Mtodos de trabalho do direito constitucional, 2.ed., So Paulo: Max Limonad, 2000, p.54-55.96Cf. Paulo Bonavides, op. cit., p.459, nota 94.97cf. Friedrich Mller, op. cit., p. 68.98op. cit., p. 1.136.