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Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
LÚCIA CRISTINA AZEVEDO QUARESMA
SABERES DOCENTES E A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL RIBEIRINHA EM BELÉM/PA
Belém – PA
2018
Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Travessa Djalma Dutra, s/n – Telégrafo
66113-200 Belém-PA
www.uepa.br/mestradoeducacao
LÚCIA CRISTINA AZEVEDO QUARESMA
SABERES DOCENTES E A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL RIBEIRINHA EM BELÉM/PA
Dissertação apresentada ao Centro de Ciências
Sociais e Educação, da Universidade do Estado do
Pará, Linha de Pesquisa Formação de Professores e
Práticas Pedagógicas, como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Educação, sob a orientação da
Professora Dra. Tânia Regina Lobato dos Santos e
coorientação da Professora Dra. Ana Paula Cunha dos
Santos Fernandes.
Belém-PA
2018
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
Biblioteca do CCSE/UEPA
Quaresma, Lúcia Cristina Azevedo
Saberes docentes e a prática pedagógica na educação infantil ribeirinha em Belém / Lúcia
Cristina Azevedo Quaresma; orientação de Tânia Regina Lobato dos Santos, 2018.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2018.
1.Ribeirinhos.3.Métodos de ensino.3.Educação de crianças.4.Saberes.I. Santos, Tânia Regina
Lobato dos Santos (orient.). II. Titulo.
CDD. 23º ed. 370.115
LÚCIA CRISTINA AZEVEDO QUARESMA
SABERES DOCENTES E A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL RIBEIRINHA EM BELÉM/PA
Dissertação apresentada ao Centro de Ciências
Sociais e Educação, da Universidade do Estado do
Pará, Linha de Pesquisa Formação de Professores e
Práticas Pedagógicas, como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Educação, sob a orientação da
Professora Dra. Tânia Regina Lobato dos Santos e
coorientação da Professora Dra. Ana Paula Cunha dos
Santos Fernandes.
Data da aprovação: 4 de maio de 2018.
Banca Examinadora:
_______________________________________________ - Orientadora
Profa. Dra. Tânia Regina Lobato dos Santos
Doutora em Educação – PUC/SP
Universidade do Estado do Pará – UEPA
________________________________________________ - Coorientadora
Profa. Dra. Ana Paula Cunha dos Santos Fernandes
Doutora em Educação – UFSCar
Universidade do Estado do Pará – UEPA
________________________________________________ - Membro Externo
Profa. Dra. Georgina Negrão Kalife Cordeiro Doutora em Educação – UFRN
Universidade Federal do Pará – UFPA
________________________________________________ - Membro Interno
Profa. Dra. Ana D’Arc Martins de Azevedo Doutora em Educação – PUC/SP
Universidade do Estado do Pará – UEPA
Ao meu pai Sebastião Quaresma, menino
que viveu sua infância às margens do rio
Piquiarana, comunidade ribeirinha do
município de Abaetetuba, aprendendo as
primeiras letras na escola ribeirinha, um
verdadeiro contador de histórias.
AGRADECIMENTOS
Nos dizeres do poeta Antonio Juraci Siqueira, “Num mundo individualista a vida perde
os encantos diante de ouvidos moucos, onde o apetite de poucos promove a fome de tantos”.
Tão real se torna o trecho poético ao expressar como seria a vida se tudo transcorresse de forma
individualista; sem a contribuição do outro, tudo seria um desencanto, um desalento.
Não foi o caso do percurso deste estudo, que contou com as contribuições de muitos,
muitos seres iluminados que Deus colocou em minha trajetória de vida. Não existiria
conhecimento sem a presença de Deus em minha vida, tudo é do pai, a ele toda honra e toda
glória, minha gratidão por mais uma etapa vencida.
Como expressar todo o meu amor e agradecimento aos que me deram a vida, Sebastião
Quaresma de Azevedo (In memoriam) e Lúcia Maria Carneiro de Azevedo. Meu coração
transborda de alegria em seguir os conselhos e ensinamentos deles, pois sem eles nada disso
seria possível.
Quando não acreditamos em nosso potencial, tem uma família de homens incríveis e
incansáveis em fortalecer os momentos de cansaço, ansiedade, desânimo e aflição: meus
meninos, Ruan e Ramon, e meu marido Ruy Quaresma. Agradeço imensamente o amor e o
incentivo a cada etapa vencida. Amo vocês, vida minha.
Porque criar é preciso, direcionar o objeto de estudo é um grande desafio na pesquisa, e
isso só foi possível com as orientações da Professora Doutora Tânia Regina Lobato dos Santos,
sua compreensão nos momentos difíceis, habilidade e conhecimento em conduzir foram
essenciais.
Agradeço também à coorientadora Professora Doutora Ana Paula Cunha dos Santos
Fernandes, que trouxe a sensibilidade que a pesquisa na escola ribeirinha necessitava; com seus
conhecimentos sobre o contexto sociocultural ribeirinho, conduziu com brandura a organização
da pesquisa.
Carregando comigo meus sonhos, não deixaria de agradecer em especial a você, minha
irmã, Lúcia Helena, pelo constante incentivo; construímos lado a lado cada momento de mais
esta etapa de minha formação profissional, te amo. Também, aos meus irmãos José, Sebastião,
Pedro, Nazareno e Luzia por estarem presentes nos momentos difíceis que enfrentamos no final
de 2017, não me deixando perder as forças para a finalização do estudo.
Os amigos são essenciais, são tantos, mais quero registrar aqui, em especial, minha
irmãzinha Vânia Batista (“nossos caminhos foram traçados na maternidade”, o
companheirismo, as trocas de conhecimentos, o colo, sem dúvida, foram essenciais).
Às amigas: Socorro Pereira Lima (incansável incentivadora e mestra); Simone Loureiro
e Lorena Trescastros por sempre acreditarem no meu potencial. Agradeço a vocês, amigas, por
cada torcida.
À amiga Carla Andréia Lima da Silva (UFRJ), pelo encontro no campo da pesquisa.
Amigos são enviados por Deus nos momentos em que mais precisamos, sou imensamente grata
pela companhia e pelas trocas de conhecimentos.
À amiga Margarida Azevedo, pelo colo de mãe tão necessário nos momentos de folga e
descontração durante o percurso da pesquisa.
Agradecimentos especiais para todos os meus amigos que comigo dividem trocas de
conhecimentos e experiências únicas no Centro de Formação de Professores (SEMEC),
especialmente a minha coordenadora, Cilene Valente, pela compreensão nos momentos de
conciliação dos estudos com o trabalho e pelos valorosos encontros de troca de conhecimentos
em nosso espaço profissional. Vocês foram essenciais.
Às professoras convidadas para a Banca Examinadora de qualificação e defesa pelas
contribuições a mim dispensadas: Professoras Doutoras Ana D’Arc Martins de Azevedo e
Georgina Negrão Kalife Cordeiro. A pesquisa se torna mais leve com contribuições que
promovem o apetite pelo conhecimento. Minha gratidão.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de
Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará, colaboradores fundamentais
no decorrer desses dois anos de estudos. A cada disciplina cursada, conversas nos bastidores
do mestrado e nos seminários de estudo, veio à tona o desejo maior de, cada vez mais, contribuir
com a formação da criança da escola pública.
Aos funcionários da secretaria do PPGED pela acolhida e atenção dispensada nos
momentos necessários de organização do estudo.
À Secretaria de Educação de Belém (SEMEC) pela liberação de acesso às escolas
ribeirinhas, o que proporcionou a oportunidade da pesquisa na Escola Milton Monte e na
Unidade Pedagógica Nazaré.
À Coordenadoria do Campo da SEMEC, em especial à coordenação geral da Professora
Roseane Siqueira, que juntamente com sua equipe técnica foram incansáveis em atender todas
as minhas solicitações e informações no decorrer da pesquisa. Meus agradecimentos de coração.
À gestão da Escola Milton Monte, juntamente com seus coordenadores pedagógicos, e
a coordenação da Unidade Pedagógica Nazaré pela acolhida peculiar no decorrer da pesquisa,
não há palavras para descrever e agradecer a atenção a mim demonstrada.
Às professoras sujeitos da pesquisa, que, com seus saberes inquietos, proporcionaram
trocas de conhecimentos necessários para o desenvolvimento da pesquisa. Meu reconhecimento
especial.
Às crianças das Escolas ribeirinhas, que, com seus encantos, sorrisos e afagos, fizeram
desta pesquisa um momento especial, envolvente e prazeroso.
À gentileza de todos os barqueiros e dos funcionários das escolas ribeirinhas, vocês são
a certeza que gentileza gera gentileza no ambiente escolar.
E, por fim, com o coração apertado de saudade, ao som da poesia que acompanhou
nossos estudos no mestrado, agradeço imensamente aos amigos que ganhei de presente na
Turma 12/2016 do Mestrado em Educação (PPGED/UEPA), pelas trocas de conhecimentos,
pelos momentos de alegria, pelo apoio nos momentos de angústia e de dor, pelos abraços
calorosos, pela amizade arrebatadora que acompanhou cada momento vivido no nosso “Rio
12”, fazendo o mestrado “ser leve”, escrevendo uma nova história, um jardim de alegria e prazer
nos corredores do PPGED.
Sou tão melhor professor, então, quanto
mais eficazmente consiga provocar o
educando no sentido de que prepare ou
refine sua curiosidade, que deve trabalhar
com minha ajuda, com vistas a que produza
sua inteligência do objeto ou do conteúdo do
que falo.
Paulo Freire
RESUMO
O objetivo deste estudo foi analisar os saberes docentes revelados no desenvolvimento da
prática pedagógica a partir da inserção do professor da Educação Infantil no espaço escolar
ribeirinho, saberes que mobilizam a prática docente no contexto escolar de características
peculiares amazônicas, com os objetivos específicos de identificar os saberes articulados pelos
professores no desenvolvimento das estratégias de aprendizagem na prática pedagógica,
compreender o contexto escolar e cultural onde se dá o desenvolvimento de tais saberes de
forma a refletir em torno dos saberes articulados na prática pedagógica do professor de crianças
ribeirinhas. Como suporte teórico, para análise dos saberes docentes, privilegiou-se como
autores de base: Tardif (2005) e Gauthier (2013) no campo dos saberes da docência; Gatti
(2013) e Pimenta (1996) no campo da formação do professor a partir da articulação de tais
saberes; Freire (1996) e Arroyo (2013) com considerações pontuais sobre a Educação do
Campo; assim como, Kuhlmann Jr. (2010) em relação à Educação Infantil. A pesquisa, de
abordagem qualitativa de cunho descritivo, apoiada nos princípios de Minayo (1994), permitiu
trabalhar com o universo de significados, motivos e aspirações de duas professoras, em relação
aos saberes que configuram a sua prática pedagógica, em escolas localizadas na região da Ilha
do Combu em Belém-PA, atendidas pela Secretaria de Educação de Belém. A opção pela
pesquisa de campo de abordagem qualitativa parte da compreensão do sujeito da pesquisa como
um ser histórico-social, concreto, criador de ideias de culturas, produtor de sua prática
pedagógica. A análise do conteúdo, proposta por Bardin (2011), foi adotada para a interpretação
dos resultados por meio de categorias de análise e a partir de eixos temáticos, possibilitando a
seleção dos saberes revelados em maior evidência na prática pedagógica no momento da
inserção do professor no contexto escolar ribeirinho em destaque: os saberes da tradição
pedagógica; os saberes da ciência da educação; o saber experiencial. A pesquisa apontou os
saberes da experiência como o núcleo central de todos os outros saberes no desenvolvimento
da prática docente, a qual também é afetada por fatores inusitados provenientes do contexto
escolar, como: a ausência de valorização profissional do professor; a mediação fragmentada da
formação docente específica para a Educação do Campo na Amazônia; a carência de uma
política educacional voltada para as escolas das regiões insulares de Belém; a necessidade de
um espaço escolar adequado à região, que ofereça conforto e segurança as crianças –
considerando-se o fato de que a diversidade de crianças, do contexto cultural, a singularidade
da região, as dificuldades de formação continuada, de recursos pedagógicos, de condições de
trabalho, de políticas públicas focadas na educação ribeirinha e de valorização profissional
influenciam diretamente na tomada de decisões no desenvolvimento da prática pedagógica. A
relevância da pesquisa perpassa pelo repensar sobre a escola desejada para as crianças das
populações ribeirinhas, também sobre as propostas de formação docente a partir do
reconhecimento da prática pedagógica enquanto produtora de saberes. A pesquisa deixa como
contribuição para o campo educacional a ampliação dos estudos em relação aos saberes
docentes que regem a prática pedagógica, reforçando a necessidade do envolvimento destes nas
propostas de formação de professores, além do direcionamento para o cumprimento de políticas
públicas municipais necessárias e fundamentais para o exercício da consolidação de uma
proposta educacional de fato para as escolas ribeirinhas em Belém.
Palavras-chave: Educação do Campo. Educação Infantil. Prática Pedagógica. Saberes
Docentes.
ABSTRACT
The objective of this study was to analyze the teaching knowledge revealed in the development
of the pedagogical practice from the insertion of the teacher of Infant Education in the riverside
school space. Knowledge that mobilizes the teaching practice in the school context of peculiar
Amazonian characteristics. With the specific objectives of identifying the knowledge
articulated by teachers in the development of learning strategies in pedagogical practice,
understand the school and cultural context where the development of such knowledge is given
in order to reflect around the articulated knowledge in the pedagogical practice of the teacher
of riverside children. As a theoretical support for the analysis of the teaching knowledge, we
use as basis authors Tardif (2005) and Gauthier (1998) in the field of teaching knowledge; Gatti
(2013) and Pimenta (2012) in the field of teacher training based on the articulation of such
knowledge; Freire (1996) and Arroyo (2013) with occasional considerations about Field
Education, as well as Kuhlmann Jr. (2011) in relation to Early Childhood Education. The
qualitative research of a descriptive nature supported by the principles of Minayo (2011)
allowed to work with the universe of meanings, motives and aspirations of two teachers, in
relation to the knowledge that configure their pedagogical practice, of schools located in the
region of Ilha do Combu. The option for field research with a qualitative approach starts from
the understanding of the subject of the research as a historical social being, concrete, creator of
ideas of cultures, producer of his pedagogical practice. The analysis of the content proposed by
Bardin (2011) for the interpretation of the results by means of categories of analysis from
thematic axes allowed the selection of the knowledge in greater evidence in the pedagogical
practice at the moment of insertion of the teacher in the riverside school context in focus: the
knowledge of the pedagogical tradition; the knowledge of the science of education; or
experiential knowledge. The research pointed to the knowledge of experience as the central
nucleus of all other knowledge in the development of teaching practice that is also affected by
unusual factors from the school context such as: professional appreciation of the teacher; the
fragmented mediation of specific teacher training for Field Education in the Amazon; the lack
of an educational policy focused on schools in the island regions of Belém and the need for a
school space appropriate to the region that offers children comfort and safety. Considering the
fact that in the pedagogical practice of the teachers the diversity of children, the cultural context,
the singularity of the region, the difficulties of continuing education, pedagogical resources,
working conditions, public policies focused on riverine education and absence valorization
professional, directly influence the decision making in the development of pedagogical practice.
The relevance of the research is based on the rethinking of the school we aim for the children
of the riverside populations, as well as on the proposals of teacher training based on the
recognition of the pedagogical practice as a producer of knowledge. The research leaves as a
contribution to the educational field the extension of the studies in relation to the teaching
knowledge that govern the pedagogical practice reinforcing the necessity of the involvement of
the teacher knowledge in the teacher training proposals, as well as for the direction of the
fulfillment of the necessary municipal public policies and fundamental for the consolidation of
a de facto educational proposal for the riverside schools in Belém.
Keywords: Field Education. Child education. Pedagogical practice. Teacher knowledge.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Localização geográfica da Ilha do Combu com relação à área urbana de Belém .......... 26
Figura 2 – Localização geográfica da Escola Municipal Milton Monte .......................................... 27
Figura 3 – Transporte escolar das crianças ribeirinhas .................................................................... 28
Figura 4 – Saída das crianças da Educação Infantil (trapiche de acesso à Escola Milton Monte) .. 31
Figura 5 – Fachada da Unidade Pedagógica Nazaré........................................................................ 31
Figura 6 – Interior da Escola Milton Monte .................................................................................... 32
Figura 7 – Biblioteca da EM Milton Monte .................................................................................... 32
Figura 8 – Fachada da Escola Municipal Milton Monte ................................................................. 32
Figura 9 – Comunidade ribeirinha ................................................................................................... 34
Figura 10 – Pátio da UP Nazaré (Atividade recreativa) .................................................................. 35
Figura 11 – Exposição dos trabalhos da Educação Infantil ............................................................. 35
Figura 12 – Fachada da Unidade Pedagógica Nazaré...................................................................... 35
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Demonstrativo das escolas da região insular de Belém ................................................ 27
Quadro 2 – Perfil dos professores da Ed. Infantil/Ilha do Combu ................................................... 41
Quadro 3 – Artigos Relacionados à Temática ................................................................................. 46
Quadro 4 – Teses e Dissertações ..................................................................................................... 48
Quadro 5 – Sistematização dos Saberes Docentes .......................................................................... 79
Quadro 6 – Sumarização dos Eixos Temáticos e Categorias de Análise ......................................... 91
Quadro 7 – Sumarização da Tradição Pedagógica .......................................................................... 99
Quadro 8 – Sumarização dos Saberes das Ciências ....................................................................... 105
Quadro 9 – Sumarização dos Saberes Experienciais ..................................................................... 111
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APA – Área de Proteção Ambiental
CEB – Câmara de Educação Básica
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
COEC – Coordenadoria da Educação do Campo
COED – Coordenadoria de Educação do Ensino Fundamental
CNE – Conselho Nacional de Educação
DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais Para a Educação Infantil
ECOAR – Elaborando Conhecimento para Aprender a Reconstruir
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
HP – Hora Pedagógica
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
ISEP – Instituto Superior de Educação do Pará
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PMB – Prefeitura Municipal de Belém
PPGED – Programa de Pós-Graduação em Educação.
SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura
SRM – Sala de Recursos Multifuncionais
UEPA – Universidade do Estado do Pará
UFPA – Universidade Federal do Pará
UERJ _ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UP – Unidade Pedagógica
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 17
2 CAMINHOS DA PESQUISA .................................................................................................................... 25
2.1 Caracterizações do Locus da Pesquisa ............................................................................................... 25
2.2 Procedimentos Metodológicos da Pesquisa......................................................................................... 39
2.3 Estado do Conhecimento ..................................................................................................................... 44
2.3.1 Delimitação do Objeto de Estudo ................................................................................................. 44
3 PRÁTICAS DOCENTES E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DO CAMPO .......... 54
3.1 Práticas Pedagógicas na Escola do Campo ........................................................................................ 54
3.2 Práticas Pedagógicas na Educação Infantil do Campo ...................................................................... 61
3.3 A formação de Professores na Educação do Campo ........................................................................... 70
4 OS SABERES DOCENTES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR ..................................... 78
4.1 A Evolução dos Saberes da Docência .................................................................................................. 78
4.2 Saberes Docentes e Prática Educativa ................................................................................................ 82
5 OS SABERES DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLAS RIBEIRINHAS .......... 89
5.1 Os Saberes da Tradição Pedagógica ................................................................................................... 92
5.1.1 As Estratégias de Aprendizagens .................................................................................................. 92
5.1.2 A Construção de Recursos Pedagógicos ....................................................................................... 96
5.1.3 A Organização do Espaço Escolar ................................................................................................ 97
5.2 Os Saberes da Ciência da Educação ................................................................................................... 99
5.2.1 A Concepção de Educação Infantil ............................................................................................. 100
5.2.2 A Concepção de Criança ............................................................................................................. 102
5.2.3 A Concepção sobre a Educação do Campo ................................................................................. 103
5.3 Os Saberes Experienciais .................................................................................................................. 105
5.3.1 O Espaço Cultural ....................................................................................................................... 106
5.3.2 As Metodologias Pedagógicas .................................................................................................... 108
5.3.3 A Construção de Saberes ............................................................................................................ 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................................... 113
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 118
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA ......................................................................................... 122
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........................................ 124
APÊNDICE C - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO ...................................................................................... 126
17
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa é algo desafiador, que impulsiona, inquieta, questiona, encanta e,
principalmente, revela novas realidades, saberes que possibilitam crescimento pessoal e
profissional. A pesquisa que ora apresento é tudo isso, é fruto de uma relação pessoal e
profissional com a educação de crianças, construída ao longo de uma caminhada que me faz
chegar até aqui em busca dos saberes docentes revelados na formação de crianças ribeirinhas.
Ao retratar tal trajetória, é necessário registrar nas primeiras linhas a influência de minha
figura materna, a qual tenho o hábito de definir como minha primeira mestra. Sou filha de uma
professora normalista, apaixonada pelo ensino, pela criança, cuja prática pedagógica teve início
em Abaetetuba, ensinando as crianças da região a ler e a escrever, inclusive crianças das regiões
das ilhas do município. Uma doação ao magistério que a acompanhou na formação dos filhos.
Ensinava crianças na certeza da capacidade de cada uma delas e com os filhos não podia ser
diferente, proporcionando, no cotidiano, a vivência diária com livros, histórias e gêneros
textuais do dia a dia, também uma relação natural com as primeiras letras, alfabetizando, assim,
espontaneamente cada um dos seus oito filhos, antes mesmo deles iniciarem o ensino escolar
formal. Cresci escutando minha mãe falar: “Toda criança aprende, basta saber ensinar”.
É possível que já naquele momento tenha surgido um encantamento voltado para o
trabalho com crianças, nas primeiras brincadeiras infantis imitando a professora, com a
referência materna sempre presente. Mais tarde, a escolha profissional foi pelo magistério e,
com a convivência na sala de aula, no espaço escolar, diante de uma realidade com desafios
diários, porém expressivos, encontrei-me na Educação Infantil.
A Educação Infantil surgiu de forma inusitada durante a formação inicial no Instituto
Superior de Educação do Pará (ISEP)1, curso instituído com a proposta de formar professores
para a formação inicial de crianças por meio do conhecimento científico articulado com a
prática pedagógica.
O Instituto foi fundado na perspectiva da pesquisa como princípio educativo e com a
meta de formação de professores para atuar do pré-escolar até a 4ª série do 1º grau em
habilitação única, uma proposta inicial de formação em nível superior para os professores no
Pará, principalmente os que possuíam apenas o magistério. Seu parâmetro de funcionamento
1 Inaugurado em 5 de março de 1990, Belém (PA), sob iniciativa da Secretária de Educação do Estado, professora
Therezinha Gueiros, com a filosofia da pesquisa como princípio educativo voltado para a profissionalização de
professores para atuar na Educação Infantil até antiga 4ª série do Ensino Fundamental.
18
foi a formação integral e integrada sobre o desenvolvimento da criança (0 a 10 anos) associada
à didática da pesquisa e da prática, tendo como objetivos, propostos por Demo (1990):
A união indissolúvel de teoria e prática, de ensino e pesquisa, e insistência na extensão
intrínseca; elaboração própria como critério de avaliação no professor, que será o
orientador, e no aluno, que será união de saber e mudar, no contexto da qualidade
formal e política, sem aula e sem prova. (DEMO, 1990, p. 98).
Iniciava-se, então, o envolvimento com a prática pedagógica por meio de uma formação
docente que abrangia a teoria e a prática com o intuito de aprender estratégias de aprendizagens
para, assim, contribuir com o desenvolvimento integral da criança. Princípio maior retratado
por Demo (1990).
Toda a prática deve ter sua elaboração teórica, para realizar em plenitude o confronto
da teoria com a realidade histórica; jamais trata-se de prática dispersa, intermitente,
esporádica, sem rumo, sem método, sem compromisso com resultados; para tanto, é
mister reconstruir teoricamente a prática, no que se garante também que a prática é
fonte de conhecimento e não só aplicação decorrente. (DEMO, 1990, p. 102).
A formação de professora para atuar no ensino fundamental com crianças possibilitou o
ingresso na Secretaria Municipal de Educação de Belém (SEMEC), o que deu início a uma
trajetória profissional na Educação Infantil, estabelecendo-se, dessa maneira, um envolvimento
constante com a criança, seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.
Esse envolvimento despertou uma aproximação maior com os estudos da psicologia,
concluídos em 1996, possibilitando não apenas a construção de novos saberes, como também
um enriquecimento enquanto pessoa e profissional da educação.
O magistério com crianças se constituiu como o foco da atuação profissional, o que, por
sua vez, direcionou os estudos para o campo da alfabetização, tendo em vista a aprovação da
Lei nº 11.274, em 6 de fevereiro de 2006, que instituiu o ensino fundamental de nove anos com
a inclusão das crianças de 6 anos (BRASIL, 2012). A aprendizagem da leitura e da escrita, a
necessidade de sua consolidação pela criança da escola pública, a partir do conhecimento de
sua realidade, possibilitou estudos sobre a relação do conhecimento científico com a prática
pedagógica, como a investigação de propostas didáticas perante a diversidade de aprendizagens
das crianças.
Assim, a trajetória profissional iniciada na Educação Infantil e, posteriormente, com
crianças do 1º ano do Ciclo I, em processo de alfabetização, possibilitou o meu ingresso no
grupo de formação de professores alfabetizadores da SEMEC, no qual passei a atuar, a partir
de 2005, com a formação continuada de professores alfabetizadores. O grupo de formação,
19
denominado naquele momento de ECOAR2, iniciou o período de uma nova gestão da SEMEC
por meio de uma proposta de formação continuada de professores, integrando três eixos
estratégicos: Expansão da Educação Infantil, Formação Continuada de Professores e Educação
para o Desenvolvimento Humano Sustentável. O ponto de partida para essa formação foi a
alfabetização das crianças atendidas pela rede pública municipal de educação nas séries iniciais
a partir de uma maior aproximação entre os estudos teóricos e a prática escolar dos professores.
A partir daí, desenvolvi atividades, mediante cursos ministrados semestralmente com
duração de cinco dias, orientações sobre o planejamento pedagógico e assessoramento nas
escolas, como forma de consolidar a hora pedagógica (HP)3 dos professores no espaço escolar
e, posteriormente, com formações intercaladas de oito horas mensais.
Em ação como formadora, as atividades profissionais desenvolvidas foram direcionadas
aos professores integrantes da rede municipal, tanto os professores da região metropolitana de
Belém como os professores de escolas das regiões insulares ribeirinhas, que compõem a
demanda de escolas atendidas pela SEMEC. Esse trabalho exigiu constantes estudos teóricos
também o acompanhamento da prática educativa nas escolas, no qual foi estabelecido um
encontro significativo com os professores de escolas ribeirinhas e com a necessidade de uma
assistência mais direcionada à sua prática pedagógica no espaço escolar.
O desenvolvimento de um novo olhar para a atuação do professor ribeirinho com as
crianças cresceu devido aos relatos de alfabetizadores em formação, os quais revelavam
angústias e encantamentos proporcionados pelo seu primeiro contato com a educação voltada
para crianças em uma realidade tão peculiar. Nesse contexto, foi possível perceber a dificuldade
dos docentes em relacionar o conteúdo da formação com a realidade da escola ribeirinha e para
elaborar o planejamento pedagógico. Isso ascendeu o interesse para essa pesquisa, o qual foi
intensificado pela compreensão de que a escola ribeirinha é um espaço que precisa ser
reconhecido, considerando-se a realidade da escola do campo, a valorização dos saberes de tais
populações e a integração social, política e cultural entre escola e comunidade (BRASIL, 2000).
A partir das vivências constituídas no interior da formação com os professores
ribeirinhos, muitos deles atuando na Educação Infantil e no 1º ano do Ciclo I, pude perceber a
complexidade da prática docente na escola ribeirinha, muitas vezes em decorrência da ausência
de uma política pública voltada para a formação desses professores.
2 Elaborando Conhecimento para Aprender a Reconstruir. 3Hora Pedagógica: são encontros mensais que enfatizam o estudo, o planejamento, análise e encaminhamentos
quanto às situações pedagógicas.
20
Considerando os avanços no processo de formação de professores, com a promulgação
da LDBEN, em seu art. 62, passou-se a exigir formação específica para o magistério na
Educação Infantil. No entanto, embora estabelecido por lei, percebe-se que ainda não há a
compreensão de que a prática pedagógica deve ser configurada a partir da realidade das escolas
situadas em contextos diferenciados por uma cultura peculiar, pois as crianças, mais
especificamente as ribeirinhas, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (BRASIL, 2010), devem ser vistas como sujeitos de direitos e ter suas
especificidades consideradas por meio de práticas pedagógicas que valorizem os seus saberes e
o seu papel na produção do conhecimento sobre o mundo e sobre o ambiente natural.
A pesquisa, portanto, configurou-se para fomentar novos estudos em relação aos saberes
docentes refletidos no cotidiano da prática pedagógica na Educação Infantil da escola
ribeirinha, saberes que são evidenciados em confronto com as especificidades da realidade
sociocultural da criança. Nesse sentido, não se pode dispensar uma sólida formação teórica
sobre o objetivo maior da Educação Infantil, tampouco saberes, de acordo com os
conhecimentos do docente, considerados necessários perante a realidade da criança, por isso a
necessidade de uma articulação maior desses saberes na formação continuada.
Diante disso, tendo em vista que o professor, ao adentrar nesse espaço, muitas vezes
desconhece o contexto e a cultura peculiar da criança ribeirinha, revelando saberes que
considera necessários para o desenvolvimento de sua prática pedagógica, surge a necessidade
de investigar: Que saberes docentes são revelados na prática docente dos professores de
Educação Infantil a partir de sua inserção no contexto sociocultural ribeirinho?
Ressaltando-se que o professor, que chega para atuar na escola ribeirinha, detém um repertório
de saberes provenientes da sua trajetória formativa e do seu contexto social, que está distante
da realidade local, pois reside na cidade.
Tal fato passou a me despertar indagações em relação ao desenvolvimento de práticas
pedagógicas contextualizadas na formação de crianças ribeirinhas, na perspectiva de ampliar
os conhecimentos sobre os saberes docentes necessários para a consolidação de práticas
pedagógicas significativas em sala de aula, consequentemente, contribuindo na minha atuação
como formadora de professores por meio dessa compreensão: Quem é o professor da Educação
Infantil ribeirinha? Quais os saberes docentes são revelados na sua atuação com crianças de
uma diversidade cultural intensa? Em que contexto sociocultural se dá o desenvolvimento de
sua prática pedagógica?
Sendo que os professores, ao interagirem com o espaço social da escola e com as
crianças, reavaliam os saberes construindo no decorrer de sua profissionalização e estabelecem
21
conhecimentos que consideram necessários para o bom desempenho de sua prática pedagógica.
Como nos coloca Tardif:
O docente raramente atua sozinho. Ele se encontra em interação com outras pessoas,
a começar pelos alunos. A atividade docente não é exercida sobre um objeto, sobre
um fenômeno a ser conhecido ou uma obra a ser produzida. Ela é realizada
concretamente numa rede de interações com outras pessoas, num contexto onde o
elemento humano é determinante e dominante e onde estão presentes símbolos,
valores, sentimentos, atitudes, que são passíveis de interpretação e decisão que
possuem, geralmente, caráter de urgência. Essas interações são mediadas por diversos
canais: discurso, comportamentos, maneira de ser, etc. Elas exigem, portanto, dos
professores não um saber sobre o objeto do conhecimento nem um saber sobre uma
prática e determinado principalmente a objetivá-la, mas a capacidade de se
comportarem como sujeitos como atores e de serem pessoas com interação com
pessoas. (TARDIF, 2005, p. 49-50).
Nesse sentido, a interação do professor com o espaço escolar ribeirinho direcionou o
estudo proposto a partir do debate sobre a problemática revelado por meio de resultados de
pesquisas envolvendo as comunidades ribeirinhas, em que se buscou identificar os saberes da
docência que embasam a prática pedagógica do professor de Educação Infantil da escola
ribeirinha e em que medida essa articulação de saberes atende às especificidades da criança que
vive em um contexto cultural marcado pela pesca, pela produção do açaí, envolvida em um
contexto social diversificado.
O professor de crianças ribeirinhas, no exercício de sua prática pedagógica, é envolvido
pelo contexto social da escola, das crianças que habitam em uma região de características
amazônicas, utilizando-se, inevitavelmente, de saberes docentes para o desenvolvimento de sua
prática, bem como sendo influenciado por desafios diários presentes nesse espaço escolar
marcado por distintas necessidades que precisam ser consideradas por políticas públicas sociais
e educacionais. De tal modo que a pesquisa se torna importante para a constituição de novos
conhecimentos, seja na constituição de políticas educacionais específicas para as escolas
ribeirinhas, seja no desenvolvimento de propostas de formação docente voltadas para esse
contexto educativo.
Azevedo nos aponta, em relação à importância da formação do professor, que a mesma
“não dispense a ‘sólida formação teórica’, mas que ressalte a necessidade de articulação com a
prática, que considere os diferentes saberes dos professores e os ajude a construir sua identidade
docente” (AZEVEDO, 2013, p. 116), princípio este que estabelece um trabalho pedagógico
integrado da formação docente com o conhecimento do contexto social da criança, sendo a sala
de aula um espaço onde essa relação se estabelece envolvendo todos os conflitos sociais,
psicológicos e políticos na relação professor e aluno.
22
Portanto, estudar o professor integrado no espaço escolar em que atua é, segundo Cunha
(1989), reconhecer o seu papel enquanto produtor de conhecimentos, que elabora saberes em
busca de intervenções significativas em sua prática pedagógica. Logo, o desvelar dos saberes
docentes que acompanham a prática pedagógica do professor da Educação Infantil de escolas
ribeirinhas será um convite a todas as esferas educativas envolvidas no processo de formação
de professores para repensá-lo em direção ao reconhecimento da diversidade cultural da
criança, uma vez que a mesma se constitui como o foco essencial de todo o processo formativo.
Para tanto, o objetivo geral da pesquisa compreendeu em:
Analisar os saberes docentes revelados no desenvolvimento da prática pedagógica
a partir da inserção do professor da Educação Infantil no espaço escolar
ribeirinho.
Sendo os objetivos específicos:
Identificar os saberes docentes revelados nas estratégias pedagógicas e na
construção de recursos pedagógicos utilizados pelos professores no
desenvolvimento de sua prática pedagógica;
Compreender em que contexto escolar e cultural se dá o desenvolvimento do saber
docente;
Refletir sobre os saberes docentes revelados na prática do professor de crianças
ribeirinhas a partir de sua inserção sociocultural na comunidade escolar.
Diante do interesse em contribuir com o conhecimento das ciências da educação, com
as discussões em torno dos saberes docentes no processo de formação de professores, a pesquisa
se desenhou por meio de cinco seções, descritas a seguir.
Na seção I, consta a trajetória que desenhou a pesquisa, a relação da pesquisadora com
o objeto de estudo e a problemática encontrada.
Na seção II, são apresentados os passos iniciais para a delimitação do objeto da pesquisa,
a caracterização do locus, os procedimentos metodológicos utilizados e o Estado do
Conhecimento sobre as produções realizadas sobre a temática abordada neste estudo, tal seja a
educação nas escolas ribeirinhas em Belém, isto é, estudos realizados de forma a consolidar a
necessidade da pesquisa; além disso, as primícias que contribuíram para delimitação do objeto
de estudo e os saberes revelados na prática das professoras da Educação Infantil de escolas
ribeirinhas.
23
Na seção III, são feitas aproximações entre algumas discussões em torno das práticas
docentes e a formação de professores para a Educação Infantil do Campo. Um ensaio teórico
sobre a prática docente na educação do campo e na Educação Infantil para o campo diante da
importância de propostas de formação docente específica para o professor que atua nessa
modalidade de ensino na referida etapa educacional. Ressalta-se que a intenção não é
aprofundar o estudo, apenas tecer algumas reflexões sobre a prática docente, pois, sendo a
figura do professor pensada por meio de uma concepção histórica e social, este possui saberes
que determinam sua identidade profissional e o desenvolvimento de práticas pedagógicas
significativas.
Assim, na seção IV, é feita uma apreciação sobre os saberes docentes presentes na
prática educativa, tendo como base as pesquisas de Tardif (2005) e Gauthier et al. (2013) –
estudo necessário, tendo em vista a abrangência de pesquisas em torno da evolução do saber
docente para a construção do processo identitário da profissão –, e finalizando a seção
destacando os saberes docentes retratados pelos autores que podem justificar a prática
pedagógica do professor, a saber: o saber disciplinar; o saber da formação; o saber curricular,
o saber da experiência, o saber da ação pedagógica e o saber da tradição pedagógica.
Na seção V, a partir do estudo realizado para a análise do objeto proposto, são realizadas
algumas ponderações sobre os saberes docentes revelados na prática pedagógica do professor
da Educação Infantil da escola ribeirinha, professor cuja prática pedagógica reflete saberes
considerados por ele necessários e possíveis para o desenvolvimento de uma atuação
significativa no atendimento educacional da criança ribeirinha.
Para tanto, a partir da análise do conteúdo, proposta por Bardin (2011), foram elencados
eixos temáticos para a delimitação das categorias de análise: o saber da tradição pedagógica,
tendo por categorias as estratégias de aprendizagens, a construção dos recursos pedagógicos, e
a organização do espaço escolar; os saberes da ciência da educação, tendo como categorias a
concepção de criança; a concepção de Educação Infantil e a concepção de Educação do Campo;
por fim, o saber experiencial, tendo como categorias a cultura ribeirinha, as metodologias
desenvolvidas e a construção de saberes a partir da prática pedagógica na escola ribeirinha. Para
a análise dos dados, foram consideradas as observações feitas sobre a prática pedagógica dos
sujeitos pesquisados, assim como as entrevistas realizadas.
Nas considerações finais, são retratadas as impressões sobre os dados coletados e a
importância da pesquisa para o campo educativo, principalmente no que se refere à formação
do professor da Educação Infantil do Campo e para a elaboração de políticas educacionais para
a Educação Infantil ribeirinha em Belém.
24
Assim, destaca-se a extrema relevância desta pesquisa no âmbito educacional por alguns
motivos essenciais: sua contribuição para os estudos sobre os saberes docentes que
acompanham a prática pedagógica, para a elaboração de propostas de formação continuada para
a Educação Infantil ribeirinha pautada nas especificidades da Educação do Campo e da criança
que mora nessa realidade, para a sistematização dos saberes docentes presentes na prática
pedagógica do professor que adentra o contexto sociocultural ribeirinho e para a consolidação
de políticas educacionais para as escolas ribeirinhas pautadas a partir do seu contexto. Tudo
isso apontando possibilidades de reflexões múltiplas no processo formativo do professor em
torno da construção e reconstrução da identidade docente na Educação do Campo, mais
especificamente na educação de ribeirinhos na Amazônia, também para o desenvolvimento de
outros olhares em direção a pesquisas relacionadas com essa realidade educativa.
25
2 CAMINHOS DA PESQUISA
2.1 Caracterizações do Locus da Pesquisa
A cidade de Belém possui uma região insular significativa composta por 39 ilhas com
características diversas, muitas delas associadas ao perímetro urbano e apresentando, em sua
grande maioria, somente ambiente de várzea. Algumas dessas ilhas são administradas por
outros municípios, como Ananindeua e Barcarena, portanto, embora estejam interligadas à
região metropolitana de Belém, não configuram objeto de ação de órgãos da administração
municipal dessa cidade (SILVA, 2012).
As ilhas são semelhantes em seu ecossistema, são envolvidas por rios, mares, furos,
igarapés, e abrigam uma população com culturas diversificadas, agricultores/familiares,
assalariados, sem-terras, ribeirinhos, assentados, extrativistas, pescadores e remanescentes de
quilombolas. O deslocamento é realizado por meio da utilização de canoas a remo ou barcos
motorizados e, como as comunidades ainda enfrentam problemas de infraestrutura básica, a
maior parte do lixo ainda é queimada no local, o atendimento médico e escolar, em sua grande
maioria, mesmo com a presença de algumas escolas e unidade de saúde na região, é obtido no
continente urbano. No entanto, faz-se presente, em grande parte das localidades, a luz elétrica
e geradores de energia, promovendo assim a utilização de aparelhos eletrônicos, como televisão
e rádio, favorecendo também as práticas esportivas e sociais.
A pesquisa foi realizada em uma escola atendida pela SEMEC, localizada na região
insular de Belém, na Costa da Ilha do Combu, furo São Benedito: a Escola Municipal de
Educação Infantil e Ensino Fundamental Professor Milton Monte, inaugurada em 18 de
dezembro de 2012, vinculada a Coordenadoria de Educação do Ensino Fundamental da
Secretaria de Educação de Belém (COED).
Batista (2011), em sua pesquisa intitulada “Cultura Ribeirinha: a vida cotidiana na ilha
do Combu/Pará”, descreve a ilha como a maior produtora de açaí da região insular do
município, tendo como espaço territorial cerca de 15 km, pertencente ao Distrito de Outeiro
(DAOUT). Além disso, é considerada uma Área de Proteção Ambiental (APA) pela lei nº 6.083,
de 13 de novembro de 1997, de acordo com a Coleção de Mapas da cidade (vol. nº 01, 2000, p.
84).
A ilha do Combu está localizada a 1,5 Km ao sul da região metropolitana de Belém,
circundada pelo Furo São Benedito, pelas margens do rio Guamá ao norte, pelo Furo da
Paciência ao leste e, a oeste, pela baía do Guajará, conforme mapa a seguir. Foi configurada em
uma Unidade de Conservação Ambiental, o que permitiu a preservação de uma imensa
26
diversidade biológica em um ecossistema de várzea, que apresenta condições favoráveis à
fertilidade do solo, possibilitando, assim, a existência de uma rica diversidade vegetal.
Concentrando-se na produção do fruto açaí e do palmito, como as principais atividades
econômicas nas principais comunidades do Piriquitaquara e do Combu, mas se destacando,
também, na produção do artesanato local, os moradores da ilha habitam as margens do rio
(SILVA, 2010).
Figura 1 – Localização geográfica da Ilha do Combu com relação à área urbana de
Belém
Fonte: Google, DigitalGlobe.4
A escolha desse locus ocorreu por ser uma Escola Municipal de Belém projetada para
atender as necessidades da região, apresentando um espaço mais adequado para o atendimento
educacional de crianças ribeirinhas, no qual são consideradas as peculiaridades do contexto
amazônico, agregando-se elementos característicos da região em relação com a modernidade
da metrópole. Seu nome é uma homenagem ao Arquiteto e Engenheiro Milton José Pinheiro
Monte, um construtor amazônida que projetou a escola nos padrões da localidade, sendo que
nela são atendidas crianças da Educação Infantil ao Ciclo II5do ensino fundamental.
4 Imagem disponível em: <https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Localizacao-geografica-da-Ilha-do-
Combu-com-relacao-a-area-urbana-de-Belem_fig1_317860124>. Acesso em: 13 ago. 2017. 5 As escolas atendidas pela SEMEC são organizadas no sistema de Ciclos, ou seja, Ciclo I (1º, 2º e 3º ano do
Ensino Fundamental); Ciclo II (4º e 5º ano do Ensino Fundamental); Ciclo III (6º e 7º ano do Ensino Fundamental)
e Ciclo IV (8º e 9º ano do Ensino Fundamental).
27
Figura 2 – Localização geográfica da Escola Municipal Milton Monte
Fonte: Google – WordPress.com6
Atualmente a SEMEC mantém 12 Unidades Pedagógicas (UP) em sua região insular,
consideradas, nos seus registros documentais, como escolas ribeirinhas pela sua localização ser
na beira do rio, e duas escolas ribeirinhas, conforme Quadro 1 a seguir:
Quadro 1 – Demonstrativo das escolas da região insular de Belém7
ESCOLA LOCALIZAÇÃO
UP Nossa Senhora dos
Navegantes Ilha da Várzea
UP Faveira Ilha de Cotijuba
UP Flexeira Ilha de Cotijuba
UP Seringal Ilha de Cotijuba
UP Jutuba I Ilha de Jutuba
UP Jutuba II Ilha de Jutuba
UP Jamaci Ilha de Paquetá
E.M.E.F. Milton Montes Ilha do Combu
UP Combu Ilha do Combu
UP Santo António Ilha do Combu
E.M.E.F. Maria Clemildes Ilha do Mosqueiro
UP Bacabeira Ilha do Mosqueiro
UP Mari-Mari Ilha do Mosqueiro
UP Nazaré Ilha Grande
UP São José Ilha Grande Fonte: Elaborado pela autora.
As UP são administradas por uma escola central, que é a Escola Municipal Milton
Monte nas ilhas do sul. Apresentando um espaço menor, as UP atendem, na grande maioria,
6 Imagem disponível em: <https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Localizacao-geografica-da-Ilha-do-
Combu-com-relacao-a-area-urbana-de-Belem_fig1_317860124>. Acesso em: 13 ago. 2017. 7 Escolas Ribeirinhas atendidas pela SEMEC.
28
apenas três turmas e possuem uma coordenação pedagógica responsável também pela
administração da unidade. Além disso, estão administrativamente divididas em dois
agrupamentos.
O primeiro grupo está localizado na região sul da capital de Belém, UP Combu, UP
Nazaré, UP São José, UP Santo Antônio; na região noroeste, UP Mari-Mari, UP Bacabeira e a
Escola Maria Clemildes; na região leste, UP Nossa Senhora dos Navegantes. Sendo que todas
estão sob a responsabilidade da SEMEC/Diretoria de Educação. O segundo está localizado na
região norte da capital: UP Faveira; UP Flexeira; UP Jamaci, UP Jutuba I, UP Jutuba II e UP
Seringal, todas sob a responsabilidade da Fundação Escola Bosque (POJO et al., 2011).
Devido a essa singularidade presente na região e às exigências educacionais dessas
comunidades, a SEMEC constituiu uma coordenação pedagógica específica para o atendimento
às escolas ribeirinhas, a COEC8, a partir da diversidade social e cultural apresentadas por essas
comunidades. Segundo informações prestadas pela SEMEC, esta coordenação vem procurando
valorizar as experiências pedagógicas por uma dinâmica de formação interdisciplinar com base
nas propostas de Educação do Campo, o que se configura como uma tentativa inicial de
desenvolver uma interlocução maior com o contexto ribeirinho por meio de uma proposta
educacional articulada com a região. Ressaltando também que as escolas ribeirinhas passaram,
nos últimos 10 anos, por algumas reformas, incluindo a chegada de saneamento básico e luz
elétrica. As crianças têm acesso às escolas por meio do transporte escolar feito em pequenas
embarcações sob responsabilidade da SEMEC, sendo que alguns barcos são alugados pela
Secretaria, enquanto outros são disponibilizados pelo Ministério da Educação (MEC, via
FNDE9).
Figura 3 – Transporte escolar das crianças ribeirinhas
Fonte: Registrado pela autora (2017).
8 Coordenadoria de Educação do Campo da SEMEC. 9 Fundo Nacional Para o Desenvolvimento da Educação.
29
Os professores dos Ciclos I e II10 que desenvolvem atividades nas escolas ribeirinhas
participam de cursos de formação continuada, promovidos pela SEMEC de Belém, juntamente
com os demais da região metropolitana. No entanto, o mesmo não ocorre com os que atuam na
Educação Infantil, os quais não possuem hora pedagógica11 nem participam de cursos de
formação continuada com aqueles que atuam nessa etapa em escolas da região metropolitana.
A COED/SEMEC possui um grupo de formação docente que faz esse acompanhamento de
professores que atuam em escolas municipais e creches que atendem à Educação Infantil e,
segundo as informações prestadas, cursos de formação continuada para a Educação Infantil de
escolas ribeirinhas estão previstos para serem realizados em 2018.
Sendo assim, por enquanto, apenas os professores que atuam nos Ciclos I e II de escolas
ribeirinhas participam de cursos de formação continuada e, em dia de formação, não vão para
a escola, pois os grupos se reúnem no Centro de Formação de Professores ou no Núcleo de
Informática Educativa com sede própria em Belém, o que evidencia a ausência de uma
interlocução maior com todo o contexto que envolve a vida do ribeirinho – o rio, mares, furo e
igarapés.
Cabe ressaltar que as formações são organizadas para consolidar a qualidade no ensino
da leitura e escrita e alfabetização matemática por meio da formação pedagógica e
assessoramento pedagógico nas escolas municipais, também para atender a demanda das
avaliações nacionais do MEC, como ANA12 e Prova Brasil.
Sobre isso, a equipe técnica da COEC afirma reconhecer a dificuldade em implementar
uma proposta educacional por intermédio de questões curriculares, éticas, pedagógicas e
culturais para a educação a partir do contexto ribeirinho, evidenciando que a SEMEC reconhece
a diferença, a diversidade da escola ribeirinha e está buscando desenvolver um olhar
diferenciado para essa realidade, especialmente no que se refere ao planejamento de propostas
educacionais anuais para as ações pedagógicas nas escolas municipais das regiões insulares
belenenses.
Embora essa coordenadoria ainda seja parte integrante COED e atue de acordo com o
planejamento anual proposto para as escolas municipais de Belém como um todo, a equipe
técnica destaca que um precedente foi aberto para a consolidação de uma proposta educacional
pensada a partir do espaço escolar ribeirinho com o Decreto nº 86.757-PMB, de 04 de novembro
10 As escolas da SEMEC são organizadas em Ciclos de Formação, Ciclo I (1º,2º,3º ano), Ciclo II (4º e 5º ano). 11 Hora Pedagógica (HP) – 20h semanais destinadas para estudo e planejamento do professor, com gratificação de
hora atividade no vencimento do salário docente. 12 Avaliação Nacional da Alfabetização.
30
de 2016, que instituiu a Escola “Maria Clemildes”, na ilha do Mosqueiro, como uma escola do
campo, portanto com autonomia para constituir seu regimento escolar a partir de sua realidade
de acordo com o que se propõe nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação do
Campo.
Essa ação, na busca de uma articulação maior entre a educação nas Ilhas e os princípios
da Educação do Campo, já é considerada um ganho positivo pela COEC devido ao seu pouco
tempo de atuação dentro da SEMEC, porém ações pontuais como essa precisam ser estendidas
para todas as escolas ribeirinhas de Belém, tendo em vista que as comunidades insulares têm o
direito a uma educação pensada a partir de seu espaço social que requer um olhar diferenciado
pelas políticas educacionais. Nas palavras de Caldart (2011, p. 150), “o povo tem direito a uma
educação pensada desde o seu lugar e com sua participação, vinculada a sua cultura e as suas
necessidades humanas e sociais”.
Sendo assim, é importante que essa ação alcance todas as escolas ribeirinhas de Belém,
pois ainda há escolas que apresentam características diferenciadas, algumas são adaptadas pelas
comunidades locais, apresentando uma estrutura improvisada, enquanto outras contam com
uma estrutura de prédios escolares mais adequada à região, com espaços mais acolhedores para
o atendimento educacional às crianças e ao seu contexto, o que evidencia a necessidade de
investimento e atendimento educacional diferenciado pelas políticas educacionais do município
responsável por elas.
Os espaços, devido à intensidade de chuvas na região, estão frequentemente
necessitando de reformas, principalmente os trapiches de madeira, onde aportam as
embarcações. Por exemplo, a UP Nazaré, um dos locus da pesquisa, funciona em um espaço
com poucos recursos estruturais, com salas pequenas e um pequeno espaço para o lazer das
crianças, além disso, por ser de madeira, está mais exposta às chuvas e necessita de reformas
constantes; é um espaço improvisado pela comunidade, como ilustram as imagens a seguir.
31
Figura 4 – Saída das crianças da Educação Infantil (trapiche de acesso à Escola Milton
Monte)
Fonte: Registrado pela autora (2017).
Figura 5 – Fachada da Unidade Pedagógica Nazaré
Fonte: Registrado pela autora (2017).
Já a Escola Milton Monte foi pensada, na sua concepção, para atender as crianças com
conforto e segurança, conforme as características do ambiente social da comunidade ribeirinha.
Construída às margens do Rio São Benedito, a escola apresenta uma estrutura que segue a
arquitetura da comunidade local, com mais segurança para o acesso por meio de trapiche
planejado e não adaptado, o que facilita o acesso de professores e alunos que chegam de barco.
A seguir, imagem do interior da escola.
32
Figura 6 – Interior da Escola Milton Monte
Fonte: Registrado pela autora (2017).
A escola possui salas de aula, sala de direção, técnicos, professores, biblioteca, copa,
cozinha, banheiros internos, espaço para a brincadeira das crianças ao abrigo das chuvas,
servindo também para encontros e reuniões da comunidade. A seguir, imagens da biblioteca da
escola e de sua fachada.
Figura 7 – Biblioteca da EM Milton Monte
Fonte: Registrado pela autora (2017).
Figura 8 – Fachada da Escola Municipal Milton Monte
Fonte: Registrado pela autora (2017).
33
Todas as escolas já são beneficiadas com a luz elétrica, o que facilitou o armazenamento
dos alimentos servidos na merenda escolar, e a internet, ainda que precária. Segundo Teixeira
(2011), as crianças atendidas na escola são provenientes de famílias ribeirinhas, nascidas na
região ou que migraram de outros estados em busca de melhores oportunidades de trabalho. De
acordo com Diegues (1998), essas pessoas apresentam um modo de vida próprio, denominado
por alguns estudiosos como “ilhéu amazônida”, devido à sócio-diversidade tropical.
A escola Milton Monte atende às UPs Combu (Ilha do Combu), Nossa Senhora dos
Navegantes (Várzea), Santo Antônio (Ilha do Combu), Nazaré (Ilha Grande) e São José (Ilha
Grande), as quais antes estavam vinculadas administrativamente à Escola Municipal Silvio
Nascimento, localizada no bairro do Guamá, em Belém.
A Educação Infantil se faz presente, em 2017, em todas as UPs com uma turma
específica atendendo crianças de 3 a 5 anos de idade, com exceção da UP Santo Antônio, que
possui uma turma considerada como multiciclada13 nos registros de matrícula da SEMEC, já
que atende crianças de 4 e 5 anos, que deveriam frequentar uma turma específica de Educação
Infantil e não turmas de Ciclo, e crianças de 6, 7 e 8 anos (1º , 2º e 3º anos do Ciclo I).
A escola Milton Monte oferece, em diferentes turnos, 10 turmas: duas de Educação
Infantil nos turnos matutino, Jardim I, e vespertino, Jardim II; também, no 1º e 2º turnos, turmas
do 1º, 2º e 3º ano do ciclo I; no 3º turno, do Ciclo II, 2º e 3º ano; e uma turma voltada para a
EJA14 no turno da noite.
A opção pela escolha da Escola Milton Monte como locus se deu por ser uma escola
recentemente inaugurada, estando vinculada à SEMEC de Belém, porém localizada em sua
região insular, nas ilhas do entorno da cidade metropolitana, por ter sido construída buscando
atender as características peculiares da região amazônica e, por meio de seu Projeto Político
Pedagógico, ter como propósito desenvolver uma educação considerando os próprios sujeitos
que ali habitam, relacionando o conteúdo educacional ministrado com o cotidiano do aluno,
destacado na imagem a seguir:
13 Turmas que apresentam crianças de diferentes idades, ciclo, em um mesmo espaço. 14 Educação de Jovens e Adultos.
34
Figura 9 – Comunidade ribeirinha
Fonte: Registrado pela autora (2017).
A UP Nazaré, administrativamente vinculada à escola Milton Monte, também foi
selecionada como parte do locus de pesquisa, sendo que a unidade está situada na região da Ilha
Grande, próximo ao município do Acará, no Rio Guarapiranga, um pouco mais distante da
região metropolitana de Belém. Contando com uma estrutura bem menor, a UP atende três
turmas pela manhã, três no turno da tarde e uma da EJA noite. Pela manhã, funciona uma turma
de Educação Infantil com 13 alunos de 4 e 5 anos de idade (Jardim II), uma de 2º ano e uma de
3º ano, ambas do Ciclo I; já no turno da tarde funciona uma turma de 1º ano do ciclo I e duas
do Ciclo II (1º e 2º ano) – totalizando sete turmas.
A escola possui uma estrutura de madeira estilo palafita15 com cobertura de telha de
barro. Suas instalações foram adaptadas pela comunidade: há apenas três salas de aula,
instalação elétrica precária, uma sala em que funciona a secretaria, dois banheiros, masculino e
feminino, construídos em madeira e com piso revestido de cimento, usados tanto pelos alunos
como pelos funcionários.
Além disso, a água da UP é canalizada a partir da caixa d’água de uma moradia da
comunidade, a cozinha é parcialmente forrada e há um pequeno refeitório de madeira, bem
como um espaço aberto, revestido por madeira, localizado na entrada da escola para as
atividades de Educação Física e recreação, o qual somente é utilizado se não estiver chovendo
intensamente, molhando tudo, e se o sol não estiver também intenso, pois, com esta situação, o
piso esquenta e machuca os pés das crianças. Ainda, há uma sala que está sendo projetada para
a implantação de uma biblioteca. A seguir, imagem do espaço improvisado para as atividades
recreativas das crianças.
15 Sistemas construtivos usados em edificações localizadas em regiões alagadiças cuja função é evitar que as casas
sejam arrastadas pelas correntezas dos rios (Wikipédia).
35
Figura 10 – Pátio da UP Nazaré (Atividade recreativa)
Fonte: Registrado pela autora (2017).
Não somente no espaço improvisado para as atividades recreativas mas no espaço da
sala de aula, o piso apresenta pequenas aberturas, visíveis também nas paredes de madeira, o
que torna o espaço interno igualmente suscetível à ação das intensas chuvas. Quando a
temperatura está muito elevada, sem ventilação natural, a sala fica abafada devido ao calor,
causando desconforto para os alunos e professores. Nas imagens a seguir, é possível perceber
a fragilidade das paredes da sala de aula diante do clima da região.
Figura 11 – Exposição dos trabalhos da Educação Infantil16
Fonte: Registrado pela autora (2017)
Figura 12 – Fachada da Unidade Pedagógica Nazaré
Fonte: Registrado pela autora (2017).
16 Exposição das atividades da Educação Infantil (UP Nazaré).
36
A escola recebe alunos ribeirinhos, que chegam de barco, provenientes da Ilha Grande,
nas proximidades de Belém, e quilombolas das comunidades Guajará Mirim e Espírito Santo,
localizadas no Município do Acará, região do Baixo Acará, nordeste do Estado do Pará.
A cultura ribeirinha desempenha um papel condicionante na forma como o professor
estabelece os saberes docentes para o desenvolvimento de sua prática. Foi necessário, assim,
sair do lugar de formadora de professores e assumir a posição de pesquisadora para, então, sair
em busca dos sujeitos que fazem parte dessa realidade, o que permitiu uma descrição intensa
do contexto investigado e de sua cultura escolar, envolta por um contexto exótico de muitas
imaginações e costumes.
Dessa forma, o primeiro contato com o campo de pesquisa ocorreu no dia 03/03/2017.
Chegando às 07h30min no porto Náutico (ao lado da Universidade Federal do Pará), os
professores e os coordenadores das escolas da região das ilhas sul de Belém já estavam reunidos
aguardando o barco que os levaria à Escola Municipal Milton Monte para mais um encontro de
formação de início de ano letivo, sendo este realizado pela COEC com o objetivo de
planejamento e formação docente para o início das atividades escolares. Na ocasião, a técnica
da COEC realizou as apresentações para o grupo de professores, duas pesquisadoras e as
palestrantes do dia também prestaram alguns esclarecimentos sobre o objetivo das pesquisas.
No trajeto para a escola, a beleza da região Amazônica se manifesta nas ruas feitas de
rio, comunidades em plena atividade por meio da pesca, de atividades diárias do cotidiano
doméstico, do transporte diário da comunidade da região para a capital. No barco, professores
dialogando, fazendo referência ao cotidiano local, à alimentação, as programações, aos
restaurantes, as famílias que ali habitam, afinal estavam retomando as atividades letivas de
2017. Chegando à Escola Milton Monte, depois de 20 minutos de barco, o primeiro contato, o
encantamento com a beleza do local e, já no trapiche, o acolhimento da região rica de uma
vegetação amazônica exuberante.
A escola se apresentou por meio de um ambiente limpo e bem organizado, os
funcionários todos a postos para receber o grupo. A acolhida com um café organizado na área
livre da escola, no refeitório dos alunos, com ingredientes regionais, como batata doce, cuscuz,
frutas, e outros trazidos pela coordenação, como pão e queijo; tudo muito acolhedor.
Os professores, ao perceberem o encantamento das visitantes, duas pesquisadoras e duas
palestrantes do dia, ressaltaram a surpresa e o encantamento de todos que chegavam pela
primeira vez ao local e o quanto era bom trabalhar em um espaço bem mais tranquilo do que os
da cidade, embora tenha as suas dificuldades, principalmente no que diz respeito a uma
valorização maior das escolas ribeirinhas por parte do poder público municipal.
37
Após o primeiro contato com a escola Milton Monte, agendamos alguns dias de visitas
em todas as UPs atendidas pela SEMEC na ilha do Combu e vinculadas à administração da
Escola Milton Monte, exploração necessária para o reconhecimento da comunidade local.
Durante o trajeto, foi possível perceber comunidades intensas, um cotidiano social às margens
dos rios, crianças brincando em pequenas embarcações, chamadas de rabetas17, que
contracenavam com pequenos barcos e lanchas, transporte usual da população ribeirinha para
a cidade de Belém, também lanchas de grande porte, usadas para o lazer de pessoas que moram
na região metropolitana da capital.
Durante essas visitas, as professoras da Educação Infantil das UPs foram indagadas
sobre como ocorreu seu acesso à escola, sua trajetória formativa, bem como sobre as propostas
de formação continuada da SEMEC. As professoras, em sua grande maioria, são provenientes
da região metropolitana e, como não fazem parte do público privilegiado em formações
continuadas específicas para a Educação Infantil do Campo, realizam seu planejamento de
acordo com as orientações pedagógicas recebidas na escola e pela COEC. Todas possuem
formação em pedagogia e apenas a professora da UP Nazaré possui pós-graduação em
Educação Infantil. Em suas atividades diárias, utilizam muita música e a contação de história
em uma prática pedagógica que, inicialmente, aparenta compreender o lúdico e o
desenvolvimento da aprendizagem da leitura e escrita. Devido às crianças ainda se encontrarem
em processo de adaptação ao espaço escolar, há um número reduzido de crianças; quando
chegam à escola, no início do ano, apresentam muita dificuldade de interação, o que se acredita
ser devido morarem distantes umas das outras e não conviverem muito em grupos de crianças
na comunidade.
Assim, as crianças são inseridas gradativamente na escola, devido também a dificuldade
do transporte de barco, que necessita de autorização e contrato anual, realizado pela SEMEC,
para atender às crianças da região, o que, com frequência, leva algum tempo. Existem crianças
que só passam a frequentar a escola em março, sendo que o ano letivo começa em final de
janeiro, e o mesmo não é ajustado a essa realidade, tendo que acompanhar o calendário
estabelecido às escolas da região metropolitana de Belém. Por isso, do ponto de vista das
professoras, o período de adaptação da criança é complicado, é necessário envolvê-las
gradativamente à rotina da escola e às regras estabelecidas em sala de aula para o
desenvolvimento das atividades.
17 Pequeno motor de propulsão que, acoplado na traseira de pequenas embarcações ou barcos, é conduzido
manualmente, com a ajuda de um bastão que determina as direções. https://www.dicio.com.br/rabeta.
38
Os primeiros momentos de reconhecimento do campo de pesquisa serviram para o
conhecimento do cotidiano da comunidade educativa, professores e crianças, ampliando as
perspectivas e o olhar da pesquisadora diante dos saberes presentes na prática do professor da
Educação Infantil ribeirinha. É importante destacar a acolhida bastante afetuosa das crianças e
de todos os profissionais que trabalham nas escolas, também a organização dos espaços, que,
mesmo com poucos recursos, são bem acolhedores, limpos e conservados. Outro fator a ser
destacado é a tranquilidade da localidade, ambiente silencioso, agradável e receptível, o que
também permitiu o registro inicial da prática docente, enquanto categoria essencial para o
desenvolvimento da aprendizagem significativa no contexto sociocultural da criança ribeirinha.
Dessa forma, iniciou-se a busca pela compreensão sobre o saber docente, revelado na
prática pedagógica de professores da Educação Infantil nas escolas ribeirinhas por meio do
olhar sobre o fazer pedagógico diário, que, por sua vez, revela traços de uma prática pedagógica
realizada de acordo com a compreensão do professor sobre o que é possível desenvolver, a
partir dos seus conhecimentos pedagógicos, armazenados no seu repertório de saberes antes da
chegada ao contexto escolar ribeirinho. Sobre esse contexto, Arroyo nos diz que:
O saber-fazer, as artes dos mestres da educação do passado deixaram suas marcas na
prática dos educadores e das educadoras de nossos dias. Esse saber-fazer e suas
dimensões ou traços mais permanentes sobrevivem em todos nós. O conviver de
gerações, o saber acompanhar e conduzir a infância em seus processos de socialização,
formação e aprendizagem, a perícia dos mestres não são coisa do passado descartadas
pela tecnologia, pelo livro didático, pela informática ou pela administração de
qualidade total. (ARROYO, 2013, p. 18).
Assim, os professores incorporam e mobilizam saberes apreendidos na trajetória
acadêmica e profissional que direcionam sua prática pedagógica por meio do seu saber-fazer.
A escolha do professor enquanto sujeito social da pesquisa permitiu compreender esse
repertório de saberes, tanto por meio das atividades desenvolvidas como também pela
consolidação de novos conhecimentos a partir do contexto cultural da escola, com as marcas de
uma cultura amazônica diversificada.
Tal fato justifica a importância da pesquisa, tendo em vista que o processo de formação
continuada dos professores das escolas ribeirinhas em Belém precisa ser qualificado pelos
saberes docentes estabelecidos no momento da prática pedagógica do professor, pelo
enfrentamento de suas dificuldades e possibilidades de ensino, também pelo modo como
percebe, em sua organização pedagógica, a criança que está formando.
39
2.2 Procedimentos Metodológicos da Pesquisa
O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa de campo desenvolvida
metodologicamente sob os princípios da abordagem qualitativa do tipo descritiva. Neto (1994)
retrata a pesquisa de campo como uma possibilidade de se conseguir não só uma aproximação
com aquilo que se deseja conhecer e estudar, mas também de se criar um conhecimento partindo
da realidade presente no campo. Dessa forma, de acordo com o evidenciado por Minayo (1994),
a pesquisa qualitativa permitiu trabalhar com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes das professoras escolhidas como sujeitos da pesquisa, o que permitiu
analisar os saberes docentes que sustentam a sua prática pedagógica.
A pesquisa qualitativa, portanto, possibilitou uma compreensão do indivíduo particular
como uma instância da totalidade social, o entendimento dos sujeitos envolvidos e, por seu
intermédio, a compreensão do contexto da prática pedagógica, adotando-se, assim, a
perspectiva da totalidade, que, de acordo com André (1995), leva em conta todos os
componentes da situação em suas interações e influências recíprocas.
Ao acolher a pesquisa qualitativa ou naturalista, parte-se do princípio de que uma
pesquisa em ciências sociais se constitui sempre em uma aproximação com a realidade social,
consequentemente se construindo no que Gomes (1994) retrata como uma relação dinâmica
entre a razão daqueles que a praticam e a experiência que surge na realidade concreta. Segundo
Bogdam e Biklen (1994), ela envolve a obtenção dos dados descritivos no contato direto do
pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa
em retratar a perspectiva dos participantes.
Portanto, a escolha do método para o estudo proposto parte da compreensão do sujeito
da pesquisa como um ser histórico social, concreto, criador de ideias de culturas, que, ao mesmo
tempo, produz e reproduz a realidade social e é produzido e reproduzido por ela; nesse sentido,
a realidade social é caracterizada por Furtado et al. (2007) como o contexto no qual o homem
se transforma a partir de sua vivência com o seu objeto, sendo sua ação compreendida como
um ato que se transforma em informação.
Assim, foi necessário primeiramente realizar o Levantamento Bibliográfico, a fim de
fundamentar a opção pela análise do conteúdo (BARDIN, 2011), a qual ultrapassou a mera
descrição, permitindo contextualizar o objeto em estudo e situar a pesquisa dentro de um
contexto histórico, político e filosófico. Esse movimento foi marcado pelo deslocamento
cultural do lugar de pesquisadora para identificar os saberes docentes presentes na prática
pedagógica do professor de crianças ribeirinhas, isto é, foi preciso entrar em tal universo para
40
saber como ocorre a prática pedagógica, o que positivamente possibilitou uma interação com
sujeito em estudo.
Dessa forma, foi possível desenvolver um olhar para o problema na perspectiva da
relação do professor com a criança e sua cultura local, com as relações sociais que se
estabelecem no contexto do homem como um ser ativo, social e histórico, pois “essa é a sua
condição humana, e assim constituirá suas formas de pensar, sentir e agir: sua consciência”
(FURTADO et al., 2007, p. 101).
As observações da prática pedagógica das professoras, sistematizadas por meio de um
Roteiro de Observação, em anexo, permitiram o registro dos procedimentos pedagógicos e da
rotina pedagógica, ambos interpretados qualitativamente e de forma descritiva com o objetivo
de investigar o fenômeno em toda sua complexidade dentro do seu contexto natural.
Andrade (2002) destaca ainda que a pesquisa descritiva se preocupa em observar os
fatos, registrá-los, classificá-los e interpretá-los, visando com isso trazer contribuições para a
melhoria do objeto. Assim, um sistema de significado envolvendo a prática docente foi
primeiramente descrito para depois ser interpretado à luz do recorte teórico da pesquisa e
segundo as orientações de Lüdke e André (1986), o que permitiu um estudo da rotina diária dos
sujeitos, no espaço social onde desenvolvem sua prática pedagógica.
Tudo isso ocasionou uma permanência significativa no campo da pesquisa, por um
período determinado, para observar o fenômeno com auxílio de alguns recursos etnográficos,
como o deslocamento para o campo de pesquisa, observação do campo, do contexto escolar, a
interação com os sujeitos investigados, desenvolvimento de uma visão sobre esses sujeitos e a
coleta de dados descritivos para a utilização na análise dos dados.
Portanto, algumas técnicas foram privilegiadas para a coleta dos dados da pesquisa, de
forma a captar saberes que, segundo Rocha e Deusdará (2005), estão por trás da superfície
textual, dentre as quais: o diário de campo para os registros das observações feitas das práticas
pedagógicas; a entrevista18 com os sujeitos investigados para compreender a lógica do seu
discurso perante a sua prática pedagógica; a observação, seguindo o planejamento de um roteiro
19, que contribuiu na análise coerente dos dados; as fotografias.
Assim, privilegiou-se a observação direta, estruturada ou sistemática, proposta por
Oliveira (2016), técnica que, segundo Minayo (1994), tem como vantagem em relação às outras
“permitir a captação imediata e coerente da informação desejada, praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”. A partir do roteiro de observação, foi
18 Ver Apêndice A. 19 Ver Apêndice B.
41
possível registrar os critérios de delimitação dos espaços e dos sujeitos da pesquisa:
identificação da professora; tempo de atuação na escola ribeirinha; procedência na rede de
ensino da prefeitura, localidade onde mora e formação profissional (pós-graduação). Esses
dados foram esquematizados no quadro 2 a seguir:
Quadro 2 – Perfil dos professores da Ed. Infantil/Ilha do Combu
Escola Professora Tempo Origem Vínculo Formação
UP Navegantes A 2 anos Comunidade Prestadora Pedagogia
UP Combu C 6 anos Belém Prestadora Pedagogia
UP Nazaré A 2 anos Belém Prestadora Pedagogia
UP São José S 1 ano Belém Prestadora Pedagogia
E. Milton Montes T 5 anos Belém Concursada Pedagogia
Fonte: Elaborado pela autora.
De pose do levantamento do perfil dos professores, que atuam nas escolas da região da
Ilha do Combu, foram estabelecidos como critérios essenciais para a escolha dos sujeitos
participantes da pesquisa: serem professores de origem da região urbana e não participantes de
formação continuada para a Educação Infantil do campo, como também terem mais de um ano
de atuação na escola ribeirinha e formação profissional em Pedagogia. Tais critérios foram
necessários para a sistematização dos saberes docentes em maior evidência no desenvolvimento
da prática pedagógica do professor no momento em que este é inserido no contexto escolar
ribeirinho.
Desse modo, a partir do levantamento acima, foram selecionadas duas professoras: a
professora da Escola Milton Monte e a professora da UP Nazaré, a primeira há 5 anos e a
segunda há 2 anos atuando na referida etapa em escolas ribeirinhas, sendo que ambas não
participaram de formação continuada para a Educação Infantil do campo. As docentes foram
acompanhadas no decorrer do primeiro semestre letivo de 2017 com o objetivo de registrar os
saberes docentes envolvidos em suas práticas pedagógicas.
A professora da Escola Milton Monte, com sete anos de formação em Pedagogia e com
pós-graduação em Gestão Escolar, é efetiva da SEMEC e atua há 5 anos na escola ribeirinha,
sendo que esta é sua primeira experiência na Educação Infantil, na qual atua em duas turmas
(Manhã e Tarde) com crianças de 4 e 5 anos. A docente mora em Belém e atravessa o rio
diariamente para trabalhar na escola, permanecendo nesta até às 17h, quando retorna ao porto
da capital.
Já a professora da UP Nazaré, formada em Pedagogia e com pós-graduação em
Educação Infantil, possui 20 anos de atuação profissional, sempre na referida etapa de ensino
42
em escolas da rede particular e em turmas de alfabetização. Há cinco anos desenvolve suas
atividades nas escolas municipais de Belém, sendo que apenas nos dois últimos passou a atuar
na escola ribeirinha por meio de contrato temporário na SEMEC. Ela também atua em uma
turma do 1º ano do Ciclo I, no turno da tarde, retornando a Belém às 17h20.
As professoras selecionadas como sujeitos da pesquisa tiveram acesso às escolas
ribeirinhas a partir do momento que foram encaminhadas para desenvolver atividades
pedagógicas na região. Não participam de formação continuada específica para a Educação
Infantil em escolas ribeirinhas, ofertada pela SEMEC, apenas recebem orientação pedagógica
da coordenação da escola e da Coordenadoria do Campo21, que também realiza formações
pontuais a cada semestre letivo, nas quais são abordadas temáticas diversificadas para o quadro
de professores que atua nessas escolas.
Para análise dos dados, privilegiou-se a análise do conteúdo proposta por Bardin (2011),
sendo esta feita por meio da classificação e agregação dos dados descritivos a partir de eixos
temáticos em maior evidência para a escolha das categorias de análises responsáveis pela
especificação da temática. A partir daí, os dados foram analisados por meio de interpretações
inter-relacionadas com o quadro teórico proposto na pesquisa, de tal modo que foram elencados
como eixo de análise e categorias: O Saber da Tradição Pedagógica (estratégias de
aprendizagens; construção dos recursos pedagógicos; organização do espaço escolar); Saberes
da Ciência da Educação (concepção de criança; concepção de Educação Infantil; concepção de
Educação do Campo); O Saber Experiencial (cultura ribeirinha; metodologias; construção de
saberes a partir da prática pedagógica).
A pesquisa foi estruturada a partir de referenciais teóricos de autores relacionados aos
estudos sobre os saberes necessários para o desenvolvimento da prática docente, sobre práticas
pedagógicas significativas na educação infantil do Campo, a importância da formação docente
para o processo de reflexão dos saberes articulados na prática pedagógica e sobre a proposta de
Educação do Campo. Nesse sentido, são de grande importância os estudos atuais para o
desenvolvimento deste estudo, tais sejam: sobre os saberes docentes e o processo de formação
de professores, de Tardif (2010), Gauthier et al. (2013), Charlot (2013), Gatti (2013) e Nóvoa
(2013); também sobre o desenvolvimento de propostas para uma Educação do Campo por meio
de praticas pedagógicas voltadas para o contexto sociocultural do indivíduo, de Freire (1996) e
Arroyo (2013); finalizando com uma breve abordagem sobre práticas pedagógicas
significativas na educação Infantil, com Kuhlmann Jr. (2010) e outros.
20 Ver apêndice A. 21 Ver apêndice A.
43
Do ponto de vista de Tardif (2005), o professor é concebido como um “sujeito
epistêmico”, um sujeito científico, mediador do saber. Um sujeito com sensibilidade,
motivações que constituirão o modelo de uma prática instrumentalizada, pensada de acordo
com uma sintaxe técnica e estratégia de ação. Partindo-se desse princípio, o professor de
crianças ribeirinhas constitui uma sensibilidade própria com uma prática orientada por valores
humanos decorrentes da realidade vivenciada, além de ser detentor de saberes subjetivos que
se constituem a partir da construção coletiva no espaço escolar no qual está inserido.
Durante as etapas de exploração metodológica da pesquisa, o contato com a prática
docente das duas professoras foi uma das impressões significativas, ou seja, a experiência de
um professor que vive seu cotidiano revestido de uma atmosfera peculiar, entre rios, fauna e
flora que constituem o universo amazônico. E não tem como não se envolver, adquirir saberes
únicos, ser estimulado pelo imaginário da infância ribeirinha.
A partir do momento em que o professor é inserido na escola, a realidade encontrada
exige dele uma motivação, um despertar para a curiosidade do inusitado para a execução de
saberes muitas vezes desconhecidos, que envolvem seus conhecimentos prévios, a atmosfera
amazônica, também presente no cotidiano docente na região metropolitana, mas que se
diferencia diante do imenso conjunto natural da região ribeirinha, determinando, assim, um
saber subjetivo que o limita a um juízo da realidade que, segundo Tardif (2005), constitui-se de
um juízo pessoal construído a partir da realidade que vivencia.
De certa forma, o professor se deixa envolver pelo encantamento da região, das crianças
cheias de valores e condutas próprias, mas que anseiam por conhecimentos significativos que
não as reconheçam como excluídas. Assim, o professor desenvolve uma prática pedagógica
sobrecarregada de conflitos de saberes que necessita ser ressignificada para fazer frente à
formação cidadã de suas crianças.
Essa realidade dificulta a integração de saberes docentes com os saberes socioculturais
das crianças, o que, para Freire (1996), seria dever da escola, não só respeitar os saberes dos
educandos, sobretudo os das classes populares, que são os saberes socialmente construídos na
prática comunitária, como também discutir com os alunos a razão de ser de muitos desses
saberes em relação ao ensino do conteúdo.
Por fim, a pesquisa remete para a compreensão de que os profissionais docentes que
atuam na Educação Infantil de escolas ribeirinhas, apesar de terem formação inicial voltada
para o atendimento de crianças no início da escolarização, materializam em sua prática
pedagógica saberes docentes que consideram necessários para o desenvolvimento de atividades
significativas no contexto da infância ribeirinha, pois se defrontam, em sua realidade, com
44
situações inusitadas, influenciadas pela diversidade do contexto sociocultural, e por uma
formação continuada fragmentada, que articula os saberes docentes com o contexto escolar
ribeirinho. Tal diversidade exige do professor não somente o conhecimento científico, mas a
capacidade de reflexão, análise e questionamento em relação ao desenvolvimento de práticas
pedagógicas contextualizadas, o que Nóvoa (1991a, 1991c) denomina de “professor reflexivo”.
Dessa forma, o conhecimento produzido no estudo vai ao encontro da necessidade de se
repensar as propostas de formação docente de professores de escolas ribeirinhas, de forma que
estas atendam novas perspectivas de ensino, tendo em vista o desenvolvimento da prática
docente voltada para a reflexão acerca dos saberes necessários para o desenvolvimento das
aprendizagens na infância ribeirinha.
A pesquisa surge a partir de um diálogo com as professoras, de uma aproximação maior
com os saberes docentes e com o cotidiano escolar ribeirinho, pois, segundo Arroyo (2013), é
esse cotidiano que gira em torno do professor, de seu ofício, de sua qualificação e
profissionalismo, é o que estabelece um fazer pedagógico dinâmico. Nesse sentido, o cotidiano
da docência do professor da Educação Infantil da escola ribeirinha é rico de saberes que
acompanham sua ação em sala de aula, que se faz presente à medida que as professoras
aprendem a conviver com o espaço escolar, que, sem dúvida, é diferenciado.
2.3 Estado do Conhecimento
2.3.1 Delimitação do Objeto de Estudo
O processo de formação docente na Educação do Campo necessita de estudos que
apontem a superação da racionalidade técnica do professor, tendo por finalidade contribuir para
a construção de propostas formativas por meio da articulação dos saberes docentes com o
conhecimento científico e o contexto social e cultural da escola. Diante dessa finalidade e
refletindo em torno dos espaços que promovem a formação inicial e continuada de professores,
Gatti et al. (2013) alertam para o fato de que os espaços formativos ainda desenvolvem
propostas desconectadas das vivências da sala de aula e que há a necessidade de se discutir a
formação a partir de novos saberes para que, assim, seja possível dar conta dessa realidade
educacional, que ainda é muito complexa.
Quando se fala em Educação Infantil ribeirinha na perspectiva da Educação do Campo,
Silva et al. (2012) retratam a existência, ao longo dos anos, de um processo de negligenciamento
por parte do poder público para com a diversidade de saberes culturais e sociais, uma vez que
organizou a escola do campo como um prolongamento do atendimento escolar urbano. Dessa
45
forma, para avançar nas discussões sobre a importância dos valores culturais presentes nesse
contexto, fundamentais para o desenvolvimento da prática docente em escolas do campo, o
estudo proposto traz à tona os esforços da luta das organizações sociais rurais para a
consolidação de políticas educacionais que garantam o atendimento das crianças de tais áreas.
De acordo com Arroyo (2013), é necessário superar a ideia de que a cultura do campo é
estática e paralisante, pois apresenta um movimento dinâmico e avançado, não estático, uma
diversidade cultural que leva a pensar sobre o papel da escola do campo, sobre os valores
presentes nessas comunidades com o objetivo de pensar propostas educacionais em direção a
um currículo contextualizado. O campo ocupa grande parte do território brasileiro, portanto é
necessário promover uma educação escolar que valorize os saberes presentes nele enquanto
memória coletiva de um povo.
Para a realização da pesquisa proposta sobre os saberes docentes na Educação Infantil
da escola ribeirinha, foi necessário situar o debate a partir de produções científicas referentes à
temática, a fim de estabelecer a importância da mesma para o campo educativo e principalmente
para a formação do professor. Dessa forma, foi realizado um levantamento, no período de 2010
a 2016, em torno de Artigos Científicos, Teses e Dissertações no banco de dados da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), também nos
arquivos do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal do
Pará (UFPA) e do PPGED da Universidade do Estado do Pará (UEPA) para a delimitação do
objeto de estudo.
O levantamento trouxe à tona algumas questões preocupantes como: o ensino
descontextualizado nas escolas da região ribeirinha na Amazônia, a necessidade de políticas
educacionais para as escolas do campo e a organização escolar seguindo padrões das escolas da
região metropolitana de Belém. Sendo assim, para a delimitação dos estudos envolvendo a
temática proposta nesta pesquisa, os seguintes descritores foram elencados: Educação Infantil
do Campo; Saberes Docentes na Educação do Campo na Amazônia e Práticas Pedagógicas na
Educação Infantil e na Amazônia.
Na sessão de artigos relacionados à temática, destacam-se:
46
Quadro 3 – Artigos Relacionados à Temática
AUTOR TÍTULO REVISTA ANO
Leila Said Assed Mendes
et al.
A Prática Docente em uma
Escola Ribeirinha na Ilha do
Marajó: um estudo
preliminar em Contexto
Naturalístico.
Revista
Educação/UEPA 2010
Tânia Regina Lobato
Santos
Formação de Professores e
Práticas de Educação do
Campo
Revista
Cocar/UEPA 2011
Maria do Socorro Dias
Pinheiro
Políticas e Práticas
Populares na Educação
Ribeirinha e o Processo de
Escolarização da Infância.
Revista Espaço do
Currículo/UFPB 2011
Salomão Mufarrej Hage e
Acyr de Gerone Junior
Ações Pedagógicas de
Professores em Escolas
Ribeirinhas na Amazônia
Revista
Teias/UERJ 2013
Denise Maria de Carvalho
Lopes e Elaine Luciana
Silva Sobral
Educação Infantil, Currículo
e Saberes Docentes:
Percurso de uma Pesquisa
Ação
Revista Espaço do
Currículo/UFPB 2011
Camila Macenhan,
Suzana Tozetto Soares e
Célia Brandt. Frinck
Formação de Professores e
Práticas Pedagógicas: Uma
Análise Sobre a Natureza
dos Saberes Docentes.
Revista Práxis
Educativa/UEPG 2016
Fonte: Sessão de Periódicos, Teses e Dissertações da CAPES22.
Mendes et al. (2010), ao descrever a prática docente dos professores do campo, chegam
à conclusão que a mesma ainda ocorre de forma insatisfatória, ou seja, com pouca interação
entre os vários sistemas culturais que compõem o contexto aliada à condição precária da escola
do campo sem recursos didáticos e pouca formação docente.
Pinheiro (2011) aborda, em seus estudos, a educação ribeirinha não somente a partir do
espaço escolar, mas em outras instâncias da vida. Com esse pensamento, procurou explorar os
aspectos fundamentais do currículo que se constrói na vida da infância dentro e fora da escola,
caracterizando pontos de referência da leitura escolar em contraponto com a leitura de mundo,
objetivando compreender a educação oferecida à infância das águas a partir do espaço
escolarizado e da escuta dos seus saberes culturais.
Em seus estudos, constatou que a infância ribeirinha possui diversos conhecimentos
oriundos dos espaços sociais com os quais interage, porém há saberes significativos de sua
cultura, também essenciais para a contextualização da realidade, o desenvolvimento do ensino
aprendizagem e a apropriação da leitura e da escrita, que, em sua maioria, são silenciados nas
políticas e práticas curriculares da escola.
22 Disponível em: <http://sdi.capes.gov.br/>. Acesso: de jan. 2016 a jan. 2017.
47
Assim, retrata críticas em relação à falta de uma política pública que oportunize uma
educação de qualidade nas regiões mais pobres do Brasil, como também a mediação nas escolas
populares de um ensino voltado apenas para a transmissão do conhecimento sem considerar o
conhecimento cultural de uma determinada localidade.
Hage e Gerone Junior (2013) apontam reflexões sobre o saber-fazer dos professores da
educação básica na sua prática de ensino, tendo em vista que a formação oferecida a esses
professores, muitas vezes, tem apenas valorizado o acúmulo de conhecimentos, cursos e
orientações de planejamento para que os professores administrem melhor as dificuldades
enfrentadas na sala de aula, dando pouca importância a um trabalho de reflexão crítica sobre as
práticas realizadas. Destacam os aspectos fundamentais do saber-fazer docente para a sua
formação profissional e a maneira como reconstroem a sua prática educativa na perspectiva de
se tornarem professores autônomos e reflexivos; trazendo, ainda, a compreensão sobre as
escolas do campo como espaços sociais complexos e a necessidade de se chegar mais próximo
dos educadores para compreender a lógica que permeia o seu saber-fazer docente.
Para Santos (2011), a presença das crianças em escolas das áreas do campo não significa
atendimento aos seus modos de vida, suas rotinas, aos anseios das famílias, pois a educação
delas ainda acontece, nas maioria das vezes, em espaços deficitários sem as mínimas condições
para que seja desenvolvido um trabalho que atenda às suas necessidades, uma vez que há uma
diversidade de crianças, de infâncias, de culturas. A autora reafirma, em seus estudos, a
necessidade de uma prática docente voltada para a educação de crianças do campo, que
proporcione a ampliação dessa cultura, a construção de identidades, em espaços que valorizem
a sociabilidade e incentivem as descobertas e aprendizagens voltadas para o pensamento crítico.
Os estudos de Lopes e Sobral (2011) têm como objetivo contribuir para a (re)
significação, por parte dos professores, de saberes necessários para a construção de uma
proposta curricular para a Educação Infantil em uma instituição pública e apontam avanços no
que se refere à (re) significação de tais saberes por parte dos sujeitos, configurando rupturas
importantes com as suas concepções iniciais. Suas conclusões ressaltam a necessidade de um
trabalho de formação permanente no contexto da instituição, de modo a propiciar o diálogo
entre as práticas pedagógicas na Educação Infantil.
Macenham, Soares e Frinck (2016), em um estudo sobre o saber docente, trazem como
objetivo central desvelar, por meio de interpretações inferenciais, o saber do professor da
Educação Infantil diante da prática pedagógica. Os resultados apontam que os saberes docentes
se originam tanto dos cursos de formação de professores quanto de suas experiências pessoais
48
e profissionais, e que os saberes passam por processo de desenvolvimento e são mobilizados na
prática pedagógica de modo a influenciar e receber inferência dessa prática.
Na sessão de dissertações e teses da Capes, do PPGED/UFPA e do PPEGED/UEPA,
foram privilegiadas pesquisas consideradas relevantes para o estudo sobre o contexto da escola
ribeirinha na Amazônia, destacadas no quadro abaixo:
Quadro 4 – Teses e Dissertações
UTOR TÍTULO INSTITUIÇÃO ANO
Eliana Campos Pojo
Travessias Educativas em
Comunidades Ribeirinhas da
Amazônia
Universidade
Metodista de São
Paulo/
Dissertação
2013
Renata Rocha Grola Lovatti Docência e Formação na Educação
Infantil do Campo: Dizeres Docentes
Universidade
Federal do
Espírito Santo/
Dissertação
2014
Ana Paula Cunha dos Santos
A Escolarização de Pessoas com
Deficiência nas Comunidades
Ribeirinhas da Amazônia Paraense.
Universidade de
São Carlos/
Tese
2015
Natamias Lopes de Lima
Saberes Culturais e o Modo
de Vida de Ribeirinhos e Sua Relação
com o Currículo Escolar: Um Estudo
no Município de Breves/PA.
Universidade
Federal do Pará/
Dissertação
2011
Jenijunio dos Santos
População Ribeirinha e Educação do
Campo: Análise das Diretrizes
Curriculares do Município de Belém,
no Período de 2005-2012.
Universidade
Federal do Pará/
Dissertação
2016
Gilma da Costa Cavalcante
Fronteira Entre Campo e Cidade:
Saberes e Práticas Educativas no
Cotidiano de uma Escola Nucleada
em Rio Maria/PA.
Universidade do
Estado do Pará/
Dissertação
2016
Rosenildo da Costa Pereira Saberes Culturais e Prática Docente
no Contexto da Educação do Campo
Universidade do
Estado do Pará/
Dissertação
2016
Fonte: CAPES (Sessão de Teses e Dissertações); PPGED/UFPA; PPGED/UEPA.23
Os estudos de Pojo (2013) buscaram compreender o sentido do que é ser ribeirinho por
intermédio de experiências significativas em uma realidade concreta, a partir dos modos de
viver e conviver nessas comunidades, num mundo cercado por águas, marés, criação de animais
domésticos, plantas, barcos, vidas indo e vindo à particular realidade ribeirinha. Essa e muitas
outras situações, vivenciadas pela autora, trouxeram reflexões sobre a importância de uma
educação que considere a cultura e espaço social ribeirinhos através de uma prática docente
contextualizada, que permita integrar os conhecimentos científicos com o conhecimento crítico
de tal realidade.
23 Disponível em: <http://ccse.uepa.br/mestradoeducacao/> e <http://ppgedufpa.com.br/>. Acesso: de jan. 2016 a
jan. 2017.
49
Atrelado a essa questão, os estudos de Lavatti (2014) apontam indicativos no que se
refere ao acompanhamento dos professores, à manutenção de espaço físico e às propostas de
formação continuada, evidenciando o fortalecimento de políticas voltadas às instituições do
campo; destacando que os avanços, diante de proposta educacionais para a educação do campo,
associam-se a desafios e demandas de investimentos, entre eles, como prioridade, a formação
específica para os profissionais da educação infantil do campo, pois as instituições educativas
localizadas nesses contextos possuem especificidades que necessitam de articulação nas
políticas de formação continuada de professores para contribuir na qualidade do atendimento.
Os estudos problematizam, ainda, as muitas tensões e desafios das políticas públicas para o
reconhecimento da Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, na ampliação
de sua oferta e na sua efetivação como direito de todas as crianças.
Já a pesquisa desenvolvida por Fernandes (2015) retratou como acontece a escolarização
do alunado de Educação Especial que frequenta as escolas das comunidades ribeirinhas
vinculadas à SEMEC de Belém, constatando algumas dificuldades, como na relação da escola
sede com suas unidades pedagógicas e as dificuldades dos professores das salas regulares em
atender os alunos com deficiência na articulação de sua prática pedagógica, uma vez que
buscam desenvolver suas atividades de acordo com as orientações da Sala de Recursos
Multifuncionais (SRM) presentes em algumas escolas. Cabe ressaltar, segundo a autora, que
escolas que não possuem SRM são atendidas por profissionais das escolas urbanas que a
possuem, os quais, mesmo com agendamento, não conseguem dar conta da demanda das escolas
das ilhas.
As práticas pedagógicas interdisciplinares foram consideradas por Fernandes (2015)
como um desafio constante que acarreta na sua ineficiência, pois a ausência de uma equipe
interdisciplinar nas escolas e de uma formação continuada para os professores prejudicam a
ação pedagógica interdisciplinar. Destaca, também, que o transporte do alunado é insuficiente,
precário e inadequado, principalmente para os alunos com deficiência. Por fim, a pesquisadora
conclui que o desenvolvimento da prática pedagógica do professor ocorre na tentativa de
adequar os alunos com deficiência ao sistema.
No banco de dados do PPGED/UFPA, destacam-se os estudos de Lima (2011) e Santos
(2014).
Os estudos de Lima (2011) se direcionam para a compreensão do currículo de uma
escola ribeirinha do município de Breves, no Pará, e sua relação com os saberes culturais do
meio onde se encontra inserida. Suas reflexões sobre a prática docente foram extremamente
importantes, pois verificou que os assuntos explorados em sala de aula têm servido muito mais
50
como subterfúgio para se ensinar letras do alfabeto e sílabas soltas do que propriamente como
ponto de referência para um diálogo com os educandos.
Contudo, o currículo desenvolvido na escola ribeirinha Santa Maria, onde Lima (2011)
realizou sua pesquisa, estabelece uma relação de aproximação com os saberes culturais de
ribeirinhos da comunidade, tendo em vista que os assuntos abordados partem do contexto
cultural dos alunos, não sendo encontrados em livros didáticos utilizados na escola, nem nos
conteúdos programáticos oferecidos pela SEMEC; esses conteúdos foram propostos pelo
professor a partir da realidade concreta dos alunos.
Os estudos de Santos (2014) sobre as Diretrizes Educacionais para as populações
ribeirinhas de Belém, propostas pela SEMEC no período de 2005-2012, tiveram como objetivo
indagar se essas diretrizes se constituíram em uma política de educação e qual a relação delas
com a Política de Educação do Campo. Com base no emergente paradigma da Educação do
Campo, a pesquisa constatou que as diretrizes analisadas não se traduziram em políticas
públicas para a população ribeirinha. Ao contrário disso, constituíram-se em ações de governo
pouco efetivas para a realidade dessas populações, as quais estiveram à mercê da boa vontade
dos governantes, uma vez que faltou a participação popular na sua elaboração e gestão, assim
como a ausência de normatização. Para romper com esse fato, a pesquisa propõe à SEMEC de
Belém a consolidação de uma Política Pública de Educação que possibilite pensar uma
educação alinhada à identidade e realidade ribeirinha, que vá em direção ao proposto na Política
de Educação do Campo, pois o que segue são apenas aprofundamentos acerca da temática
levantada no contexto da realidade selecionada para estudo.
Nas produções das dissertações do PPGED/UEPA, são de grande contribuição para a
temática proposta nesta pesquisa os estudos de Cavalcante (2011) e Pereira (2016).
A pesquisa de Cavalcante (2011) ocorreu em uma escola nucleada no perímetro urbano
de Rio Maria (PA), na qual procurou mapear um conjunto de saberes culturais e práticas
educativas que dinamizam os cotidianos de alunos provenientes do campo e da cidade. Em seus
resultados, constatou que a escola recebe um maior número de alunos do campo, no entanto, o
seu Projeto Político Pedagógico não apresenta propostas e ações que considerem os diferentes
contextos que compõem o cotidiano escolar, reforçando a ideia de cidade como um espaço
privilegiado.
O estudo de Pereira (2016) teve por objetivo investigar de que forma as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo contribuem para a incorporação
dos saberes culturais locais na prática docente. Por meio de uma Cartografia de saberes,
examinou se os saberes culturais da comunidade estavam presentes na prática educativa dos
51
professores de uma escola ribeirinha em Abaetetuba (PA). O pesquisador constatou que os
saberes culturais movimentam de forma significativa o universo ribeirinho local, porém, na
prática pedagógica dos professores, esses saberes são abordados de forma superficial e
assistemática, uma vez que ainda privilegiam o conhecimento científico (escolarizados).
Entretanto, o estudo considerou que já ocorre uma valorização dos saberes culturais no contexto
escolar, o pesquisador atribui isso ao fato dos professores terem sido formados no curso de
Pedagogia das Águas.
É importante destacar também as contribuições de pesquisas realizadas pelos
pesquisadores dos PPGEDs da UEPA e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio), por meio da pesquisa “O Professor da Educação Infantil e das Séries Iniciais do
Ensino Fundamental na Amazônia singularidade, diversidade e heterogeneidade”.
O texto organizado por Oliveira, França e Santos (2011) revela as diferenças do modo
de vida dos ribeirinhos, marcada pela variação do tempo, dos costumes e tradições que orientam
e sustentam seu modo de vida e suas memórias, as dificuldades do professor da Educação
Infantil de classes multisseriadas em desenvolver um trabalho de acordo com a realidade da
criança, a ausência de formação continuada para esses professores, a precariedade da escola,
entre outros fatores que interferem na prática pedagógica do professor.
A organização desse estudo preliminar serviu de alicerce para a delimitação do objeto
investigado, pois retratou a escola ribeirinha como um espaço de articulação de saberes na
convivência cotidiana do professor com o contexto escolar ribeirinho, apresentando o
desenvolvimento de práticas docentes envolvidas pela cultura amazônica, que exigem do
professor a revelação de saberes constituídos na sua trajetória profissional e no enfrentamento
dos desafios apresentados no cotidiano escolar, ou seja, um espaço que, cada vez mais, necessita
de pesquisas educacionais que favoreçam a constituição de programas educativos de fato para
as crianças das áreas do campo, como as ribeirinhas, as quais, mesmo sofrendo influências dos
grandes centros urbanos, apresentam peculiaridades próprias de sua região.
O número significativo de pesquisas que abordam a educação no campo e o contexto
ribeirinho revela um estudo expressivo dos saberes culturais presentes na prática pedagógica
do professor, as práticas pedagógicas descontextualizadas e focadas apenas no conhecimento
científico, a realidade e o modo de vida da população ribeirinha. Ainda, evidencia os obstáculos
enfrentados pela escola ribeirinha devido à falta de estrutura, à ausência de políticas públicas,
entre outros, para estabelecer um ensino de qualidade.
Ainda assim, há a necessidade de se ampliar as discussões sobre o saber docente
presente na prática pedagógica do professor, pois este é o sujeito do conhecimento, sendo foco
52
principal de análise para o enfrentamento dessa realidade. Tais contribuições são necessárias
para a prática pedagógica por meio de pesquisas a partir de diferentes contextos escolares, que
servirão de base tanto para a prática de ensino quanto para o processo de aprendizagem da
criança e para a formação docente.
Essa importância é retratada por Tardif (2005) quando este afirma que as pesquisas em
torno da construção dos saberes docentes na prática pedagógica são necessárias no sentido de
contribuir para a reformulação da formação docente, visando, consequentemente, tornar o
professor agente de conhecimentos, ou seja, ator capaz de nomear, de objetivar e de partilhar
sua própria prática e sua vivência profissional.
Dessa forma, o estudo será conduzido com intuito de identificar os saberes docentes
revelados na prática pedagógica do professor de crianças ribeirinhas nas suas articulações
pedagógicas em sala de aula, isto é, o conhecimento que respalda sua forma de ensinar diante
do contexto escolar apresentado, tendo em vista que o professor é o sujeito que conduz a sua
própria prática pedagógica, a qual, segundo Tardif (2005), deve está direcionada para a
dimensão do saber-fazer, por sua vez, voltado para as diferentes práticas sociais.
Este estudo reforça, também, as contribuições para o processo formativo, uma vez que,
segundo Pimenta (1999), é preciso, na formação, construir condições para, de um lado, superar
os saberes apriorísticos que as ciências da educação deixaram como herança e para, de outro,
possibilitar a retomada da prática dos professores como ponto fundamental do trabalho
formativo: “Trata-se, portanto, de reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática social
da educação” (PIMENTA, 1999, p. 25).
Como pontua Tardif (2005), o saber dos professores é um saber social, porque é
partilhado por um grupo de agentes, sua posse e utilização repousam sobre todo um sistema que
vai garantir sua legitimidade, orientando sua definição e utilização na universidade, na
comunidade escolar, sindicatos, grupos de estudos científicos, Ministério da Educação, entre
outros. Portanto, o saber docente envolve seus próprios objetos sociais, práticas sociais, pois o
professor trabalha com sujeitos, visando educá-los. Nesse sentido, “ensinar é agir com outros
seres humanos; é saber agir com outros seres humanos que sabem que lhes ensino; é saber que
ensino a outros seres humanos que sabem que sou um professor, etc.” (TARDIF, 2005, p. 13).
Importante esclarecer que os estudos em relação ao “saber ensinar” vêm evoluindo
através dos tempos, pois a prática docente recebe influências do contexto social e histórico no
qual o professor se insere. Dessa forma, novas concepções educacionais surgem no sentido de
qualificar a profissão docente, concepções que demandam uma ebulição de saberes que o
53
professor tenta adaptar e modificar de acordo com cada momento vivenciado em sua atuação,
ao longo de sua carreira docente, fazendo com que aprenda a ensinar pelo seu trabalho.
Há, assim, uma preocupação com o professor não apenas como executor de tarefas, mas
no que tange ao desenvolvimento de uma prática pedagógica que respeite a criança ribeirinha
nas suas peculiaridades culturais e humanas; isso faz este estudo ser relevante no âmbito da
formação do professor, pois, com base em Freire (1996), o professor é tido aqui como produtor
de saberes:
É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando,
desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito
também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção. (FREIRE, 1996, p. 22).
Portanto, há o entendimento da necessidade de se buscar a equidade na produção e
construção do conhecimento escolar, no âmbito educacional, para todas as crianças brasileiras,
sejam as que vivem no espaço urbano, sejam as que vivem em comunidades diferenciadas.
Cabe, então, compreender os saberes docentes presentes na prática pedagógica do professor da
Educação Infantil ribeirinha a partir de sua inserção em um ambiente escolar com uma
diversidade sociocultural incontestável. Nesse sentido, segundo Tardif:
Se assumirmos o postulado de que os professores são atores competentes, sujeitos
ativos, devemos admitir que a prática deles não é somente um espaço de aplicação de
saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes
específicos oriundos dessa mesma prática. (TARDIF, 2005, p. 234).
Com isso, chega-se ao entendimento de que a prática docente é um espaço de formação
e reflexão a partir dos princípios de uma educação voltada para a comunidade ribeirinha, sendo
que, na formação do professor, com foco na sua prática pedagógica, é necessário considerar as
necessidades de aprendizagem da criança que ali habita. Reitera-se, portanto, a importância da
pesquisa, tendo em vista os poucos estudos sobre o desenvolvimento da prática pedagógica do
professor de crianças ribeirinhas, prática esta que favorece a articulação de muitos saberes, os
quais, por sua vez, necessitam ser identificados e reelaborados no processo de formação docente
enquanto prática reflexiva.
54
3 PRÁTICAS DOCENTES E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO DO
CAMPO
Algumas questões já levantadas neste estudo, envolvendo o espaço pedagógico da
escola ribeirinha, revelaram a necessidade de um professor que seja interlocutor de saberes por
meio dos conhecimentos científicos e pedagógicos, além da sensibilidade e criatividade para
fazer frente à organização da ação educativa em sala de aula. Desse modo, a escola assume
papel relevante, participando ativamente nesse processo.
A seção ora apresentada emana de reflexões pontuais sobre a prática docente na
Educação do Campo e nas propostas de Educação Infantil do campo, também sobre o processo
de formação docente. O interesse não é o de aprofundar o estudo, e sim buscar compreensões
sobre a prática docente do professor da Educação Infantil do Campo, em que a figura do
professor esteja articulada a uma concepção histórica e social, ou seja, por saberes, desejos,
anseios, sonhos que determinam sua identidade profissional, bem como o desenvolvimento de
práticas pedagógicas significativas na Educação Infantil, pois é na sala de aula que se revela a
organização dos saberes mobilizados para o desenvolvimento do ensino.
A importância da formação docente surge diante da necessidade de se correlacionar suas
propostas com a especificidade educacional local, com os agentes interventivos e com a cultura
presente nas regiões do campo, para, assim, constituir reflexões sobre as práticas pedagógicas
desenvolvidas nesses espaços, na produção de saberes, na reflexão para a resolução de
problemas, visando o enfrentamento dos desafios impostos no desenvolvimento da prática
pedagógica.
3.1 Práticas Pedagógicas na Escola do Campo
Novas expectativas em relação à postura do professor frente às diferentes realidades
educativas surgem por volta da década de 90 em debates sobre os saberes necessários para a
atuação docente em espaços pedagógicos diferenciados. Sobre isso, Ramalho et al. (2014)
retratam que tais debates envolveram a busca de um novo paradigma em relação à formação
docente, que até então estava centrada principalmente na aquisição de saberes acadêmicos e
disciplinares, assim como na racionalidade fechada, exógena aos professores; mudanças de
paradigmas diante dos saberes, competências e atitudes do agir profissional em espaços
educacionais diferenciados.
Assim, o professor passa a ser pensado enquanto sujeito histórico por meio da
transformação do conhecimento científico, tendo como foco maior o ensino e a aprendizagem
55
não apenas como uma simples adaptação, ou simplificação de conhecimentos, e sim por meio
da produção de saberes no processo. Pontuando sobre essa concepção, Charlot revela que:
A espécie humana é construída por ela mesma no decorrer da história; o homem é
construído enquanto espécie humana. Também, ele é construído como membro de
uma sociedade e de uma cultura; a sociedade e a cultura têm uma história e cada um
de nós pertence a uma cultura que foi constituída no tempo. Por fim, o homem é
construído enquanto sujeito singular que tem uma história singular. (CHARLOT,
2013, p. 166)
Charlot (2013) constitui a compreensão do professor enquanto ser histórico e social, o
qual, a partir de suas experiências, atribuídas a sua interação social, e de sua formação
profissional, desenvolve sua atividade prática composta por conhecimentos sociais, construindo
e elaborando novas formas de conhecimento a partir de realidade educativa, sendo que, assim,
revela e produz saberes por meio de estratégias sistematizadas de aprendizagens construídas no
cotidiano da prática pedagógica. Nessa mesma perspectiva, há a compreensão de que:
A prática cotidiana da profissão não favorece apenas o desenvolvimento de certezas
“experienciais”, mas permite também uma avaliação dos outros saberes, através da
sua retradução em função das condições limitadoras da experiência. Os professores
não rejeitam os outros saberes totalmente, pelo contrário, eles os incorporam a sua
prática, retraduzindo-se, porém em categoria de seus próprios discursos. (TARDIF,
2005, p. 53).
Segundo Tardif (2005), a experiência construída pelo professor em escolas do campo,
no momento da sua prática pedagógica, abrange a maneira como ele concebe e realimenta sua
prática em favor de uma atuação dinâmica e contextualizada, crítica e participativa, um saber-
fazer que o desafia diariamente no enfrentamento de novas realidades no espaço escolar
diversificado. Desse modo, ainda segundo Tardif (2005, p. 33):
A experiência provoca, assim, um efeito de retomada crítica (retroalimentação) dos
saberes adquirido antes ou fora da prática profissional. Ela filtra e seleciona ou outros
saberes, permitindo assim aos professores reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-los
e, portanto, objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos
ao processo de validação constituído pela prática cotidiana.
Partindo do que foi exposto pelo autor, a importância da prática reflexiva do professor
do campo em processo de formação vem à tona na perspectiva de valorização de seus saberes
e de outros envolvendo os aspectos da cultura escolar, do senso comum e da realidade do
educando. Segundo Tardif (2005), a escola, sendo um espaço de produção de saberes, permite
um envolvimento maior com o sujeito docente no sentido de compreender, através de
investigações sobre a sua prática, outras concepções de saberes para a busca da racionalidade
mais ampla e mais flexível, uma que é capaz de dar conta da multiplicidade e da diversidade
dos saberes humano. É onde o professor se alimenta em uma atuação regada de valores, culturas
56
e conhecimentos armazenados em sua formação científica, transformados progressivamente na
sua atuação escolar. Tal como é referido por Tardif (2005 p. 56-57):
Se uma pessoa ensina durante trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela
faz também alguma coisa de si mesma: sua identidade carrega as marcas de sua
própria atividade, e uma boa parte de sua existência é caracterizada por sua atuação
profissional. Em suma, com o passar do tempo, ela vai-se tornando-os seus próprios
olhos e os olhos dos outros – um professor, com sua cultura, seu ethos, suas ideias,
suas funções, seus interesses, etc.
Esta configuração de ensino, exposta por Tardif (2005), remete ao entendimento de que
a prática pedagógica em escolas do campo conduz a um aprendizado constante por meio da
reflexão sobre os saberes necessários para a execução pedagógica em um contexto diferenciado,
os quais são constituídos pela formação prática, pelas experiências diretas do professor com o
seu dia a dia em sala e por meio de sua familiaridade com o ambiente escolar.
Em uma perspectiva mais ampla, Ramalho et al. (2014) retratam que os saberes docentes
são colocados em condição de legitimação a partir de um contexto que envolve um projeto de
desenvolvimento profissional, proposto por um determinado grupo, com o desenvolvimento da
pesquisa (como inovação educativa), resultante da reflexão da prática, sob uma perspectiva
crítica. Entende-se, dessa forma, que os saberes docentes do professor de escolas do campo são
cumulativos, não independentes, são provenientes de seleções de experiências cumulativas e
subsequentes a cada momento vivenciado, tudo que é retido das experiências culturais e
escolares acaba por redimensionar suas ações.
Ainda a partir das considerações de Tardif (2005), a construção do saber profissional do
docente está associada às fontes e lugares de aquisição, do momento de sua construção, à
história de vida e à rotina da ação pedagógica. Portanto, a prática pedagógica do professor de
escolas do campo é marcada pela historicidade proporcionada por uma estrutura temporal de
sua consciência, a qual define sua forma de ensinar como um todo, solidificando o que Arroyo
(2013) define como “ofício do mestre”, que é múltiplo, plural e carrega uma ampla gama de
conhecimentos.
O que sabemos fazer e temos que fazer no cotidiano convívio com a infância,
adolescência e juventude não cabe em imagens simplificadas, nem em um único
conceito, professor, docente, mestre, alfabetizador, supervisor, orientador.
Carregamos todos uma história feita de traços comuns ao mesmo ofício. (ARROYO,
2013, p. 13).
Arroyo (2013) reforça que o professor do campo é um ser integrado, que, na sua prática
pedagógica, não se reporta como um simples transmissor de conhecimentos; há muito para se
conhecer sobre ele, sobre seu passado, sobre seus horizontes, enfim, sobre as perspectivas de
57
um ser que está em constante aprendizado, reinventando o sentido de ser docente. A inserção
desse professor na escola ribeirinha exige uma acomodação de seus saberes, não somente os
científicos, também os saberes específicos do seu lugar de trabalho, que possui uma rotina
peculiar, diferente das escolas em centros urbanos. Nesse sentido, tal inserção exige uma
aproximação maior com o cotidiano da escola, de suas necessidades e de sua organização
pedagógica, pois, de acordo com Tardif (2005), os “saberes” docentes são provenientes da
socialização, ou seja, emergem do indivíduo nos diversos mundos socializados (família, grupos,
amigos, escolas, etc.).
Sendo assim, o professor de escolas do campo interioriza certo número de competências,
de conhecimentos, crenças e valores, os quais acabam estruturando a sua forma de pensar, de
refletir sobre sua prática educativa, estruturando sua personalidade e suas relações com os
outros, principalmente com as crianças. Tardif (2005) pondera que o professor, ao se envolver
inteiramente com sua prática, aprende na busca de reconhecimento do outro, como um ser capaz
de ensinar, logo suas experiências se transformam numa maneira pessoal de ensinar, e em traços
de sua personalidade. E a pesquisa impulsiona nessa direção do saber que está por trás e além
do ensinar, como afirma Freire (1996):
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo
um ser aberto a indagações; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que
tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimentos. (FREIRE, 1996, p. 47).
Freire (1996) retrata também que o professor desenvolve um saber vivido, testemunhado
por todos que fazem parte do processo educativo, numa relação com o saber fazer pedagógico
integrado com o contexto social do aluno, por isso é um ser cultural, histórico, inacabado e
consciente de seu inacabamento.
Para Freire (1996), o professor enquanto ser situado historicamente e inserido na
identidade cultural do aluno, elabora novos saberes, que consolidam sua prática pedagógica.
Devido a isso, concretizar a escola do campo se torna uma tarefa desafiadora por conta da
diversidade das comunidades rurais brasileiras, as quais, dado o desenvolvimento econômico
acelerado, acabam por ficar às margens da sociedade globalizada. Nesse contexto, tem
importância as leis que visam garantir o atendimento educacional de qualidade a essas
populações, por exemplo, uma grande conquista é a elaboração do marco normativo da
Educação do Campo, estabelecido pelo MEC através da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em 2012. No documento, é reconhecida a
58
diversidade dos povos brasileiros e a importâncias de políticas públicas para o atendimento
social com qualidade:
A vitalidade dos movimentos sociais não deixa dúvidas de que o atendimento
educacional dos povos do campo não se fará pela transposição de modelos instituídos
a partir da dinâmica social e espacial urbana. Esta constatação aliada à compreensão
da grande diversidade de ambientes físicos e sociais de que se constitui o universo
rural brasileiro, impõe importantes desafios que vão desde o reconhecimento de
formas alternativas de organização de tempos e espaços escolares até a definição de
estratégias específicas de formação de profissionais e de elaboração de materiais.
(BRASIL, 2000, p. 4).
Sendo assim, defende-se a necessidade de uma prática pedagógica na escola do campo
que atenda às necessidades das crianças, que convivem em espaços sociais com uma cultura
diversificada, costumes, crenças e valores, os quais devem ser respeitados nas propostas
educacionais brasileiras em todos os segmentos, ou seja, o documento apresentado à SECADI24
institui uma política que deve ser seguida pelas propostas de projetos educacionais
institucionais para o desenvolvimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil, o Ensino Fundamental e Médio, bem como a Educação de Jovens e Adultos, a
Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a
Formação de Professores em Nível Médio na modalidade Normal (BRASIL, 2000).
Trata-se, portanto, da garantia do direito de atendimento educacional de qualidade aos
povos constituídos por homens e mulheres com uma cultura peculiar, habitantes de um contexto
diversificado por aspectos sociais característicos, diferenciados da sociedade urbana, e que
ainda buscam o seu sustento por meio da produção da terra, na exploração dos rios, da floresta,
na comercialização da caça, da pesca, de frutas e legumes extraídos nas suas comunidades. Essa
dinâmica, além de caracterizar, configura o povo do campo enquanto diferenciais de sociedade
e de cultura, o que é reafirmado por Arroyo.
Todos esses ricos processos constituem o que aqui se entende por Educação do
Campo. Um movimento de ação, intervenção, reflexão, qualificação que tenta dar
organicidade e captar, registrar, explicitar e teorizar sobre os múltiplos significados
históricos, políticos e culturais (consequentemente formadores, educativos) da
dinâmica em que outras mulheres, outros homens, vêm se conformando no campo.
(ARROYO et al., 2011, p. 12).
Ou seja, uma especificidade educacional que, para Arroyo et al. (2011), precisa ser
reafirmada, de modo a garantir o desenvolvimento sociocultural dos diferentes grupos sociais
que moram e habitam no campo, pois a educação é um direito social e humano fundamental de
todos os grupos. Como pontuam Arroyo et al., “[...] fortalecer a identidade e a autonomia das
24 Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.
59
populações do campo é ajudar o povo brasileiro a compreender que não há uma hierarquia, mas
uma complementaridade: cidade não vive sem campo que não vive sem cidade” (ARROYO et
al., 2011, p. 15).
É nesse contexto que está a Amazônia, apresentando um espaço social diversificado,
com uma variedade de comunidades ribeirinhas que fazem parte de uma conjuntura política
normatizada pela Câmara de Educação Básica (CEB), por meio da Lei nº 9131/95 e da Lei nº
9394/96 (LDB), que definem que a educação do campo, abordada como educação rural na
legislação brasileira, ultrapassa os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura,
acolhendo os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. De acordo com o Parecer:
O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não urbano, é um campo de
possibilidades que dinamizam a ligação entre seres humanos com a própria produção
das condições de existência social e com as realizações da sociedade humana.
(BRASIL, 2000, p. 8).
O parecer focaliza, além de uma visão particular de população rural, uma visão inclusiva
decorrente das aspirações de movimentos sociais que consideram o campo como um espaço
heterogêneo, com uma diversidade de atividades agrícolas e não agrícolas (pluriatividade), com
multiculturas, que necessitam fazer parte das políticas educacionais. Nessa perspectiva, a região
amazônica apresenta uma característica peculiar de cultura ribeirinha que mantém
características rurais; e, devido à proximidade com a região urbana, tais características se
entrelaçam compondo a população amazônica. Nas palavras de Loureiro (2015):
A cultura amazônica, em que predomina a motivação de origem rural-ribeirinha, é
aquela na qual melhor se expressam mais vivas se mantêm as manifestações
decorrentes de um imaginário unificador refletido nos mitos, na expressão artística
propriamente dita na visualidade que caracteriza suas produções de caratê utilitário –
casas, barcos, etc. O interior – expressão que designa o mundo rural, embora inclua
vila e povoados – é o lugar das tensões próprias dessa sociedade onde os grupos
humanos estão dispersos ao longo de extensos espaços e onde se acham mergulhados
numa ideia vaga de infinitude, propiciadora da livre expansão do imaginário.
Sobrevive nela uma consciência individual pela qual o homem se realiza como
cocriador de um mundo em que o imaginário estetizante e poetizador se revela como
uma forma de celebração total da vida. (LOUREIRO, 2015, p. 79).
Por vias desse imaginário, pode-se concluir que a prática pedagógica, no contexto
ribeirinho da Amazônia, configura-se mergulhada em um universo encantador, poético, onde a
vida cultural se entrelaça e se instaura no cotidiano de uma população conectada com as
condições da natureza, dos rios, envolvidos pelo real e o imaginário, revelando o cotidiano
prosaico de cada comunidade ribeirinha, o que contribui para as práticas pedagógicas
significativas. As contribuições de Loureiro (2015, p. 82) retratam essa realidade:
60
Graças a esta forma peculiar do olhar do homem da região (que a Amazônia, sempre
se constituiu para os viajantes e estudiosos um espaço delimitado de geografia e
cultura), tornou-se também uma extensão ilimitada às instigações do imaginário. Por
essa via prazerosa, o homem da Amazônia percorre pacientemente as inúmeras curvas
dos rios, ultrapassando a solidão de suas várzeas pouco povoadas e plenas de
incontáveis tonalidades de verdes, da linha do horizonte que parece confirmar com o
eterno da grandeza que envolve o espírito numa sensação de estar diante de algo
sublime.
Assim, a comunidade ribeirinha localizada na ilha do Combu acolhe esse homem
peculiar, amazônico, que é configurado pela educação do campo, pois faz parte de uma
realidade envolvida por um imaginário social movido pelo cotidiano entre o próximo e o
distante da comunidade urbana, o que se reflete em conflitos diários que afetam
consideravelmente sua qualidade de vida, como a devastação de suas florestas, da fauna, da
flora e a poluição dos rios, o que interfere no bem-estar social de crianças e jovens em processo
de escolarização.
Tal realidade faz parte da luta por uma educação do campo de qualidade para que a
população ribeirinha não seja submetida a uma proposta educacional urbana, mas a uma
organização política voltada às especificidades da região. É nessa direção que as propostas de
educação em comunidades ribeirinhas na Amazônia devem caminhar de forma a atender a
diversidade cultural e social dos povos amazônidas, reconhecendo o seu papel social enquanto
formadoras de seres pensantes e de recriação cultural.
Retomando as considerações referendadas por Arroyo et al. na primeira Conferência
Nacional por uma Educação do Campo:
Um outro grande desafio é pensar numa proposta de desenvolvimento e de escola do
campo que leve em conta a tendência de superação da dicotomia rural-urbano, que
seja o elemento positivo das contradições em curso, ao mesmo tempo que resguarde
a identidade cultural dos grupos que ali produzem sua vida. Ou seja, o campo hoje
não é sinônimo de agricultura ou de agropecuária; a indústria chega ao campo e
aumentam as ocupações não agrícolas. Há traços culturais do mundo urbano que
passam a ser incorporados no modo de vida rural, assim como há traços de mundo
camponês que voltam a ser respeitados, como forma de resgate de alguns valores
humanos sufocados pelo tipo de urbanização que caracterizou nosso processo de
desenvolvimento. Neste sentido, uma escola do campo não precisa ser uma escola
agrícola, mas será necessariamente uma escola vinculada à cultura que se produz
através das relações sociais mediadas pelo trabalho na terra. (ARROYO et al., 2011,
p. 33-34).
No parecer de Arroyo et al. (2011), exprime-se o repensar em direção a uma proposta
educacional para a região ribeirinha na Amazônia por meio do enfrentamento da dicotomia
existente entre o rural e o urbano; uma diversidade cultural e econômica do caboclo amazônida
que precisa ser pensada diante das propostas educacionais de âmbito local, principalmente em
relação aos livros didáticos, que ainda apresentam propostas desconectadas dessa realidade,
61
tendo em vista que a cultura amazônica se expande gradativamente na maioria dos centros
urbanos das regiões brasileiras, principalmente a norte, tornando-se a expressão das camadas
populares urbanas, a contradição fundamental da cultura cabocla em relação a sociedade
urbanocêntrica.
Isso tudo evidencia a importância do desenvolvimento de práticas educativas
significativas na educação do campo, principalmente no contexto da Amazônia, diante da
necessidade de se compreender as peculiaridades das crianças ribeirinhas, os costumes de um
povo caboclo, nativo da terra, um homem amazônida histórico-social retratado por Arroyo:
Como educadores, temos de ter sensibilidade para essa dinâmica social, educativa e
cultural, e perguntar-nos que novos sujeitos estão se constituindo, formando, que
crianças, jovens, adultos, que mulheres, que professoras e professores, que lideranças,
que relações sociais de trabalho, de prosperidade, que valores estão sendo aprendidos
nesse movimento e dinâmica social do campo. O foco do nosso olhar não pode ser
somente a escola, o programa, o currículo, a metodologia, a titulação dos professores.
Como educadores temos de olhar e entender como nesse movimento social vêm se
formando, educando num novo homem, uma nova mulher, criança, jovem ou adulta.
(ARROYO et al., 2011, p. 60).
Por fim, retomando os princípios estabelecidos pela Educação do Campo, este espaço
deve ser reconhecido como mais do que um perímetro não urbano, pois é um campo de
possibilidades, e o ambiente amazônico compõe um cenário que acolhe uma proposta de
Educação Infantil comprometida com as novas formas de pensar a criança no mundo, imediato
ou o mais distante, a partir de uma identidade histórica, isto é, uma educação vinculada a
práticas pedagógicas que expressem sua linguagem, sua história cultural, o respeito ao ambiente
natural que a cerca.
3.2 Práticas Pedagógicas na Educação Infantil do Campo
A necessidade de se promover práticas educativas por meio de um compromisso
pedagógico contextualizado com o espaço escolar do campo, vista anteriormente, supõe a
construção de princípios norteadores para a prática pedagógica na Educação Infantil. Nesse
sentido, cabe realizar algumas considerações em torno da trajetória de construção da identidade
da Educação Infantil.
Funções sociais diferenciadas percorreram a trajetória educativa de crianças, que
oscilaram entre o assistencialismo (o atendimento ao bem-estar biopsicossocial da criança), o
modelo compensatório, por meio de um atendimento preparatório para a escolaridade, até
chegar a um caráter mais pedagógico, envolvendo o processo de ensino e aprendizagem e
favorecendo as experiências significativas da criança. Esse contexto é marcado por diversas
62
concepções do que é ser criança e, consequentemente, de formas de atendimento destinado a
mesma e sobre que profissional estaria habilitado para esse atendimento.
Sendo o foco de análise os saberes docentes revelados na prática do professor da
Educação Infantil de escolas ribeirinhas, torna-se importante pensar sobre a função dessa etapa
para o desenvolvimento psicossocial das crianças pequenas atendidas, pois o contexto demanda
uma compreensão de um atendimento diferenciado por meio da valorização da cultura, do modo
de vida, promovendo diferentes formas de ver o mundo do qual a criança faz parte. Desse modo,
o atendimento vai muito além do cuidado, ele forma a criança cidadã do mundo. A vivência,
enquanto pesquisadora, na Educação Infantil da escola ribeirinha proporcionou reflexões em
relação à escola que se quer para as crianças e de que forma é possível proporcionar uma
educação nos primeiros anos de sua escolarização que garanta um desenvolvimento educacional
de qualidade.
De fato, a preocupação com a formação das crianças nem sempre foi assim, os estudos
de Ariès (1986) revelam que, durante muito tempo, as crianças foram submetidas ao silêncio,
ao descaso enquanto seres em desenvolvimento. Ser criança, diante da sociedade da Idade
Média, era estar submetida a um espaço resguardado pela família sem o reconhecimento da sua
função na sociedade. A infância era retratada por imagens de crianças frequentando o mesmo
espaço do adulto nos afazeres domésticos, sem escolarização, sem sentimento de infância ou
sem uma representação elaborada sobre essa fase da vida.
Kuhlmann Jr. (2011) revelou, a partir de suas pesquisas sobre a infância, a relação do
despertar para o reconhecimento da criança como um ser histórico-social. Seus estudos
mostram que o início de reconhecimento da infância acompanhou o surgimento das primeiras
aparições de instituições formadoras com uma visão inicial de proteção, no sentido de cuidar e
formar a geração mais jovem. Até então, não existia criança, ela era incorporada ao mundo do
adulto sem o reconhecimento de sua autonomia, de sua necessidade de formação humana.
A forma como a escola se apresentou, durante os séculos XVI e XIX, já na era moderna,
tinha como foco a doutrinação rígida de cunho religioso, disciplinar, não considerando as
diferentes faixas de idade – crianças de uma mesma idade frequentavam a mesma turma. Foi
com Rousseau (1712), segundo Kuhlmann Jr. (2011), que surgiu uma proposta para uma
Educação Infantil sem juízes, sem prisões e sem exércitos, pois, para ele, as instituições
educativas corrompiam o homem tirando-lhes a liberdade. Portanto, seria necessário educar as
crianças de acordo com a natureza, desenvolvendo progressivamente seus sentidos e razão com
vistas à liberdade e a capacidade de julgar, pois somente assim haveria espaço para a formação
do novo homem. No entanto, é verdade que o surgimento das primeiras instituições de
63
assistência às crianças ficou, muitas vezes, aquém de uma proposta educativa que permitisse
compreender a criança como parte de um contexto social em desenvolvimento.
Hoje, com os estudos iniciais da sociologia da infância, retratados por Belloni (2009),
uma inquietação maior com a construção social da infância se apresenta, estabelecendo a
necessidade de uma formação mais voltada às atividades sociais da criança, valores morais e
expectativas de conduta para que a mesma se constitua enquanto ser social em
desenvolvimento. No Brasil, isso possibilitou o surgimento do Estatuto da Criança e do
Adolescente, para a garantia de atendimento a essa faixa etária, incluindo a adolescência como
extensão, no fim do século XIX. O Estatuto da Criança e Adolescente estabelece em seu art. 3º
que:
[...] a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a Lei, assegurando-se lhes, por
lei e por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e dignidade. (BRASIL, 1990).
O Estatuto, ao considerar a criança cidadã com direitos estabelecido em lei, deu origem
a outras leis, as quais garantiram algumas mudanças significativas na organização de
instituições para o atendimento à infância, uma vez que estabeleceram, para essas instituições,
responsabilidades, diferentes das atribuídas à família, voltadas apenas para o atendimento da
criança em processo de escolarização. A Educação Infantil, portanto, passa por uma
organização de experiências diferenciadas em relação ao modo atual de ver a criança, como um
sujeito histórico, que se apresenta por meio do sonho, da fantasia, da imaginação, da afetividade
e, principalmente, da brincadeira.
No Brasil, a Lei nº 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) sanciona
como direito de todas as crianças brasileiras serem matriculadas na Educação Básica a partir
dos 4 anos de idade, responsabilizando pais e responsáveis pela não matrícula, tida como
obrigatória. A Lei também garante o fornecimento de transporte, alimentação e material
didático adequado, carga horária mínima anual de 800 horas, distribuídas por, no mínimo, 200
dias letivos, sendo que o atendimento às crianças deve ser de, no mínimo, quatro horas diárias
para o turno parcial e de sete para a jornada integral – normas que já valiam para os ensinos
fundamental e médio (BRASIL, 1996).
Entretanto não é somente garantir o acesso à Educação Infantil, é importante
compreender que tipo de criança se pretende formar, como coloca Kuhlmann Jr.:
Pensar a criança na história significa considerá-la como sujeito histórico, e isso requer
compreender o que se entende por sujeito histórico. Para tanto, é importante perceber
64
que as crianças concretas, na sua materialidade, no seu nascer, no seu viver ou morrer,
expressam a inevitabilidade da história e nela se fazem presentes, nos seus mais
diferentes momentos. (KUHLMANN JR., 2010, p. 31).
Na realidade, não se trata apenas de garantir atendimento para as crianças na dimensão
escolar como apoio às famílias que hoje se diversificam em diferentes necessidades sociais de
atendimento à criança, pois o atual momento histórico-social demanda que a infância seja
considerada na condição da criança, um ser que difere do adulto, com experiências específicas
que precisam ser vivenciadas com dignidade, que necessitam ser valorizadas nos espaços
sociais em que convivem e respeitadas enquanto cidadãs de direitos e em constante busca de
experiências sociais significativas para o seu desenvolvimento enquanto pessoa. Nesse sentido,
é importante ressaltar ainda o que Kuhlmann Jr. (2010, p. 30) coloca:
As crianças participam das relações sociais, e este não é exclusivamente um processo
psicológico, mas social, cultural, histórico. As crianças buscam essa participação,
apropriam-se de valores e comportamento próprios de seu tempo e lugar, porque as
relações sociais são parte integrante de sua vida, de seu desenvolvimento.
Daí o que contribui para a criação de propostas educacionais diferenciadas, mas que,
muitas vezes, continua delimitando a infância ao período escolar, desconsiderando as relações
sociais das quais as crianças participam por meio de exigências pedagógicas concentradas em
disciplinas rígidas e condicionando o seu processo de escolarização ao conhecimento científico.
Assim, transformar-se a criança em algo que atende às expectativas do adulto, não
considerando, no processo educativo, outras culturas, modos de vida e, principalmente, seus
tempos de brincar e de aprender.
No entanto, tais perspectivas elevaram novos caminhos para os movimentos
educacionais por uma Educação Infantil de qualidade e para um envolvimento maior das
instituições infantis com o contexto familiar, social e cultural da criança, caminhando
paralelamente com o comprometimento no que tange ao atendimento às crianças pequenas.
Esses desafios se colocam diante da necessidade de se considerar a criança a partir de seu
contexto histórico, de suas necessidades sociais, de onde vivem experiências que vão repercutir
em sua história por meio dos seus pares, de momentos culturais e recreativos, do seu modo de
ser e viver em comunidade.
Os estudos de Kuhlmann Jr. revelam que:
É preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto de
experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é
muito mais do que uma representação dos adultos sobre essa fase da vida. É preciso
conhecer as representações de infância e considerar as crianças concretas, localizá-las
nas relações sociais, etc., reconhecê-las como produtoras de história. (KUHLMANN
JR., 2010, p. 30).
65
De modo que é preciso envolver a criança em um processo educativo que estabeleça
uma formação contextualizada, como um ser de sua história, envolvido pelas imagens que
produzem sua existência; e isso emerge em todos os contextos sociais onde a mesma está
inserida, nos grupos dos assentados, dos sem terras, dos índios, dos espaços agrícolas, nos
centros urbanos e nas comunidades ribeirinhas.
A grande evolução de concepções destinadas ao atendimento à infância, desde as de
cunho assistencialista até as que entendem a criança como um ser histórico-social, abre espaços
para a consolidação de uma Educação Infantil do campo com o objetivo maior de desenvolver
a criança a partir de suas vivências de infância. Essas experiências vão exigir uma sensibilidade
maior do professor para com esse processo, abrangendo práticas educativas entendidas como
sociais no sentido de construir práticas pedagógicas que considerem o seu desenvolvimento
como parte da vida, marcado pelo seu contexto social, e não apenas para a aprendizagem. Cada
criança é única, envolvida por diferentes situações sociais colocadas diariamente no seu dia a
dia, expostas a situações diferenciadas que, por sua vez, vão possibilitar padrões de referências
de aprendizagem diferenciados.
Diante dessa perspectiva, a Educação Infantil na escola ribeirinha passa a ser o que
Freire (1987) denomina como prática social: um encontro entre sujeitos reais e não sujeitos
ideais em um processo educativo que diz respeito a toda a sociedade. Nesse sentido, ir em
direção a uma proposta de Educação Infantil como prática social significa atender a dinâmica
da criança e das famílias ribeirinhas, como retratam Silva et al.:
Não se pode oferecer à criança do campo uma educação voltada para uma criança
abstrata, sem contexto. Esse contexto é o campo significativo para o seu
desenvolvimento e precisa dialogar com as formas de educá-la em espaços públicos e
coletivos. Daí falar em “Educação Infantil do Campo”. (SILVA et al., 2012, p. 51).
Para a consolidação dessa proposta, é necessário um movimento coletivo de reflexão
em torno da necessidade de garantir, com qualidade, os direitos à educação das crianças do
campo, o atendimento à demanda das famílias e de suas comunidades. Uma Educação Infantil
do campo precisa abranger as crianças ribeirinhas, colocando em evidência o contexto
amazônico para um diálogo constante com o tipo de educação que será oferecida, uma vez que
“a Educação Infantil do campo é rica de possibilidades de exploração da vivência com a
natureza em verdadeiros experimentos naturais, artificialismos não são necessários” (SILVA et
al., 2012, p. 176).
Portanto, pensar em uma Educação Infantil na escola ribeirinha é compreender esse
espaço com uma rotina diferenciada, como está estabelecido no Conselho Nacional de
66
Educação, uma rotina que possa proporcionar práticas pedagógicas cotidianas por meio de
projetos pedagógicos voltados para o desenvolvimento social e para práticas ambientalmente
sustentáveis (art. 4º da Resolução CNE/CBE nº 1/2002).
Desse modo, será possível valorizar a identidade da escola por meio de metodologias
adequadas às reais necessidades dos alunos do campo, bem como flexibilizar a organização
escolar, incluindo adequação do seu calendário às fases do ciclo agrícola e às condições
climáticas, como dispõe o art. 2º do Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010 (SILVA et
al., 2012, p. 179), para que esse direito tenha como foco principal o envolvimento de suas ricas
práticas culturais, presentes na diversidade de povos existentes no campo, principalmente na
Amazônia.
Em vez de práticas culturais que ainda manifestam um atendimento escolar nos moldes
e vinculado à organização escolar urbana, privilegiar as práticas de comunidades inteiras que
vivenciam o dia a dia pelo trabalho na pesca e no cultivo do açaí, constituindo uma dinâmica
social diferenciada que necessita de um olhar educacional alimentado por esse contexto, como
proposto para a Educação do Campo.
Portanto, tem-se uma realidade que emana uma corrente de mobilizações no contexto
educacional para garantir uma educação de qualidade para uma camada da população brasileira
com uma vivência social rica de saberes. Para Arroyo et al. (2011, p. 9), “nos últimos 20 anos
a sociedade aprendeu que o campo está vivo. Seus sujeitos se mobilizam e produzem uma
dinâmica social e cultural. A educação e a escola são interrogadas por essa dinâmica”.
Sim, o campo está vivo, as regiões das ilhas no entorno de Belém possuem vida,
diferentes crianças, criativas e com sede de conhecimento, escolas localizadas na ilha do
Combu, desenvolvendo ações voltadas para as suas comunidades em busca de reconhecimento.
Com isso, existem professores envolvidos por um universo social onde o homem se confronta
com a beleza da região amazônica ao mesmo tempo rica e desafiadora. Um movimento social
que faz parte das lutas pelos direitos dos povos do campo a uma educação de qualidade, ou seja,
no enfrentamento dos fatores históricos que relegaram a essa camada da população brasileira
uma educação compensatória.
Os povos do campo ainda são submetidos a uma educação com parâmetros de escola
urbana, que, segundo Arroyo et al. (2011), está voltada para os interesses de uma sociedade
capitalista e, com isso, deixa de atender aos interesses dos indivíduos envolvidos nesses
contextos com suas diversidades culturais e necessidades sociais. As escolas ribeirinhas em
Belém lidam diariamente com esses reflexos, acumulando também problemas educacionais,
como repetência e evasão, problemas comuns apresentados no contexto educativo brasileiro.
67
Importante ressaltar que, no Plano Nacional de Educação, dentre suas 20 metas
estabelecidas, apesar de ser notado um evidente esforço para combater as desigualdades sociais
e históricas no país, não se observa uma meta específica que institua a necessidade, por parte
dos Estados federativos, de um planejamento característico e contextualizado para as escolas
do campo (BRASIL, 2014). Portanto, a necessidade de políticas públicas que estabeleçam uma
educação para os sujeitos do campo, considerando suas especificidades, ainda é um desafio.
Sobre esse contexto Caldart retrata que:
A educação do campo se identifica pelos seus sujeitos: é preciso compreender que por
trás da indicação geográfica e da frieza dos dados estatísticos está uma parte do povo
brasileiro que vive neste lugar e desde as relações sociais específicas que compõem a
vida no e do campo, em suas diferentes identidades e em sua identidade comum, estão
pessoas de diferentes idades, estão famílias, comunidades, movimentos sociais. A
perspectiva da educação do campo é exatamente a de educar esse povo, estas pessoas
que trabalham no campo, para que se articulem se organizem e assumam a condição
de sujeitos da direção de seu destino. (CALDART, 2011, p. 150-151).
O grande desafio das escolas ribeirinhas seria o enfrentamento dessa realidade na busca
de garantias de políticas educacionais direcionadas, inclusivas e de qualidade. Enfrentamento
retratado por Arroyo ao dizer que:
Quanto mais se afirma a especificidade do campo, mais se afirma a especificidade da
educação e da escola do campo. Mas se torna urgente um pensamento educacional e
uma cultura escolar e docente que se alimentem dessa dinâmica formadora.
(ARROYO et al., 2011, p. 13).
E, na garantia dos direitos das crianças ribeirinhas, um olhar mais voltado para esse
espaço precisa ser delineado. Trata-se, portanto, do reconhecimento de uma sociedade presente
e que convive na floresta com suas características peculiares, caracterizada pela sensibilidade
de seu contexto sociocultural, retratada nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do
Campo em seu parecer inicial: “o campo é mais do que um perímetro urbano, é um campo de
possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das
condições da existência social e com as realizações da sociedade humana” (SILVA et al., 2012,
p. 5).
Esse envolvimento abrange a garantia do direito a educação de qualidade aos povos do
campo por meio do respeito a sua diversidade, principalmente a diversidade cultural e social
existente na Amazônia, como destaca Hage:
[...] a Amazônia apresenta como uma de suas características fundamentais a
“heterogeneidade” que se expressa de forma bastante significativa no cotidiano da
vida, do trabalho e das relações sociais, culturais e educacionais dos sujeitos que nela
habitam heterogeneidade essa, que deve ser valorizada e incorporada nos processos e
68
espaços de elaboração de políticas e propostas educacionais da região. (HAGE, 2005,
p. 61).
Desse modo, o reconhecimento da educação do campo, assim como da diversidade
populacional presente na região Amazônica, perpassa pela especificidade sociocultural
ambiental, que é diferenciada dos assentamentos e das comunidades rurais mais isoladas. Para
Silva et al. (2012), o reconhecimento da pluralidade do campo brasileiro, de sua diversidade de
espaços, como os espaços das florestas, da pecuária, das minas e da agricultura, os espaços
pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas, demonstra a diversidade de realidades do
campo em seus aspectos culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.
Além disso, com a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (DCNEI), instituídas em 1999 (Resolução CNE/CEB nº 1/1999), são estabelecidos os
princípios orientadores das propostas pedagógicas para as instituições brasileiras,
compreendendo os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do
respeito ao bem comum; princípios políticos dos deveres de cidadania, do exercício da
criatividade e do respeito à ordem democrática; princípios estéticos da sensibilidade, da
criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.
No entanto, Silva et al. (2012) colocam que somente com a revisão da DCNEI, pelo
Conselho Nacional de Educação (Resolução CNE/CEB nº 5/2009), que se regulamentou a
articulação entre a Educação do Campo e a Educação Infantil no âmbito das discussões
curriculares, com a definição, no art. 8º, § 3º, das DCNEI, dos princípios e procedimentos
específicos para a Educação Infantil para as crianças do campo, de forma a garantir a igualdade
com respeito à diversidade no que se refere:
Às condições materiais para uma educação de qualidade; ao respeito à criança como
sujeito histórico e de direito; às possibilidades de experiências diversificadas que
promovam a relação da criança de modo integrado com múltiplas linguagens, objeto
e conhecimentos; à indissociabilidade entre o cuidar e o educar; ao exercício dos
direitos fundamentais e às condições para esse exercício; ao acesso a recursos,
histórias e saberes da sociedade e de seu grupo cultural; ao direito de ter uma
identidade positiva com seu cultural e consigo mesma, não sofrendo processos de
discriminação de qualquer ordem; às interações significativas da criança com o
conhecimento cotidiano, científico, tecnológico, artístico da sociedade e com os
saberes do seu grupo cultural; as relações entre adultos e crianças diferentes do
modelo hegemônico de dominação do adulto sobre as crianças; à possibilidade de
cada criança interagir com os adultos diferentes do contexto familiar e com outras
crianças. (SILVA et al., 2012 p. 66-67).
Assim como também a diversidade, garantindo algumas particularidades como:
A organização dos tempos e das atividades da instituição que respeite os tempos das
famílias e das crianças; a valorização das experiências da criança na relação com a
terra, os rios, a natureza, os tempos da produção, das águas e da estiagem; inserção e
69
integração das brincadeiras tradicionais, das histórias, das cantigas, da produção
cultural da comunidade na proposta pedagógica da unidade educacional; articulação
da alimentação das crianças e dos projetos a ela relacionados no interior da instituição
de Educação Infantil com a produção de alimentos provenientes da própria
comunidade; visão crítica de todo material pedagógico cuidando para que os
conteúdos utilizados com e apresentados às crianças, sejam em imagens, sejam em
textos, sejam em música etc., não despertem sentidos relacionados à discriminação;
ao contrário, que fomentem a autoestima positiva da criança do campo. (SILVA et al.,
2012, p. 67-68).
Para a mesma autora, essa resolução foi um marco legal e histórico no atendimento às
crianças do campo e no desdobramento de políticas públicas em direção a uma nova proposta
pedagógica, envolvendo concepções de criança, de mundo e de campo, que sofreu influências
das discussões sobre políticas públicas para as necessidades dos povos do campo. Desse modo,
é preciso desenvolver uma prática pedagógica para a Educação Infantil ribeirinha que considere
essa trajetória de luta por uma educação do campo que atenda esse contexto diversificado, no
qual a criança está inserida, por meio de ações educativas que dialoguem com a diversidade de
conhecimento sociocultural.
Especificamente a região amazônica é o principal território brasileiro de uma
diversidade cultural composta por um ecossistema diferenciado em termos de paisagem, clima,
vegetação e animais, que conferem à região uma característica própria, uma vez que o espaço
é constituído por uma imensa mística marcada por uma diversidade cultural, nas palavras de
Hage (2005), uma “Pororoca Multicultural”25.
A presente mística trata da sociodiversidade existente na região amazônica,
enfocando, principalmente, o espaço do campo desta região, no qual os seus vários
grupos sociais: comunidades indígenas, remanescentes de quilombos, ribeirinhas,
camponesas, extrativistas, migrantes; formam uma imensa “pororoca multicultural”,
a qual desenha uma paisagem amazônica singular, multifacetada, constituída,
historicamente em bases de relações de poder, conflitualidade e antagonismos.
(HAGE, 2005, p. 35).
Essa dinâmica mística, marcada pela diversidade de habitantes das regiões ribeirinhas
na Amazônia e que já apresenta uma influência marcante do desenvolvimento econômico e
social da cidade, ainda conserva um cenário diversificado, o qual favorece a aprendizagem
significativa por meio do imaginário simbólico presente no contexto social das pessoas que
vivem e se criam nas beiras dos rios.
Portanto, a prática docente desenvolvida pelo professor na Educação Infantil da escola
ribeirinha necessita representar tanto os conhecimentos científicos acumulados na trajetória
docente quanto os constituídos na prática pedagógica, tais sejam os novos saberes advindos dos
desafios diários enfrentados por eles no cotidiano escolar.
25 Denominação de Hage (2005) para definir a diversidade cultural do contexto amazônico.
70
3.3 A formação de Professores na Educação do Campo
Como já dito, se o professor do campo carrega consigo saberes que constituem sua
prática pedagógica, há a necessidade de qualificar sua formação apontando para uma relação
entre o comportamento docente e a compreensão, pelo aluno, do conhecimento mediado, ou
seja, a relação entre a prática pedagógica e os saberes necessários para que a atuação docente
seja significativa, o que ratifica que a formação específica para o professor do campo se faz
necessária.
Segundo Nóvoa (2013), nas últimas décadas, a partir do final de 1980, os avanços nas
políticas e nas práticas de formação de professores alcançaram novas concepções que se
difundiram em todo o mundo. Diante de tal fato, o autor lança a necessidade de se pensar numa
formação de professores a partir de dentro, ou seja, a partir de dentro da profissão, a partir da
valorização do conhecimento docente.
Para Gatti et al. (2013), esse entendimento aponta para a possibilidade de se repensar a
formação inicial e continuada de professores a partir da análise das práticas pedagógicas, da
discussão sobre a identidade profissional do professor e dos saberes que configuram a docência.
Neste momento, surge um novo campo para a formação do professor, relacionando o saber
docente com sua prática pedagógica, a configuração de uma formação a partir do contexto
socioeducacional. Para Gatti et al. (2013), o desafio da formação, então, seria o de colaborar no
processo de reflexão sobre a prática docente, ou seja, trazer a prática docente para a formação
e refletir a partir dela.
Para tanto, os cursos de formação têm em vista uma nova configuração a partir da
valorização do professor reflexivo (SCHÖN, 1998), opondo-se à racionalidade técnica, o que,
para Gatti et al. (2013), seria um trabalho crítico e reflexivo sobre as práticas que realiza e sobre
suas experiências compartilhadas, e levando em consideração a constituição do sujeito
enquanto ser histórico-social: “Levar em conta a história é levar em conta o fato em que somos
sujeitos. Não somos apenas agentes sociais, somos atores e somos sujeitos. Sendo sujeitos
temos desejos.” (CHARLOT, 2013, p. 166).
Isso reforça a compreensão de que a atuação docente abrange não somente os saberes
constituídos em sua formação acadêmica, mas um contexto maior, um envolvimento maior com
o outro, com a aprendizagem, com a criança, que requer atitudes de reflexão em torno de suas
ações, delimitando sua prática docente marcada por uma identidade própria. É o professor,
portanto, que se defronta com sua prática pedagógica, com situações complexas e inevitáveis
71
que são definidas, entre outros aspectos, pela especificidade do local, dos agentes interventivos
e da cultura. Nesse sentido, para Gatti:
[...] a formação envolve um duplo processo: o da autoformação dos professores, a
partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática,
confrontando suas experiências nos contextos escolares; e o de formação nas
instituições escolares em que atuam. Por isso é importante produzir a escola como
espaço de trabalho e formação, o que implica gestão democrática e práticas
curriculares participativas, propiciando à constituição de redes de formação contínua,
cujo primeiro nível é a formação inicial. (GATTI et al., 2013, p. 33).
Partindo desse entendimento, apresenta-se um novo paradigma para a formação de
professores, envolvendo saberes dentro de contextos diversificados, de contradições e
diversidades culturais, uma formação envolvida por um contexto educacional marcado
historicamente pelo conhecimento, mas que se configura a partir de uma política de valorização
do desenvolvimento pessoal e profissional dos professores, assim como das instituições
escolares.
Sendo assim, a formação do professor do campo necessita proporcionar condições não
para resolver as contradições existentes no contexto, mas para esclarecê-las, para legitimá-las
por meio da prática pedagógica contextualizada em sala de aula; tudo isso porque o professor,
que é possuidor de um repertório de conhecimentos, ainda assume um papel desconhecido no
desenvolvimento de sua prática pedagógica, o que mostra a necessidade do seu envolvimento
em programas de formação continuada para que possa repensar sua prática docente a partir dos
saberes revelados na mediação do conhecimento em sala de aula e dos constituídos em sua
trajetória profissional – no caso deste estudo, para tentar compreender como aqueles que
ensinam na escola do campo desenvolvem suas práticas educativas de maneira a consolidar sua
atuação profissional.
A formação docente pensada dessa forma, como contribuição para o profissionalismo
docente na educação do campo, representa o que Gauthier et al. (2013) propõem como um
exercício para o professor, não como um artesão, nem como um técnico ou especialista da
disciplina, mas sim como um profissional, com uma atividade intelectual voltada tanto para a
concepção como para a execução de tarefas com responsabilidade. Gauthier et al. (2013)
estabelecem também que esse repertório venha contribuir para a aproximação das pesquisas em
torno dos saberes válidos para uma prática profissional específica, tais sejam elas pesquisas que
permitam ao professor dialogar com seus saberes de forma a modificar sua prática pedagógica
em direção à definição de seu status profissional.
Também diante do contexto, Tardif (2005) orienta que toda pesquisa sobre o ensino tem
o dever de registrar o ponto de vista dos professores, sua subjetividade de autores da ação,
72
também o conhecimento e o saber-fazer mobilizado em sua prática pedagógica. Assim, num
diálogo constante com o professor, Tardif (2005) também reforça que este é o sujeito de sua
própria prática, é ele que a organiza a partir da vivência de sua história de vida, de seus valores,
de suas vivências, de sua afetividade, logo o professor é produtor de conhecimento e construtor
de sua prática pedagógica enquanto profissional da educação. Tal concepção é, portanto,
abraçada aqui, uma vez que se corrobora com a ideia de que o professor é direcionado por
saberes específicos das ciências da educação e pelos oriundos de sua própria prática, o que, para
Tardif (2005), seria um espaço prático específico de produção, transformação e mobilização de
saberes.
Assim, quando se entende aqui a formação docente como essencial para a justaposição
do saber docente com sua prática pedagógica, ou seja, com a aproximação do cotidiano escolar
e do professor, é possível entender que essa aproximação é essencial para a qualificação do
processo educativo; e “quanto mais nos aproximamos do cotidiano escolar, mais nos
convencemos de que ainda a escola gira em torno dos professores, de seu ofício, de sua
qualificação e profissionalismo. São eles e elas que a fazem e reinventam.” (ARROYO, 2013,
p. 19).
Ainda diante do contexto citado, torna-se importante questionar os espaços que atuam
com a formação inicial e continuada de professores, para tal, buscando em Gatti et al. (2013) a
compreensão dos mesmos a partir dos seus estudos sobre a mediação da disciplina Didática. A
autora aponta que ambas se consolidam de forma desconectada das vivências da sala de aula, o
que reforça a necessidade de se discutir a formação a partir de novas concepções, de novas
percepções e de novos saberes para que se possa dar conta da realidade educacional, uma vez
que a mesma ainda é muito complexa.
As pesquisas em torno do processo formativo buscam produzir melhorias nestes
espaços, trazendo, sobretudo, novas formas de organização e valorização da formação inicial e
continuada de professores, consequentemente possibilitando o enfrentamento da racionalidade
técnica que anula a relação teoria e prática, supervalorizando o conhecimento científico e
desvalorizando o conhecimento didático e metodológico, no enfrentamento da predominância
do rigor na cientificidade, que impede outras possibilidades de construção do conhecimento,
deixando de valorizar o conhecimento comum, o qual pode ser ampliado a partir do
conhecimento científico.
A formação docente, portanto, deve partir não de um espaço desconectado da realidade
docente, por meio de uma linguagem técnica, e sim de um espaço de escuta docente, de reflexão
73
e construção de novos conhecimentos interligados à realidade de sala de aula, um espaço de
vivências e trocas. E nesse processo:
No lugar de reinvenção ou ressignificação da história, o sujeito é convocado a apagar
seus rastros. Professor como técnico executor de práticas pensadas por outros e de
métodos que são impostos – história apagada, práticas reflexiva negada, professor
visto como peça numa linha de montagem. (GUIMARÃES et al., 2012, p. 162).
Gatti et al. (2013) retratam que, em algumas universidades americanas, já há “espaços
híbridos”, espaços de vivência e de troca de conhecimentos na formação docente, que permitem
aos professores envolvidos no processo novos sentidos e significados para sua atuação. A autora
aponta que, em alguns cursos nas instituições de ensino superior brasileiras, os espaços híbridos
são os conhecidos espaços de vivência dos estágios, que têm por objetivo romper com a
dicotomia entre saber acadêmico e saber escolar para um melhor aproveitamento das
experiências advindas da educação básica, evitando, assim, que se trabalhe em demasia o
conhecimento teórico em detrimento das práticas docentes. Neste ponto, a autora reforça que a
intenção não é desmerecer a formação teórica, mas buscar um ponto de equilíbrio entre teoria
e prática, aproximando-se do que legalmente já é proposto para os cursos de formação de
professores (GATTI et al., 2013).
Os estudos de Gatti et al. (2013) revelam que é possível pensar os espaços de formação
de professores constituídos a partir da reflexão sobre sua história, de modo que ele possa
articular uma consciência crítica através do alcance de sua compreensão sobre a sua prática
pedagógica, sobre a possibilidade do novo, tornando-se autor em seu processo de formação
subjetiva. Dessa forma, é viável estabelecer um cenário de formação que possibilite o
enfrentamento de rupturas entre teoria e prática na formação dos profissionais docentes.
Ainda por meio de Gatti et al. (2013), traz-se à tona seus estudos sobre as concepções
em relação à formação docente a partir das propostas estabelecidas para a disciplina Didática
nas instituições formadoras, as quais remetem para uma relação reflexiva sobre o campo da
formação docente.
A primeira concepção parte de uma perspectiva técnico-instrumental, que surge fora das
teorias da educação, pautando-se em regras, procedimentos, técnicas para orientação da ação
docente, centrando-se em objetivos prescritivos, normativos ou sugestivos. É uma concepção
que não propõe um estudo e reflexão sobre o exercício da profissão, acreditando que os meios
são suficientes para resolver as problemáticas e complexidades que o ato educativo apresenta.
A segunda concepção, denominada de lógico-cognitiva, parte das teorizações sobre o
ensino das disciplinas, propondo a diferenciação entre pesquisa e ensino; defendendo a
74
utilização de parâmetros racionalmente estabelecidos na condução da pesquisa, o foco dessa
concepção é nos conteúdos das áreas disciplinares. As pesquisas desenvolvidas a partir dessa
concepção não questionam os aspectos da sala de aula, centram-se na relação ensino e
aprendizagem com ênfase no campo disciplinar e na produção do conhecimento das disciplinas
científicas que compõem o currículo escolar, deixando de problematizar a repercussão dos
conteúdos na vida dos alunos, a relação do conhecimento científico com o seu saber e as
condições em que ocorrem o ensino e a aprendizagem, valorizando a lógica da aprendizagem
escolar dos alunos e como os mesmos apreendem os conteúdos.
A terceira concepção se fundamenta nas teorias que tratam da gênese do conhecimento
(construtivismo, sociointeracionista, sócio-histórica) a partir de uma abordagem cognitivista,
ou seja, parte da perspectiva dos processos de aprendizagem, buscando compreender como o
sujeito aprende e que conhecimentos entram em jogo no ato de aprender. Nessa concepção, não
é colocado como foco do debate a proposição dos conteúdos para se trabalhar no processo de
aprendizagem, não há um olhar sobre o valor dos conteúdos, muito menos para as circunstâncias
históricas e sociais em que a aprendizagem ocorre.
A quarta concepção é marcada, segundo Gatti et al. (2013), pela praxiologia – conceito
que assume um caráter de inter-relação, de interdependência entre teoria e prática, no sentido
de realizar uma reflexão permanente entre o pensar e o agir, há uma relação de
indissociabilidade entre os processos de ensinar e aprender. Parte do pensar sobre o objeto de
ensino e o processo de aprendizagem, bem como todos os elementos que sustentam a ação
educativa. Os fatores ligados às questões educacionais assumem um papel importante nessa
concepção, sendo valorizados os alunos, os professores, os conhecimentos, o contexto, as
situações didáticas, todos estes aspectos que estão interligados e são imprescindíveis para
compreender as situações de aprendizagem e, ao mesmo tempo, para intervir, propor e construir
outras formas de ação educacional. Além das reflexões acerca dos fatores envolvidos no
processo de construção do conhecimento, cabe destacar, nessa concepção, o domínio da
interdisciplinaridade, rompendo com o saber isolado, estanque, apostando na possibilidade de
troca entre as várias áreas do conhecimento para que estes saberes tão diversos possam dialogar
e produzir novos saberes que são significativos na aprendizagem dos alunos.
De forma geral, as estratégias de formação transcorreram pelas concepções do ensino
da didática e nem sempre atenderam a riqueza do diálogo com o saber docente, suas interações
sociais, seu fazer pedagógico, revelados em sua prática cotidiana em sala de aula, voltada,
muitas vezes, para a mediação do conhecimento científico. “Assim, torna-se um desafio
resgatar a memória, a palavra e as narrativas dos professores, a fim de que possamos
75
compreender nas suas histórias de vida, os sentidos que constroem sobre o mundo”
(GUIMARÃES et al., 2012, p. 162).
Segundo Gatti et al. (2013), é preciso buscar, na formação docente, um ponto de
equilíbrio entre saber empírico e saber científico para não ocorrer a vinculação do conhecimento
somente à experiência ou à disciplinarização em excesso com foco nas especialidades
disciplinares, reafirmando a necessidade da inter-relação entre teoria e prática. Destaca, ainda,
que os professores, nos processos de formação, necessitam ter voz ativa, assim como é
necessário a ampliação dos espaços de participação desse grupo de profissionais nos estudos
sobre os procedimentos educacionais, os processos de aprendizagem e as concepções em
didática.
Nesse sentido, o momento é de afirmação do professor enquanto construtor de saberes
e de uma presença significativa nos debates nas ciências da educação do processo formativo,
em busca de uma intervenção mais decisiva para a construção de novos referenciais, inovações
para o ensino, para a pesquisa, para as situações didáticas que norteiam a prática educacional.
Para tanto, a partir dos posicionamentos de Nóvoa (2013), compreende-se que o desafio
é grande, e traz enormes consequências, como o de criar uma realidade organizacional, na fusão
de espaços acadêmicos e instituições escolares, no sentido de integrar os professores e os
formadores de professores (universitários) reafirmando que “é no coração da profissão, no
ensino e no trabalho escolar que devemos centrar o nosso esforço de renovação da formação de
professores” (NÓVOA, 2013, p. 204). Dessa maneira, é possível criar parcerias em prol da
superação das diversidades que existem dentro da escola, estabelecendo o trabalho cooperativo
a partir da reflexão sobre a experiência docente. Entretanto, para se construir esse novo modelo
de formação, Nóvoa (2013) retrata que:
Nada será conseguido se não se alterarem as condições existentes nas escolas e as
políticas públicas em relação aos professores. É inútil apelar à reflexão se não houver
uma organização das escolas que a facilite. É inútil reivindicar uma formação mútua,
interpares, colaborativa, se a definição das carreiras docentes não for coerente com
este propósito. É inútil propor uma qualificação baseada na investigação e parcerias
entre escolas e instituições universitárias, se os normativos legais persistirem em
dificultar esta aproximação. (NÓVOA, 2013, p. 206-207).
Faz-se necessário, portanto, abranger o saber docente nas propostas de formação,
focalizando a prática pedagógica como um espaço de reflexão, de saberes coletivos, de partilhas
de experiências, dessa forma, busca-se o rompimento com o paradigma da racionalidade
técnica; de modo ainda a (re) pensar as políticas de formação, tendo os professores como
sujeitos participantes, dotados de autonomia frente à pesquisa, aos conhecimentos construídos
no espaço da formação por meio da prática educativa como núcleo de todo esse processo. “A
76
contemporaneidade exige que tenhamos a capacidade de recontextualizar a escola no seu lugar
próprio, chamando a sociedade às suas responsabilidades na educação”. (NÓVOA, 2013, p.
207).
Isso tudo perpassa pela valorização do conhecimento docente, articulado na formação,
a partir da reflexão dos professores sobre seu próprio trabalho. É preciso, portanto, “valorizar
o conhecimento profissional docente, um conhecimento elaborado a partir de uma reflexão
sobre a prática e sobre a experiência, transformando-o em um elemento central da formação”
(NÓVOA, 2013, p. 209).
Ainda em relação às proposições em relação à formação profissional docente, reafirma-
se a compreensão de que ela deve estar pautada numa concepção de homem como um ser
concreto, em constante movimento histórico-social, pois os seres humanos são produtores de
conhecimentos construídos não de forma fragmentada, mas articulados aos saberes sociais,
linguísticos, lógicos e históricos, que vão favorecer sua atuação. Sendo assim, o professor é
protagonista da partilha de saberes por meio de seu espaço formativo.
E, em se tratando do professor da Educação Infantil, o mesmo constrói conhecimentos
compartilhando com as crianças, com suas famílias, com outros professores e, principalmente,
com o espaço social onde as crianças estão inseridas.
Com esse entendimento, as interações das crianças entre si e delas com os adultos,
professores (as) e familiares, são também elementos que compõem o núcleo da ação
pedagógica. As experiências significativas são planejadas, registradas e avaliadas em
um processo pedagógico “acontecente”, vinculado aos modos de vida de acordo com
a cultura das crianças e dos (as) professores (as). (SILVA et al., 2012, p. 200).
A integração da formação com a prática pedagógica servirá também como um ponto de
referência para as ações pedagógicas na Educação Infantil do Campo, promovendo, junto às
crianças, práticas que sejam capazes de responder as suas necessidades e particularidades por
meio da escuta, pois a Educação Infantil como um todo necessita de um profissional com
formação específica, que desenvolva suas ações pedagógicas junto à criança, procurando
garantir seu acesso:
À dignidade e ao respeito; à autonomia e à participação; à felicidade, ao prazer e à
alegria; à individualidade, ao tempo livre e ao convívio social; à diferença e à
semelhança; à igualdade de oportunidade; ao conhecimento e à Educação; a
profissionais com formação específica; a espaço, tempos e materiais específicos.
(SILVA et al., 2012, p. 202).
Logo, a atuação docente em escolas do campo tem por finalidade a responsabilidade
pelo processo formativo da criança, de modo que esse professor carregue elementos primordiais
para que as aprendizagens sejam desenvolvidas de maneira expressiva. Portanto, seu princípio
77
formativo se direciona para o exercício de práticas pedagógicas para além do conjunto de
habilidades necessárias para a aplicação de tarefas repetitivas, buscando promover uma
consciência reflexiva de sua prática. Sendo, portanto, a importante tarefa da formação do
professor da Educação Infantil do campo, e de todos os setores envolvidos nesse processo:
“contextualizar as práticas cotidianas desenvolvidas no interior das creches/pré-escolas das
áreas rurais e compreendê-las como vinculadas a processos mais amplos, de ordem social
política e econômica”. (SILVA, et al., 2012, p. 229).
Este é o caminho para a configuração de propostas de formação do professor da
Educação Infantil da escola ribeirinha na Amazônia, por meio da articulação dos saberes
docentes com os conhecimentos científicos, saberes viabilizados em sua formação, que são
articulados na prática pedagógica para a superação dos desafios didáticos presentes nesse
contexto, ressaltando-se sempre como foco diferencial de todo processo formativo a realidade
sociocultural da criança, que faz parte de uma região com saberes diversificados.
A constituição de um ambiente formador, partindo da realidade do professor e do
educando, torna-se um espaço de interlocução de conhecimento de forma necessária para o
desenvolvimento de ações pedagógicas significativas. E todas as pesquisas em torno da
formação da educação do campo estão inseridas diante da perspectiva de contribuir para a
articulação dos saberes docentes com o cotidiano de sua prática pedagógica.
No desenrolar da pesquisa na escola ribeirinha, uma imagem chamou a atenção, sua
natureza híbrida e os professores que, nas primeiras horas do dia, experimentam o percurso de
barcos nas águas dos rios a caminho da escola. Ruas feitas de rios, paisagens naturais que
encantam e, ao mesmo tempo, refletem uma realidade social bastante diversificada e tão pouco
conhecida pelas propostas de formação de professores.
Portanto, caberá à formação do professor da Educação Infantil ribeirinha buscar atender
esse contexto por meio da compreensão de saberes docentes para além do conhecimento
científico, caso contrário, o professor tenderá a adotar uma prática pedagógica voltada pela
praticidade das atividades propostas em sala de aula, refletidas pelo encantamento do contexto
naturalístico, correndo o risco dos saberes específicos das ciências da educação e da experiência
profissional prevalecerem em relação a saberes outros, sendo que aqueles, quase sempre, estão
desvinculados da realidade das crianças do campo. Nesse sentido, tal articulação é necessária
para que os professores alcancem o objetivo central de educar/cuidar das crianças pequenas em
espaços coletivos diferenciados, significativos e de qualidade por meio de práticas pedagógicas
propositivas e planejadas.
78
4 OS SABERES DOCENTES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR
Esta seção apresenta um estudo acerca da temática proposta que compreende o campo
dos saberes necessários para a docência, de forma a contribuir para a análise dos saberes
docentes revelados pelo professor de crianças ribeirinhas, estabelecendo, sobretudo, os
conhecimentos necessários para a compreensão da forma como o professor relaciona seus
conhecimentos para a consolidação da prática pedagógica.
Como suporte teórico para o diálogo no campo dos saberes docentes, destaca-se as
pesquisas realizadas por Gauthier et al. (2013) e Tardif (2005), conceitos que tiveram grande
relevância acerca da docência, nos papéis desempenhados pelos professores nas escolas e no
alargamento e diversificação da função docente, que, por sua vez, sofre atribuições constantes
de responsabilidades em termos do manejo da prática pedagógica para atender as necessidades
institucionais, curriculares e de didáticas específicas para o atendimento ao educando. Um
tempo de inquietações que provocou muitos desencantos em relação a profissionalização, mas
que também possibilitou um repensar sobre a formação docente e os saberes que acompanham
a prática pedagógica.
Esta seção, portanto, é um contributo para uma expressiva sistematização teórica sobre
a compreensão dos saberes que acompanharam a formação docente ao longo da complexidade
da dimensão educativa.
4.1 A Evolução dos Saberes da Docência
Falar a respeito dos saberes da docência exige uma reflexão sobre as primeiras
experiências no magistério apontadas na história da educação, o processo identitário do
professor e a importância do mesmo diante do contexto social. A formação do professor é
envolvida por uma heterogeneidade de saberes, os quais Tardif (2005) conceitua como
“tipologia” de saberes, ou seja, uma demanda de conhecimentos necessários para reafirmar a
identidade do professor, o que marca a trajetória da docência. Desde então, a profissão enfrenta
desafios no sentido de estabelecer experiências significativas ou não na constituição de saberes
necessário para o trabalho na docência.
Sendo assim, as pesquisas de Tardif (2005) e Gauthier et al. (2013) se completam na
tentativa de sistematização dos saberes em busca da constituição do profissionalismo docente.
Dessa forma, em relação à definição sobre os saberes que envolveram a trajetória docente,
foram encontradas as definições apresentadas no quadro abaixo:
79
Quadro 5 – Sistematização dos Saberes Docentes
Saberes
Disciplinares
Saberes
Curriculares
Saberes das
Ciências da
Educação
Saberes da
Tradição
Pedagógica
Saberes
Experienciais
Saberes da
Ação
Pedagógica
A matéria, as
disciplinas
científicas.
O currículo a
ser
desenvolvido.
As teorias
educacionais
O uso, o
modelo de
ensinar.
As
experiências, a
jurisprudência
particular do
professor.
O repertório
de
conhecimentos
do ensino, a
jurisprudência
pública
validada. Fonte: GAUTHIER et al., 2013.
Ser professor, segundo Gauthier et al. (2013), é desenvolver um ofício universal, estável,
ofício exercido em quase todas as partes do mundo, sem interrupção, com uma longa história
iniciada na Grécia antiga, porém ainda se sabe pouco sobre os fenômenos que lhe são inerentes.
O mesmo autor sustenta que não é possível identificar os atos dos professores e sua influência
direta em relação à aprendizagem dos alunos. Ou seja, o que é preciso para saber ensinar? Quais
os saberes, as habilidades e as atitudes mobilizados na ação pedagógica? O que precisa saber
aquele que planeja exercer esse ofício?
Em busca de respostas para o significado da docência, ou seja, dos conhecimentos
necessários para que um profissional da educação possa ministrar o ensino, como o seu processo
de profissionalização e a ciência do ensino, Gauthier et al. (2013) se propuseram a investigar
um repertório próprio ao ensino, ou seja, o repertório de conhecimentos que abrange a docência,
como o mesmo é constituído, seus limites e implicações inerentes à sua utilização para o
desenvolvimento da docência.
Mesmo reconhecendo a dificuldade em definir um repertório de saberes para a
consolidação do profissionalismo docente, Gauthier et al. (2013) consideram necessário
elaborar uma posição coesa diante da possibilidade de avançar nas reflexões educacionais a
respeito dos saberes docente, de modo que esse repertório de conhecimentos construídos
permitisse contornar dois obstáculos fundamentais que sempre se interpuseram à Pedagogia: o
da atividade docente, por ser uma atividade exercida sem revelar os saberes que lhe são
inerentes, e o das ciências da educação, por produzirem saberes que não levam em conta as
condições concretas de exercício do magistério.
Contrapondo uma das condições essenciais para o exercício de uma profissão, que, para
Gauthier et al. (2013), é a formalização dos saberes necessários para a execução de tarefas que
lhe são próprias, nos saberes docentes revelados na sala de aula, reside uma variedade de
interpretações que mal conseguem se expressar. Assim, Gauthier et al. (2013) partiram para
80
analisar a dinâmica histórica que constituiu a representação pessoal e profissional da docência,
ideias pré-concebidas que, por muitos anos, acarretaram em uma variação de definições dos
saberes necessários relacionados à profissão.
Primeiramente, bastava-se conhecer o conteúdo; ensinar, por muitos anos, era sinônimo
de transmissão de um conteúdo a um grupo de alunos. Quem sabe pode ensinar (Ler e escrever;
Química; Matemática, etc.), isto é, o saber era reduzido unicamente ao conhecimento da
disciplina. No entanto, quem ensina sabe o que é preciso: planejar, organizar, avaliar, estar
atento aos alunos mais agitados, os tranquilos, os mais avançados, os lentos, etc., além de poder
esquecer o conteúdo. Assim, conhecer a matéria não foi suficiente para se definir um saber
necessário, foi uma forma de reduzir o ensino em uma única dimensão, sobretudo ao negar a
reflexão dos outros saberes necessários para ensinar.
Então, segundo Gauthier et al. (2013), a docência seria apenas uma questão de talento,
denominação bastante divulgada na constituição histórica da profissão, expressa na famosa
sentença, retratada pelo mesmo autor, e que ainda tanto se ouve: “Ou você sabe ensinar ou não
sabe”. Não se está negando que o talento é indispensável ao exercício de qualquer ofício, no
entanto, talento não basta, o trabalho e a reflexão que o acompanham constituem um suporte
essencial. Sendo assim, a reflexão sobre o trabalho fortalece o talento.
Outras denominações foram surgindo na tentativa de definição para o ofício docente,
uma delas é a expressão, também conhecida “basta ter bom senso”, suposição do bom senso de
forma única, ou seja, o mais adequado, apropriado, o bom. No entanto, de acordo com Gaurdier
et al. (2013), na modernidade, desde o século XIX, o senso é plural, varia de acordo com as
perspectivas, podendo se concluir que não existe bom senso em si mesmo, mas inúmeras
variações do senso.
Para o mesmo autor, falar do ensino pelo bom senso é assumir sua própria retórica
desqualificando a do outro, querer um mundo unitário, ou seja, que não há nada a se aprender
com o ensino, qualquer um que dê provas de bom senso pode ser bem-sucedido, não existindo
nenhum conjunto de conhecimentos e habilidades necessários para o magistério. Bastava então
ter bom senso, seguir a sua intuição, demonstrando uma relação de negação do saber, o que,
para Gauthier et al. (2013), implicaria, em última análise, em ouvir as “mensagens” de sua
consciência, ariscando a ir de encontro com a sua própria razão, pois a intuição, definida pelo
mesmo autor como “imagem sem pensamento”, segue um comando interior, sem passar pela
deliberação racional, é uma ideia pré-concebida que impede o ensino de se manifestar, adia
indefinidamente o estabelecimento de uma reflexão contínua sobre os saberes que lhes são
81
necessários. Para Gauthier et al. (2013), é preciso sair de si mesmo para se tornar pessoal;
noutras palavras, é preciso tornar público o nosso ofício privado.
Basta ter experiência, “Ensinar se aprende na prática, errando e acertando”. Essa é outra
denominação retratada por Gauthier et al. (2013) e ainda bastante pontuada no contexto
educacional, do saber experiencial ocupando um lugar muito importante no ensino, como, aliás,
em qualquer outra prática profissional. No entanto, trata-se de um saber que precisa ser
alimentado, orientado por um conhecimento anterior mais formal, que pode servir de apoio para
interpretar os acontecimentos presentes e inventar soluções novas. O docente, em sua prática,
não pode adquirir tudo por experiência, ele deve possuir também um corpus de conhecimentos
que o ajudarão a “ler” a realidade e a enfrentá-la.
E, para finalizar esse debate, a denominação “basta ter cultura”. Sabe-se que a base do
ensino é a cultura, segundo Gauthier et al. (2013), um professor culto seria o penhor da
aprendizagem dos alunos, grande cultura bastaria para atuar no ensino. O saber cultural é
essencial no exercício do magistério, mas torná-lo exclusivo é, mais uma vez, contribuir para
manter o ensino na ignorância.
O percurso dessas ideias pré-concebidas mostraram o desabrochar de um saber sobre o
ofício da docência, no entanto, reduzindo o ensino de tal modo, tais conceitos não mais
encontram correspondente na realidade.
Com o surgimento da psicologia enquanto ciência, o contexto do ensino foi reduzido ao
contexto individual da relação terapêutica, pois, a partir disso, o ensino foi desmembrado nas
concepções humanísticas, nas experiências behavioristas e nas tradições Piagetianas, nas quais
o ensino é entendido como um atendimento individual a uma só criança. Estudos que, segundo
Gauthier et al. (2013), chegaram a produzir saberes formalizados sem olhar o professor real em
uma verdadeira sala de aula, e sim tomando como base um professor fictício, atuando num
contexto idealizado, unidimensional, em que todas as variáveis são controladas.
Com ideias iniciais de “fazer da pedagogia uma ciência aplicada alicerçada nas
descobertas da Psicologia, considerada uma ciência pura” (GAUTHIER et al., 2013, p. 26), a
profissão docente, como qualquer outra profissão que necessita ter conhecimentos específicos,
sofreu um esvaziamento. No caso, o professor deveria conhecer a criança, desvinculado da
prática docente. Para Gauthier et al. (2013, p. 23): “Se tínhamos, no primeiro caso, um ofício
sem saberes pedagógicos específicos, no segundo foi reduzido a saberes que provocam o
esvaziamento do contexto concreto de exercício do ensino”, estudos voltados para a Psicologia
enquanto ciência.
82
Esse ideal consolida a pedagogia científica por meio da criação de um código do saber
ensinar que foi sendo esquecido, principalmente após as críticas epistemológicas, formuladas
por Schön (1998), em relação à racionalidade técnica, que não leva em conta a complexidade e
as inúmeras situações concretas da situação pedagógica; críticas coerentes, pois os professores
não conseguiam aplicar os conhecimentos em sua prática pedagógica.
Schön (1998), então, surge com a proposição do ensino reflexivo, partindo da relação
entre teoria e prática na formação docente, refletindo o movimento do saber docente não como
um modismo, mas diante de uma atitude de pesquisa sobre a sua prática; um movimento em
que o professor recebe os conhecimentos de criações culturais e científicas passadas no decorrer
dos tempos e as reconstituem, transformando-se em um ser singular nas ações pedagógicas
diárias.
No entanto, como os saberes docentes são constituídos na sala de aula com certa
distância entre a teoria e a prática, acabam compondo saberes não formalizados pela ciência da
educação ou mesmo pelos próprios docentes. Tal problema, na concepção de Gauthier et al.
(2013), seria resolvido pondo-se em evidência os saberes da ação pedagógica legitimados pelas
pesquisas e pela própria atividade dos professores integrados na formação docente,
principalmente na formação inicial (nas universidades), como forma de reconhecimento da
prática no meio escolar.
Sendo assim, a relevância da pesquisa se constitui quando se propõe identificar os
saberes docentes retratados na prática pedagógica do professor de crianças ribeirinhas.
4.2 Saberes Docentes e Prática Educativa
Inicialmente se expressou que os saberes docentes revelados na prática pedagógica
requerem do professor uma demanda de conhecimentos necessários para uma prática
pedagógica dinâmica – uma demanda de saberes que são constituídos na trajetória histórico-
social da profissionalização.
Dessa forma, a prática docente, presente no cotidiano da sala de aula, é de grande
importância para o estudo dos saberes docentes necessários para uma atuação pedagógica de
qualidade, os quais carecem de uma maior interlocução com a formação pedagógica do
professor, assim, consequentemente, estabelecendo uma maior aproximação com o cotidiano
da sala de aula.
É nessa particularidade, no cotidiano da ação docente, que encontramos evidências do
saber e do fazer pedagógico do professor que pode manifestar como uma práxis em
diversos níveis. É dentro desta perspectiva que focalizamos a sala de aula, local onde
83
a ação docente manifesta-se de maneira mais evidente, no seu cotidiano. (AZZI apud
PIMENTA, 1996, p. 56).
Diante desta perspectiva, a sala de aula revela os saberes docentes constituídos na
trajetória cultural e científica do professor, ou seja, os conhecimentos assimilados em sua
formação inicial também os saberes situados no cotidiano da sua sala de aula, na sua prática
pedagógica, apresentando uma complexidade que demonstra a particularidade do professor, sua
autonomia própria e sua habilidade de integrar seus conhecimentos com a realidade do contexto
escolar vivenciado.
Para esse entendimento, buscou-se, em Tardif (2005), a compreensão do professor como
um cientista, um “sujeito epistêmico”, caracterizado como um mediador do saber, sujeito que
se enxerta de uma sensibilidade (as famosas “motivações” e os interesses), valores e atitudes
que dão uma aparência realista ao modelo docente, no qual a prática é regida pelo saber,
instrumentalizado, pensado, de acordo com os objetivos de sua ação. Se a prática docente é
regida por saberes, então o que o professor precisa saber para uma boa atuação em sala de aula?
Pergunta um tanto complexa, que moveu estudos no sentido de buscar uma definição para o
ofício de ensinar26, ou seja, os saberes necessários para atuar na profissão docente.
O desenvolvimento de pesquisas seria um envolvimento científico em torno do estudo
da prática docente para o enfrentamento dessa problemática que envolve a relação do professor
com os saberes da ciência e os saberes produzidos na prática. Além disso, contribuiria para
consolidar a materialização do profissionalismo docente, a construção de sua identidade, o
reconhecimento do professor enquanto produtor de saberes. Dessa forma os saberes da docência
passariam a ser estudados numa relação dialética com a ciência, sendo que esses seriam
pensados e produzidos a partir do conhecimento científico voltados para uma abordagem
multidisciplinar que vai da filosofia à estética, envolvendo a arte e a sociologia, e
compreendendo o homem como um sujeito epistêmico, ou seja, produtor de conhecimento.
Assim, principalmente as pesquisas revelam que o saber docente é constituído de vários
saberes na gestão de sua sala de aula, de tal modo que as atividades didáticas dos professores
passaram a ser o foco central dos estudos sobre os saberes necessários para a docência
desenvolvidos por Tardif (2005) e Gauthier et al. (2013). Para o desenvolvimento de pesquisas
em torno da natureza dos saberes docente, portanto, é necessário observar o professor concreto
na sala de aula, examinando o próprio processo de ensino no contexto real, pois, de acordo com
Gauthier et al. (2013), a mobilização de saberes pelo professor envolve um repertório de
26 Ofício exercido em todas as partes do mundo, porém se sabe muito pouco sobre os fenômenos que lhe são
inerentes (GAUTHIER et al., 2013).
84
conhecimentos, exigindo com isso um conjunto de saberes, de habilidades e atitudes para
realização do seu trabalho de modo eficaz num determinado contexto de ensino.
Em se tratando do contexto da Educação do Campo, o desenvolvimento do saber
docente deve ser caracterizado a partir de outros sujeitos27 em ação coletiva, que Arroyo (2014)
define como sendo feita pelas comunidades dos quilombolas, indígenas, povos das florestas,
entre outras, as quais são compostas por esses outros sujeitos de experiências sociais, políticas,
de cidade, outros campos de saberes e identidades. Sendo assim, isso exige um repensar
pedagógico a partir da integração do saber docente próximo à dinâmica da comunidade do
campo para apreender novas formas de conhecimentos que vão fazer parte da prática
pedagógica do professor.
Isso, para Freire, seria reeducar a sensibilidade pedagógica para captar os oprimidos
como sujeitos de sua educação, de construção de saberes e conhecimentos, valores e cultura.
Outros sujeitos sociais, culturais, pedagógicos em aprendizado, em formação (FREIRE, 1987,
p. 27). Sendo, portanto, necessário um reinventar pedagógico, que, para Arroyo, seria o
revitalizar da teoria pedagógica a partir do reencontro com novos sujeitos da própria ação
educativa:
Quando a ação educativa escolar ou extraescolar, de formação da infância,
adolescência ou de jovens e adultos ou de educação popular se esquece deles e de seus
processos, movimentos e práticas sociais, culturais e educativas e se fecha em
discussões sobre métodos, conteúdos, tempos, instituições, calendários, avaliação...
Perde-se e desvirtua. Perde suas virtualidades como teoria e prática educativa
emancipatória. (ARROYO, 2014, p. 28).
Ao se direcionar essa compreensão para a escola ribeirinha, a mesma permite ao
professor uma aproximação maior com essa realidade sociocultural diferenciada, por meio do
envolvimento de sua prática educativa com o contexto em que a criança está imersa, tal seja
este um espaço cultural que faz parte de um contexto social e histórico em movimento, o qual
subsidia a prática docente por uma interlocução de saberes, presentes na sua prática pedagógica,
considerados plurais, heterogêneos e temporais.
Segundo Tardif (2005, p. 61): “[...] trazem à tona no próprio exercício do trabalho,
conhecimentos e manifestações do seu saber-fazer e do seu saber-ser bastante diversificados e
provenientes de fontes variadas, que podemos supor que sejam de natureza diferentes”. São
saberes de natureza diferente, que envolvem primeiramente o conhecimento do conteúdo da
matéria, o conteúdo disciplinar. Como pontuam Gauthier et al. (p. 29, 2013), “de fato, ensinar
exige um conhecimento do conteúdo a ser transmitido, visto que, evidentemente, não se pode
27 Outros sujeitos: ribeirinhos, quilombolas, entre outros.
85
ensinar algo cujo conteúdo não se domina”. Para ensinar algo, o professor precisa desse
conhecimento, pois ninguém ensina o que não sabe.
Assim, é necessário conhecer o conteúdo da disciplina para saber ensinar. No entanto,
é importante compreender que esse saber não se manifesta isoladamente, está articulado com
os outros produzidos na prática pedagógica do professor, no contexto específico do ensino de
sua disciplina, fazendo parte de seu reservatório de saberes. Sendo assim, não basta saber o
conteúdo, é necessário saber ensinar, o que envolve conhecimentos que acompanham a prática
pedagógica do professor e que, quase sempre, são adquiridos em sua formação.
Dito de outro modo, são saberes transmitidos na trajetória da formação docente e que
passam a fazer parte do reservatório cognitivo do professor, isto é, são transmitidos pelas
instituições de formação: os saberes das ciências da educação. Nesse sentido, são
conhecimentos que, embora não direcionem o modo de ensinar, abrangem os conhecimentos
necessários para a prática pedagógica. Nas palavras de Tardif (2005), são saberes que
mobilizam a prática pedagógica se originando de doutrinas pedagógicas centradas em
ideologias – como a “escola nova28” –, fornecendo um arcabouço teórico e ideológico à
profissão.
Entretanto, Gauthier et al. (2013) reafirmam que esse saber das ciências da educação é
específico do professor, ou seja, faz parte de um conjunto de saberes a respeito da escola que
só compete aos profissionais da educação. “É um saber profissional específico que não está
diretamente relacionado com a ação pedagógica, mas serve de pano de fundo tanto para ele
quanto para os outros membros de sua categoria socializada da mesma maneira” (GAUTHIER
et al., 2013, p. 31).
Há também os saberes curriculares que estabelecem os discursos sobre os objetivos,
conteúdos e métodos para o ensino, propostas pedagógicas, as diretrizes curriculares, que
geralmente surgem das instituições sociais educativas para definir o modelo de formação e de
cultura erudita, direcionando o ensino em sala de aula. Tardif (2005) denomina tais saberes,
que se apresentam sob a forma de conteúdos escolares (objetivo, conteúdos e métodos) e
direcionam a prática pedagógica do professor, como saberes da disciplina, os quais sofrem
alterações e se tornam um programa de ensino.
Gauthier et al. (2013) retratam que a escola, enquanto instituição, as Secretarias de
Educação e editoras de livros pedagógicos selecionam e organizam saberes curriculares e os
28 Também chamada de Escola Ativa ou Escola Progressiva, foi um movimento de renovação do ensino, que surgiu
no fim do século XIX e ganhou força na primeira metade do século XX. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Nova>.
86
transformam em corpos para constituir um programa escolar único composto de saberes que
não são produzidos pelos professores, mas que os mesmos devem conhecer, pois vão servir de
guia ao planejamento e à avaliação de sua prática pedagógica.
Na escola ribeirinha, observou-se uma intencionalidade do professor em produzir um
ensino interdisciplinar, algumas vezes reproduzindo práticas planejadas a partir do contexto
cultural da criança, o que foi identificado em algumas estratégias de aprendizagem
desenvolvidas a partir de projetos pedagógicos, como o projeto da horta escolar.
Uma das questões colocadas aos professores ribeirinhos, em algumas situações pontuais
de formação, é sobre a necessidade de pensarem, em particular, uma educação ribeirinha pela
dimensão sócio-histórica dos sujeitos que revelam um cotidiano específico. No entanto, o
currículo escolar desenvolvido ainda evidencia situações contraditórias e complexas, como um
conteúdo de ensino estabelecido pela Diretriz Curricular da Educação Infantil sem as devidas
especificidades da criança ribeirinha, um calendário escolar que segue a organização das
escolas da região metropolitana de Belém e o desenvolvimento de uma prática educativa
estabelecida pelos saberes da experiência constituída pelo professor na trajetória profissional.
Para tanto, o saber curricular requer que o professor constitua uma reserva de saberes
de forma a permitir a compreensão do currículo para a elaboração de sua prática pedagógica.
No caso da escola ribeirinha, esse saber deve possibilitar uma constante reflexão sobre a prática
pedagógica vivenciada nos seus espaços educativos, o que, para Gauthier et al. (2013), seria a
transformação do programa de acordo com os objetivos definidos pelo professor para os
critérios que deverá alcançar em relação ao conteúdo ministrado a partir da realidade
vivenciada.
Dessa maneira, o professor não necessita apenas conhecer o conteúdo a ser ministrado,
o currículo, é necessário que saiba articular esses conteúdos com a necessidade de
aprendizagem do aluno e com o seu contexto social de ensino. Dessa forma, tais conhecimentos
vão se constituindo em experiência profissional do professor em relação ao conteúdo ministrado
em um determinado contexto escolar. Assim, o professor constitui os saberes da experiência na
prática cotidiana em sala de aula, experiências únicas incorporadas no repertório de saberes
docentes sem o registro por parte do professor.
A experiência e o hábito estão intimamente relacionados. De fato, aprender por meio
de suas próprias experiências significa viver um momento particular, momento esse
diferente de tudo o que se encontra habitualmente, sendo registrado como tal em nosso
repertório de saberes. Essa experiência torna-se então “a regra” e, ao ser repetida,
assume muitas vezes a forma de uma atividade de rotina. (GAUTHIER et al., 2013,
p. 23).
87
A partir da compreensão de Gauthier et al. (2013), os saberes experienciais não são
validados por meio dos métodos científicos, fazendo com que o professor justifique o seu êxito
na prática pedagógica por meio de uma jurisprudência própria, ou seja, métodos pedagógicos
elaborados por ele ao longo do tempo, que permanecem apenas no contexto de sua sala de aula.
Neste sentido, Tardif (2005) destaca que esses saberes que brotam da experiência docente são
individuais; os professores incorporam os saberes de suas experiências individuais e coletivas
sob a forma de habitus e de habilidades de saber-fazer e de saber-ser, ou seja, adquirem
habilidades fazendo diariamente a mesma dinâmica em sala de aula por meio de técnicas
pedagógicas ao ensinar o conteúdo que dominam, caracterizando o ofício do professor, o ofício
de ensinar.
Tardif (2005), ao se reportar aos estudos da sociologia, por meio do conceito de Capital
Cultural, de Bourdieu (1983) para explicar esse fenômeno. Segundo esse conceito, a sociedade
se constitui como um conjunto de campos e, por meio de lutas, cada campo tenta preservar a
sua posição, usando recursos ao seu alcance que precedem de sua posição social, sendo que
cada luta vai depender dos recursos culturais de que dispõe cada campo, ou seja, do seu capital
cultural.
Muito além do que uma subcultura de classe, ou seja, uma cultura revelada pela
identificação e socialização mais específica de seus membros sociais, influenciada por fatores
religiosos, grupos raciais, regiões geográficas, entre outros fatores, o Capital Cultural se destaca
por ser uma cultura de poder que detém determinadas informações por meio dos costumes
incorporados diante do fazer diário, em forma de habitus – gosto, costumes, sentidos e valores
–, que são armazenados e constituídos nas atividades sociais de uma determinada sociedade.
Desse modo, relacionando o saber da experiência acumulado pelo professor com os
estudos da sociologia, compreendido por Bourdieu (1983) e citado por Tardif (2005) na forma
de habitus, chega-se ao entendimento de que o conjunto de conhecimento armazenado pelo
professor em relação a sua formação e a sua prática pedagógica corresponderá à formação de
seu capital cultural desenvolvido no campo das estratégias mais eficazes para a sua atuação.
Sendo assim, diante da compreensão sobre o conceito de Bourdieu (1983), o professor,
de posse de um capital cultural significativo, possui mais experiências atreladas ao conjunto de
conhecimentos acumulados e à prática pedagógica, podendo desenvolver estratégias mais
eficazes na dinâmica de sala de aula. Isso, por sua vez, vai possibilitar estabelecer os saberes
experienciais constituídos e propostos a partir do seu capital cultural, que, quase sempre, não
são validados por métodos científicos, uma vez que o professor não registra suas experiências
88
profissionais, legitimando-as enquanto conhecimento científico por meio de pesquisas
realizadas em sala de aula.
No entanto, a partir do momento em que os saberes experienciais são legitimados pela
ciência da educação, o professor consolida o saber de sua ação pedagógica. Gauthier et al.
(2013) se referem a esses saberes como o saber da ação pedagógica, que são reconhecidos e
julgados pelos professores a partir do momento em que são comparados, avaliados e pesados,
a fim de estabelecer regras de ação que serão conhecidas e aprendidas por outros professores.
A grande dificuldade da validação desses saberes se dá devido à jurisprudência (legalidade)
particular formalizada pelos professores em relação a sua prática pedagógica, no momento em
que o mesmo não a socializa e se isolar em seu próprio universo, realizando-a por meio de ações
que considera de extrema funcionalidade para a compreensão do aluno do conhecimento
mediado, porém sem divulgar essas regras de ação para outros professores.
Contudo, os saberes da ação pedagógica quando são legitimados pelas pesquisas são
poucos desenvolvidos no reservatório de saberes do professor. Para Gauthier et al. (2013), isso
é um paradoxo, pois estes se constituem na prática docente e são de grande importância para a
consolidação da profissão, tendo em vista que o professor, se não legitimar os saberes
provenientes de sua prática pedagógica, recorrerá aos saberes da experiência, da tradição, ao
bom senso, ou seja, a saberes que irão comportar limitações, não diferenciando o docente de
um cidadão comum.
Cabe ressaltar, também, que os saberes da tradição pedagógica, destacados por Gauthier
et al. (2013), decorrem da transição das concepções pedagógicas instaladas no século XVII, de
um ensino individualizado passam para a visão do mestre, do professor que ensina para um
grupo de alunos e não apenas um, propagando com isso uma pedagogia baseada na disciplina,
na maneira de dar aula, no saber que se manifesta no intervalo da consciência e que determina
como foi constituída, na memória do professor, antes mesmo de sua formação, a representação
de escola – que nos acompanha desde a nossa escolarização. O modelo do professor, concepção
que, segundo Gauthier et al. (2013), ainda é muito criticada por apresentar muitas fraquezas,
não pode ser desconsiderada, pois pode servir de molde para guiar o comportamento docente.
Enfim, a partir desse recorte teórico em relação aos estudos em torno dos saberes
docente, serão analisadas as possíveis convergências com os saberes docentes que acompanham
a prática pedagógica das professoras da Educação Infantil da escola ribeirinha, os saberes que
as auxiliam nas suas atividades pedagógicas, no planejamento das atividades, na execução do
seu plano de aula, na escolha das metodologias, na elaboração de tarefas para as crianças, na
organização do espaço da sala de aula e no acompanhamento do aprendizado da criança.
89
5 OS SABERES DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLAS
RIBEIRINHAS
Pensar sobre os saberes docentes e a prática pedagógica na Educação Infantil da escola
ribeirinha requer a compreensão de que os mesmos estão interligados aos fenômenos que
ocorrem no espaço cultural da escola – como a instabilidade do tempo, a complexidade social
de um grupo dotado de ricos saberes e a singularidade cultural da criança –, pois é nele que o
saber docente surge conectado à necessidade de garantir a organização pedagógica nesse
contexto, que tem as características próprias de uma realidade peculiar e de um sistema público
de ensino que ainda não atende sua diversidade.
Assim, ao analisar os saberes docentes das professoras de crianças ribeirinhas, foi
possível perceber uma codificação de saberes articulados na prática docente por meio de um
conjunto de concepções, que direcionam o seu trabalho em sala de aula, muitas vezes,
distanciando-se de um conteúdo específico para o ensino, mas que são formuladas
expressamente para ajudá-las a ensinar.
Tal concepção contrapõe um ideal pedagógico arraigado e proposto no século XVII que
se julgava necessário para determinar um método que possibilitasse o desenvolvimento de uma
aula (GAUTHIER et al., 2013). Na atualidade, sabe-se que o ensino requer um construto
elaborado por vários agentes compostos de conhecimentos e saberes, sendo que o saber docente
não é concebido de forma única, e sim influenciado por fatores decorrentes de um determinado
contexto escolar.
No decorrer do estudo, percebe-se que Gauthier et al. (2013) chegam à conclusão de que
se faz necessário a compreensão dos agentes prepositivos responsáveis pela distinção dos
saberes docentes no sentido de contribuir com novas propostas de formação, pois “ainda assim
o professor encontra-se mais do que nunca diante da obrigação de garantir a ordem na sala de
aula, quer seja no tocante à gestão do tempo, do espaço e da turma, dos comportamentos do
aluno ou da matéria a ser ensinada” (GAUTHIER et al., 2013, p. 295).
Observou-se, em ritmos diferenciados, a articulação de um conjunto de saberes se
revelando no decorrer da prática pedagógica, identificados por meio da pesquisa de campo e
registrados a partir das observações e das entrevistas com as professoras, em decorrência da
objetividade dos dados, o que contribuiu para a seleção dos saberes em maior evidência na
prática pedagógica das professoras de crianças ribeirinhas.
Antes de iniciar a análise dos dados, torna-se importante uma breve descrição da sala de
aula da Educação Infantil das duas professoras investigadas.
90
A sala de aula da professora ‘A’, que faz parte da UP Nazaré, é organizada em um
pequeno espaço, com carteiras escolares, para quatro crianças cada, tomando todo o espaço para
a aprendizagem. Nas paredes feitas de madeira, recursos pedagógicos, tais sejam: um
calendário, um alfabeto, um painel numérico, um glossário, um quadro de pregas com os nomes
das crianças, um relógio e um pequeno espaço para a exposição dos trabalhos das crianças, que
fazem do espaço um bom ambiente alfabetizador. Em um canto da sala, uma pequena estante
com livros, caracterizando o cantinho da leitura, e, no outro canto, uma estante com brinquedos
e jogos educativos.
A sala de aula da professora ‘T’, que faz parte da Escola Milton Monte, apresenta um
espaço maior, mais acolhedor, uma sala bastante espaçosa em alvenaria, com uma grande
quantidade de carteiras para quatro crianças cada. O ambiente é bastante arejado, apresentando
alguns recursos pedagógicos expostos, como o alfabeto e um quadro de pregas com as fichas
do nome da criança, também há um cantinho contendo um armário com brinquedos e jogos e
outro armário contendo livros infantis, não sendo caracterizado como cantinho da leitura. Além
disso, é reservado um pequeno espaço na parede para a exposição dos trabalhos das crianças.
As observações, em cada turma, ocorreram no primeiro semestre letivo de 2017,
contemplando doze dias, seis dias em cada, no horário de 7h às 11h, que corresponde ao horário
de chegada e saída das crianças. Além desses, foram reservados mais quatro dias, sendo dois
para as entrevistas e dois para o reconhecimento da comunidade ribeirinha.
O contexto citado propiciou um exercício analítico e descritivo dos saberes docentes
conduzidos pelo professor por meio da articulação dos conhecimentos acumulados no âmbito
pedagógico e na comunidade cultural da escola, compondo a fonte representativa de seus
saberes, no caso, a práxis educativa das professoras que possui uma singularidade própria e
variáveis representativas, caracterizadas nas atividades propostas em sala de aula.
Primeiramente, torna-se necessário sistematizar a compreensão do saber docente
enquanto conhecimento que se pode decidir ou articular na tentativa de reorganizar a prática
pedagógica, o que, segundo Tardif (2005), seria uma retradução de saberes em função das
condições limitadoras da experiência; saberes que aparecem em maior evidência emergem e se
transformam, à medida que o professor se depara com uma determinada realidade educacional.
Dessa forma, a partir do corpo teórico, definido no decorrer do estudo e adaptado ao
material de análise da pesquisa e de seus objetivos, foram eleitos alguns elementos presentes
na prática docente para a seleção das unidades de análise. Tais elementos constituíram a
definição dos eixos temáticos relacionados aos saberes da docência, que revelaram o repertório
de saberes representado pelas professoras na fundamentação de suas atividades na prática
91
pedagógica. Sendo assim, foi então realizado um recorte da representação dos saberes docentes
que mais se destacaram para a definição de eixos temáticos, a partir das preposições dos estudos
realizados por Tardif (2005) e Gauthier et al. (2013) sobre os saberes docentes, já descritos na
quarta seção desta pesquisa, são eles o saber da tradição pedagógica, o saber da ciência da
educação e o saber experiencial, que comportam uma relação com a temática trabalhada e que
se mobilizaram dando sentido à frequência da prática pedagógica das professoras.
Portanto, a partir do recorte realizado, dos saberes em maior evidência na prática
docente das professoras, os seguintes eixos temáticos foram definidos: o Saber da Tradição
Pedagógica, que envolveu as estratégias de aprendizagens, a construção dos recursos
pedagógicos e a organização do espaço escolar; Os Saberes da Ciência da Educação,
envolvendo a concepção de criança, a concepção de Educação Infantil e a concepção de
Educação do Campo; por fim, o Saber Experiencial, retratando a cultura ribeirinha; as
metodologias desenvolvidas e a construção de saberes a partir da prática pedagógica.
Assim, tais categorias dão base para a compreensão do repertório de saberes docentes
em maior evidência a partir da inserção das professoras no contexto escolar ribeirinho, que
direciona o exercício da prática pedagógica na Educação Infantil. No quadro a seguir,
apresenta-se sua sistematização:
Quadro 6 – Sumarização dos Eixos Temáticos e Categorias de Análise
Saber da Tradição
Pedagógica
As Estratégias de
Aprendizagens A Construção de
Recursos Pedagógicos
A Organização do
Espaço Escolar
Saberes da Ciência
da Educação
Concepção de
Criança Concepção de
Educação Infantil Concepção de
Educação do Campo
Saber Experiencial A Cultura
Ribeirinha As Metodologias
Desenvolvidas
A Construção de
Saberes
Fonte: Elaborado pela autora.
Para tanto, as análises foram realizadas por meio da compreensão estabelecida por
Pimenta (1999), segundo a qual entende-se o professor como um ser que pensa, constitui e
articula saberes a partir de suas possibilidades de ação, destacando, ainda, a compreensão,
constituída a partir do repertório teórico inicial desta pesquisa, do saber docente como um saber
plural, formado por diversos saberes que são construídos pelo professor no decorrer de sua
formação profissional, científica, curricular e na prática cotidiana. Segundo Tardif (2005), a
possibilidade de uma classificação coerente poderá ser possível quando associada à natureza
diversa de suas origens, às diferentes fontes de aquisição e à relação que o professor estabelece
entre os seus saberes e com os seus saberes. Com base nisso, apresenta-se as análises dos dados
coletados a partir dos eixos temáticos: Os Saberes da Tradição Pedagógica; Os Saberes da
Ciência da Educação; O Saber Experiencial.
92
5.1 Os Saberes da Tradição Pedagógica
No decorrer do estudo, frequentemente se buscou aproximar os saberes docentes do
professor com a prática pedagógica na Educação Infantil, isto é, os saberes que são constituídos
e mobilizados durante a sua formação pedagógica e pelo contexto sociocultural da comunidade
educativa ribeirinha. Conforme destacam Gauthier et al. (2013, p. 28), “[...] é essa mobilização
que forma uma espécie de reservatório no qual o professor se abastece para responder às
exigências específicas de sua situação concreta de ensino”, como é o caso do contexto escolar
ribeirinho, do qual emergem práticas docentes diferentes do espaço escolar urbano e
determinadas por um conjunto de conhecimentos culturais, pela criatividade, a afetividade e o
bom senso constituído em uma práxis específica.
Na escola ribeirinha, a Educação Infantil atende crianças com características específicas
de sua realidade, no entanto desenvolve uma proposta pedagógica ainda aliada às exigências de
um sistema educacional que tende a desconsiderar as especificidades socioculturais
amazônicas. Mesmo assim, as professoras procuram estabelecer estratégias de ensino
conectadas com a realidade local, sendo que o desenvolvimento de tais estratégias envolve
saberes que nem sempre são conceitualizados em suas falas, mas que se fazem presentes na
prática pedagógica diária no espaço escolar, o qual, de acordo com Vygotsky (1991), reflete
um movimento que envolve signos e significados, movimento que deve ser observado enquanto
produtor de história.
Assim, os saberes mediados pelas professoras, em suas atividades de sala de aula, são
situados por uma tradição pedagógica, que compreende a manifestação de modelos didáticos
pré-concebidos ao longo de sua atuação, muito antes da inserção delas na Educação Infantil da
escola ribeirinha, o que corresponde à articulação das estratégias de aprendizagem, à construção
de recursos pedagógicos e à organização da rotina de aprendizagem em sala de aula, destacados
a seguir.
5.1.1 As Estratégias de Aprendizagens
De acordo com as professoras, desenvolver uma prática pedagógica significativa com
as crianças ribeirinha não significa apenas ter conhecimentos, mas saber em que momento
mediar atividades possíveis em um contexto que se apresenta através de um cotidiano
pedagógico repleto de desafios decorrentes da inadequação do espaço escolar para o
desenvolvimento da aprendizagem. Isso exige do professor habilidades, capacidade de
improvisação e criatividade no desenvolvimento das estratégias de ensino, refletindo, com mais
93
intensidade, uma tradição pedagógica nem sempre presente em sua consciência, pois, ao
revelarem a não participação em formações pedagógicas anteriores, específicas para o espaço
escolar ribeirinho, relatam uma prática acompanhada por um “aprendizado” mediado pela
tradição pedagógica na Educação Infantil:
Professora A: [...] a gente vem para cá, a gente não recebe orientação [...], você chega
aqui e você tem que viver isso, você vai se adequando, ou tu morre de amores, por
isso tudo que a gente faz aqui todos os dias, todos os professores das ilhas fazem todos
os dias acordar 4h da manhã para estar aqui, ou tu não vem, ou vêm com amor, com
teus conhecimentos, porque é isso que move a gente [...].
Professora T: [...] a única orientação que eu tive foi que era uma escola ribeirinha
que eu ia trabalhar com ribeirinhos, eu só trouxe o que eu já tinha aprendido na
graduação, na pós eu estudei sobre escola do campo, mas eu não fui a campo, só na
graduação e vivenciei apenas um mês a realidade da escola do campo, mas a realidade
de escola do campo que eu vivenciei foi uma escola muito maravilhosa com uma boa
estrutura, uma escola muito boa mesmo, a única orientação que eu tenho é da minha
formação inicial sobre a Educação Infantil, nem foi sobre escola ribeirinha.
As falas das professoras destacam que os saberes utilizados para o desenvolvimento de
suas atividades são decorrentes de seus conhecimentos anteriores ao ingresso no contexto
escolar ribeirinho, quando colocam “[...] a gente vem para cá, a gente não recebe orientação
[...]” e “[...] a única orientação que eu tive foi que era uma escola ribeirinha que eu ia trabalhar
com ribeirinhos, eu só trouxe o que eu já tinha aprendido na graduação [...]”. Esses relatos
demonstram que as estratégias de aprendizagem utilizadas estão relacionadas à tradição
pedagógica de atendimento educacional da criança por meio da preparação escolar, envolvendo
a leitura, a oralidade, a pintura, para o desenvolvimento da coordenação motora, e atividades
lúdicas, por meio da música e de brincadeiras não direcionadas, na tentativa de estabelecer uma
relação entre os saberes acumulados por práticas tradicionais e o seu cotidiano das crianças.
Em todas as estratégias de aprendizagem desenvolvidas, as professoras contemplam um
repertório de saberes, no entanto se aproximam dos saberes de uma tradição pedagógica
constituída no campo educativo, como ilustra, a seguir, o registro de uma estratégia de
aprendizagem desenvolvida pela professora ‘A’:
[...] dando continuidade à dinâmica da sala de aula, a professora confere a quantidade
de alunos, de meninas e meninos. Registra no quadro a quantidade de meninos e
meninas através de desenho de bonecos e a letra inicial do nome da criança, como
também o numeral correspondente à quantidade.
Observou-se uma boa interação das crianças com a dinâmica de aprendizagem
direcionada pela professora, que relaciona tudo que as crianças respondem com o
ambiente alfabetizador que está caracterizado na sala de aula. Sempre buscando a
participação das crianças no registro no quadro. Após a orientação do calendário, da
quantidade de alunos, a professora direciona a organização da rodinha. Alguns alunos
pedem para irem ao banheiro, a professora orienta na rodinha a importância de pedir
para ir ao banheiro sem informar para todos o que vai fazer no banheiro. Orientando
também sobre alguns comportamentos que não devem se manifestar como: bater no
94
colega, chamar palavrões, entre outros. Após a conversa informal, a professora
direciona a oração do dia: santo anjo do senhor; pai nosso. Seguindo com algumas
músicas do repertório infantil como: a escolha de um amigo; a casinha; sapo cururu,
sapo não lava o pé; indiozinho; coelhinho da páscoa [...].
A professora ‘T’ desenvolve suas estratégias de aprendizagem seguindo o mesmo foco:
[...] em seguida a professora organiza as fichas do nome no chão e pede para cada
criança encontrar o seu nome, depois a professora direciona algumas perguntas às
crianças sobre o nome: letra inicial, letra final, quantidade de letras, as vogais do
nome. Finalizando pela orientação a cada criança para o contorno do nome com o
dedinho. A professora então, terminando o reconhecimento dos nomes pelas crianças,
guarda as fichas dos nomes, organiza o grupo em círculo iniciando a leitura das vogais
com as figuras que estão na parede da sala de aula: - Vamos então ler novamente as
letrinhas que estudamos [...]. Assim, a professora segue a sequência, estimulando para
que as crianças identifiquem as letras relacionando-as com algumas figuras.
É possível perceber a relação que se estabelece entre a professora e a criança, uma
relação envolvida pela mediação da aprendizagem, demonstrando o encaminhamento das
estratégias articuladas pela professora, o que, para Gaurdier et al. (2013), é uma espécie de
saber que se manifesta no intervalo da consciência docente, uma representação de escola, do
que se deve ensinar, saber este arraigado na tradição pedagógica por meio de um ensino
simultâneo, em que destaca as estratégias de leitura e escrita, mesmo que com algumas
articulações da sua práxis com a realidade cultural da criança.
A seguir, traz-se o relato das professoras em relação a esse contexto quando perguntadas
sobre a articulação de suas estratégias de aprendizagem com a realidade cultural da criança
ribeirinha e sobre como é realizada essa articulação.
Professora A: Procuro fazer com que caminhem juntas [...], trabalho por projetos
desenvolvidos pela Secretaria de Educação [...] eu já estava acostumada a trabalhar
com projetos. E, aqui na escola, nós estamos desenvolvendo esse projeto da música,
onde de 15 em 15 dias é trabalhada uma música, uma cantiga de roda e dentro dessa
cantiga de roda a gente trabalha as letras do alfabeto, as letras do nome deles, números,
cores, formas, sabores. Muitas das cantigas de roda vêm trabalhando os nomes de
frutas e objetos, a gente já começa a introduzir as formas geométricas, como eu já
falei o alfabeto [...].
Professora T: [...] eu costumo fazer assim, como eles não tem os espaços adequados,
eu programo uma aula o momento necessário, e o que a gente vai utilizar, tem um
momento da arte do cortar, aí a gente senta no chão, orientando: “senta no chão todo
mundo”, “é para cortar direitinho”... E antes também era complicada essa estratégia,
porque eles não tinham essa rotina, aí eu digo: “todo mundo com o bumbum no chão,
vamos cortar, vamos” [...].
A utilização de estratégias de aprendizagem, envolvendo atividades decorrentes de
saberes cristalizados na tradição pedagógica das professoras, pode ou não contribuir para a
aprendizagem das crianças, a partir da avaliação de suas falas: “[...] eu já estava acostumada a
trabalhar com projetos [...]” e “[...] o que a gente vai utilizar, tem um momento da arte do cortar,
aí a gente senta no chão, orientando: ‘senta no chão todo mundo’, ‘é para cortar direitinho’ [...]”.
95
Para Gauthier et al. (2013), isso é um saber que se cristaliza na prática do professor pela tradição
estabelecida sobre educação infantil por meio de “boas práticas pedagógicas” e, embora haja
uma tentativa de articulação de suas ações com a realidade da criança, este é um saber
consolidado na forma como encaminham as atividades com crianças pequenas, pelo certo
domínio da rotina constituída no espaço escolar e das situações didática e pedagógica, o que,
de acordo com Tardif (2005), representa a manifestação de saberes apreendidos em sala de aula.
Abaixo, apresenta-se a sistematização da rotina direcionada pelas professoras ‘A’ e ‘T’
para o desenvolvimento de suas estratégias de aprendizagens, que é adequada pelo contexto
sociocultural da escola ribeirinha, bem como por uma organização pedagógica das professoras
que atuam na Educação Infantil.
Acolhida: café; após o café entrada na sala de aula: brincadeira livre com brinquedos
variados até organização da aula pela professora. Organização da roda de conversa
informal respondendo aos questionamentos das crianças:
Músicas do repertório infantil: Meu pintinho amarelinho; O sapo não lava o pé; entre
outras. Oração direcionada pela professora: Pai nosso; oração do anjo da guarda.
Música do bom dia. Estudo do nome, do calendário, contagem dos alunos na sala e o
estabelecimento de regras de boas maneiras.
Introdução da temática do dia por meio da música ou de uma conversa informal.
Atividade registro direcionada. Lanche. Retorno para a finalização da atividade em
sala de aula. Vídeo e saída das crianças.
Ao organizar a rotina de aula, as professoras apresentam certo sincretismo de ações, ou
seja, uma relação de saberes que antecedem a mediação do seu trabalho pedagógico em sala de
aula que, segundo Tardif (2005), não pode ser pensado seguindo um modelo aplicacionista da
racionalidade técnica, pois, para além da formação desses professores, existe a necessidade de
encontrar soluções, mesmo na diversidade, para o fomento de estratégias de aprendizagem.
Dessa forma, é importante considerar que as estratégias utilizadas pelas professoras são
produtos da prática docente acumulada nas suas ações pedagógicas por motivações anteriores
de contextos escolares vivenciados muito antes de atuarem na escola ribeirinha, fontes de
aquisição de saberes que, segundo Tardif (2005), envolvem o tempo presente e o passado de
experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória profissional, culminando em saberes
decisivos na constituição da identidade docente. Portanto, caberia ao professor uma formação
docente que possibilitasse a reflexão sobre formas de organizações didáticas sistemáticas a
partir de conhecimentos científicos e pedagógicos, planejamento, trocas de experiências e
projetos implementados com o foco na realidade sociocultural do aluno.
96
5.1.2 A Construção de Recursos Pedagógicos
Nessa mesma direção, foi possível observar a utilização de recursos pedagógicos
tradicionais no desenvolvimento da prática docente. As professoras argumentam que o
desenvolvimento de suas estratégias a partir da construção de tais recursos pedagógicos facilita
sua prática pedagógica, pois acreditam que o seu modo de agir favorece a aprendizagem do
aluno. O registro da prática pedagógica das professoras ‘A’ e ‘T’ demonstra tal preposição:
Professora A: [...] finalizando o filme sobre as cores, a professora iniciou a explicação
sobre as cores, com tubos de cola coloridas na mão, ressaltou a cor de cada cola e logo
depois da mistura entre elas que cor foi encontrada. Depois orientou como seria
organizado o painel (recurso pedagógico).
Professora: “Aqui será o nosso rio, que cor será o nosso rio?”.
Os alunos ficaram indagando a cor do rio: “Azul não é, professora, nosso rio não é
igual ao rio do livro”.
Então a professora levou os alunos para frente da sala de aula que fica diante do rio,
colocando todos para observarem a cor do rio. Sempre perguntando que cor seria o
rio: Marrom? Amarelo? Azul? Imediatamente um aluno respondeu: “marrom e
amarelo, professora, se misturar o marrom e o amarelo fica a cor do rio?”. A
professora elogiou positivamente a hipótese da criança, encaminhando os alunos para
a sala de aula para experimentar a sua hipótese.
De volta ao espaço da sala de aula, as crianças sentaram em um pequeno espaço no
chão, a professora novamente perguntou ao aluno: “Caio deu uma sugestão da cor do
rio, qual foi a sua sugestão”? E todos responderam: marrom e amarelo.
Logo a professora orientou a mistura das cores, confirmando junto com os alunos a
cor encontrada depois da mistura. Uma cor bem parecida com a cor do rio, e com a
orientação da professora as crianças aos poucos foram misturando as duas cores e
pintando o rio no painel [...].
Professora T: [...] as crianças são organizadas novamente em círculo, a professora
pega uma pequena bacia, óleo e trigo e uma tinta guache para produzirem massinha
(recurso pedagógico).
No decorrer da mistura, a professora pergunta: “para que serve o trigo? Sim, para fritar
peixe”. “Serve também para fazer uma coisa que vocês gostam muito sabem o que é?
É bolo”. “Para que serve o óleo? Sim, para fritar peixe, para colocar na comida, muito
bem!”. “Qual é a cor que vamos misturar na massinha? A cor verde, muito bem! Isso
a cor do sapo Ivan, da letra U, das folhas [...]”.
A professora inicia a mistura, depois passa de mão em mão para que cada criança
também misture um pouquinho a massa. As crianças participam com bastante
envolvimento.
Depois de finalizar a massa, a professora monta vogal por vogal no chão, perguntando
o nome de cada vogal às crianças.
Professora: “Que letra é essa?”
Crianças: “É a letra A”.
Professora: “A de quê”?
Crianças: “de abacaxi, de abelha, de argola.”
E assim sucessivamente com todas as letras do alfabeto.
Depois a professora divide a massinha para que todos modelem as vogais. E as
crianças com autonomia realizam a atividade sentadas na mesa e no chão da sala de
aula [...].
Na sua prática pedagógica, do desenvolvimento de uma atividade prática até a atividade
pedagógica, as professoras demonstram uma articulação de saberes possibilitando a mediação
do conhecimento sobre a mistura das cores e a produção da massinha de modelar, isto é, o uso
97
de estratégias de ensino para o ensino do reconhecimento das cores e das letras do alfabeto. O
modo como as professora integram seus saberes, dando ênfase à necessidade de articulação de
seus recursos pedagógicos com a participação da criança, permitiu observar um discurso
docente próximo de ações pedagógicas constituídas ao longo dos anos na trajetória da Educação
Infantil. Os relatos das professoras, a seguir, refletem esse entendimento quando perguntadas
sobre a construção de recursos pedagógicos de modo a contribuir na prática docente.
Professora A: Sim, a gente trabalhou com a cantiga como teve a cantiga do sapo: “o
sapo não lava o pé [...]”, aí nós tínhamos que fazer a dobradura do sapo, então eu não
dou pronta para eles, eu vou construindo, eu até mostro uma pronta para eles para
mostrar como vai ficar como: “olhem nossa atividade vai ficar assim”. Mas eu digo:
“quem vai fazer são vocês, a tia vai dar o papel e vocês vão fazer”, claro que não fica
perfeito, mas aí eles conseguem toda a construção de recursos, muitas atividades de
quebra-cabeça, eu vou fazendo montando com eles [...]
Professora T: Tem momentos que é construído, já fiz material com garrafa pet, a
massinha, na verdade depende do conteúdo que eu trabalho, quando eu trabalho os
meios de transporte eu construo com eles um barco de papel [...].
Esse saber, segundo Gauthier et al. (2013), várias vezes é repetido em momentos
particulares na atuação docente, nas tradições pedagógicas e se consolida no repertório de
saberes do professor. Trata-se de um saber que é adaptado e modificado pelo saber experiencial
e as falas das professoras reforçam esse entendimento: Professora ‘A’: “[...] aí nós tínhamos
que fazer a dobradura do sapo, então eu não dou pronta para eles, eu vou construindo, eu até
mostro uma pronta para eles para mostrar como vai ficar [...]”; Professora ‘T’: “Tem momentos
que é construído, já fiz material com garrafa pet, a massinha, na verdade depende do conteúdo
que eu trabalho [...]”.
Entende-se, portanto, que os professores mantêm uma relação diferenciada com o seu
repertório de saberes, no entanto, segundo Tardif (2005), para dar conta dos objetivos traçados,
comumente utilizam saberes específicos pautados, quase sempre, por tradições pedagógicas das
formações vivenciadas na Educação Infantil, constituindo com isso o que é necessário saber
para ensinar.
5.1.3 A Organização do Espaço Escolar
Em relação à organização do espaço escolar da sala de aula da Educação Infantil, as
professoras ‘A’ e ‘T’ manifestaram possuir um conceito de espaço escolar racional e técnico,
baseado no que propõe a LDB para a Educação Infantil quanto ao ambiente adequado de sala
de aula, como retratam a seguir:
98
Professora A: A gente sonha, né, mas a gente tem que se adequar, você já viu a nossa
sala, né, eu sempre digo que ela é pequenininha, mas ela é aconchegante, o espaço é
pequenininho, mas a gente vai dando um jeitinho aqui e um jeitinho ali, a gente sabe
que na educação infantil é necessário o espaço de brincar, de faz de conta, é
importantíssimo, nós não temos esse espaço, nem tem condições de ter nem no espaço
da escola, porque a gente vive no espaço limitado [...].
Professora T: Na verdade, a minha vontade era tirar a maioria das mesas e cadeiras
da sala e trabalhar mais no chão, eu sinto que é ainda o espaço, é muito pequeno para
eles o ambiente da sala de aula, eu tento deixar eles à vontade, mas eu sinto muito
sufocante devido à quantidade de mesas e cadeiras. Aí eu acabo não conseguindo
construir um ambiente adequado, o ideal seria que tivesse vários ambientes. Minha
vontade é ter uma ala só de brinquedo outra só de reciclagem. Uma ala, que eu consiga
construir uma casinha dentro da sala de aula pra eles, um espaço que eu consiga
trabalhar só com a arte, eu não consigo por conta dessa questão do espaço.
O discurso docente valoriza a organização do espaço escolar amplo, confortável, com
vários ambientes para desenvolver as habilidades na criança, como o brincar, a arte, a música,
o imaginário e a contação de histórias, conforme os dizeres das professoras: “[...] a gente vive
no espaço limitado [...]” e “[...] o ideal seria que tivesse vários ambientes [...]”. Tais falas
reafirmam uma condição ideal de infraestrutura devido à tradição pedagógica e o modelo
hegemônico estabelecido que, conforme já foi discutido, direcionam grande parte de sua
experiência profissional. Diante disso, as professoras têm dificuldades de pensar um espaço
alternativo a partir do que dispõe a comunidade ribeirinha, sem que haja prejuízo na proposição
didática docente e de forma que se estabeleça uma interlocução produtiva entre o ambiente
natural e o ambiente construído.
Tardif (2005) reflete sobre o que seriam as situações diferenciadas, complexas, os
obstáculos para o desenvolvimento de outros saberes por parte do docente, pois este necessita
de um repensar em relação às condições de aprendizagem utilizadas dentro e fora de sala de
aula, um que envolva a utilização de recursos pedagógicos e a organização do espaço escolar,
uma vez que o saber docente está na confluência de vários saberes oriundos dos vários setores
sociais tanto da tradição pedagógica como de sua formação profissional.
Portanto, os saberes da tradição pedagógica das professoras são reelaborados e
reconstituídos diante do desenvolvimento de estratégias de aprendizagens, por meio da
construção de recursos pedagógicos e pela organização do espaço escolar, e, desse modo,
permitindo o desenvolvimento de propostas para o atendimento à infância: inicialmente a de
assistência; depois de cuidado e, em contrapartida, a formação educacional.
Diante desse contexto, as professoras foram questionadas quanto ao reconhecimento de
um dos objetivos da Educação Infantil, que seria oferecer um atendimento significativo e de
qualidade às crianças ribeirinhas, diferenciando-o de ações assistencialistas e evidenciando nele
99
a articulação do binômio cuidar e educar, interligados por meio do reconhecimento da Educação
Infantil como uma etapa de fundamental importância para a formação integral do indivíduo.
Em função dessa realidade, propostas de formação docente para o professor de crianças
ribeirinhas devem estar pautadas de acordo com as propostas de Educação do Campo para além
da relação entre educar e cuidar, de forma a contribuir para uma reflexão mais ampla, na qual
o cuidar é inseparável, indissociável da dimensão do educar, também para proporcionar o
desenvolvimento da identidade da criança ribeirinha em processo de escolarização. A seguir,
apresenta-se a sistematização dos saberes da tradição pedagógica em evidência na prática
docente das professoras de escolas ribeirinhas.
Quadro 7 – Sumarização da Tradição Pedagógica
Estratégias de Aprendizagem Ensino simultâneo, sistemático, o saber
ensinar e a organização da rotina.
A construção de recursos pedagógicos Atividade prática das professoras como
fomento à didática.
Organização do espaço escolar Amplo, confortável e com vários
ambientes. Fonte: Elaborado pela autora.
Desse modo, ao se destacar os saberes da tradição pedagógica na prática docente das
professoras, chegou-se ao entendimento que os mesmos são desenvolvidos a partir da
compreensão do professor do que seria necessário para a qualidade do ensino na Educação
Infantil de escolas ribeirinhas, que está um pouco dissociada da compreensão de como a criança
constrói conhecimentos e da qualidade de suas intervenções pedagógicas nas diversas situações
diárias vivenciadas pela criança.
5.2 Os Saberes da Ciência da Educação
Como mencionado no decorrer do estudo, os saberes da ciência da educação são
adquiridos pelo professor ao longo de sua formação profissional e estão relacionados ao sistema
de ensino, sendo que podem ser refletidos ou não na prática pedagógica, ou seja, são
conhecimentos relativos ao ensino que só cabem ao professor para o desenvolvimento de sua
função. São saberes que, segundo Gauthier et al. (2013), servem de pano de fundo para a
maneira como o professor deve agir em sala de aula. São as observações genéricas realizadas
pelo professor diante do contexto de aprendizagem e os conhecimentos atribuídos pela ciência
da educação tornando-se a base para a o pensamento cotidiano que acompanha a organização
de sua rotina diária em sala. Diante desse princípio, Pimenta (1996) diz que:
100
[...] A vida cotidiana é heterogênea e hierárquica. A utilização ou desenvolvimento
das capacidades do homem é histórico. A relação entre o homem particular e o mundo
manifesta-se, de maneira diversa, nas diferentes sociedades, estratos e classes sociais.
O homem é um ser genérico cujas capacidades são desenvolvidas ou cristalizadas,
conforme sua divisão social do trabalho. (PIMENTA, 1996, p. 58).
Isso reforça o fato de que a prática docente das professoras junto ao contexto cultural da
escola é caracterizada como uma relação do professor com o mundo, com a sociedade de forma
particular ou individual, um ato de objetivação do sujeito que necessita também de
conhecimentos adquiridos pela ciência. Para Pimenta (1996), nesse sentido, são as observações
genéricas do sujeito sobre o mundo – que podem acontecer de forma particular por meio da
sistematização de algo novo –, que proporcionam a sua adaptação a esse mundo. Com base
nisso, buscou-se compreender os conhecimentos científicos acumulados pelas professoras que
respaldaram sua Concepção de Criança, de Educação Infantil e de Educação do Campo para o
desenvolvimento de sua prática pedagógica.
5.2.1 A Concepção de Educação Infantil
No que tange às propostas atuais para a Educação Infantil, elencadas anteriormente, as
quais envolvem projetos pedagógicos para o respeito à infância como etapa significativa na
vida da criança, sendo esta um ser histórico-social em desenvolvimento, foi possível identificar,
na compreensão das professoras, uma concepção de Educação Infantil, ao mesmo tempo,
assistencialista e tendo como base as necessidades de aprendizagem da criança, de acordo com
as condições que o espaço escolar oferece para a realização do seu trabalho.
Tal compreensão se afirmou no desenvolvimento de uma prática pedagógica em busca
de uma lógica sistemática do que se deve ensinar e o que é necessário à criança aprender
enquanto um ser histórico-social, quando as professoras ‘A’ e ‘T’ foram questionadas sobre a
concepção de Educação Infantil, a saber:
Professora A: A Educação Infantil é o que me move, é amor, meu conceito de
Educação Infantil, ela prepara, eu acho assim que nem prepara, a criança já tem, já é,
a criança já tem o conhecimento dela, a gente só está lapidando nem ensinando, só
estamos conduzindo para que elas possam desenvolver os conhecimentos delas, e
encaixar onde elas precisam melhorar e precisam desenvolver as habilidades e
competência que elas necessitam [...].
Professora T: Assim, a educação infantil é preparar, estimular a entrada deles no
ensino fundamental, preparar a forma como é dado para a gente não, a gente constrói
conhecimento dentro da sala de aula, trazendo novidade, trazendo coisas que eles não
conhecem e o que eles conhecem trabalhando profundamente, o que eles conhecem
muitas vezes eu não conheço, porque a realidade deles é diferente, é construção de
conhecimentos nós dois juntos, os que eles trazem de casa e o que eu trago de casa, é
uma troca constante [...].
101
Nos relatos das professoras ‘A’ e ‘T’, percebe-se que ambas não conseguem externar a
concepção teórica dos princípios norteadores da Educação Infantil da atualidade, tal seja a que
considera a condição da criança enquanto sujeito histórico e cultural por meio da valorização
de suas experiências e ampliação dos conhecimentos do mundo em que vive. A professora ‘A’
retrata uma concepção na perspectiva tradicional, romântica sobre as primeiras propostas de
atendimento educacional às crianças: “[...] a Educação Infantil é o que me move, é amor [...]”,
“[...] nem prepara, a criança já tem, já é criança, já tem o conhecimento dela, a gente só está
lapidando [...]”. Sendo assim, a visão da professora se contrapõe às perspectivas teóricas
históricas e culturais, visto que, nessa concepção, o professor é um colaborador do
desenvolvimento da criança, impulsionando a aprendizagem por meio das interações
estabelecidas pelas relações sociais.
Já a professora “T” retrata a Educação Infantil como uma preparação para a próxima
etapa de ensino, quando relata que “[...] a educação infantil é preparar, estimular a entrada deles
no ensino fundamental [...]”. Essa concepção se distancia do processo integral de
desenvolvimento da criança, que é afetivo, cognitivo, sociocultural, ou seja, um processo que
considera a criança a partir do seu contexto histórico.
As professoras ‘A’ e ‘T’, quando verbalizam a respeito do que compreendem enquanto
concepção de Educação Infantil, pautam-se em uma perspectiva romântica, assistencialista e de
preparação para a vida escolar, suas ações pedagógicas envolvem o cuidado principalmente em
relação à saúde e à higiene, como também na necessidade de se construir uma aprendizagem
necessária para o enfrentamento do ensino fundamental. Tais concepções ainda são comuns em
algumas escolas do campo, nas quais, segundo Arroyo et al. (2011), acaba-se por reproduzir os
estereótipos da cidade em relação ao campo, desfavorecendo, em decorrência disso, o que há
de mais identitário na memória coletiva das comunidades.
Tais questões revelam a importância de se pensar uma formação docente que incorpore
o saber, a cultura e o conhecimento socialmente construído do campo, muito além de somente
promover a compreensão, por parte do professor, da indispensabilidade do ensino da leitura, da
escrita e de operações matemáticas, garantindo a compreensão de alguns conteúdos necessários
para o desenvolvimento de tais aprendizados na criança para que esta avance para o ensino
fundamental.
Nessa perspectiva, cabe o entendimento de que a escola ribeirinha é rica de saberes que
necessitam estar em pauta nessas propostas de formação docente, isso, defende-se aqui, é o
ponto de partida para o desenvolvimento de propostas de formação docente para a Educação
Infantil do campo.
102
5.2.2 A Concepção de Criança
No decorrer do estudo, afirmou-se que, na atualidade, a formação da criança envolve a
concepção da criança enquanto ser histórico, social, voltado às necessidades sociais,
abrangendo os valores morais e expectativas de desenvolvimento para a formação cidadã. Com
base nisso, buscou-se ouvir as professoras em relação à concepção de criança:
Professora A: [...] a criança ribeirinha ela é criança, é criança na essência, não
querendo desmerecer as crianças urbanas, mas as crianças urbanas você leva coisas,
saberes, planeja uma aula para elas e elas não ficam tão encantadas, o olhar deles não
brilha tanto como eles aqui, eles te olham de maneiras diferentes, a criança ribeirinha
é puro encantamento, puro amor, pura criança, está entendendo a essência dessa
criança, ela é criança, ela vive a infância, elas respiram isso [...]
Professora T: [...] são crianças muito, muito inteligentes, são assim apaixonantes, eu
me apaixono a cada dia com cada coisa nova que elas me ensinam, são crianças assim,
ao mesmo tempo, a palavra não é carência, mas a questão de você sentir que elas
precisam de uma atenção maior, porque, muitas vezes, na família há certas situações
que eles passam que as crianças não entendem, porque a família não conversa e,
quando a gente chega à escola, a gente acaba percebendo que a criança está triste, que
é preciso ter uma pessoa do lado perguntando o que está acontecendo. Porque às vezes
eles estão em casa e ninguém percebe [...].
O dizer das professoras ‘A’ e ‘T’ sinaliza uma compreensão de criança que tem a
infância na sua essência por vivenciarem e interagirem um ambiente lúdico, envolvente,
representado pelo espaço naturalístico da região ribeirinha, como retratado pela professora ‘A’:
[...] a criança ribeirinha é puro encantamento, puro amor, pura criança, está entendendo a
essência dessa criança, ela é criança, ela vive a infância, elas respiram isso [...]. Embora esta
professora tenha um conceito muito real do que é a criança ribeirinha, este saber não interage
com o saber das estratégias de aprendizagem descritas por ela quando citou a organização do
espaço escolar, pois, se a criança ribeirinha tem preservada a sua infância, era esperado que sua
prática pedagógica extrapolasse o espaço da sala de aula, uma vez que a brincadeira guia o
desenvolvimento da criança.
Por sua vez, a professora ‘T’ estabelece um diálogo sensível com a criança, quando diz:
“[...] são crianças muito, muito inteligentes, são assim apaixonantes, eu me apaixono a cada dia
com cada coisa nova que elas me ensinam [...]”. Isto é, entre o professor e o aluno existe uma
relação de cumplicidade, de envolvimento, de troca e, ao mesmo tempo, de encantamento.
Destaca-se, também, o olhar refinado para o comportamento das crianças em sala de aula ao
revelar que: “[...] a gente acaba percebendo que a criança está triste, que é preciso ter uma
pessoa do lado perguntando o que está acontecendo. Porque às vezes eles estão em casa e
ninguém percebe [...]”.
103
Dessa forma, por perceberem a criança a partir de uma sensibilidade própria, as
professoras se aproximam do seu reconhecimento social enquanto cidadã de direito, sujeitos
com representações sociais, porém correm o risco de desenvolver uma educação compensatória
que, quase sempre, é destinada às populações menos favorecidas economicamente. Arroyo
(2014) diz que a educação do campo necessita proporcionar o combate à visão do outro
subalternizado, caso contrário continuará despertando certa sensibilidade do pensamento
socioeducativo, reforçando assim a criação de políticas compensatórias para suprir as carências
e desigualdades na vida da infância.
A concepção levantada por Arroyo (2014) remete à reflexão sobre as diferentes
infâncias vivenciadas em diferentes espaços sociais, com características próprias, habilidades
próprias e, acima de tudo, modo de viver diferenciado. E pensar em uma infância ribeirinha é
situar a criança dentro de um espaço diferenciado, com uma cultura peculiar envolvida por um
cotidiano social conectado pela dinâmica do rio, acolhendo o ambiente natural como forma de
conhecimento. Dessa forma, a importância da formação se faz presente no sentido de priorizar
estudos sobre a história cultural da criança, de modo a aprimorar as discussões e as práticas
reflexivas do professor, rever suas concepções de criança, educação e escola, e o seu modo de
pensar sobre a elaboração de sua prática pedagógica na escola ribeirinha.
5.2.3 A Concepção sobre a Educação do Campo
A temática estudada envolve uma organização escolar inserida dentro de um contexto
cultural e social diferenciado proposto pela Educação do Campo, que estabelece a articulação
dos saberes, os valores, a cultura e a formação que acontecem na e fora da escola, pois, como
já sinalizado, o campo, apesar do desenvolvimento econômico acelerado da cidade, mantém
vivas as suas raízes culturais nas relações sociais de sua comunidade. Diante desse contexto,
“[...] A escola e os saberes escolares são um direito do homem e da mulher do campo, porém
esses saberes escolares têm que estar em sintonia com os saberes, os valores, a cultura e a
formação que acontecem fora da escola.” (ARROYO et al., 2011, p. 78).
Ao serem interrogadas sobre os princípios norteadores da Educação do Campo e se a
escola ribeirinha se enquadra nesses princípios, as professoras ressaltaram:
Professora A: [...] A educação infantil ribeirinha, hoje em dia, já tem outras
terminologias como a educação do Campo, aqui, nas ilhas, no rio, é diferente, elas
têm saberes diferentes, modos de vida diferentes, então tu aprende mais com elas do
que tu ensinas [...]. [...] Educação do Campo é isso e te encanta, ou tu te encaixas, ou
tu rever tudo que você estudou, teus conceitos em relação à educação, se joga para
104
reconstruir todo o teu conhecimento, que é reconstruído todinho, e, com certeza, você
reconstrói com outro significado, outro sentido, ou tu abandonas.
Professora T: [...] Eles têm hábitos diferenciados principalmente de higiene, já tive
alunos que só acordava e vinha para a escola, a gente sente cheiro de xixi, as questões
da Maré, eu não entendo muito bem ainda, às vezes não sei quando a maré enche, não
sei se ele tomou um banho na Maré, eles chegam com cheiro muito forte, tipo um pitiú
de peixe. Eu trabalho muito a questão de lavar a mão, escovar os dentes, tomar café
[...].
A professora ‘A’ ressalta certo conhecimento em relação à dinâmica educacional e
diferenciada da Educação do Campo, sendo possível perceber a sua forma reflexiva de
interpretar a escola ribeirinha e a necessidade de um conhecimento específico do professor
sobre a Educação do Campo para desenvolver atividades a partir desse contexto quando coloca:
[...] Educação do Campo é isso e te encanta, ou tu te encaixas, ou tu rever tudo que
você estudou, teus conceitos em relação à educação, se joga para reconstruir todo o
teu conhecimento, que é reconstruído todinho, e, com certeza, você reconstrói com
outro significado, outro sentido, ou tu abandonas [...].
Na fala da professora ‘T’, identificou-se a dificuldade de compreensão desse
conhecimento específico, quando ela retrata: “[...] eles têm hábitos diferenciados
principalmente de higiene, já tive alunos que só acordava e vinha para a escola, a gente sente
cheiro de xixi, as questões da maré, eu não entendo muito bem ainda [...]”. Assim, por mais que
reconheça a diferenciação do espaço escolar ribeirinho, da realidade educacional dos alunos
que atende, a ausência de saberes específicos promove uma insegurança diante das atividades
desenvolvidas em sala de aula.
Os relatos das professoras pressupõem pensar numa proposta de Educação Infantil para
a escola ribeirinha que reconheça a criança ribeirinha integrada ao seu contexto social por meio
do desenvolvimento de práticas educativas de acordo com os princípios norteadores da
Educação do Campo.
Um projeto de Educação Básica do Campo tem que incorporar uma visão mais rica
do conhecimento e da cultura, uma visão mais digna do campo, o que será possível se
situarmos a educação, o conhecimento, a ciência, a tecnologia, a cultura como direitos
e as crianças e jovens, os homens e mulheres do campo como sujeitos desses direitos.
(ARROYO et al., 2011, p. 82).
A compreensão da necessidade de uma formação específica para os professores que
atuam em escolas localizadas nas regiões insulares de Belém segue o que foi exposto por
Arroyo et al. (2011), ou seja, a compreensão de uma formação articulada à cultura ribeirinha
pela mediação entre teoria e prática centrada no modelo de “professor reflexivo” proposto por
Schön (1998), sem se desconsiderar a importância dos contributos teóricos dos elementos que
condicionam a prática pedagógica.
105
A seguir, a sistematização dos saberes das ciências identificados.
Quadro 8 – Sumarização dos Saberes das Ciências
Concepção de Educação Infantil Romântica e Inatista e preparação para o
Ensino Fundamental
Concepção de Criança Infância em sua essência; seres
apaixonantes com uma sensibilidade
própria.
Concepção de Educação do Campo Saberes e modo de vida diferenciado,
cultura diferenciada.
Fonte: Elaborado pela autora.
Os saberes, em destaque, potencializam a prática docente do professor de crianças
ribeirinhas. Assim, é preciso que haja um envolvimento maior desse professor com o seu
processo formativo no sentido de pensar o espaço de formação para além de uma perspectiva
técnico-experimental, buscando um equilíbrio entre o saber científico e empírico (GATTI,
2013), por meio do resgate da memória, da palavra e das narrativas dos professores
(GUIMARÃES et al.,2012), pois assim será possível a reelaboração de sua prática docente.
5.3 Os Saberes Experienciais
O saber experiencial foi pontuado, neste estudo, como um acompanhamento constante
da prática docente, um processo de aprendizagem do professor, que consolida os saberes ao
adaptá-los de acordo com a necessidade do contexto escolar. Segundo Tardif (2005), o
professor elimina os conhecimentos que lhe parecem abstratos para a sua prática ou para a
realidade vivida e mantém os que podem lhe servir para solucionar os desafios de sua prática
pedagógica.
Diante desse processo, conclui-se que a prática docente é um espaço de construção de
saberes. Para ensinar, o professor tem que ter a sensibilidade de articular seus conhecimentos,
apreendidos em sua rotina pedagógica, a uma competência cultural oriunda dos saberes
cotidianos dos seus alunos. Para Gauthier et al (2013), o professor aprende pelas suas
experiências significativas que ficam armazenadas no seu repertório de conhecimentos e que
progressivamente são colocados em prática.
Em algumas práticas desenvolvidas pelas professoras, foram registrados saberes
experienciais que são desenvolvidos dentro de um cenário escolar que permite uma constante
reconstrução de saberes. Assim, na prática docente, foram identificados alguns conhecimentos
relacionados ao contexto sociocultural, às metodologias adaptadas ao espaço pedagógico e à
tentativa de utilização de uma linguagem próxima às linguagens da criança ribeirinha. Esses
106
conhecimentos revelaram saberes que caracterizam a memória docente e a construção de sua
identidade na Educação Infantil da escola ribeirinha, e serão descritos e analisados a seguir.
5.3.1 O Espaço Cultural
O espaço escolar da escola ribeirinha oferece uma grande variedade de conhecimento
cultural identificado na prática docente, como pode ser observado no registro a seguir:
Professora A: [...] a professora segue seu diálogo retratando sobre a horta da escola,
que está bonita e que já brotou muitas berinjelas que estão sendo utilizadas na merenda
da escola. O diálogo se estende envolvendo o sabor da berinjela, a cor e a importância
da hortaliça para uma boa alimentação, informando as crianças sobre a visita do dia
na horta de modo a verificar outros legumes que estão brotando e o que foi plantado
pelos outros alunos da escola.
Logo em seguida, o coordenador pedagógico chega à sala de aula com uma berinjela
para a professora demonstrar para as crianças. Assim, a professora chama a atenção
das crianças para o tamanho da berinjela, o cheiro, a cor, indagando com as crianças
qual a cor da berinjela, com o que se parece, “Com a cor do açaí”, as crianças
imediatamente respondem, conversando sobre a diversidade de receitas que se pode
fazer com a berinjela, como: sopa, salada, recheada, entre outras sugestões da
professora e das crianças.
A professora então pergunta quem gosta da berinjela, algumas crianças dizem que
sim, outras ficam observando dizendo nunca ter comido. A professora retrata que, na
merenda da escola, sempre vai ter a berinjela, na sopa, no frango, entre outros
alimentos. Posteriormente a professora passa a Berinjela de mão em mão para que
cada criança toque e cheire a berinjela, estimulando o cheiro e o tato das crianças.
Algumas crianças falam que tem cheiro de açaí, outras que não tem cheiro de nada,
outras relacionam com o cheiro de mato [...].
Professora T: [...] as crianças foram encaminhadas para a área externa da escola, o
campo onde está a horta. Primeiramente, senta as crianças em círculo na grama
próximo ao rio, para a demonstração pela professora de como mexer na terra,
mostrando a semente e como devemos plantar, manipulando primeiramente a terra
para oxigenar a mesma. Sentadas em círculo, as crianças atentas escutam as
orientações da professora que demonstra como colocar a sementinha na terra para que
ela possa germinar, e em seguida vão colocando com a ajuda da professora as
sementes nos potinhos. [...] com chapéu de palha, como proteção do sol, cada criança
desce com suas sementinhas para o plantio. Chegando à horta, a professora vai
orientando como colocar as sementes, mostrando também as hortaliças que estão
brotando, sempre chamando a atenção das crianças para observarem cada detalhe da
horta, informando sobre o tipo de hortaliça que estão plantando e as que estão
germinando [...].
Nas práticas retratadas acima, as professoras ‘A’ e ‘T’ lançaram mão de conhecimentos
apreendidos no espaço cultural ribeirinho, experiências vivenciadas e elaboradas ao longo do
tempo em que atuam nesse contexto escolar. Para entender a genealogia dos saberes em relação
ao contexto social apresentado, as professoras foram indagadas se o contexto cultural onde a
escola está inserida contribui para a prática pedagógica do professor. É interessante observar as
falas das professoras abaixo:
107
Professora A: [...] quando você chega aqui na escola a realidade é outra, é um desafio
todo dia para ti, ou tu vens sempre disposta a dá o teu melhor todo dia ou tu não vens
mais, ou tu desiste. [...] isso aqui, para mim, é um desafio todo o dia e a gente precisa
de desafio, nós educadores, professores, precisamos viver sempre desafiados, sabe por
quê? Porque o desafio faz você dá o teu melhor e, quando tu dás o teu melhor, tu
recebe, tu recebes conhecimentos, tu recebes trocas, que te faz refletir: “meu Deus,
olha isso, olha eles falam isso, porque acontece isso”; você vai entendendo a cultura
deles, a maneira deles viverem. Outro dia, eu estava comentando: “olha a maré está
cheia, olha só como a maré está cheia!”. Aí o outro professor falou: “Professora, isso
é maresia”; então eu falei: “olha ta jogando muito a maresia”, aí o professor falou:
“não é maresia, a maresia é aquele pitiú que sobe” quando vem água grande, o rio está
cheio, isso é, olha tá enchendo, está vazante, está lançante, são saberes que vai te
dando um enriquecimento tão grande que você não vai entender agora, só mais tarde
[...].
Professora T: [...] aí eu não sabia como é que eles sobem na árvore do açaí, eu só
sabia que se batia o açaí, o manejo dele, como é que eles tiram do cacho o açaí, essa
vivência, a questão do conhecimento das embarcações, que elas não são todas iguais,
tem casquinho, tem a casqueta, tem a lancha, tem o barco, a canoa que eles chamam
de casqueta, a rabeta, barcos, para mim, passou do porte pequeno tudo era barco.
Coisas que eu aprendi com eles, muitas coisas eu aprendo com eles, às vezes eu sei
uma coisa, mas primeiro costumo perguntar antes de falar como eu sei para eles, eu
tenho que perguntar: “como é feito na sua casa isso”, aí eles me respondem e eu vou
avançando no diálogo com eles para poder aprender, e muitas outras coisas como as
frutas, têm frutas que eu sabia, mas eu não conhecia a questão do jambo, da manga, a
utilização do cacau, mexer com as plantas, por exemplo, esse trabalho com a horta eu
não sabia, eu aprendi quando eu vim para cá, sobre a terra, sobre o cuidar da terra, a
função de mexer a terra para dar oxigênio [...].
A fala das professoras demonstra que o espaço escolar possibilita novos conhecimentos,
o que fica claro quando a professora ‘A’ coloca: “[...] isso aqui, para mim, é um desafio todo o
dia e a gente precisa de desafio, nós educadores, professores, precisamos viver sempre
desafiados, sabe por quê? Porque o desafio faz você dá o teu melhor e, quando tu dás o teu
melhor, tu recebe, tu recebes conhecimentos, tu recebes trocas, que te faz refletir [...]”.
Uma constatação importante é que tais conhecimentos são armazenados diariamente no
repertório dos saberes do professor, passando a constituir uma experiência única. A professora
‘T’ retrata muito bem esse processo ao falar: “[...] coisas que eu aprendi com eles, muitas coisas
eu aprendo com eles, às vezes eu sei uma coisa, mas primeiro costumo perguntar antes de falar
como eu sei para eles, eu tenho que perguntar [...]”. A fala de ‘T’ destaca a partilha de saberes
com os alunos e com outros professores, caracterizando o saber da experiência por meio da
partilha entre seus pares, desenvolvendo, assim, o que Tardif (2005) define como uma relação
de exterioridade mantida pelas professoras em relação aos outros saberes que possuem, o que
faz com que valorizem os conhecimentos constituídos no espaço pedagógico ribeirinho.
Observa-se, na fala docente, que suas experiências na escola ribeirinha são bastante
ricas, confirmando a exterioridade em relação aos outros saberes, também o que, para Tardif
(2005), seria a objetividade da prática cotidiana da profissão docente por meio da representação
108
e valorização dos seus saberes experienciais, como ilustra, a seguir, a colocação das professoras
sobre os saberes necessários para se trabalhar na escola na Educação Infantil ribeirinha.
Professora A: O saber científico faz parte, você tem que ter para construir todo o teu
trabalho, para poder elaborar o seu plano de aula, o teu projeto, mas nada disso seria
viável se você não tivesse os teus valores, teus conhecimentos. Se você não tiver os
seus valores, os saberes humanos essa é a palavra, os saberes humanos para viver em
comunidade, que tanto Wallon fala a afetividade, o amor, o tocar, a maneira de falar,
tudo isso, até para você dar uma bronca numa criança da educação infantil ribeirinha
você tem que saber conhecer ela, porque senão ou tu a afastas de ti, ou tu procuras
deixá-la perto [...].
Professora T: “[...] é uma experiência única eu já tive outras experiências, mas a
escola Ribeirinha já me encantou, é totalmente diferente, eu não tenho vontade de
trabalhar numa escola urbana, não pretendo sair tão cedo da escola ribeirinha [...]”.
O que Tardif (2005) retrata é perceptível nas falas, os professores não rejeitam
totalmente os outros saberes, como os da ciência da educação, eles também são incorporados
em sua prática pedagógica, mas o espaço sociocultural da escola e a vivência com as crianças
ribeirinhas representam uma experiência única, um processo de aprendizagem que as
professoras exteriorizam em sua fala e na prática pedagógica.
5.3.2 As Metodologias Pedagógicas
Por meio das observações das atividades sequenciadas realizadas pelas professoras, foi
possível perceber uma organização didática envolvendo metodologias lúdicas a partir da
experiência docente na formação de crianças, como revela o registro de algumas atividades:
Professora A: Após a conversa informal na rodinha, a professora introduz a atividade
do dia a partir de um vídeo colocado no computador.
Crianças: “Professora você vai colocar o Pimpão?”.
Professora: “Sim, vocês adoram esse Pimpão”.
O vídeo retrata através da música do boneco “Pimpão”, noções de higiene e amizade.
As crianças participam com atenção, cantando e fazendo os gestos, com a professora
sempre reforçando os hábitos de higiene e amizade que as crianças devem ter.
Após o vídeo do Pimpão, a professora coloca o vídeo da páscoa, sobre a história de
Jesus, retratando que eles já haviam assistido ao vídeo. Sempre reforçando com as
crianças a história.
Após o final do filme da história de Jesus, algumas crianças pediram que a professora
colocasse o filme do patinho feio. A professora então respondeu:
- “Tudo bem, só um pouquinho, depois vamos fazer atividade”.
Após os vídeos, a professora direcionou a atividade a partir da história [...].
Professora T: Ao término da música, a professora passa a letra U (em uma ficha) para
que cada criança contorne a letra com o dedinho. Depois a professora fixa a letra U
na parede juntamente com as outras vogais que já estão fixadas na parede. Assim, a
professora distribui uma folha de papel a cada criança com o registro da letra U, papel
laminado vermelho para que as crianças cortem os pedacinhos para serem colados
contornando a letra U. Primeiramente a professora orienta o corte, sempre ressaltando
como pegar na tesoura, depois orienta como devem colar na letrinha os pedacinhos de
papel [...].
109
Como metodologias permanentes, as professoras se utilizam da roda de conversa, da
música, da contação de história e do estudo do nome da criança através de fichas, filmes infantis
e fichas didáticas. Diante dessas metodologias, percebeu-se que o saber da experiência se
apresenta como núcleo central da prática pedagógica, conhecimentos adquiridos ao longo de
sua formação pedagógica inicial, continuada e com seus pares, saberes que, para Tardif (2005),
são formados, retraduzidos de todos os outros saberes, “polidos” e submetidos às certezas
constituídas nas experiências da prática pedagógica. E isso foi identificado na fala das
professoras:
Professora A: [...] eu trouxe o meu computador para colocar os desenhos que eles
precisam, as cantigas, porque as crianças precisam conviver com desenhos, com as
cantigas de rodas, que fazem parte da rotina da Educação Infantil, e a gente vai
adequando o espaço que a gente tem, não é o cantinho de brinquedo ideal no momento,
mas é o que a gente tem, e eles adoram, traz uma alegria imensa, você já viu, eu penso
que poderia ser melhor, poderia, mas a gente está se esforçando [...].
Professora T: [...] no início, principalmente as crianças da manhã que são novos,
primeira vez na escola, há sempre a não aceitação o novo para eles às vezes causa
receio, não existe muito interesse, mas eu fui insistindo, a cada dia da semana eu trazia
uma coisa diferente, antes eles não se concentravam, quando eu via, eles estavam
conversando, brincando de outra coisa, se pegando... , hoje em dia, eu já consegui de
tanto estar trabalhando, estar tentando envolvê-los, aguçando a curiosidade, falando:
”olhem, vamos assistir...”, eu tentava comentar o vídeo para chamar atenção deles:
“olha que cor é o bichinho, o que ele está fazendo aí, quem sabe que bicho é esse,
sentem aqui junto comigo [...]”.
As metodologias constituídas na experiência docente são consideradas essenciais para
o trabalho com as crianças, o que foi retratado pela professora ‘A’, quando esta coloca: “[...] eu
trouxe o meu computador para colocar os desenhos que eles precisam (metodologia: utilização
de vídeos), as cantigas, porque as crianças precisam conviver com desenhos, com as cantigas
de rodas, que fazem parte da rotina da Educação Infantil [...]”. A certeza da importância da sua
metodologia caracteriza o saber experiencial e prático de sua atuação.
Esse saber também exige que a professora consolide estratégias para o enfrentamento
dos desafios na utilização de suas metodologias pedagógicas, um deles é a aceitação da criança,
como foi retratado pela professora ‘T’: “[...] antes eles não se concentravam (metodologias:
filmes, música), quando eu via, eles estavam conversando, brincando de outra coisa, se pegando
[...]”. Sendo assim, as metodologias utilizadas pelas professoras, constituídas por meio de suas
experiências, caracterizam sua maneira própria de ensinar, reafirmando o domínio de sua
prática pedagógica.
Cabe ressaltar que esses conhecimentos, por estarem relacionados ao objeto de trabalho
docente, a criança, segundo Tardif (2005), manifestam um componente emocional, por se tratar
de seres humanos, favorecendo uma prática docente de cunho afetivo e emocional, baseada em
110
emoções, afetos, voltada muito mais para o atendimento à criança a partir dos seus temores,
suas alegrias, como também seus próprios bloqueios afetivos.
Enfim, ensinar na escola ribeirinha exige que os professores façam escolhas e muitas
delas dependem da experiência deles a partir dos conhecimentos necessários para se ensinar na
Educação Infantil e de suas representações em relação à necessidade de aprendizagem da
criança ribeirinha.
5.3.3 A Construção de Saberes
Com base em Pimenta (1996), compreende-se que o exercício da profissão docente é
prático, ou seja, para o exercício da profissão é necessário conhecer, experimentando para
adquirir experiências. Trata-se, na verdade, de um conceito estabelecido nos primórdios das
pesquisas levantadas sobre os saberes necessários para a docência, referendadas anteriormente
neste estudo. Porém, cada contexto escolar vivenciado pelo professor fornece novos
conhecimentos, que valorizam sua atuação diante de novas propostas de ensino.
Para Tardif (2005, p. 51), “a experiência fundamental tende a se transformar, em
seguida, em macetes da profissão, em habitus, em traços da personalidade profissional”. Nos
trechos das falas abaixo, as professoras revelam suas formas de aprendizagem no contexto
escolar ribeirinho:
Professora A: O vocabulário ribeirinho é encantador, os significados que tem, a
cartografia deles, outro dia a gente estava até conversando (entre os professores da
escola) de construir um dicionário sobre todos esses significados dessas falas deles,
da cultura [...], linguajares ribeirinhos, todo esse conhecimento eu adquiri e pretendo
levar para minha prática pedagógica, é uma cultura, porque cada palavra, cada
linguajar tem o seu significado que a gente nem fazia ideia, ter um dicionário
ribeirinho com os seus significados, a palavra e o significado isso é muito legal, isso
já entrou para o meu currículo [...].
Professora T: [...] o conhecimento da criança, a oportunidade de conversar com elas,
sobre a realidade delas, porque o que elas trazem é muito rico, porque o que elas
trazem para cá é a vivência delas, você tem que conhecer, pois é muito diferente da
nossa, depois é o conhecimento da experiência delas, o conhecimento da realidade é
muito mais importante do que tudo aquilo que você aprende na faculdade, porque às
vezes a gente estuda uma coisa, escuta uma coisa, mas, quando chega à realidade, é
totalmente diferente. Claro que o que você aprende é muito importante, vai ser a base,
mas o que você aprende na sala de aula com eles é mais importante, aí você vai
adaptando aquele conhecimento que você adquiriu com a realidade deles [...].
O diálogo com as professoras revelou conhecimentos que, em suas concepções,
possuem um valor significativo para a prática do professor de escola ribeirinha, identificado no
momento que é reforçado em suas falas, como em “[...] ter um dicionário ribeirinho com os
seus significados, a palavra e o significado isso é muito legal, isso já entrou para o meu currículo
111
[...]” e “[...] porque o que elas trazem é muito rico, porque o que elas trazem para cá é a vivência
delas, você tem que conhecer, pois é muito diferente da nossa [...]”. Os conhecimentos
apreendidos, portanto, apresentam um destaque principal na hierarquia de valor diante dos
conhecimentos que o professor já possui, valorizando assim sua experiência enquanto docente
na escola ribeirinha, que, segundo Tardif (2005), é feita das e nas relações estabelecidas com
os alunos, constituindo um espaço de validação de novos saberes que direcionam a competência
da docência.
A experiência, nesse sentido, promove o que Tardif (2005, p. 53) conceitua como
tomada crítica da consciência, “uma necessidade de refletir, filtra, selecionar, saberes
retraduzidos e submetidos ao processo de validação constituído na prática cotidiana”. Diante
disso, a experiência docente promove uma pluralidade de saberes que são envolvidos pelo
espaço cultural, validados na prática pedagógica (as metodologias) e que constituirão novos
saberes nas relações estabelecidas com o contexto social da escola e com as crianças,
compreendendo o que Tardif (2005) define como a heterogeneidade de saberes, promovida pela
prática pedagógica.
De acordo com as pesquisas de Tardif (2005), os professores utilizam, na prática
pedagógica cotidiana, conhecimentos práticos provenientes do espaço vivido, dos saberes do
senso comum, não aplicando técnicas provenientes das ciências ditas positivas, mas, sobretudo,
dos conhecimentos comuns, dos saberes do cotidiano, envolvendo a linguagem natural, o que
diz respeito à valorização da constituição de novos conhecimentos na Educação Infantil da
escola ribeirinha. A seguir, a sistematização dos saberes experienciais.
Quadro 9 – Sumarização dos Saberes Experienciais
Espaço Cultural Partilha de saberes; sobreposição a outros
saberes.
Metodologias
Roda de conversas; música; contação de
histórias; fichas com o nome; fichas
didáticas (núcleo central da prática
docente; saber experiencial e prático).
Construção de Saberes Vocabulário; vivências; cultura (tomada
crítica da consciência). Fonte: Elaborado pela autora.
Sendo assim, os saberes experienciais se apresentam como o núcleo de todos os outros
saberes que também transportam a personalidade das professoras diante da sua maneira de
ensinar. Fato este que só reforça o desenvolvimento de propostas de formação docente a partir
do reconhecimento da prática pedagógica enquanto produtora de saberes.
112
Enfim, cabe destacar que os saberes docentes retratados na prática pedagógica das
professoras de Educação Infantil da escola ribeirinha apresentam o que Tardif (2005) considera
como uma amálgama de diferentes saberes provenientes de fontes diversas, referendadas nesta
pesquisa, e constituídos a partir da necessidade de sua atividade profissional, o que dificulta
uma classificação exata dos saberes docentes de acordo com os critérios de condições de um
determinado contexto escolar.
No entanto, é possível registrar uma proximidade entre definições de saberes docentes
e a realidade concreta, o que possibilitou identificar tais saberes no desenvolvimento da prática
das professoras da Educação Infantil ribeirinha a partir do envolvimento significativo entre os
conhecimentos da tradição pedagógica, que definem suas concepções de criança, de Educação
Infantil e de Educação do Campo, e a consolidação dos saberes experienciais, como
decorrentes, em grande parte, de práticas pedagógicas significativas em sala de aula e que estão
presentes na condução e no planejamento das atividades propostas, isso porque o professor
enfatiza os saberes da experiência como essenciais para o desenvolvimento de sua prática
pedagógica.
Tendo em vista que a formação continuada ofertada a essas professoras não consegue
partir de dentro do contexto, elas não se sentem parte do processo, o que foi comprovado nas
pesquisas de Tardif (2005) e Gauthier et al. (2013). Tal fato reafirma a necessidade proposta
por Tardif (2005) de considerar as experiências vivenciadas ao longo da trajetória docente como
fonte de aquisição de saberes decisivos para a construção da identidade profissional do
professor, assim o saber experiencial adquire um peso importante na prática pedagógica do
professor de crianças ribeirinhas.
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na realização do estudo, pretendeu-se analisar os saberes docentes revelados no
desenvolvimento da prática pedagógica a partir da inserção do professor de Educação Infantil
no espaço escolar ribeirinho, o que se deu por meio da identificação dos saberes articulados nas
estratégias utilizadas para o desenvolvimento da prática pedagógica e da compreensão do
contexto escolar e cultural onde está inserida a escola com intuito de discorrer sobre os saberes
que acompanham a prática pedagógica do professor de crianças de escola ribeirinha.
O campo imenso e complexo das pesquisas sobre os saberes da docência exigiu um
desempenho expressivo da pesquisadora na análise de tais saberes devido à variedade de
aquisição e valorização de saberes por parte do professor no desenvolvimento de sua prática
pedagógica. Dessa forma, o recorte teórico elencado para essa pesquisa permitiu a articulação
e ampliação de conhecimentos em relação aos saberes docentes inseridos na prática pedagógica
das professoras e referendados a partir do resultado da relação que estabelecem com a escola
ribeirinha, tendo como foco principal para a análise os sujeitos inseridos nesse contexto escolar
diferenciado.
O desafio imposto pela pesquisa, em caracterizar os saberes docentes, levou à escolha
da análise do conteúdo para a interpretação dos resultados a partir de eixos temáticos. Assim,
buscou-se selecionar os saberes em maior evidência na prática pedagógica por meio de um olhar
minucioso, pois as professoras não atuam sozinhas, são envolvidas pelas crianças, por suas
adversidades e pela condição de espaço, tempo e recursos para o desenvolvimento de sua prática
pedagógica. Suas ações, em sala de aula, revelaram saberes que respaldam a sua prática sem o
envolvimento de uma formação continuada específica para a Educação Infantil ribeirinha, o
que nos deu referência para pensar sobre a essência do saber docente que direciona o processo
educativo da criança em tal contexto.
No decorrer da investigação, portanto, confirmou-se a necessidade de pensar as escolas
ribeirinhas como espaços com características peculiares, que, mesmo estando localizadas nas
proximidades da região metropolitana de Belém, mantêm viva sua cultura, seus saberes, em um
cotidiano insular marcado pelos rios que contornam a região e que necessita de políticas
públicas e educacionais que atendam às necessidades das crianças ribeirinhas.
Nesse sentido, voltando-se o olhar para as professoras de Educação Infantil, identificou-
se que elas adentram a docência ribeirinha com saberes provenientes de sua formação, porém
entram em choque com os desafios apresentados pela complexidade do contexto escolar. Sendo
assim, a partir dos recursos investigativos e com base nas análises feitas, algumas considerações
114
foram realizadas sobre as possibilidades do professor frente ao desenvolvimento de seus
saberes, em relação a sua prática docente, suas impressões referentes ao contexto escolar do
qual faz parte e em relação às contribuições do processo formativo.
Primeiramente, as práticas docentes das professoras se apresentaram por uma
singularidade própria, envolvendo saberes que justificam sua prática em sala de aula a partir de
suas possibilidades. As professoras, ainda que de posse de uma mobilização de saberes que
atuam de forma articulada, estabelecem em maior intensidade os que consideram necessários e
possíveis para o desenvolvimento de suas atividades em sala de aula.
Dessa forma, foi necessário, para uma maior compreensão da mobilização desses
saberes, a seleção dos três eixos de análise, tais sejam os saberes da tradição pedagógica, os
saberes da ciência da educação e o saber experiencial, visando à interpretação dos saberes
docentes identificados, partindo-se do princípio que os mesmos são constituídos na trajetória
de formação do professor e afetados por um contexto educacional proposto para que a criança
incorpore um currículo por meio de conteúdos, algumas vezes, desvinculados da realidade de
diferentes contextos.
As professoras investigadas revelaram uma prática sincronizada independentemente do
espaço escolar em que atuam. A pretensão não foi realizar a comparação entre as duas práticas
pedagógicas, e sim identificar os saberes comuns em destaque no desenvolvimento das mesmas
nos dois espaços escolares localizados na ilha do Combu em Belém, selecionados como campo
de pesquisa. Não foi simples a tomada de decisão sobre a caracterização de tais saberes, a partir
do recorte teórico que envolveu os encaminhamentos da pesquisa, no entanto, foi possível
apontar algumas considerações coerentes e sistemáticas a partir dos estudos realizados.
Dessa forma, observou-se que as professoras refletem as tradições pedagógicas
constituídas nas estratégias de aprendizagem utilizadas, na utilização de recursos, assim como
na organização do espaço pedagógico, que também direciona sua rotina diária em sala de aula.
Chegou-se a essa conclusão devido às professoras justificarem essas ações como apreendidas
em outros contextos, experiências que ficaram acumuladas antes mesmo de adentrarem o
espaço escolar ribeirinho, revelando também um ideal de escola, uma escola padrão, sem
considerar o contexto. Tendo em consideração o exposto, as crianças, segundo as professoras,
necessitam de tempo para se adaptarem às estratégias, pois os seus interesses, no início do
período letivo, ainda são voltados para o seu contexto cultural.
As estratégias de aprendizagens repetitivas são utilizadas na tentativa de estabelecer o
interesse das crianças, no entanto é importante reconhecer a sensibilidade das professoras em
relação a elas e seus saberes, o que faz transparecer um fator potencial na sua aprendizagem,
115
pois, no contexto da Educação Infantil, essa organização, por meio de valores e práticas
repetitivas, poderá ser o ponto de partida para todo o seu processo educativo, de modo que o
processo de formação continuada para o professor do campo venha ao encontro da valorização
da prática docente, do que tem sido feito e do porquê tem sido feito, com o viés crítico do
currículo desenvolvido na escola ribeirinha, pondo em evidência as realidades que a
condicionam.
Os saberes das professoras sobre a criança, a Educação Infantil e a Educação do Campo
revelaram o referencial de sua atuação, recaindo numa prática pedagógica desarticulada da
concepção da criança enquanto ser histórico-social, que precisa ser cuidada, amada, orientada
dentro de um espaço educativo com qualidade de atendimento por meio de espaços necessários
para o envolvimento da aprendizagem na Educação Infantil. Esses saberes movimentam as
práticas das docentes, contribuindo para o estabelecimento de critérios para as suas ações, na
escolha do conteúdo ministrado, também para a atenção direcionada e objetivos de sua prática
pedagógica.
E, diante do aspecto citado, cabe ressaltar que as professoras oscilam no direcionamento
de sua prática pedagógica, em alguns momentos, desenvolvida sob uma visão assistencialista
de atendimento a infância e, em outros, sob a necessidade de articulação do contexto social com
a dinâmica da aprendizagem, pondo em risco seus conhecimentos sobre a especificidade da
Educação do Campo consequentemente do contexto sociocultural da escola que se alimenta
desse conhecimento.
Essa mobilização de saberes pelo professor reflete uma formação pontual, sem uma
articulação com a prática docente cotidiana ofertada pela Coordenadoria do Campo, da
Secretaria de Educação, envolvida por temáticas educacionais generalistas acerca do
conhecimento do campo educacional, as quais se configuram como insuficientes perante as
novas exigências educacionais da Educação do Campo. Isso tudo remete à necessidade de uma
formação continuada para a Educação Infantil ribeirinha, uma que favoreça um repensar sobre
os modos de fazer docente, as suas concepções de criança e infância, sobre os pressupostos de
uma Educação do Campo e as formas de ensinar/aprender dentro de um contexto naturalístico,
isto é, um processo formativo que se alimente de um pensamento educacional que parta da
dinâmica formadora das propostas de educação para o campo, especificamente para as escolas
ribeirinhas na Amazônia.
Entretanto, percebe-se o quanto as professoras valorizam suas experiências
pedagógicas, tanto as experiências acumuladas em sua atuação profissional, que fortalecem o
enfrentamento dos desafios impostos pela realidade sociocultural da escola, como as
116
experiências acumuladas enquanto profissionais da Educação Infantil de escolas ribeirinhas.
Esses saberes experienciais servem de base, ponto de partida para suas ações pedagógicas,
movimentam e modificam sua prática, a organização e o planejamento de projetos pedagógicos,
ou seja, as relações que são estabelecidas junto às crianças. Assim, muitas práticas significativas
são produzidas pelos saberes apreendidos com a cultura local, enquanto outras são mantidas,
impulsionadas pelo reservatório de saberes docentes, baseadas na crença de que a criança
ribeirinha precisa conhecer o mundo fora da sua comunidade, o novo, outros saberes, outras
tecnologias.
Tais questões são fundamentais para se pensar em propostas formativas em que seja
possível relacionar os conhecimentos científicos com os saberes experiências reproduzidos e
constituídos pelo professor no momento de sua prática pedagógica, pois o professor é agente
de saberes, ser que pensa e reflete sobre o seu cotidiano de trabalho.
Nesse sentido, tentar compreender o porquê do desenvolvimento da prática docente na
Educação Infantil de escolas ribeirinhas com evidências aos saberes experienciais decorre da
percepção da necessidade de uma articulação entre a formação docente promovida pela
Secretaria de Educação e as necessidades da Educação Infantil ribeirinha, pois nela se identifica
a dificuldade de consolidação de uma proposta de Educação do Campo para as escolas
ribeirinhas em Belém, a ineficiência de um espaço apropriado para o desenvolvimento
educativo das crianças e, acima de tudo, a ausência de uma valorização profissional e de
condições de trabalho para os professores que ali atuam.
É importante esclarecer também que a diversidade de crianças, do contexto cultural, a
singularidade da região, as dificuldades de formação continuada, de recursos pedagógicos, de
condições de trabalho, de políticas públicas focadas na educação ribeirinha e de ausência de
valorização profissional influenciam diretamente na tomada de decisões das professoras para o
desenvolvimento da sua prática pedagógica, de modo que os saberes docentes, identificados no
decorrer da pesquisa, são revelados por meio do que é possível fazer no desenvolvimento da
rotina infantil, no cuidado do professor com o bem-estar da criança, no estabelecimento de
regras de boas maneiras, na socialização de conhecimentos novos, na articulação da oralidade,
do mundo que elas não dominam. Portanto, as professoras direcionam sua prática pedagógica
retratando seus saberes da tradição pedagógica, de suas concepções sobre a criança, Educação
Infantil e Educação do Campo, consolidando seus saberes experienciais como a base de todo
esse processo, conforme se inserem no espaço escolar e enfrentam os desafios apresentados
pelo contexto.
117
Dessa forma, considerando a importância da formação continuada para o processo de
reflexão docente sobre a sua prática pedagógica, e em relação à importância de uma proposta
de Educação Infantil do campo numa perspectiva histórico-social da criança, este estudo trouxe
à tona a necessidade de se pensar sobre que escola se quer para as crianças ribeirinhas, na
urgência de um espaço acolhedor realmente de qualidade, que envolva todos os aspectos em
relação às peculiaridades da região, como o tempo, o espaço para a aprendizagem e o acesso
das crianças com segurança a ele. Isso tudo exige um olhar diferenciado das políticas
educacionais para as escolas localizadas em regiões ribeirinhas, além de propostas de formação
docente que contribuam para a formação inicial e continuada desses profissionais, ressaltando-
se que estas devem estar articuladas aos saberes docentes, visando um atendimento educacional
de qualidade, uma vez que os professores são protagonistas de todo o processo, porque são
articuladores de saberes, autores de sua própria prática pedagógica.
Sendo assim, a pesquisa deixa como contribuição a ampliação dos estudos em relação
aos saberes docentes que regem a prática pedagógica, também o direcionamento para o
necessário cumprimento de políticas públicas municipais fundamentais para a consolidação de
uma proposta educacional de fato para as escolas ribeirinhas belenenses. Em relação à formação
docente, o estudo orienta para que essa ocorra ancorada nos saberes docentes, por meio da
reformulação das propostas da Educação do Campo articuladas à escola e à comunidade, bem
como pela atualização científica, a utilização de recursos adequados, o uso de metodologias
contextualizadas em torno da ampliação dos conhecimentos pedagógicos dos professores que
atuam em contextos escolares ribeirinhos.
Portanto, o que se defende e acredita é que somente dessa forma é possível pensar a
formação docente do professor de crianças ribeirinhas: como uma das ações para o alcance dos
objetivos propostos pela Educação do Campo. Dessa maneira, será possível estabelecer uma
educação que tenha como foco principal o atendimento educacional de qualidade da criança
ribeirinha, enquanto sujeito histórico-social e cidadã de direito, por meio de diferentes práticas
pedagógicas, consequentemente traduzindo a diversidade dos movimentos culturais e sociais
da região Amazônica.
118
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122
APÊNDICES
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA
Este roteiro de entrevista tem por objetivo geral analisar os saberes docentes revelados
na prática pedagógica do professor da Educação Infantil da escola ribeirinha a partir da sua
inserção no espaço escolar ribeirinho, que apresenta uma diversidade de identidades cultural,
social e política peculiar da região amazônica.
1º Momento: dados gerais do professor (a):
Nome:
Tempo na docência:
Tempo na docência na Educação Infantil:
Formação Profissional (graduação, pós-graduação):
Tempo de atuação na escola ribeirinha:
Tempo de atuação na SEMEC: ( ) Efetivo ( ) Contrato
Como se deu seu ingresso nessa escola?
Para você, o que era uma escola ribeirinha/do campo? E hoje o que é?
O que é Educação Infantil? Para você há diferença entre escola infantil urbana e do
campo? Por quê
Para você, quais os princípios da Educação Infantil ribeirinha/escola do campo?
Identificar as estratégias utilizadas pelos professores na articulação de saberes
para o desenvolvimento de sua prática pedagógica.
1. Para você, há uma articulação da realidade cultural da criança ribeirinha com as
estratégias de aprendizagem utilizadas no espaço escolar? Como?
2. Você constrói recursos pedagógicos para facilitar o desenvolvimento de sua prática na
sala de aula? Como? Há participação da criança? Exemplifique:
3. Você organiza o ambiente escolar da sala de aula da Educação Infantil para a realização
das atividades pedagógicas com as crianças? Como?
Compreender em que contexto escolar e cultural se dá o desenvolvimento do saber
docente.
1. De que forma o contexto sociocultural da comunidade ribeirinha contribui para a
realização das atividades propostas?
2. Como você descreve as crianças ribeirinhas com as quais você trabalha na sala de aula?
3. Você recebeu orientações iniciais para realizar seu trabalho?
4. Que orientações você daria ao professor que chega para desenvolver atividades na
Educação Infantil ribeirinha? Por quê?
123
5. Que saberes você acha necessário para ser professor de crianças neste espaço
sociocultural?
Refletir em torno dos saberes docentes articulados na prática do professor de
crianças ribeirinhas, a partir de sua interação sociocultural na comunidade escolar.
1. Que saberes você utiliza para desenvolver sua prática pedagógica?
2. Como estes saberes são articulados para uma participação significativa da criança nas
atividades de sala de aula?
3. Que conhecimentos você adquiriu em sua atuação pedagógica com crianças da
Educação Infantil ribeirinha?
124
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO/ TURMA 2016 -12
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, ________________________________________________________________,
portador (a) do RG:_________________________, estou ciente do convite para participar da
pesquisa de mestrado intitulada: “Saberes docentes e a prática pedagógica na Educação Infantil
ribeirinha”, sob a coordenação da pesquisadora Professora Lúcia Cristina Azevedo Quaresma,
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED da Universidade do Estado do
Pará. Fui informado (a) que esta pesquisa objetiva: analisar os saberes docentes presentes na
prática pedagógica a partir da inserção do professor da Educação Infantil no espaço escolar
ribeirinho, de modo a identificar as estratégias utilizadas pelos professores na articulação de
saberes para o desenvolvimento de sua prática pedagógica; compreender em que contexto escolar
e cultural se dá o desenvolvimento do saber docente e refletir em torno dos saberes docentes
articulados na prática do professor de crianças ribeirinhas, a partir de sua interação sociocultural
na comunidade escolar. Fui informado (a) também que a realização de tal pesquisa se justifica pela
necessidade da articulação do saber docente na formação pedagógica do professor, o saber docente
tão necessário para o desenvolvimento de práticas pedagógicas significativas para a criança, pois
é ele, o professor, que encara a realidade da escola ribeirinha, reconstrói saberes em respeito à
criança como um ser histórico-social. Meu envolvimento com essa pesquisa consistirá em
colaborar com as observações do pesquisador perante minha prática pedagógica, bem como com
as entrevistas a serem realizadas sobre a minha trajetória pedagógica de formação e atuação
profissional. Permito ser entrevistado (a) e concordo com a gravação de minha entrevista para uso
exclusivamente acadêmico-científico. Fui informado (a) que minha participação é voluntária,
estando à vontade para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento e em
qualquer situação, anulando o presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A minha
recusa em participar não envolverá prejuízos ou comprometimentos com a pesquisadora ou com a
instituição responsável. Fui informado (a) que a pesquisa envolve riscos mínimos relacionados às
emoções que toda lembrança pode provocar nas pessoas. Fui informado (a), também, que os
possíveis benefícios esperados referem-se ao meu compromisso com o direito de todos à escola.
Estou ciente que o acompanhamento da pesquisa será feito pelo pesquisador e pelo seu professor
orientador, que assinam este Termo, a partir do registro no diário de campo da minha prática
docente e a partir da realização de entrevistas registradas e gravadas em um gravador. Fui
informado (a) que poderei solicitar esclarecimento antes e durante o curso da pesquisa a respeito
dos procedimentos necessários para o presente estudo. Concordo e aceito que as informações e
resultados obtidos por meio dessa pesquisa poderão se tornar públicos, mediante a publicação de
relatórios e trabalhos científicos, desde que minha identidade não seja revelada. E que os dados
coletados serão tratados de forma sigilosa, assegurando o anonimato e a não identificação dos
participantes. Fui informado (a) e estou ciente que não será oferecido ressarcimento financeiro,
uma vez que a presente pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade
do Estado do Pará, como requisito para título de Mestre em Educação, não implicando em gastos
extras para a minha participação. Estou ciente que deverei receber uma cópia deste Termo, no qual
deverá constar o nome, o telefone e o email da pesquisadora para que eu possa tirar eventuais
dúvidas sobre o projeto, além do nome, telefone e email da professora orientadora desta pesquisa.
125
Fui informado (a) que poderei solicitar tais esclarecimentos a qualquer momento ou em qualquer
fase da pesquisa.
Professora Pesquisadora Lúcia Cristina Azevedo Quaresma
Contatos: (91) 999941838 / [email protected]
Orientadora: Prof. Dr. Tânia Regina Lobato dos Santos
Contatos: (91) 999829447 / [email protected]
Declaro que entendi os riscos e benefícios da minha participação na pesquisa e concordo
em participar.
Belém, ______ de __________de 2017.
________________________________________
Assinatura do Colaborador (a) da pesquisa
RG:_____________________________________
126
APÊNDICE C - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
1- Observar o espaço escolar.
a) Ambiente acolhedor para o desenvolvimento das atividades;
b) Condições de conservação da escola;
c) Espaços pedagógicos diferenciados (Biblioteca; área de lazer;
brinquedoteca, etc.)
2- Rotina da Sala de aula.
a) Acolhida com as crianças;
b) Organização do espaço da sala de aula;
c) Ambiente estimulador para a aprendizagem;
d) Recursos utilizados no desenvolvimento das atividades;
e) Planejamento Pedagógico (as atividades articuladas estão de acordo com o
planejamento pedagógico? Seguem uma sequência lógica?).
3- Participação das crianças nas atividades.
a) Como a professora envolve a atenção das crianças para a atividade
desenvolvida?
b) Todas as crianças participam das atividades?
c) Como a professora direciona a participação da criança que não interage na
dinâmica da aprendizagem?
d) Quais as atividades desenvolvidas pela professora mais despertam o
interesse das crianças?
e) Como a professora age diante das dificuldades das crianças?
4- A Linguagem Pedagógica no desenvolvimento das atividades docentes.
a) A linguagem utilizada pela professora está de acordo com a faixa etária da
criança?
b) A professora considera a linguagem da criança no desenvolvimento de suas
atividades?
c) A professora articula novas linguagens no cotidiano da criança?