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Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9. Revista Linha D'Água número 9.

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Linha D'Água, n. 9, p. 1, abril 1995

Linha de Frente

Linha d'Água volta a dialogar com seus leitores, mantendo, no número nove, a mesma organização do volume precedente

Na entrevista desta edição, João Alexandre Barbosa apresenta um triplo depoimento: como docente de Teoria Literária e Literatura Comparada, como presidente da EDUSP e como Pró-reitor de Cultura e Extensão.

Os ensaios— centrados na obra de Alvares de Azevedo e Mário de Andrade— introduzem uma novidade: são complementados por sugestões de exercícios em sala de aula.

No texto traduzido, Harmut Eggert trata da leitura, da socialização literária e de questões relativas à estética da recepção.

Nos relatos de experiência, a palavra está com língua e literatura estrangeiras.

O projeto que pesquisa o ensino dé Língua Portuguesa, já apresentado no número anterior, amplia-se de modo aprofundado.

São três as resenhas: a terceira e última parte da bibliografia sobre literatura infantil; a análise de uma obra sobre o poeta Vinícius de Morais; e o comentário de ensaio sobre a argumentação.

Como fecho, inéditos de dois docentes-poetas.

Participe! Divulgue Linha d'Água. Escreva para a redação, fazendo comentários e dando sugestões.

Equipe Editorial

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Entrevista Linha D'Água, n. 9, p. 3-22, nbr. 1995

Entrevista

Entrevista do Professor João Alexandre Barbosa a Linha d’Água’

Linha DÁgua (L.D.'); Professor, já que no princípio era o verbo, como foi seu primeiro contato com as letras, sua formação como leitor, a paixão pelos livros?

João Alexandre Barbosa (J.A.B): Tive uma educação primária muito singular. Fiz o primário em casa, com preceptora. Só fui fazer exame de admissão para o ginásio: colégio de jesuítas. E preciso dizer que sou de família privilegiada, de Recife. Na minha casa, embora meu pai não fosse homem de letras - ele era comerciante, empresário - nós tínhamos muitos livros. Eu ia lendo tudo o que queria... de Literatura, Filosofia, História... Por isso, sempre imaginei que iria fazer alguma coisa na área de Humanidades, Comecei o curso de Direito para ser diplomata. Tive que abandonar essa idéia porque meu pai faleceu, enfim,surgiram complicações que me fizeram mudar os planos. Quando comecei a fazer Direito comecei também a lecionar porque, naquele tempo, para fazer Direito era preciso estudar literatura: brasileira, francesa. Escolhi francês: tive, em casa, professora de francês durante toda a adolescência. Escrevia, lia e falava francês normalmente, como português. Fiz o vestibular para o francês e, quase imediatamente, tomei-me professor, num curso ligado à Faculdade de Direito, para candidatos a essa Faculdade. Então, aos 18.anos, era professor de literatura francesa e tive muitos alunos da mesma idade que eu e até mais velhos. O resultado é que hoje estão aí na política, e alguns são pessoas famosas: vereadores, ministros,... Um deles foi até candidato à presidência da República, o Roberto Freire. Um outro é o deputado Ricardo Fiúza, outro ainda é o Marco Antônio Maciel. Ao mesmo tempo que ia ensinando literatura francesa, pouco depois também literatura brasileira, eu ia procurando ler cada vez mais, para ensinar bem, para ensinar com rigor, com responsabilidade. Lia e anotava fichas. E a partir dessas fichas fui fazendo textos para jornais. Ou seja, muito cedo comecei a ensinar e escrever como leitor, antes de mais nada, leitor que escreve para registrar suas impressões de leitura.

L.D.: Que gênero, professor, resenhas ou artigos?

* Entrevista concedida em 23 de setembro de 1993 a Linlia d’Água que esteve representada por: Maria Elena Ortega Assunção, Norma Goldstein e Otacília de Freitas Teixeira França. Na ocasião da entrevista, além de professor de Teoria Literária e Literatura Comparada, o Professor João Alexandre era também Presidente da EDUSP e Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária.

Entrevista Linha D'Água, n. 9, p. 3-22, abr. 1995

J.A.B.: Mais artigos gerais do que resenhas. Terminando o curso de Direito, fui encarregado de fazer uma sessão de crítica, no diário Jornal do Comércio do Recife. Durante quase dois anos, toda semana, eu publicava um rodapé de crítica. Às vezes era resenha, outras vezes idéias gerais. Por exemplo, eu escrevia sobre Camus e, ao mesmo tempo, escrevia sobre João Antônio, que estava começando na época, ou o Dalton Trevisan...

L.D.: Em que época estamos aqui?

J.A.B.: Inicio da década de 60, quando terminei Direito e decidi que não seria advogado. Seria professor. Foi uma decisão muito importante para mim... Em 1960 houve o I Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, em Recife. Foi famoso porque nele estavam presentes Sartre, Simone de Beauvoir e muitos intelectuais brasileiros. No ano seguinte, em 1961, houve o II Congresso aqui em São Paulo, em Assis, e neste apresentei o trabalho: “História da Literatura Brasileira e Literatura Brasileira". Na verdade, era uma leitura de A Formação da Literatura Brasileira do Antonio Cândido, de 1959. Resolvi fazer um trabalho de como se apresenta a história da literatura, sobretudo do ponto de vista de um leitor que acabara de ler essa obra. Mas eu não conhecia o Antônio Cândido, nem pessoalmente, nem por carta. Eu o conhecí nesse Congresso. Tinha 24 anos, e ele deveria ter uns 48. Foi muito curioso. Apresentei o trabalho - o relator foi o Wilson Martins, que, embora me dissessem que era o “cão", fez um belo relatório, - mas Antônio Cândido não estava presente. No dia seguinte, no auditório, uma pessoa bateu nas minhas costas. Era ele; apresentou-se e disse: “Queria te dizer que não estive presente à apresentação do teu trabalho porque você fala tão bem de A Formação... que eu iria ficar envergonhado... Mas vamos sair e conversar um pouco". Saímos e ficamos andando por Assis. Daí por diante, foi uma amizade firme. Ficamos nos correspondendo. Em 62, no III Congresso, na Paraíba, mais vez nos encontramos. Na ocasião, ele me convidou para vir para São Paulo, trabalhar em Teoria Literária e Leitura Comparada que ele havia recém criado aqui na Universidade. Disse a ele que não, que as circunstâncias, em Recife, eram boas e que, pelo contrário, eu queria criar a Teoria Literária lá. Fui eu quem criou a Teoria Literária naquela Universidade, em cima de documentos que o Cândido me enviou, que conservo até hoje e considero muito interessante. Esse documento é único, está escrito à maquina, em papel-jomal, e eu o conservo porque é importante conhecer as origens da Teoria Literária aqui na Universidade de São Paulo. Usei os argumentos do Cândido e consegui criá-la lá.

L.D.: Criou-a como disciplina ou departamento?

J.A.B.: Como disciplina de graduação. Antes, só havia Introdução aos Estudos Literários. Hoje é um Departamento completo, com pós-graduação, etc. Me4

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ajudou muito, para essa criação, o fato de que naquela época eu já escrevia, já era conhecido, e isso que permitia que o que a gente tentasse fazer fosse respeitado. Comecei a ensinar Teoria Literária na Universidade do Recife, mas durou pouco tempo. No início de 64, em Abril, eu e o meu amigo, Sebastião Uchôa Leite, que dirigíamos o “Suplemento Literário" onde eu tinha minha coluna, fomos obrigados a deixar o jornal. Obrigados, quer dizer, decidimos, porque o jornal passou a ser censurado pela redação, em fiinção do golpe de 64. Aí a coisa complicou para o meu lado e me lembrei do convite do Cândido, que eu não aceitara. Resolvi vir para São Paulo, estive com ele rapidamente na Maria Antônia e disse: “Olha, se aquele convite estiver de pé, eu venho". Respondeu: “Está, mas há um problema: eu vou para Paris. Temos que dar um jeito: você vai para algum lugar enquanto eu vou para Paris; quando eu voltar, você vem para cá". E aí fui para a Universidade de Brasília, passar o ano de 65. Esperava ficar mais, mas a Universidade foi tomada pelo Exercício e eu e a minha mulher fomos demitidos. Só há três anos atrás é que fomos anistiados. Em 66, voltei para Recife. Foi um ano terrível, recuperei meu lugar, mas “sob suspeita". Em fins de 66 vim para cá, o Antônio Cândido já voltara de Paris e começou então a tentar conseguir um contrato para mim, em Teoria Literária e Literatura Comparada, que era a disciplina dele. Não foi nada fácil! Mas consegui uma coisa extraordinária para a época: uma bolsa de doutoramento da FAPESP, uma das primeiras em Literatura. Fiquei fazendo minha tese, sobre a herança crítica de José Veríssimo. Aliás eu e o Antônio Cândido brincávamos um pouco com isso. Como ele era formado em Ciências Sociais e a tese que garantiu a ele entrar na área de literatura foi sobre o Sílvio Romero, ele dizia: “o Romero foi o meu álibi, o Veríssimo vai ser o seu". Quer dizer, o álibi para pessoas não formadas em Letras poderem adentrar a área de Literatura. E foi verdade, pois meu contrato da USP para tempo integral só saiu em 69. Aliás quem conseguiu o dinheiro, a vaga que me permitiu ser contratado foi o professor José Aderaldo Castello. Por isso, digo sempre que entrei pelo coração dq Cândido e pelo bolso do Castello. Minha tese já eslava muito adiantada, vinha trabalhando nela desde 65. E em 70, defendi-a. Aliás, foi o primeiro doutoramento em Teoria Literária, no Brasil, como ressaltou Alfredo Bosi, membro da Banca. Orientada pelo Cândido, não foi: foi pela Onédia mas a Onédia estava inscrita em literatura inglesa. Na verdade, a minha foi a primeira tese em Teoria Literária. Não foi só na Universidade de São Paulo, não. Foi no Brasil!

L.D,.: Então tem um importante caráter histórico...

J.A.B.: Tem, eu a defendi em 1970. Em 71, já pude orientar pós-graduandos. Acho que estou lhes dando uma idéia do meu envolvimento com a Universidade, só de passagem, pois estava comentando com vocês aquela história de leitura. Acho que disse tudo, quando disse que nunca me faltava livro nem leitura.

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Entrevista Llidia D'Água, n. 9, p. 3-22, abr. 1995

Não tive absolutamente nenhuma censura da parte de meus pais e nenhum impedimento de ordem econômica e isso foi importantíssimo. Fui sempre um frequentador de sebos e fui formando minha biblioteca de acordo com o que as leituras iam provocando. Hoje acho até engraçado como é fácil encontrar livros. Naquele momento, era difícil adquirir certos livros. Por exemplo, Cultura e Renascimento na Itália, do Buckhart: era um livro dificílimo, valiosíssimo, ilustrado. Hoje você o encontrará em “pocket" ou “edition de poche". facilmente. Fico admirado com as pessoas envolvidas com literatura que não frequentam sebos, nem livrarias. Sempre fui um freqüentador. Primeiro, eu vivia na província e, certamente, o acesso ao livro era diferente de quem vivia em São Paulo, ou no Rio. Recife, na época, era muito diferente do que é hoje. Decaiu muito.

L.D.: Era uma cidade mais culta?

J.A.B.: Não sei se era mais culta, mas decaiu muito em termos de livrarias. O consumo levou a que livrarias fossem transformadas em papelarias. Antes, havia pessoas, livreiros; havia um grande livreiro - que já vinha da década de 40, o João Cabral faz referências a ele - que mandava buscar livros onde fosse.

L.D.: Qual o nome desse livreiro?

J.A.B.: Jacó Bernstein e a livraria: Imperatriz. Hoje está lá o filho dele, o Salomão, mas transformou-se num vendedor de artigos de papelaria, de miudezas. Essa decadência das livrarias ocorreu mesmo no Brasil inteiro.

L.D.: Esses seus escritos de rodapé, estão publicados em algum lugar, reunidos em livro, professor?

J.A.B.: Alguns sim, não todos. Pubüquei um livro em 1980, chamado Opus 60, pela Duas Cidades. Usei esse título exatamente porque a obra é dos anos 60.

L.D.; O João Antonio está lá?

J.A.B.: Está. Chama-se ‘‘Malagueta, Perus e Bacanaço". O mesmo título do livro.

L.D.: Mas está em algum outro lugar, porque já li esse seu texto. Não lembro onde...

J.A.B.: Bem, o artigo (publiquei-o em 63) foi sobre o livro. Quem me mandou o livro foi o Mário da Silva Brito que era uma espécie de diretor da Civilização Brasileira e me mandava livros para Recife. Foi uma época muito curiosa,

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Entrevista Liniia D'Agua, il 9, p. 3-22, abr. 1995

porque, escrevendo em Recife, eu tinha audiência em São Paulo e no Rio. Uma das coisas que mais me impressionaram foi que, um dia, eu recebi uma carta enorme do Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde. Eu tinha escrito um artigo sobre ele chamado “A força da crítica". Era um artigo muito comovido sobre o Tristão, uma homenagem aos 70 anos dele. Uma amiga dele, passando pelo aeroporto de Recife, comprou o jornal, leu e levou para ele. E ele me escreveu, pois constava meu endereço no fim do artigo. Recebi, na época - e era muito jovem - quase todas as primeiras edições publicadas até aquele momento. Do Guimarães Rosa... ele mc mandava com dedicatória porque sabia que havia um sujeito fazendo crítica,'no Recife. Ou o Álvaro Lins que reeditou toda sua obra, o Jornal de Crítica, mais ou menos naquele período. Reeditou e me mandou, com dedicatória muito afetiva, porque ele também era pérnambucano. Então, essa audiência com Rio e São Paulo foi muito interessante, muito importante. Por isso, quando cheguei aqui, já conhecia as pessoas.

L.D.: Essa interlocução ampla e privilegiada era comum à época?

J.A.B.: Não sei... Nesse sentido, eu tive muita sorte porque conheci pessoas boas, adequadas: o Cândido, os Campos - o Haroldo e o Augusto - em Assis. Assis foi um momento muito importante na vida literária brasileira. Todo mundo que era bom tinha ido para lá: Jorge de Sena, Casais Monteiro, Silviano Santiago, Roberto Schwartz... gente muito jovem. Eu conhecia todo esse pessoal, quando vim para cá, e eles também me conheciam. Minha prova decisiva foi ter de fazer alguma coisa dentro da Universidade. E fiz o doutoramento que, para mim, era decisivo, pois eu não era bacharel em Letras ou Ciências Sociais, tinha que aproveitar aquele momento que permitia que o estudioso fizesse o chamado doutoramento direto. A gente tinha que apresentar dois trabalhos subsidiários. Apresentei um na área de literatura francesa, outro na área de literatura brasileira. O Io, para Rui Coelho, chamava-se “Mallarmé segundo Valéry". O segundo, para o Castello, Chamava-se “Linguagem e Metalinguagem cm João Cabral". Acabou sendo minha tese de Livre-Docência. Em 70, fiz o doutoramento. Logo depois, em 71, fui convidado para ir para Wisconsin, nos EEUU. O Jorge de Sena saiu, eu recebi o convite, mas acabei não indo. Surgiu a oportunidade de ir para Yale e, fiz lá o meu pós- doutoramento, em 71 e 72, desenvolvendo o meu projeto sobre o João Cabral. Quando voltei, em 73, estava pronta a Livre-Docência. Naquele momento, quem tivesse Livre-Docência seria efetivado. E isso resolveu de vez o meu problema. Entrei na USP em 69, mas contando todos os períodos anteriores, na Universidade de Brasilia, na de Recife, etc.,, eu já tenho tempo para a aposentadoria: mais de 30 anos de trabalho em universidade.

L.D.: Agora, falemos da formação de leitores. O senhor concorda que o crítico ajuda as pessoas a lerem? E o professor? E como é sua 1“ leitura, seu primeiro contato com um livro?

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Entrevista

J.A.B.: Creio que vou responder ludo junto, sem seguir sua ordem. Acho que é fundamental o papel que o critico, o ensaista, exerce sobre o leitor, quando ele 6 um bom crítico e um bom leitor. Um bom leitor, há que ter antes de mais nada, de um lado, a paixão pela leitura. De outro, o senso da discriminação: Paul Valéry dizia que a inscrição ideal de uma biblioteca seria: “Élire plus que lire". Escolher mais do que ler. Tem mais efeito em francês, por causa do trocadilho. A leitura não apenas extensiva, mas intensiva. Nesse sentido, o crítico, o ensaísta é fundamental. Há leituras que apenas são redundantes com relação à sua. Mas existem outras que ampliam sua leitura, que mostram aspectos que você não foi capaz de apreender. Você descobre através daquele outro leitor, o crítico, aspectos que você não tinha enxergado e que se acrescentam à sua leitura original.

O leitor, a partir de um certo nível, não usa a leitura apenas como entretenimento, mas passa a se preocupar com ela como uma forma de conhecimento. Esse leitor vai buscar com outros leitores daquele mesmo objeto, sinais, aspectos que ele não havia descoberto. É mesmo uma tarefa sem fim, uma tarefa intertextual, por natureza. Você está lendo um texto, de repente, você lê o mundo. Há autores que promovem isso mais do que outros.

Podem ser autores menos importantes os que te levam a ler outros livros. Um autor que, quando eu era adolescente, eu lia tudo dele, depois comecei a ler tudo sobre ele, mas não é um grande autor: o Aldous Huxley. Lembro-me de um artigo do André Maurois, que dizia que Huxley era um autor que cativava sobretudo adolescentes, porque ele fazia o leitor sentir-se inteligente. Fiquei um pouco amargurado, isso me pegou pelo pé. “Ah! é por isso que gosto tanto do Huxley. Faz-me sentir inteligente". Depois veio a fase da decepção.

A história da minha relação de leituras com o Huxley é engraçada porque, em 1958, ele esteve no Brasil, e eu já era um leitor fanático dele. Foi até o Recife, para conversar com o Gilberto Freyre. Soube, por um amigo jornalista, que ele estava em Recife, no hotel Boa Viagem, e resolvi procurá-lo.

Entrei no hotel e perguntei: “Onde está Mr. Huxley?" “Está jantando ali, naquela mesa, com a mulher", disse-me um garçom. Vi-o de longe, reconhecería Huxley em qualquer lugar, um homem de uns dois metros, quase cego. Fui até lá, conversei com ele em francês pois achava que meu inglês não era suficiente; pedi-lhe que autografasse um livro, levava uns três ou quatro. Ele autografou todos, coitado, com a maior paciência, até me dedicou um: “To João Barbosa, wilh all good wishes. Aldous Huxley". Ele foi embora, meu entusiasmo diminuiu. Em 1963, ele morreu no mesmo dia do Kennedy. E ninguém falava da morte do Huxley, só no assassinato do Kennedy. Escrevi um artigo: “Réquien para Aldous Huxley", onde eu contava a história das minhas relações de leitura com eic. E eu dizia: “é o retrato do leitor, quando jovem". Dc

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Entrevista

fato, era o meu auto-retrato quando leitor jovem. Você começa a ler um autor e, se você se apaixona por ele, você acaba querendo conhecer tudo sobre ele. Então, quando as pessoas me perguntam: “o senhor concorda com essa lese de que a biografia não tem nada a ver com a obra?" Não sei, acho que tem tudo a ver. Só que não vou usar a biografia como meio de entrar na obra, ou de avaliação da obra. É óbvio que não! Mas, depois que se está lendo o autor, tudo o que lhe disser respeito interessa.

L.D.: Ilumina o estudo, não é isso?

J.A.B.: É evidente... E há biografias e biografias...

Li, não faz muito tempo, uma biografia do Dostoievvski, feita pelo Josepli Frank. Ele vai publicar 5 volumes, já publicou 3, enormes. Susan Sontag, fazendo uma resenha dessa obra, lembrou o seguinte: não é Dostoievvski que explica a obra, é a obra que explica Dostoievvski. É aquilo que Borges dizia, em texto famoso: “Minha obra é a minha justificativa". E não o contrário! Então, interessa, tudo interessa.

Você me perguntou como é minha primeira leitura. Leitura de quê? prosa de ficção, um poema, um ensaio? Acho que quando se lê um romance, a gente teni que se deixar envolver inteiramente. A partir de um certo número de páginas, você não sabe mais que personagem é aquele, tem de voltar várias vezes para identificar, ir colocando o personagem dentro do “plot". E isso leva tempo. É completamente diferente de um poema, sobretudo se for um poema curto. Porque a absorção é totalmenle diferente. Pode ser um poema dificílimo, mas você tem a apreensão da totalidade, de forma imediata. E depois tem de reler e reler, não é? Estou lendo um livro agora que se chama Releitura. Estou lendo e relendo, porque o acho fantástico. Especialmente duas análises que faz de Don Quixote.

L.D.: De quem é?

J.A.B.: Matei Calinescu, um romeno. E difícil até dizer que é a 1* leitura. Tanto Calinescu, como Borges, quanto Calvino, todos eles dizem o seguinte: você nunca lê um clássico, você relê. Se ele é realmente um clássico, ele já passou para a corrente sangüínea da literatura. De tal maneira que quando você lê, está relendo. Por exemplo, Homero. Você não precisa ter lido a Ilíada ou a Odisséia para, de certa forma, já ter lido Homero em outros autores. Desde que Homero existiu, certos arquétipos são sempre recuperados por autores posteriores. Aí, quando você lê Homero, está relendo. Ou seja, quer você queira, quer não, você está condenado à Cultura, que te bombardeia de todas as maneiras. Às vezes, não é uma coisa que você avalia como “cultural" mas é por ali que ela tc agride. Já se disse, por exemplo que toda a literatura posterior ao Romantismo é uma

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literatura de citação, auto-reflexiva que está sempre se referindo a própria literatura. Quem disse isso foi o Gaetan Picon, mas isso não é novo. Sabe-se, desde sempre, que a literatura, além de se fazer da experiência do escritor, faz- se da experiência dele da literatura, a que ele tem de outros livros.

L.D.: E isso não é fenômeno exclusivo da literatura. Todas as artes...

J.A.B.: Trabalham com esse fato. E isso já está no, talvez, primeiro grande narrador moderno que é Cervantes. Inaugurou a si mesmo, a literatura dele fala de literatura. E tantos outros... Assim, é sempre impossível dizer que ali nós temos uma página virgem, que será impressa alguma coisa inteiramente nova. Creio que, nas minhas leituras, os livros estão sempre dialogando. Nunca leio um livro só. As pessoas se queixam disso. “Fulano nunca lê um livro só, fica pulando de um livro para outro. “Acho isso o ideal de leitura é quase que inevitável. Porque, se você está lendo bem, você lê um trecho e lembra de outro, vai ver esse outro e assim por diante... Acho isso muito rico. Quando era adolescente, fazia o meu fichário de “cross-reference". Por exemplo, eu tinha a palavra absurdo. Aí eu colocava: absurdo vírgula, definição de absurdo, e aí o termo definição podia mandar para Camus (Un hommc rcvolté) ou podia mandar para Martin Esslim, por exemplo, um autor do teatro do absurdo. Quer dizer, era toda uma “cross-reference", uma biblioteca de idéias. Que eu acho fantástico, acho muito fértil. Acabei me desfazendo do fichário em Brasília mas fiz isso durante muito tempo.

L.D.: E a causa da destruição de algo tão interessante. Cansaço?

J.A.B.: Primeiro, eu me desiludi com a Universidade. Quando vi o exército invadindo a Universidade. E aí, tinha que voltar para Recife, de maneira que...

L.D.: Diminuir a bagagem...

J.A.B.: Sim, mas no fundo, no fundo, estava a desilusão com o país. Onde já se viu uma Universidade tomada por tanques?!... Nunca tinha visto nada igual. Aqui, não existiu isso. Houve qualquer coisa no Crusp mas lá, foi diferente porque era uma Universidade urbana. Eu morava na Universidade e amanhecí olhando os tanques... Pareciam baratas... Foi uma coisa muito cruel! Aliás, isso me perseguiu. Minha mulher costuma dizer que nós fomos absolutamente atrás da “Revolução". Em 64, estávamos em Recife. Em 68, estávamos em São Paulo. Pouco antes, em Brasília. Estivemos nos piores lugares, nas piores horas. Aqui vocês não sentiram 64. São Paulo não sentiu 64.

L.D.: É... aqui o pior foi 68...

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J.A.B.: Nós lá, não, sentimos muito 64, porque era governo do Arraes. Duas cidades sofreram muito: Recife e Porto Alegre, Arraes e Brizola. Então, a razão foi essa: desilusão, choque.

L.D.: O senhor falou da Universidade e do Brasil daquela época. Como o senhor vê o Brasil e a universidade, hoje?

J.A.B.: Pergunta difícil... teria de falar muito, detalhar muito. Mas, digamos que neste país não existe continuidade. Gostaria de dizer: “aquela época era muito pior, foi melhorando, vivemos uma fase melhor..." Mas não, os problemas é que são diferentes... O que sinto na Universidade é uma apatia muito grande.

L.D.: Da parte de quem? Professores? Alunos?

J.A.B.: Todos, todos. Depois de 5 anos na administração da Universidade: - 5 de editora e 31/2 de pró-reitoria - sinto um enorme ceticismo quanto à vibração da comunidade universitária. Tenho exemplos concretos. Um deles: como pró- reitor instalei “Nascente". Foi inovador. Digo isso sem nenhuma vaidade, mas com muito orgulho: foi uma coisa única na Universidade brasileira. A Reitoria chama os alunos em 8 áreas de Artes e diz: apresentem seus trabalhos. E, sem gastar dinheiro público, conseguiu recursos para dar um prêmio ao melhor de cada área. Conseguimos dinheiro da empresa privada. Os alunos desta Universidade sempre sentiram que a Universidade não dava importância às atividades artísticas dos alunos. Em oito áreas: Teatro, Dança, Prosa de Ficção, Ensaio, Poesia, Música Popular, Música Erudita, Artes Plásticas, eles apresentam seus trabalhos e fazemos um enorme banco de dados, para que isso possa servir depois. Hoje, se alguém procurar dançarinos na USP, é possível chamar no computador e saber quais os que existem.

L.D.: E o intercâmbio, entre as áreas, também foi muito importante...

J.A.B.: Também. E tudo inteiramente feito para os alunos. O melhor, de cada área, vai receber 4 mil dólares. Se forem dois vencedores, dois mil cada um. E muito dinheiro, neste país. Este é um país pobre, se você consegue patrocinar, desse modo, não é proteger no sentido paternalista. A Editora Abril, a empresa que está financiando o projeto, não exige nada, em troca. Só quer participar e quer que o logotipo dela apareça, é claro. Pois bem, esse projeto eu acho absolutamente singular. Aliás, soube que ele já foi aprovado, numa reunião do Reitores, para que fosse implantado nas universidades brasileiras. E também soube que, no Rio de Janeiro, as universidades públicas vão implantar o projeto Nascente; vai ter o Nascente UERJ, o Nascente UFRJ assim por diante. É, portanto, um projeto importante, revela talento! Mas, os alunos desta universidade me decepcionam. Não participaram do projeto como deveriam. O

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projeto é deles, afinal!... Quando digo apoiar, qücro dizer trabalhar, falar do projeto, exaltá-lo, ressaltar sua importância para a Universidade.

É claro que os concorrentes querem ganhar dinheiro, receber o prêmio, sei lá! Mas os demais, onde estão? Nunca o Diretório Central dos Estudantes desta Universidade deu apoio. Pelo contrário, no inicio, me procuraram como pró- reitor. Disseram que gostaram do projeto, mas que eram contra porque vinha “de cima para baixo", era idéia do pró-reitor. Perguntei: “vocês acham que o pró-reitor não pode ter idéias? Tem de ser um imbecil, um burocrata, apenas?” Isto eu acho decepcionante. Não sei o que vou pensar no futuro, mas hoje, minha visão é muito critica. Agora, no dia 4, vamos ter a entrega de prêmios do 3o Nascente que é o meu último. O projeto Nascente não teve o mínimo apoio dos professores, a não ser daqueles que participaram das comissões examinadoras, a meu convite. São pessoas extraordinárias que toparam fazer parte dessas comissões. Graças a eles, o projeto pôde ir adiante. Mas são pouquíssimos! Veja: três em cada comissão, são 24 pessoas apenas. Onde está o resto do corpo docente da Universidade? Quando você vai à entrega de prêmios do “Nascente", há sempre muita gente; são parentes dos que participaram. O número de professores da Universidade é mínimo...

L.D.: Não acha que isso é reflexo do individualismo que impera em nossa sociedade?

J.A.B.: Pode ser, mas não consigo mostrar uma única causa. Sinto que também é isso. Mas devem existir outras. Disse que ia te dar dois exemplos. Um é o projeto “Nacente". Outro é a minha experiência com a editora da USP. Vejam, eu sou de Letras. Sou professor de Teoria Literária e Literatura comparada. Fui o 1° professor titular depois do Antônio Cândido. Para muita gente, isso não agrada, mas, na vaga do professor Antônio Cândido fiquei eu, registrado no Diário Oficial e tudo. Então, sou professor de Teoria Literária. Entretanto, depois de 5 anos na Editora da Universidade, nunca fui procurado por um colega de Letras que me levasse um projeto de equipe. Já escrevi várias vezes em jornal que estamos fazendo um “Caderno de Leitura" que já está no 6o número. Aberto! É da Editora da Universidade! Pois, para conseguirmos uma resenha é dificílimo, os professores não nos procuram. Já escrevi várias vezes nesse caderno o quanto seria interessante apresentar projetos, projetos de equipe. E falei mui claramente, e acho que essa vai ser a minha grande frustração - a de não ter nem começado (finalizado seria impossível!) a realização da edição crítica de Machado de Assis pela Editora da Universidade de São Paulo. Mas, para fazer uma edição critica de Machado de Assis, é preciso formar uma equipe. Tem que ter idéias! Pessoas que estão trabalhando com letras, com literatura, nunca se apresentaram me trazendo idéias, projetos. Individualmente, é claro que sim: trazendo livros de autoria própria, livros de orienlandos. O que, aliás, confirma o que você está dizendo, esse excesso de12

Entrevista

individualismo. Mas, projetos da Universidade propriamente, não. E não quer dizer que todas as áreas sejam assim. Porque temos lá o projeto da ESALQ: o projeto de uma enciclopédia agrícola brasileira. Algo extraordinário! Temos ainda o projeto para a publicação de uma coleção absolutamenie inédita no Brasil, sobre oceanografia, do Instituto Oceanográfico; temos um projeto da Faculdade de Medicina que quer publicar uma série de livros sobre Medicina. Enfim, temos projetos coletivos, mas, de Letras, não recebi nada similar. A não ser agora que começou a funcionar... mas é algo muito pessoal do professor Sebe, da História, que nos trouxe um manuscrito do Padre Antonio Vieira: Clavis profetarum. Eu disse: “para traduzir esse manuscrito, fazer as notas, editar, etc. precisamos montar uma equipe, com dois ou três professores de Letras, outros dois da História para fazer esse trabalho". Vou ver se consigo auxílio da Vitae. Mas tem que apresentar o projeto. Então, fiquei realmente muito decepcionado com isso. Recentemente, nós editamos um livro de uma critica norte-americana importante, Marjorie Perlof, de 60 anos, dedicada ao que faz, cujo livro O Momento futurista, editamos belamente. Na época, eu ainda era pró-reitor de Cultura e resolvi trazê-la para fazer o lançamento do livro e dar conferências na USP e na Bienal do Livro. Não tinha pouca gente, mas, posso estar sendo injusto, havia 3 ou 4 professores de Letras, não mais que isso.

L.D.: Aí, professor, talvez seja falta de tempo.

J.A.B.: Pode ser. Espero que seja, mas, no fim eu noto absoluta apatia. Sabem, nunca acreditei em argumentos assim; "não se faz porque não há verba".

L.D.: A força de vontade compensa a falta de verba...

J.A.B.: Exato. Têm-se feito coisas admiráveis. Tem-se mostrado que isso c possível, quando se quer. Faltam projetos. Projetos que não sejam individuais, nem apenas corporativos, projetos que sejam universitários, acadêmicos. Isso falta mesmo e me angustia muito.

L.D.: Embarcando nessa questão de projetos, o que a Edusp está pensando em fazer para a rede de ensino de primeiro e segundo graus?

J.A.B.: Deixe eu lhe contar, pois essas coisas vão ficar registradas. O projeto de livros para o segundo grau que surgiu na Reitoria da USP. Não é um projeto do pró-reitor de Cultura nem do presidente da Edusp. Surgiu de conversa entre os pró-reitores e o reitor. Desde o inicio, o Reitor foi um dos grandes entusiastas desse projeto de fazer livros para o segundo grau.

L.D.: Por favor, a que Reitor o senhor se refere? O reitor Goldcnbcrg ou o reitor Lobo?

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Entrevista Linha D'Água, n. 9, p. 3-22, abr. 1995

J.A.B.: 0 reitor Lobo. Pensamos: "Como vamos fazer isso?" A idéia foi convidarmos professores da Universidade para fazer esses livros. Teria que ter um coordenador de cada área e esse coordenador deveria escolher colegas de trabalho. Primeiro tivemos que escolher as áreas. Na área de Humanas: Língua e Literatura, Geografia e História (do Brasil e Geral).

Essas foram as áreas escolhidas, muito arbitrariamente porque outras áreas ficaram de fora. Seria um inicio, a primeira etapa. Discutimos bastante. Faríamos livros para vender em bancas de jornais, como a Unicamp acabou fazendo e que se confundissem com coisas feitas para o Vestibular? Não! Eu brequei isso, fui uma das vozes contrárias e esse tipo de coisa. Sempre disse, desde o início: “Vamos fazer livros paradigmáticos". Quer dizer, livros que a gente chame o autor e diga: “Você vai fazer uma gramática de Língua Portuguesa, por exemplo, que seja o livro que você sempre quis fazer, independente da grade curricular. E claro que você vai ter que se manter um pouco dentro disso, mas pode fazer inovações. Todas as que quiser. É o livro que você sempre quis fazer". Em todas as áreas, a conversa foi essa. Como éramos dois pró-reitores da área de Humanas, eu e o professor Celso Beisegel, da Educação, convidamos as pessoas: o Platão, para coordenar a parte de Língua; o Roncari, para coordenar Literatura Brasileira, pessoas que já tinham tido experiência com o segundo grau. O Bóris Fausto, para História do Brasil. O Juraci, da geografia, para formar uma equipe para Geografia, e foi assim... Nas áreas biológicas, o professor Erney que é médico e era pró-reitor de Pesquisa, indicava, com o professor Ubríaco, na época pró-reitor de pós-graduação. Matemática e Física, o próprio Reitor escolhia, porque essa é a área dele.

L.D.: A área de física já tem tradição nesse setor...

J.A.B.: Exato. Aí reunimo-nos com toda essa gente, tivemos várias reuniões, explicamos o que queríamos: algo feito com absoluta liberdade. A ponto de um professor observar: “Esse livro para mim é um desafio muito grande, não sei se vou aceitar. Vocês estão dizendo: “faça o livro da sua vida, dos seus sonhos: Se eu não fizer, vou me suicidar..." Então topou, mas topou assim. Depois de tudo conversado, combinado, o Reitor contratou uma pessoa que tinha experiência com livro didático na Editora Abril e tem sua própria editora nessa linha, Pedro Paulo Popovic. Ele ficaria gerenciando o projeto, cobrando as datas, os prazos de entrega etc. Eu até não concordei com esse contrato assim. Disse: a editora pode fazer isso. Mas o Reitor achou melhor fazer dessa forma e contratou o Pedro Paulo que, até poucos meses atrás ainda era uma espécie de assessor do Reitor para esse projeto. O que faltava saber era o seguinte: como vamos incentivar esses autores, como fazer que esse projeto seja diferente? Queríamos pagar a eles uma determinada quantia, independente dos direitos autorais que iriam receber pelo livro. Ou seja, um trabalho que fosse bem pago. Seriam 10 mil dólares por projeto. E, através do professor Celso Beigesel, que tinhaí-t

Entrevista

conhecimento nessa área, conseguimos que a Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE, da Secretaria de Estado de Educação fizesse um convênio conosco. Eles dariam o dinheiro para o pagamento, contanto que, quando da edição dos livros, tivessem direito a um determinado número de exemplares. Para nós, isso foi excepcional pois quando os livros ficarem prontos já teremos sua distribuição apoiada pela Rede Estadual. Até o fim do ano, alguns já vão sair. Por exemplo: História já ficou inteiramente pronto. Deixe-me explicar também o processo: o professor Boris Fausto entregou-nos o livro, eu escolhí um leitor crítico experiente. Ele leu, conversou com o professor Boris, remexeu. Só assim o livro vai ficar pronto para a edição. Vamos fazer pequenas edições, digamos 10 mil, porque nós não queremos grandes “best-sellers". Queremos modificar a própria grade. O professor secundário vai sentir a importância desse livro e vai ter nele um paradigma. Os livros estão sendo entregues e são todos elaborados por grandes professores. O livro de História tem 470 páginas, mais ou menos, escrito por Boris Fausto e vai de Cabral a Collor. Isto é um livro que nem existe mais. O único que existiu assim foi o do João Ribeiro: pegava a História do Brasil como uma totalidade, sem ser em vários volumes, era uma síntese. O livro de Biologia está sendo coordenado pelo Isaías Raw... é gente do melhor nível. O de Geografia está sendo por um grupo excelente de Geografia, da nossa Faculdade. Creio que, para os professores que fizeram o livro, foi um desafio. Eu dizia sempre a eles: “Vocês tem que encontrar a linguagem adequada entre o professor e o aluno, o meio termo entre um e outro, mas sem baixar o nível. Pelo contrário, dando novidade e até certa dificuldade. Na verdade se esses livros realmente funcionarem, podem substituir, para o professor, os livros que estão sendo usados pelos professores: “Primeiros Passos", da Brasiliense, coleção “Princípios" da Atica etc. Esta é a idéia.

Agora, quero dizer o seguinte: esta é uma nova série de livros para o segundo grau mas isso não significa que já não tenhamos publicado livros para segundo grau. Já publicamos três volumes de Física, de assuntos diferentes, pelo gmpo de Renovação dos Estudos da Física, situado no Instituto de Física da Universidade e que inclui professores do Instituto de Física e professores do segundo grau. E de Química, também já publicamos dois volumes, uma para professor e um para aluno, pelo grupo de Renovação de Estudos de Química do Instituto de Química.

Que não têm nada a ver com esta série de livros para o segundo grau que está sendo apoiada pela FDE. E outra coisa, são publicações que nós tinha mos feito. E que está se provando muito eficiente, pois estão sendo usados em todo o Brasil. Assim que o livro de Química saiu, nos encomendaram, de Porto Alegre, 500 exemplares para a rede pública. Tínhamos uma edição de 3 mil, não somos uma editora comercial. Mas, se pedem 500 exemplares é sinal que daqui a pouco teremos que fazer uma reedição.

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Entrevista Listlin D'Águo, n. 9, p. 3-22, nbr. 1995

A Gramática foram três autores que elaboraram, o que complica um pouquinho. Eles se entenderam, está dando certo. O livro que saiu, assim, muito preciso, foi o de História. Porque era só o Boris fazendo. O de Geografia, eles conseguiram, com cinco ou seis pessoas. No início pensaram fazer um volume sobre Geografia do Brasil e outro sobre a geral. Resolveram fazer um só, incluindo os dois. Foi lindo pensar a Geografia do Brasil dentro da Geografia Geral. Uma bela idéia e é isso o que nós estamos querendo: inovação do ponto de vista do conteúdo pedagógico.

L.D.: Na sua opinião, qual é a função da editora universitária?

J.A.B.: Vou começar pelo seguinte: o problema das editoras universitárias brasileiras, é que, nas universidades federais, em geral, não existem editoras. Existem gráficas que também publicam livros, eventualmenle, mas não são editoras. Para ser editora, tem que ter um projeto editorial, uma política editorial, um departamento editorial etc. É o caso da Universidade Federal de Sergipe, a de Goiás, a do Rio Grande do Norte... No caso das editoras universitárias estaduais paulistas: a Unesp, a Edusp, e a Edunicamp, as diferenças são as seguintes: primeiro, a Edusp é a mais antiga, e a Edusp não era uma editora, fazia co-edicões, isto é, comprava exemplares das editoras privadas. A editora privada fazia o preço e a Editora da USP comprava e só revendia esses livros das editoras privadas no seu campus. Havia uma espécie de acordo de cavalheiros de só vender no campus, não vendia fora. Ela não linha sede editorial, só tinha estoque. Na verdade, a Edusp era uma generosa livraria.

L.D.: E também não tinha poder decisivo quanto ao que publicar.

J.A.B.: Não, porque, veja, era a editora privada que oferecia a ela. E o conselho editorial decidia o que era mais útil comprar para a Universidade. O espaço de decisão era só esse: o que comprar dentro do que as editoras privadas estão oferecendo. E algumas ofereciam com mais eficácia. É o caso da editora Itatiaia de quem a Edusp comprou um número absolutamente exagerado de títulos. E por preço muito mais alto, quer dizer, preço de capa, pois a Edusp não tinha condições de avaliar os custos editoriais, porque não tinha um departamento editorial. Quando entrei, modifiquei tudo, criei um departamento editorial. Co- edição a gente continua a fazer, mas com contrato de co-edição. Peço para que a editora privada diga quanto vai custar o livro e nós fazemos nosso orçamento para cotejarmos com o deles. Mas, nunca mais do que 50% que é o máximo que fazemos, é a grande parceria: meio a meio. Quando o livro interessa menos à Universidade, fazemos 30, até 20% apenas. Quando interessa, metade. A grande modificação é que, tendo criado um departamento editorial, é a Edusp que sugere às outras: “Querem entrar conosco na edição deste livro?" Então, mudou completamente o eixo. Temos muitos livros de autores da Universidade, sobretudo, que a gente sugere às outras. E estabelecí logo algumas linhas de16

Entrevista

edição. Como é uma editora universitária, temos que publicar nas três grandes áreas da Universidade: Ciências Humanas, Biológicas e Exatas. Então, criei algumas linhas que incluem essas áreas. Temos por exemplo, a coleção “Ponta" para publicar livros que digam a última palavra sobre determinado assunto de um desses ramos do conhecimento. Há outra que se chama Coleção “Base". São livros básicos que interessam às três áreas. E há outras mais específicas como “Coleção Edusp de Economia". Ou “Coleção Edusp de Direito". Ou coleção “Criação e Crítica" que é mais Literatura. Criamos outra ainda, que é muito interessante, chamada “Coleção Campi", da qual já publicamos 14 volumes: pequenos textos dos diversos campi da Universidade e que têm poucos leitores. As tiragens são bem menores. Como no texto sobre Enfermagem ou sobre teoria dos Conjuntos.

L.D.: E qual a tiragem?

J.B.A.: Até, no máximo, 1000 exemplares. A Teoria dos Conjuntos, do Francisco Miraglia, do Instituto de Matemática, é muito específica. Foi até difícil fazer a orelha desse livro, pois ninguém do departamento editorial entendia do assunto, mas é muito importante para o especialista na área. Então, temos que pensar a Edusp editora como muito específica e muito geral, ao mesmo tempo, porque abrange todas as áreas da Universidade. Ah! estávamos falando das diferenças com relação à Unicamp e a Unesp, a meu ver. Com relação à Edunesp, a diferença é que não publicamos revistas. Por outro lado, com relação às duas, a grande diferença nossa é que temos todos esses projetos editoriais muito claramente estabelecidos. E eles não têm. Na verdade, há alguns projetos que vêm desenvolvendo. A Edunicamp tem projeto de publicação de obras, mas é solto, esporádico, não há linhas de publicação tão claras e definidas como nós temos. Temos um departamento editorial muito forte. Embora pequeno, ele inclui desde preparação de texto até a arte final. Só não fazemos a impressão e o acabamento, porque não temos gráfica e nem queremos ter. Temos feito muito dessas tarefas editoriais contratando “free- lancers" porque nossa infra-estrutura é pequena. Contrato “free-lancers" com a renda industrial da editora. É claro que somos uma repartição pública e isso dificulta o trabalho de uma editora, porque fica menos ágil do que se poderia esperar. Sobretudo quando, para fazer impressão e acabamento, tem-se que fazer licitações. Eu tinha resolvido esse problema, através de um acordo verbal. Estávamos fazendo todos as nossas impressões na Imprensa Oficial que, como órgão semi-público dispensa a licitação. Não fazíamos licitação, mandavamos direto para lá, transferíamos a verba, pronto! E isso estava dando grande agilidade ás nossas publicações. Mas, agora, surgiu uma nova lei que obriga também a Imprensa Oficial a fazer licitações. São esses problemas do serviço público que quebram a agilidade, o ritmo que seria desejável. Por isso, acredito que a editora da Universidade, no futuro, tem que se transformar numa empresa, cuja qualidade continue sendo controlada pela Universidade, com

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Entrevista Llnlia D'Água, n. 9, p. 3-22, abr. 199S

conselho editorial constituído por professores da Universidade. Como é Harward, como é Yale... na Inglaterra, onde as editoras vivem dentro da Universidade, mas não estão subjugadas à burocracia da Universidade. Mas, é algo que precisa ser muito bem pensado porque o grande perigo é a perda ou diminuição do controle de qualidade. Precisa ser muito bem pensado, planejado. Outra coisa que vai de encontro a sua outra pergunta. A editora da USP tem uma grande vantagem em relação às outras universidades estaduais paulistas, um privilégio: é que ela tem uma rede de livrarias que hoje é muito ágil: cinco aqui no campus, um na Maria Antonia, cinco no interior, inleiramente integradas por um sistema de informática, o sistema Hermes, que criei. De tal forma, que você consegue saber onde está qualquer livro, em qualquer livraria. E a venda se transforma num processo muito mais ágil. E transformou - isso me fala, particularmente, ao coração - essas livrarias em verdadeiras assessorias bibliográficas, para professores e alunos. O sujeito está lá perdido, coitado, em Bauru, e quer um livro que lá não tem. Vai na livraria da Edusp; se não houver em qualquer livraria nossa, mas houver no mercado brasileiro, em 24 horas (caso de São Paulo) ou 48 horas (no interior) ele já tem o livro nas mãos. Acho isso de uma agilidade fantástica! Aqui em São Paulo é até menos, mas, no interior, é importantíssimo. Depois, a gente já está vendendo "software" em algumas das nossas livrarias. O segundo nível de distribuição é o “mailing list". Temos hoje uma secção de divulgação, gente especializada nisso, dentro da editora e que conta uma “mailing list" de, mais ou menos, 40.000 nomes. De professores da Universidade e fora dela. Nas diversas áreas! Para te dar um exemplo, quando nós editamos o fundamentos de Composição Musical de Schoemberg, eu disse ao Plínio, nosso diretor editorial: “Vamos fazer um número mínimo de exemplares (1.500) porque esse livro vai ficar no estoque. Pois bem, vendemos 800 livros, mais da metade da edição, só pelo “mailing". Ele já está na segunda edição.

L.D.: Ou seja, vocês conseguiram atingir o público-alvo quase imediatamente à publicação. O sonho de toda editora...

J.A.B.: Pois é. Nós, hoje, estamos vendendo por mês, o mesmo número de livros próprios e co-editados. Dá uma média de dois títulos esgotados por mês. O terceiro nível de distribuição: como qualquer editora comercial, nós temos distribuidores em todo o Brasil, do Amapá ao Rio Grande do Sul. No nosso catálogo, você tem distribuidores de todos os estados, às vezes mais de um por estado. E são os melhores do Brasil. Só a distribuição no Brasil é complicada, mas não é um problema da Edusp, é um problema geral. É o problema do distribuidor brasileiro que, em geral, é incompetente. Só que, agora, mudei a direção comercial da editora. Nela está um jovem que já trabalhou na Unesp, em editoras comerciais, e em livrarias comerciais; o Celso Fonseca. Eu acho que a editora vai dar um salto enorme, nesse sentido. Quanto à distribuição há muita diferença entre editora comercial e universitária. Embora, em relação à18

Entrevista Llnlin D'Água, n. 9, p. 3-22, nbr. 1995

publicação, as diferenças sejam várias: 1) Nós não publicamos “best sellers"; 2) Nós não publicamos poesia, só se tiver um contexto adequado. Por exemplo, publicamos a Odisséia; e vamos publicar o Uraguai de Basílio da Gama, em edição crítica. Aí sim, aí há um contexto, que permite a uma editora universitária publicar poesias. 3) Nós não publicamos romances... Então há uma série de diferenças, não são aquelas que as editoras privadas gostariam. Elas julgam que as editoras universitárias deveríam fornecer livros para as editoras privadas publicarem. Essa é uma visão do privado selvagem, e com isso não posso concordar. Eu não vivo pedindo ao professor que ele seja monopólio meu. Eu gostaria, evidentemente, que ele nos procurasse antes de procurar qualquer outra editora.

A idéia de que a editora universitária deve editar o que editora privada recusa, ficou na cabeça do próprio professor. É uma idéia, de certa forma, construída pelo editor privado e o público engoliu! O grande problema das editoras universitárias no Brasil, foi esse. Primeiro, quando teve dinheiro, traduziu muita coisa e não soube distribuir, como a editora da Universidade de Brasília. É preciso, ainda, não fazer grandes edições. É melhor fazer menos de três mil e ter seus livros lidos, do que fazer 5 mil para ficar emparedados do estoque. E, se for preciso, fazer uma reedição.

É claro que se pode fazer, de vez em quando, uma feira. Isso qualquer universidade do mundo faz. Mas não se pode viver assim. Isso não é política editorial!

L.D.: É preciso também lembrar a qualidade dessa produção das editoras universitárias. É o livro do poeta da terra,...

J.A.B.: Exatamcnle! Vocês me falaram de regionalismo. Nesse campo, eu penso o seguinte: em alguns estados o regionalismo podia ser bem aproveitado. Queria dar um exemplo: a editora da Universidade Federal de Sergipe quis mudar. Mandaram uma pessoa aqui fazer um estágio de dois meses conosco. E eles disseram que queriam começar com uma co-edição com a Edusp. “O que podemos fazer? Não hesitei: “Vamos fazer a reedição da primeira edição, de fato, da História da Literatura Brasileira do Sílvio Rornero, a de dois volumes, da Garnier. Contratei Roberto Ventura, que fez tese sobre Sílvio Rornero, para fazer uma leitura do texto, editado pela Garnier. Silvio Rornero, sergipano, acho que era de Lagarto, um autor importante. Não tenho nada contra esse tipo de regionalismo. Tenho contra essa coisa que eu não diria nem que é regionalismo de bairro, é de arrabalde. Chega o Reitor, e diz: Minha mulher tem um primo que escreveu um ótimo livro de poemas". Aí é horror! Eu tenho tido sorte, porque, nessas duas administrações que tive à frente da Edusp, ou seja, fim da administração Goldenberg e administração Lobo, preciso dizer

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que nunca houve a mínima interferência por parte deles, na editora. E isso eu acho fantástico num país como o nosso.

L.D.: Tenho a impressão de que o professor, o crítico e o editor, já falaram. Falta o pró-reitor de Cultura e Extensão. Vamos dar esses cinco minutos que faltam para a pró-reitoria?

J.A.B.: Vamos lá, qual a sua pergunta?

L.D.: Qual seria a linha geral ou principal, da pró-reitoria de Cultura e Extensão?

J.A.B.: Quando assumi, a pró-reitoria, chamava-se pró-reitoria de Cultura e Extensão. Descobri que ela não tinha infra-estrutura. Eu teria que, além de criar a infra-estrutura necessária, integrar os órgãos culturais. Então a pró-reitoria passou a ter cinco órgãos: TUSP, OSUSP, CORALUSP, Estação Ciência e Comissão de Patrimônio Cultural - CPC. De outro lado, descobri que Extensão era uma coisa que se fazia normalmente, na Universidade. A Universidade tem uma enorme tradição de Extensão. Não só de cursos, mas de projetos. E existem unidades dentro da Universidade que, naturalmente, tendem à Extensão, mais do que outras. Por exemplo, a própria Faculdade de Saúde Pública que faz Extensão mesmo antes de a Universidade existir; a ESALQ - Escola Superior de Agricultura; a Faculdade de Agronomia de Piracicaba; a própria Faculdade de Direito onde os estudantes dão assistência judiciária à comunidade. Enfim, trabalhos de Extensão sempre foram tradicionais dentro da Universidade. Assim que percebi isso, o que precisava, a meu ver, era organizar melhor, articular melhor, o lado cultural da pró-reitoria. Fazer a cultura se explicitar dentro da Universidade e criar uma certa rotina, porque não existe cultura sem rotina. Que os concertos, as exposições acontecessem, que a Universidade sentisse que ela produz cultura e que a comunidade externa também percebesse isso. Então, tomei uma atitude muito simples, um verdadeiro ovo de colombo: criei o calendário cultural da Universidade. Assim, todas as unidades informam a pró- reitoria sobre suas atividades culturais c cias são postas num calendário publicado todo mês, e a comunidade fora daqui fica sabendo o que a Universidade faz em termos de cultura. O pró-reitor de cultura é, também, pelo estatuto da Universidade, presidente da coordenadoria dos museus: os quatro museus institucionais; o Museu de Arqueologia e Etnologia - MAE, o Museu de Zoologia, o Museu Paulista e o Museu de Arte Contemporânea - MAC. Então, começamos a ter reuniões desta coordenadoria, preocupados com atividades conjuntas dos museus dentro da Universidade, para fazer com que a comunidade interna e externa soubesse da existência desses museus. Há muita gente, dentro da própria Universidade que não sabe que o Museu Paulista pertence à Universidade de São Paulo. Ao lado disso, surgiram alguns projetos, já nomeei o projeto “Nascente". Um outro projeto que não deu certo, mas que eu

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acho muito bonito e algum dia alguém ainda vai realizar com eficácia é o projeto que chamei de “Claque". “Curso de Atualização Cultural para Funcionários da USP", que era dado aos sábados, por alunos de pós-graduação que, voluntariamente, se ofereceram para dar aulas de várias áreas: Biologia, Geografia, Língua Portuguesa, Literatura e Matemática. Eram três horas de cada área, das nove as 12 horas. A época, eu mesmo vim assistir a algumas aulas aqui.

Não deu certo por causa do horário. Como era aos sábados, o pessoal do Sintusp me explicou - muita gente faz “bico" aos sábados.

L.D.: Então não deu certo por causa da crise e não pelo projeto em si.

J.A.B.: E ... O projeto é bonito mesmo. Eu acho belíssimo fazer com que o funcionário da Universidade receba do aluno da Universidade, conhecimento. O funcionário, em si, é a infra-estrutura para que o aluno de pós estude. Nesse sentido, era um projeto redondo, bem articulado. Mas, enfim... houve outro projeto da Universidade aberto à terceira idade que, à diferença de outros projetos para a terceira idade que existem por aí, foi um projeto singular. Pedi a cada unidade que dissesse, em suas várias disciplinas, onde havia vagas. O número de respostas foi espantoso: 1.700 vagas para pessoas acima de 60 anos. Não se trata de cursos para idosos. São cursos normais. A recepção disso é unia coisa comovente. Gente que vem de todo o lado e está fazendo cursos na ECA, na Psicologia... Infelizmente a Faculdade de Filosofia voltou contra o projeto, não abriu vagas...

L.D.: Professor, não votamos contra. Não temos vagas nem para alunos.

J.A.B.: Não sei, professora. Em Letras, pode ser... Mas em Política, em História, em Ciências Sociais... certamente havia vagas. Só duas faculdades não aceitaram: Filosofia e Direito. O que é lamentável! a ECA está cheia. Até a Faculdade de Medicina aceitou. Mas está dando certo, está continuando. Vão agora para o segundo ano e o projeto vai continuar. Ninguém pode. parar um projeto desses... Bem, então o “Universidade Aberta â terceira idade" é outro tipo de projeto. E outros em que a pró-reitoria entrou junto com a Reitoria, para monitorar o público que vem à Cidade Universitária aos sábados e domingos. Tem muita gente contra. Há risco de fechar. Disseram ao reitor Lobo, uma vez: “Professor, esse projeto é bonito, mas corre-se o risco de ler um computador roubado todo sábado. E o Lobo respondeu, a meu ver, de forma admirável: “Eu prefiro um computador roubado todo sábado do que fechar o campus a 70 mil pessoas que o procuram. E uma questão de opção!" Seria a mesma coisa que fechar o Hospital Universitário ao público do Butantã. Ia ser muito mais organizado, tudo em ordem, tudo Iimpinho, só para funcionários e professores da USP. Mas equivalería a jogar ao Deus - dará 800 mil pessoas, que é o

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Entrevista Linha D'Água, n. 9, p. 3-22, n lr. 1995

público que recebe os serviços do Hospital Universitário - HU. Sentido social é o que falta! A comissão do Patrimônio Cultural não existia. Era só Comissão do Patrimônio Arquitetônico. Fiz com que ela se transformasse em cultural mesmo, isto é, incluir os museus, o SIB1 (Sistema Intergrado de Bibliotecas), e ai, já surgiu um projeto lindíssimo, que é um projeto conjunto da Comissão de Patrimônio Cultural com o SIBI. Minha idéia foi transformar a C.P.C. numa espécie de SPHAN (Serviço dc Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) da Universidade, que é no que cia vem se transformando. Ela não pode ser só o patrimônio arquitetônico. Nós temos museus, laboratórios, bibliotecas e obras raras. Nós vamos publicar catálogos dos séculos XVI, XVII e XVIII. O catálogo do século XVI já tem 400 obras raras no mínimo. Obras raras! Não só antigas, mas muito raras. Isso é patrimônio cultural da Universidade. Então para fechar, eu quis fazer com que a pró-reitoria de Cultura e Extensão assumisse este lado cultural que eslava, a meu ver, pouco explicitado. Por isso, muita gente me diz que fui mais pró-reitor de Cultura do que de Extensão. Creio que isso é verdade. Fui mesmo, porque acredito que a parte de Extensão vive por si.

L.D.; Professor, muito obrigada, em nome de Linha d’Água e de seus leitores

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Linha D'Água, n.9, p. 23-27, obr. 1995

Artigo____________________

O ULTRA JOVEM ÁLVARES DE AZEVEDO

Roberto de Oliveira Brandão

Resumo;

O estudo que se segue da obra de Álvares de Azevedo destaca, além da multiplicidade de suas direções, a tendência de ir além dos limites então praticado pelos poetas brasileiros da época romântica. Por tais aspectos, e também pela consciência que ele tinha dos problemas literários e de sua própria poesia, ainda hoje pode ser lido com interesse.

Palavras-chave:

Álvares de Azevedo, Poesia romântica, Romantismo brasileiro.

Como personalidade poética, o paulista Álvares de Azevedo (1831-1852) é certamente o nosso mais típico romântico. Paradoxalmente, isso o aproxima dos modernos, sobretudo pela mistura que ele opera entre os elementos mais contraditórios.

Sua inclinação romântica a transpor todos os limites o leva a se distinguir dos seus pares brasileiros; de Gonçalves Dias pelo desequilíbrio entre o tumultuoso da inspiração e uma sensibilidade capaz de captar traços do ambiente em que vive; de Casimiro de Abreu pela fixação nos limites do “eu" ao mesmo tempo em que se entrega a uma imaginação aventurosa; de Junqueira Freire pela proximidade entre o amor recatado e tímido e uma profusa fantasia erótico-amorosa; de Castro Alves pela união de uma moldura psicológica das imagens da natureza e a apreensão da realidade cotidiana, mistura até então considerada como apoética no interior dos gêneros sérios.

Se é verdade, como sugere a crítica, que- muito dos seus excessos de imaginação e de forma se devem a uma confluência de vários fatores, entre os quais, a fase praticamente de adolescente em que produziu sua obra, ou então, a influência da leitura dos românticos europeus, sobretudo o “misterioso Bretão

* Professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo

Entrevista Linha D'Água, n. 9, p. 3-22, n lr. 1995

público que recebe os serviços do Hospital Universitário - HU. Sentido social é o que falta! A comissão do Patrimônio Cultural não existia. Era só Comissão do Patrimônio Arquitetônico. Fiz com que ela se transformasse em cultural mesmo, isto é, incluir os museus, o SIB1 (Sistema Intergrado de Bibliotecas), e ai, já surgiu um projeto lindíssimo, que é um projeto conjunto da Comissão de Patrimônio Cultural com o SIBI. Minha idéia foi transformar a C.P.C. numa espécie de SPHAN (Serviço dc Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) da Universidade, que é no que cia vem se transformando. Ela não pode ser só o patrimônio arquitetônico. Nós temos museus, laboratórios, bibliotecas e obras raras. Nós vamos publicar catálogos dos séculos XVI, XVII e XVIII. O catálogo do século XVI já tem 400 obras raras no mínimo. Obras raras! Não só antigas, mas muito raras. Isso é patrimônio cultural da Universidade. Então para fechar, eu quis fazer com que a pró-reitoria de Cultura e Extensão assumisse este lado cultural que eslava, a meu ver, pouco explicitado. Por isso, muita gente me diz que fui mais pró-reitor de Cultura do que de Extensão. Creio que isso é verdade. Fui mesmo, porque acredito que a parte de Extensão vive por si.

L.D.; Professor, muito obrigada, em nome de Linha d’Água e de seus leitores

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Artigo____________________

O ULTRA JOVEM ÁLVARES DE AZEVEDO

Roberto de Oliveira Brandão

Resumo;

O estudo que se segue da obra de Álvares de Azevedo destaca, além da multiplicidade de suas direções, a tendência de ir além dos limites então praticado pelos poetas brasileiros da época romântica. Por tais aspectos, e também pela consciência que ele tinha dos problemas literários e de sua própria poesia, ainda hoje pode ser lido com interesse.

Palavras-chave:

Álvares de Azevedo, Poesia romântica, Romantismo brasileiro.

Como personalidade poética, o paulista Álvares de Azevedo (1831-1852) é certamente o nosso mais típico romântico. Paradoxalmente, isso o aproxima dos modernos, sobretudo pela mistura que ele opera entre os elementos mais contraditórios.

Sua inclinação romântica a transpor todos os limites o leva a se distinguir dos seus pares brasileiros; de Gonçalves Dias pelo desequilíbrio entre o tumultuoso da inspiração e uma sensibilidade capaz de captar traços do ambiente em que vive; de Casimiro de Abreu pela fixação nos limites do “eu" ao mesmo tempo em que se entrega a uma imaginação aventurosa; de Junqueira Freire pela proximidade entre o amor recatado e tímido e uma profusa fantasia erótico-amorosa; de Castro Alves pela união de uma moldura psicológica das imagens da natureza e a apreensão da realidade cotidiana, mistura até então considerada como apoética no interior dos gêneros sérios.

Se é verdade, como sugere a crítica, que- muito dos seus excessos de imaginação e de forma se devem a uma confluência de vários fatores, entre os quais, a fase praticamente de adolescente em que produziu sua obra, ou então, a influência da leitura dos românticos europeus, sobretudo o “misterioso Bretão

* Professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo

Brandão, R. O. I.inlin D'Águn, n. 9, p. 23-27, obr. 1995

de ardentes sonhos", como o poeta se refere a Byron, o fato é que, pela amplitude de sua produção criativa e crítica -- basta lembrar que em poucos anos de atividade fez incursões simultaneamente pelos campos da poesia (Lira dos Vinte Anos, Poesias Diversas, O Conde Lopo, O Livro de Fra Gonticário e O Poema do Frade, este último a que Joaquim Norberto chamou de “delírio poético"), do teatro (Macário), do conto fantástico (/I Noite na Taverna), dos vários estudos histórico-literários e os discursos acadêmicos, Álvares de Azevedo ocupa lugar de destaque na literatura brasileira do século XIX. E, certamente, mais elevado seria esse lugar se tivesse tido tempo para amadurecer os frutos que sua obra prometia.

Acrescente-se ao aspecto da diversidade dos gêneros com que exerceu seu talento, a aguda consciência que manifesta em relação à divisão da própria poesia.

Enquanto na primeira parte da Lira dos Vinte Anos o poeta revela, bem romanticamente, a insegurança de quem se inicia na atividade poética, sentimento que é reforçado pelas sensações de perda e de carência cujas imagens vai buscar na natureza, a eterna caixa dc ressonância do coração romântico: “São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor. E uma Ura, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem viço... São as páginas despedaçadas de um livro não lido...", no prefácio à segunda parte da obra, o poeta adverte o leitor: “Cuidado. leitor, ao voltar esta página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Barataria de D. Quichote, onde Sancho è rei; e vivem Panurgio, sir John Falstaff, Bardolph, Figaro e o Sganarelto de D. João Tenório: - a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare. Quase depois deAriel esbarramos em Caliban".

Relacionando as duas partes da Lira dos Vinte Anos, ele as define como uma criação fundada na duplicidade: “Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces". Como vemos, ao menos enquanto formulação, estamos longe da idéia clássica de unidade e muito próximos do que modernamente se designaria como "polifonia" ou “dialogismo" (Bakhtin) ou então das noções de fragmentação do sujeito nas teorias contemporâneasT Refletindo, cada um a seu modo, essas tendência, Fernando Pessoa criou seus heterônimos e o nosso Mário de Andrade disse: "Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta".

Em relação aos temas, denuncia Álvares de Azevedo o esgotamento do sentimentalismo "desde Werter e René", o que de certo modo o põe à frente de seus contemporâneos, pela capacidade de apontar um problema que só posteriormente seria sentido e formulado. Ao mesmo tempo, é capaz de perceber o rendimento crítico de uma postura sincrônica ao considerar mais

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Brandão, R. O. Linha D'Águj), n. 9, p. 23-27, nbr. 199S ,

atuais certas figuras de Rabelais e de Shakespeare por oposição "a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda".

Mas ele alinha outra razão para explicar o abandono da poesia que "cegou deslumbrada de filar-se no misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro"\ é que, "por espirito de contradição", o ser humano sempre busca o oposto daquilo que o tem saturado. Nesse momento, seguindo ainda a exposição do poeta, o homem assume sua condição terrena, material, anti- heróica, incluindo-se, como necessária, a realidade prosaica do mundo: "O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem, Homo sum, como dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as betas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artérias — isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E, digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia". Mais adiante, o poeta assinala a relação complementar entre os pólos "abstrato/real", realçando, agora anti- romanticamente, este último: Todo o vaporoso da visão abstrata nãointeressa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos".

Se essa profissão de fé "realista" do prefácio da segunda parte da Lira dos Vinte Anos não teve nos poemas que a compõem a extensão prometida ou se não foi senão o exercício de um puro imaginário poético - não devemos nos esquecer que o poeta morreu com pouco mais de vinte anos a verdade é que, pelo que fez e pelo que formulou como problemas literários, a obra de Álvares de Azevedo se distingue dos outros poetas de seu tempo e ainda hoje pode ser lida com interesse.

***

Sugestões de trabalho:

1. Explique com suas palavras algumas diferenças existentes entre os prefácios das duas partes da Lira dos Vinte Anos. Você pode tomar como partida estes dois fragmentos:

a) "Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna que agitava um sonho, notas que o vento levou, - como isso dou a lume essas harmonias." (PREFACIO À LIRA DOS VINTE ANOS);

b) "O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem, Homo sum, como dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artérias — isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E, digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia." (PREFÁCIO À SEGUNDA PARTE DA LIRA DOS VINTE ANOS)

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Brandão, R O. Linha D'Águn, n. 9, p. 23-27, abr. 1995

2. Caracterize como o subjetivismo e a fantasia conferem predicados humanos à natureza em versos como .estes:

Pálida estrela! o canto do crepúsculo Acorda-te no céu;Ergue-te nua na floresta morta Do teu doirado véu!

(CREPÚSCULO NAS MONTANHAS)

3. Mostre, nos versos que se seguem, como Álvares de Azevedo, embora romântico, é capaz de apreender com distanciamento e objetividade a ficção literária, ao mesmo tempo em que anima de tons de ironia e de humour os objetos do seu cotidiano:

Junto do leito meus poetas dormem - O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron - Na mesa confundidos. Junto deles Meu velho candeeiro se espreguiça E parece pedir a formatura.

(IDÉIAS ÍNTIMAS)

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Brandão, R. O. LlidiD D'Água, n. 9, p. 23-27, abr. 1995

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Álvares de. Obras Completas(1853). 8a. ed. Organizada por Homero Pires. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1942. 2v.

ROCHA, Hilton (Seleção e Apresentação de). Álvares de Azevedo, Poemas Malditos. 2a. ed. São Paulo, Francisco Alves, 1987.

CÂNDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos). 2a. ed., revista. São Paulo, Martins, s/d. 2v.

AMORA, Antônio Soares. O Romantismo (1833-1838/1878-1881). 4a. ed. São Paulo, Cultrix, 1973.

Abstract:

The following study, about Alvares de Azevedo 's works, emphasizes the poet's multiple directions and the tendency o f going beyond the liinits established by the romantic Brazilian poets,. Because o f these aspects and also because o f the consequence he had about literary problems and his own poetry, one can still read his work with interest.

Keywords:

Alvares de Azevedo, Romantic Poetry, Brazilian Romanticism.

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Artigo___________________

Linho D’Água, n.9, p. 29-33, abr. 199S

SÃO PAULO RE VISITADA: UM OLHAR PAULISTANO

Gilberto Figueiredo Martins’

Resumo:O texto refaz, de modo ensatstico, o percurso do escritor Mário de Andrade pelas ruas de São Paulo, através da leitura em série dos poemas de Lira Paulistana, publicado postumamente.

Palavras-chave:Modernismo brasileiro; poesia modernista; Mário de Andrade; São Paulo.

1. Retrato em branco-e-preto

Reler Lira Paulistana, dc Mário de Andrade, em meio às comemorações do 4412 aniversário de São Paulo, é, mais do que mero pretexto para diletante prazer literário, uma oportunidade para compartilhar com o mais paulista dos poetas sua visão privilegiada da cidade. Tendo sido publicados no ano da morte do escritor - 1945 -, os poemas desse livro servem como uma espécie de testamento, trazendo o depoimento definitivo sobre a cidade que ele insistenlemente retratou, na qual nasceu e onde passou a maior parte de sua vida.

O primeiro texto da série já justifica o título do livro, indicando o caráter musical dos poemas ("Lira") e reforçando o qualificativo "paulistana", que por si só denuncia a musa inspiradora c o objeto a ser cantado. Além disso, antecipa que o olhar lançado pelo poeta sobre a cidade está longe de ser um olhar idealizador, de caráter ufanista, sendo antes uma visão realista, que focaliza São Paulo como palco onde se confundem incessantemente vida e morte, construção e destruição, progresso e ruína... No poema, a viola de Mário, inicialmente apresentada como "bonita" e "namorada", transforma-se - quanto mais se

: aproxima da capital - em "ferida" e, finalmente, "quebrada":

Minha viola quebrada Raiva, anseios, lutas, vida,Miséria, tudo passou-se *

* Mestrando em Literatura Brasileira na FFLCH-USP e Professor-pesquisador da Escola do Futuro (ECA-USP).

Martins, G. F. Linha D'Água, n. 9, p. 29-33, abr. 1995

Em São Paulo.

Se a estrofe resume o passado do poeta (o único verbo existente está no pretérito), o presente está retratado no poema seguinte, em que, mergulhado nas noites e nas manhãs paulistanas, o sujeito olha a cidade e nela se vê, reflexo metonímico, parte do todo. Em curiosa inversão simbólica, a noite carrega menos elementos negativos - por escondê-los nas trevas - do que o dia, o qual, desvendando os "corpos flácidos" que perambulam pelas ruas, transforma a "luz sinfônica" em "marchas fúnebres".

Não apenas o jogo de luz e sombra é importante na constituição do ponto de vista que constrói os textos, mas principalmente a dicotomia espacial perto/longe. Turvada a visão pela distância e pela garoa ("Timbre triste de martírios"), tudo e todos se confundem: negros viram brancos, assim como pobres são tornados ricos; contudo, de perto, a imagem da capital paulista reveste-se de uma pele realista e a voz que ressoa é a de quem está inserido na cidade e não a de alguém que de longe dela se orgulha. O modo de ver desejado pelo poeta aparece sintetizado em um dos versos da Lira:

Garoa, sai dos meus olhos.

A mesma sensação de fragmentação que já levara Mário de Andrade a afirmar "Sou trezentos, sou trezentos e cincoenta" contamina seu olhar: São Paulo desdobra-se em cacos, os quais, no conjunto do livro, acabam por constituir um verdadeiro painel em mosaico da cidade. O olhar poético começa, então, a fotografar paisagens pelas quais passamos diariamente, normalmente desatentos, ocasionando ora instantes marcados pela rememoração autobiográfica e passadista, ora momentos de pendor reflexivo, em que se tecem considerações acerca do futuro.

O primeiro cartão-postal sob forma de poema retrata a Rua Barão de Itapetininga, com as demais "Ruas do meu São Paulo" servindo de moldura, tendo ao fundo os acordes do músico Camargo Guarnieri. Pela Barão passeia a mulher amada, namorada confundida com todas as moças, em meio a tantos "corpos, corpos, corpos/enfermos e agitados".

Já a Praça da Sé mostra-se como palco privilegiado para exaltadas manifestações eontestatórias, de horror ao "Nazismo infame", e espaço em que se denunciam os "crimes que o estrangeiro/Tem". Local de confissão por excelência, ergue-se a catedral "que nunca se acaba", construção "horrível/Feita de pedras bonitas" na qual o "sacro e o profano" mesclam-se em falsa e pétrea imagem de eternidade. Mas, destituído de sua função, é o templo mero corpo sem alma, destinado ao mesmo fim de tudo o que é só concreto: a ruína.

Em um contexto autobiográfico, na parede da memória, as ruas Aurora (onde Mário nascera) e Lopes Chaves (na qual morava então), juntamente com o Largo do Paiçandu (local por ele freqüentado em sua mocidade), reconstroem30

Martins, G. F.

o centro velho da metrópole, com o qual o poeta compartilha os efeitos da passagem dos anos e onde confessa o desejo de "ser esquecido e ignorado/Como esses nomes de rua". Se é verdade que o olhar constrói o visto, a memória, por vezes, o refaz, desfazendo-o...

Completam o "cenário insatisfeito" a "estação cinquentenária'.' - promessa de luz, expressa já no nome, aos esperançosos nordestinos que. nela aportam diariamente - e o arco da Ponte das Bandeiras, sob a qual flui lentamente o Tietê, rio contraditório que se afasta do mar e adentra na terra dos homens, com sua "viscosidade oliosa", "água noturna" ("noite líquida"), "caminho de morte". Sobre ele o poeta medita e nele literalmente se espelha, "coração devastado", alma também tomada por "germes insalubres", induzido pelas águas "abjetas e barrentas" a afundar no sofrimento, desistente da "felicidade deslumbrante", impedido de assumir-se "melancólico e frágil" e de criar um rio novo de lágrimas, ainda que "sujado/Dc infâmias, egoísmos e traições":

Fazendo de mim uma trama onde a aranha insaciadaSc perdeu em asco e polem, cadáveres e verdades e ilusões.

Montado o painel, composto o cenário, desponta, entre os difíceis edifícios, o homem-poeta-paulistano, questionando seu anterior "orgulho máximo de ser paulistamente" (verso escrito nos anos vinte, em Paulicéia desvairada), repensando sua presença no espaço-tempo, refletindo sobre sua existência, buscando pelas ruas paulistanas e pelos poemas que as retratam sua imagem avessa, o "insofrido", aquele que consegue não sofrer apesar do nada em que está também imerso, cidadão-comum que é...

E os frutos da desilusão acumulam-se sobre as ruínas inevitavelmente construídas: a dúvida quanto ao valor do objeto cantado ("Eu nem sei si vale a pena/Cantar São Paulo na lida"), as interrogações de cunho existencialista ("Isso é vida?"), o desejo de esquecer e ser esquecido, mais a crença de que se a felicidade existe está do outro lado do cais ("Eu vou-me embora, vou-me embora") ou nos braços de uma amada sempre inatingível, perdida em um futuro que nunca virá (7.../ a conclusão do meu corpo/No leito/Duma cabeleira pesada.").

Os poemas de Mário são, mais que um testemunho, um grito a lembrar que, apesar do esplendor ilusório e da grandeza da cidade, sempre restam à sombra os solitários, aqueles que sabem não ter vindo ao mundo para ser pedra...

Linha D*Água, n. 9, p. 29-33, obr. 1995

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Martins. G. F. Linha D'Á|>ua, n. 9, p. 29-33, obr. 1995

2. A cidade na sala

Afirmar que a obra de Mário de Andrade oferece inúmeras possibilidades de uso didático graças à sua temática sempre atual e a seu estilo acessível aos estudantes de segundo grau é, no mínimo, redundante. Portanto, nosso ensaio pretende, antes, oferecer uma sugestão prática aos professores, visando, inclusive, a romper parcialmente as barreiras que se opõem ao trabalho interdisciplinar.

Os poemas de Mário de Andrade que focalizam São Paülo podem ser utilizados, por exemplo, em aulas de literatura sobre o Modernismo, salientando-se a temática do cotidiano e a despreocupação com a rigidez da métrica. Aos professores que contem com maior disponibilidade de tempo, sugere-se também a aproximação entre os textos de Lira Paulistana e os de Paulicéia Desvairada, interessante ilustração para discussões sobre o "Prefácio Interessantíssimo" e as idéias estéticas do começo do século. Em aulas de redação, utilizando-os como textos-eslímulo para oficinas de poesia, ou mesmo como temas para textos dissertativos (São Paulo ontem e hoje; Progresso: prós e contras; O desaparecimento da identidade no desenvolvimento urbano etc) ou descritivos (é possível, ainda, extrair trechos dos poemas que exemplifiquem as diferenças entre descrição estática e dinâmica, descrição subjetiva e objetiva...).

Pode-se propor aos alunos a elaboração de pequenos manuais/guias turísticos, com o uso de fotografias e paráfrases dos poemas, retratando os diversos locais descritos pelo poeta, e trabalhos de pesquisa toponímica, para descobrir a origem dos nomes das ruas e praças retratadas. Professores de Geografia poderíam complementar os trabalhos, orientando os alunos a confeccionarem mapas do centro de São Paulo, os quais acompanhariam caricaturas e ilustrações produzidas em aulas de Desenho ou Educação Artística. Já nas de História, poderia ser focalizado o período em que o poeta escreve seus textos: a Segunda Guerra Mundial, o governo militar, a modernização de São Paulo etc.

Dessa forma, talvez, a literatura possa passar, gradalivamente, a ser vista não como enfadonho objeto a ser vencido e consumido para obtenção de nota, mas como instrumento de reconhecimento da vida,-'retrato e produto da imersão do sujeito no mundo.

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Abstract:

Martins, C. F. Linha D'Água, n. 9, p. 29-33, abr. 1995

Th is essay makes the same Uterary trajectory which Mario de Andrade once made through the streets o f Sâo Paulo, now focusing the poems o f Vira Paulistana, book published afler the poet's death.

Keywords:

Brazilian Modernism; modernist poetry; Mario de Andrade; São Paulo.

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L in h a D 'Águo, n.9, p. 35-39, a b r . 1995

Artigo____________________

“PROBLEMAS DA SOCIALIZAÇÃO LITERÁRIA HOJE À LUZ DA TEORIA LITERÁRIA”

Hartmut Eggert

tradução de Ruth Rõhl * e Susanne Umnirski-Gattaz**

I. Implicações históricas c pressupostos

1. ) O termo 'socialização literária' é uma criação anóloga a "formação literária", "compreensão literária", "cultura literária" etc. Segundo sua origem ele é, primeiramente, limitado àqueles processos de socialização que habilitam à participação ativa em um âmbito da cultura estética.

2. ) Pesquisas sobre a socialização literária precisam certificar-se cada vez mais dos conhecimentos da teoria literária a respeito da "História Social da Literatura" para evitarem continuar caindo em padrões de valorização historicamente limitados e modistas. Pois do ponto de vista histórico-cultural e político-social existe uma relação estreita com o (elevado) conceito de que a "formação literária" gozava na sociedade burguesa, na Alemanha.

3. ) A criação do campo de pesquisa é em si conseqüência da crise da formação literária tradicional no século XX. Com a expansão dos meios de comunicação, intensificaram-se não só as questões básicas sobre o futuro do significado social da cultura literária, como também a teoria literária estendeu seus campos - no decorrer de discussões sobre sua auto-identificação -, colaborando assim na ampliação e historicização de conceitos literários. Essas diferenças ainda não foram suficientemente levadas em consideração na pesquisa sociológica e psicológica. (Ao contrário, na teoria literária domina freqilentemente uma psicologia ingênua em relação à sociologia).

4. ) A relação entre a socialização literária (no seu sentido restrito e no da socialização geral dos leitores ou da leitura) recebeu pouca atenção, ao passo que se atribuiu um determinado grau de evidência ao uso de textos ficcionais no âmbito particular e nos processos de formação de criancas e jovens (sobretudo de origem burguesa).

A pesquisa do processo de formação de uma competência geral e diferenciada de leitura pode revelar que a socialização literária no sentido restrito desempenha aí um papel muito importante. Pois a porcentagem de

* Professora da USP - Departamento de Letras Modernas** Mestranda da USP - Departamento de Letras Modernas

crianças e jovens que têm a leitura como atividade voluntária é ainda significante.

5.) Além do mais, a teoria literária chegou à conclusão, em suas pesquisas referentes à teoria da recepção, que a descrição de traços textuais (c conseqücntcs classificações de tipos de textos) não é suficiente para marcar claramente as diferenças entre textos "literários" e "não-literários". O mesmo texto pode ser lido - dependendo da postura e expectativa da leitura - como texto literário ou não-literário. Para a "compreensão literária" existe uma grande dependência em relação ao contexto (vide Viehoff 1988). Além do mais há, no que diz respeito à história da literatura, uma forte relação de interdependência entre os tipos de textos "literários"e "não-literários".(Lembre-se neste caso p. ex. a discussão de historiadores sobre a peculiaridade e o status de textos historiográficos; vide entre outros, Auch Clio dichtet odcr Dic Fiktion des Faktischen (1986) - Clio também poetiza ou A ficção dos fatos - de Hayden White)

Eggerf, H. Linlm D'Águn, n. 9, p. 35-39, abr. 1995

II. Elaboração da teoria c primeiras pesquisas no âmbito da"socialização literária"

1. ) A elaboração da teoria separou-se, com muita razão, da teoria que determina as preferências literárias conforme a idade do leitor. Esta tinha sua origem na alta valorização da cultura literária burguesa e acreditava poder relacionar desenvolvimentos físicos com gêneros literários (contos de fada, romances de aventura, dramas, baladas, poemas, romances). Nisso estava implícito um esquema de gêneros literários (em si historicamente mutável) caracterizado pelo aumento de complexidade e reflexividade.

(Esse processo contém em si, provavelmente, o principio de que toda a onlogênese é uma filogênese encurtada, resumido num antigo slogan da crítica da didática e dos livros de leitura:"Quanto mais jovem a criança, mais velho o gênero literário". Sobre os textos da tradição da oralidade e da literalidade, vide mais abaixo).

2. ) Para a captação dos processos na socialização literária e de sua dinâmica psicológica predominam, na mais nova elaboração dá"teoria, categorias centrais da psicologia e da psicanálise (cognições, emoções, afetos, regressão, sublimação, identificação, projeção, empatia etc.).

O pesquisador da teoria literária pode perceber, através do material de exemplos e pesquisas, que na temalização dos processos receptivos da compreensão literária (em contrapartida à teoria que determina as preferências literárias conforme a idade do leitor) predominam em primeiro lugar as formas da prosa c, em segundo, aquelas que se caracterizam por uma descrição

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Eggcrt, H. Linlia D'Águn, n. 9, p. 35-39, abr. 1995

centrada num protagonista (vide Schõn, Literarische Rezeptionskompetcnz - Competência na recepção de literatura - 1990).Freqiientemente, esta tendência se deve a preferências literárias dominantes ou a aplicações despercebidas de categorias psicológicas/psicanalíticas no esclarecimento de processos de leitura.

3. ) Segundo essas primeiras pesquisas teóricas são determinadas ou preferidas formas de prosa que se consolidaram ou formaram predominantemente no século XIX. A literatura da modernidade ou os gêneros literários comprometidos explicitamente com formas tradicionais poéticas e artísticas (p. ex. a poesia) desempenham, em contrapartida, um papel completamente secundário. Isso reflete também uma parcela da história da recepção da psicanálise no âmbito da teoria literária , na qual se prestou muito pouca atenção à forma literária . Ultimamente esse fato mudou (vide Schõnau, Einführung in die psychoanalytischc Literatunvissenschaft - Introdução à teoria literária psicanalítica -1991).

4. ) Não há por que se estranhar que muitas vezes se tenha a impressão de que as interpretações psicológicas de processos de leitura possam também valer ou não possam ser diferenciadas de processos receptivos de televisão ou de filmes.

O motivo reside , provávelmenle, na afinidade maior entre romance e filme (e numa história de gênero mutuamente estimulante), pois a acentuação de critérios normalmente destacados para a cultura literária e, conforme esses critérios, os processos receptivos do romance e da poesia, p.ex., são muito mais significativos. (A não ser que se trate de fenômenos dominantemente psíquicos e não, daqueles da cultura literária.)

5. ) Caso se queira pesquisar a formação da competência na recepção literária (e sua contribuição para a competência literária em geral), a qualidade da leitura é um fator primordial.

Já a diferença (terminológica) entre "cultura literária" e "cultura de leitura" se demonstra como limitação da primeira. A leitura de um drama, p. ex., se revela como forma redutiva de caracteristicas do gênero, segundo as quais o texto é compreendido principalmente como partitura para a realização cênica de uma apresentação teatral.(Deve-se destacar que com isso o contexto da recepção é seriamenle modificado para a experiência estética.) Ou: Um leitor de lírica, que não assimila os poemas em suas qualidades linguísticas fonéticas e rítmicas, os reduz ao patamar de afirmações semânticas (ou, mais restritamente, conteudísticas).

A redução de "cultura literária" a "cultura de leitura" pode ler consequências para a pesquisa sobre a socialização literária, na medida em que é desprezado o momento "vontade de trabalhar com a língua", mas também "vontade de brincar", "vontade de criar imagens", em relação a textos literários. Segundo as

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Eggert, H. Linha D'Água, n. 9, p. 35-39, abr. 1995

primeiras pesquisas teóricas da atualidade sobre a recepção literária, é muito mais difícil explicar, p. ex., como alguém se toma amante da poesia do que de romances.

III. Primeiras explicações de processos de socialização

1. ) Se se entendem processos de socialização como processos de culturaiização, então é imprescindível que se determinem progressos em seu desenvolvimento e seus respectivos parâmetros, Eles não podem ser obtidos apenas através de fenômenos da dinâmica física e social, mas também, e principalmente, através da análise dos objetos culturais. Freqüentemente os leitores sabem que não estão cm condição de assimilar a obra (falta de competência na recepção).

Bourdieu fala - conforme sua teoria estruluralista - da capacidade de decodificação de formas simbólicas e inclui nisso as formas historicamente mutáveis de sistemas simbólicos. A diferença entre formas dc percepção cotidiana e da percepção de formas simbólicas parece, por isso, um campo importante na pesquisa da socialização literária como culturaiização de diferentes âmbitos da práxis estética (processos de diferenciação vs. formação continua de competência).

2. ) Um fator primordial na pesquisa da socialização geral de leitores e da leitura consiste na relação entie motivação e competência da leitura. Do ponto de vista da teoria literária deve-se examinar qual seria sua contribuição com base no seu conhecimento da transformação histórica e literária de formas e mudanças sócio-funcionais da literatura.

Assim como a transição de tradições literárias orais para escritas (e maior acessibilidade) causou transformações formais e funcionais, hoje constata-se já nos quartos das crianças a "maquinalização literária". A conseqüente radicalizção da privacidade à intimização de literatura levanta novas questões sobre a função comunicativa da arte.

A forma adolescente da leitura particular - "o refugio do que está pendente" (Mcssner/Rosebrock) - parece se tornar uma forma dominante na tendência, independente de qualquer idade, à "individualização da recepção". Isso significa uma perda funcional de acesso público e um aumento da comunicação indireta.

3. ) Da perspectiva "progresso de desenvolvimento" é necessário tentar a hierarquização de formas e funções de recepção. O compromisso social de normas estéticas (que hoje são inegáveis num pensamento histórico-literário) obriga a pesquisa da socialização literária a examinar crílicamente aquelas condições que (1) impedem o acesso à cultura estética e onde (2) práticas culturais são discriminadas sobretudo como práticas de uma camada social.38

Eggcrl, II.

("Romances para a classe baixa " foi o título crítico de uma publicação de teoria literária nos anos cinqüenta, na qual tentava-se revelar que tais produtos eram um instrumento (literário) do poder. Em alguns estudos posteriores, bem intencionados, podia-se ter a impressão de que a leitura desse gênero abriga um valor em si mesmo por implicar - contrário à televisão - uma competência na leitura.)

A pesquisa em relação â socialização literária torna-se apologctica e desolada, á medida que questões sobre os valores literários e o sentido da leitura são deixadas de lado. Enquanto processo de culturaiização, a socialização literária é um processo completo que deve habilitar à participação em uma cultura literária historicamente mutável e determinar-se com base nesse objetivo - tendenciosamente fora dc formações de sentido particulares.

4.) Os estudos comparativos internacionais no âmbito da "cultura da leitura", que se baseiam em sua maior parte em levantamentos quantitativos apresentam, freqüentemenle, a falha de o significado da cultura literária em cada país (tradições culturais) ser escassamente levado em consideração.

O "olhar untrapassando fronteiras" faz sobretudo sentido quando a particularidade da tradição alemã se toma mais clara. Assim, por exemplo, na comparação com a França, percebe-se que lá a leitura é menos acentuada como meio de "autoconhecimento" e "formação particular de sentido” (e com isso vontade particular de leilura) que na Alemanha , por causa de sua "tradição da interioridade".

Cabe perguntar em que medida a crescente psicologização da pesquisa da recepção ainda permanece nessa tradição ou se ela é um reflexo da individualização acentuada da recepção (também como conseqüência dos meios de comunicação novos) e em que medida as primeiras pesquisas (biografias de leituras e de meios de comunicação) tentam dar conta disso. A integração da pesquisa com formas e funções da socialização literária atual, no amplo campo da história dos meios de comunicação (com a história literária como secção parcial) pode dar-lhe também uma consciência de sua metodologia na perspectiva histórica.

Linha D'Aguo, 11.9 , p. 3S-39, obr. 1995

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L inha D’Á gua, n.9, p. 41-45, ab r. 1995

Diário dc Classe: relato de experiência

Escrever um romance cm sala de aula

Relato de uma experiência

Véronique Dahlet*

Preliminares

O projeto de escrever um romance em sala de aula nasceu da intenção de colocar os estudantes numa situação de redação relativamente longa: tratava-se dc mudar uma prática pedagógica que, ao meu ver, não leva aos melhores resultados e que consiste em propor trabalhos curtos e pontuais visando testar a assimilação de um conhecimento lingíiistico.

Porque esta reação?

Propor aos estudantes trabalhos escritos com o único fim de controlar suas aquisições equivale a instalá-los numa situação artificial de redação, Na realidade, pede-se aos alunos que escrevam apenas para mostrar que assimilaram um certo conhecimento em língua. O trabalho de redação transforma-se, então, em pretexto, toma-se uma espécie de vestimenta para o exercício escolar / universitário, uma atividade secundária. Já se percebe aqui o paradoxo.

Além disso, há o risco de se solicitar a atenção do aluno exclusivamente para um tópico determinado da língua (sendo este tópico precisamente a razão essencial da redação), de forma que os outros processos envolvidos no ato de redigir correm o risco de ser negligenciados.

Assim, a produção escrita é associada a um exercício e não mais a um texto, que elabora em seu desenvolvimento uma estrutura, uma construção que lhe dão coerência. Por conseguinte, as chances de sucesso do desempenho do estudante, bem como prazer, aliás, podem ficar bastante diminuídos.

Evidentemente o trabalho de redação pontual e curto pode ser proposto, mas sob certas condições:

- que ele seja apresentado como tal, isto é, como exercício que permita ao professor avaliar a aquisição de um tópico preciso;

* Professora da USP - Departamento de Letras Modernas.

Dahlet, V. Linlia D'Águn, n. 9, p. 41-45, abr. 1995

- que não seja proposto sistematicamente a fim de que o estudante não o associe automaticamente a uma prova de avaliação, a um simples pretexto que, na realidade, sirva para avaliar seus conhecimentos linguísticos e não suas aptidões para construir um texto. Neste caso, o texto é considerado pelo professor muito mais uma soma de conhecimentos que se adicionam uns aos outros do que um todo constituído de cada uma das partes que, juntas, conslrocm o sentido:

- que ele não seja proposto com frequência, pois o trabalho de redação pontual e curta impede o estudante de viver a experiência prática de um texto onde se utilizam os diferentes recursos de coesão (como os tempos verbais, os dêiticos, o jogo das designações, o desenvolvimento temático, etc.). Sabemos que os processos textuais só se tornam significativamente pertinentes a partir de uma certa extensão do texto. Assim, ao propor aos estudantes pequenas produções escritas, freia-se, na realidade, a aprendizagem desses diferentes processos de estruturação textual.

1. Concepção global do procedimento

1.1. O trabalho longo de redação foi proposto aos estudantes de Língua Francesa VI da USP (nível 3e ano) no segundo semestre de 1993.

1.2. Foram dadas, de início, duas indicações com relação à história:

- o tema do romance: trata-se de um romance de amor. O tema me pareceu suficientemente polarizador na medida em que não deixaria certamente insensíveis os estudantes, que podiam, além disso, introduzir em seus romances enredos inteiramente fictícios ou inspirados em suas próprias experiências. Além disso, cada um de nós é receptor múltiplo de “histórias de amor” (romances, peças de teatro, filmes, narrativas em que somos os personagens principais ou os confidentes): o romance de amor abre espaço onde, de receptores, tornamo-nos autores, mudança essa que nos permite refletir um pouco sobre as tramas do gênero.

- tempo e o lugar do romance: hoje, em São Paulo. Um quadro espácio- temporal familiar é interessante porque situa o imaginário dos estudantes num mundo conhecido, cujas referências culturais eles já possuem.

1.3. Distribuição das tarefas e planejamento no tempo

Para bem realizar esse tipo de redação de textos longos, o trabalho em grupo é o mais indicado. Cabe aos estudantes (3 por grupo é o número ideal e o nível deve ser relativamente homogêneo) determinar a organização do trabalho dentro do seu grupo. A execução do projeto se estende por um semestre.

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Dahlet, V. Linha D'Água, n. 9, p. 41-45, abr. 1995

Os romances são divididos obrigatoriamente cm capítulos (deles tratarei mais adiante). Essa divisão é extremamente cômoda para o planejamento do tempo. Quanto à extensão do romance, indiquei um total de cerca de 60 páginas, de 4 a 6 páginas por capítulo, sabendo que essas indicações constituem muito mais pontos de referência do que regras estritas. Assim, cada grupo devia me entregar, a cada duas ou três semanas, um total de 3 a 4 capítulos.

2. Metodologia

Os estudantes tinham toda a liberdade quanto ao conteúdo do romance de amor. Entretanto, certas regras de estrutura e de técnica de redação lhes foram impostas.

2.1 Regras de estruturação

São duas: estruturação do romance em capítulos e análise da estrutura de cada um dos capítulos através de seu respectivo esquema narrativo.

2.1.1 A estrutura em capítulos apresenta vantagens. O capítulo é uma divisão bem delimitada de modo que o estudante vai percebendo sua progressão e não se vê assim confrontado com o tema considerado em um só bloco. Em outras palavras, há diversos começos e diversos desfechos; como consequência, essas delimitações não só transmitem uma certa confiança como também constituem pontos de referência para a progressão da redação.

2.1.2 O capítulo se apresenta como uma unidade fechada: o seu conteúdo é julgado satisfatório quando o estudante consegue novo equilíbrio característico de seu começo para encontrar um novo equilíbrio que levará ao desfecho. O esquema narrativo, que se compõe de 6 elementos, ajuda-o nessa tarefa, na medida em que ele é levado a explicitar, pela visualização, as diferentes forças, convergentes ou contraditórias, que animam a narrativa:

móbil da ação beneficiário(s)herói projeto de ação

aliado(s) oponente(s)

Simples, claro, muito útil para que o estudante não se perca durante a redação, o esquema narrativo solicitado para cada capítulo lhe dá uma narrativa efetiva e justifica assim plenamente essa estruturação. Mas o que o esquema tem de mais interessante é que facilita os procedimentos: sabe-se que o trabalho de redação exige a realização de diversas tarefas concomitantes. Trata-se de resolver os problemas de conteúdo - o que vou dizer? os problemas de forma - como vou dizê-lo? isso tudo sem contar os inúmeros problemas de língua. Em resumo, a sobrecarga mental é grande. É preciso então procurar diminui-la a

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Dahlcf, V. Linha D'Águn, n. 9, p. 41-45, abr. 1995

fim de facilitar o processo de redação do estudante. Assim, solicitar a elaboração do esquema narrativo de cada capítulo é resolver o problema do conteúdo, uma vez que com a representação antecipada do enredo o estudante fica disponível para tratar da resolução dos problemas de forma e língua.

2.2 Integração dos conteúdos de aprendizagem

Integrar à redação do románce os conteúdos do programa do curso faz sem dúvida parte dos processos que facilitam o trabalho do aluno. Procura-se não deixar o estudante diante de sua tarefa, mas estabelecer uma ligação entre as aprendizagens feitas no curso e a produção narrativa escrita, o que apresenta um interesse pedagógico evidente.Os tópicos de aprendizagem na sala de aula tinham alvo bem definido. Incidiam sobre técnicas de redação e descrição, de um lado; processos de amplificação, de outro (Referência: La Machine à deriture, G. Vignier, CLE International, vol.2 et 3).

2.2.1 A descrição exige uma competência incontestável para a redação. Por isso ela é trabalhada a partir de um esquema funcional simples onde o termo genérico (ou seja, o objeto de descrição) se decompõe em vários termos específicos aos quais se atribui uma qualificação. Esse esquema torna-se cada vez mais complexo.(estruturas sintáticas variáveis para expressar a qualificação, pesquisas lexicais e gramaticais para todas as formas de expressão da localização, da relação entre elementos, etc.).

2.2.2 São três os processos de amplificação:

- a multiplicação consiste em detalhar as palavras-chaves: os substantivos são decompostos em seus constituintes; os verbos , em uma série de outros verbos.

- as peripécias criam uma série de obstáculos que retardam a realização de uma ação. A cada obstáculo encontrado e depois superado, sucede um outro obstáculo, que será também por sua vez superado e assim sucessivamente.

- aumentar deliberadamente o número de linhas consiste em “inchar” um texto com a única finalidade de ocupar espaço, de encher a página. Pcdc-sc ao estudante para introduzir sistematicamente uma frase entre duas outras de sua narrativa já constituída.

Percebe-se facilmente a dimensão lúdica especialmente das duas últimas amplificações.

Assim, todas as instruções a serem aplicadas obrigatoriamente ao romance eram trabalhadas coletivamente em aula enquanto a redação era realizada fora do curso.

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Para concluir este relatório de experiência seguem algumas observações sobre a avaliação.Como avaliar este tipo de produção?

Pessoalmente, fixei-me em três critérios: as diferentes técnicas de redação assim como a coerência entre esquemas narrativos e capítulos constituem dois pontos suficientemente estáveis e nitidamente localizados para serem submetidos a uma avaliação de caráter mais objetivo. Enfim, na medida em que a entrega de capítulos ao professor se beneficiava de uma pré-correção referente à língua e à gramática do texto (léxico, expressão, sintaxe, coerência textual), o terceiro critério de correção se fundamentava na autocorreção feita pelos estudantes entre a primeira versão e a versão definitiva de seus romances.

Oahlct, V. Lliüia D'Águn, n. 9, p. 41-45, nbr. 1995

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Diário de Classe

Linha D'Águn, n. 9, p. 47-57, abr. 1995

Introdução à literatura alemã na USP

Celeste H. M. Ribeiro de Sousa*

Programa

Introduzir os estudantes brasileiros à literatura alemã na FFLCH da USP pressupõe como pre-rcquisito que estes tenham cursado dois semestres de língua alemã com seis aulas semanais. Assim, as disciplinas de Literatura I e II são ministradas no segundo ano do curso, com duas aulas por semana, quando o aluno já adquiriu as habilidades linguísticas básicas para acompanhar o programa que lhe é proposto: uma visão panorâmica da literatura alemã do século XX ao século XIX. Conta-se, por outro lado, com os conhecimentos literários já oferecidos pela disciplina Introdução aos Estudos Literários ministrada no Io ano.

Atendendo sempre á barreira que a língua alemã representa para o aluno brasileiro, não só pela dificuldade do contato, devida à distância geográfica entre o Brasil e a Alemanha, mas também pela estrutura sintática da língua, bem diferenciada da do português, começa-se o programa pelos anos setenta, e recua-se lentamente até o Romantismo. Os textos literários dos anos pós-guerra oferecem narrativas curtas e poesias, cujo registro linguístico é mais accessível aos alunos em questão. Tais textos são apresentados cm dois pequenos livros editados peta FFLCH. Deutsche Litcratur im 20. Jahrhundcrt: Matcrialicn für den Frcmdsprachcnstudenten (Literatura Alemã no século XX: textos e exercícios para o estudante de língua estrangeira) de autoria dos professores do Curso de Alemão Hcrbert Bornebusch, Ruth Rõhl e Claudia Dornbusch e Deutsche Litcratur im 19. Jahrhundert: Materiaticn für denFrcmdsprachcnstudenten) de autoria dos professores Herbert Bornebusch, Ruth Rõhl, Claudia Dornbusch e Celeste H.M. Ribeiro de Sousa. Os livros contém vasto material, passível de ser usado em sala de aula, e cabe ao professor selecionar ou acrescentar o que mais lhe convier.

Professora da USP - Departamento de Letras Modernas

Souza, C. H. M. R. Linha D'Água, n. 9, p. 47-57, abr. 1995

Os livros - livro 1

O primeiro livro, Deutsche Literatur im 20. Jahrhundert: Materialien für den Fremdsprachcnstudentcn (Literatura alemã no século XX: textos e exercícios para o estudante de língua estrangeira) é usado no primeiro semestre. A matéria é dividida em três unidades: "a Literatura depois de 1945 (die Literatur ab 1945)", "a Literatura da República de Weimar (die Weimarer Literatur) e a Literatura do Exílio (die Exilliteratur)" e "o Expressionismo (der Expressionismus)".

Unidade 1

Para o primeiro dia de aulas, há uma página com fotografias de capas de livros e retratos de autores em folhetos de propaganda ou simplesmente pequenos textos sem ilustração. Os alunos devem olhar as ilustrações, ler os textos, sem se preocuparem em entender tudo, pois já sabem que deles se espera unicamente a resposta às perguntas (estudo dirigido) que, em primeiríssimo lugar, lhe são apresentadas. Neste caso, eles deverão reconhecer autores alemães e títulos de obras que já foram traduzidos para o português, deverão saber distinguir os livros de literatura "stricto sensu" dos de teoria ou crítica, deverão saber dizer se se trata de romance, antologia, conto, ou teatro, pois estes dados constam dos textos apresentados. Os autores e os livros em ilustração são: Paul Celan - Gedichtc (Poesias), Botho StrauB - Die Widmung (A dedicatória), Heinrich Bõll - Irisches Tagebuch (Diário irlandês), Christa Wolf - Kassandra (Cassandra), Ingeborg Bachmann - Erzãhlungen (contos), Max Frisch - Homo Fabcr, Elisabeth Frenzel - Stoffe der Wcltliteratur (Temas da literatura universal), Walter Hinck - Das moderne Drama in Dcutschland (o teatro moderno na Alemanha). Há ainda outros exercicios: um é dedicado a Christa Wolf, e consta de um texto com lacunas, em que, em linguagem muito simples, é oferecida uma biografia resumida da autora. Os alunos devem preencher as lacunas que, em 80%, exigem o nome da própria escritora e, nos outros 20%, palavras tiradas do texto apresentado junto à foto. Tais exercícios de facilidade extrema têm dois objetivos: convencer o aluno de que'ele já consegue ler alemão no original e motivá-lo para leituras progressivamente mais difíceis, depois da quebra da barreira inicial. Oferecem-se e pedem-se, além disso, ainda algumas informações de cunho histórico e cultural sobre a Última Grande Guerra e a Literatura de Escombros; a Década de 50 e a crítica ao capitalismo e à sociedade de bem-estar; a Década de 60 e o engajamento político da literatura; a Década de 70 e o terrorismo internacional, a guinada conservadorisla e o recolhimento dos escritores à "Nova subjetividade", à redação de memórias, de

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livros autobiográficos e de biografias; a Literatura da DDR (Alemanha Democrática) e o realismo socialista.

A primeira unidade "Literatura depois de 45" desdobra-se devagar com a apresentação de várias poemas, cujos títulos são apresentados em separado. Os alunos deverão ligá-los às poesias a que pertecem. Espera-se, nesta parte, sobretudo, que o aluno saiba ler. Além da literatura, propriamente dita, é normalmente dado um trecho de uma obra teórica - aqui, Wozu Lyrik hcute? (Para quê poesia hoje?) de Hilde Domin. Sobre este texto há dois exercícios: um de ordenar frases que resumam o trecho lido, outro de escrever do lado de várias afirmações "richtig" (certo) e “falsch" (errado).

Exemplos:1. Ordnen Sie bitte die Sãtze in der richtigcn Reihenfoigc des Tcxtes!

(Coloque as frases em ordem certa segundo o texto)( ) Kunst ist Selbstzweck.(3) Man soll die Wirklichkeit verãndern.( ) Lyrik ist durch Auschwitz unmóglich geworden.( ) Man soll lieber den politischen Teil der Zeitungen lesen ais Gedichte

schreiben.( ) Kunst verãndert die Wirklichkeit nicht.( ) Lyrik ist unnütz und unverzichtbar zugleich.

Souza, C. H. M. R. Unira D'Águn, n. 9, p. 47-57, nbr. 1995

2. Richtig odcr falsch? Machen Sie Krcuze: (Certo ou errado? Faça uma cruz:)____________________________________________________________

richtig falschHilde Domin meint, dali Lyrik durch Auschwitz

unmóglich geworden ist.H. Domin bringt zwei Ant-worten auf die Ffage

"Wozu Lyrik heute"?H. Domin spricht über die Geschichle der Lyrik.H. Domin ist der Meinung, dali Lyrik unnütz und

verzichtbar zugleich ist.H. Domin meint, dali Lyrik unverzichtbarer ais je

ist.Die zweite Antwort lehnt die FRAGE ab: Es gibt

hier kein "Wozu".

Passa-se então ao romance: Abschicd von den Eltcrn (Despedida dos pais) de Peter Weiss, Homo Faber de Max Frisch, Die gcrettcte Zungc (A língua absolvida) de Elias Canetti, Ansichtcn cincs Clowns (Considerações de um palhaço) de Heinrich Bõll. Depois do título de cada romance há um resumo da

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Souza, C. H. M. R.

obra. Em seguida, é transcrito o começo original de cada livro. Os alunos devem identificar o resumo com o começo de cada romance.

O teatro também é abordado: um trecho significativo da peça radiofônica de Wolfgang Borchert Drauflen vor der Tür (Lá fora diante da porta), bem como o índice e o prólogo da peça de teatro de Peter Weiss Marat/Sadc. Aqui, pede- se ao aluno que compare e diferencie a estrutura do teatro moderno da do teatro aristotélico.

Para encerrar a unidade, há um conjunto de exercícios que promove a revisão da matéria exposta. Eis o sétimo: 7. Ordnen Sie bitte zu! Hier habcn Sie eincn Überblick über die literarische Entwicklung in der BRD! (Faça as correspondências! Aqui você tem um panorama do desenvolvimento literário na RFA!)

Llnbn D’Águn, n. 9, p. 47-57, abr. 1995

1. Phase 1945-1950

2. Phase 1950er Jahre

3. Phase I960er Jahre

4. Phase 1970er Jahre Beginn der 1980er Jahre

Neue Subjektivitãt, neue Innerlichkeif. Interesse an eigener und fremder Lebens-geschichte. Suche nach persõnlicher Identitãt. Distanz zu õffentlicher politischer Aktion. Markierungen: Versuchübcr die Pubcrtât von H. Fichte, Nachdcnken über Christa T. von Ch. Wolf.

Kritische Beobachtungen der Wohlstands-gesellschaft durch Satire und Groteske.Überlagemng von Zcit- und BewuCtseins-schichten. Markierungen: Der Besuch der aiten Dame von F. Dürrenmatt, Homo Fabcr von M. Frisch.

Fortsetzung formalcr und inhaltlicher Traditionen, aber auch radikale Neuorientierung. Die Autoren schreiben unter dem Eindruck von Krieg und Vernichlung. Kriegs- und Heimkehrerliteratur. Protest gegen jede Art von Ideologie. Markierungen: DrauCen vor der Tür von W. Borchert, Wanderer, kommst du Spa... von H. Bõll.

Auseinandersetzung mit der Vergangenheil: Drittes Reich, Kriegs- und Nachkriegszeit. Zunehmende Politisierung und õffentliches Engagement derSchriftsteller. Markierungen: Die Blcchtrommel von G. Grass, Deutschland unter anderm vonH.M.Enzensberger.

Unidade 2

A partir desta unidade, vai-se exigindo progressivamente a análise e a interpretação dos textos. Começa-se com a "Literatura da República de50

Souza, C. H. M. R. Linha D'Água, n. 9, p. 47-57, abr. 1995

Weimar" (1918-1933) e com fotos de manifestações em que aparecem cartazes com os dizeres "Nieder mit dem Gewaltfrieden" (Abaixo a paz violenta) e "Deutsche Studenten marschieren wider dcn undeutschen Geist" (Estudantes alemães marcham contra o espírito não alemão). São pontos de partida para a exploração do pano de fundo histórico.

Em seguida, é apresentado um trecho do romance Berlin Alcxandcrplatz (Berlim, praça Alexandre) de Alfred Dõblin. Trata-se de um texto difícil: é preciso ajudar os alunos a destrinchar os parágrafos. Mas, como se trata de um texto ilustrado, mesmo no original, é fácil perceber a estrutura que caracteriza o romance todo: a montagem. Com isso, os alunos têm diante de si o protótipo do romance moderno.

A "Literatura de Exílio" é introduzida através de um exercício em que se expõem biografias resumidas de Bertolt Brecht, Alfred Dõblin, Heinrich Mann, Thomas Mann, Anna Seghers e Stefan Zweig. Os alunos deverão identificar os países cm que estes escritores se exilaram. Em seguida, é apresentada uma definição de "literatura de exílio" e um exercício que contém diversas afirmações para que os alunos reconheçam as certas e as erradas. A obra ilustrativa desta literatura é Furcht und Elcnd des dritten Rcichcs (Medo e miséria no terceiro "Reich") de Bertolt Brecht. Além desta peça de teatro, também Mutter Couragc und ihre Kinder (Mãe Coragem e seus filhos) do mesmo Brecht é dada a conhecer aos alunos através de um resumo. A ele segue- se um pedaço da entrevista que Brecht concedeu a Friedrich Wolf. Neste diálogo Brecht explica, de maneira muito simples, o que entende por "Verfremdungseffekt = V-Effekt" (efeito de estranhamento) e teatro épico. Finalizam a presente unidade exercícios de compreensão dos conceitos aprendidos.

Unidade 3

A unidade 3 introduz o Expressionismo através do quadro de E. Munch intitulado "o grito" e- de mais três quadros igualmenle expressionistas. Os alunos observam as pinturas e vão falando do que vêem: os contornos, as cores, o tema, a atmosfera, os contrastes, as deformações, o grotesco. Ein uma outra aula, assistem ao filme mudo "Das Kabinetl des Dr. Caligari" (O gabinete do Dr. Caligari), onde o gesto impera. Definições de expressionismo, tiradas de dicionários, bem como trechos do prefácio à antologia Menschhcitsdãmmcrung (Crepúsculo da humanidade), editada por Kurt Pinthus, teórico do Expressionismo, seguem-se com exercícios de compreensão.

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Dois poemas expressionistas "Weltende" (Fim do mundo) de Jakob van Hoddis e "Verfluchung der Stãdte" (Maldição das cidades) de Georg Heym são analisados e interpretados em classe. Finaliza a unidade um exercício em que são dadas duas poesias sobre a natureza, uma romântica e outra expressionista. Ao aluno é pedido que identifique a expressionista.

Livro 2

O livro 2 é reservado ao segundo semestre, à disciplina literatura Alemã II, e intitula-se Deutsche Litcratur im 19. Jahrhundcrt: Materialicn fiir dcn Frcmdsprachcnstudenten (Literatura Alemã no século XIX: textos e exercícios para o estudante de língua estrangeira).

É dividido em 4 unidades, a saber: a "Literatura da Virada do Século (Jahrhundertwende)", o "RealismoMaluralismo (der Realismus/Naturalismus)", o "‘Biedermeier’ (der Biedcrmeier) e a lovem Alemanha (das Junge Deutschland)’1, e o "Romantismo (die Romantik)".

Unidade 1

A "Literatura da Virada do Século", depois de uma contexlualização histórica, é abordada a partir da prosa expressionista, estabelecendo um elo com o primeiro livro. Três textos de Kafka são oferecidos para leitura, análise e interpretação, realizadas através de estudos dirigidos : Wunsch, Indiancr zu werden (Desejo de ser índio), JKlcine Fabcl (Pequena fábula) e Einc kaiscrliche Botschaft (Uma mensagem imperial).

Exemplo: Lcscn Sic die folgende Erzáhlung und beantorten Sic folgende Fragen: (Leia a narrativa abaixo e responda às seguintes perguntas:)

a) Kóntuen Sie den Text in Sinneinheiten einteilen? Schreiben Sie eine Zusammenfassung der Sinneinheiten!

b) Welcher Tcxtteil stellt eine Behauptung dar?

c) In tvelchem Textleil wird die Behauptung demontierl?

d) Wo wird der Leser angesprochen?

e) Unterstreichen Sie die Wôrter, die auf Widerstânde auf dem Weg des Bolen hinweisen!

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f) Kõnnte man bchaupten, dafi die Mauem um den Palast eine Allegorie für die menschliche Kommunikationsunmõglichkeit sind? Warum?

g) Welche stilistischen Ziige des Expressionismus kõnnte man im Text hervorheben? Wie kõnnte man sie interpretieren?

Em seguida, é apresentado um trecho de Die Aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge (As anotações de Malte Laurids Brigge) de Rainer Marie Rilke, obra tipicamente impressionista, e trechos de Tonio Kroger de Thomas Mann também com características impressionistas. A poesia deste movimento faz-se igual mente presente através dos poemas ''Regen in der Dâmmerung" (Chuva ao amanhecer) de Hugo von Hofmannthal e Der Panther (A pantera) de Rainer Marie Rilke. A análise e interpretação das poesias é induzida a partir de estudos dirigidos.

O "Jugendstil" ou "Art nouveau" é mostrado através do poema de Stefan George "Gemahnt dich noch das schõne bildnis dessen" (Recordas-te ainda da bela imagem daquele), cuja interpretação é pedida através de várias perguntas e relacionada com ilustrações de quadros, formas arquiteturais e decorativas que caracterizam esta tendência artística. Intercalados, surgem trechos de obras teóricas a respeito desta época literária. São eles: Vom Nnturalismus zum Expressionismus (Do Naturalismo ao Expressionismo) de Klaus Bertl e Ulrich Müller, Ein Bricf que também é conhecida como "Chandos-Brief” (Uma carta ou A carta de Chando) de Hugo von Hofmannsthal e Zur Thcoric des modemen Romans (Sobre a teoria do romance moderno) de Jürgen Schramke. Para encerrar a unidade, há um exercício para preencher lacunas que tem por finalidade fazer uma revisão das coisas mais importantes relativas a este período literário.

Exemplo. Vcrsuchen Sie bitte, den Text zu erganzen! (Tente completar o texto!)

Am Ende des............Jahrhunderts vvurde die europãische Kullur von einemGefühl des Pessimismus, des Niedergangs ergriffen.

Von dem ............wollle niemand mehr hõren......... legte grofien Wert auf die graphische Ausstaltung seiner Gedichte:

besondere Schrifttypen, Jugendstililluslrationen, Klcinschreibung, gutes Papier, auíJergcwõhlichcs Format.

Hugo...........bemühte sich tn seiner Poesie und Prosa um das schõne Wort.Die Darstellung von...........Stimmungen und........... entsprach dem Zeilgcfiihl.

............ erlebte um die Jahrhundertwende eine Sprachkrise. Erverõffentlichte 1902 ............in dem er sein eigenes Verslummen erklárte.

Ais impressionistisches Mcisierwerk ist Rilkes Roman..........(1910)bczeichnet worden.

Eine Sonderstellung nehmen Kalkas Erzãhlungen und Romane ein. Seine Werkc sind fast immer auto................gefárbt. Seine "Traumlogik" líiftt die

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Souza, C. H. M. R.

Frage nach dem Sinn meist unbeantwortet. Aliegorien, ........ kann manerkennen, doch die Deutung bleibt schwer.

(Baumann & Oberle, Deutsche Litcratur in Epochcn, gekürzt)

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Unidade 2

A unidade 2 contextualiza o Realismo na história da Alemanha e, em seguida, oferece um resumo do livro de Gotlfried Keller Kleidcr machcn Lcute (O traje faz o homem). A partir do resumo e da resposta a uma bateria de afirmações certas e outras falsas, é possível reconhecer o nome e as ações das personagens bem como o tema da obra. Seguem-se três trechos do livro, a partir de cuja leitura, os alunos deverão reconhecer os espaços diferentes em que se desenrola a ação. Além de Gottfried Keller, Theodor Fontane também é apresentado em um extrato de seu romance Effi Bricst. O poema "Der rõmische Brunnen" (A fonte romana) de Conrad Ferdinand Meyer, antecedido de um estudo dirigido, permite ao aluno entrar em contato com a poesia realista. Para finalizar o estudo do Realismo, há um extrato do livro Wcge der deutschen Litcratur (Caminhos da literatura alemã) de Glaser, Lehmann e Lubos.

O Naturalismo é introduzido por uma transcrição de parte do Io ato do drama Die Webcr (Os tecelões) de Gerhart Hauptmann. Encerrando a unidade, há o exercício final que pretende uma revisão da matéria em pauta.

Unidade 3

A unidade 3 compreende dois movimentos literários tipicamente alemães: o "Biedermeier" e "A jovem Alemanha". O contexto histórico do primeiro (moralizante, conservador dos valores familiares) antecede a apresentação dos poemas "Gebet" (Oração) e "Auf eine Lampe" (Por cima de um lustre) do pastor evangélico Eduard Mõrike. Os estudos dirigidos, mais uma vez, conduzem o aluno na leitura, na análise e na interpretação dos poemas. Às poesias, segue-se um texto teórico sobre o movimento em questão, tirado do livro Wcge der deutschen Literatur (Caminhos da literatura alemã, já anteriormente citado, igualmente antecedido por um estudo dirigido.

Para ilustrar "A jovem Alemanha", um movimento revolucionário, é apresentado o poeta Hcinrich Heine através de uma biografia. Duas poesias suas, acompanhadas de perguntas interpretativas, são então transcritas: "Das Frâulein stand am Meer" (A donzela estava à beira do mar" c "Zu

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fragmenlarisch ist Welt und Leben" (Excessivamente fragmentários são o mundo e a vida). Igualmente representativo da "Jovem Alemanha" é Georg Büchner, também apresentado através de uma biografia, à qual se segue um trecho do seu drama Woyzcck, acompanhado de perguntas de interpretação. Após o trecho de Woyzcck, há um extrato teórico do livro Wegc der deutschen Litcratur sobre as características do movimento em questão. Finalizando, o exercício que tem por objetivo medir o aproveitamento global da matéria estudada.

Unidade 4

A última unidade, o Romantismo, é introduzida pela sua contextualição histórica e pela descrição do retrato do poeta Novalis. Segue-se o trecho mais significativo de seu romance Heinrich von Ofterdingcn, em que ocorre a referência à famosa flor azul. Friedrich Schlegel é igualmenle apresentado através de um trecho de seu romance Lucinde.

Os irmãos Grimm também estão presentes através de um trecho de um conto de fadas popular (A bela adormecida), cujo título é omitido, devendo ser identificado pelo aluno. Paralelamente, é introduzida a noção de conto de fadas artístico com uma série de perguntas sobre Der goldne Topf (O vaso de Ouro) de E.T.A.Hoflmann. No campo da poesia, Joscph von Eichendorff é dado a conhecer com o poema "Mondnacht" (Noite de luar). Trechos da obra teórica Klcine Geschichtc der deutschen Litcratur (Pequena história .da literatura alemã) e do posfácio de Hoffmann em Erzãhlungen (Contos) dão conta das características principais do Romantismo alemão, como por exemplo, do conceito de "progressive Universalpoesie" (poesia universal progressiva". O exercício final de revisão da matéria encerra o segundo livro.

Os exercícios

Os exercícios que acompanham cada unidade e cada texto são de tipos muito variados e visam, sobretudo, a conduzir o aluno, primeiro, na leitura da obra, depois na análise da mesma. Essa é a razão pela qual a maioria das perguntas antecede os textos. Não se pode esquecer que o aluno está frente a uma língua estrangeira, da qual apenas possui conhecimentos sintáticos e morfológicos básicos, sendo o seu vocabulário ainda muito reduzido. As perguntas antes dos textos servem, portanto, para oferecer as palavras-chave que ele encontrará no texto original, e que lhe permitirão saber o que aproveitar para construir a resposta, evitando, assim, que se perca no labirinto linguístico que tem pela

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Souzn, C. II. M. R.

frente. É intenção destes estudos dirigidos, estrategicamente colocados antes dos textos, controlar as respostas dos alunos, que devem ser dadas em alemão, impedindo, tanto quanto possível, que o turbilhão de pensamentos estruturados em português invada o campo lingüístico alemão. Se houver necessidade de uma discussão em português, esta também é permitida.

Muitos destes exercícios poderão serão feitos em casa como tarefa. Isso fica a cargo e a critério de cada professor.

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A avaliação

Normalmente são aplicadas duas provas por semestre, para avaliar o aprendizado cm sala de aula. Elas podem constar de perguntas e respostas, de textos com lacunas para preencher, de testes de múltipla escolha ou de correspondências, de textos inéditos para ler e interpretar ou ainda podem ser diversificadas e conter os vários tipos de leste. Fica a critério dos professores organizarem a prova em conjunto, quando as classes estão desenvolvendo um ritmo semelhante, òu então cada professor prepara a sua em separado.

Além das provas, é exigida dos alunos a leitura mensal de livros na íntegra. Sempre se escolhem obras que já têm tradução em português e a expectativa é que os livros sejam lidos em português. No entanto, é interessante verificar o seguinte; Como os alunos deverão apresentar um trabalho sobre cada leitura, e esse trabalho deverá ser redigido em alemão, os alunos sentem necessidade de cotejar a tradução com o original, para identificarem nomes de personagens, palavras e expressões que desejam empregar no trabalho. Assim, é frequente ver alunos com a tradução e o original lado a lado, fazendo inclusive críticas às traduções.

Espera-se nestes trabalhos que os alunos identifiquem e teçam alguns comentários sobre os itens que constam de um roteiro, exatamcnle, para tornar possível ao aluno escrever num alemão simples. Do roteiro consta o seguinte; I - Identificação bibliográfica completa do livro lido. 2 - Pequeno resumo. 3 - Tema ou lemas. 4 - Estrutura. 5 - Ação. 6 - Perspectiva. 7 - Personagens; características. 8 - Espaço. 9 - Tempo. 10 - Língua. 11 - Interpretação. 12 - Bibliografia crítica.

Ao se exigir bibliografia crítica, espera-se que o aluno, primeiro, consulte obras e artigos escritos em português, mas os alunos sempre descobrem textos em alemão e são incentivados a lê-los e a recolher deles citações que enriquecerão o trabalho. Selecionar e retirar citações de críticas escritas em alemão é um excelente exercício de leitura, pois exige que o aluno identifique

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na língua estrangeira a interpretação com a qual ele está de acordo e depois a encaixe coerentemente em seu trabalho.

As leituras/trabalhos mensais exigidos são ilustrativos das preocupações que caracterizam uma determinada época literária. A lista (aberta), que permite variação de ano para ano, abarca os seguintes títulos com traduções para o português: Kassandra de Christa Wolf, Kindergeschichte (História de uma infância) de Peter Handkc, Die gerettete Zungc (A língua absolvida) de Elias Canetti, Dic Physikcr (Os físicos) e Der Besuch der alten Dame (A visita da velha senhora) de Friedrich Diirrenmatt, DrauOen vor der Tur (Lá fora diante da porta) de Wolfgang Borchert, Der Ausflug der toten Kinder (O passeio das meninas mortas) de Anna Seghers, Narziíl und Coldmund (Narciso e Goldmund) de Hermann Hesse, Dreí Mãnncr im Schnee (Três homens na neve) de Erich Kãstner, Die Vcrwandlung (A metamorfose), Der ProzcB (O processo), Das Schloí) (O castelo) de Kafka, Das Leben des Galileo Galilei (A vida de Galileu Galilei), Der gute Mensch von Sezuan (A boa alma de Sezuan) de Brecht, Der Tod in Venedig (A morte em Veneza) e Tonio Krõgcr de Thomas Mann, Dic Aufzcichnungen des Malte Laurids Brigge (As anotações de Malte Laurids Brigge) e Die Wcise von Liebe und Tod des Cornets Christoph Rilke (Canção de amor e morte do porta-estandarte Christoph Rilke) de Rainer Maria Rilke, Romeo und Julia auf dem Dorf (Romeu e Julieta na aldeia) e Klcider machen Lcutc (O traje faz o homem) de Gollfried Keller, Die Wcber (Os tecelões) de Gerhart Hauptmann, Peter Schlcmihls wundersame Geschichtc (A história fantástica de Peter Schlemihl) de Adelbert von Chamisso, Der goldne Topf (O vaso de ouro) e Der Sandmann (O Homem de areia) de E.T.A. Hoffmann.

Souza, C. II. M. R. Linha D’Águn, n. 9, p. 47-57, nbr. 1995

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Projeto

Linha D'Água, n.9, p. 59-67, abr. 1995

FASES DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM SÃO PAULO, NAS DÉCADAS DE 60, 70 E 80: LEVANTAMENTO, AVALIAÇÃO E

PROPOSTAS

Elisa Guimarães*

O título acima sintetiza uma série de atividades desenvolvidas por um grupo de professores da área de Filologia e Língua Portuguesa da USP que, assessorados por pós-graduandos, objetivavam a reconstituição do histórico do ensino de Língua Portuguesa em São Paulo, nas décadas de 60, 70 e 80.

Aprovado e subsidiado pela pró-Reitoria de pesquisa da USP o plano que nortearia as atividades, iniciou-se, em 1992, a primeira fase da pesquisa, constante de consultas a arquivos de dez Escolas Estaduais, cinco Escolas Municipais, cinco Escolas Particulares e cinco Editoras.

Um oficio enviado aos Diretores desses Estabelecimentos solicitava-lhes permissão para acesso aos arquivos - pedido que teve a anuência imediata de quase todos os destinatários.

A consulta aos arquivos limitou-se a interesses ligados ao ensino de Língua Portuguesa, ministrado de Io a 4o ano primário (antigo Curso Primário), na 5a série (antigo Admissão), na Ia, 2a, 3a e 4a série (antigo Curso Ginasial), na Ia, 2a e 3a série científica ou clássica (antigo Curso Colegial), cursos estes reestruturados em 1971, quando redistribuídos em Cursos de I e II Graus.

A seleção das Escolas, que deveria ser efetivada atendendo a critério geográfico, acabou por sujeitar-se a outras condições, por dois motivos: ausência de arquivos em várias Escolas e dificuldade de entrosamento do pesquisador com alguns Diretores que, céticos, julgavam tratar-se de uma pesquisa avalialiva das Escolas visitadas.

Na consulta aos arquivos das diferentes Escolas, levou-se a efeito o exame de Diários de Classe contendo a matéria lecionada e a distribuição dos diferentes aspectos do ensino de Língua Portuguesa constantes dos programas.

Observou-se que, muitas vezes, os programas de cada série repetem-se de ano para ano. Séries subseqiienles retomam as antecedentes, acrescentando termos e sub-classificações.

Professora da USP - Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas.

CuimnràH, E.

Dos arquivos das Editoras MELHORAMENTOS, FTD, MODERNA, BRASIL, SCIPIONE, ÁTICA, ATUAL E SARAIVA, foram colhidas informações exatas a respeito dos livros didáticos de Português de maior aceitação nas três décadas em estudo.

Realizou-se ainda consulta ao acervo da Faculdade de Educação da USP, para conhecimento e seleção da parte legislativa, que vem regulamentando sobre os currículos e os conteúdos programáticos de Língua Portuguesa.

Pesquisas efetivadas na Biblioteca da Faculdade de Educação permitiram o traçado de um histórico do Ensino de Língua Portuguesa articulado com o acervo de natureza legislativa que vem, ao longo dos anos, propondo alterações na sistemática de condução desse ensino.

Foram entrevistados duzentos e sessenta e nove professores de Língua Portuguesa, militantes nas décadas de 60, 70 e 80, cuja experiência emprestou valiosos subsídios para a pesquisa. Um Guia-Questionário orientou os pesquisadores na condução das entrevistas que abordaram os pontos seguintes'.

1. - Programas de Língua Portuguesa: ponto a que se deve dar ou a que sedá mais ênfase, gramática, redação, estudo do texto, leitura (nível de Io e 2o graus). -----

2. - Maiores dificuldades encontradas pelos alunos em geral: construção do texto, gramática, leitura e interpretação.

3. - Ocorrências que tenham contribuído para o incentivo ou o desestimulo do estudo do Português.

4. - Adoção ou não de livros didáticos: qual? Quais?

Encerradas as atividades programadas para a primeira fase da pesquisa, leve início a segunda fase destinada a análise e avaliação de dados.

Nesse momento, cumpriram-se duas etapas:

1. - Fichamento dos dados obtidos na consulta dos arquivos, bem como nas entrevistas.

2. - Análise do material selecionado.

Linha D'Água, n. 9, p. 59-67, abr. 1995

Do fichamento e da análise, foi possível chegar às seguintes conclusões:

60

Guimarães, E. Linha D'Águo,n. 9, p. 59-67, abr. 1995

Década de 60 - Escolas Estaduais

Pelos programas analisados, o ensino enfatizava o aprendizado de aspectos gramaticais, tendo-se mesmo como essencial a insistência sobre o ensino de gramática, com estudos sistematizados de aspectos como classes de palavras, flexão nominal e verbal, análise sintática, leitura e produção de textos,

Nas 5“s. séries, preparatórias ao então chamado "Exame de Admissão", efetivava-se a recapitulação geral dos itens dos programas das séries antecedentes.

Da Ia à 4a série ginasial (hoje, de 5a à 8a série), abordavam-se, além dos já citados, tópicos como regência, versificação, figuras de linguagem, noções de Fonética.

Quanto ao 2° Grau, a Escola mantinha o Curso Colegial e o Curso Normal, na Ia série, não havia, praticamente, diferenças nos programas. Levava-se a efeito uma revisão do conteúdo do curso ginasial. A Gramática continuava enfatizando a análise sintática. Iniciava-se o estudo da Gramática Histórica e o estudo da Literatura.

Na 2a série, as análises literárias centravam-se em textos de Literatura Portuguesa - textos que serviam também de pontos de partida para exercícios de redação.

Observe-se a pouca frequência de exercícios de redação nas séries de 2o Grau.

Na 3a série, efetivava-se uma revisão geral dos aspectos gramaticais, agora estudados em autores brasileiros modernos. Voltavam-se as atenções para os quadros da Literatura Brasileira. O 3o ano normal desenvolvia ainda um conteúdo de Literatura Infantil. Os exercícios de redação versavam sobre "temas de caráter didático e pedagógico", assim como sobre poemas e peças infantis, além decorrespondência oficial.

Predomina, enfim, nesses programas das Escolas Estaduais, na década de 60, preocupação com as noções teóricas de Gramática (ainda que aplicadas cm exercícios, mais de reconhecimento de classes), dando-se ainda ênfase ao estudo da análise sintática.

Década dc 60 - Escolas Particulares

Sob intensa influência dos trabalhos do padre Faure c das chamadas "Escolas Novas", as Escolas Particulares foram as primeiras instituições a realizarem um trabalho dc pesquisa e aplicação, considerando as reais

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necessidades de seus alunos. Trabalho cujo principal objetivo era fornecer condições de expressão escrita e leitura.

O professor elaborava o material a ser trabalhado, selecionando textos de autores consagrados para atividades de leitura e expressão. Não se utilizavam livros didáticos. Os programas, voltados para a gramática da língua, eram desenvolvidos a partir dos textos selecionados. A redação merecia, também, a mesma preocupação: um ensino interligado de gramática, leitura e redação. Os resultados parecem ter sido bastante positivos.

Gulnuirics, E. Llnhn D'Água, n. 9, p. 59-67, abr, 1995

Décadas dc 70 - Escolas Estaduais e Municipais

Note-se que as Escolas Municipais foram criadas a partir de 1975.

Nas Escolas Estaduais, a partir de 1972, os planos de curso trazem o nome da área de estudos: "Comunicação e Expressão" e como Disciplina (às vezes Cadeira), Língua Portuguesa ou Português.

A partir do mesmo ano, traçam-se os planos de curso por bimestre, e tem início a sofisticação técnica para a elaboração dos planos, com apresentação de objetivos gerais, objetivos específicos, estratégias de apresentação de conteúdos e realização de avaliações.

Muda-se a nomenclatura dos cursos; o Curso Ginasial passa a formar o Io Grau; o Curso Colegial, o 2o Grau.

Os programas são semelhantes àqueles da década anterior, distribuindo, pelas quatro séries do antigo Ginásio, a parte gramatical, com ênfase na morfologia e na sintaxe.

Nessa década, a distribuição dos conteúdos no 2° Grau sofreu alterações mais relevantes. Assim, a Literatura Brasileira, por exemplo, passou a ser ensinada desde a Ia série, abordando o Modernismo, a Semana de Arte Moderna. Na 2a série, o século XD(, do Romantismo ao Pré-Modernismo, e na 3a série, das origens ao Romantismo. Esludava-se a Literatura Portuguesa ora na Ia ora na 2a série.

A partir de 1975, o ensino de Literatura passou a constituir outra Disciplina, distinta de Língua Portuguesa.

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Guimarães, £. Linha D'Água, n. 9, p. 59-67, abr. 1995

Dccada de 70 - Escolas Particulares

No início da década de 70, percebeu-se a necessidade de maior sistematização no ensino. As turmas, anteriormente formadas por vinte e cinco alunos em média, passaram a ser integradas por trinta e cinco estudantes.

O professor já não podia elaborar sozinho seu próprio material. Era preciso um trabalho conjunto, que pudesse ser igualmente desenvolvido em todas as turmas. A partir de 1972, observa-se uma crescente recorrência a materiais prontos. Esses materiais, elaborados pela própria Escola, consistiam, basicamente, na organização de textos e atividades a serem trabalhados em cada série. O texto não era tão somente um pretexto. Havia já a percepção dc que os conceitos gramaticais deveríam ser entendidos também em relação às suas possíveis funções textuais. Evidentemente, isto ainda não era formalizado. Mas, algumas abordagens gramaticais nos mostram essa percepção. É, por exemplo, o caso dos pronomes, então trabalhados como "pessoas do discurso". As atividades propostas exigiam a observação do elemento linguístico sublinhado em sua relação com o todo: análise morfológica, sintática, semântica e a função do elemento na construção do sentido textual.

Os livros didáticos já existiam no mercado e eram utilizados por grande parte das Escolas Particulares. Houve muito cuidado na seleção do material. Entre as várias opções do mercado, as Escolas adotaram as obras Criatividade em Redação, de Samir Cury Meserani e Novíssima Gramática, de Domingos Paschoal Cegalla.

Fazia-se uso constante do Dicionário. A Escola recomendava o Dicionário dc Português, da Ed. Melhoramentos.

Dccada de 80 - Escolas Estaduais c Municipais -

1° Grau

Na Ia série, iniciava-se o estudo de aspectos gramaticais, abordando a distinção entre nomes próprios e comuns, a noção de ílexão em gênero e número, o conceito de artigo definido e indefinido, a questão da acentuação.

Na 2a série, estudavam-se as demais classes de palavra, acenluando-se os verbos regulares. A estes, acrescentavam-se, na 3a série, os verbos auxiliares. Em ambas as séries, dava-se lugar privilegiado a exercícios de leitura, interpretação e produção de texto, o que tinha continuidade nas séries

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Guimarães, E. Linha D'Águn, n. 9, p. 59-67, abr. 1995

subseqiientes, quando também prosseguia o estudo de outros aspectos gramaticais, tais como concordância, regência e análise sintática.

No final da década de 80, figura no programa da T série o item composição do texto, abordando ação, personagens, descrição, narração e monólogo.

Na 8a série, acrescentava-se o ensino de versificação.

2" Grau

A novidade introduzida no 2o Grau fez-se representar pela introdução da disciplina Técnicas de Redação em Língua Portuguesa, disciplina que enfatiza os processos de boa expressão de idéias, tais como clareza, precisão, coesão, coerência, além da interpretação de textos literários, técnicas de resumo e noções de lógica e linguística.

Na análise de todos os programas, foi a única vez que nos deparamos com o ensino de redação, pois, normalmente, a redação não era ensinada, mas tomada como critério de avaliação do aluno.

Dccada dc 80 - Escolas Particulares

A experiência dos anos anteriores com o livro didático e, em especial com a filosofia implícita no livro Criatividade em Redação, fez com que a Escola sentisse a necessidade de maior direcionamento. A redação voltou a ser orientada, isto é, trabalhada como algo a ser desenvolvido e organizado. Os livros didáticos foram, aos poucos, sendo repensados. Hoje, os livros continuam sendo utilizados, mas seu peso parece menor. O livro de Meserani - Criatividade cm Redação foi substituído pelo de Magda Soares - Comunicação em Língua Portuguesa - o que evidencia essa reorganização no trabalho com o texto.

Entrevistas - Os professores entrevistados, num total de duzentos e sessenta e nove, apontaram como fatores mais frequentes de-incentivo ao ensino de Língua Portuguesa, por ordem de preferência:

1. - aulas bem preparadas e dinâmicas;

2. - leitura de jomais e revistas, assistência a filmes;

3. - leitura dos textos da coleção "Para Gostar de Ler",

4. - bons professores de Português;

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5. - emprego de núcleos temáticos e adequação do conteúdo à realidade do aluno;

6. - adoção de livros de literatura infantil com linguagem adequada à faixa etária;

7. - obrigatoriedade do conhecimento da Língua Portuguesa, em todos os concursos realizados no país;

8. - trabalho com o texto do aluno.

Guim arifí, E. Linlin IVÁgua, n. 9, p. 59-67, abr. 1995

Foram apontados como fatores mais freqüentes de desestimulo ao ensino:

1. - excessiva ênfase dada à Gramática;

2. - pouca ou nenhuma leitura;

3. - comunicação deformada pelos meios de comunicação;

4. - aplicação da proposta de Emilia Ferrcro que tem desarticulado alunos e professores na criação em outros pontos;

5. - inadequação de livros e temas em relação à faixa etária;

6. - atividades desenvolvidas através de cópias, ditados de palavras, exercícios de complementação de frases, sem dar oportunidade de pesquisa, descoberta e reflexão por parte do aluno;

7. - distância entre o Português trabalhado em sala de aula e a língua viva em mutação;

8. - pouca orientação para exercícios de interpretação de texto e redação.

Valem a pena notícias mais pormenorizadas a respeito da consulta aos rquivos de Editoras.

Colheram-se aí exatas informações sobre os livros didáticos de Português, de taior aceitação nas três décadas em exame.

As Editoras, em geral, mostraram-se extremamente abertas, colocando sua iblioteca à disposição da pesquisa, com toda a explicitação necessária por rofessor responsável pela área e antigo funcionário da casa editorial

Foram contatadas as Editoras Melhoramentos, FTD, Moderna, Brasil, :ipione, Ática, Atual e Saraiva.

Na Companhia Melhoramentos de São Paulo, por exemplo, foram listados !5 (cento e vinte e cinco) títulos de livros para uma consulta posterior mais

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Gulmarftes, E.

detalhada de cada obra. Entre os títulos, alguns editados nas décadas de 10, 20 e 30 e reeditados nas décadas focadas por esta pesquisa, como por exemplo:

OLIVEIRA, Mariano de. Nova Cartilha analítico-sintética. 1° ed. em 1916 e a 185a em 1965.

LOURENÇO FILHO, M.B. Testes ABC: Material completo. Ia ed. em 1934 e a 31a ed. em 1985.

Da Editora FTD levantaram-se 415 (quatrocentos e quinze) títulos com publicação comprovada nas décadas de 60, 70 e 80, abrangendo primeiro e segundo graus.

Vale salientar que os livros da coleção "Nossa Língua" de MATTOS, Geraldo e BACK, Eurico alcançaram triagens acima de 500.000 exemplares. Geraldo Mattos foi o primeiro autor a explorar, no II Grau, princípios de Teoria da Comunicação. Este autor, com os títulos da coleção "Nossa Cultura" para o Científico e o Clássico permaneceu sendo reeditado de 1972 a 1980, com triagens superiores a 500.000 exemplares.

Os dados levantados na Editora Moderna arrolam títulos a partir de 1974. Os títulos para uso de primeiras séries do 1° Grau são mais recentes, com datas a partir de 1989.

A obra de BECHARA, Lydia, MACHADO, Katia, BEAUCHAMP, Jeanete e SCHPOCHNIK, Esther. Estudos da Linguagem recebeu sucessivas edições. Trata-se de título que prossegue reeditado e em circulação até a presente data.

No IP (Instituto de Português) da PUC de São Paulo, que trabalha na linha de uma Universidade aberta à Educação Permanente, colheram-se valiosas informações, reveladoras da situação do ensino da Língua em São Paulo, nas três décadas em estudo.

Também nos dispensaram relevante apoio outras Instituições - como a Fundação Carlos Chagas, a Faculdade de Educação da USP e a CENP (Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas), fontes que nos ofereceram subsídios para conhecimento da carga, de legislação ligada a interesses centrados no ensino da Língua Portuguesa.

Cabe ainda apreciar as sugestões apresentadas pelos professores entrevistados com a finalidade de aperfeiçoamento do ensino de Língua Portuguesa:

Ltiüia DtÁgun, li. 9, p. 59-67, abr. 1995

1. Formação de boas bibliotecas 85% dos professores

2. ' Maior uso de jornais e revistas 75%

3. Livros infantis de acordo com a faixa etária 60,2%

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Guimarães, E. Liuliu D'Água, n. 9, p. 59-67, nbr. 1995

4. Trabalho em grupo com leituras

5. Uso do livro didático

6. Mudança de conteúdo nos livros didáticos

63,8%

59,7%

40,3%

37,6%

40,3%

28,9%

39,7%

42,6%

75%

80%

7. Uso de dramatização

8. Atividades criativas

9. Incentivo ao teatro.

10. Leitura recreativa

11. Gramática através de texto

12. Revalorização do Magistério salários dignos

13. Cursos de reciclagem para professores

A partir da análise dos dados recolhidos, os pesquisadores elaboraram textos contendo sugestões que possam servir de apoio aos professores de Língua Portuguesa, no trato com os exercícios de leitura e interpretação de texto, redação e gramática.

Essas sugestões farão parte do Documentário Geral a ser publicado em breve.

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Llnhn D'Água, n.9, p. 69-70, abr. 199S

Resenha

A POESIA, O MAR E A MULHER: UM SÓ VINÍCIUS1

Lineide do Lago Salvador Mosca* *

Uma pequena introdução situa Vinícius em seu tempo, salientando as influências que o marcaram e mostrando o aspecto multifacetário de sua obra poética. Através de um recorte temático, que se presentifica no próprio título, chega-se às características fundamentais da poesia de Vinícius, em que se fundem o pensar e o sentir, corporificados em imagens muito felizes e de forte valor comunicativo.

Seguem-se os quatro capítulos que constituem a obra: 1. Em busca da poesia', 2. A poesia do mar, 3. Dançarinas do efêmero-, 4. O mergulhador. Cada um dos capítulos constitui-se de análises estilísticas minuciosas dos poemas escolhidos, que vão recuperando todos os elementos expressivos do texto: do suporte material, com seus efeitos de sonoridade, à estrutura da frase e organização dos períodos, visualizados iconicamente na apreciação dos poemas. São micro-análises que trazem observações atentas aos mínimos detalhes componentes do sentido global do texto. De fato, é da coesão desses pequenos traços estilísticos que resulta, em última análise, o efeito final de sentido, bem além da própria materialidade do texto.

Em cada comentário dos poemas escolhidos, o leitor é estimulado a participar, dessa busca da construção do sentido. Sintoniza, assim, com a idéia de participação coletiva da Poesia, muito cara a Vinicius.

Explicitam-se, a cada momento, as estratégias discursivas de que o poeta se serve para a consecução dos poemas. Para tanto, afluem elementos provenientes da Teoria da Informação (locutor/interlocutor, previsibilidade, redundância ctc), da Teoria Psicanalítica (identidade, relação especular, o alter, o duplo etc) e da Teoria da Enunciação (fragmentação do sujeito, o observador etc). Quanto a esta última, fica a necessidade de um estudo à luz da Análise do Discurso, daquele a que comumente se dá o nome de eu-llrico. O processo da atividade discursiva mostra o locutor consciente da precariedade do eu que a sua própria vòz veicula. Não se pode afirmar com segurança o primado humanista da instância criadora. O sujeito da enunciação se apaga diante do sujeito do enunciado. Bcnveniste já havia assimilado o sujeito da enunciação â pessoa do scripteur.

1 MICHELETn, Guaraciaba. A poesia, o mar e a mulher: um só Vinicius. Sâo Paulo, Editora Escuta, 1994. (Plethos).* Professora da USP - Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas.

Mosca, L. L. S. Linha D'Água, n.9, p. 69-70, abr. 1995

São muitas, cm A poesia, o mar c a mulher, as expansões do texto que levam ao diálogo com outros textos, presentes em nosso universo cultural, desde as mais elaboradas, como as aproximações do poema de Vinícius, A mulher que passa (pág. 127) ao poema baudelairiano A une passante, até aquelas que mergulham em nossos mitos cotidianos, como os de O falso mendigo (pág. 42- 43)..

A apreciação de Vinícius pela linguagem cinematográfica e sua técnica - pactuada também pelos filhos Susana de Moraes e Pedro, fotográfo e cinegrafista - vê-se bem esmiuçada na montagem dos diversos poemas.

Enfim, o conjunto dos poemas analisados introduz o leitor na própria construção do texto e, por conseguinte, na construção do sentido, como atividade indispensável ao ato de leitura e à plena absorção do texto. Tem-se, para tanto, que tocar o sistema de conotações de que os signos emergem.

Um dos grandes méritos deste trabalho de Guaraciaba foi, antes de tudo, a valorização do plano do significante como elemento conotador: a exploração do valor expressivo do material fônico e/ou gráfico em seu simbolismo fonético, dos fatos prosódicos (acento, pausa, ritmo, débito), do significante lexical (palavra ou morfema), das construções sintáticas, ligadas a determinados tipos de discurso (inversões específicas do texto poético, construções sinônimas, mas que se reportam a diferentes tipos de registro etc), das conotações enunciativas, que revelam uma disposição afetiva particular do enunciador. Enfim, todo e qualquer traço estilístico detectado no enunciado e que não deve escapar a um bom leitor.

Todos esses elementos, que vêm em grande parte em reforço da dcnolação, sugerem muito mais do que eles dizem, o que nos autoriza a considerá-los poderosos criadores de sentido e de valores. Não escapou á autora a conotação proveniente do elemento extralingüístico, as coisas do mundo em seu valor social, tal como se tem no poema de Vinícius Balada do Mangue (pág. 145), cuja análise deslinda a atitude de denúncia social, configurada por um prisma poético.

Em plena consonância com o estilo de Vinícius é este estudo de G. Micheletti, sedutor e atraente na forma de conduzir o conjunto de observações que dão contorno ao seu pensamento, tornando ao mesmo tempo eficaz e prazerosa a sua leitura.

70

Resenha

Linha D’Água, n.9, p. 71-72, abr. 1995

TRABALHANDO A ARGUMENTAÇÃO

Maria Helena da Nóbrega *

Os professores de língua portuguesa podem adquirir mais um ponto de apoio para o ensino da argumentação. Trata-se do livro de Adilson Citelli, O texto argumentativo1, abordado nesta resenha.

A obra divide-se em oito capítulos, abrangendo desde a definição do ponto de vista do argumentador até os mecanismos de sustentação da argumentação. Cada capítulo é anunciado por uma epígrafe que, além de antecipar o enfoque daquela parte do texto, também apresenta outros autores ao universo de teóricos já conhecidos do aluno.

Conforme sabemos pela experiência da sala de aula, a prática dos textos dissertativos costuma ser caminho árido para a maioria dos aprendizes de redação. De maneira mais ou menos feliz, os alunos conseguem criar narrações ou descrições, mas travam a produção de sentidos no momento em que precisam redigir um texto fundamental mente dissertalivo.

Este o primeiro aspecto positivo do livro de Citelli: o de abordar exatamenle o que costuma ser um dos problemas na prática textual da sala de aula. Além disso, o autor exemplifica sempre a partir de elementos do cotidiano: são muitas as análises de campanhas publicitárias, filmes, telenovelas, jornais e revistas da atualidade, programas de humor da televisão etc. Seguramente essa opção faz com que o assunto fique mais fácil de ser entendido, pois o aluno tem conhecimentos prévios dos exemplos dados, o que facilita a compreensão dos processos argumentativos analisados.

A linguagem adotada pelo autor também é muito adequada, dosando o tom de bate-papo com a necessária precisão de termos da área. Assim, o texto é de fácil leitura, fugindo do hermetismo sem tampouco apelar para simplificações rasteiras.

Na tentativa de compactuar com o universo do leitor, o autor explica, já no inicio do livro, que a argumentação faz parte do cotidiano. Introduzir o estudo por essa colocação é fundamental, pois aproxima o tema do aluno, mostrando que ele argumenta quando procura convencer a mãe por que obteve nota baixa na prova ou mesmo quando quer convencer o professor a aumentar a nota. Em

" Professora, da USP - Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas'CITELLI, Adilson, O texto argumentativo. São Paulo, Scipione, 1994.

Mosca, L. L. S. Linha D'Água, n.9, p. 69-70, abr. 1995

São muitas, cm A poesia, o mar c a mulher, as expansões do texto que levam ao diálogo com outros textos, presentes em nosso universo cultural, desde as mais elaboradas, como as aproximações do poema de Vinícius, A mulher que passa (pág. 127) ao poema baudelairiano A une passante, até aquelas que mergulham em nossos mitos cotidianos, como os de O falso mendigo (pág. 42- 43)..

A apreciação de Vinícius pela linguagem cinematográfica e sua técnica - pactuada também pelos filhos Susana de Moraes e Pedro, fotográfo e cinegrafista - vê-se bem esmiuçada na montagem dos diversos poemas.

Enfim, o conjunto dos poemas analisados introduz o leitor na própria construção do texto e, por conseguinte, na construção do sentido, como atividade indispensável ao ato de leitura e à plena absorção do texto. Tem-se, para tanto, que tocar o sistema de conotações de que os signos emergem.

Um dos grandes méritos deste trabalho de Guaraciaba foi, antes de tudo, a valorização do plano do significante como elemento conotador: a exploração do valor expressivo do material fônico e/ou gráfico em seu simbolismo fonético, dos fatos prosódicos (acento, pausa, ritmo, débito), do significante lexical (palavra ou morfema), das construções sintáticas, ligadas a determinados tipos de discurso (inversões específicas do texto poético, construções sinônimas, mas que se reportam a diferentes tipos de registro etc), das conotações enunciativas, que revelam uma disposição afetiva particular do enunciador. Enfim, todo e qualquer traço estilístico detectado no enunciado e que não deve escapar a um bom leitor.

Todos esses elementos, que vêm em grande parte em reforço da dcnolação, sugerem muito mais do que eles dizem, o que nos autoriza a considerá-los poderosos criadores de sentido e de valores. Não escapou á autora a conotação proveniente do elemento extralingüístico, as coisas do mundo em seu valor social, tal como se tem no poema de Vinícius Balada do Mangue (pág. 145), cuja análise deslinda a atitude de denúncia social, configurada por um prisma poético.

Em plena consonância com o estilo de Vinícius é este estudo de G. Micheletti, sedutor e atraente na forma de conduzir o conjunto de observações que dão contorno ao seu pensamento, tornando ao mesmo tempo eficaz e prazerosa a sua leitura.

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Resenha

Linha D’Água, n.9, p. 71-72, abr. 1995

TRABALHANDO A ARGUMENTAÇÃO

Maria Helena da Nóbrega *

Os professores de língua portuguesa podem adquirir mais um ponto de apoio para o ensino da argumentação. Trata-se do livro de Adilson Citelli, O texto argumentativo1, abordado nesta resenha.

A obra divide-se em oito capítulos, abrangendo desde a definição do ponto de vista do argumentador até os mecanismos de sustentação da argumentação. Cada capítulo é anunciado por uma epígrafe que, além de antecipar o enfoque daquela parte do texto, também apresenta outros autores ao universo de teóricos já conhecidos do aluno.

Conforme sabemos pela experiência da sala de aula, a prática dos textos dissertativos costuma ser caminho árido para a maioria dos aprendizes de redação. De maneira mais ou menos feliz, os alunos conseguem criar narrações ou descrições, mas travam a produção de sentidos no momento em que precisam redigir um texto fundamental mente dissertalivo.

Este o primeiro aspecto positivo do livro de Citelli: o de abordar exatamenle o que costuma ser um dos problemas na prática textual da sala de aula. Além disso, o autor exemplifica sempre a partir de elementos do cotidiano: são muitas as análises de campanhas publicitárias, filmes, telenovelas, jornais e revistas da atualidade, programas de humor da televisão etc. Seguramente essa opção faz com que o assunto fique mais fácil de ser entendido, pois o aluno tem conhecimentos prévios dos exemplos dados, o que facilita a compreensão dos processos argumentativos analisados.

A linguagem adotada pelo autor também é muito adequada, dosando o tom de bate-papo com a necessária precisão de termos da área. Assim, o texto é de fácil leitura, fugindo do hermetismo sem tampouco apelar para simplificações rasteiras.

Na tentativa de compactuar com o universo do leitor, o autor explica, já no inicio do livro, que a argumentação faz parte do cotidiano. Introduzir o estudo por essa colocação é fundamental, pois aproxima o tema do aluno, mostrando que ele argumenta quando procura convencer a mãe por que obteve nota baixa na prova ou mesmo quando quer convencer o professor a aumentar a nota. Em

" Professora, da USP - Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas'CITELLI, Adilson, O texto argumentativo. São Paulo, Scipione, 1994.

ivoDrcga, M. H. Linha D’Águn, n.9, p. 71-72, «br. 1995

várias outras situações do dia-a-dia ocorrem argumentações, e essa percepção torna o tema familiar ao aluno, fazendo-o compreender por que o conhecimento de alguns mecanismos argumentativos pode ajudá-lo de forma prática, não só na sua vida escolar.

O livro traz, ainda, considerações sobre a coerência e coesão, fundamentos que concorrem para a argumentação do texto. Enfatizando a necessidade de nos distanciarmos de um aprendizado estático e prescritívo da gramática, Citelli fornece quadros sinópticos de algumas preposições, conjunções e locuções que permitem a coesão das partes do texto, chamando atenção para o "uso argumentativo da gramática" (p.68).

Ao abordar a noção de intertextualidade, o autor prova a importância da leitura: quem lê consegue estabelecer relações entre os textos, perceber os alicerces da argumentação das outras pessoas bem como escolher caminhos de sustentação adequados para aquilo que pretende provar. Não bastasse isso, a leitura amplia o vocabulário, e a escolha lexical também é valorizada pelo autor como um elemento que possui força argumentativa.

Feitas essas considerações, resta acrescentar reflexões à contracapa da obra, que a prescreve para 1° e 2o graus. Sem pretender polemizar sobre questões de conteúdo no sistema educacional vigente, sem almejar distinguir aqui áreas de excelência ou de fracasso pedagógico, acreditamos que o texto é perfeitamente adequado também para o 3o grau, sobretudo em suas séries básicas. A estreita proximidade entre o aluno das últimas séries do 2o grau e o neófito da graduação valida o texto no 3o grau, o que amplia as possibilidades de trabalho com o livro e ratifica o estilo bem-sucedido do autor, já comprovado em outras obras.2

O trabalho com a argumentação conduz à persuasão, ou seja, convencer o outro ou deixar-se convencer por ele. Já que a vida em sociedade obriga-nos a não prescindir do outro, que muitas vezes pensa diferente dc nós e também apresenta argumentos que corroboram sua lese, e já que não podemos e não devemos fazer valer nossos pontos de vista por meio da força bruta, é fundamental que aprendamos a argumentar, aprimorando nossa capacidade de raciocínio. Nesse aspecto, a capacidade de argumentação é um elemento humanizador, pois nos distancia da vitória do mais forte fisicamente e centraliza-nos como seres pensantes. Por tudo isso, a leitura de O texto argumentativo é indispensável para todos os que queiram pensar a linguagem em seu papel libertador, crítico e ideológico.

2CITELL1, Adilson. Linguagem e persuasão. 6a. ed. São Paulo, Ática, 1991.72

Linha D'Água, n.9, p. 73-75, abr. 1995

Resenha

BIBLIOGRAFIA COMENTADA: LITERATURA INFANTIL EJUVENIL*

Joyce R. Ferraz M.Madalena I. Sercundes

ABRAMOVICH, Fanny. O estranho inundo que se mostra às crianças. São

Paulo, Summus, 1983.

O livro reúne artigos nos quais são analisados os produtos culturais que atualmente estão sendo dirigidos às crianças - consumidores em potencial. A autora critica a forma com que se tem feito literatura, música, teatro, brinquedos e TV para o público infantil; e a forma como tal produção contribui para a castração da sua criatividade.

ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira. São Paulo,

Melhoramentos, 1988.

Para a elaboração desse livro, o autor retirou material de diversas fontes, ligadas à história da literatura infantil, que abrangem desde textos de historiadores a relatos de pais e professores. Tenta mostrar, no decorrer da obra, que a literatura infantil comporta uma conceituação mais ampla, atingindo a literatura oral, a escolar e os recursos da imprensa para a produção do livro escolar e infantil; ou seja, este livro pode ampliar a visão de literatura de pessoas inteiessadas nessa área. O autor organiza ainda uma bibliografia sobre literatura infantil.

BARROS, Déa Portanova. “Literatura infanto-juvenil: publicações gaúchas de autores não gaúchos” . Letras de hoje. Porto Alegre, PUCRS, 12(36), jun. 1979.

Esta bibliografia comentada é resultado do trabalho de iniciação cientifica “Literatura, linguagem, ensino e livro didático: bibliografia comentada” das alunas de Letras (USP) orientadas pela ProP DP Lígia Chiappini M. Leite. Já foram publicados dez títulos sobre literatura e ensino na revista Linha d’Água n° 7; catorze títulos na Linha d’Água n° 8 e agora, conclui-se a série com as nove obras restantes.

ivoDrcga, M. H. Linha D’Águn, n.9, p. 71-72, «br. 1995

várias outras situações do dia-a-dia ocorrem argumentações, e essa percepção torna o tema familiar ao aluno, fazendo-o compreender por que o conhecimento de alguns mecanismos argumentativos pode ajudá-lo de forma prática, não só na sua vida escolar.

O livro traz, ainda, considerações sobre a coerência e coesão, fundamentos que concorrem para a argumentação do texto. Enfatizando a necessidade de nos distanciarmos de um aprendizado estático e prescritívo da gramática, Citelli fornece quadros sinópticos de algumas preposições, conjunções e locuções que permitem a coesão das partes do texto, chamando atenção para o "uso argumentativo da gramática" (p.68).

Ao abordar a noção de intertextualidade, o autor prova a importância da leitura: quem lê consegue estabelecer relações entre os textos, perceber os alicerces da argumentação das outras pessoas bem como escolher caminhos de sustentação adequados para aquilo que pretende provar. Não bastasse isso, a leitura amplia o vocabulário, e a escolha lexical também é valorizada pelo autor como um elemento que possui força argumentativa.

Feitas essas considerações, resta acrescentar reflexões à contracapa da obra, que a prescreve para 1° e 2o graus. Sem pretender polemizar sobre questões de conteúdo no sistema educacional vigente, sem almejar distinguir aqui áreas de excelência ou de fracasso pedagógico, acreditamos que o texto é perfeitamente adequado também para o 3o grau, sobretudo em suas séries básicas. A estreita proximidade entre o aluno das últimas séries do 2o grau e o neófito da graduação valida o texto no 3o grau, o que amplia as possibilidades de trabalho com o livro e ratifica o estilo bem-sucedido do autor, já comprovado em outras obras.2

O trabalho com a argumentação conduz à persuasão, ou seja, convencer o outro ou deixar-se convencer por ele. Já que a vida em sociedade obriga-nos a não prescindir do outro, que muitas vezes pensa diferente dc nós e também apresenta argumentos que corroboram sua lese, e já que não podemos e não devemos fazer valer nossos pontos de vista por meio da força bruta, é fundamental que aprendamos a argumentar, aprimorando nossa capacidade de raciocínio. Nesse aspecto, a capacidade de argumentação é um elemento humanizador, pois nos distancia da vitória do mais forte fisicamente e centraliza-nos como seres pensantes. Por tudo isso, a leitura de O texto argumentativo é indispensável para todos os que queiram pensar a linguagem em seu papel libertador, crítico e ideológico.

2CITELL1, Adilson. Linguagem e persuasão. 6a. ed. São Paulo, Ática, 1991.72

Linha D'Água, n.9, p. 73-75, abr. 1995

Resenha

BIBLIOGRAFIA COMENTADA: LITERATURA INFANTIL EJUVENIL*

Joyce R. Ferraz M.Madalena I. Sercundes

ABRAMOVICH, Fanny. O estranho inundo que se mostra às crianças. São

Paulo, Summus, 1983.

O livro reúne artigos nos quais são analisados os produtos culturais que atualmente estão sendo dirigidos às crianças - consumidores em potencial. A autora critica a forma com que se tem feito literatura, música, teatro, brinquedos e TV para o público infantil; e a forma como tal produção contribui para a castração da sua criatividade.

ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira. São Paulo,

Melhoramentos, 1988.

Para a elaboração desse livro, o autor retirou material de diversas fontes, ligadas à história da literatura infantil, que abrangem desde textos de historiadores a relatos de pais e professores. Tenta mostrar, no decorrer da obra, que a literatura infantil comporta uma conceituação mais ampla, atingindo a literatura oral, a escolar e os recursos da imprensa para a produção do livro escolar e infantil; ou seja, este livro pode ampliar a visão de literatura de pessoas inteiessadas nessa área. O autor organiza ainda uma bibliografia sobre literatura infantil.

BARROS, Déa Portanova. “Literatura infanto-juvenil: publicações gaúchas de autores não gaúchos” . Letras de hoje. Porto Alegre, PUCRS, 12(36), jun. 1979.

Esta bibliografia comentada é resultado do trabalho de iniciação cientifica “Literatura, linguagem, ensino e livro didático: bibliografia comentada” das alunas de Letras (USP) orientadas pela ProP DP Lígia Chiappini M. Leite. Já foram publicados dez títulos sobre literatura e ensino na revista Linha d’Água n° 7; catorze títulos na Linha d’Água n° 8 e agora, conclui-se a série com as nove obras restantes.

Ferraz, J. R. et aL Linha D'Água, n.9, p. 73-75, abr. 1995

A autora preocupada com o fato de o Rio Grande do Sul não possuir, em relação a outros estados, um número significativo de trabalhos sobre literatura infantil, decide fazer um levantamento das edições gaúchas dos livros desse gênero que se encontram em bibliotecas públicas, escolas e editoras de Porto Alegre. O artigo inclui a bibliografia resultante desse trabalho.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fada. Rio de Janeiro, Paz

e Terra, 1978.

A criança em desenvolvimento enfrenta problemas psicológicos inerentes aos primeiros anos de vida. Para enfrentá-los necessita compreender o que se passa em seu "eu” inconsciente, não através da razão, mas de fantasias conscientes, que liberam a imaginação e oferecem respostas ao inconsciente. Nesse sentido, os contos de fadas são fundamentais, uma vez que oferecem imagens e conteúdos maravilhosos, que possibilitam o devaneio e a fantasia.

CARMO, Sandra Souza. O difícil diálogo com o livro infantil. Brasília, UnB,

1983. (Tese de Mestrado)

Mostra uma análise entre as diversas relações que envolvem o texto literário e a didática do professor. Questiona a maneira pela qual este conduz a leitura e quais seus objetivos ao fazê-la. Por fim, a autora conclui que, para se trabalhar um texto literário, é necessário dar a ele um enfoque lúdico, catártico, a fim de que o aluno forme uma consciência crítica das várias possibilidades de abordá- lo. Entretanto, alerta que muitos professores trabalham esses aspectos de forma aleatória.

COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil: história - teoria - análise. São

Paulo, Quiron, 1984.

A literatura infantil e juvenil é analisada como um processo que, desde as suas origens nos primórdios da literatura oriental, evolui em sua estrutura, linguagem, conteúdos, valores transmitidos. A autora analisa esse processo e também problemas ligados à criação literária destinada ao público infanlo- juvenil.

HELD, Jacqueline. O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica (Trad. Carlos Rizzi). São Paulo, Summus, 1980.

O livro é uma tradução francesa que propõe repensar o processo educacional. Questiona a postura acadêmica do professor que faz com que o74

Ferraz, J . R. et aJ.

aluno apenas acumule informações, sem prepará-lo para a construção dc sua própria visão de mundo. A autora tenta definir o que é o fantástico, quais suas funções e onde e como aparece; além disso, demonstra que a imaginação é um instrumento que torna possível a descoberta do real; tudo isso, atravcs dos textos infantis que ilustram essa obra.

Unha D'Água, n.9, p. 73-75, abr. 1995

MEIRELES, Cecília. Problemas de literatura infantil. São Paulo, Summus,1979.

O livro, publicado pela primeira vez em 1951, é fruto de três conferências, realizadas pela autora em 1949, que integram a “Coleção Pedagoga” da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. A autora pretende ressaltar a importância da Literatura infantil e alguns dos vários aspectos que a envolvem, como: conceito, a qualidade do livro infantil, influências da literatura oral e das primeiras leituras, a crise dessa literatura. Além disso, a obra contém inúmeras citações de diversos autores que são de grande valia para os interessados em Literatura e Educação.

SOSA, Jesualdo. A literatura infantil: ensaio sobre a ctica, a estética c a psicopedagogia da literatura infantil. Trad. James Amado. São Paulo, Cultriz/EDUSP, 1982.

Ensaio dividido em quatro capítulos onde o autor estuda e analisa desde conceitos gerais dc literatura como: características, problemas morais, didatismò, estudo da psique da criança, desenvolvimento da inteligência, aquisição da linguagem, capacidade imagística, processo evolutivo da mentalidade da criança em relação ao adulto; até formas essenciais da expressão literária a serviço da criança. Além desse complexo, há inúmeras citações de pensadores importantes, o que constitui uma importante e vasta documentação sobre os temas abordados.

75

L inha D 'Águ», n .9 , p. 77-79, a b r . 1995

Inédito

Poemas de Luís Alberto Cinquarole Bellíssimo

FITA DE FOLHAS

A folha foge floco a floco.

A folha em foco. Ferrão que finca I

Farfalha à força folha ferida.

Enfim perfila-se fita-se em fita

Folha-formiga.

Bellissimo, L. A. C. Linlia D’Água, n. 9, p. 77-79, abr. 1995

GRILO

Um salto, um grito. Que bicho esquisito que serra o escuro que assalta o sereno e estrídulo trila de dentro do muro? Desperta uma estrela e outra, outra vez tri, tri, tri, são três.

e grita o garrancho crisântemo apita o muro cricrila tresdobra essa grita que singra o espaço.E os astros trelentes indagam quem fez. Um grilo, dois grilos? Tri, tri, tri, são três.

78

Bellissimo, L. A. C. Linlia D'Água, n. 9, p. 77-79, abr. 1995

A FONTE

Em singular servidão a formiga súcuba, subterrânea sobrevive.Da cigarra engravida o bosque aos gritos dos troncos na regrada solidão.

Entre cigarra e formiga a fábula finge a humanidade.Entre consentimento e veto dou de ombro: insetos!

Lei de Talião

O canavial grita.Ou são os cortadores em dores de não sentir?

79

Inédito

Ltnhn D'Águn, n.9, p. 81-83, abr. 1995

Poemas de Maria Helena Nery Garcez

AI, SE EU ESCUTASSE O QUE MAMÃE DIZIA!

Por uma pitada de bom humor aparelhei as caravelas para as índias Orientais.Chegando lá, porém, só encontrei pilhas de artigos digitais.Por espias contratados soube então que bom humor só se encontrava nas terras do Preste João Todaviaem seu reino só havia pimentas, sedas, noz moscada.Bom humor mesmo, que era bom, nada.Fui a Sagres em busca do Infante que me enviou ao Cabo Canaveral, hoje Kennedy por sinal.Masbom humor era coisa que não entrava no programa espacial.Fui, então, atender à campainha, lavei quilos de roupa, esfreguei o meu quintal.Quando à noite me assentei - exausta - à porta da cozinha, vi piscos de bom humor nos ciscos das estrelinhas.

Garcez, M. H. N. Linha D'Águit, n. 9, p. 81-83, abr. 1995

FILOSOFIA

Que faz a filosofia senão dar murros em ponta de faca?Roubou-me a carteira com as fotos antigas: pai, mãe, tios ancestrais.Que lerá feito dos restos dos meus?Atirou-os - de certo - algures, sem ao menos um olhar...Em que pensariam os meus, por ocasião das fotos?Certamenle não se imaginariam embarcados, subtraídos a uma descendente incauta, descartados num lixo yankee.O que faria arder a alma de meu pai? transcender os 3 x 4?Em que dia a severidade dos lios lhes permitiuo luxo de uma foto?Que sonhos nos olhos de minha mãe!E cá estou eu agora,feito um bezerro desmamado,nas latitudes lisboetas de um quarto da Baixaem tarde de chuva e sol,de saudosa e vã nostalgia.

Tenho reumatismo nos pensamentos!

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Rarcez, M. II. N. Linha D'Águn, n. 9, p. 81-83, nbr. 199S

POOR ELISEI

Desde que Pour Élise virou pregão urge desagravar! Ó Beethoven!O céus! Ó canção! O mercado pesa tanto e a arte é tão leve!Patética musa dos botijões,Élise vende gás do cimo dos caminhões.

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