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LEANDRO ARNDT Consumo final, consumo produtivo e desenvolvimento industrial no Brasil nas décadas de 1950 e 1960 Monografia de conclusão do Curso de História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Profª Judite Maria Barbosa Trindade CURITIBA 2004

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LEANDRO ARNDT

Consumo final, consumo produtivo e desenvolvimentoindustrial no Brasil nas décadas de 1950 e 1960

Monografia de conclusão do Curso de Históriado Setor de Ciências Humanas, Letras e Artesda Universidade Federal do Paraná.

Profª Judite Maria Barbosa Trindade

CURITIBA

2004

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A meus amigos e familiaresque me ajudaram a chegar

até aqui

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Como o dinheiro, o salário é muito antigo. Marx dizia, a propósito deconceituações, que nem todo negro é escravo e nem todo dinheiro é capital. Osseus leitores sabem que o capital é uma relação e não uma coisa. Quando osalário se torna a forma normal de compra da força de trabalho, existecapitalismo. Sua lei fundamental – para lembrar uma expressão cara a Stalin – é amais-valia.

Nelson Werneck Sodré

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................11. CAPITALISMO E MERCADO.................................................................................5

O que é capitalismo........................................................................................................5O valor das mercadorias.................................................................................................7As partes que compõem o valor.....................................................................................8A reprodução ampliada do capital...............................................................................11Os limites da reprodução ampliada: superprodução × subconsumo............................12

2. AS ESTATÍSTICAS..................................................................................................18O que utilizo.................................................................................................................18Os números..................................................................................................................19

3. PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO...............................................................27A quarta república........................................................................................................27A industrialização no pensamento econômico da quarta república..............................31Dependência × autonomia............................................................................................35

4. A HISTORIOGRAFIA SOBRE MODOS DE PRODUÇÃO NO BRASIL.........48Ciro Cardoso................................................................................................................48Caio Prado Jr...............................................................................................................50Jacob Gorender............................................................................................................53Nelson Werneck Sodré................................................................................................55

CONCLUSÃO................................................................................................................59O lugar desta história...................................................................................................61

FONTES.........................................................................................................................63BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................67

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LISTA DE GRÁFICOS

Serviços de intermediação financeira (1947-1989)..........................................................20Participação dos setores da economia no PIB (1947-1989)............................................20Proporção entre formação bruta de capital fixo e PIB (1951-1989)................................22PIB, consumo final e formação bruta de capital fixo (1951-1989)..................................22Proporção entre a arrecadação de impostos cumulativos e PIB (1947-1966).................24Crescimento do PIB, do consumo final e da arrecadação de impostos cumulativos (1947-1966)................................................................................................................................24Estoque líquido de capital fixo e PIB (1950-1989)..........................................................25Empréstimos e financiamentos de médio e longo prazos, e investimento direto líquido(1947-1964).....................................................................................................................47

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LISTA DE SIGLAS

• BNDE: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

• BNDES: Banco Nacional de Dsenvolvimento Econômico e Social

• CNI: Confederação Nacional das Indústrias

• ESG: Escola Superior de Guerra

• EUA: Estados Unidos da América

• Exim Bank: Export-Import Bank

• FBKF: Formação bruta de capital fixo

• FGV: Fundação Getúlio Vargas

• IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

• IBGE/CDDI: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Centro de Documentação

e Disseminação de Informações

• IC: Imposto de Consumo

• ICM: Imposto sobre Circulação de Mercadorias

• ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

• IGP-DI: Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna

• IPI: Imposto sobre Produtos Industrializados

• IVC: Imposto sobre Vendas e Consignações

• MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

• PCB: Partido Comunista do Brasil (até 1961); Partido Comunista Brasileiro (após

1961)

• PCdoB: Partido Comunista do Brasil (a partir de 1962)

• PCUS: Partido Comunista da União Soviética

• PIB: Produto Interno Bruto

• RPM: Rio Paracatu Mineração

• SUMOC: Superintendência de Moeda e Crédito

• SUPRA: Superintendência de Política Agrária

• URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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INTRODUÇÃO

Adotando um referencial marxista-leninista, na presente pesquisa analiso o

processo de desenvolvimento industrial no Brasil das décadas 1950 e 1960. Porém,

levando em conta que o marxismo vem sendo rejeitado por grande parte da academia, e

tendo em vista também que a própria história econômica, independentemente do

referencial teórico adotado, vem sendo relegada a segundo plano1, faz-se necessária uma

exposição de meu referencial teórico (ademais, isto é um reconhecimento do lugar social

a partir do qual analiso a história).

A teoria marxista da reprodução ampliada do capital foi elaborada a partir do

capitalismo que se desenvolvia no ocidente europeu no século XIX, que tinha como

principal expoente a Inglaterra. É obviamente uma realidade diferente da realidade

brasileira nos anos 1950 e 1960.

Também é diferente da realidade russa no final do século XIX. Lênin, porém, a

expõe na forma de “teoria abstrata da realização”. O que permite, ainda mais

considerando que no materialismo histórico se busca a análise da historicidade das

relações humanas, tal abordagem abstrata?

Em primeiro lugar, é uma necessidade. O Desenvolvimento do capitalismo na

Rússia foi escrito para combater as teses populistas de que o capitalismo não teria, na

Rússia, um papel progressista – isto é, não permitiria um aumento e uma melhora na

produção. Tais teses, personificadas nos senhores V.V. e N-on (pseudônimos,

respectivamente de V. P. Vorontsov e N. F. Danielson), baseavam-se na suposta

impossibilidade de realização da mais-valia, derivada teoricamente das interpretações

liberais de Adam Smith e David Ricardo. Portanto, era preciso criticar teoricamente o

erro dos populistas.

Como diz José Paulo Netto na introdução à edição da Abril Cultural do

Desenvolvimento…, a crítica dos equívocos populistas e a investigação da realidade

sócio-econômica russa são concomitantes, havendo apenas uma breve exposição teórica

no primeiro capítulo. Embora a teoria constitua a base da crítica aos populistas, ela se

amplia e se consolida na análise do processo histórico-social real. O objeto do estudo,

1ARRUDA, J. J.; TENGARRINHA, J. M. Historiografia luso-brasileira contemporânea. Bauru: Edusc,1999. pp. 98-99.

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apesar da discussão teórica com os populistas, é uma formação econômica determinada

(a Rússia após a abolição da servidão, em 1861). Para ele, o Desenvolvimento… é a

“mais russa” de todas as grandes obras de Lênin – e justamente aí residiria sua

universalidade, pois não se trata de aplicar um método preexistente a uma realidade

dada; ao contrário, partindo do método marxista, ele “agarra” a realidade de modo que

sua particularidade não fique submetida ao reducionismo teórico. Justamente aí reside a

criatividade de Lênin, pois o aparato metodológico não retorna idêntico a si mesmo

desse “mergulho” na particularidade.2

Daí se conclui que a teoria emana da realidade e a ela retorna. Lênin, no

Desenvolvimento…, se vê obrigado a expor uma teoria histórica (a teoria marxista da

reprodução ampliada do capital) abstraindo-a de sua historicidade, de forma a facilitar o

entendimento da análise histórica subseqüente (que explicitamente – através do debate

com os populistas – influencia a exposição teórica).

Por várias razões, também me vejo na necessidade de realizar uma exposição

teórica prévia à análise histórica, no capítulo 1 – inclusive porque parte das posições às

quais me contraponho derivam de erros teóricos semelhantes aos dos populistas russos.

Como diz Paul Sweezy, o método utilizado por Marx consistia em aproximações

sucessivas da realidade, partindo da abstração teórica mais elevada.3 É também por isto

que eu parto do estudo da teoria econômica para então proceder à análise das estatísticas

(no capítulo 2) e só depois disto passar à realidade sensível, aquela em que viviam os

homens do período, que não se resumem a números sobre a produção social.

Essa teoria está em íntima relação com todo o estudo, visto que aquela envolve

tanto a análise do processo de reprodução ampliada do capital, quanto o próprio

conceito de capitalismo – aquele processo não existe sem este conceito. É assim que

posso dividir o resultado desta pesquisa em um capítulo teórico, um de análise

estatística, outro sobre o pensamento econômico e, por fim, um de análise da

historiografia sobre os modos de produção no Brasil.

É por tudo isso que o objetivo principal do trabalho, exposto no título, acaba

levando também aos outros aspectos acima citados. O estudo mais abstrato do processo

2NETTO, J. P. Introdução. In: LENIN, V. I. Desenvolvimento do capitalismo na Rússia. São Paulo:Abril Cultural, 1982. pp. XX e XXI.3SWEEZY, P. Teoria do Desenvolvimento Capitalista: Princípios de Economia Política. Rio de Janeiro:Zahar, 1985. p. 23.

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de desenvolvimento industrial no Brasil das décadas de 1950 e 1960 leva ao estudo da

política econômica então formulada ou aplicada, e mesmo da política em geral da qual

ela faz parte (capítulo 3). A dependência da teoria da reprodução ampliada do capital em

relação ao conceito de modo de produção capitalista leva a um diálogo com a

historiografia sobre os modos de produção aqui existentes (capítulo 4).

Não é, porém, só a escolha de iniciar o trabalho com uma exposição teórica que

precisa de justificativas, nem mesmo a relação do objetivo principal com os secundários.

O próprio objetivo principal também necessita de explicação.

Como fica claro no capítulo 14, a teoria marxista do desenvolvimento

econômico capitalista envolve o privilegiamento do consumo produtivo em detrimento

do consumo final. Em outras palavras, é o consumo de máquinas, equipamentos,

instalações e insumos (chamados de capital constante) que determina o crescimento da

economia capitalista, e não o consumo final. Em termos de produção, é a seção da

economia que se destina à fabricação das mercadorias correspondentes ao capital

constante que move a economia, e não a que se destina à produção das mercadorias

consumidas diretamente pela população.

O recorte cronológico é explicado por serem as décadas de 1950 e 1960

décadas de notável crescimento industrial, e porque a finaceirização do capital ainda não

era tão exacerbada como nos dias atuais. As últimas décadas são de considerável

autonomização do capital financeiro5, o que demandaria um estudo também da dinâmica

da circulação financeira.

Além disto, há as dificuldades decorrentes da utilização de estatísticas que não

levam em consideração toda a produção, mas somente a produção final. Desta forma é

necessário o uso de outras informações, como a arrecadação de impostos cumulativos.

Na época, eram o Imposto de Consumo (IC) e o Imposto sobre Vendas e Consignações

(IVC), substituídos em 1966 pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e pelo

Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), não-cumulativos. O consumo final

pode ser visto nas estatísticas do Sistema De Contas Nacionais Consolidadas, que

somente começam em 1947 (algumas séries só começam em 1950).

4Infra, pp. 11-17.5BARROSO, A. S. Os desafios da política externa brasileira. Princípios. São Paulo: Anita Garibaldi, n.70, pp. 54-58, ago./out. 2003. p. 55.

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Por fim, seria longo explicar aqui todas as fontes que utilizo, razão pela qual há

uma lista de fontes comentada no final do trabalho.6

6Infra, pp. 63-66.

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1. CAPITALISMO E MERCADO

O que é capitalismo

O capitalismo é a forma mais elevada de alienação do trabalho. Em nenhum

sistema precedente houve uma exploração mais aberta – e no entanto mascarada – do

trabalho. Se, nos sistemas precedentes, a exploração do trabalho estava disfarçada em

obrigações ou relações pessoais, no capitalismo ela está presente, nua e crua, na compra

aberta da força de trabalho de uma pessoa pela outra. Porém, a ideologia desse modo de

produção, espantada com o trabalho não pago nos demais modos, oculta o trabalho não

pago no próprio capitalismo.

Ao contrário do que pensam alguns, entretanto, ele não é o produto da

evolução natural de uma característica intrínseca à condição humana – a divisão do

trabalho. Esta forma de pensamento a-histórico é típica da economia política liberal.1

Porém, não se restringe a esta teoria. Podemos usar como exemplo dois manuais de

economia comumente utilizados em nossas universidades, o de José Paschoal Rossetti2, e

o de Antonio Castro e Carlos Lessa3.

No primeiro, não faz diferença alguma dizer que a divisão do trabalho só é

“praticada em larga escala” após a Revolução Industrial do século XVIII. Para ele,

Em todas as épocas da História universal, para imprimir maior eficiência à solução de seusproblemas econômicos fundamentais, as sociedades sempre recorreram aos princípios daespecialização. Mesmo os povos primitivos não desconheciam tal expediente: ‘Os magroscaçavam, os gordos pescavam e os espertos eram curandeiros’ – assinala Samuelsonjocosamente.4

Castro e Lessa, neste ponto, não são diferentes de Rossetti; partindo de uma

sociedade “extraordinariamente primitiva”, pressupõem que

se dê um passo à frente no sentido da embrionária divisão do trabalho: certos indivíduos setornam mais favoráveis à caça do antílope, enquanto outros encontram vantagens em dedicar-se prioritariamente à pesca. Dentre as implicações mais evidentes deste avanço, no sentido daespecialização das entidades econômicas, se destaca o provável surgimento de excedentes decaça e pesca como resultado do trabalho de cada grupo isoladamente, e seu desfecho natural– o intercâmbio. […] A complexidade que progressivamente se estabelece nesta sociedade se

1Marx faz uma crítica a isso nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (MARX, K. ManuscritosEconômico-Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001.); um comentário interessante deste aspecto dosManuscritos… se encontra em DUARTE, N. A crítica de Marx à naturalização do histórico. Princípios.São Paulo, Anita Garibaldi, n. 71, p. 62-69, nov. 2003/jan. 2004; n. 72, p. 69-74, fev./abr. 2004.2ROSSETTI, J. P. Introdução à economia. São Paulo: Atlas, 1978.3CASTRO, A. de B.; LESSA, C. F. Introdução à Economia: uma abordagem estruturalista. Rio deJaneiro: Forense-Universitária, 1979.4Rossetti, op. cit., p. 195. Grifos meus.

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resolve em intensificação das trocas. A freqüência das comunicações implicadas em cadaoperação de escambo tem por solução natural a eleição de um bem econômico como padrãode referência. […] Em fase mais adiantada, com o aprofundamento da divisão do trabalhohumano no espaço e no tempo, impõe-se uma tendência que já se anunciava na etapaprecedente.5

Tal tendência é o capitalismo, presente sempre, em qualquer sociedade,

diferenciado apenas pelo maior ou menor grau de desenvolvimento de uma

característica intrínseca à natureza humana – a divisão do trabalho.

Essa visão é totalmente contrária à visão marxista do capitalismo. Para esta, o

capitalismo é um sistema histórico; assim como um dia surgiu, um dia acabará.

A historicidade dos modos de produção é uma das premissas básicas do

marxismo. Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, Marx não parte de uma sociedade

mítica, mas da sociedade concreta de sua época para explicar as relações de produção

capitalistas. Se procedesse como a economia política burguesa (liberal ou não), teria

apenas arrastado tais relações para uma distância opaca e nebulosa; teria tomado como

pressuposto aquilo que deveria explicar.6

O capitalismo não é qualquer forma de divisão do trabalho, mas a forma mais

elevada da produção mercantil. Para seu estudo teórico (abstrato), pouco importam os

modos de produção anteriores.

O capitalismo, portanto, é um modo de produção histórico. É uma forma

específica de alienação do trabalho. É a forma mais elevada da alienação porque é a

forma mais elevada da produção mercantil.

Porém, é bom explicar que a produção mercantil em sua forma mais elevada

não é apenas produção para o mercado, e sim produção de mercadorias. “Mercadoria”

se diferencia de “produto” porque aquela só realiza seu valor de uso quando alienada do

produtor. Só tem sentido distante da unidade de produção, quando já foi vendida no

mercado, para uma pessoa ou empresa desconhecida, para quem a produção não foi

especificamente destinada.7

5Castro e Lessa, op. cit., pp. 103-104. Grifo meu.6Marx, Manuscritos…, p. 111.7Cabem dois esclarecimentos: 1) algumas etapas do desenvolvimento e da produção de mercadorias, aoserem terceirizadas, podem parecer contrariar esta afirmação, mas são a terceirização de departamentosde uma empresa e realizam funções internas a ela (excelente exemplo atual disto são os escritórios dedesign); 2) trato da produção geral (este é um capítulo teórico, não faço aqui uma revisão histórica, v.supra, Introdução, p. 2).

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Além disso, só é a forma mais elevada da produção mercantil se a produção

ocorrer a partir de mercadorias. Existem dois tipos de mercadorias que se usam no

processo de produção. O primeiro, denominado capital constante, corresponde ao

capital preexistente à produção e que deve ser comprado pelo capitalista. O segundo

tipo, denominado capital variável, corresponde à mercadoria chamada força de

trabalho. Esta mercadoria, que praticamente não se distingue das demais, é justamente a

diferença fundamental entre o capitalismo e os demais modos de produção.

O valor das mercadorias

Para entender como a força de trabalho diferencia o capitalismo dos demais

modos de produção, é preciso explicar o que é o valor de troca8 e qual a sua

composição.

Para a economia política burguesa, a compreensão da formação dos preços é

fundamental. Para ela, é através deles que um sistema econômico pode “apresentar

soluções eficientes” para a “tríade dos problemas fundamentais para qualquer

sociedade”, qual seja, “o que e quanto, como e para quem produzir.”9

Preço e valor, porém, são coisas diferentes. As variações momentâneas de

preço ocorrem justamente em torno do valor. Tais oscilações são causadas,

principalmente, por variações na oferta e na procura.

O marxismo, entretanto, se recusa a acreditar na oferta e na procura como

determinantes do valor. Somente por absoluto idealismo se pode acreditar em algo

assim, pois não haveria nada a determinar o valor em torno do qual os preços oscilam –

afinal, na hipótese de se equilibrarem a oferta e a procura, nada mais haveria a

determinar preços e valores.

Pode-se, isto sim, dizer que no longo prazo valor e preço praticamente se

equivalem, pois as variações ascendentes deste são minimizadas pelas descendentes e

vice-versa. O preço, descontadas as demais influências (como o monopólio), acaba

sendo a expressão monetária do valor. Resta, contudo, saber o que determina o valor de

uma mercadoria.

8Quando falo simplesmente de “valor” refiro-me a esta espécie de valor especificamente, e não ao valorde uso.9Rossetti, op. cit., p. 249

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Na produção mercantil em seu estágio mais elevado, não há nenhuma qualidade

natural comum a todas as mercadorias. As mercadorias são vendidas porque se precisa

vender e compradas porque se precisa comprar, mas compra e venda são operações

independentes, um produto não é trocado diretamente pelo outro – as qualidades

naturais das mercadorias (seus valores de uso) não se complementam.

Destarte, não havendo qualidades naturais comuns ou complementares a todas

as mercadorias, deve-se procurar alguma substância social10 a lhe determinar o valor.

No modo de produção de que tratamos aqui, o capitalista, só há uma substância social

comum a todas as mercadorias: o trabalho. Conseqüentemente, o valor de uma

mercadoria é determinado pelo total de trabalho nela fixado no processo de sua

produção.

Todavia, é preciso lembrar que a produção de mercadorias é uma produção

social. Assim sendo, trata-se de trabalho social – aquele que não serve diretamente ao

produtor – e de trabalho socialmente necessário. Portanto, não há valor de uma unidade

específica de mercadoria, mas apenas valor social de suas unidades. É por isto, por

exemplo, que o ouro extraído pela Rio Paracatu Mineração (RPM), numa das minas com

menor teor de minério do mundo tem o mesmo valor do ouro extraído de qualquer outra

mina. O que importa não é quanto trabalho um determinado produtor fixou em tal ou

qual unidade de um produto, mas o trabalho socialmente necessário para a produção de

determinada mercadoria. Isto leva a que o valor seja determinado pela menor quantidade

de trabalho socialmente necessária para a produção da mercadoria, e leva à ruína os

produtores incapazes de avançar tecnologicamente.

É por tudo isso que o marxismo praticamente não se interessa pelos preços.

Alguém pode até dizer que Marx falhou em explicar a formação deles. Mas esta é uma

afirmação descabida, pois ele não tinha interesse nenhum nos preços. Somente o valor é

capaz de explicar o modo de produção capitalista.

As partes que compõem o valor

Como disse na seção anterior, o valor de uma mercadoria corresponde ao

montante de trabalho socialmente necessário à sua produção. Por conseguinte, a

especificidade do capitalismo como expressão máxima da divisão e da alienação do10Este é o termo empregado por Marx. MARX, K. Salário, preço e lucro. São Paulo: Centauro, [s/d]. p.39.

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trabalho leva o valor de troca a ser composto por três partes: o capital preexistente, a

parte do valor adicionado que corresponde aos custos de manutenção do trabalhador, e a

parte deste valor que é alienada pelo capitalista.

A primeira parte é chamada de capital constante. Nela estão incluídas todas as

formas de capital preexistente que devem ser adquiridas pelo capitalista para a efetivação

da produção, como máquinas, instalações, equipamentos e matérias-primas. Esta parte

do valor, a qual parece ser a mais simples de se entender, não é apenas basilar para o

funcionamento do capitalismo, mas também muito mal compreendida, até mesmo

ignorada pelos economistas burgueses. Isto fica patente na contabilidade social das

economias capitalistas, que ignora completamente o valor dos insumos.

O que elas levam em conta é somente o capital adicionado, ou valor agregado,

composto pelas outras duas partes do valor – o capital variável e a mais-valia. Estas duas

partes, embora sejam opostas uma à outra, têm a mesma origem: o trabalho de

transformação do capital constante em uma nova mercadoria.

A primeira parte desse valor agregado, o capital variável, é utilizada para pagar

o trabalhador. A força de trabalho deste é uma mercadoria como qualquer outra, e seu

valor corresponde da mesma forma ao montante de trabalho necessário para criá-la.

Para que haja trabalhadores, é preciso que haja: 1) preservação dos

trabalhadores já existentes, dentro dos limites biológicos; 2) reposição dos trabalhadores

mortos ou imprestáveis para o trabalho produtivo, bem como fabricação de novos

trabalhadores; 3) adestramento dos trabalhadores para a lida com os meios de produção.

Porém, mesmo que o capital tente reduzir o trabalhador à mais terrível miséria,

à mera existência biológica, há limites sociais e culturais para isto e que na verdade

acabam por diferenciar a força de trabalho das demais mercadorias, pois tais limites

podem variar mais facilmente que a quantidade de trabalho necessária para a produção

das outras mercadorias.

Está explícita aí a contradição entre capital e trabalho, a qual tem a sua

explicação na oposição entre capital variável e mais-valia. Entretanto, antes de tratar

desta última parte do valor, é interessante voltar aos manuais de economia e mostrar

como a economia política burguesa “entende” o capital variável.

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Na verdade, fica caracterizada a falta de entendimento do valor, mesmo que ela

concorde com a teoria do valor-trabalho11. Faço esta digressão apenas para mostrar o

absurdo a que pode chegar a má compreensão do valor.

No livro de Rossetti está escrito – e esta visão faz parte da ideologia

meritocrática capitalista – que “cada um de nós faz uma pequena parte do todo e recebe

uma remuneração teoricamente compatível com a importância da atividade envolvida.”12

É preciso perguntar quem é mais importante: um lixeiro que ganha pouco e precisa de

dois dias de greve para receber um aumento ou um professor universitário que ganha

mais e precisa de uma greve que dure meses?

Ora, afirmar tal coisa é negar a própria natureza da força de trabalho sob o

modo de produção capitalista, ou seja, que ela acrescenta valor à mercadoria sobre a

qual é aplicada, e que é comprada pelo seu valor de troca, e não pelo seu valor de uso, o

qual, como diz Marx, na produção capitalista é apenas um aspecto colateral13.

No capitalismo, alguém vende sua força de trabalho pelo montante de capital-

dinheiro necessário para mantê-la e reproduzi-la; em troca, o comprador ganha direito de

usá-la pelas horas determinadas no contrato de trabalho ou na legislação. É justamente aí

que se dá a produção de mais-valia, pois não é o produto do trabalho que está sendo

vendido, e sim o usufruto desta força de trabalho.

Quando alguém compra a força de trabalho de outrem, ganha o direito de

dispor dela como bem entender pelo tempo estipulado. Por conseguinte, pode

acrescentar tanto valor quanto necessário a tantas unidades da mercadoria transformada

quanto for tecnicamente possível, não precisando pagar ao operário todo o valor

adicionado pelo seu trabalho, mas apenas o necessário para sua manutenção.

Pode-se partir para um exemplo numérico hipotético. Pode-se supor que uma

fábrica emprega um operário a R$100,00 por semana, tendo direito a usá-lo por 44 horas

semanais. Se, neste período, o empregado acrescentar R$2,50 a 40 unidades da

11Este é o nome dado às teorias que consideram o valor como o trabalho fixado numa mercadoria (amarxista e a ricardiana, principalmente). Marshall, por exemplo, reduz o valor à oferta e à procura;entretanto, como procurei demonstrar acima (pp. 7-8), esta não é uma explicação convincente.12Rossetti, op. cit., p. 197. Grifo meu.13MARX, K. Teorías sobre el plusvalor. In: COLLETTI, L. (org.). El marxismo y el Derrumbe delCapitalismo. México: Siglo Veintiuno, 1978. p. 110. É interessante que esta é a mesma crítica que Marxfaz a Ricardo (v. idem, pp. 109-110.), embora Rossetti baseie sua teoria do valor muito mais emMarshall (cf. Rossetti, op. cit., pp. 249-251.).

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mercadoria transformada, o capitalista tem direito a vendê-las por um valor total de

R$200,00 mais o capital constante utilizado, uma taxa de mais-valia de 100%.

O trabalho assalariado permite inclusive que se diminua o valor das

mercadorias, mesmo que se aumentem os salários. Como o trabalhador não vende o

produto do seu trabalho, e sim o usufruto de sua força de trabalho, um progresso técnico

pode diminuir o trabalho necessário para transformar uma unidade da mercadoria, sem

que o valor da força de trabalho aumente na mesma proporção – ele só aumenta na

proporção necessária para que o operário possa utilizar as máquinas e equipamentos

necessários à produção.

A reprodução ampliada do capital

A compreensão das partes que compõem o valor é fundamental para a

compreensão de como se dá a reprodução ampliada do capital – é justamente na

composição do valor que reside o segredo para se compreender como é possível que

uma sociedade aumente seu capital. A importância dessa compreensão fica clara quando

se sabe que os economistas liberais falharam justamente ao não ver o capital constante14.

Para compreender como se dá a reprodução do capital, é preciso entender como

se divide a produção social – e ela se divide como o valor das mercadorias: uma seção (a

que chamaremos seção I) produz as mercadorias que repõem o capital constante; a outra

(seção II), as mercadorias de consumo final que compõem o capital variável e a mais-

valia.

A reprodução do capital, portanto, se dá da seguinte forma: a seção I, ao

produzir mercadorias, consome o capital constante produzido por ela mesma, e o capital

variável produzido pela seção II; a seção II, o capital variável que ela mesma produziu, e

o capital constante produzido pela outra. No entanto, desta forma não há aumento do

capital social, mas apenas sua reprodução simples.

Para haver reprodução ampliada do capital, é preciso que parte da mais-valia

se converta em capital constante, possibilitando que a nova produção ocorra numa

escala maior. E isto revela um erro fundamental dos economistas liberais, que não

14v. LENIN, V. I. Desenvolvimento do capitalismo na Rússia: o processo de formação do mercadointerno para a grande indústria. São Paulo: Abril Cultural, 1982. pp. 17-22.

11 11

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conseguem explicar a ampliação da produção, senão pelo bordão “a produção cria sua

própria demanda”.15

O valor de uma mercadoria após sua produção é maior do que o valor do

capital constante e do capital variável empregados, porque foi agregado valor através do

trabalho aplicado. A parte do valor que “sobra”, denominada mais-valia ou

sobretrabalho, é apropriada pelo capitalista. No entanto, ele não a guarda para si, mas a

investe novamente na produção, pois a concorrência dos demais capitalistas o obriga a

modernizar a produção, produzindo mercadorias em maior quantidade e de menor valor

unitário. Conseqüentemente, a produção capitalista não tem como fim o enriquecimento

do próprio capitalista, mas é uma produção pela produção.

É no crescimento do capital constante que reside a possibilidade da reprodução

ampliada do capital. Quando realiza sua produção (ou seja, vende-a no mercado), o

capitalista adquire a capacidade de ampliá-la. Esta capacidade se transforma em

necessidade com o avanço tecnológico e a diminuição do valor socialmente necesário

para a produção de uma unidade de mercadoria. Para que possam competir uns com os

outros, os capitalistas investem na modernização da produção. Ao se modernizar a

produção, portanto, aumentam os custos com capital preexistente e diminui o valor

agregado às mercadorias em cada etapa da produção. Aumenta a parte do capital

constante, em detrimento do capital variável e da mais valia.

Concorre para isto o fato de que cada novo avanço da técnica leva ao

surgimento de novos ramos industriais, elevando o número de etapas da produção

social, alterando a proporção entre as duas seções da economia em favor daquela que

produz capital constante.

Os limites da reprodução ampliada: superprodução × subconsumo

A economia política marxista se explica a partir das relações de produção.

Assim se dá não somente com o funcionamento progressista do capitalismo, como

também com suas crises. No entanto, alguns daqueles que se dizem marxistas não

compreendem isto e tentam explicar as crises, não como crises de superprodução, mas

de subconsumo – elas aconteceriam devido à falta de “demanda efetiva”.

15v. Lênin, Desenvolvimento…, pp. 19-22; MIGLIOLI, J. Acumulação de capital e demanda efetiva.Parte I. O bordão é conhecido como “Lei de Say”, em referência ao economista clássico Jean BaptisteSay.

12 12

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À primeira vista, superprodução e subconsumo parecem sinônimos, mas são

termos que distinguem explicações completamente diversas das crises cíclicas do

capitalismo. As crises não são objeto desta pesquisa, mas a possibilidade teórica de que a

insuficiência do consumo final seja a causa delas deve ser descartada, porque ela encerra

também o oposto, ou seja, significa que o aumento deste consumo é que possibilita a

expansão da produção.

Como ia dizendo, superprodução e subconsumo parecem sinônimos, mas

denotam explicações completamente diferentes sobre as crises do capitalismo. Isto

porque, enquanto superprodução é a impossibilidade súbita de se realizar a produção,

subconsumo designa uma característica constante do capitalismo – a de que, num

determinado momento, produz-se mais do que se consome, ou, dito de outro modo,

consome-se menos do que se produz.

Fica claro, portanto, que, quando se fala em superprodução ou em subconsumo,

fala-se em coisas diferentes. Não é este, porém o motivo pelos quais as crises do

capitalismo não são crises de subconsumo, mas de superprodução.

Como visto acima, a reprodução ampliada do capital implica um crescimento

maior do setor da produção social que produz capital constante do que daquele que

produz bens de consumo final. O mesmo ocorre com as mercadorias – a parte do valor

que corresponde ao capital constante se torna, com o avanço da técnica, cada vez maior

em relação àquelas que correspondem ao capital variável e à mais-valia. Desta forma, o

consumo final ocupa um espaço sempre decrescente da economia. Há quem veja aí a

impossibilidade de se realizar a produção a seu valor (ou seja, a impossibilidade de se

obter mais-valia).16 Aí estaria a origem das crises do capitalismo: ao não obterem lucro,

ou lucro suficiente, os capitalistas se desinteressariam da produção, cessariam-na.

Jorge Miglioli fala explicitamente em dificuldades de realização da mais-valia;

para ele, as demais partes do valor realizar-se-iam “naturalmente”.17 Paul Sweezy18 não

chega a tal ponto, mas, mesmo que fale em dois tipos de crise (ligadas à tendência

16Para dar nome aos bois, digo logo que, desses autores, utilizo Jorge Miglioli, seguidor de Kalecki, ePaul Marlor Sweezy. Há abundantes críticas a seus ancestrais teóricos, inclusive neles mesmos, de modoque eu pouco acrescentaria ao debate se expandisse demais a crítica ao subconsumismo. Ademais, estecapítulo serve apenas para sustentar teoricamente o resto da pesquisa, não sendo interessante expandi-lodemais.17Miglioli, op. cit., pp. 112 e ss.18Sweezy, op. cit., caps. VIII-X.

13 13

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decrescente da taxa de lucro e de realização), vê apenas um tipo – a de realização –

ligada à impossibilidade de se obter lucro.

As crises ligadas à tendência à queda da taxa de lucro, para Sweezy, não são

realmente ligadas a esta tendência – enquanto esta deriva do aumento da chamada

composição orgânica do capital (a porção do valor das mercadorias correspondente ao

capital constante), este tipo de crise seria causado pela queda da taxa de mais-valia (a

proporção entre mais-valia e capital variável). No período imediatamente anterior à crise,

havendo um aumento excessivo da procura pelo trabalho, há também um aumento no

preço da força de trabalho e uma conseqüente queda da mais-valia. Assim, o capitalista

se desinteressaria da produção.

No entanto, isto provoca um impedimento para a realização, o que Sweezy

classifica como “crise de realização”19. Portanto, mesmo que ele distinga duas formas de

crise, não vê senão uma causa única: o impedimento da realização.

A análise das crises de realização ele divide em duas partes: numa, analisa a

possibilidade de elas serem provocadas pela desproporção entre os diferentes ramos da

produção; noutra, a de elas serem provocadas pelo “subconsumo das massas” (ou

simplesmente subconsumo).

Com relação à primeira, ele a descarta com base em que ela acarretaria a

evitabilidade das crises. Ou seja, o capitalismo, pelo funcionamento do sistema de oferta

e procura, que tende a equacionar a produção nos diferentes ramos da produção, evitaria

as crises. Neste caso, o papel dos socialistas seria simplesmente o de educar as massas e

esperar pela adoção pacífica do socialismo – o sonho dos revisionistas.20 É claro que ele

não afirma inexistência de desproporção, mas nega que ela seja a causa das crises do

capitalismo.

Embora não tente criar uma teoria tão elaborada quanto a exposta por Jorge

Miglioli (baseada numa suposta dificuldade de se realizar a mais-valia, contraposta à

“naturalidade” da realização das demais partes do valor), Sweezy também expõe os

motivos que levariam a crise de subconsumo. Diz ele que

19Sweezy, op. cit. p. 129.20Sweezy, op. cit., p. 132.

14 14

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Se mudarmos agora nosso ângulo de visão e encararmos a produção como um processotécnico natural de criar valores de uso, veremos que deve existir uma relação definida entreas massas dos meios de produção […] e a produção de bens de consumo.21

Não podemos, porém, esquecer que a produção não é um processo “natural”, e

sim um processo social. Como já disse, a seção da produção social destinada à

fabricação de bens de consumo final cresce menos que a destinada à produção de capital

constante. Mesmo quando considera esta lei do capitalismo, o autor supõe somente a

queda proporcional da procura por bens de consumo como fator explicativo da crise.

Esquece-se de que tal procura está intimamente ligada ao crescimento da produção

geral, pois equivale a todo o capital variável utilizado e a parte da mais-valia produzida.

Esta lei, portanto, não considera que parte do produto social possa restar irrealizado.

Sweezy cita vários marxistas para mostrar que também eles são subconsumistas,

ou dão importância ao subconsumo. Chega até mesmo a citar Lênin, dizendo que “os

únicos autores marxistas, além do próprio Marx, que compreenderam corretamente a

relação geral entre desproporção, subconsumo e crise foram Lênin e seus seguidores”22.

Isto é bem verdade, mas vejamos o que o próprio Lênin diz sobre o assunto:

A análise científica da acumulação na sociedade capitalista e da realização do produto minoutodos os fundamentos desta teoria [liberal, apropriada pelos populistas russos] e mostrou aomesmo tempo que, precisamente durante os momentos que precedem as crises, o consumodos operários se eleva, que o subconsumo (com o qual se pretende explicar as crises) existiunos regimes econômicos mais diversos, enquanto as crises [de superprodução] constituem otraço distintivo de um só regime: o capitalista. Esta teoria explica as crises mediante outracontradição, a saber: a que existe entre o caráter social da produção (socializada pelocapitalismo) e o caráter privado, individual, da apropriação. […] Mas se pode perguntar: asegunda teoria [a marxista] nega a existência de uma contradição entre a produção e oconsumo? É evidente que não. Reconhece plenamente este fato, mas a coloca em seu lugar,considerando-a como um fato secundário que concerne a um setor da produção capitalista.Ensina que este fato não pode explicar as crises, posto que estas são provocadas por umacontradição mais profunda e fundamental: a que existe entre o caráter social da produção e ocaráter privado da apropriação.23

Autores como Sweezy e Miglioli citam abundantemente meia dúzia de

passagens nos milhares de páginas de teoria econômica que Marx escreveu. Lamentando

que ele morreu, com base nestas passagens tentam teorizar o que ele não teorizou e

dizem que estão apenas desenvolvendo o que ele não teve tempo de desenvolver. No

21Sweezy, op. cit., p 145. Grifo meu.22Sweezy, op. cit., p. 147.23LENIN, V. I. Para una caracterización del romanticismo económico. In: COLLETTI, L. (org.). ElMarxismo y el derrumbe del Capitalismo. México: Siglo Veintiuno, 1978. pp. 288-289. Grifo nooriginal.

15 15

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entanto, ele teve tempo para desenvolver muito mais, e precisamos ver o que ele

efetivamente falou sobre as crises.

Mesmo que estas ocupem um espaço relativamente pequeno nessas páginas, a

teoria marxiana sobre elas é exposta de forma clara e conclusiva nas Teorias sobre a

mais-valia, que utilizo aqui24. Esta teoria é tão simples que não são necessárias muitas

páginas para expô-la. É impressionante como pode haver quem não a entenda,

especialmente autores tão capazes.

Toda a possibilidade de haver crises está contida no dinheiro. Embora o

consumo e a produção de capital sejam inseparáveis, o mesmo não acontece com a

compra e a venda. Há separação entre compra e venda – e, como o valor de troca é

social, e não natural, ao tentar reproduzir novamente seu capital, o dinheiro obtido pelo

capitalista na venda pode não ser suficiente para comprar todo o capital constante e

capital variável necessários.

Esta é a forma abstrata das crises periódicas do capitalismo: o capital-dinheiro

obtido com a venda das mercadorias já não é mais suficiente para reproduzi-las,

estancando-se a produção do setor atingido pela crise; se este setor é suficientemente

importante para a economia, a crise se generaliza. Entretanto, Marx nunca se interessou

por estudar as formas concretas das crises de superprodução, por serem específicas de

cada caso, e não generalizáveis. Mesmo assim, alguns exemplos dessas possibilidades

podem ser úteis para facilitar o entendimento.

Duas possibilidades são as citadas por Marx e Sweezy25. Na primeira, Marx fala

de uma quebra da colheita de uma importante mercadoria agrícola. Como o trabalho

fixado no total das mercadorias se mantém, mas a quantidade diminui, o valor unitário

sobe, possivelmente impedindo uma reprodução das mercadorias derivadas desta numa

escala igual ou ampliada.

Na outra possibilidade – a citada por Sweezy – muda apenas a mercadoria, a

qual passa a ser a força de trabalho. Isto é possível devido ao crescente bem-estar dos

trabalhadores que precede as crises de superprodução. Contudo, é uma possibilidade

muito remota. Paul Sweezy diz que a queda da lucratividade provocada pelo aumento do

24Marx, Teorias…, pp. 101-141.25Marx, Teorias…, pp. 123-125;.Sweezy, op. cit., pp. 124-128.

16 16

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valor da força de trabalho26 geraria um desinteresse do capitalista pela produção, porque

o lucro obtido nesta é menor que os juros pagos ao capital financeiro. Porém é mais

provável que esta diferença entre o lucro do capital produtivo e os juros pagos ao

usurário (que não é necessariamente causada pelo aumento dos salários27) leve apenas a

uma migração do capital dos setores produtivos aos improdutivos, gerando inclusive

uma diminuição do valor da força de trabalho devida à estagnação econômica que isto

causa. O aumento do valor da mercadoria força de trabalho só causará uma crise se for

suficiente para impedir a reprodução do capital num setor importante da economia.

Uma terceira forma, diferente das anteriores, é aquela causada pela diminuição

do valor de uma mercadoria. Como a realização da produção não é imediata, pode

acontecer de o valor no momento da venda ser inferior ao do momento da produção,

devido a algum avanço tecnológico. Se o novo valor for insuficiente para reproduzir

novamente o capital, e o capital acumulado não for suficiente para acompanhar as novas

tecnologias, pode se instalar a crise.

Gostaria de dar a Marx a palavra final nesta seção. A mais-valia, diz ele nas

Teorias…, implica que a maioria dos produtores (os trabalhadores) deve produzir além

de suas necessidades para poder satisfazê-las. Por tanto, “a produção se leva a cabo sem

relação com os limites de consumo existentes, senão que só a limita o próprio capital.”28

26Esse autor, sempre que trata das crises, fala de preços, e não de valores. Todavia, há muito maisfatores a determinar o preço que o valor, fatores estes que nada acrescentariam ao estudo da reproduçãodo capital.27Marx dedica Salário, Preço e Lucro justamente a demonstrar que o aumento dos salários não éprejudicial ao capitalismo.28Marx, Teorias…, p. 127.

17 17

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2. AS ESTATÍSTICAS

O que utilizo

Sabendo-se que na reprodução ampliada do capital há um aumento da parte do

capital constante em relação à do capital variável e da mais-valia, pode-se proceder à

análise das estatísticas existentes. No entanto, esbarra-se em vários problemas.

Primeiramente, a contabilidade social da economia capitalista não considera a

produção total, somente a produção final. A economia política que a sustenta chega

mesmo a chamar de “problema” a consideração das etapas intermediárias da produção.1

Obviamente, o problema passa a ser de quem precisa considerar tais etapas, como é o

caso aqui. Mesmo assim, as estatísticas podem nos dar boas indicações do que aconteceu

com a reprodução do capital. Passo agora a explicar aquelas que utilizo.

Inicialmente, o PIB. A sigla, que significa Produto Interno Bruto, abriga a

falsidade de considerar somente a última etapa da produção, e não a produção total de

mercadorias. Como já disse, a economia política burguesa praticamente ignora o capital

constante – em outras palavras, considera somente a produção final. E a expressão disto

é o PIB. É claro que isto atrapalha a pesquisa, mas não é um obstáculo intransponível,

como se verá adiante. O ideal seria utilizar matrizes de insumo-produto2, que expressam

todas as compras e vendas de cada setor da economia, inclusive as internas. Desta forma,

poder-se-ia observar a ramificação da produção sob o capitalismo, o aumento da divisão

do trabalho e do número de etapas da produção social.

Outra estatística utilizada é a de formação bruta de capital fixo. Ela pode

parecer contradizer a minha afirmação anterior de que a economia política burguesa (e

por conseguinte sua contabilidade social) ignora o capital constante. Entretanto, o capital

fixo se distingue do capital constante porque naquele não estão incluídos os insumos,

mas somente as máquinas, os equipamentos e as instalações. Mesmo que não contenha

uma parte importante do capital constante, o que se espera é que a formação bruta de

capital fixo cresça mais que a renda (consumo final).

1Cf. Rossetti, op. cit., pp. 518-519.2Estas matrizes foram difundidas no ocidente por Vasili Leontiev em 1941. Entretanto, já haviamsurgido matrizes semelhantes na URSS antes disto.

18 18

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Porém, talvez mais importante que a formação de capital fixo seja o estoque

líquido de capital fixo. Este inclui todo o capital fixo presente na economia, incluindo

sua depreciação com o tempo (o que o diferencia do estoque bruto).

As outras séries utilizadas, e um dos motivos para a delimitação temporal desta

monografia, são as de arrecadação do Imposto de Consumo (IC) e do Imposto sobre

Vendas e Consignações (IVC). Aquele corresponde ao atual IPI (Imposto sobre

Produtos Industrializados), e este, ao atual ICMS (Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços). Ambos deixaram de ser cumulativos com a reforma tributária

de 1966. Como impostos cumulativos, a proporção de sua arrecadação em relação ao

PIB deveria aumentar com o desenvolvimento capitalista.

Em todas essas estatísticas falta a parte do capital constante que corresponde

aos insumos. Entretanto, os resultados a que se chega ao comparar o papel do consumo

final e o do consumo produtivo na reprodução do capital são bastante claros.

Os números3

Começando novamente pelo PIB, é preciso dizer ainda que foram descontados

de seu valor os serviços de intermediação financeira. Isto foi feito porque, embora o

capital comercial e usurário seja necessário para a produção capitalista, seu

desenvolvimento independente é prejudicial ao desenvolvimento dessa produção.4

Para a informação do leitor, o montante desses serviços está expresso no

gráfico 1. Pode-se perceber que, no período de interesse, esta fração do setor de serviços

tem um desenvolvimento pouco significativo em relação ao que alcança no período

posterior: 501% nos 22 anos de 1947 a 1969, contra 744% nos 16 anos de 1969 a 1985

e 262% nos 3 anos de 1986 a 1989 (sic). Sua participação no PIB foi de 2,7% em 1947,

3,9% em 1969, 12,2% em 1985, e 24% em 1989. Considerar estes serviços não alteraria

os resultados da pesquisa, mas descontá-los do PIB mostra melhor o desenvolvimento da

produção. Assim sendo, não os considero, mesmo que não explicite isto.5

3Além das estatísticas citadas anteriormente, utilizo também o deflator implícito no PIB (FGV. Deflatorimplícito – PIB. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>.). Sua escolha se deve à utilização deleem outras pesquisas envolvendo o PIB. Se utilizasse um deflator diferente (como o Índice Geral dePreços – Disponibilidade Interna, IGP-DI), os resultados numéricos obtidos não possibilitariam acomparação com outras pesquisas. Os valores brutos são sempre apresentados em Cruzeiros de 1950.4v. Lênin, Desenvolvimento…, pp. 119-120.5É também importante notar que esses serviços não entram no cálculo do PIB a custo de fatores – formautilizada para o cálculo da participação dos setores no produto interno bruto.

19 19

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No gráfico 2 estão representadas as participações dos diferentes setores no PIB.

Percebe-se um constante aumento da parcela da indústria no produto interno bruto.

Primeiramente em detrimento da agricultura (até 1968); posteriormente em detrimento

dos serviços (após 1967). A agricultura participa com 25% do PIB em 1950, 12,32% em

1968, e 12,1% em 1986. Já os serviços correspondem a 52,7% do PIB em 1947, 52,2%

em 1967, e 39,4% em 1985.

O mesmo pode ser dito de outra forma, através da relação agricultura/indústria

e serviços/indústria. A primeira fase da queda relativa do setor de serviços (1948-1967),

em que a proporção entre este setor e o industrial cai de 207,9% para 156,1%,

20 20

Gráfico 1. Fontes: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.FGV. Deflator implícito – PIB. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: set. 2004.

1947

1949

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1981

1983

1985

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0,00E+000

5,00E+010

1,00E+011

1,50E+011

2,00E+011

2,50E+011

3,00E+011

3,50E+011

4,00E+011

4,50E+011

5,00E+011

5,50E+011

6,00E+011

6,50E+011

7,00E+011

Serviços de intermediação financeira (1947-1989)

Serviços de intermediação financeira

Cr$

de

195

0

Gráfico 2. Fonte: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.

1947

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0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

100,00%

Participação dos setores da economia no PIB (1947-1989)

Serviços (descontados serviços de intermediação financeira)

Indústria

Agricultura

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praticamente coincide com o período em que a indústria cresce em detrimento da

agricultura (1952-1968). Nestes vinte e sete anos, a relação agricultura/indústria cai de

103,3% para 33,9%, numa queda de 67,2% – entre 1948 e 1967, a queda da relação

serviços/indústria é de 26,9%.

Já o período posterior apresenta um crescimento da indústria em detrimento dos

serviços, com uma relativa estabilidade da proporção agricultura/indústria. Esta cai de

33,9% em 1968 para 21,1% em 1989, enquanto a relação serviços/indústria cai de

156,1% em 1967 para 82,1% em 1985. As quedas dessas taxas são de 27,7% e 52,6%,

respectivamente.

O PIB é o total do valor agregado na produção social. Em outras palavras, é o

total de mais-valia e capital variável produzido por uma sociedade em um determinado

período. Sabendo-se que há uma tendência à equalização das taxas de lucro no

capitalismo, e que o valor da força de trabalho não difere do das outras mercadorias,

chega-se à conclusão de que o aumento relativo do PIB do setor industrial é causado

pelo aumento do número de etapas da produção – e conseqüente aumento do consumo

produtivo (ou seja, de capital constante). Entretanto, é ainda preciso comprovar por

outros meios que esse aumento não é causado pela variação do valor da força de

trabalho industrial. Ou seja, que esse aumento não é causado pelo aumento do valor

adicionado num número constante de etapas da produção. Em outras palavras, ainda é

necessário demonstrar que ocorre um aumento relativo do capital constante em

detrimento do capital variável e da mais-valia.

Uma das formas de fazê-lo é através da observação da relação entre a formação

bruta de capital fixo e o PIB. Esse número representa o montante de recursos destinados

à aquisição de máquinas, equipamentos e instalações. Seu crescimento indica o aumento

da porção do capital constante no total da produção, mesmo que não contenha todo este

capital.

No gráfico 3 temos justamente a proporção entre a formação bruta de capital

fixo e o PIB.6 O que se observa é um crescimento quase constante da proporção em

6Devo primeiramente alertar que, neste gráfico e no seguinte, estão representadas as médias qüinqüenaisdos valores apresentados, devido à grande variação anual apresentada pela formação bruta de capitalfixo.Média qüinqüenal é a média simples do ano em questão e dos quatro anos anteriores. Suas duasconseqüências são a suavização das curvas (o que facilita a observação de tendências de longo prazo) eum atraso das flutuações (e de possíveis picos e vales).

21 21

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análise. Nos números suavizados pela média qüinqüenal, tem se a formação bruta de

capital fixo equivalendo a 14,2% do PIB em 1951, 25,5% em 1982 e 26,6% em 1989. Se

não for feita a média, tem-se 13,1% em 1948, 26,9% em 1981 e 35,3% em 1989.

Já o gráfico 4 apresenta as médias qüinqüenais dos valores do PIB, do consumo

final e da formação bruta de capital fixo. No período de 1951 a 1989, observa-se um

crescimento de 829,0%, 791,0% e 1.638,5%, respectivamente. Sem a suavização

causada pelas médias qüinqüenais, no período de 1947 a 1989, os crescimentos

respectivos passam para 924,0%, 961,0% e 2.260,8%.

22 22

Gráfico 3. Fonte: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.

1 95 1

1 95 3

1955

1957

195 9

1 96 1

1 963

1 96 5

1 96 7

1 96 9

1971

197 3

1 975

1 977

1979

1 98 1

1 98 3

198 5

198 7

1 98 9

0,00

2,50

5,00

7,50

10,00

12,50

15,00

17,50

20,00

22,50

25,00

27,50

Proporção entre formação bruta de capital fixo e PIB (1951-1989)

(descontados serviços de intermediação financeira)

FBKF/PIB (porcentagem, média qüinqüenal)

Gráfico 4. Fonte: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.FGV. Deflator implícito – PIB. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: set. 2004.

1951

1953

1955

1957

1959

1961

1963

1965

1967

1969

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

0,00E+000

2,50E+011

5,00E+011

7,50E+011

1,00E+012

1,25E+012

1,50E+012

1,75E+012

2,00E+012

2,25E+012

2,50E+012

PIB, consumo final e formação bruta de capital fixo (1951-1989)

(descontados serviços de intermediação financeira)

PIB (média qüinqüenal)

Consumo final (média qüinqüenal)

Formação bruta de capital fixo (média qüinqüenal)

Cr$

de

195

0

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Esse crescimento relativo da formação de capital fixo denota um aumento da

porção do capital constante na produção total. No entanto, esse número não

corresponde a todo o capital constante – não há estatísticas sobre este. Mesmo assim, há

uma estatística que pode nos indicar a variação deste capital: a de arrecadação de

impostos cumulativos.

No período 1947-1966 (do início da maior parte das estatísticas utilizadas até a

reforma tributária de 1966), os impostos cumulativos eram o imposto de consumo (IC) e

o imposto sobre vendas e consignações (IVC), substituídos em 1966 pelo imposto sobre

produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre circulação de mercadorias (ICM)7, que

já não eram mais cumulativos. A vantagem da análise da arrecadação dos impostos

cumulativos em relação à da formação bruta de capital fixo é que os impostos incidem

não somente sobre máquinas, equipamentos e instalações (capital fixo), mas também

sobre os insumos, além do consumo final (ou seja, sobre todo o consumo, produtivo e

final). Desta forma, a variação de suas arrecadações pode demonstrar o crescimento

relativo do capital constante em relação ao capital variável e à mais-valia.

Mas há alguns poréns ao se trabalhar com estes dados. Um deles é que algumas

de suas variações podem ser causadas por mudanças de alíquotas. Esta possibilidade é

mais marcante para o IVC, que é um imposto federal. Também podem alterar o

montante arrecadado as isenções e a sonegação. Assim sendo, estes impostos não

representam, ano a ano, a variação da produção, mas sua variação no longo prazo se

aproxima bastante disto.

É assim que devemos analisar o gráfico 5. E o que se percebe nele é que a

arrecadação desses impostos cresce em relação ao PIB. Em 1947, o IC e o IVC

correspondiam a 2,6% e 2,3% do PIB, respectivamente; em 1966, a 3,7% e 5,7%. A

variação da arrecadação foi de 377,8% (no caso do IC) e 717,5% (no do IVC), num

período em que o PIB variou 238,7%. Ou seja, que o consumo total (produtivo e final)

cresceu mais que a produção final.

No gráfico 6, temos uma comparação do crescimento de alguns dos dados

vistos até agora, com índice 100 em 1950. Do menor para o maior, temos um

crescimento de 218,4% do consumo final, de 235,1% do PIB, de 261,8% da formação

7Posteriormente, o ICM foi transformado em imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, oICMS que temos hoje.

23 23

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bruta de capital fixo, de 377,9% da arrecadação do IC, e de 717,5% do IVC.

Depreende-se daí que o PIB cresce mais que o consumo final, o consumo de capital fixo,

mais que o PIB, o total do consumo, mais que o de capital fixo. Mais uma vez, percebe-

se um crescimento do capital constante maior que o do capital variável e da mais-valia.

Por fim, tem-se o capital acumulado, expresso sob a forma de estoque líquido

de capital fixo (gráfico 7). Chega-se a este número somando-se todo o capital fixo

adquirido pela sociedade e desvalorizando-o anualmente até se chegar a um valor zero

no final da vida útil das máquinas, equipamentos ou instalações. Na série utilizada, a taxa

24 24

Gráfico 5. Fonte: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.

19

47

19

48

19

49

19

50

19

51

19

52

19

53

19

54

19

55

19

56

19

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19

58

19

59

19

60

19

61

19

62

19

63

19

64

19

65

19

66

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,00

3,50

4,00

4,50

5,00

5,50

6,00

Proporção entre a arrecadação de impostos cumulativos e PIB(1947-1966)

(descontados serviços de intermediação financeira)

IC/PIB (%)

IVC/PIB (%)

Gráfico 6. Fonte: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.

FGV. Deflator implícito – PIB. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: set. 2004.

19

47

19

48

19

49

19

50

19

51

19

52

19

53

19

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19

55

19

56

19

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19

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19

59

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60

19

61

19

62

19

63

19

64

19

65

19

66

0,00

50,00

100,00

150,00

200,00

250,00

300,00

350,00

400,00

450,00

500,00

Crescimento do PIB, do consumo finale da arrecadação de impostos cumulativos (1947-1966)

PIB – índice (1950=100), descontados serviços de intermediação financeira

Consumo final – índice (1950=100)

Formação bruta de capital fixo – índice (1950=100)

IC – índice (1950=100)

IVC – índice (1950=100)

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de depreciação é geométrica, e se estima uma vida útil de 50 anos para as construções

residenciais, 40 para as não residenciais, e 20 para as máquinas e equipamentos.

Coloco este gráfico após os demais porque o estoque de capital não se refere

diretamente à produção. Mesmo assim, ele também remete a esta, porque este estoque é

utilizado justamente para produzir. Nos gráficos anteriores, eram mostrados os dados da

formação deste estoque – agora, o próprio estoque que é utilizado.

A diferença principal entre a formação bruta de capital fixo e o estoque líquido

deste capital é que aquela se refere ao consumo deste na forma de desgaste e também ao

aumento do estoque de capital fixo. Já este estoque demonstra a capacidade produtiva da

sociedade.

Conseqüentemente, a tendência esperada dele é a mesma da formação bruta de

capital fixo, qual seja, a proporção entre ele e o valor da produção final deve ser

crescente, porque é utilizado não somente na etapa final da produção, mas também nas

etapas intermediárias (que aumentam em número e valor com o desenvolvimento

capitalista). E é justamente o que se verifica. No período de 1950 a 1989, há um

crescimento de 1526,9% do estoque líquido de capital fixo, contra um crescimento de

713,6% do PIB.

25 25

Gráfico 7. Fonte: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.FGV. Deflator implícito – PIB. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov,br>. Acesso em: set. 2004.

1950

1952

1954

1956

1958

1960

1962

1964

1966

1968

1970

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1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

0,00E+000

1,00E+012

2,00E+012

3,00E+012

4,00E+012

5,00E+012

6,00E+012

7,00E+012

8,00E+012

9,00E+012

Estoque líquido de capital fixo e PIB (1950-1989)

PIB – descontados serviços de intermediação financeira

Estoque líquido de capital fixo

Cr$

de

1950

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O que se depreende de todos esses números, portanto, é o aumento relativo do

capital constante em detrimento do capital variável e da mais-valia. Em outras palavras,

o consumo produtivo cresce mais que o consumo final.

26 26

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3. PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO

Que brilhante idéia, meu amorQue plano originalCom fundos do exteriorVocê fundarUm banco nacional

Teresinha, personagem da Ópera domalandro

A quarta república1

O fato de o crescimento do consumo produtivo ser maior que o do consumo

final tem várias implicações, inclusive a necessidade de incentivo ao investimento na

produção nas políticas de crescimento econômico. Passo então ao estudo da política e do

pensamento econômicos da época.

Há quem veja no período uma certa “atenuação” da luta de classes porque o

“líder populista” (e o conceito de “populismo” é fundamental nessas análises) falaria

diretamente ao “povo”, visto como uma unidade homogênea. Este conceito reduz

políticos os mais diversos a uma mesma categoria, a de “líder populista”. O “populismo”

é um mero “estilo de governo”.2 Desta forma, perdem totalmente qualquer possibilidade

de explicar a política concreta, inclusive a política econômica.

Tal perda de capacidade explicativa atinge também a análise das ideologias em

conflito. Tais ideologias (tomadas simplesmente como visões da realidade, baseadas nas

relações de classe vigentes) incluem também o pensamento econômico, do qual trato

aqui.

A análise de Nelson Werneck Sodré nos ajuda a compreender o período. Ao

contrário daqueles historiadores que preferem falar de um suposto populismo (conceito

que Sodré abomina3), ele nos traz uma análise muito mais ampla, a qual é baseada nas1Tomo este termo de Edgar Carone (CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL,1980.).2Veja-se, por exemplo, esta passagem de Francisco Weffort: “O populismo, como estilo de governo,sempre sensível às pressões populares, ou como política de massas, que buscava conduzir, manipulandosuas aspirações, só pode ser compreendido no contexto do processo de crise política e dedesenvolvimento econômico que se abre com a revolução de 1930. Foi expressão do período de crise daoligarquia e do liberalismo, sempre muito afins na história brasileira, e do processo de democratizaçãodo Estado que, por sua vez, teve que apoiar-se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja oautoritarismo institucional da ditadura Vargas (1937-45), seja o autoritarismo paternalista oucarismático dos líderes de massas da democracia do após-guerra (1945-64).” (WEFFORT, F. Opopulismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 61.).3“Não tem sido puro acaso a difusão, entre nós, de conceitos como populismo e totalitarismo, queganharam espaço em estudos acadêmicos e passaram à linguagem comum. Um dos aspectos mais

27 27

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relações de produção – e, conseqüentemente, de classes – efetivamente existentes no

Brasil.

Sua análise começa muito antes da quarta república, ainda no período colonial.

Esta parte será analisada no próximo capítulo, destinado à historiografia sobre os modos

de produção no Brasil.4 O importante disto é compreender o eixo de sua argumentação,

que que considero correta.

A argumentação de Sodré se baseia na análise da inserção do Brasil no

imperialismo – uma inserção subordinada. Não interessa aqui divagar sobre as origens

desta subordinação, mas sim ver como ela se processou no período em questão – e havia

um constante fluxo de capital para o exterior. Este tipo de análise parece contradizer os

fundamentos da obra de Sodré, por ser uma abordagem tendencialmente circulacionista.

Entretanto, ela não acaba aí, e é justamente sua seqüência que nos interessa.

Sua análise, tanto dos acontecimentos que levaram ao suicídio de Getúlio

Vargas5, quanto do modelo econômico da ditadura militar (a qual passa inevitavelmente

pelo estudo da quarta república)6, não se resume ao estudo do fluxo de capitais, mas tem

como objeto principal o posicionamento das classes e frações de classe frente a este

fluxo (isto é, frente à nossa inserção subordinada no imperialismo). Ou seja, é uma

análise da luta de classes – e, mais que isto, é baseada nas relações de produção (tanto

que a primeira parte de Capitalismo… é justamente um estudo dos modos de produção

historicamente existentes no Brasil).

A luta de classes então existente opunha não somente o proletariado à burguesia

(e o campesinato ao latifúndio), mas também a fração nacional da burguesia à fração

curiosos da luta ideológica, realmente, é aquele ligado à confusão conceitual. Ela faz passar comoverdades indiscutíveis falsidades transparentes, que não resistem à menor análise. A velha técnica darepetição lhes dá consistência. A falta de clima para a discussão científica ou política, ainda em seusníveis preliminares, permite duração a conceitos que carecem totalmente de sentido. Eles são por vezescultivados pela superficialidade de comentaristas e pelo deliberado propósito ou por ambos, sendo difícilestabelecer a distinção entre uns e outros. Em alguns casos, trata-se de simples divergência semânticaem ciências que, entre nós, não ganharam ainda a maioridade. Nesses casos, denunciam apenas maisuma das debilidades do conhecimento, mesmo no nível acadêmico, e constituem uma das característicasmais evidentes da desestruturação da universidade aqui. Claro está que há sempre pessoas válidas nomeio acadêmico e tais mazelas não alcançam a totalidade de congregações cujo recrutamento édiscutível mas a que pertencem, como exceções, figuras dignas do maior respeito e até de admiração. Aignorância e um de seus melhores disfarces, a superficialidade, é que se pavoneiam: o saber é humilde esimples.” (SODRÉ, N. W. Capitalismo e revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Graphia, 1997.p. 131.)4v. infra, p. 55-58.5Em Sodré, Capitalismo…, parte II.6Em _____. Brasil: radiografia de um modelo. Petrópolis: Vozes, 1974.

28 28

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conservadora, ligada ao imperialismo. Este é um ponto bastante controverso da história

brasileira (não apenas deste período), e é uma posição freqüentemente atacada como

sendo marxista-leninista “ortodoxa” ou “stalinista”. Os ataques à ela são associados à

negação do feudalismo no Brasil. Um dos mais interessantes destes ataques é o

contundente libelo de Caio Prado Júnior intitulado A revolução brasileira, do qual

falarei adiante7. É bem-intencionado, embora equivocado.

O centro da luta de classes de então era justamente essa oposição entre a

burguesia nacional e os setores conservadores, estes numa aliança entre o capital

financeiro e o latifúndio. Este foi um tempo fundamental para a definição do destino do

lento processo de revolução burguesa no Brasil, realizada justamente sob a forma não-

revolucionária, que Lênin chamou de via prussiana8.

A via prussiana, para Lênin, se caracteriza pela lenta transformação do

latifúndio feudal em grande exploração capitalista, enquanto a outra via, a via norte-

americana, se caracteriza pela inexistência ou destruição revolucionária do latifúndio.

Esta possibilita um desenvolvimento muito mais rápido do capitalismo do que aquela.

As peculiaridades históricas do Brasil nos levaram a assistir, na quarta república,

a uma luta entre os setores que desejavam uma ou outra via do desenvolvimento

capitalista. Nosso país teve a peculiaridade de ver seu capitalismo surgir já sob o domínio

do proto-imperialismo britânico, na segunda metade do século XIX. Sua burguesia só

vai se tornar hegemônica sob o domínio quase completo do imperialismo norte-

americano (era, na verdade, a fase de transição de um domínio a outro).

O início da hegemonia burguesa é marcado pelo movimento de 1930 e pela

guerra de 1931-1932. O período que vai daí até o fim do Estado Novo é marcadamente

modernizador, incluindo avanços até nos direitos dos trabalhadores urbanos. Entretanto,

não se choca com o latifúndio. Ao contrário, para preservar as antigas estruturas

concomitantemente a essa modernização, recorre inclusive à ditadura. Ao invés de se ter

a tradicional aliança da via revolucionária da evolução capitalista, entre a burguesia, o

campesinato e um proletariado nascente contra o latifúndio, tem-se uma aliança entre a

burguesia e o latifúndio. Há então uma tentativa burguesa de ganhar o apoio do

7v. infra, p. 30-31.8LENIN, V. I. O programa agrário da social-democracia na primeira Revolução Russa de 1905-1907.Goiânia: Alternativa, 2002. pp. 28-32.

29 29

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proletariado concedendo-lhe direitos, mas pouco se faz para ganhar o apoio do

camponês.

Finda a II Guerra Mundial e iniciada a Guerra Fria, a situação muda. Passa a

haver uma nítida distinção entre a fração burguesa ligada ao imperialismo norte-

americano e ao latifúndio, e a fração ligada (ainda que de forma subordinante) aos

interesses do proletariado e do campesinato, buscando-lhes o apoio para empreender as

tarefas de sua própria revolução. É esta oposição que marca os governos da quarta

república e acaba determinando o advento da ditadura militar, expressão da vitória dos

setores ligados ao imperialismo e ao latifúndio.

Como já dito, esta não é uma visão unânime na historiografia brasileira, nem

mesmo entre aqueles que dizem defender o marxismo – e mesmo o marxismo-leninismo.

O exemplo citado antes, de Caio Prado Júnior, é um dos mais importantes por ser o

autor tido como um dos iniciadores da historiografia brasileira e por se dizer partidário

do marxismo-leninismo, embasamento teórico da explicação de Sodré. É realmente um

dos críticos mais contundentes desta explicação.

A obra em que sua argumentação assume o tom da crítica mais severa é A

revolução brasileira, escrita logo após o golpe militar de 1964, mais exatamente no ano

de 1966. Trata-se de uma tentativa de explicar a derrota das esquerdas (e dos comunistas

em particular) naquele fatídico ano. Sua revolta se vira contra a tese da existência de

uma burguesia nacional no Brasil, e o faz com veemência: “Nesse particular, como em

quase tudo mais, a situação brasileira é bem diferente da dos países asiáticos, o nosso

modelo revolucionário. E o que lá se entendeu por ‘burguesia nacional’ não tem sua

réplica no Brasil.”9

Para ele, “burguesia nacional” é um termo aplicável somente à realidade dos

países asiáticos, onde a colonização se deu por meio de entrepostos comerciais, dando

origem a uma burguesia chamada de “compradora” – a classe beneficiada pelo comércio

com a metrópole. Somente em oposição a esta classe poderia haver uma burguesia

nacional.

Entretanto, isto é uma confusão entre o conceito e sua aplicação prática. Sob

esta lógica, poderia ser negada até a existência de uma burguesia em nosso país, uma vez

9PRADO JÚNIOR, C. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 74.

30 30

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que o capitalismo se originou, na Europa, da crise do feudalismo, cuja existência no

Brasil, é negada por Caio Prado Júnior. Não se deve confundir a generalização com com

o caso concreto. No marxismo, a teoria (generalização) parte da realidade, e deve a ela

retornar, e é nesse retorno (a práxis) que se mede a validade da teoria. Se a teoria é

capaz de explicar a realidade e agir sobre ela de modo progressista, então ela é válida.

Devemos, portanto, observar se as fontes disponíveis para o estudo corroboram ou não a

teoria.

A industrialização no pensamento econômico da quarta república

Primeiramente, vejamos se o pensamento econômico na quarta república está de

acordo com o que verificamos na teoria da reprodução ampliada do capital e nas

estatísticas do segundo capítulo.

Realmente havia uma ideologia e uma política de desenvolvimento industrial,

mas ela não estava relacionada com a compreensão dos mecanismos da reprodução

ampliada do capital, e sim com a necessidade de se competir com indústrias de países

mais avançados e, em alguns casos, diminuir os custos de manutenção do trabalhador –

ao mesmo tempo aumentando a produtividade do trabalho e mantendo o nível de vida do

trabalhador (segundo a ideologia manifesta).

Por exemplo, na Carta da Paz Social, de 1946, temos um mercado interno

formado apenas por consumidores finais: deve-se aumentar o poder aquisitivo da

população para “incrementar a prosperidade do país e fortalecer o mercado interno.”10 E,

não só o mercado interno corresponde à população (ou seja, aos consumidores finais),

como também é o aumento do nível de vida destes consumidores finais que promove a

prosperidade. Tem-se, portanto, que é o consumo final que determina a prosperidade do

país. Isto é o exato contrário da teoria marxista da reprodução ampliada do capital, que

diz que o aumento da produção social se dá justamente nas etapas intermediárias – ou

seja, em termos de consumo, é consumo produtivo que determina o aumento do capital

de uma sociedade, e não o consumo final.

Em outro trecho da mesma carta, diz-se que o empregador deve “procurar

incentivar a produtividade individual, fator preponderante para aumento da riqueza

10CNI. Carta da Paz Social. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980.p. 400.

31 31

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nacional.”11 Há aqui nada menos que um pedido para os trabalhadores produzirem mais

pelo mesmo salário, ou o mesmo por um salário menor; portanto, busca-se apenas

aumentar a taxa de mais-valia, transformar a renda do trabalhador em renda do

capitalista. Quanto a isto, Marx é bem claro12: não importa, para o capital, se a renda é

do trabalhador ou do capitalista. Se ela é transferida de um para o outro, transfere-se

também parte do capital investido no ramo de produção de artigos de luxo para o de

artigos essenciais, ou vice-versa. Há uma transferência do capital de um ramo industrial

para outro, dentro da mesma seção produtora de bens de consumo final. Alguém até

poderia argumentar que parte dessa mais-valia adicional seria convertida em capital

constante. Entretanto, as inversões produtivas não ocorrem porque há mais capital

disponível, e sim porque isto é imprescindível para a sobrevivência do próprio capitalista

enquanto tal – ou seja, a concorrência é que força o capitalista a converter parte de sua

mais-valia em capital constante, não é a existência de um excesso de mais valia que

“permite” esta conversão.

O mesmo acontece com a II Conferência Nacional das Classes Produtoras.

Discutindo o reequipamento industrial no pós-guerra (1946), consideram “que o

desestímulo causado pela limitação dos financiamentos bancários obrigou as empresas a

desviar para o custeio do movimento, acrescido da elevação de salários e tributos, as

reservas que poderiam destinar ao reequipamento e à ampliação do capital fixo”13.

Demais condições mantidas, o aumento de salários desviaria recursos possivelmente

destinados ao consumo produtivo – ampliação do capital fixo, mais exatamente. Este

discurso tem também outras implicações visto que expressa claramente uma determinada

posição na luta de classes descrita acima: trata-se do capital que se alia ao imperialismo

contra o proletariado.14

Essa mesma conferência diz que “o desenvolvimento da indústria em geral será

mais rápido com a criação e ampliação das indústrias de base e produtoras de matérias-

primas essenciais”15. Entretanto, diz também que “o reequipamento, a modernização e a

11Idem, p. 402.12Em Marx, Salário…, cap. II.13II CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CLASSES PRODUTORAS. Problemas do reequipamento e dodesenvolvimento industrial. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980.p. 357.14Isto será analisado com mais profundidade na próxima seção, pp. 34-46.15II Conferência, op. cit., p. 358

32 32

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ampliação do parque industrial, bem como do de transportes e da agricultura, são

essenciais à redução dos custos, e à ampliação do mercado para nossas matérias-primas e

do nível do consumo interno”16. O que se percebe é justamente que o “reequipamento

industrial” é necessário devido à competição. Embora não esteja errado – como eu

acabei de falar, é justamente a concorrência que obriga o capitalista à inversão produtiva

– vemos que a política de investimentos produtivos defendida por esta conferência visa

apenas à redução dos custos de produção, não a um aumento da divisão do trabalho e à

ramificação da produção industrial. Ao contrário, o único objetivo da produção interna

de bens de capital seria exatamente o de enfrentar possíveis novas dificuldades para a

importação destas mesmas mercadorias17 – a conferência ocorre logo após a II Guerra

Mundial, período em que praticamente cessou o comércio internacional de máquinas e

equipamentos.

João Goulart, no famoso comício da Central do Brasil, a 13 de março de 1964,

num dos últimos atos da quarta república, também fala de mercado interno. Diferenças à

parte, tinha uma visão semelhante do consumo final alavancando o crescimento da

economia. Da produção industrial, mais especificamente. Sendo este o comício em que

ele anuncia a criação da Superintendência de Política Agrária (SUPRA), a ênfase está

logicamente na reforma agrária. Para o então presidente, o aumento do nível de vida da

população é que pode “dar mais trabalho à indústria” – e não o consumo produtivo. Diz

ele que a “reforma agrária é indispensável, não só para aumentar o nível de vida do

homem do campo, mas, também, para dar mais trabalho às indústrias, e melhor

remuneração ao trabalhador urbano.”18 A base para que diga isto é que

Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindomuito abaixo da sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isto acontece, as nossaspopulações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não têm dinheiro paracomprar.19

Esses problemas na compreensão da reprodução ampliada do capital não se

restringem aos que negam o marxismo. Caio Prado Júnior, que pode ser acusado de

tudo, menos de negar conscientemente esta teoria, comete o mesmo erro. A bem da

16Idem, p. 357.17Ibidem.18GOULART, J. O discurso de 13 de março de 1964. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964).São Paulo: Difel, 1980. p. 239.19Ibidem.

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verdade, os textos que utilizo aqui não coincidem completamente com a quarta

república20, mas a indubitável coerência do autor em questão permite a comparação.

Para ele, a característica fundamental da “maquinofatura” é o consumo em larga

escala. Isto não é incorreto. Uma das características do desenvolvimento capitalista é a

ampliação da escala de produção das mercadorias e a conseqüente diminuição dos

valores unitários das mercadorias produzidas nessa nova escala. O problema é que para

ele se trata unicamente do consumo em larga escala de produtos finais.

Quando fala da industrialização na primeira fase da república (1889-1930),

deixa isto muito claro:

o que sobretudo dificultava o estabelecimento da indústria moderna no Brasil era adeficiência dos mercados consumidores, cuja amplitude encontra na produção em largaescala, que caracteriza a maquinofatura, uma condição particular que nada pode suprir. Asituação brasileira, neste particular era a mais inconveniente. O nível demográfico eeconômico do país e o padrão de vida da população eram ínfimos.21

Certamente o baixo nível de vida da população não impediu a revolução industrial

inglesa…

Essa sua visão é plenamente compatível com o eixo de sua interpretação da

história brasileira: as relações metrópole-colônia, ou países imperialistas-países

subordinados. Esta relação estaria baseada na existência de uma pequena elite abastada,

contrastando com a grande massa de trabalhadores miseráveis. E esta grande

continuidade é que lhe dá a base para a crítica à industrialização na quarta república:

Outra ordem de circunstâncias limitadoras do progresso dessa industrialização substitutiva deimportações deriva do fato de ela não ter por origem e incentivo uma situação realmente novada economia brasileira, e constitui unicamente maneira diferente de servir o mesmo e restritomercado consumidor antes abastecido pela importação. Ora, esse mercado não tem asproporções requeridas por uma grande e moderna indústria por uma grande e modernaindústria. As importações que se trata de substituir pela produção moderna provém em regra,e salvo numa primeira fase logo superada, e que efetivamente já superamos no Brasil hámuito, de indústrias alto nível tecnológico (em especial as de bens de consumo duráveis,automóveis inclusive) cujo funcionamento normal somente se pode realizar satisfatoriamentena base de produção em massa e pois largo consumo.22

O que se observa, portanto, é que o que diferencia o pensamento econômico

dos vários setores da sociedade brasileira não é a compreensão ou não dos mecanismos

da reprodução ampliada do capital. É claro que não se pode tomar Caio Prado Júnior

pelos comunistas, mas não foram estes que formularam, e muito menos implementaram a

20Tratam-se d'A revolução brasileira, de 1966 (com acréscimos de 1977) e da História Econômica doBrasil, de 1945 (atualizada em 1970, com post scriptum de 1976).21PRADO JÚNIOR, C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 258.22Prado Júnior, A revolução brasileira, pp. 188-189.

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política industrializante do período. O que procurei mostrar nesta seção é que a

burguesia brasileira, em conjunto, não compreende estes mecanismos. A chave para o

estudo da política e do pensamento econômicos do período, portanto, é diferente.

Dependência × autonomia

Algumas das fontes anteriores também indicam um outro modo para a

explicação do período: a relação dos diferentes grupos da burguesia brasileira com o o

fluxo de capitais e o balanço de pagamentos do país. Isto não é por acaso, pois o que

caracteriza a fase imperialista do capitalismo em relação à fase anterior é justamente que

no imperialismo há fluxo de capitais, e não de mercadorias, como no capitalismo

industrial.23

Anteriormente (na primeira seção deste capítulo), já indiquei uma interpretação,

baseado na análise feita por Nelson Werneck Sodré. Agora, passo ao estudo das fontes.

Como já deve ter ficado claro na exposição inicial deste capítulo, não se trata de

uma simples enumeração de posições a respeito da inserção brasileira no sistema

imperialista, mas de uma tentativa de análise da ideologia e da política das classes e

frações de classe relevantes ao estudo da quarta república. O estudo do período indica

como principais protagonistas da luta de classes as duas frações em que se dividia a

burguesia mais o proletariado. Os proprietários de terras e os camponeses aparecem

geralmente em aliança com estes grupos, embora tenham suas especificidades. Veremos

isto adiante.

Como disse, o fluxo de capitais é que caracteriza o imperialismo. Há muitas

posições a respeito diste fluxo, expressas por diferentes grupos em diferentes ocasiões.

Estas posições são mesmo coincidentes com os grupos políticos e sociais existentes no

Brasil. Ou seja, são expressão da luta de classes no país.

A fração da burguesia beneficiada pelo imperialismo tem, como é de se esperar,

uma posição bem clara a respeito deste – e é uma posição de defesa do livre fluxo de

capitais. A burguesia nacional, por sua vez, pede restrições a este fluxo. Já o proletariado

o denuncia abertamente. Visto isto assim como numa escala, podem sumir algumas

especificidades de quem toma as posições, mas acredito ser a melhor generalização

possível nesta questão.23V. LENIN, V. I. Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1985. p. 60. Este livroé a principal teorização marxista do imperialismo.

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A burguesia pró-imperialista da quarta república, embora seja ambígua em

alguns assuntos, tem uma posição permanentemente a favor da saída indiscriminada do

capital (e também de sua entrada). Considera mesmo que sem capital estrangeiro é

impossível o desenvolvimento econômico do Brasil, como Mem de Sá deixa bem claro:

É incontestável que o Brasil não dispõe de poupanças internas, no estado atual de suaeconomia, capazes de lhe assegurar as taxas de investimentos em capitais de produção,necessárias para vencer a barreira do subdesenvolvimento […] A deficiência é alarmante ecompromete nosso futuro.24

Além disto, ele diz que somente a liberdade de fluxo de capitais pode impedir a

remessa excessiva de lucros para o exterior. Justifica este paradoxo com o argumento de

que qualquer restrição à saída de capital leva o capital estrangeiro a remeter lucros no

limite máximo imposto pela regulamentação, não importando a necessidade de

investimentos para a manutenção de suas empresas localizadas no Brasil (os

investimentos necessários seriam feitos mediante o reingresso deste capital exportado).

Os problemas causados pela remessa de lucros são também minimizados ao

salientar que o lucro corresponde a apenas uma parte do preço. O lucro, inclusive, não

teria relação alguma com o trabalho, nem com o capital, mas dependeria unicamente do

custo da produção (como se este não tivesse relação com o capital e o trabalho) e do

preço obtido na venda no mercado.25

Com relação ao balanço de pagamentos, diz que a atração de capital externo

ajudaria a minorá-lo, uma vez que a exportação das mercadorias produzidas por este

capital nos trariam divisas para pagar nossas obrigações no exterior (tanto as

importações quanto a dívida externa). Não vê, de forma alguma, qualquer problema nas

exportações. Ao contrário, elas nos ajudariam a pagar as importações e a dívida externa

– como se não fossem, inversamente, determinadas pela necessidade de se conseguir

divisas para sustentar um balanço de pagamentos bastante desfavorável ao Brasil.

Tratava-se, na verdade, de manter a dependência, pouco importando o mercado interno.

A tese da carência de recursos internos é compartilhada pelo presidente

Juscelino Kubitschek. Ele demanda dos Estados Unidos a mesma atenção dada à Europa

após a II Guerra Mundial, mas orientada no sentido do desenvolvimento econômico, e

24SÁ, M. de. O problema da remessa de lucros. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Riode Janeiro: DIFEL, 1980. p. 405. Itálicos no original.25Nas palavras de Mem de Sá: “O lucro não promana do trabalho, como não deriva do capital; resulta daprodução, dependendo do custo unitário desta e do preço obtido pelo produto no mercado.” (Idem, p.410.) É de se perguntar o que ele entenderia por produção…

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não da reconstrução de economias antes desenvolvidas, mas destruídas pela guerra.

Tratar-se-ia do maior exemplo de ajuda “desinteressada” da história. “Assim, deveria ser

intensificado o investimento pioneiro em áreas economicamente atrasadas do continente,

a fim de contra-balançar a carência de recursos financeiros internos e a escassez de

capital privado.”26

Isto, somado à afirmada “excelência da iniciativa privada”27, resulta em que a

atuação do Estado deve se restringir ao auxílio a esta iniciativa. No Programa de Metas,

os orçamentos federal e estaduais mais o financiamento por parte de entidades públicas

corresponde a 64,6% dos investimentos previstos, contra apenas 35,4% de recursos

próprios das empresas privadas ou de economia mista.28 Mas, trata-se de um auxílio à

iniciativa privada, e não de intervenção estatal direta em setores em que empresas

particulares poderiam agir.

O objetivo da chamada “Operação Pan-americana” também é esclarecedor. Não

se trata de forjar uma alternativa ao poder norte-americano como posteriormente tentou

fazer o movimento terceiro-mundista, mas de requerer maior atenção dos EUA à

América Latina. Face aos “índices impressionantes de um crescente desenvolvimento dos

países opostos ao nosso sistema democrático”, a Operação é uma tentativa de defesa dos

“valores caros à civilização ocidental” no “ponto mais vulnerável da grande coligação

ocidental”.29 E a causa desta vulnerabilidade é a pobreza dessa região. Para Juscelino, o

avanço econômico é necessário para barrar o avanço do comunismo. “A causa ocidental

sofrerá inelutavelmente se lhe faltar apoio no próprio hemisfério em que o avanço do

sistema materialista encontra resistências mais decididas”30.

26KUBITSCHEK, J. A ofensiva exterior: a Operação Pan-americana. In: CARONE, E. A quartarepública. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. p. 129.27Idem, p. 128.28BRASIL. Presidência da República. Programa de metas do presidente Juscelino Kubitschek. Rio deJaneiro: 1958. p. 10.29Kubitschek, op. cit., pp. 127-128.30Idem, p., 130.

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O mesmo objetivo é compartilhado pelo presidente Café Filho: tendo sempre

em vista a situação da guerra fria, com a “infiltração comunista”, um suposto

expansionismo soviético e a ameaça da “proletarização totalitária”, deve-se procurar

combater as fraquezas nacionais – e uma delas é o desenvolvimento desarmônico da

economia.31 O desenvolvimento econômico, para esta fração burguesa, é um meio de se

combater o comunismo e deve se dar sob a égide norte-americana.

Também compartilham desse anticomunismo a Associação Comercial do Rio de

Janeiro, a Associação Rural de Marília e o jurista Francisco Malta Cardozo. Para a

associação carioca, a encampação em 1959 da empresa concessionária de energia elétrica

do Rio Grande do Sul, que fazia parte de uma subsidiária da American Foreign Power,

seria uma tentativa de “pôr em prática os ensinamentos dos grandes profetas do Paraíso

Rubro”, Marx e Engels, citados textualmente. O alvo da encampação, por ter sido uma

empresa estrangeira, deveria ter tido todas as oportunidades para corrigir as faltas em

seu serviço e cumprir suas obrigações, ao invés de ser vítima da “prepotência do

Estado”.32

Os outros dois autores (Associação Rural de Marília33 e Francisco Malta

Cardozo34) discorrem sobre a reforma agrária e mostram-na como um elemento do

“perigo vermelho”, o início da “cubanização” do país. É desta forma que se ligam a

burguesia pró-imperialista e o latifúndio.

O melhor resumo, porém do posicionamento desta fração burguesa em relação

ao imperialismo é um pronunciamento militar por ocasião da diplomação da uma turma

da Escola Superior de Guerra (ESG) em 1952.35 A ESG representa o setor militar afim a

esta fração burguesa até aqui estudada.

O pronunciamento se centra no conceito de “estado de segurança nacional”.

Esta segurança está intimamente vinculada ao liberalismo econômico. Este estado

31CAFÉ FILHO, J. Mensagem de Café Filho. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio deJaneiro: DIFEL, 1980. pp. 575-576.32ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO RIO DE JANEIRO. A luta contra a estatização: o confisco daCompanhia Elétrica Rio-grandense e a Associação Comercial do Rio de Janeiro. In: CARONE, E. Aquarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 403-405.33ASSOCIAÇÃO RURAL DE MARÍLIA. O contra-ataque da oligarquia: os fazendeiros de Marília. In:CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 321-324.34CARDOZO, F. M. O contra-ataque da oligarquia: "Nós não precisamos de forma agrária alguma". In:CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 318-321.35Escola Superior de Guerra. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL,1980. pp. 566-574.

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segurança se refletiria numa economia livre, sem interferências do Estado senão no que

ela colidir com o interesse coletivo, na liberdade de cada um explorar as oportunidades

que tiver, nos direitos e garantias individuais que seriam tradicionais em nossa sociedade,

e numa política externa firme, mesmo que acarrete em sacrifícios pessoais ou coletivos.

Uma das principais ameaças ao estado de segurança nacional seria a

“penetração nos meios estudantis, nos sindicatos e organizações profissionais, na

administração pública, nas Forças Armadas, de ideologias que firam nosso estilo de vida,

nossa maneira de ser, nosso sistema de governo”, ideologias estas que precisariam ser de

pronto combatidas, sob pena de dias piores.36 Não é difícil ver que estas ideologias são,

na verdade, o comunismo.

Também é fácil perceber que a “firmeza” da política externa é bastante flexível.

É que vivemos num mundo, em que ao lado da interdependência cada dia maior entre suaspartes, cada unidade, trabalhada pela divisão ideológica que avassala todos os confins daTerra, só se pode afirmar como Nação se as forças que a compõem apresentarem umaresultante capaz de suportar os embates daquela interdependência, afirmando-se seu povo,filosoficamente, de acordo com os ideais tradicionais de sua gente.37

Para esta doutrina de segurança nacional, é preciso se aliar – com todas as

conseqüências deste alinhamento – aos EUA para combater o comunismo.

Sobre a política econômica, mais especificamente, deve-se ter em conta que

somos um país dependente, visto que dependemos da importação para tudo. Seria

impossível, portanto, tentar um desenvolvimento autônomo. Defende-se uma política

financeira hábil e transigente, que contribua para acelerar o desenvolvimento econômico

do país.

A burguesia nacional, por sua vez, mesmo quando considera que o capital

estrangeiro possa trazer benefícios à economia, defende que este deve ser controlado.

Getúlio Vargas, no início de seu segundo período presidencial, chega até a

defender a atração do capital estrangeiro e sua remuneração “em percentagem razoável”.

Entretanto, o que se via seria uma verdadeira dilapidação do patrimônio nacional. As

duas conseqüências da remessa excessiva de lucros seriam uma redução na capacidade

de importação de máquinas, matérias primas e bens de consumo final, e a contração de

obrigações com o estrangeiro impagáveis com as reservas disponíveis, obrigações estas

injusta e indevidamente contraídas. A maior parte das remessas seriam referentes, não ao

36Idem, p. 569.37Idem, p. 568

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capital estrangeiro aqui investido, mas à apropriação indevida de parte da produção

brasileira.38 Em seu momento derradeiro, faz uma denúncia aberta do fluxo de capital

para o exterior e da pressão exercida por este sobre a política brasileira. Os objetivos

deste fluxo e desta pressão são a espoliação do povo brasileiro e o fim da liberdade do

trabalhador.39

José Ermírio de Moraes e o Sindicato da Indústria de Cerveja e Bebidas em

Geral no Estado de São Paulo não adotam uma postura diretamente contra o capital

estrangeiro, mas denunciam os privilégios dados a ele e reivindicam que as condições

dadas para sua aplicação sejam iguais às dadas ao capital nacional.40

Também nas forças armadas há um setor nacional, e é este setor que vence as

eleições de 1950 para a diretoria do Clube Militar, em chapa presidida pelo general

Estillac Leal. Esta diretoria assumiu um posicionamento ativamente antiimperialista. Em

1950, por ocasião do início da Guerra da Coréia, a revista do Clube, editada pelo seu

departamento cultural, dirigido por Nelson Werneck Sodré, publicou um artigo (não

assinado) em que denuncia que as conseqüências da guerra recaem sobre todos os países

subdesenvolvidos, visto que é parte de uma ação imperialista que não se restringe à

Coréia, mas se propaga pelo resto do mundo. Na ocasião, debatia-se o envio de tropas

brasileiras para lutarem contra a República Popular da Coréia (Coréia do Norte,

socialista).41

Embora esse artigo tenha tido papel fundamental na derrota dessa gestão nas

eleições seguintes, uma posição igualmente relevante é a relativa ao monopólio estatal do

petróleo – mais exatamente, sua defesa intransigente. A denúncia do imperialismo neste

caso é igualmente contundente. Se, mesmo possuindo reservas desse combustível, o

Brasil não as controlasse, seria controlado por quem as explorasse. Embora sob controle

do Estado esta indústria pudesse gerar emprego e enriquecer o país, sendo elemento de

38VARGAS, G. Getúlio Vargas e a evasão de divisas. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo –Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 48-51.39_____. Carta-Testamento. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL,1980. pp. 58-59.40MORAES, J. E. de. A afirmação da indústria nacional: a Companhia Brasileira de Alumínio. In:CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. Carta a AgamenonMagalhães. pp. 413-416; SINDICATO DA INDÚSTRIA DE CERVEJA E BEBIDAS EM GERAL NOESTADO DE SÃO PAULO. Indústria e imperialismo: o caso da Coca-Cola. In: CARONE, E. A quartarepública. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 363-375.41CLUBE MILITAR. Considerações sobre a guerra na Coréia. In: CARONE, E. A quarta república. SãoPaulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 550-556.

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sua independência econômica e de sua defesa militar, nas mãos dos trustes ela

representaria “drenagem da riqueza para o exterior, domínio sobre novos setores da

economia, elemento de pressão contra a indústria do País, fator de pressão econômica e

política, de perturbações e guerra civis, ‘reservas’ e posições adquiridas por uma

potência estrangeira dentro da economia e das fronteiras nacionais”42. A comissão que

ficou encarregada de estudar o problema do petróleo brasileiro lembra também que o

próprio Departamento de Estado norte-americano afirma que faz todos os esforços para

apoiar os interesses dos EUA na exploração de petróleo no exterior, uma vez que sua

política é de preservar as reservas próprias e tomar para si as reservas estrangeiras.

A denúncia do imperialismo não se restringe, porém, à indústria do petróleo,

mas atinge todo o capital estrangeiro. Este não inverte, a cada ano, senão uma parcela

dos lucros auferidos – o grosso do investimento se dá no momento inicial do

empreendimento. Mas, principalmente, o capital estrangeiro só investe onde puder

controlar as atividades de acordo com seus próprios interesses, em quase nada

importando a situação local.

Miguel Arraes, governador de Pernambuco, diz em 1963 que as instituições

brasileiras estão caducas. As relações de produção já não correspondem ao

desenvolvimento das forças produtivas. Neste sentido, torna-se urgente a execução das

reformas de base, especialmente a reforma agrária, pois se trata principalmente de

combater a estrutura agrária semifeudal e o imperialismo – e assim superar o

subdesenvolvimento, pois a principal contradição brasileira é aquela que existe entre o

povo brasileiro e o imperialismo (este, aliado ao latifúndio). As reformas de base,

destinadas a superar esta contradição, são “reivindicação, dita subversiva, do operário,

do campesinato, da pequena burguesia e daquelas camadas da média e alta burguesia já

identificadas como burguesia nacional”43.

Leonel Brizola, em abril de 1962, defendeu seu ponto de vista numa entrevista

concedida ao Jornal do Brasil44. Entre as reformas que ele propõe estão a reforma

agrária, a reforma urbana, a reforma educacional e a reforma de todo o sistema de

42_____. Exército e Petróleo. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL,1980. p. 543.43ARRAES, M. Arraes e sua ação. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro:DIFEL, 1980. p. 225.44BRIZOLA, L. Brizola e sua ação. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro:DIFEL, 1980. Entrevista ao Jornal do Brasil. pp. 202-207.

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relações econômicas, comerciais e financeiras do Brasil com os Estados Unidos e os

demais países. Diz ele que a Aliança para o Progresso implementada por Juscelino

Kubitschek45 não passa de um programa de recolonização da América Latina, pois prevê

um desenvolvimento industrial dependente, controlado pelos EUA. Nestas condições, a

Aliança é um instrumento da Guerra Fria, um instrumento para que os norte-americanos

determinem a política latino-americana.

Brizola coloca como condição fundamental para o desenvolvimento do país a

“socialização” (isto é, a estatização) das indústrias de base. Declara ainda que só uma

revolução permite tal socialização, mas não defende a violência revolucionária. A

revolução, a seu ver, pode ser pacífica, mas a resistência que lhe imporiam os

interessados na manutenção da propriedade privada neste setor da economia poderia ser

violenta.

Exemplo dessa resistência e da tentativa norte-americana de determinarem a

política latino-americana é a atuação da embaixada norte-americana, que age como um

“supergoverno”, acima do governo federal brasileiro. A embaixada trata de conceder

benefícios ilegais a governadores, prefeitos e homens de negócio simpatizantes da causa

do “tio Sam”.

Neste ponto, ele acerta mais do que se poderia imaginar. Em memorando

dirigido a diversos cargos de primeiro e segundo escalão do governo dos EUA datado de

27 de março de 1964, o embaixador norte-americano Lincoln Gordon denuncia que João

Goulart se acharia envolvido numa campanha para conseguir poderes ditatoriais com o

apoio ativo do Partido Comunista Brasileiro e de outros grupos de esquerda. Neste caso,

diz, é provável que o Brasil fique sob controle comunista, embora Goulart talvez se volte

contra os comunistas e adote o modelo peronista, que é de seu gosto pessoal. Diz

também que uma investida para a obtenção de poderes totalitários por parte do

presidente pode acontecer a qualquer momento.

Entretanto, é numerosa a resistência a um golpe (janguista, obviamente) por

parte do Congresso, das Forças Armadas, e de um grupo de governadores, apoiadores

da causa norte-americana de derrubada de Goulart: “Lacerda, da Guanabara, Adhemar

de Barros, de São Paulo, Meneghetti, do Rio Grande do Sul, Braga, do Paraná e […]

45v. supra, pp. 36-37.

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Magalhães Pinto, de Minas Gerais.”46 Este grupo se sentiu fortalecido com o discurso de

Juscelino Kubitschek aceitando sua candidatura presidencial para as eleições de 1965.

Esta rede de apoio foi discutida pessoalmente com o secretário de Estado norte-

americano seis dias antes.

Ante a possibilidade de resistência à deposição de Goulart, que o embaixador

também manifesta no memorando, os EUA lançaram uma operação militar de apoio aos

golpistas, com o envio, horas antes do golpe, de uma força-tarefa de porta-aviões para a

área ocêanica nas vizinhanças de Santos com o objetivo de “manter presença”. A

“presença” incluía a disponibilidade de 110 toneladas de armas e munições à disposição

dos golpistas, caso se revelasse necessário.47

A burguesia nacional pode considerar o capital estrangeiro como não sendo

totalmente contrário a seus interesses, mas o proletariado tem uma posição bastante

diferente, de denúncia intransigente do imperialismo.

O IV Congresso Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de

Material Elétrico do Brasil, de 196348, diz que a situação nacional, e dos trabalhadores

em particular, é cada dia mais calamitosa devido à exploração imperialista e latifundiária.

Diz ainda que a reforma da estrutura é uma necessidade inadiável e defende um governo

nacionalista e democrático, bem como a realização imediata das reformas de base, além

da defesa das liberdades públicas.

Os comunistas têm posições semelhantes a essa. O PCB (Partido Comunista do

Brasil até 1961; a partir de então, Partido Comunista Brasileiro)49 aproxima tanto o

feudalismo e o imperialismo que em 1946 denuncia o “feudalismo econômico e

financeiro”. Isto significa que é necessário nacionalizar os trustes que ameacem as

liberdades constitucionais e a independência nacional. É importante notar também que,

46GORDON, L. Memorando pessoal do embaixador Gordon. In: CARONE, E. A quarta república. SãoPaulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. p. 269.47Comunicados militares norte americanos em CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio deJaneiro: DIFEL, 1980. pp. 275-276.48O IV Congresso Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico doBrasil. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 461-462.49PCB. Programa Mínimo de União Nacional. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio deJaneiro: DIFEL, 1980. pp. 463-467; _____. Frente Democrática de Libertação Nacional. In: CARONE,E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 467-469; _____. Movimento deEmancipação Nacional. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980.pp. 470-472; _____. Por uma justa linha política: V Congresso do PCB. In: CARONE, E. A quartarepública (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 472-482. _____. O PCB e as reformas de base. In:CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 482-493.

43 43

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sendo o fascismo a ditadura terrorista do capital financeiro, segundo a avaliação usual

dos comunistas50, estes também ligam umbilicalmente o imperialismo e o fascismo.

Além da negação do imperialismo, o projeto imediato dos comunistas para o

Brasil reivindicava o desenvolvimento independente da economia nacional, com

racionalização do uso dos recursos naturais, nacionalização de bancos e companhias de

seguro, bem como das empresas de caráter monopolista, controle estatal do comércio

externo, controle dos lucros dos grandes capitalistas, e incentivo ao cooperativismo e

aos pequenos produtores.

Talvez o mais interessante na posição dos comunistas é a denúncia das

exportações como nocivas ao interesse nacional. Não se trata de todas as exportações –

até porque não existe país capitalista sem comércio externo. Mostram, porém, que

reservas minerais indispensáveis ao desenvolvimento econômico brasileiro vão sendo

irremediavelmente desfalcadas pela exportação indiscriminada.

A superação dos problemas nacionais exige, portanto, o combate ao

imperialismo e ao latifúndio. Trata-se, então, de acumular forças para posteriormente

empreender a revolução socialista. Após a Declaração de Março de 1958 do V

Congresso do PCB51, trata-se também de empreendê-la por via pacífica. Isto porque,

com o surgimento de um “sistema socialista mundial” capitaneado pela União Soviética,

seria possível contrapor à força do imperialismo norte-americano o apoio soviético. A

burguesia nacional poderia se apoiar na URSS para empreender sua própria revolução e,

após isto, os comunistas poderiam liderar pacificamente a transição para o socialismo.

É nesse período que surge o primeiro grande “racha” do PCB, o PCdoB

(Partido Comunista do Brasil reorganizado em fevereiro de 1962). A grande diferença

que levou a esta cisão não foi o diagnóstico da sociedade brasileira, mas a concepção de

50Esta definição do fascismo foi exposta primeiramente por G. Dimítrov, secretário-geral daInternacional Comunista em 1935. DIMITROV, G. Report to the VII Congress of the CommunistInternational. [s.l.]: MIA, 2002. CD-ROM.51Após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em que o presidente soviéticoNikita Khruchëv denuncia supostos crimes de Stálin e propõe a coexistência pacífica entre a URSS e osEUA, o PCB inicia um processo de revisão de seus posicionamentos anteriores, tidos agora comoesquerdistas. A Declaração de Março sinaliza a hegemonia alcançada pelos revisionistas no ComitêCentral do Partido, e o início do afastamento dos dirigentes que posteriormente reorganizariam o PartidoComunista do Brasil sob a sigla PCdoB. No V Congresso do PCB, de 1960, a nova linha é ratificadapelas bases partidárias e em conferência no ano seguinte são mudados o nome (para Partido ComunistaBrasileiro) e diversos pontos do estatuto do Partido, tendo em vista uma possível legalização. Esteprocesso culmina em fevereiro de 1962 com o surgimento da sigla PCdoB, que engloba os principaiselementos que não concordavam com a “via pacífica” para a revolução socialista.

44 44

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revolução violenta ou pacífica. O grupo que reorganizou o Partido diz no Manifesto

Programa52 que as vicissitudes vividas pela economia brasileira derivam da espoliação do

país pelo imperialismo, do monopólio da terra e da crescente concentração da riqueza

nas mãos de uma minoria de grandes capitalistas. Nas palavras do Manifesto, “grupos de

grandes capitalistas nacionais estão associados às forças do latifúndio e do imperialismo,

na exploração comum do povo brasileiro”53. Disto eles depreendem a necessidade de um

governo popular revolucionário formado por operários, camponeses, intelectuais,

pequenos burgueses, médios e pequenos industriais e comerciantes.

A existência tanto de assalariados rurais quanto de camponeses oprimidos pelo

latifúndio, motivo de se defender a reforma agrária, é corroborada por Francisco Julião,

líder das Ligas Camponesas.54 O I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores

Agrícolas55 denuncia o capital estrangeiro como sendo colonizador e fala de seu vínculo

com o monopólio da terra. A estrutura agrária semifeudal, responsável pela baixa

produtividade da produção rural, é uma das formas mais evidentes do processo

espoliativo do país.

As diferentes concepções de desenvolvimento não se expressam apenas na

defesa verbal de uma ou de outra, mas em ações concretas tomadas pelos diferentes

governos. Exemplo disto são as instruções da Superintendência da Moeda e do Crédito

(SUMOC), que tinham a função de regulamentar o mercado financeiro. Em 1953

(governo Vargas), a instrução n° 7056 determinava que a aquisição de moeda estrangeira

para importação deveria se dar através de leilões, respeitados os limites impostos pela

instrução e prioridades definidas em lei. Uma das características mais importantes desta

instrução é centralizar no Banco do Brasil todo o câmbio, sendo a moeda estrangeira

52AMAZONAS, J. et al. Manifesto Programa. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio deJaneiro: DIFEL, 1980. pp. 509-519. Este é o nome dado ao manifesto que reivindica a realização de umaConferência Extraordinária do Partido para que volte a ser adotado o princípio de que a revoluçãosocialista é necessariamente violenta. A Conferência acaba sendo realizada por um pequeno número demilitantes, que funda a sigla PCdoB e reivindica a herança o espírito revolucionário que predominava noPartido Comunista do Brasil até a Declaração de Março (v. supra, nota 51). O Manifesto é assinado porJoão Amazonas (que se tornaria presidente do PCdoB), Maurício Grabois, Pedro Pomar, Calil Chade,Angelo Arroio e Lincoln Oest.53Idem, p. 511.54JULIÃO, F. Carta de alforria do camponês. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio deJaneiro: DIFEL, 1980. pp. 305-313.55I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas. Declaração de Belo Horizonte. In:CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 313-318.56SUMOC. Instrução n° 70. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL,1980. pp. 376-378.

45 45

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proveniente de exportação obrigatoriamente vendida ao Banco, e a necessária para a

importação adquiridas no já mencionado leilão. A exceção às regras da instrução ficava

por conta dos bens de produção, que poderiam ser importados sem cobertura cambial

mediante autorização do conselho da SUMOC.

Já em 1955 (governo Café Filho), a instrução n° 11357 concede várias

preferências ao capital estrangeiro em detrimento do capital nacional. Ela permite a

empresas estrangeiras importarem bens de capital sem cobertura cambial, bastando

comprovar que os equipamentos a serem importados existem. Para tal comprovação

bastaria uma declaração de um banco no país de origem da mercadoria, ou até mesmo o

simples porte da empresa solicitante da licença de importação.

Esta foi a base da industrialização do governo Kubitschek. A Presidência da

República, em avaliação do Programa de Metas feita em 1958 diz que, para coordenar a

obtenção dos recursos para o Programa, o governo Kubitschek tem incentivado a

entrada de capital estrangeiro no Brasil em setores básicos (isto é, a indústria

automobilística), realizado empréstimos junto ao Export-Import Bank (Exim Bank,

norte-americano) e ao Banco Internacional, e realizado financiamentos em entidades

oficiais estrangeiras através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

(BNDE). No biênio 1956-1957, do total de 940 milhões de dólares registrados na

SUMOC, 838 milhões se destinaram ao Programa de Metas.58

No gráfico a seguir nós vemos como se deu efetivamente esse financiamento

externo da industrialização brasileira – a tão falada atração de capitais. Os investimentos

diretos líquidos correspondem grosso modo às inversões estrangeiras no Brasil, uma vez

que é desprezível nesse período o investimento brasileiro no exterior. Os empréstimos e

financiamentos a médio e longo prazo correspondem ao financiamento externo a

iniciativas privadas ou governamentais, ou então a empréstimos estrangeiros destinados a

cobrir deficits nas transações do Brasil com o resto do mundo (transações correntes).

Como se vê, há um crescimento muito grande do financiamento externo de nossa

economia dos governos Café Filho até Jânio Quadros, passando por Juscelino

Kubitschek (1955-1961). Em seguida, há um grande decréscimo no governo João

57_____. Instrução n° 113. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL,1980. pp. 378-380.58Presidência da República, op. cit., p. 11.

46 46

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Goulart (1961-1964). O acréscimo de 1955 a 1961 corresponde a 151% nos

investimentos diretos líquidos e 589% nos empréstimos e financiamentos. De 1961 a

1964, o decréscimo corresponde a 74% e 62%, respectivamente.

As políticas industrializantes da quarta república, portanto, não compreendiam a

reprodução ampliada e não existiam em função dela. Diversamente, tinham como

objetivo resolver o problema do balanço de pagamentos mediante o decréscimo das

importações e o aumento das exportações, sem resolver o problema do fluxo de capitais,

no caso da burguesia pró-imperialista, ou então a diminuição da dependência brasileira

do capital estrangeiro, mediante o desenvolvimento econômico interno do Brasil,

produzindo aqui o que antes precisávamos importar.

47 47

Gráfico 8. Fonte: IBGE/CDDI. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.

1947

1948

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1962

1963

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- 50,0

0,0

50,0

100,0

150,0

200,0

250,0

300,0

350,0

400,0

450,0

500,0

550,0

600,0

Empréstimos e financiamentos de médio e longo prazos,e investimento direto líquido(1947-1964)

Investimento direto líquido

Empréstimos e financiamentos - médio e longo prazos

US

$ 1

.000

.00

0

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4. A HISTORIOGRAFIA SOBRE MODOS DE PRODUÇÃO NO BRASIL

Os fatos, porém são cabeçudos: nãotendo sido notificados, pela leitura de Arevolução brasileira, de que a luta pelaterra não estava inscrita na evolução dasociedade brasileira, um grupo demilitantes do campo resolveu criar oMST…

João Quartim de Moraes

Outra conseqüência da especificidade do capitalismo que é a reprodução

ampliada do capital, possibilitada pelo crescimento relativo do capital constante em

detrimento da mais-valia e do capital variável, está na caracterização do modo de

produção capitalista. Como visto no capítulo 1, a reprodução ampliada só é possível se

uma série de outras características do capitalismo estão presentes. Infelizmente, nem

todos os historiadores respeitam a historicidade destas características.

Divido esta análise da historiografia no estudo de quatro correntes

historiográficas, representadas pelos seus principais expoentes: Ciro Flamarion Santana

Cardoso, Caio Prado Júnior, Jacob Gorender e Nelson Werneck Sodré.

Ciro Cardoso

A característica principal dos estudos de Ciro Flamarion Cardoso sobre a

economia brasileira – e também latino-americana – é incluí-la num “sistema econômico

mundial europeu”, muito semelhante ao teorizado por Immanuel Wallerstein1. Para

Wallerstein, tal sistema seria já capitalista, embora coexistissem ainda outras relações de

produção, como o escravismo e o feudalismo. Tal concepção é possível graças à

espantosa força do capitalismo para subjugar outros modos de produção dada por esta

teoria do “sistema mundial europeu”.

Antes de Immanuel Wallerstein teorizar seu sistema mundial, Rosa

Luxemburgo2 já havia falado da necessidade para o capitalismo de expandir-se por toda a

Terra e explorar as áreas coloniais internas e externas. Esta é a total negação da teoria

marxista da reprodução ampliada do capital. Sem tais áreas coloniais, seria impossível o

crescimento econômico no capitalismo. Nem a mais-valia, nem o capital constante e o

1Em WALLERSTEIN, I. O sistema mundial moderno. Porto: Afrontamento, [s/d].2Em LUXEMBURG, R. A acumulação do capital: contribuição ao estudo econômico do imperialismo.São Paulo: Abril Cultural, 1984.

48 48

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variável poderiam salvar o capitalismo face a uma suspensão de suas possibilidades de

expansão e de extorsão de economias não-capitalistas.

Certamente o capitalismo tem uma tendência à expansão, e isto é confirmado

por todos os marxistas, especialmente após Lênin teorizar o imperialismo. Na verdade,

foi justamente na tentativa de teorizar este novo tipo de capitalismo surgido com o

século XX que Rosa Luxemburgo chegou à sua conclusão. Não compreendendo que o

capitalismo depende somente de si mesmo para funcionar, acreditou que as guerras

interimperialistas seriam causadas por essa tentativa de o capitalismo de cada país

imperialista se expandir e dominar as áreas coloniais, condição que seria necessária para

sua sustentação econômica.

O capitalismo certamente se expande e domina outros modos de produção –

que caracterizariam tanto as colônias externas quanto as internas. No imperialismo,

conforme nos informa Lênin3, chega mesmo a impulsionar o desenvolvimento industrial

de países atrasados. Entretanto, não é por uma deficiência intrínseca ao capitalismo, mas

sim porque o capital exportado pelos países imperialistas, nas mais diversas formas,

encontra condições mais vantajosas nos países atrasados do que nos desenvolvidos.

Levando ainda além a teoria de Rosa Luxemburgo, Immanuel Wallerstein e seus

seguidores dizem que, não apenas o capitalismo tenderia a se expandir, mas também

dominaria imediatamente os demais modos de produção. Bastaria surgir o capitalismo na

Europa para ele dominar todo o mundo, formando o “sistema mundial europeu”. As

duas bases teóricas disto seriam a acepção de modo de produção como uma totalidade e

de só o capitalismo ser generalizável. Um modo de produção sendo necessariamente uma

totalidade (isto é, não deixando espaço para outras relações de produção, senão um

espaço totalmente subordinado) o capitalismo só poderia ser entendido como sistema

mundial, visto que mantém relações com territórios muito além de seu centro, que é a

Europa. Concomitantemente a isto, dizem que só o capitalismo seria generalizável

porque só ele teria atingido tais proporções mundiais.

Mais espantoso ainda que a irresistível força que teria o capitalismo para

subjugar outros modos de produção é a própria existência de um capitalismo já na virada

do século XV para o XVI, que seria a data de nascimento desse “sistema mundial”.

3Lênin, Imperialismo…, cap. IV.

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Wallerstein e seus seguidores vêem o capital comercial – que realmente existia e ganhava

força – como capitalismo, sem considerar as relações de produção efetivamente

existentes, mas apenas a forma da circulação.

Embora Ciro Cardoso esboce uma crítica ao “sistema econômico mundial

europeu”4, seu único avanço é reconhecer que o “sistema mundial europeu” não seria

ainda capitalista, embora caminhasse para tal fim. É assim que ele pode falar de um

“escravismo colonial” (como se fosse diferente do antigo), mas sempre tendo em vista a

“totalidade”, isto é, a Europa ocidental e sua relação com o resto do mundo.

Tem-se assim um modo de produção que não se caracterizaria pelas relações de

produção e de propriedade, nem pela técnica empregada. A caracterização deste modo

de produção se dá pela sua relação com a metrópole, e é por isto que ele é “colonial”, ao

invés de ser simplesmente escravismo. Mesmo denominá-lo como escravismo é apenas o

reconhecimento da existência no Brasil de relações de produção baseadas na escravidão,

e não o reconhecimento de que aqui havia um modo de produção distinto do que era

dominante na Europa no período em que este escravismo existiu. Além disto, havendo

capitalismo na Europa a partir do século XVIII5, as características do “sistema

econômico mundial europeu” significam que também aqui haveria capitalismo, não

importando as relações econômicas efetivamente existentes.

Caio Prado Jr.

A Caio Prado Júnior não pode ser imputado o erro de ignorar as relações de

produção no Brasil. Mesmo Ciro Cardoso não as ignora completamente, mas Caio Prado

Júnior, em História Econômica do Brasil, mostra um vasto conhecimento de como se

processava a produção em várias regiões e épocas da história brasileira. Entretanto,

apesar de uma ou outra menção a uma classificação dos modos de produção aqui

existentes, não é neste livro que ele exerce sua mais importante análise do assunto.

Diversamente, é num livro que não se encaixa plenamente na categoria de historiografia

que ele coloca todo o peso de sua argumentação no debate sobre se teria ou não existido

4Em CARDOSO, C. F. S. As concepções acerca do “sistema econômico mundial” e do “antigo sistemacolonial”: a preocupação excessiva com a “extração de excedente”. In: LAPA, J. R. do A. (org.). Modosde produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. pp. 109-132.5Idem, pp.125-126.

50 50

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feudalismo no Brasil, bem como sobre o que pode ser considerado propriamente

capitalista na época em que escreve.

E é justamente a época em que escreve que dá o tom do texto. O livro,

denominado A Revolução Brasileira, foi escrito em 1966, apenas dois anos após o golpe

de 1964. Neste contexto, em que as esquerdas e os comunistas empreendiam uma

avaliação do que levou ao golpe que derrotou estes mesmos setores da sociedade, ele

coloca a culpa pela derrota justamente nas concepções teóricas prevalecentes,

especialmente a seqüência clássica dos modos de produção de acordo com o marxismo

(comunismo primitivo, escravismo, feudalismo e capitalismo). Esta seqüência, quando

aplicada ao Brasil, é peremptoriamente tachada de dogmática e sem fundamentação na

realidade. Apesar de atacar veementemente esta visão e aquilo que deriva diretamente

dela, o autor em questão não faz crítica nenhuma a outros fatores que, estes sim,

impediram uma reação dos comunistas ao golpe. Por exemplo, a subestimação da força

do ímpeto reacionário às reformas de base.6 Denunciando os “dogmas” dos comunistas,

cria outros para si, e o que poderia ser uma grande e válida crítica à atuação dos

comunistas e da esquerda antes do golpe de 1964 se torna um sofisma de mais de 200

páginas.

Caio Prado Júnior, ao tentar denunciar os já mencionados dogmas, que ele

chama de “stalinistas”, cria outros para si. Estes são dogmas historicistas, visto que

compreendem basicamente a afirmação de que uma teoria elaborada a partir do estudo

dos modos de produção na Europa não pode ser válida para outros lugares. O máximo

de sua abstração é dizer que a teoria elaborada tendo em vista a situação asiática também

só é válida para a Ásia.7 Sendo assim, ele procura no Brasil uma história em que o alvo

de sua crítica, a seqüência clássica dos modos de produção, não existe.

Sendo ele um grande conhecedor da realidade brasileira, tem de fazer enormes

malabarismos para que a história corrobore sua interpretação. A parceria, por exemplo,

seria diferente no Brasil do que foi na Europa. À primeira vista, é uma afirmação

plausível, mas perde toda sua plausibilidade quando Caio Prado Júnior a transforma em

6Exemplo dessa subestimação é a avaliação pelo PCB de que a ditadura seria passageira e de que omelhor seria empreender uma luta de massas sem qualquer forma de resistência armada. Isto é fruto dacrença na “via pacífica” para a revolução socialista, conforme exposto no capítulo 3 (supra, p. 44-45). Omesmo erro não foi cometido pelo PCdoB, que pode ter cometido outros, mas era ainda pequeno demaispara ter um papel decisivo em 1964.7v. supra, p. 30-31.

51 51

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“remuneração in natura do trabalho”8. Seria uma forma de trabalho assalariado, e não de

trabalho servil. Entretanto, o trabalho assalariado, no marxismo, é caracterizado pela

propriedade dos meios de produção por parte do contratante e pela remuneração da

força de trabalho de acordo com o seu próprio valor, e não com o valor da produção – o

trabalho está totalmente alienado do trabalhador.9 Na parceria, seja brasileira ou

européia, o trabalho é realizado com ferramentas de propriedade do camponês e está sob

sua gerência. O produto do trabalho é inicialmente apropriado pelo camponês, o qual é

obrigado a dividi-lo com o senhor das terras devido às relações de dependência

existentes. Nada disto é trabalho assalariado.

Entretanto, para mostrar como está certo, esse autor chega mesmo a dizer que

qualquer que seja o caso, o trabalhador livre de hoje se encontra, tanto quanto o seuantecessor escravo, inteiramente submetido na sua atividade produtiva à direção doproprietário que é o verdadeiro e único ocupante propriamente da terra e empresário daprodução, na qual o trabalhador não figura senão como força de trabalho a serviço doproprietário, e não se liga a ela senão por esse esforço que cede a seu empregador.10

É uma total confusão dos modos de produção historicamente existentes no Brasil.

Em seu esforço de negação do feudalismo, diz que, contrariamente ao que

aconteceu na Europa, o capitalismo aqui não encontrou estruturas não-capitalistas ou

organizadas “segundo valores incompatíveis com o capitalismo”11. Ao contrário, toda a

economia brasileira seria desde o início voltada para o mercado e, portanto, nada haveria

de essencialmente diferente do capitalismo em praticamente nenhum momento de nossa

história. Na História econômica…, ele chega mesmo a dizer que o “caráter fundamental”

de nossa economia seria desde o início a “produção precípua de gêneros destinados ao

comércio exterior”12. Ora, isto é o mais puro circulacionismo, completamente avesso às

categorias econômicas do marxismo, em que se destaca a importância das relações de

produção e de propriedade, ao invés das relações de troca de produtos ou mercadorias.

A circulação dos produtos (a produção destinada ao exterior) é secundária, e não

fundamental.

8Prado Júnior, A revolução…, p. 40.9Sobre o valor do trabalho, v. supra, pp. 9-11.10Prado Júnior, A revolução…, p. 47. Itálico no original.11Idem, p. 115.12Prado Júnior, História econômica…, p. 287.

52 52

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É devido a este circulacionismo que ele consegue até mesmo chamar de

capitalismo o sistema que primeiro se implantou aqui – seria o capitalismo na fase do

capital comercial, como se a circulação definisse o modo de produção:

Os países da América Latina sempre participaram, desde sua origem na descoberta ecolonização por povos europeus, do mesmo sistema em que se constituíram as relaçõeseconômicas que, em última instância, foram dar origem ao imperialismo, a saber, o sistemado capitalismo. São essas relaçöes que, em sua primeira fase do capital comercial, presidiramà instalação e à estruturação econômica e social das colônias, depois nações latino-americanas. É assim, dentro de um mesmo sistema que evoluiu e se transformou do primitivoe originário capitalismo comercial, é aí, e por força das mesmas circunstâncias (emboraatuando diferentemente no centro e na periferia), que se constituíram de um lado as grandespotências econômicas dominantes no sistema imperialista, de outro os países dependentes daAmérica Latina.13

Em todo esse esforço para negar o feudalismo no Brasil, Caio Prado Júnior

chega a negar o óbvio e diz – quase como truísmo – que a esquerda brasileira negava

qualquer relação capitalista na agricultura brasileira. Para isto cita o I Congresso

Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, de 1961, dizendo que suas

referências à cooperativização da agricultura seriam um remendo de última hora, pois

seriam incompatíveis com a luta pela terra.14 Entretanto, essa mesma esquerda não

apenas reconhecia a existência de empresas rurais, como também tinha propostas

específicas para ela, como pode ser visto nas mesmas fontes utilizadas no capítulo 3 para

o estudo de seu posicionamento frente ao imperialismo.15

Em momentos melhores, especialmente em sua História econômica…, ele chega

a caracterizar o modo de produção inicialmente implantado no Brasil como escravista

(em que pese ele praticamente não falar de modos de produção). Entretanto, mantém o

circulacionismo e da mesma forma não vê modo de produção feudal algum neste país.

Jacob Gorender

A posição de Jacob Gorender a respeito dos modos de produção historicamente

presentes no Brasil deriva diretamente daquela adotada por Ciro Cardoso, mas é

substancialmente diferente em vários aspectos.

Para Gorender, somente o modo de produção capitalista teria uma teoria

plenamente desenvolvida, e é por isso que ele se dedica a teorizar o que chama de

“escravismo colonial”, em oposição ao escravismo antigo, como se ambos não fossem

13Prado Júnior, A revolução…, p. 68.14Idem, p. 143.15Supra, pp. 39-45.

53 53

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um mesmo modo de produção. Tendo existido em diferentes momentos históricos, o

escravismo sustentou particularidades sociais nesses diversos tempos. Não há,

entretanto, dois modos de produção escravistas distinguíveis entre si.

Não reconhecendo isto, Jacob Gorender passa a teorizar um modo de produção

escravista colonial que se distinguiria do antigo principalmente pela sua organização em

grandes fazendas cuja produção era voltada para o mercado (a plantation, chamada por

ele de “plantagem”) e pela extração de excedentes, que não é outra coisa senão a

acumulação localizada principalmente no exterior, característica da economia colonial.

Ou seja, a distinção entre o modo de produção escravista antigo e o colonial não seria

algo relativo à produção, e sim à circulação do produto. Esta característica dada por ele

ao escravismo colonial não conflita somente com a concepção marxista de modo de

produção, mas com a sua própria: para Gorender, um modo de produção é

necessariamente uma totalidade. Contanto, o escravismo colonial teria que ser analisado

a partir do mercado exterior e da acumulação no estrangeiro.

Apesar disto, há alguns aspectos positivos em sua obra. Ele critica a

subordinação dos modos de produção não-capitalistas ao capitalismo, baseada em Rosa

Luxemburgo. Para isto, invoca a teoria da reprodução ampliada do capital, como fiz

acima16.

Outro aspecto positivo é o de que ele percebe que houve um modo de produção

pré-capitalista após o fim do escravismo no Brasil. Entretanto, recusa-se a identificá-lo

como feudal. Neste ponto, ele é bastante vago, pois tenta divergir da aplicabilidade da

seqüência clássica dos modos de produção a este país, mas não consegue achar nada

para colocar em seu lugar. A meu ver, trata-se de uma pertinácia excessiva: “o que se

estabeleceu em seguida à extinção da escravidão, foi uma formação social em que o

capitalismo seria ainda um modo de produção subordinado, enquanto prevaleceu uma

forma de latifúndio pré-capitalista”17. Incapaz de definir o modo de produção que

subordinaria o capitalismo e que não seria o escravismo, ainda assim nega o feudalismo.

Ainda um outro aspecto de Gorender é sua negação do papel progressista da

burguesia nacional no Brasil. Para não faltar com a verdade, é preciso dizer que ele não

16Supra, pp. 47-49.17GORENDER, J. O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. In: LAPA, J. R. do A. (org.).Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 62.

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fala realmente de burguesia nacional, apesar de usar este termo. Trata, isto sim, da

burguesia, sem adjetivos. Mesmo que perceba “tendências nacional-reformistas” que

podem de quando em quando acometer esta burguesia, não consegue explicá-las, uma

vez que, em suas palavras, “a burguesia nacional, que se formou com o capitalismo no

Brasil, não teve tarefas revolucionárias para resolver”18. É certo dizer que a burguesia

nacional não cumpriu suas tarefas revolucionárias, mas o debate político na quarta

república, analisado no capítulo anterior19 mostra bem que elas existiam, e que o setor

derrotado com o golpe militar de abril de 1964 era justamente aquele que tomava para si

tais tarefas.

Nelson Werneck Sodré

Nelson Werneck Sodré é o único dos quatro autores a adotar a seqüência

clássica dos modos de produção. Para ele, houve aqui escravismo, feudalismo e

capitalismo, nesta ordem.

Segundo sua análise, o comunismo primitivo dos índios foi em geral destruído e

substituído pelo escravismo, inclusive porque poucos índios sobreviveram ao impacto

inicial da colonização. O escravismo é simplesmente escravismo, sem adjetivos. Este

modo de produção, à época de sua implantação no Brasil, estava superado

historicamente no continente Europeu, conquanto ainda houvesse escravos por lá.

Portanto, não fazia diferença se houvera antes um outro escravismo – aquele que se

implantava aqui não mereceria adjetivos por este motivo. Além disto, não houve

diferenças fundamentais entre um e outro tipo de escravismo: as relações de produção

continuavam as mesmas, tanto no que diz respeito à apropriação do trabalho, quanto na

propriedade do escravo pelo seu senhor etc.

O feudalismo, por sua vez, surgiu aqui de duas maneiras: uma nas áreas em que

o escravismo não tinha condições de sucesso, outra a partir da decadência do

escravismo. O caso das áreas de pastoreio no sul e no nordeste é o primeiro, pois o

trabalho escravo não pode existir nestas condições.20 Este também é o caso de todas as

áreas em que a produção não está voltada para a exportação. A mineração, por exemplo,

18Idem, p. 64.19Supra, pp. 26-30 e 34-46.20No caso nordestino, é somente quando ocorre a separação total entre o engenho e a pecuária que ofeudalismo realmente passa a existir.

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apesar de baseada no trabalho escravo, permitiu que surgisse ou se desenvolvesse a

servidão nas áreas que se dedicavam a seu sustento. Em sua decadência, aparecem

inclusive formas mistas entre o escravismo e o feudalismo.

A existência de áreas que não seriam voltadas para a exportação, porém é

contestada por alguns. Bernardo Ricupero, por exemplo, tacha de absurda esta

afirmação de Sodré dizendo que “toda a economia colonial estava voltada para a

produção para o mercado externo”21. Sodré, no entanto, não vê a economia colonial

como sendo apenas produção para o mercado externo e se preocupa em ver o que

acontecia dentro da América Portuguesa.

A decadência do escravismo não resulta apenas no surgimento de novas áreas

feudais, mas também no surgimento do modo de produção capitalista nas áreas em que

este processo aconteceu concomitantemente a um progresso na produção, especialmente

na área em que o café se expandia, na província de São Paulo. Entretanto, este novo

modo de produção não se estabeleceu como dominante de imediato, mas levou décadas

para tal. Foi somente após o movimento de 1930 e a guerra civil de 1932 que a

burguesia surgida neste processo se tornou hegemônica – e isto só foi possibilitado pela

crise pela qual passava a oligarquia que dominava nosso feudalismo na república velha.

Sodré é chamado de dogmático, mas não encaixa a história brasileira em

esquemas preestabelecidos. É assim que ele pode falar de “contemporaneidade do não-

coetâneo” para designar, por exemplo, a coexistência de escravismo e feudalismo, ou

então explicar ideais burgueses no movimento independentista surgido com a decadência

da mineração (numa época em que ainda não havia burguesia no Brasil).

Nelson Werneck Sodré estudou os modos de produção no Brasil a partir das

relações de produção e propriedade efetivamente existentes aqui em cada época

histórica. A importância do caráter colonial de nossa economia se resumia, segundo sua

visão, no atraso do desenvolvimento produtivo local, uma vez que a acumulação se dava

no exterior.

Se Sodré fosse dogmático como pintam, não teria falado, por exemplo, de

“regressão feudal”. Nas formulações mais didáticas, ou simplesmente mais gerais,

costuma-se falar que a passagem de um modo de produção a outro é caracterizada por

21RICUPERO, B. A aventura brasileira do marxista Caio Prado Jr. Revista de Sociologia e Política.Curitiba, UFPR, n. 8, 1997, p. 55-71.

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um progresso na produção. Foi o contrário, porém que aconteceu nas áreas em que a

decadência do escravismo levou à servidão.

Porém, mais importante ainda para desmentir a tese de que Sodré é dogmático é

a sua denúncia da confusão que geralmente se faz entre o geral e o específico – ou seja,

ele reconhece que a teoria de um modo de produção não é o mesmo que a forma

histórica com que ele se apresenta. É assim, por exemplo, que ele pode falar que o

escravismo que surgiu com a mineração era diferente do escravismo do engenho, em que

pese ambos terem sido escravismo simplesmente. Ele também afirma que a servidão

apresentou aspectos mistos – enquanto seus detratores procuram uma servidão “pura”

como teria sido a européia.

Confusão quem faz são os seus detratores, que a propósito de um antistalinismo

atacam tudo o que for considerado “ortodoxo”, inclusive dizendo que tentam voltar às

concepções originais de Marx, Engels e até de Lênin. Assim, eles acreditam que as

formas diferentes com que um mesmo modo de produção se apresenta historicamente

são motivo suficiente para criar um novo modo de produção, com sua própria teoria

(este é geralmente um “escravismo colonial”, apesar de ninguém até hoje ter apresentado

uma teoria suficientemente convincente para ser aceita por uma parcela muito grande

dos marxistas). É por isso que José Ricardo Figueiredo pode escrever que

o Brasil jamais teve um garboso lord ou seigneur, acompanhado de sua guarda pessoal delanceiros e cavaleiros “de armadura, escudo e espada”, empenhado em disputas por terras,vendo orgulhoso seus vilões curvarem-se leal e humildemente ante sua senhorial pessoa. Oque existiu aqui foi só um achamboado senhor coronel, acompanhado de seus jagunços ecabras “de parabelum na mão”, empenhado em disputas por terras, vendo seus peõescurvarem-se leal e humildemente ante sua senhorial pessoa22

Em outras palavras, as formas com que o escravismo e o feudalismo se manifestaram

aqui foram diferentes das formas européias, mas mesmo assim se tratava de feudalismo e

escravismo.

Nem ao menos é verdade a visão que se tem de um Sodré primeiro adotando a

posição “ortodoxa” para depois procurar na história o que a corrobore. Ao contrário, foi

somente na década de 1960 que ele desposou a tese feudal – e antes disto ele já havia

adquirido enorme conhecimento sobre a realidade brasileira. Sua posição veio de seus

estudos e de sua autocrítica, que muitos tiveram a infelicidade de chamar de dogmática

só porque havia levado o autor para o lado de Stálin, Lênin, Engels e Marx.

22FIGUEIREDO, J. R. Modos de ver a produção no Brasil. São Paulo: Educ, 2004. p. 639.

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Sobre o assunto que mais interessa aqui, Sodré é claro e diz que o capital

comercial antecede o capitalismo. Como está na epígrafe desta monografia, é somente

quando o salário se torna a forma normal de compra da força de trabalho que existe

capitalismo. Sodré, que não é de esconder a origem de suas posições teóricas, faz ainda

questão de lembrar uma expressão cara a Stálin – a de que a lei fundamental deste modo

de produção é a mais-valia.23

A historiografia brasileira sobre modos de podução, como diz Sodré, é marcada

por motivações mistas – científicas e políticas.24 Com a rigorosa clandestinidade a que

foram submetidos os comunistas após o golpe de 1964 e a onda revisionista que sucedeu

a denúncia por Nikita Khruchëv de supostos erros de Stálin (em 1956) proliferaram as

versões que apontavam os desvios “stalinistas” na interpretação de nossa realidade. Caio

Prado Júnior chegou a negar a validade de uma das bandeiras históricas da esquerda

brasileira – a reforma agrária. Todos os revisionistas concordam em que não teria havido

feudalismo no Brasil. Alguns chegam a procurar formas especiais de escravismo, ou

então formas pré-capitalistas que não se encaixariam em nenhum modo de produção até

então existente, mas não conseguiram ver que apenas negavam o óbvio – as relações

entre o senhor de terras no Brasil e o produtor direto eram em predominantemente

feudais. Assim, alguns deles chegam a levar o capitalismo à colônia ou ao império

(colocando-o como já dominante). Outros reconhecem que o capitalismo aqui é recente,

mas não conseguem explicar o que veio antes. Tudo para combater Stálin.

23Sodré, Capitalismo…, p. 18.24Idem, pp. 11-12.

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CONCLUSÃO

Chegando ao fim desta pesquisa, diversas são as conclusões a que chego, e

acredito que já tenham ficado claras nos quatro capítulos que compõem o texto.

Portanto, cabe aqui pouco mais que uma recapitulação.

Inicialmente, procuro deixar clara a base teórica da pesquisa – a teoria marxista

da reprodução ampliada do capital. É a partir daí que se desenvolve todo o conteúdo.

Tal teoria consiste no papel do capital constante na ampliação da produção

social no capitalismo. É na reinversão produtiva da mais-valia que reside a chave para o

crescimento econômico no capitalismo – quando parte da mais-valia é convertida em

capital constante, cresce a capacidade produtiva da economia.

Esse entendimento do funcionamento da economia capitalista é plenamente

corroborado pelas estatísticas, mesmo que estas não utilizem as mesmas categorias. Para

uma pesquisa como esta, o ideal seria utilizar estatísticas que considerassem o consumo

produtivo, ao invés de descartar grande parte dele sob o pretexto de evitar o “erro” da

múltipla contagem (eliminando tudo o que não for mais-valia e capital variável). Tais

estatísticas existem para períodos mais recentes, mas aí se perderia o objeto principal do

estudo, visto que as últimas décadas foram de desenvolvimento industrial inconstante, e

até de desindustrialização relativa, como no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Vista a correspondência entre a teoria e os dados estatísticos, passo ao estudo

da luta de classes no período. Inicialmente, verifico que – como era de se esperar – a

política industrializante aplicada pela burguesia brasileira não derivou da compreensão

dos mecanismos da reprodução ampliada, mas teve outros motivos. Entre eles, a

necessidade de se competir com a indústria de países mais avançados e de aumentar o

mercado consumidor final.

Mesmo que apareçam aí alguns elementos da luta de classes do período, é em

outro lugar que reside a explicação da política econômica (e da política em geral) da

quarta república. Isto é assim porque não se tratava simplesmente de industrializar o

país, mas de fazê-lo de acordo com o interesse de tal ou qual classe ou fração de classe.

O embate crucial, portanto, é entre a burguesia nacional e a burguesia pró-imperialista,

no qual aparece também com relevante protagonismo o proletariado.

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Para a burguesia aliada ao imperialismo, o desenvolvimento industrial do Brasil

deveria se dar nos marcos desta aliança, com forte privilegiamento do capital estrangeiro,

em detrimento do capital nacional. É o que se verifica nos governos de Café Filho,

Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. A burguesia nacional, por sua vez, e com seus

diversos matizes, procura eliminar os privilégios dados ao capital estrangeiro e também

resolver algumas das contradições de nossa sociedade, especialmente a permanência de

relações feudais no campo. O proletariado é aliado desta fração burguesa nacional, mas

procura realizar um programa mais radical, por vezes até revolucionário, embora esta

seja ainda a revolução democrático-burguesa.

A política da quarta república teve várias reviravoltas que não cabem nos

propósitos deste estudo, o qual visa a um entendimento mais geral do período, com foco

nas relações econômicas.

A concepção de revolução democrático-burguesa deriva de um diagnóstico da

realidade brasileira o qual vê, a esta época, relações feudais ou semifeudais atrapalhando

o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta foi a posição dos comunistas até pouco

tempo atrás, tanto os do PCB, quanto os do PCdoB. E esta posição é também o centro

das críticas a este setor da esquerda brasileira desferidas por grande parcela da academia.

A denúncia por Khruchëv de supostos “erros” de Stálin, em 1956, e o golpe

político-militar desferido a 1º de abril de 1964 motivam uma série de críticas aos

comunistas, especialmente contra essa política de aliança com a burguesia nacional

derivada do entendimento de que o feudalismo ainda existente no campo limitaria o

desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

Sob o manto do antistalinismo passam a ser feitas diversas críticas a todos os

que vêem feudalismo ou seus resquícios no Brasil. Estas críticas, no entanto, costumam

estar eivadas de erros teóricos, inclusive quanto ao próprio conceito de modo de

produção, pois o circulacionismo as invade com virulência. São geralmente críticas

historicistas, que tacham de dogmático tudo aquilo que é semelhante à seqüência clássica

dos modos de produção na teoria marxista, sem nem ao menos ter o cuidado de verificar

se esta semelhança se deve ao estudo da realidade brasileira, ou é mera repetição de

conceitos abstratos. E o estudo da realidade brasileira, munido de um correto

entendimento da teoria (inclusive o entendimento de que a teoria é uma abstração, e não

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a própria realidade), leva à compreensão de que estão presentes na história brasileira

tanto o escravismo, quanto o feudalismo e o capitalimo. O verdadeiro erro dos

comunistas, como indica João Quartim de Moraes, não foi a adoção da tese feudal, e sim

o demasiado otimismo com que viam o reformismo da burguesia nacional.1

O circulacionismo dessa historiografia antistalinista também tem como

conseqüência, na maior parte dos casos, uma incompreensão do que é capitalismo.

Confundindo comércio e produção voltada para o mercado com capitalismo, ela perde a

capacidade de explicar o este e os demais modos de produção por suas relações de

produção e de propriedade, bem como pela técnica empregada. As categorias

fundamentais desta pesquisa passam a não fazer sentido, pois tal historiografia estende o

capitalismo a épocas em que estas relações ainda não existiam, ou existiam somente em

casos isolados, sem serem dominantes.

O lugar desta história

Destarte, o presente trabalho aparece também como reafirmação da validade

teórica do marxismo-leninismo na pesquisa histórica. Como já afirmei na introdução, esta

é uma teoria rejeitada por grande parte da academia.

Michel de Certeau, que não é muito marxista, disse que “toda pesquisa

historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico, político e

cultural.”2 Marx, ao criticar Feuerbach, diz que este, “não contente com o pensamento

abstrato, apela ao conhecimento sensível; mas, não toma o mundo sensível como

atividade humana sensível prática.”3 E esta atividade sensível prática engloba a própria

pesquisa científica. “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras

diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”4

O lugar desta história é bem claro e está expresso na própria opção teórica

adotada. Entretanto, não se resume a isto. Esta pesquisa foi iniciada no primeiro ano do

governo Lula e termina logo após o fim da excelente gestão de Carlos Lessa no Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O ambiente em que ela se

1MORAES, J. Q. de. Nelson Werneck Sodré: a fundamentação marxista do programa nacional-democrático. In: SILVA, M. Nelson Werneck Sodré na historiografia brasileira. Bauru: Edusc, 2001. p.35.2CERTEAU, M. de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982. p. 66.3MARX, K. Teses sobre Feuerbach. Pacifica: MIA, 2002. CD-ROM. Itálicos no original.4Ibidem. Itálicos no original.

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realiza, portanto, é de intenso debate sobre o projeto de desenvolvimento que deve ser

adotado pelo país.

A situação analisada é outra, pretérita. Muitas mudanças ocorreram no

capitalismo brasileiro, algumas das quais verificáveis no gráfico 1, do capítulo 25: a

crescente importância do capital financeiro, denotando um estágio ainda superior do

imperialismo. Entretanto, esse modo de produção continua a ser caracterizado pelo

capital constante, pelo capital variável e pela mais-valia, expressões das relações de

produção e propriedade contemporâneas, possibilitadas pelo advento da indústria

moderna.

O que estudo aqui é somente um dos aspectos da economia capitalista: o

desenvolvimento industrial. Portanto, esta pesquisa sozinha não serve para apontar

soluções para todos os atuais dilemas brasileiros, embora aponte alguns pontos de uma

política industrial adequada à nossa realidade (motivo de meu elogio anterior a Lessa, o

mesmo autor que critiquei no primeiro capítulo6).

A maior contribuição historiográfica para transformar a realidade brasileira hoje

seria uma pesquisa da história econômica recente do Brasil, e não nego que seja esta uma

pretensão minha.

Fica aqui, portanto, o registro claro de que esta não é uma história confinada a

uma torre de marfim, mas uma história marcada pela luta cotidiana e estratégica dos

trabalhadores brasileiros.

5Supra, p. 20.6Supra, p. 5 e ss.

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FONTES

Para a análise das estatísticas econômicas das décadas de 1950 e 1960, utilizo

as seguintes fontes, sendo a primeira o deflator aplicado aos dados contidos na segunda,

uma compilação de estatísticas do século XX:

• FGV. Deflator implícito – PIB. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>.

Acesso em: set. 2004.

• IBGE/CDDI. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. CD-ROM.

Para o estudo do pensamento econômico da quarta república, utilizo

principalmente as fontes compiladas por Edgar Carone em A quarta república1. Além

destas, utilizo também uma publicação da presidência da república datada de 1958,

contendo o programa de metas e uma avaliação de sua aplicação até o momento, além de

História Econômica do Brasil e A revolução brasileira de Caio Prado Júnior.

• AMAZONAS, J. et al. Manifesto Programa. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 509-519.

• ARRAES, M. Arraes e sua ação. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964).

São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 216-226.

• ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO RIO DE JANEIRO. A luta contra a estatização: o

confisco da Companhia Elétrica Rio-Grandense e a Associação Comercial do Rio de

Janeiro. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980.

pp. 403-405.

• ASSOCIAÇÃO RURAL DE MARÍLIA. O contra-ataque da oligarquia: os

fazendeiros de Marília. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo:

DIFEL, 1980. pp. 321-324.

• BRASIL. Presidência da República. Programa de metas do presidente Juscelino

Kubitschek. Rio de Janeiro: 1958.

• BRIZOLA, L. Brizola e sua ação. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964).

São Paulo: DIFEL, 1980. Entrevista ao Jornal do Brasil. pp. 202-207.

• CAFÉ FILHO, J. Mensagem de Café Filho. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 574-480.1Carone, op. cit.

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• CARDOZO, F. M. O contra-ataque da oligarquia: “Nós não precisamos de reforma

agrária alguma”. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo:

DIFEL, 1980. pp. 318-320.

• CLUBE MILITAR. Considerações sobre a guerra na Coréia. In: CARONE, E. A

quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 550-556.

• _____. Exército e Petróleo. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São

Paulo: DIFEL, 1980. pp. 539-549.

• CNI. Carta da Paz Social. In: CARONE, E. A quarta república. São Paulo – Rio de

Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 399-403.

• Comunicados militares norte-americanos em CARONE, E. A quarta república (1945-

1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 275-276.

• ESCOLA Superior de Guerra. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964).

São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 566-574.

• O ESTADO DE SÃO PAULO. Carta da Paz Social. In: CARONE, E. A quarta

república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 399-403.

• GORDON, L. Memorando pessoal do embaixador Gordon. In: CARONE, E. A

quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 267-271.

• GOULART, J. O discurso de 13 de março de 1964. In: CARONE, E. A quarta

república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 232-243.

• _____. Entrevista de Goulart. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São

Paulo: DIFEL, 1980. pp. 211-215. Entrevista concedida a O Estado de São Paulo,

publicada a 31/01/1963.

• JULIÃO, F. Carta de alforria do camponês. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 305-313

• KUBITSCHEK, J. A ofensiva exterior: a Operação Pan-americana. In: CARONE, E.

A quarta república. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1980. pp. 125-130.

• MORAES, J. E. de. A afirmação da indústria nacional: a Companhia Brasileira de

Alumínio. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL,

1980. Carta a Agamenon Magalhães. pp. 413-416.

• PCB. Frente Democrática de Libertação Nacional. In: CARONE, E. A quarta

república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 467-469.

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• _____. Por uma justa linha política: V Congresso do PCB. In: CARONE, E. A quarta

república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 472-482.

• _____. Movimento de Emancipação Nacional. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 470-472.

• _____. O PCB e as reformas de base. In: CARONE, E. A quarta república (1945-

1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 482-493.

• _____. Programa Mínimo de União Nacional. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 463-467.

• PRADO JÚNIOR, C. A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2004.

• _____. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1978.

• I CONGRESSO NACIONAL DOS LAVRADORES E TRABALHADORES

AGRÍCOLAS. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo:

DIFEL, 1980. pp. 313-318.

• IV Congresso Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material

Elétrico do Brasil. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo:

DIFEL, 1980. pp. 461-462.

• SÁ, M. de. O problema da remessa de lucros. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 405-412.

• II CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CLASSES PRODUTORAS. Problemas do

reequipamento e do desenvolvimento industrial. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 356-363.

• SINDICATO DA INDÚSTRIA DE CERVEJA E BEBIDAS EM GERAL DO

ESTADO DE SÃO PAULO. Indústria e imperialismo: o caso da Coca-Cola. In:

CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 363-

375.

• SUMOC. Instrução nº 70. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São

Paulo: DIFEL, 1980. pp. 376-378.

• _____. Instrução nº 113. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964). São

Paulo: DIFEL, 1980. pp. 378-380.

• VARGAS, G. Carta-testamento. In: CARONE, E. A quarta república (1945-1964).

São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 58-59.

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• _____. Getúlio Vargas e a evasão de divisas. In: CARONE, E. A quarta república

(1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980. pp. 48-51.

Na análise da historiografia sobre os modos de produção historicamente

existentes no Brasil, utilizo o livro organizado por José Roberto do Amaral Lapa Modos

de produção e realidade brasileira, que contém artigos do organizador, e também de

Antônio Barros de Castro, Nelson Werneck Sodré, Jacob Gorender, Ciro Flamarion

Santana Cardoso, Octavio Ianni, Peter L. Eisenberg e Theo Santiago2. Também uso os

demais livros citados a seguir:

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Vozes, 1980.

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2Só foram referenciados os artigos de Ciro Cardoso e Jacob Gorender. O artigo de Nelson WerneckSodré se encontra também no início de Capitalismo e revolução burguesa no Brasil, com algumasmodificações, sendo referenciado como pertencendo a esta última obra, mais recente e mais facilmenteencontrada.

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