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 462  Acácia Zenei da Kuenze r, Cla udia Barcelo s de Moura Abreu e Cristia no Mauro Ass is Gomes  Revista Brasi le ir a de Educação v. 12 n. 36 set. /dez. 200 7 Introdução O presente texto tem como objetivo apresentar os principais resultados e análises oriundos de uma  pesquisa realizad a em empresa do setor petroquím ico  brasileir o que iniciou processo de mudança tecnoló- gica em uma planta industrial. 1  Os impactos no pro- cesso de trabalho advindos das mudanças em curso referem-se ao conjunto da força de trabalho, embora com níveis diferenciados. Isso significa que distintos grupos de profissionais sofrerão impactos mais dire- tos enquanto outros estarão mais distantes da opera- ção da nova tecnologia, mas é possível afirmar que todo o ambiente de trabalho sofrerá alterações prove- nientes da mudança. As transformações tecnológicas que vêm ocor- rendo no mundo do trabalho apresentam um amplo leque de modificações no processo de produção e na forma de organização do trabalho. Elas geram um clima de incertezas e desafios para a sociedade e  para os trabalhadores diretamente impactados. Con- siderando que a mudança tecnológica em curso faz uso intensivo de tecnologia microeletrônica e deman- da conhecimentos científicos por parte dos opera- dores, a questão norteadora para os trabalhadores está relacionada aos níveis de exigência desses no- vos conhecimentos, assim como o modo como se- riam feitas as readequações necessárias em um con- texto de mudança. A mudança em curso diz respeito a uma nova tecnologia que será utili zada para realizar a movimen- tação e o posicionamento da planta industrial, o que implica, do ponto de vista do investimento, mais ra-  pidez e maiores estabilidade e confiabilidade para  processa r as operaçõ es. A pesquisa e o perfil da força de trabalho A pesquisa desenvolveu-se a partir de entrevis- tas realizadas com os trabalhadores ligados direta-  A articul ação entre conheci mento tácito e inovação tecnológica: a função mediadora da educação  Acácia Zeneida Kuenzer Claudia Barcelos de Moura Abreu Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação Cristiano Mauro Assis Gomes Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas 1  As informações levantadas com a pesquisa de campo fo- ram organizadas e tratadas pelo pesquisador júnior Rafael Carlos dos Santos, acadêmico do curso de engenharia da produção da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

KUENZER_A Articulação Entre Conhecimento Tácito e Inovação Tecnológica a Função Mediadora Da Educação

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Inovação tecnológica e a função mediadora da educação, com base na psicologia histórico cultural

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    Accia Zeneida Kuenzer, Claudia Barcelos de Moura Abreu e Cristiano Mauro Assis Gomes

    Revista Brasileira de Educao v. 12 n. 36 set./dez. 2007

    Introduo

    O presente texto tem como objetivo apresentaros principais resultados e anlises oriundos de umapesquisa realizada em empresa do setor petroqumicobrasileiro que iniciou processo de mudana tecnol-gica em uma planta industrial.1 Os impactos no pro-cesso de trabalho advindos das mudanas em cursoreferem-se ao conjunto da fora de trabalho, emboracom nveis diferenciados. Isso significa que distintosgrupos de profissionais sofrero impactos mais dire-tos enquanto outros estaro mais distantes da opera-o da nova tecnologia, mas possvel afirmar quetodo o ambiente de trabalho sofrer alteraes prove-nientes da mudana.

    As transformaes tecnolgicas que vm ocor-rendo no mundo do trabalho apresentam um amplo

    leque de modificaes no processo de produo ena forma de organizao do trabalho. Elas geram umclima de incertezas e desafios para a sociedade epara os trabalhadores diretamente impactados. Con-siderando que a mudana tecnolgica em curso fazuso intensivo de tecnologia microeletrnica e deman-da conhecimentos cientficos por parte dos opera-dores, a questo norteadora para os trabalhadoresest relacionada aos nveis de exigncia desses no-vos conhecimentos, assim como o modo como se-riam feitas as readequaes necessrias em um con-texto de mudana.

    A mudana em curso diz respeito a uma novatecnologia que ser utilizada para realizar a movimen-tao e o posicionamento da planta industrial, o queimplica, do ponto de vista do investimento, mais ra-pidez e maiores estabilidade e confiabilidade paraprocessar as operaes.

    A pesquisa e o perfil da fora de trabalho

    A pesquisa desenvolveu-se a partir de entrevis-tas realizadas com os trabalhadores ligados direta-

    A articulao entre conhecimento tcitoe inovao tecnolgica: a funo mediadorada educao

    Accia Zeneida KuenzerClaudia Barcelos de Moura AbreuUniversidade Federal do Paran, Setor de Educao

    Cristiano Mauro Assis GomesUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas

    1 As informaes levantadas com a pesquisa de campo fo-

    ram organizadas e tratadas pelo pesquisador jnior Rafael Carlos

    dos Santos, acadmico do curso de engenharia da produo da

    Pontifcia Universidade Catlica do Paran (PUC-PR).

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    mente empresa petroqumica,2 totalizando 91 en-trevistas,3 o que representa a totalidade da fora detrabalho da empresa naquela planta. O instrumentode pesquisa foi construdo aps reunies com os coor-denadores do processo de modernizao da planta. Apartir dos pontos indicados pelo grupo gestor, a equipede pesquisadores demarcou o nmero de 30 ques-tes e um tempo, em torno do duas horas, para cadaentrevistado. As questes do instrumento procuravamcaracterizar as atividades desenvolvidas pelos traba-lhadores, os conhecimentos necessrios, os proces-sos de capacitao em servio, o perfil formativo eobter reflexes sobre as mudanas em curso e as dis-posies para o enfrentamento dos novos desafiospostos.

    Com relao ao processo de trabalho, h umadiviso das atividades executadas na planta em trsreas distintas: operao, manuteno e administra-o. Os grupos diretamente impactados pelas mu-danas so os operadores e o pessoal da manuten-o; o grupo de operadores ligados s atividades deposicionamento ser responsvel pelo uso da novatecnologia e os trabalhadores da manuteno serodiretamente confrontados com novos equipamentose sistemas.

    Em termos quantitativos, os 91 trabalhadores daplanta esto divididos da seguinte forma:

    Tabela 1 Distribuio da forade trabalho nos setores

    Setor Operao Manuteno Administrao Total

    Trabalhadores 40 34 17 91Fonte: Pesquisa realizada na empresa petroqumica.

    No que diz respeito escolarizao, h por parteda empresa a exigncia de grau de escolaridade m-dia, sendo que grande parte dos trabalhadores reali-zou estudos no curso mdio tcnico, poucos possuemensino mdio propedutico e outros possuem cursosuperior.

    Tabela 2 Escolarizao da fora de trabalhoNvel de Mdio Mdio Superior Total

    escolaridade propedutico tcnico

    Trabalhadores 18 44 29 91Fonte: Pesquisa realizada na empresa petroqumica.

    possvel observar que o perfil de escolaridadeda fora de trabalho aqui apresentada tem uma carac-terstica peculiar em relao mdia da fora de tra-balho industrial brasileira: enquanto se registra umamdia de escolaridade de 7,4 anos (Sabia, 2001) parao conjunto da fora de trabalho, os sujeitos da pes-quisa possuem no mnimo 11 anos de escolarizao.

    Outro fato importante para compreendermos operfil dos pesquisados diz respeito ao grau de organi-zao dessa categoria profissional, cujo sindicato marcado por uma atuao fortemente classista, o quesignifica que, ao longo do processo de modernizaoda planta, os direitos adquiridos no devero ser con-testados. Isso posto, verifica-se que as transformaesem processo esto articuladas s mudanas na quali-ficao e talvez nos postos de trabalho, mas no emrelao ao emprego.

    Na tentativa de explicitar as especificidades dessegrupo de profissionais, importante relatar tambmque o local de trabalho um ambiente especial, cujajornada de trabalho possui um cronograma de 14 diasde trabalho e 21 dias de descanso; est sujeito s in-tempries das condies ambientais que determinamincio e abandono das operaes, condies que ohomem pode prever mas no modificar; todos os man-timentos, equipamentos e ferramentas devem sertransportados at a planta, o que implica mobilizaoda mo-de-obra e da planta industrial no apenas paraoperar, executar tarefas planejadas pela sede em ter-ra, mas tambm para executar tarefas de manutenoda planta para as atividades do dia-a-dia.

    2 A empresa possui trabalhadores contratados diretamente e

    subcontrata trabalhadores por meio de contratos com outras em-

    presas. s vezes, o nmero de funcionrios subcontratados maior

    do que o do efetivo da empresa. Neste caso, foram coletados da-

    dos apenas dos trabalhadores diretos.3 As entrevistas foram realizadas ao longo de um ms em

    diferentes locais: na sede da empresa, em universidade, no local

    de trabalho.

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    Alm da caracterstica da jornada de trabalho, necessrio acrescentar que os trabalhadores residemem diferentes pontos do territrio nacional, o que oca-siona distanciamento entre eles e entre eles e a sededa empresa durante o perodo de descanso.

    Como ltimo ponto, necessrio acrescentar quea poltica de capacitao da empresa apresenta umleque amplo de possibilidades de especializao. possvel perceber, pelo histrico de cursos dos traba-lhadores, que os treinamentos so freqentes, mas vmcaracterizando-se, segundo os depoimentos dos tra-balhadores, por apresentar contedos com caracters-ticas marcadamente atitudinais. Esse aspecto temimpactado negativamente os trabalhadores, pois es-tes compreendem seu trabalho pela ptica da opera-o, ou seja, entendem que as atividades que execu-tam tm natureza marcadamente tcnica e por essaperspectiva que entendem que se d a capacitao.

    A relao entre conhecimento tcito ecientfico na base microeletrnica

    A anlise do perfil dos trabalhadores, ao relacio-nar idade, tempo de trabalho na planta e escolarida-de, indica uma primeira relao relevante entre co-nhecimento tcito e cientfico: a idade dos empregados(77% dos trabalhadores tm mais de 40 anos), articu-lada ao tempo de trabalho (50% tm mais de 10 anosde experincia na planta), configura uma fora de tra-balho integrada por muitos empregados que, em vir-tude de sua longa experincia laboral, acumularamexpressivo e indispensvel conhecimento sobre o tra-balho.

    Se tomarmos dez anos como ponto de corte, osdados revelam a convivncia entre trabalhadores ex-perientes e trabalhadores novos, meio a meio. Essesdados adquirem significado quando cruzados com aescolaridade, evidenciando que os mais antigos secaracterizam pela primazia do conhecimento tcitosobre o cientfico e pela ausncia, de modo geral, derelao sistematizada com o conhecimento por meiode cursos de mais longa durao em perodos maisrecentes. So profissionais que fizeram sua qualifica-

    o no passado, em grande parte em cursos com al-guma aderncia ao trabalho que realizam, mas queno voltaram a estudar de forma mais continuada,embora tenham freqentado cursos especficos decapacitao profissional e nem sempre aderentes aoexerccio de suas funes. No entanto, esses traba-lhadores, dada a especificidade da planta, desenvol-veram pela experincia competncias tcitas4 que cer-tamente impactam significativamente a produtividadee a qualidade do trabalho.

    Os mais novos, por sua vez, caracterizam-se porter mais domnio terico do que prtico, em funode suas trajetrias de formao escolar mais recentes,em muitos casos em nvel superior e, em alguns, emnvel de ps-graduao.

    De qualquer modo, todos, sem exceo, repor-tam que aprenderam a trabalhar na planta trabalhan-do. Dadas as especificidades do trabalho de opera-o, no h cursos disponveis para capacitao nessaespecialidade. Segundo os relatos dos mais antigos,sequer houve preparao prvia; chegavam e come-avam a trabalhar, aprendendo com os mais experien-tes, observando, perguntando, experimentando, acer-tando e errando. Em decorrncia, acumularam umconhecimento tcito que, por guardar pouca relaocom a formao anterior, no passvel de sistemati-zao, e, conseqentemente, de transmisso por pro-cessos formalizados de ensino. Nesses casos, o ensi-no pelos mais experientes ocorre por tutoria, com foconas formas de fazer. Como o trabalho da operao simplificado e repetitivo, oferece reduzidas oportuni-dades de qualificao, sendo apontado como desqua-lificante pela maioria dos entrevistados, muitos dosquais afirmam que desaprenderam ao longo do pro-

    4 Conhecimentos e competncias tcitas so as adquiridas pela

    experincia; pelo seu carter prtico, no so passveis de sistema-

    tizao terica, e em funo disso no podem ser ensinadas; seu

    desenvolvimento depende da subjetividade, das oportunidades de

    acesso informao, das oportunidades de trabalho, da cultura, das

    relaes sociais vividas por cada trabalhador. So desenvolvidas, e

    no adquiridas em processos sistematizados de ensino.

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    cesso. Contraditoriamente, revelam amplo domniode formas de fazer que lhes permitem diagnosticar eresolver problemas de diferentes nveis de comple-xidade, mas sempre a partir das experincias ante-riores.

    Por seu carter prtico, simplificado e pouco di-nmico do ponto de vista das inovaes, esse conhe-cimento tcito no se ancora na teoria, marcado porseu carter eminentemente prtico; refere-se s prti-cas rotineiras que se desenvolvem sem apoio na teo-ria. Isso no significa afirmar que esse conhecimentotcito no seja relevante; ao contrrio, ele que asse-gura a normalidade e a segurana da planta nas suasatividades cotidianas. O que se pretende demarcar o seu carter prtico, psicofsico, porquanto mediadopela corporeidade, como se vai discutir mais adiante.

    Os operadores mais novos, detentores de forma-o terica mais adensada, passam pelo mesmo pro-cesso de aprendizagem na prtica e atravs dela, comapoio na experincia dos mais velhos, embora repor-tem o uso dos manuais e procedimentos como recur-sos de apoio. Contudo, as entrevistas feitas com essegrupo permitem evidenciar que a pouca adernciaentre formao e operao da planta os leva mais afazer uso das competncias cognitivas complexasdesenvolvidas ao longo da trajetria de escolaridadedo que acessar conhecimentos tericos. Tal afirma-o tem apoio na inexistncia de pr-requisitos deformao escolar para aprender a operao; qualquertrabalhador pode aprender a operar, desde que seempenhe para faz-lo; no caso analisado, a expe-rincia integrada ao tempo que ensina. Da o carterpredominantemente tcito do conhecimento dos ope-radores; eles refletem e raciocinam, processo no qualintegram conhecimentos e experincias anteriores, naprtica e a partir dela.

    Essa realidade caracteriza o primeiro desafioapontado pela investigao: o conhecimento tcito,tpico das formas tayloristas/fordistas de organizar otrabalho, relevante nos processos de trabalho cujabase tcnica a microeletrnica? Ou dispensvel?No caso em estudo, ele exerce alguma funo naaprendizagem das novas tecnologias ou pode ser des-

    cartado? Os operadores que apresentam esse perfildevem ser mantidos ou devem ser substitudos pornovos trabalhadores que tenham domnio cientfico-tecnolgico mais avanado, o que a princpio facili-taria o processo de capacitao, assegurando o de-senvolvimento das competncias necessrias paraoperar com segurana e confiabilidade?

    Para responder a esse desafio torna-se necess-rio elucidar a permanncia do conhecimento tcitonos processos automatizados, posto que h uma ten-dncia a eximir as formas modernas de trabalho in-dustrial de qualquer possibilidade de utilizao decompetncia prtica significativa.5 Contrariando essatendncia, Jones e Wood apontam para a necessidadede compreender melhor a relao entre conhecimen-to tcito e novas tecnologias, considerando que aque-le se insere no mbito das dimenses subjetivas dotrabalho, formas inconscientes e geralmente no re-conhecidas, pelas quais os trabalhadores, mesmo des-qualificados, utilizam um saber com amplo poder deinterveno nos trabalhos prescritos (Jones & Wood,1984, traduo livre).

    No taylorismo/fordismo esse saber que tornapossvel a execuo das tarefas em face das diferen-as entre trabalho prescrito e trabalho real, em razodo que o capital permanece em significativa depen-dncia do trabalho, a partir do que refora o poder denegociao dos trabalhadores. Nesse sentido, a auto-mao, ao transferir para a mquina o trabalho e tam-bm seu controle, permite ao mesmo tempo diminuiressa dependncia, melhorar a confiabilidade do siste-ma e auferir ganhos de produtividade em vista dosdesafios da competitividade; e, de quebra, diminuir opoder dos trabalhadores.

    Resta saber se a independncia em relao aoconhecimento tcito possvel a partir da automa-o. Tomaremos aqui trs pesquisas que evidenciamo oposto, com a finalidade apenas de levantar hipte-ses para a investigao acerca da relao entre co-

    5 Esse tema foi tratado de modo mais ampliado por Kuenzer

    (2003).

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    nhecimento tcito e cientfico em face das novas tec-nologias: a realizada por Jones e Wood (1984) sobrea relao entre qualificaes tcitas e novas tecnolo-gias; a desenvolvida por Llori (2001), que estuda ofator humano nos grandes acidentes industriais ocor-ridos na dcada de 1980; a realizada por Dejours(1993), tambm sobre as dimenses subjetivas do tra-balho (Jones & Wood, 1984; Llori, 2001).

    Todos esses autores so enfticos ao afirmar, apartir de extensos trabalhos empricos, que o conhe-cimento tcito exerce influncia vital sobre a intro-duo e sobre o funcionamento dos sistemas media-dos pela base microeletrnica. Inicialmente, mostramJones e Wood, a implantao de novas tcnicas e no-vos equipamentos depende do conhecimento existen-te, enraizado em uma prtica anterior bem-sucedida(Jones & Wood, 1984, p. 3).

    Essa afirmao tem sido confirmada pelas pes-quisas realizadas por Kuenzer (2003) na ltimadcada, na Regio Metropolitana de Curitiba, por in-termdio de entrevistas com trabalhadores que acom-panharam as mudanas tecnolgicas ao longo do tem-po, porm ainda na base eletromecnica; como asnovas tecnologias guardavam relao com as prece-dentes, a transferncia das aprendizagens anterioresfoi crucial para a instalao e o funcionamento dosnovos equipamentos.

    Os resultados desses estudos mostraram que oconhecimento tcito no desaparece com a implanta-o de novas tecnologias, particularmente com as debase microeletrnica, mas muda de qualidade, pas-sando a exigir maior aporte de conhecimentos cient-ficos que no podem ser obtidos somente pela prti-ca, seno por cursos sistematizados.

    Essa afirmao leva-nos a concluir, em primeirolugar, que a implantao da nova tecnologia de posi-cionamento dinmico, de base microeletrnica, a serefetivada na planta objeto desta pesquisa, no pres-cinde do conhecimento tcito dos operadores maisantigos; ao contrrio, os mais experientes, guardiesde um conhecimento tcito relevante, assumem pa-pel primordial junto aos novos trabalhadores, cujacapacitao para operar os novos equipamentos de-

    manda conhecimento da realidade do trabalho nas suasdimenses de historicidade e de totalidade, o que sig-nifica ter experincia na planta tal como ela operouat agora como condio para apropriao adequadadas novas tecnologias, necessidade esta reconhecidapelos mais novos no transcurso das entrevistas.

    Em contrapartida, a apropriao de conhecimentocientfico-tecnolgico necessrio para a implantaode processos de base microeletrnica, tal como o pla-nejado no processo de modernizao da planta, de-manda relao permanente e sistematizada com oconhecimento terico pelo domnio das categorias dotrabalho intelectual, caracterstica que se mostrou pre-sente entre os trabalhadores mais novos, que so de-tentores de nveis mais elevados de escolaridade.

    Vista dessa forma, a relao entre conhecimentotcito e conhecimento cientfico na base microeletr-nica no de oposio e sim de articulao dialtica,posto que so categorias que se integram nos proces-sos de trabalho flexibilizados, nos quais a prevaln-cia do tcito ou do cientfico responde especificida-de do trabalho a ser realizado por uma fora detrabalho de qualificaes diferenciadas que se articu-lam para atender s necessidades das cadeias produ-tivas.

    Essa premissa permite compreender a competn-cia laboral como sntese entre corporeidade e intelec-tualidade, de modo que supere a clssica dualidadeque historicamente tem oposto essas categorias e,dessa forma, recuperar a concepo de omnilaterali-dade, ou seja, de integralidade do ser humano comoum dos fundamentos dos processos de formao.

    Enfrentar essa discusso no mbito da relaoentre conhecimento tcito e cientfico, corporeidadee intelectualidade, implica retomar Jones e Wood(1984) quando afirmam que h diferentes elementose graus de conhecimento tcito. O primeiro e no onecessariamente mais simples de ser desenvolvido diz respeito s prticas rotineiras, tanto mais eficien-tes quanto mais automatizadas, ou seja, quanto me-nos intervir a ao consciente. Do ponto de vista pe-daggico, adentramos no campo dos automatismos,em que a experincia decisiva para a aprendizagem,

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    secundarizando-se a compreenso terica, a qual, seestiver presente, o ser apenas no primeiro momentodas explicaes que se faam necessrias para iniciaro processo; nesse caso, estamos no campo da auto-matizao pela memorizao de procedimentos fsi-cos e mentais pela repetio, o que se constitui noelemento fundante da educao taylorista/fordista.

    Ou, como afirmam os autores citados, para quese objetive a aquisio de um comportamento roti-neiro adequado, ela deve ser um processo de integra-o de movimentos estandardizados e de reduo deatos conscientes (Jones & Wood, 1984, p. 6). Essasprticas rotineiras, tais como dirigir automvel, pilo-tar avio, danar, tocar um instrumento musical, fa-zer clculos mentais, digitar, implicam tal integraoentre corporeidade e pensamento que permitem a rea-lizao de movimentos sem a necessidade da cons-cincia reflexiva, na medida em que ela interrompe ofluxo contnuo e a preciso no automatismo.6

    Nesses casos, a corporeidade passa a exercerpapel fundamental, como mostra Dejours (1993) aoanalisar o que chama inteligncia prtica, que distin-gue da inteligncia cognitiva. O autor afirma que aprimeira caracterstica da inteligncia prtica estarenraizada no corpo. Assim que os primeiros sinaisde um evento (anormalidade) passam pelos sentidos,que acusam algum desconforto: um rudo, uma vi-

    brao, um cheiro, desde que exista uma experinciaanterior comum situao de trabalho. essa dimen-so corprea que distingue a inteligncia prtica dainteligncia analtica;7 o corpo, pela percepo, queorientar a ao, conferindo inteligncia uma dire-o, de modo que proceda a um rpido diagnsticosucedido de interveno, cuja temporalidade inver-sa de um raciocnio cientfico, que vir depois paraverificar, operacionalizar e disseminar a prtica quelhe foi sugerida pela intuio (Dejours, 1993, p. 286). dessa forma que os operadores de refinaria, os pilo-tos de avio ou outros profissionais atuam, primeirolevando o sistema a uma condio segura para depoisverificar a melhor forma de retornar normalidade.No caso em estudo, os trabalhadores referem-se aosentimento como a competncia mobilizada parafazer diagnsticos e tomar decises sobre, por exem-plo, parar ou continuar a operao em face das condi-es ambientais adversas. Essas decises so difceis,pois continuar a operar ante a iminncia de alteraesna normalidade da planta significa perder o trabalho,com srias implicaes relativas a retrabalho e perdade material. Ao mesmo tempo, interromper o traba-lho desnecessariamente implica perdas. Embora con-sultem informaes disponveis nos sistemas infor-matizados, segundo os operadores, parar ou continuardepende do sentimento; ou seja, mobiliza-se a inte-ligncia corprea, que integra dialeticamente as sen-saes, s informaes, reflexes, a partir das expe-rincias anteriores.

    7 O termo inteligncia analtica foi elaborado por Sternberg

    para designar que as habilidades cognitivas estudadas at o pre-

    sente momento pela psicometria no respondem pela diversidade

    de estruturas intelectuais. Ao contrrio, as habilidades cognitivas

    psicomtricas so aglutinadas dentro da inteligncia analtica,

    envolvendo basicamente processos de anlise lgica, resoluo

    de problemas abstratos e operaes com linguagens e estruturas

    formais, entre outros componentes. A inteligncia analtica, se-

    gundo Sternberg e Grigorenko (2003), fortemente correlacionada

    s competncias acadmicas escolares.

    6 Schon (1983), com base nos estudos de Pollany, mostra

    que h nos conhecimentos tcitos um tipo de reflexo-na-ao

    diferente da reflexo sobre a ao, que no impediria necessaria-

    mente o fluxo dos automatismos, de modo que vrios deles no

    poderiam ser considerados apenas atos mecnicos livres de as-

    pectos artsticos, estticos e de alta complexidade cognitiva. Da

    mesma maneira que h diferentes nveis de conhecimento tcito,

    h diferentes nveis de automatismos, alguns apenas dizendo res-

    peito a processos cognitivos de baixa qualidade, como ocorre com

    os trabalhadores no taylorismo/fordismo, e outros se referindo a

    processos muito complexos, como o ato de pintar, de tocar um

    instrumento com maestria ou de diagnosticar uma doena estra-

    nha em um paciente. Esses automatismos contm processos cog-

    nitivos muito complexos, apesar de automatizados.

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    A inteligncia prtica assim concebida implicadesconsiderao e, em alguns casos, desobedinciaao trabalho prescrito no todo ou em parte, bem comoa conhecimentos tcnicos e cientficos; por isso,Dejours a chama inteligncia ardilosa, pois aqui opensamento zomba do rigor, uma vez que precisa sim-plificar a complexidade da realidade para poder for-malizar os procedimentos. o reino da malcia, daesperteza, da astcia, do pensamento rpido, que tambm o terreno dos automatismos dos especialis-tas com alto nvel cognitivo. No caso pesquisado, hriqueza de relatos sobre essa desobedincia, aponta-da em muitas situaes como a condio que resol-veu problemas e evitou acidentes.

    Embora a inteligncia prtica seja fundamental-mente corprea, no implica ausncia do pensamen-to, no obstante conduza a modelaes prticas e re-presentaes metafricas do conhecimento tcnicoque no correspondem a clculos ou aplicaes rigo-rosas de procedimentos e instrues (idem, p. 288-290).

    A inteligncia prtica est mais vinculada ob-teno de resultados do que ao conhecimento decla-rativo dos princpios e processos que servem de ca-minho ao pensamento; a questo posta resolverrapidamente o problema com economia de esforo ede sofrimento do corpo.

    Finalmente, observa o autor, a inteligncia ardi-losa criativa, fazendo surgir respostas, materiais,ferramentas e processos novos; e faz-se presente emtodos os homens, desde que estejam em boas condi-es gerais, principalmente de sade. Ela est pre-sente no trabalho intelectual: encontra-se tambm nocentro da atividade intelectual, e mesmo do trabalhoterico... na atividade do pesquisador... a engenhosi-dade, os ardis da inteligncia, [...] fazem-se notar naarte da demonstrao, nas malcias, na elegncia, svezes no estilo, que se conjugam na parte retrica detodo discurso terico e cientfico (idem, p. 289).

    Uma segunda forma de conhecimento tcito iden-tificada por Jones e Wood aquela que demanda di-ferentes graus de tomada de conscincia para tomardecises em situaes que fogem normalidade;

    dependendo da complexidade da situao a ser en-frentada, so diferentes os nveis de conscincia amobilizar, podendo ocorrer necessidade de processoscognitivos bastante complexos. Essa forma de conhe-cimento tcito foi observada, no caso pesquisado, entreos supervisores da operao, cujo perfil se caracteri-za pela experincia e pelo tempo de atuao; o co-nhecimento terico no condio para exercer a fun-o, embora todos tenham evidenciado relao como conhecimento por um curso tcnico ou um cursosuperior incompleto no passado, mas na maioria doscasos no aderente ao trabalho. Esses dados levam-nos a concluir que, nesses casos, a formao sistema-tizada por meio de cursos contribuiu mais para de-senvolver a capacidade de anlise, de sntese, enfimde raciocnio lgico formal do que pelo acesso a co-nhecimentos cientfico-tecnolgicos. Quando h si-tuaes de anormalidade, so os supervisores quedecidem, a partir das informaes dos operadores, osquais tambm contribuem para a operacionalizaodas decises no plano das aes. Os operadores nodecidem; reportam-se sempre aos operadores quandoh uma dificuldade a enfrentar.

    E, finalmente, apontam a terceira dimenso, quepassa a desempenhar papel fundamental no toyotis-mo: as competncias tcitas de natureza coletiva, de-rivadas da cooperao (Jones & Wood, 1984, p. 6).Essa dimenso incorpora, segundo os autores, a to-mada de conscincia e julgamento dos trabalhadoressobre como se insere o seu trabalho no processo deproduo, considerando as interfaces com os traba-lhos de seus companheiros de equipe.

    Essa dimenso leva necessidade da anlise dasrelaes que se estabelecem entre os conhecimentostcitos no mbito do trabalho coletivo, com suas dife-renciaes a partir de uma hierarquizao reordenadapela mundializao do capital e pela reestruturaoprodutiva. Nesse contexto, a combinao desigualentre trabalhos com diferentes nveis de qualificao/precarizao ao longo das cadeias produtivas cons-tituinte da natureza dos processos de flexibilizao.Se o setor reestruturado se alimenta do precarizadopara assegurar competitividade, prevalecendo a lgi-

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    ca da polarizao das chamadas competncias flex-veis nos setores mais tecnologicamente complexos dacadeia produtiva, evidenciam-se diferentes combina-es entre conhecimento tcito e cientfico, de modoque quanto mais se valoriza um tcito empobrecido,limitado por modelos de gesto fordistas, mais seprecariza o trabalho (Kuenzer, 2003).

    Decorre da que a relao entre conhecimentocientfico e conhecimento tcito evidencia sua dimen-so poltica, posto que se define a partir das possibili-dades de diferentes combinaes de estratgias deextrao de mais-valia ao longo das cadeias produti-vas. essa dimenso que faz importante o conheci-mento aprofundado dessa relao, quando se preten-de desenvolver processos educativos comprometidoscom a emancipao dos que vivem do trabalho.

    As relaes entre trabalho,conhecimento e educao

    O segundo desafio posto pela pesquisa refere-sea como implementar programas de desenvolvimentode competncias em um processo de trabalho no qualconhecimento tcito e cientfico se distribuem dife-rentemente entre os profissionais, de modo que seassegure a todos o direito ao acesso ao conhecimentoa partir de suas necessidades e especificidades.

    No caso em estudo, a anlise das especificidadesdos grupos que sero impactados de forma direta pelaimplantao da nova tecnologia mostra que, entre osoperadores, predomina idade mais avanada, menostempo de trabalho na planta e menos formao esco-lar ou formao no aderente funo, o que se com-preende pela natureza mais especfica, simplificada erepetitiva da tarefa. Pelos relatos, as atribuies dosoperadores demandam conhecimento tcito poucosofisticado para executar trabalho pouco complexo;dificilmente tomam decises, recorrendo ao supervisorna maioria das vezes, portador de conhecimentos t-citos mais complexos que lhe permitem solucionareventos; os operadores no relatam enfrentamento deemergncias em que sua atuao fosse predominante.Ou seja, apresentam perfil pouco aderente s necessi-

    dades derivadas da implantao de inovaes tecno-lgicas. Contudo, como j se afirmou anteriormente,revelam significativo conhecimento tcito, relevantepara a implantao de novas tecnologias, embora nemsempre reconhecido em decorrncia do modelo degesto adotado, o que explica a transferncia das res-ponsabilidades de deciso para nveis mais elevados.

    Os trabalhadores da manuteno, por sua vez,apresentam perfil diferente: tm formao aderente funo, geralmente em curso tcnico de nvel mdiorealizado nos Centros Federais de Educao Tecno-lgica, e reportam relao mais estreita entre conhe-cimento cientfico e conhecimento tcito, resultanteda permanente necessidade de enfrentar situaescomplexas derivadas da manuteno de equipamen-tos antigos, para os quais muitas vezes sequer h pe-as de reposio, gerando necessidade de desenvol-vimento de ferramentas e peas na prpria planta. Ouseja, o trabalhador da manuteno exercita permanen-temente sua capacidade de enfrentar situaes noprevistas que demandam solues criativas, com o que instado a buscar apoio no conhecimento cientficodisponvel nos manuais, nos procedimentos, nos for-necedores, na Internet ou em especialistas.

    Em sntese, as entrevistas, tendo em vista a pro-posio de propostas pedaggicas a partir das rela-es entre processo de trabalho, conhecimento, esco-laridade e experincia, revelam que:

    a) h diferenas significativas na relao entreconhecimento tcito e conhecimento sistema-tizado entre os que concluram curso tcnicoaderente sua rea de trabalho e os que no ofizeram; ou seja, formao tecnolgica ade-rente ao trabalho favorece o desenvolvimen-to de conhecimento tcito mais integrado aoconhecimento cientfico;

    b) nos casos em que essa aderncia no se con-firma, verifica-se que a contribuio mais ex-pressiva da formao escolar reside no de-senvolvimento de competncias cognitivascomplexas, de modo especial as relativasao domnio das linguagens e ao raciocnio

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    Accia Zeneida Kuenzer, Claudia Barcelos de Moura Abreu e Cristiano Mauro Assis Gomes

    Revista Brasileira de Educao v. 12 n. 36 set./dez. 2007

    lgico-formal, o que permite novas apren-dizagens que acabam por favorecer a rela-o entre conhecimento cientfico e conhe-cimento tcito;

    c) a dinamicidade e a complexidade do trabalhoconduzem a uma relao mais estreita entreconhecimento tcito e cientfico; quanto maisdinmico e complexo o trabalho, ou seja,quanto mais situaes que fogem da norma-lidade (eventos) ele produz, mais impacta arelao entre conhecimento tcito e cientfi-co, levando o trabalhador a buscar os funda-mentos de sua experincia para criar soluesinovadoras; ao contrrio, o trabalho simplifi-cado, repetitivo, leva ao desenvolvimento deum conhecimento tcito pouco complexo, fun-dado na prtica, suficiente para resolver situa-es rotineiras e de baixa complexidade;

    d) a concluso do ensino mdio em cursos deeducao geral, na modalidade regular e su-pletivo, no evidenciaram, no caso pesquisa-do, favorecer a relao entre conhecimentotcito e cientfico; este dado precisa ser apro-fundado por novas pesquisas, mas temoscomo hiptese que isso se d antes pela des-qualificao dessas modalidades do que pelocontedo com o qual trabalham; ou seja, no a natureza geral do contedo que dificulta arelao entre conhecimento tcito e cientfi-co, mas sim seu carter genrico, sem quali-dade. Ao contrrio, a pesquisa evidenciou,mais uma vez, que a relao entre conheci-mento tcito e cientfico se faz pela media-o dos fundamentos cientficos bsicos maisdo que pelo domnio de formas tecnolgicasespecficas que vo sendo superadas ao lon-go do tempo. Ou seja, a transferibilidade en-tre conhecimentos mediada predominante-mente pelo domnio dos fundamentos dacincia, da tecnologia e da scio-histria;

    e) a realizao de curso de formao na empre-sa, com foco no conhecimento terico-prti-co do trabalho, pouco freqente no caso em

    estudo, impacta significativamente a relaoentre conhecimento tcito e cientfico, facili-tando a articulao entre teoria e prtica;

    f) os entrevistados que evidenciam relao maisorgnica entre conhecimento tcito e cient-fico apresentam melhores condies de qua-lificao em cincia e tecnologia, caracteri-zando um significativo diferencial para os querealizaram cursos tcnicos nos Centros Fe-derais de Educao Tecnolgica ou cursossuperiores na rea tecnolgica.

    Essas concluses, aliadas a outros resultados quetemos obtido em pesquisa, indicam que a proposiode projetos pedaggicos que tenham por finalidade odesenvolvimento de competncias com o intuito deimplantar tecnologias de base microeletrnica em pro-cessos de trabalho nos quais conhecimento tcito ecientfico se distribuam diferentemente entre os pro-fissionais supe a compreenso da competncia noespao laboral como resultante da articulao entreteoria e prtica no interior das prticas coletivas. Aomesmo tempo, levam a considerar que a aprendiza-gem das novas tecnologias, particularmente de basemicroeletrnica, se d de forma mais qualificada quan-do h experincia anterior de trabalho de campo.

    Desse modo, os trabalhadores que tm conheci-mento tcito, por transferncia de aprendizagens an-teriores, capacitam-se melhor e mais rapidamente paraas novas tecnologias, desde que tenham suas compe-tncias cognitivas complexas desenvolvidas, o queconduz proposio da seguinte estratgia pedaggi-ca: desenvolver as competncias com foco na equipe,uma vez que as pesquisas anteriormente realizadasno setor petroqumico e os dados levantados neste tra-balho evidenciam que o enfrentamento das situaescomplexas sempre resultado do trabalho coletivo,posto que demandam a articulao de diferentes co-nhecimentos e experincias, que contribuem, de mo-dos diferenciados, para a soluo de eventos, compreen-didos como as ocorrncias imprevistas, inesperadas,parcial ou totalmente, que perturbam o desenvolvi-mento regular da produo e no podem ser resolvi-

  • A articulao entre conhecimento tcito e inovao tecnolgica

    Revista Brasileira de Educao v. 12 n. 36 set./dez. 2007 471

    das pelas prprias mquinas por meio de sistemas deautocontrole (Zarifian, 2001, p. 41-43).

    A prtica tem mostrado que, embora o horizontea ser atingido seja o desenvolvimento de todas as com-petncias, das mais simples s mais complexas, pelatotalidade dos trabalhadores, o acesso ao conhecimen-to e s experincias laborais diferenciado, de formamais significativa nos pases em que as desigualda-des sociais so mais acentuadas.

    Em decorrncia, so necessrias duas ordens deao, que compem a estratgia de formao a seradotada: a primeira, elevar a qualificao de toda aequipe, partindo da realidade de cada trabalhador; asegunda, organizar equipes de trabalho que sinteti-zem a competncia coletiva demandada pelo traba-lho, desde as mais simples at as mais complexas.Assim, em cada equipe dever estar contemplada acapacidade de enfrentar situaes complexas usandoconhecimento e experincia, a capacidade de refle-xo terica mais avanada, o conhecimento tcito, acapacidade operacional, mas sem que sejam limita-dos os horizontes de capacitao de cada um de seusmembros, segundo seu desejo e sua necessidade.

    Para tanto, os processos pedaggicos deveroarticular formao inicial visando ao resgate da capa-cidade de trabalhar intelectualmente por meio do do-mnio das linguagens, da matemtica e dos conheci-mentos bsicos das cincias que fundamentam oprocesso de trabalho em tela, seguida de mdulos deformao cada vez mais avanada, a serem cursadospelos trabalhadores sem que se estabeleam limitesprvios em funo da natureza da ocupao. A pers-pectiva que fundamenta esta proposta, portanto, odireito de todos ao conhecimento, a partir do reco-nhecimento das diferenas de acesso produzidas pe-las desigualdades que decorrem, como dimenso es-trutural, das relaes entre capital e trabalho.

    guisa de concluso: a funomediadora dos processos educativos

    As novas relaes entre conhecimento tcito econhecimento cientfico a partir das mudanas decor-

    rentes da base microeletrnica trazem novos desafiospara a educao dos que vivem do trabalho.

    O ponto de partida para esta discusso a cons-tatao de que, de posse do conhecimento cientfico,o conhecimento tcito pode mudar de qualidade; arecproca, porm, no verdadeira, como apontamos operadores entrevistados na pesquisa j citada(Kuenzer, 2002, p. 8), que passam a reivindicar co-nhecimento cientfico para melhor responder aos even-tos, constatando que sua prtica no suficiente; ouseja, a prtica por si no ensina, a no ser pela media-o da ao pedaggica. So os processos pedaggi-cos intencionais e sistematizados, portanto, que, me-diando as relaes entre teoria e prtica, ensinaro aconhecer. Portanto, no basta inserir o trabalhador naprtica para que ele espontaneamente aprenda:

    [...] preciso considerar que a prtica no fala por si mes-

    ma; os fatos prticos, ou fenmenos, tm que ser identifi-

    cados, contados, analisados, interpretados, j que a realida-

    de no se deixa revelar atravs da observao imediata;

    preciso ver alm da imediaticidade para compreender as

    relaes, as conexes, as estruturas internas, as formas de

    organizao, as relaes entre parte e totalidade, as finali-

    dades, que no se deixam conhecer no primeiro momento,

    quando se percebem apenas os fatos superficiais, aparen-

    tes, que ainda no se constituem em conhecimento. (idem,

    ibidem)

    A realidade, as coisas, os processos so conheci-dos somente na medida em que so criados, repro-duzidos no pensamento e adquirem significado; essare-criao da realidade no pensamento um dosmuitos modos de relao sujeito/objeto, cuja dimen-so mais essencial a compreenso da realidade en-quanto relao humano/social. Ou seja, o ato de co-nhecer no prescinde do trabalho intelectual, que um movimento do pensamento que no se desenvol-ve espontaneamente, precisando ser aprendido:

    [...] o ato de conhecer no prescinde do trabalho intelec-

    tual, terico, que se d no pensamento que se debrua sobre

    a realidade a ser conhecida; neste movimento do pensa-

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    Accia Zeneida Kuenzer, Claudia Barcelos de Moura Abreu e Cristiano Mauro Assis Gomes

    Revista Brasileira de Educao v. 12 n. 36 set./dez. 2007

    mento que parte das primeiras e imprecisas percepes para

    relacionar-se com a dimenso emprica da realidade que se

    deixa parcialmente perceber, que, por aproximaes suces-

    sivas, cada vez mais especficas e ao mesmo tempo mais

    amplas, so construdos os significados. (idem, ibidem)

    Ensinar a conhecer, enquanto capacidade de agirteoricamente e pensar praticamente, a funo daescola; esse aprendizado no se d espontaneamentepelo contato com a realidade, mas demanda o dom-nio das categorias tericas e metodolgicas pelo apren-dizado do trabalho intelectual.

    As novas demandas de articulao entre conheci-mento cientfico e conhecimento tcito reforam a ne-cessidade de ampliao crescente das oportunidades deacesso ao conhecimento com qualidade como condi-o necessria insero e permanncia nas relaessociais e produtivas para os que vivem do trabalho.

    As pesquisas que vm sendo realizadas no mbi-to deste projeto permitem apontar com segurana quea incluso, resolvido o problema da oferta de ocupa-es, s ser possvel mediante o domnio dos conhe-cimentos cientficos, tecnolgicos e scio-histricosque esto na base de constituio da sociedade con-tempornea, a serem viabilizados, no mnimo, por umaboa escolarizao fundamental e mdia. A partir da,ser possvel, no trabalho ou em cursos de formaoescolar, desenvolver competncias de cunho mais es-pecfico para atender a demandas especficas do tra-balho e da participao social.

    Referncias bibliogrficas

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    dos alunos. Porto Alegre: Artmed, 2003.

    ZARIFIAN, Philippe. Objetivo competncia: por uma nova lgi-

    ca. So Paulo: Atlas, 2001.

    ACCIA ZENEIDA KUENZER, doutora em educao pela

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), profes-

    sora titular aposentada da Universidade Federal do Paran (UFPR),

    na qual continua atuando no Programa de Ps-Graduao em Edu-

    cao. Entre suas publicaes recentes, destacam-se: A educao

    profissional nos anos 2000: a dimenso subordinada das polticas

    de incluso (Educao & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 96, espe-

    cial, p. 877-910, out. 2006); Competncia como prxis: os dilemas

    da relao entre teoria e prtica na educao dos trabalhadores (Bo-

    letim Tcnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, jan./abr. 2003);

    KUENZER, A. e MORAES, Maria Clia. Temas e tramas da ps-

    graduao no Brasil (Educao & Sociedade, Campinas, v. 26, n.

    93, p. 1.341-1.362, set./dez. 2005). Pesquisadora do Conselho Na-

    cional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) na rea

    de Trabalho e Educao. E-mail: [email protected]

    CLAUDIA BARCELOS DE MOURA ABREU, doutora em

    educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    (PUC-SP), professora adjunta da Universidade Federal do Paran

    (UFPR) no Programa de Ps-Graduao em Educao. Entre suas

    publicaes destacam-se: Reestruturao produtiva, trabalho e

    educao: as implicaes para a qualificao profissional (Revis-

    ta de Educao Pblica, Cuiab, v. 13, n. 24, p. 80-93, 2004);

    Mudanas no mundo do trabalho e qualificao profissional: um

  • A articulao entre conhecimento tcito e inovao tecnolgica

    Revista Brasileira de Educao v. 12 n. 36 set./dez. 2007 473

    estudo de caso (In: CONGRESSO INTERNACIONAL EDUCA-

    O E TRABALHO, Anais..., Aveiro, 2005. CD-ROM); ABREU,

    C. B. M. e LANDINI, Sonia. Trabalho docente: a dinmica entre

    formao, profissionalizao e proletarizao na constituio da

    identidade (Quaestio Revista de Estudos da Educao, Sorocoba,

    v. 5, n. 1, p. 17-26, 2003). Pesquisadora na rea de Trabalho e

    Educao. E-mail: [email protected]

    CRISTIANO MAURO ASSIS GOMES, doutor em educa-

    o pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pro-

    fessor adjunto na mesma universidade, no Departamento de Psi-

    cologia da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. Entre suas

    publicaes destacam-se: Apostando no desenvolvimento da inte-

    ligncia: em busca de um novo currculo educacional para o de-

    senvolvimento do pensamento humano (Rio de Janeiro: Lamparina,

    2007); O programa de desenvolvimento da lgica-formal: concei-

    tos e estrutura (Educao em Foco, Belo Horizonte, v. 8, p. 13-20,

    2005). Participa dos grupos de pesquisa Inovar e Neuropsicologia

    e Desenvolvimento Humano. E-mail: [email protected]

    Recebido em maio de 2007

    Aprovado em julho de 2007

  • Resumos/Abstracts/Resumens

    548 Revista Brasileira de Educao v. 12 n. 36 set./dez. 2007

    Accia Zeneida Kuenzer, ClaudiaBarcelos de Moura Abreu e CristianoMauro Assis Gomes

    A articulao entre conhecimentotcito e inovao tecnolgica: afuno mediadora da educaoEsta pesquisa, realizada no setor

    petroqumico brasileiro, analisa o pro-cesso de mudana tecnolgica em am-biente de trabalho cujas operaes de-mandam majoritariamenteconhecimentos tcitos. A inovao pro-posta impe reorganizao da qualifi-cao da fora de trabalho, consideran-do o uso intensivo de tecnologiamicroeletrnica dos novos equipamen-tos e a demanda de conhecimentoscientficos por parte dos operadores.Os dados foram coletados por meio deentrevista semi-estruturada com 91 tra-balhadores das reas de operao, ma-nuteno e administrao e evidenciamque os conhecimentos tcitos esto di-retamente relacionados complexidadedo processo de trabalho, o que gera,para o processo de qualificao, neces-sidades diferenciadas de formaocientfica e tecnolgica. Tambm foipossvel constatar que os conhecimen-tos relativos educao formal dos tra-balhadores, quando converge com asexigncias das atividades executadaspor eles, tendem a facilitar a articula-o dos conhecimentos tcitos e cient-ficos. Os dados encontram respaldo emestudos anteriores realizados em pro-cessos de reestruturao produtiva.Palavras-chave: conhecimento tcito einovao tecnolgica; formao para otrabalho; trabalho e educao

    The articulation between tacitknowledge and technologicalinnovation: the mediating functionof educationThis research, carried out in theBrazilian petrochemical sector,analyses the process of technologicalchange in the work environment whoseoperations require chiefly tacitknowledge. The proposed innovationimposes a reorganization of thequalification of the work force, takinginto account the intensive use ofmicroelectronic technology of the newequipments and the demand forscientific knowledge by the operators.Data was collected by means of semi-

  • Resumos/Abstracts/Resumens

    Revista Brasileira de Educao v. 12 n. 36 set./dez. 2007 549

    structured interviews with 91 workersfrom the areas of operation,maintenance and management andrevealed that tacit knowledge isdirectly related to the complexity of thework process which generatesdifferentiated needs of scientific andtechnological training for thequalification process. It was alsopossible to confirm that when theworkers knowledge acquired in theprocesses of formal educationconverges with the demands ofactivities which they execute, it tendsto facilitate the articulation betweentacit and scientific knowledge. Thedata is supported by previous studiescarried out in processes of productiverestructuring.Key words: tacit knowledge andtechnological innovation; training forwork; work and education

    La articulacin entre conocimientotcito e innovacin tecnolgica: lafuncin mediadora de la educacinEsta pesquisa, realizada en el sectorpetroqumico brasileo, analiza elproceso de cambios tecnolgicos enambiente de trabajo cuyas operacionesdemandan mayoritariamenteconocimientos tcitos. La innovacinpropuesta impone reorganizacin de lacalificacin de la fuerza de trabajo,considerando el uso intensivo detecnologa microeletrnica de losnuevos equipamientos y la demanda deconocimientos cientficos por parte delos operadores. Los datos fueronobtenidos a travs de entrevista semiestructurada con 91 trabajadores delas reas de operacin, manutencin yadministracin y prueban que losconocimientos tcitos estndirectamente relacionados a lacomplejidad del proceso de trabajo, loque genera, para el proceso decalificacin, necesidades diferenciadasde formacin cientfica y tecnolgica.Tambin fue posible constatar que los

    conocimientos relativos a la educacinformal de los trabajadores, cuandoconverge con las exigencias de lasactividades ejecutadas por ellos,tienden a facilitar la articulacin delos conocimientos tcitos y cientficos.Los datos encuentran respaldo enestudios realizados anteriormente enprocesos de reestructuracinproductiva.Palabras claves: conocimiento tcito einnovacin tecnolgica; formacinpara el trabajo; trabajo y educacin