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LEANDRO NASCIMENTO MANTAU O Caso NIETZSCHE: A reabertura de um inquérito, a história dos estelionatos cometidos e das várias condenações. Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, Curso de Direito, do Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Luís Fernando Lopes Pereira. Co-orientador: Prof. Dr. César Antonio Serbena. CURITIBA 2008

LEANDRO NASCIMENTO MANTAU O Caso NIETZSCHE: várias

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Page 1: LEANDRO NASCIMENTO MANTAU O Caso NIETZSCHE: várias

LEANDRO NASCIMENTO MANTAU

O Caso NIETZSCHE

A reabertura de um inqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das

vaacuterias condenaccedilotildees

Monografia apresentada como requisitoparcial agrave obtenccedilatildeo do grau de Bacharelem Direito Curso de Direito do Setor deCiecircncias Juriacutedicas Universidade Federaldo Paranaacute

Orientador Prof Dr Luiacutes Fernando LopesPereira

Co-orientador Prof Dr Ceacutesar AntonioSerbena

CURITIBA

2008

O caso Nietzsche

Proacutelogo 1

Quem foi Nietzsche Breviaacuterio de acusaccedilotildees 13

Ele foi um ldquoloucordquo14

Ele foi um ldquointelectual do nazismordquo20

Ele foi um ldquoanarquistardquo22

Ele foi o ldquohomem que matou Deusrdquo24

Ele foi um ldquomiacutesticordquo Um ldquoidealista romacircnticordquo 33Um ldquonostaacutelgicordquo a querer a volta ao mundo grego

Ele foi um defensor da ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo Um ldquointelectual daburguesiardquo da ldquodireitardquo 38

Ele foi um irracionalista Um vitalista Um filoacutesofo da literatura42

Ele foi um niilista Um poacutes-moderno46

Ele eacute mais um pensador eurocecircntrico51

Ele foi um imoral Um voluntarista59

Por que ler Nietzsche no Direito66

A Vontade que interroga o Poder69

Criacutetica da Modernidade ou o Direito como produto do esclarecimento75

O caso Nietzsche

A linguagem ou o Ocaso do Direito78

O Direito em crise ou o crepuacutesculo de suas verdades85

A Gaia Ciecircncia ou ldquoaurorardquo do direito90

Tornar-se o que se eacute no direitoOu como coloquei o Nietzsche em praacutetica105

Manancial rizomaacutetico ou os afluentes desse meu rizoma 135

Anexos

Desafio Titacircnico (aquilo que foi dito na defesa e o que se calou) 141

Ele eacute o Tuareg 179

1

Proacutelogo

Por que ler Nietzsche no Direito Eacute pela questatildeo que esse trabalho se

constitui a potecircncia da questatildeo e natildeo um tema o estudo do pensamento de um

autor como Nietzsche natildeo se faz por recortes metodoloacutegicos em sua obra como

os fieacuteis da razatildeo acadecircmica esses ldquomeacutedicos legistasrdquo costumam fazer Antes

de tudo trata-se de um diaacutelogo de subjetividade eacute o que se tentaraacute aqui Qual o

tema que vocecirc pesquisa O que no Direito a partir de Nietzsche Por que ir tatildeo

longe estudando Nietzsche Satildeo com essas e outras perguntas que este trabalho

pretende dialogar algumas foram feitas a mim por pessoas que souberam da

intenccedilatildeo desse estudo meu desejo de estudar Nietzsche e o Direito quando esse

estudo era apenas um projeto natildeo esboccedilado sem comeccedilo meio e fim totalmente

aberto Para empreender esse trabalho sabia na eacutepoca que natildeo poderia ter

projeto que precisaria estudar Nietzsche como aquele que segue agrave deriva

mergulhando num labirinto sem chegada o objetivo natildeo seraacute de responder agraves

indagaccedilotildees mas levar a outras questotildees trazendo algumas pistas

Nietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo deslizapara a situaccedilatildeo abstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamentoconcreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seu estilo eacute diretamentepoliacutetico por isso os aforismas as poesias o tom combativo as repulsase as predileccedilotildees Ele natildeo serve aos ldquosenhores brancosrdquo agrave Escola aoscostumes agraves disciplinas Nietzsche eacute todo poliacutetica eacute todo a questatildeo oua parte sensiacutevel e intelectual da questatildeo que racha o dispositivo desilecircncios e abstraccedilotildees das ldquofilosofiasrdquo e da ldquohistoacuteria da filosofiardquo doldquohomemrdquo e da ldquohumanidaderdquo Ele eacute ou nele se encontra aquela partegrave e animal do pensamento que o insere sem distacircncia ndash semdefesas e fugas ndash na concretude comovente da questatildeordquo Cf p 77 (CfESCOBAR sano p77) A ldquofactibilidaderdquo do Nietzsche e a potecircnciade seu pensamento enquanto questatildeo ldquoEacute preciso rachar a ldquoteia dearanhardquo da Razatildeo para restituir a plena combustatildeo da questatildeordquo CfESCOBAR idem)

Uma possiacutevel resposta de onde derivariam todas outras eacute a de Nietzsche

como um filoacutesofo que interroga o Poder compreendido como emaranhado de

poderes e criacutetico de um direito enquanto discurso instituiccedilatildeo lei contrato

ldquosujeitosrdquo e outras abstraccedilotildees o direito (com d minuacutesculo mesmo) eacute uma

2

invenccedilatildeo do homem e tem relaccedilatildeo estreita com o poder ou os poderes

Nietzsche eacute o filoacutesofo que pensaraacute o poder sem encerraacute-lo dentro de uma teoria

segundo Foucault1 A resposta eacute dada por um leitor confesso de Nietzsche e que

ao contraacuterio dele eacute relativamente lido e estudado no direito teraacute o filoacutesofo alematildeo

como caixa de ferramentas para constituir seus proacuteprios pensamentos Natildeo

apenas Foucault Derridaacute2 aluno deste tambeacutem seraacute leitor de Nietzsche

acompanham essa relaccedilatildeo autores como Heidegger3 Deleuze4 Albert Camus5 e

ateacute mesmo o autor mais na moda como Giorgio Agamben6 Nietzsche suscitaraacute

reflexotildees distintas como a heideggeriana e a francesa da contracultura7 e

apropriaccedilotildees na literatura e outros campos da arte eacute autor que se ldquoauto-define

como extemporacircneo que soacute seria lido e compreendido dois seacuteculos agrave frente vai

antecipar algumas reflexotildees dos pensadores da Escola de Frankfurt sobre o

1 Nietzsche eacute o filoacutesofo do poder que pensou o poder sem se encerrar numa teoria poliacutetica Ouacutenico sinal de reconhecimento que se pode ter para um pensamento como o de Nietzsche eacute fazecirc-lo ranger gritarNietzsche ofereceu como alvo essencial digamos ao discurso filosoacutefico arelaccedilatildeo de poderrdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Riode Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p 1432 Autor lido no Direito quando se trata de diaacutelogo com a Literatura destaca-se nesse trabalho assuas obras Forccedila de lei e Gramatologia

3 Um dos pensadores mais influentes do seacuteculo XX Martin Heidegger escreveu dois tomos sobre asua interpretaccedilatildeo de Nietzsche nesse trabalho tive acesso ao volume I com o entendimentocorroborado pelo tradutor brasileiro das obras Marco Antocircnio Casanova quando em palestra emCuritiba no ano de 2007

4 Notabilizou-se com a sua obra Nietzsche e a Filosofia trabalhou com Michel Foucault naMicrofiacutesica do Poder dialoga na entrevista ldquoos intelectuais e o poderrdquo Ainda publicou com FeacutelixGuattari a obra Mil Platocircs em que se utilizaraacute o primeiro volume que trata da ideacuteia de ldquorizomardquo

5 Autor que transitava entre literatura e a filosofia chegou a ganhar o precircmio Nobel de literaturacom a obra O estrangeiro seraacute aproveitada a sua anaacutelise sobre niilismo e Nietzsche em O homemrevoltado

6 No Direito tem sido bastante lido ultimamente principalmente a obra ldquoO estado de exceccedilatildeordquo

7 ldquoToma-se como mola de nossa cultura moderna a trindade Nietzsche Freud Marx Poucoimporta que todo mundo fique desarmado com isso Marx e Freud satildeo talvez a mola de nossacultura poreacutem Nietzsche eacute completamente diferente eacute a mola de uma contra-culturardquo CfDELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-10

3

capitalismo e a barbaacuterierdquo segundo Giacoacuteia8

Interrogando o Poder Nietzsche faraacute o diagnoacutestico com olhar cliacutenico de

psicoacutelogo das profundezas acerca do problema do niilismo que se daacute

propriamente na constataccedilatildeo da decadecircncia dos valores das instituiccedilotildees no que

se deve incluir o Direito a pretensatildeo de universalidade proacutepria da Modernidade

assim a sentenccedila sobre a ldquomorte de Deusrdquo significa tambeacutem a morte do projeto do

esclarecimento iluminista Cabe portanto retomar o estudo do pensamento de

Nietzsche natildeo apenas dos seus leitores mais ceacutelebres e contemporacircneos

Recuperemos Nietzsche Escrevia Antocircnio Cacircndido9 depois da segunda guerra

mundial para uma criacutetica do presente Eacute fundamental desfazer os equiacutevocos que

a interpretaccedilatildeo e malversaccedilatildeo do pensamento nietzscheano levou a ser teoacuterico do

nazifascismo a estigmatizaccedilatildeo do pensamento de Nietzsche considerado um

louco banido das academias tratado como herege devido as maacutes

compreensotildees de seu pensamento muitos jaacute escreveram para desmistificar os

equiacutevocos nessas leituras mas eles ainda permanecem talvez porque seja

conveniente que Nietzsche natildeo seja lido colocado como autor proibido ou maldito

Felizmente comigo a estrateacutegia surtiu efeito contraacuterio quando perguntei sobre

quem era Nietzsche ao meu Professor de Filosofia do ensino meacutedio ele natildeo me

recomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem o

lecirc a loucura tambeacutem certamente algo de misterioso reside em seu pensamento

natildeo me refiro agraves leituras miacutesticas de Nietzsche pela literatura como a de Nikos

Kazantzaacutekis10 formado em Direito pela Universidade de Atenas e que se dedicaraacute

a literatura publicando entre outras obras A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo

apresentando um Jesus ldquonietzscheanordquo proacuteximo ao Zaratustra quanto ao seu

8 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho9 Cf posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas TradRubens Rodrigues Torres Filho 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

10 Assim como Oswaldo Giacoacuteia Juacutenior formado em Direito pela USP e atualmente professor deFilosofia na UNICAMP Kazantzaacutekis teve sua passagem pelo direito tambeacutem e suas obras tecircmforte tonalidade nietzscheana aqui seraacute aproveitada ldquoA uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristordquo que foi produzidapara filme por Martin Scorsese em obra homocircnima e ldquoAsceserdquo

4

modo de vida e Ascese ldquoquando cabe ao homem salvar Deus o deus que eacute

labirinto de carnerdquo11 mas me refiro a potecircncia da criacutetica nietzscheana a qual

requer do leitor o constante ruminar a leitura cuidadosa do filoacutelogo de seus

aforismas que satildeo marcas de intensidade a energia que pulsa eacute vital vem do

corpo a recomendaccedilatildeo de Nietzsche eacute a de que ldquose deve escrever com sangue

porque sangue eacute espiacuteritordquo12 Nietzsche se coloca no texto usa a sua vida como

mateacuteria-prima do pensamento um pensamento nocircmade como aponta Deleuze13

Por isso a leitura de Nietzsche e um trabalho com o seu pensamento requer o

esforccedilo de levar a potecircncia para algum lugar isso eacute trabalho de subjetividade

trazecirc-lo para si se apropriar pensar com atraveacutes e aleacutem de Nietzsche

recomenda Gerard Lebrun14 organizador da ldquocoleccedilatildeo os pensadoresrdquo obras

incompletas de Nietzsche

Cabe tambeacutem pensar contra Nietzsche15 ele natildeo quer seguidores natildeo

quer ser um pastor prefere ser um bufatildeo16 algueacutem com muacuteltiplas faces E assim

durante o seacuteculo XX Nietzsche foi lido e interpretado de forma diversa Heidegger

11 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese salvatore dei Trad Ivo Barroso Rio de Janeiro Recordsano p 88

12 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 Do ler e escrever ldquoDe tudo o que se escreve apreciosomente o que algueacutem escreve com seu proacuteprio sangue Escreve com sangue e aprenderaacutes que osangue eacute espiacuteritordquo p 66

13 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-17

14 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

15 A referecircncia eacute de Roberto Machado ex-aluno de Foucault e Deleuze em sua obra Zaratustratrageacutedia nietzscheana Ainda traz as referecircncias do proacuteprio Nietzsche ldquoeacute preciso pocircr-se em guardacontra mimrdquo ldquosecirc um homem e natildeo me sigas sigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo CfMACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997p 77

16 Aponta o proacuteprio Nietzsche em seu Ecce homo ldquonada tenho de fundador de religiatildeo Natildeoquero ldquocrentesrdquo creio ser demasiado malicioso para crer em mim mesmo nunca me dirijo agravesmassasTenho um medo pavoroso de que um dia me declarem um santo perceberatildeo por quepublico este livro antes ele deve evitar que se cometam abusos comigoEu natildeo quero ser umsanto seria antes um bufatildeoTalvez eu seja um bufatildeordquo p 109 Cf NIETZSCHE FriedrichWilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo PauloCompanhia das Letras 1995

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pensa um Nietzsche os franceses outro em algum lugar eles se encontram que eacute

o proacuteprio Nietzsche um lugar que eacute tambeacutem um natildeo-lugar jaacute que natildeo legou um

sistema sua obra eacute inacabada e manteve-se plural muacuteltipla Dentre os inuacutemeros

temas o Direito eacute abordado ldquosutilmenterdquo por Nietzsche e a sua sutileza eacute a de

quem faz filosofia a golpes de martelo o martelo que serve para destruir e

construir o martelo que tambeacutem eacute usado como instrumento terapecircutico eacute uma

cliacutenica que vem antes do proacuteprio Freud e sua psicanaacutelise e um dos textos que

mais suscita a investigaccedilatildeo nietzscheana no Direito eacute a Genealogia da Moral o

qual segundo Giacoacuteia ldquoFreud ao abrir assustado logo o fecha com medo de que

os resultados cliacutenicos obtidos fossem influenciados pelo que Nietzsche havia

escritordquo17 Contudo o texto da Genealogia traz referecircncias sobre um direito

originado na diacutevida no sentido de culpa oriundo da obrigaccedilatildeo o que daria direito

ao credor de satisfazer o creacutedito empenhando inclusive uma pena corporal ao

devedor como satisfaccedilatildeo de um sentimento de vinganccedila ldquoarrancando um naco de

carnerdquo eacute a cena do Mercador de Veneza18 e eacute provaacutevel que Nietzsche tenha lido

e se influenciado por Shakespeare assim como leu tambeacutem Stendhal Tolstoi

Dostoievski sendo que este uacuteltimo natildeo foi encontrado em sua biblioteca particular

suspeita-se os bioacutegrafos e estudiosos do legado nietzscheano que algumas

obras capitais para Nietzsche e suas reflexotildees foram retiradas pela sua irmatilde a

qual desejava preservar uma certa originalidade do irmatildeo em relaccedilatildeo a algumas

temaacuteticas19

Eacute sabido que Nietzsche tambeacutem se incomodava da maacute compreensatildeo de

17 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

18 Refere-se ao 4ordm ato 1ordf Cena (cena do Tribunal) em que Shylock o judeu mercador exige acoleta civil de uma libra de carne de Antocircnio por contrato registrado em cartoacuterio devido aoinadimplemento da obrigaccedilatildeo Por traacutes dessa cobranccedila transparece o sentimento de vinganccediladaquele que viu sua filha perdida aos cristatildeos o que lhe custou a injuacuteria e o desprezo dasociedade local Cf Shylock e a vinganccedila ndash o princiacutepio de satisfaccedilatildeo no direito penal Trad JuarezTavares do original de Frauke Drews (Universitaumlt Frankfurt Main) p 1-12 Texto da Jornada deDireito e Psicanaacutelise ocorrida no Curso de Direito da UFPR no ano de 2007 sobre a obra ldquoOMercador de Venezardquo de Shakespeare19 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008

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seu pensamento na eacutepoca que ainda estava luacutecido seus livros natildeo vendiam e

volta e meia a criacutetica o atacava ou jaacute o apropriavam na direccedilatildeo nazifascista

movimento ainda incipiente em 1887 comentaraacute em cartas a sua preocupaccedilatildeo20 e

o seu Ecce homo sua autobiografia uacuteltimo livro antes do colapso de Turim para

que ldquoouccedilam o que ele eacute () iraacute escrever eu sou assim tal e tal e natildeo me

confundamrdquo21 Se corresponderaacute com Georg Brandes criacutetico literaacuterio judeu que

divulgaraacute a obra de Nietzsche na Europa do Norte dele teraacute imensa gratidatildeo22

Brandes foi pessoa bastante influente na intelectualidade da eacutepoca curiosamente

mantinha correspondecircncia e amizade com Ibsen que escreveu entre outras obras

O Inimigo do Povo nela o personagem Dr Stockmann vai dizer ldquoo mais solitaacuterio eacute

o mais forte dos homensrdquo ao que se sabe Nietzsche natildeo conhecia Ibsen e vice-

versa mas essa afirmaccedilatildeo eacute bastante nietzscheana23 Diante de tudo isso dos

20 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p 53

21 Cf Prevendo que dentro em pouco devo dirigir-me agrave humanidade com a mais seacuteria exigecircnciaque jamais lhe foi colocada parece-me indispensaacutevel dizer quem sou Na verdade jaacute se deveriasabecirc-lo pois natildeo deixei de ldquodar testemunhordquo de mimNessas circunstacircncias existe um devercontra o qual no fundo rebelam-se os meus haacutebitos e mais ainda o orgulho de meus instintos queeacute dizer Ouccedilam-me Pois eu sou tal e tal Sobretudo natildeo me confundamrdquo p 17 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

22 ldquoA tarefa de traccedilar uma imagem de mim seja do pensador seja do escritor e poeta parece-meextraordinariamente difiacutecil A primeira tentativa maior desta natureza foi feita no inverno passadopelo distinto dinamarquecircs dr Georg Brandes que lhe deve ser conhecido como historiador literaacuterioEle realizou sob o tiacutetulo de ldquoO filoacutesofo alematildeo Friedrich Nietzscherdquo um longo ciclo de palestrassobre mim na Universidade de Compenhague cujo ecircxito segundo me foi informado deve ter sidoimenso Ele fez uma audiecircncia de trezentas pessoas interessar-se vivamente pela audaacutecia deminhas colocaccedilotildees e como ele proacuteprio me diz tornou o meu nome popular em todo o Norterdquo p131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

23 Destaque para a carta do Conde Prozor para a irmatilde de Nietzsche Elisabeth Foerster-Nietzscheescrita a bordo do paquete ldquoPrinz Waldemarrdquo entre Lisboa e Rio de Janeiro Terminada emPetroacutepolis em 30 de outubro de 1904 que eacute publicada na ediccedilatildeo como prefaacutecio p 96 a 146 Eacutedocumento que comprova que Georg Brandes trocava cartas simultaneamente com Ibsen eNietzsche e que o Assim Falava Zaratustra de Nietzsche a primeira parte de 1883 eacute publicada nomesmo ano de O inimigo do Povo A despeito das semelhanccedilas a carta aponta que Nietzscheconhecia Ibsen superficialmente e tinha dele impressotildees equivocadas enquanto Ibsendesconheceria ateacute o nome de Nietzsche natildeo obstante Brandes o conhecer e admirar e segundo odocumento histoacuterico possuir uma ascendecircncia e influecircncia intelectual sobre a obra de Ibsen CfHENRIK IBSEN Um inimigo do povo Trad Vidal de Oliveira estudo criacutetico de Otto MariaCarpeaux Rio de Janeiro globo 1984

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preconceitos que sofreu do seu banimento que natildeo eacute causal ao contraacuterio eacute

proposital antes porque o proacuteprio Nietzsche abandona sua caacutetedra de filoacutelogo na

Basileacuteia e vai criticar o academicismo e dogmatismo e os pretensos intelectuais

que encontrou como ldquofilisteus da culturardquo e segundo porque Nietzsche foi

vinculado a tradiccedilatildeo totalitaacuteria fascista que repudiava propositalmente e terceiro

porque seu pensamento eacute muacuteltiplo natildeo eacute sistema e o trabalho de desmistificaccedilatildeo

requer que se alcance as alturas do seu pensamento eacute preciso de focirclego para

esse empreendimento Quem o leu encontrou nele ferramentas para a subversatildeo

da racionalidade moderna e iluminista ainda muito presente nas academias

assim considerado culpado sem direito ao contraditoacuterio e a ampla defesa

Nietzsche seraacute mandado ao cadafalso como autor maldito natildeo seraacute lido e

estudado no Direito logo ele um autor que interroga o Poder um questionador da

autoridade um genealogista

Evidentemente tratar Nietzsche como um autor da literatura eacute uma

estrateacutegia natildeo estudaacute-lo eacute outra eacute preferiacutevel o caminho mais curto a leitura dos

contemporacircneos que aprenderam com ele como Foucault e mais atualmente

Giorgio Agamben Este uacuteltimo um Professor de Esteacutetica que do lugar de fala

esteacutetico traz reflexotildees sobre poliacutetica sobre poder sobre o direito o Estado

Nietzsche foi um nocircmade que transitou por esses campos sem ficar neles Natildeo eacute

faacutecil ler Nietzsche diante da polifonia de sua linguagem mas tambeacutem natildeo eacute faacutecil

ler os manuais de Direito e as enfadonhas doutrinas jaacute repisadas inuacutemeras vezes

a desculpa pelo seu esquecimento no Direito que eacute espaccedilo de poder ou de

poderes talvez resida naquilo que ele mesmo considerou ldquomeu pensamento eacute

dinamiterdquo24 talvez para o Direito essa seja a confissatildeo que o inquisidor gostaria de

obter para condenar o reacuteu Afinal o Direito eacute o lugar da ordem da tradiccedilatildeo da

conservaccedilatildeo das coisas da harmonia da justiccedila Mas ldquoo que eacute a Justiccedila

Pergunta Nietzsche senatildeo eacute o lugar onde tudo pode ser pago A justiccedila assim

24 ldquoEu natildeo sou um homem sou dinamiterdquo p 107 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995

8

como todas as coisas boas acaba por suprimir a si mesmardquo25 E o curso de Direito

ldquoformardquo administradores da Justiccedila seja na aacuterea puacuteblica ou privada o operador

juriacutedico quando natildeo eacute um autocircmato da lei serve-se do Direito dos coacutedigos para

defender pretensotildees Realizar um trabalho com Nietzsche no Direito eacute fazer do

trabalho de conclusatildeo do curso de Direito um ldquoexerciacutecio de tirociacutenio juriacutedicordquo na

defesa do reacuteu do maldito do pensamento de Nietzsche o desafio que se propotildee

a quem estudou no reino da codificaccedilatildeo eacute a da defesa do decodificador por

excelecircncia eacute a tentativa de salvar uma causa perdida que foi dada por anos como

perdida afinal como defender o pensador que natildeo quer disciacutepulos que confessa

seu crime sem pudor ele quer destruir os iacutedolos e a justiccedila e o Direito se constroacutei

sobre iacutedolos Como ser advogado de Nietzsche Como ser advogado desse

louco Que se confessa louco26 jaacute que eacute tido pela sociedade assim a qual tem o

poder de condenar o juiz fala pela sociedade investido por ela da autoridade

puacuteblica para assujeitar ao estatuto da lei Nietzsche fala por paraacutebolas e pela boca

de seu personagem Zaratustra as pessoas natildeo entendem o que ele fala como

salvar Nietzsche de sua condenaccedilatildeo Como tiraacute-lo das sombras Eacute preciso

denunciar que esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo

fornecidos por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios27 o que natildeo permite nem

sequer alegar a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria

com base num atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores

querem impingir Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de

uma longa histoacuteria de estelionatos cometidos contra Nietzsche

25 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 62

26 Nietzsche certamente se sentiria lisonjeado vendo-se considerado louco ele que sublinhou opapel da loucura nas grandes revoluccedilotildees espirituais (em Aurora) e que se propunha iniciar a maiordelas p 134 Cf posfaacutecio de Paulo Ceacutesar de Souza In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Eccehomo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia dasLetras 1995

27 A propoacutesito escreve Carlos Henrique de Escobar organizador de Por que Nietzsche ldquose justificanatildeo apenas como mais um dos renascimentos filosoacuteficos deste pensador Mas na tentativa agoraradical (Deleuze Klossowski Lyotard Colli e Montinari) de assegurar a pureza e a forccedila de seupensamento De restituiacute-lo das ldquoleiturasrdquo apropriadoras que as filosofias mesmas que ele combateu(platonismos cristianismos hegelianismos direitismos de todos os tipos etc) tecircm sustentado arespeito da sua filosofia desde o ldquosurtordquo de Turim ateacute os nossos diasrdquo p 7

9

Eacute preciso advogar o seu pensamento sem fundamentalismo tiacutepico das

seitas dos grupos dos partidos fundamentalismo que cria iacutedolos e alccedilar

Nietzsche a condiccedilatildeo de iacutedolo seria uma contradiccedilatildeo performativa ao seu proacuteprio

compromisso filosoacutefico de destruiacute-los isso seria condenaacute-lo de antematildeo e o

reconhecimento da falecircncia do empreendimento da defesa antes de comeccedilar

Para aleacutem dos fundamentalismos cabe advogar o pensamento de Nietzsche

como exerciacutecio argumentativo de combate agraves pretensotildees sustentadas por aqueles

que baniram Nietzsche das academias seja voluntariamente ou

involuntariamente ao privilegiar o pensamento sistemaacutetico metafiacutesico dialeacutetico (e

jaacute me disseram que a dialeacutetica resolveu todos os problemas da histoacuteria da

filosofia) e o proacuteprio estatuto de filoacutesofo eacute questionado sobre Nietzsche talvez ele

mesmo natildeo seja um filoacutesofo como informa Deleuze28 Eacute preciso apanhar a forccedila e

a intensidade de Nietzsche para inverter os argumentos de acusado passar para

acusador inverter os papeacuteis se Nietzsche foi condenado e banido do Direito como

pensador do Poder cabe restituir o seu lugar ou abrir forccedilosamente um lugar

mesmo que isso custe o reconhecimento das fraturas e as (in)suficiecircncias do

discurso juriacutedico Para o empreendimento de defesa de Nietzsche seratildeo

convocados testemunhas de defesa os seus leitores os seus comentadores

claacutessicos e mais atuais mesmo que com testemunhos oferecidos em diferentes

situaccedilotildees (lugares e compreensotildees) trata-se fazecirc-los convergir como

instrumentos de prova desse Nietzsche como filoacutesofo do Poder e estudioso do

Direito

O desafio natildeo eacute simples e ainda natildeo sou advogado sou bacharel mas

que seja uma tentativa que seja esse trabalho apenas um grito Pela liberdade

Daquele que estaacute no cadafalso dos autores malditos daquele que eacute deixado para

traacutes como sombra e poeira ou pior daquele que eacute lido indiretamente que soacute se

ouve falar pela boca dos outros e que tem seu legado expropriado para servir

28 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

10

como discurso ineacutedito e a gloacuteria alheia29 Natildeo se trata de devolver meacuterito ao

Nietzsche mas de um exerciacutecio de petulacircncia e inconformismo ao modo como as

coisas foram ditas ateacute entatildeo sobre ele e contra ele e ainda uma denuacutencia sobre o

que se calou

Enfim romper o silecircncio o que requer arriscar a proacutepria cabeccedila natildeo soacute

pela escolha de uma pergunta e natildeo de um tema para a monografia de conclusatildeo

de curso de Direito natildeo soacute pela recusa do recorte metodoloacutegico positivista e

tambeacutem pela escolha de um autor como Nietzsche e natildeo os velhos cacircnones

juriacutedicos vocecirc iraacute fazer uma tese de doutorado Natildeo farei meu exerciacutecio de

ldquotirociacutenio juriacutedico me arranjando nos meios limites como conseguir mesmo que

seja soacute um grito natildeo uma tese natildeo uma conclusatildeo Trabalhar como advogado de

Nietzsche exige se colocar a deriva dialogando com a sua proacutepria subjetividade

ldquofiacutesica da paixatildeordquo testando na sua proacutepria carne vivendo a experiecircncia de si

ousar o nomadismo a viagem dentro e fora que eacute intertransdisciplinar afinal

argumentos onde os achar

Nietzsche eacute um dos ldquobens quase universaisrdquo do traacutegico e sua constantepulsaccedilatildeo para aleacutem das ordens das disciplinas e dos sentidosSuaforccedila eacute manter-se veneno e resistir agraves perlaboraccedilotildees (muacuteltiplas eeficazes) da produccedilatildeo e reproduccedilatildeo Nietzsche eacute sempre agora eoacuterfatildeoTudo isso enfim que me impede de ler Nietzscheldquometodologicamenterdquo como jaacute disse como se coubesse situa-lo naseacuterie diferenccedilas multiplicidades perspectivismos afirmaccedilotildeesNatildeocertamente Nietzsche natildeo faz parte da ldquofilosofiardquo ndash ele pertence aosmateriais do pensamento ndash e eacute preciso hoje que aqueles que seaproximam de Nietzsche o saibam E pensamento aqui materiais dopensamento como uma fiacutesica da paixatildeo (o que vai por nossa conta)Cf ESCOBAR sano p 75-76)

Eacute preciso ir fora mesmo permanecendo dentro30 eacute preciso confundir os

censores fazer passar por monografia uma defesa ou fazer da defesa a proacutepria

29 Significa que talvez aquilo que o direito apanha de Foucault dos pensadores da Escola deFrankfurt como Benjamin e agora de Agamben natildeo seja original deles mas de Nietzsche e estenatildeo eacute lido de forma alguma

30 O nocircmade natildeo eacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetio viagens emintensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeo os que se movem agrave maneira dosmigrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeo se movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar nomesmo lugar escapando aos coacutedigos Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 17

11

monografia um trabalho subterracircneo para defender esse psicoacutelogo das

profundezas Quiccedilaacute todo esse esforccedilo seja apenas a minha justificativa de Por

que ler Nietzsche no Direito

Para comeccedilar a articular uma defesa de Nietzsche no Direito como

estudioso das relaccedilotildees de poder algueacutem que as interroga que levanta a potecircncia

da questatildeo eacute importante primeiro demonstrar o que se trata o anuacutencio da ldquomorte

de Deusrdquo contra aqueles que o acusam de ateiacutesmo de ser herege eacute importante

demonstrar que essa eacute a maior demonstraccedilatildeo de feacute possiacutevel porque Nietzsche

critica os aspectos ciacutenicos da Igreja jaacute que sua criacutetica eacute um ataque agraves instituiccedilotildees

e ao Poder que elas sustentam mas a sua criacutetica natildeo eacute apenas negativa ela

tambeacutem positiva Nietzsche quer que dos escombros surja alguma coisa A ldquomorte

de Deusrdquo eacute a morte do ldquoesclarecimentordquo do projeto da Modernidade suas

promessas seus universalismos Eacute preciso apontar a ousadia de sua criacutetica

quando a Europa vivia o comeccedilo dos nacionalismos a crenccedila no projeto kantiano

e hegeliano de filosofia o que inclui os movimentos poliacuteticos de entatildeo o

marxismo o anarquismo etc demonstrar nessa primeira etapa o Nietzsche criacutetico

da Modernidade se faz para apontar a sua forccedila poliacutetica daquele que recusa os

engajamentos partidaacuterios para um outro tipo Ao resgatar a criacutetica nietzscheana

da Modernidade mesmo que se amparando na voz de suas testemunhas seus

leitores claacutessicos o que se faz eacute lembrar ao Direito a virulecircncia de seus ataques

que satildeo ao Poder representado tambeacutem pelo Direito e suas mitologias os ideais

sagrados que lhe fornecem legitimidade

Eacute o momento estrateacutegico para desmistificar as leituras apoliacuteticas de seu

pensamento tambeacutem Falar da ldquomorte de Deusrdquo eacute tocar o problema do niilismo os

outros grandes temas nietzscheanos satildeo a vontade de poder a genealogia o

eterno retorno e a transvaloraccedilatildeo dos valores31 todos eles exigiriam um trabalho

soacute para eles ainda mais numa loacutegica do ldquorecorterdquo acadecircmico desde logo esse

trabalho natildeo eacute um recorte natildeo irei esquartejar ou ldquodespostejarrdquo aquele que estou

a defender ldquoNietzscherdquo

31 A ldquotransvaloraccedilatildeo dos valoresrdquo eacute traduzida ainda como ldquotransmutaccedilatildeordquo ou na traduccedilatildeo de PauloCeacutesar de Souza como ldquotresvaloraccedilatildeordquo

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Trata-se de defendecirc-lo sem ldquorecortesrdquo ateacute porque nessas condiccedilotildees

qualquer recorte seria arbitraacuterio e criminoso isso exige que o empreendimento

deste trabalho se decirc como passagem pelos temas nietzscheanos natildeo para ficar

neles mas para atravessaacute-los esse eacute o movimento de leitura de Nietzsche que se

daacute em movimento de signos eacute o texto que anda nocircmade para iniciar a segunda

etapa da estrateacutegia deste trabalho que eacute a criacutetica da linguagem do Direito como

criacutetica ao Poder por traacutes dos conceitos se esconde uma moral A qual conduz o

direito a seu ocaso ao crepuacutesculo de suas verdades32 e o jogo consiste em

quantas dinamites satildeo necessaacuterias para explodir o fundamento de onde surgem

os valores na busca de uma possiacutevel aurora ao direito O que interessa eacute fazer a

apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem33 enquanto jogo de intensidades que

corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe outro sentido uma hermenecircutica do

fragmento para colar se deve usar a tinta pessoal seria o sangue o proacuteprio Ou

para natildeo assustar os jurados que se use a metaacutefora daquele que trabalha um

mosaico cortando e recortando revistas jornais e com o uso de cola pincel e

tinta vai sujar os proacuteprios dedos na atividade e que assim seja pois se implica no

que faz haacute um comprometimento eacutetico no sentido niezstcheano com a

bricolagem como empreendimento de uma vontade de poder que agenciou-se

das peccedilas eacute como uma fabriqueta de bombas que se deve compreender essa

bricolagem que fornece recursos criativos para novas explosotildees com um tipo de

dinamite que natildeo se perde ao estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser banido e

nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que ldquoseu

pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente nos

aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito certamente

32 Eacute uma alusatildeo agrave obra ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo de Nietzsche e tambeacutem a sua criacutetica a ldquovontadede verdaderdquo tiacutepica da racionalidade moderna

33 A bricolagem eacute enunciada por Levi-Strauss no seu Pensamento Selvagem acerca do trabalhodo mitopoeacutetico em que tudo pode sempre servir A sua presenccedila no trabalho um estruturalistaquer significar a ruptura com a leitura metodoloacutegica de Nietzsche que o compreende dentro deuma corrente ou ldquotimerdquo natildeo se trata de reforccedilar a imagem de Nietzsche poacutes-moderno poacutes-estruturalista mas de utilizar-se das mais variadas saiacutedas argumentativas para defenderNietzsche para aleacutem de bem e mal para aleacutem dos ldquotimesrdquo

13

natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquo34 aponta

Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos o acusam e

o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lo mesmo ao

custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deve ser

problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso que natildeo

iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre35 iraacute rir do carrasco que lecirc as

acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria a

condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute ainda

motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacute

ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho a loacutegica natildeo seraacute a do que foi citado muita

coisa se deixou de citar mas natildeo deixaram de influenciar a escrita deste trabalho

por isso seratildeo referenciadas tambeacutem jaacute que o ldquorizomardquo eacute algo que se ramifica

para fora da ldquomoldurardquo Este trabalho precisa ser superado tambeacutem entatildeo

conteraacute referecircncias que fornece caminhos para ir aleacutem A constituiccedilatildeo dele eacute por

platocircs os quais podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico

Quem foi Nietzsche Breviaacuterio de acusaccedilotildees

Nietzsche ldquoo loucordquo ldquoo nazistardquo ldquoo anarquistardquo ldquoo apoliacuteticordquo ldquoo heregerdquo ldquoo

idealista romacircnticordquo ldquoo filoacutesofo da literaturardquo ldquoo metafiacutesicordquo ldquoo intelectual da

burguesiardquo ldquoo irracionalistardquo entre outras acusaccedilotildees talvez poucos tenham

34 ldquoOs que lecircem Nietzsche sem rir e sem rir muito sem rir frequentemente e agraves vezes com um risolouco eacute como se natildeo lessem Nietzscherdquo p 15 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

35 Ambos iratildeo se converter ao cristianismo no final da vida O que eacute bastante curioso no caso deSartre que se notabilizou como um dos expoentes do existencialismo ateu

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recebido tantas e tatildeo diacutespares acusaccedilotildees como Nietzsche o que torna urgente a

tarefa de uma leitura cuidadosa de seus escritos a do bom filoacutelogo que deve

prestar atenccedilatildeo nos sentidos muacuteltiplos das palavras dos neologismos e da

paroacutedia o primeiro desafio eacute o da linguagem para isso eacute preciso ldquoruminarrdquo o

proacuteprio Nietzsche nos fala36 Tantas e tatildeo distantes acusaccedilotildees quiccedilaacute resultado da

audaacutecia desse pensador que ousou derrubar iacutedolos mobilizando a criacutetica para

diferentes acircngulos certamente muitos foram os que se sentiram atingidos pelo

seu perspectivismo a reaccedilatildeo eacute cada um a seu modo dar uma satisfaccedilatildeo aos

seus pares acusando Nietzsche de alguma coisa sempre a convir com sua opccedilatildeo

ideoloacutegica e teoacuterica a fim de defender a sua posiccedilatildeo melhor o seu dogma37 a sua

confraria assim involuntariamente contribuiacuteram para criar a figura de Nietzsche

como um ldquoinimigordquo a ser exorcizado e banido de algum modo mesmo ao custo de

uma apropriaccedilatildeo tentando apanhaacute-lo de algum modo enjaulaacute-lo condenaacute-lo ao

ostracismo acadecircmico Enfim tantas acusaccedilotildees e condenaccedilotildees ao inveacutes de

conseguirem seu intento destruir o pensamento Nietzsche enredando-o nas

malhas de seus julgamentos acabou por fortalececirc-lo mas como O

transformaram no ldquoinimigordquo de quase todas as confrarias Seraacute que ele estava

certo ao dizer que aquilo que natildeo o matava o fortalecia De qualquer modo natildeo

comecemos o estudo do Caso Nietzsche sem antes fazer um breviaacuterio de suas

acusaccedilotildees passemos pelas imputaccedilotildees e responsabilizaccedilotildees que seu

pensamento recebeu E assim voltar agrave pergunta Quem foi Nietzsche

Ele foi um ldquoloucordquo

Em janeiro de 1889 aos 44 anos de idade o pensador que escrevia por

aforismas abraccedila um cavalo que estava sendo chicoteado pelo seu dono a cidade

36 ldquoEacute certo que praticar desse modo a leitura como arte faz-se preciso algo que precisamente emnossos dias estaacute bem esquecido ndash e que exigiraacute tempo ateacute que minhas obras sejam ldquolegiacuteveisrdquo - para o qual eacute imprescindiacutevel ser quase uma vaca e natildeo um ldquohomem modernordquo o ruminarrdquo p 14-15 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998

37 Vale nota para a pretensatildeo de criar conceitos ontoloacutegicos tiacutepica da racionalidade moderna Eainda sobre as acusaccedilotildees serve a loacutegica freudiana de que se impotildee algo ao outro para excluiacute-lona tentativa de ignorar aquilo que natildeo quer ver em si proacuteprio

15

era Turim na Itaacutelia Nietzsche voltando a sua hospedagem desanda a escrever

cartas para as poucas pessoas que conheciam e lhe davam atenccedilatildeo seus livros

natildeo vendiam vivia aqui e ali de favores e de uma pequena quantia que recebia de

sua aposentadoria da caacutetedra de filologia na Basileacuteia a qual abandonou por

problemas de sauacutede principalmente de visatildeo dores de cabeccedila que sempre o

acompanharam desde a juventude Em suas cartas assina com nomes diferentes

assumindo muacuteltiplas identidades Os que recebem os bilhetes se assustam e

quando chega algueacutem onde ele estaacute encontra um Nietzsche mergulhado no

silecircncio emitindo sons inaudiacuteveis Levado a uma cliacutenica para tratamento eacute

internado deixado em quarto fechado os depoimentos satildeo os de que Nietzsche a

noite uivava como um lobo38 o diagnoacutestico meacutedico da eacutepoca eacute a de que o seu

estado eacute degenerativo eacute a ldquoloucurardquo Em casa cuidado a princiacutepio por sua matildee

enquanto permanecia imoacutevel sentado olhando o horizonte infinito agraves vezes

gritava para silenciar novamente como as vagas do mar ningueacutem nunca mais

soube o que se passava com ele o que pensava o que queria era um homem

abandonado aos cuidados dos outros deixado numa cama vai servir de espeacutecime

para a exibiccedilatildeo dos curiosos39 muitos queriam saber quem era o ldquoloucordquo

Nietzsche E quem cobrava o ingresso desses visitantes era a proacutepria irmatilde dele a

Sra Elisabeth quem ldquocuidaraacuterdquo do espoacutelio intelectual do irmatildeo e vai administrar de

um modo muito peculiar ela era alinhada que com os ideais anti-semitas e

simpatizante do nazismo

Muito provaacutevel mas natildeo certo eacute a hipoacutetese de que Nietzsche tenha

contraiacutedo siacutefilis na juventude numa saiacuteda pelos bordeacuteis da antiga Pruacutessia40

quando cumpriu serviccedilo militar obrigatoacuterio e que o seu colapso tenha sido a

38 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

39 ldquoNa Villa Silberblick em Weimar onde desde 1897 ficava o Arquivo Nietzsche a irmatilde mandarainstalar um estrado onde se apresentava ao puacuteblico como maacutertir do espiacuterito um Nietzsche absortoem si mesmo A irmatilde era suficientemente wagneriana para conseguir extrair efeitos sublimes earrepiantes do destino do irmatildeo p 291-292 Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia deuma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 200540 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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manifestaccedilatildeo avanccedilada da doenccedila a qual jaacute vinha afetando o seu organismo

provocando algumas interrupccedilotildees na sua produccedilatildeo intelectual como atestam

algumas de suas cartas Se a sua obra estaacute contaminada pela ldquoloucurardquo ou que

ele a tenha produzido ela sob o efeito de narcoacuteticos alguns o acusam de usar

haxixe para aplacar as dores terriacuteveis de cabeccedila ao passo que outros afirmam

que Nietzsche sequer bebia aacutelcool e ainda natildeo recomendava que se bebesse

cafeacute para natildeo obscurecer o espiacuterito (isso o proacuteprio Nietzsche fala no Ecce

homo41) os bioacutegrafos e comentadores de Nietzsche natildeo chegam nunca ao

consenso mas ao que se sabe Nietzsche apaixonou-se por uma jovem russa de

20 anos chamada Lou Salomeacute a mesma que mais tarde iraacute se envolver com o

poeta Rainer Maria Rilke e tambeacutem se corresponderaacute com Freud Ela mesma iraacute

escrever um livro sobre o Nietzsche que conheceu Todavia Lou transformou-se

numa grande decepccedilatildeo para Nietzsche que ao pedi-la duas vezes em casamento

e recebendo a recusa tentou na uacuteltima o suiciacutedio com a ingestatildeo de remeacutedios

ficou muito mal mas natildeo morreu ao que parece o que natildeo lhe matava o

fortalecia42 Tomado de um ecircxtase criativo em 10 dias Nietzsche iraacute escrever a

primeira parte de o Assim falou Zaratustra E natildeo iraacute parar mais de escrever a sua

uacuteltima obra vai ser a sua confissatildeo autobiograacutefica Ecce homo ou como se tornar

aquilo que se eacute E o colapso deixaraacute a reticecircncia como o final de sua escrita em

nomes muacuteltiplos imagens diacutespares tantas como as acusaccedilotildees que receberaacute Se

Nietzsche vivia em estado depressivo e de ldquobipolaridaderdquo com alteraccedilotildees de

humor como vai descrever Lou em seu livro o que suscitaraacute as interpretaccedilotildees

daqueles que vatildeo apontar que se Nietzsche tivesse conhecido Freud este o teria

curado isso jaacute rendeu um best-seller43 mas tatildeo estreita eacute essa visatildeo ou mais essa

imputaccedilatildeo ao Nietzsche como ldquodoenterdquo que vai expor Foucault que Freud teria

41 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

42 Cf HALEacuteVY ibidem

43 Trata-se do livro ldquoquando nietzsche chorourdquo de Irvin Yarlon que jaacute rendeu um filme homocircnimo Eacutepreciso criticar essa obra como uma ficccedilatildeo que confunde aqueles que natildeo conhecem os textos deNietzsche e sua biografia aleacutem de explorar o contato de Nietzsche com Freud e a psicanaacutelise quenunca houve tambeacutem aponta para um Nietzsche amargurado e ressentido o que depotildeeprofundamente contra a sua filosofia da afirmaccedilatildeo da vida

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rechaccedilado essa hipoacutetese curar Nietzsche de que Esse eacute um assunto que

alimenta outras polecircmicas sobre o silecircncio que Freud guardou de Nietzsche natildeo

o mencionando nem sequer em cartas enquanto eacute sabido que conhecia o

pensamento dele e mais ainda a mulher que o levou ao desespero44 Segundo

Paulo Ceacutesar de Souza45

Em 1908 numa das reuniotildees semanas da pequena SociedadePsicanaliacutetica de Viena na casa do dr Sigmund Freud o tema propostopara discussatildeo foi Ecce homo Durante a reuniatildeo ndash que tratou sobretudodo ldquocasordquo Nietzsche natildeo de suas ideacuteias ndash Freud fez trecircs observaccedilotildees deinteresse Disse que o livro natildeo podia ser desconsiderado como produtode insacircnia porque nele se preservava o domiacutenio da forma Disse queningueacutem havia antes alcanccedilado e dificilmente algueacutem tornaria aalcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo alcanccedilado por Nietzsche devido agravesemelhanccedila entre as percepccedilotildees do filoacutesofo e as investigaccedilotildees dapsicanaacutelise (evitava-o para preservar a independecircncia de espiacuterito) edevido agrave riqueza de ideacuteias daquelas obras que o impedia de ler maisque metade de uma paacutegina ()

Curiosamente Nietzsche no Aleacutem de Bem e Mal no aforisma 23 iraacute

proclamar a psicologia como rainha das ciecircncias e se dizer um psicoacutelogo das

profundezas (talvez influenciado pela obra de Dostoieacutevski memoacuterias do subsolo)

Eacute preciso descer ateacute o inconsciente Freud sabia que Nietzschetrabalhara aplicadamente nisso antes dele Em sua autobiografia eleescreve que por muito tempo evitara os textos de Nietzsche porquemuitas vezes as ideacuteias e intuiccedilotildees deste () coincidiamespantosamente com os laboriosos resultados da psicanaacutelise Porquequeria alcanccedilar reputaccedilatildeo cientiacutefica ateacute entre as ciecircncias naturais apsicanaacutelise reprimiu ser cerne esteacutetico-nietzschiano Isso significava natildeo

44 Ramnoux pergunta a Foucault ldquoA partir de 1910 Freud encetou relaccedilotildees com Lou Salomeacute semduacutevida fez um ensaio ou uma anaacutelise didaacutetica de Lou Salomeacute Portanto devia existir atraveacutes deLou Salomeacute uma espeacutecie de relaccedilatildeo meacutedica entre Freud e Nietzsche Poreacutem Freud natildeo podiafalar dela O que acontece de fato eacute que tudo o que Lou Salomeacute publicou depois no fundo fazparte de sua anaacutelise interminaacutevel Haveria que entendecirc-lo nesta perspectiva Prosseguindoencontramos no livro de Freud Moiseacutes e o Monoteiacutesmo onde haacute uma espeacutecie de diaacutelogo entreFreud e o Nietzsche da Genealogia da Moral Como pode observar exponho vaacuterios problemassabe vocecirc algo mais Responde Foucault ldquoNatildeo rigorosamente natildeo sei mais nada Com efeitosurpreendeu-me o estranho silecircncio agrave parte uma ou duas frases de Freud sobre Nietzscheinclusive na sua correspondecircncia Isto eacute algo de verdadeiramente enigmaacutetico A explicaccedilatildeo pelaanaacutelise de Lou Salomeacute eacute de fato de que natildeo poderia dizer maisrdquo Cf p 39-40 Debate doColoacutequio do Royaumont In FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud eMarx Paris 197545 Posfaacutecio de Ecce homo p 133 In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutemse torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

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se queria admitir que nessas teorias sobre a alma havia em jogo maisinventar do que encontrar O proacuteprio Nietzsche jamais duvidara dissopara ele a vontade de saber - natildeo soacute na investigaccedilatildeo da alma - ligava-sesempre agrave forccedila imaginativa A comunidade psicanaliacutetica estimulada porNietzsche no comeccedilo manteve distacircncia dele para sua proacutepria grandedesvantagem Nietzsche tinha a intuiccedilatildeo e sobretudo a linguagem para oaltamente diferenciado processo pulsional na fronteira do inconscienteCf SAFRANSKI 2005 p 295-296)

O expediente da ldquofisio-psicologiardquo nietzscheana em sua estrateacutegia

genealoacutegica eacute o de colocar em duacutevida o valor dos valores ou o proacuteprio

fundamento dos valores cabe assim das imputaccedilotildees ldquoo loucordquo ldquoo doenterdquo ldquoo

toxicocircmanordquo fazer a pergunta sobre a origem desses conceitos e a de quem

acusa Devolver a imputaccedilatildeo como questatildeo aos acusadores A ldquoloucurardquo eacute mais

um conceito inventado como os demais para apanhar a subjetividade no controle

incitando uma possiacutevel cura sinalizando a ldquonormalidaderdquo como regra diria

Foucault46 Julgar a sanidade na produccedilatildeo filosoacutefica de um autor eacute para natildeo

cometer injusticcedila a tarefa de submeter toda a histoacuteria da filosofia ao mesmo

exame cliacutenico da ldquonormalidaderdquo daqueles que julgam aiacute quem satildeo os ldquoloucosrdquo e

os ldquoluacutecidosrdquo quem deteacutem a luz para julgar Talvez seja preciso desconfiar dos

acusadores antes de fazer o estudo das imputaccedilotildees que dirigem a Nietzsche

Incluindo os responsaacuteveis pelas acusaccedilotildees mais rasteiras como a do Nietzsche

zooacutefilo pois teria um amor excessivo pelos animais o que o motivou a agarrar-

se ao cavalo em Turim assim tentam buscar respostas alguns acusadores mais

inescrupulosos Quiccedilaacute eles busquem em Nietzsche uma justificativa ilustre para a

sua proacutepria zoofilia ou agem com a maacute-feacute dos estelionataacuterios Nietzsche natildeo

era defensor dos animais como se sabe que Schopenhauer o foi mas comparava

o homem a um animal47

Nesse sentido eacute possiacutevel ler o episoacutedio de Turim48 como o momento em

46 Segundo Roberto Machado no seu prefaacutecio ldquopor uma genealogia do poderrdquo ldquoeacute o hospiacutecio queproduz o louco como doente mental para Foucault personagem individualizadordquo Cf p 19 InFOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 197947 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 p 1948 A 3 de janeiro de 1889 Nietzsche sai de casa Na Piazza Carlo Alberto observa um cocheirobater em seu cavalo Nietzsche se joga no pescoccedilo do animal chorando para o proteger p 289

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que um animal chicoteava outro sendo este o cavalo que carrega nas costas o

ocircnus do trabalho que soacute daacute lucro para o ldquoanimal chicoteadorrdquo que age no miacutenimo

com bastante ingratidatildeo (em Assim Falava Zaratustra Nietzsche fala das trecircs

transmutaccedilotildees de que para superar o homem proacuteximo ao animal eacute preciso que

saiba antes ser um carregador o exemplo dado eacute o do camelo que carrega o

peso dos valores estabelecidos somente aprendendo e conhecendo o ofiacutecio do

carregador pode o homem atravessar a ponte que o separa do aleacutem-do-

homem49) O cavalo por ser um carregador aleacutem de suportar sua condiccedilatildeo de

animal ferramenta de transporte ainda carrega os outros mesmo o chicoteador

que se julga muito superior a ele e que sendo o seu dono leva todo o lucro do seu

ofiacutecio de carregador devolvendo o chicote como pagamento Nietzsche ao

caminhar pelas ruas de Turim vecirc a cena e se potildee na frente do chicoteador que se

vecirc obrigado a interromper o castigo ao animal Natildeo se trata de piedade ou de

amor excessivo zooacutefilo como querem acreditar os compassivos e os verdadeiros

zooacutefilos que acusam querendo trazer o filoacutesofo para o seu time entrar na

frente do supliciador de matildeos nuas foi um ato de coragem e o modo encontrado

para tomar parte naquela luta em que um animal chicoteava o outro de modo

bastante covarde sendo o outro mais forte e mais pesado soacute podia estar

amarrado e preso pois apanhava sem poder fugir Nietzsche interveacutem natildeo para

impedir nada compassivamente mas para lutar ao lado de um nobre

carregador contra o animal chicoteador natildeo eacute defesa de animais que se fala

mas de lutar ao lado de um companheiro (Zaratustra tinha apenas dois

companheiros que lhe seguiam natildeo sendo seus disciacutepulos era a aacuteguia e a

serpente50) eacute assim que Nietzsche luta pondo-se a frente com o que tem no

momento o proacuteprio corpo correndo o risco de apanhar tambeacutem e de perecer

como seu companheiro animal carregador O colapso de Turim eacute como

Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo PauloGeraccedilatildeo Editorial 200549 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p 51-53

50 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

20

descrevem esse Nietzsche que se agarra ao cavalo como um ato de insanidade

assim julgam esses supostos meacutedicos acusadores ou seriam benzedores da

verdade afinal nem sequer analisaram Nietzsche mas fornecem diagnoacutestico sem

sequer ter tocado no paciente satildeo assim benzedores e curandeiros pois

ministram a medicina da verdade sem os criteacuterios meacutedicos e portanto

deveriam ser denunciados por charlatanismo Jaacute que sem a possibilidade do

exame cliacutenico do paciente para se falar de Nietzsche e levantar hipoacuteteses sobre

ele antes deveriam os acusadores travestidos de meacutedicos ao menos ter lido o

que ele escreveu

Esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo fornecidos

por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios o que natildeo permite nem sequer alegar

a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria com base num

atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores querem impingir

Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de uma longa histoacuteria

de estelionatos cometidos contra Nietzsche

Ele foi um intelectual do nazismo

Mais adequado seja dizer que Nietzsche foi apropriado pelo nazismo

trazido para as malhas vestiram nele a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees

ideoloacutegicas e quem fez esse favor ao movimento nacional-socialista foi a proacutepria

irmatilde de Nietzsche a Sra Elisabeth Pouco antes de voltar a Europa e encontrar o

irmatildeo ldquodoenterdquo teria empreendido viagem com o cunhado de Nietzsche para o

Paraguai com o fim de fundar uma colocircnia chamada Nova Germacircnia a qual teria

por objetivo propagar o ideaacuterio do movimento nacional-socialista e tambeacutem o anti-

semitismo contudo o empreendimento natildeo daacute certo o cunhado de Nietzsche iraacute

se suicidar e Elisabeth viuacuteva voltaraacute para ldquocuidarrdquo de Nietzsche51 Ao que se sabe

por cartas eacute que Nietzsche jaacute se incomodava com as maacutes compreensotildees que

faziam do seu pensamento irritava que natildeo o entendessem ou melhor que natildeo o

soubessem ler o que vai motivaacute-lo a escrever no Ecce homo ldquoouccedilam ouccedilam-me

51 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

21

eu sou tal e tal e portanto natildeo me confundamrdquo numa eacutepoca que seus livros natildeo

vendiam chegou a financiar do proacuteprio bolso com seus parcos recursos a

publicaccedilatildeo de um dos livros de seu Zaratustra um intelectual judeu de projeccedilatildeo na

criacutetica literaacuteria o estenderaacute a matildeo eacute Georg Brandes Nietzsche iraacute nutrir profunda

gratidatildeo a esse judeu52 o qual iraacute ajudar na divulgaccedilatildeo do pensamento dele pela

Europa do Norte principalmente

Tambeacutem o anti-semitismo procurou apoio em Nietzsche Sobre esseproblema jaacute se disse quase tudo Eacute inegaacutevel que Nietzsche foi anti-anti-semita porque para ele o anti-semitismo representava figuras odiadascomo seu cunhado Bernhard Foumlster e sua proacutepria irmatilde Ele desprezavaos componentes populares e nacionais alematildees Via no movimento anti-semita dos anos oitenta a rebeliatildeo dos mediacuteocres que injustificadamentebancavam os senhores apenas por se sentirem arianos Diante dessesanti-semitas Nietzsche estava disposto ateacute mesmo a afirmar o valorracial alto dos judeus e defendecirc-lo (Cf SAFRANSKI 2005 p 309)

Tambeacutem assim todos os fragmentos e cartas em que Nietzsche atacava

as pretensotildees anti-semitas e o ideaacuterio da ldquoraccedila arianardquo defendidos pelo nacional-

socialismo seratildeo suprimidos pela Sra Elisabeth que ainda publicaraacute uma obra

que Nietzsche nunca escreveu chamada Vontade de Potecircncia a qual se

constituiraacute de um arranjo arbitraacuterio de fragmentos53 de Nietzsche e ainda outras

partes reescritas por ela com colaboradores seus pares do movimento o que

52 Nietzsche exprime sua gratidatildeo a Georg Brandes de uma maneira bastante reveladora em umacarta em que escreve ldquoTudo o que ainda deveremos a esses senhores judeusrdquo O elogio ao judeuBrandes constituindo de maneira impliacutecita um ataque contra o anti-semitismo em plena ascensatildeono Reichrdquo Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de JaneiroRelume Dumaraacute 1994 p 20

53 Vale nota para o que afirma Deleuze a propoacutesito das falsificaccedilotildees do texto de Nietzsche O queaprendemos antes de tudo neste coloacutequio eacute quanto havia em Nietzsche de coisas escondidasdisfarccediladas Por vaacuterias razotildees Em primeiro lugar por razotildees de ediccedilatildeo Natildeo tanto por haverfalsificaccedilotildees a irmatilde foi o parente abusivo que figura no cortejo dos pensadores malditos poreacutemseus principais danos natildeo constituem a falsificaccedilatildeo dos textos As ediccedilotildees existentes sofrem deleituras mal feitas ou deslocamentos e sobretudo de cortes arbitraacuterios operados na massa denotas poacutestumas A ldquoVontade de potecircnciardquo eacute um exemplo ceacutelebre Pode-se dizer tambeacutem quenenhuma ediccedilatildeo existente mesmo a mais recente satisfaz as exigecircncias criacuteticas e cientiacuteficasnormais Por isso o projeto de Colli e Montinari nos parece tatildeo importante editar enfim as notaspoacutestumas completas apoacutes a cronologia mais rigorosa posiacutevel seguindo periacuteodos quecorrespondem aos livros publicados por Nietzsche Acabaraacute entatildeo a sucessatildeo de um pensamentode 1872 e de outro de 1884 Colli e Montinari quiseram nos explicar seu trabalho a proximidade desua conclusatildeo e noacutes nos regozijamos de que a ediccedilatildeo deles surja tambeacutem em francecircsrdquo p 19Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade dePotecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Riode Janeiro Achiameacute sano

22

faraacute de seu irmatildeo um intelectual do movimento ldquotraraacute honra a famiacuteliardquo a ela que

um dia receberaacute a visita do proacuteprio Hitler nos Arquivos Nietzsche em que daraacute a

ele a bengala do irmatildeo

No comeccedilo da primeira guerra Nietzsche jaacute era tatildeo popular que oZaratustra junto com o Fausto de Goethe e o Novo Testamento foipublicado numa ediccedilatildeo especial para os soldados do front num total decento e cinquumlenta mil exemplares (Cf SAFRANSKI 2005 p 301)

Toda essa fraude soacute seraacute desvendada definitivamente em meados da

deacutecada de 60 do seacuteculo XX pois jaacute se suspeitava de algo estranho com a

chamada ediccedilatildeo criacutetica das obras completas de Nietzsche inclusive dos seus

fragmentos e cartas empreendida pelos dois italianos Colli e Montinari que iratildeo

se empenhar como filoacutelogos no empreendimento de mostrar que ateacute falsificaccedilotildees

de texto e recortes nos escritos e ideacuteias apresentadas por Nietzsche foram feitos

por sua irmatilde e a ldquoequipe de estelionataacuteriosrdquo com o fim de enredar o irmatildeo na

camisa-de-forccedila do movimento deles

Os anti-semitas que Nietzsche desprezava podiam pois utilizar muitobem alguns dos pensamentos dele como estiacutemulo embora a imagem daraccedila senhorial ariana que projetassem natildeo correspondesse agrave imagem denobreza que Nietzsche usava a como ideacuteia diretora Foi o que tambeacutemse observou nos nacional-socialistas Usaram Nietzsche masmultiplicavam-se as vozes que preveniam do espiacuterito livre dele ErnstKrieck um influente filoacutesofo nacional-socialista sentenciou irocircnicoResumindo Nietzsche era um adversaacuterio do socialismo adversaacuterio donacionalismo e adversaacuterio da ideacuteia de raccedila Se omitirmos essas trecircsorientaccedilotildees intelectuais talvez ele tivesse dado um excelente nazista(Cf SAFRANSKI 2005 p 311)

Ele foi um ldquoanarquistardquo

Nietzsche ousou lanccedilar dinamite sobre ldquoiacutedolosrdquo dentre a constelaccedilatildeo

deles haacute tambeacutem o Estado ldquoesse monstro-friordquo54 O estado para Nietzsche natildeo

comeccedila como um contrato55 e sim por um ato de violecircncia de conquista e de

dominaccedilatildeo de um povo nocircmade e com o Estado comeccedilam as coisas ldquoboasrdquo

54 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

55 Idem p 75

23

inventadas para garantir a civilizaccedilatildeo como os governos as leis o Direito e com a

civilizaccedilatildeo o ldquohomem aprende a tapar o nariz diante de si mesmo e a se

envergonhar de suas propensotildeesrdquo56 o comeccedilo de tudo eacute um grande teatro da

mentira para Nietzsche por traacutes de todas essas coisas ldquoboasrdquo haacute muito sangue

derramado muita dor e sofrimento57 Essa leitura de Nietzsche iraacute favorecer a

apropriaccedilatildeo anarquista do seu pensamento Tanto que a primeira recepccedilatildeo que se

tem notiacutecia de Nietzsche no Brasil data do comeccedilo do seacuteculo XX com um grupo

de anarquistas de origem espanhola58

Contribui tambeacutem para essa interpretaccedilatildeo a figura do andarilho no seu

pensamento daquele que estaacute no mundo a proacutepria sorte Nietzsche foi um pouco

assim tambeacutem E ainda recai sobre ele a culpa sobre um suposto ateiacutesmo

militante A imputaccedilatildeo a Nietzsche de ser ldquoanarquistardquo deve ser devolvida aos

acusadores como mais um ldquoestelionato intelectualrdquo que ignora o conteuacutedo dos

seus escritos pervertendo-o afinal nos seus textos tambeacutem fala contra o

ldquoanarquismordquo como mais um iacutedolo a ser derrubado As leituras que acusam

Nietzsche de ldquonazistardquo ldquoanarquistardquo tentam estabelececirc-lo como fundamento

desses ldquomovimentosrdquo que natildeo se movimentam para aleacutem de suas certezas o que

privilegia os fundamentalismos as seitas e a manutenccedilatildeo das confrarias as mais

diacutespares o que deve ser denunciado como um crime de ldquoestelionato intelectualrdquo

pois o proacuteprio pensamento de Nietzsche foi possiacutevel enquanto criacutetica radical dos

fundamentos

Ainda recai sobre Nietzsche a imputaccedilatildeo de ldquoapoliacuteticordquo em um de seus

aforismas escreve ldquoEu sou o uacuteltimo alematildeo apoliacuteticordquo59 mais uma vez parece

56 Ibidem

57 Ibidem

58 Cf MARTON Scarlett Extravagacircncias ensaios sobre a filosofia de Nietzsche Satildeo PauloDiscurso editorial 1999 sp

59 Nietzsche diz isso por ocasiatildeo do nacionalismo do Estado Bismarckiano natildeo quer se sentir partedaquela poliacutetica Por outro lado sou talvez mais alematildeo do que ainda podem ser os alematildees dehoje meros alematildees do Reich ndash eu o uacuteltimo alematildeo antipoliacuteticordquo p 26 Cf SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

24

difiacutecil o empreendimento de defesa de algueacutem que o tempo todo ldquoproduz provas

contra si mesmordquo ldquoEu preferiria ser um bufatildeo a um santordquo (Ecce homo) Mas

tudo isso continua sendo a tentativa de inserir Nietzsche numa malha conceitual a

servir ao ldquomovimentordquo de algueacutem Ao que parece essas apropriaccedilotildees ligeiras de

Nietzsche que se fundam numa raacutepida leitura de seus aforismas tendem a

esquecer a recomendaccedilatildeo de Zaratustra aos seus ldquodisciacutepulosrdquo para natildeo segui-lo

cegamente afinal ldquoZaratustra natildeo quer ser um pastor eacute antes de tudo um

bandido um criminosordquo (Assim falou Zaratustra) Nietzsche natildeo quer ser alccedilado a

condiccedilatildeo de iacutedolo ou liacuteder de uma causa o que faraacute o seu Zaratustra dizer que

prefere companheiros a disciacutepulos que o ldquosigam na condiccedilatildeo de estarem

seguindo a si mesmosrdquo (Assim falou Zaratustra) Essa seria a ldquoapoliacuteticardquo

nietzscheana contra aquilo que se diz ldquopoliacuteticardquo que se sente no direito de se

chamar de ldquopoliacuteticordquo como se julgam ldquonormaisrdquo e ldquoverdadeirosrdquo mais do que os

outros A imputaccedilatildeo de Nietzsche como ldquoapoliacuteticordquo deve ser devolvida aos

acusadores com a pergunta sobre quem satildeo os ldquoseres poliacuteticosrdquo

Ele foi o homem que matou Deus

Essa eacute uma das mais conhecidas imputaccedilotildees a Nietzsche a de ldquoheregerdquo

jaacute pintaram as paredes da Sorbone um dia com a frase ldquoNietzsche matou Deus e

Deus matou Nietzscherdquo Uma das obras capitais de Nietzsche eacute O Anticristo cujo

tiacutetulo jaacute eacute motivo para uma acusaccedilatildeo automaacutetica A leitura de um suposto ateiacutesmo

em seu pensamento demanda a pergunta sobre quem a faz e que interesse tem

nela Com o anuacutencio da ldquomorte de Deusrdquo Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia

ou natildeo de Deus portanto jaacute natildeo se trata de um ldquoateiacutesmordquo ou ldquoceticismordquo afinal

para Nietzsche essa eacute a ldquopostura covarderdquo60 o que Nietzsche constata eacute o

fenocircmeno do niilismo da ausecircncia de valor nos valores absolutos se Deus estaacute

morto natildeo foi Nietzsche quem o matou foi o proacuteprio homem ldquoDeus estaacute morto e

fomos noacutes que o matamos somos assassinos de Deus as Igrejas satildeo tuacutemulos

delerdquo dizia o homem ldquoloucordquo ou seria de acordo com as traduccedilotildees o homem

60 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

25

perturbado por uma torrente de lucidez ou ainda possuiacutedo que fala na Gaia

Ciecircncia no aforisma 125

O louco Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna empleno dia e saiacutea correndo pela praccedila puacuteblica gritando sem cessarldquoProcuro Deus Procuro Deusrdquo Mas como ali havia muitos que natildeoacreditam em Deus o seu grito provocou grande riso ldquoTeraacute se perdidocomo uma crianccedilardquo dizia um ldquoEstaraacute escondido Teraacute medo de noacutesTeraacute viajado Teraacute emigradordquo Assim gritavam e riam todos ao mesmotempo O louco saltou no meio deles e trespassou-os com o olhar ldquoParaonde foi Deusrdquo exclamou eacute o que lhes vou dizer Matamo-lovocecircs eeu Somos noacutes noacutes todos os seus assassinos Mas como dizemosisso Como conseguimos esvaziar o mar Quem nos deu esponja paraapagar o horizonte inteiro O que fizemos quando rompemos com acorrente que ligava esta terra ao Sol Para onde vai ela agora Paraonde vamos noacutes proacuteprios Longe de todos os soacuteis Natildeo estaremosincessantemente caindo Para diante para traacutes para o lado para todosos lados Haveraacute ainda um acima um abaixo Natildeo estaremos errandoatraveacutes de um vazio infinito Natildeo sentiremos na face o sopro do vazioNatildeo faraacute mais frio Natildeo aparecem sempre noites cada vez mais noitesNatildeo seraacute preciso acender os candeeiros logo de manhatilde Natildeo ouvimosainda nada do barulho que fazem os coveiros que encerram DeusAinda natildeo sentimos nada da decomposiccedilatildeo divina Os deuses tambeacutemse decompotildeem Deus morreu Deus continua morto E fomos noacutes que omatamos Como havemos de nos consolar noacutes assassinos entreassassinos O que o mundo possui de mais sagrado e de mais poderosoateacute hoje sangrou sob nosso punhal quem nos haacute de limpar destesangue Que aacutegua nos poderaacute lavar A grandeza deste ato natildeo eacute muitogrande para noacutes Natildeo seraacute preciso que noacutes mesmos nos tornemosdeuses para simplesmente parecermos dignos dela Nunca houve accedilatildeomais grandiosa e quaisquer que sejam aqueles que poderatildeo nascerdepois de noacutes pertenceratildeo por causa dela a uma histoacuteria mais elevadado que ateacute aqui nunca foi qualquer histoacuteriardquo O louco calou-se depois depronunciar estas palavras e voltou a olhar para os seus auditorestambeacutem eles se calaram e o fitavam com espanto Finalmente atirou alanterna no chatildeo de tal modo que se partiu e se apagou ldquoChego cedodemaisrdquo disse ele entatildeo ldquoo meu tempo ainda natildeo chegou Esseacontecimento enorme estaacute ainda a caminho caminha e ainda natildeochegou ao ouvido dos homens O relacircmpago e o raio precisam detempo a luz dos astros precisa de tempo as accedilotildees precisam de tempomesmo quando foram efetuadas para serem vistas e entendidas Estaaccedilatildeo ainda lhes estaacute mais do que as mais distantes constelaccedilotildees eforam eles contudo que a fizeramrdquo Conta-se que nesse mesmo dia estelouco entrou em diversas igrejas e entoou o seu Reacutequiem aeternam DeoExpulso e interrogado teria respondido inalteravelmente a mesma coisaldquoO que satildeo estas igrejas mais do que tuacutemulos e monumentos fuacutenebresde Deusrdquo (Cf NIETZSCHE 2005 p111-112)

Como diraacute Foucault em As Palavras e as Coisas a morte de Deus eacute

tambeacutem a morte de seu assassino

26

Em nossos dias e ainda aiacute Nietzsche indica de longe o ponto deinflexatildeo natildeo eacute tanto a ausecircncia ou a morte de Deus que eacute afirmadamas sim o fim do homem (este tecircnue este imperceptiacutevel desniacutevel esterecuo na forma da identidade que fazem com que a finitude do homemse tenha tornado o seu fim) descobre-se entatildeo que a morte de Deus e ouacuteltimo homem estatildeo vinculados natildeo eacute acaso o uacuteltimo homem queanuncia ter matado Deus colocando assim sua linguagem seupensamento seu riso no espaccedilo do Deus jaacute estaacute morto mas tambeacutem seapresentando como aquele que matou Deus e cuja existecircncia envolve aliberdade e a decisatildeo deste assassiacutenio Assim o uacuteltimo homem eacute aomesmo tempo mais velho e mais novo que a morte de Deus uma vezque matou Deus eacute ele mesmo que deve responder por sua proacutepriafinitude mas uma vez que eacute na morte de Deus que ele fala o que elepensa e existe seu proacuteprio assassinato estaacute condenado a morrerdeuses novos os mesmos jaacute avolumam o Oceano futuro o homem vaidesaparecer Mais que a morte de Deus ou antes no rastro desta mortee segundo uma correlaccedilatildeo profunda com ela o que anuncia opensamento de Nietzsche eacute o fim de seu assassino eacute o esfacelamentodo rosto do homem no riso e o retorno das maacutescaras (FOUCAULT1990 p 402)

Em Assim falou Zaratustra quem matou Deus e o confessa eacute o ldquouacuteltimo

homemrdquo o homem do ressentimento Cabe compreender o anuacutencio da ldquomorte de

Deusrdquo como uma criacutetica da Modernidade ou melhor do projeto do esclarecimento

que coloca a razatildeo no altar da autoridade daquela que diz a ldquoverdaderdquo satildeo as

mitologias da modernidade que iratildeo ocupar o lugar do Deus morto e sepultado

pelas instituiccedilotildees Escreve Roberto Machado em seu Zaratustra trageacutedia

nietzscheana que

Nietzsche natildeo quer provar que Deus natildeo existe como faziam os ateusO que lhe interessa eacute mostrar como e por que surgiu e desapareceu acrenccedila de que haveria um Deus A ldquomorte de Deusrdquo condiccedilatildeopressuposto histoacuterico dos principais temas expostos no Zaratustra eacute aconstataccedilatildeo do niilismo da modernidade eacute o fato de que ldquoa feacute no Deuscristatildeo deixou de ser plausiacutevelrdquo eacute a evidecircncia de que a feacute em Deus queservia de base agrave moral cristatilde se encontra minada de que desapareceuo princiacutepio em que o homem cristatildeo fundou sua existecircncia eacute odiagnoacutestico da ausecircncia cada vez maior de Deus no pensamento e naspraacuteticas do Ocidente moderno Dizer que Deus morreu significa dizercomo faz ldquoo insensatordquo que o homem matou Deus Mas esse homempode ser facilmente identificado eacute o homem moderno o homem reativoldquoo mais feio dos homensrdquo que por natildeo suportar aquele que via toda avergonha e a fealdade ocultou no acircmago de seu ser vingou-se dessatestemunha Eacute o homem moderno o responsaacutevel pela perda daconfianccedila em Deus pela supressatildeo da crenccedila no mundo verdadeirooriginaacuterio da metafiacutesica claacutessica e do cristianismo pela substituiccedilatildeo dateologia pela ciecircncia do sono dogmaacutetico pelo sonho antropoloacutegico doponto de vista de Deus pelo ponto de vista do homem A expressatildeoldquomorte de Deusrdquo eacute a constataccedilatildeo da ruptura que a modernidade introduz

27

na histoacuteria da cultura com o desaparecimento dos valores absolutos dasessecircncias do fundamento divino Significa portanto a substituiccedilatildeo daautoridade de Deus e da Igreja pela autoridade do homem consideradocomo consciecircncia ou razatildeo a substituiccedilatildeo do desejo de eternidade pelosprojetos de futuro de progresso histoacuterico a substituiccedilatildeo de umabeatitude celeste por um bem-estar terrestre (MACHADO 1997 47-48)

A morte de Deus eacute tambeacutem a morte do homem escreve Foucault porque

o homem eacute um conceito inventado pela razatildeo iluminista no altar da ldquoverdaderdquo altar

porque eacute laacute que habitam os valores religiosos e de uma moral do ressentimento

com essa ldquoboardquo invenccedilatildeo seraacute assentado o humanismo e a pretensatildeo de

universalidade os ldquodireitos do homem e do cidadatildeordquo o que Nietzsche pretende eacute

criticar o projeto do esclarecimento o seu conteuacutedo de mentira na pretensa

verdade que sustenta e portanto apontar o homem como assassino de Deus eacute

demonstrar o seu anti-humanismo Aos que imputam ao Nietzsche a condiccedilatildeo de

ldquoheregerdquo ldquoanticristordquo ldquoateurdquo devem ser perguntados sobre que tipo de

ldquohumanismordquo professam ou ainda se natildeo satildeo cuacutemplices desse assassinato

Os autores da chamada Escola de Frankfurt principalmente na obra

Dialeacutetica do Esclarecimento de 1944 escrita por Adorno e Hockeimer no auge da

Segunda Guerra Mundial e republicada na deacutecada de 60 sem modificaccedilotildees

segundo atestam os autores no prefaacutecio61 iratildeo apontar o quanto esse

ldquohumanismordquo moderno conteacutem a semente da barbaacuterie da destruiccedilatildeo da vida do

aniquilamento ou seja conteuacutedo de ldquoanti-humanidaderdquo como apontam na uacuteltima

seccedilatildeo do livro ldquoo anti-semitismordquo Eacute certo que o diagnoacutestico de Nietzsche

contribuiu para essas anaacutelises dos pensadores de Frankfurt Oswaldo Giacoacuteia Jr

no seu Nietzsche amp Para Aleacutem de Bem e Mal escreve que Nietzsche antecipa

61 Frankfurt abril de 1969 (sobre a nova ediccedilatildeo alematilde) ldquoNatildeo nos agarramos sem modificaccedilotildees atudo o que estaacute dito no livro Isso seria incompatiacutevel com uma teoria que atribui agrave verdade umnuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacuterico como algo de imutaacutevel O livro foiredigido num momento em que jaacute se podia enxergar o fim do terror nacional-socialista Mas natildeosatildeo poucas as passagens em que a formulaccedilatildeo natildeo eacute mais adequada agrave realidade atual Quanto agravesalteraccedilotildees fomos muito parcimoniosos que o costume na reediccedilatildeo de livros publicados haacute mais deuma deacutecada Natildeo queriacuteamos retocar o que haviacuteamos escrito nem mesmo as passagensmanifestamente inadequadas Atualizar todo o texto teria significado nada menos do que um novolivrordquo Cfp9-10 In ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do esclarecimentofragmentos filosoacuteficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985

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algumas das conclusotildees dos frankfurtianos62 assim como traz a possibilidade de

Walter Benjamin trabalhar uma histoacuteria a ldquocontrapelordquo63 ou seja uma histoacuteria que

natildeo se daacute pelo progresso de um ldquohumanismordquo evidente ldquoverdadeirordquo ldquouniversalrdquo e

ldquoemancipadorrdquo Eacute nessa direccedilatildeo que Foucault lecirc Nietzsche na deacutecada de 60 o

momento em que ocorre a revisatildeo criacutetica de todas as suas obras comprovando a

fraude realizada pelo ldquomovimentordquo nazi-fascista Infelizmente os pensadores de

Frankfurt ainda leram Nietzsche sob a aacuteurea do ldquoestelionato intelectualrdquo que

sofreu o que demonstra que as falsificaccedilotildees do pensamento foram de tal modo

vulgares e ambiacuteguas que ainda permitiram uma leitura que depunha contra o

totalitarismo tal como a realizada pelos pensadores de Frankfurt que no contexto

de perseguiccedilatildeo Adorno e Horkheimer jaacute tinham imigrado para os EUA enquanto

que Walter Benjamin se suicida com medo de ser pego pelas forccedilas fascistas

basta lembrar tambeacutem que a Dialeacutetica do Esclarecimento natildeo sofreu revisotildees no

texto original muito embora reconheccedilam os autores que ldquoalgumas temaacuteticas ali

mereceriam uma outra leiturardquo Como certamente mereceria uma outra leitura a

conclusatildeo a que chegam nessa obra de que ldquoNietzsche ainda eacute um pensador que

realiza o Esclarecimentordquo ora se o leram enquanto no auge do nazi-fascismo

aquele Nietzsche lido pelo ldquomovimentordquo certamente era o autor que legitimava a

barbaacuterie da razatildeo esclarecida E natildeo o criacutetico mordaz do Esclarecimento que se

conheceraacute melhor depois da deacutecada de 60 Todavia ainda haacute a insistecircncia em

acusar Nietzsche de ldquoateiacutesmordquo de ser ldquometafiacutesicordquo e ateacute ldquomiacutesticordquo jaacute se disse que

Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia ou natildeo de Deus e a recomendaccedilatildeo dos

ateus de deixar ao homem a responsabilidade pela sua proacutepria vida e natildeo a uma

figura transcendente continua para Nietzsche uma ldquometafiacutesicardquo ao final deposita

no homem as esperanccedilas de um futuro melhor ainda haacute no ldquoateiacutesmordquo muito

humanismo

62 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem de bem e mal 2ed Rio de JaneiroJorge Zahar 2005 sp63 ldquoInspirado em Nietzsche e em sua oposiccedilatildeo agrave tirania do real contra as ondas da HistoacuteriaBenjamin propotildee uma histoacuteria a contrapelo para negar o cortejo triunfal onde cada monumento decultura eacute tambeacutem um monumento de barbaacuterierdquo Cf p 133 PEREIRA Luiacutes Fernando LopesDiscurso histoacuterico e direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursosdo direito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

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Coerentemente Nietzsche iraacute dizer que tambeacutem o ldquohomem precisa ser

superadordquo64 e para ele o ldquoateiacutesmordquo e ateacute o ldquoceticismordquo natildeo possuem ainda

coragem de ultrapassar a visatildeo do ldquohomemrdquo esse conceito Novamente se trata

de devolver aos acusadores essas imputaccedilotildees e questionaacute-los sobre o sentido

delas e antes sobre o fundamento delas e deles Albert Camus no seu O homem

revoltado vai dizer que a criacutetica de Nietzsche eacute contra os aspectos ciacutenicos da

Igreja a instituiccedilatildeo que teria traiacutedo os ensinamentos do Cristo por isso

constituindo-se em tuacutemulos de Deus65 O uacuteltimo e uacutenico Cristatildeo foi morto na

cruz escreve em O Anticristo66 ao que parece Nietzsche reconhecia apenas a

figura de Jesus no meio de uma torrente de mal entendidos quanto aos seus

ensinamentos O que daacute margem a quem o acusaraacute de ser ainda um crente ou

um miacutestico Esse aspecto eacute corroborado pela tese de que Nietzsche teria lido

Tolstoi para quem o reino de Deus estaacute em voacutes o autor russo teria no final da

vida abandonado toda a riqueza e a vida confortaacutevel para uma vivecircncia de

mendicacircncia e de andarilho renegando inclusive as obras que lhe deixaram

famoso Ana Karenina e Guerra e Paz Contudo difiacutecil provar embora haja

suspeita porque a biblioteca pessoal do filoacutesofo foi tambeacutem objeto de fraude pela

Sra Elisabeth e sua equipe de estelionataacuterios que desejavam acreditar total

originalidade ao pensamento de Nietzsche retirando possivelmente algumas das

obras que foram lidas e que mais influenciaram a ele dentre elas Tolstoi e

Dostoieacutevski

Mesmo assim falhando no seu empreendimento de ocultar evidecircncias

restou uma carta de Nietzsche em que ele confessaraacute ter lido Dostoieacutevski e se

impressionado com o autor russo que caracterizaraacute como um psicoacutelogo das

profundezas muito embora tambeacutem diga que o autor russo estaacute em contradiccedilatildeo

64 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

65 ldquoSe ele ataca particularmente o cristianismo visa apenas agrave sua moral Por um lado deixasempre intacta a pessoa de Jesus e por outro os aspectos ciacutenicos da Igrejardquo p 89 Cf CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

66 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

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profunda com o pensamento dele67 Sabe-se que Dostoieacutevski ao participar de

movimentos poliacuteticos de matizes ateiacutestas eacute preso e mandado agrave Sibeacuteria em que iraacute

desenvolver uma concepccedilatildeo de feacute pessoal num Deus que natildeo eacute a cristatilde Sabe-se

tambeacutem que curiosamente Tolstoi leu Nietzsche ao menos o Assim falou

Zaratustra e teria apoacutes essa leitura confessado uma certeza sua a de que

Nietzsche estava completamente louco quando o escreveu68 Nietzsche

consideraraacute Jesus um profeta do pacifismo e um idiota69 mas cabe entender

melhor que Jesus eacute esse lido por Nietzsche o proacuteprio conceito de idiota que ele

usa eacute bastante similar ao de Dostoieacutevski na obra O Idiota se trata do ingecircnuo do

pobre de coraccedilatildeo do bonzinho Explorando mais a fundo a perspectiva

nietzscheana de Jesus lecirc-se a obra de Nikos Kazantzaacutekis o escritor grego que se

formou em Direito na Universidade de Atenas e se tornaraacute depois autor de

literatura para quem na obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Jesus natildeo eacute muito

distante de Zaratustra quanto ao seu modo de vida perspectiva essa corroborada

por Albert Camus e tambeacutem por Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche

bufatildeo dos deuses70 Trata-se de um Jesus que eacute refrataacuterio agrave formaccedilatildeo de seitas

que natildeo quer ser cegamente seguido eacute um Jesus de carne e osso natildeo divinizado

e colocado no altar como fizeram os romanos por decreto Eacute antes um homem que

diante da uacuteltima tentaccedilatildeo a vida de rebanho confortaacutevel e feliz aceita o custo

traacutegico de seu sacrifiacutecio na cruz

Cada momento da vida de Cristo eacute um conflito e uma vitoacuteria Ele superouo encanto irresistiacutevel dos simples prazeres humanos superou astentaccedilotildees transubstanciou incessantemente a carne em espiacuterito e seelevou Ao atingir o topo do Goacutelgota ainda galgou a Cruz Mesmo aliporeacutem sua luta natildeo estava terminada A tentaccedilatildeo ndash a uacuteltima tentaccedilatildeo ndashesperava por ele na proacutepria Cruz Diante dos olhos esmorecidos doCrucificado o espiacuterito do Mal num lampejo momentacircneo desdobrou a

67 Cf LAVRIN Janko Nietzsche uma introduccedilatildeo biograacutefica Trad Carlos Neacutelson Coutinho Riode Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1974 sp68 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008 sp69 Cf NIETZCHE O Anticristo ibidem

70 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

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visatildeo ilusoacuteria de uma vida tranquumlila e feliz Pareceu a Cristo que elehavia optado pela estrada amena e sossegada dos homens Casara-see tivera filhos As pessoas o amavam e o respeitavam Agora velhosentado ao portal de sua casa ele sorria com satisfaccedilatildeo quandorecordava os anseios de sua juventude Como fora sensato queesplecircndida decisatildeo tomara ao escolher o caminho dos homens Queinsanidade ter desejado salvar o mundo Que alegria ter escapado dasprivaccedilotildees das torturas da CruzEntretanto Cristo imediatamentesacudiu a cabeccedila com violecircncia abriu os olhos e viuA Tentaccedilatildeo seesforccedilou ateacute o uacuteltimo instante para desvia-lo do caminho e a Tentaccedilatildeofoi subjugada Cristo morreu na Cruz e naquele instante a morte foi parasempre derrotada (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988 p 7-8)

Kazantzaacutekis apresenta o relato de quem sabe o que teraacute que passar e que

tem medo disso e tenta como todo homem evadir-se de seu compromisso mas

continua sempre perturbado pelas visotildees que tem das coisas tal como o homem

louco de a Gaia Ciecircncia 125 possuiacutedo que estaacute pelo anuacutencio que tem que

fazer Zaratustra tambeacutem enfrenta uma uacuteltima tentaccedilatildeo expotildee Nietzsche

Coloco a superaccedilatildeo da compaixatildeo entre as virtudes nobres narreipoeticamente como a ldquoTentaccedilatildeo de Zaratustrardquo um momento em quelhe vem um grito de socorro em que a compaixatildeo busca surpreende-locomo um uacuteltimo pecado subtraiacute-lo de si mesmo Permanecer senhor dasituaccedilatildeo manter a altura de sua tarefa limpa dos impulsos mais baixos emiacuteopes que agem nas chamadas accedilotildees desinteressadas eis a prova auacuteltima prova talvez que um Zaratustra deve prestar ndash sua verdadeirademonstraccedilatildeo de forccedila (Cf NIETZSCHE 2003 p 29)

O Jesus nietzscheano quer companheiros e natildeo disciacutepulos e natildeo quer ser

visto como um pastor guiando ovelhas e sabe que para chegar a ser o que se eacute o

Cristo teraacute que testar na sua proacutepria carne os valores que afirma o que natildeo isenta

os outros de terem de fazer o mesmo O que difere da visatildeo salvacionista

humanista messiacircnica que eacute depositada natildeo sem propoacutesito em seus

ensinamentos vide diaacutelogo Jesus e Paulo presente na obra de Kazantzaacutekis

Eu crio a verdade forjo a verdade com obstinaccedilatildeo anseio e feacute Natildeo meesforccedilo por encontraacute-la Eu mesmo a construo Faccedilo com que seja maisalta do que o homem e assim o homem eacute obrigado a crescer Sequisermos que o mundo seja salvo eacute necessaacuterio (vocecirc estaacute meouvindo) eacute absolutamente necessaacuterio que vocecirc seja crucificado e euvou crucificaacute-lo quer vocecirc queira quer natildeo Pouco se me daacute se vocecircfica aqui sentado neste povoado miseraacutevel fabricando berccedilos cochos efilhos Se quer mesmo saber ordenarei que o ar assuma a sua forma ocorpo a coroa de espinhos os cravos o sangueTudo isso faz parte domecanismo da salvaccedilatildeo Todos os detalhes satildeo indispensaacuteveis E emtodos os cantos da terra inuacutemeros olhos se ergueratildeo e veratildeo vocecirc no

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ar crucificado Choraratildeo e seu pranto lavaraacute de suas almas todo opecado No terceiro dia poreacutem farei com que vocecirc ressurja dos mortospois natildeo haacute salvaccedilatildeo sem ressurreiccedilatildeo O inimigo mais terriacutevel o inimigodefinitivo eacute a morte Eu abolirei a morte Como Fazendo com que vocecircressuscite como Jesus o filho de Deus o Messias mdash Mas natildeo eacuteverdade Vou aparecer e gritar que natildeo fui crucificado que natildeo ressurgidos mortos que natildeo sou DeusPor que estaacute rindo mdash Pode gritar oquanto quiser Natildeo tenho medo de vocecirc Na verdade nem mesmopreciso mais de vocecirc A roda que vocecirc pocircs em movimento jaacute estaacuterodando quem conseguiraacute controla-la Para ser sincero enquanto vocecircestava aiacute falando por um aacutetimo ocorreu-me o desejo de atacaacute-lo eestrangula-lo para evitar que vocecirc por acaso revelasse sua identidadedemonstrando para essa pobre humanidade que nem chegou a sercrucificado Mas logo me acalmei Por que ele natildeo teria o direito degritar perguntei a mim mesmo Os fieacuteis cairatildeo sobre vocecirc e o lanccedilaratildeona pira para morrer queimado por blasfemar mdash Serei seu apoacutestolo quervocecirc queira quer natildeo Construirei a vocecirc e a sua vida seusensinamentos sua crucificaccedilatildeo e sua ressurreiccedilatildeo exatamente conformemeus desejos Natildeo foi Joseacute o carpinteiro de Nazareacute quem o gerou Fuieu Eu Paulo o escriba de Tarso na Siciacutelia (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988p 490-491)

Jesus morre pelo seu anuacutencio e natildeo ldquopara salvar os outrosrdquo morre porque

ousou desafiar as autoridades da eacutepoca os poderes constituiacutedos a propoacutesito

Zaratustra diz ldquoamo aquele que morre pelo seu anuacutencio e que seu proacuteprio

anunciar o leva ao fimrdquo71 Os que acusam Nietzsche de ldquocrenterdquo o fazem por sua

biografia foi realmente um homem de soacutelida formaccedilatildeo religiosa filho de pastores

protestantes e desde jovem lia a biacuteblia foi criado para suceder o pai o qual morre

precocemente o que deixaraacute marcas profundas talvez uma revolta contra o Deus

ldquocastigadorrdquo na juventude escreveraacute um ensaio sobre as origens do mal Todavia

haacute que se acautelar diante de mais essa imputaccedilatildeo chamar Nietzsche de ldquocrenterdquo

eacute ignorar que seus escritos enfrentam justamente o problema da ldquocrenccedilardquo a culpa

a maacute consciecircncia e o ideal asceacutetico engendrados por uma moral que soacute se

sustenta na ldquocrenccedilardquo naquela que se transmite para formar e dominar ldquorebanhosrdquo

e natildeo raro se estabelece nos altares da verdade com iacutedolos de madeira

Agora se ainda insistem em acusar Nietzsche de ldquoprofeta de uma nova

crenccedilardquo eacute preciso que os acusadores antes de ter Nietzsche como artigo sua feacute

releiam a advertecircncia dele em Ecce homo ldquoeu preferiria ser um bufatildeo a um santo

sou disciacutepulo de Dionisordquo Isso ainda fornece material para outras incansaacuteveis

71 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

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tentativas de ldquoestelionatordquo

Ele foi um ldquomiacutesticordquo Um ldquoidealista romacircnticordquo Um ldquonostaacutelgicordquo a querer a volta aomundo grego

Nietzsche escreve numa de suas cartas como teve a visatildeo mais abissal e

terriacutevel de todas a do eterno retorno foi numa de suas caminhadas pelas

montanhas quando parou diante de uma pedra ldquoem forma de piracircmiderdquo

Contarei agora a histoacuteria do Zaratustra A concepccedilatildeo fundamental daobra o pensamento do eterno retorno a mais elevada forma deafirmaccedilatildeo que se pode em absoluto alcanccedilar eacute de agosto de 1881 foilanccedilado em uma paacutegina com o subescrito ldquoseis mil peacutes acima doshomens e do tempordquo Naquele dia eu caminhava pelos bosques perto dolago de Silvaplana detive-me junto a um imponente bloco de pedra emforma de piracircmide pouco distante de Surlei Entatildeo veio-me essepensamento Se poreacutem contarmos para frente a partir daquele dia ateacute oparto suacutebito acontecido nas mais inverossiacutemeis circunstacircncias emfevereiro de 1883 ndash a partir finalfoi concluiacuteda exatamente na horasagrada em que Richard Wagner morria em Veneza - resultam entatildeodezoito meses de gravidez (Cf NIETZSCHE 1995 p 82)

Acusaacute-lo de ldquomiacutesticordquo eacute buscar nele algo de misterioso fantaacutestico Tenta

se fundamentar essa imputaccedilatildeo em outros elementos tais como aquele que

ousou ir mais longe na compreensatildeo das coisas enxergou a ldquomorte de Deusrdquo e o

ldquoeterno retornordquo segue a isso os onze anos em que Nietzsche esteve em silecircncio

ldquomorto de olhos abertosrdquo escreve Escobar no seu Nietzsche dos companheiros72

esse foi o preccedilo que pagou pela ldquodescobertardquo Kazantzaacutekis iraacute escrever uma obra

intitulada ldquoAsceserdquo que resume entre outras algumas de suas proacuteprias

conclusotildees das leituras de Nietzsche elas o trazem para o campo do ldquomiacutesticordquo na

Ascese natildeo eacute Deus que deve salvar o homem mas o contraacuterio o homem que

deve salvar Deus engajando-se na luta Deus natildeo eacute transcendente mas estaacute no

corpo ldquoDeus eacute um labirinto de carnerdquo73 Nesse sentido outro autor da literatura

influenciado por suas leituras de Nietzsche eacute Herman Hesse que escreveraacute entre

72 Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio de Janeiro 7Letras2000 sp73 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo pauloAacutetica 1997 sp

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outras obras Sidatha e O Lobo da Estepe Cabe mencionar tambeacutem Gibran Khalil

Gibran que escreveraacute poemas de beleza e tonalidade ldquomiacutesticardquo com as suas

leituras nietzscheanas destaca-se a sua obra O Profeta e o poema ldquoo loucordquo que

na sua descriccedilatildeo assemelha-se ao aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia ldquoo homem

loucordquo cita-se Gibran Khalil

Perguntais-me como me tornei louco Aconteceu assim Um dia muitotempo antes de muitos deuses terem nascido despertei de um sonoprofundo e notei que todas as minhas maacutescaras tinham sido roubadas ndash assete maacutescaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas ndash ecorri sem maacutescara pelas ruas cheias de gente gritando ldquoLadrotildees ladrotildeesmalditos ladrotildeesrdquo Homens e mulheres riram de mim e alguns correrampara casa com medo de mim E quando cheguei agrave praccedila do mercado umgaroto trepado no telhado de uma casa gritou ldquoEacute um loucordquo Olhei paracima para vecirc-lo O sol beijou pela primeira vez minha face nua Pelaprimeira vez o sol beijava minha face nua e minha alma inflamou-se deamor pelo sol e natildeo desejei mais minhas maacutescaras E como num transegritei ldquoBenditos benditos os ladrotildees que roubaram minhas maacutescarasrdquoAssim me tornei louco E encontrei tanto liberdade como seguranccedila emminha loucura a liberdade da solidatildeo e a seguranccedila de natildeo sercompreendido pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisaem noacutes74

Antes que satisfeitos os acusadores queiram logo condenar Nietzsche no

rol dos pensadores ldquomiacutesticosrdquo ou de que sua filosofia ldquopagatilderdquo traga o geacutermen do

ldquomisticismordquo eacute preciso destacar que essas satildeo leituras de Nietzsche feitas por

outros autores satildeo ainda apropriaccedilotildees de seu pensamento e se acusam

Nietzsche de ldquomiacutesticordquo e de ldquopagatildeordquo eacute porque desejam caracterizaacute-lo dentro de

uma feacute ldquolegiacutetimardquo ou ldquoverdadeirardquo como algueacutem que estaacute fora dela querem com

isso subsiacutedios para a sua condenaccedilatildeo como ldquomalditordquo Ou talvez todo esse

empenho na condenaccedilatildeo ligeira no julgamento preacutevio seja motivado pelo medo

ao pensador que ousou declarar que seu ldquoofiacutecio era derrubar iacutedolosrdquo75 atacando o

problema do fundamento das verdades causando o estremecimento das

ldquocertezasrdquo Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser

banido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que

74 Cf KHALIL GIBRAN Gibran O Louco Trad Mansour Challita Rio de Janeiro AssociaccedilatildeoCultural Internacional Gibran 1977 sp

75 Derrubar iacutedolos (minha palavra para ldquoideaisrdquo) ndash isto sim eacute meu ofiacutecio p 18 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

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ldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente

nos aforismas nietzscheanos76 enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e

ressentidos o acusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por

incriminaacute-lo mesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem

que deve ser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao

cadafalso que natildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do

carrasco que lecirc as acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e

porque mereceria a condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a

sua risada eacute ainda motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de

que ele eacute ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Ao escrever se confessando ldquodisciacutepulo de Dionisordquo77 os acusadores ou

seria melhor dizer detratores de Nietzsche o chamaratildeo de ldquoidealista romacircnticordquo e

de querer um retorno ldquonostaacutelgicordquo ao mundo grego antigo Baseiam-se na leitura

do idealismo alematildeo desde Novalis ateacute Houmlderlin em que a figura de Dioniso

aparece nos pensamentos e poesias da eacutepoca tambeacutem se amparam numa

suposta leitura romacircntica de Nietzsche nos seus primeiros livros ainda

influenciado por Schopenhauer78 e um ldquoromantismordquo wagneriano Novamente os

76 Sarah Kofman diz ldquoLer um filoacutesofo como Nietzsche eacute assistir um espetaacuteculo cocircmico Eacutecompreender que o talento proacuteprio ao lt gecircnio gt filosoacutefico seu talento mais dissimulado eacute umtalento cocircmico A universidade natildeo lhe perdoaraacute jamais ele retira dos filoacutesofos sua seriedade esua senilidade os desembaraccedila de seus vestuaacuterios de conceitos cinzas ele nos faz rirrdquo p 75Alguns motivos deleuzianos por Carlos Henrique de Escobar In ESCOBAR Carlos Henrique(Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

77 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

78 ldquoEle natildeo se deixaraacute arrebatar pela filologia mas pela filosofia no momento em que lhe chegaragraves matildeos a obra de Schopenhauer Em outubro de 1865 ele descobrira num antiquaacuterio de Leipizgos dois volumes de ldquoO mundo como Vontade e Representaccedilatildeordquo comprando e lendo-osimediatamente e depois como relata em suas autobiografias ficou por algum tempo embriagadoo mundo ordenado pela razatildeo pelo sentido histoacuterico e pela moral natildeo era o verdadeiro mundo lia-se ali Atraacutes ou por baixo dele pulsa a verdadeira vida a vontaderdquo p 37 Em Schopenhauer comoEducador Nietzsche descrevera por exemplo suas experiecircncias com Schopenhauer como umajovem alma encontra o princiacutepio baacutesico de seu verdadeiro eu atravessando a fileira de modelos sobcuja influecircncia esteve Uma alma decidida e exaltada descobriraacute o caminho de mais intensidadeCada modelo age como estiacutemulo para si proacuteprio Conduzidos pelos modelos devemos sair de noacutesmesmos para chegar ao cume de nossas possibilidades O verdadeiro eu escreveu Nietzscheaquela vez natildeo eacute encontrado em noacutes mesmos mas por cima de noacutes p 237-238 Cf SAFRANSKIRuumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial2005 Para Nietzsche ldquoa vontade natildeo eacute como quer Schopenhauer uma unidade dinacircmica mas

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ldquoestelionataacuteriosrdquo satildeo ligeiros em recortar a obra de Nietzsche e aproveitando-se

de sua natildeo sistematicidade o encaixam dentro de sua sistematicidade seja na

histoacuteria do romantismo ou a do idealismo nostaacutelgico agem em nome de seus

ldquoiacutedolosrdquo nisso contribuem para a condenaccedilatildeo de um pensador que trabalhou para

derrubar ldquoiacutedolosrdquo ldquoessa a minha palavra para ideaisrdquo79

Eacute sabido que Nietzsche iraacute amadurecer rompendo com o pessimismo

schopenhauriano80 e tambeacutem com o wagnerianismo e ainda que pouco antes de

seu colapso empreenderaacute um trabalho de revisatildeo de suas obras incluindo as que

satildeo utilizadas para fundamentar essas imputaccedilotildees quando escreveraacute prefaacutecios e

tambeacutem o Dioniso nietzscheano natildeo eacute exatamente o deus grego do vinho eacute uma

interpretaccedilatildeo nietzscheana do mito assim como o Zaratustra nietzscheano natildeo eacute

o mesmo profeta iraniano que supostamente existiu

Natildeo me foi perguntado deveria me ter sido perguntado o queprecisamente em minha boca na boca do primeiro imoralista significa onome Zaratustra pois o que constitui a imensa singularidade destepersa na histoacuteria eacute precisamente o contraacuterio dissoZaratustra eacute maisveraz do que qualquer outro pensador Sua doutrina apenas ela tem averacidade como virtude maior ndash isso eacute o contraacuterio da covardia doldquoidealistardquo que bate em fuga diante da realidade Zaratustra tem maisvalentia no corpo do que os pensadores todos reunidos Falar a verdadee atirar bem com flechas eis a virtude persa ndash Compreendem-me Aauto-superaccedilatildeo da moral pela veracidade a auto-superaccedilatildeo domoralista em seu contraacuterio ndash em mim ndash isto significa em minha boca onome Zaratustra (Cf NIETZSCHE 1995 p 110-111)

A figura de Dioniso eacute invocada como maacutescara mais uma das vaacuterias de

um pensamento que se potildee como ldquoteatro de maacutescarasrdquo segundo Deleuze81

um tumulto de tendecircncias diferentes um campo de combate de energias que lutam pelo poder p274 idem

79 Cf NIETZSCHE Ecce homo Ibidem

80 ldquoSchopenhauer embora pessimista verdadeiramente ndash tocava flautaDiariamente apoacutes arefeiccedilatildeordquo Cf p 86 retirado do aforisma 186 de Aleacutem do Bem e Mal In NIETZSCHE FriedrichWilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1992

81 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont

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Trata-se de enfrentar a moral da eacutepoca a cultura a poliacutetica e o poder

trabalhando para aleacutem de bem e mal e natildeo um apelo como querem os detratores

na tentativa de acusar Nietzsche de ldquonostaacutelgicordquo do mundo grego de um voltar

para traacutes quanto a isso diraacute Zaratustra ldquocomo a vontade pode querer para traacutes A

vontade natildeo pode querer para traacutesrdquo82 Eacute certo que Hitler desejava reconstruir o

centro de Berlin com monumentos semelhantes ao da acroacutepole grega as imagens

dos deuses musculosos e nus ilustrando sauacutede e forccedila semelhantes ao que

pretendia a propaganda fascista com o ldquohomem do idealrdquo da ldquosupremacia racialrdquo

e enredar Nietzsche nesse empreendimento eacute ser cuacutemplice desse ldquoestelionatordquo O

que torna mais necessaacuteria a tarefa de ser advogado de Nietzsche como aponta

Albert Camus

Na histoacuteria da inteligecircncia com exceccedilatildeo de Marx a aventura deNietzsche natildeo tem equivalente jamais conseguiremos reparar a injusticcedilaque lhe foi feita Sem duacutevida conhecem-se filosofias que foramtraduzidas e traiacutedas no decurso da histoacuteria Mas ateacute Nietzsche e onacionalsocialismo natildeo havia exemplo de que todo um pensamentoiluminado pela nobreza e pelo sofrimento de uma alma excepcionaltivesse sido ilustrado aos olhos do mundo por um desfile de mentiras epelo terriacutevel amontoado de cadaacuteveres dos campos de concentraccedilatildeoDevemos ser advogados de defesa de Nietzscherdquo (Cf CAMUS 1999 p97-98)

Demonstrando que essa volta ao mundo grego a acusaccedilatildeo de Nietzsche

ldquonostaacutelgicordquo eacute cuacutemplice do crime fascista ao pensamento dele que pretendeu

fazer propaganda do super-homem nietzscheano quando na realidade os

homens seguidores do Fuumlhrer natildeo foram mais do que seres instrumentalizados

natildeo foram mais do que ldquosub-homensrdquo83

ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade de Potecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org)ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

82 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

83 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999p 98

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Ele foi um defensor da ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo Um ldquointelectual daburguesiardquo da ldquodireitardquo

No seacuteculo XX com a ascensatildeo da alternativa comunista ou leituras do

marxismo dentre as vaacuterias o leninismo stalinismo o maoiacutesmo como aponta

Camus talvez aleacutem do Nietzsche tambeacutem Marx sofreu pelas apropriaccedilotildees na

tentativa de se fazer uso de sua autoridade intelectual para legitimar regimes

totalitaacuterios Camus escreve num periacuteodo em que jaacute se questionava os caminhos

desses regimes supostamente ldquomarxistasrdquo todavia alguns intelectuais da eacutepoca

que buscavam fazer uma leitura originaacuteria dos escritos de Marx com o objetivo de

resgatar o sentido de sua filosofia apressavam-se em trazer novas justificaccedilotildees e

diante da apropriaccedilatildeo fascista do pensamento de Nietzsche desse ldquoestelionatordquo

aproveitaram-se para cometer um ldquoestelionatordquo ainda maior que foi o de imputar a

Nietzsche a condiccedilatildeo de ldquointelectual da burguesiardquo da ldquodireitardquo defensor da

ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo aleacutem de outras qualificaccedilotildees similares para uma

larga carta de acusaccedilotildees em que se buscava contrapor Marx ao Nietzsche

ldquofascistardquo e apontar caminhos libertadores e de solidariedade na esteira dos

ldquomovimentosrdquo ldquocomunistasrdquo que liam ao seu modo o marxismo Tanto Nietzsche

como Marx foram pensadores que viveram no seacuteculo XIX natildeo se tem registro se

Nietzsche leu Marx jaacute que este era mais velho que ele mas eacute sabido que

Nietzsche conhecia e criticava o comunismo com a sua crenccedila na igualdade e

tambeacutem entendia o comunismo como um ldquocristianismordquo para as massas

enxergando um artigo de feacute no discurso daqueles que defendiam levar a

consciecircncia ao povo esclarecendo-o de sua condiccedilatildeo Para Nietzsche isso natildeo

seria muito diferente do discurso religioso que com o mesmo motivo vai ateacute o

povo com o catecismo buscando convertecirc-los a sua feacute Nesse sentido tambeacutem

iraacute rechaccedilar a ideacuteia de ldquoigualdaderdquo transmitida de modo quase messiacircnico de que

as diferenccedilas seriam abolidas e todos alcanccedilariam a igualdade no comunismo Eacute

justamente contra um discurso encobridor de diferenccedilas que se insurge o

pensamento de Nietzsche e que o faz desconfiar das saiacutedas apresentadas pelas

leituras dialeacuteticas seja dos hegelianos de direita seja a dos hegelianos de

esquerda dentre eles Marx A propoacutesito disso cabe mencionar o trabalho de

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Habermas84 fazendo a advertecircncia para a leitura habermasiana da deacutecada de 80

que para combater as interpretaccedilotildees nietzscheanas dos franceses vai reler a luz

de Heidegger e com uma tonalidade kantiana defensora da modernidade por

mais paradoxal que pareccedila seraacute nessa obra que Habermas enunciaraacute a sua

alternativa pela accedilatildeo comunicativa contudo o seu livro eacute abundante no resgate

histoacuterico dos diversos matizes da filosofia reputada por ele como moderna

Nietzsche se potildee como antidialeacutetico85 com a sua filosofia da vontade de poder o

que vai gerar outras acusaccedilotildees como a de Nietzsche ldquoirracionalistardquo e

ldquonaturalistardquo

Os intelectuais ldquomarxistasrdquo como que investidos da autoridade de ldquodonosrdquo

de Marx fazendo dele seu partido seu artigo de feacute iratildeo acusar Nietzsche de

intelectual da burguesia logo o autor que foi um criacutetico da moral burguesa e do

liberalismo Novamente o expediente dos acusadores eacute o de vestir em Nietzsche

a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees ideoloacutegicas tatildeo raacutepidos que ignoram a

autocriacutetica do seu partido jaacute que Marx viveu as expensas de Engels e sua

famiacutelia que eram burguesia para uma eacutepoca em que as diferenccedilas sociais eram

gritantes86 Eacute assim que esses acusadores de Nietzsche natildeo muito diferente dos

fascistas em nome de seu iacutedolo que natildeo eacute mais o Reich trataratildeo de realizar a

84 Trecircs Perspectivas Hegelianos de esquerda hegelianos de direita e Nietzsche p 57 a 88 Etambeacutem A entrada na Modernidade Nietzsche como ponto de viragem p89 a 108 InHABERMAS Juumlrgen O Discurso Filosoacutefico da Modernidade Trad Ana Maria Bernardo LisboaPublicaccedilotildees Dom Quixote 1990

85 Sobre essa antidialeacutetica nietzscheana cabe lembrar a observaccedilatildeo de Escobar sobre o temaldquoPara Nietzsche a dialeacutetica eacute uma forma de reconciliaccedilatildeo ao contraacuterio Nietzsche anseia por umatransvaloraccedilatildeo que se daacute pela afirmaccedilatildeo do positivo e do negativo da vida do martiacuterio e da alegriao que constituem os materiais dessa vida afirmada Cf p 80 ESCOBAR Carlos Henrique de Ogato agrave deriva da Razatildeo In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

86 Marx legou o conceito de praacutexis de proletariado e de revoluccedilatildeo mas recebia ajuda para soacuteescrever natildeo foi proletaacuterio de chatildeo de faacutebrica e natildeo apoiou a comuna de Paris talvez um dosmaiores episoacutedios de contestaccedilatildeo da ordem que esteve vivo para ver e nem fez uma revoluccedilatildeode outro tipo com ningueacutem natildeo exerceu a praacutexis de sua proacutepria teoria acreditava que soacute seriapossiacutevel acontecer a revoluccedilatildeo no mais alto estaacutegio do desenvolvimento das forccedilas produtivasnum paiacutes tal como a Inglaterra industrial de seu tempo muito distante da Ruacutessia e da China semi-feudais ainda no seacuteculo XX onde acontecerem revoluccedilotildees em seu nome e disse tambeacutem que aditadura do proletariado faria a transiccedilatildeo do socialismo para o comunismo quando o espectrodeixado pela ditadura dos partidaacuterios dos representantes da consciecircncia da classe foi oGulag o campo de concentraccedilatildeo a miseacuteria e a exclusatildeo dos proletaacuterios para os quais aigualdade de todos e a promessa do comunismo nunca chegou

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faccedilanha de fazer o estelionato do estelionato Ora alccedilar Marx a condiccedilatildeo de

iacutedolo antiburguecircs santo revolucionaacuterio e acusar Nietzsche de idealista

burguecircs eacute de tal modo cocircmico a despeito da iacutendole criminosa que esse agir

com a feacute dos inquisidores quando condenam os malditos acaba ignorando que o

ofiacutecio de Nietzsche foi o de derrubar iacutedolos este o seu nome para ideais

Talvez esses acusadores agindo como maliciosos donos de Marx o tenham

colocado no altar feito por eles posiccedilatildeo que um criacutetico das religiotildees como

alienaccedilatildeo natildeo teria aceitado contudo diversos movimentos no seacuteculo XX

promoveram revoluccedilotildees com base numa leitura proacutepria do marxismo Dessas

muitas apropriaccedilotildees do que escreveu Marx e das atrocidades perpetradas em seu

nome jaacute houve material para muitos processos o que demandaria a reabertura

desses inqueacuteritos e se descobrir a que levou os estelionatos intelectuais Na

contramatildeo dos detratores marxistas de Nietzsche Foucault na deacutecada de 60 iraacute

participar de um coloacutequio na Franccedila em que apresentaraacute um trabalho intitulado

Nietzsche Freud e Marx que apontaraacute nesses trecircs autores similaridades quanto

ao modo de interpretar os signos do Ocidente o que possibilitaria pensar uma

nova hermenecircutica uma teoria de interpretaccedilatildeo

Marx Nietzsche e Freud situaram-nos ante uma possibilidade deinterpretaccedilatildeo e fundamentaram de novo a possibilidade de umahermenecircuticaInterrogo-me se natildeo se poderia afirmar que FreudNietzsche e Marx ao envolverem-nos numa interpretaccedilatildeo que se virasempre para si proacutepria natildeo tenham constituiacutedo para noacutes e para os quenos rodeiam espelhos que nos reflitam imagens cujas feridasinextinguiacuteveis formam o nosso narcisismo de hoje (Cf FOUCAULT1975 p 17)

Foucault tambeacutem em entrevista com Deleuze intitulada os intelectuais e

o poder publicada em seu livro a Microfiacutesica do Poder iraacute tecer comentaacuterios

sobre a mania dos intelectuais de falarem como representantes ou partidaacuterios

de algueacutem ou de alguma coisa ignorando que os proacuteprios excluiacutedos tecircm seu

proacuteprio discurso e praacuteticas evidentemente que naquele momento referia-se ao

discurso sobre as prisotildees que na sua iacutendole salvacionista e bem intencionada

recusava-se a enxergar que os proacuteprios presos deveriam falar por si mesmos

Eacute justamente nisso que parte outra acusaccedilatildeo de tonalidade marxista a

41

de Nietzsche individualista e de defensor de um aristocratismo A despeito de

caber o questionamento sobre o que estaacute por traacutes dessa iacutendole coletivista que

acusa eacute importante esclarecer do que se trata esse aristocratismo nietzscheano

Logo natildeo se trata de um referencial social ou de classe natildeo se estaacute a defender

uma aristocracia financeira e uma elite econocircmica quando utiliza as palavras

nobre ou aristocraacutetico Nietzsche se refere a vontade de poder a um modo de

pensar a filosofia que se daacute como choque constante de forccedilas em que uma

provisoriamente se coloca acima da outra mas em constante luta Isso quer dizer

alcanccedilar a vontade de poder em seu mais alto grau significaria o estado nobre

de espiacuteritos livres enquanto que a sujeiccedilatildeo a dominaccedilatildeo proacuteprias do espiacuterito

de rebanho significaria o estado de escravo Portanto nada tem a ver com a

temaacutetica soacutecio-econocircmica87 e na perspectiva nietzscheana um escravo no sentido

comum do termo mesmo assujeitado nas galeacutes pode se insurgir contra a sua

posiccedilatildeo desde que demonstre possuir essa vontade de poder no mais alto grau e

consiga assim dobrar a forccedila impor a ela sua proacutepria lei hierarquizando a seu

modo natildeo eacute de hierarquia social que se fala aqui mas da forccedila o que eacute proacuteprio

de um agir que eacute considerado por Nietzsche como nobre por isso esse escravo

seria um aristocrata Tal como o cavalo de Turim a relinchar e a dar coices o

animal carregador um nobre digno de ser um companheiro de Zaratustra-

Nietzsche Cabe esclarecer que para Nietzsche a vontade de poder eacute luta

constante nos corpos eacute visceral ela os atravessa como energia fluiacuteda no devir

Ainda eacute absurda a leitura que pretende trazer o pensamento de Nietzsche e sua

ideacuteia de aristocracia para a temaacutetica da Repuacuteblica de Platatildeo88 a do rei filoacutesofo

87 Explica tambeacutem assim Giacoacuteia Jr In GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem debem e mal 2ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 E ainda A despeito da sua religiosidade etambeacutem da sua filiaccedilatildeo ao estoicismo que ainda assim conteacutem muito dos ensinamentos deHeraacuteclito Cleantes pode ser considerado um exemplo daquele que soube se tornar umldquoaristocratardquo um ldquonobrerdquo no sentido nietzscheano de trabalhar com a vontade de poder na proacutepriavida ldquoSegundo a tradiccedilatildeo Cleantes natildeo se distinguia tanto pela inteligecircncia quanto pelasqualidades morais pouco comuns ex-pugilista praticava a filosofia como um ldquosegundo Heacuterculesrdquopor ser pobre trabalhava a noite puxando aacutegua nos jardins para poder estudar durante o diardquo CfHUISMAN Denis Dicionaacuterio dos filoacutesofos Satildeo Paulo Martins Fontes 2001 p 216-217

88 Nietzsche eacute um pensador maldito porque ousou desafiar a tradiccedilatildeo aqueles que se articulamcom ele como companheiros num coro traacutegico vatildeo ser expulsos da polis como acontecia com ospoetas traacutegicos na Repuacuteblica de Platatildeo e ainda banidos para o confinamento como loucos

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Aleacutem de criacutetico ferrenho do platonismo muito embora esse Platatildeo lido por

Nietzsche seja uma apropriaccedilatildeo dele89 mesmo assim o que Nietzsche propugna

em seus escritos eacute uma inversatildeo do platonismo e o filoacutesofo como guerreiro e natildeo

entronado talvez seu modelo seja mais proacuteximo ao do espartano que do

ateniense sem querer com isso absorver ao Nietzsche as imputaccedilotildees cabiacuteveis ou

natildeo aos espartanos afinal essa longa carta de acusaccedilotildees jaacute eacute grande

contraditoacuteria e densa o suficiente

Ele foi um irracionalista Um vitalista Um filoacutesofo da literatura

Os arautos da razatildeo e seus genuiacutenos representantes destilam a faacutecil

imputaccedilatildeo de irracionalista a Nietzsche a de filoacutesofo da literatura pensador da

arte ou como trabalha na dimensatildeo da vontade de poder o acusam de

abandonar a razatildeo e de deixar o exame das coisas a uma vontade a intuiccedilatildeo

aos sentidos caindo num vitalismo naturalismo das coisas Ora o que

Nietzsche faz eacute forccedilar a razatildeo a se questionar em seu impeacuterio em sua vontade

de verdade opondo a ela o jogo de forccedilas da vontade de poder natildeo se trata de

abandono da razatildeo mas levaacute-la a um questionamento radical colocando as suas

verdades como problema apontando o conteuacutedo de inverdade em suas

verdades90 pois satildeo mentiras que esqueceram de que o satildeo provoca Nietzsche

E para realizar a criacutetica dos fundamentos em que se ampara a proacutepria razatildeo que

destila essas acusaccedilotildees Nietzsche faz uso do perspectivismo ataca as

verdades e os iacutedolos por acircngulos diversos o que parece aos leitores

acostumados com a linearidade dos filoacutesofos mais dogmaacuteticos o expediente de

um louco de algueacutem que o tempo todo se contradiz de onde acusam

internados teratildeo no seu encalccedilo a poliacutecia as escolas o exiacutelio a medicina Cf Escobar p 76ldquoCabe entatildeo a arguacutecia da loucura para se antepor ao constrangimento da lei e agrave ilusatildeo deinteligibilidade platocircnicardquo p 77 idem Alguns motivos deleuzianos In ESCOBAR CarlosHenrique (Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

89 O Platatildeo de Nietzsche e o Nietzsche de Platatildeo texto de Giacoacuteia Jr que explora essa temaacuteticasem referecircncia

90 Cf texto de Nietzsche na coletacircnea os pensadores ldquoverdade e mentira no sentido extra-moralrdquoIn NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

43

novamente Nietzsche de irracionalista tatildeo acostumados que estatildeo a ler os

arautos da razatildeo que falam a verdade para eles enquanto Nietzsche natildeo traz

nenhuma verdade Demonstrar que essa verdade transmitida pelos outros natildeo

passa de uma catequese de um esquematismo dogmaacutetico desses filoacutesofos

apegados a sistemas Nietzsche compara essa vontade de verdade como

vontade de sistema e provoca dizendo que esses filoacutesofos jamais saberiam de

mulheres91

Nietzsche natildeo eacute sistemaacutetico e natildeo se quer assim para isso se utiliza do

perspectivismo enquanto realiza a filosofia a golpes de martelo fazendo ataques

contundentes em diversos pontos das estruturas construiacutedas sobre o legado

daqueles que se dizem racionais ou melhor os produtores da verdade

Portanto cabe devolver a imputaccedilatildeo de irracionalista que natildeo eacute distante da

outra a de louco aos acusadores requerendo tambeacutem o exame das verdades

e das razotildees destes e que intuito tecircm nessa acusaccedilatildeo questionando se natildeo eacute

a preservaccedilatildeo de alguma tradiccedilatildeo modo de pensar ou verdade dita que se quer

absoluta e irrefutaacutevel Quando Nietzsche trata do perspectivismo afirma que natildeo

haacute fatos tudo eacute interpretaccedilatildeo92se tudo eacute interpretaccedilatildeo isso tambeacutem seria uma

interpretaccedilatildeo logo a interpretaccedilatildeo segue ao infinito93 todavia antes que os

racionalistas imputem uma suposta inconsequecircncia nesse meacutetodo Nietzsche

elege a vida como criteacuterio de seu perspectivismo cujo valor natildeo pode ser

avaliado eacute o olho que natildeo pode olhar para si mesmo94 Aiacute quem sabe os mais

apressados e satisfeitos em encontrar a verdade das coisas acusem Nietzsche

de vitalista ou naturalista queiram colocar essa camisa-de-forccedila nele para

aplacar a necessidade de prender logo esse louco que tudo questiona e

certamente eacute um problema para vaacuterias confrarias

91 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 sp

92 Ibidem

93 Cf FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud e Marx Paris 197594 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

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Contudo a vida para Nietzsche natildeo eacute um ponto estaacutetico no tempo ela

deve ser vista no devir eacute vida enquanto corpo e natildeo como metafiacutesica de

compreensatildeo de todas as coisas eacute vida sofrida dura e que deve ser superada

ou melhor ultrapassada vergada pela vontade de potecircncia que lhe atravessa

num jogo numa luta Eacute natildeo compreendendo esse procedimento nietzscheano

que os ligeiros acusadores reclamam do caraacuteter contraditoacuterio e paradoxal dos

aforismas de Nietzsche e o chamam novamente de irracionalista sendo que

num jogo numa luta de forccedilas as interpretaccedilotildees devem se enfrentar devem

entrar num embate exigir a linearidade o que querem os donos das camisas-de-

forccedila metodoloacutegicas seria acabar com o jogo por um ponto final a esse embate

de forccedilas de interpretaccedilotildees Incansaacuteveis os detratores de Nietzsche ainda

questionam a sua condiccedilatildeo de filoacutesofo e o menosprezam cometendo outro

duplo crime julgar a literatura um saber menor querendo enquadraacute-lo nela na

tentativa de assim dar a Nietzsche a condiccedilatildeo que acham que ele merece Esse eacute

o esforccedilo de expulsar Nietzsche da filosofia para mandaacute-lo para a literatura que

deve ser denunciado por incomodar muito a confraria dos filoacutesofos acham que a

soluccedilatildeo eacute logo bani-lo para outro departamento se bem que essa visatildeo

compartimentalizada do saber natildeo eacute sem sentido tambeacutem e vem a atender a

alguns propoacutesitos e conveniecircncias

Essas estrateacutegias maliciosas dos acusadores principalmente essa de

mudar Nietzsche de departamento para natildeo ter que se incomodar com ele eacute

recurso fundado em alguns estereoacutetipos principalmente relacionados ao modo de

escrita nietzscheana que eacute dita como filosoacutefico-poeacutetica por aforismas e ao seu

Assim Falava Zaratustra que eacute obra que narra a trajetoacuteria de um personagem e

suas metamorfoses sendo essa a obra capital de Nietzsche considerada por ele

mesmo assim escreve no seu Ecce homo

Entre minhas obras ocupa o meu Zaratustra um lugar agrave parte Eacute tambeacutemo mais profundo o nascido da mais oculta riqueza da verdade poccediloinesgotaacutevel onde balde nenhum desce sem que volte repleto de ouro ebondade Aqui natildeo fala nenhum ldquoprofetardquo nenhum daqueles horrendoshiacutebridos de doenccedila e vontade de poder chamados fundadores dereligiotildees Eacute preciso antes de tudo ouvir corretamente o som que saidesta boca este som alciocircnico para natildeo se fazer deploraacutevel injusticcedila aosentido de sua sabedoria Aiacute natildeo fala um fanaacutetico aiacute natildeo se ldquopregardquo aiacute

45

natildeo se exige feacute eacute de uma infinita plenitude de luz e profundeza defelicidade que vecircm gota por gota palavra por palavra ndash uma delicadalentidatildeo eacute a cadecircncia dessas falas Tais coisas alcanccedilam apenas osmais seletos natildeo eacute dado a todos ter ouvidos para ZaratustraEle natildeoapenas fala diferente ele eacute diferente(Cf NIETZSCHE 1995 p 19

Contribui tambeacutem a variada recepccedilatildeo artiacutestica e literaacuteria que teve o

pensamento nietzscheano como inspirador autores da literatura como Thomas

Mann Nikos Kazantzaacutekis Albert Camus Hermann Hesse todos tiveram

produccedilotildees literaacuterias com tonalidades nietzscheanas Todavia eacute preciso destacar

que por traacutes da tentativa de considerar Nietzsche um literato estaacute tambeacutem a

tripla acusaccedilatildeo de apoliacutetico de contemplativo de natildeo engajado como se

tambeacutem a literatura fosse o tipo penal e lugar para onde devem ir os que se

encaixam nessas trecircs imputaccedilotildees o que natildeo deixa de ser uma distorccedilatildeo e maacute-feacute

na proacutepria ideacuteia que se faz da literatura Que Nietzsche teve impacto na esteacutetica

isso natildeo quer dizer que a esteacutetica que se produz por influecircncia dele em seus

vaacuterios niacuteveis seja no cinema no teatro e na literatura natildeo tenham conteuacutedo

poliacutetico e de engajamento como contestaccedilatildeo da ordem E ainda a imputaccedilatildeo de

contemplativo estaacute tambeacutem embutida na carga de significados da palavra

filoacutesofo como o nefelibata algueacutem que vive nas nuvens ora todo o

desenvolvimento filosoacutefico de Nietzsche se daacute como criacutetica radical da filosofia

contemplativa que para ele comeccedila com Soacutecrates e Platatildeo e tem seu ponto de

culminacircncia na modernidade aferrada ao kantismo Assim a filosofia de Nietzsche

conteacutem uma pragmaacutetica de abertura ao mundo95 ou como sugere Foucault toda

teoria deve ser vista como uma praacutetica96 para quem os textos de Nietzsche

constituem uma caixa de ferramentas97 eacute uma filosofia de criacutetica ao Poder nas

variadas relaccedilotildees que os constituem de questionamento da ordem e que sinaliza

um outro tipo de engajamento natildeo partidaacuterio e que vai depender do

95 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

96 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 1979 sp97 Ibidem

46

agenciamento da forccedila contida em seus aforismas98 Nesse sentido deve-se

perguntar aos acusadores se contemplativos natildeo satildeo eles ao esperar que os

textos lhes tragam verdades

Ramificar o pensamento sobre o exterior eacute o que literalmente osfiloacutesofos nunca fizeram mesmo quando falavam de poliacutetica mesmoquando falavam de passeio ou de ar puroNietzsche coloca de modomuito claro se vocecirc quer saber o que eu quero dizer encontre a forccedilaque daacute sentido pelo menos um novo sentido ao que eu digo Ramifiqueo texto sobre essa forccedila Desta maneira natildeo haacute problema deinterpretaccedilatildeo de Nietzsche natildeo haacute senatildeo problemas maquinar o textode Nietzsche procurar com que forccedila exterior atual eacute preciso passaralgo uma corrente de energiaEacute ao niacutevel do meacutetodo que se coloca aquestatildeo do caraacuteter revolucionaacuterio de NietzscheEacute isso tratar oaforisma como um fenocircmeno que aguarda novas forccedilas que o vecircmldquosubjugarrdquo ou faze-lo funcionar isto eacute faze-lo explodir (Cf DELEUZEsano p 13-14)

Ele foi um niilista Um poacutes-moderno

Martin Heidegger quando daacute uma conferecircncia sobre Nietzsche afirma

Nietzsche eacute o nome da coisa para o seu pensamento99 a sugestatildeo eacute a de que

Nietzsche eacute um niilista e este eacute o uacuteltimo instante de uma longa histoacuteria do

pensamento metafiacutesico Eacute sabido que esse empreendimento de Heidegger tem

por objetivo afirmar seu proacuteprio pensamento sobre Nietzsche fazendo uma

apropriaccedilatildeo que eacute conveniente a seu ideaacuterio de quem deseja ser ele e natildeo

Nietzsche o primeiro antimetafiacutesico De qualquer modo ainda repercute

facilmente aos acusadores ligeiros sempre atentos as classificaccedilotildees e

simplificaccedilotildees das coisas a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute niilista e mais uma

vez eacute ele proacuteprio quem produz provas contra si mesmo tornando mais difiacutecil a

sua defesa ao dizer que ele eacute o uacuteltimo niilista100 Eacute preciso apontar que

98 ldquoNietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo desliza para a situaccedilatildeoabstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamento concreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seuestilo eacute diretamente poliacuteticordquo Cf Escobar p 82 O gato agrave deriva da Razatildeo In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

99 HEIDEGGER Martin Nietzsche I Trad Marco Antocircnio Casanova Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria 2007 sp

100 Contido em NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens RodriguesTorres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978Eacute preciso esclarecer isso segundo Camus ldquoCom Nietzsche o niilismo torna-se pela primeira vez

47

Nietzsche realiza o diagnoacutestico do niilismo cuja relaccedilatildeo eacute estreita com o anuacutencio

da morte de Deus e que o seu filosofar a golpes de martelo natildeo quer apenas

destruir mas tambeacutem abrir espaccedilo para uma atividade criativo-afirmativa de novos

valores Por isso natildeo deixa de ser um estelionato desse Heidegger ainda

analiacutetico ex-integrante das forccedilas nazi-fascistas e que leu no original assim como

Nietzsche desde os preacute-socraacuteticos ateacute os maiores expoentes da histoacuteria da

filosofia quem sabe na ambiccedilatildeo de superar a todos incluindo Nietzsche para se

auto-proclamar o primeiro anti-metafiacutesico Decorre assim a imputaccedilatildeo de

Nietzsche como niilista o que corrobora as acusaccedilotildees que seguem das leituras

apressadas e confortaacuteveis desses que desejam ver Nietzsche estaacutetico em algum

lugar quem sabe numa parede esperando seu fuzilamento Nietzsche natildeo eacute um

niilista eacute antes o filoacutesofo que constata o niilismo como psicoacutelogo como um cliacutenico

e vai apontar para uma transvaloraccedilatildeo ou ultrapassamento do niilismo eacute esse o

seu anuacutencio se niilista fosse Nietzsche estaria proacuteximo dos sub-homens nazistas

e natildeo do que almeja sua filosofia o aleacutem-do-homem natildeo como ponto metafiacutesico

no tempo mas como dilaceramento do conceito homem atravessado pela vontade

de poder a ideacuteia do aleacutem-do-homem para-aleacutem-do-homem supra-humano ou

super-homem a depender da traduccedilatildeo eacute nada mais que um rearranjo das forccedilas

em luta no seu mais alto grau

Se acreditou que para Foucault como para Nietzsche era o homemexistente que se ultrapassava ndash em direccedilatildeo a um super-homem querocrer Nos dois casos eacute uma incompreensatildeo a respeito de Foucaultassim como a respeito de Nietzsche (sem falar ainda na questatildeo da maacute-vontade e da estupidez que aacutes vezes inspira os comentaacuterios sobreFoucault como tambeacutem no caso de Nietzsche)O super-homem nuncaquis dizer outra coisa eacute dentro do proacuteprio homem que eacute preciso libertara vida pois o proacuteprio homem eacute uma maneira de aprisiona-la A vida setorna resistecircncia ao poder quando o poder toma como objeto avidaQuando o poder se torna biopoder a resistecircncia se torna poder davida poder-vital que vai aleacutem das espeacutecies dos meios e dos caminhosdesse ou daquele diagramaE eacute no proacuteprio homem que eacute precisoprocurar para Foucault tanto quanto para Nietzsche o conjunto das

conscienteEle reconheceu o niilismo e examinou-o como fato cliacutenico Dizia-se o primeiro niilistarealizado da EuropaPara Camus porque levou o niilismo ateacute os seus limites e soube tirarconsequecircncias disso o meacutetodo de Nietzsche eacute um meacutetodo de revoltardquo Cfp 86-87 CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

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forccedilas e funccedilotildees que resistemagrave morte do homem Cf DELEUZE 1991p94-100)

Heidegger talvez arrependido do seu engajamento com o nazismo e sua

colaboraccedilatildeo vai se refugiar na floresta negra e deixaraacute de trabalhar a filosofia

analiticamente estranhanhamente para quem acusou Nietzsche de niilista e

metafiacutesico querendo assim afirmar a sua proacutepria filosofia na mais alta estatura

como momento inicial da criacutetica que se daacute como anti-metafiacutesica esse Heiddeger

no final da vida ele viveu quase 100 anos em comparaccedilatildeo com Nietzsche para

buscar na linguagem poeacutetica algo muito proacuteximo ao estilo nietzscheano a

derradeira superaccedilatildeo da metafiacutesica assim terminou a ambiccedilatildeo heideggeriana

Aponta Gadamer no segundo volume do seu Verdade e Meacutetodo seguidor de

Heidegger e lido no Direito quando se trata da hermenecircutica filosoacutefica

O encontro com o cenaacuterio francecircs significa um verdadeiro desafio paramim Derrida assevera que o Heidegger tardio natildeo rompeu realmentecom o logocentrismo da metafiacutesica Ao perguntar pela essecircncia daverdade ou pelo sentido do ser Heidegger segue falando segundoDerrida a linguagem da metafiacutesica que considera o sentido como algoque estaacute agrave matildeo e que eacute preciso encontrar Nessa questatildeo Niertzscheteria sido mais radical Seu conceito de interpretaccedilatildeo natildeo significa abusca de um sentido simplesmente dado mas a posiccedilatildeo de sentido aserviccedilo da vontade de poder Somente assim rompe-se com ologocentrismo da metafiacutesica Natildeo resta duacutevida de que para fugir dalinguagem metafiacutesica o Heidegger tardio elaborou ele proacuteprio sualinguagem semipoeacutetica Sobretudo ao defrontar-me com os francesestenho plena consciecircncia de que minhas proacuteprias tentativas de traduzirHeidegger denunciam meus limites e mostrando sobretudo ateacute queponto eu mesmo estou preso agrave tradiccedilatildeo romacircntica das ciecircncias doespiacuterito e do legado humanista (Cf GADAMER 2002 p 384-385)

Oacutebvio que natildeo se trata de menosprezar o legado do filoacutesofo da floresta

negra101 Heidegger iraacute influenciar os pensadores denominados ldquopoacutes-modernosrdquo

tambeacutem em tom de acusaccedilatildeo e natildeo causal sempre eacute a busca de uma

101 Eacute preciso ressaltar que Martin Heidegger iraacute influenciar aleacutem dos pensadores ditos ldquopoacutes-modernosrdquo tambeacutem Hannah Arendt que eacute lida no Direito quando se trata de pensar aldquodemocracia radicalrdquo ela foi sua aluna ou talvez mais do que isso e ainda o pensador da modaGiorgio Agamben que foi seu ex-aluno por indicaccedilatildeo de Arendt Deve-se ainda defenderHeidegger das acusaccedilotildees de pensador ldquonazistardquo embora tenha se filiado ao movimento aleacutem doarrependimento posterior a sua obra natildeo estaacute ldquocontaminadardquo por ideacuteias fascistas anti-semitas ecoisas do gecircnero como apresenta o trabalho do Professor da UNICAMP ex-aluno de HeideggerZeljko Loparic Heidegger Reacuteu ndash Um ensaio sobre a periculosidade da filosofia Campinas SPPapirus 1990

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caracterizaccedilatildeo e a tentativa de afirmar um perfil mais verdadeiro que os outros

os poacutes-modernos e aiacute natildeo haacute consenso nos limites da caracterizaccedilatildeo que eacute dada

por outrem ou seja quer dizer que os acusados de o serem natildeo concordavam

necessariamente com essa simplificaccedilatildeo muito conveniente agraves academias do

saber compartimentalizado mas dentre eles Foucault Deleuze Derridaacute Cabe

destaque para a filosofia da teacutecnica desenvolvida por Heidegger quando escreve

dois tomos sobre Nietzsche a compilaccedilatildeo de suas preleccedilotildees eacute o embate de seu

pensamento contra o de Nietzsche que produz o que resultaraacute em sua filosofia da

teacutecnica102 Essa filosofia da teacutecnica seraacute uacutetil aos desenvolvimentos da leitura de

Foucault sobre poder principalmente a formulaccedilatildeo de um poder que se exerce

sobre as populaccedilotildees sobre o corpo o biopoder Corrobora essa influecircncia

Deleuze quando escreve obra em memoacuteria ao falecimento de Foucault de

mesmo nome em que apresenta uma citaccedilatildeo do proacuteprio Foucault em que aponta

que ldquoTodo o meu devir filosoacutefico foi determinado pela minha leitura de Heidegger

Mas reconheccedilo que foi Nietzsche quem venceurdquo p 121

Ou seja muito embora recorram a Heidegger os poacutes-modernos diante

da crise das epistemologias e das certezas depois do holocausto nazista e do

gulag comunista querem achar uma terceira via e iratildeo buscar inspiraccedilatildeo no

Nietzsche que a partir da deacutecada de 60 com a ediccedilatildeo criacutetica de toda a sua obra

recuperada do estelionato fascista comprovadas as fraudes serviraacute de

trampolim para o desenvolvimento de novas visotildees dos problemas e suscitaraacute

outras respostas as velhas perguntas diante de um mundo cada vez mais

complexificado Todavia como aponta Deleuze em Conversaccedilotildees

Em publicaccedilatildeo no Libeacuteration 2 e 3 de setembro de 1986 entrevista aRobert Maggiori quando se pergunta a Deleuze que ldquoNa Chronique decircsideacutees perdues Franccedilois Chacirctelet ao evocar a amizade muito antiga comvocecirc com Guattari com Scheacuterer e Lyotard escreve que vocecircs eram doldquomesmo timerdquo e tinham ndash marca talvez da verdadeira conivecircncia ndash osldquomesmos inimigosrdquo Vocecirc diria o mesmo de Michel Foucault Vocecircseram do mesmo time Deleuze responde ldquoPenso que sim Chacirctelettinha um sentimento vivo disso tudo Ser do mesmo time eacute tambeacutem rir

102 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

50

das mesmas coisas ou entatildeo calar-se natildeo precisar ldquoexplicar-serdquo Eacute tatildeoagradaacutevel natildeo ter que se explicar Tiacutenhamos tambeacutem possivelmenteuma concepccedilatildeo comum da filosofia (Cf DELEUZE 1995 p 108)

Ele Foucault e outros nomes comumente relacionados ao poacutes-

modernismo se viam como parte de um mesmo time pensavam parecido e

discordavam pouco ou seja acaba sendo estranha a acusaccedilatildeo de Nietzsche

como poacutes-moderno o que se fez foi uma leitura dele mais uma mais um tipo de

apropriaccedilatildeo talvez menos mentirosa natildeo chegou ao niacutevel do estelionato como

as leituras fascistas mas ainda assim eacute preciso contestar a acusaccedilatildeo do

Nietzsche como poacutes-moderno porque essa eacute tambeacutem uma leitura de quem faz e

sabe que eacute parte de um mesmo time para natildeo dizer confraria igrejinha e coisas

do gecircnero Embora Foucault Deleuze Derridaacute e outros sejam testemunhas

interessantes com coisas a dizer no sentido de defender Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o Poder que discute poliacutetica que contesta dogmas e que tem sua

utilidade no Direito eacute preciso natildeo perder a vigilacircncia criacutetica no sentido de que

Nietzsche natildeo pensou apenas aquilo que eles confirmarem ou avalizarem em

seus testemunhos mais uma vez para trabalhar uma defesa de Nietzsche seraacute

preciso agir nietzscheanamente aborrecendo as confrarias se preciso for

pensando contra elas tambeacutem Haacute quem acuse Nietzsche de poacutes-moderno

justamente por confudi-lo com algum time fazem isso ingenuamente ou

propositalmente pela longa lista de acusaccedilotildees deve-se acreditar mais na segunda

hipoacutetese e nesses intentos propositais de ensinar aos outros o Nietzsche poacutes-

moderno ou precursor do poacutes-moderno que natildeo deixa de ser um eufemismo

ainda pouco lisonjeiro eacute que se faz a condenaccedilatildeo subreptiacutecia do seu pensamento

enquanto pertencente a uma escola um time uma seita novamente cabe

devolver mais essa imputaccedilatildeo aos acusadores sobre que escolas e que

confrarias eles querem sustentar com isso qual o objetivo e qual o anseio guarda

essa vontade de verdade de sistema de caracterizaccedilotildees Talvez assim

perceba-se que por traacutes da acusaccedilatildeo de Nietzsche poacutes-moderno haacute os

defensores do neokantismo de um retorno da modernidade ou das boas

coisas das luzes como quer Habermas na sua ideacuteia de accedilatildeo comunicativa que

se baseia na igualdade dos falantes no poder deliberativo e na democracia

51

validada pela participaccedilatildeo e a confianccedila na representaccedilatildeo ou ainda a defesa

daqueles que pretendem superar o paradigma linguiacutestico ao propor a

transmodernidade103 nisso eacute conveniente a leitura e a condenaccedilatildeo do Nietzsche

poacutes-moderno porque se trata antes de uma condenaccedilatildeo ao europeu

colonizador e da busca de um pensamento identitaacuterio latino-americano Por traacutes

dessas condenaccedilotildees maliciosas deve-se enxergar a pretensatildeo desses

acusadores desejosos de colocar a camisa-de-forccedila em Nietzsche que eacute a de

suas concepccedilotildees ideoloacutegicas os quais esperam obter um miacutenimo de criteacuterio para

orientar melhor seus julgamentos ou validar seus preacute-julgamentos Quiccedilaacute o

objetivo desses acusadores seja o de fundar novas igrejas ou de conquistar

espaccedilo para o seu time jogar

Ele eacute mais um pensador eurocecircntrico

Realmente as costas de Nietzsche satildeo bem largas sem trocadilho

poucos tem folhas tatildeo longas de acusaccedilotildees muitas delas motivadas por

verdadeiros estelionatos intelectuais e apropriaccedilotildees maliciosas leituras raacutepidas

e um pouco de maacute-feacute tambeacutem quando natildeo muito de teimosia daqueles que satildeo

crentes em seus iacutedolos os quais ou foram tocados diretamente pelo martelo

nietzscheano ou tem receio de que o seja por uma via indireta Como dizia

Nietzsche eacute o instinto de conservaccedilatildeo de quem teme a destruiccedilatildeo104 que

assola o iacutentimo dos acusadores ou detratores mas para saber eacute preciso deixar

que acusem as proacuteximas imputaccedilotildees da lista satildeo a de que Nietzsche eacute apenas

mais um autor eurocecircntrico e a mais cocircmica eacute uma leitura maliciosa do

Nietzsche como um zooacutefilo em virtude do famoso episoacutedio de Turim que natildeo

estaacute distante da acusaccedilatildeo do louco Nietzsche De fato Nietzsche nasceu e viveu

na Europa importante frisar que foi um andarilho porque a seu modo frequumlentou

diversas localidades das montanhas nos Alpes ateacute a proacutepria Turim sempre

103 Referecircncia ao filoacutesofo latino-americano Enrique Dussel que na sua obra Eacutetica da Libertaccedilatildeoconsidera Nietzsche aleacutem de ldquoirracionalistardquo ldquopensador esteacuteticordquo tambeacutem ldquomais um eurocecircntricordquo

104 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

52

variando climas como aponta Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche o

bufatildeo dos deuses105 esse expediente era parte de uma medicina que Nietzsche

aplicava a si mesmo acreditava que assim podia controlar melhor seus estados

de sauacutede conseguindo alcanccedilar o que denominava de a grande sauacutede aquela

que o fazia escrever a maior parte de suas obras em estado de explosatildeo criativa

e em suas cartas diz pressentir que ainda morreria por causa de um desses

estados106 isso ainda alimenta as acusaccedilotildees de Nietzsche como miacutestico

profeta mas de fato o seu uacuteltimo ano de produccedilatildeo teoacuterica 1888 talvez tenha

sido o mais intenso de sua vida que foi bastante curta se comparada a de

Heidegger e ao colapso que acomete a Nietzsche em janeiro de 1889 Natildeo se haacute

registro de preocupaccedilotildees latino-americanas em Nietzsche apenas uma breve

sugestatildeo de sua vontade de vir para o Meacutexico trabalhar107 isso no auge dos

transtornos a decepccedilatildeo com Lou Salomeacute a briga com a famiacutelia afinal a Sra

Elisabeth natildeo soacute fraudou a obra do irmatildeo como tambeacutem foi partiacutecipe no

rompimento de Nietzsche e Lou plantando intrigas108 assim chegou Nietzsche a

pensar em sair da Europa para se afastar de tudo definitivamente Contudo o

Nietzsche que vem para a Ameacuterica Latina vem pelo sobrenome da Sra Elisabeth

e se instala no Paraguai ela chega com o marido e estaacute nesse momento brigada

com o irmatildeo que jaacute natildeo aprovava a vinculaccedilatildeo ao nazi-fascismo e ao anti-

semitismo que a irmatilde adotara com o genro O objetivo dos dois eacute o de fundar uma

105 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

106 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

107 Nietzsche considera a possibilidade de passar um tempo na Tuniacutesia ldquoQuero viver um bomtempo entre os muccedilulmanos e ali onde sua feacute eacute mais rigorosa assim certamente haacute de aguccedilarmeu discernimento e minha visatildeo de tudo que for europeurdquoNietzsche desiste de sua viagem agraveTuniacutesia porque laacute irrompe a guerra Agora sonha com o planalto do Meacutexico Por que ficar naEuropa A obra cuidaraacute de que ele natildeo seja esquecido por alirdquo Cfp 201 SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

108 Essa hipoacutetese eacute sustentada por Maria Cristina Franco Ferraz em seu ldquoNietzsche o bufatildeo dosdeusesrdquo sp E tambeacutem por HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes deLacerda e Waltenir Dutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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colocircnia chamada Nova Germacircnia para propagar esses ideais todavia o

empreendimento resulta um fracasso e assim apenas a irmatilde retorna para a

Europa o seu marido havia se suicidado nisso termina a breve histoacuteria dos

Nietzsche na Ameacuterica Latina Com base nisso os acusadores que sentem

arrepios ao ouvir a palavra eurocentrismo comodamente sentem-se

confortaacuteveis em imputar a condenaccedilatildeo do Nietzsche como pensador

eurocecircntrico um colonizador apenas um numa outra longa lista de

conquistadores da Ameacuterica cujo legado deve ser abolido e substituiacutedo pela busca

da identidade originaacuteria encoberta nesses anos todos seacuteculos de colonizaccedilatildeo Eacute

nesse sentido que se fala em transmodernidade como uma nova matriz

epistemoloacutegica que parte da vida dos excluiacutedos e natildeo da linguagem como faz o

europeu Habermas e tambeacutem natildeo como Nietzsche muito embora na

constelaccedilatildeo de imputaccedilotildees seja ateacute difiacutecil escolher uma suficiente para ele basta

a condenaccedilatildeo de louco poacutes-moderno o que importa eacute tirar Nietzsche e todos

os outros do caminho e facilitar o empreendimento desses acusadores e

engenheiros de paradigmas ou melhor empreiteros de igrejas Natildeo eacute a toa que

um dos grandes marcos teoacutericos da linha transmoderna eacute um teoacutelogo ou ex-

teoacutelogo109 que prega uma filosofia da libertaccedilatildeo de alteridade de pluralidade e

que parte dos oprimidos um pensador que enfrenta o colonizador Ora difiacutecil

natildeo concordar com esse discurso ele eacute muito sedutor ainda mais no Brasil

quando nossa histoacuteria parece acontecer sempre como conciliaccedilatildeo e natildeo como

ruptura De fato o modo como se constituiu a histoacuteria brasileira eacute de uma

independecircncia e uma repuacuteblica uma democracia sempre por decreto natildeo

oriunda de uma luta de um enfrentamento de forccedilas de convulsatildeo social haacute

historiadores que contam que o dia seguinte da proclamaccedilatildeo da repuacuteblica muitos

achavam que ainda se vivia o impeacuterio no Brasil Quando estudam a histoacuteria desse

109 A referecircncia eacute Dussel embora seja criticado pois a estrateacutegia de defesa adotada aqui eacutenietzscheanamente a de atacar tambeacutem cabe historicizar o advento da chamada ldquoteologia dalibertaccedilatildeordquo e a sua participaccedilatildeo em episoacutedios importantes da histoacuteria brasileira como aperseguiccedilatildeo na ditadura militar muitos padres teoacutelogos intelectuais se engajaram na luta contra aditadura e pereceram ou foram torturados tiveram um fim traacutegico Ou seja naquele contexto osldquoteoacutelogos da libertaccedilatildeordquo aceitaram o custo traacutegico nietzscheano do seu anuacutencio (o engajamentocontra a tirania poliacutetica contra o dogmatismo) e pereceram foram excomungados da Igreja

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modo os acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico entendem ter

encontrado o ponto fraco dessa defesa e jaacute satisfeitos colocam o capuz no reacuteu

e o mandam para o cadafalso ou seria o patiacutebulo afinal eacute chegado o tempo do

oprimido comeccedilar a enfrentar o colonizador entatildeo eacute o momento de trazer a

guilhotina para caacute o mais europeu dos instrumentos de supliacutecio E os

engenheiros de novos paradigmas acusadores detratores e inquisidores bradam

a sentenccedila do banimento ao mais um europeu Nietzsche porque natildeo lhes

interessa o legado do colonizador agora querem escrever a sua proacutepria histoacuteria

ao seu modo Ora o Nietzsche filoacutesofo natildeo eacute o mesmo Nietzsche cujo sobrenome

andou por aqui e teve o intento de colonizar o pensador Nietzsche natildeo quer

convencer ningueacutem de suas ideacuteias e nem ser pastor de igreja eacute antes um

destruidor dos velhos valores morais das eacuteticas religiosas e do ressentimento eacute

algueacutem que exorta pelos criadores de novos valores110

Eacute quando os acusadores policialescamente se preparam para decretar a

condenaccedilatildeo definitiva do Nietzsche como mais um eurocecircntrico que se deve

objetar pelo fundamento do que se chama transmoderno filosofia da libertaccedilatildeo

e de sua eacutetica Realmente ser advogado de Nietzsche natildeo eacute faacutecil a depender

da acusaccedilatildeo mais inescrupulosa a pena pode ser capital eacute preciso aceitar viver

perigosamente111 o que requer um empenho de retoacuterica e argumentaccedilatildeo juriacutedica

que conduz aos limites mais severos

As acusaccedilotildees satildeo fortes e ao mesmo tempo muito faacuteceis o elemento

geograacutefico parece inquestionaacutevel muitas condenaccedilotildees criminosas foram jaacute

arquitetadas com base em acusaccedilotildees de liame faacutecil natural o proacuteprio nazismo se

legitimava num direito natural e selecionava as pessoas quanto ao fenoacutetipo

nada mais natural agora haacute um desejo a ser satisfeito por parte de quem acusa a

tentativa de levar ao banimento intelectual esse Nietzsche alematildeo de bigodes

absurdamente grandes e louros Ora mas Nietzsche ao contraacuterio do que se diz

110 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

111 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

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natildeo foi um alematildeo e sim um apaacutetrida Depois da vitoacuteria de Bismarck e a

unificaccedilatildeo alematilde Nietzsche natildeo assume a identidade alematilde continuaraacute

apaacutetrida jaacute que a Pruacutessia que nasceu natildeo existia mais Ainda por vaacuterias vezes

brincaraacute com o fato escarnecendo dos alematildees como um povo que natildeo sabia

apreciar a cultura que mal sabiam quem eram devido a sua existecircncia enquanto

paiacutes ainda recente112 Portanto trata-se de um homem que eacute andarilho apaacutetrida e

que estaacute fora da jurisdiccedilatildeo de qualquer Estado de Direito como julgaacute-lo Como

condenaacute-lo Ah sim continua sendo ainda um europeu mesmo que seja pelos

lugares que vagou que esteve que nasceu Condenemos mais esse europeu

Natildeo eacute alematildeo mas eacute europeu O empreendimento de defesa se torna mais

dramaacutetico porque eacute sempre um trabalho contra uma maioria contra uma multidatildeo

ao que parece os acusadores satildeo incansaacuteveis mas eacute preciso dizer que a filosofia

de Nietzsche natildeo se encerra na europa ou que o tuacutemulo dela natildeo pertence a um

ponto geograacutefico ou antes que eacute um pensamento sem tuacutemulo sem geografia

Logo apressam-se os carrascos a atar o noacute goacuterdio da poacutes-modernidade ao

pescoccedilo de Nietzsche para lanccedilaacute-lo agrave forca Afinal como pode haver algo sem

localizaccedilatildeo geograacutefica Algo que natildeo morre eacute qualquer coisa menos humano

Soacute pode ser ideacuteias poacutes-modernas Antes de mais essas acusaccedilotildees ligeiras eacute

preciso esclarecer que esse apaacutetrida natildeo tem lugar geograacutefico embora tenha

vivido sempre na europa natildeo se deixou viver em um soacute lugar foi andarilho natildeo

soacute como homem mas tambeacutem no pensamento a razatildeo nietzscheana eacute nocircmade e

o trabalho de seu pensamento eacute um nomadizar-se113 os acusadores natildeo

aceitando essas objeccedilotildees ainda insistem no chavatildeo poacutes-moderno Deleuze para

eles o eacute como se a tese jaacute estivesse derrotada por testemunhos suspeitos mas

a falta de escruacutepulo daqueles que interrompem a defesa trazendo sempre as

mesmas condenaccedilotildees ao palco mesmo as jaacute contra-argumentadas eacute sinal de

que temem perder uma causa certa com o intento da condenaccedilatildeo do pensamento

112 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994

113 Cf DELEUZE Gilles O Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano sp

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nietzscheano de algum modo seja pelo transmoderno e seu banimento da

academia de direito onde nunca deveria ter ousado entrar Eacute assim que a defesa

nesse trabalho sobre-humano pois sempre no limiar sente que haacute uma chance

de vencer a causa ou na pior das hipoacuteteses tornar mais difiacutecil a tarefa dos

acusadores portanto eacute preciso insistir com as testemunhas mesmo que falem

sob a suspeita da jurisdiccedilatildeo natildeo para responder as imputaccedilotildees mas fazecirc-las

explodir Deleuze aponta que o pensamento de Nietzsche eacute desterritorializado e

que ler esse pensamento eacute se pocircr a deriva

Lemos um aforisma ou um poema do ZaratustraO uacutenico equivalenteconcebiacutevel seria talvez ldquoser conduzido comrdquoSomos conduzidos ndash umaespeacutecie de canoa da Medusa ndash haacute bombas que caem em volta dacanoa a canoa deriva em direccedilatildeo a regatos subterracircneos glaciais oubem em direccedilatildeo a rios toacuterridos o Orenoco o Amazonas pessoasremam juntas pessoas que natildeo se supotildee obrigadas a se amarem quese agridem que se devoram Remar junto eacute compartilhar dividir algofora de toda lei de todo contrato de toda instituiccedilatildeo Uma deriva ummovimento de deriva ou de ldquodesterritorialidaderdquo eu digo de uma maneiramuito fluida muito confusa pois se trata de uma hipoacutetese ou de umavaga impressatildeo sobre a originalidade dos textos nietzscheanos Umnovo tipo de livro (Cf DELEUZE sano p 12)

Nos seus uacuteltimos escritos Nietzsche apresenta um tema que denominou a

ldquogrande poliacuteticardquo114 a qual parte de uma compreensatildeo da poliacutetica para aleacutem das

fronteiras do entatildeo Estado de Direito ou seja uma poliacutetica de controle do mundo

natildeo mais a romacircntica poliacutetica dos interesses locais autoacutectones que no momento

em que escrevia era a poliacutetica de Bismarck dos Estados-Naccedilatildeo de governos

nacionalistas e autoritaacuterios que conseguiam formar identidades com a forccedila de

exeacutercitos

De algum modo esse tipo de poliacutetica de matizes ldquomodernosrdquo para

114 Sobre o tema destaca-se o trabalho de Jorge Luiz Viesenteiner ldquoA Grande Poliacutetica emNietzscherdquo ldquoTrata-se precisamente de compreender a Grande Poliacutetica a partir do vieacutes que o termoagon encerra em torno de si bem como todo o cortejo pluralista que acompanha um tal contextoagoniacutestico Imprimindo pois um sentido radicalmente conflitual agrave Grande Poliacutetica noestabelecimento do agon do campo de batalha para os filoacutesofos legisladores natildeo se trata mais deabsolutizaccedilotildees dogmaacuteticas que se auto-excluem mas ao contraacuterio trata-se preferencialmente doestabelecimento de uma arena que consiste muito mais na integraccedilatildeo em proveito da manutenccedilatildeoda tensatildeo do conflito Eacute justamente num tal terreno que os senhores da Terra ndash os legisladores dofuturo ndash satildeo capazes da criaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo e sobretudo do cultivo global da Terrardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p161

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Nietzsche padecia de viacutecios de origem ldquotodo Estado comeccedila como uma terriacutevel

tirania espero ter afastado a ideacuteia romacircntica de que se comeccedilava por um

contratordquo115 A crenccedila num povo ldquocomumrdquo numa ldquocivilizaccedilatildeordquo sob a eacutegide da paz e

da ldquoboa consciecircnciardquo o que Nietzsche sinalizava era o ldquoembusterdquo da poliacutetica como

dominaccedilatildeo imperialista do mundo para longe de qualquer romantismo o que

levaria as duas Guerras Mundiais que ocorreram no seacuteculo XX Mais uma vez natildeo

se trata de um pensador ldquoniilistardquo mas de um cliacutenico de algueacutem que iraacute fazer um

diagnoacutestico que terrivelmente se confirmou natildeo eacute ldquomais um erocecircntricordquo mas um

criacutetico da poliacutetica ldquoglobalrdquo que natildeo eacute atributivo exclusivo da europa a qual jaacute

perdeu o direito de posse dos ldquoideaisrdquo do ldquoesclarecimentordquo e da ldquocivilizaccedilatildeo como

melhor dos mundosrdquo haacute muito tempo desde Colombo ateacute Cortez Os ldquoideais do

esclarecimentordquo jaacute natildeo conhecem geografia satildeo tambeacutem apaacutetridas Esse eacute o

diagnoacutestico do Nietzsche ldquoapaacutetridardquo um psicoacutelogo que enxerga o problema com

um ldquopathosrdquo de distacircncia116 o qual recomenda como ferramenta de criacutetica ou o de

servir das coisas com lente de aumento117 e se quisermos compreender essa

ldquogrande poliacuteticardquo eacute preciso se pocircr agrave deriva para aleacutem dos romantismos

Aos acusadores do Nietzsche como ldquomais um eurocecircntricordquo eacute preciso

objetar-lhes tambeacutem sobre seu novo artigo de feacute a ldquotransmodernidaderdquo Nisso os

criacuteticos do eurocentrismo nunca se potildee em criacutetica natildeo fazem a criacutetica voltar-se

contra si mesma acham-se na condiccedilatildeo de descobridores de Eldorado quando

na verdade o Eldorado foi uma invenccedilatildeo estrateacutegia dos verdadeiros autoacutectones

da Ameacuterica natildeo dos intelectuais que falam por eles para fazer os incaultos se

115 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 74

116 pathos ainda mais misterioso o desejo de sempre aumentar a distacircncia no interior da proacutepriaalma a elaboraccedilatildeo de estados sempre mais elevados mais raros remotos amplos abrangentesem suma a elevaccedilatildeo do tipo ldquohomemrdquo a contiacutenua ldquoauto-superaccedilatildeo do homemrdquo para usar umafoacutermula moral num sentido supra-moralrdquo Cf p 169 trecho retirado do aforisma 257 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

117 Nunca ataco pessoas ndash sirvo-me da pessoa como uma forte lente de aumento com que se podetornar visiacutevel um estado de miseacuteria geral poreacutem dissimulado pouco palpaacutevel p 32 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

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perderem muitos morreram e foram dizimados pela feacute no suposto Eldorado118 e

quiccedilaacute esse tenha sido um dois maiores atos de bufonaria da histoacuteria um instante

nietzscheano antes mesmo de Nietzsche Aos acusadores e defensores do

transmoderno eacute preciso dizer-lhes que o eurocecircntrico estaacute em nossa liacutengua

portuguesa em nossa origem colonial de instituiccedilotildees tambeacutem portuguesas um

Estado carola para natildeo dizer administrado por religiosos natildeo que a religiatildeo

seja um problema (o proacuteprio Nietzsche criacutetico da religiatildeo dizia que se ela serve

para aumentar a potecircncia da sua vida entatildeo a professe) O que eacute problemaacutetico no

discurso dos transmodernos eacute o esquecimento de que a dominaccedilatildeo das

Ameacutericas se deu pelo esclarecimento e pela cruz como os dois gumes de uma

mesma espada Os teacuteoricos da libertaccedilatildeo emancipaccedilatildeo agem quase como

teoacutelogos e falam dentro de uma loacutegica da comunidade do gregaacuterio e de

valores humanistas que natildeo satildeo outra coisa senatildeo mais umas invenccedilotildees

eurocecircntricas Ora esses acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico

conseguem ser mais crentes nas invenccedilotildees eurocecircntricas do que ele Por sorte

que os verdadeiros autoacutectones ameriacutendios os quais natildeo sabiam o que era a

cruz antes de Colombo e Cortez e que podem ter desaparecido pelo genociacutedio

promovido por esses homens esclarecidos morrendo pela espada ou pela

conversatildeo ao menos souberam fornecer sinais de um Eldorado que se existe

ou natildeo nunca foi encontrado Ao contraacuterio do que se passa no Brasil hoje em que

muitos outros Eldorados jaacute se achou paiacutes completamente atrelado ao governo

do mundo tanto politicamente como economicamente numa histoacuteria de natildeo

ruptura mas sempre conciliaccedilatildeo Por isso eacute preciso denunciar esses acusadores

de Nietzsche enquanto crentes nessa filosofia da libertaccedilatildeo que natildeo rompeu

com o ideaacuterio de dominaccedilatildeo embutido na cruz e o quanto esse novo paradigma

transmoderno ainda cheira a moderno

118 A propoacutesito cabe citar o filme ldquoAguirre a coacutelera dos deusesrdquo com a participaccedilatildeo do cineastabrasileiro Ruy Guerra numa produccedilatildeo de Werner Herzog

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Ele foi um imoral Um voluntarista

A faacutebrica engenhosa de acusaccedilotildees tambeacutem imputa a Nietzsche a

condiccedilatildeo de imoral e de voluntarista seria Nietzsche um filoacutesofo que eacute contra a

repressatildeo dos instintos e como tambeacutem eacute contra os partidarismos os

engajamentos por meio de projetos no sentido marxista do termo acaba sendo

tido como um voluntarista se natildeo um individualista mais um defensor do

espontaneiacutesmo poliacutetico querendo com isso caracterizaacute-lo como menos poliacutetico

para natildeo dizer apoliacutetico ou pensador menor De fato quem acusa o faz

inescrupulosamente eacute um trabalho faacutecil muitas vezes a imputaccedilatildeo eacute dada por

alguma histoacuteria que se espalhou natildeo involuntariamente quando se ouviu dizer tal

coisa sobre Nietzsche e de fato o empenho ateacute aqui foi de mostrar a longa

histoacuteria de estelionatos cometidos contra ele por isso eacute ainda comum que

pairem no ar muitas acusaccedilotildees sobre ele talvez nem todas ainda relacionadas

nessa reabertura de inqueacuterito Podem ser que outras surjam o que torna o ofiacutecio

de advogado de Nietzsche um serviccedilo quase impossiacutevel pois quando natildeo haacute

resposta a dar as imputaccedilotildees a contra-argumentaccedilatildeo se daacute por converter a

acusaccedilatildeo numa potente questatildeo que ao menos sirva para desmantelar os

acusadores na sua feacute inquisitorial o trabalho de retoacuterica juriacutedica se daacute como um

lanccedilar de dinamites que se natildeo for suficiente para vencer a causa ao menos

consiga empataacute-la o objetivo eacute evitar a condenaccedilatildeo capital essa sim a real vitoacuteria

dos acusadores os colecionadores de antiguidades Para quem acusa

Nietzsche eacute mais um velho pensador que natildeo deve ser lido porque natildeo traz

contribuiccedilotildees para o presente e todo o ofiacutecio juriacutedico comeccedila em advogar o

contraacuterio Eacute preciso demonstrar que Nietzsche eacute um destruidor criacutetico radical dos

valores de uma moral burguesa de rebanho o que natildeo quer dizer e tambeacutem

como o dionisiacuteaco em seus aforismas que sejam indicaccedilotildees de um Nietzsche

defensor do erotismo exacerbado da orgia da imoralidade afinal essas

acusaccedilotildees tem forte tonalidade moralista eacute de se suspeitar que quem ofereccedila

essas imputaccedilotildees a Nietzsche o tenha como um ameaccedilador da dignidade e dos

bons costumes como um lobo mau Nesse sentido acusar Nietzsche de

imoral eacute uma reaccedilatildeo compreensiacutevel para quem sente os seus valores tocados

60

pela filosofia dele Todavia eacute importante revelar mais esse estelionato cometido

contra Nietzsche o que o filoacutesofo defende eacute que sejam criados novos valores a

liberdade nietzscheana natildeo eacute a liberdade do liberalismo eacute uma liberdade que

depende de uma lei119 que eacute autoimposta pelos espiacuteritos livres o pensamento

que exige o ultrapassamento constante requer disciplina e uma certa limpeza

consigo mesmo um outro tipo de ascese120 Quando Zaratustra faz o seu anuacutencio

do super-homem e de que Deus estaacute morto logo compreendem-no mal

distorcem as palavras dele como tentam fazer esses acusadores de Nietzsche

como defensor da imoralidade o que entenderatildeo os uacuteltimos homens do

anuacutencio de Zaratustra eacute que o homem tem todos os direitos natildeo significa que

grandes coisas satildeo possiacuteveis como quer Zaratustra mas que todas as

pequenas coisas satildeo autorizadas Compreendem que se Deus estaacute morto natildeo

existem mais moral nem dever nem regra de vida confundem o imoralismo com

a imoralidade121

Nietzsche eacute um defensor do imoralismo e natildeo da imoralidade eacute preciso

que se entenda a diferenccedila disso antes de acusaacute-lo levianamente A exigecircncia

por novos valores e pelo aleacutem-do-homem requer o ultrapassamento da visatildeo

decadente dos uacuteltimos homens aqueles que entendem mal o anuacutencio de

Zaratustra cabe portanto compreender que a morte de Deus natildeo eacute suficiente se

natildeo for animada por uma nova exigecircncia a virtude da vontade de potecircncia Se

compreendem como tudo eacute permitido natildeo haacute moral e natildeo haacute eacutetica o resultado

eacute o niilismo os uacuteltimos homens satildeo niilistas e quem acusa Nietzsche de ser

imoral tambeacutem eacute suspeito de o ser Para o filoacutesofo a vontade de nada esse

niilismo pode conduzir agrave extrema decadecircncia muito mais baixa do que a antiga

119 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999 sp

120 Nisso se relacionam as posiccedilotildees de Antocircnio Cacircndido no posfaacutecio da coleccedilatildeo os pensadorestambeacutem a visatildeo de Kazantzaacutekis a despeito de sua miacutestica e ainda Nietzsche no Zaratustraquando sentencia ldquotornai-vos duros ofiacutecio do guerreiro Cf NIETZSCHE Friedrich WilhelmAssim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

121 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

61

moral ao niilismo mais extremo122

O fato de Nietzsche escrever por aforismas paraacutebolas e de modo natildeo

sistemaacutetico contribui para que aleacutem dessas imputaccedilotildees recaia tambeacutem a de

pensador antieacutetico ou de que natildeo exista eacutetica possiacutevel com Nietzsche Enxergaacute-

lo assim eacute um outro modo de continuar vestindo nele a roupa de lobo mau

certamente esses inquisidores jaacute tecircm alguma eacutetica pronta com a qual acusam

desejando preservaacute-la Nisso a acusaccedilatildeo do Nietzsche antieacutetico aproxima-se a

da dele como anarquista querendo nisso apontar tambeacutem nele um retorno ao

estado de natureza de barbaacuterie com a aboliccedilatildeo da ordem de qualquer estatuto

ou regra Ora essa eacute uma estrateacutegia tatildeo niilista e folcloacuterica que talvez pouco ou

nada queira dizer sobre o que os proacuteprios anarquistas pensam Claro que para

averiguar seria necessaacuterio reabrir mais esse inqueacuterito pois quiccedilaacute tambeacutem os

anarquistas tenham sofrido muito com a maliacutecia de outros estelionataacuterios Mas

essas mateacuterias satildeo temas de outros processos cujo conteuacutedo natildeo pode ser

trazido por apensamento a este trabalho que jaacute eacute um mergulho no processo de

condenaccedilatildeo do pensamento nietzscheano motivado por acusaccedilotildees levianas de

muacuteltiplas direccedilotildees O desafio para afirmar uma eacutetica nietzscheana estaacute no

pensamento de um autor que combate universalismos natildeo os promove e

tambeacutem de algueacutem que natildeo fez de sua filosofia uma lista de dogmas cuja leitura

sistemaacutetica pudesse lograr respostas vaacutelidas Assim os acusadores sentem-se

mais encorajados em ter achado mais uma vez o noacute da filosofia nietzscheana um

pensamento sem eacutetica onde nenhuma saiacuteda eacute possiacutevel ainda mais para quem

estaacute acostumado com receitas eacuteticas dadas a priori por pensamentos que lhes

ditam a verdade Certamente natildeo eacute desse tipo de eacutetica que se trata quando se

estuda Nietzsche ele natildeo eacute um professor de verdades querer julgaacute-lo como um

eacute a conduta que tipifica mais esse estelionato A eacutetica presente em Nietzsche eacute

a que estaacute disponiacutevel para os homens que se obteacutem123 eacute a eacutetica de homens

122 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

123 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

62

que se assumem tragicamente como criadores de valores as suas proacuteprias

virtudes ou seja satildeo legisladores de si mesmos A eacutetica nietzscheanamente estaacute

incutida na sentenccedila que eacute subtiacutetulo de seu Ecce homo torna-te aquilo que tu

eacutes o que indica natildeo uma receita natildeo uma verdade mas uma pista eacute o seu

anuacutencio pelo qual aceitou perecer124 ou seja o seu anuacutencio final indica a sua

eacutetica que se daacute enquanto filosofia experimentada na proacutepria vida no proacuteprio

corpo eacute uma acuteetica de quem testa na proacutepria carne suas verdades de quem

ousa assim viver perigosamente para colher da vida maior fecundidade125 Eacute

portanto viver natildeo conforme as velhas taacutebuas mas criar novas as suas

experimentaacute-las correndo o risco de natildeo saber de natildeo ter certeza de agir sem

fiador sem algueacutem que valida a priori sem obedecer a uma verdade alheia

que natildeo a sua verdade conquista e gravada com o proacuteprio sangue

Nas leituras miacutesticas de Nietzsche essa eacutetica seraacute a daquele que

consegue ouvir a voz de seu coraccedilatildeo o grito de sua alma o mais profundo apelo

por ser aquilo que eacute o que exige a travessia pelo deserto da solidatildeo daquele que

chega a cidade e encontra as portas fechadas e ainda lhe roubam seus animais

o deixando sem montaria e comida126

Nietzsche ainda escreveraacute em cartas que um dos motivos de abandonar

sua caacutetedra na Basileacuteia natildeo foi soacute o seu precaacuterio estado de sauacutede mas tambeacutem a

necessidade de ouvir mais a sua voz e menos a voz dos outros precisava sair do

ambiente acadecircmico muito preso agraves reproduccedilotildees do discurso e das verdades

alheias para ouvir e escrever o que lhe ditava sua proacutepria voz que soacute balbuciava e

pedia liberdade

Apenas meus olhos puseram fim agrave bibliofagia leia-se ldquofilologiardquo estava

124 ldquoamo aqueles que anunciam o aleacutem-do-homem e perecem pelo seu anuacutenciordquo Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira 2003 sp

125 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

126 Cf Nietzsche em Humano demasiado humano seleccedilatildeo de aforismas contida em NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filho posfaacutecio de AntocircnioCacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

63

salvo dos livros nada mais li durante anos ndash o maior benefiacutecio que meconcedi ndash Aquele Eu mais ao fundo quase enterrado quase emudecidosob a constante imposiccedilatildeo de ouvir outros Eus (- isto significa ler)despertou lentamente tiacutemida e hesitantemente ndash mas enfim voltou afalar Nunca fui tatildeo feliz comigo mesmo como nas eacutepocas mais doentiase dolorosas de minha vida basta olhar Aurora ou ldquoO andarilho e suasombrardquo para compreender o que foi esse ldquoretorno a mimrdquo umasuprema espeacutecie de cura(Cf SAFRANSKI 2005 p 75-76)

Certamente com Nietzsche se estaacute a falar de uma eacutetica de espiacuteritos

livres que conseguem impor a si mesmos sua lei dobrando as forccedilas a seu favor

como ultrapassamento do homem acostumado a ser levado como rebanho

pelas verdades dos outros Os acusadores nunca satisfeitos iratildeo imputar ao

Nietzsche a condiccedilatildeo de ter uma eacutetica individualista o que eacute outra fraude

leviana Nietzsche eacute um criacutetico do individualismo burguecircs que eacute assentado numa

moral de rebanho tambeacutem critica o liberalismo o que natildeo deixa de ser um

niilismo tal como a voracidade consumista hoje o eacute pois nunca satisfeita busca

uma identidade pelas coisas eacute nesse sentido que o rebanho burguecircs se curva

perante outros ideais seu individualismo eacute um deles127 a crenccedila na autonomia

da vontade nos negoacutecios nos contratos A eacutetica nietzscheana natildeo estaacute aiacute para

ser comprada tal como um artigo de feacute natildeo eacute eacutetica da libertaccedilatildeo com

rudimentos de religiatildeo natildeo eacute catecismo e conversatildeo de ningueacutem muito menos

cadeias velhas com tintas novas

A eacutetica nietzscheana exige que seja experimentada testada na sua

proacutepria carne exige um engajamento traacutegico o lanccedilar de dinamites requer

comprometimento com o que se lanccedila responsabilidade com o agir num esforccedilo

de alteridade radical que natildeo quer disciacutepulos mas companheiros Uma eacutetica e

127 Agraves vezes o valor de uma causa se mede natildeo pelo que se alcanccedila com ela mas pelo que eacutepreciso pagar por ela pelo que ela nos custa Eis aqui um exemplo disso As instituiccedilotildees liberaisdeixam de ser liberais tatildeo logo sejam estabelecidas em seguida nada eacute mais sistematicamentenefasto para a liberdade do que as instituiccedilotildees liberais Sabe-se muito bem o que elas trazemconsigo minam a vontade de poder erigem como sistema moral o nivelamento dos cumes e daescoacuteria da sociedade tornam tudo mesquinho covarde e estroacuteina ndash nelas eacute sempre o animalgregaacuterio que triunfa Liberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153retirado de o ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Escritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad NoeacuteliCorreia de Melo Sobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

64

alteridade que resultam da contundecircncia do agir e de sua forccedila de contaacutegio128

Natildeo se trata de uma eacutetica dada aprioristicamente e nem de uma alteridade

como reconhecimento do outro sem antes uma alteridade de si que exige o

colocar-se na accedilatildeo o teste de fogo que natildeo pode ter medo de se queimar

(Nietzsche a propoacutesito fala que natildeo se pode ter medo de se queimar em sua

proacutepria chama129 ou seja natildeo temer a sua destruiccedilatildeo nesse agir a sua

autocriacutetica criacutetica dentro da criacutetica) Os inquisidores prontos a defender sua feacute

acusaratildeo a accedilatildeo descrita como voluntarismo espontaneiacutesmo e ateacute como

idealismo afinal fugiu aos padrotildees costumeiros ou melhor ousou contrariar a

tradiccedilatildeo Pois eacute como contestaccedilatildeo da tradiccedilatildeo que se daacute essa eacutetica

nietzcheana derrubando os iacutedolos os ideais abalando a feacute neles ousando

profanar o lugar sagrado o altar em que se concebeu as verdades para o

homem esse animal de rebanho cuja longa histoacuteria de domiacutenio daacute se o nome

de tradiccedilatildeo

O engajamento nietzscheano eacute traacutegico porque enfrenta uma onda de

costumes amparados por valores morais culturais incutidos desde sempre eacute

uma luta quase impossiacutevel como eacute a advocacia nessa causa Afinal os adversaacuterios

tecircm sempre uma eacutetica um paradigma um partido um iacutedolo para definir o

que eacute certo e errado e senatildeo fosse o bastante ainda satildeo a maioria Nietzsche

sabia disso e uma eacutetica ao seu modo soacute pode ser o empenho que poucos

conseguiratildeo e na adversidade Natildeo se trata de voluntarismo mas um

comprometimento visceral na proacutepria carne com a accedilatildeo eacute o comprometimento

daquele que se implica na sua tarefa o que eacute diferente do comprometimento dos

partidaacuterios que agem em nome do partido com o respaldo dos outros e da

128 A ldquoeacuteticardquo nietzscheana sinaliza diretamente para uma poliacutetica traacutegica ldquoUma poliacutetica que deveinaugurar seus companheiros (criaacute-los) e a si mesma cujo poder estaacute na contundecircncia da accedilatildeo enuma seduccedilatildeo onde o poder engajador fundamental natildeo eacute a sua lsquoverdadersquo mas seu poder maacutegicode envolvimentordquo Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio deJaneiro 7Letras 2000 p 379129 ldquoComo se renovar sem antes se tornar cinzasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

65

deliberaccedilatildeo130

A acusaccedilatildeo de voluntarismo e espontaneiacutesmo eacute tentativa leviana de

imputar a essa eacutetica nietzscheana algum conteuacutedo de desresponsabilidade

quando se trata de um maacuteximo de responsabilidade porque natildeo se age em nome

de ningueacutem a natildeo ser daquilo que traccedilou para si mesmo com o custo traacutegico da

proacutepria vida e todos os que se engajam desse modo agem como companheiros e

natildeo disciacutepulos e seguidores de partido ou seita pois agem na condiccedilatildeo de

estarem seguindo a si mesmos131 Importante trazer o substantivo seita proacuteximo

ao de partido porque natildeo soacute se assemelham enquanto praacuteticas sectaacuterias

segregadoras mas tambeacutem se trata de rechaccedilar a ideacuteia de um terrorismo

nietzscheano de confundir essa accedilatildeo traacutegica com a dos fundamentalismos

portanto antecipando possiacuteveis outras acusaccedilotildees levianas Desse modo natildeo eacute

porque natildeo se segue projeto ou receita que uma accedilatildeo nietzscheana nos

termos apontados seria espontacircnea e idealista ou de rebeldes sem causa eacute

antes resultado de um diagnoacutestico do presente por isso natildeo espontacircneo

constataccedilatildeo da falecircncia dos a priores e do proacuteprio partido eacute accedilatildeo que se daacute

sem fiadores sem a crenccedila nos ideais dos outros e sem querer converter

ningueacutem a essa ideacuteia Se outros trabalharatildeo juntos eacute pela forccedila de contaacutegio e da

virulecircncia desse agir cuja afirmaccedilatildeo requer criatividade para confundir os coacutedigos

do poder132

O engajamento natildeo eacute gratuito natildeo eacute espontacircneo natildeo se esconde atraacutes

de slogans de partido e a accedilatildeo natildeo eacute voluntaacuteria eacute estrateacutegica Eacute assim que o

pensamento de Nietzsche talvez traga uma eacutetica natildeo escrita natildeo pronta uma

130 ldquoO pensamento quer a sua plenitude ndash a accedilatildeo poliacutetica quer sua contundecircnciaO acasorestituiacutedo ndash a poliacutetica nas raiacutezesrdquo p 74 ldquoA accedilatildeo sem modelos sem identidades sem pai seminstituiccedilotildees ou regrasrdquo Cf p 83 Escobar Carlos Henrique de O gato agrave deriva da Razatildeo In Porque Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

132 ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura uma tentativa dedecodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativa que consistiria em decifrar os coacutedigosantigos presentes ou futuros poreacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo p 11 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

66

eacutetica a ser obtida por quem tiver condiccedilotildees de fazecirc-lo e dessa eacutetica abre-se

uma poliacutetica traacutegica nietzscheana133 Aos acusadores cabe a sugestatildeo de ouvir

mais a sua voz e menos a dos outros

Por que ler Nietzsche no Direito

Tenho que confessar que por muito tempo natildeo tive resposta a essa

pergunta ardilosa pois feita por aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica

estatildeo de tal modo refeacutens dos padrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute

por recortes secccedilotildees que sempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um

modo de voltar a metodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total

de criteacuterio de ponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que

Nietzsche por toda a longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer

serventia para uma pesquisa acadecircmica no campo do Direito

Assim confessar que natildeo tinha respostas ateacute as veacutesperas dessa redaccedilatildeo

eacute produzir provas contra si mesmo e prejudicar o empreendimento de defesa

desse Nietzsche reacuteu Pois entatildeo o que seraacute que iratildeo pensar esses acusadores se

for ainda mais sincero levando a virtude da probidade ao seu mais alto grau134

e disser que ateacute agora natildeo tenho respostas e certamente duvido se um dia as

terei Se minha situaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo

acadecircmica agora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado

de Nietzsche nessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que

natildeo levaratildeo feacute em meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas

tambeacutem porque natildeo sou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse

trabalho seja aprovado para me diplomar Dessa forma que esperanccedilas ter na

aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e de chegada na razatildeo

133 Cf MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar aser aquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008 p 485-503134 Sobre a virtude da ldquoprobidaderdquo em Nietzsche e sua relevacircncia Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR OswaldoLabirintos da alma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP1997 sp

67

acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegico natildeo tem

pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo de curso de

Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegica do

ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco que natildeo

fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esse eacute o

meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar uma condenaccedilatildeo

faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Mas antes da

condenaccedilatildeo como mais um onamismo intelectual permitam-me as uacuteltimas

palavras direi que natildeo se trata mesmo de um trabalho de feacute nem nas minhas

argumentaccedilotildees nem sobre o que trouxe a respeito de Nietzsche eacute antes um

diaacutelogo de subjetividade enquanto tirociacutenio juriacutedico para aleacutem do objetivismo do

recorte acadecircmico Assim o ponto de partida eacute o reacuteu Nietzsche acusado de

muitos crimes e que paga uma pena perpeacutetua resultado de estelionatos

cometidos contra ele eacute o que se estaacute a sustentar O trabalho comeccedila na defesa

de algueacutem natildeo de um pedaccedilo natildeo de um recorte na razatildeo acadecircmica Eu

estudo nessa faculdade e espero me diplomar nela para operar o direito e natildeo

para ser meacutedico legista natildeo fiz recorte algum pois esse seria um corte no reacuteu

um crime de lesatildeo corporal o que para um leigo na arte meacutedica poderia causar a

mutilaccedilatildeo do reacuteu levando-o a oacutebito nesse caso se estaacute a falar da filosofia de

Nietzsche Natildeo pretendo mataacute-lo de novo E nem agir tatildeo criminosamente como

os estelionataacuterios que durante anos operaram recortes arbitraacuterios em sua

filosofia mesmo que em nome da razatildeo acadecircmica Se assim fosse o trabalho

jaacute comeccedilaria errado jaacute estaria dando motivos para ter minha oab cassada antes

mesmo de consegui-la afinal estaria sendo antieacutetico em meu ofiacutecio de

advogado de Nietzsche e poderia tambeacutem ser acusado de profanar o seu

cadaacutever como necroacutefilo que em nome da razatildeo acadecircmica essa pretensa

medicina legal operaria um recorte em sua filosofia que eacute cauterizada em sua

proacutepria carne Pois o pensamento de Nietzsche estaacute nos seus ossos no seu

sangue no seu corpo eacute visceral Natildeo se trata de fazer onamismo intelectual

violar cadaacutever nenhum ou construir um novo altar O trabalho de advogar

Nietzsche comeccedila primeiro por confissotildees de falta de saber natildeo soacute o juriacutedico de

68

uma faculdade ainda natildeo concluiacuteda mas as dificuldades de conhecer o proacuteprio

reacuteu jaacute que natildeo conheccedilo a liacutengua em que Nietzsche escrevia o alematildeo e tambeacutem

natildeo leio em inglecircs ou francecircs por enquanto para consultar as publicaccedilotildees

internacionais a seu respeito sobretudo a Nietzsche-Studien135 o que torna o

ofiacutecio mais complicado porque se a longa cartas de acusaccedilotildees a Nietzsche eacute

proacutediga os elementos para contestaacute-las satildeo sempre limitados e passam

necessariamente pelas confissotildees de limitaccedilatildeo do proacuteprio defensor enquanto que

os acusadores se julgam sempre bastante preparados e apoiados em argumentos

reiterados Mais uma vez se produz provas contra si mesmo o que num

processo desses pode ser fatal quando quem acusa estaacute a espreita aguardando

que se decirc motivo para condenar Agindo assim acabo complicando a situaccedilatildeo

abalo a feacute nas minhas defesas prejudico o reacuteu podendo gerar a perda da causa

Mas seria esconder ou dissimular os fatos confessados a proacutepria condenaccedilatildeo do

reacuteu a morte do seu pensamento eacute disso que se trata Eacute um ato de probidade136

que manteacutem o pensamento de Nietzsche defensaacutevel pois exige outro tipo de

responsabilidade que natildeo a contratual mas uma que se daacute sobre a minha proacutepria

vida

Portanto natildeo eacute apenas uma reabertura de inqueacuterito sobre Nietzsche eacute

tambeacutem um colocar-se em julgamento na frente dos animais chicoteadores

como companheiro numa luta que exige um custo traacutegico partilhando de uma

mesma sentenccedila A condenaccedilatildeo do seu pensamento como inuacutetil ao direito eacute

tambeacutem a minha reprovaccedilatildeo acadecircmica Afinal ou se vive perigosamente para

colher maior fecundidade da vida e se desafia o establishment ou se faz a

135 Notoacuteria publicaccedilatildeo internacional sobre Nietzsche fundada em 1972 por Wolfgang Muumlller-Lautercom artigos nas versotildees em inglecircs alematildeo e francecircs Muumlller-Lauter foi tambeacutem coordenador doArquivo Nietzsche onde estaacute o espoacutelio intelectual do filoacutesofo Cf prefaacutecio de Scarlett MartonProfessora da USP para A doutrina da vontade de poder em Nietzsche obra de Muumlller-Lautertraduccedilatildeo de Oswaldo Giacoacuteia Jr

136 Para os ldquoespiacuteritos livres muito livresrdquo termos como probidade intelectual virtude auto-supressatildeo da moral natildeo fazem mais sentido senatildeo como ldquoironiardquo como ldquofoacutermulasrdquo de se tornarainda inteligiacuteveis para aqueles que se mantecircm prisioneiros dos preceitos moraistermos comovirtude dever probidade natildeo podem mais ser senatildeo maacutescaras que ela natildeo pode dispensar paraa realizaccedilatildeo de sua tarefa para a formulaccedilatildeo de seu problema precisamente o de revelar o idealmoral da vontade de verdade como um problema Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Labirintos daalma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP 1997 p 144-145

69

opccedilatildeo pelos arautos da razatildeo acadecircmica que seduzem o rebanho nos dois

casos haacute um preccedilo a pagar escolhi o mais difiacutecil

Ama o perigo Que haveraacute de mais difiacutecil Eacute isto que eu quero Qual ocaminho a seguir O que sobe o mais escarpado Este eacute o que eu tomosegue-me (KAZANTZAacuteKIS sano p 45 fragmento 12)

A Vontade que interroga o Poder

Optar pela pergunta e natildeo por um tema eacute entender que na questatildeo

reside a potecircncia que pode dinamitar as pretensotildees dos meacutedicos legistas

sempre dispostos a encontrar um corte adequado aos seus estudos Ora

academicamente e filosoficamemte o tema deveria ser sempre a pergunta e

quem discorda que tente provar o contraacuterio Este trabalho eacute todo ele pergunta

sem resposta exerciacutecio de questionamento militante como argumentaccedilatildeo juriacutedica

As defesas apresentadas satildeo tambeacutem outras perguntas cuja estrateacutegia se baseia

no retorno da potecircncia da questatildeo aos acusadores que por serem muito crentes

em suas certezas natildeo tem nenhuma ou pouca feacute nas defesas apresentadas137

Portanto trata-se de devolver a questatildeo com potecircncia multiplicada em direccedilatildeo agraves

estruturas desses edifiacutecios de certezas e fazecirc-las vir abaixo num movimento

escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo138 Natildeo se trata de querer reinventar a roda de

ensinar como se deve proceder ou de se fazer tese de doutorado natildeo se trata

137 cuidado eu sou um forte e vigoroso vento tomai cuidado ao cuspir contra o vento CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

138ldquoExplorar a fundo seus meandros alcance e implicaccedilotildees mostra-se como requisito indispensaacutevelpara podermos compreender o sentido de sua filosofia A reviravolta da noccedilatildeo de sujeito requer umtrabalho paciente e meticuloso de ruminaccedilatildeo voltado ao repasse criacutetico dos caminhos trilhadospara estabelececirc-la agrave penetraccedilatildeo audaciosa em seus mais recocircnditos domiacutenios e agrave exploraccedilatildeo doslimites insertos em seus referenciais constitutivos Numa atividade subterracircnea lenta mas vigorosao filoacutesofo alematildeo vai instalando explosivos nas rachaduras do solo subjetivo submetendo-o a ummovimento escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo Contudo para que a explosatildeo alcance proporccedilotildeesradicais faz-se necessaacuterio enlaccedilar os cartuchos da dinamite destruidora com o estopim feito dematerial genealoacutegico Eacute atuando nessas duas frentes que Nietzsche pretende desencadear acataacutestrofe do sujeito entendida como ponto alto de inflexatildeo do pensamento metafiacutesico tradicional eabertura de novos horizontes filosoacuteficos Cf ONATE Alberto Marcos O crepuacutesculo do sujeito emNietzsche ou como abrir-se ao filosofar sem metafiacutesica Satildeo Paulo Discurso Editorial 2000 p 18

70

de catecismo mas de uma contestaccedilatildeo a ele do modo como as coisas sempre

foram feitas metodologicamente sem escrever uma tese sobre Natildeo eacute apanhado

de perguntas com respostas e nem se quer provar uma tese eacute o desafio de fazer

algo diferente na graduaccedilatildeo de correr o risco deixando de lado as reproduccedilotildees

doutrinaacuterias legislativas e jurisprudenciais e os compilados de fichas de leituras

esses catecismos que satildeo valorados academicamente como trabalhos de

monografia Aqueles que estatildeo acostumados a seguir a cartilha da tradiccedilatildeo e

dos manuais ouvindo mais a voz dos outros que a de si mesmos certamente iratildeo

imputar a este meu trabalho a condiccedilatildeo de tese ou de petulacircncia ou arrogacircncia

de quem almeja uma tese Ora o que fiz e estou fazendo agora eacute ouvir um pouco

a minha proacutepria voz advogando Nietzsche dialogando-o com a minha

subjetividade sem a pretensatildeo de concluir de responder as perguntas de

reinventar a roda ou promover a beatificaccedilatildeo dele lustrando as suas botas pois

se fizesse isso estaria mais proacuteximo do catecismo das reproduccedilotildees acadecircmicas

esses sim onamismos intelectuais do gozo sem prazer obras de estudantes

fieacuteis escudeiros de professor Certamente se tivessem lido Nietzsche teriam

visto a maior homenagem que um estudante pode fazer a seu professor eacute a de

roubar dele a sua coroa Ouvi mais a sua proacutepria vozrdquo139 Nietzsche irritou-se uma

vez com aqueles que chamou de filisteu na academia eram gente que apenas

reproduzia o que os outros jaacute tinham escrito quando natildeo muito imiscuiacutedos numa

loacutegica corporativista e clientelista buscavam algum benefiacutecio com esse servilismo

acadecircmico Nietzsche abandona a sua caacutetedra e vai viver como andarilho a sua

filosofia seraacute um meacutetodo de revolta140 pois se esforccedilaraacute por trazer aos seus

aforismas a potecircncia de uma maacutequina de guerra para interrogar o Poder visto de

modo muacuteltiplo difuso o que exige para um melhor desempenho dessa maacutequina

o ataque na estrateacutegia perspectivista Foucault escreve na Microfiacutesica do Poder

que Nietzsche foi filoacutesofo que pensou o poder sem enredaacute-lo numa teoria do

139 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

140 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999

71

poder141

Nietzsche eacute um criacutetico do Poder nas suas mais variadas manifestaccedilotildees

incluindo o proacuteprio Direito e a faculdade em que este trabalho eacute apresentado

afinal satildeo campos de exerciacutecio de poderes estaacute aiacute toda a pertinecircncia juriacutedica

buscada pelos farejadores de heresias diante do altar acadecircmico O trabalho

poderia concluir por isso mas natildeo eacute conclusivo haacute muito mais a falar Nietzsche

desenvolve uma filosofia que trabalha com o jogo de forccedilas de intensidades de

energias142 se trata de uma filosofia da vontade de poder A potecircncia estaacute o

tempo todo em jogo em luta em combinaccedilotildees sempre provisoacuterias tal como no

acircion heraclitiano eacute constante movimento devir Essa vontade atravessa os

corpos e os constituem do iniacutecio ao fim da vida tudo eacute vontade de poder no seu

grau mais alto ou mais baixo segundo Deleuze nas conclusotildees do coloacutequio de

Royaumont ldquoNietzscherdquo sobre a vontade de poder ou de potecircncia a variar pelas

traduccedilotildees dizia que

Se tudo eacute maacutescara se tudo eacute interpretaccedilatildeo avaliaccedilatildeo o que eacute que haacuteem uacuteltima instacircncia jaacute que natildeo haacute coisas a interpretar nem avaliarcoisas a mascarar Em uacuteltima instacircncia natildeo haacute nada salvo a vontade depotecircncia que eacute potecircncia de metamorfose potecircncia de modelar asmaacutescaras potecircncia de interpretar e de avaliarEacute preciso entenderldquovontade de potecircnciardquo Natildeo se trata de um querer-viver pois como o queeacute vida poderia querer viver Natildeo se trata de um desejo de dominar poiscomo o que eacute dominante poderia desejar dominar Zaratustra dizldquoDesejo dominar poreacutem quem quereria chamar isto um desejordquo Avontade de potecircncia natildeo eacute entatildeo uma vontade que quer a potecircncia ouque deseja dominar Uma tal interpretaccedilatildeo com efeito teria doisinconvenientes Se a vontade de potecircncia significava querer a potecircnciaela dependeria evidentemente dos valores estabelecidos honrasdinheiro poder social visto que estes valores determinam a atribuiccedilatildeo eo reconhecimento da potecircncia como objeto de desejo e de vontade Eesta potecircncia que a vontade quereria ela natildeo a obteria senatildeo selanccedilando numa luta ou num combate Bem mais perguntemos quemquer a potecircncia desta maneira quem deseja dominar Precisamenteos que Nietzsche chama de escravos de fracos Querer a potecircncia eacute aimagem que os impotentes se fazem da vontade de potecircncia Nietzschesempre viu na luta no combate um meio de seleccedilatildeo poreacutem quefuncionava ao contraacuterio e que vinha em benefiacutecio dos escravos e dos

141 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal 1979142 O instinto eacute forccedila vontade atividade e pode-se aumentar essa lista de sinocircnimos daterminologia nietzscheana acrescentando potecircncia energia intensidadeCf MACHADO RobertoNietzsche e a Verdade 2ed Rio de Janeiro Rocco 1985 p 102-103

72

rebanhos Entre as maiores palavras de Nietzsche encontra-se ldquotem-sesempre de defender os fortes contra os fracosrdquo Sem duacutevida no desejode dominar na imagem que os impotentes se fazem da vontade depotecircncia encontra-se ainda uma vontade de potecircncia poreacutem no maisbaixo grau A vontade de potecircncia no seu grau mais alto sob a formaintensa ou intensiva natildeo consiste em cobiccedilar nem mesmo em tomarporeacutem a dar e a criar (DELEUZE sano p 21-22)

Haacute que se afastar logo a leitura metafiacutesica dessa vontade de poder de

matiz heideggeriano pois natildeo se trata de princiacutepio de fundamento de nada o que

seria estancar o movimento e colocaacute-lo numa garrafa essa eacute a tarefa dos

miacutesticos a querer apreender o democircnio numa garrafa a vontade de poder natildeo

eacute maquinaccedilatildeo diaboacutelica e muito menos saiacuteda metafiacutesica eacute movimento Por isso

Deleuze afirmar que os aforismas de Nietzsche tambeacutem satildeo essa vontade de

poder cuja potecircncia dependeraacute das forccedilas que atuaratildeo sobre eles para agenciaacute-

los143 Eacute no agenciamento dessas forccedilas que se mobiliza a maacutequina de

guerra144 e a sua artilharia contra as colunas do templo da faculdade de direito

para ver o que sobra dela Mas antes que me acusem de criminoso ao me

apresentar com esse Nietzsche145 uma arma perigosa sem ter o porte dela eacute

preciso que se diga que se trata apenas de uma metaacutefora pois o preacutedio da

faculdade de direito lembra o paternon grego Contudo natildeo eacute sem sentido do

ponto de vista nietzscheano jaacute que a virulecircncia de sua filosofia da vontade de

poder eacute trabalhar por ataques nos fundamentos dinamitando-os A estrateacutegia natildeo

pode ser outra que natildeo o questionamento militante que interroga o Poder

143 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

144 Os nocircmades inventaram uma maacutequina de guerra contra o aparelho de Estado Nunca a histoacuteriacompreendeu o nomadismo nunca o livro compreendeu o fora Ao longo de uma grande histoacuteria oEstado foi o modelo do livro e do pensamento o logos o filoacutesofo-rei a transcendecircncia da Ideacuteia ainterioridade do conceito a repuacuteblica dos espiacuteritos o tribunal da razatildeo os funcionaacuterios dopensamento Cf DELEUZE Gilles Mil Platocircs vol1 rizoma Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio deJaneiro Ed 34 1995 p 35

145 De que modo entendo o filoacutesofo como um terriacutevel corpo explosivo diante do qual tudo correperigo de que modo tanto distancio meu conceito de filoacutesofo de um conceito que inclui ateacute umKant para natildeo falar dos ruminantes acadecircmicos e outros professores de filosofia Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995 p70-71

73

combatendo os poderes variados que o sustentam O Direito serve ao poder com

sua rede de mitos sujeito de direito legalidade lei ordem constituiccedilatildeo o cidadatildeo

e o criminoso entre outros a linguagem juriacutedica eacute proacutediga em mitos como toda

linguagem mas sobretudo a que serve ao direito pois serve ao poder Aleacutem

disso o Direito eacute espaccedilo em que haacute choques de forccedilas pois em tudo haacute vontade

de poder o que indica que essas forccedilas podem ser agenciadas talvez algum

sentido outro ainda pode ser buscado nessa razatildeo instrumentalizada que eacute o

Direito esse produto do esclarecimento O Direito eacute espaccedilo privilegiado do

Poder onde ele tem sua proacutepria corte os Tribunais que tambeacutem dizem o que eacute o

direito dos outros e evidentemente tambeacutem condenam e julgam a periculosidade

ou natildeo dos acusados A faculdade de direito eacute responsaacutevel por formar

administradores da justiccedila e os que a representaratildeo falando em nome dela

jurando dizer a verdade com honestidade de modo eacutetico pelos outros e para

os outros em nome da sociedade A essa altura os engenheiros de paradigmas

transmodernos146 ou natildeo mas defensores da praacutexis talvez destilem alguma

acusaccedilatildeo do tipo a de que este trabalho sobre Nietzsche e Direito natildeo tem a ver

com nada e que tambeacutem natildeo serve a sociedade que soacute eacute uacutetil o trabalho que

serve a sociedade que resolve um problema dela concreto Ora do altar

acadecircmico esses acusadores ligeiros falam de sociedade problemas dela

cidadania democracia o concreto quando nesse altar de maacutermore quem

estuda eacute uma elite que teve o meacuterito de ser aprovada no concurso vestibular eacute de

uma elite proprietaacuteria que se trata muitas vezes filha da burguesia da classe

meacutedia alta de um grupo de privilegiados que se autodenominam os bons os

justos a defender os excluiacutedos Eacute gente que advoga a praacutexis mas que natildeo

sabe o que eacute labor braccedilal certamente porque tem algum legiacutetimo membro dos

excluiacutedos a fazer os serviccedilos de casa Isto porque eacute provaacutevel que exista mais

146 A referecircncia eacute Dussel que trabalha dentro da perspectiva da ldquofactibilidaderdquo e do ldquoparadigma davida concretardquo Todavia cabe esclarecer que o movimento de criacutetica aos ldquotransmodernosrdquo eacute adefesa de Nietzsche que eacute apontado por Dussel como ldquoirracionalistardquo p 346 e filoacutesofo daldquoburocratizaccedilatildeo nazi-fascistardquo p354 ambas imputaccedilotildees presentes na sua obra Eacutetica dalibertaccedilatildeo E ainda que essa criacutetica natildeo ignora que aqueles que tecircm Nietzsche como ldquonefelibatardquotalvez sejam tambeacutem os ldquoengravatadosrdquo ou ldquoalmofadinhasrdquo que satildeo o estereoacutetipo do estudantede direito que natildeo consegue enxergar para aleacutem dos coacutedigos Assim Nietzsche natildeo eacutedevidamente lido e interpretado nem pelos ditos ldquoprogressistasrdquo (transmodernos ou natildeo) e muitomenos pelos mais ldquotradicionaisrdquo dentro do direito

74

ideal do que concreto nas formulaccedilotildees socialmente corretas daqueles que

falam pelos excluiacutedos147 e talvez aiacute se descubra mais inutilidade em seus

trabalhos do que a pretensa utilidade que advogam mais conteuacutedo de embuste

que verossimilhanccedila mais os problemas inferidos sobre a realidade que

conhecimento e vivecircncia dela Assim a academia eacute uma longa histoacuteria desses

sofistas da sociedade gente que no afatilde de falar pelos outros faz da sociedade

um conceito reificado ao seu discurso apropriado para seduzir e convencer de

que satildeo mais verdadeiros que os outros ou que fazem o bem satildeo solidaacuterios

com a dor alheia Seria interessante um dia perguntar ao excluiacutedo o que ele acha

e o que entende desse discurso afinal a liacutengua do direito eacute ferramenta de poder

e as vezes pouco inteligiacutevel e bom que o seja senatildeo todo mundo entenderia a lei

e falaria por si mesmos natildeo precisaria mais de advogados e talvez nessa

constataccedilatildeo tenha mais verdade do que piada

A faculdade tem a aparecircncia de um templo cujas paredes satildeo

impermeaacuteveis ao excluiacutedo de que falam esses filhos da elite do ensino

particular ou seriam os comunistas de tecircnis importado O excluiacutedo oprimido

proletaacuterio luacutempemproletaacuterio no mais das vezes soacute entra na academia pelo

discurso alheio por uma leitura que fazem e que a julgam ideal ou sobre os

problemas deles preocupada com eles Ora com isso tambeacutem sou estudei

minha vida toda em escolas puacuteblicas da periferia de Curitiba e diferente dos

comunistas de tecircnis importado aprendi na proacutepria pele o que eacute o labor braccedilal

assim como os meus pais por isso natildeo falo pelos outros a natildeo ser por mim e

meus companheiros de jornada natildeo tenho a cartilha da praacutexis comigo e nem

147 Na Microfiacutesica do Poder haacute o diaacutelogo de Foucault e Deleuze intitulado ldquoos intelectuais e opoderrdquo nele ambos desenvolvem o tema de que o intelectual se acostumou a falar pelos outrosquando essa ldquoalteridaderdquo esse ldquooutrordquo natildeo eacute ouvido nem fala por si soacute eacute falado ldquoporrdquo algueacutemapanhado no discurso de uma ldquorepresentaccedilatildeordquo Eacute importante fazer essa referecircncia porque aacademia eacute o lugar por excelecircncia desse tipo de discurso ldquopor algueacutemrdquo ainda mais quando asatividades de extensatildeo satildeo negligenciadas aiacute sequer se conversa com esse ldquooutrordquo ldquoPara noacutes ointelectual teoacuterico deixou de ser um sujeito uma consciecircncia representante ou representativaAqueles que agem e lutam deixaram de ser representados seja por um partido ou um sindicatoque se arrogaria o direito de ser a consciecircncia deles Quem fala e age Sempre umamultiplicidade mesmo que seja na pessoa que fala ou age Noacutes somos todos pequenos gruposNatildeo existe mais representaccedilatildeo soacute existe accedilatildeo accedilatildeo de teoria accedilatildeo de praacutetica em relaccedilotildees derevezamento ou em rederdquo Cf DELEUZE Gilles Os intelectuais e o Poder In FOUCAULTMichel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979

75

quero vender uma a ningueacutem mesmo que sob o roacutetulo da utilidade Pois vivo

para aleacutem dos muros da faculdade na periferia vivo na contradiccedilatildeo social

mergulhado na praacutexis que experimento na proacutepria carne sem circunloacutequios que

massageiam a liacutengua e o ego desses representantes do povo Cabe portanto

implodir148 a feacute desses comunistas de tecircnis importado partidaacuterios ou de

novos paradigmas ou estelionataacuterios do velho Marx talvez aiacute esteja toda a

utilidade desse trabalho fora a pertinecircncia juriacutedica jaacute citada mas o seu valor

social residindo no empenho nietzscheano de derrubar no chatildeo o doce dessas

crianccedilas ricas e de dissipar os seus castelos de areia E muitos iacutedolos tecircm

seus castelos suas confrarias sempre a parte da sociedade mesmo quando

se dizem ponte para elas eacute preciso explodir essas vaacuterias paredes eacute o trabalho de

um incendiaacuterio a faculdade puacuteblica ainda estaacute muito distante da sociedade que a

sustenta Quem sabe colocar a vontade para interrogar o Poder seja um ato de

preocupaccedilatildeo social

Criacutetica da Modernidade ou o Direito como produto do esclarecimento

Natildeo soacute o Direito mas tambeacutem a sua linguagem codificada seus mitos

ficccedilotildees seus iacutedolos tudo produto do esclarecimento O Direito foi uma oacutetima

maquinaria inventada para coagir populaccedilotildees legitimar Estados governos e

assegurar Poder O Direito eacute instrumento de domiacutenio e daqueles que anseiam por

mais poder tambeacutem uma ferramenta de conquista Quem controla a justiccedila diz o

que eacute o direito a lei149 interpreta segundo os seus desiacutegnios ou quiccedilaacute de seu

time Como toda boa invenccedilatildeo Moderna o Direito como produto do

esclarecimento garantidor de direitos humanos-fundamentais e as liberdades

individuais das luzes tambeacutem pode legitimar a barbaacuterie a justiccedila eacute cega mas os

148 Desde que uma teoria penetra em determinado ponto ela se choca com a impossibilidade deter a menor consequumlecircncia praacutetica sem que se produza uma explosatildeo se necessaacuterio em um pontototalmente diferente Cf DELEUZE Gilles Ibidem

149Importante compreender esse direito do paradigma da Modernidade inscrito na loacutegica doabsolutismo juriacutedico em que a lei eacute a uacutenica fonte do direito excluindo todas as outras Segundodefiniccedilatildeo de Paulo Grossi ldquoO que eacute o Direitordquo p 1 a 34 In Primeira liccedilatildeo sobre direito TradRicardo Marcelo Fonseca Rio de Janeiro Forense 2006

76

seus astuciosos representantes natildeo o satildeo O Estado nazista adotava

estratagemas juriacutedicos tal como estado de exceccedilatildeo com o fim de suspender os

direitos e as garantias individuais dos judeus e legitimar o genociacutedio150 Tal

como todas as boas coisas inventadas acaba por suprimir a si mesma151

Quanto ao estado de exceccedilatildeo a propoacutesito da obra de Giorgio Agamben

ex-aluno de Heidegger apresentado a este na eacutepoca por Hannah Arendt e

Professor de Esteacutetica em Veneza que escreve desse lugar de fala e trata de

temas pertinentes ao Direito Constitucional como o poder constituinte e estado

de exceccedilatildeo O que demonstra que a Esteacutetica natildeo eacute o lugar do idealismo como

sempre tem algueacutem para acusar e tambeacutem que pela esteacutetica se consegue

intensificar o debate da poliacutetica e do poder Agamben natildeo soacute porque estaacute na

moda mas por ser pensador que atua na arte literalmente jaacute foi ator de cinema

no filme de Paolo Pasolini O Evangelho Segundo Satildeo Mateus 1964 mas natildeo

apenas por isso pelo fato de trabalhar com a Esteacutetica certamente conhece

Nietzsche ainda mais porque eacute possiacutevel apontar leituras dele nos seus mestres jaacute

citados Agamben tambeacutem interage em suas obras com o pensamento de

Foucault e por isso seraacute oportunamente convocado a testemunhar nesse

trabalho em defesa de Nietzsche

Eacute preciso apontar para a criacutetica a legitimidade que investe o Direito das

luzes pois soacute eacute bom para os esclarecidos quando serve mais para otimizar a

administraccedilatildeo da justiccedila deles O estado de exceccedilatildeo na visatildeo de Agamben

natildeo eacute privileacutegio das tradiccedilotildees antidemocraacuteticas152 pois para ele o estado de

exceccedilatildeo tambeacutem estaacute presente na democracia

150 Cabe a referecircncia agrave obra de STEINER Jean-Franccedilois Treblinka Trad Christiano MonteiroOiticica Prefaacutecio de Simone de Beauvoir Satildeo Paulo Nova Fronteira 1978 Trata-se de relatosobre ldquotreblinkardquo que foi um dos maiores campos de concentraccedilatildeo nazista o autor vai reconstituir anarrativa pelo testemunho dos sobreviventes e contar a surpreendente histoacuteria de resistecircncia nolimiar da trageacutedia Sem ldquoidealismordquo talvez Foucault tenha acertado quando disse na suaMicrofiacutesica que ldquoonde haacute poder haacute resistecircnciardquo

151 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

152 Cf AGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 p 30

77

Desse modo a presenccedila da exceccedilatildeo faz implodir a crenccedila na democracia

como o sistema perfeito e tambeacutem demonstra que o direito garantidor de

liberdades sabe fazer o contraacuterio quando conveacutem E essa discussatildeo natildeo eacute sem

sentido quando se trata de Poder Direito Nietzsche como demonstra Oswaldo

Giacoacuteia Jr153

Se a exceccedilatildeo eacute o dispositivo original graccedilas ao qual o direito se refere agravevida (e aqui eacute conveniente atentar para o peso semacircntico e filosoacuteficotanto do dispositivo quanto de original) entatildeo a consequumlecircncia inevitaacuteveleacute que a violecircncia se institui como fato juriacutedico primordial e o direito natildeopode mais figurar como o posto como a negaccedilatildeo ou a supressatildeo daviolecircncia mas como a instituiccedilatildeo original e violenta da transiccedilatildeo e dapassagem da natureza agrave sociedade e agrave civilizaccedilatildeo da zoe agrave bios dobicho homem ao zoon politikon Ora essa inscriccedilatildeo da violecircncia nocoraccedilatildeo do direito e da poliacutetica constitui talvez o elemento fundamentaldaquilo que em Nietzsche poderiacuteamos reconhecer como uma filosofiado direito (Cf GIACOacuteIA Jr 2006 p95)

Quiccedilaacute ainda mais semelhanccedilas entre Foucault Agamben e Nietzsche

sejam descobertas quando se trata de criticar os poderes que investem o Direito

de sua aura canocircnica Quando Deus morreu os mais astuciosos chamados

por Nietzsche de os uacuteltimos homens os niilistas resolveram colocar o bezerro

de ouro no altar vazio tratava-se de alccedilar a ordem do sagrado outros iacutedolos

nisso os homens do esclarecimento foram muito competentes agiram como

artiacutefices da Modernidade cujo Direito que conhecemos eacute um dos seus filhos O pai

eacute a razatildeo e a maternidade incerta pois natildeo se sabe quanto tempo demorou essa

gestaccedilatildeo porque natildeo eacute de ontem que o homem busca regular a sua vida e a dos

outros Para Nietzsche a origem do Direito estaacute na diacutevida moral diacutevida que

poderia em certas condiccedilotildees autorizar ao credor impingir ao devedor o seu

creacutedito requerendo um naco de carne154 quando o Direito ao pagamento do

creacutedito se investe como direito sobre a vida sobre o corpo Continuando esse

153 Mais sobre o diaacutelogo de Agamben e Foucault em torno do pensamento de Nietzscheprincipalmente no que toca a temaacutetica do poder assinala GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo Odiscurso e o direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursos dodireito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

154 A propoacutesito Genealogia da Moral paacutegina muito provaacutevel que Nietzsche tenha sido influenciadopela leitura que fez de Shakespeare em o Mercador de Veneza haacute uma cena que retrata essedireito que Nietzsche problematiza quando Shylock perante o tribunal requer um naco de carnepor excisatildeo do peito de Antocircnio cobra uma diacutevida moral

78

debate Agamben trataraacute do homo sacer que eacute a figura que representa a vida

nua a qual pode ser morta que ningueacutem se importa155

Nesse sentido eacute uma tematizaccedilatildeo de uma leitura de Foucault a qual

aproveita a filosofia da teacutecnica de Heidegger formulada por ele do debate com o

pensamento de Nietzsche o que mais uma vez demonstra a pertinecircncia da leitura

de Nietzsche no Direito A discussatildeo no plano biopoliacutetico natildeo envolve tatildeo

somente o poder sobre o corpo como relatado da eacutepoca do direito arcaico da

diacutevida trata-se do debate mais atual sobre um direito que pretende controlar a

vida em todos os seus acircmbitos poder-saber sobre a populaccedilatildeo como diria

Foucault como tambeacutem as modalidades de exerciacutecio na geraccedilatildeo em laboratoacuterio

as pesquisas sobre o genoma as ceacutelulas-tronco como tambeacutem o debate sobre o

iniacutecio da vida descarte dos embriotildees excedentes156 como tambeacutem sobre o

teacutermino da vida o direito agrave morte como a eutanaacutesia Isso aponta para um Direito

oriundo do esclarecimento que salvo algumas adaptaccedilotildees emendas

reformulaccedilotildees conteacutem muito ainda do arcaico na sua origem e exerciacutecio

A linguagem ou o Ocaso do Direito

A linguagem fornece elementos que sustentam as decisotildees

encaminhamentos julgamentos eacute sempre um operar dos coacutedigos dos signos

linguiacutesticos como exerciacutecio de argumentaccedilatildeo juriacutedica campos de Poder O Direito

se orgulha muito de sua linguagem ela chega as vezes a ser tatildeo canocircnica como

seus dogmas afinal os dogmas se sustentam tambeacutem por linguagem Existe

aquela histoacuteria meia piada e um pouco de verdade que se o Direito fosse

escrito de modo popular natildeo haveria mais a necessidade de advogados ou

operadores do direito todos poderiam falar por si mesmos Hoje existem os

juizados especiais em que eacute permitido as pessoas comuns relatarem suas

demandas e arguumlir suas pretensotildees sem a necessidade de advogado eacute o

155 Cf AGAMBEN Giorgio Homo Sacer o poder soberano e a vida nua Trad Henrique BurigoBelo Horizonte Editora UFMG 2002 sp

156 Segundo Projeto de Lei nordm9099 tramitando no Congresso Nacional art 9ordm sect 4ordm

79

princiacutepio da celeridade e do acesso agrave justiccedila que satildeo corolaacuterios de um Direito

que se quer mais democraacutetico e avanccedilado contudo para as causas de maior

monta eacute imprescindiacutevel o advogado natildeo soacute porque exigiriam maior conhecimento

teacutecnico mas talvez porque se trata de proteger um campo de poder garantidor de

direitos mas tambeacutem de honoraacuterios Entatildeo estudamos para ser operadores do

Direito trabalhando com os seus conceitos

A criacutetica nietzscheana vai demonstrar que a linguagem esconde uma

moral a qual imputa um significado na relaccedilatildeo loacutegica da gramaacutetica aleacutem do

fetiche que a linguagem traz em termos de metafiacutesica Se tudo eacute interpretaccedilatildeo

natildeo haacute fatos toda explicaccedilatildeo eacute perspectiva a linguagem seraacute a exteriorizaccedilatildeo da

potecircncia dos dominantes Desse modo eacute preciso advogar a filosofia de Nietzsche

como genealogia de um estado de coisas a crise da Modernidade e do

esclarecimento iluminista e a decadecircncia de suas instituiccedilotildees no que se deve

incluir o Direito Para tanto o princiacutepio da interpretaccedilatildeo deve ser o proacuteprio

inteacuterprete aquele que se compromete ldquoeacuteticamenterdquo com aquilo que critica Assim

cabe pensar ldquocomrdquo e ldquoatraveacutesrdquo de Nietzsche mobilizar a paroacutedia e o jogo de

intensidades que requer o engajamento na arte traacutegica interrogando o Poder O

meacutetodo de interpretaccedilatildeo a partir de Nietzsche anuncia Foucault no coloacutequio de

Royamount dialogando Nietzsche Marx e Freud como nova hermenecircutica para

operar a genealogia dos signos do Ocidente Diante da crise da Modernidade e

suas instituiccedilotildees a ldquomorte de Deusrdquo entendida como a ldquomorte do esclarecimentordquo

e criacutetica da razatildeo iluminista afirma Foucault

Em Nietzsche estaacute claro que a interpretaccedilatildeo permanece semacabarSe a interpretaccedilatildeo natildeo se pode nunca acabar isto quersimplesmente significar que natildeo haacute nada a interpretar Natildeo haacute nadaabsolutamente primaacuterio a interpretar porque no fundo jaacute tudo eacuteinterpretaccedilatildeo cada siacutembolo eacute em si mesmo natildeo a coisa que se ofereceaacute interpretaccedilatildeo mas a interpretaccedilatildeo de outros siacutembolosE eacute umarelaccedilatildeo mais de violecircncia que de elucidaccedilatildeo a que se estabelece nainterpretaccedilatildeo De fato a interpretaccedilatildeo natildeo aclara uma mateacuteria que como fim de ser interpretada se oferece passivamente ela necessitaapoderar-se e violentamente de uma interpretaccedilatildeo que jaacute estaacute ali quedeve trucidar revolver e romper a golpes de marteloDesta mesmaforma Nietzsche apodera-se das interpretaccedilotildees que satildeo jaacute prisioneirasumas das outras Natildeo haacute para Nietzsche um significadooriginalNietzsche diz que as palavras foram sempre inventadas pelasclasses superiores natildeo indicam um significado impotildeem uma

80

interpretaccedilatildeo (Cf FOUCAULT sano p 21-24)

Nesse sentido cabe advogar o pensamento de Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o poder para a criacutetica do Direito De onde emerge a importacircncia do

estudo da linguagem nietzscheana do uso da paroacutedia da estrateacutegia de se

apropriar do significado dado157 para que seja reinterpretado e funcione de modo

inaudito158 ou como aponta Vattimo fazer a re-escrita paroacutedica do texto

metafiacutesico159 A linguagem nietzscheana estabelece um jogo de intensidades

proacuteprio do meacutetodo genealoacutegico que imporaacute uma interpretaccedilatildeo no perspectivismo

cujo criteacuterio seraacute a vida no seu fluxo amor fati

ldquoMinha foacutermula para a grandeza no homem eacute amor fati nada quererdiferentemente seja para traacutes seja para frente seja em toda aeternidade Natildeo apenas suportar o necessaacuterio menos ainda oculta-lo ndashtodo idealismo eacute mendancidade ante o necessaacuterio ndash mas amaacute-lo(CfNIETZSCHE 1995 p51)

Se natildeo existem fatos mas tudo eacute interpretaccedilatildeo segundo Nietzsche as

palavras nada mais satildeo do que interpretaccedilotildees e ldquomaacutescarasrdquo Nos cabe interpretar

as interpretaccedilotildees realizando a pergunta de por quem interpretou Recomenda

Foucault

A interpretaccedilatildeo encontra-se diante da obrigaccedilatildeo de interpretar-se a simesma ateacute o infinito de voltar a encontrar-se consigo mesma Daqui sedesprendem duas consequumlecircncias importantes A primeira refere-se aque a interpretaccedilatildeo seraacute sempre sucessivamente a interpretaccedilatildeo deldquoquemrdquo natildeo se interpreta realmente quem propocircs a interpretaccedilatildeo Oprinciacutepio da interpretaccedilatildeo natildeo eacute mais do que o inteacuterprete e este talvezseja o sentido que Nietzsche deu a palavra ldquopsicologiardquo A segundaconsequumlecircncia refere-se que ao interpretar-se sempre a si mesma natildeopode deixar de voltar-se sobre si mesmaA morte da interpretaccedilatildeo eacutecrer que haacute siacutembolos que existem primariamente originalmenterealmente como marcas coerentes pertinentes e sistemaacuteticasrdquo (CfFOUCAULT sano p 26)

157 Uma relaccedilatildeo de forccedilas que se inverte um poder confiscado um vocabulaacuterio retomado evoltado contra seus utilizadores uma dominaccedilatildeo que se enfraquece se distende se envenenae uma outra que faz sua entrada mascarada Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder TradRoberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 28158 Cf MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 sp

159 Cf VATTIMO Gianni As aventuras da diferenccedila o que significa pensar depois de Heidegger eNietzsche Ediccedilotildees 70 Lisboa 1980 sp

81

Com Nietzsche a interpretaccedilatildeo se daacute como relaccedilatildeo de forccedilas dinacircmica e

pragmaacutetica pois interpretar eacute abrir-se para o mundo160 Ao desmoralizar a

autoridade da linguagem Nietzsche abre espaccedilo para uma eacutetica daquele que se

implica no texto lido161 se comprometendo com o que critica para isso natildeo pode

tomar o mestre como iacutedolo mas questionar constantemente os fundamentos

Eacute preciso ldquose pocircr em guardardquo contra o mestre162 e aprender a pensar com

e atraveacutes de Nietzsche como criacutetica ao Poder Aqueles acostumados a ler o

Direito pelos coacutedigos parados no tempo da metafiacutesica pelas doutrinas

jurisprudecircncias e suas reproduccedilotildees certamente se ofenderatildeo com o expediente

nietzscheano de subverter a linearidade promovendo deslocamentos de

intensidades no texto163 seja pela paroacutedia ou pela re-escrita dele faz naufragar a

metafiacutesica164 partindo-a com a potecircncia que lhe atravessa dobrando os signos

explodindo o texto em fragmentos para serem bricolados

Nesse momento desta defesa cabe trazer o testemunho do antropoacutelogo

Claude Leacutevi-Strauss na sua obra o Pensamento Selvagem sobre a ideacuteia de

bricolagem

Em nossos dias o bricoleur eacute aquele que trabalha com suas matildeos estaacuteapto a executar um grande nuacutemero de tarefas diversificadas a regra de

160 Cf GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclomutaccedilotildees novas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de2007 notas de proacuteprio punho

161 Ataco somente causas em que natildeo encontraria aliados em que estou soacute ndash em que mecomprometo sozinhoNunca dei um passo em puacuteblico que natildeo me comprometesse ndash este eacute o meucriteacuterio do justo obrar Cf NIETZSCHE p 32 Ecce homo idem

162 Nietzsche indica que ldquoeacute preciso se pocircr em guarda contra mim tambeacutemrdquo afinal ele natildeo quer servisto como um santo

163 Faccedila rizoma e natildeo raiz nunca plante Natildeo semeie pique Natildeo seja nem uno nem muacuteltiplo sejamultiplicidades Faccedila a linha e nunca o ponto A velocidade transforma o ponto em linha22 Sejaraacutepido mesmo parado Linha de chance jogo de cintura linha de fuga Cf DELEUZE Gilles MilPlatocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995p 34-35

164 ldquoO que se encontra no comeccedilo histoacuterico das coisas natildeo eacute a identidade ainda preservada daorigem eacute a discoacuterdia entre as coisas eacute o disparaterdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica dopoder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p18

82

seu jogo eacute sempre arranjar-se com os ldquomeios-limitesrdquo isto eacute umconjunto sempre finito de utensiacutelios e de materiais bastante heteroacuteclitosporque a composiccedilatildeo do conjunto eacute o resultado contingente de todas asoportunidades que se apresentaram para renovar e enriquecer oestoque ou para mantecirc-lo com os resiacuteduos de construccedilotildees e destruiccedilotildeesanteriores (Cf LEVI-STRAUSS 1989 32-33)

Para que a ideacuteia fique mais clara para o campo juriacutedico importante trazer

tambeacutem o testemunho do juiz de direito e doutor pela mesma universidade que

defendo este trabalho Alexandre Morais da Rosa que trabalhou o meacutetodo de

Levi-Strauss no processo penal como colagem de significantes aponta que

ldquoJogo de palavras em que a liacutengua eacute o teatro exercitando-se com saber + sabor

o trabalho de deslocamento de significantes de suspensatildeo de significacircncia de

deslizamentos isto eacute bricolagemrdquo (Cf ROSA 2006 379) Nisso quem faz a

bricolagem eacute aquele que

Executa um trabalho sem que exista um plano riacutegido previamentedefinido mas que se deixa levar pelos utensiacutelios que possui agrave matildeoconstruindo remontando colando () No caminhar da construccedilatildeoqualquer material pode ser importante pois sua loacutegica eacute lsquoisso semprepode servirrsquo diversamente do engenheiro que estaacute encerrado nos limitesde seu projeto ou seja natildeo descarta os significantes que natildeoconformam com sua preacutevia ideacuteia (Cf ROSA 2006 364)

Eacute certo que Deleuze Foucault Derridaacute iratildeo se queixar da presenccedila dessa

estranha testemunha (Levi-Strauss) que eacute apontada no meio cientiacutefico como

estruturalista enquanto que eles se consideram natildeo-estruturalistas165 Ele natildeo eacute

do nosso time Certamente essa eacute uma reaccedilatildeo perigosa ainda mais quando eacute

na frente dos acusadores sempre a espreita querendo farejar situaccedilotildees para

novas imputaccedilotildees ao Nietzsche reacuteu Mas como jaacute havia avisado ao contestar as

acusaccedilotildees de poacutes-moderno natildeo se trata de um Nietzsche de um time o

exerciacutecio dessa advocacia natildeo se arranjaraacute com a fianccedila de nenhuma confraria

165 Nem Deleuze nem Lyotard nem Guattari nem eu nunca fazemos anaacutelise de estrutura natildeosomos absolutamente estruturalistas Se me perguntasse o que faccedilo e o que os outros fazemmelhor do que eu diria que natildeo fazemos pesquisa de estrutura Faria um jogo de palavras ediriaque procuramos fazer aparecer o que na histoacuteria de nossa cultura permaneceu ateacute agoraescondido mais oculto mais profundamente investido as relaccedilotildees de poderrdquo Cf FOUCAULTMichel A verdade e as formas juriacutedicas Trad Roberto Machado Rio de Janeiro PUC-Rioeditora 2002 p 30

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natildeo eacute defesa associada a ningueacutem o compromisso eacute apenas com o reacuteu Quanto a

bricolagem antes da testemunha prosseguir Derridaacute expotildee que eacute preciso que os

etnoacutelogos tambeacutem saibam fazer bricolagens natildeo apenas falem delas166 Fazer a

bricolagem com os signos jogar com eles promover o jogo de intensidades

ousando deslocar os mitos da linguagem embaralhando-a confundindo os

censores Ora essa bricolagem estruturalista de Levi-Strauss natildeo estaacute muito

distante na perspectiva da vontade de poder do modo de agir daquele time de

qualquer modo uma investigaccedilatildeo de semelhanccedilas e dessemelhanccedilas natildeo cabe

nesse processo sob pena de perder de vista a mateacuteria e ser julgado como

deserto

O que interessa eacute fazer a apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem

enquanto jogo de intensidades que corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe

outro sentido uma hermenecircutica do fragmento para colar se deve usar a tinta

pessoal seria o sangue o proacuteprio167 Ou para natildeo assustar os jurados que se

use a metaacutefora daquele que trabalha um mosaico cortando e recortando revistas

jornais e com o uso de cola pincel e tinta vai sujar os proacuteprios dedos na

atividade e que assim seja pois se implica no que faz haacute um comprometimento

eacutetico no sentido niezstcheano com a bricolagem como empreendimento de

uma vontade de poder que se agenciou das peccedilas168 eacute como uma fabriqueta de

bombas que se deve compreender essa bricolagem que fornece recursos

criativos para novas explosotildees com um tipo de dinamite que natildeo se perde ao

estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Esse eacute o pensamento nietzscheano aplicado na bricolagem Ainda em

Deleuze no livro Mil Platocircs que escreve em parceria com Feacutelix Guattari encontra-

166 Cf DERRIDA Jacques Gramatologia Trad Miriam Schnaiderman Satildeo Paulo Perspectivaed Da Universidade de Satildeo Paulo 1973 sp

167 Soacute aprecio o que eacute escrito com o proacuteprio sangue Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

168 A relaccedilatildeo de uma maacutequina de guerra com o fora natildeo eacute um outro modelo eacute um agenciamentoque torna o proacuteprio pensamento nocircmade que torna o livro uma peccedila para todas as maacutequinasmoacuteveis uma haste para um rizoma Cf DELEUZE Gilles GUATTARI Feacutelix Mil Platocircscapitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p36

84

se a ideacuteia de rizoma

Resumamos os principais caracteres de um rizoma diferentemente dasaacutervores ou de suas raiacutezes o rizoma conecta um ponto qualquer comoutro ponto qualquer e cada um de seus traccedilos natildeo remetenecessariamente a traccedilos de mesma natureza ele potildee em jogo regimesde signos muito diferentes inclusive estados de natildeo-signos Ele natildeo temcomeccedilo nem fim mas sempre um meio pelo qual ele cresce etransborda Oposto a uma estrutura que se define por um conjunto depontos e posiccedilotildees por correlaccedilotildees binaacuterias entre estes pontos erelaccedilotildees biuniacutevocas entre estas posiccedilotildees o rizoma eacute feito somente delinhas linhas de segmentaridade de estratificaccedilatildeo como dimensotildeesmas tambeacutem linha de fuga ou de desterritorializaccedilatildeo como dimensatildeomaacutexima segundo a qual em seguindo-a a multiplicidade semetamorfoseia mudando de natureza O rizoma procede por variaccedilatildeoexpansatildeo conquista captura picada Oposto ao grafismo ao desenhoou agrave fotografia oposto aos decalques o rizoma se refere a um mapaque deve ser produzido construiacutedo sempre desmontaacutevel conectaacutevelreversiacutevel modificaacutevel com muacuteltiplas entradas e saiacutedas com suaslinhas de fuga (Cf DELEUZE 1995 p 31-32)

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho

Um rizoma natildeo comeccedila nem conclui ele se encontra sempre no meioentre as coisas inter-ser intermezzoEntre as coisas natildeo designa umacorrelaccedilatildeo localizaacutevel que vai de uma para outra e reciprocamente masuma direccedilatildeo perpendicular um movimento transversal que as carregauma e outra riacho sem iniacutecio nem fim que roacutei suas duas margens eadquire velocidade no meio (CfDELEUZE 1995 p 37)

A constituiccedilatildeo dele eacute por platocircs

No rizoma circula estados todo tipo de ldquodeviresrdquo um rizoma eacute feito deplatocircs serve-se da palavra platocirc para designar algo muito especialuma regiatildeo contiacutenua de intensidades vibrando sobre ela mesma e quese desenvolve evitando toda orientaccedilatildeo sobre um ponto culminante ouem direccedilatildeo a uma finalidade exterior Cada platocirc pode ser lido emqualquer posiccedilatildeo e posto em relaccedilatildeo com qualquer outro Para omuacuteltiplo eacute necessaacuterio um meacutetodo que o faccedila efetivamente nenhumaastuacutecia tipograacutefica nenhuma habilidade lexical (Cf DELEUZE 1995 p32-33)

Os platocircs podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico tal como aponta

85

Agamben na sua obra profanaccedilotildees169

Talvez desse jogo luacutedico o Direito possa aprender alguma coisa o que

portanto natildeo eacute nenhum onamismo intelectual de que se trata mas de um

engajamento aprendido pelas descobertas feitas por uma odisseacuteia para aleacutem do

texto metafiacutesico juriacutedico que nesse nomadismo traz outras abordagens Como

aponta Agamben citando Walter Benjamin eacute preciso que o Direito seja operado

de modo luacutedico natildeo para devolvecirc-lo ao seu uso canocircnico mas para libertaacute-lo

completamente dele170 Quiccedilaacute seja mais adequado falar que a linguagem do

Direito eacute o seu niilismo por escrito e isto ainda o levaraacute a seu Ocaso

O Direito em crise ou o crepuacutesculo de suas verdades

Os acusadores ou farejadores de heresias perante o altar da razatildeo

acadecircmica poderatildeo eacute meu vaticiacutenio julgar que ateacute aqui soacute vieram depor na

defesa testemunhas da filosofia talvez com a exceccedilatildeo de um antropoacutelogo todos

eram leitores de Nietzsche e por isso seus depoimentos natildeo deveriam ser

considerados jaacute que satildeo suspeitos para afirmar alguma coisa Aleacutem do mais

este eacute um trabalho de conclusatildeo de curso de Direito e natildeo de filosofia com o f

minuacutesculo mesmo e que diante dos testemunhos trazidos se deveria julgar que eacute

no maacuteximo um trabalho de filosofia sobre o Direito e natildeo de Filosofia do Direito

Com isso pretenderiam os acusadores ligeiros em deslegitimar o que foi dito ateacute

aqui novamente apontar a inutilidade desse trabalho inserindo-o como um mero

exerciacutecio esteacutetico pois fala sobre o Direito do ponto de vista da filosofia para natildeo

serem rigorosos em demasia e convencer os jurados os acusadores diriam que o

trabalho teve o meacuterito de ao menos trazer as ideacuteias de um pensador que natildeo eacute

estudado pelo Direito o reacuteu Nietzsche mas que nada aleacutem disso natildeo logrou

trazecirc-lo para o Direito no maacuteximo ilustrou uma histoacuteria do direito com as ideacuteias

nietzscheanas E se natildeo trouxe ao Direito foi principalmente pela ausecircncia de

169 Cf AGAMBEN Giorgio Profanaciones Trad Flaacutevia Costa y Edgardo Castro Buenos AiresAdriana Hidalgo editora 2005 sp

170 CfAGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 sp

86

testemunhos de intelectuais do Direito eis aiacute a fundamentaccedilatildeo uacuteltima dos

acusadores sua tentativa de imputar uma condenaccedilatildeo definitiva a do reacuteu como

um autor inuacutetil ao Direito trata-se de arguumlir a ausecircncia de testemunhos

propriamente juriacutedicos e nisso vencer a causa por ausecircncia de provas materiais

da defesa Vale tudo desde que se declare a condenaccedilatildeo do reacuteu para a

satisfaccedilatildeo do acusadores essa sim onamista natildeo de um gozo sem prazer mas

a satisfaccedilatildeo daqueles que buscam solitariamente no Direito o prazer quase sexual

de suas respostas mesmo que ao custo do escalpelamento do reacuteu essa

dissecaccedilatildeo ciruacutergica que eacute a retoacuterica juriacutedica no seu intento de condenar por

juiacutezos a priori e talvez nesse onamismo tambeacutem haja um pouco de sadismo

cujo empreendimento desses acusadores ou seriam torturadores seria o de

arrancar as unhas do reacuteu ao escalpelo para que confesse logo sua culpa e pare

de dar trabalho ao juacuteri com sua estranha presenccedila Contra esse empreendimento

autosatisfeito da acusaccedilatildeo cabe opor os princiacutepios do contraditoacuterio e da ampla

defesa e da presunccedilatildeo de inocecircncia do reacuteu corolaacuterios do Estado Democraacutetico de

Direito jaacute que na ecircnfase acusatoacuteria o que se nota eacute uma presunccedilatildeo de culpa

Esse processo penal que temos ao que parece eacute bastante inquisitoacuterio pois nega a

legitimidade da defesa e o tempo todo busca produzir provas que confirmem o jaacute

decidido Isso demonstra que o Direito quando busca solitariamente o prazer de

responder as suas demandas com justiccedila a despeito de toda a objetividade de

suas normas seus princiacutepios seus a prioris age muitas vezes com o

subjetivismo proacuteprio dos detratores Tatildeo ligeiros na acusaccedilatildeo que negam os

princiacutepios que a prioristicamente datildeo a razatildeo de ser ao Direito que alegam

representar Ora esses acusadores representantes do Direito da lei da

ordem da justiccedila em nome da democracia ou com o poder conferido pelo

povo com o seu subjetivismo se colocam para fora do Direito isso sim o que

deve ser denunciado que nenhum direito tecircm nos seus circunloacutequios senatildeo

aquele que avaliza as suas verdades

Eacute preciso contestar a legitimidade dos que acusam e alegar natildeo soacute a

pertinecircncia juriacutedica deste trabalho como o fato de ser um trabalho de filosofia

mas do Direito Natildeo apenas como exerciacutecio de advocacia para defender o

87

Nietzsche reacuteu mas como questionamento radical das verdades juriacutedicas o que

soacute poderia acontecer como um colocar de dinamites dentro do Direito Trata-se

de Filosofia do Direito como quiserem os acusadores de f maiuacutesculo pouco

importa jaacute que o trabalho se reconhece natildeo onamista pois recusa a visatildeo dos

saberes compartimentados se eacute trabalho de conclusatildeo de um curso de Direito

solitaacuterio no seu templo eacute antes o resultado de um nomadismo universitaacuterio

portanto natildeo eacute Direito estrito senso Quiccedilaacute o problema do Direito e a filosofia de

Nietzsche eacute o colocar em duacutevida dos fundamentos seja a sua vontade de

verdade vontade de sistema ou mais claramente falando o seu caraacuteter estrito

senso o qual investe o recorte acadecircmico e tambeacutem aquele que se daacute sobre a

realidade que julga o direito que vive no templo natildeo vai a rua natildeo se nomadiza

Assim o Direito de que se orgulham os acusadores ao falar em seu nome seria

qualquer outra coisa menos direito Pois na sua vontade de sistema o Direito

precisa reduzir as coisas cortaacute-las diminuiacute-las natildeo soacute as iniciais dos outros

saberes minuacutesculos perante Ele mas tambeacutem trabalhar na loacutegica do estrito

senso para satisfeito ou seria autosatisfeito fazer justiccedila Nesse sentido o

nomadismo potildee em risco essa loacutegica do recorte proacutepria aos operadores e

meacutedicos legistas do direito e da lei para forccedilar a estrutura a uma criacutetica radical de

seus fundamentos entrando no templo da faculdade de Direito com um outro

anuacutencio tal como no aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia um homem louco entrou

em diversas igrejas sendo expulso de todas elas ousou dizer que Deus estava

morto e que foi o proacuteprio homem que o matou e que aquelas igrejas natildeo eram

mais do que tuacutemulos dele171

Talvez seja preciso dizer dentro do templo do Direito que este lugar natildeo

eacute mais do que seu tuacutemulo e que seu cadaacutever o tempo todo eacute conspurcado pela

loacutegica do estrito senso do corte dos legistas e dos operadores que falam em seu

nome seus proacuteprios assassinos homicidas do Direito Natildeo se fez a autoacutepsia mas

eacute de supor que uma das principais causas tenha sido o d maiuacutesculo sobreposto

aos demais saberes com a autoridade do mais verdadeiro pois alccedilado a

171 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

88

condiccedilatildeo de iacutedolo que do seu altar responde pelos desiacutegnios de justiccedila Eacute

preciso contestar a supremacia do maiuacutesculo ousar derrubar mais esse iacutedolo

como apenas mais um nome para um ideal e quem sabe desprovido do seu

caraacuteter canocircnico para se assumir como uma invenccedilatildeo do homem tatildeo minuacutescula

quanto as outras possa aprender a dialogar com os outros saberes e a duvidar de

suas verdades O direito no minuacutesculo tatildeo igual aos outros natildeo melhor ou

maior e mais adequado seria dizer que este trabalho eacute de filosofia do direito e

abolido estaacute o maiuacutesculo pois esse eacute um obstaacuteculo arrogante ao nomadizar

universitaacuterio Continuemos a defesa trazendo entatildeo testemunhos de intelectuais

do direito agora sempre no minuacutesculo como os civilistas O direito da

racionalidade moderna eacute da loacutegica proprietaacuteria direito herdado do coacutedigo

napoleocircnico o qual serviu de modelo ao coacutedigo civil de 1916 aponta Fachin e

ainda De 1916 para o novo coacutedigo civil de 2002 natildeo se mudou muito em termos

de estrutura172 Eacute o direito do ter e natildeo do ser que foi legado pelo

esclarecimento o que para natildeo se cometer injusticcedila Fachin acredita numa

leitura do direito civil pela constituiccedilatildeo na superaccedilatildeo da dicotomia do sujeito

separado do objeto pela razatildeo moderna a qual trabalhou intuito de cortar a

realidade a seu gosto simplificando-a nos coacutedigos A tentativa eacute de interpretar os

coacutedigos atraveacutes dos princiacutepios constitucionais que conteriam a saiacuteda para o

verdadeiro direito e para a realizaccedilatildeo da justiccedila Cabe trazer o testemunho dos

penalistas aos quais o processo penal eacute inquisitoacuterio ou conforme Juarez Tavares

Eacute um direito penal que age com presunccedilatildeo de culpa173 ou ainda conforme

Pavarini Eacute um direito penal da modernidade com traccedilos de preacute-modernidade174

172 Cf FACHIN Luiacutes Edson Direitos fundamentais e os desafios do direito privado brasileirocontemporacircneo a partir da incidecircncia constitucional In Painel de Direito Civil semana acadecircmicado Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacuteprio punho em setembro de2008

173 Cf TAVARES Juarez Sistema penal e direitos fundamentais In Painel de Direito Penalsemana acadecircmica do Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacutepriopunho em setembro de 2008

174 Cf PAVARINI Massimo Democracia consenso social e penalidade As tendecircncias atuaisnas poliacuteticas penais e de encarceramento no mundo Escola de Altos Estudos da CapesDepartamento de poacutes-graduaccedilatildeo em direito da UFPR anotaccedilotildees de proacuteprio punho setembro de2008

89

Esses testemunhos satildeo resultado de um apanhado de notas tiradas de palestras

havidas nesses uacuteltimos dias nas veacutesperas da escritura da monografia ou com ela

jaacute em andamento

Essa confissatildeo acentua a escolha deste trabalho pela bricolagem

quando tudo pode servir175 natildeo haacute projeto anterior todo este trabalho derivou

da pergunta por que ler Nietzsche no direito E estaacute a deriva das provaacuteveis

respostas navegando os afluentes de um rizoma Foram apresentados o

testemunho de alguns intelectuais do direito nessa defesa eacute preciso denunciar a

ineacutepcia dos que acusam o abandono do juriacutedico neste trabalho afinal estudiosos

do direito acabaram de ser convocados a depor contra a racionalidade moderna

que investe esse direito produto do esclarecimento Ao ensejo tambeacutem cabe a

denuacutencia de que muito se valoriza ainda a filosofia do direito que parta do

referencial kantiano metafiacutesico da norma fundamental e que o direito eacute ainda

muito crente nas verdades da razatildeo moderna legada pelas luzes com sua

pretensatildeo de universalidade travestida da bondade da pregaccedilatildeo dos direitos

humanos e princiacutepios abstratos Nisso cabe tambeacutem criticar o quantum de

racionalidade moderna que estaacute presente tambeacutem nas constituiccedilotildees que se

arrogam cartas de princiacutepios sendo que todas foram escritas por representantes

do povo este o nome para quem ocupa as cadeiras do poder As constituiccedilotildees

natildeo satildeo a saiacuteda miraculosa para a verdade dos direitos e da justiccedila o que se

fosse verdade poderia salvar um direito que no seu altar faz muitas

promessas Natildeo haacute messianismo na constituiccedilatildeo como jaacute se descobriu que natildeo

haacute nos coacutedigos o que jaz positivado nelas tambeacutem satildeo coacutedigos mesmo que mais

sofisticados Tambeacutem satildeo simplificaccedilotildees da realidade ao gosto dos legisladores

da eacutepoca sempre dispostos a realizar uma nova emenda no texto os homens que

exercem o seu poder em nome deles mesmos ou de seu time Eacute preciso

derrubar o iacutedolo profanaacute-lo natildeo apenas lhe retirando a supremacia da inicial

maiuacutescula mas tambeacutem a feacute nos seus cacircnones natildeo para colocaacute-la em outro

175 Cf ROSA Alexandre Morais da Decisatildeo Penal Bricolage de Significantes Rio de JaneiroLuacutemen Juacuteris 2006 sp e tambeacutem Cf LEVI-STRAUSS Claude O Pensamento Selvagem TradTacircnia Pellegrini Campinas SP Papirus 1989 sp

90

lugar transportando-a dos coacutedigos para a constituiccedilatildeo Atualmente o direito

sustenta uma desfuncionalidade que eacute a sua proacutepria funcionalidade176 conforme

Lecircnio Streck jurista e leitor de Heidegger e Gadamer os quais tambeacutem foram

leitores de Nietzsche

Eacute a crise do direito e o crepuacutesculo de suas verdades cuja palavra natildeo eacute

sem sentido do ponto de vista filoloacutegico segundo o dicionaacuterio177 crepuacutesculo se

trata da luminosidade indecisa que precede o nascer do sol ou persiste algum

tempo depois do ocaso crepuacutesculo tambeacutem quer dizer o proacuteprio ocaso e uma

decadecircncia gradual Esse eacute o diagnoacutestico nietzscheano para um direito da

tradiccedilatildeo conservador elitista e filho da modernidade que cresceu brincando

nos escombros da preacute-modernidade cuja histoacuteria se confunde com a da

propriedade para Wolkmer jurista e historiador que escreve na sua obra histoacuteria

do direito no brasil desde os primeiros momentos as faculdades de direito

serviram para formar as elites os administradores da justiccedila e do poder

A implantaccedilatildeo dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil em 1827um em Satildeo Paulo e outro em Recife (transferindo de Olinda em 1854)refletiu a exigecircncia de uma elite sucessora da dominaccedilatildeo colonizadoraque buscava concretizar a independecircncia poliacutetico-cultural recompondoideologicamente a estrutura de poder e preparando nova camadaburocraacutetico-administrativa setor que assumia a responsabilidade degerenciar o paiacutes (Cf WOLKMER 1999 80)

Ainda paira no templo do direito onde ele eacute ensinado aquela

luminosidade indecisa que vem depois do ocaso ou como um sinal de que ele

estaacute proacuteximo numa decadecircncia gradual

A Gaia Ciecircncia ou ldquoaurorardquo do direito

O crepuacutesculo eacute tambeacutem aquela luminosidade indecisa que precede o

nascer do Sol nisso o sentido da palavra se confunde com o de aurora (cujo

sentido filoloacutegico quer dizer luz que precede o nascer do Sol aurora tambeacutem

176 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

177 ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

91

quer dizer princiacutepio178) Aurora tambeacutem eacute o nome para uma obra de Nietzsche

que iraacute escrever muitas auroras ainda natildeo brilharam inspirado por leituras

miacutesticas do Rig-Veda livros da sabedoria indiana179 A presenccedila da palavra

crepuacutesculo tambeacutem estaacute em outro livro de Nietzsche o crepuacutesculo dos iacutedolos

ou como filosofar a golpes de martelo o qual comeccedila com a descriccedilatildeo de quatro

erros apontando para uma criacutetica radical da modernidade Aurora crepuacutesculo

esse jogo de intensidades foi o modo que achou de atacar as luzes mostrando

o conteuacutedo de sombra que escondem

Desse modo o reacuteu Nietzsche exprime o seu pensar acusado de miacutestico

por alguns e considerado obscuro por outros dentre eles Heidegger que teria

dito que a verdadeira filosofia de Nietzsche se depreende de suas cartas e natildeo de

seus aforismas os quais para esse Heidegger analiacutetico mais dissimulavam a

filosofia dele do que a explicitavam Eacute a insistecircncia na metaacutefora tal como a de seu

Zaratustra personagem solar que iraacute viver algumas metamorfoses enfrentando a

rejeiccedilatildeo puacuteblica de suas ideacuteias de seu anuacutencio banido ao deserto teraacute que

aprender a viver natildeo apenas na luz mas tambeacutem nas sombras conhecer o

crepuacutesculo para enxergar a aurora (como se renovar sem se tornar cinzas Eacute o

mito da fecircnix segundo Nietzsche em seu Zaratustra interpretado por Maria

Cristina Franco Ferraz180)

Isso quer dizer que eacute preciso viver o niilismo seja pela constataccedilatildeo da

morte do iacutedolo seja pela insistecircncia desses uacuteltimos homens seus assassinos

em tentar ocultar e conspurcar o cadaacutever com outras crenccedilas no lugar e viver no

sentido nietzscheano eacute o nomadizar-se com o espiacuterito de aventura e correndo

riscos Eacute preciso aceitar o niilismo para ultrapassaacute-lo esse eacute o teste para a

vontade de poder que exige o aleacutem-do-homem uma tarefa para quem conseguir

dobrar e agenciar as forccedilas sobrevivendo ao jogo delas que subsume os

crentes o rebanho e seus pastores na feacute do iacutedolo inespugnaacutevel O

178 Segundo ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

179 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

180 Ibidem

92

ultrapassamento do niilismo eacute a transvaloraccedilatildeo dos valores um empenho

eacutetico de trecircs metamorfoses segundo Nietzsche o camelo o leatildeo e a crianccedila181

Eacute a assunccedilatildeo de uma responsabilidade traacutegica muitas auroras ainda natildeo

brilharam e quando soacute se enxerga sombra e crepuacutesculo pouca esperanccedila haacute e

qualquer bezerro de ouro vira iacutedolo sinal do messianismo desse modo de

pensar decadente e niilista O caminho da transvaloraccedilatildeo eacute o que se daacute como

nomadizar-se como travessia da crise como atravessamento de forccedilas que se

chocam com o fundamento de onde nascem os valores talvez natildeo ainda o iacutedolo

derrubado que se fala este permanece no altar mas da pedra fundamental que

sustenta o templo ou esse mausoleacuteu sepulcro suntuoso Talvez depois da

explosatildeo causada por essas dinamites nietzscheanas brilhe uma possiacutevel

aurora ao direito agora visto como gaia ciecircncia pois alegre e luacutedico Escreve

Nietzsche na Gaia Ciecircncia aforisma 108

Depois de Buda ter morrido sua sombra foi mostrada em uma cavernadurante seacuteculos uma sombra enorme e aterradora Deus morreu mastal como os homens durante milecircnios ainda haveraacute cavernas nas quaisse mostraraacute sua sombra Enquanto a noacutes eacute tambeacutem necessaacuterio quevenccedilamos a sua sombra (Cf NIETZSCHE 2005 p101)

E o templo em que se ensina o direito eacute tambeacutem o lugar onde reina uma

sombra aterradora a de suas verdades dogmas teacutecnicas conceitos

arbitrados ou fetichizados porque instrumentalizados pelos operadores do direito

esses administradores vestindo terno e gravata ou agrave social que tatildeo logo adentram

ao culto dessa sombra jaacute incorporam os seus preceitos morais O ocaso do

direito eacute a sombra que paira no templo lugar que eacute erigido pela tradiccedilatildeo seja

na faculdade no foacuterum nos gabinetes a sombra esconde o direito que eacute velado

pelos seus administradores com o cinismo daqueles que comparecem ao veloacuterio

do proacuteprio crime Eacute o rebanho catequizado ou acostumados ao palavroacuterio dos

outros que natildeo entende o anuacutencio de Zaratustra e logo iratildeo julgaacute-lo louco ou

ainda um novo pastor a defender a imoralidade a ausecircncia de qualquer valor

moral ou eacutetica encontrando assim justificativas para a total permissividade deles

181 ldquoDas trecircs metamorfosesrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra TradMaacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

93

mesmos Natildeo suficientemente fortes o bastante para se justificarem ainda

precisam acreditar em alguma coisa Assim acostumados ao direito dos coacutedigos

das cartilhas ao culto da razatildeo acadecircmica leia-se ornamental julgaratildeo

qualquer empreendimento que escape ao lugar comum de inuacutetil de heresia

como natildeo direito Dessa forma eacute que esses seguidores da sombra

demonstram seu desejo pelo iacutedolo o direito com d maiuacutesculo acima dos

demais saberes porque mais legiacutetimo que todos e para isso inescrupulosamente

cometeratildeo toda sorte de falsificaccedilotildees como for mais conveniente Esse natildeo eacute

apenas o comportamento dos niilistas mas tambeacutem eacute o dos realizadores do

niilismo Por essas palavras entenda-se natildeo a figura daqueles que acreditam mas

a daqueles que precisam acreditar em alguma coisa que tem o iacutedolo como

muleta dai nos Zaratustra esse super-homem que vocecirc fala (gritam os homens

na praccedila182) agem como crentes com submissatildeo pois sem o iacutedolo ou sem um

novo natildeo saberiam sustentar em andaimes seguros a sua proacutepria existecircncia Com

iacutempeto semelhante tambeacutem se comportam os adeptos da razatildeo ornamental

assiacuteduos leitores da doutrina repisada dos manuais juriacutedicos que na condiccedilatildeo de

aristocratas do conhecimento vestindo agrave social julgam e advogam a causa dos

outros com a feacute no poder do direito da lei dos coacutedigos ou da constituiccedilatildeo Eacute se

assenhorando do direito como objeto da verdade que natildeo eacute mais do que a

muleta para as suas convicccedilotildees que procuraratildeo reafirmaacute-las quando acusam

Nisso os aristocratas do conhecimento em relaccedilatildeo a sociedade que lhes provecirc

o ensino puacuteblico gratuito e de qualidade tambeacutem satildeo uma elite de

administradores da justiccedila do direito do poder da poliacutetica da lei e da ordem

Para essa elite o direito dos outros satildeo os seus honoraacuterios sua posiccedilatildeo simboacutelica

na escala social e a filosofia um saber minuacutesculo artigo de luxo que desejam que

lhes seja dado como ilustraccedilatildeo assim como lhe satildeo dadas as liccedilotildees no templo

e as transmitiratildeo Eacute preciso que se diga que os acusadores de Nietzsche como

filoacutesofo da aristocracia ainda ignoram que a proacutepria elite o desconhece pois

querem-no como um artigo de luxo um ornamento qualquer coisa menos como

182 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

94

dinamite Satildeo os liberais da razatildeo econocircmica cujo liberalismo183 eacute outro nome

para esconder sua submissatildeo niilista natildeo eacute a liberdade visceral nietzscheana do

torna-te aquilo que tu eacutes

Por isso quando manifestei interesse no estudo de Nietzsche no direito

logo essa elite refeacutem da sombra veio me aconselhar a apenas citar o filoacutesofo no

texto do trabalho de monografia afinal o que tem a ver esse filoacutesofo ou o que ele

tem a dizer ao direito senatildeo paraacutebolas e literatura Quiccedilaacute muito temor da

sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente a juriacutedica e muita vontade de

verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aqui do reacuteu Nietzsche o louco o

banido para as sombras como julgaacute-lo temendo ainda as sombras Talvez os

acusadores tivessem que se abster e alegar a ineacutepcia de suas acusaccedilotildees para

tanto seria preciso realizar uma criacutetica radical de suas verdades abalar de tal

modo as convicccedilotildees dos administradores do direito que sem a muleta ou altar

vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiam por quais verdades

basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila o palco dos casuiacutesmos

ou decisionismos apontaria os atuais administradores da lei mas cabe objetaacute-

los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildees da feacute no iacutedolo

mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga Com base em

queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as

acusaccedilotildees e condenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se

descubra que o ocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso

que venccedilamos a sua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser

conquistado e jamais dado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem

como a superaccedilatildeo do homem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho

pronto construiacutedo Se eacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que

183 ldquoLiberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153 retirado de oldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 CfNIETZSCHE Friedrich WilhelmEscritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad Noeacuteli Correia de MeloSobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

95

estatildeo acostumados a ser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou

melhor esses acusadores submissos de Nietzsche pois bastante niilistas para

confessar que precisam se escorar em alguma coisa para se manter de peacute

Quanto a isso responde Zaratustra O caminho natildeo existe184 Isso segundo

Jacques Derrida seria uma aporia185 o lugar sem saiacuteda sem opccedilotildees tal como

um muro que bloqueia a passagem Mas antes que jubilosos por compreender

que a filosofia de Nietzsche eacute sem saiacuteda sem caminho sem possibilidade e logo

lhe imputem a condiccedilatildeo de ser niilista Eacute preciso que se diga que nem a aporia

do Derrida nem o anuacutencio de Zaratustra satildeo uma declaraccedilatildeo de conformismo

diante de um muro Para Derrida a aporia conduz a um movimento de busca

infinito em que a proacutepria ideacuteia de justiccedila se insere como o inalcanccedilaacutevel ibidem a

justiccedila deve ser pensada como desconstruccedilatildeo constante quem faz seu

depoimento agora eacute um leitor de Nietzsche bastante atento ao que este escreveu

e tambeacutem um ex-aluno de Michel Foucault Se a busca eacute infinita assim como a

interpretaccedilatildeo dos signos deve o ser para Foucault eacute preciso apontar para a

multiplicidade do anuacutencio de Zaratustra natildeo existe o caminho mas muitos

caminhos muitas possibilidades tantas que o proacuteprio ser se exaure no devir

Sobre isso ainda testemunha DerridaA justiccedila como possibilidade da desconstruccedilatildeo a estrutura do direito ouda lei da fundaccedilatildeo ou da auto-autorizaccedilatildeo do direito como possibilidadedo exerciacutecio da desconstruccedilatildeo Eacute tarefa infinita a da interpretaccedilatildeotratam-se de infinitas memoacuterias culturais religiosas filosoacuteficas ejuriacutedicas o que torna os problemas infinitos neles mesmos porqueexigem a experiecircncia da aporia que tem relaccedilatildeo com o miacutesticowittgensteiniano (DERRIDA 2007 p 28-29)

Esse miacutestico de Wittgenstein eacute aquele momento em que se deve calar eacute o

momento do silecircncio porque nada pode ser dito Infinitos neles mesmosrdquo como a

experiecircncia labiriacutentica do mergulho no abismo nietzscheano o ultrapassamento

para o aleacutem-do-homem contudo Nietzsche natildeo estanca na aporia natildeo conhece

uma antes se espatifca contra o muro para ultrapassaacute-lo mesmo ao custo do

184 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p233185 Cf DERRIDA Jacques Forccedila de Lei o ldquofundamento miacutestico da autoridaderdquo Trad LeylaPerrone-Moiseacutes Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sp

96

despedaccedilamento daquele que tenta mesmo que derrubando o muro do silecircncio

sobre si mesmo quanto a isso cabe a imagem de um Nietzsche que antes de

mergulhar num silecircncio de onze anos trancado depois do colapso seguia uivando

num grito louco pela liberdade186

O que Nietzsche natildeo conseguiraacute dizer mais ele tentaraacute uivar seja de

dor de desespero ou como louco ou ainda um bufatildeo satisfeito pelo que fez a

medicina da eacutepoca natildeo soube afirmar certeza sobre nada e hoje soacute podemos

especular daquela eacutepoca soacute sobrou a imagem de quem em silecircncio olhava para o

horizonte infinito187

O horizonte natildeo eacute sem sentido do ponto de vista filoloacutegico e filosoacutefico para

Nietzsche como assinala o testemunho de Hans-Georg Gadamer antes dele

falar eacute preciso que se diga que o Nietzsche lido por Gadamer natildeo eacute

necessariamente o mesmo lido por Foucault Deleuze Derridaacute por esse time

essa eacute a polissemia de Nietzsche que no seu uivo traacutegico acaba se colocando

para aleacutem de bem e mal e contra todas as confrarias sem time Agora deixo

Gadamer dar seu testemunhoA linguagem filosoacutefica empregou a palavra horizonte sobretudo desdeNietzsche e Husserl para caracterizar a vinculaccedilatildeo do pensamento agravesua determinidade finita e para caracterizar o ritmo de ampliaccedilatildeo docampo visual Aquele que natildeo tem um horizonte eacute um homem que natildeovecirc suficientemente longe e que por conseguinte supervaloriza o que lheestaacute mais proacuteximo Ao contraacuterio ter horizontes significa natildeo estarlimitado ao que haacute de mais proacuteximo mas poder ver para aleacutem dissoAquele que tem horizontes sabe valorizar corretamente o significado detodas as coisas que pertencem ao horizonte no que concerne aproximidade e distacircncia grandeza e pequenez (Cf GADAMER 1997 p399-400)

186 Esse relato adveacutem da leitura de FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dosdeuses Rio de Janeiro Relume Dumaraacute 1994 sp e sobre o miacutestico de wittgenstein areferecircncia eacute MANTAU Leandro Nascimento KUNZE Cristiana Montibeller Deus nopensamento de Nietzsche e de Wittgenstein In Caderno de Resumos do VI Congresso deFilosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba Editora Champagnat 2008 Wittgenstein foi um dosmaiores loacutegicos que jaacute existiu era homem de feacute leu tolstoi provavelmente o mesmo livro queNietzsche leu o reino de deus estaacute em noacutes e o carregava debaixo do braccedilo nas trincheiras daprimeira guerra mundial natildeo se sabe se conheceu a filosofia de Nietzsche

187 Nota para o viacutedeo de veracidade sempre questionaacutevel no chamado siacutetio de armazenamentoyoutube wwwyoutubecomwatchv=alHu-nGqDHY gravada segundo informaccedilotildees de amigospelos irmatildeos lumiacuteere provavelmente com as primeiras tecnologias de cinema desenvolvidas emque aparece a imagem de Nietzsche absorto olhando o infinito em seus uacuteltimos dias

97

Eu ensino a voacutes o amor ao mais distante188 natildeo estar limitado ao mais

proacuteximo eacute natildeo aceitar o que recomenda a catequese do amor ao proacuteximo e a

tradiccedilatildeo da visatildeo estrito senso do direito que o supervaloriza perante os outros

saberes mas ousar o nomadizar-se como condiccedilatildeo para visualizar o significado

das coisas do proacuteprio direito assim soacute seraacute possiacutevel amar e valorizar ao mais

proacuteximo depois de vagar pelo mais distante esse seria o pathos de distacircncia

nietzscheano que ensina um distanciar-se estrateacutegico das coisas para ver ateacute

que altura foram construiacutedas as torres189 Quiccedilaacute para enxergar que os iacutedolos

cultuados satildeo de barro e o templo um mausoleacuteu Eacute conhecida as polecircmicas

entre Derridaacute e Gadamer em torno da hermenecircutica cuja noccedilatildeo de horizonte eacute

constitutiva para Gadamer a hermenecircutica se daacute como processo de fusatildeo de

horizontes190 contudo os dois foram convocados natildeo para polemizar entre si

mas para auxiliar na defesa do Nietzsche reacuteu por isso ao ouvir o testemunho

Derridaacute natildeo se conteacutem e pede a palavra assim vem para completar o dito pelo

outroUm horizonte como seu nome indica em grego eacute ao mesmo tempo aabertura e o limite da abertura que define ou um progresso infinito ouuma espera (Cf DERRIDA 2007 p 51)

Ideacuteia que se associa a de Gadamer quando este define o que eacute horizonte

e fala em Nietzsche o amor ao distante tambeacutem eacute uma espera pelo aleacutem-do-

homem quem poderaacute redimir o passado o presente no porvir191 Todavia eacute

preciso ler que para Derrida

A justiccedila natildeo espera uma decisatildeo justa eacute sempre requeridaimediatamente de pronto o mais raacutepido possiacutevel O momento de

188 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

189 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

190 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

191 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

98

decisatildeo eacute de urgecircncia e precipitaccedilatildeoA decisatildeo justa rasga o tempo edesafia as dialeacuteticas p 52 A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por issoque a justiccedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedicoou poliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeodo direito e da poliacutetica (Cf DERRIDA 2007 p 51-55)

A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta (radical) eacute inapreensiacutevel

eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento (que excede o caacutelculo)

segundo Derrida ibidem Quando Zaratustra faz seu anuacutencio o homem deve ser

superado para que venha o aleacutem-do-homem no porvir ensina tambeacutem o amor

ao distante e que eacute preciso que se aprenda a declinar Zaratustra atormentado

pelo seu anuacutencio pelo que tem que dizer sabe que deveraacute perecer como

anunciador eacute o preccedilo a ser pago a experiecircncia traacutegica como a do deus que eacute

despedaccedilado em sua peregrinaccedilatildeo ao Oriente esse eacute o destino de Dioniso E tal

como o Jesus de Kazantzaacutekis o Zaratustra de Nietzsche parece temer o seu

destino natildeo sabe anunciar suas ideacuteias e elas natildeo satildeo audiacuteveis e nem

compreendidas pelo puacuteblico que as distorce rapidamente nem o proacuteprio Nietzsche

a escrever alucinadamente a primeira parte de Assim Falava Zaratustra em dez

dias mesmo com o uso da paraacutebola natildeo consegue se fazer claro e seu livro natildeo

iraacute vender o que lhe custaraacute o desgosto profundo ateacute mesmo seus amigos iratildeo

dizer que natildeo entenderam palavra alguma e se afastaratildeo tendo-o por louco192

Eacute preciso ter coragem de querer o que jaacute se sabe193 E Zaratustra precisa reunir

forccedilas para fazer o que jaacute sabe deveraacute caminhar como criminoso natildeo como um

pastor de rebanho como bandido porque deixado a solidatildeo como inimigo de

todas as confrarias pois enxotado de todas as igrejas que o acusaratildeo de

herege esse eacute tambeacutem o destino do reacuteu Nietzsche andando de pensatildeo em

pensatildeo e vivendo de favores afinal essa eacute a visatildeo mais aterradora a de estar na

sombra

O medo que toma o Jesus de Kazantzaacutekis e o Zaratustra de Nietzsche eacute o

mesmo demasiado humano de que ningueacutem iraacute lhe salvar do seu destino nem

192 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

193 Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor1997 sp

99

anjos os homens superiores reis magos ou Deus Estaacute abandonado a sua

proacutepria sorte o que faz Zaratustra sentir que ele eacute apenas um anunciador natildeo eacute

ainda o aleacutem-do-homem pois sente-se um aleijado na ponte quase esmagado

pela sensaccedilatildeo do iacutempio daquele que ousou dizer que Deus estaacute morto O seu

anuacutencio eacute uma carga absurda que precisa suportar como o grito desesperado e o

sangue dos que satildeo crucificados diante do Jesus de Kazantzaacutekis considerado

pela comunidade local como um traidor jaacute que trabalha como carpinteiro que

aleacutem de moacuteveis tambeacutem fabrica cruzes194 eacute assim que o Zaratustra de Nietzsche

ao sair da caverna onde existe a sombra como personagem solar e apoliacuteneo iraacute

fazer o seu anuacutencio na praccedila para descobrir depois que ao abrir a boca ele

tambeacutem fabricou cruzes O peso do accediloite e do que fabrica do grito atormentado

que natildeo o deixa dormir eacute muito intenso o Jesus de Kazantzaacutekis tambeacutem grita e

uiva com suas visotildees abissais aleacutem de ser visto como traidor seraacute tido ainda

como louco ou possuiacutedo pelo democircnio ibidem

Natildeo eacute a toa que com essa obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Kazantzaacutekis

chegou a ser ameaccedilado de excomunhatildeo pela Igreja ortodoxa e natildeo o deixaram

ter um enterro cristatildeo195

O Zaratustra de Nietzsche tambeacutem teraacute de suportar muito esse eacute o preccedilo

de sua primeira metamorfose se tornar um camelo um animal carregador Se

vivia em seguranccedila o Jesus de Kazantzaacutekis precisaraacute enfrentar a mais profunda

solidatildeo do deserto enquanto Zaratustra tambeacutem faraacute sua travessia bastante

ferido e atormentado pelas moscas da feira aqueles que encontra no caminho e

que parecem roubar-lhe alguma coisa na tentativa de arrebatar-lhe a coragem

que lutou para conquistar e com dificuldade sustenta as moscas da feira

(passagem do capiacutetulo de Assim Falava Zaratustra196 as moscas agem como as

tentaccedilotildees para o Jesus de Kazantzaacutekis na tentativa de achatar a potecircncia)

194 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos A uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristo Trad Waldeacutea Barcellos Rio deJaneiro Rocco 1988 sp

195 Cf Joseacute Paulo Paes prefaacutecio in KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus TradJoseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Aacutetica 1997

196 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

100

Eacute assim que Roberto Machado afirma

O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevelfoi destruiacutedo por seus inimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivioPor quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso e inalterado eacute a sua almasua vontade (Cf MACHADO 1997 98)

O que resta daquele que aceitou perecer pelo seu anuacutencio eacute a vontade de

poder que pulsa em algum lugar do ser cuja intensidade da carga o faz sucumbir

essa vontade se manifesta no despedaccedilamento na explosatildeo quando tudo se

consuma para o Jesus de Kazantzaacutekis ou quando tudo comeccedila para o Zaratustra

de Nietzsche esse eacute o princiacutepio ou a aurora pois a sua descoberta na solidatildeo

profunda eacute de que

A vontade eacute o princiacutepio que torna possiacutevel a libertaccedilatildeo do niilismoContudo a vontade natildeo pode querer para traacutes (impotente contra o queestaacute feito) Eis a mais solitaacuteria anguacutestia da vontade (Cf MACHADO1997 98)

O traacutegico eacute o lugar dessa vontade ela eacute o priacutencipio da segunda

metamorfose de Zaratustra a do homem-leatildeo daquele que deveraacute natildeo apenas

carregar mas tambeacutem combater pelos valores que mesmo conquistou eacute preciso

que aprenda a defender as suas descobertas e tambeacutem a comunicar a sua seiva

Zaratustra iraacute querer companheiros e se quem o segue seratildeo disciacutepulos essa

palavra tem outro sentido para Nietzsche e para o Jesus de Kazantzaacutekis

Ser disciacutepulo de Zaratustra eacute eleger-se a si mesmo eacute ser solitaacuteriocriador de seus proacuteprios valores ser seu disciacutepulo eacute em vez depermanecer fiel a seu ensinamento isto eacute em vez de imita-loultrapassa-lo supera-lo no caminho do super-homem Eacute preciso pocircr-seem guarda contra mim (Nietzsche) ldquoSecirc um homem e natildeo me sigassigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo (Cf MACHADO 1997 78)

ldquoOs criadores satildeo duros e o mais nobre eacute duriacutessimordquo ldquodas velhas e novas

taacutebuasrdquo197 Todos os criadores satildeo duros eacute a verdadeira marca de uma natureza

dionisiacuteaca O homem-leatildeo deve aprender a rugir alto a leonina sabedoria

conquistada ao custo traacutegico do peso que carregou que ainda estaacute presente nas

197 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

101

cicatrizes e feridas natildeo fechadas mas agora vive com o peso sem se incomodar

tornou-se leve pois deixou de ser animal carregador superou esse estaacutegio o

ultrapassou Eacute com uma vontade desse tipo que o heroacutei traacutegico teraacute de enfrentar

um titatilde que ainda impotildee uma sombra eacute o tempo do deus Cronos o titatilde escreve

Roberto Machado

O segredo que Zaratustra descobre eacute que o passado eacute o grande desafiopara que haja uma verdadeira redenccedilatildeo e que soacute pela vontade eacutepossiacutevel recuperar o que nele morreu p 99 idem

Esse homem-leatildeo natildeo eacute Zeus que de acordo com a mitologia grega

enfrentou e derrotou Cronos no princiacutepio do que conhecemos por universo

tambeacutem natildeo possui raios e a constelaccedilatildeo oliacutempica para lutar a seu lado a luta de

Zaratustra eacute ainda solitaacuteria como a do Jesus de Kazantzaacutekis abandonado e

negado pelos seus disciacutepulos mesmo na versatildeo biacuteblica Certamente a luta

contra Cronos natildeo pode ser ganha natildeo por um homem que sangra sofre e natildeo

tem super poderes que natildeo eacute divino Mas Nietzsche eacute leitor dos preacute-socraacuteticos

da mitologia grega e conhece a histoacuteria de Aquiles daquele que escolheu a

destruiccedilatildeo a morte no campo de batalha como meio de lograr o tempo vencecirc-lo

e se eternizar Escreve em Assim Falava Zaratustra

Deveis procurar o vosso inimigo e fazer a guerra pelos vossospensamentos E se o vosso pensamento for vencido que a vossaretidatildeo lance ainda assim um grito de vitoacuteria Natildeo o trabalho mas aluta Que o trabalho seja luta e a paz uma vitoacuteria Vivei a vida deobediecircncia e de guerra Que importa viver muito tempo Que guerreiroquer ser poupado (Cf NIETZSCHE 2003 73-74)

Sabe portanto que os deuses invejam os homens natildeo porque sua vida

perante a eternidade eacute um piscar de olhos mas porque cada instante pode ser o

uacuteltimo Por isso jaacute sabe o homem-leatildeo que precisa usar o que lhe restou a

mateacuteria viva que ainda pulsa nele a sua vontade como meio e possibilidade de

ultrapassar o tempo vencecirc-lo Quando estaacute na cruz aparece a uacuteltima tentaccedilatildeo ao

Jesus de Kazantzaacutekis eacute a alternativa confortaacutevel de uma vida comum e feliz para

Aquiles era o desconhecimento histoacuterico o desaparecimento ao Zaratustra de

Nietzsche eacute o muro do passado a uacuteltima sombra o peso mais pesado ainda

natildeo carregado que lhe aparece sob a forma de um democircnio ao Jesus de

102

Kazantzaacutekis tambeacutem aparece um democircnio mas sob a forma de anjo assim

escreve Nietzsche no aforisma 341 da Gaia Ciecircncia

O peso mais pesado E se um dia ou uma noite um democircnio lheaparecesse na sua suprema solidatildeo e lhe dissesse Esta existecircncia talcomo a leva e a levou ateacute aqui vai ser necessaacuterio a vocecirc recomeccedilaacute-lasem cessar sem nada de novo muito pelo contraacuterio A menor dor omenor prazer o menor pensamento o menor suspiro tudo o quepertence agrave vida voltaraacute ainda a repetir-se tudo o que nela haacute deindizivelmente grande e de indizivelmente pequeno tudo voltaraacute aacontecer e voltaraacute a verificar-se na mesma ordem seguindo a mesmaimpiedosa sucessatildeo esta aranha tambeacutem voltaraacute a aparecer estelugar entre as aacutervores e este instante e eu tambeacutem A eterna ampulhetada vida seraacute invertida sem descanso e vocecirc com ela iacutenfima poeira daspoeiras Natildeo lhe lanccedilaria por terra rangendo os dentes e amaldiccediloandoesse democircnio A menos que jaacute tenha vivido um instante prodigiosos emque lhe responderia Vocecirc eacute um deus nunca ouvi palavras tatildeo divinasSe este pensamento lhe dominasse talvez lhe transformasse e lheaniquilasse havia de lhe perguntar a prooacutesito de tudo Quer isto E oquer outra vez Uma vez Sempre Ateacute o infinito E esta questatildeo teriasobre vocecirc um peso decisivo e terriacutevel Ou entatildeo seraacute necessaacuterio quelhe ame a si proacuteprio e que ame a vida para nunca mais desejar outracoisa aleacutem dessa suprema confirmaccedilatildeo (Cf NIETZSCHE 2005 sp)

Tudo isso foi escrito com o objetivo de justificar a opccedilatildeo natildeo niilista da

vontade de poder em face do desafio de superar a sombra Portanto natildeo se

trata de uma saiacuteda platocircnica da caverna em busca da luz aquela que ofusca aos

olhos tal como no mito da carvena198 a superaccedilatildeo nietzscheana eacute uma cena de

extremo combate pois eacute autoconsciente de sua tarefa deveraacute viver

perigosamente para ultrapassar o niilismo e o templo lugar dos seus

realizadores A palavra templo guarda semelhanccedila com a palavra tempo o que

natildeo eacute casual como nada eacute num texto que se propotildee a defesa do ex-filoacutelogo e

neologista Nietzsche O templo tal como o tempo eacute uma resistecircncia a essa

vontade afirmativa simboliza um passado de histoacuteria e tradiccedilatildeo tal como os

quadros paredes e laacutepides com nomes de professores a enfeitar os salotildees e

corredores Existe no templo do direito muito do culto a memoacuteria dos

antepassados de onde adveacutem a sua iacutendole conservadora elitista e sua

justificaccedilatildeo histoacuterica talvez por isso necessita o direito erigir templos para ser a

198 Quando o homem apenas enxerga sombras como projeccedilotildees da realidade nas paredes dacaverna enquanto natildeo consciente de que a realidade eacute o que estaacute fora da caverna

103

casa de Cronos natildeo um museu mas um lugar de culto um mausoleacuteu onde se

guarda e se preserva as reliacutequias que confirmam as suas verdades O templo eacute

o lugar do tempo do direito e provavelmente mais faacutecil seja ser acusado de

louco e enxotado dele do que lograr convencer os outros de que esse deus estaacute

morto e que esse templo natildeo eacute mais do que tuacutemulo dele Nisso haacute dois tipos

de ilusotildees que satildeo alimentadas a de que o direito vive dentro dele assim como o

tempo que o justifica Muito forte satildeo essas crenccedilas tanto como as verdades do

direito erigido na tradiccedilatildeo da modernidade Diante do que cabe a lembranccedila de

outro heroacutei da eacutepoca de Aquiles trata-se de Ulisses aquele que astuciosamente

enganou Polifermo199 para tentar lograr o direito e o tempo dele no seu proacuteprio

territoacuterio o seu templo encontrando passagens secretas outros caminhos ainda

natildeo percorridos e assim encontrar um modo de ultrapassamento

Quiccedilaacute seja preciso mesmo um pouco de espiacuterito de ulisses para aceitar

a odisseacuteia e enganar o direito ciclope porque se quer com d maiuacutesculo

absoluto na sua pretensatildeo de regulaccedilatildeo da sociedade e do tempo A aurora tem

por princiacutepio essa vontade de poder de ulisses esperteza astuacutecia coragem

para lograr o adversaacuterio invenciacutevel divino ou semi-divino ou que se acha sagrado

como as verdades que fundamentam o direito Natildeo haacute como vencer a luta mas

haacute caminhos a percorrer meios para enganar eacute preciso se pocircr em combate se

implicar na tarefa e ousar a profanaccedilatildeo e isso pode abrir espaccedilo para repensar o

direito e a justiccedila natildeo para trazecirc-los a tona porque natildeo ressuscitaratildeo no lugar

nomeado para eles como aponta Nietzsche

ldquoSoacute haacute ressurreiccedilatildeo onde haacute tuacutemulosrdquo e que a vontade eacute a ldquodestruiccedilatildeode todos os tuacutemulosrdquo Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedianietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 sp Como jaacute

199 Ulisses ou Odisseu a depender da traduccedilatildeo enfrenta Polifermo um ciclope e com astuacutecia furao olho do titatilde Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape1995 p 13 a 29 ldquoO Homero das reflexotildees de Nietzsche expressa bem a proposiccedilatildeo de que asdisputas emblematicamente caracterizadas sob o signo de agon satildeo tomadas como um radicalconflito pluralista de perspectivas entendido como condiccedilatildeo de legislaccedilatildeo e criaccedilatildeo axioloacutegicardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p177

104

apontado por Derridaacute A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por isso que ajusticcedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedico oupoliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeo dodireito e da poliacutetica p 55 idem

Isso requer um engajamento traacutegico a astuacutecia do guerreiro daquele que

engana a bruxa Circe e natildeo se deixa apanhar pelo feiticcedilo que transformava

homens em porcos200 o que eacute muito diferente da soluccedilatildeo miraculosa desses

operadores e administradores do direito que manipulam as regras e os princiacutepios

consoante seus interesses para os benefiacutecios seus e do time em que jogam

auferindo lucros e vantagens esses satildeo os espertos ao modo Circe e mais se

parecem com os porcos enfeiticcedilados por ela

Natildeo deiteis fora o heroacutei que haacute na tua alma conserva a sua mais altaesperanccedila Um homem nobre eacute obstaacuteculo no caminho de todos poiscoisas novas quer criar e novas virtudes diferente dos libertinos queandam por aiacute emporcalhando tudo CfNIETZSCHE 2003 p 70)

O ultrapassamento do niilismo requer o ocaso o crepuacutesculo a

precipitaccedilatildeo tiacutepica da decisatildeo que rasga o tempo e desafia as dialeacuteticas 51-52 p

como aponta Derrida eacute o mergulho das duas metamorfoses de Zaratustra a do

camelo e a do homem-leatildeo do homem possuiacutedo pelo seu anuacutencio que se

encaminha para a terceira metamorfose a da crianccedila luacutedica o caminho para a

transvaloraccedilatildeo A gaia ciecircncia eacute alegre e luacutedica porque nasce da aurora cujo

princiacutepio eacute a vontade de poder afirmativa que atraveacutes do jogo consegue suplantar

os esquemas prontos e criativamente enganar os censores inventando

possibilidades e fazendo outro uso do direito natildeo o canocircnico Dessa forma

Agamben no seu estado de exceccedilatildeo comentando Walter Benjamin aponta

Um dia a humanidade brincaraacute com o direito como as crianccedilas brincamcom os objetos fora de uso natildeo para devolvecirc-los a seu uso canocircnico esim para libertaacute-los definitivamente dele O que se encontra depois dodireito natildeo eacute um valor de uso mais proacuteprio e original e que precederia odireito mas um novo uso que soacute nasce depois dele Tambeacutem o uso

200 Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape 1995 p 30-43 A Circe era uma bruxa na epopeacuteia de Homero que transformava os homens em porcos parabrincar com eles para Nietzsche a Circe da humanidade eacute ldquoa moral falsificou no cerne ndashmoralizou ndash todas as questotildees psicoloacutegicasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995 p 58

105

que se contaminou com o direito deve ser libertado de seu proacuteprio valorEssa libertaccedilatildeo eacute a tarefa do estudo ou do jogo E esse jogo estudioso eacutea passagem que permite ter acesso agravequela justiccedila que um fragmentopoacutestumo de Benjamin define como um estado do mundo em que esteaparece como um bem absolutamente natildeo passiacutevel de ser apropriado ousubmetido agrave ordem juriacutedica (Cf AGAMBEN 2004 p 98)

Cabe re-citar Derridaacute A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta

(radical) eacute inapreensiacutevel eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento

(que excede o caacutelculo) p 55 idem A gaia ciecircncia ou a aurora do direito eacute a

experiecircncia do excesso tal como a criatividade artiacutestica porque resultado dessa

vontade de poder que atua agenciando as forccedilas num movimento de alteridade

radical na pluralidade do devir mesmo que ao custo traacutegico do exaurimento

daquele que se propotildee a essa tarefa E quiccedilaacute a vitoacuteria sobre a sombra tambeacutem

seja um novo comeccedilo quando numa transvaloraccedilatildeo de todos os valores muda-se

o princiacutepio de onde se originam os valores ele eacute deslocado nesse nomadismo da

vontade empurrado para outro lugar com o impacto E quem se propor a esse

desafio aceita tambeacutem perecer por isso eacute uma tarefa tatildeo absurda quanto nobre

em que o preccedilo a ser pago eacute alto e requer o investimento da proacutepria vida Eacute

preciso amar esse destino para se comprometer com ele de tal modo que o

anuacutencio do eterno retorno seja uma benccedilatildeo divina para querer todas as coisas

assim como ocorreram e para que tudo retorne outra vez E o reacuteu Nietzsche se

comprometeu com a sua tarefa ateacute o dilaceramento esses acusadores ligeiros e

estelionataacuterios deveriam ter antes mais respeito por um homem que pagou um

preccedilo tatildeo alto para trazer a sua mensagem Toda hybris se paga bastante caro

tanto para os gregos quanto para NietzscheEm todos os lugares eacute a loucura que

abre caminho para o novo pensamento que rompe o interdito de um costume de

uma supersticcedilatildeo respeitadardquo201

Tornar-se o que se eacute no direito Ou como coloquei o Nietzsche em praacutetica

Esse trabalho de conclusatildeo do curso de direito eacute resultado de um

nomadismo universitaacuterio pensando o direito para aleacutem da loacutegica do estrito senso

201 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p130

106

e se recusando ao recorte da razatildeo acadecircmica se fez a pesquisa na

contingecircncia dos devires participando de grupos de estudos e tomando notas

aqui e ali no acaso das situaccedilotildees aproveitando dos diaacutelogos e provocaccedilotildees

surgidas das conversas nesses cinco anos de faculdade Buscou-se realizar o

trabalho com a base empiacuterica oriunda das experiecircncias vividas e testadas na

proacutepria carne Natildeo houve escolha de tema e nem projeto desenhado antes o

desenvolvimento se deu colocando-se a deriva tal como na odisseacuteia E assim

escrevo agora no prazo de dois dias as linhas finais deste trabalho quando o

trabalho todo natildeo levou mais de vinte e poucos menos de um mecircs natildeo por

negligecircncia mas porque as ideacuteias jaacute estavam sendo ruminadas haacute algum tempo

sem ainda o tratamento mecacircnico e visual Tambeacutem o esforccedilo foi o de trazer o

maacuteximo de conteuacutedos possiacuteveis filosofia literatura direito psicologia agenciando

os saberes e as forccedilas na defesa do reacuteu Nietzsche acusado de muitos crimes

tanto quanto a multiplicidade de seu pensamento pode indicar E num tempo

reduzido diante da dificuldade do trabalho de exercer essa advocacia sem

diploma ainda no amadorismo e na diletacircncia de tratar da defesa do filoacutesofo sem

a formaccedilatildeo filosoacutefica literaacuteria e menos ainda a juriacutedica o que se escreveu e se

continua por enquanto eacute a exteriorizaccedilatildeo provisoacuteria do que se conseguiu agenciar

daquilo que valeu a pena ser dito e expressado muita coisa ainda se deixa de

fora pois mereceria um burilamento maior e o ruminar necessaacuterio a

problematizaccedilatildeo da defesa Pois que assim seja fique uma parte de fora e que

nas reticecircncias perdure o desejo202

Ateacute pouco tempo natildeo se sabia como comeccedilar esse trabalho muito menos

do que tratar sobre Nietzsche a uacutenica coisa que havia de certeza eacute que se

tentaria trazer esse filoacutesofo para o Direito numa espeacutecie de diaacutelogo que ateacute entatildeo

nunca havia visto Haacute alguns meses atraacutes nada existia apenas esse desejo e foi

o trabalho dele o resultado dessas paacuteginas que seguem por isso o pouco tempo

202 Paraacutefrase de Cyro Marcos por PHILIPPI Jeanine Nicolazzi Direito e Psicanaacutelise brevesapontamentos acerca do estatuto da lei In CUNHA PEREIRA Rodrigo da (Coord) Anais do ICongresso Brasileiro de Direito de Famiacutelia ndash Repensando o Direito de FamiacuteliaBelo Horizonte DelRey 1999 sp

107

de escrita o que natildeo eacute sem sentido do ponto de vista da psicologia empregada

quando para transmutar o desejo a paixatildeo o caos em mateacuteria bruta seria

necessaacuteria a tensatildeo o desespero a exaltaccedilatildeo o sentimento do excesso contra o

tempo de Cronos Trata-se de uma psicologia que requer o mergulho no profundo

oceano de noacutes mesmos para trazer agrave superfiacutecie os tesouros escondidos e

conquistados alguns ateacute entatildeo desconhecidos porque nunca antes foram

expressos ou natildeo havia sido dada a oportunidade Esse mergulho eacute o do

naacuteufrago que perdido natildeo sabe para onde ir ou como se salvar eacute tambeacutem a

daquele que sabe que deve dar braccediladas contra a correnteza e natildeo pode paacuterar

em algum lugar deveraacute chegar natildeo se sabe qual ou ainda como um operaacuterio que

deve quebrar muitas pedras a golpes de marreta antes que comece a construir

alguma coisa Tal empreendimento pode ser comparado tambeacutem com a de quem

deveraacute fazer um mosaico colando e recortando pilhas e pilhas de papeacuteis para

montar um conjunto sujando as proacuteprias matildeos essa eacute a bricolagem quando o

luacutedico trabalha com os signos dando-lhes sentido novo Esse era o grande

desafio como executar um trabalho relacionando Nietzsche e Direito com d

maiuacutesculo sem seguir nenhum precedente nenhum jurista com a exceccedilatildeo de um

juiz203 escreveram ou escrevem sobre Nietzsche dentro da aacuterea satildeo reflexotildees

que tangenciam mas natildeo trazem o campo juriacutedico como problema

Diante da inexistecircncia de um ponto de partida ou de apoio o trabalho

estaria fadado ao fracasso antes de comeccedilar seria morrer na praia Natildeo havendo

um modo de comeccedilar na perspectiva da razatildeo acadecircmica que exige marcos

teoacutericos soacutelidos na aacuterea que o trabalho estaacute vinculado e tambeacutem um recorte

epistemoloacutegico uma delimitaccedilatildeo do tema entre outros requisitos a alternativa que

restou diante do muro foi a de dinamitaacute-lo lanccedilar pelos ares os modelos os limites

preacute-dados para estourando com eles a marteladas achar um espaccedilo no meio do

nada na sombra da desolaccedilatildeo do niilismo Entatildeo jaacute sabia que teria que escrever

tudo desde a primeira linha ateacute a uacuteltima todo um trabalho ineacutedito talvez nunca

203 Nota para MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 e ainda para VIEIRA Joseacute Roberto Interpretaccedilatildeo da morte de Deusem Nietzsche In Revista da faculdade catoacutelica de administraccedilatildeo e economia Adecon CuritibaFae 1991

108

antes realizado no campo juriacutedico como trabalho de conclusatildeo de curso Tambeacutem

jaacute conhecia das suspeitas e das provaacuteveis imputaccedilotildees principalmente a daqueles

que me acusariam de tentar realizar um trabalho de doutorado uma tese na

graduaccedilatildeo como se fosse uma heresia ousar andar fora dos modelos e desafiar a

tradiccedilatildeo Com isso tambeacutem buscavam me desacreditar tomando o meu esforccedilo

por impossiacutevel ou ainda aleacutem disso bastante pretensioso ora como pode um

estudante de direito falar de um pensador que pouco se estuda ateacute mesmo na

filosofia Como pode querer saber mais do que aqueles que estudam filosofia

Igualmente outras barreiras eram colocadas ao empreendimento quando me

perguntavam O que sobre Nietzsche O que no direito se aproxima de

Nietzsche

ldquoPerguntaratildeo por que relatei realmente todas essas coisas pequenas eseguindo o juiacutezo tradicional indiferentes estaria com isso prejudicando amim mesmo tanto mais se estou destinado a defender grandes tarefasResposta essas pequenas coisas satildeo inconcebivelmente maisimportantes do que tudo o que ateacute agora tomou-se como importanteNisso exatamente eacute preciso comeccedilar a reaprenderrdquo (Cf NIETZSCHE1995 p 50)

Muitas vezes ou todas as vezes natildeo estava pronto para responder natildeo

tinha e quem sabe ainda natildeo tenho respostas mas apenas algumas impressotildees

as quais vieram a tona a pouco tempo quiccedilaacute jaacute estivessem guardadas bem fundo

ainda de todo desconhecidas Por isso esse trabalho soacute veio a superfiacutecie como

um exerciacutecio de psicologia de profundezas requerendo o engajamento traacutegico do

mergulho de apineacuteia sem qualquer garantia ou sustentaccedilatildeo Natildeo havia receita ou

projeto tudo deveria ser construiacutedo ao custo de uma destruiccedilatildeo E tambeacutem natildeo

seria eu a responder nada o proacuteprio Nietzsche deveria o fazer eu apenas seria

um mero assistente ou narrador desse processo

Assim a um mecircs do prazo final da entrega do trabalho completo e

nenhuma paacutegina escrita as interrogaccedilotildees somavam-se a outras numa carga

equivalente a responsabilidade e a exigecircncia desse empreendimento Natildeo tinha

mais tempo para elucubrar divagar e refletir possibilidades era preciso comeccedilar a

quebrar as pedras e quem sabe se tivesse mais tempo natildeo teria ainda percebido

o oacutebvio que sempre esteve na minha frente e que no desespero dos uacuteltimos dias

109

marcava a sua insistecircncia na forma da pergunta Por que ler Nietzsche no Direito

Ateacute entatildeo jaacute tinha lido e relido muitas coisas sem chegar a uma resposta nem

mesmo a uma saiacuteda da pergunta o que tambeacutem parecia impossiacutevel foi quando

Foucault apontou o debate sobre o poder e colocando Nietzsche como seu

referencial expliacutecito na Microfiacutesica do Poder

Hoje fico mudo quando se trata de Nietzsche No tempo em que eraprofessor dei requumlentemente cursos sobre ele mas natildeo mais o fariahoje Se fosse pretensioso daria como tiacutetulo geral ao que faccedilogenealogia da moral Nietzsche eacute aquele que ofereceu como alvoessencial digamos ao discurso filosoacutefico a relaccedilatildeo de poder Enquantoque para Marx era a relaccedilatildeo de produccedilatildeo Nietzsche eacute o filoacutesofo dopoder mas que chegou a pensar o poder sem se fechar no interior deuma teoria poliacutetica A presenccedila de Nietzsche eacute cada vez maisimportante Mas me cansa a atenccedilatildeo que lhe eacute dada para fazer sobreele os mesmos comentaacuterios que se fez ou que se faraacute sobre Hegel ouMallarmeacute Quanto a mim os autores que gosto eu os utilizo O uacutenicosinal de reconhecimento que se pode ter para com um pensamentocomo o de Nietzsche eacute precisamente utilizaacute lo deformaacute lo fazecirc loranger gritar Que os comentadores digam se se eacute ou natildeo fiel isto natildeotem o menor interesse (Cf FOUCAULT 1979 p 143)

E tambeacutem na Verdade e as Formas Juriacutedicas

Com Platatildeo se inicia um grande mito ocidental o de que haacute antinomiaentre saber e poder Se haacute o saber eacute preciso que ele renuncie ao poderOnde se encontra saber e ciecircncia em sua verdade pura natildeo pode maishaver poder poliacutetico Esse grande mito precisa ser liquidade Foi essemito que Nietzsche comeccedilou a demolir ao mostrar em numerosos textosjaacute citados que por traacutes de todo saber de todo conhecimento o que estaacuteem jogo eacute uma luta de poder O poder poliacutetico natildeo estaacute ausente dosaber ele eacute tramado com o saber (Cf FOUCAULT 2002 p 51)

Assim foi que enxerguei um meio de ultrapassar a sombra de ludibriar

os censores e de ter alguma chance no combate titacircnico que me propus a travar

ou seja lograr trazer Nietzsche para dentro do Direito ainda com d maiuacutesculo

para no proacuteprio territoacuterio juriacutedico desenvolver a criacutetica e justificar seu uso

enquanto filoacutesofo dentro da pertinecircncia juriacutedica do trabalho Mais enquanto

filoacutesofo do que enquanto pensamento era preciso defender o autor que natildeo eacute lido

ou estudado tanto quanto os seus inteacuterpretes contemporacircneos os quais

confessam em suas obras ter em Nietzsche a fonte ou o referencial baacutesico de

partida Para justificar o uso de seu pensamento nesse trabalho seria preciso

antes partir das inuacutemeras acusaccedilotildees feitas para qualificar ou dizer quem foi

110

Nietzsche Natildeo apenas como um pensador trazido de empreacutestimo de outra aacuterea

de saber para enriquecer um trabalho juriacutedico enquanto citaccedilatildeo mas como

protagonista eis que se achou o lugar dele nesse trabalho Nietzsche seria o reacuteu

do processo constituiacutedo pelas suas inuacutemeras acusaccedilotildees e caberia a mim o

trabalho de ser seu advogado mesmo sem diploma

Natildeo eacute propriamente um processo mas um inqueacuterito em que se condena

de antematildeo de uma causa que jaacute foi abandonada e esquecida talvez sob a

motivaccedilatildeo dos natildeo poucos estelionatos cometidos a seu pensamento que para

serem provados necessitariam de uma investigaccedilatildeo histoacuterica para reabrir esse

inqueacuterito deveria trazer provas novas ou afirmar e justificar no campo juriacutedico algo

diferente do usual sobre Nietzsche Para tanto teria que dialogar os saberes e

agenciaacute-los nesse empreendimento a filosofia a literatura a psicologia e o direito

com d minuacutesculo pois retirado da sua condiccedilatildeo de autoridade sobre os demais

o juriacutedico precisaria dividir espaccedilo nesse trabalho como mais um saber operaacuterio

Assim foi definido o tiacutetulo do trabalho O caso Nietzsche a reabertura de um

inqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildees Jaacute

que

O Inqueacuterito eacute precisamente uma forma poliacutetica uma forma de gestatildeode exerciacutecio do poder que por meio da instituiccedilatildeo judiciaacuteria veio a seruma maneira na cultura ocidental de autenticar a verdade de adquiriras coisas que vatildeo ser consideradas como verdadeiras e de as transmitirO inqueacuterito eacute uma forma de saber-poderrdquo (Cf FOUCAULT 2002 p78)

Mas o que me levou a assumir esse ocircnus Quando poderia seguir os

outros e fazer um trabalho estritamente juriacutedico doutrinaacuterio jurisprudencial por

que complicar as coisas Para trazer do subterracircneo algumas impressotildees devo

relatar traccedilos relevantes de minha trajetoacuteria ateacute aqui Tudo comeccedila aos meus

dezesseis anos no meu primeiro emprego um estaacutegio de trecircs meses nas feacuterias

de 2000 para 2001 numa biblioteca o Farol do Saber Fernando Pessoa haacute

poucos metros da minha casa consegui essa oportunidade porque essa biblioteca

eacute vinculada a Escola Municipal Professor Guilherme Butler onde estudei do preacute

ateacute a quarta-seacuterie do primaacuterio e laacute a diretora minha professora na terceira seacuteria

Vera Regina me conhecia e me ajudou minha matildee Dona Marly tambeacutem foi

111

fundamental para levar aquele menino ainda assustado ateacute sua primeira

experiecircncia profissional me forneceu apoio indo comigo na central de estaacutegio

quando mal sabia caminhar sozinho pela cidade acostumado a viver no meu

bairro a Vila Hauer agora sem o vila soacute Hauer Meus pais Sr Leonardo e Dona

Marly desde cedo trabalharam e natildeo puderam seguir os estudos minha matildee

criou-se oacuterfatilde e cuidada pelos outros natildeo pode estudar e ainda tinha que cuidar da

casa fazendo os serviccedilos domeacutesticos Jaacute meu pai desde menino aprendeu a

dirigir e ajudar no armazeacutem dos meus avoacutes paternos que nunca conheci e era

uma eacutepoca em que era normal deixar os estudos para trabalhar minha matildee soacute fez

a primeira seacuterie do primaacuterio e meu pai soacute ateacute a quarta-seacuterie Infelizmente natildeo

puderam exercer o potencial deles meu pai tem facilidade com caacutelculos

provavelmente teria se encontrado bem na aacuterea de exatas um matemaacutetico um

engenheiro natildeo se sabe chegou a trabalhar como motorista numa empresa de

engenharia e hoje eacute motorista particular de uma meacutedica A minha matildee tem uma

sensibilidade com crianccedilas talvez pudesse ter sido uma oacutetima pedagoga contudo

teve que crescer oacuterfatilde cuidando das crianccedilas dos outros e hoje eacute dona de casa e

cuida da gente ainda Meus pais sabiam que eu precisava continuar meus

estudos em 2001 jaacute seria meu uacuteltimo ano no ensino meacutedio estudava no Coleacutegio

Estadual Segismundo Falarz e teria poucas ou nenhuma chance de passar no

vestibular e na eacutepoca natildeo havia cotas teria que passar na federal jaacute que as

particulares natildeo poderia pagar Por isso a urgecircncia de comeccedilar um estaacutegio

guardar o dinheiro e pagar um cursinho No Farol o estaacutegio era um pouco

monoacutetono nas feacuterias poucas pessoas iam e natildeo havia televisatildeo computador

raacutedio nada eu que soacute lia algum livro quando era obrigado a fazer trabalho para a

escola agora estava cercado por vaacuterios e comecei a folheaacute-los por curiosidade

Era preciso passar o tempo e comecei a ler alguns peguei alguns livros de

literatura depois fui para a filosofia Na eacutepoca crescia em mim uma revolta via

meus antigos colegas de escola alguns jaacute me acompanhavam desde muito cedo

todos estavam jaacute migrando para os cursinhos iriam fazer o uacuteltimo ano do ensino

meacutedio e se preparando para o vestibular Enquanto que eu natildeo tinha essa

possibilidade os pais deles podiam pagar e os meus natildeo nisso fui percebendo o

112

meu lugar no mundo e as diferenccedilas sociais que antes era apenas estudos de

sociologia comecei a sentir na proacutepria carne junto com o medo de natildeo saber o

que viria depois afinal o vestibular era algo proacuteximo e ao mesmo tempo distante

para as minhas possibilidades naquele momento Lembro que pensava em

desenvolver jaacute meu potencial criacutetico e achei na filosofia um caminho para poder

explicar o que estava vivendo e o que deveria fazer precisaria da determinaccedilatildeo

da forccedila e da astuacutecia do guerreiro pois jaacute sentia a presenccedila dos titatildes que vinham

Quando acabou o estaacutegio no Farol jaacute tinha despertado e natildeo pararia mais de ler e

de estudar entro no uacuteltimo ano de ensino meacutedio e me transfiro para o noturno e

vou em busca de estaacutegio em periacuteodo integral depois de muita andanccedila chego a

uma empresa de creacutedito imobiliaacuterio que existia na eacutepoca fui contratado para

trabalhar no arquivo o trabalho era simples davam os nuacutemeros dos processos

para a gente e tiacutenhamos que escalar as prateleiras em busca dos documentos

esse trabalho levava o dia todo e assim foi por quase um ano Ao mesmo tempo

estudava a noite e comecei a participar mais das aulas apresentando opiniotildees As

aulas de filosofia sociologia e histoacuteria comeccedilaram a me interessar mais

justamente pela possibilidade de fazer uma criacutetica social Na filosofia logo comecei

a trocar ideacuteias com o professor e um dia perguntei sobre um tal de Nietzsche

agora natildeo lembro de onde tive a primeira impressatildeo mas tinha ouvido falar e foi

assim que o questionei a respeito O professor apenas riu e disse que era um

filoacutesofo maluco algueacutem que enlouqueceu e deixava quem o lia tambeacutem louco era

um pensador muito perigoso Na eacutepoca ele me recomendava a leitura dos

pensadores escolaacutesticos Satildeo Tomaacutes de Aquino e Santo Agostinho mas ateacute hoje

nunca os li o relato dele sobre o tal pensador maluco me impressionou e guardei

a curiosidade soacute fui o ler no final do ano quando descobri que no proacuteprio farol em

que trabalhei havia um livro sobre ele era o Nietzsche da coleccedilatildeo os pensadores

Eacute assim que comeccedila a minha trajetoacuteria Natildeo irei passar no primeiro vestibular e

nem no segundo quando apenas estudava tinha guardado todo o dinheiro e

investido num cursinho natildeo dos melhores mas aquele que podia pagar Daquela

eacutepoca do primeiro cursinho lembro de Ronaldo com a visatildeo criacutetica e percepccedilatildeo

aguccedilada da realidade mais de alguns rostos que natildeo consigo dar nomes agora

113

mas que natildeo vou esquecer porque foram importantes nessa trajetoacuteria Era jaacute o

ano de 2003 e o meu objetivo jaacute era passar em Direito desde o ano anterior e a

justificativa era simples precisava ajudar a minha famiacutelia no Direito pensava

encontraria meios de ascensatildeo social e de retornar tudo isso a eles pois devo

tudo a meus pais minha famiacutelia no que inclui a minha irmatilde Janice Tambeacutem

devido a criacutetica que jaacute ensaiava desde que descobri a leitura era um sentimento

de justiccedila muito grande uma revolta por natildeo ter condiccedilotildees que pudesse facilitar

minha caminhada natildeo soacute as materiais mas jaacute comeccedilava a notar as

desigualdades e tambeacutem os poderes que perpassam as estruturas e assujeitam

Como havia gasto todo meu dinheiro e deveria comeccedilar tudo do zero natildeo poderia

ser mais estaacutegio jaacute havia concluiacutedo o ensino meacutedio entatildeo fui em busca de

emprego vendo as oportunidades nessas centrais espalhei curriacuteculos mas natildeo fui

chamado Foi quando um ex-vizinho Sr Sebastiatildeo que havia conseguido montar

sua proacutepria empresa me chamou para uma entrevista ele me daria a oportunidade

de trabalhar na sua pequena empresa de metalurgia como auxiliar de produccedilatildeo

O trabalho era duro deveria ajudar na carga e descarga dos materiais brutos accedilo

ferro e outros e tambeacutem na limpeza das maacutequinas torno freza ainda no chatildeo da

faacutebrica foi a minha experiecircncia de labor braccedilal como operaacuterio que forjou meu

caraacuteter naquele momento era normal se machucar e cortar a matildeo e os dedos com

o cavaco que eacute a limalha de ferro cortado quando limpava as maacutequinas e

tambeacutem natildeo tinha qualquer experiecircncia para me cuidar melhor estava

aprendendo que se queria alguma coisa deveria estar disposto a pagar o preccedilo

com o investimento da vida do corpo e do sangue derramado Era preciso vencer

a batalha se quisesse vir a ser um guerreiro e salvar minhas esperanccedilas foi

quando me matriculei num cursinho melhor com os primeiros recebimentos e

cheguei a conciliar trabalho e estudo a noite por algum tempo ateacute os limites da

minha forccedila jaacute quase dobrado pelo cansaccedilo Percebi que mesmo que estudasse

natildeo teria o rendimento necessaacuterio a enfrentar o vestibular em direito na federal e

que estaria apenas me iludindo e mais uma vez estava fadado ao fracasso

Nessa eacutepoca o acaso conspirou a meu favor e meu pai que estava

desempregado conseguiu o emprego de motorista particular de uma meacutedica onde

114

estaacute ateacute hoje e nisso investiu parte de seus ganhos natildeo na casa mas em mim

para que eu completasse os estudos e apenas estudasse Natildeo podia mais

fracassar na minha segunda tentativa agrave seacuterio a primeira foi uma tentativa que fiz

ao sair do ensino meacutedio soacute para conhecer a prova sabia que natildeo tinha chance

alguma Naquele momento natildeo era dinheiro soacute meu era da minha famiacutelia e

lutava tambeacutem por eles e felizmente fui aprovado no exame para o ingresso no

curso de direito noturno da federal em 2004 Uma vez dentro do curso logo vi que

natildeo estava numa faculdade e sim numa universidade e como natildeo entrei apenas

por mim mas por todos aqueles que amo a minha famiacutelia natildeo poderia me

conformar em fazer apenas direito eacute assim que comeccedila o meu nomadismo

universitaacuterio de que este trabalho eacute consequumlecircncia No primeiro ano com bastante

disposiccedilatildeo em desenvolver a criacutetica que jaacute ensaiava me convidam para participar

de uma reuniatildeo do dito partido da esquerda da faculdade antes de comeccedilarem

as aulas passo a frequumlentar as suas reuniotildees e jaacute conheccedilo alguns veteranos mal

sabia que essa suacutebita experiecircncia poliacutetica tambeacutem tinha a ver com Nietzsche

Nietzsche afirma que o filoacutesofo eacute aquele que mais facilmente se enganasobre a natureza do conhecimento por pensaacute-lo sempre na forma deadequaccedilatildeo do amor da unidade da pacificaccedilatildeo Ora se quisermossaber o que eacute o conhecimento natildeo eacute preciso nos aproximarmos daforma de vida de existecircncia de ascetismo proacutepria ao filoacutesofo Sequisermos realmente conhecer o conhecimento saber o que ele eacuteapreendecirc-lo em sua raiz em sua fabricaccedilatildeo devemos nos aproximarnatildeo dos filoacutesofos mas dos poliacuteticos devemos compreender que satildeorelaccedilotildees de luta e de poder ndash na maneira como as coisas entre si oshomens entre si se odeiam lutam procuram dominar uns aos outrosquerem exercer uns sobre os outros relaccedilotildees de poder ndash quecompreendemos em que consiste o conhecimento (Cf FOUCAULT2002 p 22-23)

Tambeacutem no primeiro ano conheccedilo o Serviccedilo de Assessoria Juriacutedica

Universitaacuteria Popular - Sajup projeto de extensatildeo do curso coordenado pela

Professora Dra Vera Karam em que vislumbrei a possibilidade de ir para aleacutem

dos muros da universidade e conhecer o direito no diaacutelogo com as comunidades

Passo a me envolver bastante com o projeto mas ainda assim sentia a

necessidade de trabalhar com outros saberes na praacutexis extensionista natildeo poderia

ser soacute o direito jaacute pressentia que ele natildeo traz todas as respostas Eu precisava

me manter na faculdade tinha meus gastos de transporte xerox alimentaccedilatildeo e

115

entatildeo cadastrei um pedido de bolsa permanecircncia que foi aceito quando tive a

imensa sorte mais uma vez o acaso jogando a favor fui alocado para exercer

atividade de apoio na aacuterea juriacutedica e sob a orientaccedilatildeo de Vanir assistente social

do escritoacuterio modelo que nesses primeiros instantes foi quase uma matildee para

mim ela coordenava tambeacutem os estagiaacuterios da federal no Projeto Prisatildeo em

Flagrante no Foacuterum Criminal e me levou para cumprir minhas horas de estaacutegio laacute

quando comecei a ter contato com a realidade do direito o encarceramento das

pessoas mais pobres o drama das famiacutelias e dos sem-direitos O Projeto muda

de nome para OAB=Cidadania coordenado pela Dra Lucia Belloni em que me

seraacute dada a oportunidade de estagiar junto de advogados que iratildeo prestar

orientaccedilatildeo juriacutedica gratuita e realizando ainda o trabalho com a execuccedilatildeo penal e

a progressatildeo de regime com visitas ao complexo carceraacuterio de Curitiba e regiatildeo

metropolitana entrevistando e auxiliando aqueles que muitas vezes satildeo os

esquecidos da sociedade banidos ignorados e malditos muitas vezes estatildeo

encarcerados e jaacute pagam a sua pena antes do julgamento condenados de

antematildeo Por mais um desses acasos o estaacutegio ocorria no preacutedio histoacuterico que eacute

a verdadeira sede do centro acadecircmico hugo simas conhecido como palaacutecio da

liberdade e assim aprendi um pouco da histoacuteria dessa entidade representativa

dos estudantes de direito da federal trabalhando naquele preacutedio numa eacutepoca que

trilhava meus primeiros passos no direito jaacute conhecendo a realidade atroz das

comunidades aos presiacutedios onde o poder se manifesta de modo mais expliacutecito e

cruel eacute poder sobre o corpo Daqueles momentos no Projeto guardarei a

lembranccedila de Theoacutephilo colega de faculdade que tambeacutem estagiava laacute e que

juntos chamaacutevamos aquele espaccedilo que por obra do acaso era o preacutedio de nosso

centro acadecircmico de cahs=casa Afinal o acaso nos colocou na nossa casa o

cahs como entidade cunhou a expressatildeo palaacutecio da liberdade para aquele lugar

por causa da luta contra a ditadura em que aquele espaccedilo se manteve aberto

apesar de toda a repressatildeo Infelizmente poucos estudantes sabem que a

cahs=casa ou a verdadeira habitaccedilatildeo do cahs eacute laacute e natildeo no subsolo do campus

santos andrade O primeiro ano ainda foi o periacuteodo da odisseacuteia universitaacuteria fui

ateacute a reitoria e fiz disciplina em filosofia embora natildeo conclusa tambeacutem andei

116

pelos corredores a esmo ateacute encontrar a pedagogia Foi quando conheci as

meninas do centro acadecircmico de pedagogia integrantes do movimento estudantil

popular revolucionaacuterio - mepr que segue a linha maoiacutesta de engajamento eu

conhecia muito pouco do marxismo mas hoje posso dizer que o aprendizado da

praacutexis a percepccedilatildeo aguda dos problemas e combativa admiro e reconheccedilo que

aprendi do contato com aquelas meninas Se pouco tinha lido do marxismo fui

conhececirc-lo melhor na praacutexis sem circunloacutequios teoacutericos mas sempre uma

experiecircncia visceral Evidente que a teoria natildeo se perde e comecei a participar do

nuacutecleo de estudos da pedagogia de makarenko204 Nesse momento jaacute tinha

convidado alguns colegas do direito para tambeacutem dele participar estudaacutevamos na

perspectiva da educaccedilatildeo popular e visando o trabalho com comunidades

chegamos a fazer visitas em aacutereas sateacutelites de Curitiba quando conhecemos

gente bastante humilde Desses estudos veio tambeacutem o contato com o

movimento estudantil quando corajosamente em menos de vinte e cinco pessoas

lanccedilamos uma chapa para o dce era a resistecircncia e luta rebelar-se eacute justo

confiavam em mim e sai como um dos coordenadores gerais da chapa fizemos

uma campanha indo a quase todos os confins da federal lembro de ter ido ateacute o

campus na escola teacutecnica onde revi o Ronaldo da eacutepoca do primeiro cursinho

que jaacute fazia seu curso de bacharelado em informaacutetica Nessa peregrinaccedilatildeo

conheci e revi pessoas foi uma experiecircncia de bastante dedicaccedilatildeo entrega e luta

a qual natildeo podia ser ganha eacuteramos muito poucos e tambeacutem enfrentaacutevamos os

interesses de grupos poliacuteticos partidaacuterios e do capital eleitoreiro nessa eacutepoca

conheci os meandros obscuros da poliacutetica os corporativismos e os clientelismos

daqueles que almejam o poder Nisso tambeacutem sou grato agrave criacutetica radical

promovida pelo mepr pois me fez enxergar a poliacutetica sem ingenuidade utopia ou

romantismos

204 Anton Semioacutenovitch Makarenko viveu na antiga URSS e desenvolveu sua pedagogia advindatoda ela da praacutexis no trabalho com jovens delinquumlentes na colocircnia Gorki e Dzerjinski experiecircnciarelatada em sua obra Poema Pedagoacutegico em 3 volumes tendo como princiacutepios uma pedagogiavoltada ao povo uniatildeo do ensino e da produccedilatildeo direccedilatildeo coletiva (a escola para Makarenkodeveria ser dirigida por educadores e educandos) e auto gestatildeo financeira a experiecircncia quesegue eacute relatada em mais detalhes em trabalho Visotildees sobre um direito plural apresentado emEvento de Direitos Humanos e Pluralismo Juriacutedico da UFSC publicado no site do encontrowwwnepeufscbrcongresso

117

Atraveacutes do nuacutecleo makarenko viajei no ano de 2005 para Belo Horizonte

quando fomos apresentar seminaacuterio sobre nossos estudos numa escola popular

mantida por trabalhadores praticamente todo nuacutecleo esteve presente Natildeo

eacuteramos muito mas a qualidade das nossas discussotildees e a profundidade valeu

Voltaria ainda naquele ano a mesma cidade para participar do Encontro Nacional

de Estudantes de Pedagogia quando apresentei junto de uma estudante de

pedagogia oficina sobre makarenko Mas esses eram os uacuteltimos momentos do

nuacutecleo com algumas pessoas assumindo outros afazeres jaacute prestes a concluiacuterem

seus cursos eu era o uacutenico ali receacutem-ingresso os outros jaacute se encaminhavam

para o final o nuacutecleo acabou Mas a memoacuteria da convivecircncia do aprendizado da

praacutexis do jantar aacuterabe na casa do companheiro Adnan que fazia direito numa

particular e economia na federal ao mesmo tempo isso natildeo seraacute esquecido

tambeacutem companheiro de chapa do dce junto das meninas do movimento Joana

Viviane Juciane Alessandra Monalisa isso tambeacutem natildeo seraacute esquecido

acrescento por oacutebvio a presenccedila fraterna do colega do curso de direito na federal

musicista e poeta Ricardo Pazello que alegrava as nossas rodas de conversa

com o seu violatildeo quando atendia os nossos pedidos para tocar a muacutesica de

Vandreacute cipoacute de aroeira Soube recentemente que Adnan estaacute no Liacutebano das

meninas o que sei eacute que a militacircncia continua no comitecirc de defesa da revoluccedilatildeo

agraacuteria e de Ricardo sei que estaacute fazendo o mestrado em direito na ufsc pois em

sua casa me hospedei ainda este ano quando participei de congresso laacute sobre

pluralismo juriacutedico e direitos humanos No ano de 2004 ainda o nomadismo me

levou a conhecer a psicologia o uacutenico curso que divide espaccedilo com o direito ainda

no campus santos andrade muito embora jaacute se tenha a notiacutecia de que estatildeo na

iminecircncia de serem retirados o que eacute uma pena Na psicologia participei de um

grupo de estudos sobre Jung que eacute algueacutem que chegou a escrever uma

interpretaccedilatildeo sobre o Zaratustra de Nietzsche que soacute ouvi falar mas natildeo li

Tambeacutem aprendi um pouco sobre a noccedilatildeo de sincronicidade e percebecirc-la no

cotidiano Nesse periacuteodo jaacute estava bastante envolvido no partido de esquerda

frequumlentando vaacuterias reuniotildees em saacutebados agrave tarde e comecei cedo e tambeacutem logo

percebi graves contradiccedilotildees Percebi que se quisesse ser um membro do partido

118

deveria enquanto calouro me mostrar antipaacutetico e antisocial com a gente do outro

partido o considerado da direita como se eu precisasse agir de forma mal

educada com os outros para fazer prova de minha fidelidade Mas eu natildeo poderia

tratar mal ningueacutem ainda mais quem natildeo conhecia continuava conversando com

todos independente das facccedilotildees Eu jaacute mantinha contato com o pessoal do

mepr e mesmo laacute eles os conhecidos como radicais terroristas loucos

tambeacutem vistos como malditos pelo setor pois volta e meia lanccedilavam panfletos

criticando as reformas universitaacuterias Mesmo os radicais nunca me exigiram

provas de fidelidade pois sabiam que o trabalho o empenho corporal era a uacutenica

prova exigiacutevel ou a que mais importava Logo habitando os dois mundos a

realidade da santos andrade e a da reitoria conhecendo o movimento estudantil

nesses dois espaccedilos fui notando o conteuacutedo de simulacro nas praacuteticas do partido

de esquerda do direito

ldquoNietzsche na forccedila da sua criacutetica e na radicalidade dos seus propoacutesitosescandaliza a esquerda imbecil que paulatinamente vai se convertendoaos rituais e aos objetivos do poder que combatiardquo (Cf ESCOBARsano p 7)

Natildeo me queriam como companheiro e sim como um disciacutepulo crente

um cego a seguir e a fazer o que os mais velhos mandavam fosse ofender ou

atacar sem o saber aqueles que eram tidos por inimigos me queriam para o

seu time e para a posiccedilatildeo mais atrasada possiacutevel porque quem fazia os gols e

dirigia o time era sempre uma elite natildeo disposta ao diaacutelogo ou a ceder

Percebi que era uma cuacutepula que dava a linha ao partido e tambeacutem que

os outros partidaacuterios laacute estavam por amizade natildeo por qualquer causa propoacutesito

ou diretriz de iacutendole revolucionaacuteria ou engajada mas para marcar encontros para

sair depois fazer programas juntos natildeo para discutir a poliacutetica ateacute porque muitas

vezes essa jaacute estava decidida por uma meia duacutezia que eram de fato os seres

poliacuteticos e que negociavam em nome de todo o partido Ou seja logo percebi

que o partido era outro nome para confraria ou igrejinha Isso me fez aos

poucos investir mais energia do lado da reitoria sentia que neles o engajamento

era agrave seacuterio eram mais coerentes com o seus discursos tanto que ateacute hoje ainda

militam em outro seguimento que natildeo o movimento estudantil mas continuam

119

E tudo ficou mais claro para mim na disputa ao dce quando sai pela

chapa do mepr se bem que a maioria era independente eu nunca fui do

movimento sempre participei como independente muito embora dentro do

direito os proacuteprios partidaacuterios sobretudo aqueles que me cobravam provas de

fidelidade esses logo me acusavam de traidor ou faziam intrigas pelas costas

mesmo querendo me desestabilizar emocionalmente ou me segregar de algum

modo dentro do partido esses insistiam em me rotular de maoiacutesta stalinista

e outros istas como se por andar ao lado daquelas meninas necessariamente

fosse do movimento delas e tambeacutem como se eu fosse pior do que eles por estar

trabalhando com os malditos e loucos da reitoria Ora esses que me acusavam

se diziam verdadeiramente comunistas ou socialistas e diziam tudo isso sem

notar o tecircnis importado no peacute nessa eacutepoca vi que o partido da esquerda tinha

muitos comunistas de tecircnis importado gente bem nascida como entendi

aquele pessoal filho de uma elite econocircmica que ao entrar na faculdade puacuteblica

compreende ser socialmente correto fazer o discurso pelos mais pobres ou

mesmo se dizer seus representantes e falar em nome deles

Descobri que os partidos no curso de direito satildeo coisa muito antiga e

estatildeo arraigados na estrutura do templo fazendo parte de sua tradiccedilatildeo muitos

professores satildeo ex-integrantes de partidos alguns ateacute financiam campanha a

qual no meu tempo natildeo era nada barata ultrapassando os cinco mil reais O

problema natildeo era o partido da esquerda que diante do que via na reitoria era

apenas um simulacro a estrutura era falha e permitia essas distorccedilotildees e soacute

posso falar pelo que vivi e conheci Foi para fazer prova do conteuacutedo de

simulacro da poliacutetica acadecircmica partidaacuteria no direito que vesti e apoiei a chapa

de oposiccedilatildeo ao grupo da esquerda ou seja se me chamavam de traidor

quando estava com eles agora contra eles eu era algueacutem da direita fui

censurado ateacute pelos mais proacuteximos mas sabia que se queria fazer uma criacutetica agrave

farsa daquela disputa de times e natildeo de poliacutetica deveria cauterizar no corpo

aquela opiniatildeo natildeo bastava apenas discursar contra as eleiccedilotildees ou me abster

delas era preciso fazer ganhar os perversos e caccediloar daquele jogo pois se satildeo

times eacute questatildeo apenas de camisa natildeo de engajamento visceral tal como

120

aprendi no conviacutevio da reitoria mas de disputa de vantagens

ldquoO que eacute aristocraacutetico Que se tenha permanentemente de ldquoexpressarrdquondash ldquoserdquo expressar Que se procure situaccedilotildees em que se tenhaconstantemente necessidade de gestos Que se abandone a felicidadeao maior nuacutemero a felicidade enquanto paz de espiacuterito virtudeldquoconfortordquoQue se procure instintivamente pesadas responsabilidadesQue se saiba fazer em todo lugar inimigos pior tambeacutem de simesmo Que se contradiga constantemente o grande nuacutemero natildeopelas palavras mas por accedilotildeesrdquo fragmento poacutestumo XIV 15 [115]227-228 (Cf NIETZSCHE 2007 p355)

Dessa experiecircncia com a direita natildeo levei nada apenas mais um roacutetulo

ou mais um motivo para os da esquerda pois foram derrotados e ficaram mais

virulentos comigo Eacute preciso que se esclareccedila que nunca fui do tal partido da

direita como cheguei a ser do da esquerda e tambeacutem que minha experiecircncia

nesse partido acabou antes que me retirassem de laacute logo depois das eleiccedilotildees

do cahs de 2004 nunca mais frequumlentei reuniatildeo alguma e ao contraacuterio das

versotildees que me chegaram aos ouvidos depois eu natildeo fui expulso do partido sai

por conta proacutepria O mesmo natildeo aconteceu no Sajup comecei a participar

ativamente tambeacutem em 2004 e percebendo a ausecircncia dos demais cursos na

praacutexis extensionista trouxe por convite estudantes de outros cursos psicologia

pedagogia economia e comeccedilamos a desenvolver atividade no Coleacutegio Estadual

Hildebrando de Arauacutejo com estudantes secundaristas laacute em que realizaacutevamos

oficinas sobre temas-geradores ou seja partindo com problemas da realidade

deles para no final confeccionar um jornal em parceria conosco como expressatildeo

de alteridade Tudo ia muito bem mas para os integrantes mais velhos do grupo a

presenccedila de gente de outros cursos era um problema queriam o projeto apenas

para o direito e restrito ao direito a loacutegica a ser operada segundo os desiacutegnios

deles era a do estrito senso soacute estudantes de direito poderiam participar

Assim quando outros estudantes compareciam as reuniotildees tratavam-nos

mal isso passou a me incomodar muito jaacute que fui o responsaacutevel pela entrada

deles no projeto Percebi o quanto o Direito com d maiuacutesculo sustenta uma

pseudo superioridade aos demais saberes e o quanto isso eacute bastante negativo e

opressor numa loacutegica de alteridade e pluralidade ainda mais quando se tem em

conta uma perspectiva intertransdisciplinar Os debates dentro do projeto

121

comeccedilaram a ser bastante acirrados em torno dessas questotildees e ainda contra o

meus argumentos depunha minha condiccedilatildeo de calouro o que trazia aos

veteranos em maioria a sensaccedilatildeo de estarem certos foi assim que numa

dessas reuniotildees o grupo sempre teve autonomia e foi auto-gestionado decidiram

e votaram a minha expulsatildeo Por acaso ou natildeo esse pessoal tambeacutem fazia parte

de uma mesma igreja e provavelmente compreendiam aquele espaccedilo numa

loacutegica similar tanto que um dia ateacute me convidaram para participar de um culto

deles eu fui e tambeacutem num retiro deles mas natildeo me converti a sua feacute eu

preferi guardar a minha Natildeo foi a palavra expulsatildeo que usaram e sim um

eufemismo para isso a palavra afastamento diziam que eu poderia voltar

quando quisesse depois oacutebvio que nunca mais voltei As pessoas de outros

cursos deixaram de participar tambeacutem e comigo saiacuteram em solidariedade dois

colegas do direito mais proacuteximos o jaacute mencionado Ricardo e mais o Tisserant

com quem aprendi o exemplo do autodidata

Depois da experiecircncia do Sajup jaacute era 2005 e tinha acabado tambeacutem o

Projeto da OAB havia sido fechado na sede histoacuterica do cahs manteve-se apenas

no foacuterum criminal havia perdido o estaacutegio tambeacutem os espaccedilos que eram

abundantes estavam se exaurindo e desaparecendo o sajup me expulsou

abandonei o partido da esquerda o nuacutecleo makarenko estava nas uacuteltimas

depois de tudo isso natildeo sabia mais para onde ir estava como um naacuteufrago Ainda

mais porque tinha perdido as ilusotildees num messianismo do Direito agora via ele

como um direito de d minuacutesculo e o quanto de simulacro havia em sua vontade

de verdade e pretensatildeo de justiccedila ainda mais depois de ter conhecido na

proacutepria carne o banimento e a exclusatildeo dos malditos Todo esse relato faz

sentido numa espeacutecie de finalizaccedilatildeo deste trabalho monograacutefico conclusatildeo nunca

conclusa pois eacute relato de uma experiecircncia de vida ainda em aberto ainda por ser

escrita mas para justificar que este trabalho comeccedilou no contato com os

malditos do caacutercere e os da poliacutetica e tambeacutem com a experiecircncia do

naufraacutegio Para ficar pior os meus colegas foram tambeacutem afastados de mim

quando pensaacutevamos em criar algo novo rapidamente a estrateacutegia foi a de

convidaacute-los para outro espaccedilo apenas eles e natildeo a mim jaacute que quem fazia o

122

convite era um partidaacuterio daquela esquerda Certamente eram mais do que

colegas e sim companheiros de jornada para onde eles iam natildeo podia ir natildeo

naquele momento eu deveria enfrentar a solidatildeo de Zaratustra205

Do crepuacutesculo deve vir a aurora dediquei aquele ano aos estudos e

compreendi a liccedilatildeo de Zaratustra

A solidatildeo de Zaratustra natildeo dispensa os homens E por isso lanccedila odesafio de viver no meio deles ou com o mundo sem esse sentimento deperda sem esvaziamento enfraquecimento ibidem

Precisaria aprender a viver de outro modo e dentro do templo encontrar

meios de lograr os iacutedolos vencer os titatildes e enganar os Polifermos precisaria

desenvolver a astuacutecia e a dureza do guerreiro para conviver em ambientes hostis

e sobreviver aos mais de trecircs anos de curso que havia ainda pela frente precisava

encontrar meios para sobreviver afinal natildeo entrei na faculdade por uma questatildeo

apenas minha vim pelo amor de minha famiacutelia e natildeo poderia desistir apesar de

todas as decepccedilotildees Eu vi que o nomadismo para fora natildeo podia mais se

realizado daquele modo frequumlentando muito as coisas de fora da santos andrade

perdia aulas no direito e me comprometia seria preciso re-aprender isso agora

para um nomadismo dentro do preacutedio um nomadismo sem sair do lugar como

aponta de Deleuze

ldquoSeria necessaacuterio um nomadismo mais profundo o dos verdadeirosnocircmades ou ainda o nomadismo daqueles que nem se mexem e quenatildeo imitam nada Eles agenciam somenterdquo CfDELEUZE GillesGUATTARI Feacutelix Mil Platocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 TradAureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p 34 O nocircmade natildeoeacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetioviagens em intensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeoos que se movem agrave maneira dos migrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeose movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar no mesmo lugarescapando aos coacutedigos Sabe-se bem que o problema revolucionaacuteriohoje eacute encontrar uma unidade de lutas pontuais sem cair na organizaccedilatildeodespoacutetica e burocraacutetica de um partido ou do aparelho do Estado umamaacutequina de guerra que natildeo repetisse o aparelho de Estado umaunidade nocircmade ligada ao exterior que natildeo repetisse a unidade

205 O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevel foi destruiacutedo por seusinimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivo Por quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso einalterado eacute a sua alma sua vontade Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschianaRio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 p 98

123

despoacutetica interna Eis talvez o mais profundo de Nietzsche agrave medida deseu rompimento com a filosofia tal como ela se manifesta no aforismater feito do pensamento uma maacutequina de guerra ter feito do pensamentouma potecircncia nocircmade Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmadeIn Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

Assim descobri que o campus da santos andrade guarda um labirinto de

cultura e arte atravessando seus corredores para os lugares natildeo percorridos pela

gente do direito se acha um teatro as bailarinas da danccedila moderna o coral a

orquestra filarmocircnica e o curso de artes cecircnicas Passei a frequumlentar esses novos

espaccedilos dentro do velho templo ora indo para o soacutetatildeo ou para os subterracircneos

sempre descobrindo algo diferente e aprendendo ao consultar esses

oacuteraacuteculos206 encontrei ateacute um museu Natildeo esquecerei o dia em que sai de uma

aula de direito para entrar no palco que ensaiava um grupo de tango era uma

histoacuteria de Jorge Luiacutes Borges entrei pelo lugar errado e fiquei por ali abaixado ou

as vaacuterias vezes que assisti os ensaios do grupo de danccedila moderna e

contemporacircnea apreciando a beleza dos movimentos e das bailarinas nesse

tempo acabei conhecendo algumas que natildeo esquecerei tambeacutem

Na Canccedilatildeo da danccedila Zaratustra depara com um grupo de mocinhasque danccedilam Ele quer danccedilar junto embora o espiacuterito de gravidade oimpeccedilaPortanto Zaratustra quer danccedilar mas em sua auto-referecircnciaele fica refletindo sobre a danccedila em vez de danccedilar e fala com umabailarina que com isso impede de danccedilar e ao mesmo tempotransfigura como imagem significante da vida que danccedilaSoacute na danccedilase tornam supeacuterfluas aquelas perguntas que voltam a atormentaacute-loquando se esvazia do local da danccedila O quecirc Ainda estaacute vivoZaratustra Por quecirc Para quecirc Atraveacutes do quecirc Para onde OndeComo Natildeo eacute loucura ainda estar vivo A sabedoria que quer investigara vida e ao mesmo tempo deseja distacircncia A sabedoria ainda seraacutedionisiacuteaca se espanta os prazeres Pelo menos com as jovens quedanccedilam Zaratustra natildeo se torna o Dioniso que tambeacutem gostaria de serNatildeo conseguiu muita coisa contemplamos atraveacutes dos veacuteus apalpamosatraveacutes de redesZaratustra briga com sua sabedoria que o impediu dedanccedilar Soacute na danccedila consigo dizer a paraacutebola das coisas mais altas eagora minha mais alta paraacutebola permanece impronunciada em meucorpo Zaratustra estaacute cansado ferido Mas natildeo demora muito elesuperou suas feridas Declara orgulhoso que ressurgiu de novo datumba de sua vida Existe em mim algo que natildeo pode ser ferido nementerrado algo que rompe rochedos eacute a minha vontade (CfSAFRANSKI 2005 p 256-257)

206 Eacute uma referecircncia aos oraacuteculos que aparecem nas epopeacuteias homeacutericas dos preacute-socraacuteticos queforam lidos por Nietzsche o oraacuteculo traz uma mensagem uma visatildeo um sinal eacute um sentidopossiacutevel para o acaso que tambeacutem aparece na filosofia de Nietzsche e que serve a apropriaccedilatildeomiacutestica de seu pensamento

124

Natildeo posso deixar de mencionar as vezes que fui ao soacutetatildeo do templo e

ouvi Beethoven Mozart e a muacutesica claacutessica tocada com brilhantismo a despeito

da falta de estrutura pelos muacutesicos da orquestra filarmocircnica da federal incluindo

na eacutepoca a Anna Luisa menina que toca violino e viola claacutessica e que nesses

encontros e desencontros da vida esteve presente tambeacutem na minha trajetoacuteria

me incentivando na cultura e na muacutesica A arte fez surgir uma aurora ao direito

quando tudo parecia sombra e decepccedilatildeo Tanto foi que ateacute comecei a fazer

aulas de danccedila de salatildeo e cheguei a frequumlentar um baile isso por incentivo de

colegas do direito que descobri que faziam aulas tambeacutem isso foi em outro lugar

mas natildeo no templo ainda na santos andrade natildeo esquecerei das aulas de

histoacuteria da arte da professora Vanessa que a despeito de ser muito jovem

tambeacutem me incentivava a seguir os estudos nessa aventura interdisciplinar ela

que tambeacutem frequumlentou os bancos de direito mas preferiu a arte Esse foi o

nomadismo que aprendi a fazer sem sair do lugar Naquele ano ainda incluo

tambeacutem o Festival de Inverno de Antonina quando participei de oficina de arte

cecircnica sobre o uso da voz O ano de 2006 comeccedilou com estaacutegio novo havia

utilizado minhas economias para me manter no ano anterior agora era hora de

voltar ao trabalho e sou imensamente grato ao pessoal que conheci na

corregedoria do Tribunal de Contas que cumprimento na pessoa da Dra Cristina

e tambeacutem do corregedor agrave eacutepoca Dr Fernando agradeccedilo natildeo soacute a oportunidade

pelos dois anos de estaacutegio mas pelo que aprendi natildeo soacute enquanto teacutecnica

juriacutedica mas como sabedoria humana sou grato ainda porque nesse estaacutegio

podia almoccedilar economizava esse dinheiro e quando natildeo podia mais pela

proibiccedilatildeo do almoccedilo aos estagiaacuterios a Dra Cristina pagava para a mim sempre

com muita confianccedila o que nunca esquecerei tambeacutem a paciecircncia nas

orientaccedilotildees do trabalho fazendo sugestotildees e incentivos bem como os vaacuterios

colegas do dia-a-dia e os que por laacute passaram Isabel Cleusa Seacutergio cito a eles

para cumprimentar a todos que fizeram parte dessa jornada Nesse estaacutegio

sempre fui muito bem acolhido nas confraternizaccedilotildees de final de ano e

aniversaacuterio sentiacuteamos que eacuteramos parte viva do coletivo e natildeo apenas uma peccedila

descartaacutevel a Dra Cristina chegou a me presentear com um livro de Nietzsche A

125

Genealogia da Moral E ainda sabia reconhecer a importacircncia desses meus

estudos me incentivando no caminho da filosofia da pesquisa e das

investigaccedilotildees sociais como a liberaccedilatildeo que tive para ir ao Projeto Rondon na

Amazocircnia Oriental numa experiecircncia de mais de vinte dias e para voltar ao

estaacutegio sem quebra de contrato pois a loacutegica aplicada foi a de um direito que

escapa ao estrito senso Num desses acasos ainda conheci nesse estaacutegio

Gilberto e Oswaldo Giacoacuteia Neto sobrinhos do grande inteacuterprete brasileiro de

Nietzsche cujo testemunho eacute arrolado nesse trabalho devo ressaltar que satildeo

todos pessoas simples

Com a tranquumlilidade que o estaacutegio me fornecia pude ousar o trabalho

voluntaacuterio na organizaccedilatildeo do II Encontro de Direito e Cultura Latino-Americanos

organizado pelo cejur entidade representativa da poacutes-graduaccedilatildeo em direito da

federal atuei ajudando a divulgar o evento colando cartazes em vaacuterios lugares e

tambeacutem apresentei o meu primeiro trabalho acadecircmico resultado de estudos

variados a Pedagogia Discrepante escolha de liberdade O mesmo trabalho eu

re-apresentaria na Jornada Cientiacutefica do Pet Direito com a avaliaccedilatildeo do Prof Dr

Celso Ludwig de que se tratava de uma bricolagem o que ainda natildeo sabia do

que se tratava e indicou a leitura da obra do Prof Dr Alexandre Morais da Rosa

Quando tambeacutem submeti um trabalho sobre a biopoliacutetica de Michel Foucault ao

ingresso como voluntaacuterio no Programa O Pet programa de educaccedilatildeo tutorial

sempre foi visto por mim como mais uma dessas confrarias soacute que natildeo poliacutetica

e sim intelectual ou ainda como uma filial daquele partido da esquerda os

quais nos debates se diziam que eram pesquisadores enquanto os outros para

eles natildeo eram Portanto sabia que teria dificuldades por mais que me

empenhasse na elaboraccedilatildeo do projeto sabia que encontraria resistecircncia dentro do

grupo para a minha aprovaccedilatildeo e chegou a meus ouvidos que em reuniatildeo desse

partido da esquerda algueacutem havia vaticinado que eu natildeo entraria no Pet e se

fosse pela loacutegica da razatildeo acadecircmica do direito estrito senso muito provaacutevel

que natildeo conseguisse mesmo eu natildeo tinha haacutebito em escrever projeto o meu natildeo

tinha paraacutegrafo natildeo seguia as regras de espaccedilamento e tambeacutem do recorte

epistemoloacutegico Tinha tudo para fracassar e para o que vaticiacutenio se cumprisse

126

Contudo por um desses acasos bem-vindos na banca avaliadora estavam dois

professores que pensam para aleacutem da loacutegica do direito estrito senso Vera Karam

e Celso Ludwig os dois deram parecer favoraacutevel ao meu ingresso e nisso talvez

um desses comunistas de tecircnis importado tenha queimado a liacutengua Estava

comeccedilando a desenvolver a astuacutecia do guerreiro furando os olhos de alguns

Polifermos logrando os censores ou aqueles que estatildeo sempre dispostos a

opor um novo obstaacuteculo

ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura umatentativa de decodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativaque consistiria em decifrar os coacutedigos antigos presentes ou futurosporeacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo Cf DELEUZE Gilles Opensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 11

Em setembro de 2006 eacute meu ingresso como voluntaacuterio no grupo pet direito

ufpr e ateacute hoje faccedilo parte sob a tutoria do Prof Dr Abili ao qual sou grato por ter

me deixado pesquisar aquilo que gosto porque em determinado momento larguei

o projeto inicial para pesquisar Nietzsche mesmo sem saber o que pesquisaria

ainda Tambeacutem sou grato ao coletivo do Pet a todos que por laacute passaram desde a

minha entrada ateacute agora cumprimento a todos sem distinccedilatildeo porque de algum

modo ou outro todos contribuiacuteram para meu crescimento seja pelos estudos

coletivos ou nessa pesquisa que virou trabalho de monografia agora

A Odisseacuteia ainda precisa continuar e comecei a participar do Nuacutecleo de

direito Cooperativo e cidadania vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr sob

a orientaccedilatildeo do Prof Dr Gediel laacute vou reencontrar os amigos que haviam sido

afastados de mim E novamente logrando Poliferno comeccedilo a frequumlentar os

estudos do grupo e a participar de suas atividades na sequumlecircncia apresentando

trabalho sobre o cooperativismo dos luacutempemproletaacuterios pela liberdade no

seminaacuterio organizado pelo nuacutecleo e continuo frequumlentando ateacute o final do primeiro

semestre de 2007 quando o reacuteu Nietzsche faz sua primeira exigecircncia era preciso

escrever um trabalho no direito sobre ele O meu aprendizado e minhas leituras

que vinham desde antes da faculdade natildeo eram suficientes para escrever um

trabalho muito menos natildeo sabia sobre o que escrever por onde comeccedilar Pelo

127

que se nota desse relato o Nietzsche que coloquei em praacutetica eacute o aprendizado

obtido mediante experiecircncia que soacute consigo transpor em palavras porque depois

fiz a leitura mas sem o saber intuitivamente ou natildeo por forccedila do acaso busquei

uma praacutexis nietzscheana a despeito de toda tonalidade marxista desse conceito

Foi assim que o primeiro trabalho escrito sobre Nietzsche no direito iraacute ser

Nietzsche e Poliacutetica Traacutegica ou como se tornar aquilo que se eacute Um trabalho

que natildeo teria acontecido por causa das afliccedilotildees do desespero de natildeo saber

praticamente um segundo naufraacutegio pois era tempo de entregar projeto de

monografia e o prazo derradeiro se aproximava foi quando encontrei um desses

oraacuteculos numa tarde na biblioteca puacuteblica era o Prof Dr Guilherme Roman

Borges algueacutem que haacute tempos atraacutes assombrou a faculdade realizando um

trabalho de monografia sobre Michel Foucault tatildeo pesado quanto um tijolo natildeo soacute

pelas dimensotildees mas pela acuidade expositiva e argumentativa sobretudo Foi a

simplicidade e a humildade do Prof Guilherme que foi o incentivo preciso naquele

momento Ele me orientou a estudar o Nietzsche e fazer da monografia a

oportunidade de uma explosatildeo assim mal sabia ele que acabou fornecendo

foacutesforo para um incendiaacuterio Sem conhecer ainda as teacutecnicas de manejo da

poacutelvora nietzscheana a primeira tentativa acabou explodindo em mim e me

ferindo um pouco jaacute que esse trabalho natildeo teve avaliaccedilatildeo tatildeo positiva da banca

que o avaliou na Jornada do Pet daquele ano Mesmo tendo o explosivo falhado

na primeira tentativa havia material para outras explosotildees Foi o que aconteceu

no Evinci de 2007 quando apresentei a pesquisa do resumo Desafios e

confrontaccedilotildees hermenecircuticas para a efetividade dos direitos fundamentais

prestacionais quando trouxe a figura de Nietzsche num dos slides e a sua frase

escreva com sangue e veraacutes que sangue eacute espiacuterito num diaacutelogo de alteridade e

pluralidade com o seu pensamento Do crepuacutesculo vem a aurora o que parecia

como um fracasso surgiu como uma vitoacuteria o Prof Guilherme solicitou que meu

artigo sobre Nietzsche apresentado no Pet fosse enviado para a revista raiacutezes

juriacutedicas e assim ele foi publicado207

207 MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar a seraquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008

128

Em 2008 eacute o ano que dedicarei fundamentalmente as pesquisas e ao

estudo para odisseacuteias ainda maiores Aproveitando da poacutelvora jaacute reunida

confeccionarei outros artefatos explosivos e encaminharei o primeiro deles para

um congresso de filosofia na USP que eacute aprovado depois outro trabalho para um

congresso de pluralismo juriacutedico e direitos humanos da UFSC que tambeacutem eacute

aprovado depois para outro congresso de filosofia agora da UFPR depois um

trabalho seraacute encaminhado para a jornada de pesquisadores da AUGM em

Montevideo tambeacutem eacute aprovado na sequumlecircncia mais um trabalho eacute encaminhado

para evento de filosofia na UFRN a federal de Natal Rio Grande do Norte essas

duas uacuteltimas peregrinaccedilotildees ainda aconteceratildeo para cruzar o continente latino-

americano do extremo sul ao norte do equador com a vontade de poder elevada a

sua mais alta tonalidade Diante do que tenho que ser grato ao Prof Dr Cesar

Serbena pelo estiacutemulo ao estudo da filosofia no direito e pelas oportunidades

concedidas nesse uacuteltimo ano como seu monitor na disciplina de filosofia do

direito c e tambeacutem como meu orientador na iniciaccedilatildeo cientiacutefica com a bolsa

UFPRTN cujo plano de trabalho eacute A projeccedilatildeo filosoacutefica e literaacuteria do pensamento

de Nietzsche no Direito ou como pensaacute-lo depois da explosatildeo nietzscheana

Aspectos para um Direito a marteladas Tenho que lhe agradecer ainda pelos

serviccedilos prestados como meu advogado pois cheguei a receber a notiacutecia de que

teria que fazer minhas pesquisas sem bolsa ao que parece me avisaram que a

ufpr natildeo tinha dinheiro para bancar bolsa por isso alguns ficaram sem receber

incluindo eu e o Prof Serbena reivindicou o meu direito conhecendo de minhas

dificuldades de meu interesse pela pesquisa e da necessidade fundamental da

bolsa jaacute que sem ela natildeo teria como empreender essa Odisseacuteia ela seria

abortada antes de comeccedilar trocada por um estaacutegio em alguma aacutegua-furtada para

garantir sobrevivecircncia acadecircmica Era o desespero de um terceiro naufraacutegio jaacute

que contra a burocracia as chances eram iacutenfimas contudo mais uma vez a

insistecircncia e a astuacutecia lograram os censores mais um titatilde estava vencido a

bolsa de monitoria era minha Ainda sou grato ao Prof Serbena por assinar os

meus pedidos de passagens para a universidade pois sem essa ajuda natildeo

129

poderia empreender esse nomadismo Ele eacute tambeacutem o meu co-orientador dessa

monografia cujo orientador eacute o Prof Dr Luiacutes Fernando que um dia

inesperadamente foi surpreendido por algueacutem que vinha lhe falar num peacute de

vento a notiacutecia de que desejava a sua orientaccedilatildeo para esse trabalho ou melhor a

sua autorizaccedilatildeo sua assinatura Surpreso pelo convite nunca esquecerei a sua

reaccedilatildeo Mas vocecirc acha que eu tenho condiccedilotildees de te orientar num trabalho sobre

Nietzsche Foi a sua humildade a simplicidade e a percepccedilatildeo para aleacutem da

loacutegica do direito estrito senso de quem jaacute perambulou pelos caminhos da arte da

esteacutetica e do engajamento poliacutetico que tambeacutem viveu seu nomadismo que

motivaram a minha escolha como a uacutenica possiacutevel naquele momento Pois

tomado do desespero de um naufraacutegio precisava entregar um projeto de

monografia que natildeo sabia qual seria e sobre o que apenas sobre Nietzsche e

alguma coisa relacionada ao direito Foi por ter me estendido a matildeo no naufraacutegio

iminente que serei imensamente grato ao Prof Luiacutes que junto com o Prof

Serbena estatildeo empenhando seu creacutedito acadecircmico nessa aposta bastante

perigosa porque eacute nietzscheana Nesse nomadismo de 2008 nos uacuteltimos

instantes da graduaccedilatildeo agradeccedilo pelas pessoas que conheci inesperadamente e

que me ofereceram abrigo quando cheguei numa madrugada de segunda-feira em

SP a maior metroacutepole do paiacutes e sem saber quem eu era sem me conhecer

ofereceram a sua casa e uma cama para deitar falo do amigo Bruno Morais e de

sua irmatilde que muito amavelmente como natildeo existe mais nem nas cidades

pequenas do Brasil me ofereceram tamanha hospitalidade e confianccedila muito

obrigado por intermeacutedio da colega Liacutevia que tambeacutem pouco me conhecia apenas

de um encontro ocorrido ano passado aqui a quem tambeacutem sou grato porque

sem essa hospedagem solidaacuteria natildeo teria como apresentar meu trabalho na USP

sobre Nietzsche amp a aventura poliacutetica Tambeacutem nessa viagem conheci o largo do

satildeo francisco mas natildeo para frequumlentar o evento em homenagem a ldquopontes de

mirandardquo que ocorria ao mesmo tempo estive laacute junto de Bruno e seus colegas no

projeto Terra Tomada que naquele instante organizavam o encontro deles em

defesa da reserva raposa serra do sol jaacute que o projeto deles eacute de defesa dos

direitos indiacutegenas com uma praacutexis de extensatildeo numa comunidade Por mais um

130

desses acasos ousei encaminhar um trabalho para a USP sem saber como faria

para ir ou como ficar laacute era uma semana de evento e no final tudo acabou bem

ainda conheci pessoas e aprendi coisas preciosas comeccedilo a acreditar que a sorte

acompanha os audazes ou como diria Goethe ouse ouse fazer e o poder lhe

seraacute dado (cito sem referecircncia uma passagem que guardei quando era

estagiaacuterio no Farol)

Tambeacutem em 2008 comecei a frequumlentar o Grupo de estudos Nietzsche

coordenado pelo Prof Dr Antonio Edmilson Paschoal da PUCPR ao qual sou

grato pois muito gentilmente aceitou a minha participaccedilatildeo no grupo mesmo

sendo aluno de direito com a frequentaccedilatildeo desse espaccedilo adquiri mais coragem

para enfrentar os titatildes que ainda viriam pois cercado de gente com bastante

estudo sobre Nietzsche incluindo o colega do curso de filosofia da federal Joatildeo

Paulo os estudos se desenvolveram melhor Joatildeo ainda me apontou para a

existecircncia de outro grupo de estudos Nietzsche essa na Universidade Positivo

nos confins do campo comprido outro lado da cidade para mim e assim passei a

frequumlentar as reuniotildees em alguns saacutebados de manhatilde procurando equilibrar os

compromissos na santos andrade jaacute que fazemos disciplinas optativas nesse

horaacuterio Esse outro grupo eacute coordenado pelo Prof Dr Roberto Wu a quem

tambeacutem sou grato pela simpatia de me acolher nos seus estudos Como numa

aventura mitoloacutegica encontramos natildeo soacute titatildes mas tambeacutem alguns oraacuteculos que

apontam caminhos encontrei assim a estudiosa de Wittgenstein e professora em

Joinvile a Cristiana a quem sou grato pois me incentivou nos estudos quando

estava ainda preocupado com os meus proacuteximos passos natildeo soacute ofereceu o

conforto de suas palavras como o apoio para inscrever um trabalho no Congresso

de Filosofia Moderna e Contemporacircnea ocorrido no uacuteltimo mecircs de agosto na

PUCPR desse congresso tambeacutem participaram o Prof Dr Oswaldo Giacoacuteia Jr e

tambeacutem a Prof Dra Scarlett Marton Eu e Cristiana apresentamos um trabalho

intitulado Deus no pensamento de Nietzsche e Wittgenstein E ainda outro

artigo que publicaremos em parceria que eacute sobre sofrimento e felicidade no

pensamento de Nietzsche esse numa revista da Univille Ao que me parece hoje

aquela ousadia do primeiro artefato que explodi sobre Nietzsche estaacute longe de ser

131

um fracasso pelo contraacuterio a explosatildeo dele soacute poderia ser em mim pois se

explodir natildeo eacute privileacutegio soacute dos terroristas fui o que disse ao Prof Dr Mauro da

Unicamp quando pedi a palavra no Evento sobre oacutedio fanatismo e terrorismo e

disse que Nietzsche foi tambeacutem algueacutem que explodiu com a sua proacutepria dinamite

Eu me pergunto quem eacute hoje o jovem homem nietzscheano Seraacuteaquele que prepara um trabalho sobre Nietzsche Eacute possiacutevel Ou seraacute oque voluntaacuteria ou involuntariamente pouco importa produz enunciadossingularmente nietzscheanos no curso de uma accedilatildeo de uma paixatildeo deuma experiecircncia Eacute igualmente possiacutevel A meu ver um dos textosrecentes mais belos mais profundamente nietzscheanos eacute o texto queRichard Deshayes escreve ldquoViver natildeo eacute sobreviverrdquo poucos momentosantes de receber uma granada durante uma manifestaccedilatildeo Os doistalvez natildeo se excluam Talvez se possa escrever sobre Nietzsche ealiaacutes produzir no decorrer da experiecircncia enunciadosnietzscheanos (Cf DELEUZE sano p 9)

O Prof Mauro falava em evento organizado pelo nuacutecleo de direito e

psicanaacutelise vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da federal E a psicologia mais

a psicanaacutelise foram tambeacutem lugares pelos quais passei nesses nomadismos

Tudo comeccedila em 2004 num saacutebado pela manhatilde quando frequentava as jornadas

lacanianas coordenadas pela Prof Dra Silvane Marchesini quando no congresso

trazia jaacute preocupaccedilotildees nietzscheanas sou grato a Prof Silvane pelo apoio

incentivo e reconhecimento nessas aventuras de quem tambeacutem abriu seu

consultoacuterio sua biblioteca e forneceu material para pesquisa Nesse sentido sou

grato a Prof Dra Vania Mercer psicanalista em Curitiba por ter aberto as portas

de sua casa e de seu consultoacuterio bem como de sua biblioteca para incentivar

minhas pesquisas e meus estudos tambeacutem pela leitura paciente de minhas

bricolagens E ainda sou grato a Prof Dra Nadja Pinheiro do curso de psicologia

da federal que com muita amabilidade me acolheu no seu grupo de estudos da

obra de Michel Foucault a Histoacuteria da Loucura e tambeacutem pelo incentivo e pela

leitura paciente de meus estudos sobre Nietzsche Assim como nessa interseccedilatildeo

direito e psicanaacutelise tambeacutem agradeccedilo outras pessoas as incontaacuteveis que

conheci no nomadismo universitaacuterio gente de variados cursos ideacuteias e

experiecircncias engajamentos Dentro da academia nesse nomadismo sem sair do

lugar que aprendi a fazer tenho que agradecer ao Prof Dr Ricardo Marcelo que

132

me recebeu no seu Nuacutecleo de direito histoacuteria e subjetividade vinculado agrave poacutes-

graduaccedilatildeo em direito da federal em que estudamos obras de Michel Foucault e

Giorgio Agamben as quais me trouxeram subsiacutedios para essa empreitada

tambeacutem aproveito ao ensejo e agradeccedilo a sua esposa Prof Dra Angela

Fonseca que possui mestrado em Nietzsche e com muita simpatia aceitou

minhas insistecircncias em discutir o filoacutesofo e minhas pretensotildees quando natildeo

esquecerei o cafeacute que tomamos numa manhatilde que natildeo vi passar devido ao prazer

de falar sobre aquilo que gostamos Tambeacutem sou grato ao Prof Dr Celso Ludwig

natildeo apenas pela sugestatildeo da bricolagem e tambeacutem pela avaliaccedilatildeo positiva na

banca do Pet mas tambeacutem por ter me acolhido em seu Nuacutecleo de estudos

filosoacuteficos - Nefil vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr Agradeccedilo ainda

ao Prof Dr Luiacutes Edson Fachin que me concedeu a oportunidade de conhecer dos

diaacutelogos e debates em torno do direito civil-constitucional em seu Nuacutecleo Virada

de Copeacuternico vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo tambeacutem que ainda me concedeu a

oportunidade de viajar com o grupo para o Rio de Janeiro para acompanhar o

evento organizado pelo Prof Dr Gustavo Tepedino da UERJ Sobre a

bicolagem sou imensamente grato ao Prof Dr Alexandre Morais da Rosa que

com muita generosidade vem dialogando comigo e me incentivando a continuar

fazendo bricolagens desafiando o establishment e ousando quebrar

paradigmas Ao Prof Alexandre meu agradecimento fraterno a quem chegou a

me enviar seu livro sobre a bricolagem no direito por correio de presente o que

me inspira e daacute mais coragem Nesse nomadismo para fora tenho que agradecer

ao Prof Dr Cid Aimbireacute do curso de farmaacutecia da UFPR o qual orientou a equipe

que representou a instituiccedilatildeo no Projeto Rondon Amazocircnia Oriental que atuou no

interior do Estado do Paraacute ao tio Cid como acostumamos a trataacute-lo meu

agradecimento pelo exemplo de simplicidade retidatildeo de caraacuteter e confianccedila bem

como toda a equipe que comigo esteve em Canaatilde dos Carajaacutes estudantes de

pedagogia enfermagem medicina biologia e farmaacutecia todos gravados na minha

memoacuteria e agora nessas paacuteginas que registram experiecircncias nocircmades Natildeo

posso deixar de citar meu amigo Rodrigo fanfarratildeo pois algueacutem que conheci na

eacutepoca de cursinho e que tambeacutem me acompanha na faculdade e natildeo esquecerei

133

do pela liberdade que bradei numa assembleacuteia acadecircmica que desejava

aumentar o curso de direito para seis anos natildeo conseguiram e nem dos Jogos de

Veratildeo de 2008 Tambeacutem agradeccedilo ao amigo e testemunha de algumas aventuras

Prof Dr Rafael Zanlorenzi que me conheceu quando ainda era um calouro

trazendo perguntas nietzscheanas num evento de direito e psicanaacutelise e depois

me emprestou livros me deu um sobre Heidegger sempre com muita

generosidade tem me acompanhado Tambeacutem agradeccedilo aos inuacutemeros

interlocutores e pessoas que estiveram nas vaacuterias caminhadas e outras que

estaratildeo e ainda sequer conheccedilo Ainda devo agradecer aos que estiveram

comigo nesses cinco anos alguns conheci bem outros apenas sutilmente e ainda

outros apenas de vista satildeo meus colegas de sala aos quase cem que

frequumlentaram comigo a sala de aula desde o iniacutecio ateacute o fim proacuteximo sou grato a

todos sem distinccedilatildeo pois assim como apontei a respeito do Pet todos de algum

modo contribuiacuteram para o meu aprimoramento seja intelectual mas

principalmente enquanto ser humano cumprimento a todos igualmente

O meu muito obrigado ainda ao Prof Dr Joseacute Roberto Vieira pela sua

generosidade e sabedoria de quem leciona Direito Tributaacuterio mas ainda assim

natildeo se deixa levar pela visatildeo do direito estrito senso pois eacute algueacutem que conheci

numa palestra de Oswaldo Giacoacuteia Jr sobre as mutaccedilotildees de Zaratustra no Sesc

da esquina O Prof Vieira eacute homem de larga cultura filosoacutefica chegou a orientar o

Prof Serbena no seu doutorado sobre loacutegica e aleacutem disso tem grande

conhecimento de literatura Esse eacute um relato infindaacutevel e continuaraacute em aberto

como as viagens que ainda devo fazer precisei escrever tudo isso para

demonstrar que usei a minha vida como mateacuteria prima desse trabalho aceitando

que a tarefa de escrever com o proacuteprio sangue e tambeacutem para me colocar em

julgamento na frente do reacuteu daquele que eacute chicoteado pelos outros Das

experiecircncias vividas das decepccedilotildees aventuras desventuras dos juacutebilos e

preocupaccedilotildees nada alteraria pois tudo que escrevi eacute aquilo que provei na proacutepria

carne e o que superei

soacute se escreve aqui sobre aquilo que mesmo viveu e superouCfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad RubensRodrigues Torres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza

134

2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 p128

O grande ato de bufonaria contra o tempo a forma de lograacute-lo e aquilo

que jaacute se passou eacute ser querido de novo eternamente e justificado pela vontade

elevada a sua mais alta potecircncia soacute compreendo isso agora diante da urgecircncia

de entregar esse trabalho em definitivo em poucas horas Agradeccedilo por fim a

meus pais Marly Benedita Santos Nascimento e Leonardo Mantau e tambeacutem a

minha irmatilde Janice Nascimento Mantau a vocecircs devo tudo e a condiccedilatildeo de ter

chegado ateacute aqui aleacutem da certeza que natildeo combato sozinho pois comigo estatildeo

vocecircs e meus antepassados208 Se deixei de seguir o caminho dos outros passar

num concurso puacuteblico ou estagiar em tempo integral para desde o princiacutepio

auxiliar em casa foi porque algo me convocava para essa tarefa pois toda essa

odisseacuteia essa luta constante me faria mais forte para o que ainda viraacute e natildeo

podia estancar essa marcha por vocecircs e por mim necessito ir sempre mais longe

Se aquele que anuncia o eterno retorno de todas as coisas surgisse em

minha frente eu o receberia como um emissaacuterio divino pois diria SIM

OUTRA VEZ

Curitiba em 3 de outubro de 2008

208 CfKAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo PauloAacutetica 1997 sp

135

Manancial rizomaacutetico ou os afluentes desse meu rizoma

ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do esclarecimentofragmentos filosoacuteficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro JorgeZahar 1985

AGAMBEN Giorgio Homo Sacer o poder soberano e a vida nua Trad HenriqueBurigo Belo Horizonte Editora UFMG 2002

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_________ Infacircncia e histoacuteria destruiccedilatildeo da experiecircncia e origem da histoacuteriaTrad Henrique Burigo Belo Horizonte Editora UFMG 2005

__________ Profanaciones Trad Flaacutevia Costa y Edgardo Castro Buenos AiresAdriana Hidalgo editora 2005

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CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de JaneiroRecord 1999

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___________ Foucault Trad Editora Brasiliense SA Satildeo Paulo rev Joseacute W SMoraes Satildeo Paulo Brasiliense 1991

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___________ Nietzsche e a Filosofia Trad Ruth Joffily Dias Rio de JaneiroEditora Rio 1976

____________ GUATTARI Feacutelix Mil Platocircs capitalismo e esquizofrenia vol1Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995

DERRIDA Jacques Gramatologia Trad Miriam Schnaiderman Satildeo PauloPerspectiva ed Da Universidade de Satildeo Paulo 1973

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_____________ Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio de Janeiro 7Letras2000

_____________ Zaratustra (os corpos e os povos da trageacutedia) Rio de Janeiro7Letras 2000

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_____________ Histoacuteria da Loucura Trad Joseacute Teixeira Coelho Netto SatildeoPaulo Perspectiva 2004

FONSECA Acircngela Couto Machado Criacutetica da Modernidade diaacutelogos com odireito em que medida tambeacutem noacutes ainda somos devotos uma leitura sobremetafiacutesica niilismo e direito a partir de Nietzsche Florianoacutepolis FundaccedilatildeoBoiteux 2005

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GADAMER Hans-Georg Verdade e Meacutetodo I traccedilos fundamentais de umahermenecircutica filosoacutefica Trad Flaacutevio Paulo Meurer Petroacutepolis RJ Vozes 1997

_____________ Verdade e Meacutetodo II complementos e iacutendice Trad Enio PauloGiachini Petroacutepolis RJ Vozes 2002

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______________ Nietzsche amp Para aleacutem de bem e mal 2ed Rio de JaneiroJorge Zahar 2005

______________ Nietzsche como psicoacutelogo Satildeo Leopoldo RS EditoraUnisinos 2006

______________ O discurso e o direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org)Direito e discurso discursos do direito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

______________ As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclomutaccedilotildees novas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina emCuritiba no ano de 2007 notas de proacuteprio punho

______________ O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas deproacuteprio punho

GROSSI Paolo Primeira liccedilatildeo sobre direito Trad Ricardo Marcelo FonsecaRio de Janeiro Forense 2006

HABERMAS Juumlrgen O Discurso Filosoacutefico da Modernidade Trad Ana MariaBernardo Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote 1990

HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda eWaltenir Dutra Rio de Janeiro Campus 1989

HEIDEGGER Martin Nietzsche I Trad Marco Antocircnio Casanova Rio de JaneiroForense Universitaacuteria 2007

HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape1995

HUISMAN Denis Dicionaacuterio dos filoacutesofos Satildeo Paulo Martins Fontes 2001

IBSEN Henrik Um Inimigo do povo Trad Vidal de Oliveira estudo criacutetico deOtto Carpeaux Rio de Janeiro Globo 1984

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KHALIL GIBRAN Gibran O Louco Trad Mansour Challita Rio de JaneiroAssociaccedilatildeo Cultural Internacional Gibran 1977

LAVRIN Janko Nietzsche uma introduccedilatildeo biograacutefica Trad Carlos NeacutelsonCoutinho Rio de Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1974

LEVI-STRAUSS Claude O Pensamento Selvagem Trad Tacircnia PellegriniCampinas SP Papirus 1989

LOPARIC Zeljko Heidegger Reacuteu ndash Um ensaio sobre a periculosidade da filosofiaCampinas SP Papirus 1990

MACHADO Roberto Nietzsche e a Verdade 2ed Rio de Janeiro Rocco 1985

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____________ Nietzsche das forccedilas coacutesmicas aos valores humanos BeloHorizonte Ed UFMG 2000

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____________ O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007

____________ Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo Paulo Rideel2005

____________ Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

____________ Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998

____________ Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

____________ Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

____________ Escritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) eTrad Noeacuteli Correia de Melo Sobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio SatildeoPaulo Loyola 2007

ONATE Alberto Marcos O crepuacutesculo do sujeito em Nietzsche ou como abrir-se ao filosofar sem metafiacutesica Satildeo Paulo Discurso Editorial 2000

PASCHOAL Antonio Edmilson A Genealogia de Nietzsche CuritibaChampagnat 2005

PAVARINI Massimo Democracia consenso social e penalidade Astendecircncias atuais nas poliacuteticas penais e de encarceramento no mundo Escola deAltos Estudos da Capes Departamento de poacutes-graduaccedilatildeo em direito da UFPRanotaccedilotildees de proacuteprio punho setembro de 2008

PEREIRA Luiacutes Fernando Lopes Discurso histoacuterico e direito In FONSECARicardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursos do direito FlorianoacutepolisFundaccedilatildeo Boiteux 2006

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PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Riode Janeiro Jorge Zahar 2003

ROCHA Ruth Minidicionaacuterio Satildeo Paulo Scipione 1996

ROSA Alexandre Morais da Decisatildeo Penal Bricolage de Significantes Rio deJaneiro Luacutemen Juacuteris 2006

SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left LuftSatildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo deJesus In Relatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo deErnani Pinheiro Chaves Universidade Federal do Paraacute 2008

STEINER Jean-Franccedilois Treblinka Trad Christiano Monteiro Oiticica Prefaacuteciode Simone de Beauvoir Satildeo Paulo Nova Fronteira 1978

STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeohermenecircutica da construccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado2001

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VATTIMO Gianni As aventuras da diferenccedila o que significa pensar depois deHeidegger e Nietzsche Ediccedilotildees 70 Lisboa 1980

VIEIRA Joseacute Roberto Interpretaccedilatildeo da morte de Deus em Nietzsche InRevista da faculdade catoacutelica de administraccedilatildeo e economia Adecon CuritibaFae 1991

VIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo PauloAnnablume 2006

YARLOM Irvin D Quando Nietzsche chorou Trad Ivo Korytowski Rio deJaneiro Ediouro 2005

WOLKMER Antocircnio Carlos Histoacuteria do Direito no Brasil Rio de JaneiroForense 1999

141

Desafio Titacircnico (aquilo que foi dito na defesa e o que se calou)

O que se calou Escrever agora depois de ter feito a degravaccedilatildeo de tudo essetrabalho demorado e que teve que esperar para ser realizado diante das uacuteltimasresponsabilidades na faculdade significa continuar fazendo ainda o trabalho dodesejo agora colocando o que falta para fora resgatando algumas coisas Naverdade depois que terminou a defesa e quem ler poderaacute constatar isso houveuma castraccedilatildeo uma interrupccedilatildeo do processo eu ainda precisava responder maisFaltaram aqueles minutos de consideraccedilotildees finais para que pudesse responder asprovocaccedilotildees e questotildees que foram postas Assim a sensaccedilatildeo depois da defesafoi a de que ficou faltando bastante coisa Embora satisfeito com o trabalhoescrito o qual foi realizado sem abrir concessotildees sejam elas metodoloacutegicasepistemoloacutegicas ou ideoloacutegicas sentia que muito se calou na defesa natildeo foiexpresso talvez em parte pela tensatildeo do momento ou mesmo pela ausecircncia detempoEntatildeo agora o que se calou volta para deixar a sua marca nesse trabalhoque seraacute impresso e deixado na biblioteca da faculdade como um registro quiccedilaacutemais completo e mais pleno do que foi dito e do natildeo foi dito mas pensadoruminado nesses diasEssa eacute uma parte da monografia que nasceu poacutestumaassim como Nietzsche

Curitiba 18 de dezembro de 2008

O que se calou A defesa aconteceu no dia 5 de novembro de 2008 uma quarta-feira por volta das 16 horas e durou 2 horas e 15 minutos aproximadamente foiuma banca mais longa que o comum afinal estava previsto que seriam seisprofessores na banca Contudo infelizmente o Prof Vieira (direito UFPR) pormotivos de sauacutede e o Prof Edmilson (filosofia PUCPR) por motivos derepresentaccedilatildeo acadecircmica e viagem natildeo puderam estar presentes e foramausecircncias sentidas no debate A sala escolhida foi coincidentemente a mesma emque estudei quando calouro foi no ldquoboulevardrdquo Estavam presentes osprofessores Luiacutes Fernando (histoacuteria do direito UFPR) Ceacutesar Serbena (filosofia dodireito UFPR) Acircngela Fonseca (filosofia do direito da Universidade Positivo)Nadja Pinheiro (psicologia UFPR) Muitos amigos compareceram gente que fazparte do texto como eu direi a sala estava quase cheia registro ainda a presenccedilada Dra Vacircnia Mercer psicanalista em Curitiba e tambeacutem compareceu nosprimeiros instantes da defesa O atual diretor da faculdade o Prof RicardoMarcelo tambeacutem esteve presente no iniacutecio dos trabalhos assistindo

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Prof Luiacutes Fernando Damos iniacutecio a sessatildeo de defesa da monografia do alunoLeandro Nascimento Mantau com o tiacutetulo O caso Nietzsche a reabertura de uminqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildeesAgradeccedilo jaacute formalmente a presenccedila dos colegas que colaboraram na leitura eque vatildeo colaborar na discussatildeo do trabalho do Leandro O Prof Serbena a ProfordfAcircngela a Profordf Nadja da psicologia E passo jaacute diretamente a palavra para aconvidada mais distante a Profordf Acircngela que vem de outra instituiccedilatildeo para quecomece entatildeo com a arguumliccedilatildeo do candidato muito obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Eu gostaria de agradecer tambeacutem o convite de participarda banca eacute sempre um prazer trabalhar e poder discutir o autor que noacutesgostamos colocar um trabalho agrave prova de certa maneira E o trabalho do Leandrofoi para mim um trabalho bastante sui generis em diversos aspectos Primeiroporque jaacute tinha um contato com o Leandro antes o Leandro que se diziatotalmente sem tema e que na verdade ele apresenta aqui um Nietzsche que numcerto momento natildeo sei se de extrema sinceridade como vocecirc mesmo coloca natildeotem um tema um fio condutor e tudo mais E eu vou te falar algumas coisas aquiLeandro sobre a maneira de eu entender o teu trabalho sobre o que eu achei doteu trabalho Eu acho que num determinado aspecto vocecirc quis fazer uma defesaapaixonada do Nietzsche mas uma defesa tatildeo apaixonada que talvez seja umacoisa que eacute absolutamente inovador num certo sentido mas por outro lado euacho que a proacutepria voz do Nietzsche natildeo vou falar voz do Nietzsche porque aquinatildeo tem que ter a voz do Nietzsche tem que ter a voz do Leandro mas eu diriaque o pensamento do Nietzsche que de certa maneira em alguns momentos ficouem segundo plano por que Talvez porque por uma coisa que vocecircs mesmocolocou aqui com uma intenccedilatildeo tua que eacute de natildeo fazer recortes vocecirc colocouaqui quero trabalhar com o pensamento do Nietzsche sem fazer nenhumainterrupccedilatildeo nenhum recorte E ao fazer isso eu vejo um probleminha aqui que eacute oseguinte claro que eacute oacutebvio ia dizer que quando vocecirc tenta dar conta do mundointeiro acho que o mundo inteiro escapa da matildeo da gente mas sobretudo comNietzsche eu acho que vocecirc na verdade fez uma traiccedilatildeo com Nietzsche Vocecircquerer dizer que natildeo tem como recortar o pensamento do Nietzsche vocecirc faz queeu entenda que existe uma certa unidade uma totalidade um sistema que natildeopode de nenhuma maneira ser visto em algumas partes em alguns temas e euacho que Nietzsche permite isso sim aliaacutes o Nietzsche eacute um autor que eacute claro agente tem que compreender a visatildeo dele de um modo mais aberto de um modomais amplo mas eu acho que ele tem temas que satildeo trabalhados de inuacutemerasmaneiras diferentes os mesmos temas e ele mesmo abre essas diferentesinterpretaccedilotildees sobre um mesmo problema e essa eacute a estrateacutegia dele de trabalhodo Nietzsche a estrateacutegia do Nietzsche eacute justamente isso como eacute que eu vouproblematizar esse tema sob os mais variados pontos de vistas possiacuteveis e agente como leitor do Nietzsche querendo dar conta desse problema que eletrabalha a gente natildeo precisa digamos assim esmiuccedilar todos os meandrosporque talvez seja uma tarefa impossiacutevel de fazer isso E ao ser uma tarefaimpossiacutevel o que acontece entender Nietzsche acaba sendo entender Nietzschepor partes o Nietzsche inteiro que vocecirc quis dar conta ficou por partes emdeterminados ocasiotildees aqui Essa eacute a minha primeira visatildeo aqui Natildeo acho que

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seja um grandisiacutessimo problema mas acho que natildeo tem nenhum natildeo haacute nadadigamos assim natildeo haacute nada de ruim em a gente querer selecionar determinadotema em Nietzsche e esmiuccedilar esse tema tentar trazer de uma maneira maisanaliacutetica e isso natildeo significa fazer filosofia analiacutetica Segundo lugar aqui abricolagem que o Leandro tanto fala eu achei divertido na verdade eu me divertimuito lendo o seu trabalho isso eu achei bacana no iniacutecio eu tava falando puxavida acho que o Leandro estaacute fazendo jargatildeo do Nietzsche que vocecirc queria seaproximar tanto do Nietzsche que vocecirc usava inclusive uma linguagemnietzscheana mas depois eu comecei a me divertir tanto com o seu texto que eufalei ele ateacute que conseguiu em determinados momentos um tom nietzscheanoque vocecirc mesmo fala a ironia aliaacutes Nietzsche tem muito de ironia eacute claro quetodo mundo que sabe minimamente de Nietzsche vai ver que Nietzsche tem muitode ironia mas eu natildeo sei se concordo com o Deleuze que a filosofia do Nietzscheeacute soacute irocircnica soacute uma filosofia irocircnica e cocircmica o proacuteprio Nietzsche vai dizer emuma passagem bastante forte que ele preferia ser mal compreendido natildeo sercompreendido a ser compreendido por que Por que o percurso da compreensatildeoera um percurso aacuterduo e sofrido demais e ele natildeo gostaria de largar os seusleitores nesse percurso ou seja natildeo eacute tatildeo cocircmico o caminho assim eu acho queNietzsche exige uma disciplina bastante severa do seu leitor ele carrega a gentepor caminhos que natildeo satildeo tatildeo divertidos assim natildeo satildeo tatildeo confortaacuteveisPortanto o riso e a ironia sim mas natildeo eacute apenas a ironia e o riso emNietzscheMas bem o que gostaria de falar da bricolagem eacute bricolagem tudoserve seraacute que tudo serve para Nietzsche Leandro Essa eacute uma questatildeo que eute passo por que Por que Nietzsche eacute o filoacutesofo do gosto eacute o filoacutesofo que vaifazer seleccedilatildeo natildeo eacute poliacutetica natildeo entenda mal o que eu quero dizer aqui natildeo eacuteseleccedilatildeo mas Nietzsche eacute justamente o filoacutesofo que vai avaliar o que eacute afirmaccedilatildeo eo que eacute negaccedilatildeo de vida Entatildeo se tudo serve a gente entra naquele vale tudoque em Nietzsche natildeo eacute possiacutevel o vale tudo por que que natildeo eacute possiacutevel um valetudo Por que interpretaccedilotildees negadoras depreciativas e que restringem a forccedilanaquilo que ele vai ver sobre a vida natildeo satildeo possiacuteveis em Nietzsche entatildeo todasas interpretaccedilotildees ele reconhece que satildeo existentes mas nem todas satildeo vaacutelidas enem todas tecircm o privileacutegio de serem boas interpretaccedilotildeesMas enfim a genteteria muita coisa a falar aqui pena que a banca tem que ser um pouco raacutepida e agente poderia falar muito muitomas eu gostaria na verdade de atentar agravequiloque vocecirc estava se preocupando em colocar que eacute a leitura de Nietzsche nodireito como ler Nietzsche no direito Por que natildeo eacute tatildeo faacutecil assim e na verdadenatildeo eacute tatildeo faacutecil assim colocar Nietzsche no direito Natildeo eacute faacutecil colocar Nietzsche nodireito se a gente tenta fazer uma leitura usal do direito mas eu acho queNietzsche eacute um autor muito interessante para o direito absolutamenteinteressante natildeo soacute interessante mas como um autor que vai trabalhar com odireito de uma maneira que poucos autores trabalham Eu vi aqui que em algunsmomentos vocecirc vai falar do estado o estado como esse repressor o estado quearrebanha e tudo o mais e aiacute eu vejo mais uma certa leitura marxista do que oNietzsche porque eacute claro que a gente pode ver o Nietzsche fazendo a criacutetica dorebanho mas eu acho que o interessante aqui da relaccedilatildeo de Nietzsche e o Direitonatildeo estaacute tanto na criacutetica aos estatutos aos coacutedigos aos jogos de sistemas quevatildeo digamos assim impossibilitar e sustentar a vida gregaacuteria porque isso eacute uma

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coisa que natildeo eacute original do Nietzsche muitos autores de uma certa maneira vatildeocriticar as formas como se daacute a reuniatildeo a vida poliacutetica a vida gregaacuteria e tudo omais Eu acho que o interessante aqui eacute perceber como que o Nietzsche vaitrabalhar o indiviacuteduo eacute possiacutevel falar que Nietzsche vai colocar o indiviacuteduo contraa gregariedade A vida coletiva e gregaacuteria E aiacute a gente entra num campo muitointeressante claro que natildeo o Nietzsche a forccedila de Nietzsche para trabalhar nodireito uma das possiacuteveis leituras que eu vejo eacute justamente a criacutetica asubjetividade a criacutetica ao sujeitoAh a criacutetica do sujeito natildeo eacute nada de novorealmente natildeo eacute nada de novo mas o modo como Nietzsche faz isso no momentoem que ele faz isso eacute uma coisa que merece nota porque Nietzsche natildeo vaicriticar o sujeito simplesmente do modo como estamos acostumados esse sujeitoao qual se presta do direito o sujeito racional o sujeito com todos esses atributosde capacidade autonomia liberdade etc o Nietzsche estaacute muito foi muito paraaleacutem disso digamos que ele radicalizou muito mais O problema do homem vistoenquanto sujeito enquanto indiviacuteduo para Nietzsche natildeo eacute que ele eacute apenas umailusatildeo que o direito vai se apropriar a partir do seu edifiacutecio a partir dessa visatildeo dehomem a questatildeo aqui eacute que para Nietzsche ele vai na verdade vai destruir osujeito ele vai dizer que natildeo haacute homem enquanto sujeito natildeo haacute homemenquanto isso que eacute fixo natildeo haacute homem enquanto isso que existe e eacute aiacute que estaacuteo que podemos prender de Nietzsche por que Por que Nietzsche vai querer dizerpara a gente o seguinte a proacutepria leitura de homem eacute uma leitura inventada o tipohomem eacute uma construccedilatildeo E eacute quando noacutes vamos querer entender por que queNietzsche estaacute falando para a gente que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo que agente pode voltar para o direito por que que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo Porque Nietzsche vai dizer para a gente que o homem eacute uma folha ao vento natildeo haacutenatildeo existe ele comeccedila a existir quando inventa a si mesmo e como que ele vaiinventar a si mesmo Vocecirc sabe a gente comeccedila a voltar para a noccedilatildeo de corpopara Nietzsche o homem eacute um acontecimento fortuito uma reuniatildeo de impulsosque nesse intervalo fortuito que eacute o homem faz com que exista a vida humana soacuteque dentro desses instintos dentre desses impulsos existe um que se torna osoberano que eacute a capacidade intelectual e tudo o mais Entatildeo portanto a reuniatildeodesses do corpo e do intelecto que vatildeo se comvatildeo se dizer vatildeo conceber a simesmos como um eacute aquilo que permite o processo de hominizaccedilatildeo formaccedilatildeo dohomem do tipo homem quais satildeo as praacuteticas que permitem essa construccedilatildeo dohomem Praacuteticas juriacutedicas absolutamente arcaicas antigas que Nietzsche vaidizer que satildeo praacuteticas que permitem a formaccedilatildeo de uma consciecircncia de umamemoacuteria a formaccedilatildeo de uma ideacuteia de si mesmo enquanto um centro umaunidade natildeo no sentido moderno de sujeito ainda mas ou seja a possibilidade deuma leitura de homem ou seja a gente jaacute pode prever aqui em Nietzsche algueacutemque estaacute querendo dizer o que na verdade O que que estaacute aqui Leandro deabsolutamente radical em Nietzsche Nietzsche estaacute querendo dizer que satildeopraacuteticas juriacutedicas arcaicas que vatildeo possibilitar a proacutepria formaccedilatildeo de uma dadaconcepccedilatildeo de homem ou seja se toda a filosofia de Nietzsche eacute compreender oque que eacute o homem Qual eacute o tipo de homem Por que que eacute uma ilusatildeo E porque noacutes necessitamos criar essa ilusatildeo Quais satildeo as nossas necessidades debase para formar essa crenccedila O Direito eacute um instrumento que vai auxiliar naformaccedilatildeo dessa ilusatildeo ele vai auxiliar nessa crenccedila entatildeo homem e direito aqui

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homem e praacuteticas juriacutedicas eles andam de matildeos dadas na sua formaccedilatildeo entatildeo aproacutepria ideacuteia de homem eacute uma ideacuteia que natildeo se afasta de praacuteticas juriacutedicas emNietzsche Que eacute uma leitura que eu acho sensacional e que quem tem feito issoeacute o Giacoacuteia vocecirc mesmo colocou aqui e citou isso um texto dele em que ele vaitrazer essa ideacuteia para a gente entatildeo eacute isso que haacute de radical Natildeo eacute o direitocomo uma forma de repressatildeo do indiviacuteduo porque aiacute estariacuteamos advogandocontra o Nietzsche por que Porque se a gente acha que o direito eacute uma forma derepressatildeo contra o indiviacuteduo entatildeo haacute o indiviacuteduo haacute uma forma de liberdade nofim das contas natildeo haacute Se eu saio da vida gregaacuteria e tento analisar o indiviacuteduonem mesmo o indiviacuteduo enquanto uma potecircncia libertadora autocircnoma etc sobresi mesmo natildeo existe o que existe eacute o homem que criou a si mesmo enquantoideacuteia de homem e isso foi possiacutevel tambeacutem por conta de praacuteticas juriacutedicas Achoque esse eacute um fio muito interessante para trabalhar com Nietzsche no direito Maspor fim vou soacute te colocar uma questatildeo jaacute que devemos ser breves aqui que eacute oseguinte dentre as inuacutemeras leituras que vocecirc trouxe de Nietzsche vocecirc natildeotrouxe soacute uma leitura de Nietzsche vocecirc trouxe vaacuterias leituras de NietzscheNaquele capiacutetulo em que vocecirc vai trabalhar com se Nietzsche foi um imoral ouum voluntarista Vocecirc aceita a ideacuteia de que haacute uma eacutetica em Nietzsche e isso eacuteuma coisa que eacute um pouco controversa na verdade tem um autor que eacute bastantecaro para mim que eacute o Michel Haar ele vai advogar a existecircncia de uma eacutetica emNietzsche eacutetica da afirmaccedilatildeo da vida Soacute que isso eacute controverso Acontece quenos termos que vocecirc colocou essa eacutetica em Nietzsche vocecirc colocou que a eacuteticaem Nietzsche seria uma eacutetica contra qualquer universalidade e eacute verdadeNietzsche eacute um autor que vai trabalhar contra qualquer contra os totalitarismos dametafiacutesica contra a universalidade etc Mas vocecirc coloca aqui que os homensse assumem como criadores de valores legisladores de si mesmos dobrando aforccedila a seu favor ultrapassamento do homem como rebanho e aiacute eu mepergunto como que eacute essa eacutetica em Nietzsche que vocecirc estaacute lendo aqui Por quetalvez seja soacute uma questatildeo de linguagem vocecirc me explicando aqui eu possachegar a uma conclusatildeo diferente mas quando vocecirc coloca aqui para mim ohomem enquanto legislador de si mesmo e criador de seus valores isso pareceque estaacute um passo antes da criacutetica radical ao sujeito em Nietzsche porque dar asi mesmo as suas proacuteprias leis eacute uma capacidade do eu do sujeito e esse eu eesse sujeito enquanto sujeito capaz de regar a si mesmo nesses termos tatildeoiluministas eacute algo que natildeo haacute em Nietzsche natildeo sei se vocecirc percebe o que euestou querendo dizer legislador de si mesmo em Nietzsche natildeo eacute dar a si mesmodessa maneira como se fosse algo clarividente uma autoconsciecircncia que ohomem tem para regrar a si mesmo conduzir a si mesmo eu acho que essa seriauma percepccedilatildeo bastante iluminista ainda dentro do Nietzsche entatildeo como que eacuteessa eacutetica que vocecirc aceita e diz ainda ser uma eacutetica do traacutegico Por que a eacutetica dotraacutegico eacute justamente o contraacuterio de uma eacutetica iluminista entatildeo como eacute quefunciona isso Bom eu acho que a gente teria muitas outras coisas para falaraqui mas eu te convido para a gente fazer mais cafeacutes para a gente conversarsobre Nietzsche

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O que se calou Primeiro ponto que gerou um desconforto e vai me levar a umaecircnfase maior eacute a honestidade que eu assumi para defender Nietzsche ainda maisdepois da Profordf Acircngela ter dito que eu teria feito uma traiccedilatildeo com Nietzsche pornatildeo ter seguido uma metodologia usual na academia que eacute a do recorte etc Bemeu natildeo disse que natildeo eacute possiacutevel recortar o pensamento de Nietzsche e nemignorei o fato de haver os temas nietzscheanos apenas fiz uma escolha por umoutro tipo de abordagem que foi a de ldquopassar pelos temas sem ficar nelesrdquo semverticalizar em um deles escolhi trabalhar um outro aspecto da profundidade queeacute aquela que se daacute horizontalmente e por expansatildeo E esse tambeacutem eacute umquestionamento metodoloacutegico que estaacute impliacutecito no trabalho se natildeo se eacute maisprofundo e mais coerente trabalhar horizontalmente que verticalmente diferentedo que fazem os especialistas que sabem as vezes muito de uma coisa e ignoramquase por completo todas as outras jaacute que se especializam tanto num soacute pontoque se desconectam do resto A profundidade no sentido nietzscheano natildeo eacutevertical mas na perspectiva do jogo de maacutescaras tal como apresenta Foucault noteatro filosoacutefico rdquoEacute necessaacuterio portanto que o inteacuterprete desccedila que se converta como disseNietzsche no ldquobom escavador dos baixos fundosrdquoEacute que se o inteacuterprete deve ir pessoalmente ateacuteo fundo como um escavador o movimento de interpretaccedilatildeo eacute pelo contraacuterio o duma avalanche oduma avalanche cada vez maior que permite que por cima de si se vaacute despregando aprofundidade de forma cada vez mais visiacutevel e a profundidade torna-se entatildeo um segredoabsolutamente superficial de tal forma que o vocirco da aacuteguia a ascensatildeo da montanha toda estaverticalidade tatildeo importante em Zaratustra natildeo eacute sem sentido restrito senatildeo o reveacutes daprofundidade a descoberta de que a profundidade natildeo eacute senatildeo um jogo e uma ruga da superfiacutecieAgrave medida que o mundo se revela mais profundo aos olhos do homem damo-nos conta deque o que significou profundidade no homem natildeo era mais do que uma brincadeira decrianccedilasrdquo Cf p 18-19E justamente eacute a vontade de sistema ou a vontade de verdade como expotildeeNietzsche que motiva as classificaccedilotildees os recortes e as sistematizaccedilotildees esse eacuteoutro questionamento colocado pelo trabalho esse eacute mais expliacutecito Se aquelesque agem com essa vontade de sistema natildeo se parecem mais com os meacutedicoslegistas a conspurcar cadaacuteveres ou a lesionar com o bisturi no afatilde de produzirconhecimento ou seja quem seraacute que comete a traiccedilatildeo A minha opccedilatildeo pelo natildeorecorte tambeacutem vem pelo sentido que li a filosofia de Nietzsche pela minha leiturarecortaacute-lo seria tambeacutem uma rendiccedilatildeo uma cooptaccedilatildeo e a admissatildeo de fraquezae da ausecircncia de uma vontade de poder que pede sempre saiacutedas criativas e dedeslocamento do usual e natildeo de conciliaccedilatildeo com ele Portanto escolhi o caminhoque me permitisse elevar ao maacuteximo essa vontade de poder ir mais longe e oengraccedilado como poderatildeo ler eacute que o tempo todo a banca me incita a seguir ocaminho deles ou caminho tradicional o argumento eacute de que eu conseguiria irmais longe assim seguindo eles nada mais ldquocontra-nietzscheanordquo Jaacute que paraNietzsche eacute preciso que se busque sozinho os seus caminhos mesmo quesubvertendo os coacutedigos como aponta DeleuzeA bricolagem foi outro tema polecircmico muito jaacute tive a oportunidade de observar nafaculdade que se ironiza e se comenta aos cantos com sarcasmo quando naverdade eacute uma abordagem seacuteria apresentada por Levi-Strauss no PensamentoSelvagem e que virou tese de doutorado com o Prof Alexandre Morais da RosaDe qualquer modo a polecircmica eacute o trabalho com Nietzsche na bricolagem como jaacutehavia me avisado o Prof Alexandre eu estaria duplamente assumindo o ocircnus com

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isso ele que disse que minha saiacuteda nietzscheana com a bricolagem eacutecompletamente viaacutevel apontou para a incompreensatildeo dos outros e de que iriaacabar no banco dos reacuteus como louco e de fato como afirmo na defesa e notrabalho escrito ter Nietzsche como reacuteu foi tambeacutem estar junto dele no mesmobanco ou o mesmo ldquobarcordquo O vaticiacutenio dele se cumpriu O que natildeo se entende eacutecomo que na bricolagem tudo pode servir quando Nietzsche eacute o filoacutesofo do gostoDiante disso eacute preciso que se diga que Nietzsche eacute tambeacutem o filoacutesofo doestocircmago quando ele recomenda que o seu leitor deve aprender a ruminar eacutepreciso que se tenha estocircmago para isso eacute ser um oniacutevoro comer de tudo masconseguir digerir tudo pode servir sim Desde que se tenha estocircmago para isso ena bricolagem natildeo eacute um ldquotudo pode servirrdquo alienado eacute feita uma seleccedilatildeo haacute umtrabalho de deslocamentos de significantes para dar um sentido a coisa e essesentido eacute dado por uma subjetividade que se implica haacute uma cola pessoal quemfaz a bricolagem deixa um pouco de si no experimento Quando defendia o meutrabalho levei dois cartazes duas bricolagens um deles foi feito a matildeo papelkraft tinta guache gravuras deixe inclusive a marca dos meus dedos afinal abricolagem eacute um trabalho amador apresentei esse no Evinci O segundoapresentado em Montevideacuteo com ajuda de custos da UFPR foi feito em maacutequinamas continuava bricolagem pelo jogo das imagens e o modo improvisado que foirealizado Enfim eacute esse trabalho em que haacute uma seleccedilatildeo e um processo deresignificaccedilatildeo das peccedilas agrave disposiccedilatildeo tendo o inteacuterprete ou o realizador dabricolagem como algueacutem que vai digerir e se implicar isso eacute bastantenietzscheano Haacute uma disciplina da leitura em Nietzsche certamente a ideacuteia doruminar faz parte dessa disciplina natildeo a ignoro e inclusive Nietzsche exige queos seus leitores possuam vivecircncias e experimentem em si mesmos algumasvivecircncias para compreendecirc-lo melhor ele fala isso no Ecce homo a respeito doseu Zaratustra que eacute um livro que na visatildeo de Nietzsche para que sejacompreendido eacute necessaacuterio que o seu leitor acumule algumas vivecircncias Portantoessa disciplina de leitura de Nietzsche mais do que o ruminar e a leitura atenta defiloacutelogo eacute requerido uma praacutexis um colocar-se em praacutetica e esse colocar-sesignifica uma vivecircncia pessoal uma experimentaccedilatildeo de si tambeacutem um colocar-seem prova e nisso justifica-se ainda mais o porquecirc do uacuteltimo capiacutetulo ser ldquoo comocoloquei o Nietzsche em praacuteticardquo Quero dizer jaacute estaacute impliacutecito na obra deNietzsche no seu pensamento que para ser compreendido eacute necessaacuterio umdiaacutelogo de subjetividade com eleQuando Nietzsche fala do seu criteacuterio de avaliaccedilatildeo e diz que tudo serve desde queajude a expandir a vontade de poder ele natildeo isenta nem mesmo a religiatildeo haacutequem possa ser religioso e natildeo ter uma postura depreciativa da potecircnciaMais um aspecto polecircmico foi a eacutetica ela estaacute presente no meu trabalho comouma questatildeo pessoal eu explico isso e natildeo eacute despropositado na filosofia deNietzsche natildeo eacute algo que estou forccedilando ou distorcendo basta olhar o subtiacutetulode Ecce homo ldquocomo algueacutem se torna aquilo que se eacuterdquo Ou seja exige-se umpercurso que natildeo eacute de modo algum tranquumlilo eacute uma travessia que natildeo estaacute isentada dor da experiecircncia do erro e do acerto vive-se o niilismo e a decadecircncia e eacutenecessaacuterio aceitar o preccedilo do perecimento haacute um custo traacutegico nisso Acreditoque fui claro nisso natildeo entendo o porquecirc da natildeo compreensatildeo jaacute que natildeo eacute depostura iluminista que se trata natildeo eacute ldquodar a si mesmordquo de modo clarividente

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porque aqueles que desejam que lhes seja dado o ldquoaleacutem-do-homemrdquo satildeo osuacuteltimos homens esses incapazes de serem eles mesmos de ousarem essepercurso traacutegico pedem que Zaratustra lhes decirc de presente essa eacute a posturailuminista que Nietzsche combate sua filosofia E se haacute uma forma de liberdadeela adveacutem desse processo intenso visceral a liberdade com sangue ardente queeacute o tempo todo conquistada e posta agrave prova esse eacute o sentido de liberdade queadoto e que eacute estreitamente ligado ao de eacutetica no sentido nietzscheano comoapresento Haacute uma singularidade que deve encarnar isso e aceitar o preccedilo deviver perigosamente aiacute a palavra individualidade natildeo eacute nem a melhor paracaracterizar esse processo

Prof Luiacutes Fernando Obrigado Acircngela Entatildeo eu passo a palavra para vocecircLeandro e aiacute vocecirc traz o seu trabalho acho que seu trabalho merece uma formadiversa entatildeo achei que comeccedilar pelas perguntas antes de vocecirc apresentarapesar de uma forma aparentemente linear embora com certeza natildeo fosse linearo seu trabalho mas fosse mais interessante Agora vocecirc pode ter o tempo deapresentar as questotildees que vocecirc acha centrais bem como responder

Leandro Quantos minutos

Prof Luiacutes Fernando Natildeo vou limitar acho que isso seria pouco coerente deixoque vocecirc exponha com bom senso

Leandro Peccedilo licenccedila para falar de peacute entatildeo posso

Prof Luiacutes Fernando Tudo bem

Leandro Bem quero agradecer antes a todos que vieram agradeccedilo a todosmesmo apesar dos pesares a Profordf Vania Mercer apesar de tudo estaacute aquitambeacutem agradeccedilo aos professores da banca ao Prof Luiacutes Fernando e ao ProfSerbena por terem confiado em mim confiado que eu chegaria ateacute aqui nesseempreendimento fizeram uma aposta comigo uma aposta nietzscheana perigosaporque nietzscheana muito obrigado Obrigado as professoras que vieramtambeacutem Bemo trabalho como antecipou a Profordf Acircngela eacute um trabalho que natildeosegue um tema eacute um trabalho que comeccedila pela pergunta eacute um trabalho que eacutetodo ele pergunta qual eacute a pergunta que leva o trabalho Eacute a pergunta por que lerNietzsche no Direito Eacute essa pergunta insistente foi essa pergunta que memotivou a fazer esse trabalho escrever o trabalho todo em menos de um mecircsnum estado de tensatildeo porque eu precisava entregar o trabalho e natildeo tinha poronde comeccedilar por que Nietzsche natildeo eacute um autor lido no direito a gente lecirc oMichel Foucault a gente lecirc o Giorgio Agamben a gente lecirc comentadores deNietzsche mais contemporacircneos como Deleuze Gadamer por exemplo nahermenecircutica mas ningueacutem lecirc Nietzsche Eu tenho aqui o trabalho do Prof Vieiraque infelizmente natildeo pode vir problemas de sauacutede ele trabalha Nietzsche numainterpretaccedilatildeo da morte de Deus em Nietzsche a Profordf Acircngela Fonseca numtrabalho num artigo no livro publicado Criacutetica da Modernidade tambeacutem fez um

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trabalho sobre Nietzcshe e o professor e juiz em Satildeo Paulo Eduardo Rezende deMelo faz um trabalho sobre Nietzsche e a Justiccedila quer dizer satildeo as referecircnciasas poucas que encontrei mais proacuteximas do direito Mas nenhuma referecircncia eraexatamente aquilo que eu queria ainda explorar Natildeo tinha entatildeo por ondecomeccedilar natildeo tinha um tema qual foi a soluccedilatildeo encontrada para trazer Nietzschepara o direito Foi trazer Nietzsche como um reacuteu de um processo como seNietzsche fosse um reacuteu de um processo que eacute construiacutedo pelas acusaccedilotildees aoNietzsche as inuacutemeras acusaccedilotildees ao Nietzsche acusaccedilatildeo de que ele eacute umniilista acusaccedilatildeo de que ele eacute um intelectual da burguesia que ele eacute umintelectual da direita acusaccedilatildeo de que ele eacute um nefelibata um idealistasatildeo asvaacuterias acusaccedilotildees ao Nietzsche principalmente a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacuteum louco O fato da Profordf Nadja estar aqui quando conversei com ela eu disseque a questatildeo do Nietzsche louco o trabalho natildeo comeccedila natildeo tem como trazerNietzsche para a academia e legitimar a utilizaccedilatildeo do Nietzsche se vocecirc natildeocomeccedilar rebatendo a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute louco e de que a obra deleestaria contaminada pela loucura Portanto partir das acusaccedilotildees ao Nietzschepara dizer quem foi Nietzsche quer dizer eacute o primeiro ponto do processo que naverdade natildeo eacute um processo eacute um inqueacuterito como diz o Foucault no livro aVerdade e as Formas Juriacutedicas o inqueacuterito eacute a forma de saber e poder portantoo inqueacuterito eacute quando o sujeito jaacute estaacute condenado de antematildeo Nietzsche portantonatildeo eacute usado na academia e nem lido na academia eacute tido como autor malditocolocado de lado a gente prefere ler os autores mais contemporacircneos a ler oproacuteprio Nietzsche mesmo que o Foucault vaacuterias vezes diga que Nietzsche eacute oreferencial dele ele fala isso na Microfiacutesica do Poder fala isso na Verdade e asFormas Juriacutedicas quer dizer mesmo que autores mais contemporacircneos insistamque Nietzsche eacute o seu referencial principalmente a partir da deacutecada de 60 quandoNietzsche eacute relido tirado das falsificaccedilotildees e as falsificaccedilotildees a Nietzsche foramcometidas pela proacutepria irmatilde do Nietzsche quer dizer a irmatilde do Nietzsche foiaquela parente que foi laacute e usou a imagem do irmatildeo falsificou os trabalhos deNietzsche gerou a apropriaccedilatildeo nazista do pensamento de Nietzsche Desfazeresses equiacutevocos foi o primeiro passo para dizer quem foi Nietzsche para depoistentar dizer por que ler Nietzsche no direito Mas que quis deixar bem claro otempo todo que eu natildeo quis fazer nenhum recorte a Profordf Acircngela estaacute certa eunatildeo quis fazer recorte porque se eu pegasse um recorte eu acho que aiacute sim euestaria sendo criminoso e sendo traidor do Nietzsche se eu recortasse opensamento de Nietzsche Eacute claro que Nietzsche tem grandes temas como oniilismo a transvaloraccedilatildeo dos valores a morte de Deus quer dizer Nietzsche temvaacuterios temas que ele aborda na sua filosofia soacute que a filosofia de Nietzsche natildeo eacutesistemaacutetica ela natildeo eacute um sistema Entatildeo daacute a impressatildeo de que eu estoutratando Nietzsche como uma totalidade mas natildeo eacute Eacute porque eu peguei o reacuteuNietzsche como um reacuteu como algueacutem que estaacute num processo e eu tentei aiacute natildeorecortar ele natildeo agir como um meacutedico legista a minha intenccedilatildeo natildeo foi agir comoum meacutedico legista a pegar o bisturi e a cortar um pedaccedilo do Nietzsche paradecodificar esse pedaccedilo do Nietzsche natildeo foi esse o meu objetivo O meuobjetivo foi ter Nietzsche como um reacuteu e eu cumprir um papel difiacutecil praticamenteimpossiacutevel de fazer que eacute tentar advogar o pensamento de Nietzsche natildeo soacute opensamento como o pensador tambeacutem natildeo soacute o pensamento como o pensador

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tambeacutemQuer dizer tentar fazer a advocacia de Nietzsche mesmo sem terdiploma nem sequer me formei nem sequer sou bacharel ainda preciso que otrabalho seja aprovado Entatildeo eu tentei fazer um trabalho que eacute um trabalhoamador e eacute um trabalho ateacute diletante por que eu qual a necessidadecomoachar argumentos neacute como achar argumentos para defender Nietzsche Jaacute queNietzsche natildeo eacute sistemaacutetico jaacute que eu tenho um reacuteu aqui na minha frente eutenho um reacuteu aqui na minha frente que eacute viacutetima de acusaccedilotildees e de falsificaccedilotildeesde sua obra e de seu pensamento como defender esse autor Eu tive que aiacute fazerum trabalho que eacute um trabalho bastante complicado na graduaccedilatildeo o meu objetivonatildeo foi fazer uma tese de doutorado por exemplo eu natildeo estou aqui para chegara uma conclusatildeo com esse trabalho Entatildeo eu busquei ferramentas seja nafilosofia mesmo seja na literatura seja na psicologia para poder me arranjar nosmeios limitesQuando a Profordf Acircngela falou da bricolagem por exemplo eu peccedilolicenccedila para levantar esse trabalho que estaacute aqui esse de baixo esse trabalhoaqui eacute uma espeacutecie de bricolagem em que vocecirc utiliza por exemplo as imagensas figuras vocecirc combina elas para dar um sentido a elas quer dizer essa eacute umabricolagem um trabalho que apresentei no Evinci orientado pelo Prof Serbenaque eacute Nietzsche Direito e Literatura quer dizer e esse eacute um trabalho queapresentei semana passada em Montevideacuteo no Uruguay que eacute um trabalho queenvolve cinema arte e direito eacute um trabalho que tem Glauber Rocha natildeo eacute sobreNietzsche especificamente mas esse trabalho todos eles me ajudaram a chegarateacute aqui quer dizer eacute um trabalho que eacute constituiacutedo por vivecircncias A Profordf Acircngeladisse que eu assumo assumi um tom nietzscheano mas eacute que na verdade qual aforma encontrada para defender Nietzsche para tornar defensaacutevel Nietzsche foiassumir uma honestidade profunda com Nietzsche aquilo que o Oswaldo Giacoacuteiacoloca como a virtude da probidade a virtude da probidade eu tive que confessaro meu desconhecimento do Nietzsche mesmo eu natildeo leio Nietzsche em alematildeonatildeo leio em francecircs e nem em inglecircs natildeo pude consultar as obras maisrecomendadas sobre Nietzsche como a Nietzsche-Studiem que eacute umapublicaccedilatildeo internacional do Nietzsche Quer dizer eu tive que me amparar noslivros traduzidos e no fato de eu ser estudante de direito sou estudante de direitotenho minhas limitaccedilotildees natildeo frequento o curso de filosofia ou seja tive que meorientar sozinho nesse trabalho Nisso eu tenho que agradecer de novo o LuiacutesFernando e o Serbena porque eles confiaram as cegas em mim porque eu natildeotinha projeto eu natildeo tinha roteiro eu natildeo sabia por onde comeccedilar e estava a ummecircs de entregar o trabalho e natildeo tinha escrito uma paacutegina sequer Portanto foium trabalho mesmo de diaacutelogo de subjetividade eu tive que dialogar a minhasubjetividade com o pensamento de Nietzsche para poder ser honesto com oNietzsche para poder aiacute sim defender o Nietzsche Entatildeo o trabalho comeccedila pelapergunta Por que ler Nietzsche no Direito E como a professora coloca a leiturado Deleuze foi muito importante Eacute na verdade eu natildeo quis vincular o Nietzschea nenhuma corrente de pensamento por isso eu trago vaacuterias leituras deNietzsche eu natildeo quis que Nietzsche fosse visto como poacutes-moderno Vattimo porexemplo Gianni Vattimo vecirc Nietzsche como precurssor do poacutes-modernismo natildeoquis colocar Nietzsche como poacutes-estruturalista como o Foucault admite ser comoo Deleuze tambeacutem entende que eacute eu natildeo quis colocar Nietzsche como metafiacutesicocomo Heidegger coloca quer dizer eu quis trazer um pouco dessa polissemia do

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Nietzsche Eu quis explicar dentro do direito quem foi Nietzsche Entatildeo para tentardefender Nietzsche das acusaccedilotildees claacutessicas a ele eu quis trazer todas asvertentes possiacuteveis literaacuterias filosoacuteficas e ateacute miacutesticas do Nietzsche Eu citei oGibran Khalil Gibran citei o Nikos Kazantzaacutekis que fazem leituras miacutesticas doNietzsche tambeacutem trouxe esses autores para que eles natildeo ficassem escondidosneacute Ou ignorados da leitura eu quis trazer todos elesE Deleuze a professorafalou que eacute uma leitura cocircmica Deleuze e a Sarah Kofman naquele coloacutequiocoloacutequio de Royaumont dizem que quem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito eacuteporque natildeo leu direito Nietzsche natildeo conseguiu entender Nietzsche porqueNietzsche tem essa questatildeo da bufonaria ele diz que prefere ser um bufatildeo a serum santo Mas o fato eacute que Nietzsche um dos fatos de Nietzsche natildeo ser trazidopara o direito ou natildeo ser trazido para a academia eacute o fato dele ser um autor quedespreza a academia a gente tem que lembrar que Nietzsche abandonou acaacutetedra na Basileacuteia para fazer filosofia ele largou a universidade por questotildees desauacutede mas ele dizia que aqueles que estavam na faculdade eram filisteus queapenas reproduziam reproduziam o que os outros diziam e ele precisava ouvir avoz dele entatildeo ele sai da faculdade e vai fazer filosofia neacute Entatildeo eacute preciso trazernatildeo soacute o aspecto cocircmico do Nietzsche mas tambeacutem o aspecto poliacutetico doNietzsche E aqui nesse cartaz debaixo aqui tem uma foto do maio de 68 essafoto aqui tem Deleuze tem Foucault tem Sartre no paacutetio da Sorbone essamovimentaccedilatildeo da deacutecada de 60 natildeo eacute uma movimentaccedilatildeo que toma comoreferencial o marxismo estrito senso apesar do Sartre ter se vinculado aomaoiacutesmo o Foucault natildeo era vinculado a um partido marxista Foucault liaNietzsche e percebia um aspecto poliacutetico do Nietzsche inclusive o Foucault vaidizer na Microfiacutesica do Poder que o grande meacuterito do Nietzsche foi trazer asrelaccedilotildees de poder como elemento central da discussatildeo as relaccedilotildees de poderDeleuze a mesma coisa Deleuze participa daquela entrevista com Foucault quese chama os intelectuais e o poder Portanto o objetivo do trabalho foi trazer natildeosoacute o aspecto cocircmico e irocircnico a questatildeo da criacutetica a linguagem neacute PorqueNietzsche pega a linguagem e usa a linguagem contra aqueles que utilizam dalinguagem por exemplo ele pega o texto metafiacutesico e torna o texto metafiacutesicouma arma contra aqueles que utilizam por exemplo eacute o Zaratustra o Zaratustra eacuteuma paroacutedia de trechos da biacuteblia Ele utiliza o texto contra aqueles que colocam otexto quer dizer ele pega os coacutedigos e inverte a forccedila dos coacutedigos ele transformaaquilo que eacute colocado contra ele numa arma contra aqueles que colocamporisso que o exerciacutecio de defesa do Nietzsche o tempo todo no meu trabalho foi detentar inverter as acusaccedilotildees Quando chamavam Nietzsche de niilista eu tentavamostrar o que o que estaria por traacutes daqueles que acusam Nietzsche de niilista Oque estaacute por traacutes seraacute daqueles que acusam Nietzsche de nazista por exemploou de filoacutesofo da direita Por isso eu critico o proacuteprio Marx Eu critico tambeacutemoutro autor que eacute estudado aqui no direito que eacute o Enrique DusselEnriqueDussel eacute um teoacutelogo ou ex-teoacutelogo que trabalha uma eacutetica mas eacute uma eacutetica quetem um aspecto religioso por traacutes Eacute evidente queeu faccedilo uma meaculpa euexplico que Dussel se inseriu naquele processo contra a ditadura contra arepressatildeo ele militou foi um dos integrantes da igreja que militou contra umaspecto da ditadura um aspecto importante quer dizer entatildeo cumpriu um papelimportante eu fiz essa meaculpa por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes

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FernandoEacutemaso que eu quis colocar eu quis colocar que Nietzsche daacuteespaccedilo para uma outra eacutetica possiacutevel que natildeo eacute uma eacutetica de fundo religioso eacuteum outro tipo de eacutetica eacutetica daqueles que se colocam que se arriscam queaceitam o preccedilo de viver perigosamente E uma das referecircncias para essa eacuteticapossiacutevel que eu desenvolvi como uma questatildeo pessoal mesmo precisava explicaruma utilidade poliacutetica e eacutetica para Nietzsche precisava dar uma utilidade eacutetica epoliacutetica para Nietzsche ateacute para trazer Nietzsche para o direito tambeacutem para queele natildeo fosse o pensador da esteacutetica somente para que ele natildeo fosse visto comoum pensador da literatura somente Entatildeo quem que eu trouxe para esse diaacutelogosobre eacutetica e poliacutetica Eu trouxe os franceses Foucault Deleuze eu trouxe oAntocircnio Cacircndido por exemplo que fala numa possiacutevel eacutetica nietzscheana no livrono posfaacutecio famoso que ele escreve depois da Segunda Guerra Mundial depoisdos genociacutedios Antocircnio Cacircndido surpreendentemente relecirc Nietzsche e vai dizerque eacute preciso recuperar Nietzsche Um outro autor importante eacute um autor do Riode Janeiro que eacute comentador do Deleuze que eacute Carlos Henrique Escobar eacuteCarlos Henrique Escobar foi algueacutem que foi militante chegou a ser torturado naditadura ficou surdo de um dos lados e ele estuda Marx mas tambeacutem estudavaNietzsche e ele escreve sobre uma poliacutetica nietzscheana uma poliacutetica traacutegicanietzscheana ele tem dois livros importantes que eacute Nietzschedos companheirose o Zaratustra e o corpo traacutegico de Zaratustra Portanto foi tentada dar umautilidade para esse Nietzsche a insistecircncia na eacutetica eacute uma eacutetica daqueles que searriscam mesmo e eu acho que Deleuze Deleuze fornece uma chave de leiturapara isso eu ateacute citei o Deleuze na parte final do trabalho quando eu tento trazerfalar da minha experiecircncia pessoal na faculdade falo da minha experiecircncia antesda faculdade Eu relato detalhes da minha vida questotildees pessoais bastanteiacutentimas por exemplo o fato de eu ser ter sido trabalhador braccedilalassim eu faloisso com orgulho quer dizer eu tive que experimentar as agruras tive que viverisso intensamente a flor da pele para poder a partir de laacute de todo esse histoacutericodesenvolver o trabalho neacute O fato de eu estar de vermelho hoje tambeacutem eacutesimboacutelico pelo fato de que Nietzsche recomenda que eacute preciso escrever comsangue porque somente aquilo que vocecirc escreve com sangue eacute tem valor elecoloca isso no Zaratustra portanto eu tive que colocar um pouco da minha vidapessoal como mateacuteria-prima do trabalho O trabalho natildeo seria possiacutevel em menosde um mecircs se eu natildeo tivesse que colocar um pouco de mim no trabalho Entatildeo naverdade colocar Nietzsche como um reacuteu de um processo significa natildeo ficar naposiccedilatildeo assistindo o sofrimento do Nietzscheeu coloquei aqui a foto doNietzsche nos seus uacuteltimos dias Nietzsche nos seus uacuteltimos dias eacute uma fotoassustadora e talele jaacute estaacute ficou onze anos como algueacutem morto de olhosabertosNatildeo eacute colocar Nietzsche laacute e ficar assistindo gloriosamente neacute o fimtraacutegico dele eacute tambeacutem se colocar no processo eacute tambeacutem se colocar na frente doreacuteu para receber as pancadas receber as chicotadas Eacute famoso o episoacutedio emque Nietzsche ele abraccedila um cavalo que estaacute sendo chicoteado pelo seu donomuitos vatildeo dizer ah Nietzsche era um louco ele abraccedilou o cavalo foi a uacuteltimacena de Nietzsche depois ele eacute encontrado e levado para um sanatoacuterio Querdizer eacute preciso entender aquela cena como algueacutem que vai laacute e se coloca nafrente de um companheiro porque o cavalo a gente deve compreender dentro dafilosofia do Nietzsche que o cavalo eacute um animal carregador e o animal carregador

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eacute um nobre Nietzsche sempre usa a ideacuteia da aristocracia do nobre do escravonatildeo no sentido soacutecio-econocircmico no sentido marxista mas no sentido da vontadede poder portanto o cavalo eacute como se fosse o camelo ele eacute um animalcarregador ele eacute um nobre portanto Nietzsche se coloca na frente do nobre docompanheiro dele para evitar que o cavalo seja chicoteado pelo dono Portanto omeu trabalho aqui eacute tambeacutem se colocar na frente do Nietzsche eacute evitar queNietzsche seja de novo neacute mandado para o ostracismo acadecircmico Eacute o trabalhode trazer Nietzsche para o direito e trazer Nietzsche como um problema tambeacutemapontar alguns problemas no direito no campo juriacutedico quer dizer natildeo bastavatrazer Nietzsche como um reacuteu do processo mas era preciso trazer a utilidade deNietzsche para o direito Portanto quando eu falo quando eu falo de um direitorepressor por exemplo ou falo dos coacutedigos na verdade eu estou tentandomostrar uma forma de subverter os coacutedigos mesmo O Deleuze coloca isso nopensamento nocircmade que o nocircmade por exemplo eacute aquele quenatildeo soacute aqueleque consegue sair para fora mas aquele que consegue fazer a viagem e senomadizar sem sair do lugar portanto eu explico no uacuteltimo ponto do trabalhocomo eu consegui colocar o Nietzsche em praacutetica como eu consegui fazer umcerto nomadismo acadecircmico sem sair do lugar Aqui estaacute a Anna aqui estaacutealgumas pessoas que fazem parte do texto as pessoas que estatildeo aqui algumasfazem parte do texto foi curioso porque em determinado momento eu fiz umnomadismo que natildeo foi somente ir para a reitoria sair daqui da santos andrade foitambeacutem ir para o soacutetatildeo e para o poratildeo do preacutedio da santos andrade aqui do ladotem um teatro poucas pessoas sabem que tem um teatro quer dizer eu passei afrequentar esses espaccedilos e foi a partir dessas vivecircncias desses trabalhos comoesses cartazes que estatildeo aqui foi a partir dessas experimentaccedilotildees dessasvivecircncias muacuteltiplas que eu fui elaborando esse Nietzschequer dizer e faltandoum mecircs para entregar o trabalho que eu precisei condensar toda essa energia foium trabalho psicoloacutegico a Profordf Nadja sabe do que eu estou falando a ProfordfVania tambeacutem vocecirc tem o desejo vocecirc tem o desejo soacute que vocecirc precisatrabalhar o desejo para que o desejo seja transmutado em mateacuteria transmutadoem trabalho quer dizer eu tinha apenas o desejo e a paixatildeo visceral de trabalharo Nietzsche mas eu natildeo tinha ainda ferramentas para transmutar o Nietzsche emtrabalho foi no final no desespero que eu consegui fazer isso foi um trabalhopsicoloacutegicoMas eu acho que paro por aqui depois eu respondo mais daiacute taacutebom obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Na verdade muita coisa ficou de fora aqui mas eu achoque soacute para finalizar aqui uma coisinha que eu deixei de falar vocecirc mesmoLeandro ao fazer isso vocecirc retomou umas coisas muito discutidas no direito hojeinclusive vocecirc falou um pouco do Agamben Eu acho que o Nietzsche eacuteprecurssor das ideacuteias do Agamben muito antes de a gente discutir Agamben porexemplo a gente perceber que a invenccedilatildeo do tipo homem anda de matildeos dadascom as proacuteprias praacuteticas juriacutedicas eacute querer dizer o que eacute querer dizer queenquanto o homem deixa a sua vida naquele estado apenas animal e comeccedila aqualificar a si mesmo que noacutes podemos falar de direito Natildeo eacute a relaccedilatildeo de vida epoliacutetica que Agamben fala Natildeo eacute justamente isso ou seja a vida qualificada vaiser a vida poliacutetica e aiacute que entra o direito a exceccedilatildeo da vida nua da vida

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enquanto zoeacute simplesmente Nietzsche jaacute tinha jaacute estava falando isso ou seja ohomem enquanto homem que eacute o homem em que implica o direito ele soacute eacutepossiacutevel quando a vida no seu sentido originaacuterio ou natildeo esse originaacuterio natildeo eacute umalinguagem muito nietzscheana sentido originaacuterio mas enfim a sua vida a vida nosentido mais animal ainda natildeo qualificada ainda natildeo inventada eacute deixada paratraacutes ela tem que ser arrancadaMas soacute para finalizar eu acho que tem umaqualidade o seu trabalho que a gente estaacute tatildeo preocupado em esmiuccedilar otrabalho que a gente natildeo fala neacute Eu acho que uma qualidade em seu trabalhoque eacute o interesse real o interesse autecircntico isso eacute uma coisa muito difiacutecil de agente encontrar hoje em dia vocecirc fala bastante do altar da razatildeo acadecircmica e talde uma maneira bastante irocircnica e realmente eacute uma criacutetica que vale em diversosmomentos sobretudo na produccedilatildeo do conhecimento acadecircmico em diversasocasiotildees a gente vecirc o fazer pelo fazer aqui a gente vecirc realmente ointeresseMas eu acho que para vocecirc defender o Nietzsche por exemplo ahdefendi o Nietzsche queria defender o Nietzsche mas eu acho que em algunsmomentos defender o Nietzsche por exemplo dizem que ele eacute um niilista queriadizer que ele natildeo eacute um niilista bom eu como leitora quero saber bom o que que eacuteo niilismo qual eacute a visatildeo de niilismo em Nietzsche e porque que essa visatildeo deniilismo natildeo eacute vaacutelidaPor isso que eu acho o primeiro momento dessa defesaexcelente neacute Amor e tudo o mais mas no segundo momento vamos abrir neacute eexplicar significa tal tal e tal eacute trabalhado dessa e dessa maneira eu acho queessa eacute uma coisa que soacute vai acrescentar para o teu trabalho soacute vai fazer que essadefesa apaixonada tenha digamos assim muitas muitos sustentaacuteculos

O que se calou Talvez o que eacute mais antigo no direito seja o exerciacutecio de retoacuterica eargumentaccedilatildeo antes mesmo dos coacutedigos e do legislado o que fiz em meutrabalho foi retomar essa potecircncia constituinte do direito se eacute que se pode chamarassim e fui ao extremo da retoacuterica e da argumentaccedilatildeo para subverter a loacutegica dodireito no ambiente do processo como se isso fosse o retorno do ldquorecalcadordquo jaacuteque dentro da faculdade de direito natildeo se estuda retoacuterica e argumentaccedilatildeo o quepoderia ir ateacute mesmo aleacutem jaacute que temos um curso de artes cecircnicas no mesmopreacutedio em que estudamos e um teatro tambeacutem Poreacutem ambos satildeo espaccedilosmarginais e natildeo frequumlentados pela gente do direito O que fiz portanto foi tentartrazer um pouco disso para a minha defesa puacuteblica usando esse potencial que eacutemarginal na defesa do trabalho marginal e colocando todo esse arsenal paradesbaratar a loacutegica conservadora do direito estrito senso Eu defendi o meutrabalho de peacute como se estivesse num juacuteri o tom de voz era as vezes exaltadoporque eu natildeo falava apenas para os membros da banca mas para todos os queali vieram tentava gesticular tambeacutem e ser convincente e veemente em minhascolocaccedilotildees afinal ali eu cumpria o papel de advogado E exatamente isso quenatildeo foi bem compreendido o que acontecia naquele instante era um teatro aminha monografia eacute um teatro afinal natildeo existe o Nietzsche reacuteu essa eacute apenasuma estrateacutegia argumentativa E escolher o processo natildeo eacute por acaso jaacute que esseeacute o campo por excelecircncia de um direito do paradigma da modernidadeconservador tradicional e elitista por isso eu escolhi fazer o mais difiacutecil que eraenfrentar esse direito no seu campo ousar lutar e vencer no territoacuterio do inimigoNatildeo haacute nenhuma contradiccedilatildeo nisso eacute uma estrateacutegia argumentativa em que

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aqueles que acusam o Nietzsche satildeo os que natildeo o lecircem que o desprezam ou quetem uma leitura contaminada por um senso comum E quando afirmo tambeacutem queNietzsche natildeo eacute lido no direito me refiro natildeo a faculdade de direito da UFPRsomente mas ao contexto nacional do campo juriacutedico afinal embora se leia por aiacuteNietzsche natildeo haacute produccedilotildees cientiacuteficas sobre Nietzsche dentro do campo juriacutedicotrazendo o seu pensamento no direito Por que caso houvesse certamente eu asteria encontrado e teria usado em meu trabalho como andaimes que facilitariamminha caminhada a verdade eacute que natildeo existe mesmo E outra coisa natildeo vejo oporquecirc da ausecircncia de uma caracterizaccedilatildeo detalhada dos conceitos possaatrapalhar porque na loacutegica do processo e da advocacia procurei afirmar eapontar o aspecto que me interessava Nisso fui bastante honesto ateacute mesmo como serviccedilo que busquei prestar toda a significaccedilatildeo que natildeo me ajudaria na defesaficou de lado Talvez se eu buscasse detalhar soacute iria tomar mais tempo e medistanciar do objeto do processo a defesa do reacuteu e por isso prejudicaria a defesaou arruinaria o empreendimento da forma como me propus fazer

Leandro Eu queroeu quero falarBem eu quero agradecer a Profordf Acircngelaprincipalmente por colocar o aspecto da criacutetica do sujeito neacute em Nietzschequando a gente tomou um cafeacute para conversar sobre Nietzsche agradeccedilo aprofessora pela gentileza insisti muito para que a gente pudesse conversaragradeccedilo pela paciecircncia e pela generosidadeApontou o caminho da criacutetica dosujeito soacute queeu ainda queria falar do sujeito mas natildeo podia fugir do aspectoda poliacutetica dessa eacutetica era uma questatildeo pessoal para mim Entatildeo eu precisavaarranjar um meio de explorar ao maacuteximo possiacutevel as possibilidades de NietzscheE eu tambeacutem sou grato a um outro professor que natildeo estaacute aqui presente que eacute oProf Guilherme Borges O Prof Guilherme Borges eacute algueacutem que se formou aquina faculdade trabalhando Foucault fez uma monografia que eacute quase um tijolosobre Foucault desse tamanhoMas natildeo soacute por isso eacute pela dimensatildeo criacutetica dotrabalho dele Eu encontrei ele na biblioteca puacuteblica uma vez e ele me motivou afazer o trabalho sobre Nietzsche disse que eu precisava fazer uma explosatildeodesse Nietzsche na graduaccedilatildeo ainda Entatildeo ele me motivou a fazer esse trabalhome deu coragem quando eu pensava que era impossiacutevel trabalhar esse dessaforma Entatildeo o objetivo foi justamente explorar ao maacuteximo Nietzsche abrir mesmoo leque de possibilidades para que caso eu queria continuar na carreiraacadecircmica tentar um mestrado eu possa ter vaacuterias saiacutedas vaacuterias alternativasvaacuterios meios possiacuteveis de enxergar o Nietzsche Acho que nisso eu tentei serhonesto tentei ser perspectivista ao maacuteximo Tentei seguir a recomendaccedilatildeo doFoucault tambeacutem quando Foucault escreve esse trabalho aqui que eacute um trabalhointeressante que ele relaciona Freud Nietzsche e Marx que eacute o teatro filosoficumque ele apresentou no coloacutequio de Royaumont na Franccedila na deacutecada de 60 emque ele aponta que Freud Marx e Nietzsche tem uma relaccedilatildeo no sentido de terde fornecer elementos para uma hermenecircutica do fragmento quer dizer tantoMarx como Freud como Nietzsche forneceriam ferramentas para entender ossignos do ocidente Foucault trabalha de maneira bastante inteligente nesseaspecto e coloca que Nietzsche principalmente Nietzsche forneceria elementospara vocecirc ter uma interpretaccedilatildeo em que o inteacuterprete se coloca no texto se implicano texto haacute uma implicaccedilatildeo eacutetica do inteacuterprete no texto Por isso o meu trabalho eacute

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um constante perguntar e reperguntar De fato falta mesmo falta a Profordf Acircngelaestaacute certa falta ter uma explicaccedilatildeo mais criteriosa talvez dos conceitos Mas euexplico isso no proacutelogo do trabalho no proacutelogo do trabalho eu explico que oobjetivo natildeo eacute ficar nos temas nietzscheanos como niilismo ficar na vontade depoder ficar no eterno retorno ficar na transvaloraccedilatildeo dos valores eacute falar de todosos temas dar uma amarraccedilatildeo a esses temas tendo Nietzsche como um reacuteu doprocesso Quer dizer apenas o Nietzsche enquanto pessoa apenas o Nietzschefaz convergir as interpretaccedilotildees mais variadas sobre Nietzsche quer dizer ainterpretaccedilatildeo do Foucault do Heidegger do Deleuze da literatura doKazantzaacutekis do Thomas Mann de outros vaacuterios que interpretaram Nietzsche paraum sentido todas natildeo podem fugir do fato de que existe o autor quer dizer elasconvergem para o autor Entatildeo a uacutenica amarraccedilatildeo possiacutevel de todo esse temaque estaacute disperso e nisso eu segui a recomendaccedilatildeo do Deleuze tambeacutemDeleuze disse que para ler Nietzsche eacute preciso se colocar a deriva eacute preciso secolocar a deriva e deixar se deixar levar pela leitura deixar ela fluir Entatildeo eu natildeoli o Nietzsche metodologicamente o proacuteprio Carlos Henrique Escobar no mesmotrabalho porque ele organiza uma coleccedilatildeo chamada Por que Nietzsche Que satildeotextos do coloacutequio de Royaumont na Franccedila em que fala Deleuze fala o Colli e oMontinari que satildeo os dois italianos que retraduzem o Nietzsche que recompilamNietzsche quer dizer eu trouxe o Carlos Henrique por exemplo para justificar aleitura natildeo metodoloacutegica do Nietzsche por exemplo entatildeo de fato faltou mas oobjetivo natildeo foi esse mas explorar ao maacuteximo as possibilidades do Nietzsche esoacute sobre a questatildeo poliacutetica mesmo eu gostaria de citar o trabalho do Deleuze laacutequando o Deleuze coloca que quem satildeo os nietzscheanos Quem satildeo osnietzscheanos Seraacute que eacute aquele que faz um trabalho sobre Nietzsche ele dizque talvez mas ele concorda que talvez nietzscheanos os nietzscheanos sejamaqueles que ao mesmo no curso da experiecircncia produzem enunciadosnietzscheanos Acho que meu objetivo nesse sentido quando eu coloquei a minhavida em diaacutelogo com o Nietzsche coloquei a minha subjetividade em diaacutelogo como Nietzsche para tentar ser mais honesto com o Nietzsche eu acho que tenteinesse sentido voluntaacuteria ou involuntariamente eu acabei produzindo algunsenunciados nietzscheanos por exemplo a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia dabricolagem eacute dada pelo Levi-Strauss que eacute um estruturalista O Foucault oDerrida e o Deleuze natildeo concordariam em ter o Levi-Strauss na mesma bancaque eles ou no mesmo trabalho que eles porque eles epistemologicamentedivergiam Mas o sentido que eu quis dar a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia do rizomaque eacute o tema que o Deleuze explora no Mil Platos foi justamente fazer umaapropriaccedilatildeo disso neacute nietzscheanamente mesmo Nietzsche tambeacutem faziaapropriaccedilotildees do texto biacuteblico por exemplo e direcionava contra os utilizadores Eacutetentar pegar a bricolagem como meacutetodo e tentar ser ao maacuteximo honesto e pluralcom o Nietzsche jaacute que Nietzsche reuacutene uma seacuterie de interpretaccedilotildees oNietzsche segundo o Deleuze eacute uma multiplicidadeEssa ideacuteia do doagenciamento por exemplo o Deleuze diz que para natildeo haver problemas deinterpretaccedilatildeo com Nietzsche eacute preciso que vocecirc opere uma vontade de poderuma vontade de poder que vaacute se apropriar ou agenciar o tema agenciar aqueleelemento e trazecirc-lo para si quer dizer eacute esse o criteacuterio que Deleuze adota parainterpretar Nietzsche O Foucault vai dizer na Microfiacutesica do Poder que fazer

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Nietzsche ranger ranger eacute a forma que ele conhece de se manter honesto comNietzsche e se as pessoas vatildeo dizer se ele estaacute sendo nietzscheano ou natildeopouco importa o que importa eacute usar o Nietzsche como caixa de ferramentas esseeacute o Foucault falando Entatildeo o meu processo de desenvolvimento do trabalho foiesse eacute foi ao mesmo tempo o de trazer Nietzsche e desenvolvernietzscheanamente o trabalho para ser honesto com o proacuteprio NietzscheAchoque eacute isso

Prof Luiacutes Fernando Eu agradeccedilo e passo a palavra a Profordf Nadja e agradeccedilonovamente a colaboraccedilatildeo na leitura

Profordf Nadja Bem comeccedilar pelo agradecimento tambeacutem eu que agradeccedilo oconvite e a princiacutepio quando o Leandro me convidou a minha pergunta foi maispor que Por que ele sabe que eu natildeo sou uma leitora de Nietzsche e eu fiqueiassim muito intrigada com o convite que vocecirc me fez e preocupada em estar aquihoje porque sinceramente eu nunca li Nietzsche na minha vida mas lendo o seutrabalho eu tive a plena certeza do porquecirc do convite era isso mesmo que vocecircqueria algueacutem que nunca tenha lido Nietzsche ateacute para perceber a grandeza daobra o que vocecirc queria dizer o poder ler a partir de outro lugar ou a partir de umlugar que no mue entendimento eacute o lugar afetivo Leandro eu conheci ele eutenho um grupo de estudos de Foucault do outro lado do preacutedio do lado dapsicologia e um dia noacutes estaacutevamos reunidos jaacute haacute a algum tempo e ele apareceuna porta era um aluno que eu natildeo conhecia sabia que natildeo era um dos nossosalunos da psicologia e ele perguntou eacute aqui o grupo de Foucault Eu falei poisnatildeo e ele estaacute aberto para alunos que natildeo satildeo de psicologia E eu falei seja bemvindo neacute Entatildeo o Leandro era sempre olha tem ateacute algueacutem do direito que loacutegicolaacute a gente fala que o outro lado do preacutedio eacute sempre mais importante que eacute o ladodo direito mas noacutes contaacutevamos com uma personalidade do outro lado do preacutedioconosco e ele sempre foi assim um leitor muito interessante com a gente porqueele trazia uma outra perspectiva porque laacute a gente estaacute inserido na perspectiva dapsicologia e o Leandro trazia sempre algum outro olhar alguma outra forma deentender vocecirc sempre foi muito bem vindo laacute e eu entendi o seu convite para queeu estivesse aqui hoje a partir daiacute A partir desse lugar da marginalidade o fato deter algueacutem de fora aqui e a partir da afetividade porque eu acho que o seutrabalho eacute permeado do comeccedilo ao fim pela paixatildeoque vocecirc falou E foi assimque sinceramente foi a monografia mais estranha que eu li na minha vida (risos)ela natildeo se assemelha a nenhuma monografia tese de doutorado dissertaccedilatildeo demestrado e olha que eu jaacute li muitas na minha vida e foi a uacutenica Ela natildeo eacute nadaacadecircmica Ela eacute um texto completamente outro e o que me deu assim pavor deestar aqui hoje por que eu falei o que eu vou falar para aquelas pessoas meudeus do ceacuteu por isso porque eacute completamente inusitado e eu fiquei pensandoquem seraacute o orientador desse menino que teve essa coragem de assinar embaixoe fiquei muito intrigada em conhecer vocecircs dois embora eu conheccedila o irmatildeo doSerbena e tudo a ver com o teu irmatildeo acho que ele tambeacutem assinaria algumacoisa marginal diferente inusitada enfim gostei de conhecer vocecircs dois porqueachei bem bacana assim a possibilidade de algo novo de algo diferente de algoque possa ser acolhido com respeito porque eu concordo plenamente com a

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Acircngela quando ela disse assim vocecirc estaacute aqui na monografia natildeo eacute outra coisa anatildeo ser vocecirc do comeccedilo ao fim O interesse que vocecirc tem pelo texto o interesseque vocecirc tem pelo autor genuinidade com que vocecirc se entrega ao seu trabalhorealmente traz a qualidade dele e eacute uma qualidade que eu diria assim outra quenatildeo pode ser lida pelos olhos da academia que se for lida traraacute inuacutemerosproblemas de metodologia de natildeo recorte isso que a Acircngela falou tambeacutem osconceitos natildeo satildeo explicitados entatildeo vocecirc fica na duacutevida se Nietzsche natildeo eacutelouco mas que conceito de loucura vocecirc estaacute utilizando eu fiquei tentandocompreenderMas uma dica minha Leandro natildeo tente dizer que ele natildeo eacute loucoeu acho que ele eacute completamente louco (risos) e eacute esse completamente loucoque traz a potecircncia do pensamento dele porque se ele fosse normal como noacutesnatildeo estariacuteamos falando dele a gente natildeo estaria lendo ele ele natildeo teria trazido acontribuiccedilatildeo que trouxe ele seria noacutes assim totalmente normal Entatildeo assuma aloucura dele eu acho que esse eacute o grande ponto dele soacute uma pessoacompletamente louca poderia ter escrito uma obra tatildeo maravilhosa quanto a deleEntatildeo procura pensar a loucura por um outro lugar natildeo do lugar assimromantizado porque aqui eu acho que vocecirc esbarrou um pouco na romantizaccedilatildeoda loucura e a loucura tem um potencial de sofrimento muito grande mesmo ecomo eu sou da psicologia isso me toca muito particularmente porque eu achoque satildeo pessoas que permitem que a gente possa se ver como normal mas elescarregam a carga da dor para noacutes nos alivia disso entatildeo eu acho que se vocecirctomasse a via da potecircncia do pensamento natildeo normal natildeo cotidiano vocecirc trariauma outra perspectiva de ler o trabalho do Nietzsche por aiacute e demonstrar quejustamente por que ele eacute louco que ele eacute tatildeo bom e tatildeo extraordinaacuterio mas enfimessa eacute uma outra coisa que eu ia falar depoisE assim ler a monografia doLeandro foi isso foi o susto foi o espanto foi a natildeo compreensatildeo inicial um textoque eacute afastado de mim em termos filosoacuteficos jaacute que falei natildeo eacute um autor que eutrabalho afastado de mim por ser do direito tambeacutem eu desconheccedilo e as vezesquando vocecirc fala assim isso eacute um inqueacuterito ou eacute um processopara mim natildeo seique diferenccedila eacute essa que vocecirc estaacute colocando (risos) para mim isso natildeo faznenhum sentido a loacutegica do direito natildeo eacute a loacutegica que eu utilizo neacute Natildeo eacute aloacutegica argumentativa que eu utilizo entatildeo ler o seu trabalho foi extremamentedifiacutecil eu diferente da Acircngela eu natildeo ri (risos) eu natildeo me diverti tanto eu meangustiei do comeccedilo ao fim (risos) porque eu falei gente eu natildeo consigoacompanhar eu voltava para entender um pouco melhor o que vocecirc estavadizendo ateacute que laacute pelas tantas eu tive acho eu assim um insight de que aotomar Nietzsche como um reacuteu e aiacute eu comecei a fazer todas as minhas fantasiaspossiacuteveis com um advogado que estaacute defendendo algueacutem com toda a sua paixatildeoe que natildeo estaacute portanto preocupado com a verdade mas estava preocupado emfazer aqueles que o leiam acreditar naquilo Pelo menos eacute assim a minha fantasiacom os advogados e se um dia eu precisar de um eu vou te chamar porque euacho que vocecirc vendo o teu peixe maravilhosamente bem (risos) e com paixatildeoporque eu acabei acreditando em tudo o que vocecirc me disse (risos) no que estaacuteescrito aqui E pensando assim natildeo vou procurar essa verdade acadecircmica qual oconceito de loucura que vocecirc estaacute utilizando qual o conceito de sanidade epatologia para entatildeo tentar ler seu trabalho de uma forma menosacadecircmica abrimatildeo menosrigorosa acabei abrindo matildeo e tentar entender entatildeo qual a sua

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loacutegica neacute O que vocecirc estava querendo demonstrar de que forma vocecirc estavaquerendo demonstrar De qualquer maneira eu continuo assim achando que talcomo Acircngela assim que ao tentar fazer tudo algumas coisas ficaram soltas demaise a gente se perde demais no seu texto porque vocecirc vem trazendo patamaresfilosoacuteficos biograacuteficos histoacutericos eacuteticos que para um leitor fica muito difiacutecil de teacompanhar Havia momentos em que eu natildeo sabia bem onde me situar parafazer essa leitura entatildeo talvez por uma condescendecircncia com os leitores vocecircpossa daqui para frente a ser um pouco mais um pouco mais restrito ateacute parapermitir que a gente consiga te acompanhar um pouco mais entatildeo acho assimtrazendo um desses patamares ou dois desses para que natildeo fique no mesmotexto tantas informaccedilotildees variadas e propostas de leituras variadas natildeo estoufalando nem da gama de autores que vocecirc traz como vocecirc bem disse eu queriatrazer uma interpretaccedilatildeo religiosa do Nietzsche uma interpretaccedilatildeo filosoacuteficaautores que falavam da biografia do Nietzsche enfim autores variados natildeo estounem falando das diferentes perspectivas teoacutericas estou falando dos diferentesmatizes que vocecirc utiliza para ler o Nietzsche e traz ele nesses diversos matizesneacute Entatildeo fica assim no meu processo de leitura de vez em quando jaacute natildeo sabiamais onde eu estava amparada para poder te entender Como que a biografia doNietzsche entrava na obra do Nietzsche como justificar o que ele estava trazendoem termos de conceitos a partir da biografia ou a partir da filosofia enfim e aiacuteficava mesmo muito difiacutecil para eu ler e talvez isso possa ser trabalhado por vocecircde um modo mais simples e mais faacutecil de compreensatildeo e de acompanhamento desua loacutegicaDito isso Leandro eu comecei a pensar que tipo de contribuiccedilatildeo eupoderia trazer para o seu trabalho jaacute que eu sou completamente marginal a tudoisso mas depois eu entendi assim vocecirc precisava de algueacutem o teu trabalho eacutemarginal entatildeo vocecirc precisava de algueacutem tambeacutem marginal a ele neacute E quepudesse sustentaacute-lo na diferenccedila entatildeo eu entendi um pouco por aiacute vocecirc ter mechamado claro que vocecirc natildeo estava esperando que eu trouxesse a contribuiccedilatildeoque a Acircngela trouxe a respeito do universo conceitual nietzscheano Entatildeo euachei assim Leandro tentando imaginar porque que vocecirc trouxe a tua biografia aofinal eu achei beliacutessimo mas eu posso ser uma professora da psicologia quegosta dessas coisas e gosta da afetividade ser posta embora eu nunca deixei quemeus alunos fizessem isso obviamente (risos) Eu achei beliacutessimo porque vocecirc vaiconstruindo a tua histoacuteria de vida e eu que trabalho a partir da psicanaacutelise ahistoacuteria de vida eacute aquilo que a gente trabalha e eacute por onde a partir de vocecircrecontar a sua histoacuteria de vida para um outro que eacute o analista essa histoacuteria devida toma um outro sentido uma outra construccedilatildeo eacute possiacutevel e um outrosignificado eacute possiacutevel Acho que esse eacute o seu momento neacute Na conclusatildeo decurso de graduaccedilatildeo acho que vocecirc se deparou com isso neacute Com a sua histoacuteriae com a possibilidade de transformaccedilatildeo de uma histoacuteria que no nosso paiacutes natildeo eacutemuito comum de ser transformada como vocecirc mesmo disse por ter nascido natildeo eacuteberccedilo de ouro a dificuldade que eacute vocecirc se transformar num advogado Entatildeo euacho assim vocecirc ao recontar a sua histoacuteria para o outro reconta a histoacuteria detodos noacutes de uma possibilidade de uma construccedilatildeo outra que natildeo soacute eacute no meuentender nietzscheano mas eu a tomei totalmente freudiano de vocecirc poderfazer do seu desejo aquilo que te movimenta e que te transforma mas para issovocecirc necessita de um outro que te escute e eu acho que eacute aiacute que estamos

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fazendo agora a banca eacute esse outro que estaacute te escutando e estaacute permitindoentatildeo que o seu desejo se afirme a partir de um outro lugar natildeo mais como alunotalvez nessa passagem para um profissional do direito mas sobretudo comoalgueacutem que fala de um lugar especiacutefico que eacute o seu neacute Eu acho que vocecircutilizou Nietzsche mas natildeo para falar dele mas para falar de vocecirce falar do teupotencial da sua possibilidade de transformaccedilatildeo da possibilidade detransformaccedilatildeo natildeo soacute interna quando vocecirc diz assim a minha monografia eacute umtrabalho de psicologia mas eacute um trabalho de psicologia sobretudo para o outroporque a tua trajetoacuteria de vida vocecirc estaacute preocupado com vocecirc eacute claro que estaacutemas vocecirc estaacute preocupado com o outro que estaacute do lado e foi por isso que vocecircme foi achar laacute vocecirc poderia ter passado cinco anos aqui e nunca ter me vistoEntatildeo como que a tua transformaccedilatildeo permitiu a minha transformaccedilatildeo porque euestou aqui tem a Paula que estaacute aqui porque tem dois alunos meus quechegaram mas tiveram que ir embora mas eu chamei porque te conhecemtambeacutem enfim nessa possibilidade de se transformar vocecirc transforma outraspessoas tambeacutem E utilizando Nietzsche para dizer olha eacute assim que a gente vivearriscando indo ao encontro do outro natildeo tendo medo de encontrar as pessoasse abrindo para a diferenccedila nada mais freudiano Natildeo biograficamente porqueFreud era completamente obsessivo natildeo deixava nem as pessoas chegaremperto mas em termos teoacutericos era isso que ele dizia viva vaacute vaacute de encontro asua verdade vaacute de encontro ao seu desejo acho que eacute isso que vocecirc fez na suamonografia e graccedilas a Deus que vocecirc conseguiu dois professores queassinassem embaixo ainda bem que natildeo fui eu porque eu ia dizer assim natildeo(risos)eu natildeo tenho essa coragem toda derrepente eacute porque eles satildeo homensEnfim pensando nisso tudo acho que foi por isso ainda que vocecirc me chamouacho que a tua histoacuteria a tua monografia faz essa passagem magistral entre issoque eu estou falando que eacute do singular mas que eacute do coletivo ela fala um poucode todos noacutes ela natildeo eacute soacute tua embora vocecirc traga a tua biografia eacute umabioagrafia que podia ser minha ou que podia ser de alguns deles ou que podiaser de qualquer cidadatildeo brasileiro neacute Mas que encarna na sua singularidadenessa possibilidade de transformaccedilatildeoEu acho que era isso Leandro que eugostaria de trazer para vocecirc e fechando numa questatildeo que vocecirc apresenta emrelaccedilatildeo a eacutetica e da eacutetica do direito eu fiquei pensando sobre o que que ele estaacutequerendo me dizer sobre a eacutetica do direito porque por um lado a gente faz umafantasia de que o direito natildeo eacute eacutetico basta vocecirc pagar e aquele que pagar teraacute omelhor advogado eu sei que eacute arriscado falar isso aqui mas eacute assim que eacute aminha perspectiva acho que o imaginaacuterio social traz isso e eu falo arriscadodizer mas eu falo tambeacutem do mesmo lugar porque sei tambeacutem que quem temdinheiro paga um bom psicanalista que natildeo tem natildeo paga entatildeo assim de certaforma estamos num mesmo lugar Mas vocecirc toca uma questatildeo da eacutetica que eacute umlugar que eu acho que a gente poderia pensar para aleacutem disso que eacute o encontroque eu jaacute falei com a experiecircncia e da sustentaccedilatildeo de uma cidadania outra quenatildeo essa e nem que a gente seja abarcado por esse lugar daquele que pagarmais nos teraacute de uma melhor formaE eu lembrei jaacute que vocecirc falou tanto deFoucault e foi ele que nos fez encontrar ele fala num dos livros dele sobre a vidacomo obra de arte de vocecirc poder construir a sua vida a partir daiacute ou seja estarsempre aberto para o outro para o diferente para o outro em construccedilatildeo para

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poder sair dessas amarras mesmo que a coletividade nos faz que a sociedadenos faz de podermos ser vistos como profissionais do dinheiro que eacute aquele quemais paga teraacute um melhor profissional E eu acho que o que vocecirc traz eacute isso noacutespodemos construir um outro tipo de vida profssional e tambeacutem uma outra eacuteticaprofissionalEntatildeo eacute isso eu gostaria de te dar os meus parabeacutens te agradecermais uma vez pelo convite te pedir desculpas pela pouco contribuiccedilatildeo que euposso dar para o seu trabalho mas eu me sinto bastante honrada de estar aquientatildeo ainda bem que vocecirc me chamou a despeito de meu pouco conhecimentosobre o que vocecirc trouxe pela obra nietzscheanae mesmo depois de formadopode voltar a ler conosco Foucault quando vocecirc quiser

O que se calou O que chama mais a atenccedilatildeo na fala da Profordf Nadja foi que elaacertou bastante no comentaacuterio primeiro porque de fato eu usei Nietzsche parafalar de mim mesmo e nisso segui a recomendaccedilatildeo do proacuteprio Nietzsche ldquosejahomem e natildeo me sigardquo fui pelo meu proacuteprio caminho busquei achar um ateacute porisso demorei tanto nesse processo e acabei tendo apenas um mecircs para escrevero trabalho Tambeacutem ousei pagar o preccedilo dessa escolha e tudo o maisnietzscheanamente ldquoeu fiz a guerra pelos meus proacuteprios pensamentosrdquo Todo otrabalho escrito e tambeacutem a defesa eacute a uma luta pessoal por ideacuteias minhas porexemplo a ideacuteia de um enfrentar o direito dentro de seu campo por excelecircncia queeacute o processo a ideacuteia de relacionar a bricolagem ao pensamento de Nietzsche etambeacutem trazer a ideacuteia do rizoma do Deleuze junto a ideacuteia de colocar minhabiografia no final como justificativa tudo isso embora fundamentado em Nietzschesatildeo ideacuteias minhas que coloquei agrave prova Natildeo podia tambeacutem admitir Nietzschecomo louco porque se a ideacuteia foi trazecirc-lo para dentro da loacutegica de um processose admito Nietzsche como louco estou desertando do meu papel de advogado ecolaborando com a acusaccedilatildeo embora seja uma saiacuteda retoacuterica ela resulta numamedida de seguranccedila Ou seja o louco no direito eacute visto dentro do processo comoalgueacutem que deve ser medicado controlado E o proacuteprio Michel Foucault eu tenteiargumentar nesse sentido mas naquele instante me faltou as palavras ele traz adiscussatildeo do normal e do anormal e vai dizer que a loucura eacute um conceitoinventado para capturar a subjetividade para disciplinaacute-la controlaacute-la assujeitaacute-laPor isso seria um contrasenso aceitar a loucura de Nietzsche ou melhorconcordar com aqueles que o acusam Nietzsche de louco Eu entendi o que aprofessora colocou mas a potecircncia no meu ver vem do traacutegico e natildeo do loucoachar que gente como Artaud Van Gogh Beethoven e tantos filoacutesofos eintelectuais que marcaram a histoacuteria incluindo o proacuteprio Freud eram loucos ouanormais e por isso extraordinaacuterios acho que aiacute sim estamos indo para umcaminho romacircntico da loucura enaltecendo a loucura e a colocando num patamarde natildeo sofrimento mas de triunfo Penso que fui para outro caminho eu ressalteio sofrimento de Nietzsche em vaacuterias ocasiotildees como aquele que trancado nosanatoacuterio iraacute ldquouivarrdquo ou como aquele que ignorado pela amada iraacute tentaraacute suiciacutedioA potecircncia do traacutegico soacute pode ser retratada a meu ver se destacado que o traacutegicoexige a experiecircncia da dor essa travessia E nisso apontei tambeacutem para odilaceramento de Dioniso como um modo de exemplificar mas ali na defesa mefaltaram algumas palavras para isso que agora eacute escritoFalar em processo ou inqueacuterito eacute algo que faz mais sentido para o coacutedigo

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linguumliacutestico do direito mesmo contudo o que se estaacute a explorar eacute bastanteevidente trata-se de um processo inquisitorial contra Nietzsche em que natildeo haacutecontraditoacuterio e nem ampla defesa se condena de antematildeo No Brasil a realidadedo processo penal eacute bastante semelhante a isso no inqueacuterito que seria omomento investigatoacuterio jaacute se colhem provas ou se produzem as provas que seratildeotrazidas para o processo e atraveacutes de um exerciacutecio de retoacuterica eacute dada acondenaccedilatildeo Quando na realidade o processo deveria ser o momento dediscussatildeo e debate sobre o conteuacutedo da acusaccedilatildeo mas eacute o inqueacuterito comomomento anterior em que natildeo haacute contraditoacuterio mesmo decisivo para estabelecera culpa e a condenaccedilatildeo por isso a escolha do inqueacuterito como uma ecircnfase maiornessa culpa na pressa em se estabelecer a condenaccedilatildeo passando por cima detodas as garantias possiacuteveis demonstrando na praacutetica que o direito eacute muitasvezes um circunloacutequio usado como melhor conveacutemVejo que a Profordf Nadja acabou explicando melhor a questatildeo eacutetica porque osingular eacute tambeacutem do coletivo E a palavra individual natildeo eacute boa porque vai deencontro agraves acusaccedilotildees de Nietzsche como individualista que os marxistascostumam fazer E ela ressaltou que isso tem algo de freudiano tambeacutem e temmesmo A minha experiecircncia com a psicologia foi importante nesses cinco anosprincipalmente com a psicanaacutelise ela ficou submersa no trabalho mas a ProfordfNadja conseguiu perceber as sutilezas e o eco do que natildeo foi dito As palavrasldquodesejordquo ldquotravessiardquo quando as uso estou pensando em psicanaacutelise Inclusive omeu primeiro trabalho acadecircmico apresentado perante uma banca chamava-seldquoPedagogia discrepanterdquo e a inspiraccedilatildeo para o discrepante veio de uma palestrasobre Lacan em que se dizia que ele era um discrepante A inspiraccedilatildeo para fazera minha defesa de peacute do modo como foi vem de dois filmes que assisti um deleseacute Danton e o processo da revoluccedilatildeo em que o ator Gerard Depadier queinterpreta Danton fica quase sem voz porque faz a sua proacutepria defesa e o outro eacuteo ldquoprocesso do desejordquo filme que me foi cedido pela Dra Vacircnia Mercer em quetambeacutem o acusado faz a sua proacutepria defesa Por fim a inspiraccedilatildeo final a de fazerdesse trabalho um diaacutelogo de subjetividade veio de uma conversa com o ProfAlbano Pepe num evento de direito e psicanaacutelise em que ele me sugeriu isso econfesso que natildeo entendi como isso se daria na praacutetica mas depois de comeccedilar eagora com o trabalho terminado entendo sim e vejo que eacute mesmo a saiacuteda paratrabalhar com o pensamento de Nietzsche Por que ler Nietzsche no Direito Soacutepoderia ser pessoal

Leandro Pode deixar Profordf Nadja eu quero mesmo te agradecer pela gentileza deter vindo de ter aceito e peccedilo desculpas por ter lhe causado a anguacutestia doestranhamento (risos)

Profordf Nadja Eu jaacute estou acostumada (risos)

Leandro Mas o objetivo mesmo foi o de trazera gente apesar de ocupar omesmo preacutedio ocupar o mesmo espaccedilo dividimos o mesmo xerox direito epsicologia mas os alunos natildeo conversam natildeo trocam Eu acho que talvez sejaineacutedito eu natildeo lembro de ter visto na graduaccedilatildeo uma banca com uma professora

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da psicologia Entatildeo o objetivo foi realmente trazer um diaacutelogo interdisciplinar neacuteQue natildeo eacute por acaso que natildeo eacute casual Nietzsche escreve no Aleacutem do Bem e doMal que a psicologia era para ele a rainha de todas as ciecircncias ele coloca isso ese diz influenciado por Dostoieacutevski que estaacute no meu trabalho tambeacutem nessecartaz Dostoieacutevski que

Profordf Nadja Posso fazer uma pergunta

Leandro Sim

Profordf Nadja Quando vocecirc diz isso eu li isso aqui eu jaacute tinha ouvido outras vezesNietzsche falar que a psicologia eacute a rainha das ciecircncias e eu queria te perguntarse vocecirc vecirc aiacute uma criacutetica muito boa a psicologia Porque ele colocar como ciecircnciae como rainha da ciecircncia no campo iluminista no campo totalizador de umaverdade para mim soa como uma criacutetica enorme porque eu tambeacutem faccedilo omesmo mas enfim vocecirc vecirc ou natildeo ou acha que eacute um elogio mesmo

Leandro Bem eu acho professora ou pelo menos eu entendi assim queNietzsche tem uma implicacircncia muito grande com os filoacutesofos da eacutepoca que paraele eram filoacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos Nietzsche vai dizer inclusive que osfiloacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos natildeo entendiam muito de mulheres Entatildeo elevai ironizar os filoacutesofos e vai se colocar em outro campo o proacuteprio Nietzsche vaiassumir eu natildeo sou filoacutesofo eu natildeo sou filoacutesofo a semelhanccedila de Kant de Hegele de outros filoacutesofos sistemaacuteticos eu sou outra coisa ele se quer outra coisa elequer se outrar-se Nietzsche se potildee como a alteridade radical mesmo aquelaalteridade que eacute difiacutecil de ser alcanccedilada impossiacutevel de ser compreendidaalteridade radical mesmo E Nietzsche se coloca assim principalmente por causada literatura e quando ele lecirc Dostoieacutevski ele encontra em Dostoieacutevski elementospara se afirmar enquanto psicoacutelogo entatildeo a filosofia de Nietzsche ela naverdade e nisso o Prof Antocircnio Edmilson que infelizmente natildeo pode estar aquihoje a gente estudando laacute na PUC no grupo de estudos Nietzsche o ProfEdmilson falou quepelos estudos neacute Que a filosofia de Nietzsche eacute uma fisioporque passa pelo corpo assim como o poder passa pelo corpo para Foucaulttambeacutem eacute uma fisio-psicologia eacute uma fisio-psicologia porque quando Nietzschevai estudar por exemplo o niilismo quando vai falar do Deus estaacute morto porexemplo ele vai fazer um diagnoacutestico cliacutenico de um estado da civilizaccedilatildeo Agora aProfordf Acircngela no seu artigo fala do ainda somos devotos fala do niilismo Querdizer existe um diagnoacutestico cliacutenico um diagnoacutestico de psicoacutelogo o olhar queNietzsche lanccedila sobre os problemas eacute um olhar de psicoacutelogo Portanto natildeo eacutedespropositado quando Nietzsche elogia a psicologia no meu ver Nietzsche estaacutecriticando os filoacutesofos sistemaacuteticos a filosofia do modo tal como ela era feita afilosofia dogmaacutetica e se colocando em outro departamento arriscando ser outracoisa uma alteridade radical E o objetivo do trabalho foi justamente essemartelar nesse sentido neacute E quando a professora fala assim que eu deveriaadmitir Nietzsche como louco mesmo eacute na verdade o Foucault traz essa questatildeodo normal e do anormalEacute na verdade o que eu quis trazer foi a potecircncia doNietzsche traacutegico e aiacute natildeo seria o Nietzsche louco seria o Nietzsche traacutegico

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algueacutem que paga o preccedilo do despedaccedilamento do dilaceramento Tem aquelemito o mito que Nietzsche usa que eacute o mito do Dioniso o Dioniso grego claroque Nietzsche reinterpreta esse mito natildeo eacute o mito exato Dioniso o que Nietzschefalaele fala do dilaceramento e Nietzsche foi um pouco assim ele pagou o preccedilodo pensamento dele Era algueacutem que tinha uma sauacutede debilitada era algueacutem queviva com mal estares altos e baixos e pagou o preccedilo dele querer ser o que eacute aeacutetica neacute O subtiacutetulo da uacuteltima obra do Nietzsche essa obra aqui que Nietzscheescreve antes do colapso de Turim que eacute o Ecce homo Nietzsche escreve aquicomo algueacutem se torna o que eacute Quer dizer aqui Nietzsche faz um trabalhobiograacutefico na verdade eacute um trabalho de justificaccedilatildeo ele vai dizer que a obra deletem muito a ver com a vida dele ele usou a vida dele como mateacuteria-prima da obradele e foi nesse sentido que eu quis colocar a minha biografia no final tambeacutempara demonstrar que o trabalho estava justificado na minha vivecircncia eu queriajustificar para vocecircs da banca principalmente porque que eu escolhi fazer umtrabalho tatildeo diferente tatildeo fora tatildeo outro tatildeo marginal por que escolher umtrabalho assim Jaacute que eu carecia de uma seacuterie de limitaccedilotildees jaacute que natildeo tinhaconhecimento da liacutengua alematilde para interpretar Nietzsche Nietzsche foi um grandeconstrutor um grande neologista um grande eacute ele trabalhou sempre ele era umfiloacutesofo entatildeo ele trabalhava com significados entatildeo para perceber as sutilezasda liacutengua eacute preciso compreender Nietzsche no original e eu carecia dessaslimitaccedilotildees Mas por que pagar esse preccedilo pelo trabalho A biografia vem nessesentido como Nietzsche fez no Ecce homo na obra dele ele justifica ele inclusivefaz prefaacutecios para as obras que ele jaacute tinha publicado e que ele muda de opiniatildeopor exemplo das primeiras obras dele ele muda de opiniatildeo para as uacuteltimas entatildeoele faz prefaacutecios para rever alguns pontos inclusiveE interessante nessatraduccedilatildeo do Paulo Ceacutesar de Souza tem um trecho interessante em que ele citauma reuniatildeo em que Freud em uma reuniatildeo na sociedade psicanaliacutetica de VienaFreud e seus alunos disciacutepulos se reunem para discutir justamente essa obra aquio Ecce homo o Caso Nietzsche entatildeo o que Freud vai dizer Freud vai dizer trecircscoisas vai dizer primeiro que ele natildeo vai considerar Nietzsche louco porque eleacha porque ele entende que a forma estaacute preservada a obra do Nietzsche natildeoestaacute contaminada pela loucura isso o Freud que diz e ningueacutem havia alcanccediladoantes e dificilmente algueacutem tornaria a alcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo quealcanccedilou Nietzsche isso o Freud dizendo e em terceiro lugar ele vai dizer quenatildeo vai ler natildeo vai ler o Nietzsche para natildeo deixar que a cliacutenica aquilo que eleestava constatando clinicamente seja contaminado pela leitura do Nietzsche Issoeacute um dos raros momentos em que Freud cita Nietzsche mas curiosamente Freudnatildeo cita Nietzsche nem nas cartas eacute muito curioso isso porque a diferenccedila deidade de Freud para Nietzsche eacute de doze anos somente e haacute uma pessoa emcomum entre Nietzsche e Freud que eacute a Lou SalomeacuteNietzsche se apaixonouperdidamente por uma jovem russa de vinte anos chamada Lou Salomeacute e vaitentar suiciacutedio inclusive vai pedir ela em casamento duas vezes e tenta suiciacutediona uacuteltima E ela vai se separar vai romper com Nietzsche e vai se relacionar comFreud mais tarde jaacute mais velha vai trocar cartas com o Freud Portanto Freudconhecia Nietzsche de um modo indireto atraveacutes de Lou Salomeacute e por essedocumento aqui ele conhecesse tambeacutem a obra mas evitava ler o Nietzschequem fala isso eacute tambeacutem o Prof Oswaldo Giacoacuteia Jr da Unicamp quando estava

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aqui em Curitiba que vai dizer a outra obra do Nietzsche muito importante que eacute aGenealogia da Moral quando Freud abre essa obra aqui do Nietzsche ele tambeacutemse assusta a mesma reaccedilatildeo da professora o Freud tambeacutem se assusta porqueparece que ele constata que Nietzsche jaacute tinha escrito antes dele algumas coisasque Freud clinicando estava encontrando estava percebendo identificando Haacuteentatildeo inclusive uma relaccedilatildeo de proximidade alguns criacuteticos apontam entre essaobra do Nietzsche e a obra o Mal Estar na Civilizaccedilatildeo do FreudEacute entatildeo a ProfordfAcircngela colocou e eu tinha esquecido de responder eacute que aqui no Genealogia daMoral Nietzsche fala de um direito arcaico de um direito fundado na diacutevidainclusive haacute uma relaccedilatildeo proacutexima entre a obra O Mercador de Veneza doShakespeare aquela cena em que o judeu Shylock vai cobrar um naco de carneuma incisatildeo do peito de Antocircnio para Shylock ofendido moralmente porque elejudeu e a filha estava indo para o lado dos cristatildeos entatildeo ele vai requerer peranteum tribunal que seja arrancado um pedaccedilo de carne do peito de Antocircnio querealmente estaacute sentado ali recebendo a cobranccedila porque havia um contratoassinado que exigia isso Quer dizer Nietzsche cita natildeo o Shakespeare mas citaa cena Eacute muito interessante isso e o Giacoacuteia nesse trabalho aqui junto namesma coletacircnea que o seu o Prof Giacoacuteia fala da genealogia do direito e faladessa questatildeo assimEntatildeo haacute uma relaccedilatildeo misteriosa entre Freud e Nietzscheque natildeo eacute uma relaccedilatildeo expliacutecita mas existe entatildeo o fato de trazer a Profordf Nadjatambeacutem foi o fato de mostrar para a professora que eacute da psicologia e psicanalistamostrar essa alteridade radical e sentir qual seria a reaccedilatildeo neacute dessa alteridaderadical presente no trabalhoE o fato de haver esse fluxo descontiacutenuo eacute o fato deter escolhido mesmo a metodologia mais plural possiacutevel para abarcar o Nietzschepor exemplo quando eu escolhi trabalhar a perspectiva do rizoma do DeleuzeDeleuze trabalha o rizoma da seguinte maneira ele vai ramificando o texto eescreve o texto por platocircs que podem ser lidos independentemente Portanto omeu trabalho eu natildeo sei se eu consegui atingir o objetivo porque eu tentei fazerneacute Eu li tentei entender e tentei fazer Eu natildeo sei se cheguei ao objetivo demontar um texto de tal modo que ele pudesse ser lido de forma descontiacutenua dametade do iniacutecio do fim sempre fora de ordem inclusive eu citei vaacuterias vezes asmesmas coisas eu repriso algumas questotildees eu repito algumas questotildeesjustamente porque a ideacuteia eacute montar um texto descontiacutenuo que possa ser lido deforma independente os capiacutetulos de forma independente como quer a ideacuteia doDeleuze no rizoma nos platocircs que para o Deleuze circulariam vaacuterios deviresClaro que eu natildeo vou entrar em polecircmica porque o Deleuze contesta apsicanaacutelise neacute Escreve o Anti-Eacutedipo tudomas

O que se calou Faltou dizer que uma referecircncia para esse Nietzsche comopsicoacutelogo eacute dada pela professora da USP Scarlett Marton num artigo publicadocomo Nietzsche psicoacutelogo das profundezas

Profordf Nadja Todos eles neacute Deleuze Feacutelix Guattari o proacuteprio Foucault fazcriacuteticas maravilhosas a psicanaacutelise Maravilhosas no sentido de serem azedas(risos)

Leandro Entatildeo justamente o objetivo final do trabalho foi principalmente a partir

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desse texto aqui falar desse direito um pouco arcaico e quando a professora falade uma outra eacutetica de uma outra cidadania acho que foi esse o objetivo mesmoe talvez fosse talvez fosse esse mesmo o compromisso em falar da minhabiografia porque na minha biografia na minha histoacuteria acadecircmica eu tentei meenvolver com projetos de extensatildeo tentei me envolver com comunidades meenvolvi com comunidades Entatildeo eu cheguei a participar do Rondon fui para aAmazocircnia Oriental quer dizer conheci comunidades conheci questotildees sociaismuito urgentes muito fortes foram experiecircncias radicais tambeacutem de alteridaderadical tambeacutem que geraram estranhamento e que vocecirc demora um pouco paraabsorverpara absorver um pouco isso Entatildeo a ideacuteia de criticar o direito tal comoele acontece inclusive fazendo menccedilatildeo direta a faculdade a faculdade comotemplo inclusive falei com o Prof Luiacutes Fernando a faculdade eacute um templo e temuma semelhanccedila com o tempo Eacute como se a faculdade o templo neacute E a nossafaculdade parece o paternon grego eacute como se ela fosse a prisatildeo do tempoporque o que justifica o direito eacute a tradiccedilatildeo o direito conservador elitista o direitoproprietaacuterio o que justifica esse direito eacute a tradiccedilatildeo e se vocecircs andarem peloscorredores veratildeo uma seacuterie de laacutepides nomes de professores quadrosprofessores jaacute falecidos que parece um mausoleacuteu o templo parece um mausoleacuteuE o interessante eacute que Nietzsche quando fala que Deus estaacute morto ele fala que asIgrejas satildeo tuacutemulos de Deus e daiacute eu questiono no trabalho se a faculdade e oque se ensina de direito aqui natildeo eacute tambeacutem algo que eacute uma fantasia porque natildeoexiste eacute um tuacutemulo o direito natildeo estaria aqui o direito estaria fora Inclusive eufaccedilo a provocaccedilatildeo eacute preciso para conhecer o direito nomadizar-se neacuteNomadizar-se significa sair do teu lugar ou mesmo natildeo sair mas viajar aquidentro por exemplo ir laacute na psicologia ter contato com os outros que estatildeo laacute aalteridade que estaacute laacute sem sair do preacutedio mas indo para o outro lado ou indopara o soacutetatildeo ou indo para o poratildeo Quer dizer foi esse o movimento que eu quisdescrever de criacutetica ao direito para pensar uma outra eacutetica possiacutevel eu acho que aProfordf Nadja acertou quando falou em uma outra cidadania possiacutevel talvez umaoutra cidadania um outro homem ou uma outra consciecircncia natildeo sei eu aindanatildeo tenho clareza sobre issoMas a ideacuteia da vida como obra de arte tambeacutemquer dizer a questatildeo esteacuteticaesteacutetica que natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo eacute precisocolocar que a esteacutetica natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo natildeo eacute o lugar do vazio existeum valor poliacutetico e de engajamento na esteacutetica tambeacutem inclusive natildeo eacute por acasoque o Glauber Rocha estaacute aqui aqui tem tambeacutem o Eles natildeo usam black-tie queeacute o filme que vai ser exposto daqui a pouco tem o Terra em Transe quer dizer aesteacutetica tem o valor poliacutetico de engajamento e de contestaccedilatildeo tambeacutem Portanto aideacuteia de uma outra eacutetica de uma esteacutetica foi nesse sentido nessa linha mais oumenos de mostrar uma poliacutetica que natildeo eacute da matriz marxista e nem de uma outralinha mas uma poliacutetica nietzscheana um outro tipo de poliacutetica uma outra formade se engajar eu acho foi mais ou menos nesse sentido

O que se calou Talvez pelas perguntas e para onde rumou a discussatildeo como eunatildeo iniciei a defesa abrindo ela com uma apresentaccedilatildeo do trabalho eu comecei jaacutetendo que responder a Profordf Acircngela isso num certo sentido atrapalhou minhaordem mental se eacute que havia alguma deveria improvisar totalmente e por oacutebvioalgumas coisas escaparam o que poderia ter sido dito natildeo foi Por exemplo eu

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deixei de mencionar em detalhes os aspectos relativos ao ldquodireito como produto doesclarecimentordquo ldquoo crepuacutesculo do direitordquo e a ldquoaurorardquo isso natildeo foi mencionadoapenas eacute sutilmente inferido quando eu falo do templo como mausoleacuteu A menccedilatildeoao Glauber Rocha eacute por causa do trabalho que apresentei em Montevideacuteo em queexplorei o cinema para falar de um direito engajado o mesmo com o Eles natildeousam black-tie que no mesmo dia logo que sai da banca natildeo deu muito tempopara comemorar eu jaacute estava na sala da poacutes para acompanhar a exibiccedilatildeo do filmee ajudar a debatecirc-lo fui indicado pelo grupo PET onde participei como voluntaacuteriopara compor a mesa junto da Profordf Luciana do curso Positivo Felizmenteocorreu tudo bem o debate foi excelente Agora tambeacutem escrevo depois de jaacute terido para o Rio Grande do Norte foram trecircs dias de viagem trecircs para ir e trecircs paravoltar a experiecircncia em Natal foi maravilhosa a recepccedilatildeo do trabalho foi boadefendi laacute a minha monografia de novo soacute que para o puacuteblico da filosofiaNovamente tal como descrito na USP me lancei na aventura sem saber onde iaficar e como ficar natildeo conhecia ningueacutem e acabei sendo muito bem acolhido laacute

Profordf Nadja Vocecirc fala foi uma marca freudiana ele natildeo contar quem ele liaAssim eacute difiacutecil vocecirc saber quais foram os filoacutesofos que embasaram algumaspessoas acreditam que mais Schopenhauer do que Nietzsche mas ele disse quenatildeo lia ningueacutem ateacute mesmo para natildeo se contaminar com as ideacuteias e ele queriadeixar a cabeccedila dele livre para construir a sua proacutepria teoria O que eu acho quenatildeo era bem assim porque ele era um leitor aacutevido uma pessoa extremamenteculta entatildeo certamente eu acho que a participaccedilatildeo do Nietzsche na obra deledeve ter sido bem maior do que ele falou Mas Leandro eu acho que tambeacutem temum outro aspecto que a gente deve levar em conta como vocecirc jaacute disse datemporalidade entre os dois de ser muito proacutexima e o solo germacircnico tambeacutem deser o mesmo solo em que eles se formaram eu acho que por isso mesmo temasque perpassam os dois autores neacute Temas que os dois se deparam se dedicame de formas diferenciadas porque Freud eacute antes de tudo um sistemaacutetico emboraele traga a ideacuteia de um sistema inconsciente em que a loacutegica cartesiana natildeo eacute aloacutegica que sustenta e organiza os processos inconscientes Ele no entanto foi umracionalista do iniacutecio ao fim Ele tentou da melhor forma possiacutevel sistematizar asubjetividade mesmo Mas acho que alguns temas vatildeo ultrapassar ou entrelaccedilaros dois E eu li algumas coisas aqui em relaccedilatildeo ao instinto e ao corpo e a relaccedilatildeocorpo e psique que eacute trabalhada em Freud o tempo todo a partir natildeo de umaloacutegica cartesiana dualista ele traz uma outra perspectiva e eu acho me pareceque Nietzsche tambeacutem vai abordar isso E a questatildeo tambeacutem da transformaccedilatildeo doinstinto se eacute que a gente pode dizer isso e o conceito de pulsatildeo em Freudaparece assim eacute a ruptura do homem com algo natural instintivo e que produzuma outra forma de subjetivaccedilatildeo e de estar no mundo Entatildeo eu acho que odualismo a posiccedilatildeo traacutegica do homem como vocecirc traz no Mal Estar naCivilizaccedilatildeo Freud constata isso que natildeo parece ser uma postulaccedilatildeo pessimistamas traacutegica mesmo no sentido de vocecirc ter que padecer desse mal estar dessadivisatildeo desse resto que eacute impossiacutevel de ser superado mas por isso mesmovocecirc tem que viver e transformar o mundo Entatildeo eu acho assim a gente podetomar alguns temas que perpassam os dois mas acho que tambeacutem por contadessa proximidade geograacutefica e temporal era o que se pensava na eacutepoca era o

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que estava a ser pensado natildeo apenas atraveacutes da Lou natildeo apenas por isso maspor serem dois pensadores igualmente preocupados com o que eles estavamvivenciando Acho bacana vocecirc pensar nisso tambeacutem neacute Mas e a questatildeo daloucura que vocecirc esbarra aiacute em Freud quando ele diz assim que o Nietzsche natildeoeacute louco porque ele traz uma sistematizaccedilatildeo dos livros dele daquilo que ele lecirc eargumenta de uma maneira bastante soacutelida o que ele quer Mas a questatildeo daloucura na psicanaacutelise eacute muito difiacutecil tambeacutem de a gente pontuar o que que eacute aloucura ou a sanidade eu acho que eacute o solo mesmo da psicanaacutelise quando elarompe com essa dicotomia e rompe de uma forma positiva que eacute aquela que eutentei te falar no iniacutecio de vocecirc sustentar a loucura sustentar um pensamentodiferenciado e a potecircncia dessa possibilidade de construccedilatildeo Freud eu acho temuma forma beliacutessima de nos apresentar conceitos determinados movimentospsiacutequicos que ele quer porque ele vai ao extremo da paranoacuteia por exemplo paradizer assim em algum lugar todos noacutes somos paranoacuteicos e ele mostra isso deuma forma imensa de uma forma assim que vocecirc natildeo escapa de produzir umnuacutemero de movimentos paranoacuteicos em determinados graus e tudo omaisEnfim mas ele faz essa passagem de algo que seria considerado comopatoloacutegico para mostrar que de perto de perto todos noacutes somos um poucopatoloacutegicos eacute soacute uma questatildeo de ver uma questatildeo que sempre nos escapa Oque eu acho bacana de ver tudo isso eacute mas enfim era isso

Prof Luis Fernando Muito obrigado Professora

Profordf Nadja Eu que agradeccedilo

Prof Luiacutes Fernando Professor Serbena por favor

Prof Serbena Posso falar daqui jaacute que eacute para quebrar a formalidade (risos)

Prof Luiacutes Fernando Natildeo (risos) Mas aiacute vocecirc natildeo vai sair bem na foto

Prof Serbena Boa tarde a todos alunos amigos colegas natildeo sei se algumfamiliar do Leandro Profordf Nadja Profordf Acircngela Prof Luiacutes Fernando tambeacutemquero agradecer ao Leandro pelo convite Essa eacute a uacuteltima oportunidade neacuteLeandro Que tenho de fazer algumas observaccedilotildees para vocecirc no teu trabalhodentro da histoacuteria acadecircmica vou procurar convencecirc-lo novamente de algo que jaacutetinha dito para vocecirc mas vou tentar talvez ser mais preciso e acho que emalgum sentido as coisas jaacute comeccedilaram a melhorar comeccedilando pelo teu cartazvocecirc teve a ousadia de apresentar esse cartaz que parece o de um aluno daoitava seacuterie (risos) no Evinci

Leandro O de baixo o de baixo

Prof Serbena Acho que jaacute melhorou a apresentaccedilatildeo do cartaz no uacuteltimocongresso

Leandro Eacute que o outro foi pago pela universidade mesmo foi pago pela

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universidade o de cima o de cima (risos)

Prof Serbena Ah ok mas jaacute melhorou esse eacute um ponto positivo Satildeo raacutepidas asobservaccedilotildees sobre o seu trabalho Como vocecirc fala muito de metodologia vocecirc dizaqui na paacutegina sessenta e seis por que ler Nietzsche no direito O trabalhocientiacutefico eacute puacuteblico quando vocecirc escreve escreve para um leitor universal entatildeonatildeo haacute problema em lertenho que confessar que por muito tempo natildeo tiveresposta para essa pergunta ardilosa por que ler Nietzsche no direito pois feitapor aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica estatildeo de tal modo refeacutens dospadrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute por recortes secccedilotildees quesempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um modo de voltar ametodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total de criteacuterio deponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que Nietzsche por todaa longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer serventia para umapesquisa acadecircmica no campo do Direito E vocecirc diz mais abaixo aqui Se minhasituaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo acadecircmicaagora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado de Nietzschenessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que natildeo levaratildeo feacuteem meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas tambeacutem porque natildeosou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse trabalho seja aprovadopara me diplomar Aiacute vocecirc continua com esse raciociacutenio Dessa forma queesperanccedilas ter na aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e dechegada na razatildeo acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegiconatildeo tem pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo decurso de Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegicado ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco quenatildeo fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esseeacute o meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar umacondenaccedilatildeo faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Bem vocecircescreveu isso esperando um tipo de professor como eu jaacute disse para vocecircfelizmente vocecirc natildeo conviveu e natildeo foi orientado por esses professores que tenhatalvez uma visatildeo mais estreita do que seja metodologia cientiacutefica ou metodologiade trabalho cientiacutefico Eu vou dizer vou tentar mostrar para vocecirc que eu natildeoconcordo inclusive com essa visatildeo que vocecirc tem de metodologia vocecirc tem umavisatildeo muito estreita de metodologia a metodologia natildeo vai estreitar ouimpossibilitar vocecirc fazer um trabalho de interpretaccedilatildeo de exegese sobre oNietzsche na aacuterea de direito Vocecirc fala em muitas passagens de sua monografiaque Nietzsche natildeo eacute lido no direito e etc eu acho que vocecirc poderia ser maispreciso na tua afirmaccedilatildeo o que talvez vocecirc quer mencionar eacute que Nietzsche natildeo eacutelido na faculdade de direito da UFPR ou natildeo eacute muito lido deveria ser maisestudado etc Entatildeo vocecirc deveria trocar essas afirmaccedilotildees e especificar melhor Ecreio que na filosofia do direito fora do Brasil natildeo existe essa Nietzsche eacute umfiloacutesofo jaacute digamos assim um filoacutesofo claacutessico ningueacutem vai questionar alegitimidade de um trabalho sobre Nietzsche Entatildeo se vocecirc for na biblioteca temum perioacutedico que eacute um perioacutedico de filosofia do direito francecircs satildeo vaacuterios anos ehaacute tomos publicados anualmente em que vocecirc vai encontrar artigos sobre oNietzsche na biblioteca tambeacutem tem cadernos de filosofia do direito um perioacutedico

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italiano em que tambeacutem vocecirc vai encontrar trabalhos sobre a filosofia doNietzsche Entatildeo eu queria dizer para vocecirc que pode parecer que vocecirc estaacutesendo o primeiro pela primeira vez vocecirc estaacute trazendo Nietzsche para o Direitomas essa perspectiva eacute ainda um pouco limitada dentro da filosofia do direitohoje natildeo falando totalmente mas no plano mais universalista internacional deoutros paiacuteses de outras universidades Nietzsche eacute um filoacutesofo sobre o qual muitose escreveu muito se escreveu sobre o seu impacto inclusive no direito Mas euvou tentar lhe falar tambeacutem um pouco sobre metodologia e vou usar umametaacutefora para explicar para vocecirc o que eu quero dizer laacute no curso de Letras seestuda muita coisa mas digamos que eles estudem o realismo fantaacutestico ou oteatro do absurdo mas nem por isso quando vocecirc estuda o teatro do absurdovocecirc pode ser sem sentido toda histoacuteria e narrativa tem comeccedilo e fim sem issovocecirc natildeo conhece os personagens natildeo sabe em que contexto eles estatildeo umexemplo disso eacute a peccedila esperando Godot Mas nem por isso se vocecirc vai fazerum trabalho sobre o esperando Godot vocecirc vai fazer um trabalho absurdo Vocecircnatildeo pode fazer um trabalho de monografia sobre o teatro do absurdo semcomeccedilo meio e fim E ou seja eu natildeo sou especialista na criacutetica literaacuteria masquando vocecirc um estudo acadecircmico universitaacuterio sobre um autor de literaturaexiste alguns cacircnones da metodologia utilizados entatildeo quando vocecirc vai estudaressas peccedilas ou esses autores se usa metodologia cientiacutefica Acho que vocecirc sedeixou contaminar pelo teu objeto de estudo e o teu trabalho traz traccedilos dafilosofia do Nietzsche acho interessante soacute que eu acho que vocecirc poderia ir maislonge usando metodologia cientiacutefica como vocecirc fez aqui no seu cartaz um cartaztecnologicamente superior ao cartaz primitivo te permite que vocecirc vaacute mais longeEntatildeo estudando Nietzsche sobre uma outra perspectivavocecirc consegue ir maislonge do que essa paixatildeo pelo Nietzsche Agora natildeo veja as minhas palavras eunatildeo quero matar a sua paixatildeo o seu entusiasmo pelo Nietzsche que eacuteextremamente positivo Mas para terminar olha a Profordf Nadja eacute da psicologia elida a todo momento com a loucura ou com a doenccedila mental etc etc e satildeodoenccedilas com as quais tambeacutem haacute um tratamento metodoloacutegico neacute Existemvaacuterias correntes na psicologia psicologia transpessoal sistecircmica analiacutetica vaacuteriastaacute mas ainda assim quando se estuda a loucura existe para o psicanalista opsicoloacutego psicoterapeuta estudam do ponto de vista metodoloacutegico existe umaapreensatildeo metodoloacutegica Soacute para terminar por exemplo os antropoacutelogos quandofazem um trabalho de pesquisa dissertaccedilatildeo tese eles tambeacutem fazem com essaradicalidade que vocecirc experimentou o antropoacutelogo vai para o campo e o trabalhode campo eacute ele mesmo ele se despe de toda a sua cultura e vai tentar viver eaprender por exemplo a liacutengua de uma determinada comunidade indiacutegena natildeosoacute isso mas usa tambeacutem substacircncias entorpecentes para entender essa culturaE ainda assim existe meacutetodo O antropoacutelogo mergulha numa determinada culturaele vai e depois ele volta e depois que ele volta ele consegue relatar e transporisso para o discurso antropoloacutegico e tambeacutem tem uma metodologia Vocecirc citouLevi-Strauss ele eacute de uma das correntes uma antropologia dita estruturalistaEntatildeo quero dizer para vocecirc que natildeo daacute para abrir matildeo vocecirc foi contaminado porNietzsche e gostaria de dizer que eacute preciso lapidar vocecirc foi contra a metodologiaclaro mas a metodologia na verdade natildeo trabalha contra mas a favor de vocecircAteacute entendo que haveria professores que iriam reprovar o teu trabalho como pode

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ser que houvesse mas vocecirc teve natildeo sei se sorte ou conduziu por esse ladoprofessores que conseguem analisar a sua perspectiva Mas eu creio na filosofiaa filosofia permite vocecirc fazer esse tipo de especulaccedilotildees e eu diria para vocecircamadurecer metodologicamente eacute preciso que vocecirc faccedila isso Vocecirc jaacute estaacutefazendo por que vocecirc tem pontos que vocecirc chegou e que poucas pessoaschegam na universidade vocecirc tem curiosidade intelectual vocecirc tem autonomiaintelectual vocecirc vai atraacutes dos livros etc dos professores vocecirc consegueestabelecer contato vocecirc participa de congressos vocecirc tambeacutem escreve artigosisso eacute fundamental Eu disse para vocecirc tudo isso que vocecirc estaacute fazendo eacutemetodologia o fazer acadecircmico com o qual vocecirc pode traduzir essa paixatildeo quetem por Nietzsche mas ela tem que ser racionalizada Vocecirc natildeo pode transformara sua monografia num ato de coragem acadecircmica e cutucar o perigo com varacurta daqui a pouco vocecirc estaacute defendendo a monografia na beira da janelaporque eacute mais perigoso entatildeo toma cuidado Ou seja metodologia acho quevocecirc ainda natildeo usou natildeo eacute essa metodologia que vocecirc apontou metodologia seestuda se escreve vocecirc estaacute nesse processo Esse eacute um conselho que estou lhedando vocecirc pode ir mais longe pode continuar na carreira acadecircmica utilizandometodologia Essa eacute a primeira observaccedilatildeo que eu gostaria de fazer a segunda eacuteque o teu texto traduz um pouco a tua maneira de falar entatildeo eu anotei aqui umacertase o Prof Vieira estivesse aqui vocecirc iria provar do remeacutedio porque o ProfVieira lecirc linha por linha e corrige vocecirc corrige o texto todas as viacutergulas quefaltam etc Eu comecei a fazer isso na paacutegina trecircs entatildeo eu vou soacute rapidamentemencionar um natildeo sei vocecirc eacute consciente disso neacute Natildeo preciso mencionar neacuteOlha vocecirc escreve aquiquando perguntei sobre quem era Nietzsche ao meuProfessor de Filosofia do ensino meacutedio ponto vocecirc colocou viacutergula ele natildeo merecomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem olecirc a loucura tambeacutem vocecirc colocou viacutergula eacute ponto tambeacutem e faltou um acraseado Vocecirc passa os pontos finais vai emendando uma frase na outra Vocecirccita o Nikos Kazantzaacutekis e comeccedila a falar dele e perde o raciociacutenio da frase emque vocecirc havia comeccedilado Entatildeo eu acho que vocecirc tambeacutem deveria fazer ou darpara uma outra pessoa fazer daacute para analisar melhor a linguagem escrever commais cuidado Ler a frase que vocecirc fez e construir ela de modo gramaticalmentecorretoEacute o que mais olha aqui uma observaccedilatildeo de cunho filosoacutefico e se natildeouma provocaccedilatildeo vocecirc eacute um leitor que defende Nietzsche apaixonadamente masdo ponto de vista filosoacutefico Nietzsche natildeo concordaria em vocecirc o defender assimvocecirc vem estudando Nietzsche a um bom tempo em filosofia vocecirc tem que ler osautores e depois ler outros autores tambeacutem Entatildeo eu acho que do ponto de vistada filosofia o que vocecirc faz com Nietzsche estuda profundamente vocecirc tem quefazer com todos os filoacutesofos com Tomaacutes de Aquino Santo Agostinho natildeo terpreconceito fazer com Heidegger com Kant com Hegel enfim aiacute vocecirc conseguecolocar os filoacutesofos numa perspectiva da histoacuteria da filosofia porque eu creio queo proacuteprio Nietzsche natildeo concorda com o argumento de autoridade eu creio que oteu trabalho acaba quando vocecirc trabalha soacute com o Nietzsche ou os inteacuterpretescomo o Foucault vocecirc estaacute lendo a perspectiva francesa do pensamento acercade Nietzsche mas existem outras perspectivas e vocecirc eacute consciente disso aiacute paradar um passo aleacutem eacute preciso talvez ler alguns autores em outras liacutenguas paravocecirc dar um salto Eu sei que vocecirc estaacute dando jaacute um salto vocecirc sai aqui de

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Curitiba e vai para o Uruguay vai para a Amazocircnia etc e intelectualmentetambeacutem precisa dar esse salto entatildeo eacute preciso abandonar a liacutengua de origem emesmo que a gente natildeo tenha estudo tentar ler em francecircs em inglecircs emitaliano em alematildeo e na medida do possiacutevel dar esses saltos E com umaobservaccedilatildeo que jaacute fiz a vocecirc a filosofia que se faz no Brasil eacute muito influenciadapela filosofia que eacute feita na Franccedila a escola de filosofia da USP foi umacontinuaccedilatildeo do departamento francecircs eles iam nas grandes universidades daFranccedila e ofereciam dinheiro para que viessem para a USP o departamento defilosofia da USP era quase que todo formado por franceses Entatildeo a filosofia quese espalha pelo paiacutes atraveacutes da USP tem um cunho francecircs mas natildeo eacute a uacutenicafilosofia possiacutevel e laacute no departamento da USP sempre tem um professor que eacuteespecialista num determinado filoacutesofo por exemplo vocecirc conhece a ScarlettMarton ela eacute a filoacutesofa oficial do Nietzsche aiacute vocecirc natildeo bem nenhum outroprofessor escrevendo sobre Nietzsche porque eacute de outro departamento O que eugostaria de te dizer eacute que em geral isso eacute contra o espiacuterito do filoacutesofo em filosofiaos filoacutesofos natildeo tem dono E as autoridades que se tem em filosofia as vezes natildeofaz muito sentido e aiacute eu acho aiacute eacute uma provocaccedilatildeo que te faccedilo eacute preciso comoa Profordf Acircngela citou um choque da filosofia analiacutetica que eacute uma das filosofiastambeacutem possiacuteveis quando Nietzsche fala e escreve aqui por aforismas etc eupara mim tenho um pouco de reserva com isso porque para mim o autor comeccedilaa se tornar obscuro e na obscuridade a gente natildeo entende claramente as coisasEntatildeo seria interessante talvez vocecirc rever isso tambeacutem que as vezes o teu textopode passar uma ideacuteia de uma certa obscuridade que na verdade nametodologia a gente tem que evitar o proacuteprio Nietzsche numa passagem diz quea pessoa que tem uma intelectualidade pouco profunda ela escreve textosdifiacutecieis porque daiacute as aacuteguas satildeo turvas e parecem profundasEntatildeo eu prefiroas aacuteguas claras mesmo que sejam rasas Mas aiacute eacute um embate que eu diria queestaacute acima do teu trabalhoMas enfim eu te falei da metodologia aiacute vocecirc vecirc seisso te serve ou natildeo se vocecirc prefere ser contra a metodologia mas vejo que temuma visatildeo estreita de metodologia E agora tambeacutem eacute preciso uma uacuteltimaobservaccedilatildeo que eacute vocecirc ancorar o seu trabalho no direito A banca parece muitomais de um curso de filosofia do que de um curso de direito Entatildeo natildeo quero tequer dizer que vocecirc tenha que escrever sobre direito mas a gente estaacute dentro deuma faculdade de direito entatildeo vocecirc natildeo pode abandonar completamente o temaCreio que vocecirc natildeo abandonou vocecirc discute aqui justiccedila discute eacutetica discuteestado esses temas satildeo temas da filosofia do direito natildeo vejo problema algumem relaccedilatildeo a isso agora vocecirc poderia ter utilizado os filoacutesofos do direito aiacute satildeoos claacutessicos Kelsen Hart Bobbio tem vaacuterios Dworkin O proacuteprio Kelsen nessetema da justiccedila se aproxima muito do Nietzsche ele natildeo acreditava num conceitode justiccedila creio que o combate era mais ou menos parecido com o combate doNietzsche contra as visotildees estaacuteticas naturalistas religiosas acerca do direitoEntatildeo eu diria para vocecirc olha se vocecirc tivesse feito um trabalho trazendo osfundamentos filosoacuteficos nietzscheanos dentro da obra de Kelsen seria umexcelente trabalho Seria uma maneira de ancorar o teu trabalho dentro de umaperspectiva mais proacutexima do direito Mas eu digo isso com uma reserva soacute paradizer para vocecirc que a filosofia do direito precisa dessa interiorizaccedilatildeo se natildeo vocecircfica num discurso puramente filosoacutefico para mim natildeo tem problema nenhum em

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vocecirc escrever sob o ponto de vista estritamente filosoacutefico ou por exemplo sobreas relaccedilotildees entre Freud e Nietzsche mas a monografia ela eacute juriacutedica e seriapreciso ancorar melhor seu trabalho dentro do direito eu acho que faltou essaancoragem Entatildeo eu quero parabenizar vocecirc pelo seu trabalho quero dizer quevocecirc deve continuar com a sua paixatildeo concordo com vocecirc que no Brasil noacutestemos um certo marxismo que diz aqui acho que isso eacute um pouco de preconceitoque eacute o marxismo de tecircnis importado diria que no Brasil aqui existe o marxismode cobertura um marxismo de zona sul e a classe meacutedia brasileira natildeo estaacutedisposta a abrir matildeo de muitos de seus privileacutegios porque ela vive as vezes emcondiccedilotildees ateacute superiores ao de muitos paiacuteses ditos desenvolvidose eu concordocom vocecirc E pela sua histoacuteria pelo seu perfil no fundo vocecirc eacute um vencedor queconseguiu superar inuacutemeras dificuldades e diria para vocecirc que a filosofia eacute umcampo difiacutecil nada eacute faacutecil e vocecirc assim como vocecirc gosta bastante de Nietzschedigo que eacute preciso diversificar um pouco os seus autores e eacute uma maneira deprogredir em filosofia Entatildeo eu sou um pouco ceacutetico eu natildeo tenho filoacutesofopreferido eu gosto de Nietzsche mas natildeo daacute para levar a seacuterio e tentar aplicartudo o que Nietzsche escreve se natildeo inviabiliza muitas coisas como vocecirc mesmodiz em um ato de coragem correr o risco de inviabilizar a sua proacutepria monografiaMas ela natildeo vai ser inviabilizada e nem vamos te transformar num maacutertiracadecircmico e transformar a sua histoacuteria numa trageacutediaIsso natildeo acontece porqueeu e o Prof Luiacutes Fernando jaacute te conhecemos e vocecirc vem progredindo mas eucreio que vocecirc tem que usar a metodologia a seu favorSobre o ponto de vista daobra de Nietzsche eu natildeo poderia dar muitas contribuiccedilotildees porque faz muitotempo que eu natildeo leio NietzscheMas como vocecirc fez vocecirc transformouNietzsche num reacuteu no fundo ele natildeo eacute reacuteu ele eacute um intelectual claacutessico jaacute e ofato dele natildeo ser estudado no direito eacute uma limitaccedilatildeo local mas isso eacute aqui emoutros lugares natildeo eacute assim entatildeo Nietzsche natildeo eacute reacuteu vocecirc natildeo tem toda essatodo esse caso que vocecirc trouxe aqui essa relaccedilatildeo que vocecirc quermencionarmas eu acho que isso faz parte do teu progresso intelectual e etcSatildeo essas as observaccedilotildees que eu gostaria de fazer para vocecirc e mais uma vez teparabenizar pelo trabalho

O que se calou Seraacute que Nietzsche gostaria que eu o defendesse assim Bemeu jaacute disse que escrevi o trabalho e fui laacute para me defender a Profordf Nadjapercebeu isso E isso eacute parte da honestidade que confessei durante todo otrabalho para defender Nietzsche deveria me colocar na frente dele para receberas pancadas deveria me colocar no processo tambeacutem como um reacuteu cumprindoaiacute um duplo papel sendo aquele reacuteu que faz uma autodefesa como nos filmesque citei Tambeacutem natildeo escrevo de modo obscuro pelo menos eu acho quem estaacuteme lendo agora que o diga tambeacutem eu procuro ser claro e conciso sem perder oconteuacutedo da discussatildeo como recomendava o proacuteprio Nietzsche ao falar de simesmo ldquoeu escrevo em dez frases o que os outros escrevem num livro ou o quenatildeo escrevem num livrordquo Quem tinha a fama de ser um filoacutesofo obscuro eraHeidegger que em Ser e Tempo apresenta uma linguagem analiacutetica exaustiva eque vai ao fim da vida adotar um estilo muito proacuteximo ao de Nietzsche isso euexplico no trabalho Deixei tambeacutem claro que existia uma metodologia antes fizuma caricatura da metodologia e da forma que se adota e se estima nos trabalhos

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acadecircmicos de direito fiz isso para criticar evidentemente O trabalho tem temasoacute que esse tema eacute uma pergunta aiacute cabe quem ler aqui tambeacutem dizer seraacute quenatildeo eacute mais honesto ter uma pergunta como tema Natildeo eacute mais coerente ter apergunta E haacute introduccedilatildeo soacute que natildeo eacute a usual eacute um proacutelogo em que faccedilo umexerciacutecio de sobrevocirco por todo o trabalho como aponta Foucault no teatrofilosoacutefico ldquoldquoPois Foucault mostrava que todos os bons movimentos em Nietzsche se fazem dealto a baixo a comeccedilar pelo movimento da interpretaccedilatildeo Tudo o que eacute bom tudo o que eacutenobre participa do vocirco da aacuteguia natildeo estaacute a prumo e desce E os lugares baixos natildeo satildeoefetivamente interpretados senatildeo quando eles satildeo investigados isto eacute atravessados apresentadossob outro aspecto e retomados por um movimento que vem do altordquo p 22Haacute tambeacutem desenvolvimento e ele se daacute por um constante perguntar ereperguntar e uma conclusatildeo que se daacute pelo cruzamento de minha biografiapessoal e acadecircmica Como Nietzsche eacute um autor natildeo lido pelo direito ou porgente do direito e isso eu jaacute expliquei tambeacutem eacute no plano nacional e no dasproduccedilotildees livros trabalhos etc que falo Era preciso desenvolver o trabalho como Nietzsche e tendo sim outras vozes eu natildeo deixei de diversificar oscomentadores de Nietzsche no meu trabalho estatildeo como testemunhas de defesajaacute que o protagonista eacute Nietzsche estatildeo Foucault Deleuze Derrida AgambenLevi-Strauss Giacoacuteia Jr entre outros Natildeo eacute um trabalho de uma voz soacute e nemcoloco Nietzsche num altar como um santo natildeo quero no trabalho me colocarcomo disciacutepulo do Nietzsche com uma biacuteblia na matildeo querendo converter a todosEu me coloco como companheiro na frente dele isso deixei claro tambeacutem ao falardo colapso de Turim Eu desconheccedilo possiacuteveis relaccedilotildees de Kelsen comNietzsche jaacute que esse autor eacute antes de tudo um dos expoentes do positivismojuriacutedico e influenciado por Kant jaacute que um dos seus postulados mais conhecidos eacuteo da ldquonorma fundamentalrdquo que se assemelha ao imperativo categoacuterico kantiano eisso eu menciono no meu trabalho sutilmente para justamente combater comoabstracionismo da metafiacutesica

Leandro Eacuteeu tenho que agradecer ao Prof Serbena tambeacutem porque o ProfSerbena me deixou este ano trabalhar a iniciaccedilatildeo cientiacutefica e trabalhar a monitoriacontigo quer dizer o Prof Serbena viabilizou que este estudo fosse possiacutevel asviagens que eu fiz Fui para a USP apresentei trabalho na USP fui paraMontevideacuteo semana passada vou para o Rio Grande do Norte daqui a duassemanas quer dizer sempre com o apoio da universidade e graccedilas ao fato dereceber bolsa para pesquisar Se natildeo recebesse bolsa para pesquisar eu teria queestagiar me vincular a algum lugar que fosse meio periacuteodo ou que fosse integrale natildeo teria como viajar natildeo teria nem como iniciar um estudo desse porte natildeoteria meios natildeo teria ferramentas e natildeo teria tempo para fazer os estudos efrequumlentar bibliotecas Eu tenho que agradecer tambeacutem ao Prof Serbena porqueadvogou tambeacutem a minha bolsa eu natildeo tinha mais bolsa porque a universidadeparece que natildeo ia conceder porque parece que havia limitaccedilatildeo de recursos e daiacutehouve um problema burocraacutetico e o Prof Serbena ligou e intermediou a relaccedilatildeoquer dizer foi graccedilas a isso que eu tive condiccedilotildees de fazer esse trabalho e mededicar o uacuteltimo ano de faculdade a pesquisa e as atividades acadecircmicasQuanto a questatildeo metodoloacutegica que o professor colocou a filosofia do direito eutomo cuidado ao colocar no meu trabalho que o objetivo natildeo eacute olhar o direito com

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ldquodrdquo maiuacutesculo o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo o que eacute o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo senatildeo eacute o direito que eu procuro caracterizar como o direito da modernidade eu citoPaolo Grossi por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes Fernando para caracterizar melhoresse direito da modernidade direito que tem a lei como fonte absoluta e recusatodas as outras eacute um direito do absolutismo juriacutedico eacute um direito que se colocacomo saber superior as outras ciecircnciasEntatildeo o meu trabalho para fazer essediaacutelogo interdisciplinar para poder conversar com a professora da psicologia comtodos os outros eu precisava colocar o direito como mais um saber operaacuteriocomo mais um saber operaacuterio entatildeo tirar o direito de uma condiccedilatildeo absolutaacima das outras ciecircncias para colocar o direito como um saber operaacuterio ao ladodos outros para poder dialogar com os outros Portanto a passagem que o ProfSerbena leu eacute uma passagem que eu vou desenvolvendo para chegar nessaconclusatildeo nessa afirmativa o objetivo do trabalho eacute fazer filosofia do direitosimsoacute que direito com ldquodrdquo minuacutesculo o direito como mais um saber operaacuterio quese relaciona com os outros saberes Quer dizer esse foi o objetivo e o trabalhoparte de uma contestaccedilatildeo metodoloacutegica quando eu estou contestando ametodologia eu estou contestando um tipo de metodologia eu estou contestandouma forma de proceder dentro da academia que eacute justamente a tradiccedilatildeo Atradiccedilatildeo acadecircmica exige na maioria das vezes trabalhos que satildeo verdadeirasfichas de leitura vocecirc pega um artigo do coacutedigo processual civil o CPC e vocecircficha na visatildeo de quatro ou cinco autores e esse eacute o trabalho monograacutefico eacute otrabalho monograacutefico feito como obrigaccedilatildeo como desencargo Em nenhummomento eu tomei isso como obrigaccedilatildeo ou como desencargo eu queria criticaresse tipo de trabalho que eacute um trabalho de coleta doutrinaacuteria jurisprudencial oulegislativa eu quis fazer uma outra coisa como colocou a Profordf Nadja umtrabalho marginal de alteridade Portanto necessariamente deveria ser umacriacutetica a metodologia tal como a gente conhece tradicionalmente dentro do cursode direito neacute Natildeo que eu negue por completo a metodologia Teve um outrotrabalho meu que eu apresentei na banca de ingresso ao PET eu faccedilo parte doPET Direito aqui na faculdade que eacute um grupo de pesquisa aqui do direito equando eu apresentei esse trabalho que era sobre a biopoliacutetica de Foucault euapresentei um trabalho que natildeo tinha paraacutegrafo natildeo tinha espaccedilamento haviaobjetivo plano de trabalho mas natildeo tinha nem paraacutegrafo (comoccedilatildeo espanto) eeu submeti perante a banca esse sim era um trabalho completamente semmetodologia era um trabalho inclusive difiacutecil de ler porque a fonte era uma fontereduzida (mais comoccedilatildeo e espanto) Eu fiz issotalvez por uma certa ingenuidademinha nunca tinha feito pesquisa antes nunca tinha feito um projeto antesInclusive no mesmo dia em que eu entrei pela primeira vez no teu grupo deestudos (grupo da Profordf Nadja) foi o dia em que eu defendi e fui aprovado laacute nogrupo porque o Prof Celso Ludwig que eacute professor da casa a quem agradeccedilotambeacutem no trabalho porque me ofereceu espaccedilo no grupo de estudos dele e aProfordf Vera Karam que eacute vice-diretora da faculdade hoje que tambeacutem agradeccediloporque esteve comigo no Sajup e no grupo de direito e literatura os dois deramparecer favoraacutevel ao meu trabalho quer dizer mesmo assim elescompreenderam que o conteuacutedo era mais importante do que a forma e naquelemomento eles deram parecer favoraacutevel quer dizer eu poderia ter sido reprovadona banca do PET e fui aprovado felizmente porque foi no PET que eu comecei a

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aprender a fazer pesquisa aprender a desenvolver melhor a curiosidadeintelectual neacute Inclusive esse trabalho tem a formataccedilatildeo tem paraacutegrafo temespaccedilamento quer dizer eacute um trabalho que eacute mais inteligiacutevel

Prof Serbena Natildeo era para ter isso

Leandro Natildeo Natildeo Natildeoaquele deveria ter tambeacutem e natildeo tinha aquele estavacompletamente fora de qualquer metodologia possiacutevel natildeo seguia regra nenhumada ABNT esse aqui ainda segue algumas regras (risos)

Prof Serbena Mas natildeo precisava ser assim

Leandro Entatildeo professor eu soacute dei um exemplo para tentar problematizar umpouco eacute que eu quero dizer que tem uma metodologia aqui quando eu falo noLevi-Strauss por exemplo quando falo no rizoma do Deleuze eu estou dizendo euestou apontando para metodologias Satildeo metodologias que eu tentei a do Levi-Strauss tentei torcer um pouco e me apropriar dela porque eacute uma metodologiaestruturalista ainda a do Deleuze natildeo a do Deleuze era mais simples

Prof Serbena Vocecirc pode fazer assim soacute que eacute mais difiacutecil e quando vocecirc fazer eusar o Deleuze ou o Levi-Strauss vocecirc vai ter que fazer um trabalho de extensaargumentaccedilatildeo para justificar porque vocecirc estaacute introduzindo aquele meacutetodo ouporque vocecirc estaacute criticando aquele meacutetodo entende Vocecirc natildeo consegue fazerem duas ou trecircs paacuteginas isso fazer isso eacute muito difiacutecil eacute muito difiacutecil eu concordoque pode fazer mas discordo um pouco da maneira como eacute feito natildeo eacute faacutecil vocecircpode fazer claro que pode mas eacute muito mais difiacutecil vocecirc natildeo pode passar porcima natildeo pode colocar o Levi-Strauss como nota de rodapeacute porque natildeo eacute umautor de nota de rodapeacute vai ter que dedicar um capiacutetulo inteiro explicar o meacutetodoestruturalista e eacute difiacutecil fazer isso

Leandro Maso Levi-Strauss natildeo estaacute em nota de rodapeacute inclusive eu coloqueiem destaque junto com o juiz de Santa Catarina que eacute o Alexandre Morais daRosa que para os que natildeo conhecem o Alexandre Morais da Rosa eacute um juiz deSanta Catarina que defendeu uma tese de doutorado sobre a bricolagem nodireito Quer dizer foi a partir dele que eu tomei conhecimento do meacutetodo do Levi-Strauss ateacute entatildeo eu natildeo conhecia Levi-Strauss nunca tinha lido e foi peloAlexandre jurista e juiz de Santa Catarina que eu tomei conhecimento dapossibilidade de trabalhar uma bricolagem dentro do direito quer dizer eacute uma tesede doutorado Claro que o meu objetivo natildeo foi o de chegar ao niacutevel de tese dedoutorado mestrado mesmo entatildeo eu tive que me conter dentro de minhaslimitaccedilotildees tentei trazer o Alexandre para justificar junto com o Levi-Strauss tentarexplicar o que eu entendia por bricolagem junto com o Levi-Strauss tentei trazerisso dentro do corpo do texto e eacute claro assim como a Profordf Acircngela apontou eunatildeo me debrucei especificamente sobre temas do Nietzsche como o niilismo porexemplo porque soacute o niilismo do Nietzsche tem vaacuterias acepccedilotildees tem o niilismorusso tem vaacuterias o proacuteprio termo niilismo assume caracteres polissecircmicos nafilosofia do NietzscheNietzsche possui vaacuterias visotildees do problema ateacute porque a

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filosofia do Nietzsche eacute perspectivista Se fosse para falar soacute sobre niilismo ousobre a morte de Deus eu levaria daria para fazer uma tese de doutorado sobreum tema do Nietzsche soacute o niilismo ou soacute a bricolagem como fez o professorAlexandre Morais da Rosa que trouxe a bricolagem num processo penal Entatildeo omeu objetivo natildeo foi chegar ateacute esse ponto entatildeo eu tive me conter dentro delimites limites que eu proacuteprio me impus e limites da proacutepria condiccedilatildeo de tempoeu tinha um mecircs para escrever o trabalho e o Prof Luiacutes Fernando eacute testemunhaateacute o uacuteltimo dia o trabalho natildeo estava concluso Eu vim pela manhatilde numa sexta-feira pela manhatilde e trouxe a uacuteltima folha as uacuteltimas folhas do trabalho e inclusiveatrasei a reuniatildeo do departamento do Prof Luiacutes Fernando ele teve que ler ateacute ofim o meu trabalho para que eu pudesse daiacute depois colocar as notas de rodapeacutecolocar as notas inclusive

Prof Serbena O Prof Luiacutes tem aula daqui a pouco e me fez um pedido para natildeofalar mais e se puder tambeacutem aiacute

Leandro Eu vou ser breve vou ser breveNatildeo eacutea questatildeo eacute queficaramlacunas no trabalho mas ficaram porque o tempo natildeo me permitia que eurevisasse o trabalho de forma completa neacute As viacutergulas inclusive tem trechos emparecircnteses que estaacute laacute nota de rodapeacute a ser inserida ou fonte a ser colhida quenatildeo foi colocado porque foi um lapso Eu escrevi o texto inteiro e coloquei asnotas depois ficou alguns lapsos formais E a questatildeo de compreender oNietzsche em outras liacutenguas eacute realmente uma limitaccedilatildeoO Joseph estaacute aqui e meindicou o Nietzsche em francecircs a revista aqui na faculdade me passou a fontemas eu natildeo tenho acesso ainda em outra liacutengua eu espero ter ainda um diaQuer dizer satildeo limitaccedilotildees minhas ainda ler o Nietzsche em francecircs Nietzsche eminglecircs mas agradeccedilo as referecircncias professor e eacute issoAcho quea questatildeo doscomunistas de tecircnis importadoquer dizer eacute o Prof Luiacutes Fernando natildeo gostoumuito porque eacute a militacircncia trotskista eu tive uma militacircncia maoiacutesta maseucritico

Prof Serbena Mas ele pode usar tecircnis importado

Leandro Natildeo mas eu critico no sentido de uma estrateacutegia mesmo argumentativauma estrateacutegia argumentativa porque para Nietzsche o comunismo era umcristianismo para as massas neacute Entatildeo o Nietzsche tem uma criacutetica visceral aocomunismo natildeo sei se ele tinha lido Marx mas ele conhecia o movimentocomunista Entatildeo Nietzsche faz uma criacutetica aos comunistas mas tambeacutem faz umacriacutetica aos liberais tambeacutem eu natildeo deixei de criticar os liberais tambeacutem O ProfLuiacutes Fernando falou laacute ah vocecirc natildeo criticou os almofadinhas de terno e gravatanatildeo eu critiquei tambeacutem eu falei que os liberais satildeo submissos dentro da loacutegicanietzscheana porque o liberalismo eacute um gregarismo para o Nietzsche Entatildeo eacutenesse sentidoeacute eu acho que eacuteah vou deixar o professor (Luiacutes Fernando) falarum pouco depois eu respondo

Prof Luiacutes Fernando Bom o orientador natildeo fala Eacute dispensaacutevel o comentaacuterio bomsoacute gostaria de agradecer aos colegas pela leitura e pelos apontamentos o que

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demonstrou que eacute muito difiacutecil de fato a elaboraccedilatildeo de um trabalho numaperspectiva diversa e como as vezes se cai mesmo em contradiccedilotildees acho quealgumas foram apontadas aqui e acho que satildeo bastante interessantes Como aproacutepria ideacuteia de um processo mesmo talvez seja uma contradiccedilatildeo quer dizer vocecirclida com uma loacutegica que eacute tradicional para trabalhar com Nietzschee dentrodesse processo bate de frente com questotildees que levam a um certo grau deexagero na contraposiccedilatildeo que na verdade talvez natildeo seja isso como a ProfordfNadja colocou talvez fosse mais interessante assumir a loucura fosse maisinteressante quebrar mais radicalmente a loacutegica de um processo ao inveacutes dedefendecirc-lo num processo ou mesmo a negaccedilatildeo do processo fosse uma coisamais nietzscheana ou natildeo sei mas enfim haacute vaacuterias coisas aiacute que podemospensar depois ou mais tarde aiacute num boteco Gostaria de pedir entatildeo que vocecircsse retirem um pouco para que a mesa delibere

O que se calou Faltaram essas palavras finais eu imaginava que o orientadorpudesse falar e que depois dele eu teria ainda mais que fosse cinco minutos oumenos para dizer mais algumas coisas Primeiro natildeo vejo como contradiccedilatildeo oprocesso isso foi colocado de forma insistente no trabalho escrito o que sebuscou com o processo foi uma estrateacutegia argumentativa para trazer Nietzschepara o direito e por dentro fazer o embate no territoacuterio do inimigo como jaacute disseSobre a loucura eu tambeacutem jaacute disse e sobre a quebra mais radical eu vejo queela acontece e estaacute escrita no trabalho tambeacutem em dois momentos ateacute repetidosnum deles ldquoSe julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve serbanido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve queldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presentenos aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muitocertamente natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquoaponta Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos oacusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lomesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deveser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso quenatildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do carrasco que lecirc asacusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria acondenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute aindamotivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacuteldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro E tambeacutemldquoQuiccedilaacute muito temor da sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente ajuriacutedica e muita vontade de verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aquido reacuteu Nietzsche o louco o banido para as sombras como julgaacute-lo temendoainda as sombras Talvez os acusadores tivessem que se abster para alegar aineacutepcia de suas acusaccedilotildees seria preciso realizar uma criacutetica radical de suasverdades abalar de tal modo as convicccedilotildees dos administradores do direito quesem a muleta ou altar vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiampor quais verdades basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila opalco dos casuiacutesmos ou decisionismos apontaria os atuais administradores dalei mas cabe objetaacute-los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildeesda feacute no iacutedolo mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga

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Com base em queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as acusaccedilotildees econdenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se descubra que oocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso que venccedilamos asua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser conquistado e jamaisdado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem como a superaccedilatildeo dohomem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho pronto construiacutedo Seeacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que estatildeo acostumados aser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou melhor esses acusadoressubmissos de Nietzsche pois bastante niilistas para confessar que precisam seescorar em alguma coisa para se manter de peacuterdquo Exatamente isso quem julga Setrata de um teatro mesmo de uma estrateacutegia argumentativa sem contradiccedilotildees haacuteuma escolha e um sentido evidente em tudo isso a loacutegica do processo eacute quebradapor dentro e seu coacutedigo eacute subvertido e entatildeo quem pode julgar Com base emque

(alguns minutos depois)

Prof Serbena Faltou trazer Wagner para a apresentaccedilatildeo

Leandro O professor me deu a ideacuteia neacute O professor me deu a ideacuteia neacute Mas oNietzsche natildeo concordaria muito com o Wagner porque Wagner se converteu aocristianismo e era nacionalista tambeacutem neacute

Prof Serbena Entatildeo tira o Wagner

Prof Luiacutes Fernando Entatildeo noacutes a comissatildeo de avaliaccedilatildeo por unanimidade abanca decidiu pela aprovaccedilatildeo do trabalho do Leandro Nascimento Mantau com anota nove e meio (aplausos)

O que se calou Por conversas informais depois soube que perdi meio ponto porquestotildees meramente formais mesmo as viacutergulas que faltaram etc De qualquermodo me sinto vitorioso e contente porque foi mesmo um desafio titacircnico

Segue agora um texto que foi o meu primeiro trabalho escrito na faculdade epublicado numa das folhas acadecircmicas revista do curso de direito da UFPR Ele eacute

o Tuareg eacute uma interpretaccedilatildeo que fiz de uma muacutesica cantada por Gal Costa naeacutepoca dos grandes festivais de MPB eu busquei interpretaacute-la de acordo com oque havia lido ateacute entatildeo de filosofia e mesclando vaacuterios outros matizes Faccedilo

questatildeo de publicar junto da minha monografia como registro e tambeacutem para queseja percebida que nesse trabalho inicial jaacute se percebe o geacutermen daquilo que seraacute

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mais desenvolvido na monografia algumas ideacuteias jaacute estatildeo ali presentes mesmoque ainda intuitivamente de modo bruto necessitando ainda mais leituras e um

trabalho maior As preocupaccedilotildees finais com Nietzsche e o Oriente resultaram numartigo escrito nesses dias aproveitando a monografia como ldquotudo pode servirrdquo nabricolagem eacute o artigo Nietzsche amp a experiecircncia miacutestica Incursotildees pelo Oriente

com Nikos Kazantzaacutekis e Gibran Khalil Gibran

Ainda sobre o miacutestico muitos foram os que me perguntaram sobre a ldquoboinardquocolorida que as vezes eu uso na faculdade ou quando estou por aiacute Trata-se de

um quipaacute muccedilulmano tal como o usado pelos negros malecircs que vieram comoescravos para o Brasil era gente muita culta e que organizou uma revolta por

aqui soacute que o meu tem siacutembolos esoteacutericos todo feito a matildeo incluindo ascosturas eacute um trabalho artesanal e amador que ganhei de presente eacute uma

bricolagem que simboliza a alteridade e vesti-lo eacute como encarna-la dentre ossiacutembolos haacute um druida que significa ldquopovordquo em razatildeo disso o chamo de ldquoquipaacutevolksrdquo e os demais satildeo siacutembolos astecas e incas significando a coragem (a

aacuteguia) a sabedoria (o terceiro olho) e a loucura ou o infinitoE a propoacutesito meu nome Leandro significa homem-leatildeo

Ele eacute o Tuareg

As leis natildeo bastam

Os liacuterios natildeo nascem da

lei Meu nome eacute tumulto

e escreve-se na

pedra

Ele eacute o indiviacuteduo fortemente mesticcedilado da genealogia dos nocircmades berberesQue nasceu e cresceu guerreando caminhando dia e noite entre montanhas e odeserto escaldante visitando muitos lugares e dialogando com os transeuntescomo um andarilho que estaacute aiacute no mundo curioso por saber sempre mais

Ele eacute a imagem do espiacuterito livre o anti-heroacutei natildeo comportado e natildeocompatimentado que age como um vagabundo que natildeo estaacute ajustado e nem

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domesticado Ele eacute um fora-da-lei um bandoleiro presenccedila maldita aos homensmas bendito aos deuses

Pois com muita feacute e com ele soacute para pra orar

Pois pela direccedilatildeo do sol e das estrelas

No oacuteasis escondido aacutegua ele vai achar

Pois o homem de veacuteu azul o prometido de alaacuteh

Confiado pelas forccedilas coacutesmicas eacute o Tuareg invenciacutevel Ele vai para a guerra como coraccedilatildeo sereno e o espiacuterito em pazAssim como o andarilho e a sua sombracaminha para o olho do furacatildeo compreendendo a liccedilatildeo do Bhagavad-Gita deque a primeira virtude do homem eacute ousar a ser ele mesmo sublimando anatureza que lhe foi inculcada Deve buscar viver segundo sua proacutepria lei emedida respeitando uma uacutenica instituiccedilatildeo A sua proacutepria alma

Seguindo os saacutebios conselhos de Krishna o arqueiro Arjuna aprendeu que eacutepreciso manter a mente firme e o coraccedilatildeo cheio de fervor se isso for conseguidoa cabeccedila se torna tatildeo somente uma viacutescera do coraccedilatildeo esse eacute o atributodaqueles que satildeo demasiadamente humanos

O Tuareg natildeo eacute arqueiro mas tem uma cimitarra a tira colo e eacute com essaespada capaz de decepar num soacute golpe que ele iraacute abrir um buraco no real parase inscrever subjetivamente e garantir seu lugar na histoacuteria Eacute o homem que estaacutesempre pronto para o que der e vier em constante tensatildeo com o seu entornoComo um Pajeuacute o tipo completo de lutador primitivo-ingecircnuo feroz edestemoroso ndash simples e mau brutal e infantil valente por instinto heroacutei sem osaber

Para o Tuareg tudo eacute permitido ele natildeo tem o que justificar eacute inocente Como osprimitivos antes da chegada dos pastores Eacute um fora-da-lei e por isso estaacute alheioas normas rompendo com a ficccedilatildeo de um Direito sem lacunas ele eacute um furo naordem juriacutedica e prova viva de que nem tudo ela pode dar conta eacute assim que elefaz a sua proacutepria justiccedila O Tuareg eacute um justiceiro

Sendo assim esse homem transfigura-se numa figura mitoloacutegica e miacutestica paraaleacutem do bem e do mal Que para ser compreendido eacute preciso suspendertemporariamente a descrenccedila Egrave quando a atmosfera de sonho oniacuterica passa ase confundir com o real Acaba a diferenccedila entre a imaginaccedilatildeo e a realidadeIsso porque ningueacutem ouve o mito na mesma posiccedilatildeo em que se escuta umatestemunha Ele tem uma dimensatildeo proacutepria de verdade ou quiccedilaacute seja umaverdade que natildeo poderia ser dita de outro modo

O Tuareg desde cedo descobriu que para alcanccedilar a sabedoria e aprender avoar eacute preciso se nomadizar deixar o ninho experimentando o processo do

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desenraizamento do dilaceramento do in-diziacutevel a sensaccedilatildeo de aporia Eacute comesse movimento que ele vai para uma eacutepoca em que natildeo havia propriedadeassim o Tuareg consegue quebrar o espelho e desanda a falar sem a lei domestre

Eacute quando o Tuareg realiza o processo de catarse ele iraacute se expurgar paramelhor se fruir corresponde ao momento do estranhamento e da sensaccedilatildeo davertigem labiriacutentica que exige audaacutecia para correr o risco do impossiacutevel Isso fazdele um espiacuterito errante caminhante pelo deserto e a boca seca como imagino ados profetas e dos eremitas Vivendo livre e sem lei aceitando o inaceitaacutevel e semantendo no insustentaacutevel tendo que consentir nesse gesto ou morrer

Se Lanccedilando a deriva da mais profunda solidatildeo que eacute a solidatildeo do criminososabendo que natildeo jogar o jogo da mentira pode ser a chave para superar amorte Isso faraacute do Tuareg um Carcaraacute que natildeo morre de fome Egrave a proacutepriaconsciecircncia do abandono que faz o homem se aventurar na vida a margem daverdade O reencontro com a erracircncia o seu aiacute no mundo do absurdo radical eabismal da condiccedilatildeo humana daquele que voa para o coraccedilatildeo da tempestadeiraacute provocar o colapso e o renascimento das proacuteprias cinzas Eacute assim que oandarilho regressa e se restitui O Tuareg renasce como a fecircnix

Mergulhado na erracircncia e renascendo como a ave mitoloacutegica o Tuareg descobreque estaacute condenado a ser livre caminhando no mundo e sem desculpas Esseabsurdo de sua condiccedilatildeo humana iraacute conduzi-lo ao re-ligamento Ele vai seencontrar com a sua revolta sua paixatildeo sua liberdade O Tuareg quer viver semabdicar de nenhuma de suas certezas sem dia seguinte sem ilusotildees e semresignaccedilatildeo Ele iraacute se reafirmar na revolta

Eu me revolto logo existo assim fala o Tuareg

Eacute o homem que se reconciliou com a sua rebeldia e com a opacidade do mundoele luta contra tudo aquilo que se modalizou se normalizou Uma pelejaenlouquecida e insensata feita com energia e luminosidade proacuteprias dasubstacircncia poeacutetica

Ele sabe que viver eacute muito perigoso mas compreende que sem o risco nada valea pena assim ele vive perigosamente pois este eacute o segredo para se realizarCompreendendo que quando somos reconhecidos por vadios nos julgam natildeopelos atos mas pela reputaccedilatildeo que nos criaram Mesmo assim o Tuareg natildeotem vergonha de ser ele mesmo e nem medo das consenquumlecircncias do que fala

Ele entende que somos aiacute no mundo para inquietar e jamais devemos nospoupar Porque a inquietude eacute mais fecunda que acreditar em uma soacute respostaTrata-se de suportar a dor de manter em aberto a interrogaccedilatildeo Se contentarcom o provisoacuterio mesmo que se almeje o definitivo

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O Tuareg sabe que para natildeo morrer de sede deve aprender a beber em todosos copos Assim como aquele que quer permanecer limpo deve aprender a sebanhar em aacutegua suja Ele chega nessas conclusotildees por muitos caminhos natildeosubindo numa escada soacute sempre se interrogando e submetendo agrave prova seusproacuteprios caminhos o Tuareg natildeo tem medo de se queimar na proacutepria chama

Isso faz dele um oniacutevoro cultural algueacutem que sabe que esta vida estaacute cheia decaminhos ocultos que constituem tambeacutem a pluralidade desse homem que serecusa a trilhar uma soacute vereda Ele quer dizer que toda a univocidade estaacutefadada ao fracasso O significado em si mesmo eacute aquele que natildeo significa coisaalguma O raciociacutenio juriacutedico da teleologia que visa agrave satisfaccedilatildeo de requisitosloacutegicos e uniacutevocos natildeo presta a compreensatildeo do Tuareg

Assim o Tuareg retorna eternamente e vem para festejar uma nova manhatildesempre com um amor incondicional de quem ama o proacuteximo como a si mesmoele se abre ao Outro deixando que este Outro seja ele mesmo sem pedir nadaem troca Eacute um sentimento de alteridade mas nunca sem antes alterar-se a simesmo Esse homem jamais vai passar anestesiado pela multidatildeo tudo ele estaacutevendo Eacute a figura do guerrilheiro intangiacutevel eacute o antagonista que vecirc e que natildeo eacutevisto como os sertanejos na caatinga

Pois ele eacute guerreiro

Ele eacute bandoleiro

Ele eacute justiceiro

Ele eacute mandingueiro

Ele eacute o tuareg

Nego os roacutetulos quecolocam para mim ereafirmo antes de tudo afidelidade a mim mesmo eagraves minhas ideacuteias

Eu natildeo sou dos seus

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Referecircncias Utilizadas

Muacutesica Tuareg cantada por Gal Costa nos festivaisNatildeo morre de fome alusatildeo agrave muacutesica Carcaraacute de Joatildeo do Vale o ex-pedreiro eanalfabeto que se tornou um dos maiores compositores da muacutesica popularbrasileiraOntologia poeacutetica de Carlos Drummond de AndradeEdgar Morin obra Meus DemocircniosGrandes Sertotildees Veredas de Joatildeo Guimaratildees Rosa referecircncia ao Riobaldopara quem viver eacute muito perigosoOs Sertotildees de Euclides da Cunha referecircncia ao Pajeuacute parte a LutaAssim Falava Zaratustra de NietzscheSeacuterie de Preleccedilotildees sobre a obra de Albert Camus O Estrangeiro do nuacutecleo deDireito e Psicanaacutelise da UFPRO Homem Revoltado de Albert CamusVocirco para o Coraccedilatildeo da Tempestade demandas com o pensamento deNietzsche Obra de Antoacutenio Duarte Henrique LopesSeacuterie de Preleccedilotildees coordenadas por Christoph Tuumlrcke com o tiacutetulo Nietzscheuma provocaccedilatildeoSeacuterie de Preleccedilotildees em torno da obra de Jacques Derrida publicadas em livro demesmo nomeBhagavad-Gita a sabedoria dos Vedas

Page 2: LEANDRO NASCIMENTO MANTAU O Caso NIETZSCHE: várias

O caso Nietzsche

Proacutelogo 1

Quem foi Nietzsche Breviaacuterio de acusaccedilotildees 13

Ele foi um ldquoloucordquo14

Ele foi um ldquointelectual do nazismordquo20

Ele foi um ldquoanarquistardquo22

Ele foi o ldquohomem que matou Deusrdquo24

Ele foi um ldquomiacutesticordquo Um ldquoidealista romacircnticordquo 33Um ldquonostaacutelgicordquo a querer a volta ao mundo grego

Ele foi um defensor da ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo Um ldquointelectual daburguesiardquo da ldquodireitardquo 38

Ele foi um irracionalista Um vitalista Um filoacutesofo da literatura42

Ele foi um niilista Um poacutes-moderno46

Ele eacute mais um pensador eurocecircntrico51

Ele foi um imoral Um voluntarista59

Por que ler Nietzsche no Direito66

A Vontade que interroga o Poder69

Criacutetica da Modernidade ou o Direito como produto do esclarecimento75

O caso Nietzsche

A linguagem ou o Ocaso do Direito78

O Direito em crise ou o crepuacutesculo de suas verdades85

A Gaia Ciecircncia ou ldquoaurorardquo do direito90

Tornar-se o que se eacute no direitoOu como coloquei o Nietzsche em praacutetica105

Manancial rizomaacutetico ou os afluentes desse meu rizoma 135

Anexos

Desafio Titacircnico (aquilo que foi dito na defesa e o que se calou) 141

Ele eacute o Tuareg 179

1

Proacutelogo

Por que ler Nietzsche no Direito Eacute pela questatildeo que esse trabalho se

constitui a potecircncia da questatildeo e natildeo um tema o estudo do pensamento de um

autor como Nietzsche natildeo se faz por recortes metodoloacutegicos em sua obra como

os fieacuteis da razatildeo acadecircmica esses ldquomeacutedicos legistasrdquo costumam fazer Antes

de tudo trata-se de um diaacutelogo de subjetividade eacute o que se tentaraacute aqui Qual o

tema que vocecirc pesquisa O que no Direito a partir de Nietzsche Por que ir tatildeo

longe estudando Nietzsche Satildeo com essas e outras perguntas que este trabalho

pretende dialogar algumas foram feitas a mim por pessoas que souberam da

intenccedilatildeo desse estudo meu desejo de estudar Nietzsche e o Direito quando esse

estudo era apenas um projeto natildeo esboccedilado sem comeccedilo meio e fim totalmente

aberto Para empreender esse trabalho sabia na eacutepoca que natildeo poderia ter

projeto que precisaria estudar Nietzsche como aquele que segue agrave deriva

mergulhando num labirinto sem chegada o objetivo natildeo seraacute de responder agraves

indagaccedilotildees mas levar a outras questotildees trazendo algumas pistas

Nietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo deslizapara a situaccedilatildeo abstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamentoconcreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seu estilo eacute diretamentepoliacutetico por isso os aforismas as poesias o tom combativo as repulsase as predileccedilotildees Ele natildeo serve aos ldquosenhores brancosrdquo agrave Escola aoscostumes agraves disciplinas Nietzsche eacute todo poliacutetica eacute todo a questatildeo oua parte sensiacutevel e intelectual da questatildeo que racha o dispositivo desilecircncios e abstraccedilotildees das ldquofilosofiasrdquo e da ldquohistoacuteria da filosofiardquo doldquohomemrdquo e da ldquohumanidaderdquo Ele eacute ou nele se encontra aquela partegrave e animal do pensamento que o insere sem distacircncia ndash semdefesas e fugas ndash na concretude comovente da questatildeordquo Cf p 77 (CfESCOBAR sano p77) A ldquofactibilidaderdquo do Nietzsche e a potecircnciade seu pensamento enquanto questatildeo ldquoEacute preciso rachar a ldquoteia dearanhardquo da Razatildeo para restituir a plena combustatildeo da questatildeordquo CfESCOBAR idem)

Uma possiacutevel resposta de onde derivariam todas outras eacute a de Nietzsche

como um filoacutesofo que interroga o Poder compreendido como emaranhado de

poderes e criacutetico de um direito enquanto discurso instituiccedilatildeo lei contrato

ldquosujeitosrdquo e outras abstraccedilotildees o direito (com d minuacutesculo mesmo) eacute uma

2

invenccedilatildeo do homem e tem relaccedilatildeo estreita com o poder ou os poderes

Nietzsche eacute o filoacutesofo que pensaraacute o poder sem encerraacute-lo dentro de uma teoria

segundo Foucault1 A resposta eacute dada por um leitor confesso de Nietzsche e que

ao contraacuterio dele eacute relativamente lido e estudado no direito teraacute o filoacutesofo alematildeo

como caixa de ferramentas para constituir seus proacuteprios pensamentos Natildeo

apenas Foucault Derridaacute2 aluno deste tambeacutem seraacute leitor de Nietzsche

acompanham essa relaccedilatildeo autores como Heidegger3 Deleuze4 Albert Camus5 e

ateacute mesmo o autor mais na moda como Giorgio Agamben6 Nietzsche suscitaraacute

reflexotildees distintas como a heideggeriana e a francesa da contracultura7 e

apropriaccedilotildees na literatura e outros campos da arte eacute autor que se ldquoauto-define

como extemporacircneo que soacute seria lido e compreendido dois seacuteculos agrave frente vai

antecipar algumas reflexotildees dos pensadores da Escola de Frankfurt sobre o

1 Nietzsche eacute o filoacutesofo do poder que pensou o poder sem se encerrar numa teoria poliacutetica Ouacutenico sinal de reconhecimento que se pode ter para um pensamento como o de Nietzsche eacute fazecirc-lo ranger gritarNietzsche ofereceu como alvo essencial digamos ao discurso filosoacutefico arelaccedilatildeo de poderrdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Riode Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p 1432 Autor lido no Direito quando se trata de diaacutelogo com a Literatura destaca-se nesse trabalho assuas obras Forccedila de lei e Gramatologia

3 Um dos pensadores mais influentes do seacuteculo XX Martin Heidegger escreveu dois tomos sobre asua interpretaccedilatildeo de Nietzsche nesse trabalho tive acesso ao volume I com o entendimentocorroborado pelo tradutor brasileiro das obras Marco Antocircnio Casanova quando em palestra emCuritiba no ano de 2007

4 Notabilizou-se com a sua obra Nietzsche e a Filosofia trabalhou com Michel Foucault naMicrofiacutesica do Poder dialoga na entrevista ldquoos intelectuais e o poderrdquo Ainda publicou com FeacutelixGuattari a obra Mil Platocircs em que se utilizaraacute o primeiro volume que trata da ideacuteia de ldquorizomardquo

5 Autor que transitava entre literatura e a filosofia chegou a ganhar o precircmio Nobel de literaturacom a obra O estrangeiro seraacute aproveitada a sua anaacutelise sobre niilismo e Nietzsche em O homemrevoltado

6 No Direito tem sido bastante lido ultimamente principalmente a obra ldquoO estado de exceccedilatildeordquo

7 ldquoToma-se como mola de nossa cultura moderna a trindade Nietzsche Freud Marx Poucoimporta que todo mundo fique desarmado com isso Marx e Freud satildeo talvez a mola de nossacultura poreacutem Nietzsche eacute completamente diferente eacute a mola de uma contra-culturardquo CfDELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-10

3

capitalismo e a barbaacuterierdquo segundo Giacoacuteia8

Interrogando o Poder Nietzsche faraacute o diagnoacutestico com olhar cliacutenico de

psicoacutelogo das profundezas acerca do problema do niilismo que se daacute

propriamente na constataccedilatildeo da decadecircncia dos valores das instituiccedilotildees no que

se deve incluir o Direito a pretensatildeo de universalidade proacutepria da Modernidade

assim a sentenccedila sobre a ldquomorte de Deusrdquo significa tambeacutem a morte do projeto do

esclarecimento iluminista Cabe portanto retomar o estudo do pensamento de

Nietzsche natildeo apenas dos seus leitores mais ceacutelebres e contemporacircneos

Recuperemos Nietzsche Escrevia Antocircnio Cacircndido9 depois da segunda guerra

mundial para uma criacutetica do presente Eacute fundamental desfazer os equiacutevocos que

a interpretaccedilatildeo e malversaccedilatildeo do pensamento nietzscheano levou a ser teoacuterico do

nazifascismo a estigmatizaccedilatildeo do pensamento de Nietzsche considerado um

louco banido das academias tratado como herege devido as maacutes

compreensotildees de seu pensamento muitos jaacute escreveram para desmistificar os

equiacutevocos nessas leituras mas eles ainda permanecem talvez porque seja

conveniente que Nietzsche natildeo seja lido colocado como autor proibido ou maldito

Felizmente comigo a estrateacutegia surtiu efeito contraacuterio quando perguntei sobre

quem era Nietzsche ao meu Professor de Filosofia do ensino meacutedio ele natildeo me

recomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem o

lecirc a loucura tambeacutem certamente algo de misterioso reside em seu pensamento

natildeo me refiro agraves leituras miacutesticas de Nietzsche pela literatura como a de Nikos

Kazantzaacutekis10 formado em Direito pela Universidade de Atenas e que se dedicaraacute

a literatura publicando entre outras obras A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo

apresentando um Jesus ldquonietzscheanordquo proacuteximo ao Zaratustra quanto ao seu

8 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho9 Cf posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas TradRubens Rodrigues Torres Filho 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

10 Assim como Oswaldo Giacoacuteia Juacutenior formado em Direito pela USP e atualmente professor deFilosofia na UNICAMP Kazantzaacutekis teve sua passagem pelo direito tambeacutem e suas obras tecircmforte tonalidade nietzscheana aqui seraacute aproveitada ldquoA uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristordquo que foi produzidapara filme por Martin Scorsese em obra homocircnima e ldquoAsceserdquo

4

modo de vida e Ascese ldquoquando cabe ao homem salvar Deus o deus que eacute

labirinto de carnerdquo11 mas me refiro a potecircncia da criacutetica nietzscheana a qual

requer do leitor o constante ruminar a leitura cuidadosa do filoacutelogo de seus

aforismas que satildeo marcas de intensidade a energia que pulsa eacute vital vem do

corpo a recomendaccedilatildeo de Nietzsche eacute a de que ldquose deve escrever com sangue

porque sangue eacute espiacuteritordquo12 Nietzsche se coloca no texto usa a sua vida como

mateacuteria-prima do pensamento um pensamento nocircmade como aponta Deleuze13

Por isso a leitura de Nietzsche e um trabalho com o seu pensamento requer o

esforccedilo de levar a potecircncia para algum lugar isso eacute trabalho de subjetividade

trazecirc-lo para si se apropriar pensar com atraveacutes e aleacutem de Nietzsche

recomenda Gerard Lebrun14 organizador da ldquocoleccedilatildeo os pensadoresrdquo obras

incompletas de Nietzsche

Cabe tambeacutem pensar contra Nietzsche15 ele natildeo quer seguidores natildeo

quer ser um pastor prefere ser um bufatildeo16 algueacutem com muacuteltiplas faces E assim

durante o seacuteculo XX Nietzsche foi lido e interpretado de forma diversa Heidegger

11 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese salvatore dei Trad Ivo Barroso Rio de Janeiro Recordsano p 88

12 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 Do ler e escrever ldquoDe tudo o que se escreve apreciosomente o que algueacutem escreve com seu proacuteprio sangue Escreve com sangue e aprenderaacutes que osangue eacute espiacuteritordquo p 66

13 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-17

14 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

15 A referecircncia eacute de Roberto Machado ex-aluno de Foucault e Deleuze em sua obra Zaratustratrageacutedia nietzscheana Ainda traz as referecircncias do proacuteprio Nietzsche ldquoeacute preciso pocircr-se em guardacontra mimrdquo ldquosecirc um homem e natildeo me sigas sigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo CfMACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997p 77

16 Aponta o proacuteprio Nietzsche em seu Ecce homo ldquonada tenho de fundador de religiatildeo Natildeoquero ldquocrentesrdquo creio ser demasiado malicioso para crer em mim mesmo nunca me dirijo agravesmassasTenho um medo pavoroso de que um dia me declarem um santo perceberatildeo por quepublico este livro antes ele deve evitar que se cometam abusos comigoEu natildeo quero ser umsanto seria antes um bufatildeoTalvez eu seja um bufatildeordquo p 109 Cf NIETZSCHE FriedrichWilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo PauloCompanhia das Letras 1995

5

pensa um Nietzsche os franceses outro em algum lugar eles se encontram que eacute

o proacuteprio Nietzsche um lugar que eacute tambeacutem um natildeo-lugar jaacute que natildeo legou um

sistema sua obra eacute inacabada e manteve-se plural muacuteltipla Dentre os inuacutemeros

temas o Direito eacute abordado ldquosutilmenterdquo por Nietzsche e a sua sutileza eacute a de

quem faz filosofia a golpes de martelo o martelo que serve para destruir e

construir o martelo que tambeacutem eacute usado como instrumento terapecircutico eacute uma

cliacutenica que vem antes do proacuteprio Freud e sua psicanaacutelise e um dos textos que

mais suscita a investigaccedilatildeo nietzscheana no Direito eacute a Genealogia da Moral o

qual segundo Giacoacuteia ldquoFreud ao abrir assustado logo o fecha com medo de que

os resultados cliacutenicos obtidos fossem influenciados pelo que Nietzsche havia

escritordquo17 Contudo o texto da Genealogia traz referecircncias sobre um direito

originado na diacutevida no sentido de culpa oriundo da obrigaccedilatildeo o que daria direito

ao credor de satisfazer o creacutedito empenhando inclusive uma pena corporal ao

devedor como satisfaccedilatildeo de um sentimento de vinganccedila ldquoarrancando um naco de

carnerdquo eacute a cena do Mercador de Veneza18 e eacute provaacutevel que Nietzsche tenha lido

e se influenciado por Shakespeare assim como leu tambeacutem Stendhal Tolstoi

Dostoievski sendo que este uacuteltimo natildeo foi encontrado em sua biblioteca particular

suspeita-se os bioacutegrafos e estudiosos do legado nietzscheano que algumas

obras capitais para Nietzsche e suas reflexotildees foram retiradas pela sua irmatilde a

qual desejava preservar uma certa originalidade do irmatildeo em relaccedilatildeo a algumas

temaacuteticas19

Eacute sabido que Nietzsche tambeacutem se incomodava da maacute compreensatildeo de

17 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

18 Refere-se ao 4ordm ato 1ordf Cena (cena do Tribunal) em que Shylock o judeu mercador exige acoleta civil de uma libra de carne de Antocircnio por contrato registrado em cartoacuterio devido aoinadimplemento da obrigaccedilatildeo Por traacutes dessa cobranccedila transparece o sentimento de vinganccediladaquele que viu sua filha perdida aos cristatildeos o que lhe custou a injuacuteria e o desprezo dasociedade local Cf Shylock e a vinganccedila ndash o princiacutepio de satisfaccedilatildeo no direito penal Trad JuarezTavares do original de Frauke Drews (Universitaumlt Frankfurt Main) p 1-12 Texto da Jornada deDireito e Psicanaacutelise ocorrida no Curso de Direito da UFPR no ano de 2007 sobre a obra ldquoOMercador de Venezardquo de Shakespeare19 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008

6

seu pensamento na eacutepoca que ainda estava luacutecido seus livros natildeo vendiam e

volta e meia a criacutetica o atacava ou jaacute o apropriavam na direccedilatildeo nazifascista

movimento ainda incipiente em 1887 comentaraacute em cartas a sua preocupaccedilatildeo20 e

o seu Ecce homo sua autobiografia uacuteltimo livro antes do colapso de Turim para

que ldquoouccedilam o que ele eacute () iraacute escrever eu sou assim tal e tal e natildeo me

confundamrdquo21 Se corresponderaacute com Georg Brandes criacutetico literaacuterio judeu que

divulgaraacute a obra de Nietzsche na Europa do Norte dele teraacute imensa gratidatildeo22

Brandes foi pessoa bastante influente na intelectualidade da eacutepoca curiosamente

mantinha correspondecircncia e amizade com Ibsen que escreveu entre outras obras

O Inimigo do Povo nela o personagem Dr Stockmann vai dizer ldquoo mais solitaacuterio eacute

o mais forte dos homensrdquo ao que se sabe Nietzsche natildeo conhecia Ibsen e vice-

versa mas essa afirmaccedilatildeo eacute bastante nietzscheana23 Diante de tudo isso dos

20 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p 53

21 Cf Prevendo que dentro em pouco devo dirigir-me agrave humanidade com a mais seacuteria exigecircnciaque jamais lhe foi colocada parece-me indispensaacutevel dizer quem sou Na verdade jaacute se deveriasabecirc-lo pois natildeo deixei de ldquodar testemunhordquo de mimNessas circunstacircncias existe um devercontra o qual no fundo rebelam-se os meus haacutebitos e mais ainda o orgulho de meus instintos queeacute dizer Ouccedilam-me Pois eu sou tal e tal Sobretudo natildeo me confundamrdquo p 17 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

22 ldquoA tarefa de traccedilar uma imagem de mim seja do pensador seja do escritor e poeta parece-meextraordinariamente difiacutecil A primeira tentativa maior desta natureza foi feita no inverno passadopelo distinto dinamarquecircs dr Georg Brandes que lhe deve ser conhecido como historiador literaacuterioEle realizou sob o tiacutetulo de ldquoO filoacutesofo alematildeo Friedrich Nietzscherdquo um longo ciclo de palestrassobre mim na Universidade de Compenhague cujo ecircxito segundo me foi informado deve ter sidoimenso Ele fez uma audiecircncia de trezentas pessoas interessar-se vivamente pela audaacutecia deminhas colocaccedilotildees e como ele proacuteprio me diz tornou o meu nome popular em todo o Norterdquo p131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

23 Destaque para a carta do Conde Prozor para a irmatilde de Nietzsche Elisabeth Foerster-Nietzscheescrita a bordo do paquete ldquoPrinz Waldemarrdquo entre Lisboa e Rio de Janeiro Terminada emPetroacutepolis em 30 de outubro de 1904 que eacute publicada na ediccedilatildeo como prefaacutecio p 96 a 146 Eacutedocumento que comprova que Georg Brandes trocava cartas simultaneamente com Ibsen eNietzsche e que o Assim Falava Zaratustra de Nietzsche a primeira parte de 1883 eacute publicada nomesmo ano de O inimigo do Povo A despeito das semelhanccedilas a carta aponta que Nietzscheconhecia Ibsen superficialmente e tinha dele impressotildees equivocadas enquanto Ibsendesconheceria ateacute o nome de Nietzsche natildeo obstante Brandes o conhecer e admirar e segundo odocumento histoacuterico possuir uma ascendecircncia e influecircncia intelectual sobre a obra de Ibsen CfHENRIK IBSEN Um inimigo do povo Trad Vidal de Oliveira estudo criacutetico de Otto MariaCarpeaux Rio de Janeiro globo 1984

7

preconceitos que sofreu do seu banimento que natildeo eacute causal ao contraacuterio eacute

proposital antes porque o proacuteprio Nietzsche abandona sua caacutetedra de filoacutelogo na

Basileacuteia e vai criticar o academicismo e dogmatismo e os pretensos intelectuais

que encontrou como ldquofilisteus da culturardquo e segundo porque Nietzsche foi

vinculado a tradiccedilatildeo totalitaacuteria fascista que repudiava propositalmente e terceiro

porque seu pensamento eacute muacuteltiplo natildeo eacute sistema e o trabalho de desmistificaccedilatildeo

requer que se alcance as alturas do seu pensamento eacute preciso de focirclego para

esse empreendimento Quem o leu encontrou nele ferramentas para a subversatildeo

da racionalidade moderna e iluminista ainda muito presente nas academias

assim considerado culpado sem direito ao contraditoacuterio e a ampla defesa

Nietzsche seraacute mandado ao cadafalso como autor maldito natildeo seraacute lido e

estudado no Direito logo ele um autor que interroga o Poder um questionador da

autoridade um genealogista

Evidentemente tratar Nietzsche como um autor da literatura eacute uma

estrateacutegia natildeo estudaacute-lo eacute outra eacute preferiacutevel o caminho mais curto a leitura dos

contemporacircneos que aprenderam com ele como Foucault e mais atualmente

Giorgio Agamben Este uacuteltimo um Professor de Esteacutetica que do lugar de fala

esteacutetico traz reflexotildees sobre poliacutetica sobre poder sobre o direito o Estado

Nietzsche foi um nocircmade que transitou por esses campos sem ficar neles Natildeo eacute

faacutecil ler Nietzsche diante da polifonia de sua linguagem mas tambeacutem natildeo eacute faacutecil

ler os manuais de Direito e as enfadonhas doutrinas jaacute repisadas inuacutemeras vezes

a desculpa pelo seu esquecimento no Direito que eacute espaccedilo de poder ou de

poderes talvez resida naquilo que ele mesmo considerou ldquomeu pensamento eacute

dinamiterdquo24 talvez para o Direito essa seja a confissatildeo que o inquisidor gostaria de

obter para condenar o reacuteu Afinal o Direito eacute o lugar da ordem da tradiccedilatildeo da

conservaccedilatildeo das coisas da harmonia da justiccedila Mas ldquoo que eacute a Justiccedila

Pergunta Nietzsche senatildeo eacute o lugar onde tudo pode ser pago A justiccedila assim

24 ldquoEu natildeo sou um homem sou dinamiterdquo p 107 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995

8

como todas as coisas boas acaba por suprimir a si mesmardquo25 E o curso de Direito

ldquoformardquo administradores da Justiccedila seja na aacuterea puacuteblica ou privada o operador

juriacutedico quando natildeo eacute um autocircmato da lei serve-se do Direito dos coacutedigos para

defender pretensotildees Realizar um trabalho com Nietzsche no Direito eacute fazer do

trabalho de conclusatildeo do curso de Direito um ldquoexerciacutecio de tirociacutenio juriacutedicordquo na

defesa do reacuteu do maldito do pensamento de Nietzsche o desafio que se propotildee

a quem estudou no reino da codificaccedilatildeo eacute a da defesa do decodificador por

excelecircncia eacute a tentativa de salvar uma causa perdida que foi dada por anos como

perdida afinal como defender o pensador que natildeo quer disciacutepulos que confessa

seu crime sem pudor ele quer destruir os iacutedolos e a justiccedila e o Direito se constroacutei

sobre iacutedolos Como ser advogado de Nietzsche Como ser advogado desse

louco Que se confessa louco26 jaacute que eacute tido pela sociedade assim a qual tem o

poder de condenar o juiz fala pela sociedade investido por ela da autoridade

puacuteblica para assujeitar ao estatuto da lei Nietzsche fala por paraacutebolas e pela boca

de seu personagem Zaratustra as pessoas natildeo entendem o que ele fala como

salvar Nietzsche de sua condenaccedilatildeo Como tiraacute-lo das sombras Eacute preciso

denunciar que esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo

fornecidos por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios27 o que natildeo permite nem

sequer alegar a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria

com base num atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores

querem impingir Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de

uma longa histoacuteria de estelionatos cometidos contra Nietzsche

25 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 62

26 Nietzsche certamente se sentiria lisonjeado vendo-se considerado louco ele que sublinhou opapel da loucura nas grandes revoluccedilotildees espirituais (em Aurora) e que se propunha iniciar a maiordelas p 134 Cf posfaacutecio de Paulo Ceacutesar de Souza In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Eccehomo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia dasLetras 1995

27 A propoacutesito escreve Carlos Henrique de Escobar organizador de Por que Nietzsche ldquose justificanatildeo apenas como mais um dos renascimentos filosoacuteficos deste pensador Mas na tentativa agoraradical (Deleuze Klossowski Lyotard Colli e Montinari) de assegurar a pureza e a forccedila de seupensamento De restituiacute-lo das ldquoleiturasrdquo apropriadoras que as filosofias mesmas que ele combateu(platonismos cristianismos hegelianismos direitismos de todos os tipos etc) tecircm sustentado arespeito da sua filosofia desde o ldquosurtordquo de Turim ateacute os nossos diasrdquo p 7

9

Eacute preciso advogar o seu pensamento sem fundamentalismo tiacutepico das

seitas dos grupos dos partidos fundamentalismo que cria iacutedolos e alccedilar

Nietzsche a condiccedilatildeo de iacutedolo seria uma contradiccedilatildeo performativa ao seu proacuteprio

compromisso filosoacutefico de destruiacute-los isso seria condenaacute-lo de antematildeo e o

reconhecimento da falecircncia do empreendimento da defesa antes de comeccedilar

Para aleacutem dos fundamentalismos cabe advogar o pensamento de Nietzsche

como exerciacutecio argumentativo de combate agraves pretensotildees sustentadas por aqueles

que baniram Nietzsche das academias seja voluntariamente ou

involuntariamente ao privilegiar o pensamento sistemaacutetico metafiacutesico dialeacutetico (e

jaacute me disseram que a dialeacutetica resolveu todos os problemas da histoacuteria da

filosofia) e o proacuteprio estatuto de filoacutesofo eacute questionado sobre Nietzsche talvez ele

mesmo natildeo seja um filoacutesofo como informa Deleuze28 Eacute preciso apanhar a forccedila e

a intensidade de Nietzsche para inverter os argumentos de acusado passar para

acusador inverter os papeacuteis se Nietzsche foi condenado e banido do Direito como

pensador do Poder cabe restituir o seu lugar ou abrir forccedilosamente um lugar

mesmo que isso custe o reconhecimento das fraturas e as (in)suficiecircncias do

discurso juriacutedico Para o empreendimento de defesa de Nietzsche seratildeo

convocados testemunhas de defesa os seus leitores os seus comentadores

claacutessicos e mais atuais mesmo que com testemunhos oferecidos em diferentes

situaccedilotildees (lugares e compreensotildees) trata-se fazecirc-los convergir como

instrumentos de prova desse Nietzsche como filoacutesofo do Poder e estudioso do

Direito

O desafio natildeo eacute simples e ainda natildeo sou advogado sou bacharel mas

que seja uma tentativa que seja esse trabalho apenas um grito Pela liberdade

Daquele que estaacute no cadafalso dos autores malditos daquele que eacute deixado para

traacutes como sombra e poeira ou pior daquele que eacute lido indiretamente que soacute se

ouve falar pela boca dos outros e que tem seu legado expropriado para servir

28 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

10

como discurso ineacutedito e a gloacuteria alheia29 Natildeo se trata de devolver meacuterito ao

Nietzsche mas de um exerciacutecio de petulacircncia e inconformismo ao modo como as

coisas foram ditas ateacute entatildeo sobre ele e contra ele e ainda uma denuacutencia sobre o

que se calou

Enfim romper o silecircncio o que requer arriscar a proacutepria cabeccedila natildeo soacute

pela escolha de uma pergunta e natildeo de um tema para a monografia de conclusatildeo

de curso de Direito natildeo soacute pela recusa do recorte metodoloacutegico positivista e

tambeacutem pela escolha de um autor como Nietzsche e natildeo os velhos cacircnones

juriacutedicos vocecirc iraacute fazer uma tese de doutorado Natildeo farei meu exerciacutecio de

ldquotirociacutenio juriacutedico me arranjando nos meios limites como conseguir mesmo que

seja soacute um grito natildeo uma tese natildeo uma conclusatildeo Trabalhar como advogado de

Nietzsche exige se colocar a deriva dialogando com a sua proacutepria subjetividade

ldquofiacutesica da paixatildeordquo testando na sua proacutepria carne vivendo a experiecircncia de si

ousar o nomadismo a viagem dentro e fora que eacute intertransdisciplinar afinal

argumentos onde os achar

Nietzsche eacute um dos ldquobens quase universaisrdquo do traacutegico e sua constantepulsaccedilatildeo para aleacutem das ordens das disciplinas e dos sentidosSuaforccedila eacute manter-se veneno e resistir agraves perlaboraccedilotildees (muacuteltiplas eeficazes) da produccedilatildeo e reproduccedilatildeo Nietzsche eacute sempre agora eoacuterfatildeoTudo isso enfim que me impede de ler Nietzscheldquometodologicamenterdquo como jaacute disse como se coubesse situa-lo naseacuterie diferenccedilas multiplicidades perspectivismos afirmaccedilotildeesNatildeocertamente Nietzsche natildeo faz parte da ldquofilosofiardquo ndash ele pertence aosmateriais do pensamento ndash e eacute preciso hoje que aqueles que seaproximam de Nietzsche o saibam E pensamento aqui materiais dopensamento como uma fiacutesica da paixatildeo (o que vai por nossa conta)Cf ESCOBAR sano p 75-76)

Eacute preciso ir fora mesmo permanecendo dentro30 eacute preciso confundir os

censores fazer passar por monografia uma defesa ou fazer da defesa a proacutepria

29 Significa que talvez aquilo que o direito apanha de Foucault dos pensadores da Escola deFrankfurt como Benjamin e agora de Agamben natildeo seja original deles mas de Nietzsche e estenatildeo eacute lido de forma alguma

30 O nocircmade natildeo eacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetio viagens emintensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeo os que se movem agrave maneira dosmigrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeo se movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar nomesmo lugar escapando aos coacutedigos Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 17

11

monografia um trabalho subterracircneo para defender esse psicoacutelogo das

profundezas Quiccedilaacute todo esse esforccedilo seja apenas a minha justificativa de Por

que ler Nietzsche no Direito

Para comeccedilar a articular uma defesa de Nietzsche no Direito como

estudioso das relaccedilotildees de poder algueacutem que as interroga que levanta a potecircncia

da questatildeo eacute importante primeiro demonstrar o que se trata o anuacutencio da ldquomorte

de Deusrdquo contra aqueles que o acusam de ateiacutesmo de ser herege eacute importante

demonstrar que essa eacute a maior demonstraccedilatildeo de feacute possiacutevel porque Nietzsche

critica os aspectos ciacutenicos da Igreja jaacute que sua criacutetica eacute um ataque agraves instituiccedilotildees

e ao Poder que elas sustentam mas a sua criacutetica natildeo eacute apenas negativa ela

tambeacutem positiva Nietzsche quer que dos escombros surja alguma coisa A ldquomorte

de Deusrdquo eacute a morte do ldquoesclarecimentordquo do projeto da Modernidade suas

promessas seus universalismos Eacute preciso apontar a ousadia de sua criacutetica

quando a Europa vivia o comeccedilo dos nacionalismos a crenccedila no projeto kantiano

e hegeliano de filosofia o que inclui os movimentos poliacuteticos de entatildeo o

marxismo o anarquismo etc demonstrar nessa primeira etapa o Nietzsche criacutetico

da Modernidade se faz para apontar a sua forccedila poliacutetica daquele que recusa os

engajamentos partidaacuterios para um outro tipo Ao resgatar a criacutetica nietzscheana

da Modernidade mesmo que se amparando na voz de suas testemunhas seus

leitores claacutessicos o que se faz eacute lembrar ao Direito a virulecircncia de seus ataques

que satildeo ao Poder representado tambeacutem pelo Direito e suas mitologias os ideais

sagrados que lhe fornecem legitimidade

Eacute o momento estrateacutegico para desmistificar as leituras apoliacuteticas de seu

pensamento tambeacutem Falar da ldquomorte de Deusrdquo eacute tocar o problema do niilismo os

outros grandes temas nietzscheanos satildeo a vontade de poder a genealogia o

eterno retorno e a transvaloraccedilatildeo dos valores31 todos eles exigiriam um trabalho

soacute para eles ainda mais numa loacutegica do ldquorecorterdquo acadecircmico desde logo esse

trabalho natildeo eacute um recorte natildeo irei esquartejar ou ldquodespostejarrdquo aquele que estou

a defender ldquoNietzscherdquo

31 A ldquotransvaloraccedilatildeo dos valoresrdquo eacute traduzida ainda como ldquotransmutaccedilatildeordquo ou na traduccedilatildeo de PauloCeacutesar de Souza como ldquotresvaloraccedilatildeordquo

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Trata-se de defendecirc-lo sem ldquorecortesrdquo ateacute porque nessas condiccedilotildees

qualquer recorte seria arbitraacuterio e criminoso isso exige que o empreendimento

deste trabalho se decirc como passagem pelos temas nietzscheanos natildeo para ficar

neles mas para atravessaacute-los esse eacute o movimento de leitura de Nietzsche que se

daacute em movimento de signos eacute o texto que anda nocircmade para iniciar a segunda

etapa da estrateacutegia deste trabalho que eacute a criacutetica da linguagem do Direito como

criacutetica ao Poder por traacutes dos conceitos se esconde uma moral A qual conduz o

direito a seu ocaso ao crepuacutesculo de suas verdades32 e o jogo consiste em

quantas dinamites satildeo necessaacuterias para explodir o fundamento de onde surgem

os valores na busca de uma possiacutevel aurora ao direito O que interessa eacute fazer a

apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem33 enquanto jogo de intensidades que

corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe outro sentido uma hermenecircutica do

fragmento para colar se deve usar a tinta pessoal seria o sangue o proacuteprio Ou

para natildeo assustar os jurados que se use a metaacutefora daquele que trabalha um

mosaico cortando e recortando revistas jornais e com o uso de cola pincel e

tinta vai sujar os proacuteprios dedos na atividade e que assim seja pois se implica no

que faz haacute um comprometimento eacutetico no sentido niezstcheano com a

bricolagem como empreendimento de uma vontade de poder que agenciou-se

das peccedilas eacute como uma fabriqueta de bombas que se deve compreender essa

bricolagem que fornece recursos criativos para novas explosotildees com um tipo de

dinamite que natildeo se perde ao estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser banido e

nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que ldquoseu

pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente nos

aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito certamente

32 Eacute uma alusatildeo agrave obra ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo de Nietzsche e tambeacutem a sua criacutetica a ldquovontadede verdaderdquo tiacutepica da racionalidade moderna

33 A bricolagem eacute enunciada por Levi-Strauss no seu Pensamento Selvagem acerca do trabalhodo mitopoeacutetico em que tudo pode sempre servir A sua presenccedila no trabalho um estruturalistaquer significar a ruptura com a leitura metodoloacutegica de Nietzsche que o compreende dentro deuma corrente ou ldquotimerdquo natildeo se trata de reforccedilar a imagem de Nietzsche poacutes-moderno poacutes-estruturalista mas de utilizar-se das mais variadas saiacutedas argumentativas para defenderNietzsche para aleacutem de bem e mal para aleacutem dos ldquotimesrdquo

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natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquo34 aponta

Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos o acusam e

o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lo mesmo ao

custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deve ser

problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso que natildeo

iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre35 iraacute rir do carrasco que lecirc as

acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria a

condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute ainda

motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacute

ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho a loacutegica natildeo seraacute a do que foi citado muita

coisa se deixou de citar mas natildeo deixaram de influenciar a escrita deste trabalho

por isso seratildeo referenciadas tambeacutem jaacute que o ldquorizomardquo eacute algo que se ramifica

para fora da ldquomoldurardquo Este trabalho precisa ser superado tambeacutem entatildeo

conteraacute referecircncias que fornece caminhos para ir aleacutem A constituiccedilatildeo dele eacute por

platocircs os quais podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico

Quem foi Nietzsche Breviaacuterio de acusaccedilotildees

Nietzsche ldquoo loucordquo ldquoo nazistardquo ldquoo anarquistardquo ldquoo apoliacuteticordquo ldquoo heregerdquo ldquoo

idealista romacircnticordquo ldquoo filoacutesofo da literaturardquo ldquoo metafiacutesicordquo ldquoo intelectual da

burguesiardquo ldquoo irracionalistardquo entre outras acusaccedilotildees talvez poucos tenham

34 ldquoOs que lecircem Nietzsche sem rir e sem rir muito sem rir frequentemente e agraves vezes com um risolouco eacute como se natildeo lessem Nietzscherdquo p 15 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

35 Ambos iratildeo se converter ao cristianismo no final da vida O que eacute bastante curioso no caso deSartre que se notabilizou como um dos expoentes do existencialismo ateu

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recebido tantas e tatildeo diacutespares acusaccedilotildees como Nietzsche o que torna urgente a

tarefa de uma leitura cuidadosa de seus escritos a do bom filoacutelogo que deve

prestar atenccedilatildeo nos sentidos muacuteltiplos das palavras dos neologismos e da

paroacutedia o primeiro desafio eacute o da linguagem para isso eacute preciso ldquoruminarrdquo o

proacuteprio Nietzsche nos fala36 Tantas e tatildeo distantes acusaccedilotildees quiccedilaacute resultado da

audaacutecia desse pensador que ousou derrubar iacutedolos mobilizando a criacutetica para

diferentes acircngulos certamente muitos foram os que se sentiram atingidos pelo

seu perspectivismo a reaccedilatildeo eacute cada um a seu modo dar uma satisfaccedilatildeo aos

seus pares acusando Nietzsche de alguma coisa sempre a convir com sua opccedilatildeo

ideoloacutegica e teoacuterica a fim de defender a sua posiccedilatildeo melhor o seu dogma37 a sua

confraria assim involuntariamente contribuiacuteram para criar a figura de Nietzsche

como um ldquoinimigordquo a ser exorcizado e banido de algum modo mesmo ao custo de

uma apropriaccedilatildeo tentando apanhaacute-lo de algum modo enjaulaacute-lo condenaacute-lo ao

ostracismo acadecircmico Enfim tantas acusaccedilotildees e condenaccedilotildees ao inveacutes de

conseguirem seu intento destruir o pensamento Nietzsche enredando-o nas

malhas de seus julgamentos acabou por fortalececirc-lo mas como O

transformaram no ldquoinimigordquo de quase todas as confrarias Seraacute que ele estava

certo ao dizer que aquilo que natildeo o matava o fortalecia De qualquer modo natildeo

comecemos o estudo do Caso Nietzsche sem antes fazer um breviaacuterio de suas

acusaccedilotildees passemos pelas imputaccedilotildees e responsabilizaccedilotildees que seu

pensamento recebeu E assim voltar agrave pergunta Quem foi Nietzsche

Ele foi um ldquoloucordquo

Em janeiro de 1889 aos 44 anos de idade o pensador que escrevia por

aforismas abraccedila um cavalo que estava sendo chicoteado pelo seu dono a cidade

36 ldquoEacute certo que praticar desse modo a leitura como arte faz-se preciso algo que precisamente emnossos dias estaacute bem esquecido ndash e que exigiraacute tempo ateacute que minhas obras sejam ldquolegiacuteveisrdquo - para o qual eacute imprescindiacutevel ser quase uma vaca e natildeo um ldquohomem modernordquo o ruminarrdquo p 14-15 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998

37 Vale nota para a pretensatildeo de criar conceitos ontoloacutegicos tiacutepica da racionalidade moderna Eainda sobre as acusaccedilotildees serve a loacutegica freudiana de que se impotildee algo ao outro para excluiacute-lona tentativa de ignorar aquilo que natildeo quer ver em si proacuteprio

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era Turim na Itaacutelia Nietzsche voltando a sua hospedagem desanda a escrever

cartas para as poucas pessoas que conheciam e lhe davam atenccedilatildeo seus livros

natildeo vendiam vivia aqui e ali de favores e de uma pequena quantia que recebia de

sua aposentadoria da caacutetedra de filologia na Basileacuteia a qual abandonou por

problemas de sauacutede principalmente de visatildeo dores de cabeccedila que sempre o

acompanharam desde a juventude Em suas cartas assina com nomes diferentes

assumindo muacuteltiplas identidades Os que recebem os bilhetes se assustam e

quando chega algueacutem onde ele estaacute encontra um Nietzsche mergulhado no

silecircncio emitindo sons inaudiacuteveis Levado a uma cliacutenica para tratamento eacute

internado deixado em quarto fechado os depoimentos satildeo os de que Nietzsche a

noite uivava como um lobo38 o diagnoacutestico meacutedico da eacutepoca eacute a de que o seu

estado eacute degenerativo eacute a ldquoloucurardquo Em casa cuidado a princiacutepio por sua matildee

enquanto permanecia imoacutevel sentado olhando o horizonte infinito agraves vezes

gritava para silenciar novamente como as vagas do mar ningueacutem nunca mais

soube o que se passava com ele o que pensava o que queria era um homem

abandonado aos cuidados dos outros deixado numa cama vai servir de espeacutecime

para a exibiccedilatildeo dos curiosos39 muitos queriam saber quem era o ldquoloucordquo

Nietzsche E quem cobrava o ingresso desses visitantes era a proacutepria irmatilde dele a

Sra Elisabeth quem ldquocuidaraacuterdquo do espoacutelio intelectual do irmatildeo e vai administrar de

um modo muito peculiar ela era alinhada que com os ideais anti-semitas e

simpatizante do nazismo

Muito provaacutevel mas natildeo certo eacute a hipoacutetese de que Nietzsche tenha

contraiacutedo siacutefilis na juventude numa saiacuteda pelos bordeacuteis da antiga Pruacutessia40

quando cumpriu serviccedilo militar obrigatoacuterio e que o seu colapso tenha sido a

38 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

39 ldquoNa Villa Silberblick em Weimar onde desde 1897 ficava o Arquivo Nietzsche a irmatilde mandarainstalar um estrado onde se apresentava ao puacuteblico como maacutertir do espiacuterito um Nietzsche absortoem si mesmo A irmatilde era suficientemente wagneriana para conseguir extrair efeitos sublimes earrepiantes do destino do irmatildeo p 291-292 Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia deuma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 200540 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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manifestaccedilatildeo avanccedilada da doenccedila a qual jaacute vinha afetando o seu organismo

provocando algumas interrupccedilotildees na sua produccedilatildeo intelectual como atestam

algumas de suas cartas Se a sua obra estaacute contaminada pela ldquoloucurardquo ou que

ele a tenha produzido ela sob o efeito de narcoacuteticos alguns o acusam de usar

haxixe para aplacar as dores terriacuteveis de cabeccedila ao passo que outros afirmam

que Nietzsche sequer bebia aacutelcool e ainda natildeo recomendava que se bebesse

cafeacute para natildeo obscurecer o espiacuterito (isso o proacuteprio Nietzsche fala no Ecce

homo41) os bioacutegrafos e comentadores de Nietzsche natildeo chegam nunca ao

consenso mas ao que se sabe Nietzsche apaixonou-se por uma jovem russa de

20 anos chamada Lou Salomeacute a mesma que mais tarde iraacute se envolver com o

poeta Rainer Maria Rilke e tambeacutem se corresponderaacute com Freud Ela mesma iraacute

escrever um livro sobre o Nietzsche que conheceu Todavia Lou transformou-se

numa grande decepccedilatildeo para Nietzsche que ao pedi-la duas vezes em casamento

e recebendo a recusa tentou na uacuteltima o suiciacutedio com a ingestatildeo de remeacutedios

ficou muito mal mas natildeo morreu ao que parece o que natildeo lhe matava o

fortalecia42 Tomado de um ecircxtase criativo em 10 dias Nietzsche iraacute escrever a

primeira parte de o Assim falou Zaratustra E natildeo iraacute parar mais de escrever a sua

uacuteltima obra vai ser a sua confissatildeo autobiograacutefica Ecce homo ou como se tornar

aquilo que se eacute E o colapso deixaraacute a reticecircncia como o final de sua escrita em

nomes muacuteltiplos imagens diacutespares tantas como as acusaccedilotildees que receberaacute Se

Nietzsche vivia em estado depressivo e de ldquobipolaridaderdquo com alteraccedilotildees de

humor como vai descrever Lou em seu livro o que suscitaraacute as interpretaccedilotildees

daqueles que vatildeo apontar que se Nietzsche tivesse conhecido Freud este o teria

curado isso jaacute rendeu um best-seller43 mas tatildeo estreita eacute essa visatildeo ou mais essa

imputaccedilatildeo ao Nietzsche como ldquodoenterdquo que vai expor Foucault que Freud teria

41 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

42 Cf HALEacuteVY ibidem

43 Trata-se do livro ldquoquando nietzsche chorourdquo de Irvin Yarlon que jaacute rendeu um filme homocircnimo Eacutepreciso criticar essa obra como uma ficccedilatildeo que confunde aqueles que natildeo conhecem os textos deNietzsche e sua biografia aleacutem de explorar o contato de Nietzsche com Freud e a psicanaacutelise quenunca houve tambeacutem aponta para um Nietzsche amargurado e ressentido o que depotildeeprofundamente contra a sua filosofia da afirmaccedilatildeo da vida

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rechaccedilado essa hipoacutetese curar Nietzsche de que Esse eacute um assunto que

alimenta outras polecircmicas sobre o silecircncio que Freud guardou de Nietzsche natildeo

o mencionando nem sequer em cartas enquanto eacute sabido que conhecia o

pensamento dele e mais ainda a mulher que o levou ao desespero44 Segundo

Paulo Ceacutesar de Souza45

Em 1908 numa das reuniotildees semanas da pequena SociedadePsicanaliacutetica de Viena na casa do dr Sigmund Freud o tema propostopara discussatildeo foi Ecce homo Durante a reuniatildeo ndash que tratou sobretudodo ldquocasordquo Nietzsche natildeo de suas ideacuteias ndash Freud fez trecircs observaccedilotildees deinteresse Disse que o livro natildeo podia ser desconsiderado como produtode insacircnia porque nele se preservava o domiacutenio da forma Disse queningueacutem havia antes alcanccedilado e dificilmente algueacutem tornaria aalcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo alcanccedilado por Nietzsche devido agravesemelhanccedila entre as percepccedilotildees do filoacutesofo e as investigaccedilotildees dapsicanaacutelise (evitava-o para preservar a independecircncia de espiacuterito) edevido agrave riqueza de ideacuteias daquelas obras que o impedia de ler maisque metade de uma paacutegina ()

Curiosamente Nietzsche no Aleacutem de Bem e Mal no aforisma 23 iraacute

proclamar a psicologia como rainha das ciecircncias e se dizer um psicoacutelogo das

profundezas (talvez influenciado pela obra de Dostoieacutevski memoacuterias do subsolo)

Eacute preciso descer ateacute o inconsciente Freud sabia que Nietzschetrabalhara aplicadamente nisso antes dele Em sua autobiografia eleescreve que por muito tempo evitara os textos de Nietzsche porquemuitas vezes as ideacuteias e intuiccedilotildees deste () coincidiamespantosamente com os laboriosos resultados da psicanaacutelise Porquequeria alcanccedilar reputaccedilatildeo cientiacutefica ateacute entre as ciecircncias naturais apsicanaacutelise reprimiu ser cerne esteacutetico-nietzschiano Isso significava natildeo

44 Ramnoux pergunta a Foucault ldquoA partir de 1910 Freud encetou relaccedilotildees com Lou Salomeacute semduacutevida fez um ensaio ou uma anaacutelise didaacutetica de Lou Salomeacute Portanto devia existir atraveacutes deLou Salomeacute uma espeacutecie de relaccedilatildeo meacutedica entre Freud e Nietzsche Poreacutem Freud natildeo podiafalar dela O que acontece de fato eacute que tudo o que Lou Salomeacute publicou depois no fundo fazparte de sua anaacutelise interminaacutevel Haveria que entendecirc-lo nesta perspectiva Prosseguindoencontramos no livro de Freud Moiseacutes e o Monoteiacutesmo onde haacute uma espeacutecie de diaacutelogo entreFreud e o Nietzsche da Genealogia da Moral Como pode observar exponho vaacuterios problemassabe vocecirc algo mais Responde Foucault ldquoNatildeo rigorosamente natildeo sei mais nada Com efeitosurpreendeu-me o estranho silecircncio agrave parte uma ou duas frases de Freud sobre Nietzscheinclusive na sua correspondecircncia Isto eacute algo de verdadeiramente enigmaacutetico A explicaccedilatildeo pelaanaacutelise de Lou Salomeacute eacute de fato de que natildeo poderia dizer maisrdquo Cf p 39-40 Debate doColoacutequio do Royaumont In FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud eMarx Paris 197545 Posfaacutecio de Ecce homo p 133 In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutemse torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

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se queria admitir que nessas teorias sobre a alma havia em jogo maisinventar do que encontrar O proacuteprio Nietzsche jamais duvidara dissopara ele a vontade de saber - natildeo soacute na investigaccedilatildeo da alma - ligava-sesempre agrave forccedila imaginativa A comunidade psicanaliacutetica estimulada porNietzsche no comeccedilo manteve distacircncia dele para sua proacutepria grandedesvantagem Nietzsche tinha a intuiccedilatildeo e sobretudo a linguagem para oaltamente diferenciado processo pulsional na fronteira do inconscienteCf SAFRANSKI 2005 p 295-296)

O expediente da ldquofisio-psicologiardquo nietzscheana em sua estrateacutegia

genealoacutegica eacute o de colocar em duacutevida o valor dos valores ou o proacuteprio

fundamento dos valores cabe assim das imputaccedilotildees ldquoo loucordquo ldquoo doenterdquo ldquoo

toxicocircmanordquo fazer a pergunta sobre a origem desses conceitos e a de quem

acusa Devolver a imputaccedilatildeo como questatildeo aos acusadores A ldquoloucurardquo eacute mais

um conceito inventado como os demais para apanhar a subjetividade no controle

incitando uma possiacutevel cura sinalizando a ldquonormalidaderdquo como regra diria

Foucault46 Julgar a sanidade na produccedilatildeo filosoacutefica de um autor eacute para natildeo

cometer injusticcedila a tarefa de submeter toda a histoacuteria da filosofia ao mesmo

exame cliacutenico da ldquonormalidaderdquo daqueles que julgam aiacute quem satildeo os ldquoloucosrdquo e

os ldquoluacutecidosrdquo quem deteacutem a luz para julgar Talvez seja preciso desconfiar dos

acusadores antes de fazer o estudo das imputaccedilotildees que dirigem a Nietzsche

Incluindo os responsaacuteveis pelas acusaccedilotildees mais rasteiras como a do Nietzsche

zooacutefilo pois teria um amor excessivo pelos animais o que o motivou a agarrar-

se ao cavalo em Turim assim tentam buscar respostas alguns acusadores mais

inescrupulosos Quiccedilaacute eles busquem em Nietzsche uma justificativa ilustre para a

sua proacutepria zoofilia ou agem com a maacute-feacute dos estelionataacuterios Nietzsche natildeo

era defensor dos animais como se sabe que Schopenhauer o foi mas comparava

o homem a um animal47

Nesse sentido eacute possiacutevel ler o episoacutedio de Turim48 como o momento em

46 Segundo Roberto Machado no seu prefaacutecio ldquopor uma genealogia do poderrdquo ldquoeacute o hospiacutecio queproduz o louco como doente mental para Foucault personagem individualizadordquo Cf p 19 InFOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 197947 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 p 1948 A 3 de janeiro de 1889 Nietzsche sai de casa Na Piazza Carlo Alberto observa um cocheirobater em seu cavalo Nietzsche se joga no pescoccedilo do animal chorando para o proteger p 289

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que um animal chicoteava outro sendo este o cavalo que carrega nas costas o

ocircnus do trabalho que soacute daacute lucro para o ldquoanimal chicoteadorrdquo que age no miacutenimo

com bastante ingratidatildeo (em Assim Falava Zaratustra Nietzsche fala das trecircs

transmutaccedilotildees de que para superar o homem proacuteximo ao animal eacute preciso que

saiba antes ser um carregador o exemplo dado eacute o do camelo que carrega o

peso dos valores estabelecidos somente aprendendo e conhecendo o ofiacutecio do

carregador pode o homem atravessar a ponte que o separa do aleacutem-do-

homem49) O cavalo por ser um carregador aleacutem de suportar sua condiccedilatildeo de

animal ferramenta de transporte ainda carrega os outros mesmo o chicoteador

que se julga muito superior a ele e que sendo o seu dono leva todo o lucro do seu

ofiacutecio de carregador devolvendo o chicote como pagamento Nietzsche ao

caminhar pelas ruas de Turim vecirc a cena e se potildee na frente do chicoteador que se

vecirc obrigado a interromper o castigo ao animal Natildeo se trata de piedade ou de

amor excessivo zooacutefilo como querem acreditar os compassivos e os verdadeiros

zooacutefilos que acusam querendo trazer o filoacutesofo para o seu time entrar na

frente do supliciador de matildeos nuas foi um ato de coragem e o modo encontrado

para tomar parte naquela luta em que um animal chicoteava o outro de modo

bastante covarde sendo o outro mais forte e mais pesado soacute podia estar

amarrado e preso pois apanhava sem poder fugir Nietzsche interveacutem natildeo para

impedir nada compassivamente mas para lutar ao lado de um nobre

carregador contra o animal chicoteador natildeo eacute defesa de animais que se fala

mas de lutar ao lado de um companheiro (Zaratustra tinha apenas dois

companheiros que lhe seguiam natildeo sendo seus disciacutepulos era a aacuteguia e a

serpente50) eacute assim que Nietzsche luta pondo-se a frente com o que tem no

momento o proacuteprio corpo correndo o risco de apanhar tambeacutem e de perecer

como seu companheiro animal carregador O colapso de Turim eacute como

Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo PauloGeraccedilatildeo Editorial 200549 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p 51-53

50 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

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descrevem esse Nietzsche que se agarra ao cavalo como um ato de insanidade

assim julgam esses supostos meacutedicos acusadores ou seriam benzedores da

verdade afinal nem sequer analisaram Nietzsche mas fornecem diagnoacutestico sem

sequer ter tocado no paciente satildeo assim benzedores e curandeiros pois

ministram a medicina da verdade sem os criteacuterios meacutedicos e portanto

deveriam ser denunciados por charlatanismo Jaacute que sem a possibilidade do

exame cliacutenico do paciente para se falar de Nietzsche e levantar hipoacuteteses sobre

ele antes deveriam os acusadores travestidos de meacutedicos ao menos ter lido o

que ele escreveu

Esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo fornecidos

por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios o que natildeo permite nem sequer alegar

a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria com base num

atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores querem impingir

Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de uma longa histoacuteria

de estelionatos cometidos contra Nietzsche

Ele foi um intelectual do nazismo

Mais adequado seja dizer que Nietzsche foi apropriado pelo nazismo

trazido para as malhas vestiram nele a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees

ideoloacutegicas e quem fez esse favor ao movimento nacional-socialista foi a proacutepria

irmatilde de Nietzsche a Sra Elisabeth Pouco antes de voltar a Europa e encontrar o

irmatildeo ldquodoenterdquo teria empreendido viagem com o cunhado de Nietzsche para o

Paraguai com o fim de fundar uma colocircnia chamada Nova Germacircnia a qual teria

por objetivo propagar o ideaacuterio do movimento nacional-socialista e tambeacutem o anti-

semitismo contudo o empreendimento natildeo daacute certo o cunhado de Nietzsche iraacute

se suicidar e Elisabeth viuacuteva voltaraacute para ldquocuidarrdquo de Nietzsche51 Ao que se sabe

por cartas eacute que Nietzsche jaacute se incomodava com as maacutes compreensotildees que

faziam do seu pensamento irritava que natildeo o entendessem ou melhor que natildeo o

soubessem ler o que vai motivaacute-lo a escrever no Ecce homo ldquoouccedilam ouccedilam-me

51 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

21

eu sou tal e tal e portanto natildeo me confundamrdquo numa eacutepoca que seus livros natildeo

vendiam chegou a financiar do proacuteprio bolso com seus parcos recursos a

publicaccedilatildeo de um dos livros de seu Zaratustra um intelectual judeu de projeccedilatildeo na

criacutetica literaacuteria o estenderaacute a matildeo eacute Georg Brandes Nietzsche iraacute nutrir profunda

gratidatildeo a esse judeu52 o qual iraacute ajudar na divulgaccedilatildeo do pensamento dele pela

Europa do Norte principalmente

Tambeacutem o anti-semitismo procurou apoio em Nietzsche Sobre esseproblema jaacute se disse quase tudo Eacute inegaacutevel que Nietzsche foi anti-anti-semita porque para ele o anti-semitismo representava figuras odiadascomo seu cunhado Bernhard Foumlster e sua proacutepria irmatilde Ele desprezavaos componentes populares e nacionais alematildees Via no movimento anti-semita dos anos oitenta a rebeliatildeo dos mediacuteocres que injustificadamentebancavam os senhores apenas por se sentirem arianos Diante dessesanti-semitas Nietzsche estava disposto ateacute mesmo a afirmar o valorracial alto dos judeus e defendecirc-lo (Cf SAFRANSKI 2005 p 309)

Tambeacutem assim todos os fragmentos e cartas em que Nietzsche atacava

as pretensotildees anti-semitas e o ideaacuterio da ldquoraccedila arianardquo defendidos pelo nacional-

socialismo seratildeo suprimidos pela Sra Elisabeth que ainda publicaraacute uma obra

que Nietzsche nunca escreveu chamada Vontade de Potecircncia a qual se

constituiraacute de um arranjo arbitraacuterio de fragmentos53 de Nietzsche e ainda outras

partes reescritas por ela com colaboradores seus pares do movimento o que

52 Nietzsche exprime sua gratidatildeo a Georg Brandes de uma maneira bastante reveladora em umacarta em que escreve ldquoTudo o que ainda deveremos a esses senhores judeusrdquo O elogio ao judeuBrandes constituindo de maneira impliacutecita um ataque contra o anti-semitismo em plena ascensatildeono Reichrdquo Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de JaneiroRelume Dumaraacute 1994 p 20

53 Vale nota para o que afirma Deleuze a propoacutesito das falsificaccedilotildees do texto de Nietzsche O queaprendemos antes de tudo neste coloacutequio eacute quanto havia em Nietzsche de coisas escondidasdisfarccediladas Por vaacuterias razotildees Em primeiro lugar por razotildees de ediccedilatildeo Natildeo tanto por haverfalsificaccedilotildees a irmatilde foi o parente abusivo que figura no cortejo dos pensadores malditos poreacutemseus principais danos natildeo constituem a falsificaccedilatildeo dos textos As ediccedilotildees existentes sofrem deleituras mal feitas ou deslocamentos e sobretudo de cortes arbitraacuterios operados na massa denotas poacutestumas A ldquoVontade de potecircnciardquo eacute um exemplo ceacutelebre Pode-se dizer tambeacutem quenenhuma ediccedilatildeo existente mesmo a mais recente satisfaz as exigecircncias criacuteticas e cientiacuteficasnormais Por isso o projeto de Colli e Montinari nos parece tatildeo importante editar enfim as notaspoacutestumas completas apoacutes a cronologia mais rigorosa posiacutevel seguindo periacuteodos quecorrespondem aos livros publicados por Nietzsche Acabaraacute entatildeo a sucessatildeo de um pensamentode 1872 e de outro de 1884 Colli e Montinari quiseram nos explicar seu trabalho a proximidade desua conclusatildeo e noacutes nos regozijamos de que a ediccedilatildeo deles surja tambeacutem em francecircsrdquo p 19Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade dePotecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Riode Janeiro Achiameacute sano

22

faraacute de seu irmatildeo um intelectual do movimento ldquotraraacute honra a famiacuteliardquo a ela que

um dia receberaacute a visita do proacuteprio Hitler nos Arquivos Nietzsche em que daraacute a

ele a bengala do irmatildeo

No comeccedilo da primeira guerra Nietzsche jaacute era tatildeo popular que oZaratustra junto com o Fausto de Goethe e o Novo Testamento foipublicado numa ediccedilatildeo especial para os soldados do front num total decento e cinquumlenta mil exemplares (Cf SAFRANSKI 2005 p 301)

Toda essa fraude soacute seraacute desvendada definitivamente em meados da

deacutecada de 60 do seacuteculo XX pois jaacute se suspeitava de algo estranho com a

chamada ediccedilatildeo criacutetica das obras completas de Nietzsche inclusive dos seus

fragmentos e cartas empreendida pelos dois italianos Colli e Montinari que iratildeo

se empenhar como filoacutelogos no empreendimento de mostrar que ateacute falsificaccedilotildees

de texto e recortes nos escritos e ideacuteias apresentadas por Nietzsche foram feitos

por sua irmatilde e a ldquoequipe de estelionataacuteriosrdquo com o fim de enredar o irmatildeo na

camisa-de-forccedila do movimento deles

Os anti-semitas que Nietzsche desprezava podiam pois utilizar muitobem alguns dos pensamentos dele como estiacutemulo embora a imagem daraccedila senhorial ariana que projetassem natildeo correspondesse agrave imagem denobreza que Nietzsche usava a como ideacuteia diretora Foi o que tambeacutemse observou nos nacional-socialistas Usaram Nietzsche masmultiplicavam-se as vozes que preveniam do espiacuterito livre dele ErnstKrieck um influente filoacutesofo nacional-socialista sentenciou irocircnicoResumindo Nietzsche era um adversaacuterio do socialismo adversaacuterio donacionalismo e adversaacuterio da ideacuteia de raccedila Se omitirmos essas trecircsorientaccedilotildees intelectuais talvez ele tivesse dado um excelente nazista(Cf SAFRANSKI 2005 p 311)

Ele foi um ldquoanarquistardquo

Nietzsche ousou lanccedilar dinamite sobre ldquoiacutedolosrdquo dentre a constelaccedilatildeo

deles haacute tambeacutem o Estado ldquoesse monstro-friordquo54 O estado para Nietzsche natildeo

comeccedila como um contrato55 e sim por um ato de violecircncia de conquista e de

dominaccedilatildeo de um povo nocircmade e com o Estado comeccedilam as coisas ldquoboasrdquo

54 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

55 Idem p 75

23

inventadas para garantir a civilizaccedilatildeo como os governos as leis o Direito e com a

civilizaccedilatildeo o ldquohomem aprende a tapar o nariz diante de si mesmo e a se

envergonhar de suas propensotildeesrdquo56 o comeccedilo de tudo eacute um grande teatro da

mentira para Nietzsche por traacutes de todas essas coisas ldquoboasrdquo haacute muito sangue

derramado muita dor e sofrimento57 Essa leitura de Nietzsche iraacute favorecer a

apropriaccedilatildeo anarquista do seu pensamento Tanto que a primeira recepccedilatildeo que se

tem notiacutecia de Nietzsche no Brasil data do comeccedilo do seacuteculo XX com um grupo

de anarquistas de origem espanhola58

Contribui tambeacutem para essa interpretaccedilatildeo a figura do andarilho no seu

pensamento daquele que estaacute no mundo a proacutepria sorte Nietzsche foi um pouco

assim tambeacutem E ainda recai sobre ele a culpa sobre um suposto ateiacutesmo

militante A imputaccedilatildeo a Nietzsche de ser ldquoanarquistardquo deve ser devolvida aos

acusadores como mais um ldquoestelionato intelectualrdquo que ignora o conteuacutedo dos

seus escritos pervertendo-o afinal nos seus textos tambeacutem fala contra o

ldquoanarquismordquo como mais um iacutedolo a ser derrubado As leituras que acusam

Nietzsche de ldquonazistardquo ldquoanarquistardquo tentam estabelececirc-lo como fundamento

desses ldquomovimentosrdquo que natildeo se movimentam para aleacutem de suas certezas o que

privilegia os fundamentalismos as seitas e a manutenccedilatildeo das confrarias as mais

diacutespares o que deve ser denunciado como um crime de ldquoestelionato intelectualrdquo

pois o proacuteprio pensamento de Nietzsche foi possiacutevel enquanto criacutetica radical dos

fundamentos

Ainda recai sobre Nietzsche a imputaccedilatildeo de ldquoapoliacuteticordquo em um de seus

aforismas escreve ldquoEu sou o uacuteltimo alematildeo apoliacuteticordquo59 mais uma vez parece

56 Ibidem

57 Ibidem

58 Cf MARTON Scarlett Extravagacircncias ensaios sobre a filosofia de Nietzsche Satildeo PauloDiscurso editorial 1999 sp

59 Nietzsche diz isso por ocasiatildeo do nacionalismo do Estado Bismarckiano natildeo quer se sentir partedaquela poliacutetica Por outro lado sou talvez mais alematildeo do que ainda podem ser os alematildees dehoje meros alematildees do Reich ndash eu o uacuteltimo alematildeo antipoliacuteticordquo p 26 Cf SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

24

difiacutecil o empreendimento de defesa de algueacutem que o tempo todo ldquoproduz provas

contra si mesmordquo ldquoEu preferiria ser um bufatildeo a um santordquo (Ecce homo) Mas

tudo isso continua sendo a tentativa de inserir Nietzsche numa malha conceitual a

servir ao ldquomovimentordquo de algueacutem Ao que parece essas apropriaccedilotildees ligeiras de

Nietzsche que se fundam numa raacutepida leitura de seus aforismas tendem a

esquecer a recomendaccedilatildeo de Zaratustra aos seus ldquodisciacutepulosrdquo para natildeo segui-lo

cegamente afinal ldquoZaratustra natildeo quer ser um pastor eacute antes de tudo um

bandido um criminosordquo (Assim falou Zaratustra) Nietzsche natildeo quer ser alccedilado a

condiccedilatildeo de iacutedolo ou liacuteder de uma causa o que faraacute o seu Zaratustra dizer que

prefere companheiros a disciacutepulos que o ldquosigam na condiccedilatildeo de estarem

seguindo a si mesmosrdquo (Assim falou Zaratustra) Essa seria a ldquoapoliacuteticardquo

nietzscheana contra aquilo que se diz ldquopoliacuteticardquo que se sente no direito de se

chamar de ldquopoliacuteticordquo como se julgam ldquonormaisrdquo e ldquoverdadeirosrdquo mais do que os

outros A imputaccedilatildeo de Nietzsche como ldquoapoliacuteticordquo deve ser devolvida aos

acusadores com a pergunta sobre quem satildeo os ldquoseres poliacuteticosrdquo

Ele foi o homem que matou Deus

Essa eacute uma das mais conhecidas imputaccedilotildees a Nietzsche a de ldquoheregerdquo

jaacute pintaram as paredes da Sorbone um dia com a frase ldquoNietzsche matou Deus e

Deus matou Nietzscherdquo Uma das obras capitais de Nietzsche eacute O Anticristo cujo

tiacutetulo jaacute eacute motivo para uma acusaccedilatildeo automaacutetica A leitura de um suposto ateiacutesmo

em seu pensamento demanda a pergunta sobre quem a faz e que interesse tem

nela Com o anuacutencio da ldquomorte de Deusrdquo Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia

ou natildeo de Deus portanto jaacute natildeo se trata de um ldquoateiacutesmordquo ou ldquoceticismordquo afinal

para Nietzsche essa eacute a ldquopostura covarderdquo60 o que Nietzsche constata eacute o

fenocircmeno do niilismo da ausecircncia de valor nos valores absolutos se Deus estaacute

morto natildeo foi Nietzsche quem o matou foi o proacuteprio homem ldquoDeus estaacute morto e

fomos noacutes que o matamos somos assassinos de Deus as Igrejas satildeo tuacutemulos

delerdquo dizia o homem ldquoloucordquo ou seria de acordo com as traduccedilotildees o homem

60 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

25

perturbado por uma torrente de lucidez ou ainda possuiacutedo que fala na Gaia

Ciecircncia no aforisma 125

O louco Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna empleno dia e saiacutea correndo pela praccedila puacuteblica gritando sem cessarldquoProcuro Deus Procuro Deusrdquo Mas como ali havia muitos que natildeoacreditam em Deus o seu grito provocou grande riso ldquoTeraacute se perdidocomo uma crianccedilardquo dizia um ldquoEstaraacute escondido Teraacute medo de noacutesTeraacute viajado Teraacute emigradordquo Assim gritavam e riam todos ao mesmotempo O louco saltou no meio deles e trespassou-os com o olhar ldquoParaonde foi Deusrdquo exclamou eacute o que lhes vou dizer Matamo-lovocecircs eeu Somos noacutes noacutes todos os seus assassinos Mas como dizemosisso Como conseguimos esvaziar o mar Quem nos deu esponja paraapagar o horizonte inteiro O que fizemos quando rompemos com acorrente que ligava esta terra ao Sol Para onde vai ela agora Paraonde vamos noacutes proacuteprios Longe de todos os soacuteis Natildeo estaremosincessantemente caindo Para diante para traacutes para o lado para todosos lados Haveraacute ainda um acima um abaixo Natildeo estaremos errandoatraveacutes de um vazio infinito Natildeo sentiremos na face o sopro do vazioNatildeo faraacute mais frio Natildeo aparecem sempre noites cada vez mais noitesNatildeo seraacute preciso acender os candeeiros logo de manhatilde Natildeo ouvimosainda nada do barulho que fazem os coveiros que encerram DeusAinda natildeo sentimos nada da decomposiccedilatildeo divina Os deuses tambeacutemse decompotildeem Deus morreu Deus continua morto E fomos noacutes que omatamos Como havemos de nos consolar noacutes assassinos entreassassinos O que o mundo possui de mais sagrado e de mais poderosoateacute hoje sangrou sob nosso punhal quem nos haacute de limpar destesangue Que aacutegua nos poderaacute lavar A grandeza deste ato natildeo eacute muitogrande para noacutes Natildeo seraacute preciso que noacutes mesmos nos tornemosdeuses para simplesmente parecermos dignos dela Nunca houve accedilatildeomais grandiosa e quaisquer que sejam aqueles que poderatildeo nascerdepois de noacutes pertenceratildeo por causa dela a uma histoacuteria mais elevadado que ateacute aqui nunca foi qualquer histoacuteriardquo O louco calou-se depois depronunciar estas palavras e voltou a olhar para os seus auditorestambeacutem eles se calaram e o fitavam com espanto Finalmente atirou alanterna no chatildeo de tal modo que se partiu e se apagou ldquoChego cedodemaisrdquo disse ele entatildeo ldquoo meu tempo ainda natildeo chegou Esseacontecimento enorme estaacute ainda a caminho caminha e ainda natildeochegou ao ouvido dos homens O relacircmpago e o raio precisam detempo a luz dos astros precisa de tempo as accedilotildees precisam de tempomesmo quando foram efetuadas para serem vistas e entendidas Estaaccedilatildeo ainda lhes estaacute mais do que as mais distantes constelaccedilotildees eforam eles contudo que a fizeramrdquo Conta-se que nesse mesmo dia estelouco entrou em diversas igrejas e entoou o seu Reacutequiem aeternam DeoExpulso e interrogado teria respondido inalteravelmente a mesma coisaldquoO que satildeo estas igrejas mais do que tuacutemulos e monumentos fuacutenebresde Deusrdquo (Cf NIETZSCHE 2005 p111-112)

Como diraacute Foucault em As Palavras e as Coisas a morte de Deus eacute

tambeacutem a morte de seu assassino

26

Em nossos dias e ainda aiacute Nietzsche indica de longe o ponto deinflexatildeo natildeo eacute tanto a ausecircncia ou a morte de Deus que eacute afirmadamas sim o fim do homem (este tecircnue este imperceptiacutevel desniacutevel esterecuo na forma da identidade que fazem com que a finitude do homemse tenha tornado o seu fim) descobre-se entatildeo que a morte de Deus e ouacuteltimo homem estatildeo vinculados natildeo eacute acaso o uacuteltimo homem queanuncia ter matado Deus colocando assim sua linguagem seupensamento seu riso no espaccedilo do Deus jaacute estaacute morto mas tambeacutem seapresentando como aquele que matou Deus e cuja existecircncia envolve aliberdade e a decisatildeo deste assassiacutenio Assim o uacuteltimo homem eacute aomesmo tempo mais velho e mais novo que a morte de Deus uma vezque matou Deus eacute ele mesmo que deve responder por sua proacutepriafinitude mas uma vez que eacute na morte de Deus que ele fala o que elepensa e existe seu proacuteprio assassinato estaacute condenado a morrerdeuses novos os mesmos jaacute avolumam o Oceano futuro o homem vaidesaparecer Mais que a morte de Deus ou antes no rastro desta mortee segundo uma correlaccedilatildeo profunda com ela o que anuncia opensamento de Nietzsche eacute o fim de seu assassino eacute o esfacelamentodo rosto do homem no riso e o retorno das maacutescaras (FOUCAULT1990 p 402)

Em Assim falou Zaratustra quem matou Deus e o confessa eacute o ldquouacuteltimo

homemrdquo o homem do ressentimento Cabe compreender o anuacutencio da ldquomorte de

Deusrdquo como uma criacutetica da Modernidade ou melhor do projeto do esclarecimento

que coloca a razatildeo no altar da autoridade daquela que diz a ldquoverdaderdquo satildeo as

mitologias da modernidade que iratildeo ocupar o lugar do Deus morto e sepultado

pelas instituiccedilotildees Escreve Roberto Machado em seu Zaratustra trageacutedia

nietzscheana que

Nietzsche natildeo quer provar que Deus natildeo existe como faziam os ateusO que lhe interessa eacute mostrar como e por que surgiu e desapareceu acrenccedila de que haveria um Deus A ldquomorte de Deusrdquo condiccedilatildeopressuposto histoacuterico dos principais temas expostos no Zaratustra eacute aconstataccedilatildeo do niilismo da modernidade eacute o fato de que ldquoa feacute no Deuscristatildeo deixou de ser plausiacutevelrdquo eacute a evidecircncia de que a feacute em Deus queservia de base agrave moral cristatilde se encontra minada de que desapareceuo princiacutepio em que o homem cristatildeo fundou sua existecircncia eacute odiagnoacutestico da ausecircncia cada vez maior de Deus no pensamento e naspraacuteticas do Ocidente moderno Dizer que Deus morreu significa dizercomo faz ldquoo insensatordquo que o homem matou Deus Mas esse homempode ser facilmente identificado eacute o homem moderno o homem reativoldquoo mais feio dos homensrdquo que por natildeo suportar aquele que via toda avergonha e a fealdade ocultou no acircmago de seu ser vingou-se dessatestemunha Eacute o homem moderno o responsaacutevel pela perda daconfianccedila em Deus pela supressatildeo da crenccedila no mundo verdadeirooriginaacuterio da metafiacutesica claacutessica e do cristianismo pela substituiccedilatildeo dateologia pela ciecircncia do sono dogmaacutetico pelo sonho antropoloacutegico doponto de vista de Deus pelo ponto de vista do homem A expressatildeoldquomorte de Deusrdquo eacute a constataccedilatildeo da ruptura que a modernidade introduz

27

na histoacuteria da cultura com o desaparecimento dos valores absolutos dasessecircncias do fundamento divino Significa portanto a substituiccedilatildeo daautoridade de Deus e da Igreja pela autoridade do homem consideradocomo consciecircncia ou razatildeo a substituiccedilatildeo do desejo de eternidade pelosprojetos de futuro de progresso histoacuterico a substituiccedilatildeo de umabeatitude celeste por um bem-estar terrestre (MACHADO 1997 47-48)

A morte de Deus eacute tambeacutem a morte do homem escreve Foucault porque

o homem eacute um conceito inventado pela razatildeo iluminista no altar da ldquoverdaderdquo altar

porque eacute laacute que habitam os valores religiosos e de uma moral do ressentimento

com essa ldquoboardquo invenccedilatildeo seraacute assentado o humanismo e a pretensatildeo de

universalidade os ldquodireitos do homem e do cidadatildeordquo o que Nietzsche pretende eacute

criticar o projeto do esclarecimento o seu conteuacutedo de mentira na pretensa

verdade que sustenta e portanto apontar o homem como assassino de Deus eacute

demonstrar o seu anti-humanismo Aos que imputam ao Nietzsche a condiccedilatildeo de

ldquoheregerdquo ldquoanticristordquo ldquoateurdquo devem ser perguntados sobre que tipo de

ldquohumanismordquo professam ou ainda se natildeo satildeo cuacutemplices desse assassinato

Os autores da chamada Escola de Frankfurt principalmente na obra

Dialeacutetica do Esclarecimento de 1944 escrita por Adorno e Hockeimer no auge da

Segunda Guerra Mundial e republicada na deacutecada de 60 sem modificaccedilotildees

segundo atestam os autores no prefaacutecio61 iratildeo apontar o quanto esse

ldquohumanismordquo moderno conteacutem a semente da barbaacuterie da destruiccedilatildeo da vida do

aniquilamento ou seja conteuacutedo de ldquoanti-humanidaderdquo como apontam na uacuteltima

seccedilatildeo do livro ldquoo anti-semitismordquo Eacute certo que o diagnoacutestico de Nietzsche

contribuiu para essas anaacutelises dos pensadores de Frankfurt Oswaldo Giacoacuteia Jr

no seu Nietzsche amp Para Aleacutem de Bem e Mal escreve que Nietzsche antecipa

61 Frankfurt abril de 1969 (sobre a nova ediccedilatildeo alematilde) ldquoNatildeo nos agarramos sem modificaccedilotildees atudo o que estaacute dito no livro Isso seria incompatiacutevel com uma teoria que atribui agrave verdade umnuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacuterico como algo de imutaacutevel O livro foiredigido num momento em que jaacute se podia enxergar o fim do terror nacional-socialista Mas natildeosatildeo poucas as passagens em que a formulaccedilatildeo natildeo eacute mais adequada agrave realidade atual Quanto agravesalteraccedilotildees fomos muito parcimoniosos que o costume na reediccedilatildeo de livros publicados haacute mais deuma deacutecada Natildeo queriacuteamos retocar o que haviacuteamos escrito nem mesmo as passagensmanifestamente inadequadas Atualizar todo o texto teria significado nada menos do que um novolivrordquo Cfp9-10 In ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do esclarecimentofragmentos filosoacuteficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985

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algumas das conclusotildees dos frankfurtianos62 assim como traz a possibilidade de

Walter Benjamin trabalhar uma histoacuteria a ldquocontrapelordquo63 ou seja uma histoacuteria que

natildeo se daacute pelo progresso de um ldquohumanismordquo evidente ldquoverdadeirordquo ldquouniversalrdquo e

ldquoemancipadorrdquo Eacute nessa direccedilatildeo que Foucault lecirc Nietzsche na deacutecada de 60 o

momento em que ocorre a revisatildeo criacutetica de todas as suas obras comprovando a

fraude realizada pelo ldquomovimentordquo nazi-fascista Infelizmente os pensadores de

Frankfurt ainda leram Nietzsche sob a aacuteurea do ldquoestelionato intelectualrdquo que

sofreu o que demonstra que as falsificaccedilotildees do pensamento foram de tal modo

vulgares e ambiacuteguas que ainda permitiram uma leitura que depunha contra o

totalitarismo tal como a realizada pelos pensadores de Frankfurt que no contexto

de perseguiccedilatildeo Adorno e Horkheimer jaacute tinham imigrado para os EUA enquanto

que Walter Benjamin se suicida com medo de ser pego pelas forccedilas fascistas

basta lembrar tambeacutem que a Dialeacutetica do Esclarecimento natildeo sofreu revisotildees no

texto original muito embora reconheccedilam os autores que ldquoalgumas temaacuteticas ali

mereceriam uma outra leiturardquo Como certamente mereceria uma outra leitura a

conclusatildeo a que chegam nessa obra de que ldquoNietzsche ainda eacute um pensador que

realiza o Esclarecimentordquo ora se o leram enquanto no auge do nazi-fascismo

aquele Nietzsche lido pelo ldquomovimentordquo certamente era o autor que legitimava a

barbaacuterie da razatildeo esclarecida E natildeo o criacutetico mordaz do Esclarecimento que se

conheceraacute melhor depois da deacutecada de 60 Todavia ainda haacute a insistecircncia em

acusar Nietzsche de ldquoateiacutesmordquo de ser ldquometafiacutesicordquo e ateacute ldquomiacutesticordquo jaacute se disse que

Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia ou natildeo de Deus e a recomendaccedilatildeo dos

ateus de deixar ao homem a responsabilidade pela sua proacutepria vida e natildeo a uma

figura transcendente continua para Nietzsche uma ldquometafiacutesicardquo ao final deposita

no homem as esperanccedilas de um futuro melhor ainda haacute no ldquoateiacutesmordquo muito

humanismo

62 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem de bem e mal 2ed Rio de JaneiroJorge Zahar 2005 sp63 ldquoInspirado em Nietzsche e em sua oposiccedilatildeo agrave tirania do real contra as ondas da HistoacuteriaBenjamin propotildee uma histoacuteria a contrapelo para negar o cortejo triunfal onde cada monumento decultura eacute tambeacutem um monumento de barbaacuterierdquo Cf p 133 PEREIRA Luiacutes Fernando LopesDiscurso histoacuterico e direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursosdo direito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

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Coerentemente Nietzsche iraacute dizer que tambeacutem o ldquohomem precisa ser

superadordquo64 e para ele o ldquoateiacutesmordquo e ateacute o ldquoceticismordquo natildeo possuem ainda

coragem de ultrapassar a visatildeo do ldquohomemrdquo esse conceito Novamente se trata

de devolver aos acusadores essas imputaccedilotildees e questionaacute-los sobre o sentido

delas e antes sobre o fundamento delas e deles Albert Camus no seu O homem

revoltado vai dizer que a criacutetica de Nietzsche eacute contra os aspectos ciacutenicos da

Igreja a instituiccedilatildeo que teria traiacutedo os ensinamentos do Cristo por isso

constituindo-se em tuacutemulos de Deus65 O uacuteltimo e uacutenico Cristatildeo foi morto na

cruz escreve em O Anticristo66 ao que parece Nietzsche reconhecia apenas a

figura de Jesus no meio de uma torrente de mal entendidos quanto aos seus

ensinamentos O que daacute margem a quem o acusaraacute de ser ainda um crente ou

um miacutestico Esse aspecto eacute corroborado pela tese de que Nietzsche teria lido

Tolstoi para quem o reino de Deus estaacute em voacutes o autor russo teria no final da

vida abandonado toda a riqueza e a vida confortaacutevel para uma vivecircncia de

mendicacircncia e de andarilho renegando inclusive as obras que lhe deixaram

famoso Ana Karenina e Guerra e Paz Contudo difiacutecil provar embora haja

suspeita porque a biblioteca pessoal do filoacutesofo foi tambeacutem objeto de fraude pela

Sra Elisabeth e sua equipe de estelionataacuterios que desejavam acreditar total

originalidade ao pensamento de Nietzsche retirando possivelmente algumas das

obras que foram lidas e que mais influenciaram a ele dentre elas Tolstoi e

Dostoieacutevski

Mesmo assim falhando no seu empreendimento de ocultar evidecircncias

restou uma carta de Nietzsche em que ele confessaraacute ter lido Dostoieacutevski e se

impressionado com o autor russo que caracterizaraacute como um psicoacutelogo das

profundezas muito embora tambeacutem diga que o autor russo estaacute em contradiccedilatildeo

64 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

65 ldquoSe ele ataca particularmente o cristianismo visa apenas agrave sua moral Por um lado deixasempre intacta a pessoa de Jesus e por outro os aspectos ciacutenicos da Igrejardquo p 89 Cf CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

66 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

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profunda com o pensamento dele67 Sabe-se que Dostoieacutevski ao participar de

movimentos poliacuteticos de matizes ateiacutestas eacute preso e mandado agrave Sibeacuteria em que iraacute

desenvolver uma concepccedilatildeo de feacute pessoal num Deus que natildeo eacute a cristatilde Sabe-se

tambeacutem que curiosamente Tolstoi leu Nietzsche ao menos o Assim falou

Zaratustra e teria apoacutes essa leitura confessado uma certeza sua a de que

Nietzsche estava completamente louco quando o escreveu68 Nietzsche

consideraraacute Jesus um profeta do pacifismo e um idiota69 mas cabe entender

melhor que Jesus eacute esse lido por Nietzsche o proacuteprio conceito de idiota que ele

usa eacute bastante similar ao de Dostoieacutevski na obra O Idiota se trata do ingecircnuo do

pobre de coraccedilatildeo do bonzinho Explorando mais a fundo a perspectiva

nietzscheana de Jesus lecirc-se a obra de Nikos Kazantzaacutekis o escritor grego que se

formou em Direito na Universidade de Atenas e se tornaraacute depois autor de

literatura para quem na obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Jesus natildeo eacute muito

distante de Zaratustra quanto ao seu modo de vida perspectiva essa corroborada

por Albert Camus e tambeacutem por Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche

bufatildeo dos deuses70 Trata-se de um Jesus que eacute refrataacuterio agrave formaccedilatildeo de seitas

que natildeo quer ser cegamente seguido eacute um Jesus de carne e osso natildeo divinizado

e colocado no altar como fizeram os romanos por decreto Eacute antes um homem que

diante da uacuteltima tentaccedilatildeo a vida de rebanho confortaacutevel e feliz aceita o custo

traacutegico de seu sacrifiacutecio na cruz

Cada momento da vida de Cristo eacute um conflito e uma vitoacuteria Ele superouo encanto irresistiacutevel dos simples prazeres humanos superou astentaccedilotildees transubstanciou incessantemente a carne em espiacuterito e seelevou Ao atingir o topo do Goacutelgota ainda galgou a Cruz Mesmo aliporeacutem sua luta natildeo estava terminada A tentaccedilatildeo ndash a uacuteltima tentaccedilatildeo ndashesperava por ele na proacutepria Cruz Diante dos olhos esmorecidos doCrucificado o espiacuterito do Mal num lampejo momentacircneo desdobrou a

67 Cf LAVRIN Janko Nietzsche uma introduccedilatildeo biograacutefica Trad Carlos Neacutelson Coutinho Riode Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1974 sp68 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008 sp69 Cf NIETZCHE O Anticristo ibidem

70 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

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visatildeo ilusoacuteria de uma vida tranquumlila e feliz Pareceu a Cristo que elehavia optado pela estrada amena e sossegada dos homens Casara-see tivera filhos As pessoas o amavam e o respeitavam Agora velhosentado ao portal de sua casa ele sorria com satisfaccedilatildeo quandorecordava os anseios de sua juventude Como fora sensato queesplecircndida decisatildeo tomara ao escolher o caminho dos homens Queinsanidade ter desejado salvar o mundo Que alegria ter escapado dasprivaccedilotildees das torturas da CruzEntretanto Cristo imediatamentesacudiu a cabeccedila com violecircncia abriu os olhos e viuA Tentaccedilatildeo seesforccedilou ateacute o uacuteltimo instante para desvia-lo do caminho e a Tentaccedilatildeofoi subjugada Cristo morreu na Cruz e naquele instante a morte foi parasempre derrotada (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988 p 7-8)

Kazantzaacutekis apresenta o relato de quem sabe o que teraacute que passar e que

tem medo disso e tenta como todo homem evadir-se de seu compromisso mas

continua sempre perturbado pelas visotildees que tem das coisas tal como o homem

louco de a Gaia Ciecircncia 125 possuiacutedo que estaacute pelo anuacutencio que tem que

fazer Zaratustra tambeacutem enfrenta uma uacuteltima tentaccedilatildeo expotildee Nietzsche

Coloco a superaccedilatildeo da compaixatildeo entre as virtudes nobres narreipoeticamente como a ldquoTentaccedilatildeo de Zaratustrardquo um momento em quelhe vem um grito de socorro em que a compaixatildeo busca surpreende-locomo um uacuteltimo pecado subtraiacute-lo de si mesmo Permanecer senhor dasituaccedilatildeo manter a altura de sua tarefa limpa dos impulsos mais baixos emiacuteopes que agem nas chamadas accedilotildees desinteressadas eis a prova auacuteltima prova talvez que um Zaratustra deve prestar ndash sua verdadeirademonstraccedilatildeo de forccedila (Cf NIETZSCHE 2003 p 29)

O Jesus nietzscheano quer companheiros e natildeo disciacutepulos e natildeo quer ser

visto como um pastor guiando ovelhas e sabe que para chegar a ser o que se eacute o

Cristo teraacute que testar na sua proacutepria carne os valores que afirma o que natildeo isenta

os outros de terem de fazer o mesmo O que difere da visatildeo salvacionista

humanista messiacircnica que eacute depositada natildeo sem propoacutesito em seus

ensinamentos vide diaacutelogo Jesus e Paulo presente na obra de Kazantzaacutekis

Eu crio a verdade forjo a verdade com obstinaccedilatildeo anseio e feacute Natildeo meesforccedilo por encontraacute-la Eu mesmo a construo Faccedilo com que seja maisalta do que o homem e assim o homem eacute obrigado a crescer Sequisermos que o mundo seja salvo eacute necessaacuterio (vocecirc estaacute meouvindo) eacute absolutamente necessaacuterio que vocecirc seja crucificado e euvou crucificaacute-lo quer vocecirc queira quer natildeo Pouco se me daacute se vocecircfica aqui sentado neste povoado miseraacutevel fabricando berccedilos cochos efilhos Se quer mesmo saber ordenarei que o ar assuma a sua forma ocorpo a coroa de espinhos os cravos o sangueTudo isso faz parte domecanismo da salvaccedilatildeo Todos os detalhes satildeo indispensaacuteveis E emtodos os cantos da terra inuacutemeros olhos se ergueratildeo e veratildeo vocecirc no

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ar crucificado Choraratildeo e seu pranto lavaraacute de suas almas todo opecado No terceiro dia poreacutem farei com que vocecirc ressurja dos mortospois natildeo haacute salvaccedilatildeo sem ressurreiccedilatildeo O inimigo mais terriacutevel o inimigodefinitivo eacute a morte Eu abolirei a morte Como Fazendo com que vocecircressuscite como Jesus o filho de Deus o Messias mdash Mas natildeo eacuteverdade Vou aparecer e gritar que natildeo fui crucificado que natildeo ressurgidos mortos que natildeo sou DeusPor que estaacute rindo mdash Pode gritar oquanto quiser Natildeo tenho medo de vocecirc Na verdade nem mesmopreciso mais de vocecirc A roda que vocecirc pocircs em movimento jaacute estaacuterodando quem conseguiraacute controla-la Para ser sincero enquanto vocecircestava aiacute falando por um aacutetimo ocorreu-me o desejo de atacaacute-lo eestrangula-lo para evitar que vocecirc por acaso revelasse sua identidadedemonstrando para essa pobre humanidade que nem chegou a sercrucificado Mas logo me acalmei Por que ele natildeo teria o direito degritar perguntei a mim mesmo Os fieacuteis cairatildeo sobre vocecirc e o lanccedilaratildeona pira para morrer queimado por blasfemar mdash Serei seu apoacutestolo quervocecirc queira quer natildeo Construirei a vocecirc e a sua vida seusensinamentos sua crucificaccedilatildeo e sua ressurreiccedilatildeo exatamente conformemeus desejos Natildeo foi Joseacute o carpinteiro de Nazareacute quem o gerou Fuieu Eu Paulo o escriba de Tarso na Siciacutelia (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988p 490-491)

Jesus morre pelo seu anuacutencio e natildeo ldquopara salvar os outrosrdquo morre porque

ousou desafiar as autoridades da eacutepoca os poderes constituiacutedos a propoacutesito

Zaratustra diz ldquoamo aquele que morre pelo seu anuacutencio e que seu proacuteprio

anunciar o leva ao fimrdquo71 Os que acusam Nietzsche de ldquocrenterdquo o fazem por sua

biografia foi realmente um homem de soacutelida formaccedilatildeo religiosa filho de pastores

protestantes e desde jovem lia a biacuteblia foi criado para suceder o pai o qual morre

precocemente o que deixaraacute marcas profundas talvez uma revolta contra o Deus

ldquocastigadorrdquo na juventude escreveraacute um ensaio sobre as origens do mal Todavia

haacute que se acautelar diante de mais essa imputaccedilatildeo chamar Nietzsche de ldquocrenterdquo

eacute ignorar que seus escritos enfrentam justamente o problema da ldquocrenccedilardquo a culpa

a maacute consciecircncia e o ideal asceacutetico engendrados por uma moral que soacute se

sustenta na ldquocrenccedilardquo naquela que se transmite para formar e dominar ldquorebanhosrdquo

e natildeo raro se estabelece nos altares da verdade com iacutedolos de madeira

Agora se ainda insistem em acusar Nietzsche de ldquoprofeta de uma nova

crenccedilardquo eacute preciso que os acusadores antes de ter Nietzsche como artigo sua feacute

releiam a advertecircncia dele em Ecce homo ldquoeu preferiria ser um bufatildeo a um santo

sou disciacutepulo de Dionisordquo Isso ainda fornece material para outras incansaacuteveis

71 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

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tentativas de ldquoestelionatordquo

Ele foi um ldquomiacutesticordquo Um ldquoidealista romacircnticordquo Um ldquonostaacutelgicordquo a querer a volta aomundo grego

Nietzsche escreve numa de suas cartas como teve a visatildeo mais abissal e

terriacutevel de todas a do eterno retorno foi numa de suas caminhadas pelas

montanhas quando parou diante de uma pedra ldquoem forma de piracircmiderdquo

Contarei agora a histoacuteria do Zaratustra A concepccedilatildeo fundamental daobra o pensamento do eterno retorno a mais elevada forma deafirmaccedilatildeo que se pode em absoluto alcanccedilar eacute de agosto de 1881 foilanccedilado em uma paacutegina com o subescrito ldquoseis mil peacutes acima doshomens e do tempordquo Naquele dia eu caminhava pelos bosques perto dolago de Silvaplana detive-me junto a um imponente bloco de pedra emforma de piracircmide pouco distante de Surlei Entatildeo veio-me essepensamento Se poreacutem contarmos para frente a partir daquele dia ateacute oparto suacutebito acontecido nas mais inverossiacutemeis circunstacircncias emfevereiro de 1883 ndash a partir finalfoi concluiacuteda exatamente na horasagrada em que Richard Wagner morria em Veneza - resultam entatildeodezoito meses de gravidez (Cf NIETZSCHE 1995 p 82)

Acusaacute-lo de ldquomiacutesticordquo eacute buscar nele algo de misterioso fantaacutestico Tenta

se fundamentar essa imputaccedilatildeo em outros elementos tais como aquele que

ousou ir mais longe na compreensatildeo das coisas enxergou a ldquomorte de Deusrdquo e o

ldquoeterno retornordquo segue a isso os onze anos em que Nietzsche esteve em silecircncio

ldquomorto de olhos abertosrdquo escreve Escobar no seu Nietzsche dos companheiros72

esse foi o preccedilo que pagou pela ldquodescobertardquo Kazantzaacutekis iraacute escrever uma obra

intitulada ldquoAsceserdquo que resume entre outras algumas de suas proacuteprias

conclusotildees das leituras de Nietzsche elas o trazem para o campo do ldquomiacutesticordquo na

Ascese natildeo eacute Deus que deve salvar o homem mas o contraacuterio o homem que

deve salvar Deus engajando-se na luta Deus natildeo eacute transcendente mas estaacute no

corpo ldquoDeus eacute um labirinto de carnerdquo73 Nesse sentido outro autor da literatura

influenciado por suas leituras de Nietzsche eacute Herman Hesse que escreveraacute entre

72 Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio de Janeiro 7Letras2000 sp73 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo pauloAacutetica 1997 sp

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outras obras Sidatha e O Lobo da Estepe Cabe mencionar tambeacutem Gibran Khalil

Gibran que escreveraacute poemas de beleza e tonalidade ldquomiacutesticardquo com as suas

leituras nietzscheanas destaca-se a sua obra O Profeta e o poema ldquoo loucordquo que

na sua descriccedilatildeo assemelha-se ao aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia ldquoo homem

loucordquo cita-se Gibran Khalil

Perguntais-me como me tornei louco Aconteceu assim Um dia muitotempo antes de muitos deuses terem nascido despertei de um sonoprofundo e notei que todas as minhas maacutescaras tinham sido roubadas ndash assete maacutescaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas ndash ecorri sem maacutescara pelas ruas cheias de gente gritando ldquoLadrotildees ladrotildeesmalditos ladrotildeesrdquo Homens e mulheres riram de mim e alguns correrampara casa com medo de mim E quando cheguei agrave praccedila do mercado umgaroto trepado no telhado de uma casa gritou ldquoEacute um loucordquo Olhei paracima para vecirc-lo O sol beijou pela primeira vez minha face nua Pelaprimeira vez o sol beijava minha face nua e minha alma inflamou-se deamor pelo sol e natildeo desejei mais minhas maacutescaras E como num transegritei ldquoBenditos benditos os ladrotildees que roubaram minhas maacutescarasrdquoAssim me tornei louco E encontrei tanto liberdade como seguranccedila emminha loucura a liberdade da solidatildeo e a seguranccedila de natildeo sercompreendido pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisaem noacutes74

Antes que satisfeitos os acusadores queiram logo condenar Nietzsche no

rol dos pensadores ldquomiacutesticosrdquo ou de que sua filosofia ldquopagatilderdquo traga o geacutermen do

ldquomisticismordquo eacute preciso destacar que essas satildeo leituras de Nietzsche feitas por

outros autores satildeo ainda apropriaccedilotildees de seu pensamento e se acusam

Nietzsche de ldquomiacutesticordquo e de ldquopagatildeordquo eacute porque desejam caracterizaacute-lo dentro de

uma feacute ldquolegiacutetimardquo ou ldquoverdadeirardquo como algueacutem que estaacute fora dela querem com

isso subsiacutedios para a sua condenaccedilatildeo como ldquomalditordquo Ou talvez todo esse

empenho na condenaccedilatildeo ligeira no julgamento preacutevio seja motivado pelo medo

ao pensador que ousou declarar que seu ldquoofiacutecio era derrubar iacutedolosrdquo75 atacando o

problema do fundamento das verdades causando o estremecimento das

ldquocertezasrdquo Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser

banido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que

74 Cf KHALIL GIBRAN Gibran O Louco Trad Mansour Challita Rio de Janeiro AssociaccedilatildeoCultural Internacional Gibran 1977 sp

75 Derrubar iacutedolos (minha palavra para ldquoideaisrdquo) ndash isto sim eacute meu ofiacutecio p 18 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

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ldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente

nos aforismas nietzscheanos76 enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e

ressentidos o acusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por

incriminaacute-lo mesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem

que deve ser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao

cadafalso que natildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do

carrasco que lecirc as acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e

porque mereceria a condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a

sua risada eacute ainda motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de

que ele eacute ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Ao escrever se confessando ldquodisciacutepulo de Dionisordquo77 os acusadores ou

seria melhor dizer detratores de Nietzsche o chamaratildeo de ldquoidealista romacircnticordquo e

de querer um retorno ldquonostaacutelgicordquo ao mundo grego antigo Baseiam-se na leitura

do idealismo alematildeo desde Novalis ateacute Houmlderlin em que a figura de Dioniso

aparece nos pensamentos e poesias da eacutepoca tambeacutem se amparam numa

suposta leitura romacircntica de Nietzsche nos seus primeiros livros ainda

influenciado por Schopenhauer78 e um ldquoromantismordquo wagneriano Novamente os

76 Sarah Kofman diz ldquoLer um filoacutesofo como Nietzsche eacute assistir um espetaacuteculo cocircmico Eacutecompreender que o talento proacuteprio ao lt gecircnio gt filosoacutefico seu talento mais dissimulado eacute umtalento cocircmico A universidade natildeo lhe perdoaraacute jamais ele retira dos filoacutesofos sua seriedade esua senilidade os desembaraccedila de seus vestuaacuterios de conceitos cinzas ele nos faz rirrdquo p 75Alguns motivos deleuzianos por Carlos Henrique de Escobar In ESCOBAR Carlos Henrique(Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

77 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

78 ldquoEle natildeo se deixaraacute arrebatar pela filologia mas pela filosofia no momento em que lhe chegaragraves matildeos a obra de Schopenhauer Em outubro de 1865 ele descobrira num antiquaacuterio de Leipizgos dois volumes de ldquoO mundo como Vontade e Representaccedilatildeordquo comprando e lendo-osimediatamente e depois como relata em suas autobiografias ficou por algum tempo embriagadoo mundo ordenado pela razatildeo pelo sentido histoacuterico e pela moral natildeo era o verdadeiro mundo lia-se ali Atraacutes ou por baixo dele pulsa a verdadeira vida a vontaderdquo p 37 Em Schopenhauer comoEducador Nietzsche descrevera por exemplo suas experiecircncias com Schopenhauer como umajovem alma encontra o princiacutepio baacutesico de seu verdadeiro eu atravessando a fileira de modelos sobcuja influecircncia esteve Uma alma decidida e exaltada descobriraacute o caminho de mais intensidadeCada modelo age como estiacutemulo para si proacuteprio Conduzidos pelos modelos devemos sair de noacutesmesmos para chegar ao cume de nossas possibilidades O verdadeiro eu escreveu Nietzscheaquela vez natildeo eacute encontrado em noacutes mesmos mas por cima de noacutes p 237-238 Cf SAFRANSKIRuumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial2005 Para Nietzsche ldquoa vontade natildeo eacute como quer Schopenhauer uma unidade dinacircmica mas

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ldquoestelionataacuteriosrdquo satildeo ligeiros em recortar a obra de Nietzsche e aproveitando-se

de sua natildeo sistematicidade o encaixam dentro de sua sistematicidade seja na

histoacuteria do romantismo ou a do idealismo nostaacutelgico agem em nome de seus

ldquoiacutedolosrdquo nisso contribuem para a condenaccedilatildeo de um pensador que trabalhou para

derrubar ldquoiacutedolosrdquo ldquoessa a minha palavra para ideaisrdquo79

Eacute sabido que Nietzsche iraacute amadurecer rompendo com o pessimismo

schopenhauriano80 e tambeacutem com o wagnerianismo e ainda que pouco antes de

seu colapso empreenderaacute um trabalho de revisatildeo de suas obras incluindo as que

satildeo utilizadas para fundamentar essas imputaccedilotildees quando escreveraacute prefaacutecios e

tambeacutem o Dioniso nietzscheano natildeo eacute exatamente o deus grego do vinho eacute uma

interpretaccedilatildeo nietzscheana do mito assim como o Zaratustra nietzscheano natildeo eacute

o mesmo profeta iraniano que supostamente existiu

Natildeo me foi perguntado deveria me ter sido perguntado o queprecisamente em minha boca na boca do primeiro imoralista significa onome Zaratustra pois o que constitui a imensa singularidade destepersa na histoacuteria eacute precisamente o contraacuterio dissoZaratustra eacute maisveraz do que qualquer outro pensador Sua doutrina apenas ela tem averacidade como virtude maior ndash isso eacute o contraacuterio da covardia doldquoidealistardquo que bate em fuga diante da realidade Zaratustra tem maisvalentia no corpo do que os pensadores todos reunidos Falar a verdadee atirar bem com flechas eis a virtude persa ndash Compreendem-me Aauto-superaccedilatildeo da moral pela veracidade a auto-superaccedilatildeo domoralista em seu contraacuterio ndash em mim ndash isto significa em minha boca onome Zaratustra (Cf NIETZSCHE 1995 p 110-111)

A figura de Dioniso eacute invocada como maacutescara mais uma das vaacuterias de

um pensamento que se potildee como ldquoteatro de maacutescarasrdquo segundo Deleuze81

um tumulto de tendecircncias diferentes um campo de combate de energias que lutam pelo poder p274 idem

79 Cf NIETZSCHE Ecce homo Ibidem

80 ldquoSchopenhauer embora pessimista verdadeiramente ndash tocava flautaDiariamente apoacutes arefeiccedilatildeordquo Cf p 86 retirado do aforisma 186 de Aleacutem do Bem e Mal In NIETZSCHE FriedrichWilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1992

81 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont

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Trata-se de enfrentar a moral da eacutepoca a cultura a poliacutetica e o poder

trabalhando para aleacutem de bem e mal e natildeo um apelo como querem os detratores

na tentativa de acusar Nietzsche de ldquonostaacutelgicordquo do mundo grego de um voltar

para traacutes quanto a isso diraacute Zaratustra ldquocomo a vontade pode querer para traacutes A

vontade natildeo pode querer para traacutesrdquo82 Eacute certo que Hitler desejava reconstruir o

centro de Berlin com monumentos semelhantes ao da acroacutepole grega as imagens

dos deuses musculosos e nus ilustrando sauacutede e forccedila semelhantes ao que

pretendia a propaganda fascista com o ldquohomem do idealrdquo da ldquosupremacia racialrdquo

e enredar Nietzsche nesse empreendimento eacute ser cuacutemplice desse ldquoestelionatordquo O

que torna mais necessaacuteria a tarefa de ser advogado de Nietzsche como aponta

Albert Camus

Na histoacuteria da inteligecircncia com exceccedilatildeo de Marx a aventura deNietzsche natildeo tem equivalente jamais conseguiremos reparar a injusticcedilaque lhe foi feita Sem duacutevida conhecem-se filosofias que foramtraduzidas e traiacutedas no decurso da histoacuteria Mas ateacute Nietzsche e onacionalsocialismo natildeo havia exemplo de que todo um pensamentoiluminado pela nobreza e pelo sofrimento de uma alma excepcionaltivesse sido ilustrado aos olhos do mundo por um desfile de mentiras epelo terriacutevel amontoado de cadaacuteveres dos campos de concentraccedilatildeoDevemos ser advogados de defesa de Nietzscherdquo (Cf CAMUS 1999 p97-98)

Demonstrando que essa volta ao mundo grego a acusaccedilatildeo de Nietzsche

ldquonostaacutelgicordquo eacute cuacutemplice do crime fascista ao pensamento dele que pretendeu

fazer propaganda do super-homem nietzscheano quando na realidade os

homens seguidores do Fuumlhrer natildeo foram mais do que seres instrumentalizados

natildeo foram mais do que ldquosub-homensrdquo83

ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade de Potecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org)ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

82 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

83 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999p 98

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Ele foi um defensor da ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo Um ldquointelectual daburguesiardquo da ldquodireitardquo

No seacuteculo XX com a ascensatildeo da alternativa comunista ou leituras do

marxismo dentre as vaacuterias o leninismo stalinismo o maoiacutesmo como aponta

Camus talvez aleacutem do Nietzsche tambeacutem Marx sofreu pelas apropriaccedilotildees na

tentativa de se fazer uso de sua autoridade intelectual para legitimar regimes

totalitaacuterios Camus escreve num periacuteodo em que jaacute se questionava os caminhos

desses regimes supostamente ldquomarxistasrdquo todavia alguns intelectuais da eacutepoca

que buscavam fazer uma leitura originaacuteria dos escritos de Marx com o objetivo de

resgatar o sentido de sua filosofia apressavam-se em trazer novas justificaccedilotildees e

diante da apropriaccedilatildeo fascista do pensamento de Nietzsche desse ldquoestelionatordquo

aproveitaram-se para cometer um ldquoestelionatordquo ainda maior que foi o de imputar a

Nietzsche a condiccedilatildeo de ldquointelectual da burguesiardquo da ldquodireitardquo defensor da

ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo aleacutem de outras qualificaccedilotildees similares para uma

larga carta de acusaccedilotildees em que se buscava contrapor Marx ao Nietzsche

ldquofascistardquo e apontar caminhos libertadores e de solidariedade na esteira dos

ldquomovimentosrdquo ldquocomunistasrdquo que liam ao seu modo o marxismo Tanto Nietzsche

como Marx foram pensadores que viveram no seacuteculo XIX natildeo se tem registro se

Nietzsche leu Marx jaacute que este era mais velho que ele mas eacute sabido que

Nietzsche conhecia e criticava o comunismo com a sua crenccedila na igualdade e

tambeacutem entendia o comunismo como um ldquocristianismordquo para as massas

enxergando um artigo de feacute no discurso daqueles que defendiam levar a

consciecircncia ao povo esclarecendo-o de sua condiccedilatildeo Para Nietzsche isso natildeo

seria muito diferente do discurso religioso que com o mesmo motivo vai ateacute o

povo com o catecismo buscando convertecirc-los a sua feacute Nesse sentido tambeacutem

iraacute rechaccedilar a ideacuteia de ldquoigualdaderdquo transmitida de modo quase messiacircnico de que

as diferenccedilas seriam abolidas e todos alcanccedilariam a igualdade no comunismo Eacute

justamente contra um discurso encobridor de diferenccedilas que se insurge o

pensamento de Nietzsche e que o faz desconfiar das saiacutedas apresentadas pelas

leituras dialeacuteticas seja dos hegelianos de direita seja a dos hegelianos de

esquerda dentre eles Marx A propoacutesito disso cabe mencionar o trabalho de

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Habermas84 fazendo a advertecircncia para a leitura habermasiana da deacutecada de 80

que para combater as interpretaccedilotildees nietzscheanas dos franceses vai reler a luz

de Heidegger e com uma tonalidade kantiana defensora da modernidade por

mais paradoxal que pareccedila seraacute nessa obra que Habermas enunciaraacute a sua

alternativa pela accedilatildeo comunicativa contudo o seu livro eacute abundante no resgate

histoacuterico dos diversos matizes da filosofia reputada por ele como moderna

Nietzsche se potildee como antidialeacutetico85 com a sua filosofia da vontade de poder o

que vai gerar outras acusaccedilotildees como a de Nietzsche ldquoirracionalistardquo e

ldquonaturalistardquo

Os intelectuais ldquomarxistasrdquo como que investidos da autoridade de ldquodonosrdquo

de Marx fazendo dele seu partido seu artigo de feacute iratildeo acusar Nietzsche de

intelectual da burguesia logo o autor que foi um criacutetico da moral burguesa e do

liberalismo Novamente o expediente dos acusadores eacute o de vestir em Nietzsche

a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees ideoloacutegicas tatildeo raacutepidos que ignoram a

autocriacutetica do seu partido jaacute que Marx viveu as expensas de Engels e sua

famiacutelia que eram burguesia para uma eacutepoca em que as diferenccedilas sociais eram

gritantes86 Eacute assim que esses acusadores de Nietzsche natildeo muito diferente dos

fascistas em nome de seu iacutedolo que natildeo eacute mais o Reich trataratildeo de realizar a

84 Trecircs Perspectivas Hegelianos de esquerda hegelianos de direita e Nietzsche p 57 a 88 Etambeacutem A entrada na Modernidade Nietzsche como ponto de viragem p89 a 108 InHABERMAS Juumlrgen O Discurso Filosoacutefico da Modernidade Trad Ana Maria Bernardo LisboaPublicaccedilotildees Dom Quixote 1990

85 Sobre essa antidialeacutetica nietzscheana cabe lembrar a observaccedilatildeo de Escobar sobre o temaldquoPara Nietzsche a dialeacutetica eacute uma forma de reconciliaccedilatildeo ao contraacuterio Nietzsche anseia por umatransvaloraccedilatildeo que se daacute pela afirmaccedilatildeo do positivo e do negativo da vida do martiacuterio e da alegriao que constituem os materiais dessa vida afirmada Cf p 80 ESCOBAR Carlos Henrique de Ogato agrave deriva da Razatildeo In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

86 Marx legou o conceito de praacutexis de proletariado e de revoluccedilatildeo mas recebia ajuda para soacuteescrever natildeo foi proletaacuterio de chatildeo de faacutebrica e natildeo apoiou a comuna de Paris talvez um dosmaiores episoacutedios de contestaccedilatildeo da ordem que esteve vivo para ver e nem fez uma revoluccedilatildeode outro tipo com ningueacutem natildeo exerceu a praacutexis de sua proacutepria teoria acreditava que soacute seriapossiacutevel acontecer a revoluccedilatildeo no mais alto estaacutegio do desenvolvimento das forccedilas produtivasnum paiacutes tal como a Inglaterra industrial de seu tempo muito distante da Ruacutessia e da China semi-feudais ainda no seacuteculo XX onde acontecerem revoluccedilotildees em seu nome e disse tambeacutem que aditadura do proletariado faria a transiccedilatildeo do socialismo para o comunismo quando o espectrodeixado pela ditadura dos partidaacuterios dos representantes da consciecircncia da classe foi oGulag o campo de concentraccedilatildeo a miseacuteria e a exclusatildeo dos proletaacuterios para os quais aigualdade de todos e a promessa do comunismo nunca chegou

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faccedilanha de fazer o estelionato do estelionato Ora alccedilar Marx a condiccedilatildeo de

iacutedolo antiburguecircs santo revolucionaacuterio e acusar Nietzsche de idealista

burguecircs eacute de tal modo cocircmico a despeito da iacutendole criminosa que esse agir

com a feacute dos inquisidores quando condenam os malditos acaba ignorando que o

ofiacutecio de Nietzsche foi o de derrubar iacutedolos este o seu nome para ideais

Talvez esses acusadores agindo como maliciosos donos de Marx o tenham

colocado no altar feito por eles posiccedilatildeo que um criacutetico das religiotildees como

alienaccedilatildeo natildeo teria aceitado contudo diversos movimentos no seacuteculo XX

promoveram revoluccedilotildees com base numa leitura proacutepria do marxismo Dessas

muitas apropriaccedilotildees do que escreveu Marx e das atrocidades perpetradas em seu

nome jaacute houve material para muitos processos o que demandaria a reabertura

desses inqueacuteritos e se descobrir a que levou os estelionatos intelectuais Na

contramatildeo dos detratores marxistas de Nietzsche Foucault na deacutecada de 60 iraacute

participar de um coloacutequio na Franccedila em que apresentaraacute um trabalho intitulado

Nietzsche Freud e Marx que apontaraacute nesses trecircs autores similaridades quanto

ao modo de interpretar os signos do Ocidente o que possibilitaria pensar uma

nova hermenecircutica uma teoria de interpretaccedilatildeo

Marx Nietzsche e Freud situaram-nos ante uma possibilidade deinterpretaccedilatildeo e fundamentaram de novo a possibilidade de umahermenecircuticaInterrogo-me se natildeo se poderia afirmar que FreudNietzsche e Marx ao envolverem-nos numa interpretaccedilatildeo que se virasempre para si proacutepria natildeo tenham constituiacutedo para noacutes e para os quenos rodeiam espelhos que nos reflitam imagens cujas feridasinextinguiacuteveis formam o nosso narcisismo de hoje (Cf FOUCAULT1975 p 17)

Foucault tambeacutem em entrevista com Deleuze intitulada os intelectuais e

o poder publicada em seu livro a Microfiacutesica do Poder iraacute tecer comentaacuterios

sobre a mania dos intelectuais de falarem como representantes ou partidaacuterios

de algueacutem ou de alguma coisa ignorando que os proacuteprios excluiacutedos tecircm seu

proacuteprio discurso e praacuteticas evidentemente que naquele momento referia-se ao

discurso sobre as prisotildees que na sua iacutendole salvacionista e bem intencionada

recusava-se a enxergar que os proacuteprios presos deveriam falar por si mesmos

Eacute justamente nisso que parte outra acusaccedilatildeo de tonalidade marxista a

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de Nietzsche individualista e de defensor de um aristocratismo A despeito de

caber o questionamento sobre o que estaacute por traacutes dessa iacutendole coletivista que

acusa eacute importante esclarecer do que se trata esse aristocratismo nietzscheano

Logo natildeo se trata de um referencial social ou de classe natildeo se estaacute a defender

uma aristocracia financeira e uma elite econocircmica quando utiliza as palavras

nobre ou aristocraacutetico Nietzsche se refere a vontade de poder a um modo de

pensar a filosofia que se daacute como choque constante de forccedilas em que uma

provisoriamente se coloca acima da outra mas em constante luta Isso quer dizer

alcanccedilar a vontade de poder em seu mais alto grau significaria o estado nobre

de espiacuteritos livres enquanto que a sujeiccedilatildeo a dominaccedilatildeo proacuteprias do espiacuterito

de rebanho significaria o estado de escravo Portanto nada tem a ver com a

temaacutetica soacutecio-econocircmica87 e na perspectiva nietzscheana um escravo no sentido

comum do termo mesmo assujeitado nas galeacutes pode se insurgir contra a sua

posiccedilatildeo desde que demonstre possuir essa vontade de poder no mais alto grau e

consiga assim dobrar a forccedila impor a ela sua proacutepria lei hierarquizando a seu

modo natildeo eacute de hierarquia social que se fala aqui mas da forccedila o que eacute proacuteprio

de um agir que eacute considerado por Nietzsche como nobre por isso esse escravo

seria um aristocrata Tal como o cavalo de Turim a relinchar e a dar coices o

animal carregador um nobre digno de ser um companheiro de Zaratustra-

Nietzsche Cabe esclarecer que para Nietzsche a vontade de poder eacute luta

constante nos corpos eacute visceral ela os atravessa como energia fluiacuteda no devir

Ainda eacute absurda a leitura que pretende trazer o pensamento de Nietzsche e sua

ideacuteia de aristocracia para a temaacutetica da Repuacuteblica de Platatildeo88 a do rei filoacutesofo

87 Explica tambeacutem assim Giacoacuteia Jr In GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem debem e mal 2ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 E ainda A despeito da sua religiosidade etambeacutem da sua filiaccedilatildeo ao estoicismo que ainda assim conteacutem muito dos ensinamentos deHeraacuteclito Cleantes pode ser considerado um exemplo daquele que soube se tornar umldquoaristocratardquo um ldquonobrerdquo no sentido nietzscheano de trabalhar com a vontade de poder na proacutepriavida ldquoSegundo a tradiccedilatildeo Cleantes natildeo se distinguia tanto pela inteligecircncia quanto pelasqualidades morais pouco comuns ex-pugilista praticava a filosofia como um ldquosegundo Heacuterculesrdquopor ser pobre trabalhava a noite puxando aacutegua nos jardins para poder estudar durante o diardquo CfHUISMAN Denis Dicionaacuterio dos filoacutesofos Satildeo Paulo Martins Fontes 2001 p 216-217

88 Nietzsche eacute um pensador maldito porque ousou desafiar a tradiccedilatildeo aqueles que se articulamcom ele como companheiros num coro traacutegico vatildeo ser expulsos da polis como acontecia com ospoetas traacutegicos na Repuacuteblica de Platatildeo e ainda banidos para o confinamento como loucos

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Aleacutem de criacutetico ferrenho do platonismo muito embora esse Platatildeo lido por

Nietzsche seja uma apropriaccedilatildeo dele89 mesmo assim o que Nietzsche propugna

em seus escritos eacute uma inversatildeo do platonismo e o filoacutesofo como guerreiro e natildeo

entronado talvez seu modelo seja mais proacuteximo ao do espartano que do

ateniense sem querer com isso absorver ao Nietzsche as imputaccedilotildees cabiacuteveis ou

natildeo aos espartanos afinal essa longa carta de acusaccedilotildees jaacute eacute grande

contraditoacuteria e densa o suficiente

Ele foi um irracionalista Um vitalista Um filoacutesofo da literatura

Os arautos da razatildeo e seus genuiacutenos representantes destilam a faacutecil

imputaccedilatildeo de irracionalista a Nietzsche a de filoacutesofo da literatura pensador da

arte ou como trabalha na dimensatildeo da vontade de poder o acusam de

abandonar a razatildeo e de deixar o exame das coisas a uma vontade a intuiccedilatildeo

aos sentidos caindo num vitalismo naturalismo das coisas Ora o que

Nietzsche faz eacute forccedilar a razatildeo a se questionar em seu impeacuterio em sua vontade

de verdade opondo a ela o jogo de forccedilas da vontade de poder natildeo se trata de

abandono da razatildeo mas levaacute-la a um questionamento radical colocando as suas

verdades como problema apontando o conteuacutedo de inverdade em suas

verdades90 pois satildeo mentiras que esqueceram de que o satildeo provoca Nietzsche

E para realizar a criacutetica dos fundamentos em que se ampara a proacutepria razatildeo que

destila essas acusaccedilotildees Nietzsche faz uso do perspectivismo ataca as

verdades e os iacutedolos por acircngulos diversos o que parece aos leitores

acostumados com a linearidade dos filoacutesofos mais dogmaacuteticos o expediente de

um louco de algueacutem que o tempo todo se contradiz de onde acusam

internados teratildeo no seu encalccedilo a poliacutecia as escolas o exiacutelio a medicina Cf Escobar p 76ldquoCabe entatildeo a arguacutecia da loucura para se antepor ao constrangimento da lei e agrave ilusatildeo deinteligibilidade platocircnicardquo p 77 idem Alguns motivos deleuzianos In ESCOBAR CarlosHenrique (Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

89 O Platatildeo de Nietzsche e o Nietzsche de Platatildeo texto de Giacoacuteia Jr que explora essa temaacuteticasem referecircncia

90 Cf texto de Nietzsche na coletacircnea os pensadores ldquoverdade e mentira no sentido extra-moralrdquoIn NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

43

novamente Nietzsche de irracionalista tatildeo acostumados que estatildeo a ler os

arautos da razatildeo que falam a verdade para eles enquanto Nietzsche natildeo traz

nenhuma verdade Demonstrar que essa verdade transmitida pelos outros natildeo

passa de uma catequese de um esquematismo dogmaacutetico desses filoacutesofos

apegados a sistemas Nietzsche compara essa vontade de verdade como

vontade de sistema e provoca dizendo que esses filoacutesofos jamais saberiam de

mulheres91

Nietzsche natildeo eacute sistemaacutetico e natildeo se quer assim para isso se utiliza do

perspectivismo enquanto realiza a filosofia a golpes de martelo fazendo ataques

contundentes em diversos pontos das estruturas construiacutedas sobre o legado

daqueles que se dizem racionais ou melhor os produtores da verdade

Portanto cabe devolver a imputaccedilatildeo de irracionalista que natildeo eacute distante da

outra a de louco aos acusadores requerendo tambeacutem o exame das verdades

e das razotildees destes e que intuito tecircm nessa acusaccedilatildeo questionando se natildeo eacute

a preservaccedilatildeo de alguma tradiccedilatildeo modo de pensar ou verdade dita que se quer

absoluta e irrefutaacutevel Quando Nietzsche trata do perspectivismo afirma que natildeo

haacute fatos tudo eacute interpretaccedilatildeo92se tudo eacute interpretaccedilatildeo isso tambeacutem seria uma

interpretaccedilatildeo logo a interpretaccedilatildeo segue ao infinito93 todavia antes que os

racionalistas imputem uma suposta inconsequecircncia nesse meacutetodo Nietzsche

elege a vida como criteacuterio de seu perspectivismo cujo valor natildeo pode ser

avaliado eacute o olho que natildeo pode olhar para si mesmo94 Aiacute quem sabe os mais

apressados e satisfeitos em encontrar a verdade das coisas acusem Nietzsche

de vitalista ou naturalista queiram colocar essa camisa-de-forccedila nele para

aplacar a necessidade de prender logo esse louco que tudo questiona e

certamente eacute um problema para vaacuterias confrarias

91 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 sp

92 Ibidem

93 Cf FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud e Marx Paris 197594 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

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Contudo a vida para Nietzsche natildeo eacute um ponto estaacutetico no tempo ela

deve ser vista no devir eacute vida enquanto corpo e natildeo como metafiacutesica de

compreensatildeo de todas as coisas eacute vida sofrida dura e que deve ser superada

ou melhor ultrapassada vergada pela vontade de potecircncia que lhe atravessa

num jogo numa luta Eacute natildeo compreendendo esse procedimento nietzscheano

que os ligeiros acusadores reclamam do caraacuteter contraditoacuterio e paradoxal dos

aforismas de Nietzsche e o chamam novamente de irracionalista sendo que

num jogo numa luta de forccedilas as interpretaccedilotildees devem se enfrentar devem

entrar num embate exigir a linearidade o que querem os donos das camisas-de-

forccedila metodoloacutegicas seria acabar com o jogo por um ponto final a esse embate

de forccedilas de interpretaccedilotildees Incansaacuteveis os detratores de Nietzsche ainda

questionam a sua condiccedilatildeo de filoacutesofo e o menosprezam cometendo outro

duplo crime julgar a literatura um saber menor querendo enquadraacute-lo nela na

tentativa de assim dar a Nietzsche a condiccedilatildeo que acham que ele merece Esse eacute

o esforccedilo de expulsar Nietzsche da filosofia para mandaacute-lo para a literatura que

deve ser denunciado por incomodar muito a confraria dos filoacutesofos acham que a

soluccedilatildeo eacute logo bani-lo para outro departamento se bem que essa visatildeo

compartimentalizada do saber natildeo eacute sem sentido tambeacutem e vem a atender a

alguns propoacutesitos e conveniecircncias

Essas estrateacutegias maliciosas dos acusadores principalmente essa de

mudar Nietzsche de departamento para natildeo ter que se incomodar com ele eacute

recurso fundado em alguns estereoacutetipos principalmente relacionados ao modo de

escrita nietzscheana que eacute dita como filosoacutefico-poeacutetica por aforismas e ao seu

Assim Falava Zaratustra que eacute obra que narra a trajetoacuteria de um personagem e

suas metamorfoses sendo essa a obra capital de Nietzsche considerada por ele

mesmo assim escreve no seu Ecce homo

Entre minhas obras ocupa o meu Zaratustra um lugar agrave parte Eacute tambeacutemo mais profundo o nascido da mais oculta riqueza da verdade poccediloinesgotaacutevel onde balde nenhum desce sem que volte repleto de ouro ebondade Aqui natildeo fala nenhum ldquoprofetardquo nenhum daqueles horrendoshiacutebridos de doenccedila e vontade de poder chamados fundadores dereligiotildees Eacute preciso antes de tudo ouvir corretamente o som que saidesta boca este som alciocircnico para natildeo se fazer deploraacutevel injusticcedila aosentido de sua sabedoria Aiacute natildeo fala um fanaacutetico aiacute natildeo se ldquopregardquo aiacute

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natildeo se exige feacute eacute de uma infinita plenitude de luz e profundeza defelicidade que vecircm gota por gota palavra por palavra ndash uma delicadalentidatildeo eacute a cadecircncia dessas falas Tais coisas alcanccedilam apenas osmais seletos natildeo eacute dado a todos ter ouvidos para ZaratustraEle natildeoapenas fala diferente ele eacute diferente(Cf NIETZSCHE 1995 p 19

Contribui tambeacutem a variada recepccedilatildeo artiacutestica e literaacuteria que teve o

pensamento nietzscheano como inspirador autores da literatura como Thomas

Mann Nikos Kazantzaacutekis Albert Camus Hermann Hesse todos tiveram

produccedilotildees literaacuterias com tonalidades nietzscheanas Todavia eacute preciso destacar

que por traacutes da tentativa de considerar Nietzsche um literato estaacute tambeacutem a

tripla acusaccedilatildeo de apoliacutetico de contemplativo de natildeo engajado como se

tambeacutem a literatura fosse o tipo penal e lugar para onde devem ir os que se

encaixam nessas trecircs imputaccedilotildees o que natildeo deixa de ser uma distorccedilatildeo e maacute-feacute

na proacutepria ideacuteia que se faz da literatura Que Nietzsche teve impacto na esteacutetica

isso natildeo quer dizer que a esteacutetica que se produz por influecircncia dele em seus

vaacuterios niacuteveis seja no cinema no teatro e na literatura natildeo tenham conteuacutedo

poliacutetico e de engajamento como contestaccedilatildeo da ordem E ainda a imputaccedilatildeo de

contemplativo estaacute tambeacutem embutida na carga de significados da palavra

filoacutesofo como o nefelibata algueacutem que vive nas nuvens ora todo o

desenvolvimento filosoacutefico de Nietzsche se daacute como criacutetica radical da filosofia

contemplativa que para ele comeccedila com Soacutecrates e Platatildeo e tem seu ponto de

culminacircncia na modernidade aferrada ao kantismo Assim a filosofia de Nietzsche

conteacutem uma pragmaacutetica de abertura ao mundo95 ou como sugere Foucault toda

teoria deve ser vista como uma praacutetica96 para quem os textos de Nietzsche

constituem uma caixa de ferramentas97 eacute uma filosofia de criacutetica ao Poder nas

variadas relaccedilotildees que os constituem de questionamento da ordem e que sinaliza

um outro tipo de engajamento natildeo partidaacuterio e que vai depender do

95 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

96 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 1979 sp97 Ibidem

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agenciamento da forccedila contida em seus aforismas98 Nesse sentido deve-se

perguntar aos acusadores se contemplativos natildeo satildeo eles ao esperar que os

textos lhes tragam verdades

Ramificar o pensamento sobre o exterior eacute o que literalmente osfiloacutesofos nunca fizeram mesmo quando falavam de poliacutetica mesmoquando falavam de passeio ou de ar puroNietzsche coloca de modomuito claro se vocecirc quer saber o que eu quero dizer encontre a forccedilaque daacute sentido pelo menos um novo sentido ao que eu digo Ramifiqueo texto sobre essa forccedila Desta maneira natildeo haacute problema deinterpretaccedilatildeo de Nietzsche natildeo haacute senatildeo problemas maquinar o textode Nietzsche procurar com que forccedila exterior atual eacute preciso passaralgo uma corrente de energiaEacute ao niacutevel do meacutetodo que se coloca aquestatildeo do caraacuteter revolucionaacuterio de NietzscheEacute isso tratar oaforisma como um fenocircmeno que aguarda novas forccedilas que o vecircmldquosubjugarrdquo ou faze-lo funcionar isto eacute faze-lo explodir (Cf DELEUZEsano p 13-14)

Ele foi um niilista Um poacutes-moderno

Martin Heidegger quando daacute uma conferecircncia sobre Nietzsche afirma

Nietzsche eacute o nome da coisa para o seu pensamento99 a sugestatildeo eacute a de que

Nietzsche eacute um niilista e este eacute o uacuteltimo instante de uma longa histoacuteria do

pensamento metafiacutesico Eacute sabido que esse empreendimento de Heidegger tem

por objetivo afirmar seu proacuteprio pensamento sobre Nietzsche fazendo uma

apropriaccedilatildeo que eacute conveniente a seu ideaacuterio de quem deseja ser ele e natildeo

Nietzsche o primeiro antimetafiacutesico De qualquer modo ainda repercute

facilmente aos acusadores ligeiros sempre atentos as classificaccedilotildees e

simplificaccedilotildees das coisas a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute niilista e mais uma

vez eacute ele proacuteprio quem produz provas contra si mesmo tornando mais difiacutecil a

sua defesa ao dizer que ele eacute o uacuteltimo niilista100 Eacute preciso apontar que

98 ldquoNietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo desliza para a situaccedilatildeoabstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamento concreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seuestilo eacute diretamente poliacuteticordquo Cf Escobar p 82 O gato agrave deriva da Razatildeo In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

99 HEIDEGGER Martin Nietzsche I Trad Marco Antocircnio Casanova Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria 2007 sp

100 Contido em NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens RodriguesTorres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978Eacute preciso esclarecer isso segundo Camus ldquoCom Nietzsche o niilismo torna-se pela primeira vez

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Nietzsche realiza o diagnoacutestico do niilismo cuja relaccedilatildeo eacute estreita com o anuacutencio

da morte de Deus e que o seu filosofar a golpes de martelo natildeo quer apenas

destruir mas tambeacutem abrir espaccedilo para uma atividade criativo-afirmativa de novos

valores Por isso natildeo deixa de ser um estelionato desse Heidegger ainda

analiacutetico ex-integrante das forccedilas nazi-fascistas e que leu no original assim como

Nietzsche desde os preacute-socraacuteticos ateacute os maiores expoentes da histoacuteria da

filosofia quem sabe na ambiccedilatildeo de superar a todos incluindo Nietzsche para se

auto-proclamar o primeiro anti-metafiacutesico Decorre assim a imputaccedilatildeo de

Nietzsche como niilista o que corrobora as acusaccedilotildees que seguem das leituras

apressadas e confortaacuteveis desses que desejam ver Nietzsche estaacutetico em algum

lugar quem sabe numa parede esperando seu fuzilamento Nietzsche natildeo eacute um

niilista eacute antes o filoacutesofo que constata o niilismo como psicoacutelogo como um cliacutenico

e vai apontar para uma transvaloraccedilatildeo ou ultrapassamento do niilismo eacute esse o

seu anuacutencio se niilista fosse Nietzsche estaria proacuteximo dos sub-homens nazistas

e natildeo do que almeja sua filosofia o aleacutem-do-homem natildeo como ponto metafiacutesico

no tempo mas como dilaceramento do conceito homem atravessado pela vontade

de poder a ideacuteia do aleacutem-do-homem para-aleacutem-do-homem supra-humano ou

super-homem a depender da traduccedilatildeo eacute nada mais que um rearranjo das forccedilas

em luta no seu mais alto grau

Se acreditou que para Foucault como para Nietzsche era o homemexistente que se ultrapassava ndash em direccedilatildeo a um super-homem querocrer Nos dois casos eacute uma incompreensatildeo a respeito de Foucaultassim como a respeito de Nietzsche (sem falar ainda na questatildeo da maacute-vontade e da estupidez que aacutes vezes inspira os comentaacuterios sobreFoucault como tambeacutem no caso de Nietzsche)O super-homem nuncaquis dizer outra coisa eacute dentro do proacuteprio homem que eacute preciso libertara vida pois o proacuteprio homem eacute uma maneira de aprisiona-la A vida setorna resistecircncia ao poder quando o poder toma como objeto avidaQuando o poder se torna biopoder a resistecircncia se torna poder davida poder-vital que vai aleacutem das espeacutecies dos meios e dos caminhosdesse ou daquele diagramaE eacute no proacuteprio homem que eacute precisoprocurar para Foucault tanto quanto para Nietzsche o conjunto das

conscienteEle reconheceu o niilismo e examinou-o como fato cliacutenico Dizia-se o primeiro niilistarealizado da EuropaPara Camus porque levou o niilismo ateacute os seus limites e soube tirarconsequecircncias disso o meacutetodo de Nietzsche eacute um meacutetodo de revoltardquo Cfp 86-87 CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

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forccedilas e funccedilotildees que resistemagrave morte do homem Cf DELEUZE 1991p94-100)

Heidegger talvez arrependido do seu engajamento com o nazismo e sua

colaboraccedilatildeo vai se refugiar na floresta negra e deixaraacute de trabalhar a filosofia

analiticamente estranhanhamente para quem acusou Nietzsche de niilista e

metafiacutesico querendo assim afirmar a sua proacutepria filosofia na mais alta estatura

como momento inicial da criacutetica que se daacute como anti-metafiacutesica esse Heiddeger

no final da vida ele viveu quase 100 anos em comparaccedilatildeo com Nietzsche para

buscar na linguagem poeacutetica algo muito proacuteximo ao estilo nietzscheano a

derradeira superaccedilatildeo da metafiacutesica assim terminou a ambiccedilatildeo heideggeriana

Aponta Gadamer no segundo volume do seu Verdade e Meacutetodo seguidor de

Heidegger e lido no Direito quando se trata da hermenecircutica filosoacutefica

O encontro com o cenaacuterio francecircs significa um verdadeiro desafio paramim Derrida assevera que o Heidegger tardio natildeo rompeu realmentecom o logocentrismo da metafiacutesica Ao perguntar pela essecircncia daverdade ou pelo sentido do ser Heidegger segue falando segundoDerrida a linguagem da metafiacutesica que considera o sentido como algoque estaacute agrave matildeo e que eacute preciso encontrar Nessa questatildeo Niertzscheteria sido mais radical Seu conceito de interpretaccedilatildeo natildeo significa abusca de um sentido simplesmente dado mas a posiccedilatildeo de sentido aserviccedilo da vontade de poder Somente assim rompe-se com ologocentrismo da metafiacutesica Natildeo resta duacutevida de que para fugir dalinguagem metafiacutesica o Heidegger tardio elaborou ele proacuteprio sualinguagem semipoeacutetica Sobretudo ao defrontar-me com os francesestenho plena consciecircncia de que minhas proacuteprias tentativas de traduzirHeidegger denunciam meus limites e mostrando sobretudo ateacute queponto eu mesmo estou preso agrave tradiccedilatildeo romacircntica das ciecircncias doespiacuterito e do legado humanista (Cf GADAMER 2002 p 384-385)

Oacutebvio que natildeo se trata de menosprezar o legado do filoacutesofo da floresta

negra101 Heidegger iraacute influenciar os pensadores denominados ldquopoacutes-modernosrdquo

tambeacutem em tom de acusaccedilatildeo e natildeo causal sempre eacute a busca de uma

101 Eacute preciso ressaltar que Martin Heidegger iraacute influenciar aleacutem dos pensadores ditos ldquopoacutes-modernosrdquo tambeacutem Hannah Arendt que eacute lida no Direito quando se trata de pensar aldquodemocracia radicalrdquo ela foi sua aluna ou talvez mais do que isso e ainda o pensador da modaGiorgio Agamben que foi seu ex-aluno por indicaccedilatildeo de Arendt Deve-se ainda defenderHeidegger das acusaccedilotildees de pensador ldquonazistardquo embora tenha se filiado ao movimento aleacutem doarrependimento posterior a sua obra natildeo estaacute ldquocontaminadardquo por ideacuteias fascistas anti-semitas ecoisas do gecircnero como apresenta o trabalho do Professor da UNICAMP ex-aluno de HeideggerZeljko Loparic Heidegger Reacuteu ndash Um ensaio sobre a periculosidade da filosofia Campinas SPPapirus 1990

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caracterizaccedilatildeo e a tentativa de afirmar um perfil mais verdadeiro que os outros

os poacutes-modernos e aiacute natildeo haacute consenso nos limites da caracterizaccedilatildeo que eacute dada

por outrem ou seja quer dizer que os acusados de o serem natildeo concordavam

necessariamente com essa simplificaccedilatildeo muito conveniente agraves academias do

saber compartimentalizado mas dentre eles Foucault Deleuze Derridaacute Cabe

destaque para a filosofia da teacutecnica desenvolvida por Heidegger quando escreve

dois tomos sobre Nietzsche a compilaccedilatildeo de suas preleccedilotildees eacute o embate de seu

pensamento contra o de Nietzsche que produz o que resultaraacute em sua filosofia da

teacutecnica102 Essa filosofia da teacutecnica seraacute uacutetil aos desenvolvimentos da leitura de

Foucault sobre poder principalmente a formulaccedilatildeo de um poder que se exerce

sobre as populaccedilotildees sobre o corpo o biopoder Corrobora essa influecircncia

Deleuze quando escreve obra em memoacuteria ao falecimento de Foucault de

mesmo nome em que apresenta uma citaccedilatildeo do proacuteprio Foucault em que aponta

que ldquoTodo o meu devir filosoacutefico foi determinado pela minha leitura de Heidegger

Mas reconheccedilo que foi Nietzsche quem venceurdquo p 121

Ou seja muito embora recorram a Heidegger os poacutes-modernos diante

da crise das epistemologias e das certezas depois do holocausto nazista e do

gulag comunista querem achar uma terceira via e iratildeo buscar inspiraccedilatildeo no

Nietzsche que a partir da deacutecada de 60 com a ediccedilatildeo criacutetica de toda a sua obra

recuperada do estelionato fascista comprovadas as fraudes serviraacute de

trampolim para o desenvolvimento de novas visotildees dos problemas e suscitaraacute

outras respostas as velhas perguntas diante de um mundo cada vez mais

complexificado Todavia como aponta Deleuze em Conversaccedilotildees

Em publicaccedilatildeo no Libeacuteration 2 e 3 de setembro de 1986 entrevista aRobert Maggiori quando se pergunta a Deleuze que ldquoNa Chronique decircsideacutees perdues Franccedilois Chacirctelet ao evocar a amizade muito antiga comvocecirc com Guattari com Scheacuterer e Lyotard escreve que vocecircs eram doldquomesmo timerdquo e tinham ndash marca talvez da verdadeira conivecircncia ndash osldquomesmos inimigosrdquo Vocecirc diria o mesmo de Michel Foucault Vocecircseram do mesmo time Deleuze responde ldquoPenso que sim Chacirctelettinha um sentimento vivo disso tudo Ser do mesmo time eacute tambeacutem rir

102 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

50

das mesmas coisas ou entatildeo calar-se natildeo precisar ldquoexplicar-serdquo Eacute tatildeoagradaacutevel natildeo ter que se explicar Tiacutenhamos tambeacutem possivelmenteuma concepccedilatildeo comum da filosofia (Cf DELEUZE 1995 p 108)

Ele Foucault e outros nomes comumente relacionados ao poacutes-

modernismo se viam como parte de um mesmo time pensavam parecido e

discordavam pouco ou seja acaba sendo estranha a acusaccedilatildeo de Nietzsche

como poacutes-moderno o que se fez foi uma leitura dele mais uma mais um tipo de

apropriaccedilatildeo talvez menos mentirosa natildeo chegou ao niacutevel do estelionato como

as leituras fascistas mas ainda assim eacute preciso contestar a acusaccedilatildeo do

Nietzsche como poacutes-moderno porque essa eacute tambeacutem uma leitura de quem faz e

sabe que eacute parte de um mesmo time para natildeo dizer confraria igrejinha e coisas

do gecircnero Embora Foucault Deleuze Derridaacute e outros sejam testemunhas

interessantes com coisas a dizer no sentido de defender Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o Poder que discute poliacutetica que contesta dogmas e que tem sua

utilidade no Direito eacute preciso natildeo perder a vigilacircncia criacutetica no sentido de que

Nietzsche natildeo pensou apenas aquilo que eles confirmarem ou avalizarem em

seus testemunhos mais uma vez para trabalhar uma defesa de Nietzsche seraacute

preciso agir nietzscheanamente aborrecendo as confrarias se preciso for

pensando contra elas tambeacutem Haacute quem acuse Nietzsche de poacutes-moderno

justamente por confudi-lo com algum time fazem isso ingenuamente ou

propositalmente pela longa lista de acusaccedilotildees deve-se acreditar mais na segunda

hipoacutetese e nesses intentos propositais de ensinar aos outros o Nietzsche poacutes-

moderno ou precursor do poacutes-moderno que natildeo deixa de ser um eufemismo

ainda pouco lisonjeiro eacute que se faz a condenaccedilatildeo subreptiacutecia do seu pensamento

enquanto pertencente a uma escola um time uma seita novamente cabe

devolver mais essa imputaccedilatildeo aos acusadores sobre que escolas e que

confrarias eles querem sustentar com isso qual o objetivo e qual o anseio guarda

essa vontade de verdade de sistema de caracterizaccedilotildees Talvez assim

perceba-se que por traacutes da acusaccedilatildeo de Nietzsche poacutes-moderno haacute os

defensores do neokantismo de um retorno da modernidade ou das boas

coisas das luzes como quer Habermas na sua ideacuteia de accedilatildeo comunicativa que

se baseia na igualdade dos falantes no poder deliberativo e na democracia

51

validada pela participaccedilatildeo e a confianccedila na representaccedilatildeo ou ainda a defesa

daqueles que pretendem superar o paradigma linguiacutestico ao propor a

transmodernidade103 nisso eacute conveniente a leitura e a condenaccedilatildeo do Nietzsche

poacutes-moderno porque se trata antes de uma condenaccedilatildeo ao europeu

colonizador e da busca de um pensamento identitaacuterio latino-americano Por traacutes

dessas condenaccedilotildees maliciosas deve-se enxergar a pretensatildeo desses

acusadores desejosos de colocar a camisa-de-forccedila em Nietzsche que eacute a de

suas concepccedilotildees ideoloacutegicas os quais esperam obter um miacutenimo de criteacuterio para

orientar melhor seus julgamentos ou validar seus preacute-julgamentos Quiccedilaacute o

objetivo desses acusadores seja o de fundar novas igrejas ou de conquistar

espaccedilo para o seu time jogar

Ele eacute mais um pensador eurocecircntrico

Realmente as costas de Nietzsche satildeo bem largas sem trocadilho

poucos tem folhas tatildeo longas de acusaccedilotildees muitas delas motivadas por

verdadeiros estelionatos intelectuais e apropriaccedilotildees maliciosas leituras raacutepidas

e um pouco de maacute-feacute tambeacutem quando natildeo muito de teimosia daqueles que satildeo

crentes em seus iacutedolos os quais ou foram tocados diretamente pelo martelo

nietzscheano ou tem receio de que o seja por uma via indireta Como dizia

Nietzsche eacute o instinto de conservaccedilatildeo de quem teme a destruiccedilatildeo104 que

assola o iacutentimo dos acusadores ou detratores mas para saber eacute preciso deixar

que acusem as proacuteximas imputaccedilotildees da lista satildeo a de que Nietzsche eacute apenas

mais um autor eurocecircntrico e a mais cocircmica eacute uma leitura maliciosa do

Nietzsche como um zooacutefilo em virtude do famoso episoacutedio de Turim que natildeo

estaacute distante da acusaccedilatildeo do louco Nietzsche De fato Nietzsche nasceu e viveu

na Europa importante frisar que foi um andarilho porque a seu modo frequumlentou

diversas localidades das montanhas nos Alpes ateacute a proacutepria Turim sempre

103 Referecircncia ao filoacutesofo latino-americano Enrique Dussel que na sua obra Eacutetica da Libertaccedilatildeoconsidera Nietzsche aleacutem de ldquoirracionalistardquo ldquopensador esteacuteticordquo tambeacutem ldquomais um eurocecircntricordquo

104 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

52

variando climas como aponta Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche o

bufatildeo dos deuses105 esse expediente era parte de uma medicina que Nietzsche

aplicava a si mesmo acreditava que assim podia controlar melhor seus estados

de sauacutede conseguindo alcanccedilar o que denominava de a grande sauacutede aquela

que o fazia escrever a maior parte de suas obras em estado de explosatildeo criativa

e em suas cartas diz pressentir que ainda morreria por causa de um desses

estados106 isso ainda alimenta as acusaccedilotildees de Nietzsche como miacutestico

profeta mas de fato o seu uacuteltimo ano de produccedilatildeo teoacuterica 1888 talvez tenha

sido o mais intenso de sua vida que foi bastante curta se comparada a de

Heidegger e ao colapso que acomete a Nietzsche em janeiro de 1889 Natildeo se haacute

registro de preocupaccedilotildees latino-americanas em Nietzsche apenas uma breve

sugestatildeo de sua vontade de vir para o Meacutexico trabalhar107 isso no auge dos

transtornos a decepccedilatildeo com Lou Salomeacute a briga com a famiacutelia afinal a Sra

Elisabeth natildeo soacute fraudou a obra do irmatildeo como tambeacutem foi partiacutecipe no

rompimento de Nietzsche e Lou plantando intrigas108 assim chegou Nietzsche a

pensar em sair da Europa para se afastar de tudo definitivamente Contudo o

Nietzsche que vem para a Ameacuterica Latina vem pelo sobrenome da Sra Elisabeth

e se instala no Paraguai ela chega com o marido e estaacute nesse momento brigada

com o irmatildeo que jaacute natildeo aprovava a vinculaccedilatildeo ao nazi-fascismo e ao anti-

semitismo que a irmatilde adotara com o genro O objetivo dos dois eacute o de fundar uma

105 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

106 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

107 Nietzsche considera a possibilidade de passar um tempo na Tuniacutesia ldquoQuero viver um bomtempo entre os muccedilulmanos e ali onde sua feacute eacute mais rigorosa assim certamente haacute de aguccedilarmeu discernimento e minha visatildeo de tudo que for europeurdquoNietzsche desiste de sua viagem agraveTuniacutesia porque laacute irrompe a guerra Agora sonha com o planalto do Meacutexico Por que ficar naEuropa A obra cuidaraacute de que ele natildeo seja esquecido por alirdquo Cfp 201 SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

108 Essa hipoacutetese eacute sustentada por Maria Cristina Franco Ferraz em seu ldquoNietzsche o bufatildeo dosdeusesrdquo sp E tambeacutem por HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes deLacerda e Waltenir Dutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

53

colocircnia chamada Nova Germacircnia para propagar esses ideais todavia o

empreendimento resulta um fracasso e assim apenas a irmatilde retorna para a

Europa o seu marido havia se suicidado nisso termina a breve histoacuteria dos

Nietzsche na Ameacuterica Latina Com base nisso os acusadores que sentem

arrepios ao ouvir a palavra eurocentrismo comodamente sentem-se

confortaacuteveis em imputar a condenaccedilatildeo do Nietzsche como pensador

eurocecircntrico um colonizador apenas um numa outra longa lista de

conquistadores da Ameacuterica cujo legado deve ser abolido e substituiacutedo pela busca

da identidade originaacuteria encoberta nesses anos todos seacuteculos de colonizaccedilatildeo Eacute

nesse sentido que se fala em transmodernidade como uma nova matriz

epistemoloacutegica que parte da vida dos excluiacutedos e natildeo da linguagem como faz o

europeu Habermas e tambeacutem natildeo como Nietzsche muito embora na

constelaccedilatildeo de imputaccedilotildees seja ateacute difiacutecil escolher uma suficiente para ele basta

a condenaccedilatildeo de louco poacutes-moderno o que importa eacute tirar Nietzsche e todos

os outros do caminho e facilitar o empreendimento desses acusadores e

engenheiros de paradigmas ou melhor empreiteros de igrejas Natildeo eacute a toa que

um dos grandes marcos teoacutericos da linha transmoderna eacute um teoacutelogo ou ex-

teoacutelogo109 que prega uma filosofia da libertaccedilatildeo de alteridade de pluralidade e

que parte dos oprimidos um pensador que enfrenta o colonizador Ora difiacutecil

natildeo concordar com esse discurso ele eacute muito sedutor ainda mais no Brasil

quando nossa histoacuteria parece acontecer sempre como conciliaccedilatildeo e natildeo como

ruptura De fato o modo como se constituiu a histoacuteria brasileira eacute de uma

independecircncia e uma repuacuteblica uma democracia sempre por decreto natildeo

oriunda de uma luta de um enfrentamento de forccedilas de convulsatildeo social haacute

historiadores que contam que o dia seguinte da proclamaccedilatildeo da repuacuteblica muitos

achavam que ainda se vivia o impeacuterio no Brasil Quando estudam a histoacuteria desse

109 A referecircncia eacute Dussel embora seja criticado pois a estrateacutegia de defesa adotada aqui eacutenietzscheanamente a de atacar tambeacutem cabe historicizar o advento da chamada ldquoteologia dalibertaccedilatildeordquo e a sua participaccedilatildeo em episoacutedios importantes da histoacuteria brasileira como aperseguiccedilatildeo na ditadura militar muitos padres teoacutelogos intelectuais se engajaram na luta contra aditadura e pereceram ou foram torturados tiveram um fim traacutegico Ou seja naquele contexto osldquoteoacutelogos da libertaccedilatildeordquo aceitaram o custo traacutegico nietzscheano do seu anuacutencio (o engajamentocontra a tirania poliacutetica contra o dogmatismo) e pereceram foram excomungados da Igreja

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modo os acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico entendem ter

encontrado o ponto fraco dessa defesa e jaacute satisfeitos colocam o capuz no reacuteu

e o mandam para o cadafalso ou seria o patiacutebulo afinal eacute chegado o tempo do

oprimido comeccedilar a enfrentar o colonizador entatildeo eacute o momento de trazer a

guilhotina para caacute o mais europeu dos instrumentos de supliacutecio E os

engenheiros de novos paradigmas acusadores detratores e inquisidores bradam

a sentenccedila do banimento ao mais um europeu Nietzsche porque natildeo lhes

interessa o legado do colonizador agora querem escrever a sua proacutepria histoacuteria

ao seu modo Ora o Nietzsche filoacutesofo natildeo eacute o mesmo Nietzsche cujo sobrenome

andou por aqui e teve o intento de colonizar o pensador Nietzsche natildeo quer

convencer ningueacutem de suas ideacuteias e nem ser pastor de igreja eacute antes um

destruidor dos velhos valores morais das eacuteticas religiosas e do ressentimento eacute

algueacutem que exorta pelos criadores de novos valores110

Eacute quando os acusadores policialescamente se preparam para decretar a

condenaccedilatildeo definitiva do Nietzsche como mais um eurocecircntrico que se deve

objetar pelo fundamento do que se chama transmoderno filosofia da libertaccedilatildeo

e de sua eacutetica Realmente ser advogado de Nietzsche natildeo eacute faacutecil a depender

da acusaccedilatildeo mais inescrupulosa a pena pode ser capital eacute preciso aceitar viver

perigosamente111 o que requer um empenho de retoacuterica e argumentaccedilatildeo juriacutedica

que conduz aos limites mais severos

As acusaccedilotildees satildeo fortes e ao mesmo tempo muito faacuteceis o elemento

geograacutefico parece inquestionaacutevel muitas condenaccedilotildees criminosas foram jaacute

arquitetadas com base em acusaccedilotildees de liame faacutecil natural o proacuteprio nazismo se

legitimava num direito natural e selecionava as pessoas quanto ao fenoacutetipo

nada mais natural agora haacute um desejo a ser satisfeito por parte de quem acusa a

tentativa de levar ao banimento intelectual esse Nietzsche alematildeo de bigodes

absurdamente grandes e louros Ora mas Nietzsche ao contraacuterio do que se diz

110 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

111 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

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natildeo foi um alematildeo e sim um apaacutetrida Depois da vitoacuteria de Bismarck e a

unificaccedilatildeo alematilde Nietzsche natildeo assume a identidade alematilde continuaraacute

apaacutetrida jaacute que a Pruacutessia que nasceu natildeo existia mais Ainda por vaacuterias vezes

brincaraacute com o fato escarnecendo dos alematildees como um povo que natildeo sabia

apreciar a cultura que mal sabiam quem eram devido a sua existecircncia enquanto

paiacutes ainda recente112 Portanto trata-se de um homem que eacute andarilho apaacutetrida e

que estaacute fora da jurisdiccedilatildeo de qualquer Estado de Direito como julgaacute-lo Como

condenaacute-lo Ah sim continua sendo ainda um europeu mesmo que seja pelos

lugares que vagou que esteve que nasceu Condenemos mais esse europeu

Natildeo eacute alematildeo mas eacute europeu O empreendimento de defesa se torna mais

dramaacutetico porque eacute sempre um trabalho contra uma maioria contra uma multidatildeo

ao que parece os acusadores satildeo incansaacuteveis mas eacute preciso dizer que a filosofia

de Nietzsche natildeo se encerra na europa ou que o tuacutemulo dela natildeo pertence a um

ponto geograacutefico ou antes que eacute um pensamento sem tuacutemulo sem geografia

Logo apressam-se os carrascos a atar o noacute goacuterdio da poacutes-modernidade ao

pescoccedilo de Nietzsche para lanccedilaacute-lo agrave forca Afinal como pode haver algo sem

localizaccedilatildeo geograacutefica Algo que natildeo morre eacute qualquer coisa menos humano

Soacute pode ser ideacuteias poacutes-modernas Antes de mais essas acusaccedilotildees ligeiras eacute

preciso esclarecer que esse apaacutetrida natildeo tem lugar geograacutefico embora tenha

vivido sempre na europa natildeo se deixou viver em um soacute lugar foi andarilho natildeo

soacute como homem mas tambeacutem no pensamento a razatildeo nietzscheana eacute nocircmade e

o trabalho de seu pensamento eacute um nomadizar-se113 os acusadores natildeo

aceitando essas objeccedilotildees ainda insistem no chavatildeo poacutes-moderno Deleuze para

eles o eacute como se a tese jaacute estivesse derrotada por testemunhos suspeitos mas

a falta de escruacutepulo daqueles que interrompem a defesa trazendo sempre as

mesmas condenaccedilotildees ao palco mesmo as jaacute contra-argumentadas eacute sinal de

que temem perder uma causa certa com o intento da condenaccedilatildeo do pensamento

112 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994

113 Cf DELEUZE Gilles O Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano sp

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nietzscheano de algum modo seja pelo transmoderno e seu banimento da

academia de direito onde nunca deveria ter ousado entrar Eacute assim que a defesa

nesse trabalho sobre-humano pois sempre no limiar sente que haacute uma chance

de vencer a causa ou na pior das hipoacuteteses tornar mais difiacutecil a tarefa dos

acusadores portanto eacute preciso insistir com as testemunhas mesmo que falem

sob a suspeita da jurisdiccedilatildeo natildeo para responder as imputaccedilotildees mas fazecirc-las

explodir Deleuze aponta que o pensamento de Nietzsche eacute desterritorializado e

que ler esse pensamento eacute se pocircr a deriva

Lemos um aforisma ou um poema do ZaratustraO uacutenico equivalenteconcebiacutevel seria talvez ldquoser conduzido comrdquoSomos conduzidos ndash umaespeacutecie de canoa da Medusa ndash haacute bombas que caem em volta dacanoa a canoa deriva em direccedilatildeo a regatos subterracircneos glaciais oubem em direccedilatildeo a rios toacuterridos o Orenoco o Amazonas pessoasremam juntas pessoas que natildeo se supotildee obrigadas a se amarem quese agridem que se devoram Remar junto eacute compartilhar dividir algofora de toda lei de todo contrato de toda instituiccedilatildeo Uma deriva ummovimento de deriva ou de ldquodesterritorialidaderdquo eu digo de uma maneiramuito fluida muito confusa pois se trata de uma hipoacutetese ou de umavaga impressatildeo sobre a originalidade dos textos nietzscheanos Umnovo tipo de livro (Cf DELEUZE sano p 12)

Nos seus uacuteltimos escritos Nietzsche apresenta um tema que denominou a

ldquogrande poliacuteticardquo114 a qual parte de uma compreensatildeo da poliacutetica para aleacutem das

fronteiras do entatildeo Estado de Direito ou seja uma poliacutetica de controle do mundo

natildeo mais a romacircntica poliacutetica dos interesses locais autoacutectones que no momento

em que escrevia era a poliacutetica de Bismarck dos Estados-Naccedilatildeo de governos

nacionalistas e autoritaacuterios que conseguiam formar identidades com a forccedila de

exeacutercitos

De algum modo esse tipo de poliacutetica de matizes ldquomodernosrdquo para

114 Sobre o tema destaca-se o trabalho de Jorge Luiz Viesenteiner ldquoA Grande Poliacutetica emNietzscherdquo ldquoTrata-se precisamente de compreender a Grande Poliacutetica a partir do vieacutes que o termoagon encerra em torno de si bem como todo o cortejo pluralista que acompanha um tal contextoagoniacutestico Imprimindo pois um sentido radicalmente conflitual agrave Grande Poliacutetica noestabelecimento do agon do campo de batalha para os filoacutesofos legisladores natildeo se trata mais deabsolutizaccedilotildees dogmaacuteticas que se auto-excluem mas ao contraacuterio trata-se preferencialmente doestabelecimento de uma arena que consiste muito mais na integraccedilatildeo em proveito da manutenccedilatildeoda tensatildeo do conflito Eacute justamente num tal terreno que os senhores da Terra ndash os legisladores dofuturo ndash satildeo capazes da criaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo e sobretudo do cultivo global da Terrardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p161

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Nietzsche padecia de viacutecios de origem ldquotodo Estado comeccedila como uma terriacutevel

tirania espero ter afastado a ideacuteia romacircntica de que se comeccedilava por um

contratordquo115 A crenccedila num povo ldquocomumrdquo numa ldquocivilizaccedilatildeordquo sob a eacutegide da paz e

da ldquoboa consciecircnciardquo o que Nietzsche sinalizava era o ldquoembusterdquo da poliacutetica como

dominaccedilatildeo imperialista do mundo para longe de qualquer romantismo o que

levaria as duas Guerras Mundiais que ocorreram no seacuteculo XX Mais uma vez natildeo

se trata de um pensador ldquoniilistardquo mas de um cliacutenico de algueacutem que iraacute fazer um

diagnoacutestico que terrivelmente se confirmou natildeo eacute ldquomais um erocecircntricordquo mas um

criacutetico da poliacutetica ldquoglobalrdquo que natildeo eacute atributivo exclusivo da europa a qual jaacute

perdeu o direito de posse dos ldquoideaisrdquo do ldquoesclarecimentordquo e da ldquocivilizaccedilatildeo como

melhor dos mundosrdquo haacute muito tempo desde Colombo ateacute Cortez Os ldquoideais do

esclarecimentordquo jaacute natildeo conhecem geografia satildeo tambeacutem apaacutetridas Esse eacute o

diagnoacutestico do Nietzsche ldquoapaacutetridardquo um psicoacutelogo que enxerga o problema com

um ldquopathosrdquo de distacircncia116 o qual recomenda como ferramenta de criacutetica ou o de

servir das coisas com lente de aumento117 e se quisermos compreender essa

ldquogrande poliacuteticardquo eacute preciso se pocircr agrave deriva para aleacutem dos romantismos

Aos acusadores do Nietzsche como ldquomais um eurocecircntricordquo eacute preciso

objetar-lhes tambeacutem sobre seu novo artigo de feacute a ldquotransmodernidaderdquo Nisso os

criacuteticos do eurocentrismo nunca se potildee em criacutetica natildeo fazem a criacutetica voltar-se

contra si mesma acham-se na condiccedilatildeo de descobridores de Eldorado quando

na verdade o Eldorado foi uma invenccedilatildeo estrateacutegia dos verdadeiros autoacutectones

da Ameacuterica natildeo dos intelectuais que falam por eles para fazer os incaultos se

115 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 74

116 pathos ainda mais misterioso o desejo de sempre aumentar a distacircncia no interior da proacutepriaalma a elaboraccedilatildeo de estados sempre mais elevados mais raros remotos amplos abrangentesem suma a elevaccedilatildeo do tipo ldquohomemrdquo a contiacutenua ldquoauto-superaccedilatildeo do homemrdquo para usar umafoacutermula moral num sentido supra-moralrdquo Cf p 169 trecho retirado do aforisma 257 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

117 Nunca ataco pessoas ndash sirvo-me da pessoa como uma forte lente de aumento com que se podetornar visiacutevel um estado de miseacuteria geral poreacutem dissimulado pouco palpaacutevel p 32 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

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perderem muitos morreram e foram dizimados pela feacute no suposto Eldorado118 e

quiccedilaacute esse tenha sido um dois maiores atos de bufonaria da histoacuteria um instante

nietzscheano antes mesmo de Nietzsche Aos acusadores e defensores do

transmoderno eacute preciso dizer-lhes que o eurocecircntrico estaacute em nossa liacutengua

portuguesa em nossa origem colonial de instituiccedilotildees tambeacutem portuguesas um

Estado carola para natildeo dizer administrado por religiosos natildeo que a religiatildeo

seja um problema (o proacuteprio Nietzsche criacutetico da religiatildeo dizia que se ela serve

para aumentar a potecircncia da sua vida entatildeo a professe) O que eacute problemaacutetico no

discurso dos transmodernos eacute o esquecimento de que a dominaccedilatildeo das

Ameacutericas se deu pelo esclarecimento e pela cruz como os dois gumes de uma

mesma espada Os teacuteoricos da libertaccedilatildeo emancipaccedilatildeo agem quase como

teoacutelogos e falam dentro de uma loacutegica da comunidade do gregaacuterio e de

valores humanistas que natildeo satildeo outra coisa senatildeo mais umas invenccedilotildees

eurocecircntricas Ora esses acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico

conseguem ser mais crentes nas invenccedilotildees eurocecircntricas do que ele Por sorte

que os verdadeiros autoacutectones ameriacutendios os quais natildeo sabiam o que era a

cruz antes de Colombo e Cortez e que podem ter desaparecido pelo genociacutedio

promovido por esses homens esclarecidos morrendo pela espada ou pela

conversatildeo ao menos souberam fornecer sinais de um Eldorado que se existe

ou natildeo nunca foi encontrado Ao contraacuterio do que se passa no Brasil hoje em que

muitos outros Eldorados jaacute se achou paiacutes completamente atrelado ao governo

do mundo tanto politicamente como economicamente numa histoacuteria de natildeo

ruptura mas sempre conciliaccedilatildeo Por isso eacute preciso denunciar esses acusadores

de Nietzsche enquanto crentes nessa filosofia da libertaccedilatildeo que natildeo rompeu

com o ideaacuterio de dominaccedilatildeo embutido na cruz e o quanto esse novo paradigma

transmoderno ainda cheira a moderno

118 A propoacutesito cabe citar o filme ldquoAguirre a coacutelera dos deusesrdquo com a participaccedilatildeo do cineastabrasileiro Ruy Guerra numa produccedilatildeo de Werner Herzog

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Ele foi um imoral Um voluntarista

A faacutebrica engenhosa de acusaccedilotildees tambeacutem imputa a Nietzsche a

condiccedilatildeo de imoral e de voluntarista seria Nietzsche um filoacutesofo que eacute contra a

repressatildeo dos instintos e como tambeacutem eacute contra os partidarismos os

engajamentos por meio de projetos no sentido marxista do termo acaba sendo

tido como um voluntarista se natildeo um individualista mais um defensor do

espontaneiacutesmo poliacutetico querendo com isso caracterizaacute-lo como menos poliacutetico

para natildeo dizer apoliacutetico ou pensador menor De fato quem acusa o faz

inescrupulosamente eacute um trabalho faacutecil muitas vezes a imputaccedilatildeo eacute dada por

alguma histoacuteria que se espalhou natildeo involuntariamente quando se ouviu dizer tal

coisa sobre Nietzsche e de fato o empenho ateacute aqui foi de mostrar a longa

histoacuteria de estelionatos cometidos contra ele por isso eacute ainda comum que

pairem no ar muitas acusaccedilotildees sobre ele talvez nem todas ainda relacionadas

nessa reabertura de inqueacuterito Podem ser que outras surjam o que torna o ofiacutecio

de advogado de Nietzsche um serviccedilo quase impossiacutevel pois quando natildeo haacute

resposta a dar as imputaccedilotildees a contra-argumentaccedilatildeo se daacute por converter a

acusaccedilatildeo numa potente questatildeo que ao menos sirva para desmantelar os

acusadores na sua feacute inquisitorial o trabalho de retoacuterica juriacutedica se daacute como um

lanccedilar de dinamites que se natildeo for suficiente para vencer a causa ao menos

consiga empataacute-la o objetivo eacute evitar a condenaccedilatildeo capital essa sim a real vitoacuteria

dos acusadores os colecionadores de antiguidades Para quem acusa

Nietzsche eacute mais um velho pensador que natildeo deve ser lido porque natildeo traz

contribuiccedilotildees para o presente e todo o ofiacutecio juriacutedico comeccedila em advogar o

contraacuterio Eacute preciso demonstrar que Nietzsche eacute um destruidor criacutetico radical dos

valores de uma moral burguesa de rebanho o que natildeo quer dizer e tambeacutem

como o dionisiacuteaco em seus aforismas que sejam indicaccedilotildees de um Nietzsche

defensor do erotismo exacerbado da orgia da imoralidade afinal essas

acusaccedilotildees tem forte tonalidade moralista eacute de se suspeitar que quem ofereccedila

essas imputaccedilotildees a Nietzsche o tenha como um ameaccedilador da dignidade e dos

bons costumes como um lobo mau Nesse sentido acusar Nietzsche de

imoral eacute uma reaccedilatildeo compreensiacutevel para quem sente os seus valores tocados

60

pela filosofia dele Todavia eacute importante revelar mais esse estelionato cometido

contra Nietzsche o que o filoacutesofo defende eacute que sejam criados novos valores a

liberdade nietzscheana natildeo eacute a liberdade do liberalismo eacute uma liberdade que

depende de uma lei119 que eacute autoimposta pelos espiacuteritos livres o pensamento

que exige o ultrapassamento constante requer disciplina e uma certa limpeza

consigo mesmo um outro tipo de ascese120 Quando Zaratustra faz o seu anuacutencio

do super-homem e de que Deus estaacute morto logo compreendem-no mal

distorcem as palavras dele como tentam fazer esses acusadores de Nietzsche

como defensor da imoralidade o que entenderatildeo os uacuteltimos homens do

anuacutencio de Zaratustra eacute que o homem tem todos os direitos natildeo significa que

grandes coisas satildeo possiacuteveis como quer Zaratustra mas que todas as

pequenas coisas satildeo autorizadas Compreendem que se Deus estaacute morto natildeo

existem mais moral nem dever nem regra de vida confundem o imoralismo com

a imoralidade121

Nietzsche eacute um defensor do imoralismo e natildeo da imoralidade eacute preciso

que se entenda a diferenccedila disso antes de acusaacute-lo levianamente A exigecircncia

por novos valores e pelo aleacutem-do-homem requer o ultrapassamento da visatildeo

decadente dos uacuteltimos homens aqueles que entendem mal o anuacutencio de

Zaratustra cabe portanto compreender que a morte de Deus natildeo eacute suficiente se

natildeo for animada por uma nova exigecircncia a virtude da vontade de potecircncia Se

compreendem como tudo eacute permitido natildeo haacute moral e natildeo haacute eacutetica o resultado

eacute o niilismo os uacuteltimos homens satildeo niilistas e quem acusa Nietzsche de ser

imoral tambeacutem eacute suspeito de o ser Para o filoacutesofo a vontade de nada esse

niilismo pode conduzir agrave extrema decadecircncia muito mais baixa do que a antiga

119 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999 sp

120 Nisso se relacionam as posiccedilotildees de Antocircnio Cacircndido no posfaacutecio da coleccedilatildeo os pensadorestambeacutem a visatildeo de Kazantzaacutekis a despeito de sua miacutestica e ainda Nietzsche no Zaratustraquando sentencia ldquotornai-vos duros ofiacutecio do guerreiro Cf NIETZSCHE Friedrich WilhelmAssim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

121 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

61

moral ao niilismo mais extremo122

O fato de Nietzsche escrever por aforismas paraacutebolas e de modo natildeo

sistemaacutetico contribui para que aleacutem dessas imputaccedilotildees recaia tambeacutem a de

pensador antieacutetico ou de que natildeo exista eacutetica possiacutevel com Nietzsche Enxergaacute-

lo assim eacute um outro modo de continuar vestindo nele a roupa de lobo mau

certamente esses inquisidores jaacute tecircm alguma eacutetica pronta com a qual acusam

desejando preservaacute-la Nisso a acusaccedilatildeo do Nietzsche antieacutetico aproxima-se a

da dele como anarquista querendo nisso apontar tambeacutem nele um retorno ao

estado de natureza de barbaacuterie com a aboliccedilatildeo da ordem de qualquer estatuto

ou regra Ora essa eacute uma estrateacutegia tatildeo niilista e folcloacuterica que talvez pouco ou

nada queira dizer sobre o que os proacuteprios anarquistas pensam Claro que para

averiguar seria necessaacuterio reabrir mais esse inqueacuterito pois quiccedilaacute tambeacutem os

anarquistas tenham sofrido muito com a maliacutecia de outros estelionataacuterios Mas

essas mateacuterias satildeo temas de outros processos cujo conteuacutedo natildeo pode ser

trazido por apensamento a este trabalho que jaacute eacute um mergulho no processo de

condenaccedilatildeo do pensamento nietzscheano motivado por acusaccedilotildees levianas de

muacuteltiplas direccedilotildees O desafio para afirmar uma eacutetica nietzscheana estaacute no

pensamento de um autor que combate universalismos natildeo os promove e

tambeacutem de algueacutem que natildeo fez de sua filosofia uma lista de dogmas cuja leitura

sistemaacutetica pudesse lograr respostas vaacutelidas Assim os acusadores sentem-se

mais encorajados em ter achado mais uma vez o noacute da filosofia nietzscheana um

pensamento sem eacutetica onde nenhuma saiacuteda eacute possiacutevel ainda mais para quem

estaacute acostumado com receitas eacuteticas dadas a priori por pensamentos que lhes

ditam a verdade Certamente natildeo eacute desse tipo de eacutetica que se trata quando se

estuda Nietzsche ele natildeo eacute um professor de verdades querer julgaacute-lo como um

eacute a conduta que tipifica mais esse estelionato A eacutetica presente em Nietzsche eacute

a que estaacute disponiacutevel para os homens que se obteacutem123 eacute a eacutetica de homens

122 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

123 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

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que se assumem tragicamente como criadores de valores as suas proacuteprias

virtudes ou seja satildeo legisladores de si mesmos A eacutetica nietzscheanamente estaacute

incutida na sentenccedila que eacute subtiacutetulo de seu Ecce homo torna-te aquilo que tu

eacutes o que indica natildeo uma receita natildeo uma verdade mas uma pista eacute o seu

anuacutencio pelo qual aceitou perecer124 ou seja o seu anuacutencio final indica a sua

eacutetica que se daacute enquanto filosofia experimentada na proacutepria vida no proacuteprio

corpo eacute uma acuteetica de quem testa na proacutepria carne suas verdades de quem

ousa assim viver perigosamente para colher da vida maior fecundidade125 Eacute

portanto viver natildeo conforme as velhas taacutebuas mas criar novas as suas

experimentaacute-las correndo o risco de natildeo saber de natildeo ter certeza de agir sem

fiador sem algueacutem que valida a priori sem obedecer a uma verdade alheia

que natildeo a sua verdade conquista e gravada com o proacuteprio sangue

Nas leituras miacutesticas de Nietzsche essa eacutetica seraacute a daquele que

consegue ouvir a voz de seu coraccedilatildeo o grito de sua alma o mais profundo apelo

por ser aquilo que eacute o que exige a travessia pelo deserto da solidatildeo daquele que

chega a cidade e encontra as portas fechadas e ainda lhe roubam seus animais

o deixando sem montaria e comida126

Nietzsche ainda escreveraacute em cartas que um dos motivos de abandonar

sua caacutetedra na Basileacuteia natildeo foi soacute o seu precaacuterio estado de sauacutede mas tambeacutem a

necessidade de ouvir mais a sua voz e menos a voz dos outros precisava sair do

ambiente acadecircmico muito preso agraves reproduccedilotildees do discurso e das verdades

alheias para ouvir e escrever o que lhe ditava sua proacutepria voz que soacute balbuciava e

pedia liberdade

Apenas meus olhos puseram fim agrave bibliofagia leia-se ldquofilologiardquo estava

124 ldquoamo aqueles que anunciam o aleacutem-do-homem e perecem pelo seu anuacutenciordquo Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira 2003 sp

125 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

126 Cf Nietzsche em Humano demasiado humano seleccedilatildeo de aforismas contida em NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filho posfaacutecio de AntocircnioCacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

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salvo dos livros nada mais li durante anos ndash o maior benefiacutecio que meconcedi ndash Aquele Eu mais ao fundo quase enterrado quase emudecidosob a constante imposiccedilatildeo de ouvir outros Eus (- isto significa ler)despertou lentamente tiacutemida e hesitantemente ndash mas enfim voltou afalar Nunca fui tatildeo feliz comigo mesmo como nas eacutepocas mais doentiase dolorosas de minha vida basta olhar Aurora ou ldquoO andarilho e suasombrardquo para compreender o que foi esse ldquoretorno a mimrdquo umasuprema espeacutecie de cura(Cf SAFRANSKI 2005 p 75-76)

Certamente com Nietzsche se estaacute a falar de uma eacutetica de espiacuteritos

livres que conseguem impor a si mesmos sua lei dobrando as forccedilas a seu favor

como ultrapassamento do homem acostumado a ser levado como rebanho

pelas verdades dos outros Os acusadores nunca satisfeitos iratildeo imputar ao

Nietzsche a condiccedilatildeo de ter uma eacutetica individualista o que eacute outra fraude

leviana Nietzsche eacute um criacutetico do individualismo burguecircs que eacute assentado numa

moral de rebanho tambeacutem critica o liberalismo o que natildeo deixa de ser um

niilismo tal como a voracidade consumista hoje o eacute pois nunca satisfeita busca

uma identidade pelas coisas eacute nesse sentido que o rebanho burguecircs se curva

perante outros ideais seu individualismo eacute um deles127 a crenccedila na autonomia

da vontade nos negoacutecios nos contratos A eacutetica nietzscheana natildeo estaacute aiacute para

ser comprada tal como um artigo de feacute natildeo eacute eacutetica da libertaccedilatildeo com

rudimentos de religiatildeo natildeo eacute catecismo e conversatildeo de ningueacutem muito menos

cadeias velhas com tintas novas

A eacutetica nietzscheana exige que seja experimentada testada na sua

proacutepria carne exige um engajamento traacutegico o lanccedilar de dinamites requer

comprometimento com o que se lanccedila responsabilidade com o agir num esforccedilo

de alteridade radical que natildeo quer disciacutepulos mas companheiros Uma eacutetica e

127 Agraves vezes o valor de uma causa se mede natildeo pelo que se alcanccedila com ela mas pelo que eacutepreciso pagar por ela pelo que ela nos custa Eis aqui um exemplo disso As instituiccedilotildees liberaisdeixam de ser liberais tatildeo logo sejam estabelecidas em seguida nada eacute mais sistematicamentenefasto para a liberdade do que as instituiccedilotildees liberais Sabe-se muito bem o que elas trazemconsigo minam a vontade de poder erigem como sistema moral o nivelamento dos cumes e daescoacuteria da sociedade tornam tudo mesquinho covarde e estroacuteina ndash nelas eacute sempre o animalgregaacuterio que triunfa Liberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153retirado de o ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Escritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad NoeacuteliCorreia de Melo Sobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

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alteridade que resultam da contundecircncia do agir e de sua forccedila de contaacutegio128

Natildeo se trata de uma eacutetica dada aprioristicamente e nem de uma alteridade

como reconhecimento do outro sem antes uma alteridade de si que exige o

colocar-se na accedilatildeo o teste de fogo que natildeo pode ter medo de se queimar

(Nietzsche a propoacutesito fala que natildeo se pode ter medo de se queimar em sua

proacutepria chama129 ou seja natildeo temer a sua destruiccedilatildeo nesse agir a sua

autocriacutetica criacutetica dentro da criacutetica) Os inquisidores prontos a defender sua feacute

acusaratildeo a accedilatildeo descrita como voluntarismo espontaneiacutesmo e ateacute como

idealismo afinal fugiu aos padrotildees costumeiros ou melhor ousou contrariar a

tradiccedilatildeo Pois eacute como contestaccedilatildeo da tradiccedilatildeo que se daacute essa eacutetica

nietzcheana derrubando os iacutedolos os ideais abalando a feacute neles ousando

profanar o lugar sagrado o altar em que se concebeu as verdades para o

homem esse animal de rebanho cuja longa histoacuteria de domiacutenio daacute se o nome

de tradiccedilatildeo

O engajamento nietzscheano eacute traacutegico porque enfrenta uma onda de

costumes amparados por valores morais culturais incutidos desde sempre eacute

uma luta quase impossiacutevel como eacute a advocacia nessa causa Afinal os adversaacuterios

tecircm sempre uma eacutetica um paradigma um partido um iacutedolo para definir o

que eacute certo e errado e senatildeo fosse o bastante ainda satildeo a maioria Nietzsche

sabia disso e uma eacutetica ao seu modo soacute pode ser o empenho que poucos

conseguiratildeo e na adversidade Natildeo se trata de voluntarismo mas um

comprometimento visceral na proacutepria carne com a accedilatildeo eacute o comprometimento

daquele que se implica na sua tarefa o que eacute diferente do comprometimento dos

partidaacuterios que agem em nome do partido com o respaldo dos outros e da

128 A ldquoeacuteticardquo nietzscheana sinaliza diretamente para uma poliacutetica traacutegica ldquoUma poliacutetica que deveinaugurar seus companheiros (criaacute-los) e a si mesma cujo poder estaacute na contundecircncia da accedilatildeo enuma seduccedilatildeo onde o poder engajador fundamental natildeo eacute a sua lsquoverdadersquo mas seu poder maacutegicode envolvimentordquo Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio deJaneiro 7Letras 2000 p 379129 ldquoComo se renovar sem antes se tornar cinzasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

65

deliberaccedilatildeo130

A acusaccedilatildeo de voluntarismo e espontaneiacutesmo eacute tentativa leviana de

imputar a essa eacutetica nietzscheana algum conteuacutedo de desresponsabilidade

quando se trata de um maacuteximo de responsabilidade porque natildeo se age em nome

de ningueacutem a natildeo ser daquilo que traccedilou para si mesmo com o custo traacutegico da

proacutepria vida e todos os que se engajam desse modo agem como companheiros e

natildeo disciacutepulos e seguidores de partido ou seita pois agem na condiccedilatildeo de

estarem seguindo a si mesmos131 Importante trazer o substantivo seita proacuteximo

ao de partido porque natildeo soacute se assemelham enquanto praacuteticas sectaacuterias

segregadoras mas tambeacutem se trata de rechaccedilar a ideacuteia de um terrorismo

nietzscheano de confundir essa accedilatildeo traacutegica com a dos fundamentalismos

portanto antecipando possiacuteveis outras acusaccedilotildees levianas Desse modo natildeo eacute

porque natildeo se segue projeto ou receita que uma accedilatildeo nietzscheana nos

termos apontados seria espontacircnea e idealista ou de rebeldes sem causa eacute

antes resultado de um diagnoacutestico do presente por isso natildeo espontacircneo

constataccedilatildeo da falecircncia dos a priores e do proacuteprio partido eacute accedilatildeo que se daacute

sem fiadores sem a crenccedila nos ideais dos outros e sem querer converter

ningueacutem a essa ideacuteia Se outros trabalharatildeo juntos eacute pela forccedila de contaacutegio e da

virulecircncia desse agir cuja afirmaccedilatildeo requer criatividade para confundir os coacutedigos

do poder132

O engajamento natildeo eacute gratuito natildeo eacute espontacircneo natildeo se esconde atraacutes

de slogans de partido e a accedilatildeo natildeo eacute voluntaacuteria eacute estrateacutegica Eacute assim que o

pensamento de Nietzsche talvez traga uma eacutetica natildeo escrita natildeo pronta uma

130 ldquoO pensamento quer a sua plenitude ndash a accedilatildeo poliacutetica quer sua contundecircnciaO acasorestituiacutedo ndash a poliacutetica nas raiacutezesrdquo p 74 ldquoA accedilatildeo sem modelos sem identidades sem pai seminstituiccedilotildees ou regrasrdquo Cf p 83 Escobar Carlos Henrique de O gato agrave deriva da Razatildeo In Porque Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

132 ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura uma tentativa dedecodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativa que consistiria em decifrar os coacutedigosantigos presentes ou futuros poreacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo p 11 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

66

eacutetica a ser obtida por quem tiver condiccedilotildees de fazecirc-lo e dessa eacutetica abre-se

uma poliacutetica traacutegica nietzscheana133 Aos acusadores cabe a sugestatildeo de ouvir

mais a sua voz e menos a dos outros

Por que ler Nietzsche no Direito

Tenho que confessar que por muito tempo natildeo tive resposta a essa

pergunta ardilosa pois feita por aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica

estatildeo de tal modo refeacutens dos padrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute

por recortes secccedilotildees que sempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um

modo de voltar a metodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total

de criteacuterio de ponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que

Nietzsche por toda a longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer

serventia para uma pesquisa acadecircmica no campo do Direito

Assim confessar que natildeo tinha respostas ateacute as veacutesperas dessa redaccedilatildeo

eacute produzir provas contra si mesmo e prejudicar o empreendimento de defesa

desse Nietzsche reacuteu Pois entatildeo o que seraacute que iratildeo pensar esses acusadores se

for ainda mais sincero levando a virtude da probidade ao seu mais alto grau134

e disser que ateacute agora natildeo tenho respostas e certamente duvido se um dia as

terei Se minha situaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo

acadecircmica agora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado

de Nietzsche nessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que

natildeo levaratildeo feacute em meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas

tambeacutem porque natildeo sou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse

trabalho seja aprovado para me diplomar Dessa forma que esperanccedilas ter na

aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e de chegada na razatildeo

133 Cf MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar aser aquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008 p 485-503134 Sobre a virtude da ldquoprobidaderdquo em Nietzsche e sua relevacircncia Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR OswaldoLabirintos da alma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP1997 sp

67

acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegico natildeo tem

pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo de curso de

Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegica do

ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco que natildeo

fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esse eacute o

meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar uma condenaccedilatildeo

faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Mas antes da

condenaccedilatildeo como mais um onamismo intelectual permitam-me as uacuteltimas

palavras direi que natildeo se trata mesmo de um trabalho de feacute nem nas minhas

argumentaccedilotildees nem sobre o que trouxe a respeito de Nietzsche eacute antes um

diaacutelogo de subjetividade enquanto tirociacutenio juriacutedico para aleacutem do objetivismo do

recorte acadecircmico Assim o ponto de partida eacute o reacuteu Nietzsche acusado de

muitos crimes e que paga uma pena perpeacutetua resultado de estelionatos

cometidos contra ele eacute o que se estaacute a sustentar O trabalho comeccedila na defesa

de algueacutem natildeo de um pedaccedilo natildeo de um recorte na razatildeo acadecircmica Eu

estudo nessa faculdade e espero me diplomar nela para operar o direito e natildeo

para ser meacutedico legista natildeo fiz recorte algum pois esse seria um corte no reacuteu

um crime de lesatildeo corporal o que para um leigo na arte meacutedica poderia causar a

mutilaccedilatildeo do reacuteu levando-o a oacutebito nesse caso se estaacute a falar da filosofia de

Nietzsche Natildeo pretendo mataacute-lo de novo E nem agir tatildeo criminosamente como

os estelionataacuterios que durante anos operaram recortes arbitraacuterios em sua

filosofia mesmo que em nome da razatildeo acadecircmica Se assim fosse o trabalho

jaacute comeccedilaria errado jaacute estaria dando motivos para ter minha oab cassada antes

mesmo de consegui-la afinal estaria sendo antieacutetico em meu ofiacutecio de

advogado de Nietzsche e poderia tambeacutem ser acusado de profanar o seu

cadaacutever como necroacutefilo que em nome da razatildeo acadecircmica essa pretensa

medicina legal operaria um recorte em sua filosofia que eacute cauterizada em sua

proacutepria carne Pois o pensamento de Nietzsche estaacute nos seus ossos no seu

sangue no seu corpo eacute visceral Natildeo se trata de fazer onamismo intelectual

violar cadaacutever nenhum ou construir um novo altar O trabalho de advogar

Nietzsche comeccedila primeiro por confissotildees de falta de saber natildeo soacute o juriacutedico de

68

uma faculdade ainda natildeo concluiacuteda mas as dificuldades de conhecer o proacuteprio

reacuteu jaacute que natildeo conheccedilo a liacutengua em que Nietzsche escrevia o alematildeo e tambeacutem

natildeo leio em inglecircs ou francecircs por enquanto para consultar as publicaccedilotildees

internacionais a seu respeito sobretudo a Nietzsche-Studien135 o que torna o

ofiacutecio mais complicado porque se a longa cartas de acusaccedilotildees a Nietzsche eacute

proacutediga os elementos para contestaacute-las satildeo sempre limitados e passam

necessariamente pelas confissotildees de limitaccedilatildeo do proacuteprio defensor enquanto que

os acusadores se julgam sempre bastante preparados e apoiados em argumentos

reiterados Mais uma vez se produz provas contra si mesmo o que num

processo desses pode ser fatal quando quem acusa estaacute a espreita aguardando

que se decirc motivo para condenar Agindo assim acabo complicando a situaccedilatildeo

abalo a feacute nas minhas defesas prejudico o reacuteu podendo gerar a perda da causa

Mas seria esconder ou dissimular os fatos confessados a proacutepria condenaccedilatildeo do

reacuteu a morte do seu pensamento eacute disso que se trata Eacute um ato de probidade136

que manteacutem o pensamento de Nietzsche defensaacutevel pois exige outro tipo de

responsabilidade que natildeo a contratual mas uma que se daacute sobre a minha proacutepria

vida

Portanto natildeo eacute apenas uma reabertura de inqueacuterito sobre Nietzsche eacute

tambeacutem um colocar-se em julgamento na frente dos animais chicoteadores

como companheiro numa luta que exige um custo traacutegico partilhando de uma

mesma sentenccedila A condenaccedilatildeo do seu pensamento como inuacutetil ao direito eacute

tambeacutem a minha reprovaccedilatildeo acadecircmica Afinal ou se vive perigosamente para

colher maior fecundidade da vida e se desafia o establishment ou se faz a

135 Notoacuteria publicaccedilatildeo internacional sobre Nietzsche fundada em 1972 por Wolfgang Muumlller-Lautercom artigos nas versotildees em inglecircs alematildeo e francecircs Muumlller-Lauter foi tambeacutem coordenador doArquivo Nietzsche onde estaacute o espoacutelio intelectual do filoacutesofo Cf prefaacutecio de Scarlett MartonProfessora da USP para A doutrina da vontade de poder em Nietzsche obra de Muumlller-Lautertraduccedilatildeo de Oswaldo Giacoacuteia Jr

136 Para os ldquoespiacuteritos livres muito livresrdquo termos como probidade intelectual virtude auto-supressatildeo da moral natildeo fazem mais sentido senatildeo como ldquoironiardquo como ldquofoacutermulasrdquo de se tornarainda inteligiacuteveis para aqueles que se mantecircm prisioneiros dos preceitos moraistermos comovirtude dever probidade natildeo podem mais ser senatildeo maacutescaras que ela natildeo pode dispensar paraa realizaccedilatildeo de sua tarefa para a formulaccedilatildeo de seu problema precisamente o de revelar o idealmoral da vontade de verdade como um problema Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Labirintos daalma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP 1997 p 144-145

69

opccedilatildeo pelos arautos da razatildeo acadecircmica que seduzem o rebanho nos dois

casos haacute um preccedilo a pagar escolhi o mais difiacutecil

Ama o perigo Que haveraacute de mais difiacutecil Eacute isto que eu quero Qual ocaminho a seguir O que sobe o mais escarpado Este eacute o que eu tomosegue-me (KAZANTZAacuteKIS sano p 45 fragmento 12)

A Vontade que interroga o Poder

Optar pela pergunta e natildeo por um tema eacute entender que na questatildeo

reside a potecircncia que pode dinamitar as pretensotildees dos meacutedicos legistas

sempre dispostos a encontrar um corte adequado aos seus estudos Ora

academicamente e filosoficamemte o tema deveria ser sempre a pergunta e

quem discorda que tente provar o contraacuterio Este trabalho eacute todo ele pergunta

sem resposta exerciacutecio de questionamento militante como argumentaccedilatildeo juriacutedica

As defesas apresentadas satildeo tambeacutem outras perguntas cuja estrateacutegia se baseia

no retorno da potecircncia da questatildeo aos acusadores que por serem muito crentes

em suas certezas natildeo tem nenhuma ou pouca feacute nas defesas apresentadas137

Portanto trata-se de devolver a questatildeo com potecircncia multiplicada em direccedilatildeo agraves

estruturas desses edifiacutecios de certezas e fazecirc-las vir abaixo num movimento

escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo138 Natildeo se trata de querer reinventar a roda de

ensinar como se deve proceder ou de se fazer tese de doutorado natildeo se trata

137 cuidado eu sou um forte e vigoroso vento tomai cuidado ao cuspir contra o vento CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

138ldquoExplorar a fundo seus meandros alcance e implicaccedilotildees mostra-se como requisito indispensaacutevelpara podermos compreender o sentido de sua filosofia A reviravolta da noccedilatildeo de sujeito requer umtrabalho paciente e meticuloso de ruminaccedilatildeo voltado ao repasse criacutetico dos caminhos trilhadospara estabelececirc-la agrave penetraccedilatildeo audaciosa em seus mais recocircnditos domiacutenios e agrave exploraccedilatildeo doslimites insertos em seus referenciais constitutivos Numa atividade subterracircnea lenta mas vigorosao filoacutesofo alematildeo vai instalando explosivos nas rachaduras do solo subjetivo submetendo-o a ummovimento escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo Contudo para que a explosatildeo alcance proporccedilotildeesradicais faz-se necessaacuterio enlaccedilar os cartuchos da dinamite destruidora com o estopim feito dematerial genealoacutegico Eacute atuando nessas duas frentes que Nietzsche pretende desencadear acataacutestrofe do sujeito entendida como ponto alto de inflexatildeo do pensamento metafiacutesico tradicional eabertura de novos horizontes filosoacuteficos Cf ONATE Alberto Marcos O crepuacutesculo do sujeito emNietzsche ou como abrir-se ao filosofar sem metafiacutesica Satildeo Paulo Discurso Editorial 2000 p 18

70

de catecismo mas de uma contestaccedilatildeo a ele do modo como as coisas sempre

foram feitas metodologicamente sem escrever uma tese sobre Natildeo eacute apanhado

de perguntas com respostas e nem se quer provar uma tese eacute o desafio de fazer

algo diferente na graduaccedilatildeo de correr o risco deixando de lado as reproduccedilotildees

doutrinaacuterias legislativas e jurisprudenciais e os compilados de fichas de leituras

esses catecismos que satildeo valorados academicamente como trabalhos de

monografia Aqueles que estatildeo acostumados a seguir a cartilha da tradiccedilatildeo e

dos manuais ouvindo mais a voz dos outros que a de si mesmos certamente iratildeo

imputar a este meu trabalho a condiccedilatildeo de tese ou de petulacircncia ou arrogacircncia

de quem almeja uma tese Ora o que fiz e estou fazendo agora eacute ouvir um pouco

a minha proacutepria voz advogando Nietzsche dialogando-o com a minha

subjetividade sem a pretensatildeo de concluir de responder as perguntas de

reinventar a roda ou promover a beatificaccedilatildeo dele lustrando as suas botas pois

se fizesse isso estaria mais proacuteximo do catecismo das reproduccedilotildees acadecircmicas

esses sim onamismos intelectuais do gozo sem prazer obras de estudantes

fieacuteis escudeiros de professor Certamente se tivessem lido Nietzsche teriam

visto a maior homenagem que um estudante pode fazer a seu professor eacute a de

roubar dele a sua coroa Ouvi mais a sua proacutepria vozrdquo139 Nietzsche irritou-se uma

vez com aqueles que chamou de filisteu na academia eram gente que apenas

reproduzia o que os outros jaacute tinham escrito quando natildeo muito imiscuiacutedos numa

loacutegica corporativista e clientelista buscavam algum benefiacutecio com esse servilismo

acadecircmico Nietzsche abandona a sua caacutetedra e vai viver como andarilho a sua

filosofia seraacute um meacutetodo de revolta140 pois se esforccedilaraacute por trazer aos seus

aforismas a potecircncia de uma maacutequina de guerra para interrogar o Poder visto de

modo muacuteltiplo difuso o que exige para um melhor desempenho dessa maacutequina

o ataque na estrateacutegia perspectivista Foucault escreve na Microfiacutesica do Poder

que Nietzsche foi filoacutesofo que pensou o poder sem enredaacute-lo numa teoria do

139 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

140 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999

71

poder141

Nietzsche eacute um criacutetico do Poder nas suas mais variadas manifestaccedilotildees

incluindo o proacuteprio Direito e a faculdade em que este trabalho eacute apresentado

afinal satildeo campos de exerciacutecio de poderes estaacute aiacute toda a pertinecircncia juriacutedica

buscada pelos farejadores de heresias diante do altar acadecircmico O trabalho

poderia concluir por isso mas natildeo eacute conclusivo haacute muito mais a falar Nietzsche

desenvolve uma filosofia que trabalha com o jogo de forccedilas de intensidades de

energias142 se trata de uma filosofia da vontade de poder A potecircncia estaacute o

tempo todo em jogo em luta em combinaccedilotildees sempre provisoacuterias tal como no

acircion heraclitiano eacute constante movimento devir Essa vontade atravessa os

corpos e os constituem do iniacutecio ao fim da vida tudo eacute vontade de poder no seu

grau mais alto ou mais baixo segundo Deleuze nas conclusotildees do coloacutequio de

Royaumont ldquoNietzscherdquo sobre a vontade de poder ou de potecircncia a variar pelas

traduccedilotildees dizia que

Se tudo eacute maacutescara se tudo eacute interpretaccedilatildeo avaliaccedilatildeo o que eacute que haacuteem uacuteltima instacircncia jaacute que natildeo haacute coisas a interpretar nem avaliarcoisas a mascarar Em uacuteltima instacircncia natildeo haacute nada salvo a vontade depotecircncia que eacute potecircncia de metamorfose potecircncia de modelar asmaacutescaras potecircncia de interpretar e de avaliarEacute preciso entenderldquovontade de potecircnciardquo Natildeo se trata de um querer-viver pois como o queeacute vida poderia querer viver Natildeo se trata de um desejo de dominar poiscomo o que eacute dominante poderia desejar dominar Zaratustra dizldquoDesejo dominar poreacutem quem quereria chamar isto um desejordquo Avontade de potecircncia natildeo eacute entatildeo uma vontade que quer a potecircncia ouque deseja dominar Uma tal interpretaccedilatildeo com efeito teria doisinconvenientes Se a vontade de potecircncia significava querer a potecircnciaela dependeria evidentemente dos valores estabelecidos honrasdinheiro poder social visto que estes valores determinam a atribuiccedilatildeo eo reconhecimento da potecircncia como objeto de desejo e de vontade Eesta potecircncia que a vontade quereria ela natildeo a obteria senatildeo selanccedilando numa luta ou num combate Bem mais perguntemos quemquer a potecircncia desta maneira quem deseja dominar Precisamenteos que Nietzsche chama de escravos de fracos Querer a potecircncia eacute aimagem que os impotentes se fazem da vontade de potecircncia Nietzschesempre viu na luta no combate um meio de seleccedilatildeo poreacutem quefuncionava ao contraacuterio e que vinha em benefiacutecio dos escravos e dos

141 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal 1979142 O instinto eacute forccedila vontade atividade e pode-se aumentar essa lista de sinocircnimos daterminologia nietzscheana acrescentando potecircncia energia intensidadeCf MACHADO RobertoNietzsche e a Verdade 2ed Rio de Janeiro Rocco 1985 p 102-103

72

rebanhos Entre as maiores palavras de Nietzsche encontra-se ldquotem-sesempre de defender os fortes contra os fracosrdquo Sem duacutevida no desejode dominar na imagem que os impotentes se fazem da vontade depotecircncia encontra-se ainda uma vontade de potecircncia poreacutem no maisbaixo grau A vontade de potecircncia no seu grau mais alto sob a formaintensa ou intensiva natildeo consiste em cobiccedilar nem mesmo em tomarporeacutem a dar e a criar (DELEUZE sano p 21-22)

Haacute que se afastar logo a leitura metafiacutesica dessa vontade de poder de

matiz heideggeriano pois natildeo se trata de princiacutepio de fundamento de nada o que

seria estancar o movimento e colocaacute-lo numa garrafa essa eacute a tarefa dos

miacutesticos a querer apreender o democircnio numa garrafa a vontade de poder natildeo

eacute maquinaccedilatildeo diaboacutelica e muito menos saiacuteda metafiacutesica eacute movimento Por isso

Deleuze afirmar que os aforismas de Nietzsche tambeacutem satildeo essa vontade de

poder cuja potecircncia dependeraacute das forccedilas que atuaratildeo sobre eles para agenciaacute-

los143 Eacute no agenciamento dessas forccedilas que se mobiliza a maacutequina de

guerra144 e a sua artilharia contra as colunas do templo da faculdade de direito

para ver o que sobra dela Mas antes que me acusem de criminoso ao me

apresentar com esse Nietzsche145 uma arma perigosa sem ter o porte dela eacute

preciso que se diga que se trata apenas de uma metaacutefora pois o preacutedio da

faculdade de direito lembra o paternon grego Contudo natildeo eacute sem sentido do

ponto de vista nietzscheano jaacute que a virulecircncia de sua filosofia da vontade de

poder eacute trabalhar por ataques nos fundamentos dinamitando-os A estrateacutegia natildeo

pode ser outra que natildeo o questionamento militante que interroga o Poder

143 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

144 Os nocircmades inventaram uma maacutequina de guerra contra o aparelho de Estado Nunca a histoacuteriacompreendeu o nomadismo nunca o livro compreendeu o fora Ao longo de uma grande histoacuteria oEstado foi o modelo do livro e do pensamento o logos o filoacutesofo-rei a transcendecircncia da Ideacuteia ainterioridade do conceito a repuacuteblica dos espiacuteritos o tribunal da razatildeo os funcionaacuterios dopensamento Cf DELEUZE Gilles Mil Platocircs vol1 rizoma Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio deJaneiro Ed 34 1995 p 35

145 De que modo entendo o filoacutesofo como um terriacutevel corpo explosivo diante do qual tudo correperigo de que modo tanto distancio meu conceito de filoacutesofo de um conceito que inclui ateacute umKant para natildeo falar dos ruminantes acadecircmicos e outros professores de filosofia Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995 p70-71

73

combatendo os poderes variados que o sustentam O Direito serve ao poder com

sua rede de mitos sujeito de direito legalidade lei ordem constituiccedilatildeo o cidadatildeo

e o criminoso entre outros a linguagem juriacutedica eacute proacutediga em mitos como toda

linguagem mas sobretudo a que serve ao direito pois serve ao poder Aleacutem

disso o Direito eacute espaccedilo em que haacute choques de forccedilas pois em tudo haacute vontade

de poder o que indica que essas forccedilas podem ser agenciadas talvez algum

sentido outro ainda pode ser buscado nessa razatildeo instrumentalizada que eacute o

Direito esse produto do esclarecimento O Direito eacute espaccedilo privilegiado do

Poder onde ele tem sua proacutepria corte os Tribunais que tambeacutem dizem o que eacute o

direito dos outros e evidentemente tambeacutem condenam e julgam a periculosidade

ou natildeo dos acusados A faculdade de direito eacute responsaacutevel por formar

administradores da justiccedila e os que a representaratildeo falando em nome dela

jurando dizer a verdade com honestidade de modo eacutetico pelos outros e para

os outros em nome da sociedade A essa altura os engenheiros de paradigmas

transmodernos146 ou natildeo mas defensores da praacutexis talvez destilem alguma

acusaccedilatildeo do tipo a de que este trabalho sobre Nietzsche e Direito natildeo tem a ver

com nada e que tambeacutem natildeo serve a sociedade que soacute eacute uacutetil o trabalho que

serve a sociedade que resolve um problema dela concreto Ora do altar

acadecircmico esses acusadores ligeiros falam de sociedade problemas dela

cidadania democracia o concreto quando nesse altar de maacutermore quem

estuda eacute uma elite que teve o meacuterito de ser aprovada no concurso vestibular eacute de

uma elite proprietaacuteria que se trata muitas vezes filha da burguesia da classe

meacutedia alta de um grupo de privilegiados que se autodenominam os bons os

justos a defender os excluiacutedos Eacute gente que advoga a praacutexis mas que natildeo

sabe o que eacute labor braccedilal certamente porque tem algum legiacutetimo membro dos

excluiacutedos a fazer os serviccedilos de casa Isto porque eacute provaacutevel que exista mais

146 A referecircncia eacute Dussel que trabalha dentro da perspectiva da ldquofactibilidaderdquo e do ldquoparadigma davida concretardquo Todavia cabe esclarecer que o movimento de criacutetica aos ldquotransmodernosrdquo eacute adefesa de Nietzsche que eacute apontado por Dussel como ldquoirracionalistardquo p 346 e filoacutesofo daldquoburocratizaccedilatildeo nazi-fascistardquo p354 ambas imputaccedilotildees presentes na sua obra Eacutetica dalibertaccedilatildeo E ainda que essa criacutetica natildeo ignora que aqueles que tecircm Nietzsche como ldquonefelibatardquotalvez sejam tambeacutem os ldquoengravatadosrdquo ou ldquoalmofadinhasrdquo que satildeo o estereoacutetipo do estudantede direito que natildeo consegue enxergar para aleacutem dos coacutedigos Assim Nietzsche natildeo eacutedevidamente lido e interpretado nem pelos ditos ldquoprogressistasrdquo (transmodernos ou natildeo) e muitomenos pelos mais ldquotradicionaisrdquo dentro do direito

74

ideal do que concreto nas formulaccedilotildees socialmente corretas daqueles que

falam pelos excluiacutedos147 e talvez aiacute se descubra mais inutilidade em seus

trabalhos do que a pretensa utilidade que advogam mais conteuacutedo de embuste

que verossimilhanccedila mais os problemas inferidos sobre a realidade que

conhecimento e vivecircncia dela Assim a academia eacute uma longa histoacuteria desses

sofistas da sociedade gente que no afatilde de falar pelos outros faz da sociedade

um conceito reificado ao seu discurso apropriado para seduzir e convencer de

que satildeo mais verdadeiros que os outros ou que fazem o bem satildeo solidaacuterios

com a dor alheia Seria interessante um dia perguntar ao excluiacutedo o que ele acha

e o que entende desse discurso afinal a liacutengua do direito eacute ferramenta de poder

e as vezes pouco inteligiacutevel e bom que o seja senatildeo todo mundo entenderia a lei

e falaria por si mesmos natildeo precisaria mais de advogados e talvez nessa

constataccedilatildeo tenha mais verdade do que piada

A faculdade tem a aparecircncia de um templo cujas paredes satildeo

impermeaacuteveis ao excluiacutedo de que falam esses filhos da elite do ensino

particular ou seriam os comunistas de tecircnis importado O excluiacutedo oprimido

proletaacuterio luacutempemproletaacuterio no mais das vezes soacute entra na academia pelo

discurso alheio por uma leitura que fazem e que a julgam ideal ou sobre os

problemas deles preocupada com eles Ora com isso tambeacutem sou estudei

minha vida toda em escolas puacuteblicas da periferia de Curitiba e diferente dos

comunistas de tecircnis importado aprendi na proacutepria pele o que eacute o labor braccedilal

assim como os meus pais por isso natildeo falo pelos outros a natildeo ser por mim e

meus companheiros de jornada natildeo tenho a cartilha da praacutexis comigo e nem

147 Na Microfiacutesica do Poder haacute o diaacutelogo de Foucault e Deleuze intitulado ldquoos intelectuais e opoderrdquo nele ambos desenvolvem o tema de que o intelectual se acostumou a falar pelos outrosquando essa ldquoalteridaderdquo esse ldquooutrordquo natildeo eacute ouvido nem fala por si soacute eacute falado ldquoporrdquo algueacutemapanhado no discurso de uma ldquorepresentaccedilatildeordquo Eacute importante fazer essa referecircncia porque aacademia eacute o lugar por excelecircncia desse tipo de discurso ldquopor algueacutemrdquo ainda mais quando asatividades de extensatildeo satildeo negligenciadas aiacute sequer se conversa com esse ldquooutrordquo ldquoPara noacutes ointelectual teoacuterico deixou de ser um sujeito uma consciecircncia representante ou representativaAqueles que agem e lutam deixaram de ser representados seja por um partido ou um sindicatoque se arrogaria o direito de ser a consciecircncia deles Quem fala e age Sempre umamultiplicidade mesmo que seja na pessoa que fala ou age Noacutes somos todos pequenos gruposNatildeo existe mais representaccedilatildeo soacute existe accedilatildeo accedilatildeo de teoria accedilatildeo de praacutetica em relaccedilotildees derevezamento ou em rederdquo Cf DELEUZE Gilles Os intelectuais e o Poder In FOUCAULTMichel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979

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quero vender uma a ningueacutem mesmo que sob o roacutetulo da utilidade Pois vivo

para aleacutem dos muros da faculdade na periferia vivo na contradiccedilatildeo social

mergulhado na praacutexis que experimento na proacutepria carne sem circunloacutequios que

massageiam a liacutengua e o ego desses representantes do povo Cabe portanto

implodir148 a feacute desses comunistas de tecircnis importado partidaacuterios ou de

novos paradigmas ou estelionataacuterios do velho Marx talvez aiacute esteja toda a

utilidade desse trabalho fora a pertinecircncia juriacutedica jaacute citada mas o seu valor

social residindo no empenho nietzscheano de derrubar no chatildeo o doce dessas

crianccedilas ricas e de dissipar os seus castelos de areia E muitos iacutedolos tecircm

seus castelos suas confrarias sempre a parte da sociedade mesmo quando

se dizem ponte para elas eacute preciso explodir essas vaacuterias paredes eacute o trabalho de

um incendiaacuterio a faculdade puacuteblica ainda estaacute muito distante da sociedade que a

sustenta Quem sabe colocar a vontade para interrogar o Poder seja um ato de

preocupaccedilatildeo social

Criacutetica da Modernidade ou o Direito como produto do esclarecimento

Natildeo soacute o Direito mas tambeacutem a sua linguagem codificada seus mitos

ficccedilotildees seus iacutedolos tudo produto do esclarecimento O Direito foi uma oacutetima

maquinaria inventada para coagir populaccedilotildees legitimar Estados governos e

assegurar Poder O Direito eacute instrumento de domiacutenio e daqueles que anseiam por

mais poder tambeacutem uma ferramenta de conquista Quem controla a justiccedila diz o

que eacute o direito a lei149 interpreta segundo os seus desiacutegnios ou quiccedilaacute de seu

time Como toda boa invenccedilatildeo Moderna o Direito como produto do

esclarecimento garantidor de direitos humanos-fundamentais e as liberdades

individuais das luzes tambeacutem pode legitimar a barbaacuterie a justiccedila eacute cega mas os

148 Desde que uma teoria penetra em determinado ponto ela se choca com a impossibilidade deter a menor consequumlecircncia praacutetica sem que se produza uma explosatildeo se necessaacuterio em um pontototalmente diferente Cf DELEUZE Gilles Ibidem

149Importante compreender esse direito do paradigma da Modernidade inscrito na loacutegica doabsolutismo juriacutedico em que a lei eacute a uacutenica fonte do direito excluindo todas as outras Segundodefiniccedilatildeo de Paulo Grossi ldquoO que eacute o Direitordquo p 1 a 34 In Primeira liccedilatildeo sobre direito TradRicardo Marcelo Fonseca Rio de Janeiro Forense 2006

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seus astuciosos representantes natildeo o satildeo O Estado nazista adotava

estratagemas juriacutedicos tal como estado de exceccedilatildeo com o fim de suspender os

direitos e as garantias individuais dos judeus e legitimar o genociacutedio150 Tal

como todas as boas coisas inventadas acaba por suprimir a si mesma151

Quanto ao estado de exceccedilatildeo a propoacutesito da obra de Giorgio Agamben

ex-aluno de Heidegger apresentado a este na eacutepoca por Hannah Arendt e

Professor de Esteacutetica em Veneza que escreve desse lugar de fala e trata de

temas pertinentes ao Direito Constitucional como o poder constituinte e estado

de exceccedilatildeo O que demonstra que a Esteacutetica natildeo eacute o lugar do idealismo como

sempre tem algueacutem para acusar e tambeacutem que pela esteacutetica se consegue

intensificar o debate da poliacutetica e do poder Agamben natildeo soacute porque estaacute na

moda mas por ser pensador que atua na arte literalmente jaacute foi ator de cinema

no filme de Paolo Pasolini O Evangelho Segundo Satildeo Mateus 1964 mas natildeo

apenas por isso pelo fato de trabalhar com a Esteacutetica certamente conhece

Nietzsche ainda mais porque eacute possiacutevel apontar leituras dele nos seus mestres jaacute

citados Agamben tambeacutem interage em suas obras com o pensamento de

Foucault e por isso seraacute oportunamente convocado a testemunhar nesse

trabalho em defesa de Nietzsche

Eacute preciso apontar para a criacutetica a legitimidade que investe o Direito das

luzes pois soacute eacute bom para os esclarecidos quando serve mais para otimizar a

administraccedilatildeo da justiccedila deles O estado de exceccedilatildeo na visatildeo de Agamben

natildeo eacute privileacutegio das tradiccedilotildees antidemocraacuteticas152 pois para ele o estado de

exceccedilatildeo tambeacutem estaacute presente na democracia

150 Cabe a referecircncia agrave obra de STEINER Jean-Franccedilois Treblinka Trad Christiano MonteiroOiticica Prefaacutecio de Simone de Beauvoir Satildeo Paulo Nova Fronteira 1978 Trata-se de relatosobre ldquotreblinkardquo que foi um dos maiores campos de concentraccedilatildeo nazista o autor vai reconstituir anarrativa pelo testemunho dos sobreviventes e contar a surpreendente histoacuteria de resistecircncia nolimiar da trageacutedia Sem ldquoidealismordquo talvez Foucault tenha acertado quando disse na suaMicrofiacutesica que ldquoonde haacute poder haacute resistecircnciardquo

151 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

152 Cf AGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 p 30

77

Desse modo a presenccedila da exceccedilatildeo faz implodir a crenccedila na democracia

como o sistema perfeito e tambeacutem demonstra que o direito garantidor de

liberdades sabe fazer o contraacuterio quando conveacutem E essa discussatildeo natildeo eacute sem

sentido quando se trata de Poder Direito Nietzsche como demonstra Oswaldo

Giacoacuteia Jr153

Se a exceccedilatildeo eacute o dispositivo original graccedilas ao qual o direito se refere agravevida (e aqui eacute conveniente atentar para o peso semacircntico e filosoacuteficotanto do dispositivo quanto de original) entatildeo a consequumlecircncia inevitaacuteveleacute que a violecircncia se institui como fato juriacutedico primordial e o direito natildeopode mais figurar como o posto como a negaccedilatildeo ou a supressatildeo daviolecircncia mas como a instituiccedilatildeo original e violenta da transiccedilatildeo e dapassagem da natureza agrave sociedade e agrave civilizaccedilatildeo da zoe agrave bios dobicho homem ao zoon politikon Ora essa inscriccedilatildeo da violecircncia nocoraccedilatildeo do direito e da poliacutetica constitui talvez o elemento fundamentaldaquilo que em Nietzsche poderiacuteamos reconhecer como uma filosofiado direito (Cf GIACOacuteIA Jr 2006 p95)

Quiccedilaacute ainda mais semelhanccedilas entre Foucault Agamben e Nietzsche

sejam descobertas quando se trata de criticar os poderes que investem o Direito

de sua aura canocircnica Quando Deus morreu os mais astuciosos chamados

por Nietzsche de os uacuteltimos homens os niilistas resolveram colocar o bezerro

de ouro no altar vazio tratava-se de alccedilar a ordem do sagrado outros iacutedolos

nisso os homens do esclarecimento foram muito competentes agiram como

artiacutefices da Modernidade cujo Direito que conhecemos eacute um dos seus filhos O pai

eacute a razatildeo e a maternidade incerta pois natildeo se sabe quanto tempo demorou essa

gestaccedilatildeo porque natildeo eacute de ontem que o homem busca regular a sua vida e a dos

outros Para Nietzsche a origem do Direito estaacute na diacutevida moral diacutevida que

poderia em certas condiccedilotildees autorizar ao credor impingir ao devedor o seu

creacutedito requerendo um naco de carne154 quando o Direito ao pagamento do

creacutedito se investe como direito sobre a vida sobre o corpo Continuando esse

153 Mais sobre o diaacutelogo de Agamben e Foucault em torno do pensamento de Nietzscheprincipalmente no que toca a temaacutetica do poder assinala GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo Odiscurso e o direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursos dodireito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

154 A propoacutesito Genealogia da Moral paacutegina muito provaacutevel que Nietzsche tenha sido influenciadopela leitura que fez de Shakespeare em o Mercador de Veneza haacute uma cena que retrata essedireito que Nietzsche problematiza quando Shylock perante o tribunal requer um naco de carnepor excisatildeo do peito de Antocircnio cobra uma diacutevida moral

78

debate Agamben trataraacute do homo sacer que eacute a figura que representa a vida

nua a qual pode ser morta que ningueacutem se importa155

Nesse sentido eacute uma tematizaccedilatildeo de uma leitura de Foucault a qual

aproveita a filosofia da teacutecnica de Heidegger formulada por ele do debate com o

pensamento de Nietzsche o que mais uma vez demonstra a pertinecircncia da leitura

de Nietzsche no Direito A discussatildeo no plano biopoliacutetico natildeo envolve tatildeo

somente o poder sobre o corpo como relatado da eacutepoca do direito arcaico da

diacutevida trata-se do debate mais atual sobre um direito que pretende controlar a

vida em todos os seus acircmbitos poder-saber sobre a populaccedilatildeo como diria

Foucault como tambeacutem as modalidades de exerciacutecio na geraccedilatildeo em laboratoacuterio

as pesquisas sobre o genoma as ceacutelulas-tronco como tambeacutem o debate sobre o

iniacutecio da vida descarte dos embriotildees excedentes156 como tambeacutem sobre o

teacutermino da vida o direito agrave morte como a eutanaacutesia Isso aponta para um Direito

oriundo do esclarecimento que salvo algumas adaptaccedilotildees emendas

reformulaccedilotildees conteacutem muito ainda do arcaico na sua origem e exerciacutecio

A linguagem ou o Ocaso do Direito

A linguagem fornece elementos que sustentam as decisotildees

encaminhamentos julgamentos eacute sempre um operar dos coacutedigos dos signos

linguiacutesticos como exerciacutecio de argumentaccedilatildeo juriacutedica campos de Poder O Direito

se orgulha muito de sua linguagem ela chega as vezes a ser tatildeo canocircnica como

seus dogmas afinal os dogmas se sustentam tambeacutem por linguagem Existe

aquela histoacuteria meia piada e um pouco de verdade que se o Direito fosse

escrito de modo popular natildeo haveria mais a necessidade de advogados ou

operadores do direito todos poderiam falar por si mesmos Hoje existem os

juizados especiais em que eacute permitido as pessoas comuns relatarem suas

demandas e arguumlir suas pretensotildees sem a necessidade de advogado eacute o

155 Cf AGAMBEN Giorgio Homo Sacer o poder soberano e a vida nua Trad Henrique BurigoBelo Horizonte Editora UFMG 2002 sp

156 Segundo Projeto de Lei nordm9099 tramitando no Congresso Nacional art 9ordm sect 4ordm

79

princiacutepio da celeridade e do acesso agrave justiccedila que satildeo corolaacuterios de um Direito

que se quer mais democraacutetico e avanccedilado contudo para as causas de maior

monta eacute imprescindiacutevel o advogado natildeo soacute porque exigiriam maior conhecimento

teacutecnico mas talvez porque se trata de proteger um campo de poder garantidor de

direitos mas tambeacutem de honoraacuterios Entatildeo estudamos para ser operadores do

Direito trabalhando com os seus conceitos

A criacutetica nietzscheana vai demonstrar que a linguagem esconde uma

moral a qual imputa um significado na relaccedilatildeo loacutegica da gramaacutetica aleacutem do

fetiche que a linguagem traz em termos de metafiacutesica Se tudo eacute interpretaccedilatildeo

natildeo haacute fatos toda explicaccedilatildeo eacute perspectiva a linguagem seraacute a exteriorizaccedilatildeo da

potecircncia dos dominantes Desse modo eacute preciso advogar a filosofia de Nietzsche

como genealogia de um estado de coisas a crise da Modernidade e do

esclarecimento iluminista e a decadecircncia de suas instituiccedilotildees no que se deve

incluir o Direito Para tanto o princiacutepio da interpretaccedilatildeo deve ser o proacuteprio

inteacuterprete aquele que se compromete ldquoeacuteticamenterdquo com aquilo que critica Assim

cabe pensar ldquocomrdquo e ldquoatraveacutesrdquo de Nietzsche mobilizar a paroacutedia e o jogo de

intensidades que requer o engajamento na arte traacutegica interrogando o Poder O

meacutetodo de interpretaccedilatildeo a partir de Nietzsche anuncia Foucault no coloacutequio de

Royamount dialogando Nietzsche Marx e Freud como nova hermenecircutica para

operar a genealogia dos signos do Ocidente Diante da crise da Modernidade e

suas instituiccedilotildees a ldquomorte de Deusrdquo entendida como a ldquomorte do esclarecimentordquo

e criacutetica da razatildeo iluminista afirma Foucault

Em Nietzsche estaacute claro que a interpretaccedilatildeo permanece semacabarSe a interpretaccedilatildeo natildeo se pode nunca acabar isto quersimplesmente significar que natildeo haacute nada a interpretar Natildeo haacute nadaabsolutamente primaacuterio a interpretar porque no fundo jaacute tudo eacuteinterpretaccedilatildeo cada siacutembolo eacute em si mesmo natildeo a coisa que se ofereceaacute interpretaccedilatildeo mas a interpretaccedilatildeo de outros siacutembolosE eacute umarelaccedilatildeo mais de violecircncia que de elucidaccedilatildeo a que se estabelece nainterpretaccedilatildeo De fato a interpretaccedilatildeo natildeo aclara uma mateacuteria que como fim de ser interpretada se oferece passivamente ela necessitaapoderar-se e violentamente de uma interpretaccedilatildeo que jaacute estaacute ali quedeve trucidar revolver e romper a golpes de marteloDesta mesmaforma Nietzsche apodera-se das interpretaccedilotildees que satildeo jaacute prisioneirasumas das outras Natildeo haacute para Nietzsche um significadooriginalNietzsche diz que as palavras foram sempre inventadas pelasclasses superiores natildeo indicam um significado impotildeem uma

80

interpretaccedilatildeo (Cf FOUCAULT sano p 21-24)

Nesse sentido cabe advogar o pensamento de Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o poder para a criacutetica do Direito De onde emerge a importacircncia do

estudo da linguagem nietzscheana do uso da paroacutedia da estrateacutegia de se

apropriar do significado dado157 para que seja reinterpretado e funcione de modo

inaudito158 ou como aponta Vattimo fazer a re-escrita paroacutedica do texto

metafiacutesico159 A linguagem nietzscheana estabelece um jogo de intensidades

proacuteprio do meacutetodo genealoacutegico que imporaacute uma interpretaccedilatildeo no perspectivismo

cujo criteacuterio seraacute a vida no seu fluxo amor fati

ldquoMinha foacutermula para a grandeza no homem eacute amor fati nada quererdiferentemente seja para traacutes seja para frente seja em toda aeternidade Natildeo apenas suportar o necessaacuterio menos ainda oculta-lo ndashtodo idealismo eacute mendancidade ante o necessaacuterio ndash mas amaacute-lo(CfNIETZSCHE 1995 p51)

Se natildeo existem fatos mas tudo eacute interpretaccedilatildeo segundo Nietzsche as

palavras nada mais satildeo do que interpretaccedilotildees e ldquomaacutescarasrdquo Nos cabe interpretar

as interpretaccedilotildees realizando a pergunta de por quem interpretou Recomenda

Foucault

A interpretaccedilatildeo encontra-se diante da obrigaccedilatildeo de interpretar-se a simesma ateacute o infinito de voltar a encontrar-se consigo mesma Daqui sedesprendem duas consequumlecircncias importantes A primeira refere-se aque a interpretaccedilatildeo seraacute sempre sucessivamente a interpretaccedilatildeo deldquoquemrdquo natildeo se interpreta realmente quem propocircs a interpretaccedilatildeo Oprinciacutepio da interpretaccedilatildeo natildeo eacute mais do que o inteacuterprete e este talvezseja o sentido que Nietzsche deu a palavra ldquopsicologiardquo A segundaconsequumlecircncia refere-se que ao interpretar-se sempre a si mesma natildeopode deixar de voltar-se sobre si mesmaA morte da interpretaccedilatildeo eacutecrer que haacute siacutembolos que existem primariamente originalmenterealmente como marcas coerentes pertinentes e sistemaacuteticasrdquo (CfFOUCAULT sano p 26)

157 Uma relaccedilatildeo de forccedilas que se inverte um poder confiscado um vocabulaacuterio retomado evoltado contra seus utilizadores uma dominaccedilatildeo que se enfraquece se distende se envenenae uma outra que faz sua entrada mascarada Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder TradRoberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 28158 Cf MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 sp

159 Cf VATTIMO Gianni As aventuras da diferenccedila o que significa pensar depois de Heidegger eNietzsche Ediccedilotildees 70 Lisboa 1980 sp

81

Com Nietzsche a interpretaccedilatildeo se daacute como relaccedilatildeo de forccedilas dinacircmica e

pragmaacutetica pois interpretar eacute abrir-se para o mundo160 Ao desmoralizar a

autoridade da linguagem Nietzsche abre espaccedilo para uma eacutetica daquele que se

implica no texto lido161 se comprometendo com o que critica para isso natildeo pode

tomar o mestre como iacutedolo mas questionar constantemente os fundamentos

Eacute preciso ldquose pocircr em guardardquo contra o mestre162 e aprender a pensar com

e atraveacutes de Nietzsche como criacutetica ao Poder Aqueles acostumados a ler o

Direito pelos coacutedigos parados no tempo da metafiacutesica pelas doutrinas

jurisprudecircncias e suas reproduccedilotildees certamente se ofenderatildeo com o expediente

nietzscheano de subverter a linearidade promovendo deslocamentos de

intensidades no texto163 seja pela paroacutedia ou pela re-escrita dele faz naufragar a

metafiacutesica164 partindo-a com a potecircncia que lhe atravessa dobrando os signos

explodindo o texto em fragmentos para serem bricolados

Nesse momento desta defesa cabe trazer o testemunho do antropoacutelogo

Claude Leacutevi-Strauss na sua obra o Pensamento Selvagem sobre a ideacuteia de

bricolagem

Em nossos dias o bricoleur eacute aquele que trabalha com suas matildeos estaacuteapto a executar um grande nuacutemero de tarefas diversificadas a regra de

160 Cf GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclomutaccedilotildees novas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de2007 notas de proacuteprio punho

161 Ataco somente causas em que natildeo encontraria aliados em que estou soacute ndash em que mecomprometo sozinhoNunca dei um passo em puacuteblico que natildeo me comprometesse ndash este eacute o meucriteacuterio do justo obrar Cf NIETZSCHE p 32 Ecce homo idem

162 Nietzsche indica que ldquoeacute preciso se pocircr em guarda contra mim tambeacutemrdquo afinal ele natildeo quer servisto como um santo

163 Faccedila rizoma e natildeo raiz nunca plante Natildeo semeie pique Natildeo seja nem uno nem muacuteltiplo sejamultiplicidades Faccedila a linha e nunca o ponto A velocidade transforma o ponto em linha22 Sejaraacutepido mesmo parado Linha de chance jogo de cintura linha de fuga Cf DELEUZE Gilles MilPlatocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995p 34-35

164 ldquoO que se encontra no comeccedilo histoacuterico das coisas natildeo eacute a identidade ainda preservada daorigem eacute a discoacuterdia entre as coisas eacute o disparaterdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica dopoder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p18

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seu jogo eacute sempre arranjar-se com os ldquomeios-limitesrdquo isto eacute umconjunto sempre finito de utensiacutelios e de materiais bastante heteroacuteclitosporque a composiccedilatildeo do conjunto eacute o resultado contingente de todas asoportunidades que se apresentaram para renovar e enriquecer oestoque ou para mantecirc-lo com os resiacuteduos de construccedilotildees e destruiccedilotildeesanteriores (Cf LEVI-STRAUSS 1989 32-33)

Para que a ideacuteia fique mais clara para o campo juriacutedico importante trazer

tambeacutem o testemunho do juiz de direito e doutor pela mesma universidade que

defendo este trabalho Alexandre Morais da Rosa que trabalhou o meacutetodo de

Levi-Strauss no processo penal como colagem de significantes aponta que

ldquoJogo de palavras em que a liacutengua eacute o teatro exercitando-se com saber + sabor

o trabalho de deslocamento de significantes de suspensatildeo de significacircncia de

deslizamentos isto eacute bricolagemrdquo (Cf ROSA 2006 379) Nisso quem faz a

bricolagem eacute aquele que

Executa um trabalho sem que exista um plano riacutegido previamentedefinido mas que se deixa levar pelos utensiacutelios que possui agrave matildeoconstruindo remontando colando () No caminhar da construccedilatildeoqualquer material pode ser importante pois sua loacutegica eacute lsquoisso semprepode servirrsquo diversamente do engenheiro que estaacute encerrado nos limitesde seu projeto ou seja natildeo descarta os significantes que natildeoconformam com sua preacutevia ideacuteia (Cf ROSA 2006 364)

Eacute certo que Deleuze Foucault Derridaacute iratildeo se queixar da presenccedila dessa

estranha testemunha (Levi-Strauss) que eacute apontada no meio cientiacutefico como

estruturalista enquanto que eles se consideram natildeo-estruturalistas165 Ele natildeo eacute

do nosso time Certamente essa eacute uma reaccedilatildeo perigosa ainda mais quando eacute

na frente dos acusadores sempre a espreita querendo farejar situaccedilotildees para

novas imputaccedilotildees ao Nietzsche reacuteu Mas como jaacute havia avisado ao contestar as

acusaccedilotildees de poacutes-moderno natildeo se trata de um Nietzsche de um time o

exerciacutecio dessa advocacia natildeo se arranjaraacute com a fianccedila de nenhuma confraria

165 Nem Deleuze nem Lyotard nem Guattari nem eu nunca fazemos anaacutelise de estrutura natildeosomos absolutamente estruturalistas Se me perguntasse o que faccedilo e o que os outros fazemmelhor do que eu diria que natildeo fazemos pesquisa de estrutura Faria um jogo de palavras ediriaque procuramos fazer aparecer o que na histoacuteria de nossa cultura permaneceu ateacute agoraescondido mais oculto mais profundamente investido as relaccedilotildees de poderrdquo Cf FOUCAULTMichel A verdade e as formas juriacutedicas Trad Roberto Machado Rio de Janeiro PUC-Rioeditora 2002 p 30

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natildeo eacute defesa associada a ningueacutem o compromisso eacute apenas com o reacuteu Quanto a

bricolagem antes da testemunha prosseguir Derridaacute expotildee que eacute preciso que os

etnoacutelogos tambeacutem saibam fazer bricolagens natildeo apenas falem delas166 Fazer a

bricolagem com os signos jogar com eles promover o jogo de intensidades

ousando deslocar os mitos da linguagem embaralhando-a confundindo os

censores Ora essa bricolagem estruturalista de Levi-Strauss natildeo estaacute muito

distante na perspectiva da vontade de poder do modo de agir daquele time de

qualquer modo uma investigaccedilatildeo de semelhanccedilas e dessemelhanccedilas natildeo cabe

nesse processo sob pena de perder de vista a mateacuteria e ser julgado como

deserto

O que interessa eacute fazer a apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem

enquanto jogo de intensidades que corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe

outro sentido uma hermenecircutica do fragmento para colar se deve usar a tinta

pessoal seria o sangue o proacuteprio167 Ou para natildeo assustar os jurados que se

use a metaacutefora daquele que trabalha um mosaico cortando e recortando revistas

jornais e com o uso de cola pincel e tinta vai sujar os proacuteprios dedos na

atividade e que assim seja pois se implica no que faz haacute um comprometimento

eacutetico no sentido niezstcheano com a bricolagem como empreendimento de

uma vontade de poder que se agenciou das peccedilas168 eacute como uma fabriqueta de

bombas que se deve compreender essa bricolagem que fornece recursos

criativos para novas explosotildees com um tipo de dinamite que natildeo se perde ao

estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Esse eacute o pensamento nietzscheano aplicado na bricolagem Ainda em

Deleuze no livro Mil Platocircs que escreve em parceria com Feacutelix Guattari encontra-

166 Cf DERRIDA Jacques Gramatologia Trad Miriam Schnaiderman Satildeo Paulo Perspectivaed Da Universidade de Satildeo Paulo 1973 sp

167 Soacute aprecio o que eacute escrito com o proacuteprio sangue Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

168 A relaccedilatildeo de uma maacutequina de guerra com o fora natildeo eacute um outro modelo eacute um agenciamentoque torna o proacuteprio pensamento nocircmade que torna o livro uma peccedila para todas as maacutequinasmoacuteveis uma haste para um rizoma Cf DELEUZE Gilles GUATTARI Feacutelix Mil Platocircscapitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p36

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se a ideacuteia de rizoma

Resumamos os principais caracteres de um rizoma diferentemente dasaacutervores ou de suas raiacutezes o rizoma conecta um ponto qualquer comoutro ponto qualquer e cada um de seus traccedilos natildeo remetenecessariamente a traccedilos de mesma natureza ele potildee em jogo regimesde signos muito diferentes inclusive estados de natildeo-signos Ele natildeo temcomeccedilo nem fim mas sempre um meio pelo qual ele cresce etransborda Oposto a uma estrutura que se define por um conjunto depontos e posiccedilotildees por correlaccedilotildees binaacuterias entre estes pontos erelaccedilotildees biuniacutevocas entre estas posiccedilotildees o rizoma eacute feito somente delinhas linhas de segmentaridade de estratificaccedilatildeo como dimensotildeesmas tambeacutem linha de fuga ou de desterritorializaccedilatildeo como dimensatildeomaacutexima segundo a qual em seguindo-a a multiplicidade semetamorfoseia mudando de natureza O rizoma procede por variaccedilatildeoexpansatildeo conquista captura picada Oposto ao grafismo ao desenhoou agrave fotografia oposto aos decalques o rizoma se refere a um mapaque deve ser produzido construiacutedo sempre desmontaacutevel conectaacutevelreversiacutevel modificaacutevel com muacuteltiplas entradas e saiacutedas com suaslinhas de fuga (Cf DELEUZE 1995 p 31-32)

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho

Um rizoma natildeo comeccedila nem conclui ele se encontra sempre no meioentre as coisas inter-ser intermezzoEntre as coisas natildeo designa umacorrelaccedilatildeo localizaacutevel que vai de uma para outra e reciprocamente masuma direccedilatildeo perpendicular um movimento transversal que as carregauma e outra riacho sem iniacutecio nem fim que roacutei suas duas margens eadquire velocidade no meio (CfDELEUZE 1995 p 37)

A constituiccedilatildeo dele eacute por platocircs

No rizoma circula estados todo tipo de ldquodeviresrdquo um rizoma eacute feito deplatocircs serve-se da palavra platocirc para designar algo muito especialuma regiatildeo contiacutenua de intensidades vibrando sobre ela mesma e quese desenvolve evitando toda orientaccedilatildeo sobre um ponto culminante ouem direccedilatildeo a uma finalidade exterior Cada platocirc pode ser lido emqualquer posiccedilatildeo e posto em relaccedilatildeo com qualquer outro Para omuacuteltiplo eacute necessaacuterio um meacutetodo que o faccedila efetivamente nenhumaastuacutecia tipograacutefica nenhuma habilidade lexical (Cf DELEUZE 1995 p32-33)

Os platocircs podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico tal como aponta

85

Agamben na sua obra profanaccedilotildees169

Talvez desse jogo luacutedico o Direito possa aprender alguma coisa o que

portanto natildeo eacute nenhum onamismo intelectual de que se trata mas de um

engajamento aprendido pelas descobertas feitas por uma odisseacuteia para aleacutem do

texto metafiacutesico juriacutedico que nesse nomadismo traz outras abordagens Como

aponta Agamben citando Walter Benjamin eacute preciso que o Direito seja operado

de modo luacutedico natildeo para devolvecirc-lo ao seu uso canocircnico mas para libertaacute-lo

completamente dele170 Quiccedilaacute seja mais adequado falar que a linguagem do

Direito eacute o seu niilismo por escrito e isto ainda o levaraacute a seu Ocaso

O Direito em crise ou o crepuacutesculo de suas verdades

Os acusadores ou farejadores de heresias perante o altar da razatildeo

acadecircmica poderatildeo eacute meu vaticiacutenio julgar que ateacute aqui soacute vieram depor na

defesa testemunhas da filosofia talvez com a exceccedilatildeo de um antropoacutelogo todos

eram leitores de Nietzsche e por isso seus depoimentos natildeo deveriam ser

considerados jaacute que satildeo suspeitos para afirmar alguma coisa Aleacutem do mais

este eacute um trabalho de conclusatildeo de curso de Direito e natildeo de filosofia com o f

minuacutesculo mesmo e que diante dos testemunhos trazidos se deveria julgar que eacute

no maacuteximo um trabalho de filosofia sobre o Direito e natildeo de Filosofia do Direito

Com isso pretenderiam os acusadores ligeiros em deslegitimar o que foi dito ateacute

aqui novamente apontar a inutilidade desse trabalho inserindo-o como um mero

exerciacutecio esteacutetico pois fala sobre o Direito do ponto de vista da filosofia para natildeo

serem rigorosos em demasia e convencer os jurados os acusadores diriam que o

trabalho teve o meacuterito de ao menos trazer as ideacuteias de um pensador que natildeo eacute

estudado pelo Direito o reacuteu Nietzsche mas que nada aleacutem disso natildeo logrou

trazecirc-lo para o Direito no maacuteximo ilustrou uma histoacuteria do direito com as ideacuteias

nietzscheanas E se natildeo trouxe ao Direito foi principalmente pela ausecircncia de

169 Cf AGAMBEN Giorgio Profanaciones Trad Flaacutevia Costa y Edgardo Castro Buenos AiresAdriana Hidalgo editora 2005 sp

170 CfAGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 sp

86

testemunhos de intelectuais do Direito eis aiacute a fundamentaccedilatildeo uacuteltima dos

acusadores sua tentativa de imputar uma condenaccedilatildeo definitiva a do reacuteu como

um autor inuacutetil ao Direito trata-se de arguumlir a ausecircncia de testemunhos

propriamente juriacutedicos e nisso vencer a causa por ausecircncia de provas materiais

da defesa Vale tudo desde que se declare a condenaccedilatildeo do reacuteu para a

satisfaccedilatildeo do acusadores essa sim onamista natildeo de um gozo sem prazer mas

a satisfaccedilatildeo daqueles que buscam solitariamente no Direito o prazer quase sexual

de suas respostas mesmo que ao custo do escalpelamento do reacuteu essa

dissecaccedilatildeo ciruacutergica que eacute a retoacuterica juriacutedica no seu intento de condenar por

juiacutezos a priori e talvez nesse onamismo tambeacutem haja um pouco de sadismo

cujo empreendimento desses acusadores ou seriam torturadores seria o de

arrancar as unhas do reacuteu ao escalpelo para que confesse logo sua culpa e pare

de dar trabalho ao juacuteri com sua estranha presenccedila Contra esse empreendimento

autosatisfeito da acusaccedilatildeo cabe opor os princiacutepios do contraditoacuterio e da ampla

defesa e da presunccedilatildeo de inocecircncia do reacuteu corolaacuterios do Estado Democraacutetico de

Direito jaacute que na ecircnfase acusatoacuteria o que se nota eacute uma presunccedilatildeo de culpa

Esse processo penal que temos ao que parece eacute bastante inquisitoacuterio pois nega a

legitimidade da defesa e o tempo todo busca produzir provas que confirmem o jaacute

decidido Isso demonstra que o Direito quando busca solitariamente o prazer de

responder as suas demandas com justiccedila a despeito de toda a objetividade de

suas normas seus princiacutepios seus a prioris age muitas vezes com o

subjetivismo proacuteprio dos detratores Tatildeo ligeiros na acusaccedilatildeo que negam os

princiacutepios que a prioristicamente datildeo a razatildeo de ser ao Direito que alegam

representar Ora esses acusadores representantes do Direito da lei da

ordem da justiccedila em nome da democracia ou com o poder conferido pelo

povo com o seu subjetivismo se colocam para fora do Direito isso sim o que

deve ser denunciado que nenhum direito tecircm nos seus circunloacutequios senatildeo

aquele que avaliza as suas verdades

Eacute preciso contestar a legitimidade dos que acusam e alegar natildeo soacute a

pertinecircncia juriacutedica deste trabalho como o fato de ser um trabalho de filosofia

mas do Direito Natildeo apenas como exerciacutecio de advocacia para defender o

87

Nietzsche reacuteu mas como questionamento radical das verdades juriacutedicas o que

soacute poderia acontecer como um colocar de dinamites dentro do Direito Trata-se

de Filosofia do Direito como quiserem os acusadores de f maiuacutesculo pouco

importa jaacute que o trabalho se reconhece natildeo onamista pois recusa a visatildeo dos

saberes compartimentados se eacute trabalho de conclusatildeo de um curso de Direito

solitaacuterio no seu templo eacute antes o resultado de um nomadismo universitaacuterio

portanto natildeo eacute Direito estrito senso Quiccedilaacute o problema do Direito e a filosofia de

Nietzsche eacute o colocar em duacutevida dos fundamentos seja a sua vontade de

verdade vontade de sistema ou mais claramente falando o seu caraacuteter estrito

senso o qual investe o recorte acadecircmico e tambeacutem aquele que se daacute sobre a

realidade que julga o direito que vive no templo natildeo vai a rua natildeo se nomadiza

Assim o Direito de que se orgulham os acusadores ao falar em seu nome seria

qualquer outra coisa menos direito Pois na sua vontade de sistema o Direito

precisa reduzir as coisas cortaacute-las diminuiacute-las natildeo soacute as iniciais dos outros

saberes minuacutesculos perante Ele mas tambeacutem trabalhar na loacutegica do estrito

senso para satisfeito ou seria autosatisfeito fazer justiccedila Nesse sentido o

nomadismo potildee em risco essa loacutegica do recorte proacutepria aos operadores e

meacutedicos legistas do direito e da lei para forccedilar a estrutura a uma criacutetica radical de

seus fundamentos entrando no templo da faculdade de Direito com um outro

anuacutencio tal como no aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia um homem louco entrou

em diversas igrejas sendo expulso de todas elas ousou dizer que Deus estava

morto e que foi o proacuteprio homem que o matou e que aquelas igrejas natildeo eram

mais do que tuacutemulos dele171

Talvez seja preciso dizer dentro do templo do Direito que este lugar natildeo

eacute mais do que seu tuacutemulo e que seu cadaacutever o tempo todo eacute conspurcado pela

loacutegica do estrito senso do corte dos legistas e dos operadores que falam em seu

nome seus proacuteprios assassinos homicidas do Direito Natildeo se fez a autoacutepsia mas

eacute de supor que uma das principais causas tenha sido o d maiuacutesculo sobreposto

aos demais saberes com a autoridade do mais verdadeiro pois alccedilado a

171 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

88

condiccedilatildeo de iacutedolo que do seu altar responde pelos desiacutegnios de justiccedila Eacute

preciso contestar a supremacia do maiuacutesculo ousar derrubar mais esse iacutedolo

como apenas mais um nome para um ideal e quem sabe desprovido do seu

caraacuteter canocircnico para se assumir como uma invenccedilatildeo do homem tatildeo minuacutescula

quanto as outras possa aprender a dialogar com os outros saberes e a duvidar de

suas verdades O direito no minuacutesculo tatildeo igual aos outros natildeo melhor ou

maior e mais adequado seria dizer que este trabalho eacute de filosofia do direito e

abolido estaacute o maiuacutesculo pois esse eacute um obstaacuteculo arrogante ao nomadizar

universitaacuterio Continuemos a defesa trazendo entatildeo testemunhos de intelectuais

do direito agora sempre no minuacutesculo como os civilistas O direito da

racionalidade moderna eacute da loacutegica proprietaacuteria direito herdado do coacutedigo

napoleocircnico o qual serviu de modelo ao coacutedigo civil de 1916 aponta Fachin e

ainda De 1916 para o novo coacutedigo civil de 2002 natildeo se mudou muito em termos

de estrutura172 Eacute o direito do ter e natildeo do ser que foi legado pelo

esclarecimento o que para natildeo se cometer injusticcedila Fachin acredita numa

leitura do direito civil pela constituiccedilatildeo na superaccedilatildeo da dicotomia do sujeito

separado do objeto pela razatildeo moderna a qual trabalhou intuito de cortar a

realidade a seu gosto simplificando-a nos coacutedigos A tentativa eacute de interpretar os

coacutedigos atraveacutes dos princiacutepios constitucionais que conteriam a saiacuteda para o

verdadeiro direito e para a realizaccedilatildeo da justiccedila Cabe trazer o testemunho dos

penalistas aos quais o processo penal eacute inquisitoacuterio ou conforme Juarez Tavares

Eacute um direito penal que age com presunccedilatildeo de culpa173 ou ainda conforme

Pavarini Eacute um direito penal da modernidade com traccedilos de preacute-modernidade174

172 Cf FACHIN Luiacutes Edson Direitos fundamentais e os desafios do direito privado brasileirocontemporacircneo a partir da incidecircncia constitucional In Painel de Direito Civil semana acadecircmicado Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacuteprio punho em setembro de2008

173 Cf TAVARES Juarez Sistema penal e direitos fundamentais In Painel de Direito Penalsemana acadecircmica do Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacutepriopunho em setembro de 2008

174 Cf PAVARINI Massimo Democracia consenso social e penalidade As tendecircncias atuaisnas poliacuteticas penais e de encarceramento no mundo Escola de Altos Estudos da CapesDepartamento de poacutes-graduaccedilatildeo em direito da UFPR anotaccedilotildees de proacuteprio punho setembro de2008

89

Esses testemunhos satildeo resultado de um apanhado de notas tiradas de palestras

havidas nesses uacuteltimos dias nas veacutesperas da escritura da monografia ou com ela

jaacute em andamento

Essa confissatildeo acentua a escolha deste trabalho pela bricolagem

quando tudo pode servir175 natildeo haacute projeto anterior todo este trabalho derivou

da pergunta por que ler Nietzsche no direito E estaacute a deriva das provaacuteveis

respostas navegando os afluentes de um rizoma Foram apresentados o

testemunho de alguns intelectuais do direito nessa defesa eacute preciso denunciar a

ineacutepcia dos que acusam o abandono do juriacutedico neste trabalho afinal estudiosos

do direito acabaram de ser convocados a depor contra a racionalidade moderna

que investe esse direito produto do esclarecimento Ao ensejo tambeacutem cabe a

denuacutencia de que muito se valoriza ainda a filosofia do direito que parta do

referencial kantiano metafiacutesico da norma fundamental e que o direito eacute ainda

muito crente nas verdades da razatildeo moderna legada pelas luzes com sua

pretensatildeo de universalidade travestida da bondade da pregaccedilatildeo dos direitos

humanos e princiacutepios abstratos Nisso cabe tambeacutem criticar o quantum de

racionalidade moderna que estaacute presente tambeacutem nas constituiccedilotildees que se

arrogam cartas de princiacutepios sendo que todas foram escritas por representantes

do povo este o nome para quem ocupa as cadeiras do poder As constituiccedilotildees

natildeo satildeo a saiacuteda miraculosa para a verdade dos direitos e da justiccedila o que se

fosse verdade poderia salvar um direito que no seu altar faz muitas

promessas Natildeo haacute messianismo na constituiccedilatildeo como jaacute se descobriu que natildeo

haacute nos coacutedigos o que jaz positivado nelas tambeacutem satildeo coacutedigos mesmo que mais

sofisticados Tambeacutem satildeo simplificaccedilotildees da realidade ao gosto dos legisladores

da eacutepoca sempre dispostos a realizar uma nova emenda no texto os homens que

exercem o seu poder em nome deles mesmos ou de seu time Eacute preciso

derrubar o iacutedolo profanaacute-lo natildeo apenas lhe retirando a supremacia da inicial

maiuacutescula mas tambeacutem a feacute nos seus cacircnones natildeo para colocaacute-la em outro

175 Cf ROSA Alexandre Morais da Decisatildeo Penal Bricolage de Significantes Rio de JaneiroLuacutemen Juacuteris 2006 sp e tambeacutem Cf LEVI-STRAUSS Claude O Pensamento Selvagem TradTacircnia Pellegrini Campinas SP Papirus 1989 sp

90

lugar transportando-a dos coacutedigos para a constituiccedilatildeo Atualmente o direito

sustenta uma desfuncionalidade que eacute a sua proacutepria funcionalidade176 conforme

Lecircnio Streck jurista e leitor de Heidegger e Gadamer os quais tambeacutem foram

leitores de Nietzsche

Eacute a crise do direito e o crepuacutesculo de suas verdades cuja palavra natildeo eacute

sem sentido do ponto de vista filoloacutegico segundo o dicionaacuterio177 crepuacutesculo se

trata da luminosidade indecisa que precede o nascer do sol ou persiste algum

tempo depois do ocaso crepuacutesculo tambeacutem quer dizer o proacuteprio ocaso e uma

decadecircncia gradual Esse eacute o diagnoacutestico nietzscheano para um direito da

tradiccedilatildeo conservador elitista e filho da modernidade que cresceu brincando

nos escombros da preacute-modernidade cuja histoacuteria se confunde com a da

propriedade para Wolkmer jurista e historiador que escreve na sua obra histoacuteria

do direito no brasil desde os primeiros momentos as faculdades de direito

serviram para formar as elites os administradores da justiccedila e do poder

A implantaccedilatildeo dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil em 1827um em Satildeo Paulo e outro em Recife (transferindo de Olinda em 1854)refletiu a exigecircncia de uma elite sucessora da dominaccedilatildeo colonizadoraque buscava concretizar a independecircncia poliacutetico-cultural recompondoideologicamente a estrutura de poder e preparando nova camadaburocraacutetico-administrativa setor que assumia a responsabilidade degerenciar o paiacutes (Cf WOLKMER 1999 80)

Ainda paira no templo do direito onde ele eacute ensinado aquela

luminosidade indecisa que vem depois do ocaso ou como um sinal de que ele

estaacute proacuteximo numa decadecircncia gradual

A Gaia Ciecircncia ou ldquoaurorardquo do direito

O crepuacutesculo eacute tambeacutem aquela luminosidade indecisa que precede o

nascer do Sol nisso o sentido da palavra se confunde com o de aurora (cujo

sentido filoloacutegico quer dizer luz que precede o nascer do Sol aurora tambeacutem

176 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

177 ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

91

quer dizer princiacutepio178) Aurora tambeacutem eacute o nome para uma obra de Nietzsche

que iraacute escrever muitas auroras ainda natildeo brilharam inspirado por leituras

miacutesticas do Rig-Veda livros da sabedoria indiana179 A presenccedila da palavra

crepuacutesculo tambeacutem estaacute em outro livro de Nietzsche o crepuacutesculo dos iacutedolos

ou como filosofar a golpes de martelo o qual comeccedila com a descriccedilatildeo de quatro

erros apontando para uma criacutetica radical da modernidade Aurora crepuacutesculo

esse jogo de intensidades foi o modo que achou de atacar as luzes mostrando

o conteuacutedo de sombra que escondem

Desse modo o reacuteu Nietzsche exprime o seu pensar acusado de miacutestico

por alguns e considerado obscuro por outros dentre eles Heidegger que teria

dito que a verdadeira filosofia de Nietzsche se depreende de suas cartas e natildeo de

seus aforismas os quais para esse Heidegger analiacutetico mais dissimulavam a

filosofia dele do que a explicitavam Eacute a insistecircncia na metaacutefora tal como a de seu

Zaratustra personagem solar que iraacute viver algumas metamorfoses enfrentando a

rejeiccedilatildeo puacuteblica de suas ideacuteias de seu anuacutencio banido ao deserto teraacute que

aprender a viver natildeo apenas na luz mas tambeacutem nas sombras conhecer o

crepuacutesculo para enxergar a aurora (como se renovar sem se tornar cinzas Eacute o

mito da fecircnix segundo Nietzsche em seu Zaratustra interpretado por Maria

Cristina Franco Ferraz180)

Isso quer dizer que eacute preciso viver o niilismo seja pela constataccedilatildeo da

morte do iacutedolo seja pela insistecircncia desses uacuteltimos homens seus assassinos

em tentar ocultar e conspurcar o cadaacutever com outras crenccedilas no lugar e viver no

sentido nietzscheano eacute o nomadizar-se com o espiacuterito de aventura e correndo

riscos Eacute preciso aceitar o niilismo para ultrapassaacute-lo esse eacute o teste para a

vontade de poder que exige o aleacutem-do-homem uma tarefa para quem conseguir

dobrar e agenciar as forccedilas sobrevivendo ao jogo delas que subsume os

crentes o rebanho e seus pastores na feacute do iacutedolo inespugnaacutevel O

178 Segundo ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

179 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

180 Ibidem

92

ultrapassamento do niilismo eacute a transvaloraccedilatildeo dos valores um empenho

eacutetico de trecircs metamorfoses segundo Nietzsche o camelo o leatildeo e a crianccedila181

Eacute a assunccedilatildeo de uma responsabilidade traacutegica muitas auroras ainda natildeo

brilharam e quando soacute se enxerga sombra e crepuacutesculo pouca esperanccedila haacute e

qualquer bezerro de ouro vira iacutedolo sinal do messianismo desse modo de

pensar decadente e niilista O caminho da transvaloraccedilatildeo eacute o que se daacute como

nomadizar-se como travessia da crise como atravessamento de forccedilas que se

chocam com o fundamento de onde nascem os valores talvez natildeo ainda o iacutedolo

derrubado que se fala este permanece no altar mas da pedra fundamental que

sustenta o templo ou esse mausoleacuteu sepulcro suntuoso Talvez depois da

explosatildeo causada por essas dinamites nietzscheanas brilhe uma possiacutevel

aurora ao direito agora visto como gaia ciecircncia pois alegre e luacutedico Escreve

Nietzsche na Gaia Ciecircncia aforisma 108

Depois de Buda ter morrido sua sombra foi mostrada em uma cavernadurante seacuteculos uma sombra enorme e aterradora Deus morreu mastal como os homens durante milecircnios ainda haveraacute cavernas nas quaisse mostraraacute sua sombra Enquanto a noacutes eacute tambeacutem necessaacuterio quevenccedilamos a sua sombra (Cf NIETZSCHE 2005 p101)

E o templo em que se ensina o direito eacute tambeacutem o lugar onde reina uma

sombra aterradora a de suas verdades dogmas teacutecnicas conceitos

arbitrados ou fetichizados porque instrumentalizados pelos operadores do direito

esses administradores vestindo terno e gravata ou agrave social que tatildeo logo adentram

ao culto dessa sombra jaacute incorporam os seus preceitos morais O ocaso do

direito eacute a sombra que paira no templo lugar que eacute erigido pela tradiccedilatildeo seja

na faculdade no foacuterum nos gabinetes a sombra esconde o direito que eacute velado

pelos seus administradores com o cinismo daqueles que comparecem ao veloacuterio

do proacuteprio crime Eacute o rebanho catequizado ou acostumados ao palavroacuterio dos

outros que natildeo entende o anuacutencio de Zaratustra e logo iratildeo julgaacute-lo louco ou

ainda um novo pastor a defender a imoralidade a ausecircncia de qualquer valor

moral ou eacutetica encontrando assim justificativas para a total permissividade deles

181 ldquoDas trecircs metamorfosesrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra TradMaacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

93

mesmos Natildeo suficientemente fortes o bastante para se justificarem ainda

precisam acreditar em alguma coisa Assim acostumados ao direito dos coacutedigos

das cartilhas ao culto da razatildeo acadecircmica leia-se ornamental julgaratildeo

qualquer empreendimento que escape ao lugar comum de inuacutetil de heresia

como natildeo direito Dessa forma eacute que esses seguidores da sombra

demonstram seu desejo pelo iacutedolo o direito com d maiuacutesculo acima dos

demais saberes porque mais legiacutetimo que todos e para isso inescrupulosamente

cometeratildeo toda sorte de falsificaccedilotildees como for mais conveniente Esse natildeo eacute

apenas o comportamento dos niilistas mas tambeacutem eacute o dos realizadores do

niilismo Por essas palavras entenda-se natildeo a figura daqueles que acreditam mas

a daqueles que precisam acreditar em alguma coisa que tem o iacutedolo como

muleta dai nos Zaratustra esse super-homem que vocecirc fala (gritam os homens

na praccedila182) agem como crentes com submissatildeo pois sem o iacutedolo ou sem um

novo natildeo saberiam sustentar em andaimes seguros a sua proacutepria existecircncia Com

iacutempeto semelhante tambeacutem se comportam os adeptos da razatildeo ornamental

assiacuteduos leitores da doutrina repisada dos manuais juriacutedicos que na condiccedilatildeo de

aristocratas do conhecimento vestindo agrave social julgam e advogam a causa dos

outros com a feacute no poder do direito da lei dos coacutedigos ou da constituiccedilatildeo Eacute se

assenhorando do direito como objeto da verdade que natildeo eacute mais do que a

muleta para as suas convicccedilotildees que procuraratildeo reafirmaacute-las quando acusam

Nisso os aristocratas do conhecimento em relaccedilatildeo a sociedade que lhes provecirc

o ensino puacuteblico gratuito e de qualidade tambeacutem satildeo uma elite de

administradores da justiccedila do direito do poder da poliacutetica da lei e da ordem

Para essa elite o direito dos outros satildeo os seus honoraacuterios sua posiccedilatildeo simboacutelica

na escala social e a filosofia um saber minuacutesculo artigo de luxo que desejam que

lhes seja dado como ilustraccedilatildeo assim como lhe satildeo dadas as liccedilotildees no templo

e as transmitiratildeo Eacute preciso que se diga que os acusadores de Nietzsche como

filoacutesofo da aristocracia ainda ignoram que a proacutepria elite o desconhece pois

querem-no como um artigo de luxo um ornamento qualquer coisa menos como

182 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

94

dinamite Satildeo os liberais da razatildeo econocircmica cujo liberalismo183 eacute outro nome

para esconder sua submissatildeo niilista natildeo eacute a liberdade visceral nietzscheana do

torna-te aquilo que tu eacutes

Por isso quando manifestei interesse no estudo de Nietzsche no direito

logo essa elite refeacutem da sombra veio me aconselhar a apenas citar o filoacutesofo no

texto do trabalho de monografia afinal o que tem a ver esse filoacutesofo ou o que ele

tem a dizer ao direito senatildeo paraacutebolas e literatura Quiccedilaacute muito temor da

sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente a juriacutedica e muita vontade de

verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aqui do reacuteu Nietzsche o louco o

banido para as sombras como julgaacute-lo temendo ainda as sombras Talvez os

acusadores tivessem que se abster e alegar a ineacutepcia de suas acusaccedilotildees para

tanto seria preciso realizar uma criacutetica radical de suas verdades abalar de tal

modo as convicccedilotildees dos administradores do direito que sem a muleta ou altar

vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiam por quais verdades

basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila o palco dos casuiacutesmos

ou decisionismos apontaria os atuais administradores da lei mas cabe objetaacute-

los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildees da feacute no iacutedolo

mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga Com base em

queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as

acusaccedilotildees e condenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se

descubra que o ocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso

que venccedilamos a sua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser

conquistado e jamais dado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem

como a superaccedilatildeo do homem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho

pronto construiacutedo Se eacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que

183 ldquoLiberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153 retirado de oldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 CfNIETZSCHE Friedrich WilhelmEscritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad Noeacuteli Correia de MeloSobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

95

estatildeo acostumados a ser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou

melhor esses acusadores submissos de Nietzsche pois bastante niilistas para

confessar que precisam se escorar em alguma coisa para se manter de peacute

Quanto a isso responde Zaratustra O caminho natildeo existe184 Isso segundo

Jacques Derrida seria uma aporia185 o lugar sem saiacuteda sem opccedilotildees tal como

um muro que bloqueia a passagem Mas antes que jubilosos por compreender

que a filosofia de Nietzsche eacute sem saiacuteda sem caminho sem possibilidade e logo

lhe imputem a condiccedilatildeo de ser niilista Eacute preciso que se diga que nem a aporia

do Derrida nem o anuacutencio de Zaratustra satildeo uma declaraccedilatildeo de conformismo

diante de um muro Para Derrida a aporia conduz a um movimento de busca

infinito em que a proacutepria ideacuteia de justiccedila se insere como o inalcanccedilaacutevel ibidem a

justiccedila deve ser pensada como desconstruccedilatildeo constante quem faz seu

depoimento agora eacute um leitor de Nietzsche bastante atento ao que este escreveu

e tambeacutem um ex-aluno de Michel Foucault Se a busca eacute infinita assim como a

interpretaccedilatildeo dos signos deve o ser para Foucault eacute preciso apontar para a

multiplicidade do anuacutencio de Zaratustra natildeo existe o caminho mas muitos

caminhos muitas possibilidades tantas que o proacuteprio ser se exaure no devir

Sobre isso ainda testemunha DerridaA justiccedila como possibilidade da desconstruccedilatildeo a estrutura do direito ouda lei da fundaccedilatildeo ou da auto-autorizaccedilatildeo do direito como possibilidadedo exerciacutecio da desconstruccedilatildeo Eacute tarefa infinita a da interpretaccedilatildeotratam-se de infinitas memoacuterias culturais religiosas filosoacuteficas ejuriacutedicas o que torna os problemas infinitos neles mesmos porqueexigem a experiecircncia da aporia que tem relaccedilatildeo com o miacutesticowittgensteiniano (DERRIDA 2007 p 28-29)

Esse miacutestico de Wittgenstein eacute aquele momento em que se deve calar eacute o

momento do silecircncio porque nada pode ser dito Infinitos neles mesmosrdquo como a

experiecircncia labiriacutentica do mergulho no abismo nietzscheano o ultrapassamento

para o aleacutem-do-homem contudo Nietzsche natildeo estanca na aporia natildeo conhece

uma antes se espatifca contra o muro para ultrapassaacute-lo mesmo ao custo do

184 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p233185 Cf DERRIDA Jacques Forccedila de Lei o ldquofundamento miacutestico da autoridaderdquo Trad LeylaPerrone-Moiseacutes Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sp

96

despedaccedilamento daquele que tenta mesmo que derrubando o muro do silecircncio

sobre si mesmo quanto a isso cabe a imagem de um Nietzsche que antes de

mergulhar num silecircncio de onze anos trancado depois do colapso seguia uivando

num grito louco pela liberdade186

O que Nietzsche natildeo conseguiraacute dizer mais ele tentaraacute uivar seja de

dor de desespero ou como louco ou ainda um bufatildeo satisfeito pelo que fez a

medicina da eacutepoca natildeo soube afirmar certeza sobre nada e hoje soacute podemos

especular daquela eacutepoca soacute sobrou a imagem de quem em silecircncio olhava para o

horizonte infinito187

O horizonte natildeo eacute sem sentido do ponto de vista filoloacutegico e filosoacutefico para

Nietzsche como assinala o testemunho de Hans-Georg Gadamer antes dele

falar eacute preciso que se diga que o Nietzsche lido por Gadamer natildeo eacute

necessariamente o mesmo lido por Foucault Deleuze Derridaacute por esse time

essa eacute a polissemia de Nietzsche que no seu uivo traacutegico acaba se colocando

para aleacutem de bem e mal e contra todas as confrarias sem time Agora deixo

Gadamer dar seu testemunhoA linguagem filosoacutefica empregou a palavra horizonte sobretudo desdeNietzsche e Husserl para caracterizar a vinculaccedilatildeo do pensamento agravesua determinidade finita e para caracterizar o ritmo de ampliaccedilatildeo docampo visual Aquele que natildeo tem um horizonte eacute um homem que natildeovecirc suficientemente longe e que por conseguinte supervaloriza o que lheestaacute mais proacuteximo Ao contraacuterio ter horizontes significa natildeo estarlimitado ao que haacute de mais proacuteximo mas poder ver para aleacutem dissoAquele que tem horizontes sabe valorizar corretamente o significado detodas as coisas que pertencem ao horizonte no que concerne aproximidade e distacircncia grandeza e pequenez (Cf GADAMER 1997 p399-400)

186 Esse relato adveacutem da leitura de FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dosdeuses Rio de Janeiro Relume Dumaraacute 1994 sp e sobre o miacutestico de wittgenstein areferecircncia eacute MANTAU Leandro Nascimento KUNZE Cristiana Montibeller Deus nopensamento de Nietzsche e de Wittgenstein In Caderno de Resumos do VI Congresso deFilosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba Editora Champagnat 2008 Wittgenstein foi um dosmaiores loacutegicos que jaacute existiu era homem de feacute leu tolstoi provavelmente o mesmo livro queNietzsche leu o reino de deus estaacute em noacutes e o carregava debaixo do braccedilo nas trincheiras daprimeira guerra mundial natildeo se sabe se conheceu a filosofia de Nietzsche

187 Nota para o viacutedeo de veracidade sempre questionaacutevel no chamado siacutetio de armazenamentoyoutube wwwyoutubecomwatchv=alHu-nGqDHY gravada segundo informaccedilotildees de amigospelos irmatildeos lumiacuteere provavelmente com as primeiras tecnologias de cinema desenvolvidas emque aparece a imagem de Nietzsche absorto olhando o infinito em seus uacuteltimos dias

97

Eu ensino a voacutes o amor ao mais distante188 natildeo estar limitado ao mais

proacuteximo eacute natildeo aceitar o que recomenda a catequese do amor ao proacuteximo e a

tradiccedilatildeo da visatildeo estrito senso do direito que o supervaloriza perante os outros

saberes mas ousar o nomadizar-se como condiccedilatildeo para visualizar o significado

das coisas do proacuteprio direito assim soacute seraacute possiacutevel amar e valorizar ao mais

proacuteximo depois de vagar pelo mais distante esse seria o pathos de distacircncia

nietzscheano que ensina um distanciar-se estrateacutegico das coisas para ver ateacute

que altura foram construiacutedas as torres189 Quiccedilaacute para enxergar que os iacutedolos

cultuados satildeo de barro e o templo um mausoleacuteu Eacute conhecida as polecircmicas

entre Derridaacute e Gadamer em torno da hermenecircutica cuja noccedilatildeo de horizonte eacute

constitutiva para Gadamer a hermenecircutica se daacute como processo de fusatildeo de

horizontes190 contudo os dois foram convocados natildeo para polemizar entre si

mas para auxiliar na defesa do Nietzsche reacuteu por isso ao ouvir o testemunho

Derridaacute natildeo se conteacutem e pede a palavra assim vem para completar o dito pelo

outroUm horizonte como seu nome indica em grego eacute ao mesmo tempo aabertura e o limite da abertura que define ou um progresso infinito ouuma espera (Cf DERRIDA 2007 p 51)

Ideacuteia que se associa a de Gadamer quando este define o que eacute horizonte

e fala em Nietzsche o amor ao distante tambeacutem eacute uma espera pelo aleacutem-do-

homem quem poderaacute redimir o passado o presente no porvir191 Todavia eacute

preciso ler que para Derrida

A justiccedila natildeo espera uma decisatildeo justa eacute sempre requeridaimediatamente de pronto o mais raacutepido possiacutevel O momento de

188 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

189 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

190 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

191 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

98

decisatildeo eacute de urgecircncia e precipitaccedilatildeoA decisatildeo justa rasga o tempo edesafia as dialeacuteticas p 52 A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por issoque a justiccedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedicoou poliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeodo direito e da poliacutetica (Cf DERRIDA 2007 p 51-55)

A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta (radical) eacute inapreensiacutevel

eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento (que excede o caacutelculo)

segundo Derrida ibidem Quando Zaratustra faz seu anuacutencio o homem deve ser

superado para que venha o aleacutem-do-homem no porvir ensina tambeacutem o amor

ao distante e que eacute preciso que se aprenda a declinar Zaratustra atormentado

pelo seu anuacutencio pelo que tem que dizer sabe que deveraacute perecer como

anunciador eacute o preccedilo a ser pago a experiecircncia traacutegica como a do deus que eacute

despedaccedilado em sua peregrinaccedilatildeo ao Oriente esse eacute o destino de Dioniso E tal

como o Jesus de Kazantzaacutekis o Zaratustra de Nietzsche parece temer o seu

destino natildeo sabe anunciar suas ideacuteias e elas natildeo satildeo audiacuteveis e nem

compreendidas pelo puacuteblico que as distorce rapidamente nem o proacuteprio Nietzsche

a escrever alucinadamente a primeira parte de Assim Falava Zaratustra em dez

dias mesmo com o uso da paraacutebola natildeo consegue se fazer claro e seu livro natildeo

iraacute vender o que lhe custaraacute o desgosto profundo ateacute mesmo seus amigos iratildeo

dizer que natildeo entenderam palavra alguma e se afastaratildeo tendo-o por louco192

Eacute preciso ter coragem de querer o que jaacute se sabe193 E Zaratustra precisa reunir

forccedilas para fazer o que jaacute sabe deveraacute caminhar como criminoso natildeo como um

pastor de rebanho como bandido porque deixado a solidatildeo como inimigo de

todas as confrarias pois enxotado de todas as igrejas que o acusaratildeo de

herege esse eacute tambeacutem o destino do reacuteu Nietzsche andando de pensatildeo em

pensatildeo e vivendo de favores afinal essa eacute a visatildeo mais aterradora a de estar na

sombra

O medo que toma o Jesus de Kazantzaacutekis e o Zaratustra de Nietzsche eacute o

mesmo demasiado humano de que ningueacutem iraacute lhe salvar do seu destino nem

192 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

193 Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor1997 sp

99

anjos os homens superiores reis magos ou Deus Estaacute abandonado a sua

proacutepria sorte o que faz Zaratustra sentir que ele eacute apenas um anunciador natildeo eacute

ainda o aleacutem-do-homem pois sente-se um aleijado na ponte quase esmagado

pela sensaccedilatildeo do iacutempio daquele que ousou dizer que Deus estaacute morto O seu

anuacutencio eacute uma carga absurda que precisa suportar como o grito desesperado e o

sangue dos que satildeo crucificados diante do Jesus de Kazantzaacutekis considerado

pela comunidade local como um traidor jaacute que trabalha como carpinteiro que

aleacutem de moacuteveis tambeacutem fabrica cruzes194 eacute assim que o Zaratustra de Nietzsche

ao sair da caverna onde existe a sombra como personagem solar e apoliacuteneo iraacute

fazer o seu anuacutencio na praccedila para descobrir depois que ao abrir a boca ele

tambeacutem fabricou cruzes O peso do accediloite e do que fabrica do grito atormentado

que natildeo o deixa dormir eacute muito intenso o Jesus de Kazantzaacutekis tambeacutem grita e

uiva com suas visotildees abissais aleacutem de ser visto como traidor seraacute tido ainda

como louco ou possuiacutedo pelo democircnio ibidem

Natildeo eacute a toa que com essa obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Kazantzaacutekis

chegou a ser ameaccedilado de excomunhatildeo pela Igreja ortodoxa e natildeo o deixaram

ter um enterro cristatildeo195

O Zaratustra de Nietzsche tambeacutem teraacute de suportar muito esse eacute o preccedilo

de sua primeira metamorfose se tornar um camelo um animal carregador Se

vivia em seguranccedila o Jesus de Kazantzaacutekis precisaraacute enfrentar a mais profunda

solidatildeo do deserto enquanto Zaratustra tambeacutem faraacute sua travessia bastante

ferido e atormentado pelas moscas da feira aqueles que encontra no caminho e

que parecem roubar-lhe alguma coisa na tentativa de arrebatar-lhe a coragem

que lutou para conquistar e com dificuldade sustenta as moscas da feira

(passagem do capiacutetulo de Assim Falava Zaratustra196 as moscas agem como as

tentaccedilotildees para o Jesus de Kazantzaacutekis na tentativa de achatar a potecircncia)

194 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos A uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristo Trad Waldeacutea Barcellos Rio deJaneiro Rocco 1988 sp

195 Cf Joseacute Paulo Paes prefaacutecio in KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus TradJoseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Aacutetica 1997

196 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

100

Eacute assim que Roberto Machado afirma

O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevelfoi destruiacutedo por seus inimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivioPor quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso e inalterado eacute a sua almasua vontade (Cf MACHADO 1997 98)

O que resta daquele que aceitou perecer pelo seu anuacutencio eacute a vontade de

poder que pulsa em algum lugar do ser cuja intensidade da carga o faz sucumbir

essa vontade se manifesta no despedaccedilamento na explosatildeo quando tudo se

consuma para o Jesus de Kazantzaacutekis ou quando tudo comeccedila para o Zaratustra

de Nietzsche esse eacute o princiacutepio ou a aurora pois a sua descoberta na solidatildeo

profunda eacute de que

A vontade eacute o princiacutepio que torna possiacutevel a libertaccedilatildeo do niilismoContudo a vontade natildeo pode querer para traacutes (impotente contra o queestaacute feito) Eis a mais solitaacuteria anguacutestia da vontade (Cf MACHADO1997 98)

O traacutegico eacute o lugar dessa vontade ela eacute o priacutencipio da segunda

metamorfose de Zaratustra a do homem-leatildeo daquele que deveraacute natildeo apenas

carregar mas tambeacutem combater pelos valores que mesmo conquistou eacute preciso

que aprenda a defender as suas descobertas e tambeacutem a comunicar a sua seiva

Zaratustra iraacute querer companheiros e se quem o segue seratildeo disciacutepulos essa

palavra tem outro sentido para Nietzsche e para o Jesus de Kazantzaacutekis

Ser disciacutepulo de Zaratustra eacute eleger-se a si mesmo eacute ser solitaacuteriocriador de seus proacuteprios valores ser seu disciacutepulo eacute em vez depermanecer fiel a seu ensinamento isto eacute em vez de imita-loultrapassa-lo supera-lo no caminho do super-homem Eacute preciso pocircr-seem guarda contra mim (Nietzsche) ldquoSecirc um homem e natildeo me sigassigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo (Cf MACHADO 1997 78)

ldquoOs criadores satildeo duros e o mais nobre eacute duriacutessimordquo ldquodas velhas e novas

taacutebuasrdquo197 Todos os criadores satildeo duros eacute a verdadeira marca de uma natureza

dionisiacuteaca O homem-leatildeo deve aprender a rugir alto a leonina sabedoria

conquistada ao custo traacutegico do peso que carregou que ainda estaacute presente nas

197 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

101

cicatrizes e feridas natildeo fechadas mas agora vive com o peso sem se incomodar

tornou-se leve pois deixou de ser animal carregador superou esse estaacutegio o

ultrapassou Eacute com uma vontade desse tipo que o heroacutei traacutegico teraacute de enfrentar

um titatilde que ainda impotildee uma sombra eacute o tempo do deus Cronos o titatilde escreve

Roberto Machado

O segredo que Zaratustra descobre eacute que o passado eacute o grande desafiopara que haja uma verdadeira redenccedilatildeo e que soacute pela vontade eacutepossiacutevel recuperar o que nele morreu p 99 idem

Esse homem-leatildeo natildeo eacute Zeus que de acordo com a mitologia grega

enfrentou e derrotou Cronos no princiacutepio do que conhecemos por universo

tambeacutem natildeo possui raios e a constelaccedilatildeo oliacutempica para lutar a seu lado a luta de

Zaratustra eacute ainda solitaacuteria como a do Jesus de Kazantzaacutekis abandonado e

negado pelos seus disciacutepulos mesmo na versatildeo biacuteblica Certamente a luta

contra Cronos natildeo pode ser ganha natildeo por um homem que sangra sofre e natildeo

tem super poderes que natildeo eacute divino Mas Nietzsche eacute leitor dos preacute-socraacuteticos

da mitologia grega e conhece a histoacuteria de Aquiles daquele que escolheu a

destruiccedilatildeo a morte no campo de batalha como meio de lograr o tempo vencecirc-lo

e se eternizar Escreve em Assim Falava Zaratustra

Deveis procurar o vosso inimigo e fazer a guerra pelos vossospensamentos E se o vosso pensamento for vencido que a vossaretidatildeo lance ainda assim um grito de vitoacuteria Natildeo o trabalho mas aluta Que o trabalho seja luta e a paz uma vitoacuteria Vivei a vida deobediecircncia e de guerra Que importa viver muito tempo Que guerreiroquer ser poupado (Cf NIETZSCHE 2003 73-74)

Sabe portanto que os deuses invejam os homens natildeo porque sua vida

perante a eternidade eacute um piscar de olhos mas porque cada instante pode ser o

uacuteltimo Por isso jaacute sabe o homem-leatildeo que precisa usar o que lhe restou a

mateacuteria viva que ainda pulsa nele a sua vontade como meio e possibilidade de

ultrapassar o tempo vencecirc-lo Quando estaacute na cruz aparece a uacuteltima tentaccedilatildeo ao

Jesus de Kazantzaacutekis eacute a alternativa confortaacutevel de uma vida comum e feliz para

Aquiles era o desconhecimento histoacuterico o desaparecimento ao Zaratustra de

Nietzsche eacute o muro do passado a uacuteltima sombra o peso mais pesado ainda

natildeo carregado que lhe aparece sob a forma de um democircnio ao Jesus de

102

Kazantzaacutekis tambeacutem aparece um democircnio mas sob a forma de anjo assim

escreve Nietzsche no aforisma 341 da Gaia Ciecircncia

O peso mais pesado E se um dia ou uma noite um democircnio lheaparecesse na sua suprema solidatildeo e lhe dissesse Esta existecircncia talcomo a leva e a levou ateacute aqui vai ser necessaacuterio a vocecirc recomeccedilaacute-lasem cessar sem nada de novo muito pelo contraacuterio A menor dor omenor prazer o menor pensamento o menor suspiro tudo o quepertence agrave vida voltaraacute ainda a repetir-se tudo o que nela haacute deindizivelmente grande e de indizivelmente pequeno tudo voltaraacute aacontecer e voltaraacute a verificar-se na mesma ordem seguindo a mesmaimpiedosa sucessatildeo esta aranha tambeacutem voltaraacute a aparecer estelugar entre as aacutervores e este instante e eu tambeacutem A eterna ampulhetada vida seraacute invertida sem descanso e vocecirc com ela iacutenfima poeira daspoeiras Natildeo lhe lanccedilaria por terra rangendo os dentes e amaldiccediloandoesse democircnio A menos que jaacute tenha vivido um instante prodigiosos emque lhe responderia Vocecirc eacute um deus nunca ouvi palavras tatildeo divinasSe este pensamento lhe dominasse talvez lhe transformasse e lheaniquilasse havia de lhe perguntar a prooacutesito de tudo Quer isto E oquer outra vez Uma vez Sempre Ateacute o infinito E esta questatildeo teriasobre vocecirc um peso decisivo e terriacutevel Ou entatildeo seraacute necessaacuterio quelhe ame a si proacuteprio e que ame a vida para nunca mais desejar outracoisa aleacutem dessa suprema confirmaccedilatildeo (Cf NIETZSCHE 2005 sp)

Tudo isso foi escrito com o objetivo de justificar a opccedilatildeo natildeo niilista da

vontade de poder em face do desafio de superar a sombra Portanto natildeo se

trata de uma saiacuteda platocircnica da caverna em busca da luz aquela que ofusca aos

olhos tal como no mito da carvena198 a superaccedilatildeo nietzscheana eacute uma cena de

extremo combate pois eacute autoconsciente de sua tarefa deveraacute viver

perigosamente para ultrapassar o niilismo e o templo lugar dos seus

realizadores A palavra templo guarda semelhanccedila com a palavra tempo o que

natildeo eacute casual como nada eacute num texto que se propotildee a defesa do ex-filoacutelogo e

neologista Nietzsche O templo tal como o tempo eacute uma resistecircncia a essa

vontade afirmativa simboliza um passado de histoacuteria e tradiccedilatildeo tal como os

quadros paredes e laacutepides com nomes de professores a enfeitar os salotildees e

corredores Existe no templo do direito muito do culto a memoacuteria dos

antepassados de onde adveacutem a sua iacutendole conservadora elitista e sua

justificaccedilatildeo histoacuterica talvez por isso necessita o direito erigir templos para ser a

198 Quando o homem apenas enxerga sombras como projeccedilotildees da realidade nas paredes dacaverna enquanto natildeo consciente de que a realidade eacute o que estaacute fora da caverna

103

casa de Cronos natildeo um museu mas um lugar de culto um mausoleacuteu onde se

guarda e se preserva as reliacutequias que confirmam as suas verdades O templo eacute

o lugar do tempo do direito e provavelmente mais faacutecil seja ser acusado de

louco e enxotado dele do que lograr convencer os outros de que esse deus estaacute

morto e que esse templo natildeo eacute mais do que tuacutemulo dele Nisso haacute dois tipos

de ilusotildees que satildeo alimentadas a de que o direito vive dentro dele assim como o

tempo que o justifica Muito forte satildeo essas crenccedilas tanto como as verdades do

direito erigido na tradiccedilatildeo da modernidade Diante do que cabe a lembranccedila de

outro heroacutei da eacutepoca de Aquiles trata-se de Ulisses aquele que astuciosamente

enganou Polifermo199 para tentar lograr o direito e o tempo dele no seu proacuteprio

territoacuterio o seu templo encontrando passagens secretas outros caminhos ainda

natildeo percorridos e assim encontrar um modo de ultrapassamento

Quiccedilaacute seja preciso mesmo um pouco de espiacuterito de ulisses para aceitar

a odisseacuteia e enganar o direito ciclope porque se quer com d maiuacutesculo

absoluto na sua pretensatildeo de regulaccedilatildeo da sociedade e do tempo A aurora tem

por princiacutepio essa vontade de poder de ulisses esperteza astuacutecia coragem

para lograr o adversaacuterio invenciacutevel divino ou semi-divino ou que se acha sagrado

como as verdades que fundamentam o direito Natildeo haacute como vencer a luta mas

haacute caminhos a percorrer meios para enganar eacute preciso se pocircr em combate se

implicar na tarefa e ousar a profanaccedilatildeo e isso pode abrir espaccedilo para repensar o

direito e a justiccedila natildeo para trazecirc-los a tona porque natildeo ressuscitaratildeo no lugar

nomeado para eles como aponta Nietzsche

ldquoSoacute haacute ressurreiccedilatildeo onde haacute tuacutemulosrdquo e que a vontade eacute a ldquodestruiccedilatildeode todos os tuacutemulosrdquo Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedianietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 sp Como jaacute

199 Ulisses ou Odisseu a depender da traduccedilatildeo enfrenta Polifermo um ciclope e com astuacutecia furao olho do titatilde Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape1995 p 13 a 29 ldquoO Homero das reflexotildees de Nietzsche expressa bem a proposiccedilatildeo de que asdisputas emblematicamente caracterizadas sob o signo de agon satildeo tomadas como um radicalconflito pluralista de perspectivas entendido como condiccedilatildeo de legislaccedilatildeo e criaccedilatildeo axioloacutegicardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p177

104

apontado por Derridaacute A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por isso que ajusticcedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedico oupoliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeo dodireito e da poliacutetica p 55 idem

Isso requer um engajamento traacutegico a astuacutecia do guerreiro daquele que

engana a bruxa Circe e natildeo se deixa apanhar pelo feiticcedilo que transformava

homens em porcos200 o que eacute muito diferente da soluccedilatildeo miraculosa desses

operadores e administradores do direito que manipulam as regras e os princiacutepios

consoante seus interesses para os benefiacutecios seus e do time em que jogam

auferindo lucros e vantagens esses satildeo os espertos ao modo Circe e mais se

parecem com os porcos enfeiticcedilados por ela

Natildeo deiteis fora o heroacutei que haacute na tua alma conserva a sua mais altaesperanccedila Um homem nobre eacute obstaacuteculo no caminho de todos poiscoisas novas quer criar e novas virtudes diferente dos libertinos queandam por aiacute emporcalhando tudo CfNIETZSCHE 2003 p 70)

O ultrapassamento do niilismo requer o ocaso o crepuacutesculo a

precipitaccedilatildeo tiacutepica da decisatildeo que rasga o tempo e desafia as dialeacuteticas 51-52 p

como aponta Derrida eacute o mergulho das duas metamorfoses de Zaratustra a do

camelo e a do homem-leatildeo do homem possuiacutedo pelo seu anuacutencio que se

encaminha para a terceira metamorfose a da crianccedila luacutedica o caminho para a

transvaloraccedilatildeo A gaia ciecircncia eacute alegre e luacutedica porque nasce da aurora cujo

princiacutepio eacute a vontade de poder afirmativa que atraveacutes do jogo consegue suplantar

os esquemas prontos e criativamente enganar os censores inventando

possibilidades e fazendo outro uso do direito natildeo o canocircnico Dessa forma

Agamben no seu estado de exceccedilatildeo comentando Walter Benjamin aponta

Um dia a humanidade brincaraacute com o direito como as crianccedilas brincamcom os objetos fora de uso natildeo para devolvecirc-los a seu uso canocircnico esim para libertaacute-los definitivamente dele O que se encontra depois dodireito natildeo eacute um valor de uso mais proacuteprio e original e que precederia odireito mas um novo uso que soacute nasce depois dele Tambeacutem o uso

200 Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape 1995 p 30-43 A Circe era uma bruxa na epopeacuteia de Homero que transformava os homens em porcos parabrincar com eles para Nietzsche a Circe da humanidade eacute ldquoa moral falsificou no cerne ndashmoralizou ndash todas as questotildees psicoloacutegicasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995 p 58

105

que se contaminou com o direito deve ser libertado de seu proacuteprio valorEssa libertaccedilatildeo eacute a tarefa do estudo ou do jogo E esse jogo estudioso eacutea passagem que permite ter acesso agravequela justiccedila que um fragmentopoacutestumo de Benjamin define como um estado do mundo em que esteaparece como um bem absolutamente natildeo passiacutevel de ser apropriado ousubmetido agrave ordem juriacutedica (Cf AGAMBEN 2004 p 98)

Cabe re-citar Derridaacute A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta

(radical) eacute inapreensiacutevel eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento

(que excede o caacutelculo) p 55 idem A gaia ciecircncia ou a aurora do direito eacute a

experiecircncia do excesso tal como a criatividade artiacutestica porque resultado dessa

vontade de poder que atua agenciando as forccedilas num movimento de alteridade

radical na pluralidade do devir mesmo que ao custo traacutegico do exaurimento

daquele que se propotildee a essa tarefa E quiccedilaacute a vitoacuteria sobre a sombra tambeacutem

seja um novo comeccedilo quando numa transvaloraccedilatildeo de todos os valores muda-se

o princiacutepio de onde se originam os valores ele eacute deslocado nesse nomadismo da

vontade empurrado para outro lugar com o impacto E quem se propor a esse

desafio aceita tambeacutem perecer por isso eacute uma tarefa tatildeo absurda quanto nobre

em que o preccedilo a ser pago eacute alto e requer o investimento da proacutepria vida Eacute

preciso amar esse destino para se comprometer com ele de tal modo que o

anuacutencio do eterno retorno seja uma benccedilatildeo divina para querer todas as coisas

assim como ocorreram e para que tudo retorne outra vez E o reacuteu Nietzsche se

comprometeu com a sua tarefa ateacute o dilaceramento esses acusadores ligeiros e

estelionataacuterios deveriam ter antes mais respeito por um homem que pagou um

preccedilo tatildeo alto para trazer a sua mensagem Toda hybris se paga bastante caro

tanto para os gregos quanto para NietzscheEm todos os lugares eacute a loucura que

abre caminho para o novo pensamento que rompe o interdito de um costume de

uma supersticcedilatildeo respeitadardquo201

Tornar-se o que se eacute no direito Ou como coloquei o Nietzsche em praacutetica

Esse trabalho de conclusatildeo do curso de direito eacute resultado de um

nomadismo universitaacuterio pensando o direito para aleacutem da loacutegica do estrito senso

201 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p130

106

e se recusando ao recorte da razatildeo acadecircmica se fez a pesquisa na

contingecircncia dos devires participando de grupos de estudos e tomando notas

aqui e ali no acaso das situaccedilotildees aproveitando dos diaacutelogos e provocaccedilotildees

surgidas das conversas nesses cinco anos de faculdade Buscou-se realizar o

trabalho com a base empiacuterica oriunda das experiecircncias vividas e testadas na

proacutepria carne Natildeo houve escolha de tema e nem projeto desenhado antes o

desenvolvimento se deu colocando-se a deriva tal como na odisseacuteia E assim

escrevo agora no prazo de dois dias as linhas finais deste trabalho quando o

trabalho todo natildeo levou mais de vinte e poucos menos de um mecircs natildeo por

negligecircncia mas porque as ideacuteias jaacute estavam sendo ruminadas haacute algum tempo

sem ainda o tratamento mecacircnico e visual Tambeacutem o esforccedilo foi o de trazer o

maacuteximo de conteuacutedos possiacuteveis filosofia literatura direito psicologia agenciando

os saberes e as forccedilas na defesa do reacuteu Nietzsche acusado de muitos crimes

tanto quanto a multiplicidade de seu pensamento pode indicar E num tempo

reduzido diante da dificuldade do trabalho de exercer essa advocacia sem

diploma ainda no amadorismo e na diletacircncia de tratar da defesa do filoacutesofo sem

a formaccedilatildeo filosoacutefica literaacuteria e menos ainda a juriacutedica o que se escreveu e se

continua por enquanto eacute a exteriorizaccedilatildeo provisoacuteria do que se conseguiu agenciar

daquilo que valeu a pena ser dito e expressado muita coisa ainda se deixa de

fora pois mereceria um burilamento maior e o ruminar necessaacuterio a

problematizaccedilatildeo da defesa Pois que assim seja fique uma parte de fora e que

nas reticecircncias perdure o desejo202

Ateacute pouco tempo natildeo se sabia como comeccedilar esse trabalho muito menos

do que tratar sobre Nietzsche a uacutenica coisa que havia de certeza eacute que se

tentaria trazer esse filoacutesofo para o Direito numa espeacutecie de diaacutelogo que ateacute entatildeo

nunca havia visto Haacute alguns meses atraacutes nada existia apenas esse desejo e foi

o trabalho dele o resultado dessas paacuteginas que seguem por isso o pouco tempo

202 Paraacutefrase de Cyro Marcos por PHILIPPI Jeanine Nicolazzi Direito e Psicanaacutelise brevesapontamentos acerca do estatuto da lei In CUNHA PEREIRA Rodrigo da (Coord) Anais do ICongresso Brasileiro de Direito de Famiacutelia ndash Repensando o Direito de FamiacuteliaBelo Horizonte DelRey 1999 sp

107

de escrita o que natildeo eacute sem sentido do ponto de vista da psicologia empregada

quando para transmutar o desejo a paixatildeo o caos em mateacuteria bruta seria

necessaacuteria a tensatildeo o desespero a exaltaccedilatildeo o sentimento do excesso contra o

tempo de Cronos Trata-se de uma psicologia que requer o mergulho no profundo

oceano de noacutes mesmos para trazer agrave superfiacutecie os tesouros escondidos e

conquistados alguns ateacute entatildeo desconhecidos porque nunca antes foram

expressos ou natildeo havia sido dada a oportunidade Esse mergulho eacute o do

naacuteufrago que perdido natildeo sabe para onde ir ou como se salvar eacute tambeacutem a

daquele que sabe que deve dar braccediladas contra a correnteza e natildeo pode paacuterar

em algum lugar deveraacute chegar natildeo se sabe qual ou ainda como um operaacuterio que

deve quebrar muitas pedras a golpes de marreta antes que comece a construir

alguma coisa Tal empreendimento pode ser comparado tambeacutem com a de quem

deveraacute fazer um mosaico colando e recortando pilhas e pilhas de papeacuteis para

montar um conjunto sujando as proacuteprias matildeos essa eacute a bricolagem quando o

luacutedico trabalha com os signos dando-lhes sentido novo Esse era o grande

desafio como executar um trabalho relacionando Nietzsche e Direito com d

maiuacutesculo sem seguir nenhum precedente nenhum jurista com a exceccedilatildeo de um

juiz203 escreveram ou escrevem sobre Nietzsche dentro da aacuterea satildeo reflexotildees

que tangenciam mas natildeo trazem o campo juriacutedico como problema

Diante da inexistecircncia de um ponto de partida ou de apoio o trabalho

estaria fadado ao fracasso antes de comeccedilar seria morrer na praia Natildeo havendo

um modo de comeccedilar na perspectiva da razatildeo acadecircmica que exige marcos

teoacutericos soacutelidos na aacuterea que o trabalho estaacute vinculado e tambeacutem um recorte

epistemoloacutegico uma delimitaccedilatildeo do tema entre outros requisitos a alternativa que

restou diante do muro foi a de dinamitaacute-lo lanccedilar pelos ares os modelos os limites

preacute-dados para estourando com eles a marteladas achar um espaccedilo no meio do

nada na sombra da desolaccedilatildeo do niilismo Entatildeo jaacute sabia que teria que escrever

tudo desde a primeira linha ateacute a uacuteltima todo um trabalho ineacutedito talvez nunca

203 Nota para MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 e ainda para VIEIRA Joseacute Roberto Interpretaccedilatildeo da morte de Deusem Nietzsche In Revista da faculdade catoacutelica de administraccedilatildeo e economia Adecon CuritibaFae 1991

108

antes realizado no campo juriacutedico como trabalho de conclusatildeo de curso Tambeacutem

jaacute conhecia das suspeitas e das provaacuteveis imputaccedilotildees principalmente a daqueles

que me acusariam de tentar realizar um trabalho de doutorado uma tese na

graduaccedilatildeo como se fosse uma heresia ousar andar fora dos modelos e desafiar a

tradiccedilatildeo Com isso tambeacutem buscavam me desacreditar tomando o meu esforccedilo

por impossiacutevel ou ainda aleacutem disso bastante pretensioso ora como pode um

estudante de direito falar de um pensador que pouco se estuda ateacute mesmo na

filosofia Como pode querer saber mais do que aqueles que estudam filosofia

Igualmente outras barreiras eram colocadas ao empreendimento quando me

perguntavam O que sobre Nietzsche O que no direito se aproxima de

Nietzsche

ldquoPerguntaratildeo por que relatei realmente todas essas coisas pequenas eseguindo o juiacutezo tradicional indiferentes estaria com isso prejudicando amim mesmo tanto mais se estou destinado a defender grandes tarefasResposta essas pequenas coisas satildeo inconcebivelmente maisimportantes do que tudo o que ateacute agora tomou-se como importanteNisso exatamente eacute preciso comeccedilar a reaprenderrdquo (Cf NIETZSCHE1995 p 50)

Muitas vezes ou todas as vezes natildeo estava pronto para responder natildeo

tinha e quem sabe ainda natildeo tenho respostas mas apenas algumas impressotildees

as quais vieram a tona a pouco tempo quiccedilaacute jaacute estivessem guardadas bem fundo

ainda de todo desconhecidas Por isso esse trabalho soacute veio a superfiacutecie como

um exerciacutecio de psicologia de profundezas requerendo o engajamento traacutegico do

mergulho de apineacuteia sem qualquer garantia ou sustentaccedilatildeo Natildeo havia receita ou

projeto tudo deveria ser construiacutedo ao custo de uma destruiccedilatildeo E tambeacutem natildeo

seria eu a responder nada o proacuteprio Nietzsche deveria o fazer eu apenas seria

um mero assistente ou narrador desse processo

Assim a um mecircs do prazo final da entrega do trabalho completo e

nenhuma paacutegina escrita as interrogaccedilotildees somavam-se a outras numa carga

equivalente a responsabilidade e a exigecircncia desse empreendimento Natildeo tinha

mais tempo para elucubrar divagar e refletir possibilidades era preciso comeccedilar a

quebrar as pedras e quem sabe se tivesse mais tempo natildeo teria ainda percebido

o oacutebvio que sempre esteve na minha frente e que no desespero dos uacuteltimos dias

109

marcava a sua insistecircncia na forma da pergunta Por que ler Nietzsche no Direito

Ateacute entatildeo jaacute tinha lido e relido muitas coisas sem chegar a uma resposta nem

mesmo a uma saiacuteda da pergunta o que tambeacutem parecia impossiacutevel foi quando

Foucault apontou o debate sobre o poder e colocando Nietzsche como seu

referencial expliacutecito na Microfiacutesica do Poder

Hoje fico mudo quando se trata de Nietzsche No tempo em que eraprofessor dei requumlentemente cursos sobre ele mas natildeo mais o fariahoje Se fosse pretensioso daria como tiacutetulo geral ao que faccedilogenealogia da moral Nietzsche eacute aquele que ofereceu como alvoessencial digamos ao discurso filosoacutefico a relaccedilatildeo de poder Enquantoque para Marx era a relaccedilatildeo de produccedilatildeo Nietzsche eacute o filoacutesofo dopoder mas que chegou a pensar o poder sem se fechar no interior deuma teoria poliacutetica A presenccedila de Nietzsche eacute cada vez maisimportante Mas me cansa a atenccedilatildeo que lhe eacute dada para fazer sobreele os mesmos comentaacuterios que se fez ou que se faraacute sobre Hegel ouMallarmeacute Quanto a mim os autores que gosto eu os utilizo O uacutenicosinal de reconhecimento que se pode ter para com um pensamentocomo o de Nietzsche eacute precisamente utilizaacute lo deformaacute lo fazecirc loranger gritar Que os comentadores digam se se eacute ou natildeo fiel isto natildeotem o menor interesse (Cf FOUCAULT 1979 p 143)

E tambeacutem na Verdade e as Formas Juriacutedicas

Com Platatildeo se inicia um grande mito ocidental o de que haacute antinomiaentre saber e poder Se haacute o saber eacute preciso que ele renuncie ao poderOnde se encontra saber e ciecircncia em sua verdade pura natildeo pode maishaver poder poliacutetico Esse grande mito precisa ser liquidade Foi essemito que Nietzsche comeccedilou a demolir ao mostrar em numerosos textosjaacute citados que por traacutes de todo saber de todo conhecimento o que estaacuteem jogo eacute uma luta de poder O poder poliacutetico natildeo estaacute ausente dosaber ele eacute tramado com o saber (Cf FOUCAULT 2002 p 51)

Assim foi que enxerguei um meio de ultrapassar a sombra de ludibriar

os censores e de ter alguma chance no combate titacircnico que me propus a travar

ou seja lograr trazer Nietzsche para dentro do Direito ainda com d maiuacutesculo

para no proacuteprio territoacuterio juriacutedico desenvolver a criacutetica e justificar seu uso

enquanto filoacutesofo dentro da pertinecircncia juriacutedica do trabalho Mais enquanto

filoacutesofo do que enquanto pensamento era preciso defender o autor que natildeo eacute lido

ou estudado tanto quanto os seus inteacuterpretes contemporacircneos os quais

confessam em suas obras ter em Nietzsche a fonte ou o referencial baacutesico de

partida Para justificar o uso de seu pensamento nesse trabalho seria preciso

antes partir das inuacutemeras acusaccedilotildees feitas para qualificar ou dizer quem foi

110

Nietzsche Natildeo apenas como um pensador trazido de empreacutestimo de outra aacuterea

de saber para enriquecer um trabalho juriacutedico enquanto citaccedilatildeo mas como

protagonista eis que se achou o lugar dele nesse trabalho Nietzsche seria o reacuteu

do processo constituiacutedo pelas suas inuacutemeras acusaccedilotildees e caberia a mim o

trabalho de ser seu advogado mesmo sem diploma

Natildeo eacute propriamente um processo mas um inqueacuterito em que se condena

de antematildeo de uma causa que jaacute foi abandonada e esquecida talvez sob a

motivaccedilatildeo dos natildeo poucos estelionatos cometidos a seu pensamento que para

serem provados necessitariam de uma investigaccedilatildeo histoacuterica para reabrir esse

inqueacuterito deveria trazer provas novas ou afirmar e justificar no campo juriacutedico algo

diferente do usual sobre Nietzsche Para tanto teria que dialogar os saberes e

agenciaacute-los nesse empreendimento a filosofia a literatura a psicologia e o direito

com d minuacutesculo pois retirado da sua condiccedilatildeo de autoridade sobre os demais

o juriacutedico precisaria dividir espaccedilo nesse trabalho como mais um saber operaacuterio

Assim foi definido o tiacutetulo do trabalho O caso Nietzsche a reabertura de um

inqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildees Jaacute

que

O Inqueacuterito eacute precisamente uma forma poliacutetica uma forma de gestatildeode exerciacutecio do poder que por meio da instituiccedilatildeo judiciaacuteria veio a seruma maneira na cultura ocidental de autenticar a verdade de adquiriras coisas que vatildeo ser consideradas como verdadeiras e de as transmitirO inqueacuterito eacute uma forma de saber-poderrdquo (Cf FOUCAULT 2002 p78)

Mas o que me levou a assumir esse ocircnus Quando poderia seguir os

outros e fazer um trabalho estritamente juriacutedico doutrinaacuterio jurisprudencial por

que complicar as coisas Para trazer do subterracircneo algumas impressotildees devo

relatar traccedilos relevantes de minha trajetoacuteria ateacute aqui Tudo comeccedila aos meus

dezesseis anos no meu primeiro emprego um estaacutegio de trecircs meses nas feacuterias

de 2000 para 2001 numa biblioteca o Farol do Saber Fernando Pessoa haacute

poucos metros da minha casa consegui essa oportunidade porque essa biblioteca

eacute vinculada a Escola Municipal Professor Guilherme Butler onde estudei do preacute

ateacute a quarta-seacuterie do primaacuterio e laacute a diretora minha professora na terceira seacuteria

Vera Regina me conhecia e me ajudou minha matildee Dona Marly tambeacutem foi

111

fundamental para levar aquele menino ainda assustado ateacute sua primeira

experiecircncia profissional me forneceu apoio indo comigo na central de estaacutegio

quando mal sabia caminhar sozinho pela cidade acostumado a viver no meu

bairro a Vila Hauer agora sem o vila soacute Hauer Meus pais Sr Leonardo e Dona

Marly desde cedo trabalharam e natildeo puderam seguir os estudos minha matildee

criou-se oacuterfatilde e cuidada pelos outros natildeo pode estudar e ainda tinha que cuidar da

casa fazendo os serviccedilos domeacutesticos Jaacute meu pai desde menino aprendeu a

dirigir e ajudar no armazeacutem dos meus avoacutes paternos que nunca conheci e era

uma eacutepoca em que era normal deixar os estudos para trabalhar minha matildee soacute fez

a primeira seacuterie do primaacuterio e meu pai soacute ateacute a quarta-seacuterie Infelizmente natildeo

puderam exercer o potencial deles meu pai tem facilidade com caacutelculos

provavelmente teria se encontrado bem na aacuterea de exatas um matemaacutetico um

engenheiro natildeo se sabe chegou a trabalhar como motorista numa empresa de

engenharia e hoje eacute motorista particular de uma meacutedica A minha matildee tem uma

sensibilidade com crianccedilas talvez pudesse ter sido uma oacutetima pedagoga contudo

teve que crescer oacuterfatilde cuidando das crianccedilas dos outros e hoje eacute dona de casa e

cuida da gente ainda Meus pais sabiam que eu precisava continuar meus

estudos em 2001 jaacute seria meu uacuteltimo ano no ensino meacutedio estudava no Coleacutegio

Estadual Segismundo Falarz e teria poucas ou nenhuma chance de passar no

vestibular e na eacutepoca natildeo havia cotas teria que passar na federal jaacute que as

particulares natildeo poderia pagar Por isso a urgecircncia de comeccedilar um estaacutegio

guardar o dinheiro e pagar um cursinho No Farol o estaacutegio era um pouco

monoacutetono nas feacuterias poucas pessoas iam e natildeo havia televisatildeo computador

raacutedio nada eu que soacute lia algum livro quando era obrigado a fazer trabalho para a

escola agora estava cercado por vaacuterios e comecei a folheaacute-los por curiosidade

Era preciso passar o tempo e comecei a ler alguns peguei alguns livros de

literatura depois fui para a filosofia Na eacutepoca crescia em mim uma revolta via

meus antigos colegas de escola alguns jaacute me acompanhavam desde muito cedo

todos estavam jaacute migrando para os cursinhos iriam fazer o uacuteltimo ano do ensino

meacutedio e se preparando para o vestibular Enquanto que eu natildeo tinha essa

possibilidade os pais deles podiam pagar e os meus natildeo nisso fui percebendo o

112

meu lugar no mundo e as diferenccedilas sociais que antes era apenas estudos de

sociologia comecei a sentir na proacutepria carne junto com o medo de natildeo saber o

que viria depois afinal o vestibular era algo proacuteximo e ao mesmo tempo distante

para as minhas possibilidades naquele momento Lembro que pensava em

desenvolver jaacute meu potencial criacutetico e achei na filosofia um caminho para poder

explicar o que estava vivendo e o que deveria fazer precisaria da determinaccedilatildeo

da forccedila e da astuacutecia do guerreiro pois jaacute sentia a presenccedila dos titatildes que vinham

Quando acabou o estaacutegio no Farol jaacute tinha despertado e natildeo pararia mais de ler e

de estudar entro no uacuteltimo ano de ensino meacutedio e me transfiro para o noturno e

vou em busca de estaacutegio em periacuteodo integral depois de muita andanccedila chego a

uma empresa de creacutedito imobiliaacuterio que existia na eacutepoca fui contratado para

trabalhar no arquivo o trabalho era simples davam os nuacutemeros dos processos

para a gente e tiacutenhamos que escalar as prateleiras em busca dos documentos

esse trabalho levava o dia todo e assim foi por quase um ano Ao mesmo tempo

estudava a noite e comecei a participar mais das aulas apresentando opiniotildees As

aulas de filosofia sociologia e histoacuteria comeccedilaram a me interessar mais

justamente pela possibilidade de fazer uma criacutetica social Na filosofia logo comecei

a trocar ideacuteias com o professor e um dia perguntei sobre um tal de Nietzsche

agora natildeo lembro de onde tive a primeira impressatildeo mas tinha ouvido falar e foi

assim que o questionei a respeito O professor apenas riu e disse que era um

filoacutesofo maluco algueacutem que enlouqueceu e deixava quem o lia tambeacutem louco era

um pensador muito perigoso Na eacutepoca ele me recomendava a leitura dos

pensadores escolaacutesticos Satildeo Tomaacutes de Aquino e Santo Agostinho mas ateacute hoje

nunca os li o relato dele sobre o tal pensador maluco me impressionou e guardei

a curiosidade soacute fui o ler no final do ano quando descobri que no proacuteprio farol em

que trabalhei havia um livro sobre ele era o Nietzsche da coleccedilatildeo os pensadores

Eacute assim que comeccedila a minha trajetoacuteria Natildeo irei passar no primeiro vestibular e

nem no segundo quando apenas estudava tinha guardado todo o dinheiro e

investido num cursinho natildeo dos melhores mas aquele que podia pagar Daquela

eacutepoca do primeiro cursinho lembro de Ronaldo com a visatildeo criacutetica e percepccedilatildeo

aguccedilada da realidade mais de alguns rostos que natildeo consigo dar nomes agora

113

mas que natildeo vou esquecer porque foram importantes nessa trajetoacuteria Era jaacute o

ano de 2003 e o meu objetivo jaacute era passar em Direito desde o ano anterior e a

justificativa era simples precisava ajudar a minha famiacutelia no Direito pensava

encontraria meios de ascensatildeo social e de retornar tudo isso a eles pois devo

tudo a meus pais minha famiacutelia no que inclui a minha irmatilde Janice Tambeacutem

devido a criacutetica que jaacute ensaiava desde que descobri a leitura era um sentimento

de justiccedila muito grande uma revolta por natildeo ter condiccedilotildees que pudesse facilitar

minha caminhada natildeo soacute as materiais mas jaacute comeccedilava a notar as

desigualdades e tambeacutem os poderes que perpassam as estruturas e assujeitam

Como havia gasto todo meu dinheiro e deveria comeccedilar tudo do zero natildeo poderia

ser mais estaacutegio jaacute havia concluiacutedo o ensino meacutedio entatildeo fui em busca de

emprego vendo as oportunidades nessas centrais espalhei curriacuteculos mas natildeo fui

chamado Foi quando um ex-vizinho Sr Sebastiatildeo que havia conseguido montar

sua proacutepria empresa me chamou para uma entrevista ele me daria a oportunidade

de trabalhar na sua pequena empresa de metalurgia como auxiliar de produccedilatildeo

O trabalho era duro deveria ajudar na carga e descarga dos materiais brutos accedilo

ferro e outros e tambeacutem na limpeza das maacutequinas torno freza ainda no chatildeo da

faacutebrica foi a minha experiecircncia de labor braccedilal como operaacuterio que forjou meu

caraacuteter naquele momento era normal se machucar e cortar a matildeo e os dedos com

o cavaco que eacute a limalha de ferro cortado quando limpava as maacutequinas e

tambeacutem natildeo tinha qualquer experiecircncia para me cuidar melhor estava

aprendendo que se queria alguma coisa deveria estar disposto a pagar o preccedilo

com o investimento da vida do corpo e do sangue derramado Era preciso vencer

a batalha se quisesse vir a ser um guerreiro e salvar minhas esperanccedilas foi

quando me matriculei num cursinho melhor com os primeiros recebimentos e

cheguei a conciliar trabalho e estudo a noite por algum tempo ateacute os limites da

minha forccedila jaacute quase dobrado pelo cansaccedilo Percebi que mesmo que estudasse

natildeo teria o rendimento necessaacuterio a enfrentar o vestibular em direito na federal e

que estaria apenas me iludindo e mais uma vez estava fadado ao fracasso

Nessa eacutepoca o acaso conspirou a meu favor e meu pai que estava

desempregado conseguiu o emprego de motorista particular de uma meacutedica onde

114

estaacute ateacute hoje e nisso investiu parte de seus ganhos natildeo na casa mas em mim

para que eu completasse os estudos e apenas estudasse Natildeo podia mais

fracassar na minha segunda tentativa agrave seacuterio a primeira foi uma tentativa que fiz

ao sair do ensino meacutedio soacute para conhecer a prova sabia que natildeo tinha chance

alguma Naquele momento natildeo era dinheiro soacute meu era da minha famiacutelia e

lutava tambeacutem por eles e felizmente fui aprovado no exame para o ingresso no

curso de direito noturno da federal em 2004 Uma vez dentro do curso logo vi que

natildeo estava numa faculdade e sim numa universidade e como natildeo entrei apenas

por mim mas por todos aqueles que amo a minha famiacutelia natildeo poderia me

conformar em fazer apenas direito eacute assim que comeccedila o meu nomadismo

universitaacuterio de que este trabalho eacute consequumlecircncia No primeiro ano com bastante

disposiccedilatildeo em desenvolver a criacutetica que jaacute ensaiava me convidam para participar

de uma reuniatildeo do dito partido da esquerda da faculdade antes de comeccedilarem

as aulas passo a frequumlentar as suas reuniotildees e jaacute conheccedilo alguns veteranos mal

sabia que essa suacutebita experiecircncia poliacutetica tambeacutem tinha a ver com Nietzsche

Nietzsche afirma que o filoacutesofo eacute aquele que mais facilmente se enganasobre a natureza do conhecimento por pensaacute-lo sempre na forma deadequaccedilatildeo do amor da unidade da pacificaccedilatildeo Ora se quisermossaber o que eacute o conhecimento natildeo eacute preciso nos aproximarmos daforma de vida de existecircncia de ascetismo proacutepria ao filoacutesofo Sequisermos realmente conhecer o conhecimento saber o que ele eacuteapreendecirc-lo em sua raiz em sua fabricaccedilatildeo devemos nos aproximarnatildeo dos filoacutesofos mas dos poliacuteticos devemos compreender que satildeorelaccedilotildees de luta e de poder ndash na maneira como as coisas entre si oshomens entre si se odeiam lutam procuram dominar uns aos outrosquerem exercer uns sobre os outros relaccedilotildees de poder ndash quecompreendemos em que consiste o conhecimento (Cf FOUCAULT2002 p 22-23)

Tambeacutem no primeiro ano conheccedilo o Serviccedilo de Assessoria Juriacutedica

Universitaacuteria Popular - Sajup projeto de extensatildeo do curso coordenado pela

Professora Dra Vera Karam em que vislumbrei a possibilidade de ir para aleacutem

dos muros da universidade e conhecer o direito no diaacutelogo com as comunidades

Passo a me envolver bastante com o projeto mas ainda assim sentia a

necessidade de trabalhar com outros saberes na praacutexis extensionista natildeo poderia

ser soacute o direito jaacute pressentia que ele natildeo traz todas as respostas Eu precisava

me manter na faculdade tinha meus gastos de transporte xerox alimentaccedilatildeo e

115

entatildeo cadastrei um pedido de bolsa permanecircncia que foi aceito quando tive a

imensa sorte mais uma vez o acaso jogando a favor fui alocado para exercer

atividade de apoio na aacuterea juriacutedica e sob a orientaccedilatildeo de Vanir assistente social

do escritoacuterio modelo que nesses primeiros instantes foi quase uma matildee para

mim ela coordenava tambeacutem os estagiaacuterios da federal no Projeto Prisatildeo em

Flagrante no Foacuterum Criminal e me levou para cumprir minhas horas de estaacutegio laacute

quando comecei a ter contato com a realidade do direito o encarceramento das

pessoas mais pobres o drama das famiacutelias e dos sem-direitos O Projeto muda

de nome para OAB=Cidadania coordenado pela Dra Lucia Belloni em que me

seraacute dada a oportunidade de estagiar junto de advogados que iratildeo prestar

orientaccedilatildeo juriacutedica gratuita e realizando ainda o trabalho com a execuccedilatildeo penal e

a progressatildeo de regime com visitas ao complexo carceraacuterio de Curitiba e regiatildeo

metropolitana entrevistando e auxiliando aqueles que muitas vezes satildeo os

esquecidos da sociedade banidos ignorados e malditos muitas vezes estatildeo

encarcerados e jaacute pagam a sua pena antes do julgamento condenados de

antematildeo Por mais um desses acasos o estaacutegio ocorria no preacutedio histoacuterico que eacute

a verdadeira sede do centro acadecircmico hugo simas conhecido como palaacutecio da

liberdade e assim aprendi um pouco da histoacuteria dessa entidade representativa

dos estudantes de direito da federal trabalhando naquele preacutedio numa eacutepoca que

trilhava meus primeiros passos no direito jaacute conhecendo a realidade atroz das

comunidades aos presiacutedios onde o poder se manifesta de modo mais expliacutecito e

cruel eacute poder sobre o corpo Daqueles momentos no Projeto guardarei a

lembranccedila de Theoacutephilo colega de faculdade que tambeacutem estagiava laacute e que

juntos chamaacutevamos aquele espaccedilo que por obra do acaso era o preacutedio de nosso

centro acadecircmico de cahs=casa Afinal o acaso nos colocou na nossa casa o

cahs como entidade cunhou a expressatildeo palaacutecio da liberdade para aquele lugar

por causa da luta contra a ditadura em que aquele espaccedilo se manteve aberto

apesar de toda a repressatildeo Infelizmente poucos estudantes sabem que a

cahs=casa ou a verdadeira habitaccedilatildeo do cahs eacute laacute e natildeo no subsolo do campus

santos andrade O primeiro ano ainda foi o periacuteodo da odisseacuteia universitaacuteria fui

ateacute a reitoria e fiz disciplina em filosofia embora natildeo conclusa tambeacutem andei

116

pelos corredores a esmo ateacute encontrar a pedagogia Foi quando conheci as

meninas do centro acadecircmico de pedagogia integrantes do movimento estudantil

popular revolucionaacuterio - mepr que segue a linha maoiacutesta de engajamento eu

conhecia muito pouco do marxismo mas hoje posso dizer que o aprendizado da

praacutexis a percepccedilatildeo aguda dos problemas e combativa admiro e reconheccedilo que

aprendi do contato com aquelas meninas Se pouco tinha lido do marxismo fui

conhececirc-lo melhor na praacutexis sem circunloacutequios teoacutericos mas sempre uma

experiecircncia visceral Evidente que a teoria natildeo se perde e comecei a participar do

nuacutecleo de estudos da pedagogia de makarenko204 Nesse momento jaacute tinha

convidado alguns colegas do direito para tambeacutem dele participar estudaacutevamos na

perspectiva da educaccedilatildeo popular e visando o trabalho com comunidades

chegamos a fazer visitas em aacutereas sateacutelites de Curitiba quando conhecemos

gente bastante humilde Desses estudos veio tambeacutem o contato com o

movimento estudantil quando corajosamente em menos de vinte e cinco pessoas

lanccedilamos uma chapa para o dce era a resistecircncia e luta rebelar-se eacute justo

confiavam em mim e sai como um dos coordenadores gerais da chapa fizemos

uma campanha indo a quase todos os confins da federal lembro de ter ido ateacute o

campus na escola teacutecnica onde revi o Ronaldo da eacutepoca do primeiro cursinho

que jaacute fazia seu curso de bacharelado em informaacutetica Nessa peregrinaccedilatildeo

conheci e revi pessoas foi uma experiecircncia de bastante dedicaccedilatildeo entrega e luta

a qual natildeo podia ser ganha eacuteramos muito poucos e tambeacutem enfrentaacutevamos os

interesses de grupos poliacuteticos partidaacuterios e do capital eleitoreiro nessa eacutepoca

conheci os meandros obscuros da poliacutetica os corporativismos e os clientelismos

daqueles que almejam o poder Nisso tambeacutem sou grato agrave criacutetica radical

promovida pelo mepr pois me fez enxergar a poliacutetica sem ingenuidade utopia ou

romantismos

204 Anton Semioacutenovitch Makarenko viveu na antiga URSS e desenvolveu sua pedagogia advindatoda ela da praacutexis no trabalho com jovens delinquumlentes na colocircnia Gorki e Dzerjinski experiecircnciarelatada em sua obra Poema Pedagoacutegico em 3 volumes tendo como princiacutepios uma pedagogiavoltada ao povo uniatildeo do ensino e da produccedilatildeo direccedilatildeo coletiva (a escola para Makarenkodeveria ser dirigida por educadores e educandos) e auto gestatildeo financeira a experiecircncia quesegue eacute relatada em mais detalhes em trabalho Visotildees sobre um direito plural apresentado emEvento de Direitos Humanos e Pluralismo Juriacutedico da UFSC publicado no site do encontrowwwnepeufscbrcongresso

117

Atraveacutes do nuacutecleo makarenko viajei no ano de 2005 para Belo Horizonte

quando fomos apresentar seminaacuterio sobre nossos estudos numa escola popular

mantida por trabalhadores praticamente todo nuacutecleo esteve presente Natildeo

eacuteramos muito mas a qualidade das nossas discussotildees e a profundidade valeu

Voltaria ainda naquele ano a mesma cidade para participar do Encontro Nacional

de Estudantes de Pedagogia quando apresentei junto de uma estudante de

pedagogia oficina sobre makarenko Mas esses eram os uacuteltimos momentos do

nuacutecleo com algumas pessoas assumindo outros afazeres jaacute prestes a concluiacuterem

seus cursos eu era o uacutenico ali receacutem-ingresso os outros jaacute se encaminhavam

para o final o nuacutecleo acabou Mas a memoacuteria da convivecircncia do aprendizado da

praacutexis do jantar aacuterabe na casa do companheiro Adnan que fazia direito numa

particular e economia na federal ao mesmo tempo isso natildeo seraacute esquecido

tambeacutem companheiro de chapa do dce junto das meninas do movimento Joana

Viviane Juciane Alessandra Monalisa isso tambeacutem natildeo seraacute esquecido

acrescento por oacutebvio a presenccedila fraterna do colega do curso de direito na federal

musicista e poeta Ricardo Pazello que alegrava as nossas rodas de conversa

com o seu violatildeo quando atendia os nossos pedidos para tocar a muacutesica de

Vandreacute cipoacute de aroeira Soube recentemente que Adnan estaacute no Liacutebano das

meninas o que sei eacute que a militacircncia continua no comitecirc de defesa da revoluccedilatildeo

agraacuteria e de Ricardo sei que estaacute fazendo o mestrado em direito na ufsc pois em

sua casa me hospedei ainda este ano quando participei de congresso laacute sobre

pluralismo juriacutedico e direitos humanos No ano de 2004 ainda o nomadismo me

levou a conhecer a psicologia o uacutenico curso que divide espaccedilo com o direito ainda

no campus santos andrade muito embora jaacute se tenha a notiacutecia de que estatildeo na

iminecircncia de serem retirados o que eacute uma pena Na psicologia participei de um

grupo de estudos sobre Jung que eacute algueacutem que chegou a escrever uma

interpretaccedilatildeo sobre o Zaratustra de Nietzsche que soacute ouvi falar mas natildeo li

Tambeacutem aprendi um pouco sobre a noccedilatildeo de sincronicidade e percebecirc-la no

cotidiano Nesse periacuteodo jaacute estava bastante envolvido no partido de esquerda

frequumlentando vaacuterias reuniotildees em saacutebados agrave tarde e comecei cedo e tambeacutem logo

percebi graves contradiccedilotildees Percebi que se quisesse ser um membro do partido

118

deveria enquanto calouro me mostrar antipaacutetico e antisocial com a gente do outro

partido o considerado da direita como se eu precisasse agir de forma mal

educada com os outros para fazer prova de minha fidelidade Mas eu natildeo poderia

tratar mal ningueacutem ainda mais quem natildeo conhecia continuava conversando com

todos independente das facccedilotildees Eu jaacute mantinha contato com o pessoal do

mepr e mesmo laacute eles os conhecidos como radicais terroristas loucos

tambeacutem vistos como malditos pelo setor pois volta e meia lanccedilavam panfletos

criticando as reformas universitaacuterias Mesmo os radicais nunca me exigiram

provas de fidelidade pois sabiam que o trabalho o empenho corporal era a uacutenica

prova exigiacutevel ou a que mais importava Logo habitando os dois mundos a

realidade da santos andrade e a da reitoria conhecendo o movimento estudantil

nesses dois espaccedilos fui notando o conteuacutedo de simulacro nas praacuteticas do partido

de esquerda do direito

ldquoNietzsche na forccedila da sua criacutetica e na radicalidade dos seus propoacutesitosescandaliza a esquerda imbecil que paulatinamente vai se convertendoaos rituais e aos objetivos do poder que combatiardquo (Cf ESCOBARsano p 7)

Natildeo me queriam como companheiro e sim como um disciacutepulo crente

um cego a seguir e a fazer o que os mais velhos mandavam fosse ofender ou

atacar sem o saber aqueles que eram tidos por inimigos me queriam para o

seu time e para a posiccedilatildeo mais atrasada possiacutevel porque quem fazia os gols e

dirigia o time era sempre uma elite natildeo disposta ao diaacutelogo ou a ceder

Percebi que era uma cuacutepula que dava a linha ao partido e tambeacutem que

os outros partidaacuterios laacute estavam por amizade natildeo por qualquer causa propoacutesito

ou diretriz de iacutendole revolucionaacuteria ou engajada mas para marcar encontros para

sair depois fazer programas juntos natildeo para discutir a poliacutetica ateacute porque muitas

vezes essa jaacute estava decidida por uma meia duacutezia que eram de fato os seres

poliacuteticos e que negociavam em nome de todo o partido Ou seja logo percebi

que o partido era outro nome para confraria ou igrejinha Isso me fez aos

poucos investir mais energia do lado da reitoria sentia que neles o engajamento

era agrave seacuterio eram mais coerentes com o seus discursos tanto que ateacute hoje ainda

militam em outro seguimento que natildeo o movimento estudantil mas continuam

119

E tudo ficou mais claro para mim na disputa ao dce quando sai pela

chapa do mepr se bem que a maioria era independente eu nunca fui do

movimento sempre participei como independente muito embora dentro do

direito os proacuteprios partidaacuterios sobretudo aqueles que me cobravam provas de

fidelidade esses logo me acusavam de traidor ou faziam intrigas pelas costas

mesmo querendo me desestabilizar emocionalmente ou me segregar de algum

modo dentro do partido esses insistiam em me rotular de maoiacutesta stalinista

e outros istas como se por andar ao lado daquelas meninas necessariamente

fosse do movimento delas e tambeacutem como se eu fosse pior do que eles por estar

trabalhando com os malditos e loucos da reitoria Ora esses que me acusavam

se diziam verdadeiramente comunistas ou socialistas e diziam tudo isso sem

notar o tecircnis importado no peacute nessa eacutepoca vi que o partido da esquerda tinha

muitos comunistas de tecircnis importado gente bem nascida como entendi

aquele pessoal filho de uma elite econocircmica que ao entrar na faculdade puacuteblica

compreende ser socialmente correto fazer o discurso pelos mais pobres ou

mesmo se dizer seus representantes e falar em nome deles

Descobri que os partidos no curso de direito satildeo coisa muito antiga e

estatildeo arraigados na estrutura do templo fazendo parte de sua tradiccedilatildeo muitos

professores satildeo ex-integrantes de partidos alguns ateacute financiam campanha a

qual no meu tempo natildeo era nada barata ultrapassando os cinco mil reais O

problema natildeo era o partido da esquerda que diante do que via na reitoria era

apenas um simulacro a estrutura era falha e permitia essas distorccedilotildees e soacute

posso falar pelo que vivi e conheci Foi para fazer prova do conteuacutedo de

simulacro da poliacutetica acadecircmica partidaacuteria no direito que vesti e apoiei a chapa

de oposiccedilatildeo ao grupo da esquerda ou seja se me chamavam de traidor

quando estava com eles agora contra eles eu era algueacutem da direita fui

censurado ateacute pelos mais proacuteximos mas sabia que se queria fazer uma criacutetica agrave

farsa daquela disputa de times e natildeo de poliacutetica deveria cauterizar no corpo

aquela opiniatildeo natildeo bastava apenas discursar contra as eleiccedilotildees ou me abster

delas era preciso fazer ganhar os perversos e caccediloar daquele jogo pois se satildeo

times eacute questatildeo apenas de camisa natildeo de engajamento visceral tal como

120

aprendi no conviacutevio da reitoria mas de disputa de vantagens

ldquoO que eacute aristocraacutetico Que se tenha permanentemente de ldquoexpressarrdquondash ldquoserdquo expressar Que se procure situaccedilotildees em que se tenhaconstantemente necessidade de gestos Que se abandone a felicidadeao maior nuacutemero a felicidade enquanto paz de espiacuterito virtudeldquoconfortordquoQue se procure instintivamente pesadas responsabilidadesQue se saiba fazer em todo lugar inimigos pior tambeacutem de simesmo Que se contradiga constantemente o grande nuacutemero natildeopelas palavras mas por accedilotildeesrdquo fragmento poacutestumo XIV 15 [115]227-228 (Cf NIETZSCHE 2007 p355)

Dessa experiecircncia com a direita natildeo levei nada apenas mais um roacutetulo

ou mais um motivo para os da esquerda pois foram derrotados e ficaram mais

virulentos comigo Eacute preciso que se esclareccedila que nunca fui do tal partido da

direita como cheguei a ser do da esquerda e tambeacutem que minha experiecircncia

nesse partido acabou antes que me retirassem de laacute logo depois das eleiccedilotildees

do cahs de 2004 nunca mais frequumlentei reuniatildeo alguma e ao contraacuterio das

versotildees que me chegaram aos ouvidos depois eu natildeo fui expulso do partido sai

por conta proacutepria O mesmo natildeo aconteceu no Sajup comecei a participar

ativamente tambeacutem em 2004 e percebendo a ausecircncia dos demais cursos na

praacutexis extensionista trouxe por convite estudantes de outros cursos psicologia

pedagogia economia e comeccedilamos a desenvolver atividade no Coleacutegio Estadual

Hildebrando de Arauacutejo com estudantes secundaristas laacute em que realizaacutevamos

oficinas sobre temas-geradores ou seja partindo com problemas da realidade

deles para no final confeccionar um jornal em parceria conosco como expressatildeo

de alteridade Tudo ia muito bem mas para os integrantes mais velhos do grupo a

presenccedila de gente de outros cursos era um problema queriam o projeto apenas

para o direito e restrito ao direito a loacutegica a ser operada segundo os desiacutegnios

deles era a do estrito senso soacute estudantes de direito poderiam participar

Assim quando outros estudantes compareciam as reuniotildees tratavam-nos

mal isso passou a me incomodar muito jaacute que fui o responsaacutevel pela entrada

deles no projeto Percebi o quanto o Direito com d maiuacutesculo sustenta uma

pseudo superioridade aos demais saberes e o quanto isso eacute bastante negativo e

opressor numa loacutegica de alteridade e pluralidade ainda mais quando se tem em

conta uma perspectiva intertransdisciplinar Os debates dentro do projeto

121

comeccedilaram a ser bastante acirrados em torno dessas questotildees e ainda contra o

meus argumentos depunha minha condiccedilatildeo de calouro o que trazia aos

veteranos em maioria a sensaccedilatildeo de estarem certos foi assim que numa

dessas reuniotildees o grupo sempre teve autonomia e foi auto-gestionado decidiram

e votaram a minha expulsatildeo Por acaso ou natildeo esse pessoal tambeacutem fazia parte

de uma mesma igreja e provavelmente compreendiam aquele espaccedilo numa

loacutegica similar tanto que um dia ateacute me convidaram para participar de um culto

deles eu fui e tambeacutem num retiro deles mas natildeo me converti a sua feacute eu

preferi guardar a minha Natildeo foi a palavra expulsatildeo que usaram e sim um

eufemismo para isso a palavra afastamento diziam que eu poderia voltar

quando quisesse depois oacutebvio que nunca mais voltei As pessoas de outros

cursos deixaram de participar tambeacutem e comigo saiacuteram em solidariedade dois

colegas do direito mais proacuteximos o jaacute mencionado Ricardo e mais o Tisserant

com quem aprendi o exemplo do autodidata

Depois da experiecircncia do Sajup jaacute era 2005 e tinha acabado tambeacutem o

Projeto da OAB havia sido fechado na sede histoacuterica do cahs manteve-se apenas

no foacuterum criminal havia perdido o estaacutegio tambeacutem os espaccedilos que eram

abundantes estavam se exaurindo e desaparecendo o sajup me expulsou

abandonei o partido da esquerda o nuacutecleo makarenko estava nas uacuteltimas

depois de tudo isso natildeo sabia mais para onde ir estava como um naacuteufrago Ainda

mais porque tinha perdido as ilusotildees num messianismo do Direito agora via ele

como um direito de d minuacutesculo e o quanto de simulacro havia em sua vontade

de verdade e pretensatildeo de justiccedila ainda mais depois de ter conhecido na

proacutepria carne o banimento e a exclusatildeo dos malditos Todo esse relato faz

sentido numa espeacutecie de finalizaccedilatildeo deste trabalho monograacutefico conclusatildeo nunca

conclusa pois eacute relato de uma experiecircncia de vida ainda em aberto ainda por ser

escrita mas para justificar que este trabalho comeccedilou no contato com os

malditos do caacutercere e os da poliacutetica e tambeacutem com a experiecircncia do

naufraacutegio Para ficar pior os meus colegas foram tambeacutem afastados de mim

quando pensaacutevamos em criar algo novo rapidamente a estrateacutegia foi a de

convidaacute-los para outro espaccedilo apenas eles e natildeo a mim jaacute que quem fazia o

122

convite era um partidaacuterio daquela esquerda Certamente eram mais do que

colegas e sim companheiros de jornada para onde eles iam natildeo podia ir natildeo

naquele momento eu deveria enfrentar a solidatildeo de Zaratustra205

Do crepuacutesculo deve vir a aurora dediquei aquele ano aos estudos e

compreendi a liccedilatildeo de Zaratustra

A solidatildeo de Zaratustra natildeo dispensa os homens E por isso lanccedila odesafio de viver no meio deles ou com o mundo sem esse sentimento deperda sem esvaziamento enfraquecimento ibidem

Precisaria aprender a viver de outro modo e dentro do templo encontrar

meios de lograr os iacutedolos vencer os titatildes e enganar os Polifermos precisaria

desenvolver a astuacutecia e a dureza do guerreiro para conviver em ambientes hostis

e sobreviver aos mais de trecircs anos de curso que havia ainda pela frente precisava

encontrar meios para sobreviver afinal natildeo entrei na faculdade por uma questatildeo

apenas minha vim pelo amor de minha famiacutelia e natildeo poderia desistir apesar de

todas as decepccedilotildees Eu vi que o nomadismo para fora natildeo podia mais se

realizado daquele modo frequumlentando muito as coisas de fora da santos andrade

perdia aulas no direito e me comprometia seria preciso re-aprender isso agora

para um nomadismo dentro do preacutedio um nomadismo sem sair do lugar como

aponta de Deleuze

ldquoSeria necessaacuterio um nomadismo mais profundo o dos verdadeirosnocircmades ou ainda o nomadismo daqueles que nem se mexem e quenatildeo imitam nada Eles agenciam somenterdquo CfDELEUZE GillesGUATTARI Feacutelix Mil Platocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 TradAureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p 34 O nocircmade natildeoeacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetioviagens em intensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeoos que se movem agrave maneira dos migrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeose movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar no mesmo lugarescapando aos coacutedigos Sabe-se bem que o problema revolucionaacuteriohoje eacute encontrar uma unidade de lutas pontuais sem cair na organizaccedilatildeodespoacutetica e burocraacutetica de um partido ou do aparelho do Estado umamaacutequina de guerra que natildeo repetisse o aparelho de Estado umaunidade nocircmade ligada ao exterior que natildeo repetisse a unidade

205 O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevel foi destruiacutedo por seusinimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivo Por quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso einalterado eacute a sua alma sua vontade Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschianaRio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 p 98

123

despoacutetica interna Eis talvez o mais profundo de Nietzsche agrave medida deseu rompimento com a filosofia tal como ela se manifesta no aforismater feito do pensamento uma maacutequina de guerra ter feito do pensamentouma potecircncia nocircmade Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmadeIn Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

Assim descobri que o campus da santos andrade guarda um labirinto de

cultura e arte atravessando seus corredores para os lugares natildeo percorridos pela

gente do direito se acha um teatro as bailarinas da danccedila moderna o coral a

orquestra filarmocircnica e o curso de artes cecircnicas Passei a frequumlentar esses novos

espaccedilos dentro do velho templo ora indo para o soacutetatildeo ou para os subterracircneos

sempre descobrindo algo diferente e aprendendo ao consultar esses

oacuteraacuteculos206 encontrei ateacute um museu Natildeo esquecerei o dia em que sai de uma

aula de direito para entrar no palco que ensaiava um grupo de tango era uma

histoacuteria de Jorge Luiacutes Borges entrei pelo lugar errado e fiquei por ali abaixado ou

as vaacuterias vezes que assisti os ensaios do grupo de danccedila moderna e

contemporacircnea apreciando a beleza dos movimentos e das bailarinas nesse

tempo acabei conhecendo algumas que natildeo esquecerei tambeacutem

Na Canccedilatildeo da danccedila Zaratustra depara com um grupo de mocinhasque danccedilam Ele quer danccedilar junto embora o espiacuterito de gravidade oimpeccedilaPortanto Zaratustra quer danccedilar mas em sua auto-referecircnciaele fica refletindo sobre a danccedila em vez de danccedilar e fala com umabailarina que com isso impede de danccedilar e ao mesmo tempotransfigura como imagem significante da vida que danccedilaSoacute na danccedilase tornam supeacuterfluas aquelas perguntas que voltam a atormentaacute-loquando se esvazia do local da danccedila O quecirc Ainda estaacute vivoZaratustra Por quecirc Para quecirc Atraveacutes do quecirc Para onde OndeComo Natildeo eacute loucura ainda estar vivo A sabedoria que quer investigara vida e ao mesmo tempo deseja distacircncia A sabedoria ainda seraacutedionisiacuteaca se espanta os prazeres Pelo menos com as jovens quedanccedilam Zaratustra natildeo se torna o Dioniso que tambeacutem gostaria de serNatildeo conseguiu muita coisa contemplamos atraveacutes dos veacuteus apalpamosatraveacutes de redesZaratustra briga com sua sabedoria que o impediu dedanccedilar Soacute na danccedila consigo dizer a paraacutebola das coisas mais altas eagora minha mais alta paraacutebola permanece impronunciada em meucorpo Zaratustra estaacute cansado ferido Mas natildeo demora muito elesuperou suas feridas Declara orgulhoso que ressurgiu de novo datumba de sua vida Existe em mim algo que natildeo pode ser ferido nementerrado algo que rompe rochedos eacute a minha vontade (CfSAFRANSKI 2005 p 256-257)

206 Eacute uma referecircncia aos oraacuteculos que aparecem nas epopeacuteias homeacutericas dos preacute-socraacuteticos queforam lidos por Nietzsche o oraacuteculo traz uma mensagem uma visatildeo um sinal eacute um sentidopossiacutevel para o acaso que tambeacutem aparece na filosofia de Nietzsche e que serve a apropriaccedilatildeomiacutestica de seu pensamento

124

Natildeo posso deixar de mencionar as vezes que fui ao soacutetatildeo do templo e

ouvi Beethoven Mozart e a muacutesica claacutessica tocada com brilhantismo a despeito

da falta de estrutura pelos muacutesicos da orquestra filarmocircnica da federal incluindo

na eacutepoca a Anna Luisa menina que toca violino e viola claacutessica e que nesses

encontros e desencontros da vida esteve presente tambeacutem na minha trajetoacuteria

me incentivando na cultura e na muacutesica A arte fez surgir uma aurora ao direito

quando tudo parecia sombra e decepccedilatildeo Tanto foi que ateacute comecei a fazer

aulas de danccedila de salatildeo e cheguei a frequumlentar um baile isso por incentivo de

colegas do direito que descobri que faziam aulas tambeacutem isso foi em outro lugar

mas natildeo no templo ainda na santos andrade natildeo esquecerei das aulas de

histoacuteria da arte da professora Vanessa que a despeito de ser muito jovem

tambeacutem me incentivava a seguir os estudos nessa aventura interdisciplinar ela

que tambeacutem frequumlentou os bancos de direito mas preferiu a arte Esse foi o

nomadismo que aprendi a fazer sem sair do lugar Naquele ano ainda incluo

tambeacutem o Festival de Inverno de Antonina quando participei de oficina de arte

cecircnica sobre o uso da voz O ano de 2006 comeccedilou com estaacutegio novo havia

utilizado minhas economias para me manter no ano anterior agora era hora de

voltar ao trabalho e sou imensamente grato ao pessoal que conheci na

corregedoria do Tribunal de Contas que cumprimento na pessoa da Dra Cristina

e tambeacutem do corregedor agrave eacutepoca Dr Fernando agradeccedilo natildeo soacute a oportunidade

pelos dois anos de estaacutegio mas pelo que aprendi natildeo soacute enquanto teacutecnica

juriacutedica mas como sabedoria humana sou grato ainda porque nesse estaacutegio

podia almoccedilar economizava esse dinheiro e quando natildeo podia mais pela

proibiccedilatildeo do almoccedilo aos estagiaacuterios a Dra Cristina pagava para a mim sempre

com muita confianccedila o que nunca esquecerei tambeacutem a paciecircncia nas

orientaccedilotildees do trabalho fazendo sugestotildees e incentivos bem como os vaacuterios

colegas do dia-a-dia e os que por laacute passaram Isabel Cleusa Seacutergio cito a eles

para cumprimentar a todos que fizeram parte dessa jornada Nesse estaacutegio

sempre fui muito bem acolhido nas confraternizaccedilotildees de final de ano e

aniversaacuterio sentiacuteamos que eacuteramos parte viva do coletivo e natildeo apenas uma peccedila

descartaacutevel a Dra Cristina chegou a me presentear com um livro de Nietzsche A

125

Genealogia da Moral E ainda sabia reconhecer a importacircncia desses meus

estudos me incentivando no caminho da filosofia da pesquisa e das

investigaccedilotildees sociais como a liberaccedilatildeo que tive para ir ao Projeto Rondon na

Amazocircnia Oriental numa experiecircncia de mais de vinte dias e para voltar ao

estaacutegio sem quebra de contrato pois a loacutegica aplicada foi a de um direito que

escapa ao estrito senso Num desses acasos ainda conheci nesse estaacutegio

Gilberto e Oswaldo Giacoacuteia Neto sobrinhos do grande inteacuterprete brasileiro de

Nietzsche cujo testemunho eacute arrolado nesse trabalho devo ressaltar que satildeo

todos pessoas simples

Com a tranquumlilidade que o estaacutegio me fornecia pude ousar o trabalho

voluntaacuterio na organizaccedilatildeo do II Encontro de Direito e Cultura Latino-Americanos

organizado pelo cejur entidade representativa da poacutes-graduaccedilatildeo em direito da

federal atuei ajudando a divulgar o evento colando cartazes em vaacuterios lugares e

tambeacutem apresentei o meu primeiro trabalho acadecircmico resultado de estudos

variados a Pedagogia Discrepante escolha de liberdade O mesmo trabalho eu

re-apresentaria na Jornada Cientiacutefica do Pet Direito com a avaliaccedilatildeo do Prof Dr

Celso Ludwig de que se tratava de uma bricolagem o que ainda natildeo sabia do

que se tratava e indicou a leitura da obra do Prof Dr Alexandre Morais da Rosa

Quando tambeacutem submeti um trabalho sobre a biopoliacutetica de Michel Foucault ao

ingresso como voluntaacuterio no Programa O Pet programa de educaccedilatildeo tutorial

sempre foi visto por mim como mais uma dessas confrarias soacute que natildeo poliacutetica

e sim intelectual ou ainda como uma filial daquele partido da esquerda os

quais nos debates se diziam que eram pesquisadores enquanto os outros para

eles natildeo eram Portanto sabia que teria dificuldades por mais que me

empenhasse na elaboraccedilatildeo do projeto sabia que encontraria resistecircncia dentro do

grupo para a minha aprovaccedilatildeo e chegou a meus ouvidos que em reuniatildeo desse

partido da esquerda algueacutem havia vaticinado que eu natildeo entraria no Pet e se

fosse pela loacutegica da razatildeo acadecircmica do direito estrito senso muito provaacutevel

que natildeo conseguisse mesmo eu natildeo tinha haacutebito em escrever projeto o meu natildeo

tinha paraacutegrafo natildeo seguia as regras de espaccedilamento e tambeacutem do recorte

epistemoloacutegico Tinha tudo para fracassar e para o que vaticiacutenio se cumprisse

126

Contudo por um desses acasos bem-vindos na banca avaliadora estavam dois

professores que pensam para aleacutem da loacutegica do direito estrito senso Vera Karam

e Celso Ludwig os dois deram parecer favoraacutevel ao meu ingresso e nisso talvez

um desses comunistas de tecircnis importado tenha queimado a liacutengua Estava

comeccedilando a desenvolver a astuacutecia do guerreiro furando os olhos de alguns

Polifermos logrando os censores ou aqueles que estatildeo sempre dispostos a

opor um novo obstaacuteculo

ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura umatentativa de decodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativaque consistiria em decifrar os coacutedigos antigos presentes ou futurosporeacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo Cf DELEUZE Gilles Opensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 11

Em setembro de 2006 eacute meu ingresso como voluntaacuterio no grupo pet direito

ufpr e ateacute hoje faccedilo parte sob a tutoria do Prof Dr Abili ao qual sou grato por ter

me deixado pesquisar aquilo que gosto porque em determinado momento larguei

o projeto inicial para pesquisar Nietzsche mesmo sem saber o que pesquisaria

ainda Tambeacutem sou grato ao coletivo do Pet a todos que por laacute passaram desde a

minha entrada ateacute agora cumprimento a todos sem distinccedilatildeo porque de algum

modo ou outro todos contribuiacuteram para meu crescimento seja pelos estudos

coletivos ou nessa pesquisa que virou trabalho de monografia agora

A Odisseacuteia ainda precisa continuar e comecei a participar do Nuacutecleo de

direito Cooperativo e cidadania vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr sob

a orientaccedilatildeo do Prof Dr Gediel laacute vou reencontrar os amigos que haviam sido

afastados de mim E novamente logrando Poliferno comeccedilo a frequumlentar os

estudos do grupo e a participar de suas atividades na sequumlecircncia apresentando

trabalho sobre o cooperativismo dos luacutempemproletaacuterios pela liberdade no

seminaacuterio organizado pelo nuacutecleo e continuo frequumlentando ateacute o final do primeiro

semestre de 2007 quando o reacuteu Nietzsche faz sua primeira exigecircncia era preciso

escrever um trabalho no direito sobre ele O meu aprendizado e minhas leituras

que vinham desde antes da faculdade natildeo eram suficientes para escrever um

trabalho muito menos natildeo sabia sobre o que escrever por onde comeccedilar Pelo

127

que se nota desse relato o Nietzsche que coloquei em praacutetica eacute o aprendizado

obtido mediante experiecircncia que soacute consigo transpor em palavras porque depois

fiz a leitura mas sem o saber intuitivamente ou natildeo por forccedila do acaso busquei

uma praacutexis nietzscheana a despeito de toda tonalidade marxista desse conceito

Foi assim que o primeiro trabalho escrito sobre Nietzsche no direito iraacute ser

Nietzsche e Poliacutetica Traacutegica ou como se tornar aquilo que se eacute Um trabalho

que natildeo teria acontecido por causa das afliccedilotildees do desespero de natildeo saber

praticamente um segundo naufraacutegio pois era tempo de entregar projeto de

monografia e o prazo derradeiro se aproximava foi quando encontrei um desses

oraacuteculos numa tarde na biblioteca puacuteblica era o Prof Dr Guilherme Roman

Borges algueacutem que haacute tempos atraacutes assombrou a faculdade realizando um

trabalho de monografia sobre Michel Foucault tatildeo pesado quanto um tijolo natildeo soacute

pelas dimensotildees mas pela acuidade expositiva e argumentativa sobretudo Foi a

simplicidade e a humildade do Prof Guilherme que foi o incentivo preciso naquele

momento Ele me orientou a estudar o Nietzsche e fazer da monografia a

oportunidade de uma explosatildeo assim mal sabia ele que acabou fornecendo

foacutesforo para um incendiaacuterio Sem conhecer ainda as teacutecnicas de manejo da

poacutelvora nietzscheana a primeira tentativa acabou explodindo em mim e me

ferindo um pouco jaacute que esse trabalho natildeo teve avaliaccedilatildeo tatildeo positiva da banca

que o avaliou na Jornada do Pet daquele ano Mesmo tendo o explosivo falhado

na primeira tentativa havia material para outras explosotildees Foi o que aconteceu

no Evinci de 2007 quando apresentei a pesquisa do resumo Desafios e

confrontaccedilotildees hermenecircuticas para a efetividade dos direitos fundamentais

prestacionais quando trouxe a figura de Nietzsche num dos slides e a sua frase

escreva com sangue e veraacutes que sangue eacute espiacuterito num diaacutelogo de alteridade e

pluralidade com o seu pensamento Do crepuacutesculo vem a aurora o que parecia

como um fracasso surgiu como uma vitoacuteria o Prof Guilherme solicitou que meu

artigo sobre Nietzsche apresentado no Pet fosse enviado para a revista raiacutezes

juriacutedicas e assim ele foi publicado207

207 MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar a seraquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008

128

Em 2008 eacute o ano que dedicarei fundamentalmente as pesquisas e ao

estudo para odisseacuteias ainda maiores Aproveitando da poacutelvora jaacute reunida

confeccionarei outros artefatos explosivos e encaminharei o primeiro deles para

um congresso de filosofia na USP que eacute aprovado depois outro trabalho para um

congresso de pluralismo juriacutedico e direitos humanos da UFSC que tambeacutem eacute

aprovado depois para outro congresso de filosofia agora da UFPR depois um

trabalho seraacute encaminhado para a jornada de pesquisadores da AUGM em

Montevideo tambeacutem eacute aprovado na sequumlecircncia mais um trabalho eacute encaminhado

para evento de filosofia na UFRN a federal de Natal Rio Grande do Norte essas

duas uacuteltimas peregrinaccedilotildees ainda aconteceratildeo para cruzar o continente latino-

americano do extremo sul ao norte do equador com a vontade de poder elevada a

sua mais alta tonalidade Diante do que tenho que ser grato ao Prof Dr Cesar

Serbena pelo estiacutemulo ao estudo da filosofia no direito e pelas oportunidades

concedidas nesse uacuteltimo ano como seu monitor na disciplina de filosofia do

direito c e tambeacutem como meu orientador na iniciaccedilatildeo cientiacutefica com a bolsa

UFPRTN cujo plano de trabalho eacute A projeccedilatildeo filosoacutefica e literaacuteria do pensamento

de Nietzsche no Direito ou como pensaacute-lo depois da explosatildeo nietzscheana

Aspectos para um Direito a marteladas Tenho que lhe agradecer ainda pelos

serviccedilos prestados como meu advogado pois cheguei a receber a notiacutecia de que

teria que fazer minhas pesquisas sem bolsa ao que parece me avisaram que a

ufpr natildeo tinha dinheiro para bancar bolsa por isso alguns ficaram sem receber

incluindo eu e o Prof Serbena reivindicou o meu direito conhecendo de minhas

dificuldades de meu interesse pela pesquisa e da necessidade fundamental da

bolsa jaacute que sem ela natildeo teria como empreender essa Odisseacuteia ela seria

abortada antes de comeccedilar trocada por um estaacutegio em alguma aacutegua-furtada para

garantir sobrevivecircncia acadecircmica Era o desespero de um terceiro naufraacutegio jaacute

que contra a burocracia as chances eram iacutenfimas contudo mais uma vez a

insistecircncia e a astuacutecia lograram os censores mais um titatilde estava vencido a

bolsa de monitoria era minha Ainda sou grato ao Prof Serbena por assinar os

meus pedidos de passagens para a universidade pois sem essa ajuda natildeo

129

poderia empreender esse nomadismo Ele eacute tambeacutem o meu co-orientador dessa

monografia cujo orientador eacute o Prof Dr Luiacutes Fernando que um dia

inesperadamente foi surpreendido por algueacutem que vinha lhe falar num peacute de

vento a notiacutecia de que desejava a sua orientaccedilatildeo para esse trabalho ou melhor a

sua autorizaccedilatildeo sua assinatura Surpreso pelo convite nunca esquecerei a sua

reaccedilatildeo Mas vocecirc acha que eu tenho condiccedilotildees de te orientar num trabalho sobre

Nietzsche Foi a sua humildade a simplicidade e a percepccedilatildeo para aleacutem da

loacutegica do direito estrito senso de quem jaacute perambulou pelos caminhos da arte da

esteacutetica e do engajamento poliacutetico que tambeacutem viveu seu nomadismo que

motivaram a minha escolha como a uacutenica possiacutevel naquele momento Pois

tomado do desespero de um naufraacutegio precisava entregar um projeto de

monografia que natildeo sabia qual seria e sobre o que apenas sobre Nietzsche e

alguma coisa relacionada ao direito Foi por ter me estendido a matildeo no naufraacutegio

iminente que serei imensamente grato ao Prof Luiacutes que junto com o Prof

Serbena estatildeo empenhando seu creacutedito acadecircmico nessa aposta bastante

perigosa porque eacute nietzscheana Nesse nomadismo de 2008 nos uacuteltimos

instantes da graduaccedilatildeo agradeccedilo pelas pessoas que conheci inesperadamente e

que me ofereceram abrigo quando cheguei numa madrugada de segunda-feira em

SP a maior metroacutepole do paiacutes e sem saber quem eu era sem me conhecer

ofereceram a sua casa e uma cama para deitar falo do amigo Bruno Morais e de

sua irmatilde que muito amavelmente como natildeo existe mais nem nas cidades

pequenas do Brasil me ofereceram tamanha hospitalidade e confianccedila muito

obrigado por intermeacutedio da colega Liacutevia que tambeacutem pouco me conhecia apenas

de um encontro ocorrido ano passado aqui a quem tambeacutem sou grato porque

sem essa hospedagem solidaacuteria natildeo teria como apresentar meu trabalho na USP

sobre Nietzsche amp a aventura poliacutetica Tambeacutem nessa viagem conheci o largo do

satildeo francisco mas natildeo para frequumlentar o evento em homenagem a ldquopontes de

mirandardquo que ocorria ao mesmo tempo estive laacute junto de Bruno e seus colegas no

projeto Terra Tomada que naquele instante organizavam o encontro deles em

defesa da reserva raposa serra do sol jaacute que o projeto deles eacute de defesa dos

direitos indiacutegenas com uma praacutexis de extensatildeo numa comunidade Por mais um

130

desses acasos ousei encaminhar um trabalho para a USP sem saber como faria

para ir ou como ficar laacute era uma semana de evento e no final tudo acabou bem

ainda conheci pessoas e aprendi coisas preciosas comeccedilo a acreditar que a sorte

acompanha os audazes ou como diria Goethe ouse ouse fazer e o poder lhe

seraacute dado (cito sem referecircncia uma passagem que guardei quando era

estagiaacuterio no Farol)

Tambeacutem em 2008 comecei a frequumlentar o Grupo de estudos Nietzsche

coordenado pelo Prof Dr Antonio Edmilson Paschoal da PUCPR ao qual sou

grato pois muito gentilmente aceitou a minha participaccedilatildeo no grupo mesmo

sendo aluno de direito com a frequentaccedilatildeo desse espaccedilo adquiri mais coragem

para enfrentar os titatildes que ainda viriam pois cercado de gente com bastante

estudo sobre Nietzsche incluindo o colega do curso de filosofia da federal Joatildeo

Paulo os estudos se desenvolveram melhor Joatildeo ainda me apontou para a

existecircncia de outro grupo de estudos Nietzsche essa na Universidade Positivo

nos confins do campo comprido outro lado da cidade para mim e assim passei a

frequumlentar as reuniotildees em alguns saacutebados de manhatilde procurando equilibrar os

compromissos na santos andrade jaacute que fazemos disciplinas optativas nesse

horaacuterio Esse outro grupo eacute coordenado pelo Prof Dr Roberto Wu a quem

tambeacutem sou grato pela simpatia de me acolher nos seus estudos Como numa

aventura mitoloacutegica encontramos natildeo soacute titatildes mas tambeacutem alguns oraacuteculos que

apontam caminhos encontrei assim a estudiosa de Wittgenstein e professora em

Joinvile a Cristiana a quem sou grato pois me incentivou nos estudos quando

estava ainda preocupado com os meus proacuteximos passos natildeo soacute ofereceu o

conforto de suas palavras como o apoio para inscrever um trabalho no Congresso

de Filosofia Moderna e Contemporacircnea ocorrido no uacuteltimo mecircs de agosto na

PUCPR desse congresso tambeacutem participaram o Prof Dr Oswaldo Giacoacuteia Jr e

tambeacutem a Prof Dra Scarlett Marton Eu e Cristiana apresentamos um trabalho

intitulado Deus no pensamento de Nietzsche e Wittgenstein E ainda outro

artigo que publicaremos em parceria que eacute sobre sofrimento e felicidade no

pensamento de Nietzsche esse numa revista da Univille Ao que me parece hoje

aquela ousadia do primeiro artefato que explodi sobre Nietzsche estaacute longe de ser

131

um fracasso pelo contraacuterio a explosatildeo dele soacute poderia ser em mim pois se

explodir natildeo eacute privileacutegio soacute dos terroristas fui o que disse ao Prof Dr Mauro da

Unicamp quando pedi a palavra no Evento sobre oacutedio fanatismo e terrorismo e

disse que Nietzsche foi tambeacutem algueacutem que explodiu com a sua proacutepria dinamite

Eu me pergunto quem eacute hoje o jovem homem nietzscheano Seraacuteaquele que prepara um trabalho sobre Nietzsche Eacute possiacutevel Ou seraacute oque voluntaacuteria ou involuntariamente pouco importa produz enunciadossingularmente nietzscheanos no curso de uma accedilatildeo de uma paixatildeo deuma experiecircncia Eacute igualmente possiacutevel A meu ver um dos textosrecentes mais belos mais profundamente nietzscheanos eacute o texto queRichard Deshayes escreve ldquoViver natildeo eacute sobreviverrdquo poucos momentosantes de receber uma granada durante uma manifestaccedilatildeo Os doistalvez natildeo se excluam Talvez se possa escrever sobre Nietzsche ealiaacutes produzir no decorrer da experiecircncia enunciadosnietzscheanos (Cf DELEUZE sano p 9)

O Prof Mauro falava em evento organizado pelo nuacutecleo de direito e

psicanaacutelise vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da federal E a psicologia mais

a psicanaacutelise foram tambeacutem lugares pelos quais passei nesses nomadismos

Tudo comeccedila em 2004 num saacutebado pela manhatilde quando frequentava as jornadas

lacanianas coordenadas pela Prof Dra Silvane Marchesini quando no congresso

trazia jaacute preocupaccedilotildees nietzscheanas sou grato a Prof Silvane pelo apoio

incentivo e reconhecimento nessas aventuras de quem tambeacutem abriu seu

consultoacuterio sua biblioteca e forneceu material para pesquisa Nesse sentido sou

grato a Prof Dra Vania Mercer psicanalista em Curitiba por ter aberto as portas

de sua casa e de seu consultoacuterio bem como de sua biblioteca para incentivar

minhas pesquisas e meus estudos tambeacutem pela leitura paciente de minhas

bricolagens E ainda sou grato a Prof Dra Nadja Pinheiro do curso de psicologia

da federal que com muita amabilidade me acolheu no seu grupo de estudos da

obra de Michel Foucault a Histoacuteria da Loucura e tambeacutem pelo incentivo e pela

leitura paciente de meus estudos sobre Nietzsche Assim como nessa interseccedilatildeo

direito e psicanaacutelise tambeacutem agradeccedilo outras pessoas as incontaacuteveis que

conheci no nomadismo universitaacuterio gente de variados cursos ideacuteias e

experiecircncias engajamentos Dentro da academia nesse nomadismo sem sair do

lugar que aprendi a fazer tenho que agradecer ao Prof Dr Ricardo Marcelo que

132

me recebeu no seu Nuacutecleo de direito histoacuteria e subjetividade vinculado agrave poacutes-

graduaccedilatildeo em direito da federal em que estudamos obras de Michel Foucault e

Giorgio Agamben as quais me trouxeram subsiacutedios para essa empreitada

tambeacutem aproveito ao ensejo e agradeccedilo a sua esposa Prof Dra Angela

Fonseca que possui mestrado em Nietzsche e com muita simpatia aceitou

minhas insistecircncias em discutir o filoacutesofo e minhas pretensotildees quando natildeo

esquecerei o cafeacute que tomamos numa manhatilde que natildeo vi passar devido ao prazer

de falar sobre aquilo que gostamos Tambeacutem sou grato ao Prof Dr Celso Ludwig

natildeo apenas pela sugestatildeo da bricolagem e tambeacutem pela avaliaccedilatildeo positiva na

banca do Pet mas tambeacutem por ter me acolhido em seu Nuacutecleo de estudos

filosoacuteficos - Nefil vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr Agradeccedilo ainda

ao Prof Dr Luiacutes Edson Fachin que me concedeu a oportunidade de conhecer dos

diaacutelogos e debates em torno do direito civil-constitucional em seu Nuacutecleo Virada

de Copeacuternico vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo tambeacutem que ainda me concedeu a

oportunidade de viajar com o grupo para o Rio de Janeiro para acompanhar o

evento organizado pelo Prof Dr Gustavo Tepedino da UERJ Sobre a

bicolagem sou imensamente grato ao Prof Dr Alexandre Morais da Rosa que

com muita generosidade vem dialogando comigo e me incentivando a continuar

fazendo bricolagens desafiando o establishment e ousando quebrar

paradigmas Ao Prof Alexandre meu agradecimento fraterno a quem chegou a

me enviar seu livro sobre a bricolagem no direito por correio de presente o que

me inspira e daacute mais coragem Nesse nomadismo para fora tenho que agradecer

ao Prof Dr Cid Aimbireacute do curso de farmaacutecia da UFPR o qual orientou a equipe

que representou a instituiccedilatildeo no Projeto Rondon Amazocircnia Oriental que atuou no

interior do Estado do Paraacute ao tio Cid como acostumamos a trataacute-lo meu

agradecimento pelo exemplo de simplicidade retidatildeo de caraacuteter e confianccedila bem

como toda a equipe que comigo esteve em Canaatilde dos Carajaacutes estudantes de

pedagogia enfermagem medicina biologia e farmaacutecia todos gravados na minha

memoacuteria e agora nessas paacuteginas que registram experiecircncias nocircmades Natildeo

posso deixar de citar meu amigo Rodrigo fanfarratildeo pois algueacutem que conheci na

eacutepoca de cursinho e que tambeacutem me acompanha na faculdade e natildeo esquecerei

133

do pela liberdade que bradei numa assembleacuteia acadecircmica que desejava

aumentar o curso de direito para seis anos natildeo conseguiram e nem dos Jogos de

Veratildeo de 2008 Tambeacutem agradeccedilo ao amigo e testemunha de algumas aventuras

Prof Dr Rafael Zanlorenzi que me conheceu quando ainda era um calouro

trazendo perguntas nietzscheanas num evento de direito e psicanaacutelise e depois

me emprestou livros me deu um sobre Heidegger sempre com muita

generosidade tem me acompanhado Tambeacutem agradeccedilo aos inuacutemeros

interlocutores e pessoas que estiveram nas vaacuterias caminhadas e outras que

estaratildeo e ainda sequer conheccedilo Ainda devo agradecer aos que estiveram

comigo nesses cinco anos alguns conheci bem outros apenas sutilmente e ainda

outros apenas de vista satildeo meus colegas de sala aos quase cem que

frequumlentaram comigo a sala de aula desde o iniacutecio ateacute o fim proacuteximo sou grato a

todos sem distinccedilatildeo pois assim como apontei a respeito do Pet todos de algum

modo contribuiacuteram para o meu aprimoramento seja intelectual mas

principalmente enquanto ser humano cumprimento a todos igualmente

O meu muito obrigado ainda ao Prof Dr Joseacute Roberto Vieira pela sua

generosidade e sabedoria de quem leciona Direito Tributaacuterio mas ainda assim

natildeo se deixa levar pela visatildeo do direito estrito senso pois eacute algueacutem que conheci

numa palestra de Oswaldo Giacoacuteia Jr sobre as mutaccedilotildees de Zaratustra no Sesc

da esquina O Prof Vieira eacute homem de larga cultura filosoacutefica chegou a orientar o

Prof Serbena no seu doutorado sobre loacutegica e aleacutem disso tem grande

conhecimento de literatura Esse eacute um relato infindaacutevel e continuaraacute em aberto

como as viagens que ainda devo fazer precisei escrever tudo isso para

demonstrar que usei a minha vida como mateacuteria prima desse trabalho aceitando

que a tarefa de escrever com o proacuteprio sangue e tambeacutem para me colocar em

julgamento na frente do reacuteu daquele que eacute chicoteado pelos outros Das

experiecircncias vividas das decepccedilotildees aventuras desventuras dos juacutebilos e

preocupaccedilotildees nada alteraria pois tudo que escrevi eacute aquilo que provei na proacutepria

carne e o que superei

soacute se escreve aqui sobre aquilo que mesmo viveu e superouCfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad RubensRodrigues Torres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza

134

2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 p128

O grande ato de bufonaria contra o tempo a forma de lograacute-lo e aquilo

que jaacute se passou eacute ser querido de novo eternamente e justificado pela vontade

elevada a sua mais alta potecircncia soacute compreendo isso agora diante da urgecircncia

de entregar esse trabalho em definitivo em poucas horas Agradeccedilo por fim a

meus pais Marly Benedita Santos Nascimento e Leonardo Mantau e tambeacutem a

minha irmatilde Janice Nascimento Mantau a vocecircs devo tudo e a condiccedilatildeo de ter

chegado ateacute aqui aleacutem da certeza que natildeo combato sozinho pois comigo estatildeo

vocecircs e meus antepassados208 Se deixei de seguir o caminho dos outros passar

num concurso puacuteblico ou estagiar em tempo integral para desde o princiacutepio

auxiliar em casa foi porque algo me convocava para essa tarefa pois toda essa

odisseacuteia essa luta constante me faria mais forte para o que ainda viraacute e natildeo

podia estancar essa marcha por vocecircs e por mim necessito ir sempre mais longe

Se aquele que anuncia o eterno retorno de todas as coisas surgisse em

minha frente eu o receberia como um emissaacuterio divino pois diria SIM

OUTRA VEZ

Curitiba em 3 de outubro de 2008

208 CfKAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo PauloAacutetica 1997 sp

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Manancial rizomaacutetico ou os afluentes desse meu rizoma

ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do esclarecimentofragmentos filosoacuteficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro JorgeZahar 1985

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______________ O discurso e o direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org)Direito e discurso discursos do direito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

______________ As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclomutaccedilotildees novas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina emCuritiba no ano de 2007 notas de proacuteprio punho

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____________ Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

____________ Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998

____________ Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

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PASCHOAL Antonio Edmilson A Genealogia de Nietzsche CuritibaChampagnat 2005

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ROCHA Ruth Minidicionaacuterio Satildeo Paulo Scipione 1996

ROSA Alexandre Morais da Decisatildeo Penal Bricolage de Significantes Rio deJaneiro Luacutemen Juacuteris 2006

SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left LuftSatildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo deJesus In Relatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo deErnani Pinheiro Chaves Universidade Federal do Paraacute 2008

STEINER Jean-Franccedilois Treblinka Trad Christiano Monteiro Oiticica Prefaacuteciode Simone de Beauvoir Satildeo Paulo Nova Fronteira 1978

STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeohermenecircutica da construccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado2001

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VATTIMO Gianni As aventuras da diferenccedila o que significa pensar depois deHeidegger e Nietzsche Ediccedilotildees 70 Lisboa 1980

VIEIRA Joseacute Roberto Interpretaccedilatildeo da morte de Deus em Nietzsche InRevista da faculdade catoacutelica de administraccedilatildeo e economia Adecon CuritibaFae 1991

VIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo PauloAnnablume 2006

YARLOM Irvin D Quando Nietzsche chorou Trad Ivo Korytowski Rio deJaneiro Ediouro 2005

WOLKMER Antocircnio Carlos Histoacuteria do Direito no Brasil Rio de JaneiroForense 1999

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Desafio Titacircnico (aquilo que foi dito na defesa e o que se calou)

O que se calou Escrever agora depois de ter feito a degravaccedilatildeo de tudo essetrabalho demorado e que teve que esperar para ser realizado diante das uacuteltimasresponsabilidades na faculdade significa continuar fazendo ainda o trabalho dodesejo agora colocando o que falta para fora resgatando algumas coisas Naverdade depois que terminou a defesa e quem ler poderaacute constatar isso houveuma castraccedilatildeo uma interrupccedilatildeo do processo eu ainda precisava responder maisFaltaram aqueles minutos de consideraccedilotildees finais para que pudesse responder asprovocaccedilotildees e questotildees que foram postas Assim a sensaccedilatildeo depois da defesafoi a de que ficou faltando bastante coisa Embora satisfeito com o trabalhoescrito o qual foi realizado sem abrir concessotildees sejam elas metodoloacutegicasepistemoloacutegicas ou ideoloacutegicas sentia que muito se calou na defesa natildeo foiexpresso talvez em parte pela tensatildeo do momento ou mesmo pela ausecircncia detempoEntatildeo agora o que se calou volta para deixar a sua marca nesse trabalhoque seraacute impresso e deixado na biblioteca da faculdade como um registro quiccedilaacutemais completo e mais pleno do que foi dito e do natildeo foi dito mas pensadoruminado nesses diasEssa eacute uma parte da monografia que nasceu poacutestumaassim como Nietzsche

Curitiba 18 de dezembro de 2008

O que se calou A defesa aconteceu no dia 5 de novembro de 2008 uma quarta-feira por volta das 16 horas e durou 2 horas e 15 minutos aproximadamente foiuma banca mais longa que o comum afinal estava previsto que seriam seisprofessores na banca Contudo infelizmente o Prof Vieira (direito UFPR) pormotivos de sauacutede e o Prof Edmilson (filosofia PUCPR) por motivos derepresentaccedilatildeo acadecircmica e viagem natildeo puderam estar presentes e foramausecircncias sentidas no debate A sala escolhida foi coincidentemente a mesma emque estudei quando calouro foi no ldquoboulevardrdquo Estavam presentes osprofessores Luiacutes Fernando (histoacuteria do direito UFPR) Ceacutesar Serbena (filosofia dodireito UFPR) Acircngela Fonseca (filosofia do direito da Universidade Positivo)Nadja Pinheiro (psicologia UFPR) Muitos amigos compareceram gente que fazparte do texto como eu direi a sala estava quase cheia registro ainda a presenccedilada Dra Vacircnia Mercer psicanalista em Curitiba e tambeacutem compareceu nosprimeiros instantes da defesa O atual diretor da faculdade o Prof RicardoMarcelo tambeacutem esteve presente no iniacutecio dos trabalhos assistindo

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Prof Luiacutes Fernando Damos iniacutecio a sessatildeo de defesa da monografia do alunoLeandro Nascimento Mantau com o tiacutetulo O caso Nietzsche a reabertura de uminqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildeesAgradeccedilo jaacute formalmente a presenccedila dos colegas que colaboraram na leitura eque vatildeo colaborar na discussatildeo do trabalho do Leandro O Prof Serbena a ProfordfAcircngela a Profordf Nadja da psicologia E passo jaacute diretamente a palavra para aconvidada mais distante a Profordf Acircngela que vem de outra instituiccedilatildeo para quecomece entatildeo com a arguumliccedilatildeo do candidato muito obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Eu gostaria de agradecer tambeacutem o convite de participarda banca eacute sempre um prazer trabalhar e poder discutir o autor que noacutesgostamos colocar um trabalho agrave prova de certa maneira E o trabalho do Leandrofoi para mim um trabalho bastante sui generis em diversos aspectos Primeiroporque jaacute tinha um contato com o Leandro antes o Leandro que se diziatotalmente sem tema e que na verdade ele apresenta aqui um Nietzsche que numcerto momento natildeo sei se de extrema sinceridade como vocecirc mesmo coloca natildeotem um tema um fio condutor e tudo mais E eu vou te falar algumas coisas aquiLeandro sobre a maneira de eu entender o teu trabalho sobre o que eu achei doteu trabalho Eu acho que num determinado aspecto vocecirc quis fazer uma defesaapaixonada do Nietzsche mas uma defesa tatildeo apaixonada que talvez seja umacoisa que eacute absolutamente inovador num certo sentido mas por outro lado euacho que a proacutepria voz do Nietzsche natildeo vou falar voz do Nietzsche porque aquinatildeo tem que ter a voz do Nietzsche tem que ter a voz do Leandro mas eu diriaque o pensamento do Nietzsche que de certa maneira em alguns momentos ficouem segundo plano por que Talvez porque por uma coisa que vocecircs mesmocolocou aqui com uma intenccedilatildeo tua que eacute de natildeo fazer recortes vocecirc colocouaqui quero trabalhar com o pensamento do Nietzsche sem fazer nenhumainterrupccedilatildeo nenhum recorte E ao fazer isso eu vejo um probleminha aqui que eacute oseguinte claro que eacute oacutebvio ia dizer que quando vocecirc tenta dar conta do mundointeiro acho que o mundo inteiro escapa da matildeo da gente mas sobretudo comNietzsche eu acho que vocecirc na verdade fez uma traiccedilatildeo com Nietzsche Vocecircquerer dizer que natildeo tem como recortar o pensamento do Nietzsche vocecirc faz queeu entenda que existe uma certa unidade uma totalidade um sistema que natildeopode de nenhuma maneira ser visto em algumas partes em alguns temas e euacho que Nietzsche permite isso sim aliaacutes o Nietzsche eacute um autor que eacute claro agente tem que compreender a visatildeo dele de um modo mais aberto de um modomais amplo mas eu acho que ele tem temas que satildeo trabalhados de inuacutemerasmaneiras diferentes os mesmos temas e ele mesmo abre essas diferentesinterpretaccedilotildees sobre um mesmo problema e essa eacute a estrateacutegia dele de trabalhodo Nietzsche a estrateacutegia do Nietzsche eacute justamente isso como eacute que eu vouproblematizar esse tema sob os mais variados pontos de vistas possiacuteveis e agente como leitor do Nietzsche querendo dar conta desse problema que eletrabalha a gente natildeo precisa digamos assim esmiuccedilar todos os meandrosporque talvez seja uma tarefa impossiacutevel de fazer isso E ao ser uma tarefaimpossiacutevel o que acontece entender Nietzsche acaba sendo entender Nietzschepor partes o Nietzsche inteiro que vocecirc quis dar conta ficou por partes emdeterminados ocasiotildees aqui Essa eacute a minha primeira visatildeo aqui Natildeo acho que

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seja um grandisiacutessimo problema mas acho que natildeo tem nenhum natildeo haacute nadadigamos assim natildeo haacute nada de ruim em a gente querer selecionar determinadotema em Nietzsche e esmiuccedilar esse tema tentar trazer de uma maneira maisanaliacutetica e isso natildeo significa fazer filosofia analiacutetica Segundo lugar aqui abricolagem que o Leandro tanto fala eu achei divertido na verdade eu me divertimuito lendo o seu trabalho isso eu achei bacana no iniacutecio eu tava falando puxavida acho que o Leandro estaacute fazendo jargatildeo do Nietzsche que vocecirc queria seaproximar tanto do Nietzsche que vocecirc usava inclusive uma linguagemnietzscheana mas depois eu comecei a me divertir tanto com o seu texto que eufalei ele ateacute que conseguiu em determinados momentos um tom nietzscheanoque vocecirc mesmo fala a ironia aliaacutes Nietzsche tem muito de ironia eacute claro quetodo mundo que sabe minimamente de Nietzsche vai ver que Nietzsche tem muitode ironia mas eu natildeo sei se concordo com o Deleuze que a filosofia do Nietzscheeacute soacute irocircnica soacute uma filosofia irocircnica e cocircmica o proacuteprio Nietzsche vai dizer emuma passagem bastante forte que ele preferia ser mal compreendido natildeo sercompreendido a ser compreendido por que Por que o percurso da compreensatildeoera um percurso aacuterduo e sofrido demais e ele natildeo gostaria de largar os seusleitores nesse percurso ou seja natildeo eacute tatildeo cocircmico o caminho assim eu acho queNietzsche exige uma disciplina bastante severa do seu leitor ele carrega a gentepor caminhos que natildeo satildeo tatildeo divertidos assim natildeo satildeo tatildeo confortaacuteveisPortanto o riso e a ironia sim mas natildeo eacute apenas a ironia e o riso emNietzscheMas bem o que gostaria de falar da bricolagem eacute bricolagem tudoserve seraacute que tudo serve para Nietzsche Leandro Essa eacute uma questatildeo que eute passo por que Por que Nietzsche eacute o filoacutesofo do gosto eacute o filoacutesofo que vaifazer seleccedilatildeo natildeo eacute poliacutetica natildeo entenda mal o que eu quero dizer aqui natildeo eacuteseleccedilatildeo mas Nietzsche eacute justamente o filoacutesofo que vai avaliar o que eacute afirmaccedilatildeo eo que eacute negaccedilatildeo de vida Entatildeo se tudo serve a gente entra naquele vale tudoque em Nietzsche natildeo eacute possiacutevel o vale tudo por que que natildeo eacute possiacutevel um valetudo Por que interpretaccedilotildees negadoras depreciativas e que restringem a forccedilanaquilo que ele vai ver sobre a vida natildeo satildeo possiacuteveis em Nietzsche entatildeo todasas interpretaccedilotildees ele reconhece que satildeo existentes mas nem todas satildeo vaacutelidas enem todas tecircm o privileacutegio de serem boas interpretaccedilotildeesMas enfim a genteteria muita coisa a falar aqui pena que a banca tem que ser um pouco raacutepida e agente poderia falar muito muitomas eu gostaria na verdade de atentar agravequiloque vocecirc estava se preocupando em colocar que eacute a leitura de Nietzsche nodireito como ler Nietzsche no direito Por que natildeo eacute tatildeo faacutecil assim e na verdadenatildeo eacute tatildeo faacutecil assim colocar Nietzsche no direito Natildeo eacute faacutecil colocar Nietzsche nodireito se a gente tenta fazer uma leitura usal do direito mas eu acho queNietzsche eacute um autor muito interessante para o direito absolutamenteinteressante natildeo soacute interessante mas como um autor que vai trabalhar com odireito de uma maneira que poucos autores trabalham Eu vi aqui que em algunsmomentos vocecirc vai falar do estado o estado como esse repressor o estado quearrebanha e tudo o mais e aiacute eu vejo mais uma certa leitura marxista do que oNietzsche porque eacute claro que a gente pode ver o Nietzsche fazendo a criacutetica dorebanho mas eu acho que o interessante aqui da relaccedilatildeo de Nietzsche e o Direitonatildeo estaacute tanto na criacutetica aos estatutos aos coacutedigos aos jogos de sistemas quevatildeo digamos assim impossibilitar e sustentar a vida gregaacuteria porque isso eacute uma

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coisa que natildeo eacute original do Nietzsche muitos autores de uma certa maneira vatildeocriticar as formas como se daacute a reuniatildeo a vida poliacutetica a vida gregaacuteria e tudo omais Eu acho que o interessante aqui eacute perceber como que o Nietzsche vaitrabalhar o indiviacuteduo eacute possiacutevel falar que Nietzsche vai colocar o indiviacuteduo contraa gregariedade A vida coletiva e gregaacuteria E aiacute a gente entra num campo muitointeressante claro que natildeo o Nietzsche a forccedila de Nietzsche para trabalhar nodireito uma das possiacuteveis leituras que eu vejo eacute justamente a criacutetica asubjetividade a criacutetica ao sujeitoAh a criacutetica do sujeito natildeo eacute nada de novorealmente natildeo eacute nada de novo mas o modo como Nietzsche faz isso no momentoem que ele faz isso eacute uma coisa que merece nota porque Nietzsche natildeo vaicriticar o sujeito simplesmente do modo como estamos acostumados esse sujeitoao qual se presta do direito o sujeito racional o sujeito com todos esses atributosde capacidade autonomia liberdade etc o Nietzsche estaacute muito foi muito paraaleacutem disso digamos que ele radicalizou muito mais O problema do homem vistoenquanto sujeito enquanto indiviacuteduo para Nietzsche natildeo eacute que ele eacute apenas umailusatildeo que o direito vai se apropriar a partir do seu edifiacutecio a partir dessa visatildeo dehomem a questatildeo aqui eacute que para Nietzsche ele vai na verdade vai destruir osujeito ele vai dizer que natildeo haacute homem enquanto sujeito natildeo haacute homemenquanto isso que eacute fixo natildeo haacute homem enquanto isso que existe e eacute aiacute que estaacuteo que podemos prender de Nietzsche por que Por que Nietzsche vai querer dizerpara a gente o seguinte a proacutepria leitura de homem eacute uma leitura inventada o tipohomem eacute uma construccedilatildeo E eacute quando noacutes vamos querer entender por que queNietzsche estaacute falando para a gente que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo que agente pode voltar para o direito por que que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo Porque Nietzsche vai dizer para a gente que o homem eacute uma folha ao vento natildeo haacutenatildeo existe ele comeccedila a existir quando inventa a si mesmo e como que ele vaiinventar a si mesmo Vocecirc sabe a gente comeccedila a voltar para a noccedilatildeo de corpopara Nietzsche o homem eacute um acontecimento fortuito uma reuniatildeo de impulsosque nesse intervalo fortuito que eacute o homem faz com que exista a vida humana soacuteque dentro desses instintos dentre desses impulsos existe um que se torna osoberano que eacute a capacidade intelectual e tudo o mais Entatildeo portanto a reuniatildeodesses do corpo e do intelecto que vatildeo se comvatildeo se dizer vatildeo conceber a simesmos como um eacute aquilo que permite o processo de hominizaccedilatildeo formaccedilatildeo dohomem do tipo homem quais satildeo as praacuteticas que permitem essa construccedilatildeo dohomem Praacuteticas juriacutedicas absolutamente arcaicas antigas que Nietzsche vaidizer que satildeo praacuteticas que permitem a formaccedilatildeo de uma consciecircncia de umamemoacuteria a formaccedilatildeo de uma ideacuteia de si mesmo enquanto um centro umaunidade natildeo no sentido moderno de sujeito ainda mas ou seja a possibilidade deuma leitura de homem ou seja a gente jaacute pode prever aqui em Nietzsche algueacutemque estaacute querendo dizer o que na verdade O que que estaacute aqui Leandro deabsolutamente radical em Nietzsche Nietzsche estaacute querendo dizer que satildeopraacuteticas juriacutedicas arcaicas que vatildeo possibilitar a proacutepria formaccedilatildeo de uma dadaconcepccedilatildeo de homem ou seja se toda a filosofia de Nietzsche eacute compreender oque que eacute o homem Qual eacute o tipo de homem Por que que eacute uma ilusatildeo E porque noacutes necessitamos criar essa ilusatildeo Quais satildeo as nossas necessidades debase para formar essa crenccedila O Direito eacute um instrumento que vai auxiliar naformaccedilatildeo dessa ilusatildeo ele vai auxiliar nessa crenccedila entatildeo homem e direito aqui

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homem e praacuteticas juriacutedicas eles andam de matildeos dadas na sua formaccedilatildeo entatildeo aproacutepria ideacuteia de homem eacute uma ideacuteia que natildeo se afasta de praacuteticas juriacutedicas emNietzsche Que eacute uma leitura que eu acho sensacional e que quem tem feito issoeacute o Giacoacuteia vocecirc mesmo colocou aqui e citou isso um texto dele em que ele vaitrazer essa ideacuteia para a gente entatildeo eacute isso que haacute de radical Natildeo eacute o direitocomo uma forma de repressatildeo do indiviacuteduo porque aiacute estariacuteamos advogandocontra o Nietzsche por que Porque se a gente acha que o direito eacute uma forma derepressatildeo contra o indiviacuteduo entatildeo haacute o indiviacuteduo haacute uma forma de liberdade nofim das contas natildeo haacute Se eu saio da vida gregaacuteria e tento analisar o indiviacuteduonem mesmo o indiviacuteduo enquanto uma potecircncia libertadora autocircnoma etc sobresi mesmo natildeo existe o que existe eacute o homem que criou a si mesmo enquantoideacuteia de homem e isso foi possiacutevel tambeacutem por conta de praacuteticas juriacutedicas Achoque esse eacute um fio muito interessante para trabalhar com Nietzsche no direito Maspor fim vou soacute te colocar uma questatildeo jaacute que devemos ser breves aqui que eacute oseguinte dentre as inuacutemeras leituras que vocecirc trouxe de Nietzsche vocecirc natildeotrouxe soacute uma leitura de Nietzsche vocecirc trouxe vaacuterias leituras de NietzscheNaquele capiacutetulo em que vocecirc vai trabalhar com se Nietzsche foi um imoral ouum voluntarista Vocecirc aceita a ideacuteia de que haacute uma eacutetica em Nietzsche e isso eacuteuma coisa que eacute um pouco controversa na verdade tem um autor que eacute bastantecaro para mim que eacute o Michel Haar ele vai advogar a existecircncia de uma eacutetica emNietzsche eacutetica da afirmaccedilatildeo da vida Soacute que isso eacute controverso Acontece quenos termos que vocecirc colocou essa eacutetica em Nietzsche vocecirc colocou que a eacuteticaem Nietzsche seria uma eacutetica contra qualquer universalidade e eacute verdadeNietzsche eacute um autor que vai trabalhar contra qualquer contra os totalitarismos dametafiacutesica contra a universalidade etc Mas vocecirc coloca aqui que os homensse assumem como criadores de valores legisladores de si mesmos dobrando aforccedila a seu favor ultrapassamento do homem como rebanho e aiacute eu mepergunto como que eacute essa eacutetica em Nietzsche que vocecirc estaacute lendo aqui Por quetalvez seja soacute uma questatildeo de linguagem vocecirc me explicando aqui eu possachegar a uma conclusatildeo diferente mas quando vocecirc coloca aqui para mim ohomem enquanto legislador de si mesmo e criador de seus valores isso pareceque estaacute um passo antes da criacutetica radical ao sujeito em Nietzsche porque dar asi mesmo as suas proacuteprias leis eacute uma capacidade do eu do sujeito e esse eu eesse sujeito enquanto sujeito capaz de regar a si mesmo nesses termos tatildeoiluministas eacute algo que natildeo haacute em Nietzsche natildeo sei se vocecirc percebe o que euestou querendo dizer legislador de si mesmo em Nietzsche natildeo eacute dar a si mesmodessa maneira como se fosse algo clarividente uma autoconsciecircncia que ohomem tem para regrar a si mesmo conduzir a si mesmo eu acho que essa seriauma percepccedilatildeo bastante iluminista ainda dentro do Nietzsche entatildeo como que eacuteessa eacutetica que vocecirc aceita e diz ainda ser uma eacutetica do traacutegico Por que a eacutetica dotraacutegico eacute justamente o contraacuterio de uma eacutetica iluminista entatildeo como eacute quefunciona isso Bom eu acho que a gente teria muitas outras coisas para falaraqui mas eu te convido para a gente fazer mais cafeacutes para a gente conversarsobre Nietzsche

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O que se calou Primeiro ponto que gerou um desconforto e vai me levar a umaecircnfase maior eacute a honestidade que eu assumi para defender Nietzsche ainda maisdepois da Profordf Acircngela ter dito que eu teria feito uma traiccedilatildeo com Nietzsche pornatildeo ter seguido uma metodologia usual na academia que eacute a do recorte etc Bemeu natildeo disse que natildeo eacute possiacutevel recortar o pensamento de Nietzsche e nemignorei o fato de haver os temas nietzscheanos apenas fiz uma escolha por umoutro tipo de abordagem que foi a de ldquopassar pelos temas sem ficar nelesrdquo semverticalizar em um deles escolhi trabalhar um outro aspecto da profundidade queeacute aquela que se daacute horizontalmente e por expansatildeo E esse tambeacutem eacute umquestionamento metodoloacutegico que estaacute impliacutecito no trabalho se natildeo se eacute maisprofundo e mais coerente trabalhar horizontalmente que verticalmente diferentedo que fazem os especialistas que sabem as vezes muito de uma coisa e ignoramquase por completo todas as outras jaacute que se especializam tanto num soacute pontoque se desconectam do resto A profundidade no sentido nietzscheano natildeo eacutevertical mas na perspectiva do jogo de maacutescaras tal como apresenta Foucault noteatro filosoacutefico rdquoEacute necessaacuterio portanto que o inteacuterprete desccedila que se converta como disseNietzsche no ldquobom escavador dos baixos fundosrdquoEacute que se o inteacuterprete deve ir pessoalmente ateacuteo fundo como um escavador o movimento de interpretaccedilatildeo eacute pelo contraacuterio o duma avalanche oduma avalanche cada vez maior que permite que por cima de si se vaacute despregando aprofundidade de forma cada vez mais visiacutevel e a profundidade torna-se entatildeo um segredoabsolutamente superficial de tal forma que o vocirco da aacuteguia a ascensatildeo da montanha toda estaverticalidade tatildeo importante em Zaratustra natildeo eacute sem sentido restrito senatildeo o reveacutes daprofundidade a descoberta de que a profundidade natildeo eacute senatildeo um jogo e uma ruga da superfiacutecieAgrave medida que o mundo se revela mais profundo aos olhos do homem damo-nos conta deque o que significou profundidade no homem natildeo era mais do que uma brincadeira decrianccedilasrdquo Cf p 18-19E justamente eacute a vontade de sistema ou a vontade de verdade como expotildeeNietzsche que motiva as classificaccedilotildees os recortes e as sistematizaccedilotildees esse eacuteoutro questionamento colocado pelo trabalho esse eacute mais expliacutecito Se aquelesque agem com essa vontade de sistema natildeo se parecem mais com os meacutedicoslegistas a conspurcar cadaacuteveres ou a lesionar com o bisturi no afatilde de produzirconhecimento ou seja quem seraacute que comete a traiccedilatildeo A minha opccedilatildeo pelo natildeorecorte tambeacutem vem pelo sentido que li a filosofia de Nietzsche pela minha leiturarecortaacute-lo seria tambeacutem uma rendiccedilatildeo uma cooptaccedilatildeo e a admissatildeo de fraquezae da ausecircncia de uma vontade de poder que pede sempre saiacutedas criativas e dedeslocamento do usual e natildeo de conciliaccedilatildeo com ele Portanto escolhi o caminhoque me permitisse elevar ao maacuteximo essa vontade de poder ir mais longe e oengraccedilado como poderatildeo ler eacute que o tempo todo a banca me incita a seguir ocaminho deles ou caminho tradicional o argumento eacute de que eu conseguiria irmais longe assim seguindo eles nada mais ldquocontra-nietzscheanordquo Jaacute que paraNietzsche eacute preciso que se busque sozinho os seus caminhos mesmo quesubvertendo os coacutedigos como aponta DeleuzeA bricolagem foi outro tema polecircmico muito jaacute tive a oportunidade de observar nafaculdade que se ironiza e se comenta aos cantos com sarcasmo quando naverdade eacute uma abordagem seacuteria apresentada por Levi-Strauss no PensamentoSelvagem e que virou tese de doutorado com o Prof Alexandre Morais da RosaDe qualquer modo a polecircmica eacute o trabalho com Nietzsche na bricolagem como jaacutehavia me avisado o Prof Alexandre eu estaria duplamente assumindo o ocircnus com

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isso ele que disse que minha saiacuteda nietzscheana com a bricolagem eacutecompletamente viaacutevel apontou para a incompreensatildeo dos outros e de que iriaacabar no banco dos reacuteus como louco e de fato como afirmo na defesa e notrabalho escrito ter Nietzsche como reacuteu foi tambeacutem estar junto dele no mesmobanco ou o mesmo ldquobarcordquo O vaticiacutenio dele se cumpriu O que natildeo se entende eacutecomo que na bricolagem tudo pode servir quando Nietzsche eacute o filoacutesofo do gostoDiante disso eacute preciso que se diga que Nietzsche eacute tambeacutem o filoacutesofo doestocircmago quando ele recomenda que o seu leitor deve aprender a ruminar eacutepreciso que se tenha estocircmago para isso eacute ser um oniacutevoro comer de tudo masconseguir digerir tudo pode servir sim Desde que se tenha estocircmago para isso ena bricolagem natildeo eacute um ldquotudo pode servirrdquo alienado eacute feita uma seleccedilatildeo haacute umtrabalho de deslocamentos de significantes para dar um sentido a coisa e essesentido eacute dado por uma subjetividade que se implica haacute uma cola pessoal quemfaz a bricolagem deixa um pouco de si no experimento Quando defendia o meutrabalho levei dois cartazes duas bricolagens um deles foi feito a matildeo papelkraft tinta guache gravuras deixe inclusive a marca dos meus dedos afinal abricolagem eacute um trabalho amador apresentei esse no Evinci O segundoapresentado em Montevideacuteo com ajuda de custos da UFPR foi feito em maacutequinamas continuava bricolagem pelo jogo das imagens e o modo improvisado que foirealizado Enfim eacute esse trabalho em que haacute uma seleccedilatildeo e um processo deresignificaccedilatildeo das peccedilas agrave disposiccedilatildeo tendo o inteacuterprete ou o realizador dabricolagem como algueacutem que vai digerir e se implicar isso eacute bastantenietzscheano Haacute uma disciplina da leitura em Nietzsche certamente a ideacuteia doruminar faz parte dessa disciplina natildeo a ignoro e inclusive Nietzsche exige queos seus leitores possuam vivecircncias e experimentem em si mesmos algumasvivecircncias para compreendecirc-lo melhor ele fala isso no Ecce homo a respeito doseu Zaratustra que eacute um livro que na visatildeo de Nietzsche para que sejacompreendido eacute necessaacuterio que o seu leitor acumule algumas vivecircncias Portantoessa disciplina de leitura de Nietzsche mais do que o ruminar e a leitura atenta defiloacutelogo eacute requerido uma praacutexis um colocar-se em praacutetica e esse colocar-sesignifica uma vivecircncia pessoal uma experimentaccedilatildeo de si tambeacutem um colocar-seem prova e nisso justifica-se ainda mais o porquecirc do uacuteltimo capiacutetulo ser ldquoo comocoloquei o Nietzsche em praacuteticardquo Quero dizer jaacute estaacute impliacutecito na obra deNietzsche no seu pensamento que para ser compreendido eacute necessaacuterio umdiaacutelogo de subjetividade com eleQuando Nietzsche fala do seu criteacuterio de avaliaccedilatildeo e diz que tudo serve desde queajude a expandir a vontade de poder ele natildeo isenta nem mesmo a religiatildeo haacutequem possa ser religioso e natildeo ter uma postura depreciativa da potecircnciaMais um aspecto polecircmico foi a eacutetica ela estaacute presente no meu trabalho comouma questatildeo pessoal eu explico isso e natildeo eacute despropositado na filosofia deNietzsche natildeo eacute algo que estou forccedilando ou distorcendo basta olhar o subtiacutetulode Ecce homo ldquocomo algueacutem se torna aquilo que se eacuterdquo Ou seja exige-se umpercurso que natildeo eacute de modo algum tranquumlilo eacute uma travessia que natildeo estaacute isentada dor da experiecircncia do erro e do acerto vive-se o niilismo e a decadecircncia e eacutenecessaacuterio aceitar o preccedilo do perecimento haacute um custo traacutegico nisso Acreditoque fui claro nisso natildeo entendo o porquecirc da natildeo compreensatildeo jaacute que natildeo eacute depostura iluminista que se trata natildeo eacute ldquodar a si mesmordquo de modo clarividente

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porque aqueles que desejam que lhes seja dado o ldquoaleacutem-do-homemrdquo satildeo osuacuteltimos homens esses incapazes de serem eles mesmos de ousarem essepercurso traacutegico pedem que Zaratustra lhes decirc de presente essa eacute a posturailuminista que Nietzsche combate sua filosofia E se haacute uma forma de liberdadeela adveacutem desse processo intenso visceral a liberdade com sangue ardente queeacute o tempo todo conquistada e posta agrave prova esse eacute o sentido de liberdade queadoto e que eacute estreitamente ligado ao de eacutetica no sentido nietzscheano comoapresento Haacute uma singularidade que deve encarnar isso e aceitar o preccedilo deviver perigosamente aiacute a palavra individualidade natildeo eacute nem a melhor paracaracterizar esse processo

Prof Luiacutes Fernando Obrigado Acircngela Entatildeo eu passo a palavra para vocecircLeandro e aiacute vocecirc traz o seu trabalho acho que seu trabalho merece uma formadiversa entatildeo achei que comeccedilar pelas perguntas antes de vocecirc apresentarapesar de uma forma aparentemente linear embora com certeza natildeo fosse linearo seu trabalho mas fosse mais interessante Agora vocecirc pode ter o tempo deapresentar as questotildees que vocecirc acha centrais bem como responder

Leandro Quantos minutos

Prof Luiacutes Fernando Natildeo vou limitar acho que isso seria pouco coerente deixoque vocecirc exponha com bom senso

Leandro Peccedilo licenccedila para falar de peacute entatildeo posso

Prof Luiacutes Fernando Tudo bem

Leandro Bem quero agradecer antes a todos que vieram agradeccedilo a todosmesmo apesar dos pesares a Profordf Vania Mercer apesar de tudo estaacute aquitambeacutem agradeccedilo aos professores da banca ao Prof Luiacutes Fernando e ao ProfSerbena por terem confiado em mim confiado que eu chegaria ateacute aqui nesseempreendimento fizeram uma aposta comigo uma aposta nietzscheana perigosaporque nietzscheana muito obrigado Obrigado as professoras que vieramtambeacutem Bemo trabalho como antecipou a Profordf Acircngela eacute um trabalho que natildeosegue um tema eacute um trabalho que comeccedila pela pergunta eacute um trabalho que eacutetodo ele pergunta qual eacute a pergunta que leva o trabalho Eacute a pergunta por que lerNietzsche no Direito Eacute essa pergunta insistente foi essa pergunta que memotivou a fazer esse trabalho escrever o trabalho todo em menos de um mecircsnum estado de tensatildeo porque eu precisava entregar o trabalho e natildeo tinha poronde comeccedilar por que Nietzsche natildeo eacute um autor lido no direito a gente lecirc oMichel Foucault a gente lecirc o Giorgio Agamben a gente lecirc comentadores deNietzsche mais contemporacircneos como Deleuze Gadamer por exemplo nahermenecircutica mas ningueacutem lecirc Nietzsche Eu tenho aqui o trabalho do Prof Vieiraque infelizmente natildeo pode vir problemas de sauacutede ele trabalha Nietzsche numainterpretaccedilatildeo da morte de Deus em Nietzsche a Profordf Acircngela Fonseca numtrabalho num artigo no livro publicado Criacutetica da Modernidade tambeacutem fez um

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trabalho sobre Nietzcshe e o professor e juiz em Satildeo Paulo Eduardo Rezende deMelo faz um trabalho sobre Nietzsche e a Justiccedila quer dizer satildeo as referecircnciasas poucas que encontrei mais proacuteximas do direito Mas nenhuma referecircncia eraexatamente aquilo que eu queria ainda explorar Natildeo tinha entatildeo por ondecomeccedilar natildeo tinha um tema qual foi a soluccedilatildeo encontrada para trazer Nietzschepara o direito Foi trazer Nietzsche como um reacuteu de um processo como seNietzsche fosse um reacuteu de um processo que eacute construiacutedo pelas acusaccedilotildees aoNietzsche as inuacutemeras acusaccedilotildees ao Nietzsche acusaccedilatildeo de que ele eacute umniilista acusaccedilatildeo de que ele eacute um intelectual da burguesia que ele eacute umintelectual da direita acusaccedilatildeo de que ele eacute um nefelibata um idealistasatildeo asvaacuterias acusaccedilotildees ao Nietzsche principalmente a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacuteum louco O fato da Profordf Nadja estar aqui quando conversei com ela eu disseque a questatildeo do Nietzsche louco o trabalho natildeo comeccedila natildeo tem como trazerNietzsche para a academia e legitimar a utilizaccedilatildeo do Nietzsche se vocecirc natildeocomeccedilar rebatendo a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute louco e de que a obra deleestaria contaminada pela loucura Portanto partir das acusaccedilotildees ao Nietzschepara dizer quem foi Nietzsche quer dizer eacute o primeiro ponto do processo que naverdade natildeo eacute um processo eacute um inqueacuterito como diz o Foucault no livro aVerdade e as Formas Juriacutedicas o inqueacuterito eacute a forma de saber e poder portantoo inqueacuterito eacute quando o sujeito jaacute estaacute condenado de antematildeo Nietzsche portantonatildeo eacute usado na academia e nem lido na academia eacute tido como autor malditocolocado de lado a gente prefere ler os autores mais contemporacircneos a ler oproacuteprio Nietzsche mesmo que o Foucault vaacuterias vezes diga que Nietzsche eacute oreferencial dele ele fala isso na Microfiacutesica do Poder fala isso na Verdade e asFormas Juriacutedicas quer dizer mesmo que autores mais contemporacircneos insistamque Nietzsche eacute o seu referencial principalmente a partir da deacutecada de 60 quandoNietzsche eacute relido tirado das falsificaccedilotildees e as falsificaccedilotildees a Nietzsche foramcometidas pela proacutepria irmatilde do Nietzsche quer dizer a irmatilde do Nietzsche foiaquela parente que foi laacute e usou a imagem do irmatildeo falsificou os trabalhos deNietzsche gerou a apropriaccedilatildeo nazista do pensamento de Nietzsche Desfazeresses equiacutevocos foi o primeiro passo para dizer quem foi Nietzsche para depoistentar dizer por que ler Nietzsche no direito Mas que quis deixar bem claro otempo todo que eu natildeo quis fazer nenhum recorte a Profordf Acircngela estaacute certa eunatildeo quis fazer recorte porque se eu pegasse um recorte eu acho que aiacute sim euestaria sendo criminoso e sendo traidor do Nietzsche se eu recortasse opensamento de Nietzsche Eacute claro que Nietzsche tem grandes temas como oniilismo a transvaloraccedilatildeo dos valores a morte de Deus quer dizer Nietzsche temvaacuterios temas que ele aborda na sua filosofia soacute que a filosofia de Nietzsche natildeo eacutesistemaacutetica ela natildeo eacute um sistema Entatildeo daacute a impressatildeo de que eu estoutratando Nietzsche como uma totalidade mas natildeo eacute Eacute porque eu peguei o reacuteuNietzsche como um reacuteu como algueacutem que estaacute num processo e eu tentei aiacute natildeorecortar ele natildeo agir como um meacutedico legista a minha intenccedilatildeo natildeo foi agir comoum meacutedico legista a pegar o bisturi e a cortar um pedaccedilo do Nietzsche paradecodificar esse pedaccedilo do Nietzsche natildeo foi esse o meu objetivo O meuobjetivo foi ter Nietzsche como um reacuteu e eu cumprir um papel difiacutecil praticamenteimpossiacutevel de fazer que eacute tentar advogar o pensamento de Nietzsche natildeo soacute opensamento como o pensador tambeacutem natildeo soacute o pensamento como o pensador

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tambeacutemQuer dizer tentar fazer a advocacia de Nietzsche mesmo sem terdiploma nem sequer me formei nem sequer sou bacharel ainda preciso que otrabalho seja aprovado Entatildeo eu tentei fazer um trabalho que eacute um trabalhoamador e eacute um trabalho ateacute diletante por que eu qual a necessidadecomoachar argumentos neacute como achar argumentos para defender Nietzsche Jaacute queNietzsche natildeo eacute sistemaacutetico jaacute que eu tenho um reacuteu aqui na minha frente eutenho um reacuteu aqui na minha frente que eacute viacutetima de acusaccedilotildees e de falsificaccedilotildeesde sua obra e de seu pensamento como defender esse autor Eu tive que aiacute fazerum trabalho que eacute um trabalho bastante complicado na graduaccedilatildeo o meu objetivonatildeo foi fazer uma tese de doutorado por exemplo eu natildeo estou aqui para chegara uma conclusatildeo com esse trabalho Entatildeo eu busquei ferramentas seja nafilosofia mesmo seja na literatura seja na psicologia para poder me arranjar nosmeios limitesQuando a Profordf Acircngela falou da bricolagem por exemplo eu peccedilolicenccedila para levantar esse trabalho que estaacute aqui esse de baixo esse trabalhoaqui eacute uma espeacutecie de bricolagem em que vocecirc utiliza por exemplo as imagensas figuras vocecirc combina elas para dar um sentido a elas quer dizer essa eacute umabricolagem um trabalho que apresentei no Evinci orientado pelo Prof Serbenaque eacute Nietzsche Direito e Literatura quer dizer e esse eacute um trabalho queapresentei semana passada em Montevideacuteo no Uruguay que eacute um trabalho queenvolve cinema arte e direito eacute um trabalho que tem Glauber Rocha natildeo eacute sobreNietzsche especificamente mas esse trabalho todos eles me ajudaram a chegarateacute aqui quer dizer eacute um trabalho que eacute constituiacutedo por vivecircncias A Profordf Acircngeladisse que eu assumo assumi um tom nietzscheano mas eacute que na verdade qual aforma encontrada para defender Nietzsche para tornar defensaacutevel Nietzsche foiassumir uma honestidade profunda com Nietzsche aquilo que o Oswaldo Giacoacuteiacoloca como a virtude da probidade a virtude da probidade eu tive que confessaro meu desconhecimento do Nietzsche mesmo eu natildeo leio Nietzsche em alematildeonatildeo leio em francecircs e nem em inglecircs natildeo pude consultar as obras maisrecomendadas sobre Nietzsche como a Nietzsche-Studiem que eacute umapublicaccedilatildeo internacional do Nietzsche Quer dizer eu tive que me amparar noslivros traduzidos e no fato de eu ser estudante de direito sou estudante de direitotenho minhas limitaccedilotildees natildeo frequento o curso de filosofia ou seja tive que meorientar sozinho nesse trabalho Nisso eu tenho que agradecer de novo o LuiacutesFernando e o Serbena porque eles confiaram as cegas em mim porque eu natildeotinha projeto eu natildeo tinha roteiro eu natildeo sabia por onde comeccedilar e estava a ummecircs de entregar o trabalho e natildeo tinha escrito uma paacutegina sequer Portanto foium trabalho mesmo de diaacutelogo de subjetividade eu tive que dialogar a minhasubjetividade com o pensamento de Nietzsche para poder ser honesto com oNietzsche para poder aiacute sim defender o Nietzsche Entatildeo o trabalho comeccedila pelapergunta Por que ler Nietzsche no Direito E como a professora coloca a leiturado Deleuze foi muito importante Eacute na verdade eu natildeo quis vincular o Nietzschea nenhuma corrente de pensamento por isso eu trago vaacuterias leituras deNietzsche eu natildeo quis que Nietzsche fosse visto como poacutes-moderno Vattimo porexemplo Gianni Vattimo vecirc Nietzsche como precurssor do poacutes-modernismo natildeoquis colocar Nietzsche como poacutes-estruturalista como o Foucault admite ser comoo Deleuze tambeacutem entende que eacute eu natildeo quis colocar Nietzsche como metafiacutesicocomo Heidegger coloca quer dizer eu quis trazer um pouco dessa polissemia do

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Nietzsche Eu quis explicar dentro do direito quem foi Nietzsche Entatildeo para tentardefender Nietzsche das acusaccedilotildees claacutessicas a ele eu quis trazer todas asvertentes possiacuteveis literaacuterias filosoacuteficas e ateacute miacutesticas do Nietzsche Eu citei oGibran Khalil Gibran citei o Nikos Kazantzaacutekis que fazem leituras miacutesticas doNietzsche tambeacutem trouxe esses autores para que eles natildeo ficassem escondidosneacute Ou ignorados da leitura eu quis trazer todos elesE Deleuze a professorafalou que eacute uma leitura cocircmica Deleuze e a Sarah Kofman naquele coloacutequiocoloacutequio de Royaumont dizem que quem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito eacuteporque natildeo leu direito Nietzsche natildeo conseguiu entender Nietzsche porqueNietzsche tem essa questatildeo da bufonaria ele diz que prefere ser um bufatildeo a serum santo Mas o fato eacute que Nietzsche um dos fatos de Nietzsche natildeo ser trazidopara o direito ou natildeo ser trazido para a academia eacute o fato dele ser um autor quedespreza a academia a gente tem que lembrar que Nietzsche abandonou acaacutetedra na Basileacuteia para fazer filosofia ele largou a universidade por questotildees desauacutede mas ele dizia que aqueles que estavam na faculdade eram filisteus queapenas reproduziam reproduziam o que os outros diziam e ele precisava ouvir avoz dele entatildeo ele sai da faculdade e vai fazer filosofia neacute Entatildeo eacute preciso trazernatildeo soacute o aspecto cocircmico do Nietzsche mas tambeacutem o aspecto poliacutetico doNietzsche E aqui nesse cartaz debaixo aqui tem uma foto do maio de 68 essafoto aqui tem Deleuze tem Foucault tem Sartre no paacutetio da Sorbone essamovimentaccedilatildeo da deacutecada de 60 natildeo eacute uma movimentaccedilatildeo que toma comoreferencial o marxismo estrito senso apesar do Sartre ter se vinculado aomaoiacutesmo o Foucault natildeo era vinculado a um partido marxista Foucault liaNietzsche e percebia um aspecto poliacutetico do Nietzsche inclusive o Foucault vaidizer na Microfiacutesica do Poder que o grande meacuterito do Nietzsche foi trazer asrelaccedilotildees de poder como elemento central da discussatildeo as relaccedilotildees de poderDeleuze a mesma coisa Deleuze participa daquela entrevista com Foucault quese chama os intelectuais e o poder Portanto o objetivo do trabalho foi trazer natildeosoacute o aspecto cocircmico e irocircnico a questatildeo da criacutetica a linguagem neacute PorqueNietzsche pega a linguagem e usa a linguagem contra aqueles que utilizam dalinguagem por exemplo ele pega o texto metafiacutesico e torna o texto metafiacutesicouma arma contra aqueles que utilizam por exemplo eacute o Zaratustra o Zaratustra eacuteuma paroacutedia de trechos da biacuteblia Ele utiliza o texto contra aqueles que colocam otexto quer dizer ele pega os coacutedigos e inverte a forccedila dos coacutedigos ele transformaaquilo que eacute colocado contra ele numa arma contra aqueles que colocamporisso que o exerciacutecio de defesa do Nietzsche o tempo todo no meu trabalho foi detentar inverter as acusaccedilotildees Quando chamavam Nietzsche de niilista eu tentavamostrar o que o que estaria por traacutes daqueles que acusam Nietzsche de niilista Oque estaacute por traacutes seraacute daqueles que acusam Nietzsche de nazista por exemploou de filoacutesofo da direita Por isso eu critico o proacuteprio Marx Eu critico tambeacutemoutro autor que eacute estudado aqui no direito que eacute o Enrique DusselEnriqueDussel eacute um teoacutelogo ou ex-teoacutelogo que trabalha uma eacutetica mas eacute uma eacutetica quetem um aspecto religioso por traacutes Eacute evidente queeu faccedilo uma meaculpa euexplico que Dussel se inseriu naquele processo contra a ditadura contra arepressatildeo ele militou foi um dos integrantes da igreja que militou contra umaspecto da ditadura um aspecto importante quer dizer entatildeo cumpriu um papelimportante eu fiz essa meaculpa por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes

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FernandoEacutemaso que eu quis colocar eu quis colocar que Nietzsche daacuteespaccedilo para uma outra eacutetica possiacutevel que natildeo eacute uma eacutetica de fundo religioso eacuteum outro tipo de eacutetica eacutetica daqueles que se colocam que se arriscam queaceitam o preccedilo de viver perigosamente E uma das referecircncias para essa eacuteticapossiacutevel que eu desenvolvi como uma questatildeo pessoal mesmo precisava explicaruma utilidade poliacutetica e eacutetica para Nietzsche precisava dar uma utilidade eacutetica epoliacutetica para Nietzsche ateacute para trazer Nietzsche para o direito tambeacutem para queele natildeo fosse o pensador da esteacutetica somente para que ele natildeo fosse visto comoum pensador da literatura somente Entatildeo quem que eu trouxe para esse diaacutelogosobre eacutetica e poliacutetica Eu trouxe os franceses Foucault Deleuze eu trouxe oAntocircnio Cacircndido por exemplo que fala numa possiacutevel eacutetica nietzscheana no livrono posfaacutecio famoso que ele escreve depois da Segunda Guerra Mundial depoisdos genociacutedios Antocircnio Cacircndido surpreendentemente relecirc Nietzsche e vai dizerque eacute preciso recuperar Nietzsche Um outro autor importante eacute um autor do Riode Janeiro que eacute comentador do Deleuze que eacute Carlos Henrique Escobar eacuteCarlos Henrique Escobar foi algueacutem que foi militante chegou a ser torturado naditadura ficou surdo de um dos lados e ele estuda Marx mas tambeacutem estudavaNietzsche e ele escreve sobre uma poliacutetica nietzscheana uma poliacutetica traacutegicanietzscheana ele tem dois livros importantes que eacute Nietzschedos companheirose o Zaratustra e o corpo traacutegico de Zaratustra Portanto foi tentada dar umautilidade para esse Nietzsche a insistecircncia na eacutetica eacute uma eacutetica daqueles que searriscam mesmo e eu acho que Deleuze Deleuze fornece uma chave de leiturapara isso eu ateacute citei o Deleuze na parte final do trabalho quando eu tento trazerfalar da minha experiecircncia pessoal na faculdade falo da minha experiecircncia antesda faculdade Eu relato detalhes da minha vida questotildees pessoais bastanteiacutentimas por exemplo o fato de eu ser ter sido trabalhador braccedilalassim eu faloisso com orgulho quer dizer eu tive que experimentar as agruras tive que viverisso intensamente a flor da pele para poder a partir de laacute de todo esse histoacutericodesenvolver o trabalho neacute O fato de eu estar de vermelho hoje tambeacutem eacutesimboacutelico pelo fato de que Nietzsche recomenda que eacute preciso escrever comsangue porque somente aquilo que vocecirc escreve com sangue eacute tem valor elecoloca isso no Zaratustra portanto eu tive que colocar um pouco da minha vidapessoal como mateacuteria-prima do trabalho O trabalho natildeo seria possiacutevel em menosde um mecircs se eu natildeo tivesse que colocar um pouco de mim no trabalho Entatildeo naverdade colocar Nietzsche como um reacuteu de um processo significa natildeo ficar naposiccedilatildeo assistindo o sofrimento do Nietzscheeu coloquei aqui a foto doNietzsche nos seus uacuteltimos dias Nietzsche nos seus uacuteltimos dias eacute uma fotoassustadora e talele jaacute estaacute ficou onze anos como algueacutem morto de olhosabertosNatildeo eacute colocar Nietzsche laacute e ficar assistindo gloriosamente neacute o fimtraacutegico dele eacute tambeacutem se colocar no processo eacute tambeacutem se colocar na frente doreacuteu para receber as pancadas receber as chicotadas Eacute famoso o episoacutedio emque Nietzsche ele abraccedila um cavalo que estaacute sendo chicoteado pelo seu donomuitos vatildeo dizer ah Nietzsche era um louco ele abraccedilou o cavalo foi a uacuteltimacena de Nietzsche depois ele eacute encontrado e levado para um sanatoacuterio Querdizer eacute preciso entender aquela cena como algueacutem que vai laacute e se coloca nafrente de um companheiro porque o cavalo a gente deve compreender dentro dafilosofia do Nietzsche que o cavalo eacute um animal carregador e o animal carregador

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eacute um nobre Nietzsche sempre usa a ideacuteia da aristocracia do nobre do escravonatildeo no sentido soacutecio-econocircmico no sentido marxista mas no sentido da vontadede poder portanto o cavalo eacute como se fosse o camelo ele eacute um animalcarregador ele eacute um nobre portanto Nietzsche se coloca na frente do nobre docompanheiro dele para evitar que o cavalo seja chicoteado pelo dono Portanto omeu trabalho aqui eacute tambeacutem se colocar na frente do Nietzsche eacute evitar queNietzsche seja de novo neacute mandado para o ostracismo acadecircmico Eacute o trabalhode trazer Nietzsche para o direito e trazer Nietzsche como um problema tambeacutemapontar alguns problemas no direito no campo juriacutedico quer dizer natildeo bastavatrazer Nietzsche como um reacuteu do processo mas era preciso trazer a utilidade deNietzsche para o direito Portanto quando eu falo quando eu falo de um direitorepressor por exemplo ou falo dos coacutedigos na verdade eu estou tentandomostrar uma forma de subverter os coacutedigos mesmo O Deleuze coloca isso nopensamento nocircmade que o nocircmade por exemplo eacute aquele quenatildeo soacute aqueleque consegue sair para fora mas aquele que consegue fazer a viagem e senomadizar sem sair do lugar portanto eu explico no uacuteltimo ponto do trabalhocomo eu consegui colocar o Nietzsche em praacutetica como eu consegui fazer umcerto nomadismo acadecircmico sem sair do lugar Aqui estaacute a Anna aqui estaacutealgumas pessoas que fazem parte do texto as pessoas que estatildeo aqui algumasfazem parte do texto foi curioso porque em determinado momento eu fiz umnomadismo que natildeo foi somente ir para a reitoria sair daqui da santos andrade foitambeacutem ir para o soacutetatildeo e para o poratildeo do preacutedio da santos andrade aqui do ladotem um teatro poucas pessoas sabem que tem um teatro quer dizer eu passei afrequentar esses espaccedilos e foi a partir dessas vivecircncias desses trabalhos comoesses cartazes que estatildeo aqui foi a partir dessas experimentaccedilotildees dessasvivecircncias muacuteltiplas que eu fui elaborando esse Nietzschequer dizer e faltandoum mecircs para entregar o trabalho que eu precisei condensar toda essa energia foium trabalho psicoloacutegico a Profordf Nadja sabe do que eu estou falando a ProfordfVania tambeacutem vocecirc tem o desejo vocecirc tem o desejo soacute que vocecirc precisatrabalhar o desejo para que o desejo seja transmutado em mateacuteria transmutadoem trabalho quer dizer eu tinha apenas o desejo e a paixatildeo visceral de trabalharo Nietzsche mas eu natildeo tinha ainda ferramentas para transmutar o Nietzsche emtrabalho foi no final no desespero que eu consegui fazer isso foi um trabalhopsicoloacutegicoMas eu acho que paro por aqui depois eu respondo mais daiacute taacutebom obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Na verdade muita coisa ficou de fora aqui mas eu achoque soacute para finalizar aqui uma coisinha que eu deixei de falar vocecirc mesmoLeandro ao fazer isso vocecirc retomou umas coisas muito discutidas no direito hojeinclusive vocecirc falou um pouco do Agamben Eu acho que o Nietzsche eacuteprecurssor das ideacuteias do Agamben muito antes de a gente discutir Agamben porexemplo a gente perceber que a invenccedilatildeo do tipo homem anda de matildeos dadascom as proacuteprias praacuteticas juriacutedicas eacute querer dizer o que eacute querer dizer queenquanto o homem deixa a sua vida naquele estado apenas animal e comeccedila aqualificar a si mesmo que noacutes podemos falar de direito Natildeo eacute a relaccedilatildeo de vida epoliacutetica que Agamben fala Natildeo eacute justamente isso ou seja a vida qualificada vaiser a vida poliacutetica e aiacute que entra o direito a exceccedilatildeo da vida nua da vida

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enquanto zoeacute simplesmente Nietzsche jaacute tinha jaacute estava falando isso ou seja ohomem enquanto homem que eacute o homem em que implica o direito ele soacute eacutepossiacutevel quando a vida no seu sentido originaacuterio ou natildeo esse originaacuterio natildeo eacute umalinguagem muito nietzscheana sentido originaacuterio mas enfim a sua vida a vida nosentido mais animal ainda natildeo qualificada ainda natildeo inventada eacute deixada paratraacutes ela tem que ser arrancadaMas soacute para finalizar eu acho que tem umaqualidade o seu trabalho que a gente estaacute tatildeo preocupado em esmiuccedilar otrabalho que a gente natildeo fala neacute Eu acho que uma qualidade em seu trabalhoque eacute o interesse real o interesse autecircntico isso eacute uma coisa muito difiacutecil de agente encontrar hoje em dia vocecirc fala bastante do altar da razatildeo acadecircmica e talde uma maneira bastante irocircnica e realmente eacute uma criacutetica que vale em diversosmomentos sobretudo na produccedilatildeo do conhecimento acadecircmico em diversasocasiotildees a gente vecirc o fazer pelo fazer aqui a gente vecirc realmente ointeresseMas eu acho que para vocecirc defender o Nietzsche por exemplo ahdefendi o Nietzsche queria defender o Nietzsche mas eu acho que em algunsmomentos defender o Nietzsche por exemplo dizem que ele eacute um niilista queriadizer que ele natildeo eacute um niilista bom eu como leitora quero saber bom o que que eacuteo niilismo qual eacute a visatildeo de niilismo em Nietzsche e porque que essa visatildeo deniilismo natildeo eacute vaacutelidaPor isso que eu acho o primeiro momento dessa defesaexcelente neacute Amor e tudo o mais mas no segundo momento vamos abrir neacute eexplicar significa tal tal e tal eacute trabalhado dessa e dessa maneira eu acho queessa eacute uma coisa que soacute vai acrescentar para o teu trabalho soacute vai fazer que essadefesa apaixonada tenha digamos assim muitas muitos sustentaacuteculos

O que se calou Talvez o que eacute mais antigo no direito seja o exerciacutecio de retoacuterica eargumentaccedilatildeo antes mesmo dos coacutedigos e do legislado o que fiz em meutrabalho foi retomar essa potecircncia constituinte do direito se eacute que se pode chamarassim e fui ao extremo da retoacuterica e da argumentaccedilatildeo para subverter a loacutegica dodireito no ambiente do processo como se isso fosse o retorno do ldquorecalcadordquo jaacuteque dentro da faculdade de direito natildeo se estuda retoacuterica e argumentaccedilatildeo o quepoderia ir ateacute mesmo aleacutem jaacute que temos um curso de artes cecircnicas no mesmopreacutedio em que estudamos e um teatro tambeacutem Poreacutem ambos satildeo espaccedilosmarginais e natildeo frequumlentados pela gente do direito O que fiz portanto foi tentartrazer um pouco disso para a minha defesa puacuteblica usando esse potencial que eacutemarginal na defesa do trabalho marginal e colocando todo esse arsenal paradesbaratar a loacutegica conservadora do direito estrito senso Eu defendi o meutrabalho de peacute como se estivesse num juacuteri o tom de voz era as vezes exaltadoporque eu natildeo falava apenas para os membros da banca mas para todos os queali vieram tentava gesticular tambeacutem e ser convincente e veemente em minhascolocaccedilotildees afinal ali eu cumpria o papel de advogado E exatamente isso quenatildeo foi bem compreendido o que acontecia naquele instante era um teatro aminha monografia eacute um teatro afinal natildeo existe o Nietzsche reacuteu essa eacute apenasuma estrateacutegia argumentativa E escolher o processo natildeo eacute por acaso jaacute que esseeacute o campo por excelecircncia de um direito do paradigma da modernidadeconservador tradicional e elitista por isso eu escolhi fazer o mais difiacutecil que eraenfrentar esse direito no seu campo ousar lutar e vencer no territoacuterio do inimigoNatildeo haacute nenhuma contradiccedilatildeo nisso eacute uma estrateacutegia argumentativa em que

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aqueles que acusam o Nietzsche satildeo os que natildeo o lecircem que o desprezam ou quetem uma leitura contaminada por um senso comum E quando afirmo tambeacutem queNietzsche natildeo eacute lido no direito me refiro natildeo a faculdade de direito da UFPRsomente mas ao contexto nacional do campo juriacutedico afinal embora se leia por aiacuteNietzsche natildeo haacute produccedilotildees cientiacuteficas sobre Nietzsche dentro do campo juriacutedicotrazendo o seu pensamento no direito Por que caso houvesse certamente eu asteria encontrado e teria usado em meu trabalho como andaimes que facilitariamminha caminhada a verdade eacute que natildeo existe mesmo E outra coisa natildeo vejo oporquecirc da ausecircncia de uma caracterizaccedilatildeo detalhada dos conceitos possaatrapalhar porque na loacutegica do processo e da advocacia procurei afirmar eapontar o aspecto que me interessava Nisso fui bastante honesto ateacute mesmo como serviccedilo que busquei prestar toda a significaccedilatildeo que natildeo me ajudaria na defesaficou de lado Talvez se eu buscasse detalhar soacute iria tomar mais tempo e medistanciar do objeto do processo a defesa do reacuteu e por isso prejudicaria a defesaou arruinaria o empreendimento da forma como me propus fazer

Leandro Eu queroeu quero falarBem eu quero agradecer a Profordf Acircngelaprincipalmente por colocar o aspecto da criacutetica do sujeito neacute em Nietzschequando a gente tomou um cafeacute para conversar sobre Nietzsche agradeccedilo aprofessora pela gentileza insisti muito para que a gente pudesse conversaragradeccedilo pela paciecircncia e pela generosidadeApontou o caminho da criacutetica dosujeito soacute queeu ainda queria falar do sujeito mas natildeo podia fugir do aspectoda poliacutetica dessa eacutetica era uma questatildeo pessoal para mim Entatildeo eu precisavaarranjar um meio de explorar ao maacuteximo possiacutevel as possibilidades de NietzscheE eu tambeacutem sou grato a um outro professor que natildeo estaacute aqui presente que eacute oProf Guilherme Borges O Prof Guilherme Borges eacute algueacutem que se formou aquina faculdade trabalhando Foucault fez uma monografia que eacute quase um tijolosobre Foucault desse tamanhoMas natildeo soacute por isso eacute pela dimensatildeo criacutetica dotrabalho dele Eu encontrei ele na biblioteca puacuteblica uma vez e ele me motivou afazer o trabalho sobre Nietzsche disse que eu precisava fazer uma explosatildeodesse Nietzsche na graduaccedilatildeo ainda Entatildeo ele me motivou a fazer esse trabalhome deu coragem quando eu pensava que era impossiacutevel trabalhar esse dessaforma Entatildeo o objetivo foi justamente explorar ao maacuteximo Nietzsche abrir mesmoo leque de possibilidades para que caso eu queria continuar na carreiraacadecircmica tentar um mestrado eu possa ter vaacuterias saiacutedas vaacuterias alternativasvaacuterios meios possiacuteveis de enxergar o Nietzsche Acho que nisso eu tentei serhonesto tentei ser perspectivista ao maacuteximo Tentei seguir a recomendaccedilatildeo doFoucault tambeacutem quando Foucault escreve esse trabalho aqui que eacute um trabalhointeressante que ele relaciona Freud Nietzsche e Marx que eacute o teatro filosoficumque ele apresentou no coloacutequio de Royaumont na Franccedila na deacutecada de 60 emque ele aponta que Freud Marx e Nietzsche tem uma relaccedilatildeo no sentido de terde fornecer elementos para uma hermenecircutica do fragmento quer dizer tantoMarx como Freud como Nietzsche forneceriam ferramentas para entender ossignos do ocidente Foucault trabalha de maneira bastante inteligente nesseaspecto e coloca que Nietzsche principalmente Nietzsche forneceria elementospara vocecirc ter uma interpretaccedilatildeo em que o inteacuterprete se coloca no texto se implicano texto haacute uma implicaccedilatildeo eacutetica do inteacuterprete no texto Por isso o meu trabalho eacute

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um constante perguntar e reperguntar De fato falta mesmo falta a Profordf Acircngelaestaacute certa falta ter uma explicaccedilatildeo mais criteriosa talvez dos conceitos Mas euexplico isso no proacutelogo do trabalho no proacutelogo do trabalho eu explico que oobjetivo natildeo eacute ficar nos temas nietzscheanos como niilismo ficar na vontade depoder ficar no eterno retorno ficar na transvaloraccedilatildeo dos valores eacute falar de todosos temas dar uma amarraccedilatildeo a esses temas tendo Nietzsche como um reacuteu doprocesso Quer dizer apenas o Nietzsche enquanto pessoa apenas o Nietzschefaz convergir as interpretaccedilotildees mais variadas sobre Nietzsche quer dizer ainterpretaccedilatildeo do Foucault do Heidegger do Deleuze da literatura doKazantzaacutekis do Thomas Mann de outros vaacuterios que interpretaram Nietzsche paraum sentido todas natildeo podem fugir do fato de que existe o autor quer dizer elasconvergem para o autor Entatildeo a uacutenica amarraccedilatildeo possiacutevel de todo esse temaque estaacute disperso e nisso eu segui a recomendaccedilatildeo do Deleuze tambeacutemDeleuze disse que para ler Nietzsche eacute preciso se colocar a deriva eacute preciso secolocar a deriva e deixar se deixar levar pela leitura deixar ela fluir Entatildeo eu natildeoli o Nietzsche metodologicamente o proacuteprio Carlos Henrique Escobar no mesmotrabalho porque ele organiza uma coleccedilatildeo chamada Por que Nietzsche Que satildeotextos do coloacutequio de Royaumont na Franccedila em que fala Deleuze fala o Colli e oMontinari que satildeo os dois italianos que retraduzem o Nietzsche que recompilamNietzsche quer dizer eu trouxe o Carlos Henrique por exemplo para justificar aleitura natildeo metodoloacutegica do Nietzsche por exemplo entatildeo de fato faltou mas oobjetivo natildeo foi esse mas explorar ao maacuteximo as possibilidades do Nietzsche esoacute sobre a questatildeo poliacutetica mesmo eu gostaria de citar o trabalho do Deleuze laacutequando o Deleuze coloca que quem satildeo os nietzscheanos Quem satildeo osnietzscheanos Seraacute que eacute aquele que faz um trabalho sobre Nietzsche ele dizque talvez mas ele concorda que talvez nietzscheanos os nietzscheanos sejamaqueles que ao mesmo no curso da experiecircncia produzem enunciadosnietzscheanos Acho que meu objetivo nesse sentido quando eu coloquei a minhavida em diaacutelogo com o Nietzsche coloquei a minha subjetividade em diaacutelogo como Nietzsche para tentar ser mais honesto com o Nietzsche eu acho que tenteinesse sentido voluntaacuteria ou involuntariamente eu acabei produzindo algunsenunciados nietzscheanos por exemplo a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia dabricolagem eacute dada pelo Levi-Strauss que eacute um estruturalista O Foucault oDerrida e o Deleuze natildeo concordariam em ter o Levi-Strauss na mesma bancaque eles ou no mesmo trabalho que eles porque eles epistemologicamentedivergiam Mas o sentido que eu quis dar a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia do rizomaque eacute o tema que o Deleuze explora no Mil Platos foi justamente fazer umaapropriaccedilatildeo disso neacute nietzscheanamente mesmo Nietzsche tambeacutem faziaapropriaccedilotildees do texto biacuteblico por exemplo e direcionava contra os utilizadores Eacutetentar pegar a bricolagem como meacutetodo e tentar ser ao maacuteximo honesto e pluralcom o Nietzsche jaacute que Nietzsche reuacutene uma seacuterie de interpretaccedilotildees oNietzsche segundo o Deleuze eacute uma multiplicidadeEssa ideacuteia do doagenciamento por exemplo o Deleuze diz que para natildeo haver problemas deinterpretaccedilatildeo com Nietzsche eacute preciso que vocecirc opere uma vontade de poderuma vontade de poder que vaacute se apropriar ou agenciar o tema agenciar aqueleelemento e trazecirc-lo para si quer dizer eacute esse o criteacuterio que Deleuze adota parainterpretar Nietzsche O Foucault vai dizer na Microfiacutesica do Poder que fazer

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Nietzsche ranger ranger eacute a forma que ele conhece de se manter honesto comNietzsche e se as pessoas vatildeo dizer se ele estaacute sendo nietzscheano ou natildeopouco importa o que importa eacute usar o Nietzsche como caixa de ferramentas esseeacute o Foucault falando Entatildeo o meu processo de desenvolvimento do trabalho foiesse eacute foi ao mesmo tempo o de trazer Nietzsche e desenvolvernietzscheanamente o trabalho para ser honesto com o proacuteprio NietzscheAchoque eacute isso

Prof Luiacutes Fernando Eu agradeccedilo e passo a palavra a Profordf Nadja e agradeccedilonovamente a colaboraccedilatildeo na leitura

Profordf Nadja Bem comeccedilar pelo agradecimento tambeacutem eu que agradeccedilo oconvite e a princiacutepio quando o Leandro me convidou a minha pergunta foi maispor que Por que ele sabe que eu natildeo sou uma leitora de Nietzsche e eu fiqueiassim muito intrigada com o convite que vocecirc me fez e preocupada em estar aquihoje porque sinceramente eu nunca li Nietzsche na minha vida mas lendo o seutrabalho eu tive a plena certeza do porquecirc do convite era isso mesmo que vocecircqueria algueacutem que nunca tenha lido Nietzsche ateacute para perceber a grandeza daobra o que vocecirc queria dizer o poder ler a partir de outro lugar ou a partir de umlugar que no mue entendimento eacute o lugar afetivo Leandro eu conheci ele eutenho um grupo de estudos de Foucault do outro lado do preacutedio do lado dapsicologia e um dia noacutes estaacutevamos reunidos jaacute haacute a algum tempo e ele apareceuna porta era um aluno que eu natildeo conhecia sabia que natildeo era um dos nossosalunos da psicologia e ele perguntou eacute aqui o grupo de Foucault Eu falei poisnatildeo e ele estaacute aberto para alunos que natildeo satildeo de psicologia E eu falei seja bemvindo neacute Entatildeo o Leandro era sempre olha tem ateacute algueacutem do direito que loacutegicolaacute a gente fala que o outro lado do preacutedio eacute sempre mais importante que eacute o ladodo direito mas noacutes contaacutevamos com uma personalidade do outro lado do preacutedioconosco e ele sempre foi assim um leitor muito interessante com a gente porqueele trazia uma outra perspectiva porque laacute a gente estaacute inserido na perspectiva dapsicologia e o Leandro trazia sempre algum outro olhar alguma outra forma deentender vocecirc sempre foi muito bem vindo laacute e eu entendi o seu convite para queeu estivesse aqui hoje a partir daiacute A partir desse lugar da marginalidade o fato deter algueacutem de fora aqui e a partir da afetividade porque eu acho que o seutrabalho eacute permeado do comeccedilo ao fim pela paixatildeoque vocecirc falou E foi assimque sinceramente foi a monografia mais estranha que eu li na minha vida (risos)ela natildeo se assemelha a nenhuma monografia tese de doutorado dissertaccedilatildeo demestrado e olha que eu jaacute li muitas na minha vida e foi a uacutenica Ela natildeo eacute nadaacadecircmica Ela eacute um texto completamente outro e o que me deu assim pavor deestar aqui hoje por que eu falei o que eu vou falar para aquelas pessoas meudeus do ceacuteu por isso porque eacute completamente inusitado e eu fiquei pensandoquem seraacute o orientador desse menino que teve essa coragem de assinar embaixoe fiquei muito intrigada em conhecer vocecircs dois embora eu conheccedila o irmatildeo doSerbena e tudo a ver com o teu irmatildeo acho que ele tambeacutem assinaria algumacoisa marginal diferente inusitada enfim gostei de conhecer vocecircs dois porqueachei bem bacana assim a possibilidade de algo novo de algo diferente de algoque possa ser acolhido com respeito porque eu concordo plenamente com a

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Acircngela quando ela disse assim vocecirc estaacute aqui na monografia natildeo eacute outra coisa anatildeo ser vocecirc do comeccedilo ao fim O interesse que vocecirc tem pelo texto o interesseque vocecirc tem pelo autor genuinidade com que vocecirc se entrega ao seu trabalhorealmente traz a qualidade dele e eacute uma qualidade que eu diria assim outra quenatildeo pode ser lida pelos olhos da academia que se for lida traraacute inuacutemerosproblemas de metodologia de natildeo recorte isso que a Acircngela falou tambeacutem osconceitos natildeo satildeo explicitados entatildeo vocecirc fica na duacutevida se Nietzsche natildeo eacutelouco mas que conceito de loucura vocecirc estaacute utilizando eu fiquei tentandocompreenderMas uma dica minha Leandro natildeo tente dizer que ele natildeo eacute loucoeu acho que ele eacute completamente louco (risos) e eacute esse completamente loucoque traz a potecircncia do pensamento dele porque se ele fosse normal como noacutesnatildeo estariacuteamos falando dele a gente natildeo estaria lendo ele ele natildeo teria trazido acontribuiccedilatildeo que trouxe ele seria noacutes assim totalmente normal Entatildeo assuma aloucura dele eu acho que esse eacute o grande ponto dele soacute uma pessoacompletamente louca poderia ter escrito uma obra tatildeo maravilhosa quanto a deleEntatildeo procura pensar a loucura por um outro lugar natildeo do lugar assimromantizado porque aqui eu acho que vocecirc esbarrou um pouco na romantizaccedilatildeoda loucura e a loucura tem um potencial de sofrimento muito grande mesmo ecomo eu sou da psicologia isso me toca muito particularmente porque eu achoque satildeo pessoas que permitem que a gente possa se ver como normal mas elescarregam a carga da dor para noacutes nos alivia disso entatildeo eu acho que se vocecirctomasse a via da potecircncia do pensamento natildeo normal natildeo cotidiano vocecirc trariauma outra perspectiva de ler o trabalho do Nietzsche por aiacute e demonstrar quejustamente por que ele eacute louco que ele eacute tatildeo bom e tatildeo extraordinaacuterio mas enfimessa eacute uma outra coisa que eu ia falar depoisE assim ler a monografia doLeandro foi isso foi o susto foi o espanto foi a natildeo compreensatildeo inicial um textoque eacute afastado de mim em termos filosoacuteficos jaacute que falei natildeo eacute um autor que eutrabalho afastado de mim por ser do direito tambeacutem eu desconheccedilo e as vezesquando vocecirc fala assim isso eacute um inqueacuterito ou eacute um processopara mim natildeo seique diferenccedila eacute essa que vocecirc estaacute colocando (risos) para mim isso natildeo faznenhum sentido a loacutegica do direito natildeo eacute a loacutegica que eu utilizo neacute Natildeo eacute aloacutegica argumentativa que eu utilizo entatildeo ler o seu trabalho foi extremamentedifiacutecil eu diferente da Acircngela eu natildeo ri (risos) eu natildeo me diverti tanto eu meangustiei do comeccedilo ao fim (risos) porque eu falei gente eu natildeo consigoacompanhar eu voltava para entender um pouco melhor o que vocecirc estavadizendo ateacute que laacute pelas tantas eu tive acho eu assim um insight de que aotomar Nietzsche como um reacuteu e aiacute eu comecei a fazer todas as minhas fantasiaspossiacuteveis com um advogado que estaacute defendendo algueacutem com toda a sua paixatildeoe que natildeo estaacute portanto preocupado com a verdade mas estava preocupado emfazer aqueles que o leiam acreditar naquilo Pelo menos eacute assim a minha fantasiacom os advogados e se um dia eu precisar de um eu vou te chamar porque euacho que vocecirc vendo o teu peixe maravilhosamente bem (risos) e com paixatildeoporque eu acabei acreditando em tudo o que vocecirc me disse (risos) no que estaacuteescrito aqui E pensando assim natildeo vou procurar essa verdade acadecircmica qual oconceito de loucura que vocecirc estaacute utilizando qual o conceito de sanidade epatologia para entatildeo tentar ler seu trabalho de uma forma menosacadecircmica abrimatildeo menosrigorosa acabei abrindo matildeo e tentar entender entatildeo qual a sua

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loacutegica neacute O que vocecirc estava querendo demonstrar de que forma vocecirc estavaquerendo demonstrar De qualquer maneira eu continuo assim achando que talcomo Acircngela assim que ao tentar fazer tudo algumas coisas ficaram soltas demaise a gente se perde demais no seu texto porque vocecirc vem trazendo patamaresfilosoacuteficos biograacuteficos histoacutericos eacuteticos que para um leitor fica muito difiacutecil de teacompanhar Havia momentos em que eu natildeo sabia bem onde me situar parafazer essa leitura entatildeo talvez por uma condescendecircncia com os leitores vocecircpossa daqui para frente a ser um pouco mais um pouco mais restrito ateacute parapermitir que a gente consiga te acompanhar um pouco mais entatildeo acho assimtrazendo um desses patamares ou dois desses para que natildeo fique no mesmotexto tantas informaccedilotildees variadas e propostas de leituras variadas natildeo estoufalando nem da gama de autores que vocecirc traz como vocecirc bem disse eu queriatrazer uma interpretaccedilatildeo religiosa do Nietzsche uma interpretaccedilatildeo filosoacuteficaautores que falavam da biografia do Nietzsche enfim autores variados natildeo estounem falando das diferentes perspectivas teoacutericas estou falando dos diferentesmatizes que vocecirc utiliza para ler o Nietzsche e traz ele nesses diversos matizesneacute Entatildeo fica assim no meu processo de leitura de vez em quando jaacute natildeo sabiamais onde eu estava amparada para poder te entender Como que a biografia doNietzsche entrava na obra do Nietzsche como justificar o que ele estava trazendoem termos de conceitos a partir da biografia ou a partir da filosofia enfim e aiacuteficava mesmo muito difiacutecil para eu ler e talvez isso possa ser trabalhado por vocecircde um modo mais simples e mais faacutecil de compreensatildeo e de acompanhamento desua loacutegicaDito isso Leandro eu comecei a pensar que tipo de contribuiccedilatildeo eupoderia trazer para o seu trabalho jaacute que eu sou completamente marginal a tudoisso mas depois eu entendi assim vocecirc precisava de algueacutem o teu trabalho eacutemarginal entatildeo vocecirc precisava de algueacutem tambeacutem marginal a ele neacute E quepudesse sustentaacute-lo na diferenccedila entatildeo eu entendi um pouco por aiacute vocecirc ter mechamado claro que vocecirc natildeo estava esperando que eu trouxesse a contribuiccedilatildeoque a Acircngela trouxe a respeito do universo conceitual nietzscheano Entatildeo euachei assim Leandro tentando imaginar porque que vocecirc trouxe a tua biografia aofinal eu achei beliacutessimo mas eu posso ser uma professora da psicologia quegosta dessas coisas e gosta da afetividade ser posta embora eu nunca deixei quemeus alunos fizessem isso obviamente (risos) Eu achei beliacutessimo porque vocecirc vaiconstruindo a tua histoacuteria de vida e eu que trabalho a partir da psicanaacutelise ahistoacuteria de vida eacute aquilo que a gente trabalha e eacute por onde a partir de vocecircrecontar a sua histoacuteria de vida para um outro que eacute o analista essa histoacuteria devida toma um outro sentido uma outra construccedilatildeo eacute possiacutevel e um outrosignificado eacute possiacutevel Acho que esse eacute o seu momento neacute Na conclusatildeo decurso de graduaccedilatildeo acho que vocecirc se deparou com isso neacute Com a sua histoacuteriae com a possibilidade de transformaccedilatildeo de uma histoacuteria que no nosso paiacutes natildeo eacutemuito comum de ser transformada como vocecirc mesmo disse por ter nascido natildeo eacuteberccedilo de ouro a dificuldade que eacute vocecirc se transformar num advogado Entatildeo euacho assim vocecirc ao recontar a sua histoacuteria para o outro reconta a histoacuteria detodos noacutes de uma possibilidade de uma construccedilatildeo outra que natildeo soacute eacute no meuentender nietzscheano mas eu a tomei totalmente freudiano de vocecirc poderfazer do seu desejo aquilo que te movimenta e que te transforma mas para issovocecirc necessita de um outro que te escute e eu acho que eacute aiacute que estamos

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fazendo agora a banca eacute esse outro que estaacute te escutando e estaacute permitindoentatildeo que o seu desejo se afirme a partir de um outro lugar natildeo mais como alunotalvez nessa passagem para um profissional do direito mas sobretudo comoalgueacutem que fala de um lugar especiacutefico que eacute o seu neacute Eu acho que vocecircutilizou Nietzsche mas natildeo para falar dele mas para falar de vocecirce falar do teupotencial da sua possibilidade de transformaccedilatildeo da possibilidade detransformaccedilatildeo natildeo soacute interna quando vocecirc diz assim a minha monografia eacute umtrabalho de psicologia mas eacute um trabalho de psicologia sobretudo para o outroporque a tua trajetoacuteria de vida vocecirc estaacute preocupado com vocecirc eacute claro que estaacutemas vocecirc estaacute preocupado com o outro que estaacute do lado e foi por isso que vocecircme foi achar laacute vocecirc poderia ter passado cinco anos aqui e nunca ter me vistoEntatildeo como que a tua transformaccedilatildeo permitiu a minha transformaccedilatildeo porque euestou aqui tem a Paula que estaacute aqui porque tem dois alunos meus quechegaram mas tiveram que ir embora mas eu chamei porque te conhecemtambeacutem enfim nessa possibilidade de se transformar vocecirc transforma outraspessoas tambeacutem E utilizando Nietzsche para dizer olha eacute assim que a gente vivearriscando indo ao encontro do outro natildeo tendo medo de encontrar as pessoasse abrindo para a diferenccedila nada mais freudiano Natildeo biograficamente porqueFreud era completamente obsessivo natildeo deixava nem as pessoas chegaremperto mas em termos teoacutericos era isso que ele dizia viva vaacute vaacute de encontro asua verdade vaacute de encontro ao seu desejo acho que eacute isso que vocecirc fez na suamonografia e graccedilas a Deus que vocecirc conseguiu dois professores queassinassem embaixo ainda bem que natildeo fui eu porque eu ia dizer assim natildeo(risos)eu natildeo tenho essa coragem toda derrepente eacute porque eles satildeo homensEnfim pensando nisso tudo acho que foi por isso ainda que vocecirc me chamouacho que a tua histoacuteria a tua monografia faz essa passagem magistral entre issoque eu estou falando que eacute do singular mas que eacute do coletivo ela fala um poucode todos noacutes ela natildeo eacute soacute tua embora vocecirc traga a tua biografia eacute umabioagrafia que podia ser minha ou que podia ser de alguns deles ou que podiaser de qualquer cidadatildeo brasileiro neacute Mas que encarna na sua singularidadenessa possibilidade de transformaccedilatildeoEu acho que era isso Leandro que eugostaria de trazer para vocecirc e fechando numa questatildeo que vocecirc apresenta emrelaccedilatildeo a eacutetica e da eacutetica do direito eu fiquei pensando sobre o que que ele estaacutequerendo me dizer sobre a eacutetica do direito porque por um lado a gente faz umafantasia de que o direito natildeo eacute eacutetico basta vocecirc pagar e aquele que pagar teraacute omelhor advogado eu sei que eacute arriscado falar isso aqui mas eacute assim que eacute aminha perspectiva acho que o imaginaacuterio social traz isso e eu falo arriscadodizer mas eu falo tambeacutem do mesmo lugar porque sei tambeacutem que quem temdinheiro paga um bom psicanalista que natildeo tem natildeo paga entatildeo assim de certaforma estamos num mesmo lugar Mas vocecirc toca uma questatildeo da eacutetica que eacute umlugar que eu acho que a gente poderia pensar para aleacutem disso que eacute o encontroque eu jaacute falei com a experiecircncia e da sustentaccedilatildeo de uma cidadania outra quenatildeo essa e nem que a gente seja abarcado por esse lugar daquele que pagarmais nos teraacute de uma melhor formaE eu lembrei jaacute que vocecirc falou tanto deFoucault e foi ele que nos fez encontrar ele fala num dos livros dele sobre a vidacomo obra de arte de vocecirc poder construir a sua vida a partir daiacute ou seja estarsempre aberto para o outro para o diferente para o outro em construccedilatildeo para

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poder sair dessas amarras mesmo que a coletividade nos faz que a sociedadenos faz de podermos ser vistos como profissionais do dinheiro que eacute aquele quemais paga teraacute um melhor profissional E eu acho que o que vocecirc traz eacute isso noacutespodemos construir um outro tipo de vida profssional e tambeacutem uma outra eacuteticaprofissionalEntatildeo eacute isso eu gostaria de te dar os meus parabeacutens te agradecermais uma vez pelo convite te pedir desculpas pela pouco contribuiccedilatildeo que euposso dar para o seu trabalho mas eu me sinto bastante honrada de estar aquientatildeo ainda bem que vocecirc me chamou a despeito de meu pouco conhecimentosobre o que vocecirc trouxe pela obra nietzscheanae mesmo depois de formadopode voltar a ler conosco Foucault quando vocecirc quiser

O que se calou O que chama mais a atenccedilatildeo na fala da Profordf Nadja foi que elaacertou bastante no comentaacuterio primeiro porque de fato eu usei Nietzsche parafalar de mim mesmo e nisso segui a recomendaccedilatildeo do proacuteprio Nietzsche ldquosejahomem e natildeo me sigardquo fui pelo meu proacuteprio caminho busquei achar um ateacute porisso demorei tanto nesse processo e acabei tendo apenas um mecircs para escrevero trabalho Tambeacutem ousei pagar o preccedilo dessa escolha e tudo o maisnietzscheanamente ldquoeu fiz a guerra pelos meus proacuteprios pensamentosrdquo Todo otrabalho escrito e tambeacutem a defesa eacute a uma luta pessoal por ideacuteias minhas porexemplo a ideacuteia de um enfrentar o direito dentro de seu campo por excelecircncia queeacute o processo a ideacuteia de relacionar a bricolagem ao pensamento de Nietzsche etambeacutem trazer a ideacuteia do rizoma do Deleuze junto a ideacuteia de colocar minhabiografia no final como justificativa tudo isso embora fundamentado em Nietzschesatildeo ideacuteias minhas que coloquei agrave prova Natildeo podia tambeacutem admitir Nietzschecomo louco porque se a ideacuteia foi trazecirc-lo para dentro da loacutegica de um processose admito Nietzsche como louco estou desertando do meu papel de advogado ecolaborando com a acusaccedilatildeo embora seja uma saiacuteda retoacuterica ela resulta numamedida de seguranccedila Ou seja o louco no direito eacute visto dentro do processo comoalgueacutem que deve ser medicado controlado E o proacuteprio Michel Foucault eu tenteiargumentar nesse sentido mas naquele instante me faltou as palavras ele traz adiscussatildeo do normal e do anormal e vai dizer que a loucura eacute um conceitoinventado para capturar a subjetividade para disciplinaacute-la controlaacute-la assujeitaacute-laPor isso seria um contrasenso aceitar a loucura de Nietzsche ou melhorconcordar com aqueles que o acusam Nietzsche de louco Eu entendi o que aprofessora colocou mas a potecircncia no meu ver vem do traacutegico e natildeo do loucoachar que gente como Artaud Van Gogh Beethoven e tantos filoacutesofos eintelectuais que marcaram a histoacuteria incluindo o proacuteprio Freud eram loucos ouanormais e por isso extraordinaacuterios acho que aiacute sim estamos indo para umcaminho romacircntico da loucura enaltecendo a loucura e a colocando num patamarde natildeo sofrimento mas de triunfo Penso que fui para outro caminho eu ressalteio sofrimento de Nietzsche em vaacuterias ocasiotildees como aquele que trancado nosanatoacuterio iraacute ldquouivarrdquo ou como aquele que ignorado pela amada iraacute tentaraacute suiciacutedioA potecircncia do traacutegico soacute pode ser retratada a meu ver se destacado que o traacutegicoexige a experiecircncia da dor essa travessia E nisso apontei tambeacutem para odilaceramento de Dioniso como um modo de exemplificar mas ali na defesa mefaltaram algumas palavras para isso que agora eacute escritoFalar em processo ou inqueacuterito eacute algo que faz mais sentido para o coacutedigo

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linguumliacutestico do direito mesmo contudo o que se estaacute a explorar eacute bastanteevidente trata-se de um processo inquisitorial contra Nietzsche em que natildeo haacutecontraditoacuterio e nem ampla defesa se condena de antematildeo No Brasil a realidadedo processo penal eacute bastante semelhante a isso no inqueacuterito que seria omomento investigatoacuterio jaacute se colhem provas ou se produzem as provas que seratildeotrazidas para o processo e atraveacutes de um exerciacutecio de retoacuterica eacute dada acondenaccedilatildeo Quando na realidade o processo deveria ser o momento dediscussatildeo e debate sobre o conteuacutedo da acusaccedilatildeo mas eacute o inqueacuterito comomomento anterior em que natildeo haacute contraditoacuterio mesmo decisivo para estabelecera culpa e a condenaccedilatildeo por isso a escolha do inqueacuterito como uma ecircnfase maiornessa culpa na pressa em se estabelecer a condenaccedilatildeo passando por cima detodas as garantias possiacuteveis demonstrando na praacutetica que o direito eacute muitasvezes um circunloacutequio usado como melhor conveacutemVejo que a Profordf Nadja acabou explicando melhor a questatildeo eacutetica porque osingular eacute tambeacutem do coletivo E a palavra individual natildeo eacute boa porque vai deencontro agraves acusaccedilotildees de Nietzsche como individualista que os marxistascostumam fazer E ela ressaltou que isso tem algo de freudiano tambeacutem e temmesmo A minha experiecircncia com a psicologia foi importante nesses cinco anosprincipalmente com a psicanaacutelise ela ficou submersa no trabalho mas a ProfordfNadja conseguiu perceber as sutilezas e o eco do que natildeo foi dito As palavrasldquodesejordquo ldquotravessiardquo quando as uso estou pensando em psicanaacutelise Inclusive omeu primeiro trabalho acadecircmico apresentado perante uma banca chamava-seldquoPedagogia discrepanterdquo e a inspiraccedilatildeo para o discrepante veio de uma palestrasobre Lacan em que se dizia que ele era um discrepante A inspiraccedilatildeo para fazera minha defesa de peacute do modo como foi vem de dois filmes que assisti um deleseacute Danton e o processo da revoluccedilatildeo em que o ator Gerard Depadier queinterpreta Danton fica quase sem voz porque faz a sua proacutepria defesa e o outro eacuteo ldquoprocesso do desejordquo filme que me foi cedido pela Dra Vacircnia Mercer em quetambeacutem o acusado faz a sua proacutepria defesa Por fim a inspiraccedilatildeo final a de fazerdesse trabalho um diaacutelogo de subjetividade veio de uma conversa com o ProfAlbano Pepe num evento de direito e psicanaacutelise em que ele me sugeriu isso econfesso que natildeo entendi como isso se daria na praacutetica mas depois de comeccedilar eagora com o trabalho terminado entendo sim e vejo que eacute mesmo a saiacuteda paratrabalhar com o pensamento de Nietzsche Por que ler Nietzsche no Direito Soacutepoderia ser pessoal

Leandro Pode deixar Profordf Nadja eu quero mesmo te agradecer pela gentileza deter vindo de ter aceito e peccedilo desculpas por ter lhe causado a anguacutestia doestranhamento (risos)

Profordf Nadja Eu jaacute estou acostumada (risos)

Leandro Mas o objetivo mesmo foi o de trazera gente apesar de ocupar omesmo preacutedio ocupar o mesmo espaccedilo dividimos o mesmo xerox direito epsicologia mas os alunos natildeo conversam natildeo trocam Eu acho que talvez sejaineacutedito eu natildeo lembro de ter visto na graduaccedilatildeo uma banca com uma professora

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da psicologia Entatildeo o objetivo foi realmente trazer um diaacutelogo interdisciplinar neacuteQue natildeo eacute por acaso que natildeo eacute casual Nietzsche escreve no Aleacutem do Bem e doMal que a psicologia era para ele a rainha de todas as ciecircncias ele coloca isso ese diz influenciado por Dostoieacutevski que estaacute no meu trabalho tambeacutem nessecartaz Dostoieacutevski que

Profordf Nadja Posso fazer uma pergunta

Leandro Sim

Profordf Nadja Quando vocecirc diz isso eu li isso aqui eu jaacute tinha ouvido outras vezesNietzsche falar que a psicologia eacute a rainha das ciecircncias e eu queria te perguntarse vocecirc vecirc aiacute uma criacutetica muito boa a psicologia Porque ele colocar como ciecircnciae como rainha da ciecircncia no campo iluminista no campo totalizador de umaverdade para mim soa como uma criacutetica enorme porque eu tambeacutem faccedilo omesmo mas enfim vocecirc vecirc ou natildeo ou acha que eacute um elogio mesmo

Leandro Bem eu acho professora ou pelo menos eu entendi assim queNietzsche tem uma implicacircncia muito grande com os filoacutesofos da eacutepoca que paraele eram filoacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos Nietzsche vai dizer inclusive que osfiloacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos natildeo entendiam muito de mulheres Entatildeo elevai ironizar os filoacutesofos e vai se colocar em outro campo o proacuteprio Nietzsche vaiassumir eu natildeo sou filoacutesofo eu natildeo sou filoacutesofo a semelhanccedila de Kant de Hegele de outros filoacutesofos sistemaacuteticos eu sou outra coisa ele se quer outra coisa elequer se outrar-se Nietzsche se potildee como a alteridade radical mesmo aquelaalteridade que eacute difiacutecil de ser alcanccedilada impossiacutevel de ser compreendidaalteridade radical mesmo E Nietzsche se coloca assim principalmente por causada literatura e quando ele lecirc Dostoieacutevski ele encontra em Dostoieacutevski elementospara se afirmar enquanto psicoacutelogo entatildeo a filosofia de Nietzsche ela naverdade e nisso o Prof Antocircnio Edmilson que infelizmente natildeo pode estar aquihoje a gente estudando laacute na PUC no grupo de estudos Nietzsche o ProfEdmilson falou quepelos estudos neacute Que a filosofia de Nietzsche eacute uma fisioporque passa pelo corpo assim como o poder passa pelo corpo para Foucaulttambeacutem eacute uma fisio-psicologia eacute uma fisio-psicologia porque quando Nietzschevai estudar por exemplo o niilismo quando vai falar do Deus estaacute morto porexemplo ele vai fazer um diagnoacutestico cliacutenico de um estado da civilizaccedilatildeo Agora aProfordf Acircngela no seu artigo fala do ainda somos devotos fala do niilismo Querdizer existe um diagnoacutestico cliacutenico um diagnoacutestico de psicoacutelogo o olhar queNietzsche lanccedila sobre os problemas eacute um olhar de psicoacutelogo Portanto natildeo eacutedespropositado quando Nietzsche elogia a psicologia no meu ver Nietzsche estaacutecriticando os filoacutesofos sistemaacuteticos a filosofia do modo tal como ela era feita afilosofia dogmaacutetica e se colocando em outro departamento arriscando ser outracoisa uma alteridade radical E o objetivo do trabalho foi justamente essemartelar nesse sentido neacute E quando a professora fala assim que eu deveriaadmitir Nietzsche como louco mesmo eacute na verdade o Foucault traz essa questatildeodo normal e do anormalEacute na verdade o que eu quis trazer foi a potecircncia doNietzsche traacutegico e aiacute natildeo seria o Nietzsche louco seria o Nietzsche traacutegico

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algueacutem que paga o preccedilo do despedaccedilamento do dilaceramento Tem aquelemito o mito que Nietzsche usa que eacute o mito do Dioniso o Dioniso grego claroque Nietzsche reinterpreta esse mito natildeo eacute o mito exato Dioniso o que Nietzschefalaele fala do dilaceramento e Nietzsche foi um pouco assim ele pagou o preccedilodo pensamento dele Era algueacutem que tinha uma sauacutede debilitada era algueacutem queviva com mal estares altos e baixos e pagou o preccedilo dele querer ser o que eacute aeacutetica neacute O subtiacutetulo da uacuteltima obra do Nietzsche essa obra aqui que Nietzscheescreve antes do colapso de Turim que eacute o Ecce homo Nietzsche escreve aquicomo algueacutem se torna o que eacute Quer dizer aqui Nietzsche faz um trabalhobiograacutefico na verdade eacute um trabalho de justificaccedilatildeo ele vai dizer que a obra deletem muito a ver com a vida dele ele usou a vida dele como mateacuteria-prima da obradele e foi nesse sentido que eu quis colocar a minha biografia no final tambeacutempara demonstrar que o trabalho estava justificado na minha vivecircncia eu queriajustificar para vocecircs da banca principalmente porque que eu escolhi fazer umtrabalho tatildeo diferente tatildeo fora tatildeo outro tatildeo marginal por que escolher umtrabalho assim Jaacute que eu carecia de uma seacuterie de limitaccedilotildees jaacute que natildeo tinhaconhecimento da liacutengua alematilde para interpretar Nietzsche Nietzsche foi um grandeconstrutor um grande neologista um grande eacute ele trabalhou sempre ele era umfiloacutesofo entatildeo ele trabalhava com significados entatildeo para perceber as sutilezasda liacutengua eacute preciso compreender Nietzsche no original e eu carecia dessaslimitaccedilotildees Mas por que pagar esse preccedilo pelo trabalho A biografia vem nessesentido como Nietzsche fez no Ecce homo na obra dele ele justifica ele inclusivefaz prefaacutecios para as obras que ele jaacute tinha publicado e que ele muda de opiniatildeopor exemplo das primeiras obras dele ele muda de opiniatildeo para as uacuteltimas entatildeoele faz prefaacutecios para rever alguns pontos inclusiveE interessante nessatraduccedilatildeo do Paulo Ceacutesar de Souza tem um trecho interessante em que ele citauma reuniatildeo em que Freud em uma reuniatildeo na sociedade psicanaliacutetica de VienaFreud e seus alunos disciacutepulos se reunem para discutir justamente essa obra aquio Ecce homo o Caso Nietzsche entatildeo o que Freud vai dizer Freud vai dizer trecircscoisas vai dizer primeiro que ele natildeo vai considerar Nietzsche louco porque eleacha porque ele entende que a forma estaacute preservada a obra do Nietzsche natildeoestaacute contaminada pela loucura isso o Freud que diz e ningueacutem havia alcanccediladoantes e dificilmente algueacutem tornaria a alcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo quealcanccedilou Nietzsche isso o Freud dizendo e em terceiro lugar ele vai dizer quenatildeo vai ler natildeo vai ler o Nietzsche para natildeo deixar que a cliacutenica aquilo que eleestava constatando clinicamente seja contaminado pela leitura do Nietzsche Issoeacute um dos raros momentos em que Freud cita Nietzsche mas curiosamente Freudnatildeo cita Nietzsche nem nas cartas eacute muito curioso isso porque a diferenccedila deidade de Freud para Nietzsche eacute de doze anos somente e haacute uma pessoa emcomum entre Nietzsche e Freud que eacute a Lou SalomeacuteNietzsche se apaixonouperdidamente por uma jovem russa de vinte anos chamada Lou Salomeacute e vaitentar suiciacutedio inclusive vai pedir ela em casamento duas vezes e tenta suiciacutediona uacuteltima E ela vai se separar vai romper com Nietzsche e vai se relacionar comFreud mais tarde jaacute mais velha vai trocar cartas com o Freud Portanto Freudconhecia Nietzsche de um modo indireto atraveacutes de Lou Salomeacute e por essedocumento aqui ele conhecesse tambeacutem a obra mas evitava ler o Nietzschequem fala isso eacute tambeacutem o Prof Oswaldo Giacoacuteia Jr da Unicamp quando estava

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aqui em Curitiba que vai dizer a outra obra do Nietzsche muito importante que eacute aGenealogia da Moral quando Freud abre essa obra aqui do Nietzsche ele tambeacutemse assusta a mesma reaccedilatildeo da professora o Freud tambeacutem se assusta porqueparece que ele constata que Nietzsche jaacute tinha escrito antes dele algumas coisasque Freud clinicando estava encontrando estava percebendo identificando Haacuteentatildeo inclusive uma relaccedilatildeo de proximidade alguns criacuteticos apontam entre essaobra do Nietzsche e a obra o Mal Estar na Civilizaccedilatildeo do FreudEacute entatildeo a ProfordfAcircngela colocou e eu tinha esquecido de responder eacute que aqui no Genealogia daMoral Nietzsche fala de um direito arcaico de um direito fundado na diacutevidainclusive haacute uma relaccedilatildeo proacutexima entre a obra O Mercador de Veneza doShakespeare aquela cena em que o judeu Shylock vai cobrar um naco de carneuma incisatildeo do peito de Antocircnio para Shylock ofendido moralmente porque elejudeu e a filha estava indo para o lado dos cristatildeos entatildeo ele vai requerer peranteum tribunal que seja arrancado um pedaccedilo de carne do peito de Antocircnio querealmente estaacute sentado ali recebendo a cobranccedila porque havia um contratoassinado que exigia isso Quer dizer Nietzsche cita natildeo o Shakespeare mas citaa cena Eacute muito interessante isso e o Giacoacuteia nesse trabalho aqui junto namesma coletacircnea que o seu o Prof Giacoacuteia fala da genealogia do direito e faladessa questatildeo assimEntatildeo haacute uma relaccedilatildeo misteriosa entre Freud e Nietzscheque natildeo eacute uma relaccedilatildeo expliacutecita mas existe entatildeo o fato de trazer a Profordf Nadjatambeacutem foi o fato de mostrar para a professora que eacute da psicologia e psicanalistamostrar essa alteridade radical e sentir qual seria a reaccedilatildeo neacute dessa alteridaderadical presente no trabalhoE o fato de haver esse fluxo descontiacutenuo eacute o fato deter escolhido mesmo a metodologia mais plural possiacutevel para abarcar o Nietzschepor exemplo quando eu escolhi trabalhar a perspectiva do rizoma do DeleuzeDeleuze trabalha o rizoma da seguinte maneira ele vai ramificando o texto eescreve o texto por platocircs que podem ser lidos independentemente Portanto omeu trabalho eu natildeo sei se eu consegui atingir o objetivo porque eu tentei fazerneacute Eu li tentei entender e tentei fazer Eu natildeo sei se cheguei ao objetivo demontar um texto de tal modo que ele pudesse ser lido de forma descontiacutenua dametade do iniacutecio do fim sempre fora de ordem inclusive eu citei vaacuterias vezes asmesmas coisas eu repriso algumas questotildees eu repito algumas questotildeesjustamente porque a ideacuteia eacute montar um texto descontiacutenuo que possa ser lido deforma independente os capiacutetulos de forma independente como quer a ideacuteia doDeleuze no rizoma nos platocircs que para o Deleuze circulariam vaacuterios deviresClaro que eu natildeo vou entrar em polecircmica porque o Deleuze contesta apsicanaacutelise neacute Escreve o Anti-Eacutedipo tudomas

O que se calou Faltou dizer que uma referecircncia para esse Nietzsche comopsicoacutelogo eacute dada pela professora da USP Scarlett Marton num artigo publicadocomo Nietzsche psicoacutelogo das profundezas

Profordf Nadja Todos eles neacute Deleuze Feacutelix Guattari o proacuteprio Foucault fazcriacuteticas maravilhosas a psicanaacutelise Maravilhosas no sentido de serem azedas(risos)

Leandro Entatildeo justamente o objetivo final do trabalho foi principalmente a partir

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desse texto aqui falar desse direito um pouco arcaico e quando a professora falade uma outra eacutetica de uma outra cidadania acho que foi esse o objetivo mesmoe talvez fosse talvez fosse esse mesmo o compromisso em falar da minhabiografia porque na minha biografia na minha histoacuteria acadecircmica eu tentei meenvolver com projetos de extensatildeo tentei me envolver com comunidades meenvolvi com comunidades Entatildeo eu cheguei a participar do Rondon fui para aAmazocircnia Oriental quer dizer conheci comunidades conheci questotildees sociaismuito urgentes muito fortes foram experiecircncias radicais tambeacutem de alteridaderadical tambeacutem que geraram estranhamento e que vocecirc demora um pouco paraabsorverpara absorver um pouco isso Entatildeo a ideacuteia de criticar o direito tal comoele acontece inclusive fazendo menccedilatildeo direta a faculdade a faculdade comotemplo inclusive falei com o Prof Luiacutes Fernando a faculdade eacute um templo e temuma semelhanccedila com o tempo Eacute como se a faculdade o templo neacute E a nossafaculdade parece o paternon grego eacute como se ela fosse a prisatildeo do tempoporque o que justifica o direito eacute a tradiccedilatildeo o direito conservador elitista o direitoproprietaacuterio o que justifica esse direito eacute a tradiccedilatildeo e se vocecircs andarem peloscorredores veratildeo uma seacuterie de laacutepides nomes de professores quadrosprofessores jaacute falecidos que parece um mausoleacuteu o templo parece um mausoleacuteuE o interessante eacute que Nietzsche quando fala que Deus estaacute morto ele fala que asIgrejas satildeo tuacutemulos de Deus e daiacute eu questiono no trabalho se a faculdade e oque se ensina de direito aqui natildeo eacute tambeacutem algo que eacute uma fantasia porque natildeoexiste eacute um tuacutemulo o direito natildeo estaria aqui o direito estaria fora Inclusive eufaccedilo a provocaccedilatildeo eacute preciso para conhecer o direito nomadizar-se neacuteNomadizar-se significa sair do teu lugar ou mesmo natildeo sair mas viajar aquidentro por exemplo ir laacute na psicologia ter contato com os outros que estatildeo laacute aalteridade que estaacute laacute sem sair do preacutedio mas indo para o outro lado ou indopara o soacutetatildeo ou indo para o poratildeo Quer dizer foi esse o movimento que eu quisdescrever de criacutetica ao direito para pensar uma outra eacutetica possiacutevel eu acho que aProfordf Nadja acertou quando falou em uma outra cidadania possiacutevel talvez umaoutra cidadania um outro homem ou uma outra consciecircncia natildeo sei eu aindanatildeo tenho clareza sobre issoMas a ideacuteia da vida como obra de arte tambeacutemquer dizer a questatildeo esteacuteticaesteacutetica que natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo eacute precisocolocar que a esteacutetica natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo natildeo eacute o lugar do vazio existeum valor poliacutetico e de engajamento na esteacutetica tambeacutem inclusive natildeo eacute por acasoque o Glauber Rocha estaacute aqui aqui tem tambeacutem o Eles natildeo usam black-tie queeacute o filme que vai ser exposto daqui a pouco tem o Terra em Transe quer dizer aesteacutetica tem o valor poliacutetico de engajamento e de contestaccedilatildeo tambeacutem Portanto aideacuteia de uma outra eacutetica de uma esteacutetica foi nesse sentido nessa linha mais oumenos de mostrar uma poliacutetica que natildeo eacute da matriz marxista e nem de uma outralinha mas uma poliacutetica nietzscheana um outro tipo de poliacutetica uma outra formade se engajar eu acho foi mais ou menos nesse sentido

O que se calou Talvez pelas perguntas e para onde rumou a discussatildeo como eunatildeo iniciei a defesa abrindo ela com uma apresentaccedilatildeo do trabalho eu comecei jaacutetendo que responder a Profordf Acircngela isso num certo sentido atrapalhou minhaordem mental se eacute que havia alguma deveria improvisar totalmente e por oacutebvioalgumas coisas escaparam o que poderia ter sido dito natildeo foi Por exemplo eu

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deixei de mencionar em detalhes os aspectos relativos ao ldquodireito como produto doesclarecimentordquo ldquoo crepuacutesculo do direitordquo e a ldquoaurorardquo isso natildeo foi mencionadoapenas eacute sutilmente inferido quando eu falo do templo como mausoleacuteu A menccedilatildeoao Glauber Rocha eacute por causa do trabalho que apresentei em Montevideacuteo em queexplorei o cinema para falar de um direito engajado o mesmo com o Eles natildeousam black-tie que no mesmo dia logo que sai da banca natildeo deu muito tempopara comemorar eu jaacute estava na sala da poacutes para acompanhar a exibiccedilatildeo do filmee ajudar a debatecirc-lo fui indicado pelo grupo PET onde participei como voluntaacuteriopara compor a mesa junto da Profordf Luciana do curso Positivo Felizmenteocorreu tudo bem o debate foi excelente Agora tambeacutem escrevo depois de jaacute terido para o Rio Grande do Norte foram trecircs dias de viagem trecircs para ir e trecircs paravoltar a experiecircncia em Natal foi maravilhosa a recepccedilatildeo do trabalho foi boadefendi laacute a minha monografia de novo soacute que para o puacuteblico da filosofiaNovamente tal como descrito na USP me lancei na aventura sem saber onde iaficar e como ficar natildeo conhecia ningueacutem e acabei sendo muito bem acolhido laacute

Profordf Nadja Vocecirc fala foi uma marca freudiana ele natildeo contar quem ele liaAssim eacute difiacutecil vocecirc saber quais foram os filoacutesofos que embasaram algumaspessoas acreditam que mais Schopenhauer do que Nietzsche mas ele disse quenatildeo lia ningueacutem ateacute mesmo para natildeo se contaminar com as ideacuteias e ele queriadeixar a cabeccedila dele livre para construir a sua proacutepria teoria O que eu acho quenatildeo era bem assim porque ele era um leitor aacutevido uma pessoa extremamenteculta entatildeo certamente eu acho que a participaccedilatildeo do Nietzsche na obra deledeve ter sido bem maior do que ele falou Mas Leandro eu acho que tambeacutem temum outro aspecto que a gente deve levar em conta como vocecirc jaacute disse datemporalidade entre os dois de ser muito proacutexima e o solo germacircnico tambeacutem deser o mesmo solo em que eles se formaram eu acho que por isso mesmo temasque perpassam os dois autores neacute Temas que os dois se deparam se dedicame de formas diferenciadas porque Freud eacute antes de tudo um sistemaacutetico emboraele traga a ideacuteia de um sistema inconsciente em que a loacutegica cartesiana natildeo eacute aloacutegica que sustenta e organiza os processos inconscientes Ele no entanto foi umracionalista do iniacutecio ao fim Ele tentou da melhor forma possiacutevel sistematizar asubjetividade mesmo Mas acho que alguns temas vatildeo ultrapassar ou entrelaccedilaros dois E eu li algumas coisas aqui em relaccedilatildeo ao instinto e ao corpo e a relaccedilatildeocorpo e psique que eacute trabalhada em Freud o tempo todo a partir natildeo de umaloacutegica cartesiana dualista ele traz uma outra perspectiva e eu acho me pareceque Nietzsche tambeacutem vai abordar isso E a questatildeo tambeacutem da transformaccedilatildeo doinstinto se eacute que a gente pode dizer isso e o conceito de pulsatildeo em Freudaparece assim eacute a ruptura do homem com algo natural instintivo e que produzuma outra forma de subjetivaccedilatildeo e de estar no mundo Entatildeo eu acho que odualismo a posiccedilatildeo traacutegica do homem como vocecirc traz no Mal Estar naCivilizaccedilatildeo Freud constata isso que natildeo parece ser uma postulaccedilatildeo pessimistamas traacutegica mesmo no sentido de vocecirc ter que padecer desse mal estar dessadivisatildeo desse resto que eacute impossiacutevel de ser superado mas por isso mesmovocecirc tem que viver e transformar o mundo Entatildeo eu acho assim a gente podetomar alguns temas que perpassam os dois mas acho que tambeacutem por contadessa proximidade geograacutefica e temporal era o que se pensava na eacutepoca era o

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que estava a ser pensado natildeo apenas atraveacutes da Lou natildeo apenas por isso maspor serem dois pensadores igualmente preocupados com o que eles estavamvivenciando Acho bacana vocecirc pensar nisso tambeacutem neacute Mas e a questatildeo daloucura que vocecirc esbarra aiacute em Freud quando ele diz assim que o Nietzsche natildeoeacute louco porque ele traz uma sistematizaccedilatildeo dos livros dele daquilo que ele lecirc eargumenta de uma maneira bastante soacutelida o que ele quer Mas a questatildeo daloucura na psicanaacutelise eacute muito difiacutecil tambeacutem de a gente pontuar o que que eacute aloucura ou a sanidade eu acho que eacute o solo mesmo da psicanaacutelise quando elarompe com essa dicotomia e rompe de uma forma positiva que eacute aquela que eutentei te falar no iniacutecio de vocecirc sustentar a loucura sustentar um pensamentodiferenciado e a potecircncia dessa possibilidade de construccedilatildeo Freud eu acho temuma forma beliacutessima de nos apresentar conceitos determinados movimentospsiacutequicos que ele quer porque ele vai ao extremo da paranoacuteia por exemplo paradizer assim em algum lugar todos noacutes somos paranoacuteicos e ele mostra isso deuma forma imensa de uma forma assim que vocecirc natildeo escapa de produzir umnuacutemero de movimentos paranoacuteicos em determinados graus e tudo omaisEnfim mas ele faz essa passagem de algo que seria considerado comopatoloacutegico para mostrar que de perto de perto todos noacutes somos um poucopatoloacutegicos eacute soacute uma questatildeo de ver uma questatildeo que sempre nos escapa Oque eu acho bacana de ver tudo isso eacute mas enfim era isso

Prof Luis Fernando Muito obrigado Professora

Profordf Nadja Eu que agradeccedilo

Prof Luiacutes Fernando Professor Serbena por favor

Prof Serbena Posso falar daqui jaacute que eacute para quebrar a formalidade (risos)

Prof Luiacutes Fernando Natildeo (risos) Mas aiacute vocecirc natildeo vai sair bem na foto

Prof Serbena Boa tarde a todos alunos amigos colegas natildeo sei se algumfamiliar do Leandro Profordf Nadja Profordf Acircngela Prof Luiacutes Fernando tambeacutemquero agradecer ao Leandro pelo convite Essa eacute a uacuteltima oportunidade neacuteLeandro Que tenho de fazer algumas observaccedilotildees para vocecirc no teu trabalhodentro da histoacuteria acadecircmica vou procurar convencecirc-lo novamente de algo que jaacutetinha dito para vocecirc mas vou tentar talvez ser mais preciso e acho que emalgum sentido as coisas jaacute comeccedilaram a melhorar comeccedilando pelo teu cartazvocecirc teve a ousadia de apresentar esse cartaz que parece o de um aluno daoitava seacuterie (risos) no Evinci

Leandro O de baixo o de baixo

Prof Serbena Acho que jaacute melhorou a apresentaccedilatildeo do cartaz no uacuteltimocongresso

Leandro Eacute que o outro foi pago pela universidade mesmo foi pago pela

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universidade o de cima o de cima (risos)

Prof Serbena Ah ok mas jaacute melhorou esse eacute um ponto positivo Satildeo raacutepidas asobservaccedilotildees sobre o seu trabalho Como vocecirc fala muito de metodologia vocecirc dizaqui na paacutegina sessenta e seis por que ler Nietzsche no direito O trabalhocientiacutefico eacute puacuteblico quando vocecirc escreve escreve para um leitor universal entatildeonatildeo haacute problema em lertenho que confessar que por muito tempo natildeo tiveresposta para essa pergunta ardilosa por que ler Nietzsche no direito pois feitapor aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica estatildeo de tal modo refeacutens dospadrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute por recortes secccedilotildees quesempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um modo de voltar ametodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total de criteacuterio deponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que Nietzsche por todaa longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer serventia para umapesquisa acadecircmica no campo do Direito E vocecirc diz mais abaixo aqui Se minhasituaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo acadecircmicaagora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado de Nietzschenessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que natildeo levaratildeo feacuteem meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas tambeacutem porque natildeosou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse trabalho seja aprovadopara me diplomar Aiacute vocecirc continua com esse raciociacutenio Dessa forma queesperanccedilas ter na aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e dechegada na razatildeo acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegiconatildeo tem pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo decurso de Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegicado ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco quenatildeo fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esseeacute o meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar umacondenaccedilatildeo faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Bem vocecircescreveu isso esperando um tipo de professor como eu jaacute disse para vocecircfelizmente vocecirc natildeo conviveu e natildeo foi orientado por esses professores que tenhatalvez uma visatildeo mais estreita do que seja metodologia cientiacutefica ou metodologiade trabalho cientiacutefico Eu vou dizer vou tentar mostrar para vocecirc que eu natildeoconcordo inclusive com essa visatildeo que vocecirc tem de metodologia vocecirc tem umavisatildeo muito estreita de metodologia a metodologia natildeo vai estreitar ouimpossibilitar vocecirc fazer um trabalho de interpretaccedilatildeo de exegese sobre oNietzsche na aacuterea de direito Vocecirc fala em muitas passagens de sua monografiaque Nietzsche natildeo eacute lido no direito e etc eu acho que vocecirc poderia ser maispreciso na tua afirmaccedilatildeo o que talvez vocecirc quer mencionar eacute que Nietzsche natildeo eacutelido na faculdade de direito da UFPR ou natildeo eacute muito lido deveria ser maisestudado etc Entatildeo vocecirc deveria trocar essas afirmaccedilotildees e especificar melhor Ecreio que na filosofia do direito fora do Brasil natildeo existe essa Nietzsche eacute umfiloacutesofo jaacute digamos assim um filoacutesofo claacutessico ningueacutem vai questionar alegitimidade de um trabalho sobre Nietzsche Entatildeo se vocecirc for na biblioteca temum perioacutedico que eacute um perioacutedico de filosofia do direito francecircs satildeo vaacuterios anos ehaacute tomos publicados anualmente em que vocecirc vai encontrar artigos sobre oNietzsche na biblioteca tambeacutem tem cadernos de filosofia do direito um perioacutedico

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italiano em que tambeacutem vocecirc vai encontrar trabalhos sobre a filosofia doNietzsche Entatildeo eu queria dizer para vocecirc que pode parecer que vocecirc estaacutesendo o primeiro pela primeira vez vocecirc estaacute trazendo Nietzsche para o Direitomas essa perspectiva eacute ainda um pouco limitada dentro da filosofia do direitohoje natildeo falando totalmente mas no plano mais universalista internacional deoutros paiacuteses de outras universidades Nietzsche eacute um filoacutesofo sobre o qual muitose escreveu muito se escreveu sobre o seu impacto inclusive no direito Mas euvou tentar lhe falar tambeacutem um pouco sobre metodologia e vou usar umametaacutefora para explicar para vocecirc o que eu quero dizer laacute no curso de Letras seestuda muita coisa mas digamos que eles estudem o realismo fantaacutestico ou oteatro do absurdo mas nem por isso quando vocecirc estuda o teatro do absurdovocecirc pode ser sem sentido toda histoacuteria e narrativa tem comeccedilo e fim sem issovocecirc natildeo conhece os personagens natildeo sabe em que contexto eles estatildeo umexemplo disso eacute a peccedila esperando Godot Mas nem por isso se vocecirc vai fazerum trabalho sobre o esperando Godot vocecirc vai fazer um trabalho absurdo Vocecircnatildeo pode fazer um trabalho de monografia sobre o teatro do absurdo semcomeccedilo meio e fim E ou seja eu natildeo sou especialista na criacutetica literaacuteria masquando vocecirc um estudo acadecircmico universitaacuterio sobre um autor de literaturaexiste alguns cacircnones da metodologia utilizados entatildeo quando vocecirc vai estudaressas peccedilas ou esses autores se usa metodologia cientiacutefica Acho que vocecirc sedeixou contaminar pelo teu objeto de estudo e o teu trabalho traz traccedilos dafilosofia do Nietzsche acho interessante soacute que eu acho que vocecirc poderia ir maislonge usando metodologia cientiacutefica como vocecirc fez aqui no seu cartaz um cartaztecnologicamente superior ao cartaz primitivo te permite que vocecirc vaacute mais longeEntatildeo estudando Nietzsche sobre uma outra perspectivavocecirc consegue ir maislonge do que essa paixatildeo pelo Nietzsche Agora natildeo veja as minhas palavras eunatildeo quero matar a sua paixatildeo o seu entusiasmo pelo Nietzsche que eacuteextremamente positivo Mas para terminar olha a Profordf Nadja eacute da psicologia elida a todo momento com a loucura ou com a doenccedila mental etc etc e satildeodoenccedilas com as quais tambeacutem haacute um tratamento metodoloacutegico neacute Existemvaacuterias correntes na psicologia psicologia transpessoal sistecircmica analiacutetica vaacuteriastaacute mas ainda assim quando se estuda a loucura existe para o psicanalista opsicoloacutego psicoterapeuta estudam do ponto de vista metodoloacutegico existe umaapreensatildeo metodoloacutegica Soacute para terminar por exemplo os antropoacutelogos quandofazem um trabalho de pesquisa dissertaccedilatildeo tese eles tambeacutem fazem com essaradicalidade que vocecirc experimentou o antropoacutelogo vai para o campo e o trabalhode campo eacute ele mesmo ele se despe de toda a sua cultura e vai tentar viver eaprender por exemplo a liacutengua de uma determinada comunidade indiacutegena natildeosoacute isso mas usa tambeacutem substacircncias entorpecentes para entender essa culturaE ainda assim existe meacutetodo O antropoacutelogo mergulha numa determinada culturaele vai e depois ele volta e depois que ele volta ele consegue relatar e transporisso para o discurso antropoloacutegico e tambeacutem tem uma metodologia Vocecirc citouLevi-Strauss ele eacute de uma das correntes uma antropologia dita estruturalistaEntatildeo quero dizer para vocecirc que natildeo daacute para abrir matildeo vocecirc foi contaminado porNietzsche e gostaria de dizer que eacute preciso lapidar vocecirc foi contra a metodologiaclaro mas a metodologia na verdade natildeo trabalha contra mas a favor de vocecircAteacute entendo que haveria professores que iriam reprovar o teu trabalho como pode

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ser que houvesse mas vocecirc teve natildeo sei se sorte ou conduziu por esse ladoprofessores que conseguem analisar a sua perspectiva Mas eu creio na filosofiaa filosofia permite vocecirc fazer esse tipo de especulaccedilotildees e eu diria para vocecircamadurecer metodologicamente eacute preciso que vocecirc faccedila isso Vocecirc jaacute estaacutefazendo por que vocecirc tem pontos que vocecirc chegou e que poucas pessoaschegam na universidade vocecirc tem curiosidade intelectual vocecirc tem autonomiaintelectual vocecirc vai atraacutes dos livros etc dos professores vocecirc consegueestabelecer contato vocecirc participa de congressos vocecirc tambeacutem escreve artigosisso eacute fundamental Eu disse para vocecirc tudo isso que vocecirc estaacute fazendo eacutemetodologia o fazer acadecircmico com o qual vocecirc pode traduzir essa paixatildeo quetem por Nietzsche mas ela tem que ser racionalizada Vocecirc natildeo pode transformara sua monografia num ato de coragem acadecircmica e cutucar o perigo com varacurta daqui a pouco vocecirc estaacute defendendo a monografia na beira da janelaporque eacute mais perigoso entatildeo toma cuidado Ou seja metodologia acho quevocecirc ainda natildeo usou natildeo eacute essa metodologia que vocecirc apontou metodologia seestuda se escreve vocecirc estaacute nesse processo Esse eacute um conselho que estou lhedando vocecirc pode ir mais longe pode continuar na carreira acadecircmica utilizandometodologia Essa eacute a primeira observaccedilatildeo que eu gostaria de fazer a segunda eacuteque o teu texto traduz um pouco a tua maneira de falar entatildeo eu anotei aqui umacertase o Prof Vieira estivesse aqui vocecirc iria provar do remeacutedio porque o ProfVieira lecirc linha por linha e corrige vocecirc corrige o texto todas as viacutergulas quefaltam etc Eu comecei a fazer isso na paacutegina trecircs entatildeo eu vou soacute rapidamentemencionar um natildeo sei vocecirc eacute consciente disso neacute Natildeo preciso mencionar neacuteOlha vocecirc escreve aquiquando perguntei sobre quem era Nietzsche ao meuProfessor de Filosofia do ensino meacutedio ponto vocecirc colocou viacutergula ele natildeo merecomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem olecirc a loucura tambeacutem vocecirc colocou viacutergula eacute ponto tambeacutem e faltou um acraseado Vocecirc passa os pontos finais vai emendando uma frase na outra Vocecirccita o Nikos Kazantzaacutekis e comeccedila a falar dele e perde o raciociacutenio da frase emque vocecirc havia comeccedilado Entatildeo eu acho que vocecirc tambeacutem deveria fazer ou darpara uma outra pessoa fazer daacute para analisar melhor a linguagem escrever commais cuidado Ler a frase que vocecirc fez e construir ela de modo gramaticalmentecorretoEacute o que mais olha aqui uma observaccedilatildeo de cunho filosoacutefico e se natildeouma provocaccedilatildeo vocecirc eacute um leitor que defende Nietzsche apaixonadamente masdo ponto de vista filosoacutefico Nietzsche natildeo concordaria em vocecirc o defender assimvocecirc vem estudando Nietzsche a um bom tempo em filosofia vocecirc tem que ler osautores e depois ler outros autores tambeacutem Entatildeo eu acho que do ponto de vistada filosofia o que vocecirc faz com Nietzsche estuda profundamente vocecirc tem quefazer com todos os filoacutesofos com Tomaacutes de Aquino Santo Agostinho natildeo terpreconceito fazer com Heidegger com Kant com Hegel enfim aiacute vocecirc conseguecolocar os filoacutesofos numa perspectiva da histoacuteria da filosofia porque eu creio queo proacuteprio Nietzsche natildeo concorda com o argumento de autoridade eu creio que oteu trabalho acaba quando vocecirc trabalha soacute com o Nietzsche ou os inteacuterpretescomo o Foucault vocecirc estaacute lendo a perspectiva francesa do pensamento acercade Nietzsche mas existem outras perspectivas e vocecirc eacute consciente disso aiacute paradar um passo aleacutem eacute preciso talvez ler alguns autores em outras liacutenguas paravocecirc dar um salto Eu sei que vocecirc estaacute dando jaacute um salto vocecirc sai aqui de

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Curitiba e vai para o Uruguay vai para a Amazocircnia etc e intelectualmentetambeacutem precisa dar esse salto entatildeo eacute preciso abandonar a liacutengua de origem emesmo que a gente natildeo tenha estudo tentar ler em francecircs em inglecircs emitaliano em alematildeo e na medida do possiacutevel dar esses saltos E com umaobservaccedilatildeo que jaacute fiz a vocecirc a filosofia que se faz no Brasil eacute muito influenciadapela filosofia que eacute feita na Franccedila a escola de filosofia da USP foi umacontinuaccedilatildeo do departamento francecircs eles iam nas grandes universidades daFranccedila e ofereciam dinheiro para que viessem para a USP o departamento defilosofia da USP era quase que todo formado por franceses Entatildeo a filosofia quese espalha pelo paiacutes atraveacutes da USP tem um cunho francecircs mas natildeo eacute a uacutenicafilosofia possiacutevel e laacute no departamento da USP sempre tem um professor que eacuteespecialista num determinado filoacutesofo por exemplo vocecirc conhece a ScarlettMarton ela eacute a filoacutesofa oficial do Nietzsche aiacute vocecirc natildeo bem nenhum outroprofessor escrevendo sobre Nietzsche porque eacute de outro departamento O que eugostaria de te dizer eacute que em geral isso eacute contra o espiacuterito do filoacutesofo em filosofiaos filoacutesofos natildeo tem dono E as autoridades que se tem em filosofia as vezes natildeofaz muito sentido e aiacute eu acho aiacute eacute uma provocaccedilatildeo que te faccedilo eacute preciso comoa Profordf Acircngela citou um choque da filosofia analiacutetica que eacute uma das filosofiastambeacutem possiacuteveis quando Nietzsche fala e escreve aqui por aforismas etc eupara mim tenho um pouco de reserva com isso porque para mim o autor comeccedilaa se tornar obscuro e na obscuridade a gente natildeo entende claramente as coisasEntatildeo seria interessante talvez vocecirc rever isso tambeacutem que as vezes o teu textopode passar uma ideacuteia de uma certa obscuridade que na verdade nametodologia a gente tem que evitar o proacuteprio Nietzsche numa passagem diz quea pessoa que tem uma intelectualidade pouco profunda ela escreve textosdifiacutecieis porque daiacute as aacuteguas satildeo turvas e parecem profundasEntatildeo eu prefiroas aacuteguas claras mesmo que sejam rasas Mas aiacute eacute um embate que eu diria queestaacute acima do teu trabalhoMas enfim eu te falei da metodologia aiacute vocecirc vecirc seisso te serve ou natildeo se vocecirc prefere ser contra a metodologia mas vejo que temuma visatildeo estreita de metodologia E agora tambeacutem eacute preciso uma uacuteltimaobservaccedilatildeo que eacute vocecirc ancorar o seu trabalho no direito A banca parece muitomais de um curso de filosofia do que de um curso de direito Entatildeo natildeo quero tequer dizer que vocecirc tenha que escrever sobre direito mas a gente estaacute dentro deuma faculdade de direito entatildeo vocecirc natildeo pode abandonar completamente o temaCreio que vocecirc natildeo abandonou vocecirc discute aqui justiccedila discute eacutetica discuteestado esses temas satildeo temas da filosofia do direito natildeo vejo problema algumem relaccedilatildeo a isso agora vocecirc poderia ter utilizado os filoacutesofos do direito aiacute satildeoos claacutessicos Kelsen Hart Bobbio tem vaacuterios Dworkin O proacuteprio Kelsen nessetema da justiccedila se aproxima muito do Nietzsche ele natildeo acreditava num conceitode justiccedila creio que o combate era mais ou menos parecido com o combate doNietzsche contra as visotildees estaacuteticas naturalistas religiosas acerca do direitoEntatildeo eu diria para vocecirc olha se vocecirc tivesse feito um trabalho trazendo osfundamentos filosoacuteficos nietzscheanos dentro da obra de Kelsen seria umexcelente trabalho Seria uma maneira de ancorar o teu trabalho dentro de umaperspectiva mais proacutexima do direito Mas eu digo isso com uma reserva soacute paradizer para vocecirc que a filosofia do direito precisa dessa interiorizaccedilatildeo se natildeo vocecircfica num discurso puramente filosoacutefico para mim natildeo tem problema nenhum em

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vocecirc escrever sob o ponto de vista estritamente filosoacutefico ou por exemplo sobreas relaccedilotildees entre Freud e Nietzsche mas a monografia ela eacute juriacutedica e seriapreciso ancorar melhor seu trabalho dentro do direito eu acho que faltou essaancoragem Entatildeo eu quero parabenizar vocecirc pelo seu trabalho quero dizer quevocecirc deve continuar com a sua paixatildeo concordo com vocecirc que no Brasil noacutestemos um certo marxismo que diz aqui acho que isso eacute um pouco de preconceitoque eacute o marxismo de tecircnis importado diria que no Brasil aqui existe o marxismode cobertura um marxismo de zona sul e a classe meacutedia brasileira natildeo estaacutedisposta a abrir matildeo de muitos de seus privileacutegios porque ela vive as vezes emcondiccedilotildees ateacute superiores ao de muitos paiacuteses ditos desenvolvidose eu concordocom vocecirc E pela sua histoacuteria pelo seu perfil no fundo vocecirc eacute um vencedor queconseguiu superar inuacutemeras dificuldades e diria para vocecirc que a filosofia eacute umcampo difiacutecil nada eacute faacutecil e vocecirc assim como vocecirc gosta bastante de Nietzschedigo que eacute preciso diversificar um pouco os seus autores e eacute uma maneira deprogredir em filosofia Entatildeo eu sou um pouco ceacutetico eu natildeo tenho filoacutesofopreferido eu gosto de Nietzsche mas natildeo daacute para levar a seacuterio e tentar aplicartudo o que Nietzsche escreve se natildeo inviabiliza muitas coisas como vocecirc mesmodiz em um ato de coragem correr o risco de inviabilizar a sua proacutepria monografiaMas ela natildeo vai ser inviabilizada e nem vamos te transformar num maacutertiracadecircmico e transformar a sua histoacuteria numa trageacutediaIsso natildeo acontece porqueeu e o Prof Luiacutes Fernando jaacute te conhecemos e vocecirc vem progredindo mas eucreio que vocecirc tem que usar a metodologia a seu favorSobre o ponto de vista daobra de Nietzsche eu natildeo poderia dar muitas contribuiccedilotildees porque faz muitotempo que eu natildeo leio NietzscheMas como vocecirc fez vocecirc transformouNietzsche num reacuteu no fundo ele natildeo eacute reacuteu ele eacute um intelectual claacutessico jaacute e ofato dele natildeo ser estudado no direito eacute uma limitaccedilatildeo local mas isso eacute aqui emoutros lugares natildeo eacute assim entatildeo Nietzsche natildeo eacute reacuteu vocecirc natildeo tem toda essatodo esse caso que vocecirc trouxe aqui essa relaccedilatildeo que vocecirc quermencionarmas eu acho que isso faz parte do teu progresso intelectual e etcSatildeo essas as observaccedilotildees que eu gostaria de fazer para vocecirc e mais uma vez teparabenizar pelo trabalho

O que se calou Seraacute que Nietzsche gostaria que eu o defendesse assim Bemeu jaacute disse que escrevi o trabalho e fui laacute para me defender a Profordf Nadjapercebeu isso E isso eacute parte da honestidade que confessei durante todo otrabalho para defender Nietzsche deveria me colocar na frente dele para receberas pancadas deveria me colocar no processo tambeacutem como um reacuteu cumprindoaiacute um duplo papel sendo aquele reacuteu que faz uma autodefesa como nos filmesque citei Tambeacutem natildeo escrevo de modo obscuro pelo menos eu acho quem estaacuteme lendo agora que o diga tambeacutem eu procuro ser claro e conciso sem perder oconteuacutedo da discussatildeo como recomendava o proacuteprio Nietzsche ao falar de simesmo ldquoeu escrevo em dez frases o que os outros escrevem num livro ou o quenatildeo escrevem num livrordquo Quem tinha a fama de ser um filoacutesofo obscuro eraHeidegger que em Ser e Tempo apresenta uma linguagem analiacutetica exaustiva eque vai ao fim da vida adotar um estilo muito proacuteximo ao de Nietzsche isso euexplico no trabalho Deixei tambeacutem claro que existia uma metodologia antes fizuma caricatura da metodologia e da forma que se adota e se estima nos trabalhos

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acadecircmicos de direito fiz isso para criticar evidentemente O trabalho tem temasoacute que esse tema eacute uma pergunta aiacute cabe quem ler aqui tambeacutem dizer seraacute quenatildeo eacute mais honesto ter uma pergunta como tema Natildeo eacute mais coerente ter apergunta E haacute introduccedilatildeo soacute que natildeo eacute a usual eacute um proacutelogo em que faccedilo umexerciacutecio de sobrevocirco por todo o trabalho como aponta Foucault no teatrofilosoacutefico ldquoldquoPois Foucault mostrava que todos os bons movimentos em Nietzsche se fazem dealto a baixo a comeccedilar pelo movimento da interpretaccedilatildeo Tudo o que eacute bom tudo o que eacutenobre participa do vocirco da aacuteguia natildeo estaacute a prumo e desce E os lugares baixos natildeo satildeoefetivamente interpretados senatildeo quando eles satildeo investigados isto eacute atravessados apresentadossob outro aspecto e retomados por um movimento que vem do altordquo p 22Haacute tambeacutem desenvolvimento e ele se daacute por um constante perguntar ereperguntar e uma conclusatildeo que se daacute pelo cruzamento de minha biografiapessoal e acadecircmica Como Nietzsche eacute um autor natildeo lido pelo direito ou porgente do direito e isso eu jaacute expliquei tambeacutem eacute no plano nacional e no dasproduccedilotildees livros trabalhos etc que falo Era preciso desenvolver o trabalho como Nietzsche e tendo sim outras vozes eu natildeo deixei de diversificar oscomentadores de Nietzsche no meu trabalho estatildeo como testemunhas de defesajaacute que o protagonista eacute Nietzsche estatildeo Foucault Deleuze Derrida AgambenLevi-Strauss Giacoacuteia Jr entre outros Natildeo eacute um trabalho de uma voz soacute e nemcoloco Nietzsche num altar como um santo natildeo quero no trabalho me colocarcomo disciacutepulo do Nietzsche com uma biacuteblia na matildeo querendo converter a todosEu me coloco como companheiro na frente dele isso deixei claro tambeacutem ao falardo colapso de Turim Eu desconheccedilo possiacuteveis relaccedilotildees de Kelsen comNietzsche jaacute que esse autor eacute antes de tudo um dos expoentes do positivismojuriacutedico e influenciado por Kant jaacute que um dos seus postulados mais conhecidos eacuteo da ldquonorma fundamentalrdquo que se assemelha ao imperativo categoacuterico kantiano eisso eu menciono no meu trabalho sutilmente para justamente combater comoabstracionismo da metafiacutesica

Leandro Eacuteeu tenho que agradecer ao Prof Serbena tambeacutem porque o ProfSerbena me deixou este ano trabalhar a iniciaccedilatildeo cientiacutefica e trabalhar a monitoriacontigo quer dizer o Prof Serbena viabilizou que este estudo fosse possiacutevel asviagens que eu fiz Fui para a USP apresentei trabalho na USP fui paraMontevideacuteo semana passada vou para o Rio Grande do Norte daqui a duassemanas quer dizer sempre com o apoio da universidade e graccedilas ao fato dereceber bolsa para pesquisar Se natildeo recebesse bolsa para pesquisar eu teria queestagiar me vincular a algum lugar que fosse meio periacuteodo ou que fosse integrale natildeo teria como viajar natildeo teria nem como iniciar um estudo desse porte natildeoteria meios natildeo teria ferramentas e natildeo teria tempo para fazer os estudos efrequumlentar bibliotecas Eu tenho que agradecer tambeacutem ao Prof Serbena porqueadvogou tambeacutem a minha bolsa eu natildeo tinha mais bolsa porque a universidadeparece que natildeo ia conceder porque parece que havia limitaccedilatildeo de recursos e daiacutehouve um problema burocraacutetico e o Prof Serbena ligou e intermediou a relaccedilatildeoquer dizer foi graccedilas a isso que eu tive condiccedilotildees de fazer esse trabalho e mededicar o uacuteltimo ano de faculdade a pesquisa e as atividades acadecircmicasQuanto a questatildeo metodoloacutegica que o professor colocou a filosofia do direito eutomo cuidado ao colocar no meu trabalho que o objetivo natildeo eacute olhar o direito com

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ldquodrdquo maiuacutesculo o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo o que eacute o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo senatildeo eacute o direito que eu procuro caracterizar como o direito da modernidade eu citoPaolo Grossi por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes Fernando para caracterizar melhoresse direito da modernidade direito que tem a lei como fonte absoluta e recusatodas as outras eacute um direito do absolutismo juriacutedico eacute um direito que se colocacomo saber superior as outras ciecircnciasEntatildeo o meu trabalho para fazer essediaacutelogo interdisciplinar para poder conversar com a professora da psicologia comtodos os outros eu precisava colocar o direito como mais um saber operaacuteriocomo mais um saber operaacuterio entatildeo tirar o direito de uma condiccedilatildeo absolutaacima das outras ciecircncias para colocar o direito como um saber operaacuterio ao ladodos outros para poder dialogar com os outros Portanto a passagem que o ProfSerbena leu eacute uma passagem que eu vou desenvolvendo para chegar nessaconclusatildeo nessa afirmativa o objetivo do trabalho eacute fazer filosofia do direitosimsoacute que direito com ldquodrdquo minuacutesculo o direito como mais um saber operaacuterio quese relaciona com os outros saberes Quer dizer esse foi o objetivo e o trabalhoparte de uma contestaccedilatildeo metodoloacutegica quando eu estou contestando ametodologia eu estou contestando um tipo de metodologia eu estou contestandouma forma de proceder dentro da academia que eacute justamente a tradiccedilatildeo Atradiccedilatildeo acadecircmica exige na maioria das vezes trabalhos que satildeo verdadeirasfichas de leitura vocecirc pega um artigo do coacutedigo processual civil o CPC e vocecircficha na visatildeo de quatro ou cinco autores e esse eacute o trabalho monograacutefico eacute otrabalho monograacutefico feito como obrigaccedilatildeo como desencargo Em nenhummomento eu tomei isso como obrigaccedilatildeo ou como desencargo eu queria criticaresse tipo de trabalho que eacute um trabalho de coleta doutrinaacuteria jurisprudencial oulegislativa eu quis fazer uma outra coisa como colocou a Profordf Nadja umtrabalho marginal de alteridade Portanto necessariamente deveria ser umacriacutetica a metodologia tal como a gente conhece tradicionalmente dentro do cursode direito neacute Natildeo que eu negue por completo a metodologia Teve um outrotrabalho meu que eu apresentei na banca de ingresso ao PET eu faccedilo parte doPET Direito aqui na faculdade que eacute um grupo de pesquisa aqui do direito equando eu apresentei esse trabalho que era sobre a biopoliacutetica de Foucault euapresentei um trabalho que natildeo tinha paraacutegrafo natildeo tinha espaccedilamento haviaobjetivo plano de trabalho mas natildeo tinha nem paraacutegrafo (comoccedilatildeo espanto) eeu submeti perante a banca esse sim era um trabalho completamente semmetodologia era um trabalho inclusive difiacutecil de ler porque a fonte era uma fontereduzida (mais comoccedilatildeo e espanto) Eu fiz issotalvez por uma certa ingenuidademinha nunca tinha feito pesquisa antes nunca tinha feito um projeto antesInclusive no mesmo dia em que eu entrei pela primeira vez no teu grupo deestudos (grupo da Profordf Nadja) foi o dia em que eu defendi e fui aprovado laacute nogrupo porque o Prof Celso Ludwig que eacute professor da casa a quem agradeccedilotambeacutem no trabalho porque me ofereceu espaccedilo no grupo de estudos dele e aProfordf Vera Karam que eacute vice-diretora da faculdade hoje que tambeacutem agradeccediloporque esteve comigo no Sajup e no grupo de direito e literatura os dois deramparecer favoraacutevel ao meu trabalho quer dizer mesmo assim elescompreenderam que o conteuacutedo era mais importante do que a forma e naquelemomento eles deram parecer favoraacutevel quer dizer eu poderia ter sido reprovadona banca do PET e fui aprovado felizmente porque foi no PET que eu comecei a

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aprender a fazer pesquisa aprender a desenvolver melhor a curiosidadeintelectual neacute Inclusive esse trabalho tem a formataccedilatildeo tem paraacutegrafo temespaccedilamento quer dizer eacute um trabalho que eacute mais inteligiacutevel

Prof Serbena Natildeo era para ter isso

Leandro Natildeo Natildeo Natildeoaquele deveria ter tambeacutem e natildeo tinha aquele estavacompletamente fora de qualquer metodologia possiacutevel natildeo seguia regra nenhumada ABNT esse aqui ainda segue algumas regras (risos)

Prof Serbena Mas natildeo precisava ser assim

Leandro Entatildeo professor eu soacute dei um exemplo para tentar problematizar umpouco eacute que eu quero dizer que tem uma metodologia aqui quando eu falo noLevi-Strauss por exemplo quando falo no rizoma do Deleuze eu estou dizendo euestou apontando para metodologias Satildeo metodologias que eu tentei a do Levi-Strauss tentei torcer um pouco e me apropriar dela porque eacute uma metodologiaestruturalista ainda a do Deleuze natildeo a do Deleuze era mais simples

Prof Serbena Vocecirc pode fazer assim soacute que eacute mais difiacutecil e quando vocecirc fazer eusar o Deleuze ou o Levi-Strauss vocecirc vai ter que fazer um trabalho de extensaargumentaccedilatildeo para justificar porque vocecirc estaacute introduzindo aquele meacutetodo ouporque vocecirc estaacute criticando aquele meacutetodo entende Vocecirc natildeo consegue fazerem duas ou trecircs paacuteginas isso fazer isso eacute muito difiacutecil eacute muito difiacutecil eu concordoque pode fazer mas discordo um pouco da maneira como eacute feito natildeo eacute faacutecil vocecircpode fazer claro que pode mas eacute muito mais difiacutecil vocecirc natildeo pode passar porcima natildeo pode colocar o Levi-Strauss como nota de rodapeacute porque natildeo eacute umautor de nota de rodapeacute vai ter que dedicar um capiacutetulo inteiro explicar o meacutetodoestruturalista e eacute difiacutecil fazer isso

Leandro Maso Levi-Strauss natildeo estaacute em nota de rodapeacute inclusive eu coloqueiem destaque junto com o juiz de Santa Catarina que eacute o Alexandre Morais daRosa que para os que natildeo conhecem o Alexandre Morais da Rosa eacute um juiz deSanta Catarina que defendeu uma tese de doutorado sobre a bricolagem nodireito Quer dizer foi a partir dele que eu tomei conhecimento do meacutetodo do Levi-Strauss ateacute entatildeo eu natildeo conhecia Levi-Strauss nunca tinha lido e foi peloAlexandre jurista e juiz de Santa Catarina que eu tomei conhecimento dapossibilidade de trabalhar uma bricolagem dentro do direito quer dizer eacute uma tesede doutorado Claro que o meu objetivo natildeo foi o de chegar ao niacutevel de tese dedoutorado mestrado mesmo entatildeo eu tive que me conter dentro de minhaslimitaccedilotildees tentei trazer o Alexandre para justificar junto com o Levi-Strauss tentarexplicar o que eu entendia por bricolagem junto com o Levi-Strauss tentei trazerisso dentro do corpo do texto e eacute claro assim como a Profordf Acircngela apontou eunatildeo me debrucei especificamente sobre temas do Nietzsche como o niilismo porexemplo porque soacute o niilismo do Nietzsche tem vaacuterias acepccedilotildees tem o niilismorusso tem vaacuterias o proacuteprio termo niilismo assume caracteres polissecircmicos nafilosofia do NietzscheNietzsche possui vaacuterias visotildees do problema ateacute porque a

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filosofia do Nietzsche eacute perspectivista Se fosse para falar soacute sobre niilismo ousobre a morte de Deus eu levaria daria para fazer uma tese de doutorado sobreum tema do Nietzsche soacute o niilismo ou soacute a bricolagem como fez o professorAlexandre Morais da Rosa que trouxe a bricolagem num processo penal Entatildeo omeu objetivo natildeo foi chegar ateacute esse ponto entatildeo eu tive me conter dentro delimites limites que eu proacuteprio me impus e limites da proacutepria condiccedilatildeo de tempoeu tinha um mecircs para escrever o trabalho e o Prof Luiacutes Fernando eacute testemunhaateacute o uacuteltimo dia o trabalho natildeo estava concluso Eu vim pela manhatilde numa sexta-feira pela manhatilde e trouxe a uacuteltima folha as uacuteltimas folhas do trabalho e inclusiveatrasei a reuniatildeo do departamento do Prof Luiacutes Fernando ele teve que ler ateacute ofim o meu trabalho para que eu pudesse daiacute depois colocar as notas de rodapeacutecolocar as notas inclusive

Prof Serbena O Prof Luiacutes tem aula daqui a pouco e me fez um pedido para natildeofalar mais e se puder tambeacutem aiacute

Leandro Eu vou ser breve vou ser breveNatildeo eacutea questatildeo eacute queficaramlacunas no trabalho mas ficaram porque o tempo natildeo me permitia que eurevisasse o trabalho de forma completa neacute As viacutergulas inclusive tem trechos emparecircnteses que estaacute laacute nota de rodapeacute a ser inserida ou fonte a ser colhida quenatildeo foi colocado porque foi um lapso Eu escrevi o texto inteiro e coloquei asnotas depois ficou alguns lapsos formais E a questatildeo de compreender oNietzsche em outras liacutenguas eacute realmente uma limitaccedilatildeoO Joseph estaacute aqui e meindicou o Nietzsche em francecircs a revista aqui na faculdade me passou a fontemas eu natildeo tenho acesso ainda em outra liacutengua eu espero ter ainda um diaQuer dizer satildeo limitaccedilotildees minhas ainda ler o Nietzsche em francecircs Nietzsche eminglecircs mas agradeccedilo as referecircncias professor e eacute issoAcho quea questatildeo doscomunistas de tecircnis importadoquer dizer eacute o Prof Luiacutes Fernando natildeo gostoumuito porque eacute a militacircncia trotskista eu tive uma militacircncia maoiacutesta maseucritico

Prof Serbena Mas ele pode usar tecircnis importado

Leandro Natildeo mas eu critico no sentido de uma estrateacutegia mesmo argumentativauma estrateacutegia argumentativa porque para Nietzsche o comunismo era umcristianismo para as massas neacute Entatildeo o Nietzsche tem uma criacutetica visceral aocomunismo natildeo sei se ele tinha lido Marx mas ele conhecia o movimentocomunista Entatildeo Nietzsche faz uma criacutetica aos comunistas mas tambeacutem faz umacriacutetica aos liberais tambeacutem eu natildeo deixei de criticar os liberais tambeacutem O ProfLuiacutes Fernando falou laacute ah vocecirc natildeo criticou os almofadinhas de terno e gravatanatildeo eu critiquei tambeacutem eu falei que os liberais satildeo submissos dentro da loacutegicanietzscheana porque o liberalismo eacute um gregarismo para o Nietzsche Entatildeo eacutenesse sentidoeacute eu acho que eacuteah vou deixar o professor (Luiacutes Fernando) falarum pouco depois eu respondo

Prof Luiacutes Fernando Bom o orientador natildeo fala Eacute dispensaacutevel o comentaacuterio bomsoacute gostaria de agradecer aos colegas pela leitura e pelos apontamentos o que

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demonstrou que eacute muito difiacutecil de fato a elaboraccedilatildeo de um trabalho numaperspectiva diversa e como as vezes se cai mesmo em contradiccedilotildees acho quealgumas foram apontadas aqui e acho que satildeo bastante interessantes Como aproacutepria ideacuteia de um processo mesmo talvez seja uma contradiccedilatildeo quer dizer vocecirclida com uma loacutegica que eacute tradicional para trabalhar com Nietzschee dentrodesse processo bate de frente com questotildees que levam a um certo grau deexagero na contraposiccedilatildeo que na verdade talvez natildeo seja isso como a ProfordfNadja colocou talvez fosse mais interessante assumir a loucura fosse maisinteressante quebrar mais radicalmente a loacutegica de um processo ao inveacutes dedefendecirc-lo num processo ou mesmo a negaccedilatildeo do processo fosse uma coisamais nietzscheana ou natildeo sei mas enfim haacute vaacuterias coisas aiacute que podemospensar depois ou mais tarde aiacute num boteco Gostaria de pedir entatildeo que vocecircsse retirem um pouco para que a mesa delibere

O que se calou Faltaram essas palavras finais eu imaginava que o orientadorpudesse falar e que depois dele eu teria ainda mais que fosse cinco minutos oumenos para dizer mais algumas coisas Primeiro natildeo vejo como contradiccedilatildeo oprocesso isso foi colocado de forma insistente no trabalho escrito o que sebuscou com o processo foi uma estrateacutegia argumentativa para trazer Nietzschepara o direito e por dentro fazer o embate no territoacuterio do inimigo como jaacute disseSobre a loucura eu tambeacutem jaacute disse e sobre a quebra mais radical eu vejo queela acontece e estaacute escrita no trabalho tambeacutem em dois momentos ateacute repetidosnum deles ldquoSe julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve serbanido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve queldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presentenos aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muitocertamente natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquoaponta Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos oacusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lomesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deveser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso quenatildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do carrasco que lecirc asacusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria acondenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute aindamotivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacuteldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro E tambeacutemldquoQuiccedilaacute muito temor da sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente ajuriacutedica e muita vontade de verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aquido reacuteu Nietzsche o louco o banido para as sombras como julgaacute-lo temendoainda as sombras Talvez os acusadores tivessem que se abster para alegar aineacutepcia de suas acusaccedilotildees seria preciso realizar uma criacutetica radical de suasverdades abalar de tal modo as convicccedilotildees dos administradores do direito quesem a muleta ou altar vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiampor quais verdades basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila opalco dos casuiacutesmos ou decisionismos apontaria os atuais administradores dalei mas cabe objetaacute-los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildeesda feacute no iacutedolo mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga

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Com base em queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as acusaccedilotildees econdenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se descubra que oocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso que venccedilamos asua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser conquistado e jamaisdado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem como a superaccedilatildeo dohomem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho pronto construiacutedo Seeacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que estatildeo acostumados aser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou melhor esses acusadoressubmissos de Nietzsche pois bastante niilistas para confessar que precisam seescorar em alguma coisa para se manter de peacuterdquo Exatamente isso quem julga Setrata de um teatro mesmo de uma estrateacutegia argumentativa sem contradiccedilotildees haacuteuma escolha e um sentido evidente em tudo isso a loacutegica do processo eacute quebradapor dentro e seu coacutedigo eacute subvertido e entatildeo quem pode julgar Com base emque

(alguns minutos depois)

Prof Serbena Faltou trazer Wagner para a apresentaccedilatildeo

Leandro O professor me deu a ideacuteia neacute O professor me deu a ideacuteia neacute Mas oNietzsche natildeo concordaria muito com o Wagner porque Wagner se converteu aocristianismo e era nacionalista tambeacutem neacute

Prof Serbena Entatildeo tira o Wagner

Prof Luiacutes Fernando Entatildeo noacutes a comissatildeo de avaliaccedilatildeo por unanimidade abanca decidiu pela aprovaccedilatildeo do trabalho do Leandro Nascimento Mantau com anota nove e meio (aplausos)

O que se calou Por conversas informais depois soube que perdi meio ponto porquestotildees meramente formais mesmo as viacutergulas que faltaram etc De qualquermodo me sinto vitorioso e contente porque foi mesmo um desafio titacircnico

Segue agora um texto que foi o meu primeiro trabalho escrito na faculdade epublicado numa das folhas acadecircmicas revista do curso de direito da UFPR Ele eacute

o Tuareg eacute uma interpretaccedilatildeo que fiz de uma muacutesica cantada por Gal Costa naeacutepoca dos grandes festivais de MPB eu busquei interpretaacute-la de acordo com oque havia lido ateacute entatildeo de filosofia e mesclando vaacuterios outros matizes Faccedilo

questatildeo de publicar junto da minha monografia como registro e tambeacutem para queseja percebida que nesse trabalho inicial jaacute se percebe o geacutermen daquilo que seraacute

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mais desenvolvido na monografia algumas ideacuteias jaacute estatildeo ali presentes mesmoque ainda intuitivamente de modo bruto necessitando ainda mais leituras e um

trabalho maior As preocupaccedilotildees finais com Nietzsche e o Oriente resultaram numartigo escrito nesses dias aproveitando a monografia como ldquotudo pode servirrdquo nabricolagem eacute o artigo Nietzsche amp a experiecircncia miacutestica Incursotildees pelo Oriente

com Nikos Kazantzaacutekis e Gibran Khalil Gibran

Ainda sobre o miacutestico muitos foram os que me perguntaram sobre a ldquoboinardquocolorida que as vezes eu uso na faculdade ou quando estou por aiacute Trata-se de

um quipaacute muccedilulmano tal como o usado pelos negros malecircs que vieram comoescravos para o Brasil era gente muita culta e que organizou uma revolta por

aqui soacute que o meu tem siacutembolos esoteacutericos todo feito a matildeo incluindo ascosturas eacute um trabalho artesanal e amador que ganhei de presente eacute uma

bricolagem que simboliza a alteridade e vesti-lo eacute como encarna-la dentre ossiacutembolos haacute um druida que significa ldquopovordquo em razatildeo disso o chamo de ldquoquipaacutevolksrdquo e os demais satildeo siacutembolos astecas e incas significando a coragem (a

aacuteguia) a sabedoria (o terceiro olho) e a loucura ou o infinitoE a propoacutesito meu nome Leandro significa homem-leatildeo

Ele eacute o Tuareg

As leis natildeo bastam

Os liacuterios natildeo nascem da

lei Meu nome eacute tumulto

e escreve-se na

pedra

Ele eacute o indiviacuteduo fortemente mesticcedilado da genealogia dos nocircmades berberesQue nasceu e cresceu guerreando caminhando dia e noite entre montanhas e odeserto escaldante visitando muitos lugares e dialogando com os transeuntescomo um andarilho que estaacute aiacute no mundo curioso por saber sempre mais

Ele eacute a imagem do espiacuterito livre o anti-heroacutei natildeo comportado e natildeocompatimentado que age como um vagabundo que natildeo estaacute ajustado e nem

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domesticado Ele eacute um fora-da-lei um bandoleiro presenccedila maldita aos homensmas bendito aos deuses

Pois com muita feacute e com ele soacute para pra orar

Pois pela direccedilatildeo do sol e das estrelas

No oacuteasis escondido aacutegua ele vai achar

Pois o homem de veacuteu azul o prometido de alaacuteh

Confiado pelas forccedilas coacutesmicas eacute o Tuareg invenciacutevel Ele vai para a guerra como coraccedilatildeo sereno e o espiacuterito em pazAssim como o andarilho e a sua sombracaminha para o olho do furacatildeo compreendendo a liccedilatildeo do Bhagavad-Gita deque a primeira virtude do homem eacute ousar a ser ele mesmo sublimando anatureza que lhe foi inculcada Deve buscar viver segundo sua proacutepria lei emedida respeitando uma uacutenica instituiccedilatildeo A sua proacutepria alma

Seguindo os saacutebios conselhos de Krishna o arqueiro Arjuna aprendeu que eacutepreciso manter a mente firme e o coraccedilatildeo cheio de fervor se isso for conseguidoa cabeccedila se torna tatildeo somente uma viacutescera do coraccedilatildeo esse eacute o atributodaqueles que satildeo demasiadamente humanos

O Tuareg natildeo eacute arqueiro mas tem uma cimitarra a tira colo e eacute com essaespada capaz de decepar num soacute golpe que ele iraacute abrir um buraco no real parase inscrever subjetivamente e garantir seu lugar na histoacuteria Eacute o homem que estaacutesempre pronto para o que der e vier em constante tensatildeo com o seu entornoComo um Pajeuacute o tipo completo de lutador primitivo-ingecircnuo feroz edestemoroso ndash simples e mau brutal e infantil valente por instinto heroacutei sem osaber

Para o Tuareg tudo eacute permitido ele natildeo tem o que justificar eacute inocente Como osprimitivos antes da chegada dos pastores Eacute um fora-da-lei e por isso estaacute alheioas normas rompendo com a ficccedilatildeo de um Direito sem lacunas ele eacute um furo naordem juriacutedica e prova viva de que nem tudo ela pode dar conta eacute assim que elefaz a sua proacutepria justiccedila O Tuareg eacute um justiceiro

Sendo assim esse homem transfigura-se numa figura mitoloacutegica e miacutestica paraaleacutem do bem e do mal Que para ser compreendido eacute preciso suspendertemporariamente a descrenccedila Egrave quando a atmosfera de sonho oniacuterica passa ase confundir com o real Acaba a diferenccedila entre a imaginaccedilatildeo e a realidadeIsso porque ningueacutem ouve o mito na mesma posiccedilatildeo em que se escuta umatestemunha Ele tem uma dimensatildeo proacutepria de verdade ou quiccedilaacute seja umaverdade que natildeo poderia ser dita de outro modo

O Tuareg desde cedo descobriu que para alcanccedilar a sabedoria e aprender avoar eacute preciso se nomadizar deixar o ninho experimentando o processo do

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desenraizamento do dilaceramento do in-diziacutevel a sensaccedilatildeo de aporia Eacute comesse movimento que ele vai para uma eacutepoca em que natildeo havia propriedadeassim o Tuareg consegue quebrar o espelho e desanda a falar sem a lei domestre

Eacute quando o Tuareg realiza o processo de catarse ele iraacute se expurgar paramelhor se fruir corresponde ao momento do estranhamento e da sensaccedilatildeo davertigem labiriacutentica que exige audaacutecia para correr o risco do impossiacutevel Isso fazdele um espiacuterito errante caminhante pelo deserto e a boca seca como imagino ados profetas e dos eremitas Vivendo livre e sem lei aceitando o inaceitaacutevel e semantendo no insustentaacutevel tendo que consentir nesse gesto ou morrer

Se Lanccedilando a deriva da mais profunda solidatildeo que eacute a solidatildeo do criminososabendo que natildeo jogar o jogo da mentira pode ser a chave para superar amorte Isso faraacute do Tuareg um Carcaraacute que natildeo morre de fome Egrave a proacutepriaconsciecircncia do abandono que faz o homem se aventurar na vida a margem daverdade O reencontro com a erracircncia o seu aiacute no mundo do absurdo radical eabismal da condiccedilatildeo humana daquele que voa para o coraccedilatildeo da tempestadeiraacute provocar o colapso e o renascimento das proacuteprias cinzas Eacute assim que oandarilho regressa e se restitui O Tuareg renasce como a fecircnix

Mergulhado na erracircncia e renascendo como a ave mitoloacutegica o Tuareg descobreque estaacute condenado a ser livre caminhando no mundo e sem desculpas Esseabsurdo de sua condiccedilatildeo humana iraacute conduzi-lo ao re-ligamento Ele vai seencontrar com a sua revolta sua paixatildeo sua liberdade O Tuareg quer viver semabdicar de nenhuma de suas certezas sem dia seguinte sem ilusotildees e semresignaccedilatildeo Ele iraacute se reafirmar na revolta

Eu me revolto logo existo assim fala o Tuareg

Eacute o homem que se reconciliou com a sua rebeldia e com a opacidade do mundoele luta contra tudo aquilo que se modalizou se normalizou Uma pelejaenlouquecida e insensata feita com energia e luminosidade proacuteprias dasubstacircncia poeacutetica

Ele sabe que viver eacute muito perigoso mas compreende que sem o risco nada valea pena assim ele vive perigosamente pois este eacute o segredo para se realizarCompreendendo que quando somos reconhecidos por vadios nos julgam natildeopelos atos mas pela reputaccedilatildeo que nos criaram Mesmo assim o Tuareg natildeotem vergonha de ser ele mesmo e nem medo das consenquumlecircncias do que fala

Ele entende que somos aiacute no mundo para inquietar e jamais devemos nospoupar Porque a inquietude eacute mais fecunda que acreditar em uma soacute respostaTrata-se de suportar a dor de manter em aberto a interrogaccedilatildeo Se contentarcom o provisoacuterio mesmo que se almeje o definitivo

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O Tuareg sabe que para natildeo morrer de sede deve aprender a beber em todosos copos Assim como aquele que quer permanecer limpo deve aprender a sebanhar em aacutegua suja Ele chega nessas conclusotildees por muitos caminhos natildeosubindo numa escada soacute sempre se interrogando e submetendo agrave prova seusproacuteprios caminhos o Tuareg natildeo tem medo de se queimar na proacutepria chama

Isso faz dele um oniacutevoro cultural algueacutem que sabe que esta vida estaacute cheia decaminhos ocultos que constituem tambeacutem a pluralidade desse homem que serecusa a trilhar uma soacute vereda Ele quer dizer que toda a univocidade estaacutefadada ao fracasso O significado em si mesmo eacute aquele que natildeo significa coisaalguma O raciociacutenio juriacutedico da teleologia que visa agrave satisfaccedilatildeo de requisitosloacutegicos e uniacutevocos natildeo presta a compreensatildeo do Tuareg

Assim o Tuareg retorna eternamente e vem para festejar uma nova manhatildesempre com um amor incondicional de quem ama o proacuteximo como a si mesmoele se abre ao Outro deixando que este Outro seja ele mesmo sem pedir nadaem troca Eacute um sentimento de alteridade mas nunca sem antes alterar-se a simesmo Esse homem jamais vai passar anestesiado pela multidatildeo tudo ele estaacutevendo Eacute a figura do guerrilheiro intangiacutevel eacute o antagonista que vecirc e que natildeo eacutevisto como os sertanejos na caatinga

Pois ele eacute guerreiro

Ele eacute bandoleiro

Ele eacute justiceiro

Ele eacute mandingueiro

Ele eacute o tuareg

Nego os roacutetulos quecolocam para mim ereafirmo antes de tudo afidelidade a mim mesmo eagraves minhas ideacuteias

Eu natildeo sou dos seus

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Referecircncias Utilizadas

Muacutesica Tuareg cantada por Gal Costa nos festivaisNatildeo morre de fome alusatildeo agrave muacutesica Carcaraacute de Joatildeo do Vale o ex-pedreiro eanalfabeto que se tornou um dos maiores compositores da muacutesica popularbrasileiraOntologia poeacutetica de Carlos Drummond de AndradeEdgar Morin obra Meus DemocircniosGrandes Sertotildees Veredas de Joatildeo Guimaratildees Rosa referecircncia ao Riobaldopara quem viver eacute muito perigosoOs Sertotildees de Euclides da Cunha referecircncia ao Pajeuacute parte a LutaAssim Falava Zaratustra de NietzscheSeacuterie de Preleccedilotildees sobre a obra de Albert Camus O Estrangeiro do nuacutecleo deDireito e Psicanaacutelise da UFPRO Homem Revoltado de Albert CamusVocirco para o Coraccedilatildeo da Tempestade demandas com o pensamento deNietzsche Obra de Antoacutenio Duarte Henrique LopesSeacuterie de Preleccedilotildees coordenadas por Christoph Tuumlrcke com o tiacutetulo Nietzscheuma provocaccedilatildeoSeacuterie de Preleccedilotildees em torno da obra de Jacques Derrida publicadas em livro demesmo nomeBhagavad-Gita a sabedoria dos Vedas

Page 3: LEANDRO NASCIMENTO MANTAU O Caso NIETZSCHE: várias

O caso Nietzsche

A linguagem ou o Ocaso do Direito78

O Direito em crise ou o crepuacutesculo de suas verdades85

A Gaia Ciecircncia ou ldquoaurorardquo do direito90

Tornar-se o que se eacute no direitoOu como coloquei o Nietzsche em praacutetica105

Manancial rizomaacutetico ou os afluentes desse meu rizoma 135

Anexos

Desafio Titacircnico (aquilo que foi dito na defesa e o que se calou) 141

Ele eacute o Tuareg 179

1

Proacutelogo

Por que ler Nietzsche no Direito Eacute pela questatildeo que esse trabalho se

constitui a potecircncia da questatildeo e natildeo um tema o estudo do pensamento de um

autor como Nietzsche natildeo se faz por recortes metodoloacutegicos em sua obra como

os fieacuteis da razatildeo acadecircmica esses ldquomeacutedicos legistasrdquo costumam fazer Antes

de tudo trata-se de um diaacutelogo de subjetividade eacute o que se tentaraacute aqui Qual o

tema que vocecirc pesquisa O que no Direito a partir de Nietzsche Por que ir tatildeo

longe estudando Nietzsche Satildeo com essas e outras perguntas que este trabalho

pretende dialogar algumas foram feitas a mim por pessoas que souberam da

intenccedilatildeo desse estudo meu desejo de estudar Nietzsche e o Direito quando esse

estudo era apenas um projeto natildeo esboccedilado sem comeccedilo meio e fim totalmente

aberto Para empreender esse trabalho sabia na eacutepoca que natildeo poderia ter

projeto que precisaria estudar Nietzsche como aquele que segue agrave deriva

mergulhando num labirinto sem chegada o objetivo natildeo seraacute de responder agraves

indagaccedilotildees mas levar a outras questotildees trazendo algumas pistas

Nietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo deslizapara a situaccedilatildeo abstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamentoconcreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seu estilo eacute diretamentepoliacutetico por isso os aforismas as poesias o tom combativo as repulsase as predileccedilotildees Ele natildeo serve aos ldquosenhores brancosrdquo agrave Escola aoscostumes agraves disciplinas Nietzsche eacute todo poliacutetica eacute todo a questatildeo oua parte sensiacutevel e intelectual da questatildeo que racha o dispositivo desilecircncios e abstraccedilotildees das ldquofilosofiasrdquo e da ldquohistoacuteria da filosofiardquo doldquohomemrdquo e da ldquohumanidaderdquo Ele eacute ou nele se encontra aquela partegrave e animal do pensamento que o insere sem distacircncia ndash semdefesas e fugas ndash na concretude comovente da questatildeordquo Cf p 77 (CfESCOBAR sano p77) A ldquofactibilidaderdquo do Nietzsche e a potecircnciade seu pensamento enquanto questatildeo ldquoEacute preciso rachar a ldquoteia dearanhardquo da Razatildeo para restituir a plena combustatildeo da questatildeordquo CfESCOBAR idem)

Uma possiacutevel resposta de onde derivariam todas outras eacute a de Nietzsche

como um filoacutesofo que interroga o Poder compreendido como emaranhado de

poderes e criacutetico de um direito enquanto discurso instituiccedilatildeo lei contrato

ldquosujeitosrdquo e outras abstraccedilotildees o direito (com d minuacutesculo mesmo) eacute uma

2

invenccedilatildeo do homem e tem relaccedilatildeo estreita com o poder ou os poderes

Nietzsche eacute o filoacutesofo que pensaraacute o poder sem encerraacute-lo dentro de uma teoria

segundo Foucault1 A resposta eacute dada por um leitor confesso de Nietzsche e que

ao contraacuterio dele eacute relativamente lido e estudado no direito teraacute o filoacutesofo alematildeo

como caixa de ferramentas para constituir seus proacuteprios pensamentos Natildeo

apenas Foucault Derridaacute2 aluno deste tambeacutem seraacute leitor de Nietzsche

acompanham essa relaccedilatildeo autores como Heidegger3 Deleuze4 Albert Camus5 e

ateacute mesmo o autor mais na moda como Giorgio Agamben6 Nietzsche suscitaraacute

reflexotildees distintas como a heideggeriana e a francesa da contracultura7 e

apropriaccedilotildees na literatura e outros campos da arte eacute autor que se ldquoauto-define

como extemporacircneo que soacute seria lido e compreendido dois seacuteculos agrave frente vai

antecipar algumas reflexotildees dos pensadores da Escola de Frankfurt sobre o

1 Nietzsche eacute o filoacutesofo do poder que pensou o poder sem se encerrar numa teoria poliacutetica Ouacutenico sinal de reconhecimento que se pode ter para um pensamento como o de Nietzsche eacute fazecirc-lo ranger gritarNietzsche ofereceu como alvo essencial digamos ao discurso filosoacutefico arelaccedilatildeo de poderrdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Riode Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p 1432 Autor lido no Direito quando se trata de diaacutelogo com a Literatura destaca-se nesse trabalho assuas obras Forccedila de lei e Gramatologia

3 Um dos pensadores mais influentes do seacuteculo XX Martin Heidegger escreveu dois tomos sobre asua interpretaccedilatildeo de Nietzsche nesse trabalho tive acesso ao volume I com o entendimentocorroborado pelo tradutor brasileiro das obras Marco Antocircnio Casanova quando em palestra emCuritiba no ano de 2007

4 Notabilizou-se com a sua obra Nietzsche e a Filosofia trabalhou com Michel Foucault naMicrofiacutesica do Poder dialoga na entrevista ldquoos intelectuais e o poderrdquo Ainda publicou com FeacutelixGuattari a obra Mil Platocircs em que se utilizaraacute o primeiro volume que trata da ideacuteia de ldquorizomardquo

5 Autor que transitava entre literatura e a filosofia chegou a ganhar o precircmio Nobel de literaturacom a obra O estrangeiro seraacute aproveitada a sua anaacutelise sobre niilismo e Nietzsche em O homemrevoltado

6 No Direito tem sido bastante lido ultimamente principalmente a obra ldquoO estado de exceccedilatildeordquo

7 ldquoToma-se como mola de nossa cultura moderna a trindade Nietzsche Freud Marx Poucoimporta que todo mundo fique desarmado com isso Marx e Freud satildeo talvez a mola de nossacultura poreacutem Nietzsche eacute completamente diferente eacute a mola de uma contra-culturardquo CfDELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-10

3

capitalismo e a barbaacuterierdquo segundo Giacoacuteia8

Interrogando o Poder Nietzsche faraacute o diagnoacutestico com olhar cliacutenico de

psicoacutelogo das profundezas acerca do problema do niilismo que se daacute

propriamente na constataccedilatildeo da decadecircncia dos valores das instituiccedilotildees no que

se deve incluir o Direito a pretensatildeo de universalidade proacutepria da Modernidade

assim a sentenccedila sobre a ldquomorte de Deusrdquo significa tambeacutem a morte do projeto do

esclarecimento iluminista Cabe portanto retomar o estudo do pensamento de

Nietzsche natildeo apenas dos seus leitores mais ceacutelebres e contemporacircneos

Recuperemos Nietzsche Escrevia Antocircnio Cacircndido9 depois da segunda guerra

mundial para uma criacutetica do presente Eacute fundamental desfazer os equiacutevocos que

a interpretaccedilatildeo e malversaccedilatildeo do pensamento nietzscheano levou a ser teoacuterico do

nazifascismo a estigmatizaccedilatildeo do pensamento de Nietzsche considerado um

louco banido das academias tratado como herege devido as maacutes

compreensotildees de seu pensamento muitos jaacute escreveram para desmistificar os

equiacutevocos nessas leituras mas eles ainda permanecem talvez porque seja

conveniente que Nietzsche natildeo seja lido colocado como autor proibido ou maldito

Felizmente comigo a estrateacutegia surtiu efeito contraacuterio quando perguntei sobre

quem era Nietzsche ao meu Professor de Filosofia do ensino meacutedio ele natildeo me

recomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem o

lecirc a loucura tambeacutem certamente algo de misterioso reside em seu pensamento

natildeo me refiro agraves leituras miacutesticas de Nietzsche pela literatura como a de Nikos

Kazantzaacutekis10 formado em Direito pela Universidade de Atenas e que se dedicaraacute

a literatura publicando entre outras obras A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo

apresentando um Jesus ldquonietzscheanordquo proacuteximo ao Zaratustra quanto ao seu

8 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho9 Cf posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas TradRubens Rodrigues Torres Filho 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

10 Assim como Oswaldo Giacoacuteia Juacutenior formado em Direito pela USP e atualmente professor deFilosofia na UNICAMP Kazantzaacutekis teve sua passagem pelo direito tambeacutem e suas obras tecircmforte tonalidade nietzscheana aqui seraacute aproveitada ldquoA uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristordquo que foi produzidapara filme por Martin Scorsese em obra homocircnima e ldquoAsceserdquo

4

modo de vida e Ascese ldquoquando cabe ao homem salvar Deus o deus que eacute

labirinto de carnerdquo11 mas me refiro a potecircncia da criacutetica nietzscheana a qual

requer do leitor o constante ruminar a leitura cuidadosa do filoacutelogo de seus

aforismas que satildeo marcas de intensidade a energia que pulsa eacute vital vem do

corpo a recomendaccedilatildeo de Nietzsche eacute a de que ldquose deve escrever com sangue

porque sangue eacute espiacuteritordquo12 Nietzsche se coloca no texto usa a sua vida como

mateacuteria-prima do pensamento um pensamento nocircmade como aponta Deleuze13

Por isso a leitura de Nietzsche e um trabalho com o seu pensamento requer o

esforccedilo de levar a potecircncia para algum lugar isso eacute trabalho de subjetividade

trazecirc-lo para si se apropriar pensar com atraveacutes e aleacutem de Nietzsche

recomenda Gerard Lebrun14 organizador da ldquocoleccedilatildeo os pensadoresrdquo obras

incompletas de Nietzsche

Cabe tambeacutem pensar contra Nietzsche15 ele natildeo quer seguidores natildeo

quer ser um pastor prefere ser um bufatildeo16 algueacutem com muacuteltiplas faces E assim

durante o seacuteculo XX Nietzsche foi lido e interpretado de forma diversa Heidegger

11 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese salvatore dei Trad Ivo Barroso Rio de Janeiro Recordsano p 88

12 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 Do ler e escrever ldquoDe tudo o que se escreve apreciosomente o que algueacutem escreve com seu proacuteprio sangue Escreve com sangue e aprenderaacutes que osangue eacute espiacuteritordquo p 66

13 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-17

14 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

15 A referecircncia eacute de Roberto Machado ex-aluno de Foucault e Deleuze em sua obra Zaratustratrageacutedia nietzscheana Ainda traz as referecircncias do proacuteprio Nietzsche ldquoeacute preciso pocircr-se em guardacontra mimrdquo ldquosecirc um homem e natildeo me sigas sigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo CfMACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997p 77

16 Aponta o proacuteprio Nietzsche em seu Ecce homo ldquonada tenho de fundador de religiatildeo Natildeoquero ldquocrentesrdquo creio ser demasiado malicioso para crer em mim mesmo nunca me dirijo agravesmassasTenho um medo pavoroso de que um dia me declarem um santo perceberatildeo por quepublico este livro antes ele deve evitar que se cometam abusos comigoEu natildeo quero ser umsanto seria antes um bufatildeoTalvez eu seja um bufatildeordquo p 109 Cf NIETZSCHE FriedrichWilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo PauloCompanhia das Letras 1995

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pensa um Nietzsche os franceses outro em algum lugar eles se encontram que eacute

o proacuteprio Nietzsche um lugar que eacute tambeacutem um natildeo-lugar jaacute que natildeo legou um

sistema sua obra eacute inacabada e manteve-se plural muacuteltipla Dentre os inuacutemeros

temas o Direito eacute abordado ldquosutilmenterdquo por Nietzsche e a sua sutileza eacute a de

quem faz filosofia a golpes de martelo o martelo que serve para destruir e

construir o martelo que tambeacutem eacute usado como instrumento terapecircutico eacute uma

cliacutenica que vem antes do proacuteprio Freud e sua psicanaacutelise e um dos textos que

mais suscita a investigaccedilatildeo nietzscheana no Direito eacute a Genealogia da Moral o

qual segundo Giacoacuteia ldquoFreud ao abrir assustado logo o fecha com medo de que

os resultados cliacutenicos obtidos fossem influenciados pelo que Nietzsche havia

escritordquo17 Contudo o texto da Genealogia traz referecircncias sobre um direito

originado na diacutevida no sentido de culpa oriundo da obrigaccedilatildeo o que daria direito

ao credor de satisfazer o creacutedito empenhando inclusive uma pena corporal ao

devedor como satisfaccedilatildeo de um sentimento de vinganccedila ldquoarrancando um naco de

carnerdquo eacute a cena do Mercador de Veneza18 e eacute provaacutevel que Nietzsche tenha lido

e se influenciado por Shakespeare assim como leu tambeacutem Stendhal Tolstoi

Dostoievski sendo que este uacuteltimo natildeo foi encontrado em sua biblioteca particular

suspeita-se os bioacutegrafos e estudiosos do legado nietzscheano que algumas

obras capitais para Nietzsche e suas reflexotildees foram retiradas pela sua irmatilde a

qual desejava preservar uma certa originalidade do irmatildeo em relaccedilatildeo a algumas

temaacuteticas19

Eacute sabido que Nietzsche tambeacutem se incomodava da maacute compreensatildeo de

17 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

18 Refere-se ao 4ordm ato 1ordf Cena (cena do Tribunal) em que Shylock o judeu mercador exige acoleta civil de uma libra de carne de Antocircnio por contrato registrado em cartoacuterio devido aoinadimplemento da obrigaccedilatildeo Por traacutes dessa cobranccedila transparece o sentimento de vinganccediladaquele que viu sua filha perdida aos cristatildeos o que lhe custou a injuacuteria e o desprezo dasociedade local Cf Shylock e a vinganccedila ndash o princiacutepio de satisfaccedilatildeo no direito penal Trad JuarezTavares do original de Frauke Drews (Universitaumlt Frankfurt Main) p 1-12 Texto da Jornada deDireito e Psicanaacutelise ocorrida no Curso de Direito da UFPR no ano de 2007 sobre a obra ldquoOMercador de Venezardquo de Shakespeare19 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008

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seu pensamento na eacutepoca que ainda estava luacutecido seus livros natildeo vendiam e

volta e meia a criacutetica o atacava ou jaacute o apropriavam na direccedilatildeo nazifascista

movimento ainda incipiente em 1887 comentaraacute em cartas a sua preocupaccedilatildeo20 e

o seu Ecce homo sua autobiografia uacuteltimo livro antes do colapso de Turim para

que ldquoouccedilam o que ele eacute () iraacute escrever eu sou assim tal e tal e natildeo me

confundamrdquo21 Se corresponderaacute com Georg Brandes criacutetico literaacuterio judeu que

divulgaraacute a obra de Nietzsche na Europa do Norte dele teraacute imensa gratidatildeo22

Brandes foi pessoa bastante influente na intelectualidade da eacutepoca curiosamente

mantinha correspondecircncia e amizade com Ibsen que escreveu entre outras obras

O Inimigo do Povo nela o personagem Dr Stockmann vai dizer ldquoo mais solitaacuterio eacute

o mais forte dos homensrdquo ao que se sabe Nietzsche natildeo conhecia Ibsen e vice-

versa mas essa afirmaccedilatildeo eacute bastante nietzscheana23 Diante de tudo isso dos

20 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p 53

21 Cf Prevendo que dentro em pouco devo dirigir-me agrave humanidade com a mais seacuteria exigecircnciaque jamais lhe foi colocada parece-me indispensaacutevel dizer quem sou Na verdade jaacute se deveriasabecirc-lo pois natildeo deixei de ldquodar testemunhordquo de mimNessas circunstacircncias existe um devercontra o qual no fundo rebelam-se os meus haacutebitos e mais ainda o orgulho de meus instintos queeacute dizer Ouccedilam-me Pois eu sou tal e tal Sobretudo natildeo me confundamrdquo p 17 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

22 ldquoA tarefa de traccedilar uma imagem de mim seja do pensador seja do escritor e poeta parece-meextraordinariamente difiacutecil A primeira tentativa maior desta natureza foi feita no inverno passadopelo distinto dinamarquecircs dr Georg Brandes que lhe deve ser conhecido como historiador literaacuterioEle realizou sob o tiacutetulo de ldquoO filoacutesofo alematildeo Friedrich Nietzscherdquo um longo ciclo de palestrassobre mim na Universidade de Compenhague cujo ecircxito segundo me foi informado deve ter sidoimenso Ele fez uma audiecircncia de trezentas pessoas interessar-se vivamente pela audaacutecia deminhas colocaccedilotildees e como ele proacuteprio me diz tornou o meu nome popular em todo o Norterdquo p131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

23 Destaque para a carta do Conde Prozor para a irmatilde de Nietzsche Elisabeth Foerster-Nietzscheescrita a bordo do paquete ldquoPrinz Waldemarrdquo entre Lisboa e Rio de Janeiro Terminada emPetroacutepolis em 30 de outubro de 1904 que eacute publicada na ediccedilatildeo como prefaacutecio p 96 a 146 Eacutedocumento que comprova que Georg Brandes trocava cartas simultaneamente com Ibsen eNietzsche e que o Assim Falava Zaratustra de Nietzsche a primeira parte de 1883 eacute publicada nomesmo ano de O inimigo do Povo A despeito das semelhanccedilas a carta aponta que Nietzscheconhecia Ibsen superficialmente e tinha dele impressotildees equivocadas enquanto Ibsendesconheceria ateacute o nome de Nietzsche natildeo obstante Brandes o conhecer e admirar e segundo odocumento histoacuterico possuir uma ascendecircncia e influecircncia intelectual sobre a obra de Ibsen CfHENRIK IBSEN Um inimigo do povo Trad Vidal de Oliveira estudo criacutetico de Otto MariaCarpeaux Rio de Janeiro globo 1984

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preconceitos que sofreu do seu banimento que natildeo eacute causal ao contraacuterio eacute

proposital antes porque o proacuteprio Nietzsche abandona sua caacutetedra de filoacutelogo na

Basileacuteia e vai criticar o academicismo e dogmatismo e os pretensos intelectuais

que encontrou como ldquofilisteus da culturardquo e segundo porque Nietzsche foi

vinculado a tradiccedilatildeo totalitaacuteria fascista que repudiava propositalmente e terceiro

porque seu pensamento eacute muacuteltiplo natildeo eacute sistema e o trabalho de desmistificaccedilatildeo

requer que se alcance as alturas do seu pensamento eacute preciso de focirclego para

esse empreendimento Quem o leu encontrou nele ferramentas para a subversatildeo

da racionalidade moderna e iluminista ainda muito presente nas academias

assim considerado culpado sem direito ao contraditoacuterio e a ampla defesa

Nietzsche seraacute mandado ao cadafalso como autor maldito natildeo seraacute lido e

estudado no Direito logo ele um autor que interroga o Poder um questionador da

autoridade um genealogista

Evidentemente tratar Nietzsche como um autor da literatura eacute uma

estrateacutegia natildeo estudaacute-lo eacute outra eacute preferiacutevel o caminho mais curto a leitura dos

contemporacircneos que aprenderam com ele como Foucault e mais atualmente

Giorgio Agamben Este uacuteltimo um Professor de Esteacutetica que do lugar de fala

esteacutetico traz reflexotildees sobre poliacutetica sobre poder sobre o direito o Estado

Nietzsche foi um nocircmade que transitou por esses campos sem ficar neles Natildeo eacute

faacutecil ler Nietzsche diante da polifonia de sua linguagem mas tambeacutem natildeo eacute faacutecil

ler os manuais de Direito e as enfadonhas doutrinas jaacute repisadas inuacutemeras vezes

a desculpa pelo seu esquecimento no Direito que eacute espaccedilo de poder ou de

poderes talvez resida naquilo que ele mesmo considerou ldquomeu pensamento eacute

dinamiterdquo24 talvez para o Direito essa seja a confissatildeo que o inquisidor gostaria de

obter para condenar o reacuteu Afinal o Direito eacute o lugar da ordem da tradiccedilatildeo da

conservaccedilatildeo das coisas da harmonia da justiccedila Mas ldquoo que eacute a Justiccedila

Pergunta Nietzsche senatildeo eacute o lugar onde tudo pode ser pago A justiccedila assim

24 ldquoEu natildeo sou um homem sou dinamiterdquo p 107 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995

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como todas as coisas boas acaba por suprimir a si mesmardquo25 E o curso de Direito

ldquoformardquo administradores da Justiccedila seja na aacuterea puacuteblica ou privada o operador

juriacutedico quando natildeo eacute um autocircmato da lei serve-se do Direito dos coacutedigos para

defender pretensotildees Realizar um trabalho com Nietzsche no Direito eacute fazer do

trabalho de conclusatildeo do curso de Direito um ldquoexerciacutecio de tirociacutenio juriacutedicordquo na

defesa do reacuteu do maldito do pensamento de Nietzsche o desafio que se propotildee

a quem estudou no reino da codificaccedilatildeo eacute a da defesa do decodificador por

excelecircncia eacute a tentativa de salvar uma causa perdida que foi dada por anos como

perdida afinal como defender o pensador que natildeo quer disciacutepulos que confessa

seu crime sem pudor ele quer destruir os iacutedolos e a justiccedila e o Direito se constroacutei

sobre iacutedolos Como ser advogado de Nietzsche Como ser advogado desse

louco Que se confessa louco26 jaacute que eacute tido pela sociedade assim a qual tem o

poder de condenar o juiz fala pela sociedade investido por ela da autoridade

puacuteblica para assujeitar ao estatuto da lei Nietzsche fala por paraacutebolas e pela boca

de seu personagem Zaratustra as pessoas natildeo entendem o que ele fala como

salvar Nietzsche de sua condenaccedilatildeo Como tiraacute-lo das sombras Eacute preciso

denunciar que esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo

fornecidos por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios27 o que natildeo permite nem

sequer alegar a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria

com base num atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores

querem impingir Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de

uma longa histoacuteria de estelionatos cometidos contra Nietzsche

25 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 62

26 Nietzsche certamente se sentiria lisonjeado vendo-se considerado louco ele que sublinhou opapel da loucura nas grandes revoluccedilotildees espirituais (em Aurora) e que se propunha iniciar a maiordelas p 134 Cf posfaacutecio de Paulo Ceacutesar de Souza In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Eccehomo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia dasLetras 1995

27 A propoacutesito escreve Carlos Henrique de Escobar organizador de Por que Nietzsche ldquose justificanatildeo apenas como mais um dos renascimentos filosoacuteficos deste pensador Mas na tentativa agoraradical (Deleuze Klossowski Lyotard Colli e Montinari) de assegurar a pureza e a forccedila de seupensamento De restituiacute-lo das ldquoleiturasrdquo apropriadoras que as filosofias mesmas que ele combateu(platonismos cristianismos hegelianismos direitismos de todos os tipos etc) tecircm sustentado arespeito da sua filosofia desde o ldquosurtordquo de Turim ateacute os nossos diasrdquo p 7

9

Eacute preciso advogar o seu pensamento sem fundamentalismo tiacutepico das

seitas dos grupos dos partidos fundamentalismo que cria iacutedolos e alccedilar

Nietzsche a condiccedilatildeo de iacutedolo seria uma contradiccedilatildeo performativa ao seu proacuteprio

compromisso filosoacutefico de destruiacute-los isso seria condenaacute-lo de antematildeo e o

reconhecimento da falecircncia do empreendimento da defesa antes de comeccedilar

Para aleacutem dos fundamentalismos cabe advogar o pensamento de Nietzsche

como exerciacutecio argumentativo de combate agraves pretensotildees sustentadas por aqueles

que baniram Nietzsche das academias seja voluntariamente ou

involuntariamente ao privilegiar o pensamento sistemaacutetico metafiacutesico dialeacutetico (e

jaacute me disseram que a dialeacutetica resolveu todos os problemas da histoacuteria da

filosofia) e o proacuteprio estatuto de filoacutesofo eacute questionado sobre Nietzsche talvez ele

mesmo natildeo seja um filoacutesofo como informa Deleuze28 Eacute preciso apanhar a forccedila e

a intensidade de Nietzsche para inverter os argumentos de acusado passar para

acusador inverter os papeacuteis se Nietzsche foi condenado e banido do Direito como

pensador do Poder cabe restituir o seu lugar ou abrir forccedilosamente um lugar

mesmo que isso custe o reconhecimento das fraturas e as (in)suficiecircncias do

discurso juriacutedico Para o empreendimento de defesa de Nietzsche seratildeo

convocados testemunhas de defesa os seus leitores os seus comentadores

claacutessicos e mais atuais mesmo que com testemunhos oferecidos em diferentes

situaccedilotildees (lugares e compreensotildees) trata-se fazecirc-los convergir como

instrumentos de prova desse Nietzsche como filoacutesofo do Poder e estudioso do

Direito

O desafio natildeo eacute simples e ainda natildeo sou advogado sou bacharel mas

que seja uma tentativa que seja esse trabalho apenas um grito Pela liberdade

Daquele que estaacute no cadafalso dos autores malditos daquele que eacute deixado para

traacutes como sombra e poeira ou pior daquele que eacute lido indiretamente que soacute se

ouve falar pela boca dos outros e que tem seu legado expropriado para servir

28 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

10

como discurso ineacutedito e a gloacuteria alheia29 Natildeo se trata de devolver meacuterito ao

Nietzsche mas de um exerciacutecio de petulacircncia e inconformismo ao modo como as

coisas foram ditas ateacute entatildeo sobre ele e contra ele e ainda uma denuacutencia sobre o

que se calou

Enfim romper o silecircncio o que requer arriscar a proacutepria cabeccedila natildeo soacute

pela escolha de uma pergunta e natildeo de um tema para a monografia de conclusatildeo

de curso de Direito natildeo soacute pela recusa do recorte metodoloacutegico positivista e

tambeacutem pela escolha de um autor como Nietzsche e natildeo os velhos cacircnones

juriacutedicos vocecirc iraacute fazer uma tese de doutorado Natildeo farei meu exerciacutecio de

ldquotirociacutenio juriacutedico me arranjando nos meios limites como conseguir mesmo que

seja soacute um grito natildeo uma tese natildeo uma conclusatildeo Trabalhar como advogado de

Nietzsche exige se colocar a deriva dialogando com a sua proacutepria subjetividade

ldquofiacutesica da paixatildeordquo testando na sua proacutepria carne vivendo a experiecircncia de si

ousar o nomadismo a viagem dentro e fora que eacute intertransdisciplinar afinal

argumentos onde os achar

Nietzsche eacute um dos ldquobens quase universaisrdquo do traacutegico e sua constantepulsaccedilatildeo para aleacutem das ordens das disciplinas e dos sentidosSuaforccedila eacute manter-se veneno e resistir agraves perlaboraccedilotildees (muacuteltiplas eeficazes) da produccedilatildeo e reproduccedilatildeo Nietzsche eacute sempre agora eoacuterfatildeoTudo isso enfim que me impede de ler Nietzscheldquometodologicamenterdquo como jaacute disse como se coubesse situa-lo naseacuterie diferenccedilas multiplicidades perspectivismos afirmaccedilotildeesNatildeocertamente Nietzsche natildeo faz parte da ldquofilosofiardquo ndash ele pertence aosmateriais do pensamento ndash e eacute preciso hoje que aqueles que seaproximam de Nietzsche o saibam E pensamento aqui materiais dopensamento como uma fiacutesica da paixatildeo (o que vai por nossa conta)Cf ESCOBAR sano p 75-76)

Eacute preciso ir fora mesmo permanecendo dentro30 eacute preciso confundir os

censores fazer passar por monografia uma defesa ou fazer da defesa a proacutepria

29 Significa que talvez aquilo que o direito apanha de Foucault dos pensadores da Escola deFrankfurt como Benjamin e agora de Agamben natildeo seja original deles mas de Nietzsche e estenatildeo eacute lido de forma alguma

30 O nocircmade natildeo eacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetio viagens emintensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeo os que se movem agrave maneira dosmigrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeo se movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar nomesmo lugar escapando aos coacutedigos Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 17

11

monografia um trabalho subterracircneo para defender esse psicoacutelogo das

profundezas Quiccedilaacute todo esse esforccedilo seja apenas a minha justificativa de Por

que ler Nietzsche no Direito

Para comeccedilar a articular uma defesa de Nietzsche no Direito como

estudioso das relaccedilotildees de poder algueacutem que as interroga que levanta a potecircncia

da questatildeo eacute importante primeiro demonstrar o que se trata o anuacutencio da ldquomorte

de Deusrdquo contra aqueles que o acusam de ateiacutesmo de ser herege eacute importante

demonstrar que essa eacute a maior demonstraccedilatildeo de feacute possiacutevel porque Nietzsche

critica os aspectos ciacutenicos da Igreja jaacute que sua criacutetica eacute um ataque agraves instituiccedilotildees

e ao Poder que elas sustentam mas a sua criacutetica natildeo eacute apenas negativa ela

tambeacutem positiva Nietzsche quer que dos escombros surja alguma coisa A ldquomorte

de Deusrdquo eacute a morte do ldquoesclarecimentordquo do projeto da Modernidade suas

promessas seus universalismos Eacute preciso apontar a ousadia de sua criacutetica

quando a Europa vivia o comeccedilo dos nacionalismos a crenccedila no projeto kantiano

e hegeliano de filosofia o que inclui os movimentos poliacuteticos de entatildeo o

marxismo o anarquismo etc demonstrar nessa primeira etapa o Nietzsche criacutetico

da Modernidade se faz para apontar a sua forccedila poliacutetica daquele que recusa os

engajamentos partidaacuterios para um outro tipo Ao resgatar a criacutetica nietzscheana

da Modernidade mesmo que se amparando na voz de suas testemunhas seus

leitores claacutessicos o que se faz eacute lembrar ao Direito a virulecircncia de seus ataques

que satildeo ao Poder representado tambeacutem pelo Direito e suas mitologias os ideais

sagrados que lhe fornecem legitimidade

Eacute o momento estrateacutegico para desmistificar as leituras apoliacuteticas de seu

pensamento tambeacutem Falar da ldquomorte de Deusrdquo eacute tocar o problema do niilismo os

outros grandes temas nietzscheanos satildeo a vontade de poder a genealogia o

eterno retorno e a transvaloraccedilatildeo dos valores31 todos eles exigiriam um trabalho

soacute para eles ainda mais numa loacutegica do ldquorecorterdquo acadecircmico desde logo esse

trabalho natildeo eacute um recorte natildeo irei esquartejar ou ldquodespostejarrdquo aquele que estou

a defender ldquoNietzscherdquo

31 A ldquotransvaloraccedilatildeo dos valoresrdquo eacute traduzida ainda como ldquotransmutaccedilatildeordquo ou na traduccedilatildeo de PauloCeacutesar de Souza como ldquotresvaloraccedilatildeordquo

12

Trata-se de defendecirc-lo sem ldquorecortesrdquo ateacute porque nessas condiccedilotildees

qualquer recorte seria arbitraacuterio e criminoso isso exige que o empreendimento

deste trabalho se decirc como passagem pelos temas nietzscheanos natildeo para ficar

neles mas para atravessaacute-los esse eacute o movimento de leitura de Nietzsche que se

daacute em movimento de signos eacute o texto que anda nocircmade para iniciar a segunda

etapa da estrateacutegia deste trabalho que eacute a criacutetica da linguagem do Direito como

criacutetica ao Poder por traacutes dos conceitos se esconde uma moral A qual conduz o

direito a seu ocaso ao crepuacutesculo de suas verdades32 e o jogo consiste em

quantas dinamites satildeo necessaacuterias para explodir o fundamento de onde surgem

os valores na busca de uma possiacutevel aurora ao direito O que interessa eacute fazer a

apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem33 enquanto jogo de intensidades que

corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe outro sentido uma hermenecircutica do

fragmento para colar se deve usar a tinta pessoal seria o sangue o proacuteprio Ou

para natildeo assustar os jurados que se use a metaacutefora daquele que trabalha um

mosaico cortando e recortando revistas jornais e com o uso de cola pincel e

tinta vai sujar os proacuteprios dedos na atividade e que assim seja pois se implica no

que faz haacute um comprometimento eacutetico no sentido niezstcheano com a

bricolagem como empreendimento de uma vontade de poder que agenciou-se

das peccedilas eacute como uma fabriqueta de bombas que se deve compreender essa

bricolagem que fornece recursos criativos para novas explosotildees com um tipo de

dinamite que natildeo se perde ao estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser banido e

nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que ldquoseu

pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente nos

aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito certamente

32 Eacute uma alusatildeo agrave obra ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo de Nietzsche e tambeacutem a sua criacutetica a ldquovontadede verdaderdquo tiacutepica da racionalidade moderna

33 A bricolagem eacute enunciada por Levi-Strauss no seu Pensamento Selvagem acerca do trabalhodo mitopoeacutetico em que tudo pode sempre servir A sua presenccedila no trabalho um estruturalistaquer significar a ruptura com a leitura metodoloacutegica de Nietzsche que o compreende dentro deuma corrente ou ldquotimerdquo natildeo se trata de reforccedilar a imagem de Nietzsche poacutes-moderno poacutes-estruturalista mas de utilizar-se das mais variadas saiacutedas argumentativas para defenderNietzsche para aleacutem de bem e mal para aleacutem dos ldquotimesrdquo

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natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquo34 aponta

Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos o acusam e

o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lo mesmo ao

custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deve ser

problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso que natildeo

iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre35 iraacute rir do carrasco que lecirc as

acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria a

condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute ainda

motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacute

ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho a loacutegica natildeo seraacute a do que foi citado muita

coisa se deixou de citar mas natildeo deixaram de influenciar a escrita deste trabalho

por isso seratildeo referenciadas tambeacutem jaacute que o ldquorizomardquo eacute algo que se ramifica

para fora da ldquomoldurardquo Este trabalho precisa ser superado tambeacutem entatildeo

conteraacute referecircncias que fornece caminhos para ir aleacutem A constituiccedilatildeo dele eacute por

platocircs os quais podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico

Quem foi Nietzsche Breviaacuterio de acusaccedilotildees

Nietzsche ldquoo loucordquo ldquoo nazistardquo ldquoo anarquistardquo ldquoo apoliacuteticordquo ldquoo heregerdquo ldquoo

idealista romacircnticordquo ldquoo filoacutesofo da literaturardquo ldquoo metafiacutesicordquo ldquoo intelectual da

burguesiardquo ldquoo irracionalistardquo entre outras acusaccedilotildees talvez poucos tenham

34 ldquoOs que lecircem Nietzsche sem rir e sem rir muito sem rir frequentemente e agraves vezes com um risolouco eacute como se natildeo lessem Nietzscherdquo p 15 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

35 Ambos iratildeo se converter ao cristianismo no final da vida O que eacute bastante curioso no caso deSartre que se notabilizou como um dos expoentes do existencialismo ateu

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recebido tantas e tatildeo diacutespares acusaccedilotildees como Nietzsche o que torna urgente a

tarefa de uma leitura cuidadosa de seus escritos a do bom filoacutelogo que deve

prestar atenccedilatildeo nos sentidos muacuteltiplos das palavras dos neologismos e da

paroacutedia o primeiro desafio eacute o da linguagem para isso eacute preciso ldquoruminarrdquo o

proacuteprio Nietzsche nos fala36 Tantas e tatildeo distantes acusaccedilotildees quiccedilaacute resultado da

audaacutecia desse pensador que ousou derrubar iacutedolos mobilizando a criacutetica para

diferentes acircngulos certamente muitos foram os que se sentiram atingidos pelo

seu perspectivismo a reaccedilatildeo eacute cada um a seu modo dar uma satisfaccedilatildeo aos

seus pares acusando Nietzsche de alguma coisa sempre a convir com sua opccedilatildeo

ideoloacutegica e teoacuterica a fim de defender a sua posiccedilatildeo melhor o seu dogma37 a sua

confraria assim involuntariamente contribuiacuteram para criar a figura de Nietzsche

como um ldquoinimigordquo a ser exorcizado e banido de algum modo mesmo ao custo de

uma apropriaccedilatildeo tentando apanhaacute-lo de algum modo enjaulaacute-lo condenaacute-lo ao

ostracismo acadecircmico Enfim tantas acusaccedilotildees e condenaccedilotildees ao inveacutes de

conseguirem seu intento destruir o pensamento Nietzsche enredando-o nas

malhas de seus julgamentos acabou por fortalececirc-lo mas como O

transformaram no ldquoinimigordquo de quase todas as confrarias Seraacute que ele estava

certo ao dizer que aquilo que natildeo o matava o fortalecia De qualquer modo natildeo

comecemos o estudo do Caso Nietzsche sem antes fazer um breviaacuterio de suas

acusaccedilotildees passemos pelas imputaccedilotildees e responsabilizaccedilotildees que seu

pensamento recebeu E assim voltar agrave pergunta Quem foi Nietzsche

Ele foi um ldquoloucordquo

Em janeiro de 1889 aos 44 anos de idade o pensador que escrevia por

aforismas abraccedila um cavalo que estava sendo chicoteado pelo seu dono a cidade

36 ldquoEacute certo que praticar desse modo a leitura como arte faz-se preciso algo que precisamente emnossos dias estaacute bem esquecido ndash e que exigiraacute tempo ateacute que minhas obras sejam ldquolegiacuteveisrdquo - para o qual eacute imprescindiacutevel ser quase uma vaca e natildeo um ldquohomem modernordquo o ruminarrdquo p 14-15 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998

37 Vale nota para a pretensatildeo de criar conceitos ontoloacutegicos tiacutepica da racionalidade moderna Eainda sobre as acusaccedilotildees serve a loacutegica freudiana de que se impotildee algo ao outro para excluiacute-lona tentativa de ignorar aquilo que natildeo quer ver em si proacuteprio

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era Turim na Itaacutelia Nietzsche voltando a sua hospedagem desanda a escrever

cartas para as poucas pessoas que conheciam e lhe davam atenccedilatildeo seus livros

natildeo vendiam vivia aqui e ali de favores e de uma pequena quantia que recebia de

sua aposentadoria da caacutetedra de filologia na Basileacuteia a qual abandonou por

problemas de sauacutede principalmente de visatildeo dores de cabeccedila que sempre o

acompanharam desde a juventude Em suas cartas assina com nomes diferentes

assumindo muacuteltiplas identidades Os que recebem os bilhetes se assustam e

quando chega algueacutem onde ele estaacute encontra um Nietzsche mergulhado no

silecircncio emitindo sons inaudiacuteveis Levado a uma cliacutenica para tratamento eacute

internado deixado em quarto fechado os depoimentos satildeo os de que Nietzsche a

noite uivava como um lobo38 o diagnoacutestico meacutedico da eacutepoca eacute a de que o seu

estado eacute degenerativo eacute a ldquoloucurardquo Em casa cuidado a princiacutepio por sua matildee

enquanto permanecia imoacutevel sentado olhando o horizonte infinito agraves vezes

gritava para silenciar novamente como as vagas do mar ningueacutem nunca mais

soube o que se passava com ele o que pensava o que queria era um homem

abandonado aos cuidados dos outros deixado numa cama vai servir de espeacutecime

para a exibiccedilatildeo dos curiosos39 muitos queriam saber quem era o ldquoloucordquo

Nietzsche E quem cobrava o ingresso desses visitantes era a proacutepria irmatilde dele a

Sra Elisabeth quem ldquocuidaraacuterdquo do espoacutelio intelectual do irmatildeo e vai administrar de

um modo muito peculiar ela era alinhada que com os ideais anti-semitas e

simpatizante do nazismo

Muito provaacutevel mas natildeo certo eacute a hipoacutetese de que Nietzsche tenha

contraiacutedo siacutefilis na juventude numa saiacuteda pelos bordeacuteis da antiga Pruacutessia40

quando cumpriu serviccedilo militar obrigatoacuterio e que o seu colapso tenha sido a

38 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

39 ldquoNa Villa Silberblick em Weimar onde desde 1897 ficava o Arquivo Nietzsche a irmatilde mandarainstalar um estrado onde se apresentava ao puacuteblico como maacutertir do espiacuterito um Nietzsche absortoem si mesmo A irmatilde era suficientemente wagneriana para conseguir extrair efeitos sublimes earrepiantes do destino do irmatildeo p 291-292 Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia deuma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 200540 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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manifestaccedilatildeo avanccedilada da doenccedila a qual jaacute vinha afetando o seu organismo

provocando algumas interrupccedilotildees na sua produccedilatildeo intelectual como atestam

algumas de suas cartas Se a sua obra estaacute contaminada pela ldquoloucurardquo ou que

ele a tenha produzido ela sob o efeito de narcoacuteticos alguns o acusam de usar

haxixe para aplacar as dores terriacuteveis de cabeccedila ao passo que outros afirmam

que Nietzsche sequer bebia aacutelcool e ainda natildeo recomendava que se bebesse

cafeacute para natildeo obscurecer o espiacuterito (isso o proacuteprio Nietzsche fala no Ecce

homo41) os bioacutegrafos e comentadores de Nietzsche natildeo chegam nunca ao

consenso mas ao que se sabe Nietzsche apaixonou-se por uma jovem russa de

20 anos chamada Lou Salomeacute a mesma que mais tarde iraacute se envolver com o

poeta Rainer Maria Rilke e tambeacutem se corresponderaacute com Freud Ela mesma iraacute

escrever um livro sobre o Nietzsche que conheceu Todavia Lou transformou-se

numa grande decepccedilatildeo para Nietzsche que ao pedi-la duas vezes em casamento

e recebendo a recusa tentou na uacuteltima o suiciacutedio com a ingestatildeo de remeacutedios

ficou muito mal mas natildeo morreu ao que parece o que natildeo lhe matava o

fortalecia42 Tomado de um ecircxtase criativo em 10 dias Nietzsche iraacute escrever a

primeira parte de o Assim falou Zaratustra E natildeo iraacute parar mais de escrever a sua

uacuteltima obra vai ser a sua confissatildeo autobiograacutefica Ecce homo ou como se tornar

aquilo que se eacute E o colapso deixaraacute a reticecircncia como o final de sua escrita em

nomes muacuteltiplos imagens diacutespares tantas como as acusaccedilotildees que receberaacute Se

Nietzsche vivia em estado depressivo e de ldquobipolaridaderdquo com alteraccedilotildees de

humor como vai descrever Lou em seu livro o que suscitaraacute as interpretaccedilotildees

daqueles que vatildeo apontar que se Nietzsche tivesse conhecido Freud este o teria

curado isso jaacute rendeu um best-seller43 mas tatildeo estreita eacute essa visatildeo ou mais essa

imputaccedilatildeo ao Nietzsche como ldquodoenterdquo que vai expor Foucault que Freud teria

41 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

42 Cf HALEacuteVY ibidem

43 Trata-se do livro ldquoquando nietzsche chorourdquo de Irvin Yarlon que jaacute rendeu um filme homocircnimo Eacutepreciso criticar essa obra como uma ficccedilatildeo que confunde aqueles que natildeo conhecem os textos deNietzsche e sua biografia aleacutem de explorar o contato de Nietzsche com Freud e a psicanaacutelise quenunca houve tambeacutem aponta para um Nietzsche amargurado e ressentido o que depotildeeprofundamente contra a sua filosofia da afirmaccedilatildeo da vida

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rechaccedilado essa hipoacutetese curar Nietzsche de que Esse eacute um assunto que

alimenta outras polecircmicas sobre o silecircncio que Freud guardou de Nietzsche natildeo

o mencionando nem sequer em cartas enquanto eacute sabido que conhecia o

pensamento dele e mais ainda a mulher que o levou ao desespero44 Segundo

Paulo Ceacutesar de Souza45

Em 1908 numa das reuniotildees semanas da pequena SociedadePsicanaliacutetica de Viena na casa do dr Sigmund Freud o tema propostopara discussatildeo foi Ecce homo Durante a reuniatildeo ndash que tratou sobretudodo ldquocasordquo Nietzsche natildeo de suas ideacuteias ndash Freud fez trecircs observaccedilotildees deinteresse Disse que o livro natildeo podia ser desconsiderado como produtode insacircnia porque nele se preservava o domiacutenio da forma Disse queningueacutem havia antes alcanccedilado e dificilmente algueacutem tornaria aalcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo alcanccedilado por Nietzsche devido agravesemelhanccedila entre as percepccedilotildees do filoacutesofo e as investigaccedilotildees dapsicanaacutelise (evitava-o para preservar a independecircncia de espiacuterito) edevido agrave riqueza de ideacuteias daquelas obras que o impedia de ler maisque metade de uma paacutegina ()

Curiosamente Nietzsche no Aleacutem de Bem e Mal no aforisma 23 iraacute

proclamar a psicologia como rainha das ciecircncias e se dizer um psicoacutelogo das

profundezas (talvez influenciado pela obra de Dostoieacutevski memoacuterias do subsolo)

Eacute preciso descer ateacute o inconsciente Freud sabia que Nietzschetrabalhara aplicadamente nisso antes dele Em sua autobiografia eleescreve que por muito tempo evitara os textos de Nietzsche porquemuitas vezes as ideacuteias e intuiccedilotildees deste () coincidiamespantosamente com os laboriosos resultados da psicanaacutelise Porquequeria alcanccedilar reputaccedilatildeo cientiacutefica ateacute entre as ciecircncias naturais apsicanaacutelise reprimiu ser cerne esteacutetico-nietzschiano Isso significava natildeo

44 Ramnoux pergunta a Foucault ldquoA partir de 1910 Freud encetou relaccedilotildees com Lou Salomeacute semduacutevida fez um ensaio ou uma anaacutelise didaacutetica de Lou Salomeacute Portanto devia existir atraveacutes deLou Salomeacute uma espeacutecie de relaccedilatildeo meacutedica entre Freud e Nietzsche Poreacutem Freud natildeo podiafalar dela O que acontece de fato eacute que tudo o que Lou Salomeacute publicou depois no fundo fazparte de sua anaacutelise interminaacutevel Haveria que entendecirc-lo nesta perspectiva Prosseguindoencontramos no livro de Freud Moiseacutes e o Monoteiacutesmo onde haacute uma espeacutecie de diaacutelogo entreFreud e o Nietzsche da Genealogia da Moral Como pode observar exponho vaacuterios problemassabe vocecirc algo mais Responde Foucault ldquoNatildeo rigorosamente natildeo sei mais nada Com efeitosurpreendeu-me o estranho silecircncio agrave parte uma ou duas frases de Freud sobre Nietzscheinclusive na sua correspondecircncia Isto eacute algo de verdadeiramente enigmaacutetico A explicaccedilatildeo pelaanaacutelise de Lou Salomeacute eacute de fato de que natildeo poderia dizer maisrdquo Cf p 39-40 Debate doColoacutequio do Royaumont In FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud eMarx Paris 197545 Posfaacutecio de Ecce homo p 133 In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutemse torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

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se queria admitir que nessas teorias sobre a alma havia em jogo maisinventar do que encontrar O proacuteprio Nietzsche jamais duvidara dissopara ele a vontade de saber - natildeo soacute na investigaccedilatildeo da alma - ligava-sesempre agrave forccedila imaginativa A comunidade psicanaliacutetica estimulada porNietzsche no comeccedilo manteve distacircncia dele para sua proacutepria grandedesvantagem Nietzsche tinha a intuiccedilatildeo e sobretudo a linguagem para oaltamente diferenciado processo pulsional na fronteira do inconscienteCf SAFRANSKI 2005 p 295-296)

O expediente da ldquofisio-psicologiardquo nietzscheana em sua estrateacutegia

genealoacutegica eacute o de colocar em duacutevida o valor dos valores ou o proacuteprio

fundamento dos valores cabe assim das imputaccedilotildees ldquoo loucordquo ldquoo doenterdquo ldquoo

toxicocircmanordquo fazer a pergunta sobre a origem desses conceitos e a de quem

acusa Devolver a imputaccedilatildeo como questatildeo aos acusadores A ldquoloucurardquo eacute mais

um conceito inventado como os demais para apanhar a subjetividade no controle

incitando uma possiacutevel cura sinalizando a ldquonormalidaderdquo como regra diria

Foucault46 Julgar a sanidade na produccedilatildeo filosoacutefica de um autor eacute para natildeo

cometer injusticcedila a tarefa de submeter toda a histoacuteria da filosofia ao mesmo

exame cliacutenico da ldquonormalidaderdquo daqueles que julgam aiacute quem satildeo os ldquoloucosrdquo e

os ldquoluacutecidosrdquo quem deteacutem a luz para julgar Talvez seja preciso desconfiar dos

acusadores antes de fazer o estudo das imputaccedilotildees que dirigem a Nietzsche

Incluindo os responsaacuteveis pelas acusaccedilotildees mais rasteiras como a do Nietzsche

zooacutefilo pois teria um amor excessivo pelos animais o que o motivou a agarrar-

se ao cavalo em Turim assim tentam buscar respostas alguns acusadores mais

inescrupulosos Quiccedilaacute eles busquem em Nietzsche uma justificativa ilustre para a

sua proacutepria zoofilia ou agem com a maacute-feacute dos estelionataacuterios Nietzsche natildeo

era defensor dos animais como se sabe que Schopenhauer o foi mas comparava

o homem a um animal47

Nesse sentido eacute possiacutevel ler o episoacutedio de Turim48 como o momento em

46 Segundo Roberto Machado no seu prefaacutecio ldquopor uma genealogia do poderrdquo ldquoeacute o hospiacutecio queproduz o louco como doente mental para Foucault personagem individualizadordquo Cf p 19 InFOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 197947 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 p 1948 A 3 de janeiro de 1889 Nietzsche sai de casa Na Piazza Carlo Alberto observa um cocheirobater em seu cavalo Nietzsche se joga no pescoccedilo do animal chorando para o proteger p 289

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que um animal chicoteava outro sendo este o cavalo que carrega nas costas o

ocircnus do trabalho que soacute daacute lucro para o ldquoanimal chicoteadorrdquo que age no miacutenimo

com bastante ingratidatildeo (em Assim Falava Zaratustra Nietzsche fala das trecircs

transmutaccedilotildees de que para superar o homem proacuteximo ao animal eacute preciso que

saiba antes ser um carregador o exemplo dado eacute o do camelo que carrega o

peso dos valores estabelecidos somente aprendendo e conhecendo o ofiacutecio do

carregador pode o homem atravessar a ponte que o separa do aleacutem-do-

homem49) O cavalo por ser um carregador aleacutem de suportar sua condiccedilatildeo de

animal ferramenta de transporte ainda carrega os outros mesmo o chicoteador

que se julga muito superior a ele e que sendo o seu dono leva todo o lucro do seu

ofiacutecio de carregador devolvendo o chicote como pagamento Nietzsche ao

caminhar pelas ruas de Turim vecirc a cena e se potildee na frente do chicoteador que se

vecirc obrigado a interromper o castigo ao animal Natildeo se trata de piedade ou de

amor excessivo zooacutefilo como querem acreditar os compassivos e os verdadeiros

zooacutefilos que acusam querendo trazer o filoacutesofo para o seu time entrar na

frente do supliciador de matildeos nuas foi um ato de coragem e o modo encontrado

para tomar parte naquela luta em que um animal chicoteava o outro de modo

bastante covarde sendo o outro mais forte e mais pesado soacute podia estar

amarrado e preso pois apanhava sem poder fugir Nietzsche interveacutem natildeo para

impedir nada compassivamente mas para lutar ao lado de um nobre

carregador contra o animal chicoteador natildeo eacute defesa de animais que se fala

mas de lutar ao lado de um companheiro (Zaratustra tinha apenas dois

companheiros que lhe seguiam natildeo sendo seus disciacutepulos era a aacuteguia e a

serpente50) eacute assim que Nietzsche luta pondo-se a frente com o que tem no

momento o proacuteprio corpo correndo o risco de apanhar tambeacutem e de perecer

como seu companheiro animal carregador O colapso de Turim eacute como

Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo PauloGeraccedilatildeo Editorial 200549 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p 51-53

50 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

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descrevem esse Nietzsche que se agarra ao cavalo como um ato de insanidade

assim julgam esses supostos meacutedicos acusadores ou seriam benzedores da

verdade afinal nem sequer analisaram Nietzsche mas fornecem diagnoacutestico sem

sequer ter tocado no paciente satildeo assim benzedores e curandeiros pois

ministram a medicina da verdade sem os criteacuterios meacutedicos e portanto

deveriam ser denunciados por charlatanismo Jaacute que sem a possibilidade do

exame cliacutenico do paciente para se falar de Nietzsche e levantar hipoacuteteses sobre

ele antes deveriam os acusadores travestidos de meacutedicos ao menos ter lido o

que ele escreveu

Esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo fornecidos

por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios o que natildeo permite nem sequer alegar

a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria com base num

atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores querem impingir

Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de uma longa histoacuteria

de estelionatos cometidos contra Nietzsche

Ele foi um intelectual do nazismo

Mais adequado seja dizer que Nietzsche foi apropriado pelo nazismo

trazido para as malhas vestiram nele a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees

ideoloacutegicas e quem fez esse favor ao movimento nacional-socialista foi a proacutepria

irmatilde de Nietzsche a Sra Elisabeth Pouco antes de voltar a Europa e encontrar o

irmatildeo ldquodoenterdquo teria empreendido viagem com o cunhado de Nietzsche para o

Paraguai com o fim de fundar uma colocircnia chamada Nova Germacircnia a qual teria

por objetivo propagar o ideaacuterio do movimento nacional-socialista e tambeacutem o anti-

semitismo contudo o empreendimento natildeo daacute certo o cunhado de Nietzsche iraacute

se suicidar e Elisabeth viuacuteva voltaraacute para ldquocuidarrdquo de Nietzsche51 Ao que se sabe

por cartas eacute que Nietzsche jaacute se incomodava com as maacutes compreensotildees que

faziam do seu pensamento irritava que natildeo o entendessem ou melhor que natildeo o

soubessem ler o que vai motivaacute-lo a escrever no Ecce homo ldquoouccedilam ouccedilam-me

51 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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eu sou tal e tal e portanto natildeo me confundamrdquo numa eacutepoca que seus livros natildeo

vendiam chegou a financiar do proacuteprio bolso com seus parcos recursos a

publicaccedilatildeo de um dos livros de seu Zaratustra um intelectual judeu de projeccedilatildeo na

criacutetica literaacuteria o estenderaacute a matildeo eacute Georg Brandes Nietzsche iraacute nutrir profunda

gratidatildeo a esse judeu52 o qual iraacute ajudar na divulgaccedilatildeo do pensamento dele pela

Europa do Norte principalmente

Tambeacutem o anti-semitismo procurou apoio em Nietzsche Sobre esseproblema jaacute se disse quase tudo Eacute inegaacutevel que Nietzsche foi anti-anti-semita porque para ele o anti-semitismo representava figuras odiadascomo seu cunhado Bernhard Foumlster e sua proacutepria irmatilde Ele desprezavaos componentes populares e nacionais alematildees Via no movimento anti-semita dos anos oitenta a rebeliatildeo dos mediacuteocres que injustificadamentebancavam os senhores apenas por se sentirem arianos Diante dessesanti-semitas Nietzsche estava disposto ateacute mesmo a afirmar o valorracial alto dos judeus e defendecirc-lo (Cf SAFRANSKI 2005 p 309)

Tambeacutem assim todos os fragmentos e cartas em que Nietzsche atacava

as pretensotildees anti-semitas e o ideaacuterio da ldquoraccedila arianardquo defendidos pelo nacional-

socialismo seratildeo suprimidos pela Sra Elisabeth que ainda publicaraacute uma obra

que Nietzsche nunca escreveu chamada Vontade de Potecircncia a qual se

constituiraacute de um arranjo arbitraacuterio de fragmentos53 de Nietzsche e ainda outras

partes reescritas por ela com colaboradores seus pares do movimento o que

52 Nietzsche exprime sua gratidatildeo a Georg Brandes de uma maneira bastante reveladora em umacarta em que escreve ldquoTudo o que ainda deveremos a esses senhores judeusrdquo O elogio ao judeuBrandes constituindo de maneira impliacutecita um ataque contra o anti-semitismo em plena ascensatildeono Reichrdquo Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de JaneiroRelume Dumaraacute 1994 p 20

53 Vale nota para o que afirma Deleuze a propoacutesito das falsificaccedilotildees do texto de Nietzsche O queaprendemos antes de tudo neste coloacutequio eacute quanto havia em Nietzsche de coisas escondidasdisfarccediladas Por vaacuterias razotildees Em primeiro lugar por razotildees de ediccedilatildeo Natildeo tanto por haverfalsificaccedilotildees a irmatilde foi o parente abusivo que figura no cortejo dos pensadores malditos poreacutemseus principais danos natildeo constituem a falsificaccedilatildeo dos textos As ediccedilotildees existentes sofrem deleituras mal feitas ou deslocamentos e sobretudo de cortes arbitraacuterios operados na massa denotas poacutestumas A ldquoVontade de potecircnciardquo eacute um exemplo ceacutelebre Pode-se dizer tambeacutem quenenhuma ediccedilatildeo existente mesmo a mais recente satisfaz as exigecircncias criacuteticas e cientiacuteficasnormais Por isso o projeto de Colli e Montinari nos parece tatildeo importante editar enfim as notaspoacutestumas completas apoacutes a cronologia mais rigorosa posiacutevel seguindo periacuteodos quecorrespondem aos livros publicados por Nietzsche Acabaraacute entatildeo a sucessatildeo de um pensamentode 1872 e de outro de 1884 Colli e Montinari quiseram nos explicar seu trabalho a proximidade desua conclusatildeo e noacutes nos regozijamos de que a ediccedilatildeo deles surja tambeacutem em francecircsrdquo p 19Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade dePotecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Riode Janeiro Achiameacute sano

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faraacute de seu irmatildeo um intelectual do movimento ldquotraraacute honra a famiacuteliardquo a ela que

um dia receberaacute a visita do proacuteprio Hitler nos Arquivos Nietzsche em que daraacute a

ele a bengala do irmatildeo

No comeccedilo da primeira guerra Nietzsche jaacute era tatildeo popular que oZaratustra junto com o Fausto de Goethe e o Novo Testamento foipublicado numa ediccedilatildeo especial para os soldados do front num total decento e cinquumlenta mil exemplares (Cf SAFRANSKI 2005 p 301)

Toda essa fraude soacute seraacute desvendada definitivamente em meados da

deacutecada de 60 do seacuteculo XX pois jaacute se suspeitava de algo estranho com a

chamada ediccedilatildeo criacutetica das obras completas de Nietzsche inclusive dos seus

fragmentos e cartas empreendida pelos dois italianos Colli e Montinari que iratildeo

se empenhar como filoacutelogos no empreendimento de mostrar que ateacute falsificaccedilotildees

de texto e recortes nos escritos e ideacuteias apresentadas por Nietzsche foram feitos

por sua irmatilde e a ldquoequipe de estelionataacuteriosrdquo com o fim de enredar o irmatildeo na

camisa-de-forccedila do movimento deles

Os anti-semitas que Nietzsche desprezava podiam pois utilizar muitobem alguns dos pensamentos dele como estiacutemulo embora a imagem daraccedila senhorial ariana que projetassem natildeo correspondesse agrave imagem denobreza que Nietzsche usava a como ideacuteia diretora Foi o que tambeacutemse observou nos nacional-socialistas Usaram Nietzsche masmultiplicavam-se as vozes que preveniam do espiacuterito livre dele ErnstKrieck um influente filoacutesofo nacional-socialista sentenciou irocircnicoResumindo Nietzsche era um adversaacuterio do socialismo adversaacuterio donacionalismo e adversaacuterio da ideacuteia de raccedila Se omitirmos essas trecircsorientaccedilotildees intelectuais talvez ele tivesse dado um excelente nazista(Cf SAFRANSKI 2005 p 311)

Ele foi um ldquoanarquistardquo

Nietzsche ousou lanccedilar dinamite sobre ldquoiacutedolosrdquo dentre a constelaccedilatildeo

deles haacute tambeacutem o Estado ldquoesse monstro-friordquo54 O estado para Nietzsche natildeo

comeccedila como um contrato55 e sim por um ato de violecircncia de conquista e de

dominaccedilatildeo de um povo nocircmade e com o Estado comeccedilam as coisas ldquoboasrdquo

54 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

55 Idem p 75

23

inventadas para garantir a civilizaccedilatildeo como os governos as leis o Direito e com a

civilizaccedilatildeo o ldquohomem aprende a tapar o nariz diante de si mesmo e a se

envergonhar de suas propensotildeesrdquo56 o comeccedilo de tudo eacute um grande teatro da

mentira para Nietzsche por traacutes de todas essas coisas ldquoboasrdquo haacute muito sangue

derramado muita dor e sofrimento57 Essa leitura de Nietzsche iraacute favorecer a

apropriaccedilatildeo anarquista do seu pensamento Tanto que a primeira recepccedilatildeo que se

tem notiacutecia de Nietzsche no Brasil data do comeccedilo do seacuteculo XX com um grupo

de anarquistas de origem espanhola58

Contribui tambeacutem para essa interpretaccedilatildeo a figura do andarilho no seu

pensamento daquele que estaacute no mundo a proacutepria sorte Nietzsche foi um pouco

assim tambeacutem E ainda recai sobre ele a culpa sobre um suposto ateiacutesmo

militante A imputaccedilatildeo a Nietzsche de ser ldquoanarquistardquo deve ser devolvida aos

acusadores como mais um ldquoestelionato intelectualrdquo que ignora o conteuacutedo dos

seus escritos pervertendo-o afinal nos seus textos tambeacutem fala contra o

ldquoanarquismordquo como mais um iacutedolo a ser derrubado As leituras que acusam

Nietzsche de ldquonazistardquo ldquoanarquistardquo tentam estabelececirc-lo como fundamento

desses ldquomovimentosrdquo que natildeo se movimentam para aleacutem de suas certezas o que

privilegia os fundamentalismos as seitas e a manutenccedilatildeo das confrarias as mais

diacutespares o que deve ser denunciado como um crime de ldquoestelionato intelectualrdquo

pois o proacuteprio pensamento de Nietzsche foi possiacutevel enquanto criacutetica radical dos

fundamentos

Ainda recai sobre Nietzsche a imputaccedilatildeo de ldquoapoliacuteticordquo em um de seus

aforismas escreve ldquoEu sou o uacuteltimo alematildeo apoliacuteticordquo59 mais uma vez parece

56 Ibidem

57 Ibidem

58 Cf MARTON Scarlett Extravagacircncias ensaios sobre a filosofia de Nietzsche Satildeo PauloDiscurso editorial 1999 sp

59 Nietzsche diz isso por ocasiatildeo do nacionalismo do Estado Bismarckiano natildeo quer se sentir partedaquela poliacutetica Por outro lado sou talvez mais alematildeo do que ainda podem ser os alematildees dehoje meros alematildees do Reich ndash eu o uacuteltimo alematildeo antipoliacuteticordquo p 26 Cf SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

24

difiacutecil o empreendimento de defesa de algueacutem que o tempo todo ldquoproduz provas

contra si mesmordquo ldquoEu preferiria ser um bufatildeo a um santordquo (Ecce homo) Mas

tudo isso continua sendo a tentativa de inserir Nietzsche numa malha conceitual a

servir ao ldquomovimentordquo de algueacutem Ao que parece essas apropriaccedilotildees ligeiras de

Nietzsche que se fundam numa raacutepida leitura de seus aforismas tendem a

esquecer a recomendaccedilatildeo de Zaratustra aos seus ldquodisciacutepulosrdquo para natildeo segui-lo

cegamente afinal ldquoZaratustra natildeo quer ser um pastor eacute antes de tudo um

bandido um criminosordquo (Assim falou Zaratustra) Nietzsche natildeo quer ser alccedilado a

condiccedilatildeo de iacutedolo ou liacuteder de uma causa o que faraacute o seu Zaratustra dizer que

prefere companheiros a disciacutepulos que o ldquosigam na condiccedilatildeo de estarem

seguindo a si mesmosrdquo (Assim falou Zaratustra) Essa seria a ldquoapoliacuteticardquo

nietzscheana contra aquilo que se diz ldquopoliacuteticardquo que se sente no direito de se

chamar de ldquopoliacuteticordquo como se julgam ldquonormaisrdquo e ldquoverdadeirosrdquo mais do que os

outros A imputaccedilatildeo de Nietzsche como ldquoapoliacuteticordquo deve ser devolvida aos

acusadores com a pergunta sobre quem satildeo os ldquoseres poliacuteticosrdquo

Ele foi o homem que matou Deus

Essa eacute uma das mais conhecidas imputaccedilotildees a Nietzsche a de ldquoheregerdquo

jaacute pintaram as paredes da Sorbone um dia com a frase ldquoNietzsche matou Deus e

Deus matou Nietzscherdquo Uma das obras capitais de Nietzsche eacute O Anticristo cujo

tiacutetulo jaacute eacute motivo para uma acusaccedilatildeo automaacutetica A leitura de um suposto ateiacutesmo

em seu pensamento demanda a pergunta sobre quem a faz e que interesse tem

nela Com o anuacutencio da ldquomorte de Deusrdquo Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia

ou natildeo de Deus portanto jaacute natildeo se trata de um ldquoateiacutesmordquo ou ldquoceticismordquo afinal

para Nietzsche essa eacute a ldquopostura covarderdquo60 o que Nietzsche constata eacute o

fenocircmeno do niilismo da ausecircncia de valor nos valores absolutos se Deus estaacute

morto natildeo foi Nietzsche quem o matou foi o proacuteprio homem ldquoDeus estaacute morto e

fomos noacutes que o matamos somos assassinos de Deus as Igrejas satildeo tuacutemulos

delerdquo dizia o homem ldquoloucordquo ou seria de acordo com as traduccedilotildees o homem

60 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

25

perturbado por uma torrente de lucidez ou ainda possuiacutedo que fala na Gaia

Ciecircncia no aforisma 125

O louco Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna empleno dia e saiacutea correndo pela praccedila puacuteblica gritando sem cessarldquoProcuro Deus Procuro Deusrdquo Mas como ali havia muitos que natildeoacreditam em Deus o seu grito provocou grande riso ldquoTeraacute se perdidocomo uma crianccedilardquo dizia um ldquoEstaraacute escondido Teraacute medo de noacutesTeraacute viajado Teraacute emigradordquo Assim gritavam e riam todos ao mesmotempo O louco saltou no meio deles e trespassou-os com o olhar ldquoParaonde foi Deusrdquo exclamou eacute o que lhes vou dizer Matamo-lovocecircs eeu Somos noacutes noacutes todos os seus assassinos Mas como dizemosisso Como conseguimos esvaziar o mar Quem nos deu esponja paraapagar o horizonte inteiro O que fizemos quando rompemos com acorrente que ligava esta terra ao Sol Para onde vai ela agora Paraonde vamos noacutes proacuteprios Longe de todos os soacuteis Natildeo estaremosincessantemente caindo Para diante para traacutes para o lado para todosos lados Haveraacute ainda um acima um abaixo Natildeo estaremos errandoatraveacutes de um vazio infinito Natildeo sentiremos na face o sopro do vazioNatildeo faraacute mais frio Natildeo aparecem sempre noites cada vez mais noitesNatildeo seraacute preciso acender os candeeiros logo de manhatilde Natildeo ouvimosainda nada do barulho que fazem os coveiros que encerram DeusAinda natildeo sentimos nada da decomposiccedilatildeo divina Os deuses tambeacutemse decompotildeem Deus morreu Deus continua morto E fomos noacutes que omatamos Como havemos de nos consolar noacutes assassinos entreassassinos O que o mundo possui de mais sagrado e de mais poderosoateacute hoje sangrou sob nosso punhal quem nos haacute de limpar destesangue Que aacutegua nos poderaacute lavar A grandeza deste ato natildeo eacute muitogrande para noacutes Natildeo seraacute preciso que noacutes mesmos nos tornemosdeuses para simplesmente parecermos dignos dela Nunca houve accedilatildeomais grandiosa e quaisquer que sejam aqueles que poderatildeo nascerdepois de noacutes pertenceratildeo por causa dela a uma histoacuteria mais elevadado que ateacute aqui nunca foi qualquer histoacuteriardquo O louco calou-se depois depronunciar estas palavras e voltou a olhar para os seus auditorestambeacutem eles se calaram e o fitavam com espanto Finalmente atirou alanterna no chatildeo de tal modo que se partiu e se apagou ldquoChego cedodemaisrdquo disse ele entatildeo ldquoo meu tempo ainda natildeo chegou Esseacontecimento enorme estaacute ainda a caminho caminha e ainda natildeochegou ao ouvido dos homens O relacircmpago e o raio precisam detempo a luz dos astros precisa de tempo as accedilotildees precisam de tempomesmo quando foram efetuadas para serem vistas e entendidas Estaaccedilatildeo ainda lhes estaacute mais do que as mais distantes constelaccedilotildees eforam eles contudo que a fizeramrdquo Conta-se que nesse mesmo dia estelouco entrou em diversas igrejas e entoou o seu Reacutequiem aeternam DeoExpulso e interrogado teria respondido inalteravelmente a mesma coisaldquoO que satildeo estas igrejas mais do que tuacutemulos e monumentos fuacutenebresde Deusrdquo (Cf NIETZSCHE 2005 p111-112)

Como diraacute Foucault em As Palavras e as Coisas a morte de Deus eacute

tambeacutem a morte de seu assassino

26

Em nossos dias e ainda aiacute Nietzsche indica de longe o ponto deinflexatildeo natildeo eacute tanto a ausecircncia ou a morte de Deus que eacute afirmadamas sim o fim do homem (este tecircnue este imperceptiacutevel desniacutevel esterecuo na forma da identidade que fazem com que a finitude do homemse tenha tornado o seu fim) descobre-se entatildeo que a morte de Deus e ouacuteltimo homem estatildeo vinculados natildeo eacute acaso o uacuteltimo homem queanuncia ter matado Deus colocando assim sua linguagem seupensamento seu riso no espaccedilo do Deus jaacute estaacute morto mas tambeacutem seapresentando como aquele que matou Deus e cuja existecircncia envolve aliberdade e a decisatildeo deste assassiacutenio Assim o uacuteltimo homem eacute aomesmo tempo mais velho e mais novo que a morte de Deus uma vezque matou Deus eacute ele mesmo que deve responder por sua proacutepriafinitude mas uma vez que eacute na morte de Deus que ele fala o que elepensa e existe seu proacuteprio assassinato estaacute condenado a morrerdeuses novos os mesmos jaacute avolumam o Oceano futuro o homem vaidesaparecer Mais que a morte de Deus ou antes no rastro desta mortee segundo uma correlaccedilatildeo profunda com ela o que anuncia opensamento de Nietzsche eacute o fim de seu assassino eacute o esfacelamentodo rosto do homem no riso e o retorno das maacutescaras (FOUCAULT1990 p 402)

Em Assim falou Zaratustra quem matou Deus e o confessa eacute o ldquouacuteltimo

homemrdquo o homem do ressentimento Cabe compreender o anuacutencio da ldquomorte de

Deusrdquo como uma criacutetica da Modernidade ou melhor do projeto do esclarecimento

que coloca a razatildeo no altar da autoridade daquela que diz a ldquoverdaderdquo satildeo as

mitologias da modernidade que iratildeo ocupar o lugar do Deus morto e sepultado

pelas instituiccedilotildees Escreve Roberto Machado em seu Zaratustra trageacutedia

nietzscheana que

Nietzsche natildeo quer provar que Deus natildeo existe como faziam os ateusO que lhe interessa eacute mostrar como e por que surgiu e desapareceu acrenccedila de que haveria um Deus A ldquomorte de Deusrdquo condiccedilatildeopressuposto histoacuterico dos principais temas expostos no Zaratustra eacute aconstataccedilatildeo do niilismo da modernidade eacute o fato de que ldquoa feacute no Deuscristatildeo deixou de ser plausiacutevelrdquo eacute a evidecircncia de que a feacute em Deus queservia de base agrave moral cristatilde se encontra minada de que desapareceuo princiacutepio em que o homem cristatildeo fundou sua existecircncia eacute odiagnoacutestico da ausecircncia cada vez maior de Deus no pensamento e naspraacuteticas do Ocidente moderno Dizer que Deus morreu significa dizercomo faz ldquoo insensatordquo que o homem matou Deus Mas esse homempode ser facilmente identificado eacute o homem moderno o homem reativoldquoo mais feio dos homensrdquo que por natildeo suportar aquele que via toda avergonha e a fealdade ocultou no acircmago de seu ser vingou-se dessatestemunha Eacute o homem moderno o responsaacutevel pela perda daconfianccedila em Deus pela supressatildeo da crenccedila no mundo verdadeirooriginaacuterio da metafiacutesica claacutessica e do cristianismo pela substituiccedilatildeo dateologia pela ciecircncia do sono dogmaacutetico pelo sonho antropoloacutegico doponto de vista de Deus pelo ponto de vista do homem A expressatildeoldquomorte de Deusrdquo eacute a constataccedilatildeo da ruptura que a modernidade introduz

27

na histoacuteria da cultura com o desaparecimento dos valores absolutos dasessecircncias do fundamento divino Significa portanto a substituiccedilatildeo daautoridade de Deus e da Igreja pela autoridade do homem consideradocomo consciecircncia ou razatildeo a substituiccedilatildeo do desejo de eternidade pelosprojetos de futuro de progresso histoacuterico a substituiccedilatildeo de umabeatitude celeste por um bem-estar terrestre (MACHADO 1997 47-48)

A morte de Deus eacute tambeacutem a morte do homem escreve Foucault porque

o homem eacute um conceito inventado pela razatildeo iluminista no altar da ldquoverdaderdquo altar

porque eacute laacute que habitam os valores religiosos e de uma moral do ressentimento

com essa ldquoboardquo invenccedilatildeo seraacute assentado o humanismo e a pretensatildeo de

universalidade os ldquodireitos do homem e do cidadatildeordquo o que Nietzsche pretende eacute

criticar o projeto do esclarecimento o seu conteuacutedo de mentira na pretensa

verdade que sustenta e portanto apontar o homem como assassino de Deus eacute

demonstrar o seu anti-humanismo Aos que imputam ao Nietzsche a condiccedilatildeo de

ldquoheregerdquo ldquoanticristordquo ldquoateurdquo devem ser perguntados sobre que tipo de

ldquohumanismordquo professam ou ainda se natildeo satildeo cuacutemplices desse assassinato

Os autores da chamada Escola de Frankfurt principalmente na obra

Dialeacutetica do Esclarecimento de 1944 escrita por Adorno e Hockeimer no auge da

Segunda Guerra Mundial e republicada na deacutecada de 60 sem modificaccedilotildees

segundo atestam os autores no prefaacutecio61 iratildeo apontar o quanto esse

ldquohumanismordquo moderno conteacutem a semente da barbaacuterie da destruiccedilatildeo da vida do

aniquilamento ou seja conteuacutedo de ldquoanti-humanidaderdquo como apontam na uacuteltima

seccedilatildeo do livro ldquoo anti-semitismordquo Eacute certo que o diagnoacutestico de Nietzsche

contribuiu para essas anaacutelises dos pensadores de Frankfurt Oswaldo Giacoacuteia Jr

no seu Nietzsche amp Para Aleacutem de Bem e Mal escreve que Nietzsche antecipa

61 Frankfurt abril de 1969 (sobre a nova ediccedilatildeo alematilde) ldquoNatildeo nos agarramos sem modificaccedilotildees atudo o que estaacute dito no livro Isso seria incompatiacutevel com uma teoria que atribui agrave verdade umnuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacuterico como algo de imutaacutevel O livro foiredigido num momento em que jaacute se podia enxergar o fim do terror nacional-socialista Mas natildeosatildeo poucas as passagens em que a formulaccedilatildeo natildeo eacute mais adequada agrave realidade atual Quanto agravesalteraccedilotildees fomos muito parcimoniosos que o costume na reediccedilatildeo de livros publicados haacute mais deuma deacutecada Natildeo queriacuteamos retocar o que haviacuteamos escrito nem mesmo as passagensmanifestamente inadequadas Atualizar todo o texto teria significado nada menos do que um novolivrordquo Cfp9-10 In ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do esclarecimentofragmentos filosoacuteficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985

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algumas das conclusotildees dos frankfurtianos62 assim como traz a possibilidade de

Walter Benjamin trabalhar uma histoacuteria a ldquocontrapelordquo63 ou seja uma histoacuteria que

natildeo se daacute pelo progresso de um ldquohumanismordquo evidente ldquoverdadeirordquo ldquouniversalrdquo e

ldquoemancipadorrdquo Eacute nessa direccedilatildeo que Foucault lecirc Nietzsche na deacutecada de 60 o

momento em que ocorre a revisatildeo criacutetica de todas as suas obras comprovando a

fraude realizada pelo ldquomovimentordquo nazi-fascista Infelizmente os pensadores de

Frankfurt ainda leram Nietzsche sob a aacuteurea do ldquoestelionato intelectualrdquo que

sofreu o que demonstra que as falsificaccedilotildees do pensamento foram de tal modo

vulgares e ambiacuteguas que ainda permitiram uma leitura que depunha contra o

totalitarismo tal como a realizada pelos pensadores de Frankfurt que no contexto

de perseguiccedilatildeo Adorno e Horkheimer jaacute tinham imigrado para os EUA enquanto

que Walter Benjamin se suicida com medo de ser pego pelas forccedilas fascistas

basta lembrar tambeacutem que a Dialeacutetica do Esclarecimento natildeo sofreu revisotildees no

texto original muito embora reconheccedilam os autores que ldquoalgumas temaacuteticas ali

mereceriam uma outra leiturardquo Como certamente mereceria uma outra leitura a

conclusatildeo a que chegam nessa obra de que ldquoNietzsche ainda eacute um pensador que

realiza o Esclarecimentordquo ora se o leram enquanto no auge do nazi-fascismo

aquele Nietzsche lido pelo ldquomovimentordquo certamente era o autor que legitimava a

barbaacuterie da razatildeo esclarecida E natildeo o criacutetico mordaz do Esclarecimento que se

conheceraacute melhor depois da deacutecada de 60 Todavia ainda haacute a insistecircncia em

acusar Nietzsche de ldquoateiacutesmordquo de ser ldquometafiacutesicordquo e ateacute ldquomiacutesticordquo jaacute se disse que

Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia ou natildeo de Deus e a recomendaccedilatildeo dos

ateus de deixar ao homem a responsabilidade pela sua proacutepria vida e natildeo a uma

figura transcendente continua para Nietzsche uma ldquometafiacutesicardquo ao final deposita

no homem as esperanccedilas de um futuro melhor ainda haacute no ldquoateiacutesmordquo muito

humanismo

62 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem de bem e mal 2ed Rio de JaneiroJorge Zahar 2005 sp63 ldquoInspirado em Nietzsche e em sua oposiccedilatildeo agrave tirania do real contra as ondas da HistoacuteriaBenjamin propotildee uma histoacuteria a contrapelo para negar o cortejo triunfal onde cada monumento decultura eacute tambeacutem um monumento de barbaacuterierdquo Cf p 133 PEREIRA Luiacutes Fernando LopesDiscurso histoacuterico e direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursosdo direito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

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Coerentemente Nietzsche iraacute dizer que tambeacutem o ldquohomem precisa ser

superadordquo64 e para ele o ldquoateiacutesmordquo e ateacute o ldquoceticismordquo natildeo possuem ainda

coragem de ultrapassar a visatildeo do ldquohomemrdquo esse conceito Novamente se trata

de devolver aos acusadores essas imputaccedilotildees e questionaacute-los sobre o sentido

delas e antes sobre o fundamento delas e deles Albert Camus no seu O homem

revoltado vai dizer que a criacutetica de Nietzsche eacute contra os aspectos ciacutenicos da

Igreja a instituiccedilatildeo que teria traiacutedo os ensinamentos do Cristo por isso

constituindo-se em tuacutemulos de Deus65 O uacuteltimo e uacutenico Cristatildeo foi morto na

cruz escreve em O Anticristo66 ao que parece Nietzsche reconhecia apenas a

figura de Jesus no meio de uma torrente de mal entendidos quanto aos seus

ensinamentos O que daacute margem a quem o acusaraacute de ser ainda um crente ou

um miacutestico Esse aspecto eacute corroborado pela tese de que Nietzsche teria lido

Tolstoi para quem o reino de Deus estaacute em voacutes o autor russo teria no final da

vida abandonado toda a riqueza e a vida confortaacutevel para uma vivecircncia de

mendicacircncia e de andarilho renegando inclusive as obras que lhe deixaram

famoso Ana Karenina e Guerra e Paz Contudo difiacutecil provar embora haja

suspeita porque a biblioteca pessoal do filoacutesofo foi tambeacutem objeto de fraude pela

Sra Elisabeth e sua equipe de estelionataacuterios que desejavam acreditar total

originalidade ao pensamento de Nietzsche retirando possivelmente algumas das

obras que foram lidas e que mais influenciaram a ele dentre elas Tolstoi e

Dostoieacutevski

Mesmo assim falhando no seu empreendimento de ocultar evidecircncias

restou uma carta de Nietzsche em que ele confessaraacute ter lido Dostoieacutevski e se

impressionado com o autor russo que caracterizaraacute como um psicoacutelogo das

profundezas muito embora tambeacutem diga que o autor russo estaacute em contradiccedilatildeo

64 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

65 ldquoSe ele ataca particularmente o cristianismo visa apenas agrave sua moral Por um lado deixasempre intacta a pessoa de Jesus e por outro os aspectos ciacutenicos da Igrejardquo p 89 Cf CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

66 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

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profunda com o pensamento dele67 Sabe-se que Dostoieacutevski ao participar de

movimentos poliacuteticos de matizes ateiacutestas eacute preso e mandado agrave Sibeacuteria em que iraacute

desenvolver uma concepccedilatildeo de feacute pessoal num Deus que natildeo eacute a cristatilde Sabe-se

tambeacutem que curiosamente Tolstoi leu Nietzsche ao menos o Assim falou

Zaratustra e teria apoacutes essa leitura confessado uma certeza sua a de que

Nietzsche estava completamente louco quando o escreveu68 Nietzsche

consideraraacute Jesus um profeta do pacifismo e um idiota69 mas cabe entender

melhor que Jesus eacute esse lido por Nietzsche o proacuteprio conceito de idiota que ele

usa eacute bastante similar ao de Dostoieacutevski na obra O Idiota se trata do ingecircnuo do

pobre de coraccedilatildeo do bonzinho Explorando mais a fundo a perspectiva

nietzscheana de Jesus lecirc-se a obra de Nikos Kazantzaacutekis o escritor grego que se

formou em Direito na Universidade de Atenas e se tornaraacute depois autor de

literatura para quem na obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Jesus natildeo eacute muito

distante de Zaratustra quanto ao seu modo de vida perspectiva essa corroborada

por Albert Camus e tambeacutem por Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche

bufatildeo dos deuses70 Trata-se de um Jesus que eacute refrataacuterio agrave formaccedilatildeo de seitas

que natildeo quer ser cegamente seguido eacute um Jesus de carne e osso natildeo divinizado

e colocado no altar como fizeram os romanos por decreto Eacute antes um homem que

diante da uacuteltima tentaccedilatildeo a vida de rebanho confortaacutevel e feliz aceita o custo

traacutegico de seu sacrifiacutecio na cruz

Cada momento da vida de Cristo eacute um conflito e uma vitoacuteria Ele superouo encanto irresistiacutevel dos simples prazeres humanos superou astentaccedilotildees transubstanciou incessantemente a carne em espiacuterito e seelevou Ao atingir o topo do Goacutelgota ainda galgou a Cruz Mesmo aliporeacutem sua luta natildeo estava terminada A tentaccedilatildeo ndash a uacuteltima tentaccedilatildeo ndashesperava por ele na proacutepria Cruz Diante dos olhos esmorecidos doCrucificado o espiacuterito do Mal num lampejo momentacircneo desdobrou a

67 Cf LAVRIN Janko Nietzsche uma introduccedilatildeo biograacutefica Trad Carlos Neacutelson Coutinho Riode Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1974 sp68 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008 sp69 Cf NIETZCHE O Anticristo ibidem

70 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

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visatildeo ilusoacuteria de uma vida tranquumlila e feliz Pareceu a Cristo que elehavia optado pela estrada amena e sossegada dos homens Casara-see tivera filhos As pessoas o amavam e o respeitavam Agora velhosentado ao portal de sua casa ele sorria com satisfaccedilatildeo quandorecordava os anseios de sua juventude Como fora sensato queesplecircndida decisatildeo tomara ao escolher o caminho dos homens Queinsanidade ter desejado salvar o mundo Que alegria ter escapado dasprivaccedilotildees das torturas da CruzEntretanto Cristo imediatamentesacudiu a cabeccedila com violecircncia abriu os olhos e viuA Tentaccedilatildeo seesforccedilou ateacute o uacuteltimo instante para desvia-lo do caminho e a Tentaccedilatildeofoi subjugada Cristo morreu na Cruz e naquele instante a morte foi parasempre derrotada (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988 p 7-8)

Kazantzaacutekis apresenta o relato de quem sabe o que teraacute que passar e que

tem medo disso e tenta como todo homem evadir-se de seu compromisso mas

continua sempre perturbado pelas visotildees que tem das coisas tal como o homem

louco de a Gaia Ciecircncia 125 possuiacutedo que estaacute pelo anuacutencio que tem que

fazer Zaratustra tambeacutem enfrenta uma uacuteltima tentaccedilatildeo expotildee Nietzsche

Coloco a superaccedilatildeo da compaixatildeo entre as virtudes nobres narreipoeticamente como a ldquoTentaccedilatildeo de Zaratustrardquo um momento em quelhe vem um grito de socorro em que a compaixatildeo busca surpreende-locomo um uacuteltimo pecado subtraiacute-lo de si mesmo Permanecer senhor dasituaccedilatildeo manter a altura de sua tarefa limpa dos impulsos mais baixos emiacuteopes que agem nas chamadas accedilotildees desinteressadas eis a prova auacuteltima prova talvez que um Zaratustra deve prestar ndash sua verdadeirademonstraccedilatildeo de forccedila (Cf NIETZSCHE 2003 p 29)

O Jesus nietzscheano quer companheiros e natildeo disciacutepulos e natildeo quer ser

visto como um pastor guiando ovelhas e sabe que para chegar a ser o que se eacute o

Cristo teraacute que testar na sua proacutepria carne os valores que afirma o que natildeo isenta

os outros de terem de fazer o mesmo O que difere da visatildeo salvacionista

humanista messiacircnica que eacute depositada natildeo sem propoacutesito em seus

ensinamentos vide diaacutelogo Jesus e Paulo presente na obra de Kazantzaacutekis

Eu crio a verdade forjo a verdade com obstinaccedilatildeo anseio e feacute Natildeo meesforccedilo por encontraacute-la Eu mesmo a construo Faccedilo com que seja maisalta do que o homem e assim o homem eacute obrigado a crescer Sequisermos que o mundo seja salvo eacute necessaacuterio (vocecirc estaacute meouvindo) eacute absolutamente necessaacuterio que vocecirc seja crucificado e euvou crucificaacute-lo quer vocecirc queira quer natildeo Pouco se me daacute se vocecircfica aqui sentado neste povoado miseraacutevel fabricando berccedilos cochos efilhos Se quer mesmo saber ordenarei que o ar assuma a sua forma ocorpo a coroa de espinhos os cravos o sangueTudo isso faz parte domecanismo da salvaccedilatildeo Todos os detalhes satildeo indispensaacuteveis E emtodos os cantos da terra inuacutemeros olhos se ergueratildeo e veratildeo vocecirc no

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ar crucificado Choraratildeo e seu pranto lavaraacute de suas almas todo opecado No terceiro dia poreacutem farei com que vocecirc ressurja dos mortospois natildeo haacute salvaccedilatildeo sem ressurreiccedilatildeo O inimigo mais terriacutevel o inimigodefinitivo eacute a morte Eu abolirei a morte Como Fazendo com que vocecircressuscite como Jesus o filho de Deus o Messias mdash Mas natildeo eacuteverdade Vou aparecer e gritar que natildeo fui crucificado que natildeo ressurgidos mortos que natildeo sou DeusPor que estaacute rindo mdash Pode gritar oquanto quiser Natildeo tenho medo de vocecirc Na verdade nem mesmopreciso mais de vocecirc A roda que vocecirc pocircs em movimento jaacute estaacuterodando quem conseguiraacute controla-la Para ser sincero enquanto vocecircestava aiacute falando por um aacutetimo ocorreu-me o desejo de atacaacute-lo eestrangula-lo para evitar que vocecirc por acaso revelasse sua identidadedemonstrando para essa pobre humanidade que nem chegou a sercrucificado Mas logo me acalmei Por que ele natildeo teria o direito degritar perguntei a mim mesmo Os fieacuteis cairatildeo sobre vocecirc e o lanccedilaratildeona pira para morrer queimado por blasfemar mdash Serei seu apoacutestolo quervocecirc queira quer natildeo Construirei a vocecirc e a sua vida seusensinamentos sua crucificaccedilatildeo e sua ressurreiccedilatildeo exatamente conformemeus desejos Natildeo foi Joseacute o carpinteiro de Nazareacute quem o gerou Fuieu Eu Paulo o escriba de Tarso na Siciacutelia (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988p 490-491)

Jesus morre pelo seu anuacutencio e natildeo ldquopara salvar os outrosrdquo morre porque

ousou desafiar as autoridades da eacutepoca os poderes constituiacutedos a propoacutesito

Zaratustra diz ldquoamo aquele que morre pelo seu anuacutencio e que seu proacuteprio

anunciar o leva ao fimrdquo71 Os que acusam Nietzsche de ldquocrenterdquo o fazem por sua

biografia foi realmente um homem de soacutelida formaccedilatildeo religiosa filho de pastores

protestantes e desde jovem lia a biacuteblia foi criado para suceder o pai o qual morre

precocemente o que deixaraacute marcas profundas talvez uma revolta contra o Deus

ldquocastigadorrdquo na juventude escreveraacute um ensaio sobre as origens do mal Todavia

haacute que se acautelar diante de mais essa imputaccedilatildeo chamar Nietzsche de ldquocrenterdquo

eacute ignorar que seus escritos enfrentam justamente o problema da ldquocrenccedilardquo a culpa

a maacute consciecircncia e o ideal asceacutetico engendrados por uma moral que soacute se

sustenta na ldquocrenccedilardquo naquela que se transmite para formar e dominar ldquorebanhosrdquo

e natildeo raro se estabelece nos altares da verdade com iacutedolos de madeira

Agora se ainda insistem em acusar Nietzsche de ldquoprofeta de uma nova

crenccedilardquo eacute preciso que os acusadores antes de ter Nietzsche como artigo sua feacute

releiam a advertecircncia dele em Ecce homo ldquoeu preferiria ser um bufatildeo a um santo

sou disciacutepulo de Dionisordquo Isso ainda fornece material para outras incansaacuteveis

71 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

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tentativas de ldquoestelionatordquo

Ele foi um ldquomiacutesticordquo Um ldquoidealista romacircnticordquo Um ldquonostaacutelgicordquo a querer a volta aomundo grego

Nietzsche escreve numa de suas cartas como teve a visatildeo mais abissal e

terriacutevel de todas a do eterno retorno foi numa de suas caminhadas pelas

montanhas quando parou diante de uma pedra ldquoem forma de piracircmiderdquo

Contarei agora a histoacuteria do Zaratustra A concepccedilatildeo fundamental daobra o pensamento do eterno retorno a mais elevada forma deafirmaccedilatildeo que se pode em absoluto alcanccedilar eacute de agosto de 1881 foilanccedilado em uma paacutegina com o subescrito ldquoseis mil peacutes acima doshomens e do tempordquo Naquele dia eu caminhava pelos bosques perto dolago de Silvaplana detive-me junto a um imponente bloco de pedra emforma de piracircmide pouco distante de Surlei Entatildeo veio-me essepensamento Se poreacutem contarmos para frente a partir daquele dia ateacute oparto suacutebito acontecido nas mais inverossiacutemeis circunstacircncias emfevereiro de 1883 ndash a partir finalfoi concluiacuteda exatamente na horasagrada em que Richard Wagner morria em Veneza - resultam entatildeodezoito meses de gravidez (Cf NIETZSCHE 1995 p 82)

Acusaacute-lo de ldquomiacutesticordquo eacute buscar nele algo de misterioso fantaacutestico Tenta

se fundamentar essa imputaccedilatildeo em outros elementos tais como aquele que

ousou ir mais longe na compreensatildeo das coisas enxergou a ldquomorte de Deusrdquo e o

ldquoeterno retornordquo segue a isso os onze anos em que Nietzsche esteve em silecircncio

ldquomorto de olhos abertosrdquo escreve Escobar no seu Nietzsche dos companheiros72

esse foi o preccedilo que pagou pela ldquodescobertardquo Kazantzaacutekis iraacute escrever uma obra

intitulada ldquoAsceserdquo que resume entre outras algumas de suas proacuteprias

conclusotildees das leituras de Nietzsche elas o trazem para o campo do ldquomiacutesticordquo na

Ascese natildeo eacute Deus que deve salvar o homem mas o contraacuterio o homem que

deve salvar Deus engajando-se na luta Deus natildeo eacute transcendente mas estaacute no

corpo ldquoDeus eacute um labirinto de carnerdquo73 Nesse sentido outro autor da literatura

influenciado por suas leituras de Nietzsche eacute Herman Hesse que escreveraacute entre

72 Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio de Janeiro 7Letras2000 sp73 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo pauloAacutetica 1997 sp

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outras obras Sidatha e O Lobo da Estepe Cabe mencionar tambeacutem Gibran Khalil

Gibran que escreveraacute poemas de beleza e tonalidade ldquomiacutesticardquo com as suas

leituras nietzscheanas destaca-se a sua obra O Profeta e o poema ldquoo loucordquo que

na sua descriccedilatildeo assemelha-se ao aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia ldquoo homem

loucordquo cita-se Gibran Khalil

Perguntais-me como me tornei louco Aconteceu assim Um dia muitotempo antes de muitos deuses terem nascido despertei de um sonoprofundo e notei que todas as minhas maacutescaras tinham sido roubadas ndash assete maacutescaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas ndash ecorri sem maacutescara pelas ruas cheias de gente gritando ldquoLadrotildees ladrotildeesmalditos ladrotildeesrdquo Homens e mulheres riram de mim e alguns correrampara casa com medo de mim E quando cheguei agrave praccedila do mercado umgaroto trepado no telhado de uma casa gritou ldquoEacute um loucordquo Olhei paracima para vecirc-lo O sol beijou pela primeira vez minha face nua Pelaprimeira vez o sol beijava minha face nua e minha alma inflamou-se deamor pelo sol e natildeo desejei mais minhas maacutescaras E como num transegritei ldquoBenditos benditos os ladrotildees que roubaram minhas maacutescarasrdquoAssim me tornei louco E encontrei tanto liberdade como seguranccedila emminha loucura a liberdade da solidatildeo e a seguranccedila de natildeo sercompreendido pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisaem noacutes74

Antes que satisfeitos os acusadores queiram logo condenar Nietzsche no

rol dos pensadores ldquomiacutesticosrdquo ou de que sua filosofia ldquopagatilderdquo traga o geacutermen do

ldquomisticismordquo eacute preciso destacar que essas satildeo leituras de Nietzsche feitas por

outros autores satildeo ainda apropriaccedilotildees de seu pensamento e se acusam

Nietzsche de ldquomiacutesticordquo e de ldquopagatildeordquo eacute porque desejam caracterizaacute-lo dentro de

uma feacute ldquolegiacutetimardquo ou ldquoverdadeirardquo como algueacutem que estaacute fora dela querem com

isso subsiacutedios para a sua condenaccedilatildeo como ldquomalditordquo Ou talvez todo esse

empenho na condenaccedilatildeo ligeira no julgamento preacutevio seja motivado pelo medo

ao pensador que ousou declarar que seu ldquoofiacutecio era derrubar iacutedolosrdquo75 atacando o

problema do fundamento das verdades causando o estremecimento das

ldquocertezasrdquo Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser

banido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que

74 Cf KHALIL GIBRAN Gibran O Louco Trad Mansour Challita Rio de Janeiro AssociaccedilatildeoCultural Internacional Gibran 1977 sp

75 Derrubar iacutedolos (minha palavra para ldquoideaisrdquo) ndash isto sim eacute meu ofiacutecio p 18 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

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ldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente

nos aforismas nietzscheanos76 enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e

ressentidos o acusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por

incriminaacute-lo mesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem

que deve ser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao

cadafalso que natildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do

carrasco que lecirc as acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e

porque mereceria a condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a

sua risada eacute ainda motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de

que ele eacute ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Ao escrever se confessando ldquodisciacutepulo de Dionisordquo77 os acusadores ou

seria melhor dizer detratores de Nietzsche o chamaratildeo de ldquoidealista romacircnticordquo e

de querer um retorno ldquonostaacutelgicordquo ao mundo grego antigo Baseiam-se na leitura

do idealismo alematildeo desde Novalis ateacute Houmlderlin em que a figura de Dioniso

aparece nos pensamentos e poesias da eacutepoca tambeacutem se amparam numa

suposta leitura romacircntica de Nietzsche nos seus primeiros livros ainda

influenciado por Schopenhauer78 e um ldquoromantismordquo wagneriano Novamente os

76 Sarah Kofman diz ldquoLer um filoacutesofo como Nietzsche eacute assistir um espetaacuteculo cocircmico Eacutecompreender que o talento proacuteprio ao lt gecircnio gt filosoacutefico seu talento mais dissimulado eacute umtalento cocircmico A universidade natildeo lhe perdoaraacute jamais ele retira dos filoacutesofos sua seriedade esua senilidade os desembaraccedila de seus vestuaacuterios de conceitos cinzas ele nos faz rirrdquo p 75Alguns motivos deleuzianos por Carlos Henrique de Escobar In ESCOBAR Carlos Henrique(Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

77 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

78 ldquoEle natildeo se deixaraacute arrebatar pela filologia mas pela filosofia no momento em que lhe chegaragraves matildeos a obra de Schopenhauer Em outubro de 1865 ele descobrira num antiquaacuterio de Leipizgos dois volumes de ldquoO mundo como Vontade e Representaccedilatildeordquo comprando e lendo-osimediatamente e depois como relata em suas autobiografias ficou por algum tempo embriagadoo mundo ordenado pela razatildeo pelo sentido histoacuterico e pela moral natildeo era o verdadeiro mundo lia-se ali Atraacutes ou por baixo dele pulsa a verdadeira vida a vontaderdquo p 37 Em Schopenhauer comoEducador Nietzsche descrevera por exemplo suas experiecircncias com Schopenhauer como umajovem alma encontra o princiacutepio baacutesico de seu verdadeiro eu atravessando a fileira de modelos sobcuja influecircncia esteve Uma alma decidida e exaltada descobriraacute o caminho de mais intensidadeCada modelo age como estiacutemulo para si proacuteprio Conduzidos pelos modelos devemos sair de noacutesmesmos para chegar ao cume de nossas possibilidades O verdadeiro eu escreveu Nietzscheaquela vez natildeo eacute encontrado em noacutes mesmos mas por cima de noacutes p 237-238 Cf SAFRANSKIRuumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial2005 Para Nietzsche ldquoa vontade natildeo eacute como quer Schopenhauer uma unidade dinacircmica mas

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ldquoestelionataacuteriosrdquo satildeo ligeiros em recortar a obra de Nietzsche e aproveitando-se

de sua natildeo sistematicidade o encaixam dentro de sua sistematicidade seja na

histoacuteria do romantismo ou a do idealismo nostaacutelgico agem em nome de seus

ldquoiacutedolosrdquo nisso contribuem para a condenaccedilatildeo de um pensador que trabalhou para

derrubar ldquoiacutedolosrdquo ldquoessa a minha palavra para ideaisrdquo79

Eacute sabido que Nietzsche iraacute amadurecer rompendo com o pessimismo

schopenhauriano80 e tambeacutem com o wagnerianismo e ainda que pouco antes de

seu colapso empreenderaacute um trabalho de revisatildeo de suas obras incluindo as que

satildeo utilizadas para fundamentar essas imputaccedilotildees quando escreveraacute prefaacutecios e

tambeacutem o Dioniso nietzscheano natildeo eacute exatamente o deus grego do vinho eacute uma

interpretaccedilatildeo nietzscheana do mito assim como o Zaratustra nietzscheano natildeo eacute

o mesmo profeta iraniano que supostamente existiu

Natildeo me foi perguntado deveria me ter sido perguntado o queprecisamente em minha boca na boca do primeiro imoralista significa onome Zaratustra pois o que constitui a imensa singularidade destepersa na histoacuteria eacute precisamente o contraacuterio dissoZaratustra eacute maisveraz do que qualquer outro pensador Sua doutrina apenas ela tem averacidade como virtude maior ndash isso eacute o contraacuterio da covardia doldquoidealistardquo que bate em fuga diante da realidade Zaratustra tem maisvalentia no corpo do que os pensadores todos reunidos Falar a verdadee atirar bem com flechas eis a virtude persa ndash Compreendem-me Aauto-superaccedilatildeo da moral pela veracidade a auto-superaccedilatildeo domoralista em seu contraacuterio ndash em mim ndash isto significa em minha boca onome Zaratustra (Cf NIETZSCHE 1995 p 110-111)

A figura de Dioniso eacute invocada como maacutescara mais uma das vaacuterias de

um pensamento que se potildee como ldquoteatro de maacutescarasrdquo segundo Deleuze81

um tumulto de tendecircncias diferentes um campo de combate de energias que lutam pelo poder p274 idem

79 Cf NIETZSCHE Ecce homo Ibidem

80 ldquoSchopenhauer embora pessimista verdadeiramente ndash tocava flautaDiariamente apoacutes arefeiccedilatildeordquo Cf p 86 retirado do aforisma 186 de Aleacutem do Bem e Mal In NIETZSCHE FriedrichWilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1992

81 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont

37

Trata-se de enfrentar a moral da eacutepoca a cultura a poliacutetica e o poder

trabalhando para aleacutem de bem e mal e natildeo um apelo como querem os detratores

na tentativa de acusar Nietzsche de ldquonostaacutelgicordquo do mundo grego de um voltar

para traacutes quanto a isso diraacute Zaratustra ldquocomo a vontade pode querer para traacutes A

vontade natildeo pode querer para traacutesrdquo82 Eacute certo que Hitler desejava reconstruir o

centro de Berlin com monumentos semelhantes ao da acroacutepole grega as imagens

dos deuses musculosos e nus ilustrando sauacutede e forccedila semelhantes ao que

pretendia a propaganda fascista com o ldquohomem do idealrdquo da ldquosupremacia racialrdquo

e enredar Nietzsche nesse empreendimento eacute ser cuacutemplice desse ldquoestelionatordquo O

que torna mais necessaacuteria a tarefa de ser advogado de Nietzsche como aponta

Albert Camus

Na histoacuteria da inteligecircncia com exceccedilatildeo de Marx a aventura deNietzsche natildeo tem equivalente jamais conseguiremos reparar a injusticcedilaque lhe foi feita Sem duacutevida conhecem-se filosofias que foramtraduzidas e traiacutedas no decurso da histoacuteria Mas ateacute Nietzsche e onacionalsocialismo natildeo havia exemplo de que todo um pensamentoiluminado pela nobreza e pelo sofrimento de uma alma excepcionaltivesse sido ilustrado aos olhos do mundo por um desfile de mentiras epelo terriacutevel amontoado de cadaacuteveres dos campos de concentraccedilatildeoDevemos ser advogados de defesa de Nietzscherdquo (Cf CAMUS 1999 p97-98)

Demonstrando que essa volta ao mundo grego a acusaccedilatildeo de Nietzsche

ldquonostaacutelgicordquo eacute cuacutemplice do crime fascista ao pensamento dele que pretendeu

fazer propaganda do super-homem nietzscheano quando na realidade os

homens seguidores do Fuumlhrer natildeo foram mais do que seres instrumentalizados

natildeo foram mais do que ldquosub-homensrdquo83

ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade de Potecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org)ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

82 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

83 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999p 98

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Ele foi um defensor da ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo Um ldquointelectual daburguesiardquo da ldquodireitardquo

No seacuteculo XX com a ascensatildeo da alternativa comunista ou leituras do

marxismo dentre as vaacuterias o leninismo stalinismo o maoiacutesmo como aponta

Camus talvez aleacutem do Nietzsche tambeacutem Marx sofreu pelas apropriaccedilotildees na

tentativa de se fazer uso de sua autoridade intelectual para legitimar regimes

totalitaacuterios Camus escreve num periacuteodo em que jaacute se questionava os caminhos

desses regimes supostamente ldquomarxistasrdquo todavia alguns intelectuais da eacutepoca

que buscavam fazer uma leitura originaacuteria dos escritos de Marx com o objetivo de

resgatar o sentido de sua filosofia apressavam-se em trazer novas justificaccedilotildees e

diante da apropriaccedilatildeo fascista do pensamento de Nietzsche desse ldquoestelionatordquo

aproveitaram-se para cometer um ldquoestelionatordquo ainda maior que foi o de imputar a

Nietzsche a condiccedilatildeo de ldquointelectual da burguesiardquo da ldquodireitardquo defensor da

ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo aleacutem de outras qualificaccedilotildees similares para uma

larga carta de acusaccedilotildees em que se buscava contrapor Marx ao Nietzsche

ldquofascistardquo e apontar caminhos libertadores e de solidariedade na esteira dos

ldquomovimentosrdquo ldquocomunistasrdquo que liam ao seu modo o marxismo Tanto Nietzsche

como Marx foram pensadores que viveram no seacuteculo XIX natildeo se tem registro se

Nietzsche leu Marx jaacute que este era mais velho que ele mas eacute sabido que

Nietzsche conhecia e criticava o comunismo com a sua crenccedila na igualdade e

tambeacutem entendia o comunismo como um ldquocristianismordquo para as massas

enxergando um artigo de feacute no discurso daqueles que defendiam levar a

consciecircncia ao povo esclarecendo-o de sua condiccedilatildeo Para Nietzsche isso natildeo

seria muito diferente do discurso religioso que com o mesmo motivo vai ateacute o

povo com o catecismo buscando convertecirc-los a sua feacute Nesse sentido tambeacutem

iraacute rechaccedilar a ideacuteia de ldquoigualdaderdquo transmitida de modo quase messiacircnico de que

as diferenccedilas seriam abolidas e todos alcanccedilariam a igualdade no comunismo Eacute

justamente contra um discurso encobridor de diferenccedilas que se insurge o

pensamento de Nietzsche e que o faz desconfiar das saiacutedas apresentadas pelas

leituras dialeacuteticas seja dos hegelianos de direita seja a dos hegelianos de

esquerda dentre eles Marx A propoacutesito disso cabe mencionar o trabalho de

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Habermas84 fazendo a advertecircncia para a leitura habermasiana da deacutecada de 80

que para combater as interpretaccedilotildees nietzscheanas dos franceses vai reler a luz

de Heidegger e com uma tonalidade kantiana defensora da modernidade por

mais paradoxal que pareccedila seraacute nessa obra que Habermas enunciaraacute a sua

alternativa pela accedilatildeo comunicativa contudo o seu livro eacute abundante no resgate

histoacuterico dos diversos matizes da filosofia reputada por ele como moderna

Nietzsche se potildee como antidialeacutetico85 com a sua filosofia da vontade de poder o

que vai gerar outras acusaccedilotildees como a de Nietzsche ldquoirracionalistardquo e

ldquonaturalistardquo

Os intelectuais ldquomarxistasrdquo como que investidos da autoridade de ldquodonosrdquo

de Marx fazendo dele seu partido seu artigo de feacute iratildeo acusar Nietzsche de

intelectual da burguesia logo o autor que foi um criacutetico da moral burguesa e do

liberalismo Novamente o expediente dos acusadores eacute o de vestir em Nietzsche

a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees ideoloacutegicas tatildeo raacutepidos que ignoram a

autocriacutetica do seu partido jaacute que Marx viveu as expensas de Engels e sua

famiacutelia que eram burguesia para uma eacutepoca em que as diferenccedilas sociais eram

gritantes86 Eacute assim que esses acusadores de Nietzsche natildeo muito diferente dos

fascistas em nome de seu iacutedolo que natildeo eacute mais o Reich trataratildeo de realizar a

84 Trecircs Perspectivas Hegelianos de esquerda hegelianos de direita e Nietzsche p 57 a 88 Etambeacutem A entrada na Modernidade Nietzsche como ponto de viragem p89 a 108 InHABERMAS Juumlrgen O Discurso Filosoacutefico da Modernidade Trad Ana Maria Bernardo LisboaPublicaccedilotildees Dom Quixote 1990

85 Sobre essa antidialeacutetica nietzscheana cabe lembrar a observaccedilatildeo de Escobar sobre o temaldquoPara Nietzsche a dialeacutetica eacute uma forma de reconciliaccedilatildeo ao contraacuterio Nietzsche anseia por umatransvaloraccedilatildeo que se daacute pela afirmaccedilatildeo do positivo e do negativo da vida do martiacuterio e da alegriao que constituem os materiais dessa vida afirmada Cf p 80 ESCOBAR Carlos Henrique de Ogato agrave deriva da Razatildeo In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

86 Marx legou o conceito de praacutexis de proletariado e de revoluccedilatildeo mas recebia ajuda para soacuteescrever natildeo foi proletaacuterio de chatildeo de faacutebrica e natildeo apoiou a comuna de Paris talvez um dosmaiores episoacutedios de contestaccedilatildeo da ordem que esteve vivo para ver e nem fez uma revoluccedilatildeode outro tipo com ningueacutem natildeo exerceu a praacutexis de sua proacutepria teoria acreditava que soacute seriapossiacutevel acontecer a revoluccedilatildeo no mais alto estaacutegio do desenvolvimento das forccedilas produtivasnum paiacutes tal como a Inglaterra industrial de seu tempo muito distante da Ruacutessia e da China semi-feudais ainda no seacuteculo XX onde acontecerem revoluccedilotildees em seu nome e disse tambeacutem que aditadura do proletariado faria a transiccedilatildeo do socialismo para o comunismo quando o espectrodeixado pela ditadura dos partidaacuterios dos representantes da consciecircncia da classe foi oGulag o campo de concentraccedilatildeo a miseacuteria e a exclusatildeo dos proletaacuterios para os quais aigualdade de todos e a promessa do comunismo nunca chegou

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faccedilanha de fazer o estelionato do estelionato Ora alccedilar Marx a condiccedilatildeo de

iacutedolo antiburguecircs santo revolucionaacuterio e acusar Nietzsche de idealista

burguecircs eacute de tal modo cocircmico a despeito da iacutendole criminosa que esse agir

com a feacute dos inquisidores quando condenam os malditos acaba ignorando que o

ofiacutecio de Nietzsche foi o de derrubar iacutedolos este o seu nome para ideais

Talvez esses acusadores agindo como maliciosos donos de Marx o tenham

colocado no altar feito por eles posiccedilatildeo que um criacutetico das religiotildees como

alienaccedilatildeo natildeo teria aceitado contudo diversos movimentos no seacuteculo XX

promoveram revoluccedilotildees com base numa leitura proacutepria do marxismo Dessas

muitas apropriaccedilotildees do que escreveu Marx e das atrocidades perpetradas em seu

nome jaacute houve material para muitos processos o que demandaria a reabertura

desses inqueacuteritos e se descobrir a que levou os estelionatos intelectuais Na

contramatildeo dos detratores marxistas de Nietzsche Foucault na deacutecada de 60 iraacute

participar de um coloacutequio na Franccedila em que apresentaraacute um trabalho intitulado

Nietzsche Freud e Marx que apontaraacute nesses trecircs autores similaridades quanto

ao modo de interpretar os signos do Ocidente o que possibilitaria pensar uma

nova hermenecircutica uma teoria de interpretaccedilatildeo

Marx Nietzsche e Freud situaram-nos ante uma possibilidade deinterpretaccedilatildeo e fundamentaram de novo a possibilidade de umahermenecircuticaInterrogo-me se natildeo se poderia afirmar que FreudNietzsche e Marx ao envolverem-nos numa interpretaccedilatildeo que se virasempre para si proacutepria natildeo tenham constituiacutedo para noacutes e para os quenos rodeiam espelhos que nos reflitam imagens cujas feridasinextinguiacuteveis formam o nosso narcisismo de hoje (Cf FOUCAULT1975 p 17)

Foucault tambeacutem em entrevista com Deleuze intitulada os intelectuais e

o poder publicada em seu livro a Microfiacutesica do Poder iraacute tecer comentaacuterios

sobre a mania dos intelectuais de falarem como representantes ou partidaacuterios

de algueacutem ou de alguma coisa ignorando que os proacuteprios excluiacutedos tecircm seu

proacuteprio discurso e praacuteticas evidentemente que naquele momento referia-se ao

discurso sobre as prisotildees que na sua iacutendole salvacionista e bem intencionada

recusava-se a enxergar que os proacuteprios presos deveriam falar por si mesmos

Eacute justamente nisso que parte outra acusaccedilatildeo de tonalidade marxista a

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de Nietzsche individualista e de defensor de um aristocratismo A despeito de

caber o questionamento sobre o que estaacute por traacutes dessa iacutendole coletivista que

acusa eacute importante esclarecer do que se trata esse aristocratismo nietzscheano

Logo natildeo se trata de um referencial social ou de classe natildeo se estaacute a defender

uma aristocracia financeira e uma elite econocircmica quando utiliza as palavras

nobre ou aristocraacutetico Nietzsche se refere a vontade de poder a um modo de

pensar a filosofia que se daacute como choque constante de forccedilas em que uma

provisoriamente se coloca acima da outra mas em constante luta Isso quer dizer

alcanccedilar a vontade de poder em seu mais alto grau significaria o estado nobre

de espiacuteritos livres enquanto que a sujeiccedilatildeo a dominaccedilatildeo proacuteprias do espiacuterito

de rebanho significaria o estado de escravo Portanto nada tem a ver com a

temaacutetica soacutecio-econocircmica87 e na perspectiva nietzscheana um escravo no sentido

comum do termo mesmo assujeitado nas galeacutes pode se insurgir contra a sua

posiccedilatildeo desde que demonstre possuir essa vontade de poder no mais alto grau e

consiga assim dobrar a forccedila impor a ela sua proacutepria lei hierarquizando a seu

modo natildeo eacute de hierarquia social que se fala aqui mas da forccedila o que eacute proacuteprio

de um agir que eacute considerado por Nietzsche como nobre por isso esse escravo

seria um aristocrata Tal como o cavalo de Turim a relinchar e a dar coices o

animal carregador um nobre digno de ser um companheiro de Zaratustra-

Nietzsche Cabe esclarecer que para Nietzsche a vontade de poder eacute luta

constante nos corpos eacute visceral ela os atravessa como energia fluiacuteda no devir

Ainda eacute absurda a leitura que pretende trazer o pensamento de Nietzsche e sua

ideacuteia de aristocracia para a temaacutetica da Repuacuteblica de Platatildeo88 a do rei filoacutesofo

87 Explica tambeacutem assim Giacoacuteia Jr In GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem debem e mal 2ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 E ainda A despeito da sua religiosidade etambeacutem da sua filiaccedilatildeo ao estoicismo que ainda assim conteacutem muito dos ensinamentos deHeraacuteclito Cleantes pode ser considerado um exemplo daquele que soube se tornar umldquoaristocratardquo um ldquonobrerdquo no sentido nietzscheano de trabalhar com a vontade de poder na proacutepriavida ldquoSegundo a tradiccedilatildeo Cleantes natildeo se distinguia tanto pela inteligecircncia quanto pelasqualidades morais pouco comuns ex-pugilista praticava a filosofia como um ldquosegundo Heacuterculesrdquopor ser pobre trabalhava a noite puxando aacutegua nos jardins para poder estudar durante o diardquo CfHUISMAN Denis Dicionaacuterio dos filoacutesofos Satildeo Paulo Martins Fontes 2001 p 216-217

88 Nietzsche eacute um pensador maldito porque ousou desafiar a tradiccedilatildeo aqueles que se articulamcom ele como companheiros num coro traacutegico vatildeo ser expulsos da polis como acontecia com ospoetas traacutegicos na Repuacuteblica de Platatildeo e ainda banidos para o confinamento como loucos

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Aleacutem de criacutetico ferrenho do platonismo muito embora esse Platatildeo lido por

Nietzsche seja uma apropriaccedilatildeo dele89 mesmo assim o que Nietzsche propugna

em seus escritos eacute uma inversatildeo do platonismo e o filoacutesofo como guerreiro e natildeo

entronado talvez seu modelo seja mais proacuteximo ao do espartano que do

ateniense sem querer com isso absorver ao Nietzsche as imputaccedilotildees cabiacuteveis ou

natildeo aos espartanos afinal essa longa carta de acusaccedilotildees jaacute eacute grande

contraditoacuteria e densa o suficiente

Ele foi um irracionalista Um vitalista Um filoacutesofo da literatura

Os arautos da razatildeo e seus genuiacutenos representantes destilam a faacutecil

imputaccedilatildeo de irracionalista a Nietzsche a de filoacutesofo da literatura pensador da

arte ou como trabalha na dimensatildeo da vontade de poder o acusam de

abandonar a razatildeo e de deixar o exame das coisas a uma vontade a intuiccedilatildeo

aos sentidos caindo num vitalismo naturalismo das coisas Ora o que

Nietzsche faz eacute forccedilar a razatildeo a se questionar em seu impeacuterio em sua vontade

de verdade opondo a ela o jogo de forccedilas da vontade de poder natildeo se trata de

abandono da razatildeo mas levaacute-la a um questionamento radical colocando as suas

verdades como problema apontando o conteuacutedo de inverdade em suas

verdades90 pois satildeo mentiras que esqueceram de que o satildeo provoca Nietzsche

E para realizar a criacutetica dos fundamentos em que se ampara a proacutepria razatildeo que

destila essas acusaccedilotildees Nietzsche faz uso do perspectivismo ataca as

verdades e os iacutedolos por acircngulos diversos o que parece aos leitores

acostumados com a linearidade dos filoacutesofos mais dogmaacuteticos o expediente de

um louco de algueacutem que o tempo todo se contradiz de onde acusam

internados teratildeo no seu encalccedilo a poliacutecia as escolas o exiacutelio a medicina Cf Escobar p 76ldquoCabe entatildeo a arguacutecia da loucura para se antepor ao constrangimento da lei e agrave ilusatildeo deinteligibilidade platocircnicardquo p 77 idem Alguns motivos deleuzianos In ESCOBAR CarlosHenrique (Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

89 O Platatildeo de Nietzsche e o Nietzsche de Platatildeo texto de Giacoacuteia Jr que explora essa temaacuteticasem referecircncia

90 Cf texto de Nietzsche na coletacircnea os pensadores ldquoverdade e mentira no sentido extra-moralrdquoIn NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

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novamente Nietzsche de irracionalista tatildeo acostumados que estatildeo a ler os

arautos da razatildeo que falam a verdade para eles enquanto Nietzsche natildeo traz

nenhuma verdade Demonstrar que essa verdade transmitida pelos outros natildeo

passa de uma catequese de um esquematismo dogmaacutetico desses filoacutesofos

apegados a sistemas Nietzsche compara essa vontade de verdade como

vontade de sistema e provoca dizendo que esses filoacutesofos jamais saberiam de

mulheres91

Nietzsche natildeo eacute sistemaacutetico e natildeo se quer assim para isso se utiliza do

perspectivismo enquanto realiza a filosofia a golpes de martelo fazendo ataques

contundentes em diversos pontos das estruturas construiacutedas sobre o legado

daqueles que se dizem racionais ou melhor os produtores da verdade

Portanto cabe devolver a imputaccedilatildeo de irracionalista que natildeo eacute distante da

outra a de louco aos acusadores requerendo tambeacutem o exame das verdades

e das razotildees destes e que intuito tecircm nessa acusaccedilatildeo questionando se natildeo eacute

a preservaccedilatildeo de alguma tradiccedilatildeo modo de pensar ou verdade dita que se quer

absoluta e irrefutaacutevel Quando Nietzsche trata do perspectivismo afirma que natildeo

haacute fatos tudo eacute interpretaccedilatildeo92se tudo eacute interpretaccedilatildeo isso tambeacutem seria uma

interpretaccedilatildeo logo a interpretaccedilatildeo segue ao infinito93 todavia antes que os

racionalistas imputem uma suposta inconsequecircncia nesse meacutetodo Nietzsche

elege a vida como criteacuterio de seu perspectivismo cujo valor natildeo pode ser

avaliado eacute o olho que natildeo pode olhar para si mesmo94 Aiacute quem sabe os mais

apressados e satisfeitos em encontrar a verdade das coisas acusem Nietzsche

de vitalista ou naturalista queiram colocar essa camisa-de-forccedila nele para

aplacar a necessidade de prender logo esse louco que tudo questiona e

certamente eacute um problema para vaacuterias confrarias

91 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 sp

92 Ibidem

93 Cf FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud e Marx Paris 197594 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

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Contudo a vida para Nietzsche natildeo eacute um ponto estaacutetico no tempo ela

deve ser vista no devir eacute vida enquanto corpo e natildeo como metafiacutesica de

compreensatildeo de todas as coisas eacute vida sofrida dura e que deve ser superada

ou melhor ultrapassada vergada pela vontade de potecircncia que lhe atravessa

num jogo numa luta Eacute natildeo compreendendo esse procedimento nietzscheano

que os ligeiros acusadores reclamam do caraacuteter contraditoacuterio e paradoxal dos

aforismas de Nietzsche e o chamam novamente de irracionalista sendo que

num jogo numa luta de forccedilas as interpretaccedilotildees devem se enfrentar devem

entrar num embate exigir a linearidade o que querem os donos das camisas-de-

forccedila metodoloacutegicas seria acabar com o jogo por um ponto final a esse embate

de forccedilas de interpretaccedilotildees Incansaacuteveis os detratores de Nietzsche ainda

questionam a sua condiccedilatildeo de filoacutesofo e o menosprezam cometendo outro

duplo crime julgar a literatura um saber menor querendo enquadraacute-lo nela na

tentativa de assim dar a Nietzsche a condiccedilatildeo que acham que ele merece Esse eacute

o esforccedilo de expulsar Nietzsche da filosofia para mandaacute-lo para a literatura que

deve ser denunciado por incomodar muito a confraria dos filoacutesofos acham que a

soluccedilatildeo eacute logo bani-lo para outro departamento se bem que essa visatildeo

compartimentalizada do saber natildeo eacute sem sentido tambeacutem e vem a atender a

alguns propoacutesitos e conveniecircncias

Essas estrateacutegias maliciosas dos acusadores principalmente essa de

mudar Nietzsche de departamento para natildeo ter que se incomodar com ele eacute

recurso fundado em alguns estereoacutetipos principalmente relacionados ao modo de

escrita nietzscheana que eacute dita como filosoacutefico-poeacutetica por aforismas e ao seu

Assim Falava Zaratustra que eacute obra que narra a trajetoacuteria de um personagem e

suas metamorfoses sendo essa a obra capital de Nietzsche considerada por ele

mesmo assim escreve no seu Ecce homo

Entre minhas obras ocupa o meu Zaratustra um lugar agrave parte Eacute tambeacutemo mais profundo o nascido da mais oculta riqueza da verdade poccediloinesgotaacutevel onde balde nenhum desce sem que volte repleto de ouro ebondade Aqui natildeo fala nenhum ldquoprofetardquo nenhum daqueles horrendoshiacutebridos de doenccedila e vontade de poder chamados fundadores dereligiotildees Eacute preciso antes de tudo ouvir corretamente o som que saidesta boca este som alciocircnico para natildeo se fazer deploraacutevel injusticcedila aosentido de sua sabedoria Aiacute natildeo fala um fanaacutetico aiacute natildeo se ldquopregardquo aiacute

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natildeo se exige feacute eacute de uma infinita plenitude de luz e profundeza defelicidade que vecircm gota por gota palavra por palavra ndash uma delicadalentidatildeo eacute a cadecircncia dessas falas Tais coisas alcanccedilam apenas osmais seletos natildeo eacute dado a todos ter ouvidos para ZaratustraEle natildeoapenas fala diferente ele eacute diferente(Cf NIETZSCHE 1995 p 19

Contribui tambeacutem a variada recepccedilatildeo artiacutestica e literaacuteria que teve o

pensamento nietzscheano como inspirador autores da literatura como Thomas

Mann Nikos Kazantzaacutekis Albert Camus Hermann Hesse todos tiveram

produccedilotildees literaacuterias com tonalidades nietzscheanas Todavia eacute preciso destacar

que por traacutes da tentativa de considerar Nietzsche um literato estaacute tambeacutem a

tripla acusaccedilatildeo de apoliacutetico de contemplativo de natildeo engajado como se

tambeacutem a literatura fosse o tipo penal e lugar para onde devem ir os que se

encaixam nessas trecircs imputaccedilotildees o que natildeo deixa de ser uma distorccedilatildeo e maacute-feacute

na proacutepria ideacuteia que se faz da literatura Que Nietzsche teve impacto na esteacutetica

isso natildeo quer dizer que a esteacutetica que se produz por influecircncia dele em seus

vaacuterios niacuteveis seja no cinema no teatro e na literatura natildeo tenham conteuacutedo

poliacutetico e de engajamento como contestaccedilatildeo da ordem E ainda a imputaccedilatildeo de

contemplativo estaacute tambeacutem embutida na carga de significados da palavra

filoacutesofo como o nefelibata algueacutem que vive nas nuvens ora todo o

desenvolvimento filosoacutefico de Nietzsche se daacute como criacutetica radical da filosofia

contemplativa que para ele comeccedila com Soacutecrates e Platatildeo e tem seu ponto de

culminacircncia na modernidade aferrada ao kantismo Assim a filosofia de Nietzsche

conteacutem uma pragmaacutetica de abertura ao mundo95 ou como sugere Foucault toda

teoria deve ser vista como uma praacutetica96 para quem os textos de Nietzsche

constituem uma caixa de ferramentas97 eacute uma filosofia de criacutetica ao Poder nas

variadas relaccedilotildees que os constituem de questionamento da ordem e que sinaliza

um outro tipo de engajamento natildeo partidaacuterio e que vai depender do

95 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

96 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 1979 sp97 Ibidem

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agenciamento da forccedila contida em seus aforismas98 Nesse sentido deve-se

perguntar aos acusadores se contemplativos natildeo satildeo eles ao esperar que os

textos lhes tragam verdades

Ramificar o pensamento sobre o exterior eacute o que literalmente osfiloacutesofos nunca fizeram mesmo quando falavam de poliacutetica mesmoquando falavam de passeio ou de ar puroNietzsche coloca de modomuito claro se vocecirc quer saber o que eu quero dizer encontre a forccedilaque daacute sentido pelo menos um novo sentido ao que eu digo Ramifiqueo texto sobre essa forccedila Desta maneira natildeo haacute problema deinterpretaccedilatildeo de Nietzsche natildeo haacute senatildeo problemas maquinar o textode Nietzsche procurar com que forccedila exterior atual eacute preciso passaralgo uma corrente de energiaEacute ao niacutevel do meacutetodo que se coloca aquestatildeo do caraacuteter revolucionaacuterio de NietzscheEacute isso tratar oaforisma como um fenocircmeno que aguarda novas forccedilas que o vecircmldquosubjugarrdquo ou faze-lo funcionar isto eacute faze-lo explodir (Cf DELEUZEsano p 13-14)

Ele foi um niilista Um poacutes-moderno

Martin Heidegger quando daacute uma conferecircncia sobre Nietzsche afirma

Nietzsche eacute o nome da coisa para o seu pensamento99 a sugestatildeo eacute a de que

Nietzsche eacute um niilista e este eacute o uacuteltimo instante de uma longa histoacuteria do

pensamento metafiacutesico Eacute sabido que esse empreendimento de Heidegger tem

por objetivo afirmar seu proacuteprio pensamento sobre Nietzsche fazendo uma

apropriaccedilatildeo que eacute conveniente a seu ideaacuterio de quem deseja ser ele e natildeo

Nietzsche o primeiro antimetafiacutesico De qualquer modo ainda repercute

facilmente aos acusadores ligeiros sempre atentos as classificaccedilotildees e

simplificaccedilotildees das coisas a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute niilista e mais uma

vez eacute ele proacuteprio quem produz provas contra si mesmo tornando mais difiacutecil a

sua defesa ao dizer que ele eacute o uacuteltimo niilista100 Eacute preciso apontar que

98 ldquoNietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo desliza para a situaccedilatildeoabstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamento concreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seuestilo eacute diretamente poliacuteticordquo Cf Escobar p 82 O gato agrave deriva da Razatildeo In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

99 HEIDEGGER Martin Nietzsche I Trad Marco Antocircnio Casanova Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria 2007 sp

100 Contido em NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens RodriguesTorres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978Eacute preciso esclarecer isso segundo Camus ldquoCom Nietzsche o niilismo torna-se pela primeira vez

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Nietzsche realiza o diagnoacutestico do niilismo cuja relaccedilatildeo eacute estreita com o anuacutencio

da morte de Deus e que o seu filosofar a golpes de martelo natildeo quer apenas

destruir mas tambeacutem abrir espaccedilo para uma atividade criativo-afirmativa de novos

valores Por isso natildeo deixa de ser um estelionato desse Heidegger ainda

analiacutetico ex-integrante das forccedilas nazi-fascistas e que leu no original assim como

Nietzsche desde os preacute-socraacuteticos ateacute os maiores expoentes da histoacuteria da

filosofia quem sabe na ambiccedilatildeo de superar a todos incluindo Nietzsche para se

auto-proclamar o primeiro anti-metafiacutesico Decorre assim a imputaccedilatildeo de

Nietzsche como niilista o que corrobora as acusaccedilotildees que seguem das leituras

apressadas e confortaacuteveis desses que desejam ver Nietzsche estaacutetico em algum

lugar quem sabe numa parede esperando seu fuzilamento Nietzsche natildeo eacute um

niilista eacute antes o filoacutesofo que constata o niilismo como psicoacutelogo como um cliacutenico

e vai apontar para uma transvaloraccedilatildeo ou ultrapassamento do niilismo eacute esse o

seu anuacutencio se niilista fosse Nietzsche estaria proacuteximo dos sub-homens nazistas

e natildeo do que almeja sua filosofia o aleacutem-do-homem natildeo como ponto metafiacutesico

no tempo mas como dilaceramento do conceito homem atravessado pela vontade

de poder a ideacuteia do aleacutem-do-homem para-aleacutem-do-homem supra-humano ou

super-homem a depender da traduccedilatildeo eacute nada mais que um rearranjo das forccedilas

em luta no seu mais alto grau

Se acreditou que para Foucault como para Nietzsche era o homemexistente que se ultrapassava ndash em direccedilatildeo a um super-homem querocrer Nos dois casos eacute uma incompreensatildeo a respeito de Foucaultassim como a respeito de Nietzsche (sem falar ainda na questatildeo da maacute-vontade e da estupidez que aacutes vezes inspira os comentaacuterios sobreFoucault como tambeacutem no caso de Nietzsche)O super-homem nuncaquis dizer outra coisa eacute dentro do proacuteprio homem que eacute preciso libertara vida pois o proacuteprio homem eacute uma maneira de aprisiona-la A vida setorna resistecircncia ao poder quando o poder toma como objeto avidaQuando o poder se torna biopoder a resistecircncia se torna poder davida poder-vital que vai aleacutem das espeacutecies dos meios e dos caminhosdesse ou daquele diagramaE eacute no proacuteprio homem que eacute precisoprocurar para Foucault tanto quanto para Nietzsche o conjunto das

conscienteEle reconheceu o niilismo e examinou-o como fato cliacutenico Dizia-se o primeiro niilistarealizado da EuropaPara Camus porque levou o niilismo ateacute os seus limites e soube tirarconsequecircncias disso o meacutetodo de Nietzsche eacute um meacutetodo de revoltardquo Cfp 86-87 CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

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forccedilas e funccedilotildees que resistemagrave morte do homem Cf DELEUZE 1991p94-100)

Heidegger talvez arrependido do seu engajamento com o nazismo e sua

colaboraccedilatildeo vai se refugiar na floresta negra e deixaraacute de trabalhar a filosofia

analiticamente estranhanhamente para quem acusou Nietzsche de niilista e

metafiacutesico querendo assim afirmar a sua proacutepria filosofia na mais alta estatura

como momento inicial da criacutetica que se daacute como anti-metafiacutesica esse Heiddeger

no final da vida ele viveu quase 100 anos em comparaccedilatildeo com Nietzsche para

buscar na linguagem poeacutetica algo muito proacuteximo ao estilo nietzscheano a

derradeira superaccedilatildeo da metafiacutesica assim terminou a ambiccedilatildeo heideggeriana

Aponta Gadamer no segundo volume do seu Verdade e Meacutetodo seguidor de

Heidegger e lido no Direito quando se trata da hermenecircutica filosoacutefica

O encontro com o cenaacuterio francecircs significa um verdadeiro desafio paramim Derrida assevera que o Heidegger tardio natildeo rompeu realmentecom o logocentrismo da metafiacutesica Ao perguntar pela essecircncia daverdade ou pelo sentido do ser Heidegger segue falando segundoDerrida a linguagem da metafiacutesica que considera o sentido como algoque estaacute agrave matildeo e que eacute preciso encontrar Nessa questatildeo Niertzscheteria sido mais radical Seu conceito de interpretaccedilatildeo natildeo significa abusca de um sentido simplesmente dado mas a posiccedilatildeo de sentido aserviccedilo da vontade de poder Somente assim rompe-se com ologocentrismo da metafiacutesica Natildeo resta duacutevida de que para fugir dalinguagem metafiacutesica o Heidegger tardio elaborou ele proacuteprio sualinguagem semipoeacutetica Sobretudo ao defrontar-me com os francesestenho plena consciecircncia de que minhas proacuteprias tentativas de traduzirHeidegger denunciam meus limites e mostrando sobretudo ateacute queponto eu mesmo estou preso agrave tradiccedilatildeo romacircntica das ciecircncias doespiacuterito e do legado humanista (Cf GADAMER 2002 p 384-385)

Oacutebvio que natildeo se trata de menosprezar o legado do filoacutesofo da floresta

negra101 Heidegger iraacute influenciar os pensadores denominados ldquopoacutes-modernosrdquo

tambeacutem em tom de acusaccedilatildeo e natildeo causal sempre eacute a busca de uma

101 Eacute preciso ressaltar que Martin Heidegger iraacute influenciar aleacutem dos pensadores ditos ldquopoacutes-modernosrdquo tambeacutem Hannah Arendt que eacute lida no Direito quando se trata de pensar aldquodemocracia radicalrdquo ela foi sua aluna ou talvez mais do que isso e ainda o pensador da modaGiorgio Agamben que foi seu ex-aluno por indicaccedilatildeo de Arendt Deve-se ainda defenderHeidegger das acusaccedilotildees de pensador ldquonazistardquo embora tenha se filiado ao movimento aleacutem doarrependimento posterior a sua obra natildeo estaacute ldquocontaminadardquo por ideacuteias fascistas anti-semitas ecoisas do gecircnero como apresenta o trabalho do Professor da UNICAMP ex-aluno de HeideggerZeljko Loparic Heidegger Reacuteu ndash Um ensaio sobre a periculosidade da filosofia Campinas SPPapirus 1990

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caracterizaccedilatildeo e a tentativa de afirmar um perfil mais verdadeiro que os outros

os poacutes-modernos e aiacute natildeo haacute consenso nos limites da caracterizaccedilatildeo que eacute dada

por outrem ou seja quer dizer que os acusados de o serem natildeo concordavam

necessariamente com essa simplificaccedilatildeo muito conveniente agraves academias do

saber compartimentalizado mas dentre eles Foucault Deleuze Derridaacute Cabe

destaque para a filosofia da teacutecnica desenvolvida por Heidegger quando escreve

dois tomos sobre Nietzsche a compilaccedilatildeo de suas preleccedilotildees eacute o embate de seu

pensamento contra o de Nietzsche que produz o que resultaraacute em sua filosofia da

teacutecnica102 Essa filosofia da teacutecnica seraacute uacutetil aos desenvolvimentos da leitura de

Foucault sobre poder principalmente a formulaccedilatildeo de um poder que se exerce

sobre as populaccedilotildees sobre o corpo o biopoder Corrobora essa influecircncia

Deleuze quando escreve obra em memoacuteria ao falecimento de Foucault de

mesmo nome em que apresenta uma citaccedilatildeo do proacuteprio Foucault em que aponta

que ldquoTodo o meu devir filosoacutefico foi determinado pela minha leitura de Heidegger

Mas reconheccedilo que foi Nietzsche quem venceurdquo p 121

Ou seja muito embora recorram a Heidegger os poacutes-modernos diante

da crise das epistemologias e das certezas depois do holocausto nazista e do

gulag comunista querem achar uma terceira via e iratildeo buscar inspiraccedilatildeo no

Nietzsche que a partir da deacutecada de 60 com a ediccedilatildeo criacutetica de toda a sua obra

recuperada do estelionato fascista comprovadas as fraudes serviraacute de

trampolim para o desenvolvimento de novas visotildees dos problemas e suscitaraacute

outras respostas as velhas perguntas diante de um mundo cada vez mais

complexificado Todavia como aponta Deleuze em Conversaccedilotildees

Em publicaccedilatildeo no Libeacuteration 2 e 3 de setembro de 1986 entrevista aRobert Maggiori quando se pergunta a Deleuze que ldquoNa Chronique decircsideacutees perdues Franccedilois Chacirctelet ao evocar a amizade muito antiga comvocecirc com Guattari com Scheacuterer e Lyotard escreve que vocecircs eram doldquomesmo timerdquo e tinham ndash marca talvez da verdadeira conivecircncia ndash osldquomesmos inimigosrdquo Vocecirc diria o mesmo de Michel Foucault Vocecircseram do mesmo time Deleuze responde ldquoPenso que sim Chacirctelettinha um sentimento vivo disso tudo Ser do mesmo time eacute tambeacutem rir

102 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

50

das mesmas coisas ou entatildeo calar-se natildeo precisar ldquoexplicar-serdquo Eacute tatildeoagradaacutevel natildeo ter que se explicar Tiacutenhamos tambeacutem possivelmenteuma concepccedilatildeo comum da filosofia (Cf DELEUZE 1995 p 108)

Ele Foucault e outros nomes comumente relacionados ao poacutes-

modernismo se viam como parte de um mesmo time pensavam parecido e

discordavam pouco ou seja acaba sendo estranha a acusaccedilatildeo de Nietzsche

como poacutes-moderno o que se fez foi uma leitura dele mais uma mais um tipo de

apropriaccedilatildeo talvez menos mentirosa natildeo chegou ao niacutevel do estelionato como

as leituras fascistas mas ainda assim eacute preciso contestar a acusaccedilatildeo do

Nietzsche como poacutes-moderno porque essa eacute tambeacutem uma leitura de quem faz e

sabe que eacute parte de um mesmo time para natildeo dizer confraria igrejinha e coisas

do gecircnero Embora Foucault Deleuze Derridaacute e outros sejam testemunhas

interessantes com coisas a dizer no sentido de defender Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o Poder que discute poliacutetica que contesta dogmas e que tem sua

utilidade no Direito eacute preciso natildeo perder a vigilacircncia criacutetica no sentido de que

Nietzsche natildeo pensou apenas aquilo que eles confirmarem ou avalizarem em

seus testemunhos mais uma vez para trabalhar uma defesa de Nietzsche seraacute

preciso agir nietzscheanamente aborrecendo as confrarias se preciso for

pensando contra elas tambeacutem Haacute quem acuse Nietzsche de poacutes-moderno

justamente por confudi-lo com algum time fazem isso ingenuamente ou

propositalmente pela longa lista de acusaccedilotildees deve-se acreditar mais na segunda

hipoacutetese e nesses intentos propositais de ensinar aos outros o Nietzsche poacutes-

moderno ou precursor do poacutes-moderno que natildeo deixa de ser um eufemismo

ainda pouco lisonjeiro eacute que se faz a condenaccedilatildeo subreptiacutecia do seu pensamento

enquanto pertencente a uma escola um time uma seita novamente cabe

devolver mais essa imputaccedilatildeo aos acusadores sobre que escolas e que

confrarias eles querem sustentar com isso qual o objetivo e qual o anseio guarda

essa vontade de verdade de sistema de caracterizaccedilotildees Talvez assim

perceba-se que por traacutes da acusaccedilatildeo de Nietzsche poacutes-moderno haacute os

defensores do neokantismo de um retorno da modernidade ou das boas

coisas das luzes como quer Habermas na sua ideacuteia de accedilatildeo comunicativa que

se baseia na igualdade dos falantes no poder deliberativo e na democracia

51

validada pela participaccedilatildeo e a confianccedila na representaccedilatildeo ou ainda a defesa

daqueles que pretendem superar o paradigma linguiacutestico ao propor a

transmodernidade103 nisso eacute conveniente a leitura e a condenaccedilatildeo do Nietzsche

poacutes-moderno porque se trata antes de uma condenaccedilatildeo ao europeu

colonizador e da busca de um pensamento identitaacuterio latino-americano Por traacutes

dessas condenaccedilotildees maliciosas deve-se enxergar a pretensatildeo desses

acusadores desejosos de colocar a camisa-de-forccedila em Nietzsche que eacute a de

suas concepccedilotildees ideoloacutegicas os quais esperam obter um miacutenimo de criteacuterio para

orientar melhor seus julgamentos ou validar seus preacute-julgamentos Quiccedilaacute o

objetivo desses acusadores seja o de fundar novas igrejas ou de conquistar

espaccedilo para o seu time jogar

Ele eacute mais um pensador eurocecircntrico

Realmente as costas de Nietzsche satildeo bem largas sem trocadilho

poucos tem folhas tatildeo longas de acusaccedilotildees muitas delas motivadas por

verdadeiros estelionatos intelectuais e apropriaccedilotildees maliciosas leituras raacutepidas

e um pouco de maacute-feacute tambeacutem quando natildeo muito de teimosia daqueles que satildeo

crentes em seus iacutedolos os quais ou foram tocados diretamente pelo martelo

nietzscheano ou tem receio de que o seja por uma via indireta Como dizia

Nietzsche eacute o instinto de conservaccedilatildeo de quem teme a destruiccedilatildeo104 que

assola o iacutentimo dos acusadores ou detratores mas para saber eacute preciso deixar

que acusem as proacuteximas imputaccedilotildees da lista satildeo a de que Nietzsche eacute apenas

mais um autor eurocecircntrico e a mais cocircmica eacute uma leitura maliciosa do

Nietzsche como um zooacutefilo em virtude do famoso episoacutedio de Turim que natildeo

estaacute distante da acusaccedilatildeo do louco Nietzsche De fato Nietzsche nasceu e viveu

na Europa importante frisar que foi um andarilho porque a seu modo frequumlentou

diversas localidades das montanhas nos Alpes ateacute a proacutepria Turim sempre

103 Referecircncia ao filoacutesofo latino-americano Enrique Dussel que na sua obra Eacutetica da Libertaccedilatildeoconsidera Nietzsche aleacutem de ldquoirracionalistardquo ldquopensador esteacuteticordquo tambeacutem ldquomais um eurocecircntricordquo

104 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

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variando climas como aponta Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche o

bufatildeo dos deuses105 esse expediente era parte de uma medicina que Nietzsche

aplicava a si mesmo acreditava que assim podia controlar melhor seus estados

de sauacutede conseguindo alcanccedilar o que denominava de a grande sauacutede aquela

que o fazia escrever a maior parte de suas obras em estado de explosatildeo criativa

e em suas cartas diz pressentir que ainda morreria por causa de um desses

estados106 isso ainda alimenta as acusaccedilotildees de Nietzsche como miacutestico

profeta mas de fato o seu uacuteltimo ano de produccedilatildeo teoacuterica 1888 talvez tenha

sido o mais intenso de sua vida que foi bastante curta se comparada a de

Heidegger e ao colapso que acomete a Nietzsche em janeiro de 1889 Natildeo se haacute

registro de preocupaccedilotildees latino-americanas em Nietzsche apenas uma breve

sugestatildeo de sua vontade de vir para o Meacutexico trabalhar107 isso no auge dos

transtornos a decepccedilatildeo com Lou Salomeacute a briga com a famiacutelia afinal a Sra

Elisabeth natildeo soacute fraudou a obra do irmatildeo como tambeacutem foi partiacutecipe no

rompimento de Nietzsche e Lou plantando intrigas108 assim chegou Nietzsche a

pensar em sair da Europa para se afastar de tudo definitivamente Contudo o

Nietzsche que vem para a Ameacuterica Latina vem pelo sobrenome da Sra Elisabeth

e se instala no Paraguai ela chega com o marido e estaacute nesse momento brigada

com o irmatildeo que jaacute natildeo aprovava a vinculaccedilatildeo ao nazi-fascismo e ao anti-

semitismo que a irmatilde adotara com o genro O objetivo dos dois eacute o de fundar uma

105 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

106 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

107 Nietzsche considera a possibilidade de passar um tempo na Tuniacutesia ldquoQuero viver um bomtempo entre os muccedilulmanos e ali onde sua feacute eacute mais rigorosa assim certamente haacute de aguccedilarmeu discernimento e minha visatildeo de tudo que for europeurdquoNietzsche desiste de sua viagem agraveTuniacutesia porque laacute irrompe a guerra Agora sonha com o planalto do Meacutexico Por que ficar naEuropa A obra cuidaraacute de que ele natildeo seja esquecido por alirdquo Cfp 201 SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

108 Essa hipoacutetese eacute sustentada por Maria Cristina Franco Ferraz em seu ldquoNietzsche o bufatildeo dosdeusesrdquo sp E tambeacutem por HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes deLacerda e Waltenir Dutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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colocircnia chamada Nova Germacircnia para propagar esses ideais todavia o

empreendimento resulta um fracasso e assim apenas a irmatilde retorna para a

Europa o seu marido havia se suicidado nisso termina a breve histoacuteria dos

Nietzsche na Ameacuterica Latina Com base nisso os acusadores que sentem

arrepios ao ouvir a palavra eurocentrismo comodamente sentem-se

confortaacuteveis em imputar a condenaccedilatildeo do Nietzsche como pensador

eurocecircntrico um colonizador apenas um numa outra longa lista de

conquistadores da Ameacuterica cujo legado deve ser abolido e substituiacutedo pela busca

da identidade originaacuteria encoberta nesses anos todos seacuteculos de colonizaccedilatildeo Eacute

nesse sentido que se fala em transmodernidade como uma nova matriz

epistemoloacutegica que parte da vida dos excluiacutedos e natildeo da linguagem como faz o

europeu Habermas e tambeacutem natildeo como Nietzsche muito embora na

constelaccedilatildeo de imputaccedilotildees seja ateacute difiacutecil escolher uma suficiente para ele basta

a condenaccedilatildeo de louco poacutes-moderno o que importa eacute tirar Nietzsche e todos

os outros do caminho e facilitar o empreendimento desses acusadores e

engenheiros de paradigmas ou melhor empreiteros de igrejas Natildeo eacute a toa que

um dos grandes marcos teoacutericos da linha transmoderna eacute um teoacutelogo ou ex-

teoacutelogo109 que prega uma filosofia da libertaccedilatildeo de alteridade de pluralidade e

que parte dos oprimidos um pensador que enfrenta o colonizador Ora difiacutecil

natildeo concordar com esse discurso ele eacute muito sedutor ainda mais no Brasil

quando nossa histoacuteria parece acontecer sempre como conciliaccedilatildeo e natildeo como

ruptura De fato o modo como se constituiu a histoacuteria brasileira eacute de uma

independecircncia e uma repuacuteblica uma democracia sempre por decreto natildeo

oriunda de uma luta de um enfrentamento de forccedilas de convulsatildeo social haacute

historiadores que contam que o dia seguinte da proclamaccedilatildeo da repuacuteblica muitos

achavam que ainda se vivia o impeacuterio no Brasil Quando estudam a histoacuteria desse

109 A referecircncia eacute Dussel embora seja criticado pois a estrateacutegia de defesa adotada aqui eacutenietzscheanamente a de atacar tambeacutem cabe historicizar o advento da chamada ldquoteologia dalibertaccedilatildeordquo e a sua participaccedilatildeo em episoacutedios importantes da histoacuteria brasileira como aperseguiccedilatildeo na ditadura militar muitos padres teoacutelogos intelectuais se engajaram na luta contra aditadura e pereceram ou foram torturados tiveram um fim traacutegico Ou seja naquele contexto osldquoteoacutelogos da libertaccedilatildeordquo aceitaram o custo traacutegico nietzscheano do seu anuacutencio (o engajamentocontra a tirania poliacutetica contra o dogmatismo) e pereceram foram excomungados da Igreja

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modo os acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico entendem ter

encontrado o ponto fraco dessa defesa e jaacute satisfeitos colocam o capuz no reacuteu

e o mandam para o cadafalso ou seria o patiacutebulo afinal eacute chegado o tempo do

oprimido comeccedilar a enfrentar o colonizador entatildeo eacute o momento de trazer a

guilhotina para caacute o mais europeu dos instrumentos de supliacutecio E os

engenheiros de novos paradigmas acusadores detratores e inquisidores bradam

a sentenccedila do banimento ao mais um europeu Nietzsche porque natildeo lhes

interessa o legado do colonizador agora querem escrever a sua proacutepria histoacuteria

ao seu modo Ora o Nietzsche filoacutesofo natildeo eacute o mesmo Nietzsche cujo sobrenome

andou por aqui e teve o intento de colonizar o pensador Nietzsche natildeo quer

convencer ningueacutem de suas ideacuteias e nem ser pastor de igreja eacute antes um

destruidor dos velhos valores morais das eacuteticas religiosas e do ressentimento eacute

algueacutem que exorta pelos criadores de novos valores110

Eacute quando os acusadores policialescamente se preparam para decretar a

condenaccedilatildeo definitiva do Nietzsche como mais um eurocecircntrico que se deve

objetar pelo fundamento do que se chama transmoderno filosofia da libertaccedilatildeo

e de sua eacutetica Realmente ser advogado de Nietzsche natildeo eacute faacutecil a depender

da acusaccedilatildeo mais inescrupulosa a pena pode ser capital eacute preciso aceitar viver

perigosamente111 o que requer um empenho de retoacuterica e argumentaccedilatildeo juriacutedica

que conduz aos limites mais severos

As acusaccedilotildees satildeo fortes e ao mesmo tempo muito faacuteceis o elemento

geograacutefico parece inquestionaacutevel muitas condenaccedilotildees criminosas foram jaacute

arquitetadas com base em acusaccedilotildees de liame faacutecil natural o proacuteprio nazismo se

legitimava num direito natural e selecionava as pessoas quanto ao fenoacutetipo

nada mais natural agora haacute um desejo a ser satisfeito por parte de quem acusa a

tentativa de levar ao banimento intelectual esse Nietzsche alematildeo de bigodes

absurdamente grandes e louros Ora mas Nietzsche ao contraacuterio do que se diz

110 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

111 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

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natildeo foi um alematildeo e sim um apaacutetrida Depois da vitoacuteria de Bismarck e a

unificaccedilatildeo alematilde Nietzsche natildeo assume a identidade alematilde continuaraacute

apaacutetrida jaacute que a Pruacutessia que nasceu natildeo existia mais Ainda por vaacuterias vezes

brincaraacute com o fato escarnecendo dos alematildees como um povo que natildeo sabia

apreciar a cultura que mal sabiam quem eram devido a sua existecircncia enquanto

paiacutes ainda recente112 Portanto trata-se de um homem que eacute andarilho apaacutetrida e

que estaacute fora da jurisdiccedilatildeo de qualquer Estado de Direito como julgaacute-lo Como

condenaacute-lo Ah sim continua sendo ainda um europeu mesmo que seja pelos

lugares que vagou que esteve que nasceu Condenemos mais esse europeu

Natildeo eacute alematildeo mas eacute europeu O empreendimento de defesa se torna mais

dramaacutetico porque eacute sempre um trabalho contra uma maioria contra uma multidatildeo

ao que parece os acusadores satildeo incansaacuteveis mas eacute preciso dizer que a filosofia

de Nietzsche natildeo se encerra na europa ou que o tuacutemulo dela natildeo pertence a um

ponto geograacutefico ou antes que eacute um pensamento sem tuacutemulo sem geografia

Logo apressam-se os carrascos a atar o noacute goacuterdio da poacutes-modernidade ao

pescoccedilo de Nietzsche para lanccedilaacute-lo agrave forca Afinal como pode haver algo sem

localizaccedilatildeo geograacutefica Algo que natildeo morre eacute qualquer coisa menos humano

Soacute pode ser ideacuteias poacutes-modernas Antes de mais essas acusaccedilotildees ligeiras eacute

preciso esclarecer que esse apaacutetrida natildeo tem lugar geograacutefico embora tenha

vivido sempre na europa natildeo se deixou viver em um soacute lugar foi andarilho natildeo

soacute como homem mas tambeacutem no pensamento a razatildeo nietzscheana eacute nocircmade e

o trabalho de seu pensamento eacute um nomadizar-se113 os acusadores natildeo

aceitando essas objeccedilotildees ainda insistem no chavatildeo poacutes-moderno Deleuze para

eles o eacute como se a tese jaacute estivesse derrotada por testemunhos suspeitos mas

a falta de escruacutepulo daqueles que interrompem a defesa trazendo sempre as

mesmas condenaccedilotildees ao palco mesmo as jaacute contra-argumentadas eacute sinal de

que temem perder uma causa certa com o intento da condenaccedilatildeo do pensamento

112 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994

113 Cf DELEUZE Gilles O Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano sp

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nietzscheano de algum modo seja pelo transmoderno e seu banimento da

academia de direito onde nunca deveria ter ousado entrar Eacute assim que a defesa

nesse trabalho sobre-humano pois sempre no limiar sente que haacute uma chance

de vencer a causa ou na pior das hipoacuteteses tornar mais difiacutecil a tarefa dos

acusadores portanto eacute preciso insistir com as testemunhas mesmo que falem

sob a suspeita da jurisdiccedilatildeo natildeo para responder as imputaccedilotildees mas fazecirc-las

explodir Deleuze aponta que o pensamento de Nietzsche eacute desterritorializado e

que ler esse pensamento eacute se pocircr a deriva

Lemos um aforisma ou um poema do ZaratustraO uacutenico equivalenteconcebiacutevel seria talvez ldquoser conduzido comrdquoSomos conduzidos ndash umaespeacutecie de canoa da Medusa ndash haacute bombas que caem em volta dacanoa a canoa deriva em direccedilatildeo a regatos subterracircneos glaciais oubem em direccedilatildeo a rios toacuterridos o Orenoco o Amazonas pessoasremam juntas pessoas que natildeo se supotildee obrigadas a se amarem quese agridem que se devoram Remar junto eacute compartilhar dividir algofora de toda lei de todo contrato de toda instituiccedilatildeo Uma deriva ummovimento de deriva ou de ldquodesterritorialidaderdquo eu digo de uma maneiramuito fluida muito confusa pois se trata de uma hipoacutetese ou de umavaga impressatildeo sobre a originalidade dos textos nietzscheanos Umnovo tipo de livro (Cf DELEUZE sano p 12)

Nos seus uacuteltimos escritos Nietzsche apresenta um tema que denominou a

ldquogrande poliacuteticardquo114 a qual parte de uma compreensatildeo da poliacutetica para aleacutem das

fronteiras do entatildeo Estado de Direito ou seja uma poliacutetica de controle do mundo

natildeo mais a romacircntica poliacutetica dos interesses locais autoacutectones que no momento

em que escrevia era a poliacutetica de Bismarck dos Estados-Naccedilatildeo de governos

nacionalistas e autoritaacuterios que conseguiam formar identidades com a forccedila de

exeacutercitos

De algum modo esse tipo de poliacutetica de matizes ldquomodernosrdquo para

114 Sobre o tema destaca-se o trabalho de Jorge Luiz Viesenteiner ldquoA Grande Poliacutetica emNietzscherdquo ldquoTrata-se precisamente de compreender a Grande Poliacutetica a partir do vieacutes que o termoagon encerra em torno de si bem como todo o cortejo pluralista que acompanha um tal contextoagoniacutestico Imprimindo pois um sentido radicalmente conflitual agrave Grande Poliacutetica noestabelecimento do agon do campo de batalha para os filoacutesofos legisladores natildeo se trata mais deabsolutizaccedilotildees dogmaacuteticas que se auto-excluem mas ao contraacuterio trata-se preferencialmente doestabelecimento de uma arena que consiste muito mais na integraccedilatildeo em proveito da manutenccedilatildeoda tensatildeo do conflito Eacute justamente num tal terreno que os senhores da Terra ndash os legisladores dofuturo ndash satildeo capazes da criaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo e sobretudo do cultivo global da Terrardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p161

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Nietzsche padecia de viacutecios de origem ldquotodo Estado comeccedila como uma terriacutevel

tirania espero ter afastado a ideacuteia romacircntica de que se comeccedilava por um

contratordquo115 A crenccedila num povo ldquocomumrdquo numa ldquocivilizaccedilatildeordquo sob a eacutegide da paz e

da ldquoboa consciecircnciardquo o que Nietzsche sinalizava era o ldquoembusterdquo da poliacutetica como

dominaccedilatildeo imperialista do mundo para longe de qualquer romantismo o que

levaria as duas Guerras Mundiais que ocorreram no seacuteculo XX Mais uma vez natildeo

se trata de um pensador ldquoniilistardquo mas de um cliacutenico de algueacutem que iraacute fazer um

diagnoacutestico que terrivelmente se confirmou natildeo eacute ldquomais um erocecircntricordquo mas um

criacutetico da poliacutetica ldquoglobalrdquo que natildeo eacute atributivo exclusivo da europa a qual jaacute

perdeu o direito de posse dos ldquoideaisrdquo do ldquoesclarecimentordquo e da ldquocivilizaccedilatildeo como

melhor dos mundosrdquo haacute muito tempo desde Colombo ateacute Cortez Os ldquoideais do

esclarecimentordquo jaacute natildeo conhecem geografia satildeo tambeacutem apaacutetridas Esse eacute o

diagnoacutestico do Nietzsche ldquoapaacutetridardquo um psicoacutelogo que enxerga o problema com

um ldquopathosrdquo de distacircncia116 o qual recomenda como ferramenta de criacutetica ou o de

servir das coisas com lente de aumento117 e se quisermos compreender essa

ldquogrande poliacuteticardquo eacute preciso se pocircr agrave deriva para aleacutem dos romantismos

Aos acusadores do Nietzsche como ldquomais um eurocecircntricordquo eacute preciso

objetar-lhes tambeacutem sobre seu novo artigo de feacute a ldquotransmodernidaderdquo Nisso os

criacuteticos do eurocentrismo nunca se potildee em criacutetica natildeo fazem a criacutetica voltar-se

contra si mesma acham-se na condiccedilatildeo de descobridores de Eldorado quando

na verdade o Eldorado foi uma invenccedilatildeo estrateacutegia dos verdadeiros autoacutectones

da Ameacuterica natildeo dos intelectuais que falam por eles para fazer os incaultos se

115 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 74

116 pathos ainda mais misterioso o desejo de sempre aumentar a distacircncia no interior da proacutepriaalma a elaboraccedilatildeo de estados sempre mais elevados mais raros remotos amplos abrangentesem suma a elevaccedilatildeo do tipo ldquohomemrdquo a contiacutenua ldquoauto-superaccedilatildeo do homemrdquo para usar umafoacutermula moral num sentido supra-moralrdquo Cf p 169 trecho retirado do aforisma 257 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

117 Nunca ataco pessoas ndash sirvo-me da pessoa como uma forte lente de aumento com que se podetornar visiacutevel um estado de miseacuteria geral poreacutem dissimulado pouco palpaacutevel p 32 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

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perderem muitos morreram e foram dizimados pela feacute no suposto Eldorado118 e

quiccedilaacute esse tenha sido um dois maiores atos de bufonaria da histoacuteria um instante

nietzscheano antes mesmo de Nietzsche Aos acusadores e defensores do

transmoderno eacute preciso dizer-lhes que o eurocecircntrico estaacute em nossa liacutengua

portuguesa em nossa origem colonial de instituiccedilotildees tambeacutem portuguesas um

Estado carola para natildeo dizer administrado por religiosos natildeo que a religiatildeo

seja um problema (o proacuteprio Nietzsche criacutetico da religiatildeo dizia que se ela serve

para aumentar a potecircncia da sua vida entatildeo a professe) O que eacute problemaacutetico no

discurso dos transmodernos eacute o esquecimento de que a dominaccedilatildeo das

Ameacutericas se deu pelo esclarecimento e pela cruz como os dois gumes de uma

mesma espada Os teacuteoricos da libertaccedilatildeo emancipaccedilatildeo agem quase como

teoacutelogos e falam dentro de uma loacutegica da comunidade do gregaacuterio e de

valores humanistas que natildeo satildeo outra coisa senatildeo mais umas invenccedilotildees

eurocecircntricas Ora esses acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico

conseguem ser mais crentes nas invenccedilotildees eurocecircntricas do que ele Por sorte

que os verdadeiros autoacutectones ameriacutendios os quais natildeo sabiam o que era a

cruz antes de Colombo e Cortez e que podem ter desaparecido pelo genociacutedio

promovido por esses homens esclarecidos morrendo pela espada ou pela

conversatildeo ao menos souberam fornecer sinais de um Eldorado que se existe

ou natildeo nunca foi encontrado Ao contraacuterio do que se passa no Brasil hoje em que

muitos outros Eldorados jaacute se achou paiacutes completamente atrelado ao governo

do mundo tanto politicamente como economicamente numa histoacuteria de natildeo

ruptura mas sempre conciliaccedilatildeo Por isso eacute preciso denunciar esses acusadores

de Nietzsche enquanto crentes nessa filosofia da libertaccedilatildeo que natildeo rompeu

com o ideaacuterio de dominaccedilatildeo embutido na cruz e o quanto esse novo paradigma

transmoderno ainda cheira a moderno

118 A propoacutesito cabe citar o filme ldquoAguirre a coacutelera dos deusesrdquo com a participaccedilatildeo do cineastabrasileiro Ruy Guerra numa produccedilatildeo de Werner Herzog

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Ele foi um imoral Um voluntarista

A faacutebrica engenhosa de acusaccedilotildees tambeacutem imputa a Nietzsche a

condiccedilatildeo de imoral e de voluntarista seria Nietzsche um filoacutesofo que eacute contra a

repressatildeo dos instintos e como tambeacutem eacute contra os partidarismos os

engajamentos por meio de projetos no sentido marxista do termo acaba sendo

tido como um voluntarista se natildeo um individualista mais um defensor do

espontaneiacutesmo poliacutetico querendo com isso caracterizaacute-lo como menos poliacutetico

para natildeo dizer apoliacutetico ou pensador menor De fato quem acusa o faz

inescrupulosamente eacute um trabalho faacutecil muitas vezes a imputaccedilatildeo eacute dada por

alguma histoacuteria que se espalhou natildeo involuntariamente quando se ouviu dizer tal

coisa sobre Nietzsche e de fato o empenho ateacute aqui foi de mostrar a longa

histoacuteria de estelionatos cometidos contra ele por isso eacute ainda comum que

pairem no ar muitas acusaccedilotildees sobre ele talvez nem todas ainda relacionadas

nessa reabertura de inqueacuterito Podem ser que outras surjam o que torna o ofiacutecio

de advogado de Nietzsche um serviccedilo quase impossiacutevel pois quando natildeo haacute

resposta a dar as imputaccedilotildees a contra-argumentaccedilatildeo se daacute por converter a

acusaccedilatildeo numa potente questatildeo que ao menos sirva para desmantelar os

acusadores na sua feacute inquisitorial o trabalho de retoacuterica juriacutedica se daacute como um

lanccedilar de dinamites que se natildeo for suficiente para vencer a causa ao menos

consiga empataacute-la o objetivo eacute evitar a condenaccedilatildeo capital essa sim a real vitoacuteria

dos acusadores os colecionadores de antiguidades Para quem acusa

Nietzsche eacute mais um velho pensador que natildeo deve ser lido porque natildeo traz

contribuiccedilotildees para o presente e todo o ofiacutecio juriacutedico comeccedila em advogar o

contraacuterio Eacute preciso demonstrar que Nietzsche eacute um destruidor criacutetico radical dos

valores de uma moral burguesa de rebanho o que natildeo quer dizer e tambeacutem

como o dionisiacuteaco em seus aforismas que sejam indicaccedilotildees de um Nietzsche

defensor do erotismo exacerbado da orgia da imoralidade afinal essas

acusaccedilotildees tem forte tonalidade moralista eacute de se suspeitar que quem ofereccedila

essas imputaccedilotildees a Nietzsche o tenha como um ameaccedilador da dignidade e dos

bons costumes como um lobo mau Nesse sentido acusar Nietzsche de

imoral eacute uma reaccedilatildeo compreensiacutevel para quem sente os seus valores tocados

60

pela filosofia dele Todavia eacute importante revelar mais esse estelionato cometido

contra Nietzsche o que o filoacutesofo defende eacute que sejam criados novos valores a

liberdade nietzscheana natildeo eacute a liberdade do liberalismo eacute uma liberdade que

depende de uma lei119 que eacute autoimposta pelos espiacuteritos livres o pensamento

que exige o ultrapassamento constante requer disciplina e uma certa limpeza

consigo mesmo um outro tipo de ascese120 Quando Zaratustra faz o seu anuacutencio

do super-homem e de que Deus estaacute morto logo compreendem-no mal

distorcem as palavras dele como tentam fazer esses acusadores de Nietzsche

como defensor da imoralidade o que entenderatildeo os uacuteltimos homens do

anuacutencio de Zaratustra eacute que o homem tem todos os direitos natildeo significa que

grandes coisas satildeo possiacuteveis como quer Zaratustra mas que todas as

pequenas coisas satildeo autorizadas Compreendem que se Deus estaacute morto natildeo

existem mais moral nem dever nem regra de vida confundem o imoralismo com

a imoralidade121

Nietzsche eacute um defensor do imoralismo e natildeo da imoralidade eacute preciso

que se entenda a diferenccedila disso antes de acusaacute-lo levianamente A exigecircncia

por novos valores e pelo aleacutem-do-homem requer o ultrapassamento da visatildeo

decadente dos uacuteltimos homens aqueles que entendem mal o anuacutencio de

Zaratustra cabe portanto compreender que a morte de Deus natildeo eacute suficiente se

natildeo for animada por uma nova exigecircncia a virtude da vontade de potecircncia Se

compreendem como tudo eacute permitido natildeo haacute moral e natildeo haacute eacutetica o resultado

eacute o niilismo os uacuteltimos homens satildeo niilistas e quem acusa Nietzsche de ser

imoral tambeacutem eacute suspeito de o ser Para o filoacutesofo a vontade de nada esse

niilismo pode conduzir agrave extrema decadecircncia muito mais baixa do que a antiga

119 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999 sp

120 Nisso se relacionam as posiccedilotildees de Antocircnio Cacircndido no posfaacutecio da coleccedilatildeo os pensadorestambeacutem a visatildeo de Kazantzaacutekis a despeito de sua miacutestica e ainda Nietzsche no Zaratustraquando sentencia ldquotornai-vos duros ofiacutecio do guerreiro Cf NIETZSCHE Friedrich WilhelmAssim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

121 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

61

moral ao niilismo mais extremo122

O fato de Nietzsche escrever por aforismas paraacutebolas e de modo natildeo

sistemaacutetico contribui para que aleacutem dessas imputaccedilotildees recaia tambeacutem a de

pensador antieacutetico ou de que natildeo exista eacutetica possiacutevel com Nietzsche Enxergaacute-

lo assim eacute um outro modo de continuar vestindo nele a roupa de lobo mau

certamente esses inquisidores jaacute tecircm alguma eacutetica pronta com a qual acusam

desejando preservaacute-la Nisso a acusaccedilatildeo do Nietzsche antieacutetico aproxima-se a

da dele como anarquista querendo nisso apontar tambeacutem nele um retorno ao

estado de natureza de barbaacuterie com a aboliccedilatildeo da ordem de qualquer estatuto

ou regra Ora essa eacute uma estrateacutegia tatildeo niilista e folcloacuterica que talvez pouco ou

nada queira dizer sobre o que os proacuteprios anarquistas pensam Claro que para

averiguar seria necessaacuterio reabrir mais esse inqueacuterito pois quiccedilaacute tambeacutem os

anarquistas tenham sofrido muito com a maliacutecia de outros estelionataacuterios Mas

essas mateacuterias satildeo temas de outros processos cujo conteuacutedo natildeo pode ser

trazido por apensamento a este trabalho que jaacute eacute um mergulho no processo de

condenaccedilatildeo do pensamento nietzscheano motivado por acusaccedilotildees levianas de

muacuteltiplas direccedilotildees O desafio para afirmar uma eacutetica nietzscheana estaacute no

pensamento de um autor que combate universalismos natildeo os promove e

tambeacutem de algueacutem que natildeo fez de sua filosofia uma lista de dogmas cuja leitura

sistemaacutetica pudesse lograr respostas vaacutelidas Assim os acusadores sentem-se

mais encorajados em ter achado mais uma vez o noacute da filosofia nietzscheana um

pensamento sem eacutetica onde nenhuma saiacuteda eacute possiacutevel ainda mais para quem

estaacute acostumado com receitas eacuteticas dadas a priori por pensamentos que lhes

ditam a verdade Certamente natildeo eacute desse tipo de eacutetica que se trata quando se

estuda Nietzsche ele natildeo eacute um professor de verdades querer julgaacute-lo como um

eacute a conduta que tipifica mais esse estelionato A eacutetica presente em Nietzsche eacute

a que estaacute disponiacutevel para os homens que se obteacutem123 eacute a eacutetica de homens

122 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

123 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

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que se assumem tragicamente como criadores de valores as suas proacuteprias

virtudes ou seja satildeo legisladores de si mesmos A eacutetica nietzscheanamente estaacute

incutida na sentenccedila que eacute subtiacutetulo de seu Ecce homo torna-te aquilo que tu

eacutes o que indica natildeo uma receita natildeo uma verdade mas uma pista eacute o seu

anuacutencio pelo qual aceitou perecer124 ou seja o seu anuacutencio final indica a sua

eacutetica que se daacute enquanto filosofia experimentada na proacutepria vida no proacuteprio

corpo eacute uma acuteetica de quem testa na proacutepria carne suas verdades de quem

ousa assim viver perigosamente para colher da vida maior fecundidade125 Eacute

portanto viver natildeo conforme as velhas taacutebuas mas criar novas as suas

experimentaacute-las correndo o risco de natildeo saber de natildeo ter certeza de agir sem

fiador sem algueacutem que valida a priori sem obedecer a uma verdade alheia

que natildeo a sua verdade conquista e gravada com o proacuteprio sangue

Nas leituras miacutesticas de Nietzsche essa eacutetica seraacute a daquele que

consegue ouvir a voz de seu coraccedilatildeo o grito de sua alma o mais profundo apelo

por ser aquilo que eacute o que exige a travessia pelo deserto da solidatildeo daquele que

chega a cidade e encontra as portas fechadas e ainda lhe roubam seus animais

o deixando sem montaria e comida126

Nietzsche ainda escreveraacute em cartas que um dos motivos de abandonar

sua caacutetedra na Basileacuteia natildeo foi soacute o seu precaacuterio estado de sauacutede mas tambeacutem a

necessidade de ouvir mais a sua voz e menos a voz dos outros precisava sair do

ambiente acadecircmico muito preso agraves reproduccedilotildees do discurso e das verdades

alheias para ouvir e escrever o que lhe ditava sua proacutepria voz que soacute balbuciava e

pedia liberdade

Apenas meus olhos puseram fim agrave bibliofagia leia-se ldquofilologiardquo estava

124 ldquoamo aqueles que anunciam o aleacutem-do-homem e perecem pelo seu anuacutenciordquo Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira 2003 sp

125 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

126 Cf Nietzsche em Humano demasiado humano seleccedilatildeo de aforismas contida em NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filho posfaacutecio de AntocircnioCacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

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salvo dos livros nada mais li durante anos ndash o maior benefiacutecio que meconcedi ndash Aquele Eu mais ao fundo quase enterrado quase emudecidosob a constante imposiccedilatildeo de ouvir outros Eus (- isto significa ler)despertou lentamente tiacutemida e hesitantemente ndash mas enfim voltou afalar Nunca fui tatildeo feliz comigo mesmo como nas eacutepocas mais doentiase dolorosas de minha vida basta olhar Aurora ou ldquoO andarilho e suasombrardquo para compreender o que foi esse ldquoretorno a mimrdquo umasuprema espeacutecie de cura(Cf SAFRANSKI 2005 p 75-76)

Certamente com Nietzsche se estaacute a falar de uma eacutetica de espiacuteritos

livres que conseguem impor a si mesmos sua lei dobrando as forccedilas a seu favor

como ultrapassamento do homem acostumado a ser levado como rebanho

pelas verdades dos outros Os acusadores nunca satisfeitos iratildeo imputar ao

Nietzsche a condiccedilatildeo de ter uma eacutetica individualista o que eacute outra fraude

leviana Nietzsche eacute um criacutetico do individualismo burguecircs que eacute assentado numa

moral de rebanho tambeacutem critica o liberalismo o que natildeo deixa de ser um

niilismo tal como a voracidade consumista hoje o eacute pois nunca satisfeita busca

uma identidade pelas coisas eacute nesse sentido que o rebanho burguecircs se curva

perante outros ideais seu individualismo eacute um deles127 a crenccedila na autonomia

da vontade nos negoacutecios nos contratos A eacutetica nietzscheana natildeo estaacute aiacute para

ser comprada tal como um artigo de feacute natildeo eacute eacutetica da libertaccedilatildeo com

rudimentos de religiatildeo natildeo eacute catecismo e conversatildeo de ningueacutem muito menos

cadeias velhas com tintas novas

A eacutetica nietzscheana exige que seja experimentada testada na sua

proacutepria carne exige um engajamento traacutegico o lanccedilar de dinamites requer

comprometimento com o que se lanccedila responsabilidade com o agir num esforccedilo

de alteridade radical que natildeo quer disciacutepulos mas companheiros Uma eacutetica e

127 Agraves vezes o valor de uma causa se mede natildeo pelo que se alcanccedila com ela mas pelo que eacutepreciso pagar por ela pelo que ela nos custa Eis aqui um exemplo disso As instituiccedilotildees liberaisdeixam de ser liberais tatildeo logo sejam estabelecidas em seguida nada eacute mais sistematicamentenefasto para a liberdade do que as instituiccedilotildees liberais Sabe-se muito bem o que elas trazemconsigo minam a vontade de poder erigem como sistema moral o nivelamento dos cumes e daescoacuteria da sociedade tornam tudo mesquinho covarde e estroacuteina ndash nelas eacute sempre o animalgregaacuterio que triunfa Liberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153retirado de o ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Escritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad NoeacuteliCorreia de Melo Sobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

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alteridade que resultam da contundecircncia do agir e de sua forccedila de contaacutegio128

Natildeo se trata de uma eacutetica dada aprioristicamente e nem de uma alteridade

como reconhecimento do outro sem antes uma alteridade de si que exige o

colocar-se na accedilatildeo o teste de fogo que natildeo pode ter medo de se queimar

(Nietzsche a propoacutesito fala que natildeo se pode ter medo de se queimar em sua

proacutepria chama129 ou seja natildeo temer a sua destruiccedilatildeo nesse agir a sua

autocriacutetica criacutetica dentro da criacutetica) Os inquisidores prontos a defender sua feacute

acusaratildeo a accedilatildeo descrita como voluntarismo espontaneiacutesmo e ateacute como

idealismo afinal fugiu aos padrotildees costumeiros ou melhor ousou contrariar a

tradiccedilatildeo Pois eacute como contestaccedilatildeo da tradiccedilatildeo que se daacute essa eacutetica

nietzcheana derrubando os iacutedolos os ideais abalando a feacute neles ousando

profanar o lugar sagrado o altar em que se concebeu as verdades para o

homem esse animal de rebanho cuja longa histoacuteria de domiacutenio daacute se o nome

de tradiccedilatildeo

O engajamento nietzscheano eacute traacutegico porque enfrenta uma onda de

costumes amparados por valores morais culturais incutidos desde sempre eacute

uma luta quase impossiacutevel como eacute a advocacia nessa causa Afinal os adversaacuterios

tecircm sempre uma eacutetica um paradigma um partido um iacutedolo para definir o

que eacute certo e errado e senatildeo fosse o bastante ainda satildeo a maioria Nietzsche

sabia disso e uma eacutetica ao seu modo soacute pode ser o empenho que poucos

conseguiratildeo e na adversidade Natildeo se trata de voluntarismo mas um

comprometimento visceral na proacutepria carne com a accedilatildeo eacute o comprometimento

daquele que se implica na sua tarefa o que eacute diferente do comprometimento dos

partidaacuterios que agem em nome do partido com o respaldo dos outros e da

128 A ldquoeacuteticardquo nietzscheana sinaliza diretamente para uma poliacutetica traacutegica ldquoUma poliacutetica que deveinaugurar seus companheiros (criaacute-los) e a si mesma cujo poder estaacute na contundecircncia da accedilatildeo enuma seduccedilatildeo onde o poder engajador fundamental natildeo eacute a sua lsquoverdadersquo mas seu poder maacutegicode envolvimentordquo Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio deJaneiro 7Letras 2000 p 379129 ldquoComo se renovar sem antes se tornar cinzasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

65

deliberaccedilatildeo130

A acusaccedilatildeo de voluntarismo e espontaneiacutesmo eacute tentativa leviana de

imputar a essa eacutetica nietzscheana algum conteuacutedo de desresponsabilidade

quando se trata de um maacuteximo de responsabilidade porque natildeo se age em nome

de ningueacutem a natildeo ser daquilo que traccedilou para si mesmo com o custo traacutegico da

proacutepria vida e todos os que se engajam desse modo agem como companheiros e

natildeo disciacutepulos e seguidores de partido ou seita pois agem na condiccedilatildeo de

estarem seguindo a si mesmos131 Importante trazer o substantivo seita proacuteximo

ao de partido porque natildeo soacute se assemelham enquanto praacuteticas sectaacuterias

segregadoras mas tambeacutem se trata de rechaccedilar a ideacuteia de um terrorismo

nietzscheano de confundir essa accedilatildeo traacutegica com a dos fundamentalismos

portanto antecipando possiacuteveis outras acusaccedilotildees levianas Desse modo natildeo eacute

porque natildeo se segue projeto ou receita que uma accedilatildeo nietzscheana nos

termos apontados seria espontacircnea e idealista ou de rebeldes sem causa eacute

antes resultado de um diagnoacutestico do presente por isso natildeo espontacircneo

constataccedilatildeo da falecircncia dos a priores e do proacuteprio partido eacute accedilatildeo que se daacute

sem fiadores sem a crenccedila nos ideais dos outros e sem querer converter

ningueacutem a essa ideacuteia Se outros trabalharatildeo juntos eacute pela forccedila de contaacutegio e da

virulecircncia desse agir cuja afirmaccedilatildeo requer criatividade para confundir os coacutedigos

do poder132

O engajamento natildeo eacute gratuito natildeo eacute espontacircneo natildeo se esconde atraacutes

de slogans de partido e a accedilatildeo natildeo eacute voluntaacuteria eacute estrateacutegica Eacute assim que o

pensamento de Nietzsche talvez traga uma eacutetica natildeo escrita natildeo pronta uma

130 ldquoO pensamento quer a sua plenitude ndash a accedilatildeo poliacutetica quer sua contundecircnciaO acasorestituiacutedo ndash a poliacutetica nas raiacutezesrdquo p 74 ldquoA accedilatildeo sem modelos sem identidades sem pai seminstituiccedilotildees ou regrasrdquo Cf p 83 Escobar Carlos Henrique de O gato agrave deriva da Razatildeo In Porque Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

132 ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura uma tentativa dedecodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativa que consistiria em decifrar os coacutedigosantigos presentes ou futuros poreacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo p 11 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

66

eacutetica a ser obtida por quem tiver condiccedilotildees de fazecirc-lo e dessa eacutetica abre-se

uma poliacutetica traacutegica nietzscheana133 Aos acusadores cabe a sugestatildeo de ouvir

mais a sua voz e menos a dos outros

Por que ler Nietzsche no Direito

Tenho que confessar que por muito tempo natildeo tive resposta a essa

pergunta ardilosa pois feita por aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica

estatildeo de tal modo refeacutens dos padrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute

por recortes secccedilotildees que sempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um

modo de voltar a metodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total

de criteacuterio de ponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que

Nietzsche por toda a longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer

serventia para uma pesquisa acadecircmica no campo do Direito

Assim confessar que natildeo tinha respostas ateacute as veacutesperas dessa redaccedilatildeo

eacute produzir provas contra si mesmo e prejudicar o empreendimento de defesa

desse Nietzsche reacuteu Pois entatildeo o que seraacute que iratildeo pensar esses acusadores se

for ainda mais sincero levando a virtude da probidade ao seu mais alto grau134

e disser que ateacute agora natildeo tenho respostas e certamente duvido se um dia as

terei Se minha situaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo

acadecircmica agora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado

de Nietzsche nessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que

natildeo levaratildeo feacute em meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas

tambeacutem porque natildeo sou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse

trabalho seja aprovado para me diplomar Dessa forma que esperanccedilas ter na

aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e de chegada na razatildeo

133 Cf MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar aser aquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008 p 485-503134 Sobre a virtude da ldquoprobidaderdquo em Nietzsche e sua relevacircncia Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR OswaldoLabirintos da alma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP1997 sp

67

acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegico natildeo tem

pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo de curso de

Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegica do

ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco que natildeo

fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esse eacute o

meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar uma condenaccedilatildeo

faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Mas antes da

condenaccedilatildeo como mais um onamismo intelectual permitam-me as uacuteltimas

palavras direi que natildeo se trata mesmo de um trabalho de feacute nem nas minhas

argumentaccedilotildees nem sobre o que trouxe a respeito de Nietzsche eacute antes um

diaacutelogo de subjetividade enquanto tirociacutenio juriacutedico para aleacutem do objetivismo do

recorte acadecircmico Assim o ponto de partida eacute o reacuteu Nietzsche acusado de

muitos crimes e que paga uma pena perpeacutetua resultado de estelionatos

cometidos contra ele eacute o que se estaacute a sustentar O trabalho comeccedila na defesa

de algueacutem natildeo de um pedaccedilo natildeo de um recorte na razatildeo acadecircmica Eu

estudo nessa faculdade e espero me diplomar nela para operar o direito e natildeo

para ser meacutedico legista natildeo fiz recorte algum pois esse seria um corte no reacuteu

um crime de lesatildeo corporal o que para um leigo na arte meacutedica poderia causar a

mutilaccedilatildeo do reacuteu levando-o a oacutebito nesse caso se estaacute a falar da filosofia de

Nietzsche Natildeo pretendo mataacute-lo de novo E nem agir tatildeo criminosamente como

os estelionataacuterios que durante anos operaram recortes arbitraacuterios em sua

filosofia mesmo que em nome da razatildeo acadecircmica Se assim fosse o trabalho

jaacute comeccedilaria errado jaacute estaria dando motivos para ter minha oab cassada antes

mesmo de consegui-la afinal estaria sendo antieacutetico em meu ofiacutecio de

advogado de Nietzsche e poderia tambeacutem ser acusado de profanar o seu

cadaacutever como necroacutefilo que em nome da razatildeo acadecircmica essa pretensa

medicina legal operaria um recorte em sua filosofia que eacute cauterizada em sua

proacutepria carne Pois o pensamento de Nietzsche estaacute nos seus ossos no seu

sangue no seu corpo eacute visceral Natildeo se trata de fazer onamismo intelectual

violar cadaacutever nenhum ou construir um novo altar O trabalho de advogar

Nietzsche comeccedila primeiro por confissotildees de falta de saber natildeo soacute o juriacutedico de

68

uma faculdade ainda natildeo concluiacuteda mas as dificuldades de conhecer o proacuteprio

reacuteu jaacute que natildeo conheccedilo a liacutengua em que Nietzsche escrevia o alematildeo e tambeacutem

natildeo leio em inglecircs ou francecircs por enquanto para consultar as publicaccedilotildees

internacionais a seu respeito sobretudo a Nietzsche-Studien135 o que torna o

ofiacutecio mais complicado porque se a longa cartas de acusaccedilotildees a Nietzsche eacute

proacutediga os elementos para contestaacute-las satildeo sempre limitados e passam

necessariamente pelas confissotildees de limitaccedilatildeo do proacuteprio defensor enquanto que

os acusadores se julgam sempre bastante preparados e apoiados em argumentos

reiterados Mais uma vez se produz provas contra si mesmo o que num

processo desses pode ser fatal quando quem acusa estaacute a espreita aguardando

que se decirc motivo para condenar Agindo assim acabo complicando a situaccedilatildeo

abalo a feacute nas minhas defesas prejudico o reacuteu podendo gerar a perda da causa

Mas seria esconder ou dissimular os fatos confessados a proacutepria condenaccedilatildeo do

reacuteu a morte do seu pensamento eacute disso que se trata Eacute um ato de probidade136

que manteacutem o pensamento de Nietzsche defensaacutevel pois exige outro tipo de

responsabilidade que natildeo a contratual mas uma que se daacute sobre a minha proacutepria

vida

Portanto natildeo eacute apenas uma reabertura de inqueacuterito sobre Nietzsche eacute

tambeacutem um colocar-se em julgamento na frente dos animais chicoteadores

como companheiro numa luta que exige um custo traacutegico partilhando de uma

mesma sentenccedila A condenaccedilatildeo do seu pensamento como inuacutetil ao direito eacute

tambeacutem a minha reprovaccedilatildeo acadecircmica Afinal ou se vive perigosamente para

colher maior fecundidade da vida e se desafia o establishment ou se faz a

135 Notoacuteria publicaccedilatildeo internacional sobre Nietzsche fundada em 1972 por Wolfgang Muumlller-Lautercom artigos nas versotildees em inglecircs alematildeo e francecircs Muumlller-Lauter foi tambeacutem coordenador doArquivo Nietzsche onde estaacute o espoacutelio intelectual do filoacutesofo Cf prefaacutecio de Scarlett MartonProfessora da USP para A doutrina da vontade de poder em Nietzsche obra de Muumlller-Lautertraduccedilatildeo de Oswaldo Giacoacuteia Jr

136 Para os ldquoespiacuteritos livres muito livresrdquo termos como probidade intelectual virtude auto-supressatildeo da moral natildeo fazem mais sentido senatildeo como ldquoironiardquo como ldquofoacutermulasrdquo de se tornarainda inteligiacuteveis para aqueles que se mantecircm prisioneiros dos preceitos moraistermos comovirtude dever probidade natildeo podem mais ser senatildeo maacutescaras que ela natildeo pode dispensar paraa realizaccedilatildeo de sua tarefa para a formulaccedilatildeo de seu problema precisamente o de revelar o idealmoral da vontade de verdade como um problema Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Labirintos daalma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP 1997 p 144-145

69

opccedilatildeo pelos arautos da razatildeo acadecircmica que seduzem o rebanho nos dois

casos haacute um preccedilo a pagar escolhi o mais difiacutecil

Ama o perigo Que haveraacute de mais difiacutecil Eacute isto que eu quero Qual ocaminho a seguir O que sobe o mais escarpado Este eacute o que eu tomosegue-me (KAZANTZAacuteKIS sano p 45 fragmento 12)

A Vontade que interroga o Poder

Optar pela pergunta e natildeo por um tema eacute entender que na questatildeo

reside a potecircncia que pode dinamitar as pretensotildees dos meacutedicos legistas

sempre dispostos a encontrar um corte adequado aos seus estudos Ora

academicamente e filosoficamemte o tema deveria ser sempre a pergunta e

quem discorda que tente provar o contraacuterio Este trabalho eacute todo ele pergunta

sem resposta exerciacutecio de questionamento militante como argumentaccedilatildeo juriacutedica

As defesas apresentadas satildeo tambeacutem outras perguntas cuja estrateacutegia se baseia

no retorno da potecircncia da questatildeo aos acusadores que por serem muito crentes

em suas certezas natildeo tem nenhuma ou pouca feacute nas defesas apresentadas137

Portanto trata-se de devolver a questatildeo com potecircncia multiplicada em direccedilatildeo agraves

estruturas desses edifiacutecios de certezas e fazecirc-las vir abaixo num movimento

escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo138 Natildeo se trata de querer reinventar a roda de

ensinar como se deve proceder ou de se fazer tese de doutorado natildeo se trata

137 cuidado eu sou um forte e vigoroso vento tomai cuidado ao cuspir contra o vento CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

138ldquoExplorar a fundo seus meandros alcance e implicaccedilotildees mostra-se como requisito indispensaacutevelpara podermos compreender o sentido de sua filosofia A reviravolta da noccedilatildeo de sujeito requer umtrabalho paciente e meticuloso de ruminaccedilatildeo voltado ao repasse criacutetico dos caminhos trilhadospara estabelececirc-la agrave penetraccedilatildeo audaciosa em seus mais recocircnditos domiacutenios e agrave exploraccedilatildeo doslimites insertos em seus referenciais constitutivos Numa atividade subterracircnea lenta mas vigorosao filoacutesofo alematildeo vai instalando explosivos nas rachaduras do solo subjetivo submetendo-o a ummovimento escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo Contudo para que a explosatildeo alcance proporccedilotildeesradicais faz-se necessaacuterio enlaccedilar os cartuchos da dinamite destruidora com o estopim feito dematerial genealoacutegico Eacute atuando nessas duas frentes que Nietzsche pretende desencadear acataacutestrofe do sujeito entendida como ponto alto de inflexatildeo do pensamento metafiacutesico tradicional eabertura de novos horizontes filosoacuteficos Cf ONATE Alberto Marcos O crepuacutesculo do sujeito emNietzsche ou como abrir-se ao filosofar sem metafiacutesica Satildeo Paulo Discurso Editorial 2000 p 18

70

de catecismo mas de uma contestaccedilatildeo a ele do modo como as coisas sempre

foram feitas metodologicamente sem escrever uma tese sobre Natildeo eacute apanhado

de perguntas com respostas e nem se quer provar uma tese eacute o desafio de fazer

algo diferente na graduaccedilatildeo de correr o risco deixando de lado as reproduccedilotildees

doutrinaacuterias legislativas e jurisprudenciais e os compilados de fichas de leituras

esses catecismos que satildeo valorados academicamente como trabalhos de

monografia Aqueles que estatildeo acostumados a seguir a cartilha da tradiccedilatildeo e

dos manuais ouvindo mais a voz dos outros que a de si mesmos certamente iratildeo

imputar a este meu trabalho a condiccedilatildeo de tese ou de petulacircncia ou arrogacircncia

de quem almeja uma tese Ora o que fiz e estou fazendo agora eacute ouvir um pouco

a minha proacutepria voz advogando Nietzsche dialogando-o com a minha

subjetividade sem a pretensatildeo de concluir de responder as perguntas de

reinventar a roda ou promover a beatificaccedilatildeo dele lustrando as suas botas pois

se fizesse isso estaria mais proacuteximo do catecismo das reproduccedilotildees acadecircmicas

esses sim onamismos intelectuais do gozo sem prazer obras de estudantes

fieacuteis escudeiros de professor Certamente se tivessem lido Nietzsche teriam

visto a maior homenagem que um estudante pode fazer a seu professor eacute a de

roubar dele a sua coroa Ouvi mais a sua proacutepria vozrdquo139 Nietzsche irritou-se uma

vez com aqueles que chamou de filisteu na academia eram gente que apenas

reproduzia o que os outros jaacute tinham escrito quando natildeo muito imiscuiacutedos numa

loacutegica corporativista e clientelista buscavam algum benefiacutecio com esse servilismo

acadecircmico Nietzsche abandona a sua caacutetedra e vai viver como andarilho a sua

filosofia seraacute um meacutetodo de revolta140 pois se esforccedilaraacute por trazer aos seus

aforismas a potecircncia de uma maacutequina de guerra para interrogar o Poder visto de

modo muacuteltiplo difuso o que exige para um melhor desempenho dessa maacutequina

o ataque na estrateacutegia perspectivista Foucault escreve na Microfiacutesica do Poder

que Nietzsche foi filoacutesofo que pensou o poder sem enredaacute-lo numa teoria do

139 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

140 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999

71

poder141

Nietzsche eacute um criacutetico do Poder nas suas mais variadas manifestaccedilotildees

incluindo o proacuteprio Direito e a faculdade em que este trabalho eacute apresentado

afinal satildeo campos de exerciacutecio de poderes estaacute aiacute toda a pertinecircncia juriacutedica

buscada pelos farejadores de heresias diante do altar acadecircmico O trabalho

poderia concluir por isso mas natildeo eacute conclusivo haacute muito mais a falar Nietzsche

desenvolve uma filosofia que trabalha com o jogo de forccedilas de intensidades de

energias142 se trata de uma filosofia da vontade de poder A potecircncia estaacute o

tempo todo em jogo em luta em combinaccedilotildees sempre provisoacuterias tal como no

acircion heraclitiano eacute constante movimento devir Essa vontade atravessa os

corpos e os constituem do iniacutecio ao fim da vida tudo eacute vontade de poder no seu

grau mais alto ou mais baixo segundo Deleuze nas conclusotildees do coloacutequio de

Royaumont ldquoNietzscherdquo sobre a vontade de poder ou de potecircncia a variar pelas

traduccedilotildees dizia que

Se tudo eacute maacutescara se tudo eacute interpretaccedilatildeo avaliaccedilatildeo o que eacute que haacuteem uacuteltima instacircncia jaacute que natildeo haacute coisas a interpretar nem avaliarcoisas a mascarar Em uacuteltima instacircncia natildeo haacute nada salvo a vontade depotecircncia que eacute potecircncia de metamorfose potecircncia de modelar asmaacutescaras potecircncia de interpretar e de avaliarEacute preciso entenderldquovontade de potecircnciardquo Natildeo se trata de um querer-viver pois como o queeacute vida poderia querer viver Natildeo se trata de um desejo de dominar poiscomo o que eacute dominante poderia desejar dominar Zaratustra dizldquoDesejo dominar poreacutem quem quereria chamar isto um desejordquo Avontade de potecircncia natildeo eacute entatildeo uma vontade que quer a potecircncia ouque deseja dominar Uma tal interpretaccedilatildeo com efeito teria doisinconvenientes Se a vontade de potecircncia significava querer a potecircnciaela dependeria evidentemente dos valores estabelecidos honrasdinheiro poder social visto que estes valores determinam a atribuiccedilatildeo eo reconhecimento da potecircncia como objeto de desejo e de vontade Eesta potecircncia que a vontade quereria ela natildeo a obteria senatildeo selanccedilando numa luta ou num combate Bem mais perguntemos quemquer a potecircncia desta maneira quem deseja dominar Precisamenteos que Nietzsche chama de escravos de fracos Querer a potecircncia eacute aimagem que os impotentes se fazem da vontade de potecircncia Nietzschesempre viu na luta no combate um meio de seleccedilatildeo poreacutem quefuncionava ao contraacuterio e que vinha em benefiacutecio dos escravos e dos

141 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal 1979142 O instinto eacute forccedila vontade atividade e pode-se aumentar essa lista de sinocircnimos daterminologia nietzscheana acrescentando potecircncia energia intensidadeCf MACHADO RobertoNietzsche e a Verdade 2ed Rio de Janeiro Rocco 1985 p 102-103

72

rebanhos Entre as maiores palavras de Nietzsche encontra-se ldquotem-sesempre de defender os fortes contra os fracosrdquo Sem duacutevida no desejode dominar na imagem que os impotentes se fazem da vontade depotecircncia encontra-se ainda uma vontade de potecircncia poreacutem no maisbaixo grau A vontade de potecircncia no seu grau mais alto sob a formaintensa ou intensiva natildeo consiste em cobiccedilar nem mesmo em tomarporeacutem a dar e a criar (DELEUZE sano p 21-22)

Haacute que se afastar logo a leitura metafiacutesica dessa vontade de poder de

matiz heideggeriano pois natildeo se trata de princiacutepio de fundamento de nada o que

seria estancar o movimento e colocaacute-lo numa garrafa essa eacute a tarefa dos

miacutesticos a querer apreender o democircnio numa garrafa a vontade de poder natildeo

eacute maquinaccedilatildeo diaboacutelica e muito menos saiacuteda metafiacutesica eacute movimento Por isso

Deleuze afirmar que os aforismas de Nietzsche tambeacutem satildeo essa vontade de

poder cuja potecircncia dependeraacute das forccedilas que atuaratildeo sobre eles para agenciaacute-

los143 Eacute no agenciamento dessas forccedilas que se mobiliza a maacutequina de

guerra144 e a sua artilharia contra as colunas do templo da faculdade de direito

para ver o que sobra dela Mas antes que me acusem de criminoso ao me

apresentar com esse Nietzsche145 uma arma perigosa sem ter o porte dela eacute

preciso que se diga que se trata apenas de uma metaacutefora pois o preacutedio da

faculdade de direito lembra o paternon grego Contudo natildeo eacute sem sentido do

ponto de vista nietzscheano jaacute que a virulecircncia de sua filosofia da vontade de

poder eacute trabalhar por ataques nos fundamentos dinamitando-os A estrateacutegia natildeo

pode ser outra que natildeo o questionamento militante que interroga o Poder

143 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

144 Os nocircmades inventaram uma maacutequina de guerra contra o aparelho de Estado Nunca a histoacuteriacompreendeu o nomadismo nunca o livro compreendeu o fora Ao longo de uma grande histoacuteria oEstado foi o modelo do livro e do pensamento o logos o filoacutesofo-rei a transcendecircncia da Ideacuteia ainterioridade do conceito a repuacuteblica dos espiacuteritos o tribunal da razatildeo os funcionaacuterios dopensamento Cf DELEUZE Gilles Mil Platocircs vol1 rizoma Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio deJaneiro Ed 34 1995 p 35

145 De que modo entendo o filoacutesofo como um terriacutevel corpo explosivo diante do qual tudo correperigo de que modo tanto distancio meu conceito de filoacutesofo de um conceito que inclui ateacute umKant para natildeo falar dos ruminantes acadecircmicos e outros professores de filosofia Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995 p70-71

73

combatendo os poderes variados que o sustentam O Direito serve ao poder com

sua rede de mitos sujeito de direito legalidade lei ordem constituiccedilatildeo o cidadatildeo

e o criminoso entre outros a linguagem juriacutedica eacute proacutediga em mitos como toda

linguagem mas sobretudo a que serve ao direito pois serve ao poder Aleacutem

disso o Direito eacute espaccedilo em que haacute choques de forccedilas pois em tudo haacute vontade

de poder o que indica que essas forccedilas podem ser agenciadas talvez algum

sentido outro ainda pode ser buscado nessa razatildeo instrumentalizada que eacute o

Direito esse produto do esclarecimento O Direito eacute espaccedilo privilegiado do

Poder onde ele tem sua proacutepria corte os Tribunais que tambeacutem dizem o que eacute o

direito dos outros e evidentemente tambeacutem condenam e julgam a periculosidade

ou natildeo dos acusados A faculdade de direito eacute responsaacutevel por formar

administradores da justiccedila e os que a representaratildeo falando em nome dela

jurando dizer a verdade com honestidade de modo eacutetico pelos outros e para

os outros em nome da sociedade A essa altura os engenheiros de paradigmas

transmodernos146 ou natildeo mas defensores da praacutexis talvez destilem alguma

acusaccedilatildeo do tipo a de que este trabalho sobre Nietzsche e Direito natildeo tem a ver

com nada e que tambeacutem natildeo serve a sociedade que soacute eacute uacutetil o trabalho que

serve a sociedade que resolve um problema dela concreto Ora do altar

acadecircmico esses acusadores ligeiros falam de sociedade problemas dela

cidadania democracia o concreto quando nesse altar de maacutermore quem

estuda eacute uma elite que teve o meacuterito de ser aprovada no concurso vestibular eacute de

uma elite proprietaacuteria que se trata muitas vezes filha da burguesia da classe

meacutedia alta de um grupo de privilegiados que se autodenominam os bons os

justos a defender os excluiacutedos Eacute gente que advoga a praacutexis mas que natildeo

sabe o que eacute labor braccedilal certamente porque tem algum legiacutetimo membro dos

excluiacutedos a fazer os serviccedilos de casa Isto porque eacute provaacutevel que exista mais

146 A referecircncia eacute Dussel que trabalha dentro da perspectiva da ldquofactibilidaderdquo e do ldquoparadigma davida concretardquo Todavia cabe esclarecer que o movimento de criacutetica aos ldquotransmodernosrdquo eacute adefesa de Nietzsche que eacute apontado por Dussel como ldquoirracionalistardquo p 346 e filoacutesofo daldquoburocratizaccedilatildeo nazi-fascistardquo p354 ambas imputaccedilotildees presentes na sua obra Eacutetica dalibertaccedilatildeo E ainda que essa criacutetica natildeo ignora que aqueles que tecircm Nietzsche como ldquonefelibatardquotalvez sejam tambeacutem os ldquoengravatadosrdquo ou ldquoalmofadinhasrdquo que satildeo o estereoacutetipo do estudantede direito que natildeo consegue enxergar para aleacutem dos coacutedigos Assim Nietzsche natildeo eacutedevidamente lido e interpretado nem pelos ditos ldquoprogressistasrdquo (transmodernos ou natildeo) e muitomenos pelos mais ldquotradicionaisrdquo dentro do direito

74

ideal do que concreto nas formulaccedilotildees socialmente corretas daqueles que

falam pelos excluiacutedos147 e talvez aiacute se descubra mais inutilidade em seus

trabalhos do que a pretensa utilidade que advogam mais conteuacutedo de embuste

que verossimilhanccedila mais os problemas inferidos sobre a realidade que

conhecimento e vivecircncia dela Assim a academia eacute uma longa histoacuteria desses

sofistas da sociedade gente que no afatilde de falar pelos outros faz da sociedade

um conceito reificado ao seu discurso apropriado para seduzir e convencer de

que satildeo mais verdadeiros que os outros ou que fazem o bem satildeo solidaacuterios

com a dor alheia Seria interessante um dia perguntar ao excluiacutedo o que ele acha

e o que entende desse discurso afinal a liacutengua do direito eacute ferramenta de poder

e as vezes pouco inteligiacutevel e bom que o seja senatildeo todo mundo entenderia a lei

e falaria por si mesmos natildeo precisaria mais de advogados e talvez nessa

constataccedilatildeo tenha mais verdade do que piada

A faculdade tem a aparecircncia de um templo cujas paredes satildeo

impermeaacuteveis ao excluiacutedo de que falam esses filhos da elite do ensino

particular ou seriam os comunistas de tecircnis importado O excluiacutedo oprimido

proletaacuterio luacutempemproletaacuterio no mais das vezes soacute entra na academia pelo

discurso alheio por uma leitura que fazem e que a julgam ideal ou sobre os

problemas deles preocupada com eles Ora com isso tambeacutem sou estudei

minha vida toda em escolas puacuteblicas da periferia de Curitiba e diferente dos

comunistas de tecircnis importado aprendi na proacutepria pele o que eacute o labor braccedilal

assim como os meus pais por isso natildeo falo pelos outros a natildeo ser por mim e

meus companheiros de jornada natildeo tenho a cartilha da praacutexis comigo e nem

147 Na Microfiacutesica do Poder haacute o diaacutelogo de Foucault e Deleuze intitulado ldquoos intelectuais e opoderrdquo nele ambos desenvolvem o tema de que o intelectual se acostumou a falar pelos outrosquando essa ldquoalteridaderdquo esse ldquooutrordquo natildeo eacute ouvido nem fala por si soacute eacute falado ldquoporrdquo algueacutemapanhado no discurso de uma ldquorepresentaccedilatildeordquo Eacute importante fazer essa referecircncia porque aacademia eacute o lugar por excelecircncia desse tipo de discurso ldquopor algueacutemrdquo ainda mais quando asatividades de extensatildeo satildeo negligenciadas aiacute sequer se conversa com esse ldquooutrordquo ldquoPara noacutes ointelectual teoacuterico deixou de ser um sujeito uma consciecircncia representante ou representativaAqueles que agem e lutam deixaram de ser representados seja por um partido ou um sindicatoque se arrogaria o direito de ser a consciecircncia deles Quem fala e age Sempre umamultiplicidade mesmo que seja na pessoa que fala ou age Noacutes somos todos pequenos gruposNatildeo existe mais representaccedilatildeo soacute existe accedilatildeo accedilatildeo de teoria accedilatildeo de praacutetica em relaccedilotildees derevezamento ou em rederdquo Cf DELEUZE Gilles Os intelectuais e o Poder In FOUCAULTMichel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979

75

quero vender uma a ningueacutem mesmo que sob o roacutetulo da utilidade Pois vivo

para aleacutem dos muros da faculdade na periferia vivo na contradiccedilatildeo social

mergulhado na praacutexis que experimento na proacutepria carne sem circunloacutequios que

massageiam a liacutengua e o ego desses representantes do povo Cabe portanto

implodir148 a feacute desses comunistas de tecircnis importado partidaacuterios ou de

novos paradigmas ou estelionataacuterios do velho Marx talvez aiacute esteja toda a

utilidade desse trabalho fora a pertinecircncia juriacutedica jaacute citada mas o seu valor

social residindo no empenho nietzscheano de derrubar no chatildeo o doce dessas

crianccedilas ricas e de dissipar os seus castelos de areia E muitos iacutedolos tecircm

seus castelos suas confrarias sempre a parte da sociedade mesmo quando

se dizem ponte para elas eacute preciso explodir essas vaacuterias paredes eacute o trabalho de

um incendiaacuterio a faculdade puacuteblica ainda estaacute muito distante da sociedade que a

sustenta Quem sabe colocar a vontade para interrogar o Poder seja um ato de

preocupaccedilatildeo social

Criacutetica da Modernidade ou o Direito como produto do esclarecimento

Natildeo soacute o Direito mas tambeacutem a sua linguagem codificada seus mitos

ficccedilotildees seus iacutedolos tudo produto do esclarecimento O Direito foi uma oacutetima

maquinaria inventada para coagir populaccedilotildees legitimar Estados governos e

assegurar Poder O Direito eacute instrumento de domiacutenio e daqueles que anseiam por

mais poder tambeacutem uma ferramenta de conquista Quem controla a justiccedila diz o

que eacute o direito a lei149 interpreta segundo os seus desiacutegnios ou quiccedilaacute de seu

time Como toda boa invenccedilatildeo Moderna o Direito como produto do

esclarecimento garantidor de direitos humanos-fundamentais e as liberdades

individuais das luzes tambeacutem pode legitimar a barbaacuterie a justiccedila eacute cega mas os

148 Desde que uma teoria penetra em determinado ponto ela se choca com a impossibilidade deter a menor consequumlecircncia praacutetica sem que se produza uma explosatildeo se necessaacuterio em um pontototalmente diferente Cf DELEUZE Gilles Ibidem

149Importante compreender esse direito do paradigma da Modernidade inscrito na loacutegica doabsolutismo juriacutedico em que a lei eacute a uacutenica fonte do direito excluindo todas as outras Segundodefiniccedilatildeo de Paulo Grossi ldquoO que eacute o Direitordquo p 1 a 34 In Primeira liccedilatildeo sobre direito TradRicardo Marcelo Fonseca Rio de Janeiro Forense 2006

76

seus astuciosos representantes natildeo o satildeo O Estado nazista adotava

estratagemas juriacutedicos tal como estado de exceccedilatildeo com o fim de suspender os

direitos e as garantias individuais dos judeus e legitimar o genociacutedio150 Tal

como todas as boas coisas inventadas acaba por suprimir a si mesma151

Quanto ao estado de exceccedilatildeo a propoacutesito da obra de Giorgio Agamben

ex-aluno de Heidegger apresentado a este na eacutepoca por Hannah Arendt e

Professor de Esteacutetica em Veneza que escreve desse lugar de fala e trata de

temas pertinentes ao Direito Constitucional como o poder constituinte e estado

de exceccedilatildeo O que demonstra que a Esteacutetica natildeo eacute o lugar do idealismo como

sempre tem algueacutem para acusar e tambeacutem que pela esteacutetica se consegue

intensificar o debate da poliacutetica e do poder Agamben natildeo soacute porque estaacute na

moda mas por ser pensador que atua na arte literalmente jaacute foi ator de cinema

no filme de Paolo Pasolini O Evangelho Segundo Satildeo Mateus 1964 mas natildeo

apenas por isso pelo fato de trabalhar com a Esteacutetica certamente conhece

Nietzsche ainda mais porque eacute possiacutevel apontar leituras dele nos seus mestres jaacute

citados Agamben tambeacutem interage em suas obras com o pensamento de

Foucault e por isso seraacute oportunamente convocado a testemunhar nesse

trabalho em defesa de Nietzsche

Eacute preciso apontar para a criacutetica a legitimidade que investe o Direito das

luzes pois soacute eacute bom para os esclarecidos quando serve mais para otimizar a

administraccedilatildeo da justiccedila deles O estado de exceccedilatildeo na visatildeo de Agamben

natildeo eacute privileacutegio das tradiccedilotildees antidemocraacuteticas152 pois para ele o estado de

exceccedilatildeo tambeacutem estaacute presente na democracia

150 Cabe a referecircncia agrave obra de STEINER Jean-Franccedilois Treblinka Trad Christiano MonteiroOiticica Prefaacutecio de Simone de Beauvoir Satildeo Paulo Nova Fronteira 1978 Trata-se de relatosobre ldquotreblinkardquo que foi um dos maiores campos de concentraccedilatildeo nazista o autor vai reconstituir anarrativa pelo testemunho dos sobreviventes e contar a surpreendente histoacuteria de resistecircncia nolimiar da trageacutedia Sem ldquoidealismordquo talvez Foucault tenha acertado quando disse na suaMicrofiacutesica que ldquoonde haacute poder haacute resistecircnciardquo

151 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

152 Cf AGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 p 30

77

Desse modo a presenccedila da exceccedilatildeo faz implodir a crenccedila na democracia

como o sistema perfeito e tambeacutem demonstra que o direito garantidor de

liberdades sabe fazer o contraacuterio quando conveacutem E essa discussatildeo natildeo eacute sem

sentido quando se trata de Poder Direito Nietzsche como demonstra Oswaldo

Giacoacuteia Jr153

Se a exceccedilatildeo eacute o dispositivo original graccedilas ao qual o direito se refere agravevida (e aqui eacute conveniente atentar para o peso semacircntico e filosoacuteficotanto do dispositivo quanto de original) entatildeo a consequumlecircncia inevitaacuteveleacute que a violecircncia se institui como fato juriacutedico primordial e o direito natildeopode mais figurar como o posto como a negaccedilatildeo ou a supressatildeo daviolecircncia mas como a instituiccedilatildeo original e violenta da transiccedilatildeo e dapassagem da natureza agrave sociedade e agrave civilizaccedilatildeo da zoe agrave bios dobicho homem ao zoon politikon Ora essa inscriccedilatildeo da violecircncia nocoraccedilatildeo do direito e da poliacutetica constitui talvez o elemento fundamentaldaquilo que em Nietzsche poderiacuteamos reconhecer como uma filosofiado direito (Cf GIACOacuteIA Jr 2006 p95)

Quiccedilaacute ainda mais semelhanccedilas entre Foucault Agamben e Nietzsche

sejam descobertas quando se trata de criticar os poderes que investem o Direito

de sua aura canocircnica Quando Deus morreu os mais astuciosos chamados

por Nietzsche de os uacuteltimos homens os niilistas resolveram colocar o bezerro

de ouro no altar vazio tratava-se de alccedilar a ordem do sagrado outros iacutedolos

nisso os homens do esclarecimento foram muito competentes agiram como

artiacutefices da Modernidade cujo Direito que conhecemos eacute um dos seus filhos O pai

eacute a razatildeo e a maternidade incerta pois natildeo se sabe quanto tempo demorou essa

gestaccedilatildeo porque natildeo eacute de ontem que o homem busca regular a sua vida e a dos

outros Para Nietzsche a origem do Direito estaacute na diacutevida moral diacutevida que

poderia em certas condiccedilotildees autorizar ao credor impingir ao devedor o seu

creacutedito requerendo um naco de carne154 quando o Direito ao pagamento do

creacutedito se investe como direito sobre a vida sobre o corpo Continuando esse

153 Mais sobre o diaacutelogo de Agamben e Foucault em torno do pensamento de Nietzscheprincipalmente no que toca a temaacutetica do poder assinala GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo Odiscurso e o direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursos dodireito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

154 A propoacutesito Genealogia da Moral paacutegina muito provaacutevel que Nietzsche tenha sido influenciadopela leitura que fez de Shakespeare em o Mercador de Veneza haacute uma cena que retrata essedireito que Nietzsche problematiza quando Shylock perante o tribunal requer um naco de carnepor excisatildeo do peito de Antocircnio cobra uma diacutevida moral

78

debate Agamben trataraacute do homo sacer que eacute a figura que representa a vida

nua a qual pode ser morta que ningueacutem se importa155

Nesse sentido eacute uma tematizaccedilatildeo de uma leitura de Foucault a qual

aproveita a filosofia da teacutecnica de Heidegger formulada por ele do debate com o

pensamento de Nietzsche o que mais uma vez demonstra a pertinecircncia da leitura

de Nietzsche no Direito A discussatildeo no plano biopoliacutetico natildeo envolve tatildeo

somente o poder sobre o corpo como relatado da eacutepoca do direito arcaico da

diacutevida trata-se do debate mais atual sobre um direito que pretende controlar a

vida em todos os seus acircmbitos poder-saber sobre a populaccedilatildeo como diria

Foucault como tambeacutem as modalidades de exerciacutecio na geraccedilatildeo em laboratoacuterio

as pesquisas sobre o genoma as ceacutelulas-tronco como tambeacutem o debate sobre o

iniacutecio da vida descarte dos embriotildees excedentes156 como tambeacutem sobre o

teacutermino da vida o direito agrave morte como a eutanaacutesia Isso aponta para um Direito

oriundo do esclarecimento que salvo algumas adaptaccedilotildees emendas

reformulaccedilotildees conteacutem muito ainda do arcaico na sua origem e exerciacutecio

A linguagem ou o Ocaso do Direito

A linguagem fornece elementos que sustentam as decisotildees

encaminhamentos julgamentos eacute sempre um operar dos coacutedigos dos signos

linguiacutesticos como exerciacutecio de argumentaccedilatildeo juriacutedica campos de Poder O Direito

se orgulha muito de sua linguagem ela chega as vezes a ser tatildeo canocircnica como

seus dogmas afinal os dogmas se sustentam tambeacutem por linguagem Existe

aquela histoacuteria meia piada e um pouco de verdade que se o Direito fosse

escrito de modo popular natildeo haveria mais a necessidade de advogados ou

operadores do direito todos poderiam falar por si mesmos Hoje existem os

juizados especiais em que eacute permitido as pessoas comuns relatarem suas

demandas e arguumlir suas pretensotildees sem a necessidade de advogado eacute o

155 Cf AGAMBEN Giorgio Homo Sacer o poder soberano e a vida nua Trad Henrique BurigoBelo Horizonte Editora UFMG 2002 sp

156 Segundo Projeto de Lei nordm9099 tramitando no Congresso Nacional art 9ordm sect 4ordm

79

princiacutepio da celeridade e do acesso agrave justiccedila que satildeo corolaacuterios de um Direito

que se quer mais democraacutetico e avanccedilado contudo para as causas de maior

monta eacute imprescindiacutevel o advogado natildeo soacute porque exigiriam maior conhecimento

teacutecnico mas talvez porque se trata de proteger um campo de poder garantidor de

direitos mas tambeacutem de honoraacuterios Entatildeo estudamos para ser operadores do

Direito trabalhando com os seus conceitos

A criacutetica nietzscheana vai demonstrar que a linguagem esconde uma

moral a qual imputa um significado na relaccedilatildeo loacutegica da gramaacutetica aleacutem do

fetiche que a linguagem traz em termos de metafiacutesica Se tudo eacute interpretaccedilatildeo

natildeo haacute fatos toda explicaccedilatildeo eacute perspectiva a linguagem seraacute a exteriorizaccedilatildeo da

potecircncia dos dominantes Desse modo eacute preciso advogar a filosofia de Nietzsche

como genealogia de um estado de coisas a crise da Modernidade e do

esclarecimento iluminista e a decadecircncia de suas instituiccedilotildees no que se deve

incluir o Direito Para tanto o princiacutepio da interpretaccedilatildeo deve ser o proacuteprio

inteacuterprete aquele que se compromete ldquoeacuteticamenterdquo com aquilo que critica Assim

cabe pensar ldquocomrdquo e ldquoatraveacutesrdquo de Nietzsche mobilizar a paroacutedia e o jogo de

intensidades que requer o engajamento na arte traacutegica interrogando o Poder O

meacutetodo de interpretaccedilatildeo a partir de Nietzsche anuncia Foucault no coloacutequio de

Royamount dialogando Nietzsche Marx e Freud como nova hermenecircutica para

operar a genealogia dos signos do Ocidente Diante da crise da Modernidade e

suas instituiccedilotildees a ldquomorte de Deusrdquo entendida como a ldquomorte do esclarecimentordquo

e criacutetica da razatildeo iluminista afirma Foucault

Em Nietzsche estaacute claro que a interpretaccedilatildeo permanece semacabarSe a interpretaccedilatildeo natildeo se pode nunca acabar isto quersimplesmente significar que natildeo haacute nada a interpretar Natildeo haacute nadaabsolutamente primaacuterio a interpretar porque no fundo jaacute tudo eacuteinterpretaccedilatildeo cada siacutembolo eacute em si mesmo natildeo a coisa que se ofereceaacute interpretaccedilatildeo mas a interpretaccedilatildeo de outros siacutembolosE eacute umarelaccedilatildeo mais de violecircncia que de elucidaccedilatildeo a que se estabelece nainterpretaccedilatildeo De fato a interpretaccedilatildeo natildeo aclara uma mateacuteria que como fim de ser interpretada se oferece passivamente ela necessitaapoderar-se e violentamente de uma interpretaccedilatildeo que jaacute estaacute ali quedeve trucidar revolver e romper a golpes de marteloDesta mesmaforma Nietzsche apodera-se das interpretaccedilotildees que satildeo jaacute prisioneirasumas das outras Natildeo haacute para Nietzsche um significadooriginalNietzsche diz que as palavras foram sempre inventadas pelasclasses superiores natildeo indicam um significado impotildeem uma

80

interpretaccedilatildeo (Cf FOUCAULT sano p 21-24)

Nesse sentido cabe advogar o pensamento de Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o poder para a criacutetica do Direito De onde emerge a importacircncia do

estudo da linguagem nietzscheana do uso da paroacutedia da estrateacutegia de se

apropriar do significado dado157 para que seja reinterpretado e funcione de modo

inaudito158 ou como aponta Vattimo fazer a re-escrita paroacutedica do texto

metafiacutesico159 A linguagem nietzscheana estabelece um jogo de intensidades

proacuteprio do meacutetodo genealoacutegico que imporaacute uma interpretaccedilatildeo no perspectivismo

cujo criteacuterio seraacute a vida no seu fluxo amor fati

ldquoMinha foacutermula para a grandeza no homem eacute amor fati nada quererdiferentemente seja para traacutes seja para frente seja em toda aeternidade Natildeo apenas suportar o necessaacuterio menos ainda oculta-lo ndashtodo idealismo eacute mendancidade ante o necessaacuterio ndash mas amaacute-lo(CfNIETZSCHE 1995 p51)

Se natildeo existem fatos mas tudo eacute interpretaccedilatildeo segundo Nietzsche as

palavras nada mais satildeo do que interpretaccedilotildees e ldquomaacutescarasrdquo Nos cabe interpretar

as interpretaccedilotildees realizando a pergunta de por quem interpretou Recomenda

Foucault

A interpretaccedilatildeo encontra-se diante da obrigaccedilatildeo de interpretar-se a simesma ateacute o infinito de voltar a encontrar-se consigo mesma Daqui sedesprendem duas consequumlecircncias importantes A primeira refere-se aque a interpretaccedilatildeo seraacute sempre sucessivamente a interpretaccedilatildeo deldquoquemrdquo natildeo se interpreta realmente quem propocircs a interpretaccedilatildeo Oprinciacutepio da interpretaccedilatildeo natildeo eacute mais do que o inteacuterprete e este talvezseja o sentido que Nietzsche deu a palavra ldquopsicologiardquo A segundaconsequumlecircncia refere-se que ao interpretar-se sempre a si mesma natildeopode deixar de voltar-se sobre si mesmaA morte da interpretaccedilatildeo eacutecrer que haacute siacutembolos que existem primariamente originalmenterealmente como marcas coerentes pertinentes e sistemaacuteticasrdquo (CfFOUCAULT sano p 26)

157 Uma relaccedilatildeo de forccedilas que se inverte um poder confiscado um vocabulaacuterio retomado evoltado contra seus utilizadores uma dominaccedilatildeo que se enfraquece se distende se envenenae uma outra que faz sua entrada mascarada Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder TradRoberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 28158 Cf MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 sp

159 Cf VATTIMO Gianni As aventuras da diferenccedila o que significa pensar depois de Heidegger eNietzsche Ediccedilotildees 70 Lisboa 1980 sp

81

Com Nietzsche a interpretaccedilatildeo se daacute como relaccedilatildeo de forccedilas dinacircmica e

pragmaacutetica pois interpretar eacute abrir-se para o mundo160 Ao desmoralizar a

autoridade da linguagem Nietzsche abre espaccedilo para uma eacutetica daquele que se

implica no texto lido161 se comprometendo com o que critica para isso natildeo pode

tomar o mestre como iacutedolo mas questionar constantemente os fundamentos

Eacute preciso ldquose pocircr em guardardquo contra o mestre162 e aprender a pensar com

e atraveacutes de Nietzsche como criacutetica ao Poder Aqueles acostumados a ler o

Direito pelos coacutedigos parados no tempo da metafiacutesica pelas doutrinas

jurisprudecircncias e suas reproduccedilotildees certamente se ofenderatildeo com o expediente

nietzscheano de subverter a linearidade promovendo deslocamentos de

intensidades no texto163 seja pela paroacutedia ou pela re-escrita dele faz naufragar a

metafiacutesica164 partindo-a com a potecircncia que lhe atravessa dobrando os signos

explodindo o texto em fragmentos para serem bricolados

Nesse momento desta defesa cabe trazer o testemunho do antropoacutelogo

Claude Leacutevi-Strauss na sua obra o Pensamento Selvagem sobre a ideacuteia de

bricolagem

Em nossos dias o bricoleur eacute aquele que trabalha com suas matildeos estaacuteapto a executar um grande nuacutemero de tarefas diversificadas a regra de

160 Cf GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclomutaccedilotildees novas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de2007 notas de proacuteprio punho

161 Ataco somente causas em que natildeo encontraria aliados em que estou soacute ndash em que mecomprometo sozinhoNunca dei um passo em puacuteblico que natildeo me comprometesse ndash este eacute o meucriteacuterio do justo obrar Cf NIETZSCHE p 32 Ecce homo idem

162 Nietzsche indica que ldquoeacute preciso se pocircr em guarda contra mim tambeacutemrdquo afinal ele natildeo quer servisto como um santo

163 Faccedila rizoma e natildeo raiz nunca plante Natildeo semeie pique Natildeo seja nem uno nem muacuteltiplo sejamultiplicidades Faccedila a linha e nunca o ponto A velocidade transforma o ponto em linha22 Sejaraacutepido mesmo parado Linha de chance jogo de cintura linha de fuga Cf DELEUZE Gilles MilPlatocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995p 34-35

164 ldquoO que se encontra no comeccedilo histoacuterico das coisas natildeo eacute a identidade ainda preservada daorigem eacute a discoacuterdia entre as coisas eacute o disparaterdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica dopoder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p18

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seu jogo eacute sempre arranjar-se com os ldquomeios-limitesrdquo isto eacute umconjunto sempre finito de utensiacutelios e de materiais bastante heteroacuteclitosporque a composiccedilatildeo do conjunto eacute o resultado contingente de todas asoportunidades que se apresentaram para renovar e enriquecer oestoque ou para mantecirc-lo com os resiacuteduos de construccedilotildees e destruiccedilotildeesanteriores (Cf LEVI-STRAUSS 1989 32-33)

Para que a ideacuteia fique mais clara para o campo juriacutedico importante trazer

tambeacutem o testemunho do juiz de direito e doutor pela mesma universidade que

defendo este trabalho Alexandre Morais da Rosa que trabalhou o meacutetodo de

Levi-Strauss no processo penal como colagem de significantes aponta que

ldquoJogo de palavras em que a liacutengua eacute o teatro exercitando-se com saber + sabor

o trabalho de deslocamento de significantes de suspensatildeo de significacircncia de

deslizamentos isto eacute bricolagemrdquo (Cf ROSA 2006 379) Nisso quem faz a

bricolagem eacute aquele que

Executa um trabalho sem que exista um plano riacutegido previamentedefinido mas que se deixa levar pelos utensiacutelios que possui agrave matildeoconstruindo remontando colando () No caminhar da construccedilatildeoqualquer material pode ser importante pois sua loacutegica eacute lsquoisso semprepode servirrsquo diversamente do engenheiro que estaacute encerrado nos limitesde seu projeto ou seja natildeo descarta os significantes que natildeoconformam com sua preacutevia ideacuteia (Cf ROSA 2006 364)

Eacute certo que Deleuze Foucault Derridaacute iratildeo se queixar da presenccedila dessa

estranha testemunha (Levi-Strauss) que eacute apontada no meio cientiacutefico como

estruturalista enquanto que eles se consideram natildeo-estruturalistas165 Ele natildeo eacute

do nosso time Certamente essa eacute uma reaccedilatildeo perigosa ainda mais quando eacute

na frente dos acusadores sempre a espreita querendo farejar situaccedilotildees para

novas imputaccedilotildees ao Nietzsche reacuteu Mas como jaacute havia avisado ao contestar as

acusaccedilotildees de poacutes-moderno natildeo se trata de um Nietzsche de um time o

exerciacutecio dessa advocacia natildeo se arranjaraacute com a fianccedila de nenhuma confraria

165 Nem Deleuze nem Lyotard nem Guattari nem eu nunca fazemos anaacutelise de estrutura natildeosomos absolutamente estruturalistas Se me perguntasse o que faccedilo e o que os outros fazemmelhor do que eu diria que natildeo fazemos pesquisa de estrutura Faria um jogo de palavras ediriaque procuramos fazer aparecer o que na histoacuteria de nossa cultura permaneceu ateacute agoraescondido mais oculto mais profundamente investido as relaccedilotildees de poderrdquo Cf FOUCAULTMichel A verdade e as formas juriacutedicas Trad Roberto Machado Rio de Janeiro PUC-Rioeditora 2002 p 30

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natildeo eacute defesa associada a ningueacutem o compromisso eacute apenas com o reacuteu Quanto a

bricolagem antes da testemunha prosseguir Derridaacute expotildee que eacute preciso que os

etnoacutelogos tambeacutem saibam fazer bricolagens natildeo apenas falem delas166 Fazer a

bricolagem com os signos jogar com eles promover o jogo de intensidades

ousando deslocar os mitos da linguagem embaralhando-a confundindo os

censores Ora essa bricolagem estruturalista de Levi-Strauss natildeo estaacute muito

distante na perspectiva da vontade de poder do modo de agir daquele time de

qualquer modo uma investigaccedilatildeo de semelhanccedilas e dessemelhanccedilas natildeo cabe

nesse processo sob pena de perder de vista a mateacuteria e ser julgado como

deserto

O que interessa eacute fazer a apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem

enquanto jogo de intensidades que corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe

outro sentido uma hermenecircutica do fragmento para colar se deve usar a tinta

pessoal seria o sangue o proacuteprio167 Ou para natildeo assustar os jurados que se

use a metaacutefora daquele que trabalha um mosaico cortando e recortando revistas

jornais e com o uso de cola pincel e tinta vai sujar os proacuteprios dedos na

atividade e que assim seja pois se implica no que faz haacute um comprometimento

eacutetico no sentido niezstcheano com a bricolagem como empreendimento de

uma vontade de poder que se agenciou das peccedilas168 eacute como uma fabriqueta de

bombas que se deve compreender essa bricolagem que fornece recursos

criativos para novas explosotildees com um tipo de dinamite que natildeo se perde ao

estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Esse eacute o pensamento nietzscheano aplicado na bricolagem Ainda em

Deleuze no livro Mil Platocircs que escreve em parceria com Feacutelix Guattari encontra-

166 Cf DERRIDA Jacques Gramatologia Trad Miriam Schnaiderman Satildeo Paulo Perspectivaed Da Universidade de Satildeo Paulo 1973 sp

167 Soacute aprecio o que eacute escrito com o proacuteprio sangue Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

168 A relaccedilatildeo de uma maacutequina de guerra com o fora natildeo eacute um outro modelo eacute um agenciamentoque torna o proacuteprio pensamento nocircmade que torna o livro uma peccedila para todas as maacutequinasmoacuteveis uma haste para um rizoma Cf DELEUZE Gilles GUATTARI Feacutelix Mil Platocircscapitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p36

84

se a ideacuteia de rizoma

Resumamos os principais caracteres de um rizoma diferentemente dasaacutervores ou de suas raiacutezes o rizoma conecta um ponto qualquer comoutro ponto qualquer e cada um de seus traccedilos natildeo remetenecessariamente a traccedilos de mesma natureza ele potildee em jogo regimesde signos muito diferentes inclusive estados de natildeo-signos Ele natildeo temcomeccedilo nem fim mas sempre um meio pelo qual ele cresce etransborda Oposto a uma estrutura que se define por um conjunto depontos e posiccedilotildees por correlaccedilotildees binaacuterias entre estes pontos erelaccedilotildees biuniacutevocas entre estas posiccedilotildees o rizoma eacute feito somente delinhas linhas de segmentaridade de estratificaccedilatildeo como dimensotildeesmas tambeacutem linha de fuga ou de desterritorializaccedilatildeo como dimensatildeomaacutexima segundo a qual em seguindo-a a multiplicidade semetamorfoseia mudando de natureza O rizoma procede por variaccedilatildeoexpansatildeo conquista captura picada Oposto ao grafismo ao desenhoou agrave fotografia oposto aos decalques o rizoma se refere a um mapaque deve ser produzido construiacutedo sempre desmontaacutevel conectaacutevelreversiacutevel modificaacutevel com muacuteltiplas entradas e saiacutedas com suaslinhas de fuga (Cf DELEUZE 1995 p 31-32)

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho

Um rizoma natildeo comeccedila nem conclui ele se encontra sempre no meioentre as coisas inter-ser intermezzoEntre as coisas natildeo designa umacorrelaccedilatildeo localizaacutevel que vai de uma para outra e reciprocamente masuma direccedilatildeo perpendicular um movimento transversal que as carregauma e outra riacho sem iniacutecio nem fim que roacutei suas duas margens eadquire velocidade no meio (CfDELEUZE 1995 p 37)

A constituiccedilatildeo dele eacute por platocircs

No rizoma circula estados todo tipo de ldquodeviresrdquo um rizoma eacute feito deplatocircs serve-se da palavra platocirc para designar algo muito especialuma regiatildeo contiacutenua de intensidades vibrando sobre ela mesma e quese desenvolve evitando toda orientaccedilatildeo sobre um ponto culminante ouem direccedilatildeo a uma finalidade exterior Cada platocirc pode ser lido emqualquer posiccedilatildeo e posto em relaccedilatildeo com qualquer outro Para omuacuteltiplo eacute necessaacuterio um meacutetodo que o faccedila efetivamente nenhumaastuacutecia tipograacutefica nenhuma habilidade lexical (Cf DELEUZE 1995 p32-33)

Os platocircs podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico tal como aponta

85

Agamben na sua obra profanaccedilotildees169

Talvez desse jogo luacutedico o Direito possa aprender alguma coisa o que

portanto natildeo eacute nenhum onamismo intelectual de que se trata mas de um

engajamento aprendido pelas descobertas feitas por uma odisseacuteia para aleacutem do

texto metafiacutesico juriacutedico que nesse nomadismo traz outras abordagens Como

aponta Agamben citando Walter Benjamin eacute preciso que o Direito seja operado

de modo luacutedico natildeo para devolvecirc-lo ao seu uso canocircnico mas para libertaacute-lo

completamente dele170 Quiccedilaacute seja mais adequado falar que a linguagem do

Direito eacute o seu niilismo por escrito e isto ainda o levaraacute a seu Ocaso

O Direito em crise ou o crepuacutesculo de suas verdades

Os acusadores ou farejadores de heresias perante o altar da razatildeo

acadecircmica poderatildeo eacute meu vaticiacutenio julgar que ateacute aqui soacute vieram depor na

defesa testemunhas da filosofia talvez com a exceccedilatildeo de um antropoacutelogo todos

eram leitores de Nietzsche e por isso seus depoimentos natildeo deveriam ser

considerados jaacute que satildeo suspeitos para afirmar alguma coisa Aleacutem do mais

este eacute um trabalho de conclusatildeo de curso de Direito e natildeo de filosofia com o f

minuacutesculo mesmo e que diante dos testemunhos trazidos se deveria julgar que eacute

no maacuteximo um trabalho de filosofia sobre o Direito e natildeo de Filosofia do Direito

Com isso pretenderiam os acusadores ligeiros em deslegitimar o que foi dito ateacute

aqui novamente apontar a inutilidade desse trabalho inserindo-o como um mero

exerciacutecio esteacutetico pois fala sobre o Direito do ponto de vista da filosofia para natildeo

serem rigorosos em demasia e convencer os jurados os acusadores diriam que o

trabalho teve o meacuterito de ao menos trazer as ideacuteias de um pensador que natildeo eacute

estudado pelo Direito o reacuteu Nietzsche mas que nada aleacutem disso natildeo logrou

trazecirc-lo para o Direito no maacuteximo ilustrou uma histoacuteria do direito com as ideacuteias

nietzscheanas E se natildeo trouxe ao Direito foi principalmente pela ausecircncia de

169 Cf AGAMBEN Giorgio Profanaciones Trad Flaacutevia Costa y Edgardo Castro Buenos AiresAdriana Hidalgo editora 2005 sp

170 CfAGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 sp

86

testemunhos de intelectuais do Direito eis aiacute a fundamentaccedilatildeo uacuteltima dos

acusadores sua tentativa de imputar uma condenaccedilatildeo definitiva a do reacuteu como

um autor inuacutetil ao Direito trata-se de arguumlir a ausecircncia de testemunhos

propriamente juriacutedicos e nisso vencer a causa por ausecircncia de provas materiais

da defesa Vale tudo desde que se declare a condenaccedilatildeo do reacuteu para a

satisfaccedilatildeo do acusadores essa sim onamista natildeo de um gozo sem prazer mas

a satisfaccedilatildeo daqueles que buscam solitariamente no Direito o prazer quase sexual

de suas respostas mesmo que ao custo do escalpelamento do reacuteu essa

dissecaccedilatildeo ciruacutergica que eacute a retoacuterica juriacutedica no seu intento de condenar por

juiacutezos a priori e talvez nesse onamismo tambeacutem haja um pouco de sadismo

cujo empreendimento desses acusadores ou seriam torturadores seria o de

arrancar as unhas do reacuteu ao escalpelo para que confesse logo sua culpa e pare

de dar trabalho ao juacuteri com sua estranha presenccedila Contra esse empreendimento

autosatisfeito da acusaccedilatildeo cabe opor os princiacutepios do contraditoacuterio e da ampla

defesa e da presunccedilatildeo de inocecircncia do reacuteu corolaacuterios do Estado Democraacutetico de

Direito jaacute que na ecircnfase acusatoacuteria o que se nota eacute uma presunccedilatildeo de culpa

Esse processo penal que temos ao que parece eacute bastante inquisitoacuterio pois nega a

legitimidade da defesa e o tempo todo busca produzir provas que confirmem o jaacute

decidido Isso demonstra que o Direito quando busca solitariamente o prazer de

responder as suas demandas com justiccedila a despeito de toda a objetividade de

suas normas seus princiacutepios seus a prioris age muitas vezes com o

subjetivismo proacuteprio dos detratores Tatildeo ligeiros na acusaccedilatildeo que negam os

princiacutepios que a prioristicamente datildeo a razatildeo de ser ao Direito que alegam

representar Ora esses acusadores representantes do Direito da lei da

ordem da justiccedila em nome da democracia ou com o poder conferido pelo

povo com o seu subjetivismo se colocam para fora do Direito isso sim o que

deve ser denunciado que nenhum direito tecircm nos seus circunloacutequios senatildeo

aquele que avaliza as suas verdades

Eacute preciso contestar a legitimidade dos que acusam e alegar natildeo soacute a

pertinecircncia juriacutedica deste trabalho como o fato de ser um trabalho de filosofia

mas do Direito Natildeo apenas como exerciacutecio de advocacia para defender o

87

Nietzsche reacuteu mas como questionamento radical das verdades juriacutedicas o que

soacute poderia acontecer como um colocar de dinamites dentro do Direito Trata-se

de Filosofia do Direito como quiserem os acusadores de f maiuacutesculo pouco

importa jaacute que o trabalho se reconhece natildeo onamista pois recusa a visatildeo dos

saberes compartimentados se eacute trabalho de conclusatildeo de um curso de Direito

solitaacuterio no seu templo eacute antes o resultado de um nomadismo universitaacuterio

portanto natildeo eacute Direito estrito senso Quiccedilaacute o problema do Direito e a filosofia de

Nietzsche eacute o colocar em duacutevida dos fundamentos seja a sua vontade de

verdade vontade de sistema ou mais claramente falando o seu caraacuteter estrito

senso o qual investe o recorte acadecircmico e tambeacutem aquele que se daacute sobre a

realidade que julga o direito que vive no templo natildeo vai a rua natildeo se nomadiza

Assim o Direito de que se orgulham os acusadores ao falar em seu nome seria

qualquer outra coisa menos direito Pois na sua vontade de sistema o Direito

precisa reduzir as coisas cortaacute-las diminuiacute-las natildeo soacute as iniciais dos outros

saberes minuacutesculos perante Ele mas tambeacutem trabalhar na loacutegica do estrito

senso para satisfeito ou seria autosatisfeito fazer justiccedila Nesse sentido o

nomadismo potildee em risco essa loacutegica do recorte proacutepria aos operadores e

meacutedicos legistas do direito e da lei para forccedilar a estrutura a uma criacutetica radical de

seus fundamentos entrando no templo da faculdade de Direito com um outro

anuacutencio tal como no aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia um homem louco entrou

em diversas igrejas sendo expulso de todas elas ousou dizer que Deus estava

morto e que foi o proacuteprio homem que o matou e que aquelas igrejas natildeo eram

mais do que tuacutemulos dele171

Talvez seja preciso dizer dentro do templo do Direito que este lugar natildeo

eacute mais do que seu tuacutemulo e que seu cadaacutever o tempo todo eacute conspurcado pela

loacutegica do estrito senso do corte dos legistas e dos operadores que falam em seu

nome seus proacuteprios assassinos homicidas do Direito Natildeo se fez a autoacutepsia mas

eacute de supor que uma das principais causas tenha sido o d maiuacutesculo sobreposto

aos demais saberes com a autoridade do mais verdadeiro pois alccedilado a

171 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

88

condiccedilatildeo de iacutedolo que do seu altar responde pelos desiacutegnios de justiccedila Eacute

preciso contestar a supremacia do maiuacutesculo ousar derrubar mais esse iacutedolo

como apenas mais um nome para um ideal e quem sabe desprovido do seu

caraacuteter canocircnico para se assumir como uma invenccedilatildeo do homem tatildeo minuacutescula

quanto as outras possa aprender a dialogar com os outros saberes e a duvidar de

suas verdades O direito no minuacutesculo tatildeo igual aos outros natildeo melhor ou

maior e mais adequado seria dizer que este trabalho eacute de filosofia do direito e

abolido estaacute o maiuacutesculo pois esse eacute um obstaacuteculo arrogante ao nomadizar

universitaacuterio Continuemos a defesa trazendo entatildeo testemunhos de intelectuais

do direito agora sempre no minuacutesculo como os civilistas O direito da

racionalidade moderna eacute da loacutegica proprietaacuteria direito herdado do coacutedigo

napoleocircnico o qual serviu de modelo ao coacutedigo civil de 1916 aponta Fachin e

ainda De 1916 para o novo coacutedigo civil de 2002 natildeo se mudou muito em termos

de estrutura172 Eacute o direito do ter e natildeo do ser que foi legado pelo

esclarecimento o que para natildeo se cometer injusticcedila Fachin acredita numa

leitura do direito civil pela constituiccedilatildeo na superaccedilatildeo da dicotomia do sujeito

separado do objeto pela razatildeo moderna a qual trabalhou intuito de cortar a

realidade a seu gosto simplificando-a nos coacutedigos A tentativa eacute de interpretar os

coacutedigos atraveacutes dos princiacutepios constitucionais que conteriam a saiacuteda para o

verdadeiro direito e para a realizaccedilatildeo da justiccedila Cabe trazer o testemunho dos

penalistas aos quais o processo penal eacute inquisitoacuterio ou conforme Juarez Tavares

Eacute um direito penal que age com presunccedilatildeo de culpa173 ou ainda conforme

Pavarini Eacute um direito penal da modernidade com traccedilos de preacute-modernidade174

172 Cf FACHIN Luiacutes Edson Direitos fundamentais e os desafios do direito privado brasileirocontemporacircneo a partir da incidecircncia constitucional In Painel de Direito Civil semana acadecircmicado Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacuteprio punho em setembro de2008

173 Cf TAVARES Juarez Sistema penal e direitos fundamentais In Painel de Direito Penalsemana acadecircmica do Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacutepriopunho em setembro de 2008

174 Cf PAVARINI Massimo Democracia consenso social e penalidade As tendecircncias atuaisnas poliacuteticas penais e de encarceramento no mundo Escola de Altos Estudos da CapesDepartamento de poacutes-graduaccedilatildeo em direito da UFPR anotaccedilotildees de proacuteprio punho setembro de2008

89

Esses testemunhos satildeo resultado de um apanhado de notas tiradas de palestras

havidas nesses uacuteltimos dias nas veacutesperas da escritura da monografia ou com ela

jaacute em andamento

Essa confissatildeo acentua a escolha deste trabalho pela bricolagem

quando tudo pode servir175 natildeo haacute projeto anterior todo este trabalho derivou

da pergunta por que ler Nietzsche no direito E estaacute a deriva das provaacuteveis

respostas navegando os afluentes de um rizoma Foram apresentados o

testemunho de alguns intelectuais do direito nessa defesa eacute preciso denunciar a

ineacutepcia dos que acusam o abandono do juriacutedico neste trabalho afinal estudiosos

do direito acabaram de ser convocados a depor contra a racionalidade moderna

que investe esse direito produto do esclarecimento Ao ensejo tambeacutem cabe a

denuacutencia de que muito se valoriza ainda a filosofia do direito que parta do

referencial kantiano metafiacutesico da norma fundamental e que o direito eacute ainda

muito crente nas verdades da razatildeo moderna legada pelas luzes com sua

pretensatildeo de universalidade travestida da bondade da pregaccedilatildeo dos direitos

humanos e princiacutepios abstratos Nisso cabe tambeacutem criticar o quantum de

racionalidade moderna que estaacute presente tambeacutem nas constituiccedilotildees que se

arrogam cartas de princiacutepios sendo que todas foram escritas por representantes

do povo este o nome para quem ocupa as cadeiras do poder As constituiccedilotildees

natildeo satildeo a saiacuteda miraculosa para a verdade dos direitos e da justiccedila o que se

fosse verdade poderia salvar um direito que no seu altar faz muitas

promessas Natildeo haacute messianismo na constituiccedilatildeo como jaacute se descobriu que natildeo

haacute nos coacutedigos o que jaz positivado nelas tambeacutem satildeo coacutedigos mesmo que mais

sofisticados Tambeacutem satildeo simplificaccedilotildees da realidade ao gosto dos legisladores

da eacutepoca sempre dispostos a realizar uma nova emenda no texto os homens que

exercem o seu poder em nome deles mesmos ou de seu time Eacute preciso

derrubar o iacutedolo profanaacute-lo natildeo apenas lhe retirando a supremacia da inicial

maiuacutescula mas tambeacutem a feacute nos seus cacircnones natildeo para colocaacute-la em outro

175 Cf ROSA Alexandre Morais da Decisatildeo Penal Bricolage de Significantes Rio de JaneiroLuacutemen Juacuteris 2006 sp e tambeacutem Cf LEVI-STRAUSS Claude O Pensamento Selvagem TradTacircnia Pellegrini Campinas SP Papirus 1989 sp

90

lugar transportando-a dos coacutedigos para a constituiccedilatildeo Atualmente o direito

sustenta uma desfuncionalidade que eacute a sua proacutepria funcionalidade176 conforme

Lecircnio Streck jurista e leitor de Heidegger e Gadamer os quais tambeacutem foram

leitores de Nietzsche

Eacute a crise do direito e o crepuacutesculo de suas verdades cuja palavra natildeo eacute

sem sentido do ponto de vista filoloacutegico segundo o dicionaacuterio177 crepuacutesculo se

trata da luminosidade indecisa que precede o nascer do sol ou persiste algum

tempo depois do ocaso crepuacutesculo tambeacutem quer dizer o proacuteprio ocaso e uma

decadecircncia gradual Esse eacute o diagnoacutestico nietzscheano para um direito da

tradiccedilatildeo conservador elitista e filho da modernidade que cresceu brincando

nos escombros da preacute-modernidade cuja histoacuteria se confunde com a da

propriedade para Wolkmer jurista e historiador que escreve na sua obra histoacuteria

do direito no brasil desde os primeiros momentos as faculdades de direito

serviram para formar as elites os administradores da justiccedila e do poder

A implantaccedilatildeo dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil em 1827um em Satildeo Paulo e outro em Recife (transferindo de Olinda em 1854)refletiu a exigecircncia de uma elite sucessora da dominaccedilatildeo colonizadoraque buscava concretizar a independecircncia poliacutetico-cultural recompondoideologicamente a estrutura de poder e preparando nova camadaburocraacutetico-administrativa setor que assumia a responsabilidade degerenciar o paiacutes (Cf WOLKMER 1999 80)

Ainda paira no templo do direito onde ele eacute ensinado aquela

luminosidade indecisa que vem depois do ocaso ou como um sinal de que ele

estaacute proacuteximo numa decadecircncia gradual

A Gaia Ciecircncia ou ldquoaurorardquo do direito

O crepuacutesculo eacute tambeacutem aquela luminosidade indecisa que precede o

nascer do Sol nisso o sentido da palavra se confunde com o de aurora (cujo

sentido filoloacutegico quer dizer luz que precede o nascer do Sol aurora tambeacutem

176 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

177 ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

91

quer dizer princiacutepio178) Aurora tambeacutem eacute o nome para uma obra de Nietzsche

que iraacute escrever muitas auroras ainda natildeo brilharam inspirado por leituras

miacutesticas do Rig-Veda livros da sabedoria indiana179 A presenccedila da palavra

crepuacutesculo tambeacutem estaacute em outro livro de Nietzsche o crepuacutesculo dos iacutedolos

ou como filosofar a golpes de martelo o qual comeccedila com a descriccedilatildeo de quatro

erros apontando para uma criacutetica radical da modernidade Aurora crepuacutesculo

esse jogo de intensidades foi o modo que achou de atacar as luzes mostrando

o conteuacutedo de sombra que escondem

Desse modo o reacuteu Nietzsche exprime o seu pensar acusado de miacutestico

por alguns e considerado obscuro por outros dentre eles Heidegger que teria

dito que a verdadeira filosofia de Nietzsche se depreende de suas cartas e natildeo de

seus aforismas os quais para esse Heidegger analiacutetico mais dissimulavam a

filosofia dele do que a explicitavam Eacute a insistecircncia na metaacutefora tal como a de seu

Zaratustra personagem solar que iraacute viver algumas metamorfoses enfrentando a

rejeiccedilatildeo puacuteblica de suas ideacuteias de seu anuacutencio banido ao deserto teraacute que

aprender a viver natildeo apenas na luz mas tambeacutem nas sombras conhecer o

crepuacutesculo para enxergar a aurora (como se renovar sem se tornar cinzas Eacute o

mito da fecircnix segundo Nietzsche em seu Zaratustra interpretado por Maria

Cristina Franco Ferraz180)

Isso quer dizer que eacute preciso viver o niilismo seja pela constataccedilatildeo da

morte do iacutedolo seja pela insistecircncia desses uacuteltimos homens seus assassinos

em tentar ocultar e conspurcar o cadaacutever com outras crenccedilas no lugar e viver no

sentido nietzscheano eacute o nomadizar-se com o espiacuterito de aventura e correndo

riscos Eacute preciso aceitar o niilismo para ultrapassaacute-lo esse eacute o teste para a

vontade de poder que exige o aleacutem-do-homem uma tarefa para quem conseguir

dobrar e agenciar as forccedilas sobrevivendo ao jogo delas que subsume os

crentes o rebanho e seus pastores na feacute do iacutedolo inespugnaacutevel O

178 Segundo ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

179 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

180 Ibidem

92

ultrapassamento do niilismo eacute a transvaloraccedilatildeo dos valores um empenho

eacutetico de trecircs metamorfoses segundo Nietzsche o camelo o leatildeo e a crianccedila181

Eacute a assunccedilatildeo de uma responsabilidade traacutegica muitas auroras ainda natildeo

brilharam e quando soacute se enxerga sombra e crepuacutesculo pouca esperanccedila haacute e

qualquer bezerro de ouro vira iacutedolo sinal do messianismo desse modo de

pensar decadente e niilista O caminho da transvaloraccedilatildeo eacute o que se daacute como

nomadizar-se como travessia da crise como atravessamento de forccedilas que se

chocam com o fundamento de onde nascem os valores talvez natildeo ainda o iacutedolo

derrubado que se fala este permanece no altar mas da pedra fundamental que

sustenta o templo ou esse mausoleacuteu sepulcro suntuoso Talvez depois da

explosatildeo causada por essas dinamites nietzscheanas brilhe uma possiacutevel

aurora ao direito agora visto como gaia ciecircncia pois alegre e luacutedico Escreve

Nietzsche na Gaia Ciecircncia aforisma 108

Depois de Buda ter morrido sua sombra foi mostrada em uma cavernadurante seacuteculos uma sombra enorme e aterradora Deus morreu mastal como os homens durante milecircnios ainda haveraacute cavernas nas quaisse mostraraacute sua sombra Enquanto a noacutes eacute tambeacutem necessaacuterio quevenccedilamos a sua sombra (Cf NIETZSCHE 2005 p101)

E o templo em que se ensina o direito eacute tambeacutem o lugar onde reina uma

sombra aterradora a de suas verdades dogmas teacutecnicas conceitos

arbitrados ou fetichizados porque instrumentalizados pelos operadores do direito

esses administradores vestindo terno e gravata ou agrave social que tatildeo logo adentram

ao culto dessa sombra jaacute incorporam os seus preceitos morais O ocaso do

direito eacute a sombra que paira no templo lugar que eacute erigido pela tradiccedilatildeo seja

na faculdade no foacuterum nos gabinetes a sombra esconde o direito que eacute velado

pelos seus administradores com o cinismo daqueles que comparecem ao veloacuterio

do proacuteprio crime Eacute o rebanho catequizado ou acostumados ao palavroacuterio dos

outros que natildeo entende o anuacutencio de Zaratustra e logo iratildeo julgaacute-lo louco ou

ainda um novo pastor a defender a imoralidade a ausecircncia de qualquer valor

moral ou eacutetica encontrando assim justificativas para a total permissividade deles

181 ldquoDas trecircs metamorfosesrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra TradMaacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

93

mesmos Natildeo suficientemente fortes o bastante para se justificarem ainda

precisam acreditar em alguma coisa Assim acostumados ao direito dos coacutedigos

das cartilhas ao culto da razatildeo acadecircmica leia-se ornamental julgaratildeo

qualquer empreendimento que escape ao lugar comum de inuacutetil de heresia

como natildeo direito Dessa forma eacute que esses seguidores da sombra

demonstram seu desejo pelo iacutedolo o direito com d maiuacutesculo acima dos

demais saberes porque mais legiacutetimo que todos e para isso inescrupulosamente

cometeratildeo toda sorte de falsificaccedilotildees como for mais conveniente Esse natildeo eacute

apenas o comportamento dos niilistas mas tambeacutem eacute o dos realizadores do

niilismo Por essas palavras entenda-se natildeo a figura daqueles que acreditam mas

a daqueles que precisam acreditar em alguma coisa que tem o iacutedolo como

muleta dai nos Zaratustra esse super-homem que vocecirc fala (gritam os homens

na praccedila182) agem como crentes com submissatildeo pois sem o iacutedolo ou sem um

novo natildeo saberiam sustentar em andaimes seguros a sua proacutepria existecircncia Com

iacutempeto semelhante tambeacutem se comportam os adeptos da razatildeo ornamental

assiacuteduos leitores da doutrina repisada dos manuais juriacutedicos que na condiccedilatildeo de

aristocratas do conhecimento vestindo agrave social julgam e advogam a causa dos

outros com a feacute no poder do direito da lei dos coacutedigos ou da constituiccedilatildeo Eacute se

assenhorando do direito como objeto da verdade que natildeo eacute mais do que a

muleta para as suas convicccedilotildees que procuraratildeo reafirmaacute-las quando acusam

Nisso os aristocratas do conhecimento em relaccedilatildeo a sociedade que lhes provecirc

o ensino puacuteblico gratuito e de qualidade tambeacutem satildeo uma elite de

administradores da justiccedila do direito do poder da poliacutetica da lei e da ordem

Para essa elite o direito dos outros satildeo os seus honoraacuterios sua posiccedilatildeo simboacutelica

na escala social e a filosofia um saber minuacutesculo artigo de luxo que desejam que

lhes seja dado como ilustraccedilatildeo assim como lhe satildeo dadas as liccedilotildees no templo

e as transmitiratildeo Eacute preciso que se diga que os acusadores de Nietzsche como

filoacutesofo da aristocracia ainda ignoram que a proacutepria elite o desconhece pois

querem-no como um artigo de luxo um ornamento qualquer coisa menos como

182 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

94

dinamite Satildeo os liberais da razatildeo econocircmica cujo liberalismo183 eacute outro nome

para esconder sua submissatildeo niilista natildeo eacute a liberdade visceral nietzscheana do

torna-te aquilo que tu eacutes

Por isso quando manifestei interesse no estudo de Nietzsche no direito

logo essa elite refeacutem da sombra veio me aconselhar a apenas citar o filoacutesofo no

texto do trabalho de monografia afinal o que tem a ver esse filoacutesofo ou o que ele

tem a dizer ao direito senatildeo paraacutebolas e literatura Quiccedilaacute muito temor da

sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente a juriacutedica e muita vontade de

verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aqui do reacuteu Nietzsche o louco o

banido para as sombras como julgaacute-lo temendo ainda as sombras Talvez os

acusadores tivessem que se abster e alegar a ineacutepcia de suas acusaccedilotildees para

tanto seria preciso realizar uma criacutetica radical de suas verdades abalar de tal

modo as convicccedilotildees dos administradores do direito que sem a muleta ou altar

vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiam por quais verdades

basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila o palco dos casuiacutesmos

ou decisionismos apontaria os atuais administradores da lei mas cabe objetaacute-

los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildees da feacute no iacutedolo

mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga Com base em

queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as

acusaccedilotildees e condenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se

descubra que o ocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso

que venccedilamos a sua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser

conquistado e jamais dado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem

como a superaccedilatildeo do homem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho

pronto construiacutedo Se eacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que

183 ldquoLiberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153 retirado de oldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 CfNIETZSCHE Friedrich WilhelmEscritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad Noeacuteli Correia de MeloSobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

95

estatildeo acostumados a ser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou

melhor esses acusadores submissos de Nietzsche pois bastante niilistas para

confessar que precisam se escorar em alguma coisa para se manter de peacute

Quanto a isso responde Zaratustra O caminho natildeo existe184 Isso segundo

Jacques Derrida seria uma aporia185 o lugar sem saiacuteda sem opccedilotildees tal como

um muro que bloqueia a passagem Mas antes que jubilosos por compreender

que a filosofia de Nietzsche eacute sem saiacuteda sem caminho sem possibilidade e logo

lhe imputem a condiccedilatildeo de ser niilista Eacute preciso que se diga que nem a aporia

do Derrida nem o anuacutencio de Zaratustra satildeo uma declaraccedilatildeo de conformismo

diante de um muro Para Derrida a aporia conduz a um movimento de busca

infinito em que a proacutepria ideacuteia de justiccedila se insere como o inalcanccedilaacutevel ibidem a

justiccedila deve ser pensada como desconstruccedilatildeo constante quem faz seu

depoimento agora eacute um leitor de Nietzsche bastante atento ao que este escreveu

e tambeacutem um ex-aluno de Michel Foucault Se a busca eacute infinita assim como a

interpretaccedilatildeo dos signos deve o ser para Foucault eacute preciso apontar para a

multiplicidade do anuacutencio de Zaratustra natildeo existe o caminho mas muitos

caminhos muitas possibilidades tantas que o proacuteprio ser se exaure no devir

Sobre isso ainda testemunha DerridaA justiccedila como possibilidade da desconstruccedilatildeo a estrutura do direito ouda lei da fundaccedilatildeo ou da auto-autorizaccedilatildeo do direito como possibilidadedo exerciacutecio da desconstruccedilatildeo Eacute tarefa infinita a da interpretaccedilatildeotratam-se de infinitas memoacuterias culturais religiosas filosoacuteficas ejuriacutedicas o que torna os problemas infinitos neles mesmos porqueexigem a experiecircncia da aporia que tem relaccedilatildeo com o miacutesticowittgensteiniano (DERRIDA 2007 p 28-29)

Esse miacutestico de Wittgenstein eacute aquele momento em que se deve calar eacute o

momento do silecircncio porque nada pode ser dito Infinitos neles mesmosrdquo como a

experiecircncia labiriacutentica do mergulho no abismo nietzscheano o ultrapassamento

para o aleacutem-do-homem contudo Nietzsche natildeo estanca na aporia natildeo conhece

uma antes se espatifca contra o muro para ultrapassaacute-lo mesmo ao custo do

184 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p233185 Cf DERRIDA Jacques Forccedila de Lei o ldquofundamento miacutestico da autoridaderdquo Trad LeylaPerrone-Moiseacutes Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sp

96

despedaccedilamento daquele que tenta mesmo que derrubando o muro do silecircncio

sobre si mesmo quanto a isso cabe a imagem de um Nietzsche que antes de

mergulhar num silecircncio de onze anos trancado depois do colapso seguia uivando

num grito louco pela liberdade186

O que Nietzsche natildeo conseguiraacute dizer mais ele tentaraacute uivar seja de

dor de desespero ou como louco ou ainda um bufatildeo satisfeito pelo que fez a

medicina da eacutepoca natildeo soube afirmar certeza sobre nada e hoje soacute podemos

especular daquela eacutepoca soacute sobrou a imagem de quem em silecircncio olhava para o

horizonte infinito187

O horizonte natildeo eacute sem sentido do ponto de vista filoloacutegico e filosoacutefico para

Nietzsche como assinala o testemunho de Hans-Georg Gadamer antes dele

falar eacute preciso que se diga que o Nietzsche lido por Gadamer natildeo eacute

necessariamente o mesmo lido por Foucault Deleuze Derridaacute por esse time

essa eacute a polissemia de Nietzsche que no seu uivo traacutegico acaba se colocando

para aleacutem de bem e mal e contra todas as confrarias sem time Agora deixo

Gadamer dar seu testemunhoA linguagem filosoacutefica empregou a palavra horizonte sobretudo desdeNietzsche e Husserl para caracterizar a vinculaccedilatildeo do pensamento agravesua determinidade finita e para caracterizar o ritmo de ampliaccedilatildeo docampo visual Aquele que natildeo tem um horizonte eacute um homem que natildeovecirc suficientemente longe e que por conseguinte supervaloriza o que lheestaacute mais proacuteximo Ao contraacuterio ter horizontes significa natildeo estarlimitado ao que haacute de mais proacuteximo mas poder ver para aleacutem dissoAquele que tem horizontes sabe valorizar corretamente o significado detodas as coisas que pertencem ao horizonte no que concerne aproximidade e distacircncia grandeza e pequenez (Cf GADAMER 1997 p399-400)

186 Esse relato adveacutem da leitura de FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dosdeuses Rio de Janeiro Relume Dumaraacute 1994 sp e sobre o miacutestico de wittgenstein areferecircncia eacute MANTAU Leandro Nascimento KUNZE Cristiana Montibeller Deus nopensamento de Nietzsche e de Wittgenstein In Caderno de Resumos do VI Congresso deFilosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba Editora Champagnat 2008 Wittgenstein foi um dosmaiores loacutegicos que jaacute existiu era homem de feacute leu tolstoi provavelmente o mesmo livro queNietzsche leu o reino de deus estaacute em noacutes e o carregava debaixo do braccedilo nas trincheiras daprimeira guerra mundial natildeo se sabe se conheceu a filosofia de Nietzsche

187 Nota para o viacutedeo de veracidade sempre questionaacutevel no chamado siacutetio de armazenamentoyoutube wwwyoutubecomwatchv=alHu-nGqDHY gravada segundo informaccedilotildees de amigospelos irmatildeos lumiacuteere provavelmente com as primeiras tecnologias de cinema desenvolvidas emque aparece a imagem de Nietzsche absorto olhando o infinito em seus uacuteltimos dias

97

Eu ensino a voacutes o amor ao mais distante188 natildeo estar limitado ao mais

proacuteximo eacute natildeo aceitar o que recomenda a catequese do amor ao proacuteximo e a

tradiccedilatildeo da visatildeo estrito senso do direito que o supervaloriza perante os outros

saberes mas ousar o nomadizar-se como condiccedilatildeo para visualizar o significado

das coisas do proacuteprio direito assim soacute seraacute possiacutevel amar e valorizar ao mais

proacuteximo depois de vagar pelo mais distante esse seria o pathos de distacircncia

nietzscheano que ensina um distanciar-se estrateacutegico das coisas para ver ateacute

que altura foram construiacutedas as torres189 Quiccedilaacute para enxergar que os iacutedolos

cultuados satildeo de barro e o templo um mausoleacuteu Eacute conhecida as polecircmicas

entre Derridaacute e Gadamer em torno da hermenecircutica cuja noccedilatildeo de horizonte eacute

constitutiva para Gadamer a hermenecircutica se daacute como processo de fusatildeo de

horizontes190 contudo os dois foram convocados natildeo para polemizar entre si

mas para auxiliar na defesa do Nietzsche reacuteu por isso ao ouvir o testemunho

Derridaacute natildeo se conteacutem e pede a palavra assim vem para completar o dito pelo

outroUm horizonte como seu nome indica em grego eacute ao mesmo tempo aabertura e o limite da abertura que define ou um progresso infinito ouuma espera (Cf DERRIDA 2007 p 51)

Ideacuteia que se associa a de Gadamer quando este define o que eacute horizonte

e fala em Nietzsche o amor ao distante tambeacutem eacute uma espera pelo aleacutem-do-

homem quem poderaacute redimir o passado o presente no porvir191 Todavia eacute

preciso ler que para Derrida

A justiccedila natildeo espera uma decisatildeo justa eacute sempre requeridaimediatamente de pronto o mais raacutepido possiacutevel O momento de

188 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

189 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

190 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

191 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

98

decisatildeo eacute de urgecircncia e precipitaccedilatildeoA decisatildeo justa rasga o tempo edesafia as dialeacuteticas p 52 A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por issoque a justiccedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedicoou poliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeodo direito e da poliacutetica (Cf DERRIDA 2007 p 51-55)

A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta (radical) eacute inapreensiacutevel

eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento (que excede o caacutelculo)

segundo Derrida ibidem Quando Zaratustra faz seu anuacutencio o homem deve ser

superado para que venha o aleacutem-do-homem no porvir ensina tambeacutem o amor

ao distante e que eacute preciso que se aprenda a declinar Zaratustra atormentado

pelo seu anuacutencio pelo que tem que dizer sabe que deveraacute perecer como

anunciador eacute o preccedilo a ser pago a experiecircncia traacutegica como a do deus que eacute

despedaccedilado em sua peregrinaccedilatildeo ao Oriente esse eacute o destino de Dioniso E tal

como o Jesus de Kazantzaacutekis o Zaratustra de Nietzsche parece temer o seu

destino natildeo sabe anunciar suas ideacuteias e elas natildeo satildeo audiacuteveis e nem

compreendidas pelo puacuteblico que as distorce rapidamente nem o proacuteprio Nietzsche

a escrever alucinadamente a primeira parte de Assim Falava Zaratustra em dez

dias mesmo com o uso da paraacutebola natildeo consegue se fazer claro e seu livro natildeo

iraacute vender o que lhe custaraacute o desgosto profundo ateacute mesmo seus amigos iratildeo

dizer que natildeo entenderam palavra alguma e se afastaratildeo tendo-o por louco192

Eacute preciso ter coragem de querer o que jaacute se sabe193 E Zaratustra precisa reunir

forccedilas para fazer o que jaacute sabe deveraacute caminhar como criminoso natildeo como um

pastor de rebanho como bandido porque deixado a solidatildeo como inimigo de

todas as confrarias pois enxotado de todas as igrejas que o acusaratildeo de

herege esse eacute tambeacutem o destino do reacuteu Nietzsche andando de pensatildeo em

pensatildeo e vivendo de favores afinal essa eacute a visatildeo mais aterradora a de estar na

sombra

O medo que toma o Jesus de Kazantzaacutekis e o Zaratustra de Nietzsche eacute o

mesmo demasiado humano de que ningueacutem iraacute lhe salvar do seu destino nem

192 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

193 Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor1997 sp

99

anjos os homens superiores reis magos ou Deus Estaacute abandonado a sua

proacutepria sorte o que faz Zaratustra sentir que ele eacute apenas um anunciador natildeo eacute

ainda o aleacutem-do-homem pois sente-se um aleijado na ponte quase esmagado

pela sensaccedilatildeo do iacutempio daquele que ousou dizer que Deus estaacute morto O seu

anuacutencio eacute uma carga absurda que precisa suportar como o grito desesperado e o

sangue dos que satildeo crucificados diante do Jesus de Kazantzaacutekis considerado

pela comunidade local como um traidor jaacute que trabalha como carpinteiro que

aleacutem de moacuteveis tambeacutem fabrica cruzes194 eacute assim que o Zaratustra de Nietzsche

ao sair da caverna onde existe a sombra como personagem solar e apoliacuteneo iraacute

fazer o seu anuacutencio na praccedila para descobrir depois que ao abrir a boca ele

tambeacutem fabricou cruzes O peso do accediloite e do que fabrica do grito atormentado

que natildeo o deixa dormir eacute muito intenso o Jesus de Kazantzaacutekis tambeacutem grita e

uiva com suas visotildees abissais aleacutem de ser visto como traidor seraacute tido ainda

como louco ou possuiacutedo pelo democircnio ibidem

Natildeo eacute a toa que com essa obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Kazantzaacutekis

chegou a ser ameaccedilado de excomunhatildeo pela Igreja ortodoxa e natildeo o deixaram

ter um enterro cristatildeo195

O Zaratustra de Nietzsche tambeacutem teraacute de suportar muito esse eacute o preccedilo

de sua primeira metamorfose se tornar um camelo um animal carregador Se

vivia em seguranccedila o Jesus de Kazantzaacutekis precisaraacute enfrentar a mais profunda

solidatildeo do deserto enquanto Zaratustra tambeacutem faraacute sua travessia bastante

ferido e atormentado pelas moscas da feira aqueles que encontra no caminho e

que parecem roubar-lhe alguma coisa na tentativa de arrebatar-lhe a coragem

que lutou para conquistar e com dificuldade sustenta as moscas da feira

(passagem do capiacutetulo de Assim Falava Zaratustra196 as moscas agem como as

tentaccedilotildees para o Jesus de Kazantzaacutekis na tentativa de achatar a potecircncia)

194 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos A uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristo Trad Waldeacutea Barcellos Rio deJaneiro Rocco 1988 sp

195 Cf Joseacute Paulo Paes prefaacutecio in KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus TradJoseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Aacutetica 1997

196 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

100

Eacute assim que Roberto Machado afirma

O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevelfoi destruiacutedo por seus inimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivioPor quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso e inalterado eacute a sua almasua vontade (Cf MACHADO 1997 98)

O que resta daquele que aceitou perecer pelo seu anuacutencio eacute a vontade de

poder que pulsa em algum lugar do ser cuja intensidade da carga o faz sucumbir

essa vontade se manifesta no despedaccedilamento na explosatildeo quando tudo se

consuma para o Jesus de Kazantzaacutekis ou quando tudo comeccedila para o Zaratustra

de Nietzsche esse eacute o princiacutepio ou a aurora pois a sua descoberta na solidatildeo

profunda eacute de que

A vontade eacute o princiacutepio que torna possiacutevel a libertaccedilatildeo do niilismoContudo a vontade natildeo pode querer para traacutes (impotente contra o queestaacute feito) Eis a mais solitaacuteria anguacutestia da vontade (Cf MACHADO1997 98)

O traacutegico eacute o lugar dessa vontade ela eacute o priacutencipio da segunda

metamorfose de Zaratustra a do homem-leatildeo daquele que deveraacute natildeo apenas

carregar mas tambeacutem combater pelos valores que mesmo conquistou eacute preciso

que aprenda a defender as suas descobertas e tambeacutem a comunicar a sua seiva

Zaratustra iraacute querer companheiros e se quem o segue seratildeo disciacutepulos essa

palavra tem outro sentido para Nietzsche e para o Jesus de Kazantzaacutekis

Ser disciacutepulo de Zaratustra eacute eleger-se a si mesmo eacute ser solitaacuteriocriador de seus proacuteprios valores ser seu disciacutepulo eacute em vez depermanecer fiel a seu ensinamento isto eacute em vez de imita-loultrapassa-lo supera-lo no caminho do super-homem Eacute preciso pocircr-seem guarda contra mim (Nietzsche) ldquoSecirc um homem e natildeo me sigassigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo (Cf MACHADO 1997 78)

ldquoOs criadores satildeo duros e o mais nobre eacute duriacutessimordquo ldquodas velhas e novas

taacutebuasrdquo197 Todos os criadores satildeo duros eacute a verdadeira marca de uma natureza

dionisiacuteaca O homem-leatildeo deve aprender a rugir alto a leonina sabedoria

conquistada ao custo traacutegico do peso que carregou que ainda estaacute presente nas

197 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

101

cicatrizes e feridas natildeo fechadas mas agora vive com o peso sem se incomodar

tornou-se leve pois deixou de ser animal carregador superou esse estaacutegio o

ultrapassou Eacute com uma vontade desse tipo que o heroacutei traacutegico teraacute de enfrentar

um titatilde que ainda impotildee uma sombra eacute o tempo do deus Cronos o titatilde escreve

Roberto Machado

O segredo que Zaratustra descobre eacute que o passado eacute o grande desafiopara que haja uma verdadeira redenccedilatildeo e que soacute pela vontade eacutepossiacutevel recuperar o que nele morreu p 99 idem

Esse homem-leatildeo natildeo eacute Zeus que de acordo com a mitologia grega

enfrentou e derrotou Cronos no princiacutepio do que conhecemos por universo

tambeacutem natildeo possui raios e a constelaccedilatildeo oliacutempica para lutar a seu lado a luta de

Zaratustra eacute ainda solitaacuteria como a do Jesus de Kazantzaacutekis abandonado e

negado pelos seus disciacutepulos mesmo na versatildeo biacuteblica Certamente a luta

contra Cronos natildeo pode ser ganha natildeo por um homem que sangra sofre e natildeo

tem super poderes que natildeo eacute divino Mas Nietzsche eacute leitor dos preacute-socraacuteticos

da mitologia grega e conhece a histoacuteria de Aquiles daquele que escolheu a

destruiccedilatildeo a morte no campo de batalha como meio de lograr o tempo vencecirc-lo

e se eternizar Escreve em Assim Falava Zaratustra

Deveis procurar o vosso inimigo e fazer a guerra pelos vossospensamentos E se o vosso pensamento for vencido que a vossaretidatildeo lance ainda assim um grito de vitoacuteria Natildeo o trabalho mas aluta Que o trabalho seja luta e a paz uma vitoacuteria Vivei a vida deobediecircncia e de guerra Que importa viver muito tempo Que guerreiroquer ser poupado (Cf NIETZSCHE 2003 73-74)

Sabe portanto que os deuses invejam os homens natildeo porque sua vida

perante a eternidade eacute um piscar de olhos mas porque cada instante pode ser o

uacuteltimo Por isso jaacute sabe o homem-leatildeo que precisa usar o que lhe restou a

mateacuteria viva que ainda pulsa nele a sua vontade como meio e possibilidade de

ultrapassar o tempo vencecirc-lo Quando estaacute na cruz aparece a uacuteltima tentaccedilatildeo ao

Jesus de Kazantzaacutekis eacute a alternativa confortaacutevel de uma vida comum e feliz para

Aquiles era o desconhecimento histoacuterico o desaparecimento ao Zaratustra de

Nietzsche eacute o muro do passado a uacuteltima sombra o peso mais pesado ainda

natildeo carregado que lhe aparece sob a forma de um democircnio ao Jesus de

102

Kazantzaacutekis tambeacutem aparece um democircnio mas sob a forma de anjo assim

escreve Nietzsche no aforisma 341 da Gaia Ciecircncia

O peso mais pesado E se um dia ou uma noite um democircnio lheaparecesse na sua suprema solidatildeo e lhe dissesse Esta existecircncia talcomo a leva e a levou ateacute aqui vai ser necessaacuterio a vocecirc recomeccedilaacute-lasem cessar sem nada de novo muito pelo contraacuterio A menor dor omenor prazer o menor pensamento o menor suspiro tudo o quepertence agrave vida voltaraacute ainda a repetir-se tudo o que nela haacute deindizivelmente grande e de indizivelmente pequeno tudo voltaraacute aacontecer e voltaraacute a verificar-se na mesma ordem seguindo a mesmaimpiedosa sucessatildeo esta aranha tambeacutem voltaraacute a aparecer estelugar entre as aacutervores e este instante e eu tambeacutem A eterna ampulhetada vida seraacute invertida sem descanso e vocecirc com ela iacutenfima poeira daspoeiras Natildeo lhe lanccedilaria por terra rangendo os dentes e amaldiccediloandoesse democircnio A menos que jaacute tenha vivido um instante prodigiosos emque lhe responderia Vocecirc eacute um deus nunca ouvi palavras tatildeo divinasSe este pensamento lhe dominasse talvez lhe transformasse e lheaniquilasse havia de lhe perguntar a prooacutesito de tudo Quer isto E oquer outra vez Uma vez Sempre Ateacute o infinito E esta questatildeo teriasobre vocecirc um peso decisivo e terriacutevel Ou entatildeo seraacute necessaacuterio quelhe ame a si proacuteprio e que ame a vida para nunca mais desejar outracoisa aleacutem dessa suprema confirmaccedilatildeo (Cf NIETZSCHE 2005 sp)

Tudo isso foi escrito com o objetivo de justificar a opccedilatildeo natildeo niilista da

vontade de poder em face do desafio de superar a sombra Portanto natildeo se

trata de uma saiacuteda platocircnica da caverna em busca da luz aquela que ofusca aos

olhos tal como no mito da carvena198 a superaccedilatildeo nietzscheana eacute uma cena de

extremo combate pois eacute autoconsciente de sua tarefa deveraacute viver

perigosamente para ultrapassar o niilismo e o templo lugar dos seus

realizadores A palavra templo guarda semelhanccedila com a palavra tempo o que

natildeo eacute casual como nada eacute num texto que se propotildee a defesa do ex-filoacutelogo e

neologista Nietzsche O templo tal como o tempo eacute uma resistecircncia a essa

vontade afirmativa simboliza um passado de histoacuteria e tradiccedilatildeo tal como os

quadros paredes e laacutepides com nomes de professores a enfeitar os salotildees e

corredores Existe no templo do direito muito do culto a memoacuteria dos

antepassados de onde adveacutem a sua iacutendole conservadora elitista e sua

justificaccedilatildeo histoacuterica talvez por isso necessita o direito erigir templos para ser a

198 Quando o homem apenas enxerga sombras como projeccedilotildees da realidade nas paredes dacaverna enquanto natildeo consciente de que a realidade eacute o que estaacute fora da caverna

103

casa de Cronos natildeo um museu mas um lugar de culto um mausoleacuteu onde se

guarda e se preserva as reliacutequias que confirmam as suas verdades O templo eacute

o lugar do tempo do direito e provavelmente mais faacutecil seja ser acusado de

louco e enxotado dele do que lograr convencer os outros de que esse deus estaacute

morto e que esse templo natildeo eacute mais do que tuacutemulo dele Nisso haacute dois tipos

de ilusotildees que satildeo alimentadas a de que o direito vive dentro dele assim como o

tempo que o justifica Muito forte satildeo essas crenccedilas tanto como as verdades do

direito erigido na tradiccedilatildeo da modernidade Diante do que cabe a lembranccedila de

outro heroacutei da eacutepoca de Aquiles trata-se de Ulisses aquele que astuciosamente

enganou Polifermo199 para tentar lograr o direito e o tempo dele no seu proacuteprio

territoacuterio o seu templo encontrando passagens secretas outros caminhos ainda

natildeo percorridos e assim encontrar um modo de ultrapassamento

Quiccedilaacute seja preciso mesmo um pouco de espiacuterito de ulisses para aceitar

a odisseacuteia e enganar o direito ciclope porque se quer com d maiuacutesculo

absoluto na sua pretensatildeo de regulaccedilatildeo da sociedade e do tempo A aurora tem

por princiacutepio essa vontade de poder de ulisses esperteza astuacutecia coragem

para lograr o adversaacuterio invenciacutevel divino ou semi-divino ou que se acha sagrado

como as verdades que fundamentam o direito Natildeo haacute como vencer a luta mas

haacute caminhos a percorrer meios para enganar eacute preciso se pocircr em combate se

implicar na tarefa e ousar a profanaccedilatildeo e isso pode abrir espaccedilo para repensar o

direito e a justiccedila natildeo para trazecirc-los a tona porque natildeo ressuscitaratildeo no lugar

nomeado para eles como aponta Nietzsche

ldquoSoacute haacute ressurreiccedilatildeo onde haacute tuacutemulosrdquo e que a vontade eacute a ldquodestruiccedilatildeode todos os tuacutemulosrdquo Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedianietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 sp Como jaacute

199 Ulisses ou Odisseu a depender da traduccedilatildeo enfrenta Polifermo um ciclope e com astuacutecia furao olho do titatilde Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape1995 p 13 a 29 ldquoO Homero das reflexotildees de Nietzsche expressa bem a proposiccedilatildeo de que asdisputas emblematicamente caracterizadas sob o signo de agon satildeo tomadas como um radicalconflito pluralista de perspectivas entendido como condiccedilatildeo de legislaccedilatildeo e criaccedilatildeo axioloacutegicardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p177

104

apontado por Derridaacute A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por isso que ajusticcedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedico oupoliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeo dodireito e da poliacutetica p 55 idem

Isso requer um engajamento traacutegico a astuacutecia do guerreiro daquele que

engana a bruxa Circe e natildeo se deixa apanhar pelo feiticcedilo que transformava

homens em porcos200 o que eacute muito diferente da soluccedilatildeo miraculosa desses

operadores e administradores do direito que manipulam as regras e os princiacutepios

consoante seus interesses para os benefiacutecios seus e do time em que jogam

auferindo lucros e vantagens esses satildeo os espertos ao modo Circe e mais se

parecem com os porcos enfeiticcedilados por ela

Natildeo deiteis fora o heroacutei que haacute na tua alma conserva a sua mais altaesperanccedila Um homem nobre eacute obstaacuteculo no caminho de todos poiscoisas novas quer criar e novas virtudes diferente dos libertinos queandam por aiacute emporcalhando tudo CfNIETZSCHE 2003 p 70)

O ultrapassamento do niilismo requer o ocaso o crepuacutesculo a

precipitaccedilatildeo tiacutepica da decisatildeo que rasga o tempo e desafia as dialeacuteticas 51-52 p

como aponta Derrida eacute o mergulho das duas metamorfoses de Zaratustra a do

camelo e a do homem-leatildeo do homem possuiacutedo pelo seu anuacutencio que se

encaminha para a terceira metamorfose a da crianccedila luacutedica o caminho para a

transvaloraccedilatildeo A gaia ciecircncia eacute alegre e luacutedica porque nasce da aurora cujo

princiacutepio eacute a vontade de poder afirmativa que atraveacutes do jogo consegue suplantar

os esquemas prontos e criativamente enganar os censores inventando

possibilidades e fazendo outro uso do direito natildeo o canocircnico Dessa forma

Agamben no seu estado de exceccedilatildeo comentando Walter Benjamin aponta

Um dia a humanidade brincaraacute com o direito como as crianccedilas brincamcom os objetos fora de uso natildeo para devolvecirc-los a seu uso canocircnico esim para libertaacute-los definitivamente dele O que se encontra depois dodireito natildeo eacute um valor de uso mais proacuteprio e original e que precederia odireito mas um novo uso que soacute nasce depois dele Tambeacutem o uso

200 Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape 1995 p 30-43 A Circe era uma bruxa na epopeacuteia de Homero que transformava os homens em porcos parabrincar com eles para Nietzsche a Circe da humanidade eacute ldquoa moral falsificou no cerne ndashmoralizou ndash todas as questotildees psicoloacutegicasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995 p 58

105

que se contaminou com o direito deve ser libertado de seu proacuteprio valorEssa libertaccedilatildeo eacute a tarefa do estudo ou do jogo E esse jogo estudioso eacutea passagem que permite ter acesso agravequela justiccedila que um fragmentopoacutestumo de Benjamin define como um estado do mundo em que esteaparece como um bem absolutamente natildeo passiacutevel de ser apropriado ousubmetido agrave ordem juriacutedica (Cf AGAMBEN 2004 p 98)

Cabe re-citar Derridaacute A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta

(radical) eacute inapreensiacutevel eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento

(que excede o caacutelculo) p 55 idem A gaia ciecircncia ou a aurora do direito eacute a

experiecircncia do excesso tal como a criatividade artiacutestica porque resultado dessa

vontade de poder que atua agenciando as forccedilas num movimento de alteridade

radical na pluralidade do devir mesmo que ao custo traacutegico do exaurimento

daquele que se propotildee a essa tarefa E quiccedilaacute a vitoacuteria sobre a sombra tambeacutem

seja um novo comeccedilo quando numa transvaloraccedilatildeo de todos os valores muda-se

o princiacutepio de onde se originam os valores ele eacute deslocado nesse nomadismo da

vontade empurrado para outro lugar com o impacto E quem se propor a esse

desafio aceita tambeacutem perecer por isso eacute uma tarefa tatildeo absurda quanto nobre

em que o preccedilo a ser pago eacute alto e requer o investimento da proacutepria vida Eacute

preciso amar esse destino para se comprometer com ele de tal modo que o

anuacutencio do eterno retorno seja uma benccedilatildeo divina para querer todas as coisas

assim como ocorreram e para que tudo retorne outra vez E o reacuteu Nietzsche se

comprometeu com a sua tarefa ateacute o dilaceramento esses acusadores ligeiros e

estelionataacuterios deveriam ter antes mais respeito por um homem que pagou um

preccedilo tatildeo alto para trazer a sua mensagem Toda hybris se paga bastante caro

tanto para os gregos quanto para NietzscheEm todos os lugares eacute a loucura que

abre caminho para o novo pensamento que rompe o interdito de um costume de

uma supersticcedilatildeo respeitadardquo201

Tornar-se o que se eacute no direito Ou como coloquei o Nietzsche em praacutetica

Esse trabalho de conclusatildeo do curso de direito eacute resultado de um

nomadismo universitaacuterio pensando o direito para aleacutem da loacutegica do estrito senso

201 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p130

106

e se recusando ao recorte da razatildeo acadecircmica se fez a pesquisa na

contingecircncia dos devires participando de grupos de estudos e tomando notas

aqui e ali no acaso das situaccedilotildees aproveitando dos diaacutelogos e provocaccedilotildees

surgidas das conversas nesses cinco anos de faculdade Buscou-se realizar o

trabalho com a base empiacuterica oriunda das experiecircncias vividas e testadas na

proacutepria carne Natildeo houve escolha de tema e nem projeto desenhado antes o

desenvolvimento se deu colocando-se a deriva tal como na odisseacuteia E assim

escrevo agora no prazo de dois dias as linhas finais deste trabalho quando o

trabalho todo natildeo levou mais de vinte e poucos menos de um mecircs natildeo por

negligecircncia mas porque as ideacuteias jaacute estavam sendo ruminadas haacute algum tempo

sem ainda o tratamento mecacircnico e visual Tambeacutem o esforccedilo foi o de trazer o

maacuteximo de conteuacutedos possiacuteveis filosofia literatura direito psicologia agenciando

os saberes e as forccedilas na defesa do reacuteu Nietzsche acusado de muitos crimes

tanto quanto a multiplicidade de seu pensamento pode indicar E num tempo

reduzido diante da dificuldade do trabalho de exercer essa advocacia sem

diploma ainda no amadorismo e na diletacircncia de tratar da defesa do filoacutesofo sem

a formaccedilatildeo filosoacutefica literaacuteria e menos ainda a juriacutedica o que se escreveu e se

continua por enquanto eacute a exteriorizaccedilatildeo provisoacuteria do que se conseguiu agenciar

daquilo que valeu a pena ser dito e expressado muita coisa ainda se deixa de

fora pois mereceria um burilamento maior e o ruminar necessaacuterio a

problematizaccedilatildeo da defesa Pois que assim seja fique uma parte de fora e que

nas reticecircncias perdure o desejo202

Ateacute pouco tempo natildeo se sabia como comeccedilar esse trabalho muito menos

do que tratar sobre Nietzsche a uacutenica coisa que havia de certeza eacute que se

tentaria trazer esse filoacutesofo para o Direito numa espeacutecie de diaacutelogo que ateacute entatildeo

nunca havia visto Haacute alguns meses atraacutes nada existia apenas esse desejo e foi

o trabalho dele o resultado dessas paacuteginas que seguem por isso o pouco tempo

202 Paraacutefrase de Cyro Marcos por PHILIPPI Jeanine Nicolazzi Direito e Psicanaacutelise brevesapontamentos acerca do estatuto da lei In CUNHA PEREIRA Rodrigo da (Coord) Anais do ICongresso Brasileiro de Direito de Famiacutelia ndash Repensando o Direito de FamiacuteliaBelo Horizonte DelRey 1999 sp

107

de escrita o que natildeo eacute sem sentido do ponto de vista da psicologia empregada

quando para transmutar o desejo a paixatildeo o caos em mateacuteria bruta seria

necessaacuteria a tensatildeo o desespero a exaltaccedilatildeo o sentimento do excesso contra o

tempo de Cronos Trata-se de uma psicologia que requer o mergulho no profundo

oceano de noacutes mesmos para trazer agrave superfiacutecie os tesouros escondidos e

conquistados alguns ateacute entatildeo desconhecidos porque nunca antes foram

expressos ou natildeo havia sido dada a oportunidade Esse mergulho eacute o do

naacuteufrago que perdido natildeo sabe para onde ir ou como se salvar eacute tambeacutem a

daquele que sabe que deve dar braccediladas contra a correnteza e natildeo pode paacuterar

em algum lugar deveraacute chegar natildeo se sabe qual ou ainda como um operaacuterio que

deve quebrar muitas pedras a golpes de marreta antes que comece a construir

alguma coisa Tal empreendimento pode ser comparado tambeacutem com a de quem

deveraacute fazer um mosaico colando e recortando pilhas e pilhas de papeacuteis para

montar um conjunto sujando as proacuteprias matildeos essa eacute a bricolagem quando o

luacutedico trabalha com os signos dando-lhes sentido novo Esse era o grande

desafio como executar um trabalho relacionando Nietzsche e Direito com d

maiuacutesculo sem seguir nenhum precedente nenhum jurista com a exceccedilatildeo de um

juiz203 escreveram ou escrevem sobre Nietzsche dentro da aacuterea satildeo reflexotildees

que tangenciam mas natildeo trazem o campo juriacutedico como problema

Diante da inexistecircncia de um ponto de partida ou de apoio o trabalho

estaria fadado ao fracasso antes de comeccedilar seria morrer na praia Natildeo havendo

um modo de comeccedilar na perspectiva da razatildeo acadecircmica que exige marcos

teoacutericos soacutelidos na aacuterea que o trabalho estaacute vinculado e tambeacutem um recorte

epistemoloacutegico uma delimitaccedilatildeo do tema entre outros requisitos a alternativa que

restou diante do muro foi a de dinamitaacute-lo lanccedilar pelos ares os modelos os limites

preacute-dados para estourando com eles a marteladas achar um espaccedilo no meio do

nada na sombra da desolaccedilatildeo do niilismo Entatildeo jaacute sabia que teria que escrever

tudo desde a primeira linha ateacute a uacuteltima todo um trabalho ineacutedito talvez nunca

203 Nota para MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 e ainda para VIEIRA Joseacute Roberto Interpretaccedilatildeo da morte de Deusem Nietzsche In Revista da faculdade catoacutelica de administraccedilatildeo e economia Adecon CuritibaFae 1991

108

antes realizado no campo juriacutedico como trabalho de conclusatildeo de curso Tambeacutem

jaacute conhecia das suspeitas e das provaacuteveis imputaccedilotildees principalmente a daqueles

que me acusariam de tentar realizar um trabalho de doutorado uma tese na

graduaccedilatildeo como se fosse uma heresia ousar andar fora dos modelos e desafiar a

tradiccedilatildeo Com isso tambeacutem buscavam me desacreditar tomando o meu esforccedilo

por impossiacutevel ou ainda aleacutem disso bastante pretensioso ora como pode um

estudante de direito falar de um pensador que pouco se estuda ateacute mesmo na

filosofia Como pode querer saber mais do que aqueles que estudam filosofia

Igualmente outras barreiras eram colocadas ao empreendimento quando me

perguntavam O que sobre Nietzsche O que no direito se aproxima de

Nietzsche

ldquoPerguntaratildeo por que relatei realmente todas essas coisas pequenas eseguindo o juiacutezo tradicional indiferentes estaria com isso prejudicando amim mesmo tanto mais se estou destinado a defender grandes tarefasResposta essas pequenas coisas satildeo inconcebivelmente maisimportantes do que tudo o que ateacute agora tomou-se como importanteNisso exatamente eacute preciso comeccedilar a reaprenderrdquo (Cf NIETZSCHE1995 p 50)

Muitas vezes ou todas as vezes natildeo estava pronto para responder natildeo

tinha e quem sabe ainda natildeo tenho respostas mas apenas algumas impressotildees

as quais vieram a tona a pouco tempo quiccedilaacute jaacute estivessem guardadas bem fundo

ainda de todo desconhecidas Por isso esse trabalho soacute veio a superfiacutecie como

um exerciacutecio de psicologia de profundezas requerendo o engajamento traacutegico do

mergulho de apineacuteia sem qualquer garantia ou sustentaccedilatildeo Natildeo havia receita ou

projeto tudo deveria ser construiacutedo ao custo de uma destruiccedilatildeo E tambeacutem natildeo

seria eu a responder nada o proacuteprio Nietzsche deveria o fazer eu apenas seria

um mero assistente ou narrador desse processo

Assim a um mecircs do prazo final da entrega do trabalho completo e

nenhuma paacutegina escrita as interrogaccedilotildees somavam-se a outras numa carga

equivalente a responsabilidade e a exigecircncia desse empreendimento Natildeo tinha

mais tempo para elucubrar divagar e refletir possibilidades era preciso comeccedilar a

quebrar as pedras e quem sabe se tivesse mais tempo natildeo teria ainda percebido

o oacutebvio que sempre esteve na minha frente e que no desespero dos uacuteltimos dias

109

marcava a sua insistecircncia na forma da pergunta Por que ler Nietzsche no Direito

Ateacute entatildeo jaacute tinha lido e relido muitas coisas sem chegar a uma resposta nem

mesmo a uma saiacuteda da pergunta o que tambeacutem parecia impossiacutevel foi quando

Foucault apontou o debate sobre o poder e colocando Nietzsche como seu

referencial expliacutecito na Microfiacutesica do Poder

Hoje fico mudo quando se trata de Nietzsche No tempo em que eraprofessor dei requumlentemente cursos sobre ele mas natildeo mais o fariahoje Se fosse pretensioso daria como tiacutetulo geral ao que faccedilogenealogia da moral Nietzsche eacute aquele que ofereceu como alvoessencial digamos ao discurso filosoacutefico a relaccedilatildeo de poder Enquantoque para Marx era a relaccedilatildeo de produccedilatildeo Nietzsche eacute o filoacutesofo dopoder mas que chegou a pensar o poder sem se fechar no interior deuma teoria poliacutetica A presenccedila de Nietzsche eacute cada vez maisimportante Mas me cansa a atenccedilatildeo que lhe eacute dada para fazer sobreele os mesmos comentaacuterios que se fez ou que se faraacute sobre Hegel ouMallarmeacute Quanto a mim os autores que gosto eu os utilizo O uacutenicosinal de reconhecimento que se pode ter para com um pensamentocomo o de Nietzsche eacute precisamente utilizaacute lo deformaacute lo fazecirc loranger gritar Que os comentadores digam se se eacute ou natildeo fiel isto natildeotem o menor interesse (Cf FOUCAULT 1979 p 143)

E tambeacutem na Verdade e as Formas Juriacutedicas

Com Platatildeo se inicia um grande mito ocidental o de que haacute antinomiaentre saber e poder Se haacute o saber eacute preciso que ele renuncie ao poderOnde se encontra saber e ciecircncia em sua verdade pura natildeo pode maishaver poder poliacutetico Esse grande mito precisa ser liquidade Foi essemito que Nietzsche comeccedilou a demolir ao mostrar em numerosos textosjaacute citados que por traacutes de todo saber de todo conhecimento o que estaacuteem jogo eacute uma luta de poder O poder poliacutetico natildeo estaacute ausente dosaber ele eacute tramado com o saber (Cf FOUCAULT 2002 p 51)

Assim foi que enxerguei um meio de ultrapassar a sombra de ludibriar

os censores e de ter alguma chance no combate titacircnico que me propus a travar

ou seja lograr trazer Nietzsche para dentro do Direito ainda com d maiuacutesculo

para no proacuteprio territoacuterio juriacutedico desenvolver a criacutetica e justificar seu uso

enquanto filoacutesofo dentro da pertinecircncia juriacutedica do trabalho Mais enquanto

filoacutesofo do que enquanto pensamento era preciso defender o autor que natildeo eacute lido

ou estudado tanto quanto os seus inteacuterpretes contemporacircneos os quais

confessam em suas obras ter em Nietzsche a fonte ou o referencial baacutesico de

partida Para justificar o uso de seu pensamento nesse trabalho seria preciso

antes partir das inuacutemeras acusaccedilotildees feitas para qualificar ou dizer quem foi

110

Nietzsche Natildeo apenas como um pensador trazido de empreacutestimo de outra aacuterea

de saber para enriquecer um trabalho juriacutedico enquanto citaccedilatildeo mas como

protagonista eis que se achou o lugar dele nesse trabalho Nietzsche seria o reacuteu

do processo constituiacutedo pelas suas inuacutemeras acusaccedilotildees e caberia a mim o

trabalho de ser seu advogado mesmo sem diploma

Natildeo eacute propriamente um processo mas um inqueacuterito em que se condena

de antematildeo de uma causa que jaacute foi abandonada e esquecida talvez sob a

motivaccedilatildeo dos natildeo poucos estelionatos cometidos a seu pensamento que para

serem provados necessitariam de uma investigaccedilatildeo histoacuterica para reabrir esse

inqueacuterito deveria trazer provas novas ou afirmar e justificar no campo juriacutedico algo

diferente do usual sobre Nietzsche Para tanto teria que dialogar os saberes e

agenciaacute-los nesse empreendimento a filosofia a literatura a psicologia e o direito

com d minuacutesculo pois retirado da sua condiccedilatildeo de autoridade sobre os demais

o juriacutedico precisaria dividir espaccedilo nesse trabalho como mais um saber operaacuterio

Assim foi definido o tiacutetulo do trabalho O caso Nietzsche a reabertura de um

inqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildees Jaacute

que

O Inqueacuterito eacute precisamente uma forma poliacutetica uma forma de gestatildeode exerciacutecio do poder que por meio da instituiccedilatildeo judiciaacuteria veio a seruma maneira na cultura ocidental de autenticar a verdade de adquiriras coisas que vatildeo ser consideradas como verdadeiras e de as transmitirO inqueacuterito eacute uma forma de saber-poderrdquo (Cf FOUCAULT 2002 p78)

Mas o que me levou a assumir esse ocircnus Quando poderia seguir os

outros e fazer um trabalho estritamente juriacutedico doutrinaacuterio jurisprudencial por

que complicar as coisas Para trazer do subterracircneo algumas impressotildees devo

relatar traccedilos relevantes de minha trajetoacuteria ateacute aqui Tudo comeccedila aos meus

dezesseis anos no meu primeiro emprego um estaacutegio de trecircs meses nas feacuterias

de 2000 para 2001 numa biblioteca o Farol do Saber Fernando Pessoa haacute

poucos metros da minha casa consegui essa oportunidade porque essa biblioteca

eacute vinculada a Escola Municipal Professor Guilherme Butler onde estudei do preacute

ateacute a quarta-seacuterie do primaacuterio e laacute a diretora minha professora na terceira seacuteria

Vera Regina me conhecia e me ajudou minha matildee Dona Marly tambeacutem foi

111

fundamental para levar aquele menino ainda assustado ateacute sua primeira

experiecircncia profissional me forneceu apoio indo comigo na central de estaacutegio

quando mal sabia caminhar sozinho pela cidade acostumado a viver no meu

bairro a Vila Hauer agora sem o vila soacute Hauer Meus pais Sr Leonardo e Dona

Marly desde cedo trabalharam e natildeo puderam seguir os estudos minha matildee

criou-se oacuterfatilde e cuidada pelos outros natildeo pode estudar e ainda tinha que cuidar da

casa fazendo os serviccedilos domeacutesticos Jaacute meu pai desde menino aprendeu a

dirigir e ajudar no armazeacutem dos meus avoacutes paternos que nunca conheci e era

uma eacutepoca em que era normal deixar os estudos para trabalhar minha matildee soacute fez

a primeira seacuterie do primaacuterio e meu pai soacute ateacute a quarta-seacuterie Infelizmente natildeo

puderam exercer o potencial deles meu pai tem facilidade com caacutelculos

provavelmente teria se encontrado bem na aacuterea de exatas um matemaacutetico um

engenheiro natildeo se sabe chegou a trabalhar como motorista numa empresa de

engenharia e hoje eacute motorista particular de uma meacutedica A minha matildee tem uma

sensibilidade com crianccedilas talvez pudesse ter sido uma oacutetima pedagoga contudo

teve que crescer oacuterfatilde cuidando das crianccedilas dos outros e hoje eacute dona de casa e

cuida da gente ainda Meus pais sabiam que eu precisava continuar meus

estudos em 2001 jaacute seria meu uacuteltimo ano no ensino meacutedio estudava no Coleacutegio

Estadual Segismundo Falarz e teria poucas ou nenhuma chance de passar no

vestibular e na eacutepoca natildeo havia cotas teria que passar na federal jaacute que as

particulares natildeo poderia pagar Por isso a urgecircncia de comeccedilar um estaacutegio

guardar o dinheiro e pagar um cursinho No Farol o estaacutegio era um pouco

monoacutetono nas feacuterias poucas pessoas iam e natildeo havia televisatildeo computador

raacutedio nada eu que soacute lia algum livro quando era obrigado a fazer trabalho para a

escola agora estava cercado por vaacuterios e comecei a folheaacute-los por curiosidade

Era preciso passar o tempo e comecei a ler alguns peguei alguns livros de

literatura depois fui para a filosofia Na eacutepoca crescia em mim uma revolta via

meus antigos colegas de escola alguns jaacute me acompanhavam desde muito cedo

todos estavam jaacute migrando para os cursinhos iriam fazer o uacuteltimo ano do ensino

meacutedio e se preparando para o vestibular Enquanto que eu natildeo tinha essa

possibilidade os pais deles podiam pagar e os meus natildeo nisso fui percebendo o

112

meu lugar no mundo e as diferenccedilas sociais que antes era apenas estudos de

sociologia comecei a sentir na proacutepria carne junto com o medo de natildeo saber o

que viria depois afinal o vestibular era algo proacuteximo e ao mesmo tempo distante

para as minhas possibilidades naquele momento Lembro que pensava em

desenvolver jaacute meu potencial criacutetico e achei na filosofia um caminho para poder

explicar o que estava vivendo e o que deveria fazer precisaria da determinaccedilatildeo

da forccedila e da astuacutecia do guerreiro pois jaacute sentia a presenccedila dos titatildes que vinham

Quando acabou o estaacutegio no Farol jaacute tinha despertado e natildeo pararia mais de ler e

de estudar entro no uacuteltimo ano de ensino meacutedio e me transfiro para o noturno e

vou em busca de estaacutegio em periacuteodo integral depois de muita andanccedila chego a

uma empresa de creacutedito imobiliaacuterio que existia na eacutepoca fui contratado para

trabalhar no arquivo o trabalho era simples davam os nuacutemeros dos processos

para a gente e tiacutenhamos que escalar as prateleiras em busca dos documentos

esse trabalho levava o dia todo e assim foi por quase um ano Ao mesmo tempo

estudava a noite e comecei a participar mais das aulas apresentando opiniotildees As

aulas de filosofia sociologia e histoacuteria comeccedilaram a me interessar mais

justamente pela possibilidade de fazer uma criacutetica social Na filosofia logo comecei

a trocar ideacuteias com o professor e um dia perguntei sobre um tal de Nietzsche

agora natildeo lembro de onde tive a primeira impressatildeo mas tinha ouvido falar e foi

assim que o questionei a respeito O professor apenas riu e disse que era um

filoacutesofo maluco algueacutem que enlouqueceu e deixava quem o lia tambeacutem louco era

um pensador muito perigoso Na eacutepoca ele me recomendava a leitura dos

pensadores escolaacutesticos Satildeo Tomaacutes de Aquino e Santo Agostinho mas ateacute hoje

nunca os li o relato dele sobre o tal pensador maluco me impressionou e guardei

a curiosidade soacute fui o ler no final do ano quando descobri que no proacuteprio farol em

que trabalhei havia um livro sobre ele era o Nietzsche da coleccedilatildeo os pensadores

Eacute assim que comeccedila a minha trajetoacuteria Natildeo irei passar no primeiro vestibular e

nem no segundo quando apenas estudava tinha guardado todo o dinheiro e

investido num cursinho natildeo dos melhores mas aquele que podia pagar Daquela

eacutepoca do primeiro cursinho lembro de Ronaldo com a visatildeo criacutetica e percepccedilatildeo

aguccedilada da realidade mais de alguns rostos que natildeo consigo dar nomes agora

113

mas que natildeo vou esquecer porque foram importantes nessa trajetoacuteria Era jaacute o

ano de 2003 e o meu objetivo jaacute era passar em Direito desde o ano anterior e a

justificativa era simples precisava ajudar a minha famiacutelia no Direito pensava

encontraria meios de ascensatildeo social e de retornar tudo isso a eles pois devo

tudo a meus pais minha famiacutelia no que inclui a minha irmatilde Janice Tambeacutem

devido a criacutetica que jaacute ensaiava desde que descobri a leitura era um sentimento

de justiccedila muito grande uma revolta por natildeo ter condiccedilotildees que pudesse facilitar

minha caminhada natildeo soacute as materiais mas jaacute comeccedilava a notar as

desigualdades e tambeacutem os poderes que perpassam as estruturas e assujeitam

Como havia gasto todo meu dinheiro e deveria comeccedilar tudo do zero natildeo poderia

ser mais estaacutegio jaacute havia concluiacutedo o ensino meacutedio entatildeo fui em busca de

emprego vendo as oportunidades nessas centrais espalhei curriacuteculos mas natildeo fui

chamado Foi quando um ex-vizinho Sr Sebastiatildeo que havia conseguido montar

sua proacutepria empresa me chamou para uma entrevista ele me daria a oportunidade

de trabalhar na sua pequena empresa de metalurgia como auxiliar de produccedilatildeo

O trabalho era duro deveria ajudar na carga e descarga dos materiais brutos accedilo

ferro e outros e tambeacutem na limpeza das maacutequinas torno freza ainda no chatildeo da

faacutebrica foi a minha experiecircncia de labor braccedilal como operaacuterio que forjou meu

caraacuteter naquele momento era normal se machucar e cortar a matildeo e os dedos com

o cavaco que eacute a limalha de ferro cortado quando limpava as maacutequinas e

tambeacutem natildeo tinha qualquer experiecircncia para me cuidar melhor estava

aprendendo que se queria alguma coisa deveria estar disposto a pagar o preccedilo

com o investimento da vida do corpo e do sangue derramado Era preciso vencer

a batalha se quisesse vir a ser um guerreiro e salvar minhas esperanccedilas foi

quando me matriculei num cursinho melhor com os primeiros recebimentos e

cheguei a conciliar trabalho e estudo a noite por algum tempo ateacute os limites da

minha forccedila jaacute quase dobrado pelo cansaccedilo Percebi que mesmo que estudasse

natildeo teria o rendimento necessaacuterio a enfrentar o vestibular em direito na federal e

que estaria apenas me iludindo e mais uma vez estava fadado ao fracasso

Nessa eacutepoca o acaso conspirou a meu favor e meu pai que estava

desempregado conseguiu o emprego de motorista particular de uma meacutedica onde

114

estaacute ateacute hoje e nisso investiu parte de seus ganhos natildeo na casa mas em mim

para que eu completasse os estudos e apenas estudasse Natildeo podia mais

fracassar na minha segunda tentativa agrave seacuterio a primeira foi uma tentativa que fiz

ao sair do ensino meacutedio soacute para conhecer a prova sabia que natildeo tinha chance

alguma Naquele momento natildeo era dinheiro soacute meu era da minha famiacutelia e

lutava tambeacutem por eles e felizmente fui aprovado no exame para o ingresso no

curso de direito noturno da federal em 2004 Uma vez dentro do curso logo vi que

natildeo estava numa faculdade e sim numa universidade e como natildeo entrei apenas

por mim mas por todos aqueles que amo a minha famiacutelia natildeo poderia me

conformar em fazer apenas direito eacute assim que comeccedila o meu nomadismo

universitaacuterio de que este trabalho eacute consequumlecircncia No primeiro ano com bastante

disposiccedilatildeo em desenvolver a criacutetica que jaacute ensaiava me convidam para participar

de uma reuniatildeo do dito partido da esquerda da faculdade antes de comeccedilarem

as aulas passo a frequumlentar as suas reuniotildees e jaacute conheccedilo alguns veteranos mal

sabia que essa suacutebita experiecircncia poliacutetica tambeacutem tinha a ver com Nietzsche

Nietzsche afirma que o filoacutesofo eacute aquele que mais facilmente se enganasobre a natureza do conhecimento por pensaacute-lo sempre na forma deadequaccedilatildeo do amor da unidade da pacificaccedilatildeo Ora se quisermossaber o que eacute o conhecimento natildeo eacute preciso nos aproximarmos daforma de vida de existecircncia de ascetismo proacutepria ao filoacutesofo Sequisermos realmente conhecer o conhecimento saber o que ele eacuteapreendecirc-lo em sua raiz em sua fabricaccedilatildeo devemos nos aproximarnatildeo dos filoacutesofos mas dos poliacuteticos devemos compreender que satildeorelaccedilotildees de luta e de poder ndash na maneira como as coisas entre si oshomens entre si se odeiam lutam procuram dominar uns aos outrosquerem exercer uns sobre os outros relaccedilotildees de poder ndash quecompreendemos em que consiste o conhecimento (Cf FOUCAULT2002 p 22-23)

Tambeacutem no primeiro ano conheccedilo o Serviccedilo de Assessoria Juriacutedica

Universitaacuteria Popular - Sajup projeto de extensatildeo do curso coordenado pela

Professora Dra Vera Karam em que vislumbrei a possibilidade de ir para aleacutem

dos muros da universidade e conhecer o direito no diaacutelogo com as comunidades

Passo a me envolver bastante com o projeto mas ainda assim sentia a

necessidade de trabalhar com outros saberes na praacutexis extensionista natildeo poderia

ser soacute o direito jaacute pressentia que ele natildeo traz todas as respostas Eu precisava

me manter na faculdade tinha meus gastos de transporte xerox alimentaccedilatildeo e

115

entatildeo cadastrei um pedido de bolsa permanecircncia que foi aceito quando tive a

imensa sorte mais uma vez o acaso jogando a favor fui alocado para exercer

atividade de apoio na aacuterea juriacutedica e sob a orientaccedilatildeo de Vanir assistente social

do escritoacuterio modelo que nesses primeiros instantes foi quase uma matildee para

mim ela coordenava tambeacutem os estagiaacuterios da federal no Projeto Prisatildeo em

Flagrante no Foacuterum Criminal e me levou para cumprir minhas horas de estaacutegio laacute

quando comecei a ter contato com a realidade do direito o encarceramento das

pessoas mais pobres o drama das famiacutelias e dos sem-direitos O Projeto muda

de nome para OAB=Cidadania coordenado pela Dra Lucia Belloni em que me

seraacute dada a oportunidade de estagiar junto de advogados que iratildeo prestar

orientaccedilatildeo juriacutedica gratuita e realizando ainda o trabalho com a execuccedilatildeo penal e

a progressatildeo de regime com visitas ao complexo carceraacuterio de Curitiba e regiatildeo

metropolitana entrevistando e auxiliando aqueles que muitas vezes satildeo os

esquecidos da sociedade banidos ignorados e malditos muitas vezes estatildeo

encarcerados e jaacute pagam a sua pena antes do julgamento condenados de

antematildeo Por mais um desses acasos o estaacutegio ocorria no preacutedio histoacuterico que eacute

a verdadeira sede do centro acadecircmico hugo simas conhecido como palaacutecio da

liberdade e assim aprendi um pouco da histoacuteria dessa entidade representativa

dos estudantes de direito da federal trabalhando naquele preacutedio numa eacutepoca que

trilhava meus primeiros passos no direito jaacute conhecendo a realidade atroz das

comunidades aos presiacutedios onde o poder se manifesta de modo mais expliacutecito e

cruel eacute poder sobre o corpo Daqueles momentos no Projeto guardarei a

lembranccedila de Theoacutephilo colega de faculdade que tambeacutem estagiava laacute e que

juntos chamaacutevamos aquele espaccedilo que por obra do acaso era o preacutedio de nosso

centro acadecircmico de cahs=casa Afinal o acaso nos colocou na nossa casa o

cahs como entidade cunhou a expressatildeo palaacutecio da liberdade para aquele lugar

por causa da luta contra a ditadura em que aquele espaccedilo se manteve aberto

apesar de toda a repressatildeo Infelizmente poucos estudantes sabem que a

cahs=casa ou a verdadeira habitaccedilatildeo do cahs eacute laacute e natildeo no subsolo do campus

santos andrade O primeiro ano ainda foi o periacuteodo da odisseacuteia universitaacuteria fui

ateacute a reitoria e fiz disciplina em filosofia embora natildeo conclusa tambeacutem andei

116

pelos corredores a esmo ateacute encontrar a pedagogia Foi quando conheci as

meninas do centro acadecircmico de pedagogia integrantes do movimento estudantil

popular revolucionaacuterio - mepr que segue a linha maoiacutesta de engajamento eu

conhecia muito pouco do marxismo mas hoje posso dizer que o aprendizado da

praacutexis a percepccedilatildeo aguda dos problemas e combativa admiro e reconheccedilo que

aprendi do contato com aquelas meninas Se pouco tinha lido do marxismo fui

conhececirc-lo melhor na praacutexis sem circunloacutequios teoacutericos mas sempre uma

experiecircncia visceral Evidente que a teoria natildeo se perde e comecei a participar do

nuacutecleo de estudos da pedagogia de makarenko204 Nesse momento jaacute tinha

convidado alguns colegas do direito para tambeacutem dele participar estudaacutevamos na

perspectiva da educaccedilatildeo popular e visando o trabalho com comunidades

chegamos a fazer visitas em aacutereas sateacutelites de Curitiba quando conhecemos

gente bastante humilde Desses estudos veio tambeacutem o contato com o

movimento estudantil quando corajosamente em menos de vinte e cinco pessoas

lanccedilamos uma chapa para o dce era a resistecircncia e luta rebelar-se eacute justo

confiavam em mim e sai como um dos coordenadores gerais da chapa fizemos

uma campanha indo a quase todos os confins da federal lembro de ter ido ateacute o

campus na escola teacutecnica onde revi o Ronaldo da eacutepoca do primeiro cursinho

que jaacute fazia seu curso de bacharelado em informaacutetica Nessa peregrinaccedilatildeo

conheci e revi pessoas foi uma experiecircncia de bastante dedicaccedilatildeo entrega e luta

a qual natildeo podia ser ganha eacuteramos muito poucos e tambeacutem enfrentaacutevamos os

interesses de grupos poliacuteticos partidaacuterios e do capital eleitoreiro nessa eacutepoca

conheci os meandros obscuros da poliacutetica os corporativismos e os clientelismos

daqueles que almejam o poder Nisso tambeacutem sou grato agrave criacutetica radical

promovida pelo mepr pois me fez enxergar a poliacutetica sem ingenuidade utopia ou

romantismos

204 Anton Semioacutenovitch Makarenko viveu na antiga URSS e desenvolveu sua pedagogia advindatoda ela da praacutexis no trabalho com jovens delinquumlentes na colocircnia Gorki e Dzerjinski experiecircnciarelatada em sua obra Poema Pedagoacutegico em 3 volumes tendo como princiacutepios uma pedagogiavoltada ao povo uniatildeo do ensino e da produccedilatildeo direccedilatildeo coletiva (a escola para Makarenkodeveria ser dirigida por educadores e educandos) e auto gestatildeo financeira a experiecircncia quesegue eacute relatada em mais detalhes em trabalho Visotildees sobre um direito plural apresentado emEvento de Direitos Humanos e Pluralismo Juriacutedico da UFSC publicado no site do encontrowwwnepeufscbrcongresso

117

Atraveacutes do nuacutecleo makarenko viajei no ano de 2005 para Belo Horizonte

quando fomos apresentar seminaacuterio sobre nossos estudos numa escola popular

mantida por trabalhadores praticamente todo nuacutecleo esteve presente Natildeo

eacuteramos muito mas a qualidade das nossas discussotildees e a profundidade valeu

Voltaria ainda naquele ano a mesma cidade para participar do Encontro Nacional

de Estudantes de Pedagogia quando apresentei junto de uma estudante de

pedagogia oficina sobre makarenko Mas esses eram os uacuteltimos momentos do

nuacutecleo com algumas pessoas assumindo outros afazeres jaacute prestes a concluiacuterem

seus cursos eu era o uacutenico ali receacutem-ingresso os outros jaacute se encaminhavam

para o final o nuacutecleo acabou Mas a memoacuteria da convivecircncia do aprendizado da

praacutexis do jantar aacuterabe na casa do companheiro Adnan que fazia direito numa

particular e economia na federal ao mesmo tempo isso natildeo seraacute esquecido

tambeacutem companheiro de chapa do dce junto das meninas do movimento Joana

Viviane Juciane Alessandra Monalisa isso tambeacutem natildeo seraacute esquecido

acrescento por oacutebvio a presenccedila fraterna do colega do curso de direito na federal

musicista e poeta Ricardo Pazello que alegrava as nossas rodas de conversa

com o seu violatildeo quando atendia os nossos pedidos para tocar a muacutesica de

Vandreacute cipoacute de aroeira Soube recentemente que Adnan estaacute no Liacutebano das

meninas o que sei eacute que a militacircncia continua no comitecirc de defesa da revoluccedilatildeo

agraacuteria e de Ricardo sei que estaacute fazendo o mestrado em direito na ufsc pois em

sua casa me hospedei ainda este ano quando participei de congresso laacute sobre

pluralismo juriacutedico e direitos humanos No ano de 2004 ainda o nomadismo me

levou a conhecer a psicologia o uacutenico curso que divide espaccedilo com o direito ainda

no campus santos andrade muito embora jaacute se tenha a notiacutecia de que estatildeo na

iminecircncia de serem retirados o que eacute uma pena Na psicologia participei de um

grupo de estudos sobre Jung que eacute algueacutem que chegou a escrever uma

interpretaccedilatildeo sobre o Zaratustra de Nietzsche que soacute ouvi falar mas natildeo li

Tambeacutem aprendi um pouco sobre a noccedilatildeo de sincronicidade e percebecirc-la no

cotidiano Nesse periacuteodo jaacute estava bastante envolvido no partido de esquerda

frequumlentando vaacuterias reuniotildees em saacutebados agrave tarde e comecei cedo e tambeacutem logo

percebi graves contradiccedilotildees Percebi que se quisesse ser um membro do partido

118

deveria enquanto calouro me mostrar antipaacutetico e antisocial com a gente do outro

partido o considerado da direita como se eu precisasse agir de forma mal

educada com os outros para fazer prova de minha fidelidade Mas eu natildeo poderia

tratar mal ningueacutem ainda mais quem natildeo conhecia continuava conversando com

todos independente das facccedilotildees Eu jaacute mantinha contato com o pessoal do

mepr e mesmo laacute eles os conhecidos como radicais terroristas loucos

tambeacutem vistos como malditos pelo setor pois volta e meia lanccedilavam panfletos

criticando as reformas universitaacuterias Mesmo os radicais nunca me exigiram

provas de fidelidade pois sabiam que o trabalho o empenho corporal era a uacutenica

prova exigiacutevel ou a que mais importava Logo habitando os dois mundos a

realidade da santos andrade e a da reitoria conhecendo o movimento estudantil

nesses dois espaccedilos fui notando o conteuacutedo de simulacro nas praacuteticas do partido

de esquerda do direito

ldquoNietzsche na forccedila da sua criacutetica e na radicalidade dos seus propoacutesitosescandaliza a esquerda imbecil que paulatinamente vai se convertendoaos rituais e aos objetivos do poder que combatiardquo (Cf ESCOBARsano p 7)

Natildeo me queriam como companheiro e sim como um disciacutepulo crente

um cego a seguir e a fazer o que os mais velhos mandavam fosse ofender ou

atacar sem o saber aqueles que eram tidos por inimigos me queriam para o

seu time e para a posiccedilatildeo mais atrasada possiacutevel porque quem fazia os gols e

dirigia o time era sempre uma elite natildeo disposta ao diaacutelogo ou a ceder

Percebi que era uma cuacutepula que dava a linha ao partido e tambeacutem que

os outros partidaacuterios laacute estavam por amizade natildeo por qualquer causa propoacutesito

ou diretriz de iacutendole revolucionaacuteria ou engajada mas para marcar encontros para

sair depois fazer programas juntos natildeo para discutir a poliacutetica ateacute porque muitas

vezes essa jaacute estava decidida por uma meia duacutezia que eram de fato os seres

poliacuteticos e que negociavam em nome de todo o partido Ou seja logo percebi

que o partido era outro nome para confraria ou igrejinha Isso me fez aos

poucos investir mais energia do lado da reitoria sentia que neles o engajamento

era agrave seacuterio eram mais coerentes com o seus discursos tanto que ateacute hoje ainda

militam em outro seguimento que natildeo o movimento estudantil mas continuam

119

E tudo ficou mais claro para mim na disputa ao dce quando sai pela

chapa do mepr se bem que a maioria era independente eu nunca fui do

movimento sempre participei como independente muito embora dentro do

direito os proacuteprios partidaacuterios sobretudo aqueles que me cobravam provas de

fidelidade esses logo me acusavam de traidor ou faziam intrigas pelas costas

mesmo querendo me desestabilizar emocionalmente ou me segregar de algum

modo dentro do partido esses insistiam em me rotular de maoiacutesta stalinista

e outros istas como se por andar ao lado daquelas meninas necessariamente

fosse do movimento delas e tambeacutem como se eu fosse pior do que eles por estar

trabalhando com os malditos e loucos da reitoria Ora esses que me acusavam

se diziam verdadeiramente comunistas ou socialistas e diziam tudo isso sem

notar o tecircnis importado no peacute nessa eacutepoca vi que o partido da esquerda tinha

muitos comunistas de tecircnis importado gente bem nascida como entendi

aquele pessoal filho de uma elite econocircmica que ao entrar na faculdade puacuteblica

compreende ser socialmente correto fazer o discurso pelos mais pobres ou

mesmo se dizer seus representantes e falar em nome deles

Descobri que os partidos no curso de direito satildeo coisa muito antiga e

estatildeo arraigados na estrutura do templo fazendo parte de sua tradiccedilatildeo muitos

professores satildeo ex-integrantes de partidos alguns ateacute financiam campanha a

qual no meu tempo natildeo era nada barata ultrapassando os cinco mil reais O

problema natildeo era o partido da esquerda que diante do que via na reitoria era

apenas um simulacro a estrutura era falha e permitia essas distorccedilotildees e soacute

posso falar pelo que vivi e conheci Foi para fazer prova do conteuacutedo de

simulacro da poliacutetica acadecircmica partidaacuteria no direito que vesti e apoiei a chapa

de oposiccedilatildeo ao grupo da esquerda ou seja se me chamavam de traidor

quando estava com eles agora contra eles eu era algueacutem da direita fui

censurado ateacute pelos mais proacuteximos mas sabia que se queria fazer uma criacutetica agrave

farsa daquela disputa de times e natildeo de poliacutetica deveria cauterizar no corpo

aquela opiniatildeo natildeo bastava apenas discursar contra as eleiccedilotildees ou me abster

delas era preciso fazer ganhar os perversos e caccediloar daquele jogo pois se satildeo

times eacute questatildeo apenas de camisa natildeo de engajamento visceral tal como

120

aprendi no conviacutevio da reitoria mas de disputa de vantagens

ldquoO que eacute aristocraacutetico Que se tenha permanentemente de ldquoexpressarrdquondash ldquoserdquo expressar Que se procure situaccedilotildees em que se tenhaconstantemente necessidade de gestos Que se abandone a felicidadeao maior nuacutemero a felicidade enquanto paz de espiacuterito virtudeldquoconfortordquoQue se procure instintivamente pesadas responsabilidadesQue se saiba fazer em todo lugar inimigos pior tambeacutem de simesmo Que se contradiga constantemente o grande nuacutemero natildeopelas palavras mas por accedilotildeesrdquo fragmento poacutestumo XIV 15 [115]227-228 (Cf NIETZSCHE 2007 p355)

Dessa experiecircncia com a direita natildeo levei nada apenas mais um roacutetulo

ou mais um motivo para os da esquerda pois foram derrotados e ficaram mais

virulentos comigo Eacute preciso que se esclareccedila que nunca fui do tal partido da

direita como cheguei a ser do da esquerda e tambeacutem que minha experiecircncia

nesse partido acabou antes que me retirassem de laacute logo depois das eleiccedilotildees

do cahs de 2004 nunca mais frequumlentei reuniatildeo alguma e ao contraacuterio das

versotildees que me chegaram aos ouvidos depois eu natildeo fui expulso do partido sai

por conta proacutepria O mesmo natildeo aconteceu no Sajup comecei a participar

ativamente tambeacutem em 2004 e percebendo a ausecircncia dos demais cursos na

praacutexis extensionista trouxe por convite estudantes de outros cursos psicologia

pedagogia economia e comeccedilamos a desenvolver atividade no Coleacutegio Estadual

Hildebrando de Arauacutejo com estudantes secundaristas laacute em que realizaacutevamos

oficinas sobre temas-geradores ou seja partindo com problemas da realidade

deles para no final confeccionar um jornal em parceria conosco como expressatildeo

de alteridade Tudo ia muito bem mas para os integrantes mais velhos do grupo a

presenccedila de gente de outros cursos era um problema queriam o projeto apenas

para o direito e restrito ao direito a loacutegica a ser operada segundo os desiacutegnios

deles era a do estrito senso soacute estudantes de direito poderiam participar

Assim quando outros estudantes compareciam as reuniotildees tratavam-nos

mal isso passou a me incomodar muito jaacute que fui o responsaacutevel pela entrada

deles no projeto Percebi o quanto o Direito com d maiuacutesculo sustenta uma

pseudo superioridade aos demais saberes e o quanto isso eacute bastante negativo e

opressor numa loacutegica de alteridade e pluralidade ainda mais quando se tem em

conta uma perspectiva intertransdisciplinar Os debates dentro do projeto

121

comeccedilaram a ser bastante acirrados em torno dessas questotildees e ainda contra o

meus argumentos depunha minha condiccedilatildeo de calouro o que trazia aos

veteranos em maioria a sensaccedilatildeo de estarem certos foi assim que numa

dessas reuniotildees o grupo sempre teve autonomia e foi auto-gestionado decidiram

e votaram a minha expulsatildeo Por acaso ou natildeo esse pessoal tambeacutem fazia parte

de uma mesma igreja e provavelmente compreendiam aquele espaccedilo numa

loacutegica similar tanto que um dia ateacute me convidaram para participar de um culto

deles eu fui e tambeacutem num retiro deles mas natildeo me converti a sua feacute eu

preferi guardar a minha Natildeo foi a palavra expulsatildeo que usaram e sim um

eufemismo para isso a palavra afastamento diziam que eu poderia voltar

quando quisesse depois oacutebvio que nunca mais voltei As pessoas de outros

cursos deixaram de participar tambeacutem e comigo saiacuteram em solidariedade dois

colegas do direito mais proacuteximos o jaacute mencionado Ricardo e mais o Tisserant

com quem aprendi o exemplo do autodidata

Depois da experiecircncia do Sajup jaacute era 2005 e tinha acabado tambeacutem o

Projeto da OAB havia sido fechado na sede histoacuterica do cahs manteve-se apenas

no foacuterum criminal havia perdido o estaacutegio tambeacutem os espaccedilos que eram

abundantes estavam se exaurindo e desaparecendo o sajup me expulsou

abandonei o partido da esquerda o nuacutecleo makarenko estava nas uacuteltimas

depois de tudo isso natildeo sabia mais para onde ir estava como um naacuteufrago Ainda

mais porque tinha perdido as ilusotildees num messianismo do Direito agora via ele

como um direito de d minuacutesculo e o quanto de simulacro havia em sua vontade

de verdade e pretensatildeo de justiccedila ainda mais depois de ter conhecido na

proacutepria carne o banimento e a exclusatildeo dos malditos Todo esse relato faz

sentido numa espeacutecie de finalizaccedilatildeo deste trabalho monograacutefico conclusatildeo nunca

conclusa pois eacute relato de uma experiecircncia de vida ainda em aberto ainda por ser

escrita mas para justificar que este trabalho comeccedilou no contato com os

malditos do caacutercere e os da poliacutetica e tambeacutem com a experiecircncia do

naufraacutegio Para ficar pior os meus colegas foram tambeacutem afastados de mim

quando pensaacutevamos em criar algo novo rapidamente a estrateacutegia foi a de

convidaacute-los para outro espaccedilo apenas eles e natildeo a mim jaacute que quem fazia o

122

convite era um partidaacuterio daquela esquerda Certamente eram mais do que

colegas e sim companheiros de jornada para onde eles iam natildeo podia ir natildeo

naquele momento eu deveria enfrentar a solidatildeo de Zaratustra205

Do crepuacutesculo deve vir a aurora dediquei aquele ano aos estudos e

compreendi a liccedilatildeo de Zaratustra

A solidatildeo de Zaratustra natildeo dispensa os homens E por isso lanccedila odesafio de viver no meio deles ou com o mundo sem esse sentimento deperda sem esvaziamento enfraquecimento ibidem

Precisaria aprender a viver de outro modo e dentro do templo encontrar

meios de lograr os iacutedolos vencer os titatildes e enganar os Polifermos precisaria

desenvolver a astuacutecia e a dureza do guerreiro para conviver em ambientes hostis

e sobreviver aos mais de trecircs anos de curso que havia ainda pela frente precisava

encontrar meios para sobreviver afinal natildeo entrei na faculdade por uma questatildeo

apenas minha vim pelo amor de minha famiacutelia e natildeo poderia desistir apesar de

todas as decepccedilotildees Eu vi que o nomadismo para fora natildeo podia mais se

realizado daquele modo frequumlentando muito as coisas de fora da santos andrade

perdia aulas no direito e me comprometia seria preciso re-aprender isso agora

para um nomadismo dentro do preacutedio um nomadismo sem sair do lugar como

aponta de Deleuze

ldquoSeria necessaacuterio um nomadismo mais profundo o dos verdadeirosnocircmades ou ainda o nomadismo daqueles que nem se mexem e quenatildeo imitam nada Eles agenciam somenterdquo CfDELEUZE GillesGUATTARI Feacutelix Mil Platocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 TradAureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p 34 O nocircmade natildeoeacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetioviagens em intensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeoos que se movem agrave maneira dos migrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeose movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar no mesmo lugarescapando aos coacutedigos Sabe-se bem que o problema revolucionaacuteriohoje eacute encontrar uma unidade de lutas pontuais sem cair na organizaccedilatildeodespoacutetica e burocraacutetica de um partido ou do aparelho do Estado umamaacutequina de guerra que natildeo repetisse o aparelho de Estado umaunidade nocircmade ligada ao exterior que natildeo repetisse a unidade

205 O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevel foi destruiacutedo por seusinimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivo Por quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso einalterado eacute a sua alma sua vontade Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschianaRio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 p 98

123

despoacutetica interna Eis talvez o mais profundo de Nietzsche agrave medida deseu rompimento com a filosofia tal como ela se manifesta no aforismater feito do pensamento uma maacutequina de guerra ter feito do pensamentouma potecircncia nocircmade Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmadeIn Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

Assim descobri que o campus da santos andrade guarda um labirinto de

cultura e arte atravessando seus corredores para os lugares natildeo percorridos pela

gente do direito se acha um teatro as bailarinas da danccedila moderna o coral a

orquestra filarmocircnica e o curso de artes cecircnicas Passei a frequumlentar esses novos

espaccedilos dentro do velho templo ora indo para o soacutetatildeo ou para os subterracircneos

sempre descobrindo algo diferente e aprendendo ao consultar esses

oacuteraacuteculos206 encontrei ateacute um museu Natildeo esquecerei o dia em que sai de uma

aula de direito para entrar no palco que ensaiava um grupo de tango era uma

histoacuteria de Jorge Luiacutes Borges entrei pelo lugar errado e fiquei por ali abaixado ou

as vaacuterias vezes que assisti os ensaios do grupo de danccedila moderna e

contemporacircnea apreciando a beleza dos movimentos e das bailarinas nesse

tempo acabei conhecendo algumas que natildeo esquecerei tambeacutem

Na Canccedilatildeo da danccedila Zaratustra depara com um grupo de mocinhasque danccedilam Ele quer danccedilar junto embora o espiacuterito de gravidade oimpeccedilaPortanto Zaratustra quer danccedilar mas em sua auto-referecircnciaele fica refletindo sobre a danccedila em vez de danccedilar e fala com umabailarina que com isso impede de danccedilar e ao mesmo tempotransfigura como imagem significante da vida que danccedilaSoacute na danccedilase tornam supeacuterfluas aquelas perguntas que voltam a atormentaacute-loquando se esvazia do local da danccedila O quecirc Ainda estaacute vivoZaratustra Por quecirc Para quecirc Atraveacutes do quecirc Para onde OndeComo Natildeo eacute loucura ainda estar vivo A sabedoria que quer investigara vida e ao mesmo tempo deseja distacircncia A sabedoria ainda seraacutedionisiacuteaca se espanta os prazeres Pelo menos com as jovens quedanccedilam Zaratustra natildeo se torna o Dioniso que tambeacutem gostaria de serNatildeo conseguiu muita coisa contemplamos atraveacutes dos veacuteus apalpamosatraveacutes de redesZaratustra briga com sua sabedoria que o impediu dedanccedilar Soacute na danccedila consigo dizer a paraacutebola das coisas mais altas eagora minha mais alta paraacutebola permanece impronunciada em meucorpo Zaratustra estaacute cansado ferido Mas natildeo demora muito elesuperou suas feridas Declara orgulhoso que ressurgiu de novo datumba de sua vida Existe em mim algo que natildeo pode ser ferido nementerrado algo que rompe rochedos eacute a minha vontade (CfSAFRANSKI 2005 p 256-257)

206 Eacute uma referecircncia aos oraacuteculos que aparecem nas epopeacuteias homeacutericas dos preacute-socraacuteticos queforam lidos por Nietzsche o oraacuteculo traz uma mensagem uma visatildeo um sinal eacute um sentidopossiacutevel para o acaso que tambeacutem aparece na filosofia de Nietzsche e que serve a apropriaccedilatildeomiacutestica de seu pensamento

124

Natildeo posso deixar de mencionar as vezes que fui ao soacutetatildeo do templo e

ouvi Beethoven Mozart e a muacutesica claacutessica tocada com brilhantismo a despeito

da falta de estrutura pelos muacutesicos da orquestra filarmocircnica da federal incluindo

na eacutepoca a Anna Luisa menina que toca violino e viola claacutessica e que nesses

encontros e desencontros da vida esteve presente tambeacutem na minha trajetoacuteria

me incentivando na cultura e na muacutesica A arte fez surgir uma aurora ao direito

quando tudo parecia sombra e decepccedilatildeo Tanto foi que ateacute comecei a fazer

aulas de danccedila de salatildeo e cheguei a frequumlentar um baile isso por incentivo de

colegas do direito que descobri que faziam aulas tambeacutem isso foi em outro lugar

mas natildeo no templo ainda na santos andrade natildeo esquecerei das aulas de

histoacuteria da arte da professora Vanessa que a despeito de ser muito jovem

tambeacutem me incentivava a seguir os estudos nessa aventura interdisciplinar ela

que tambeacutem frequumlentou os bancos de direito mas preferiu a arte Esse foi o

nomadismo que aprendi a fazer sem sair do lugar Naquele ano ainda incluo

tambeacutem o Festival de Inverno de Antonina quando participei de oficina de arte

cecircnica sobre o uso da voz O ano de 2006 comeccedilou com estaacutegio novo havia

utilizado minhas economias para me manter no ano anterior agora era hora de

voltar ao trabalho e sou imensamente grato ao pessoal que conheci na

corregedoria do Tribunal de Contas que cumprimento na pessoa da Dra Cristina

e tambeacutem do corregedor agrave eacutepoca Dr Fernando agradeccedilo natildeo soacute a oportunidade

pelos dois anos de estaacutegio mas pelo que aprendi natildeo soacute enquanto teacutecnica

juriacutedica mas como sabedoria humana sou grato ainda porque nesse estaacutegio

podia almoccedilar economizava esse dinheiro e quando natildeo podia mais pela

proibiccedilatildeo do almoccedilo aos estagiaacuterios a Dra Cristina pagava para a mim sempre

com muita confianccedila o que nunca esquecerei tambeacutem a paciecircncia nas

orientaccedilotildees do trabalho fazendo sugestotildees e incentivos bem como os vaacuterios

colegas do dia-a-dia e os que por laacute passaram Isabel Cleusa Seacutergio cito a eles

para cumprimentar a todos que fizeram parte dessa jornada Nesse estaacutegio

sempre fui muito bem acolhido nas confraternizaccedilotildees de final de ano e

aniversaacuterio sentiacuteamos que eacuteramos parte viva do coletivo e natildeo apenas uma peccedila

descartaacutevel a Dra Cristina chegou a me presentear com um livro de Nietzsche A

125

Genealogia da Moral E ainda sabia reconhecer a importacircncia desses meus

estudos me incentivando no caminho da filosofia da pesquisa e das

investigaccedilotildees sociais como a liberaccedilatildeo que tive para ir ao Projeto Rondon na

Amazocircnia Oriental numa experiecircncia de mais de vinte dias e para voltar ao

estaacutegio sem quebra de contrato pois a loacutegica aplicada foi a de um direito que

escapa ao estrito senso Num desses acasos ainda conheci nesse estaacutegio

Gilberto e Oswaldo Giacoacuteia Neto sobrinhos do grande inteacuterprete brasileiro de

Nietzsche cujo testemunho eacute arrolado nesse trabalho devo ressaltar que satildeo

todos pessoas simples

Com a tranquumlilidade que o estaacutegio me fornecia pude ousar o trabalho

voluntaacuterio na organizaccedilatildeo do II Encontro de Direito e Cultura Latino-Americanos

organizado pelo cejur entidade representativa da poacutes-graduaccedilatildeo em direito da

federal atuei ajudando a divulgar o evento colando cartazes em vaacuterios lugares e

tambeacutem apresentei o meu primeiro trabalho acadecircmico resultado de estudos

variados a Pedagogia Discrepante escolha de liberdade O mesmo trabalho eu

re-apresentaria na Jornada Cientiacutefica do Pet Direito com a avaliaccedilatildeo do Prof Dr

Celso Ludwig de que se tratava de uma bricolagem o que ainda natildeo sabia do

que se tratava e indicou a leitura da obra do Prof Dr Alexandre Morais da Rosa

Quando tambeacutem submeti um trabalho sobre a biopoliacutetica de Michel Foucault ao

ingresso como voluntaacuterio no Programa O Pet programa de educaccedilatildeo tutorial

sempre foi visto por mim como mais uma dessas confrarias soacute que natildeo poliacutetica

e sim intelectual ou ainda como uma filial daquele partido da esquerda os

quais nos debates se diziam que eram pesquisadores enquanto os outros para

eles natildeo eram Portanto sabia que teria dificuldades por mais que me

empenhasse na elaboraccedilatildeo do projeto sabia que encontraria resistecircncia dentro do

grupo para a minha aprovaccedilatildeo e chegou a meus ouvidos que em reuniatildeo desse

partido da esquerda algueacutem havia vaticinado que eu natildeo entraria no Pet e se

fosse pela loacutegica da razatildeo acadecircmica do direito estrito senso muito provaacutevel

que natildeo conseguisse mesmo eu natildeo tinha haacutebito em escrever projeto o meu natildeo

tinha paraacutegrafo natildeo seguia as regras de espaccedilamento e tambeacutem do recorte

epistemoloacutegico Tinha tudo para fracassar e para o que vaticiacutenio se cumprisse

126

Contudo por um desses acasos bem-vindos na banca avaliadora estavam dois

professores que pensam para aleacutem da loacutegica do direito estrito senso Vera Karam

e Celso Ludwig os dois deram parecer favoraacutevel ao meu ingresso e nisso talvez

um desses comunistas de tecircnis importado tenha queimado a liacutengua Estava

comeccedilando a desenvolver a astuacutecia do guerreiro furando os olhos de alguns

Polifermos logrando os censores ou aqueles que estatildeo sempre dispostos a

opor um novo obstaacuteculo

ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura umatentativa de decodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativaque consistiria em decifrar os coacutedigos antigos presentes ou futurosporeacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo Cf DELEUZE Gilles Opensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 11

Em setembro de 2006 eacute meu ingresso como voluntaacuterio no grupo pet direito

ufpr e ateacute hoje faccedilo parte sob a tutoria do Prof Dr Abili ao qual sou grato por ter

me deixado pesquisar aquilo que gosto porque em determinado momento larguei

o projeto inicial para pesquisar Nietzsche mesmo sem saber o que pesquisaria

ainda Tambeacutem sou grato ao coletivo do Pet a todos que por laacute passaram desde a

minha entrada ateacute agora cumprimento a todos sem distinccedilatildeo porque de algum

modo ou outro todos contribuiacuteram para meu crescimento seja pelos estudos

coletivos ou nessa pesquisa que virou trabalho de monografia agora

A Odisseacuteia ainda precisa continuar e comecei a participar do Nuacutecleo de

direito Cooperativo e cidadania vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr sob

a orientaccedilatildeo do Prof Dr Gediel laacute vou reencontrar os amigos que haviam sido

afastados de mim E novamente logrando Poliferno comeccedilo a frequumlentar os

estudos do grupo e a participar de suas atividades na sequumlecircncia apresentando

trabalho sobre o cooperativismo dos luacutempemproletaacuterios pela liberdade no

seminaacuterio organizado pelo nuacutecleo e continuo frequumlentando ateacute o final do primeiro

semestre de 2007 quando o reacuteu Nietzsche faz sua primeira exigecircncia era preciso

escrever um trabalho no direito sobre ele O meu aprendizado e minhas leituras

que vinham desde antes da faculdade natildeo eram suficientes para escrever um

trabalho muito menos natildeo sabia sobre o que escrever por onde comeccedilar Pelo

127

que se nota desse relato o Nietzsche que coloquei em praacutetica eacute o aprendizado

obtido mediante experiecircncia que soacute consigo transpor em palavras porque depois

fiz a leitura mas sem o saber intuitivamente ou natildeo por forccedila do acaso busquei

uma praacutexis nietzscheana a despeito de toda tonalidade marxista desse conceito

Foi assim que o primeiro trabalho escrito sobre Nietzsche no direito iraacute ser

Nietzsche e Poliacutetica Traacutegica ou como se tornar aquilo que se eacute Um trabalho

que natildeo teria acontecido por causa das afliccedilotildees do desespero de natildeo saber

praticamente um segundo naufraacutegio pois era tempo de entregar projeto de

monografia e o prazo derradeiro se aproximava foi quando encontrei um desses

oraacuteculos numa tarde na biblioteca puacuteblica era o Prof Dr Guilherme Roman

Borges algueacutem que haacute tempos atraacutes assombrou a faculdade realizando um

trabalho de monografia sobre Michel Foucault tatildeo pesado quanto um tijolo natildeo soacute

pelas dimensotildees mas pela acuidade expositiva e argumentativa sobretudo Foi a

simplicidade e a humildade do Prof Guilherme que foi o incentivo preciso naquele

momento Ele me orientou a estudar o Nietzsche e fazer da monografia a

oportunidade de uma explosatildeo assim mal sabia ele que acabou fornecendo

foacutesforo para um incendiaacuterio Sem conhecer ainda as teacutecnicas de manejo da

poacutelvora nietzscheana a primeira tentativa acabou explodindo em mim e me

ferindo um pouco jaacute que esse trabalho natildeo teve avaliaccedilatildeo tatildeo positiva da banca

que o avaliou na Jornada do Pet daquele ano Mesmo tendo o explosivo falhado

na primeira tentativa havia material para outras explosotildees Foi o que aconteceu

no Evinci de 2007 quando apresentei a pesquisa do resumo Desafios e

confrontaccedilotildees hermenecircuticas para a efetividade dos direitos fundamentais

prestacionais quando trouxe a figura de Nietzsche num dos slides e a sua frase

escreva com sangue e veraacutes que sangue eacute espiacuterito num diaacutelogo de alteridade e

pluralidade com o seu pensamento Do crepuacutesculo vem a aurora o que parecia

como um fracasso surgiu como uma vitoacuteria o Prof Guilherme solicitou que meu

artigo sobre Nietzsche apresentado no Pet fosse enviado para a revista raiacutezes

juriacutedicas e assim ele foi publicado207

207 MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar a seraquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008

128

Em 2008 eacute o ano que dedicarei fundamentalmente as pesquisas e ao

estudo para odisseacuteias ainda maiores Aproveitando da poacutelvora jaacute reunida

confeccionarei outros artefatos explosivos e encaminharei o primeiro deles para

um congresso de filosofia na USP que eacute aprovado depois outro trabalho para um

congresso de pluralismo juriacutedico e direitos humanos da UFSC que tambeacutem eacute

aprovado depois para outro congresso de filosofia agora da UFPR depois um

trabalho seraacute encaminhado para a jornada de pesquisadores da AUGM em

Montevideo tambeacutem eacute aprovado na sequumlecircncia mais um trabalho eacute encaminhado

para evento de filosofia na UFRN a federal de Natal Rio Grande do Norte essas

duas uacuteltimas peregrinaccedilotildees ainda aconteceratildeo para cruzar o continente latino-

americano do extremo sul ao norte do equador com a vontade de poder elevada a

sua mais alta tonalidade Diante do que tenho que ser grato ao Prof Dr Cesar

Serbena pelo estiacutemulo ao estudo da filosofia no direito e pelas oportunidades

concedidas nesse uacuteltimo ano como seu monitor na disciplina de filosofia do

direito c e tambeacutem como meu orientador na iniciaccedilatildeo cientiacutefica com a bolsa

UFPRTN cujo plano de trabalho eacute A projeccedilatildeo filosoacutefica e literaacuteria do pensamento

de Nietzsche no Direito ou como pensaacute-lo depois da explosatildeo nietzscheana

Aspectos para um Direito a marteladas Tenho que lhe agradecer ainda pelos

serviccedilos prestados como meu advogado pois cheguei a receber a notiacutecia de que

teria que fazer minhas pesquisas sem bolsa ao que parece me avisaram que a

ufpr natildeo tinha dinheiro para bancar bolsa por isso alguns ficaram sem receber

incluindo eu e o Prof Serbena reivindicou o meu direito conhecendo de minhas

dificuldades de meu interesse pela pesquisa e da necessidade fundamental da

bolsa jaacute que sem ela natildeo teria como empreender essa Odisseacuteia ela seria

abortada antes de comeccedilar trocada por um estaacutegio em alguma aacutegua-furtada para

garantir sobrevivecircncia acadecircmica Era o desespero de um terceiro naufraacutegio jaacute

que contra a burocracia as chances eram iacutenfimas contudo mais uma vez a

insistecircncia e a astuacutecia lograram os censores mais um titatilde estava vencido a

bolsa de monitoria era minha Ainda sou grato ao Prof Serbena por assinar os

meus pedidos de passagens para a universidade pois sem essa ajuda natildeo

129

poderia empreender esse nomadismo Ele eacute tambeacutem o meu co-orientador dessa

monografia cujo orientador eacute o Prof Dr Luiacutes Fernando que um dia

inesperadamente foi surpreendido por algueacutem que vinha lhe falar num peacute de

vento a notiacutecia de que desejava a sua orientaccedilatildeo para esse trabalho ou melhor a

sua autorizaccedilatildeo sua assinatura Surpreso pelo convite nunca esquecerei a sua

reaccedilatildeo Mas vocecirc acha que eu tenho condiccedilotildees de te orientar num trabalho sobre

Nietzsche Foi a sua humildade a simplicidade e a percepccedilatildeo para aleacutem da

loacutegica do direito estrito senso de quem jaacute perambulou pelos caminhos da arte da

esteacutetica e do engajamento poliacutetico que tambeacutem viveu seu nomadismo que

motivaram a minha escolha como a uacutenica possiacutevel naquele momento Pois

tomado do desespero de um naufraacutegio precisava entregar um projeto de

monografia que natildeo sabia qual seria e sobre o que apenas sobre Nietzsche e

alguma coisa relacionada ao direito Foi por ter me estendido a matildeo no naufraacutegio

iminente que serei imensamente grato ao Prof Luiacutes que junto com o Prof

Serbena estatildeo empenhando seu creacutedito acadecircmico nessa aposta bastante

perigosa porque eacute nietzscheana Nesse nomadismo de 2008 nos uacuteltimos

instantes da graduaccedilatildeo agradeccedilo pelas pessoas que conheci inesperadamente e

que me ofereceram abrigo quando cheguei numa madrugada de segunda-feira em

SP a maior metroacutepole do paiacutes e sem saber quem eu era sem me conhecer

ofereceram a sua casa e uma cama para deitar falo do amigo Bruno Morais e de

sua irmatilde que muito amavelmente como natildeo existe mais nem nas cidades

pequenas do Brasil me ofereceram tamanha hospitalidade e confianccedila muito

obrigado por intermeacutedio da colega Liacutevia que tambeacutem pouco me conhecia apenas

de um encontro ocorrido ano passado aqui a quem tambeacutem sou grato porque

sem essa hospedagem solidaacuteria natildeo teria como apresentar meu trabalho na USP

sobre Nietzsche amp a aventura poliacutetica Tambeacutem nessa viagem conheci o largo do

satildeo francisco mas natildeo para frequumlentar o evento em homenagem a ldquopontes de

mirandardquo que ocorria ao mesmo tempo estive laacute junto de Bruno e seus colegas no

projeto Terra Tomada que naquele instante organizavam o encontro deles em

defesa da reserva raposa serra do sol jaacute que o projeto deles eacute de defesa dos

direitos indiacutegenas com uma praacutexis de extensatildeo numa comunidade Por mais um

130

desses acasos ousei encaminhar um trabalho para a USP sem saber como faria

para ir ou como ficar laacute era uma semana de evento e no final tudo acabou bem

ainda conheci pessoas e aprendi coisas preciosas comeccedilo a acreditar que a sorte

acompanha os audazes ou como diria Goethe ouse ouse fazer e o poder lhe

seraacute dado (cito sem referecircncia uma passagem que guardei quando era

estagiaacuterio no Farol)

Tambeacutem em 2008 comecei a frequumlentar o Grupo de estudos Nietzsche

coordenado pelo Prof Dr Antonio Edmilson Paschoal da PUCPR ao qual sou

grato pois muito gentilmente aceitou a minha participaccedilatildeo no grupo mesmo

sendo aluno de direito com a frequentaccedilatildeo desse espaccedilo adquiri mais coragem

para enfrentar os titatildes que ainda viriam pois cercado de gente com bastante

estudo sobre Nietzsche incluindo o colega do curso de filosofia da federal Joatildeo

Paulo os estudos se desenvolveram melhor Joatildeo ainda me apontou para a

existecircncia de outro grupo de estudos Nietzsche essa na Universidade Positivo

nos confins do campo comprido outro lado da cidade para mim e assim passei a

frequumlentar as reuniotildees em alguns saacutebados de manhatilde procurando equilibrar os

compromissos na santos andrade jaacute que fazemos disciplinas optativas nesse

horaacuterio Esse outro grupo eacute coordenado pelo Prof Dr Roberto Wu a quem

tambeacutem sou grato pela simpatia de me acolher nos seus estudos Como numa

aventura mitoloacutegica encontramos natildeo soacute titatildes mas tambeacutem alguns oraacuteculos que

apontam caminhos encontrei assim a estudiosa de Wittgenstein e professora em

Joinvile a Cristiana a quem sou grato pois me incentivou nos estudos quando

estava ainda preocupado com os meus proacuteximos passos natildeo soacute ofereceu o

conforto de suas palavras como o apoio para inscrever um trabalho no Congresso

de Filosofia Moderna e Contemporacircnea ocorrido no uacuteltimo mecircs de agosto na

PUCPR desse congresso tambeacutem participaram o Prof Dr Oswaldo Giacoacuteia Jr e

tambeacutem a Prof Dra Scarlett Marton Eu e Cristiana apresentamos um trabalho

intitulado Deus no pensamento de Nietzsche e Wittgenstein E ainda outro

artigo que publicaremos em parceria que eacute sobre sofrimento e felicidade no

pensamento de Nietzsche esse numa revista da Univille Ao que me parece hoje

aquela ousadia do primeiro artefato que explodi sobre Nietzsche estaacute longe de ser

131

um fracasso pelo contraacuterio a explosatildeo dele soacute poderia ser em mim pois se

explodir natildeo eacute privileacutegio soacute dos terroristas fui o que disse ao Prof Dr Mauro da

Unicamp quando pedi a palavra no Evento sobre oacutedio fanatismo e terrorismo e

disse que Nietzsche foi tambeacutem algueacutem que explodiu com a sua proacutepria dinamite

Eu me pergunto quem eacute hoje o jovem homem nietzscheano Seraacuteaquele que prepara um trabalho sobre Nietzsche Eacute possiacutevel Ou seraacute oque voluntaacuteria ou involuntariamente pouco importa produz enunciadossingularmente nietzscheanos no curso de uma accedilatildeo de uma paixatildeo deuma experiecircncia Eacute igualmente possiacutevel A meu ver um dos textosrecentes mais belos mais profundamente nietzscheanos eacute o texto queRichard Deshayes escreve ldquoViver natildeo eacute sobreviverrdquo poucos momentosantes de receber uma granada durante uma manifestaccedilatildeo Os doistalvez natildeo se excluam Talvez se possa escrever sobre Nietzsche ealiaacutes produzir no decorrer da experiecircncia enunciadosnietzscheanos (Cf DELEUZE sano p 9)

O Prof Mauro falava em evento organizado pelo nuacutecleo de direito e

psicanaacutelise vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da federal E a psicologia mais

a psicanaacutelise foram tambeacutem lugares pelos quais passei nesses nomadismos

Tudo comeccedila em 2004 num saacutebado pela manhatilde quando frequentava as jornadas

lacanianas coordenadas pela Prof Dra Silvane Marchesini quando no congresso

trazia jaacute preocupaccedilotildees nietzscheanas sou grato a Prof Silvane pelo apoio

incentivo e reconhecimento nessas aventuras de quem tambeacutem abriu seu

consultoacuterio sua biblioteca e forneceu material para pesquisa Nesse sentido sou

grato a Prof Dra Vania Mercer psicanalista em Curitiba por ter aberto as portas

de sua casa e de seu consultoacuterio bem como de sua biblioteca para incentivar

minhas pesquisas e meus estudos tambeacutem pela leitura paciente de minhas

bricolagens E ainda sou grato a Prof Dra Nadja Pinheiro do curso de psicologia

da federal que com muita amabilidade me acolheu no seu grupo de estudos da

obra de Michel Foucault a Histoacuteria da Loucura e tambeacutem pelo incentivo e pela

leitura paciente de meus estudos sobre Nietzsche Assim como nessa interseccedilatildeo

direito e psicanaacutelise tambeacutem agradeccedilo outras pessoas as incontaacuteveis que

conheci no nomadismo universitaacuterio gente de variados cursos ideacuteias e

experiecircncias engajamentos Dentro da academia nesse nomadismo sem sair do

lugar que aprendi a fazer tenho que agradecer ao Prof Dr Ricardo Marcelo que

132

me recebeu no seu Nuacutecleo de direito histoacuteria e subjetividade vinculado agrave poacutes-

graduaccedilatildeo em direito da federal em que estudamos obras de Michel Foucault e

Giorgio Agamben as quais me trouxeram subsiacutedios para essa empreitada

tambeacutem aproveito ao ensejo e agradeccedilo a sua esposa Prof Dra Angela

Fonseca que possui mestrado em Nietzsche e com muita simpatia aceitou

minhas insistecircncias em discutir o filoacutesofo e minhas pretensotildees quando natildeo

esquecerei o cafeacute que tomamos numa manhatilde que natildeo vi passar devido ao prazer

de falar sobre aquilo que gostamos Tambeacutem sou grato ao Prof Dr Celso Ludwig

natildeo apenas pela sugestatildeo da bricolagem e tambeacutem pela avaliaccedilatildeo positiva na

banca do Pet mas tambeacutem por ter me acolhido em seu Nuacutecleo de estudos

filosoacuteficos - Nefil vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr Agradeccedilo ainda

ao Prof Dr Luiacutes Edson Fachin que me concedeu a oportunidade de conhecer dos

diaacutelogos e debates em torno do direito civil-constitucional em seu Nuacutecleo Virada

de Copeacuternico vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo tambeacutem que ainda me concedeu a

oportunidade de viajar com o grupo para o Rio de Janeiro para acompanhar o

evento organizado pelo Prof Dr Gustavo Tepedino da UERJ Sobre a

bicolagem sou imensamente grato ao Prof Dr Alexandre Morais da Rosa que

com muita generosidade vem dialogando comigo e me incentivando a continuar

fazendo bricolagens desafiando o establishment e ousando quebrar

paradigmas Ao Prof Alexandre meu agradecimento fraterno a quem chegou a

me enviar seu livro sobre a bricolagem no direito por correio de presente o que

me inspira e daacute mais coragem Nesse nomadismo para fora tenho que agradecer

ao Prof Dr Cid Aimbireacute do curso de farmaacutecia da UFPR o qual orientou a equipe

que representou a instituiccedilatildeo no Projeto Rondon Amazocircnia Oriental que atuou no

interior do Estado do Paraacute ao tio Cid como acostumamos a trataacute-lo meu

agradecimento pelo exemplo de simplicidade retidatildeo de caraacuteter e confianccedila bem

como toda a equipe que comigo esteve em Canaatilde dos Carajaacutes estudantes de

pedagogia enfermagem medicina biologia e farmaacutecia todos gravados na minha

memoacuteria e agora nessas paacuteginas que registram experiecircncias nocircmades Natildeo

posso deixar de citar meu amigo Rodrigo fanfarratildeo pois algueacutem que conheci na

eacutepoca de cursinho e que tambeacutem me acompanha na faculdade e natildeo esquecerei

133

do pela liberdade que bradei numa assembleacuteia acadecircmica que desejava

aumentar o curso de direito para seis anos natildeo conseguiram e nem dos Jogos de

Veratildeo de 2008 Tambeacutem agradeccedilo ao amigo e testemunha de algumas aventuras

Prof Dr Rafael Zanlorenzi que me conheceu quando ainda era um calouro

trazendo perguntas nietzscheanas num evento de direito e psicanaacutelise e depois

me emprestou livros me deu um sobre Heidegger sempre com muita

generosidade tem me acompanhado Tambeacutem agradeccedilo aos inuacutemeros

interlocutores e pessoas que estiveram nas vaacuterias caminhadas e outras que

estaratildeo e ainda sequer conheccedilo Ainda devo agradecer aos que estiveram

comigo nesses cinco anos alguns conheci bem outros apenas sutilmente e ainda

outros apenas de vista satildeo meus colegas de sala aos quase cem que

frequumlentaram comigo a sala de aula desde o iniacutecio ateacute o fim proacuteximo sou grato a

todos sem distinccedilatildeo pois assim como apontei a respeito do Pet todos de algum

modo contribuiacuteram para o meu aprimoramento seja intelectual mas

principalmente enquanto ser humano cumprimento a todos igualmente

O meu muito obrigado ainda ao Prof Dr Joseacute Roberto Vieira pela sua

generosidade e sabedoria de quem leciona Direito Tributaacuterio mas ainda assim

natildeo se deixa levar pela visatildeo do direito estrito senso pois eacute algueacutem que conheci

numa palestra de Oswaldo Giacoacuteia Jr sobre as mutaccedilotildees de Zaratustra no Sesc

da esquina O Prof Vieira eacute homem de larga cultura filosoacutefica chegou a orientar o

Prof Serbena no seu doutorado sobre loacutegica e aleacutem disso tem grande

conhecimento de literatura Esse eacute um relato infindaacutevel e continuaraacute em aberto

como as viagens que ainda devo fazer precisei escrever tudo isso para

demonstrar que usei a minha vida como mateacuteria prima desse trabalho aceitando

que a tarefa de escrever com o proacuteprio sangue e tambeacutem para me colocar em

julgamento na frente do reacuteu daquele que eacute chicoteado pelos outros Das

experiecircncias vividas das decepccedilotildees aventuras desventuras dos juacutebilos e

preocupaccedilotildees nada alteraria pois tudo que escrevi eacute aquilo que provei na proacutepria

carne e o que superei

soacute se escreve aqui sobre aquilo que mesmo viveu e superouCfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad RubensRodrigues Torres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza

134

2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 p128

O grande ato de bufonaria contra o tempo a forma de lograacute-lo e aquilo

que jaacute se passou eacute ser querido de novo eternamente e justificado pela vontade

elevada a sua mais alta potecircncia soacute compreendo isso agora diante da urgecircncia

de entregar esse trabalho em definitivo em poucas horas Agradeccedilo por fim a

meus pais Marly Benedita Santos Nascimento e Leonardo Mantau e tambeacutem a

minha irmatilde Janice Nascimento Mantau a vocecircs devo tudo e a condiccedilatildeo de ter

chegado ateacute aqui aleacutem da certeza que natildeo combato sozinho pois comigo estatildeo

vocecircs e meus antepassados208 Se deixei de seguir o caminho dos outros passar

num concurso puacuteblico ou estagiar em tempo integral para desde o princiacutepio

auxiliar em casa foi porque algo me convocava para essa tarefa pois toda essa

odisseacuteia essa luta constante me faria mais forte para o que ainda viraacute e natildeo

podia estancar essa marcha por vocecircs e por mim necessito ir sempre mais longe

Se aquele que anuncia o eterno retorno de todas as coisas surgisse em

minha frente eu o receberia como um emissaacuterio divino pois diria SIM

OUTRA VEZ

Curitiba em 3 de outubro de 2008

208 CfKAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo PauloAacutetica 1997 sp

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Desafio Titacircnico (aquilo que foi dito na defesa e o que se calou)

O que se calou Escrever agora depois de ter feito a degravaccedilatildeo de tudo essetrabalho demorado e que teve que esperar para ser realizado diante das uacuteltimasresponsabilidades na faculdade significa continuar fazendo ainda o trabalho dodesejo agora colocando o que falta para fora resgatando algumas coisas Naverdade depois que terminou a defesa e quem ler poderaacute constatar isso houveuma castraccedilatildeo uma interrupccedilatildeo do processo eu ainda precisava responder maisFaltaram aqueles minutos de consideraccedilotildees finais para que pudesse responder asprovocaccedilotildees e questotildees que foram postas Assim a sensaccedilatildeo depois da defesafoi a de que ficou faltando bastante coisa Embora satisfeito com o trabalhoescrito o qual foi realizado sem abrir concessotildees sejam elas metodoloacutegicasepistemoloacutegicas ou ideoloacutegicas sentia que muito se calou na defesa natildeo foiexpresso talvez em parte pela tensatildeo do momento ou mesmo pela ausecircncia detempoEntatildeo agora o que se calou volta para deixar a sua marca nesse trabalhoque seraacute impresso e deixado na biblioteca da faculdade como um registro quiccedilaacutemais completo e mais pleno do que foi dito e do natildeo foi dito mas pensadoruminado nesses diasEssa eacute uma parte da monografia que nasceu poacutestumaassim como Nietzsche

Curitiba 18 de dezembro de 2008

O que se calou A defesa aconteceu no dia 5 de novembro de 2008 uma quarta-feira por volta das 16 horas e durou 2 horas e 15 minutos aproximadamente foiuma banca mais longa que o comum afinal estava previsto que seriam seisprofessores na banca Contudo infelizmente o Prof Vieira (direito UFPR) pormotivos de sauacutede e o Prof Edmilson (filosofia PUCPR) por motivos derepresentaccedilatildeo acadecircmica e viagem natildeo puderam estar presentes e foramausecircncias sentidas no debate A sala escolhida foi coincidentemente a mesma emque estudei quando calouro foi no ldquoboulevardrdquo Estavam presentes osprofessores Luiacutes Fernando (histoacuteria do direito UFPR) Ceacutesar Serbena (filosofia dodireito UFPR) Acircngela Fonseca (filosofia do direito da Universidade Positivo)Nadja Pinheiro (psicologia UFPR) Muitos amigos compareceram gente que fazparte do texto como eu direi a sala estava quase cheia registro ainda a presenccedilada Dra Vacircnia Mercer psicanalista em Curitiba e tambeacutem compareceu nosprimeiros instantes da defesa O atual diretor da faculdade o Prof RicardoMarcelo tambeacutem esteve presente no iniacutecio dos trabalhos assistindo

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Prof Luiacutes Fernando Damos iniacutecio a sessatildeo de defesa da monografia do alunoLeandro Nascimento Mantau com o tiacutetulo O caso Nietzsche a reabertura de uminqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildeesAgradeccedilo jaacute formalmente a presenccedila dos colegas que colaboraram na leitura eque vatildeo colaborar na discussatildeo do trabalho do Leandro O Prof Serbena a ProfordfAcircngela a Profordf Nadja da psicologia E passo jaacute diretamente a palavra para aconvidada mais distante a Profordf Acircngela que vem de outra instituiccedilatildeo para quecomece entatildeo com a arguumliccedilatildeo do candidato muito obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Eu gostaria de agradecer tambeacutem o convite de participarda banca eacute sempre um prazer trabalhar e poder discutir o autor que noacutesgostamos colocar um trabalho agrave prova de certa maneira E o trabalho do Leandrofoi para mim um trabalho bastante sui generis em diversos aspectos Primeiroporque jaacute tinha um contato com o Leandro antes o Leandro que se diziatotalmente sem tema e que na verdade ele apresenta aqui um Nietzsche que numcerto momento natildeo sei se de extrema sinceridade como vocecirc mesmo coloca natildeotem um tema um fio condutor e tudo mais E eu vou te falar algumas coisas aquiLeandro sobre a maneira de eu entender o teu trabalho sobre o que eu achei doteu trabalho Eu acho que num determinado aspecto vocecirc quis fazer uma defesaapaixonada do Nietzsche mas uma defesa tatildeo apaixonada que talvez seja umacoisa que eacute absolutamente inovador num certo sentido mas por outro lado euacho que a proacutepria voz do Nietzsche natildeo vou falar voz do Nietzsche porque aquinatildeo tem que ter a voz do Nietzsche tem que ter a voz do Leandro mas eu diriaque o pensamento do Nietzsche que de certa maneira em alguns momentos ficouem segundo plano por que Talvez porque por uma coisa que vocecircs mesmocolocou aqui com uma intenccedilatildeo tua que eacute de natildeo fazer recortes vocecirc colocouaqui quero trabalhar com o pensamento do Nietzsche sem fazer nenhumainterrupccedilatildeo nenhum recorte E ao fazer isso eu vejo um probleminha aqui que eacute oseguinte claro que eacute oacutebvio ia dizer que quando vocecirc tenta dar conta do mundointeiro acho que o mundo inteiro escapa da matildeo da gente mas sobretudo comNietzsche eu acho que vocecirc na verdade fez uma traiccedilatildeo com Nietzsche Vocecircquerer dizer que natildeo tem como recortar o pensamento do Nietzsche vocecirc faz queeu entenda que existe uma certa unidade uma totalidade um sistema que natildeopode de nenhuma maneira ser visto em algumas partes em alguns temas e euacho que Nietzsche permite isso sim aliaacutes o Nietzsche eacute um autor que eacute claro agente tem que compreender a visatildeo dele de um modo mais aberto de um modomais amplo mas eu acho que ele tem temas que satildeo trabalhados de inuacutemerasmaneiras diferentes os mesmos temas e ele mesmo abre essas diferentesinterpretaccedilotildees sobre um mesmo problema e essa eacute a estrateacutegia dele de trabalhodo Nietzsche a estrateacutegia do Nietzsche eacute justamente isso como eacute que eu vouproblematizar esse tema sob os mais variados pontos de vistas possiacuteveis e agente como leitor do Nietzsche querendo dar conta desse problema que eletrabalha a gente natildeo precisa digamos assim esmiuccedilar todos os meandrosporque talvez seja uma tarefa impossiacutevel de fazer isso E ao ser uma tarefaimpossiacutevel o que acontece entender Nietzsche acaba sendo entender Nietzschepor partes o Nietzsche inteiro que vocecirc quis dar conta ficou por partes emdeterminados ocasiotildees aqui Essa eacute a minha primeira visatildeo aqui Natildeo acho que

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seja um grandisiacutessimo problema mas acho que natildeo tem nenhum natildeo haacute nadadigamos assim natildeo haacute nada de ruim em a gente querer selecionar determinadotema em Nietzsche e esmiuccedilar esse tema tentar trazer de uma maneira maisanaliacutetica e isso natildeo significa fazer filosofia analiacutetica Segundo lugar aqui abricolagem que o Leandro tanto fala eu achei divertido na verdade eu me divertimuito lendo o seu trabalho isso eu achei bacana no iniacutecio eu tava falando puxavida acho que o Leandro estaacute fazendo jargatildeo do Nietzsche que vocecirc queria seaproximar tanto do Nietzsche que vocecirc usava inclusive uma linguagemnietzscheana mas depois eu comecei a me divertir tanto com o seu texto que eufalei ele ateacute que conseguiu em determinados momentos um tom nietzscheanoque vocecirc mesmo fala a ironia aliaacutes Nietzsche tem muito de ironia eacute claro quetodo mundo que sabe minimamente de Nietzsche vai ver que Nietzsche tem muitode ironia mas eu natildeo sei se concordo com o Deleuze que a filosofia do Nietzscheeacute soacute irocircnica soacute uma filosofia irocircnica e cocircmica o proacuteprio Nietzsche vai dizer emuma passagem bastante forte que ele preferia ser mal compreendido natildeo sercompreendido a ser compreendido por que Por que o percurso da compreensatildeoera um percurso aacuterduo e sofrido demais e ele natildeo gostaria de largar os seusleitores nesse percurso ou seja natildeo eacute tatildeo cocircmico o caminho assim eu acho queNietzsche exige uma disciplina bastante severa do seu leitor ele carrega a gentepor caminhos que natildeo satildeo tatildeo divertidos assim natildeo satildeo tatildeo confortaacuteveisPortanto o riso e a ironia sim mas natildeo eacute apenas a ironia e o riso emNietzscheMas bem o que gostaria de falar da bricolagem eacute bricolagem tudoserve seraacute que tudo serve para Nietzsche Leandro Essa eacute uma questatildeo que eute passo por que Por que Nietzsche eacute o filoacutesofo do gosto eacute o filoacutesofo que vaifazer seleccedilatildeo natildeo eacute poliacutetica natildeo entenda mal o que eu quero dizer aqui natildeo eacuteseleccedilatildeo mas Nietzsche eacute justamente o filoacutesofo que vai avaliar o que eacute afirmaccedilatildeo eo que eacute negaccedilatildeo de vida Entatildeo se tudo serve a gente entra naquele vale tudoque em Nietzsche natildeo eacute possiacutevel o vale tudo por que que natildeo eacute possiacutevel um valetudo Por que interpretaccedilotildees negadoras depreciativas e que restringem a forccedilanaquilo que ele vai ver sobre a vida natildeo satildeo possiacuteveis em Nietzsche entatildeo todasas interpretaccedilotildees ele reconhece que satildeo existentes mas nem todas satildeo vaacutelidas enem todas tecircm o privileacutegio de serem boas interpretaccedilotildeesMas enfim a genteteria muita coisa a falar aqui pena que a banca tem que ser um pouco raacutepida e agente poderia falar muito muitomas eu gostaria na verdade de atentar agravequiloque vocecirc estava se preocupando em colocar que eacute a leitura de Nietzsche nodireito como ler Nietzsche no direito Por que natildeo eacute tatildeo faacutecil assim e na verdadenatildeo eacute tatildeo faacutecil assim colocar Nietzsche no direito Natildeo eacute faacutecil colocar Nietzsche nodireito se a gente tenta fazer uma leitura usal do direito mas eu acho queNietzsche eacute um autor muito interessante para o direito absolutamenteinteressante natildeo soacute interessante mas como um autor que vai trabalhar com odireito de uma maneira que poucos autores trabalham Eu vi aqui que em algunsmomentos vocecirc vai falar do estado o estado como esse repressor o estado quearrebanha e tudo o mais e aiacute eu vejo mais uma certa leitura marxista do que oNietzsche porque eacute claro que a gente pode ver o Nietzsche fazendo a criacutetica dorebanho mas eu acho que o interessante aqui da relaccedilatildeo de Nietzsche e o Direitonatildeo estaacute tanto na criacutetica aos estatutos aos coacutedigos aos jogos de sistemas quevatildeo digamos assim impossibilitar e sustentar a vida gregaacuteria porque isso eacute uma

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coisa que natildeo eacute original do Nietzsche muitos autores de uma certa maneira vatildeocriticar as formas como se daacute a reuniatildeo a vida poliacutetica a vida gregaacuteria e tudo omais Eu acho que o interessante aqui eacute perceber como que o Nietzsche vaitrabalhar o indiviacuteduo eacute possiacutevel falar que Nietzsche vai colocar o indiviacuteduo contraa gregariedade A vida coletiva e gregaacuteria E aiacute a gente entra num campo muitointeressante claro que natildeo o Nietzsche a forccedila de Nietzsche para trabalhar nodireito uma das possiacuteveis leituras que eu vejo eacute justamente a criacutetica asubjetividade a criacutetica ao sujeitoAh a criacutetica do sujeito natildeo eacute nada de novorealmente natildeo eacute nada de novo mas o modo como Nietzsche faz isso no momentoem que ele faz isso eacute uma coisa que merece nota porque Nietzsche natildeo vaicriticar o sujeito simplesmente do modo como estamos acostumados esse sujeitoao qual se presta do direito o sujeito racional o sujeito com todos esses atributosde capacidade autonomia liberdade etc o Nietzsche estaacute muito foi muito paraaleacutem disso digamos que ele radicalizou muito mais O problema do homem vistoenquanto sujeito enquanto indiviacuteduo para Nietzsche natildeo eacute que ele eacute apenas umailusatildeo que o direito vai se apropriar a partir do seu edifiacutecio a partir dessa visatildeo dehomem a questatildeo aqui eacute que para Nietzsche ele vai na verdade vai destruir osujeito ele vai dizer que natildeo haacute homem enquanto sujeito natildeo haacute homemenquanto isso que eacute fixo natildeo haacute homem enquanto isso que existe e eacute aiacute que estaacuteo que podemos prender de Nietzsche por que Por que Nietzsche vai querer dizerpara a gente o seguinte a proacutepria leitura de homem eacute uma leitura inventada o tipohomem eacute uma construccedilatildeo E eacute quando noacutes vamos querer entender por que queNietzsche estaacute falando para a gente que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo que agente pode voltar para o direito por que que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo Porque Nietzsche vai dizer para a gente que o homem eacute uma folha ao vento natildeo haacutenatildeo existe ele comeccedila a existir quando inventa a si mesmo e como que ele vaiinventar a si mesmo Vocecirc sabe a gente comeccedila a voltar para a noccedilatildeo de corpopara Nietzsche o homem eacute um acontecimento fortuito uma reuniatildeo de impulsosque nesse intervalo fortuito que eacute o homem faz com que exista a vida humana soacuteque dentro desses instintos dentre desses impulsos existe um que se torna osoberano que eacute a capacidade intelectual e tudo o mais Entatildeo portanto a reuniatildeodesses do corpo e do intelecto que vatildeo se comvatildeo se dizer vatildeo conceber a simesmos como um eacute aquilo que permite o processo de hominizaccedilatildeo formaccedilatildeo dohomem do tipo homem quais satildeo as praacuteticas que permitem essa construccedilatildeo dohomem Praacuteticas juriacutedicas absolutamente arcaicas antigas que Nietzsche vaidizer que satildeo praacuteticas que permitem a formaccedilatildeo de uma consciecircncia de umamemoacuteria a formaccedilatildeo de uma ideacuteia de si mesmo enquanto um centro umaunidade natildeo no sentido moderno de sujeito ainda mas ou seja a possibilidade deuma leitura de homem ou seja a gente jaacute pode prever aqui em Nietzsche algueacutemque estaacute querendo dizer o que na verdade O que que estaacute aqui Leandro deabsolutamente radical em Nietzsche Nietzsche estaacute querendo dizer que satildeopraacuteticas juriacutedicas arcaicas que vatildeo possibilitar a proacutepria formaccedilatildeo de uma dadaconcepccedilatildeo de homem ou seja se toda a filosofia de Nietzsche eacute compreender oque que eacute o homem Qual eacute o tipo de homem Por que que eacute uma ilusatildeo E porque noacutes necessitamos criar essa ilusatildeo Quais satildeo as nossas necessidades debase para formar essa crenccedila O Direito eacute um instrumento que vai auxiliar naformaccedilatildeo dessa ilusatildeo ele vai auxiliar nessa crenccedila entatildeo homem e direito aqui

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homem e praacuteticas juriacutedicas eles andam de matildeos dadas na sua formaccedilatildeo entatildeo aproacutepria ideacuteia de homem eacute uma ideacuteia que natildeo se afasta de praacuteticas juriacutedicas emNietzsche Que eacute uma leitura que eu acho sensacional e que quem tem feito issoeacute o Giacoacuteia vocecirc mesmo colocou aqui e citou isso um texto dele em que ele vaitrazer essa ideacuteia para a gente entatildeo eacute isso que haacute de radical Natildeo eacute o direitocomo uma forma de repressatildeo do indiviacuteduo porque aiacute estariacuteamos advogandocontra o Nietzsche por que Porque se a gente acha que o direito eacute uma forma derepressatildeo contra o indiviacuteduo entatildeo haacute o indiviacuteduo haacute uma forma de liberdade nofim das contas natildeo haacute Se eu saio da vida gregaacuteria e tento analisar o indiviacuteduonem mesmo o indiviacuteduo enquanto uma potecircncia libertadora autocircnoma etc sobresi mesmo natildeo existe o que existe eacute o homem que criou a si mesmo enquantoideacuteia de homem e isso foi possiacutevel tambeacutem por conta de praacuteticas juriacutedicas Achoque esse eacute um fio muito interessante para trabalhar com Nietzsche no direito Maspor fim vou soacute te colocar uma questatildeo jaacute que devemos ser breves aqui que eacute oseguinte dentre as inuacutemeras leituras que vocecirc trouxe de Nietzsche vocecirc natildeotrouxe soacute uma leitura de Nietzsche vocecirc trouxe vaacuterias leituras de NietzscheNaquele capiacutetulo em que vocecirc vai trabalhar com se Nietzsche foi um imoral ouum voluntarista Vocecirc aceita a ideacuteia de que haacute uma eacutetica em Nietzsche e isso eacuteuma coisa que eacute um pouco controversa na verdade tem um autor que eacute bastantecaro para mim que eacute o Michel Haar ele vai advogar a existecircncia de uma eacutetica emNietzsche eacutetica da afirmaccedilatildeo da vida Soacute que isso eacute controverso Acontece quenos termos que vocecirc colocou essa eacutetica em Nietzsche vocecirc colocou que a eacuteticaem Nietzsche seria uma eacutetica contra qualquer universalidade e eacute verdadeNietzsche eacute um autor que vai trabalhar contra qualquer contra os totalitarismos dametafiacutesica contra a universalidade etc Mas vocecirc coloca aqui que os homensse assumem como criadores de valores legisladores de si mesmos dobrando aforccedila a seu favor ultrapassamento do homem como rebanho e aiacute eu mepergunto como que eacute essa eacutetica em Nietzsche que vocecirc estaacute lendo aqui Por quetalvez seja soacute uma questatildeo de linguagem vocecirc me explicando aqui eu possachegar a uma conclusatildeo diferente mas quando vocecirc coloca aqui para mim ohomem enquanto legislador de si mesmo e criador de seus valores isso pareceque estaacute um passo antes da criacutetica radical ao sujeito em Nietzsche porque dar asi mesmo as suas proacuteprias leis eacute uma capacidade do eu do sujeito e esse eu eesse sujeito enquanto sujeito capaz de regar a si mesmo nesses termos tatildeoiluministas eacute algo que natildeo haacute em Nietzsche natildeo sei se vocecirc percebe o que euestou querendo dizer legislador de si mesmo em Nietzsche natildeo eacute dar a si mesmodessa maneira como se fosse algo clarividente uma autoconsciecircncia que ohomem tem para regrar a si mesmo conduzir a si mesmo eu acho que essa seriauma percepccedilatildeo bastante iluminista ainda dentro do Nietzsche entatildeo como que eacuteessa eacutetica que vocecirc aceita e diz ainda ser uma eacutetica do traacutegico Por que a eacutetica dotraacutegico eacute justamente o contraacuterio de uma eacutetica iluminista entatildeo como eacute quefunciona isso Bom eu acho que a gente teria muitas outras coisas para falaraqui mas eu te convido para a gente fazer mais cafeacutes para a gente conversarsobre Nietzsche

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O que se calou Primeiro ponto que gerou um desconforto e vai me levar a umaecircnfase maior eacute a honestidade que eu assumi para defender Nietzsche ainda maisdepois da Profordf Acircngela ter dito que eu teria feito uma traiccedilatildeo com Nietzsche pornatildeo ter seguido uma metodologia usual na academia que eacute a do recorte etc Bemeu natildeo disse que natildeo eacute possiacutevel recortar o pensamento de Nietzsche e nemignorei o fato de haver os temas nietzscheanos apenas fiz uma escolha por umoutro tipo de abordagem que foi a de ldquopassar pelos temas sem ficar nelesrdquo semverticalizar em um deles escolhi trabalhar um outro aspecto da profundidade queeacute aquela que se daacute horizontalmente e por expansatildeo E esse tambeacutem eacute umquestionamento metodoloacutegico que estaacute impliacutecito no trabalho se natildeo se eacute maisprofundo e mais coerente trabalhar horizontalmente que verticalmente diferentedo que fazem os especialistas que sabem as vezes muito de uma coisa e ignoramquase por completo todas as outras jaacute que se especializam tanto num soacute pontoque se desconectam do resto A profundidade no sentido nietzscheano natildeo eacutevertical mas na perspectiva do jogo de maacutescaras tal como apresenta Foucault noteatro filosoacutefico rdquoEacute necessaacuterio portanto que o inteacuterprete desccedila que se converta como disseNietzsche no ldquobom escavador dos baixos fundosrdquoEacute que se o inteacuterprete deve ir pessoalmente ateacuteo fundo como um escavador o movimento de interpretaccedilatildeo eacute pelo contraacuterio o duma avalanche oduma avalanche cada vez maior que permite que por cima de si se vaacute despregando aprofundidade de forma cada vez mais visiacutevel e a profundidade torna-se entatildeo um segredoabsolutamente superficial de tal forma que o vocirco da aacuteguia a ascensatildeo da montanha toda estaverticalidade tatildeo importante em Zaratustra natildeo eacute sem sentido restrito senatildeo o reveacutes daprofundidade a descoberta de que a profundidade natildeo eacute senatildeo um jogo e uma ruga da superfiacutecieAgrave medida que o mundo se revela mais profundo aos olhos do homem damo-nos conta deque o que significou profundidade no homem natildeo era mais do que uma brincadeira decrianccedilasrdquo Cf p 18-19E justamente eacute a vontade de sistema ou a vontade de verdade como expotildeeNietzsche que motiva as classificaccedilotildees os recortes e as sistematizaccedilotildees esse eacuteoutro questionamento colocado pelo trabalho esse eacute mais expliacutecito Se aquelesque agem com essa vontade de sistema natildeo se parecem mais com os meacutedicoslegistas a conspurcar cadaacuteveres ou a lesionar com o bisturi no afatilde de produzirconhecimento ou seja quem seraacute que comete a traiccedilatildeo A minha opccedilatildeo pelo natildeorecorte tambeacutem vem pelo sentido que li a filosofia de Nietzsche pela minha leiturarecortaacute-lo seria tambeacutem uma rendiccedilatildeo uma cooptaccedilatildeo e a admissatildeo de fraquezae da ausecircncia de uma vontade de poder que pede sempre saiacutedas criativas e dedeslocamento do usual e natildeo de conciliaccedilatildeo com ele Portanto escolhi o caminhoque me permitisse elevar ao maacuteximo essa vontade de poder ir mais longe e oengraccedilado como poderatildeo ler eacute que o tempo todo a banca me incita a seguir ocaminho deles ou caminho tradicional o argumento eacute de que eu conseguiria irmais longe assim seguindo eles nada mais ldquocontra-nietzscheanordquo Jaacute que paraNietzsche eacute preciso que se busque sozinho os seus caminhos mesmo quesubvertendo os coacutedigos como aponta DeleuzeA bricolagem foi outro tema polecircmico muito jaacute tive a oportunidade de observar nafaculdade que se ironiza e se comenta aos cantos com sarcasmo quando naverdade eacute uma abordagem seacuteria apresentada por Levi-Strauss no PensamentoSelvagem e que virou tese de doutorado com o Prof Alexandre Morais da RosaDe qualquer modo a polecircmica eacute o trabalho com Nietzsche na bricolagem como jaacutehavia me avisado o Prof Alexandre eu estaria duplamente assumindo o ocircnus com

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isso ele que disse que minha saiacuteda nietzscheana com a bricolagem eacutecompletamente viaacutevel apontou para a incompreensatildeo dos outros e de que iriaacabar no banco dos reacuteus como louco e de fato como afirmo na defesa e notrabalho escrito ter Nietzsche como reacuteu foi tambeacutem estar junto dele no mesmobanco ou o mesmo ldquobarcordquo O vaticiacutenio dele se cumpriu O que natildeo se entende eacutecomo que na bricolagem tudo pode servir quando Nietzsche eacute o filoacutesofo do gostoDiante disso eacute preciso que se diga que Nietzsche eacute tambeacutem o filoacutesofo doestocircmago quando ele recomenda que o seu leitor deve aprender a ruminar eacutepreciso que se tenha estocircmago para isso eacute ser um oniacutevoro comer de tudo masconseguir digerir tudo pode servir sim Desde que se tenha estocircmago para isso ena bricolagem natildeo eacute um ldquotudo pode servirrdquo alienado eacute feita uma seleccedilatildeo haacute umtrabalho de deslocamentos de significantes para dar um sentido a coisa e essesentido eacute dado por uma subjetividade que se implica haacute uma cola pessoal quemfaz a bricolagem deixa um pouco de si no experimento Quando defendia o meutrabalho levei dois cartazes duas bricolagens um deles foi feito a matildeo papelkraft tinta guache gravuras deixe inclusive a marca dos meus dedos afinal abricolagem eacute um trabalho amador apresentei esse no Evinci O segundoapresentado em Montevideacuteo com ajuda de custos da UFPR foi feito em maacutequinamas continuava bricolagem pelo jogo das imagens e o modo improvisado que foirealizado Enfim eacute esse trabalho em que haacute uma seleccedilatildeo e um processo deresignificaccedilatildeo das peccedilas agrave disposiccedilatildeo tendo o inteacuterprete ou o realizador dabricolagem como algueacutem que vai digerir e se implicar isso eacute bastantenietzscheano Haacute uma disciplina da leitura em Nietzsche certamente a ideacuteia doruminar faz parte dessa disciplina natildeo a ignoro e inclusive Nietzsche exige queos seus leitores possuam vivecircncias e experimentem em si mesmos algumasvivecircncias para compreendecirc-lo melhor ele fala isso no Ecce homo a respeito doseu Zaratustra que eacute um livro que na visatildeo de Nietzsche para que sejacompreendido eacute necessaacuterio que o seu leitor acumule algumas vivecircncias Portantoessa disciplina de leitura de Nietzsche mais do que o ruminar e a leitura atenta defiloacutelogo eacute requerido uma praacutexis um colocar-se em praacutetica e esse colocar-sesignifica uma vivecircncia pessoal uma experimentaccedilatildeo de si tambeacutem um colocar-seem prova e nisso justifica-se ainda mais o porquecirc do uacuteltimo capiacutetulo ser ldquoo comocoloquei o Nietzsche em praacuteticardquo Quero dizer jaacute estaacute impliacutecito na obra deNietzsche no seu pensamento que para ser compreendido eacute necessaacuterio umdiaacutelogo de subjetividade com eleQuando Nietzsche fala do seu criteacuterio de avaliaccedilatildeo e diz que tudo serve desde queajude a expandir a vontade de poder ele natildeo isenta nem mesmo a religiatildeo haacutequem possa ser religioso e natildeo ter uma postura depreciativa da potecircnciaMais um aspecto polecircmico foi a eacutetica ela estaacute presente no meu trabalho comouma questatildeo pessoal eu explico isso e natildeo eacute despropositado na filosofia deNietzsche natildeo eacute algo que estou forccedilando ou distorcendo basta olhar o subtiacutetulode Ecce homo ldquocomo algueacutem se torna aquilo que se eacuterdquo Ou seja exige-se umpercurso que natildeo eacute de modo algum tranquumlilo eacute uma travessia que natildeo estaacute isentada dor da experiecircncia do erro e do acerto vive-se o niilismo e a decadecircncia e eacutenecessaacuterio aceitar o preccedilo do perecimento haacute um custo traacutegico nisso Acreditoque fui claro nisso natildeo entendo o porquecirc da natildeo compreensatildeo jaacute que natildeo eacute depostura iluminista que se trata natildeo eacute ldquodar a si mesmordquo de modo clarividente

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porque aqueles que desejam que lhes seja dado o ldquoaleacutem-do-homemrdquo satildeo osuacuteltimos homens esses incapazes de serem eles mesmos de ousarem essepercurso traacutegico pedem que Zaratustra lhes decirc de presente essa eacute a posturailuminista que Nietzsche combate sua filosofia E se haacute uma forma de liberdadeela adveacutem desse processo intenso visceral a liberdade com sangue ardente queeacute o tempo todo conquistada e posta agrave prova esse eacute o sentido de liberdade queadoto e que eacute estreitamente ligado ao de eacutetica no sentido nietzscheano comoapresento Haacute uma singularidade que deve encarnar isso e aceitar o preccedilo deviver perigosamente aiacute a palavra individualidade natildeo eacute nem a melhor paracaracterizar esse processo

Prof Luiacutes Fernando Obrigado Acircngela Entatildeo eu passo a palavra para vocecircLeandro e aiacute vocecirc traz o seu trabalho acho que seu trabalho merece uma formadiversa entatildeo achei que comeccedilar pelas perguntas antes de vocecirc apresentarapesar de uma forma aparentemente linear embora com certeza natildeo fosse linearo seu trabalho mas fosse mais interessante Agora vocecirc pode ter o tempo deapresentar as questotildees que vocecirc acha centrais bem como responder

Leandro Quantos minutos

Prof Luiacutes Fernando Natildeo vou limitar acho que isso seria pouco coerente deixoque vocecirc exponha com bom senso

Leandro Peccedilo licenccedila para falar de peacute entatildeo posso

Prof Luiacutes Fernando Tudo bem

Leandro Bem quero agradecer antes a todos que vieram agradeccedilo a todosmesmo apesar dos pesares a Profordf Vania Mercer apesar de tudo estaacute aquitambeacutem agradeccedilo aos professores da banca ao Prof Luiacutes Fernando e ao ProfSerbena por terem confiado em mim confiado que eu chegaria ateacute aqui nesseempreendimento fizeram uma aposta comigo uma aposta nietzscheana perigosaporque nietzscheana muito obrigado Obrigado as professoras que vieramtambeacutem Bemo trabalho como antecipou a Profordf Acircngela eacute um trabalho que natildeosegue um tema eacute um trabalho que comeccedila pela pergunta eacute um trabalho que eacutetodo ele pergunta qual eacute a pergunta que leva o trabalho Eacute a pergunta por que lerNietzsche no Direito Eacute essa pergunta insistente foi essa pergunta que memotivou a fazer esse trabalho escrever o trabalho todo em menos de um mecircsnum estado de tensatildeo porque eu precisava entregar o trabalho e natildeo tinha poronde comeccedilar por que Nietzsche natildeo eacute um autor lido no direito a gente lecirc oMichel Foucault a gente lecirc o Giorgio Agamben a gente lecirc comentadores deNietzsche mais contemporacircneos como Deleuze Gadamer por exemplo nahermenecircutica mas ningueacutem lecirc Nietzsche Eu tenho aqui o trabalho do Prof Vieiraque infelizmente natildeo pode vir problemas de sauacutede ele trabalha Nietzsche numainterpretaccedilatildeo da morte de Deus em Nietzsche a Profordf Acircngela Fonseca numtrabalho num artigo no livro publicado Criacutetica da Modernidade tambeacutem fez um

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trabalho sobre Nietzcshe e o professor e juiz em Satildeo Paulo Eduardo Rezende deMelo faz um trabalho sobre Nietzsche e a Justiccedila quer dizer satildeo as referecircnciasas poucas que encontrei mais proacuteximas do direito Mas nenhuma referecircncia eraexatamente aquilo que eu queria ainda explorar Natildeo tinha entatildeo por ondecomeccedilar natildeo tinha um tema qual foi a soluccedilatildeo encontrada para trazer Nietzschepara o direito Foi trazer Nietzsche como um reacuteu de um processo como seNietzsche fosse um reacuteu de um processo que eacute construiacutedo pelas acusaccedilotildees aoNietzsche as inuacutemeras acusaccedilotildees ao Nietzsche acusaccedilatildeo de que ele eacute umniilista acusaccedilatildeo de que ele eacute um intelectual da burguesia que ele eacute umintelectual da direita acusaccedilatildeo de que ele eacute um nefelibata um idealistasatildeo asvaacuterias acusaccedilotildees ao Nietzsche principalmente a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacuteum louco O fato da Profordf Nadja estar aqui quando conversei com ela eu disseque a questatildeo do Nietzsche louco o trabalho natildeo comeccedila natildeo tem como trazerNietzsche para a academia e legitimar a utilizaccedilatildeo do Nietzsche se vocecirc natildeocomeccedilar rebatendo a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute louco e de que a obra deleestaria contaminada pela loucura Portanto partir das acusaccedilotildees ao Nietzschepara dizer quem foi Nietzsche quer dizer eacute o primeiro ponto do processo que naverdade natildeo eacute um processo eacute um inqueacuterito como diz o Foucault no livro aVerdade e as Formas Juriacutedicas o inqueacuterito eacute a forma de saber e poder portantoo inqueacuterito eacute quando o sujeito jaacute estaacute condenado de antematildeo Nietzsche portantonatildeo eacute usado na academia e nem lido na academia eacute tido como autor malditocolocado de lado a gente prefere ler os autores mais contemporacircneos a ler oproacuteprio Nietzsche mesmo que o Foucault vaacuterias vezes diga que Nietzsche eacute oreferencial dele ele fala isso na Microfiacutesica do Poder fala isso na Verdade e asFormas Juriacutedicas quer dizer mesmo que autores mais contemporacircneos insistamque Nietzsche eacute o seu referencial principalmente a partir da deacutecada de 60 quandoNietzsche eacute relido tirado das falsificaccedilotildees e as falsificaccedilotildees a Nietzsche foramcometidas pela proacutepria irmatilde do Nietzsche quer dizer a irmatilde do Nietzsche foiaquela parente que foi laacute e usou a imagem do irmatildeo falsificou os trabalhos deNietzsche gerou a apropriaccedilatildeo nazista do pensamento de Nietzsche Desfazeresses equiacutevocos foi o primeiro passo para dizer quem foi Nietzsche para depoistentar dizer por que ler Nietzsche no direito Mas que quis deixar bem claro otempo todo que eu natildeo quis fazer nenhum recorte a Profordf Acircngela estaacute certa eunatildeo quis fazer recorte porque se eu pegasse um recorte eu acho que aiacute sim euestaria sendo criminoso e sendo traidor do Nietzsche se eu recortasse opensamento de Nietzsche Eacute claro que Nietzsche tem grandes temas como oniilismo a transvaloraccedilatildeo dos valores a morte de Deus quer dizer Nietzsche temvaacuterios temas que ele aborda na sua filosofia soacute que a filosofia de Nietzsche natildeo eacutesistemaacutetica ela natildeo eacute um sistema Entatildeo daacute a impressatildeo de que eu estoutratando Nietzsche como uma totalidade mas natildeo eacute Eacute porque eu peguei o reacuteuNietzsche como um reacuteu como algueacutem que estaacute num processo e eu tentei aiacute natildeorecortar ele natildeo agir como um meacutedico legista a minha intenccedilatildeo natildeo foi agir comoum meacutedico legista a pegar o bisturi e a cortar um pedaccedilo do Nietzsche paradecodificar esse pedaccedilo do Nietzsche natildeo foi esse o meu objetivo O meuobjetivo foi ter Nietzsche como um reacuteu e eu cumprir um papel difiacutecil praticamenteimpossiacutevel de fazer que eacute tentar advogar o pensamento de Nietzsche natildeo soacute opensamento como o pensador tambeacutem natildeo soacute o pensamento como o pensador

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tambeacutemQuer dizer tentar fazer a advocacia de Nietzsche mesmo sem terdiploma nem sequer me formei nem sequer sou bacharel ainda preciso que otrabalho seja aprovado Entatildeo eu tentei fazer um trabalho que eacute um trabalhoamador e eacute um trabalho ateacute diletante por que eu qual a necessidadecomoachar argumentos neacute como achar argumentos para defender Nietzsche Jaacute queNietzsche natildeo eacute sistemaacutetico jaacute que eu tenho um reacuteu aqui na minha frente eutenho um reacuteu aqui na minha frente que eacute viacutetima de acusaccedilotildees e de falsificaccedilotildeesde sua obra e de seu pensamento como defender esse autor Eu tive que aiacute fazerum trabalho que eacute um trabalho bastante complicado na graduaccedilatildeo o meu objetivonatildeo foi fazer uma tese de doutorado por exemplo eu natildeo estou aqui para chegara uma conclusatildeo com esse trabalho Entatildeo eu busquei ferramentas seja nafilosofia mesmo seja na literatura seja na psicologia para poder me arranjar nosmeios limitesQuando a Profordf Acircngela falou da bricolagem por exemplo eu peccedilolicenccedila para levantar esse trabalho que estaacute aqui esse de baixo esse trabalhoaqui eacute uma espeacutecie de bricolagem em que vocecirc utiliza por exemplo as imagensas figuras vocecirc combina elas para dar um sentido a elas quer dizer essa eacute umabricolagem um trabalho que apresentei no Evinci orientado pelo Prof Serbenaque eacute Nietzsche Direito e Literatura quer dizer e esse eacute um trabalho queapresentei semana passada em Montevideacuteo no Uruguay que eacute um trabalho queenvolve cinema arte e direito eacute um trabalho que tem Glauber Rocha natildeo eacute sobreNietzsche especificamente mas esse trabalho todos eles me ajudaram a chegarateacute aqui quer dizer eacute um trabalho que eacute constituiacutedo por vivecircncias A Profordf Acircngeladisse que eu assumo assumi um tom nietzscheano mas eacute que na verdade qual aforma encontrada para defender Nietzsche para tornar defensaacutevel Nietzsche foiassumir uma honestidade profunda com Nietzsche aquilo que o Oswaldo Giacoacuteiacoloca como a virtude da probidade a virtude da probidade eu tive que confessaro meu desconhecimento do Nietzsche mesmo eu natildeo leio Nietzsche em alematildeonatildeo leio em francecircs e nem em inglecircs natildeo pude consultar as obras maisrecomendadas sobre Nietzsche como a Nietzsche-Studiem que eacute umapublicaccedilatildeo internacional do Nietzsche Quer dizer eu tive que me amparar noslivros traduzidos e no fato de eu ser estudante de direito sou estudante de direitotenho minhas limitaccedilotildees natildeo frequento o curso de filosofia ou seja tive que meorientar sozinho nesse trabalho Nisso eu tenho que agradecer de novo o LuiacutesFernando e o Serbena porque eles confiaram as cegas em mim porque eu natildeotinha projeto eu natildeo tinha roteiro eu natildeo sabia por onde comeccedilar e estava a ummecircs de entregar o trabalho e natildeo tinha escrito uma paacutegina sequer Portanto foium trabalho mesmo de diaacutelogo de subjetividade eu tive que dialogar a minhasubjetividade com o pensamento de Nietzsche para poder ser honesto com oNietzsche para poder aiacute sim defender o Nietzsche Entatildeo o trabalho comeccedila pelapergunta Por que ler Nietzsche no Direito E como a professora coloca a leiturado Deleuze foi muito importante Eacute na verdade eu natildeo quis vincular o Nietzschea nenhuma corrente de pensamento por isso eu trago vaacuterias leituras deNietzsche eu natildeo quis que Nietzsche fosse visto como poacutes-moderno Vattimo porexemplo Gianni Vattimo vecirc Nietzsche como precurssor do poacutes-modernismo natildeoquis colocar Nietzsche como poacutes-estruturalista como o Foucault admite ser comoo Deleuze tambeacutem entende que eacute eu natildeo quis colocar Nietzsche como metafiacutesicocomo Heidegger coloca quer dizer eu quis trazer um pouco dessa polissemia do

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Nietzsche Eu quis explicar dentro do direito quem foi Nietzsche Entatildeo para tentardefender Nietzsche das acusaccedilotildees claacutessicas a ele eu quis trazer todas asvertentes possiacuteveis literaacuterias filosoacuteficas e ateacute miacutesticas do Nietzsche Eu citei oGibran Khalil Gibran citei o Nikos Kazantzaacutekis que fazem leituras miacutesticas doNietzsche tambeacutem trouxe esses autores para que eles natildeo ficassem escondidosneacute Ou ignorados da leitura eu quis trazer todos elesE Deleuze a professorafalou que eacute uma leitura cocircmica Deleuze e a Sarah Kofman naquele coloacutequiocoloacutequio de Royaumont dizem que quem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito eacuteporque natildeo leu direito Nietzsche natildeo conseguiu entender Nietzsche porqueNietzsche tem essa questatildeo da bufonaria ele diz que prefere ser um bufatildeo a serum santo Mas o fato eacute que Nietzsche um dos fatos de Nietzsche natildeo ser trazidopara o direito ou natildeo ser trazido para a academia eacute o fato dele ser um autor quedespreza a academia a gente tem que lembrar que Nietzsche abandonou acaacutetedra na Basileacuteia para fazer filosofia ele largou a universidade por questotildees desauacutede mas ele dizia que aqueles que estavam na faculdade eram filisteus queapenas reproduziam reproduziam o que os outros diziam e ele precisava ouvir avoz dele entatildeo ele sai da faculdade e vai fazer filosofia neacute Entatildeo eacute preciso trazernatildeo soacute o aspecto cocircmico do Nietzsche mas tambeacutem o aspecto poliacutetico doNietzsche E aqui nesse cartaz debaixo aqui tem uma foto do maio de 68 essafoto aqui tem Deleuze tem Foucault tem Sartre no paacutetio da Sorbone essamovimentaccedilatildeo da deacutecada de 60 natildeo eacute uma movimentaccedilatildeo que toma comoreferencial o marxismo estrito senso apesar do Sartre ter se vinculado aomaoiacutesmo o Foucault natildeo era vinculado a um partido marxista Foucault liaNietzsche e percebia um aspecto poliacutetico do Nietzsche inclusive o Foucault vaidizer na Microfiacutesica do Poder que o grande meacuterito do Nietzsche foi trazer asrelaccedilotildees de poder como elemento central da discussatildeo as relaccedilotildees de poderDeleuze a mesma coisa Deleuze participa daquela entrevista com Foucault quese chama os intelectuais e o poder Portanto o objetivo do trabalho foi trazer natildeosoacute o aspecto cocircmico e irocircnico a questatildeo da criacutetica a linguagem neacute PorqueNietzsche pega a linguagem e usa a linguagem contra aqueles que utilizam dalinguagem por exemplo ele pega o texto metafiacutesico e torna o texto metafiacutesicouma arma contra aqueles que utilizam por exemplo eacute o Zaratustra o Zaratustra eacuteuma paroacutedia de trechos da biacuteblia Ele utiliza o texto contra aqueles que colocam otexto quer dizer ele pega os coacutedigos e inverte a forccedila dos coacutedigos ele transformaaquilo que eacute colocado contra ele numa arma contra aqueles que colocamporisso que o exerciacutecio de defesa do Nietzsche o tempo todo no meu trabalho foi detentar inverter as acusaccedilotildees Quando chamavam Nietzsche de niilista eu tentavamostrar o que o que estaria por traacutes daqueles que acusam Nietzsche de niilista Oque estaacute por traacutes seraacute daqueles que acusam Nietzsche de nazista por exemploou de filoacutesofo da direita Por isso eu critico o proacuteprio Marx Eu critico tambeacutemoutro autor que eacute estudado aqui no direito que eacute o Enrique DusselEnriqueDussel eacute um teoacutelogo ou ex-teoacutelogo que trabalha uma eacutetica mas eacute uma eacutetica quetem um aspecto religioso por traacutes Eacute evidente queeu faccedilo uma meaculpa euexplico que Dussel se inseriu naquele processo contra a ditadura contra arepressatildeo ele militou foi um dos integrantes da igreja que militou contra umaspecto da ditadura um aspecto importante quer dizer entatildeo cumpriu um papelimportante eu fiz essa meaculpa por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes

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FernandoEacutemaso que eu quis colocar eu quis colocar que Nietzsche daacuteespaccedilo para uma outra eacutetica possiacutevel que natildeo eacute uma eacutetica de fundo religioso eacuteum outro tipo de eacutetica eacutetica daqueles que se colocam que se arriscam queaceitam o preccedilo de viver perigosamente E uma das referecircncias para essa eacuteticapossiacutevel que eu desenvolvi como uma questatildeo pessoal mesmo precisava explicaruma utilidade poliacutetica e eacutetica para Nietzsche precisava dar uma utilidade eacutetica epoliacutetica para Nietzsche ateacute para trazer Nietzsche para o direito tambeacutem para queele natildeo fosse o pensador da esteacutetica somente para que ele natildeo fosse visto comoum pensador da literatura somente Entatildeo quem que eu trouxe para esse diaacutelogosobre eacutetica e poliacutetica Eu trouxe os franceses Foucault Deleuze eu trouxe oAntocircnio Cacircndido por exemplo que fala numa possiacutevel eacutetica nietzscheana no livrono posfaacutecio famoso que ele escreve depois da Segunda Guerra Mundial depoisdos genociacutedios Antocircnio Cacircndido surpreendentemente relecirc Nietzsche e vai dizerque eacute preciso recuperar Nietzsche Um outro autor importante eacute um autor do Riode Janeiro que eacute comentador do Deleuze que eacute Carlos Henrique Escobar eacuteCarlos Henrique Escobar foi algueacutem que foi militante chegou a ser torturado naditadura ficou surdo de um dos lados e ele estuda Marx mas tambeacutem estudavaNietzsche e ele escreve sobre uma poliacutetica nietzscheana uma poliacutetica traacutegicanietzscheana ele tem dois livros importantes que eacute Nietzschedos companheirose o Zaratustra e o corpo traacutegico de Zaratustra Portanto foi tentada dar umautilidade para esse Nietzsche a insistecircncia na eacutetica eacute uma eacutetica daqueles que searriscam mesmo e eu acho que Deleuze Deleuze fornece uma chave de leiturapara isso eu ateacute citei o Deleuze na parte final do trabalho quando eu tento trazerfalar da minha experiecircncia pessoal na faculdade falo da minha experiecircncia antesda faculdade Eu relato detalhes da minha vida questotildees pessoais bastanteiacutentimas por exemplo o fato de eu ser ter sido trabalhador braccedilalassim eu faloisso com orgulho quer dizer eu tive que experimentar as agruras tive que viverisso intensamente a flor da pele para poder a partir de laacute de todo esse histoacutericodesenvolver o trabalho neacute O fato de eu estar de vermelho hoje tambeacutem eacutesimboacutelico pelo fato de que Nietzsche recomenda que eacute preciso escrever comsangue porque somente aquilo que vocecirc escreve com sangue eacute tem valor elecoloca isso no Zaratustra portanto eu tive que colocar um pouco da minha vidapessoal como mateacuteria-prima do trabalho O trabalho natildeo seria possiacutevel em menosde um mecircs se eu natildeo tivesse que colocar um pouco de mim no trabalho Entatildeo naverdade colocar Nietzsche como um reacuteu de um processo significa natildeo ficar naposiccedilatildeo assistindo o sofrimento do Nietzscheeu coloquei aqui a foto doNietzsche nos seus uacuteltimos dias Nietzsche nos seus uacuteltimos dias eacute uma fotoassustadora e talele jaacute estaacute ficou onze anos como algueacutem morto de olhosabertosNatildeo eacute colocar Nietzsche laacute e ficar assistindo gloriosamente neacute o fimtraacutegico dele eacute tambeacutem se colocar no processo eacute tambeacutem se colocar na frente doreacuteu para receber as pancadas receber as chicotadas Eacute famoso o episoacutedio emque Nietzsche ele abraccedila um cavalo que estaacute sendo chicoteado pelo seu donomuitos vatildeo dizer ah Nietzsche era um louco ele abraccedilou o cavalo foi a uacuteltimacena de Nietzsche depois ele eacute encontrado e levado para um sanatoacuterio Querdizer eacute preciso entender aquela cena como algueacutem que vai laacute e se coloca nafrente de um companheiro porque o cavalo a gente deve compreender dentro dafilosofia do Nietzsche que o cavalo eacute um animal carregador e o animal carregador

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eacute um nobre Nietzsche sempre usa a ideacuteia da aristocracia do nobre do escravonatildeo no sentido soacutecio-econocircmico no sentido marxista mas no sentido da vontadede poder portanto o cavalo eacute como se fosse o camelo ele eacute um animalcarregador ele eacute um nobre portanto Nietzsche se coloca na frente do nobre docompanheiro dele para evitar que o cavalo seja chicoteado pelo dono Portanto omeu trabalho aqui eacute tambeacutem se colocar na frente do Nietzsche eacute evitar queNietzsche seja de novo neacute mandado para o ostracismo acadecircmico Eacute o trabalhode trazer Nietzsche para o direito e trazer Nietzsche como um problema tambeacutemapontar alguns problemas no direito no campo juriacutedico quer dizer natildeo bastavatrazer Nietzsche como um reacuteu do processo mas era preciso trazer a utilidade deNietzsche para o direito Portanto quando eu falo quando eu falo de um direitorepressor por exemplo ou falo dos coacutedigos na verdade eu estou tentandomostrar uma forma de subverter os coacutedigos mesmo O Deleuze coloca isso nopensamento nocircmade que o nocircmade por exemplo eacute aquele quenatildeo soacute aqueleque consegue sair para fora mas aquele que consegue fazer a viagem e senomadizar sem sair do lugar portanto eu explico no uacuteltimo ponto do trabalhocomo eu consegui colocar o Nietzsche em praacutetica como eu consegui fazer umcerto nomadismo acadecircmico sem sair do lugar Aqui estaacute a Anna aqui estaacutealgumas pessoas que fazem parte do texto as pessoas que estatildeo aqui algumasfazem parte do texto foi curioso porque em determinado momento eu fiz umnomadismo que natildeo foi somente ir para a reitoria sair daqui da santos andrade foitambeacutem ir para o soacutetatildeo e para o poratildeo do preacutedio da santos andrade aqui do ladotem um teatro poucas pessoas sabem que tem um teatro quer dizer eu passei afrequentar esses espaccedilos e foi a partir dessas vivecircncias desses trabalhos comoesses cartazes que estatildeo aqui foi a partir dessas experimentaccedilotildees dessasvivecircncias muacuteltiplas que eu fui elaborando esse Nietzschequer dizer e faltandoum mecircs para entregar o trabalho que eu precisei condensar toda essa energia foium trabalho psicoloacutegico a Profordf Nadja sabe do que eu estou falando a ProfordfVania tambeacutem vocecirc tem o desejo vocecirc tem o desejo soacute que vocecirc precisatrabalhar o desejo para que o desejo seja transmutado em mateacuteria transmutadoem trabalho quer dizer eu tinha apenas o desejo e a paixatildeo visceral de trabalharo Nietzsche mas eu natildeo tinha ainda ferramentas para transmutar o Nietzsche emtrabalho foi no final no desespero que eu consegui fazer isso foi um trabalhopsicoloacutegicoMas eu acho que paro por aqui depois eu respondo mais daiacute taacutebom obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Na verdade muita coisa ficou de fora aqui mas eu achoque soacute para finalizar aqui uma coisinha que eu deixei de falar vocecirc mesmoLeandro ao fazer isso vocecirc retomou umas coisas muito discutidas no direito hojeinclusive vocecirc falou um pouco do Agamben Eu acho que o Nietzsche eacuteprecurssor das ideacuteias do Agamben muito antes de a gente discutir Agamben porexemplo a gente perceber que a invenccedilatildeo do tipo homem anda de matildeos dadascom as proacuteprias praacuteticas juriacutedicas eacute querer dizer o que eacute querer dizer queenquanto o homem deixa a sua vida naquele estado apenas animal e comeccedila aqualificar a si mesmo que noacutes podemos falar de direito Natildeo eacute a relaccedilatildeo de vida epoliacutetica que Agamben fala Natildeo eacute justamente isso ou seja a vida qualificada vaiser a vida poliacutetica e aiacute que entra o direito a exceccedilatildeo da vida nua da vida

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enquanto zoeacute simplesmente Nietzsche jaacute tinha jaacute estava falando isso ou seja ohomem enquanto homem que eacute o homem em que implica o direito ele soacute eacutepossiacutevel quando a vida no seu sentido originaacuterio ou natildeo esse originaacuterio natildeo eacute umalinguagem muito nietzscheana sentido originaacuterio mas enfim a sua vida a vida nosentido mais animal ainda natildeo qualificada ainda natildeo inventada eacute deixada paratraacutes ela tem que ser arrancadaMas soacute para finalizar eu acho que tem umaqualidade o seu trabalho que a gente estaacute tatildeo preocupado em esmiuccedilar otrabalho que a gente natildeo fala neacute Eu acho que uma qualidade em seu trabalhoque eacute o interesse real o interesse autecircntico isso eacute uma coisa muito difiacutecil de agente encontrar hoje em dia vocecirc fala bastante do altar da razatildeo acadecircmica e talde uma maneira bastante irocircnica e realmente eacute uma criacutetica que vale em diversosmomentos sobretudo na produccedilatildeo do conhecimento acadecircmico em diversasocasiotildees a gente vecirc o fazer pelo fazer aqui a gente vecirc realmente ointeresseMas eu acho que para vocecirc defender o Nietzsche por exemplo ahdefendi o Nietzsche queria defender o Nietzsche mas eu acho que em algunsmomentos defender o Nietzsche por exemplo dizem que ele eacute um niilista queriadizer que ele natildeo eacute um niilista bom eu como leitora quero saber bom o que que eacuteo niilismo qual eacute a visatildeo de niilismo em Nietzsche e porque que essa visatildeo deniilismo natildeo eacute vaacutelidaPor isso que eu acho o primeiro momento dessa defesaexcelente neacute Amor e tudo o mais mas no segundo momento vamos abrir neacute eexplicar significa tal tal e tal eacute trabalhado dessa e dessa maneira eu acho queessa eacute uma coisa que soacute vai acrescentar para o teu trabalho soacute vai fazer que essadefesa apaixonada tenha digamos assim muitas muitos sustentaacuteculos

O que se calou Talvez o que eacute mais antigo no direito seja o exerciacutecio de retoacuterica eargumentaccedilatildeo antes mesmo dos coacutedigos e do legislado o que fiz em meutrabalho foi retomar essa potecircncia constituinte do direito se eacute que se pode chamarassim e fui ao extremo da retoacuterica e da argumentaccedilatildeo para subverter a loacutegica dodireito no ambiente do processo como se isso fosse o retorno do ldquorecalcadordquo jaacuteque dentro da faculdade de direito natildeo se estuda retoacuterica e argumentaccedilatildeo o quepoderia ir ateacute mesmo aleacutem jaacute que temos um curso de artes cecircnicas no mesmopreacutedio em que estudamos e um teatro tambeacutem Poreacutem ambos satildeo espaccedilosmarginais e natildeo frequumlentados pela gente do direito O que fiz portanto foi tentartrazer um pouco disso para a minha defesa puacuteblica usando esse potencial que eacutemarginal na defesa do trabalho marginal e colocando todo esse arsenal paradesbaratar a loacutegica conservadora do direito estrito senso Eu defendi o meutrabalho de peacute como se estivesse num juacuteri o tom de voz era as vezes exaltadoporque eu natildeo falava apenas para os membros da banca mas para todos os queali vieram tentava gesticular tambeacutem e ser convincente e veemente em minhascolocaccedilotildees afinal ali eu cumpria o papel de advogado E exatamente isso quenatildeo foi bem compreendido o que acontecia naquele instante era um teatro aminha monografia eacute um teatro afinal natildeo existe o Nietzsche reacuteu essa eacute apenasuma estrateacutegia argumentativa E escolher o processo natildeo eacute por acaso jaacute que esseeacute o campo por excelecircncia de um direito do paradigma da modernidadeconservador tradicional e elitista por isso eu escolhi fazer o mais difiacutecil que eraenfrentar esse direito no seu campo ousar lutar e vencer no territoacuterio do inimigoNatildeo haacute nenhuma contradiccedilatildeo nisso eacute uma estrateacutegia argumentativa em que

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aqueles que acusam o Nietzsche satildeo os que natildeo o lecircem que o desprezam ou quetem uma leitura contaminada por um senso comum E quando afirmo tambeacutem queNietzsche natildeo eacute lido no direito me refiro natildeo a faculdade de direito da UFPRsomente mas ao contexto nacional do campo juriacutedico afinal embora se leia por aiacuteNietzsche natildeo haacute produccedilotildees cientiacuteficas sobre Nietzsche dentro do campo juriacutedicotrazendo o seu pensamento no direito Por que caso houvesse certamente eu asteria encontrado e teria usado em meu trabalho como andaimes que facilitariamminha caminhada a verdade eacute que natildeo existe mesmo E outra coisa natildeo vejo oporquecirc da ausecircncia de uma caracterizaccedilatildeo detalhada dos conceitos possaatrapalhar porque na loacutegica do processo e da advocacia procurei afirmar eapontar o aspecto que me interessava Nisso fui bastante honesto ateacute mesmo como serviccedilo que busquei prestar toda a significaccedilatildeo que natildeo me ajudaria na defesaficou de lado Talvez se eu buscasse detalhar soacute iria tomar mais tempo e medistanciar do objeto do processo a defesa do reacuteu e por isso prejudicaria a defesaou arruinaria o empreendimento da forma como me propus fazer

Leandro Eu queroeu quero falarBem eu quero agradecer a Profordf Acircngelaprincipalmente por colocar o aspecto da criacutetica do sujeito neacute em Nietzschequando a gente tomou um cafeacute para conversar sobre Nietzsche agradeccedilo aprofessora pela gentileza insisti muito para que a gente pudesse conversaragradeccedilo pela paciecircncia e pela generosidadeApontou o caminho da criacutetica dosujeito soacute queeu ainda queria falar do sujeito mas natildeo podia fugir do aspectoda poliacutetica dessa eacutetica era uma questatildeo pessoal para mim Entatildeo eu precisavaarranjar um meio de explorar ao maacuteximo possiacutevel as possibilidades de NietzscheE eu tambeacutem sou grato a um outro professor que natildeo estaacute aqui presente que eacute oProf Guilherme Borges O Prof Guilherme Borges eacute algueacutem que se formou aquina faculdade trabalhando Foucault fez uma monografia que eacute quase um tijolosobre Foucault desse tamanhoMas natildeo soacute por isso eacute pela dimensatildeo criacutetica dotrabalho dele Eu encontrei ele na biblioteca puacuteblica uma vez e ele me motivou afazer o trabalho sobre Nietzsche disse que eu precisava fazer uma explosatildeodesse Nietzsche na graduaccedilatildeo ainda Entatildeo ele me motivou a fazer esse trabalhome deu coragem quando eu pensava que era impossiacutevel trabalhar esse dessaforma Entatildeo o objetivo foi justamente explorar ao maacuteximo Nietzsche abrir mesmoo leque de possibilidades para que caso eu queria continuar na carreiraacadecircmica tentar um mestrado eu possa ter vaacuterias saiacutedas vaacuterias alternativasvaacuterios meios possiacuteveis de enxergar o Nietzsche Acho que nisso eu tentei serhonesto tentei ser perspectivista ao maacuteximo Tentei seguir a recomendaccedilatildeo doFoucault tambeacutem quando Foucault escreve esse trabalho aqui que eacute um trabalhointeressante que ele relaciona Freud Nietzsche e Marx que eacute o teatro filosoficumque ele apresentou no coloacutequio de Royaumont na Franccedila na deacutecada de 60 emque ele aponta que Freud Marx e Nietzsche tem uma relaccedilatildeo no sentido de terde fornecer elementos para uma hermenecircutica do fragmento quer dizer tantoMarx como Freud como Nietzsche forneceriam ferramentas para entender ossignos do ocidente Foucault trabalha de maneira bastante inteligente nesseaspecto e coloca que Nietzsche principalmente Nietzsche forneceria elementospara vocecirc ter uma interpretaccedilatildeo em que o inteacuterprete se coloca no texto se implicano texto haacute uma implicaccedilatildeo eacutetica do inteacuterprete no texto Por isso o meu trabalho eacute

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um constante perguntar e reperguntar De fato falta mesmo falta a Profordf Acircngelaestaacute certa falta ter uma explicaccedilatildeo mais criteriosa talvez dos conceitos Mas euexplico isso no proacutelogo do trabalho no proacutelogo do trabalho eu explico que oobjetivo natildeo eacute ficar nos temas nietzscheanos como niilismo ficar na vontade depoder ficar no eterno retorno ficar na transvaloraccedilatildeo dos valores eacute falar de todosos temas dar uma amarraccedilatildeo a esses temas tendo Nietzsche como um reacuteu doprocesso Quer dizer apenas o Nietzsche enquanto pessoa apenas o Nietzschefaz convergir as interpretaccedilotildees mais variadas sobre Nietzsche quer dizer ainterpretaccedilatildeo do Foucault do Heidegger do Deleuze da literatura doKazantzaacutekis do Thomas Mann de outros vaacuterios que interpretaram Nietzsche paraum sentido todas natildeo podem fugir do fato de que existe o autor quer dizer elasconvergem para o autor Entatildeo a uacutenica amarraccedilatildeo possiacutevel de todo esse temaque estaacute disperso e nisso eu segui a recomendaccedilatildeo do Deleuze tambeacutemDeleuze disse que para ler Nietzsche eacute preciso se colocar a deriva eacute preciso secolocar a deriva e deixar se deixar levar pela leitura deixar ela fluir Entatildeo eu natildeoli o Nietzsche metodologicamente o proacuteprio Carlos Henrique Escobar no mesmotrabalho porque ele organiza uma coleccedilatildeo chamada Por que Nietzsche Que satildeotextos do coloacutequio de Royaumont na Franccedila em que fala Deleuze fala o Colli e oMontinari que satildeo os dois italianos que retraduzem o Nietzsche que recompilamNietzsche quer dizer eu trouxe o Carlos Henrique por exemplo para justificar aleitura natildeo metodoloacutegica do Nietzsche por exemplo entatildeo de fato faltou mas oobjetivo natildeo foi esse mas explorar ao maacuteximo as possibilidades do Nietzsche esoacute sobre a questatildeo poliacutetica mesmo eu gostaria de citar o trabalho do Deleuze laacutequando o Deleuze coloca que quem satildeo os nietzscheanos Quem satildeo osnietzscheanos Seraacute que eacute aquele que faz um trabalho sobre Nietzsche ele dizque talvez mas ele concorda que talvez nietzscheanos os nietzscheanos sejamaqueles que ao mesmo no curso da experiecircncia produzem enunciadosnietzscheanos Acho que meu objetivo nesse sentido quando eu coloquei a minhavida em diaacutelogo com o Nietzsche coloquei a minha subjetividade em diaacutelogo como Nietzsche para tentar ser mais honesto com o Nietzsche eu acho que tenteinesse sentido voluntaacuteria ou involuntariamente eu acabei produzindo algunsenunciados nietzscheanos por exemplo a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia dabricolagem eacute dada pelo Levi-Strauss que eacute um estruturalista O Foucault oDerrida e o Deleuze natildeo concordariam em ter o Levi-Strauss na mesma bancaque eles ou no mesmo trabalho que eles porque eles epistemologicamentedivergiam Mas o sentido que eu quis dar a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia do rizomaque eacute o tema que o Deleuze explora no Mil Platos foi justamente fazer umaapropriaccedilatildeo disso neacute nietzscheanamente mesmo Nietzsche tambeacutem faziaapropriaccedilotildees do texto biacuteblico por exemplo e direcionava contra os utilizadores Eacutetentar pegar a bricolagem como meacutetodo e tentar ser ao maacuteximo honesto e pluralcom o Nietzsche jaacute que Nietzsche reuacutene uma seacuterie de interpretaccedilotildees oNietzsche segundo o Deleuze eacute uma multiplicidadeEssa ideacuteia do doagenciamento por exemplo o Deleuze diz que para natildeo haver problemas deinterpretaccedilatildeo com Nietzsche eacute preciso que vocecirc opere uma vontade de poderuma vontade de poder que vaacute se apropriar ou agenciar o tema agenciar aqueleelemento e trazecirc-lo para si quer dizer eacute esse o criteacuterio que Deleuze adota parainterpretar Nietzsche O Foucault vai dizer na Microfiacutesica do Poder que fazer

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Nietzsche ranger ranger eacute a forma que ele conhece de se manter honesto comNietzsche e se as pessoas vatildeo dizer se ele estaacute sendo nietzscheano ou natildeopouco importa o que importa eacute usar o Nietzsche como caixa de ferramentas esseeacute o Foucault falando Entatildeo o meu processo de desenvolvimento do trabalho foiesse eacute foi ao mesmo tempo o de trazer Nietzsche e desenvolvernietzscheanamente o trabalho para ser honesto com o proacuteprio NietzscheAchoque eacute isso

Prof Luiacutes Fernando Eu agradeccedilo e passo a palavra a Profordf Nadja e agradeccedilonovamente a colaboraccedilatildeo na leitura

Profordf Nadja Bem comeccedilar pelo agradecimento tambeacutem eu que agradeccedilo oconvite e a princiacutepio quando o Leandro me convidou a minha pergunta foi maispor que Por que ele sabe que eu natildeo sou uma leitora de Nietzsche e eu fiqueiassim muito intrigada com o convite que vocecirc me fez e preocupada em estar aquihoje porque sinceramente eu nunca li Nietzsche na minha vida mas lendo o seutrabalho eu tive a plena certeza do porquecirc do convite era isso mesmo que vocecircqueria algueacutem que nunca tenha lido Nietzsche ateacute para perceber a grandeza daobra o que vocecirc queria dizer o poder ler a partir de outro lugar ou a partir de umlugar que no mue entendimento eacute o lugar afetivo Leandro eu conheci ele eutenho um grupo de estudos de Foucault do outro lado do preacutedio do lado dapsicologia e um dia noacutes estaacutevamos reunidos jaacute haacute a algum tempo e ele apareceuna porta era um aluno que eu natildeo conhecia sabia que natildeo era um dos nossosalunos da psicologia e ele perguntou eacute aqui o grupo de Foucault Eu falei poisnatildeo e ele estaacute aberto para alunos que natildeo satildeo de psicologia E eu falei seja bemvindo neacute Entatildeo o Leandro era sempre olha tem ateacute algueacutem do direito que loacutegicolaacute a gente fala que o outro lado do preacutedio eacute sempre mais importante que eacute o ladodo direito mas noacutes contaacutevamos com uma personalidade do outro lado do preacutedioconosco e ele sempre foi assim um leitor muito interessante com a gente porqueele trazia uma outra perspectiva porque laacute a gente estaacute inserido na perspectiva dapsicologia e o Leandro trazia sempre algum outro olhar alguma outra forma deentender vocecirc sempre foi muito bem vindo laacute e eu entendi o seu convite para queeu estivesse aqui hoje a partir daiacute A partir desse lugar da marginalidade o fato deter algueacutem de fora aqui e a partir da afetividade porque eu acho que o seutrabalho eacute permeado do comeccedilo ao fim pela paixatildeoque vocecirc falou E foi assimque sinceramente foi a monografia mais estranha que eu li na minha vida (risos)ela natildeo se assemelha a nenhuma monografia tese de doutorado dissertaccedilatildeo demestrado e olha que eu jaacute li muitas na minha vida e foi a uacutenica Ela natildeo eacute nadaacadecircmica Ela eacute um texto completamente outro e o que me deu assim pavor deestar aqui hoje por que eu falei o que eu vou falar para aquelas pessoas meudeus do ceacuteu por isso porque eacute completamente inusitado e eu fiquei pensandoquem seraacute o orientador desse menino que teve essa coragem de assinar embaixoe fiquei muito intrigada em conhecer vocecircs dois embora eu conheccedila o irmatildeo doSerbena e tudo a ver com o teu irmatildeo acho que ele tambeacutem assinaria algumacoisa marginal diferente inusitada enfim gostei de conhecer vocecircs dois porqueachei bem bacana assim a possibilidade de algo novo de algo diferente de algoque possa ser acolhido com respeito porque eu concordo plenamente com a

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Acircngela quando ela disse assim vocecirc estaacute aqui na monografia natildeo eacute outra coisa anatildeo ser vocecirc do comeccedilo ao fim O interesse que vocecirc tem pelo texto o interesseque vocecirc tem pelo autor genuinidade com que vocecirc se entrega ao seu trabalhorealmente traz a qualidade dele e eacute uma qualidade que eu diria assim outra quenatildeo pode ser lida pelos olhos da academia que se for lida traraacute inuacutemerosproblemas de metodologia de natildeo recorte isso que a Acircngela falou tambeacutem osconceitos natildeo satildeo explicitados entatildeo vocecirc fica na duacutevida se Nietzsche natildeo eacutelouco mas que conceito de loucura vocecirc estaacute utilizando eu fiquei tentandocompreenderMas uma dica minha Leandro natildeo tente dizer que ele natildeo eacute loucoeu acho que ele eacute completamente louco (risos) e eacute esse completamente loucoque traz a potecircncia do pensamento dele porque se ele fosse normal como noacutesnatildeo estariacuteamos falando dele a gente natildeo estaria lendo ele ele natildeo teria trazido acontribuiccedilatildeo que trouxe ele seria noacutes assim totalmente normal Entatildeo assuma aloucura dele eu acho que esse eacute o grande ponto dele soacute uma pessoacompletamente louca poderia ter escrito uma obra tatildeo maravilhosa quanto a deleEntatildeo procura pensar a loucura por um outro lugar natildeo do lugar assimromantizado porque aqui eu acho que vocecirc esbarrou um pouco na romantizaccedilatildeoda loucura e a loucura tem um potencial de sofrimento muito grande mesmo ecomo eu sou da psicologia isso me toca muito particularmente porque eu achoque satildeo pessoas que permitem que a gente possa se ver como normal mas elescarregam a carga da dor para noacutes nos alivia disso entatildeo eu acho que se vocecirctomasse a via da potecircncia do pensamento natildeo normal natildeo cotidiano vocecirc trariauma outra perspectiva de ler o trabalho do Nietzsche por aiacute e demonstrar quejustamente por que ele eacute louco que ele eacute tatildeo bom e tatildeo extraordinaacuterio mas enfimessa eacute uma outra coisa que eu ia falar depoisE assim ler a monografia doLeandro foi isso foi o susto foi o espanto foi a natildeo compreensatildeo inicial um textoque eacute afastado de mim em termos filosoacuteficos jaacute que falei natildeo eacute um autor que eutrabalho afastado de mim por ser do direito tambeacutem eu desconheccedilo e as vezesquando vocecirc fala assim isso eacute um inqueacuterito ou eacute um processopara mim natildeo seique diferenccedila eacute essa que vocecirc estaacute colocando (risos) para mim isso natildeo faznenhum sentido a loacutegica do direito natildeo eacute a loacutegica que eu utilizo neacute Natildeo eacute aloacutegica argumentativa que eu utilizo entatildeo ler o seu trabalho foi extremamentedifiacutecil eu diferente da Acircngela eu natildeo ri (risos) eu natildeo me diverti tanto eu meangustiei do comeccedilo ao fim (risos) porque eu falei gente eu natildeo consigoacompanhar eu voltava para entender um pouco melhor o que vocecirc estavadizendo ateacute que laacute pelas tantas eu tive acho eu assim um insight de que aotomar Nietzsche como um reacuteu e aiacute eu comecei a fazer todas as minhas fantasiaspossiacuteveis com um advogado que estaacute defendendo algueacutem com toda a sua paixatildeoe que natildeo estaacute portanto preocupado com a verdade mas estava preocupado emfazer aqueles que o leiam acreditar naquilo Pelo menos eacute assim a minha fantasiacom os advogados e se um dia eu precisar de um eu vou te chamar porque euacho que vocecirc vendo o teu peixe maravilhosamente bem (risos) e com paixatildeoporque eu acabei acreditando em tudo o que vocecirc me disse (risos) no que estaacuteescrito aqui E pensando assim natildeo vou procurar essa verdade acadecircmica qual oconceito de loucura que vocecirc estaacute utilizando qual o conceito de sanidade epatologia para entatildeo tentar ler seu trabalho de uma forma menosacadecircmica abrimatildeo menosrigorosa acabei abrindo matildeo e tentar entender entatildeo qual a sua

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loacutegica neacute O que vocecirc estava querendo demonstrar de que forma vocecirc estavaquerendo demonstrar De qualquer maneira eu continuo assim achando que talcomo Acircngela assim que ao tentar fazer tudo algumas coisas ficaram soltas demaise a gente se perde demais no seu texto porque vocecirc vem trazendo patamaresfilosoacuteficos biograacuteficos histoacutericos eacuteticos que para um leitor fica muito difiacutecil de teacompanhar Havia momentos em que eu natildeo sabia bem onde me situar parafazer essa leitura entatildeo talvez por uma condescendecircncia com os leitores vocecircpossa daqui para frente a ser um pouco mais um pouco mais restrito ateacute parapermitir que a gente consiga te acompanhar um pouco mais entatildeo acho assimtrazendo um desses patamares ou dois desses para que natildeo fique no mesmotexto tantas informaccedilotildees variadas e propostas de leituras variadas natildeo estoufalando nem da gama de autores que vocecirc traz como vocecirc bem disse eu queriatrazer uma interpretaccedilatildeo religiosa do Nietzsche uma interpretaccedilatildeo filosoacuteficaautores que falavam da biografia do Nietzsche enfim autores variados natildeo estounem falando das diferentes perspectivas teoacutericas estou falando dos diferentesmatizes que vocecirc utiliza para ler o Nietzsche e traz ele nesses diversos matizesneacute Entatildeo fica assim no meu processo de leitura de vez em quando jaacute natildeo sabiamais onde eu estava amparada para poder te entender Como que a biografia doNietzsche entrava na obra do Nietzsche como justificar o que ele estava trazendoem termos de conceitos a partir da biografia ou a partir da filosofia enfim e aiacuteficava mesmo muito difiacutecil para eu ler e talvez isso possa ser trabalhado por vocecircde um modo mais simples e mais faacutecil de compreensatildeo e de acompanhamento desua loacutegicaDito isso Leandro eu comecei a pensar que tipo de contribuiccedilatildeo eupoderia trazer para o seu trabalho jaacute que eu sou completamente marginal a tudoisso mas depois eu entendi assim vocecirc precisava de algueacutem o teu trabalho eacutemarginal entatildeo vocecirc precisava de algueacutem tambeacutem marginal a ele neacute E quepudesse sustentaacute-lo na diferenccedila entatildeo eu entendi um pouco por aiacute vocecirc ter mechamado claro que vocecirc natildeo estava esperando que eu trouxesse a contribuiccedilatildeoque a Acircngela trouxe a respeito do universo conceitual nietzscheano Entatildeo euachei assim Leandro tentando imaginar porque que vocecirc trouxe a tua biografia aofinal eu achei beliacutessimo mas eu posso ser uma professora da psicologia quegosta dessas coisas e gosta da afetividade ser posta embora eu nunca deixei quemeus alunos fizessem isso obviamente (risos) Eu achei beliacutessimo porque vocecirc vaiconstruindo a tua histoacuteria de vida e eu que trabalho a partir da psicanaacutelise ahistoacuteria de vida eacute aquilo que a gente trabalha e eacute por onde a partir de vocecircrecontar a sua histoacuteria de vida para um outro que eacute o analista essa histoacuteria devida toma um outro sentido uma outra construccedilatildeo eacute possiacutevel e um outrosignificado eacute possiacutevel Acho que esse eacute o seu momento neacute Na conclusatildeo decurso de graduaccedilatildeo acho que vocecirc se deparou com isso neacute Com a sua histoacuteriae com a possibilidade de transformaccedilatildeo de uma histoacuteria que no nosso paiacutes natildeo eacutemuito comum de ser transformada como vocecirc mesmo disse por ter nascido natildeo eacuteberccedilo de ouro a dificuldade que eacute vocecirc se transformar num advogado Entatildeo euacho assim vocecirc ao recontar a sua histoacuteria para o outro reconta a histoacuteria detodos noacutes de uma possibilidade de uma construccedilatildeo outra que natildeo soacute eacute no meuentender nietzscheano mas eu a tomei totalmente freudiano de vocecirc poderfazer do seu desejo aquilo que te movimenta e que te transforma mas para issovocecirc necessita de um outro que te escute e eu acho que eacute aiacute que estamos

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fazendo agora a banca eacute esse outro que estaacute te escutando e estaacute permitindoentatildeo que o seu desejo se afirme a partir de um outro lugar natildeo mais como alunotalvez nessa passagem para um profissional do direito mas sobretudo comoalgueacutem que fala de um lugar especiacutefico que eacute o seu neacute Eu acho que vocecircutilizou Nietzsche mas natildeo para falar dele mas para falar de vocecirce falar do teupotencial da sua possibilidade de transformaccedilatildeo da possibilidade detransformaccedilatildeo natildeo soacute interna quando vocecirc diz assim a minha monografia eacute umtrabalho de psicologia mas eacute um trabalho de psicologia sobretudo para o outroporque a tua trajetoacuteria de vida vocecirc estaacute preocupado com vocecirc eacute claro que estaacutemas vocecirc estaacute preocupado com o outro que estaacute do lado e foi por isso que vocecircme foi achar laacute vocecirc poderia ter passado cinco anos aqui e nunca ter me vistoEntatildeo como que a tua transformaccedilatildeo permitiu a minha transformaccedilatildeo porque euestou aqui tem a Paula que estaacute aqui porque tem dois alunos meus quechegaram mas tiveram que ir embora mas eu chamei porque te conhecemtambeacutem enfim nessa possibilidade de se transformar vocecirc transforma outraspessoas tambeacutem E utilizando Nietzsche para dizer olha eacute assim que a gente vivearriscando indo ao encontro do outro natildeo tendo medo de encontrar as pessoasse abrindo para a diferenccedila nada mais freudiano Natildeo biograficamente porqueFreud era completamente obsessivo natildeo deixava nem as pessoas chegaremperto mas em termos teoacutericos era isso que ele dizia viva vaacute vaacute de encontro asua verdade vaacute de encontro ao seu desejo acho que eacute isso que vocecirc fez na suamonografia e graccedilas a Deus que vocecirc conseguiu dois professores queassinassem embaixo ainda bem que natildeo fui eu porque eu ia dizer assim natildeo(risos)eu natildeo tenho essa coragem toda derrepente eacute porque eles satildeo homensEnfim pensando nisso tudo acho que foi por isso ainda que vocecirc me chamouacho que a tua histoacuteria a tua monografia faz essa passagem magistral entre issoque eu estou falando que eacute do singular mas que eacute do coletivo ela fala um poucode todos noacutes ela natildeo eacute soacute tua embora vocecirc traga a tua biografia eacute umabioagrafia que podia ser minha ou que podia ser de alguns deles ou que podiaser de qualquer cidadatildeo brasileiro neacute Mas que encarna na sua singularidadenessa possibilidade de transformaccedilatildeoEu acho que era isso Leandro que eugostaria de trazer para vocecirc e fechando numa questatildeo que vocecirc apresenta emrelaccedilatildeo a eacutetica e da eacutetica do direito eu fiquei pensando sobre o que que ele estaacutequerendo me dizer sobre a eacutetica do direito porque por um lado a gente faz umafantasia de que o direito natildeo eacute eacutetico basta vocecirc pagar e aquele que pagar teraacute omelhor advogado eu sei que eacute arriscado falar isso aqui mas eacute assim que eacute aminha perspectiva acho que o imaginaacuterio social traz isso e eu falo arriscadodizer mas eu falo tambeacutem do mesmo lugar porque sei tambeacutem que quem temdinheiro paga um bom psicanalista que natildeo tem natildeo paga entatildeo assim de certaforma estamos num mesmo lugar Mas vocecirc toca uma questatildeo da eacutetica que eacute umlugar que eu acho que a gente poderia pensar para aleacutem disso que eacute o encontroque eu jaacute falei com a experiecircncia e da sustentaccedilatildeo de uma cidadania outra quenatildeo essa e nem que a gente seja abarcado por esse lugar daquele que pagarmais nos teraacute de uma melhor formaE eu lembrei jaacute que vocecirc falou tanto deFoucault e foi ele que nos fez encontrar ele fala num dos livros dele sobre a vidacomo obra de arte de vocecirc poder construir a sua vida a partir daiacute ou seja estarsempre aberto para o outro para o diferente para o outro em construccedilatildeo para

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poder sair dessas amarras mesmo que a coletividade nos faz que a sociedadenos faz de podermos ser vistos como profissionais do dinheiro que eacute aquele quemais paga teraacute um melhor profissional E eu acho que o que vocecirc traz eacute isso noacutespodemos construir um outro tipo de vida profssional e tambeacutem uma outra eacuteticaprofissionalEntatildeo eacute isso eu gostaria de te dar os meus parabeacutens te agradecermais uma vez pelo convite te pedir desculpas pela pouco contribuiccedilatildeo que euposso dar para o seu trabalho mas eu me sinto bastante honrada de estar aquientatildeo ainda bem que vocecirc me chamou a despeito de meu pouco conhecimentosobre o que vocecirc trouxe pela obra nietzscheanae mesmo depois de formadopode voltar a ler conosco Foucault quando vocecirc quiser

O que se calou O que chama mais a atenccedilatildeo na fala da Profordf Nadja foi que elaacertou bastante no comentaacuterio primeiro porque de fato eu usei Nietzsche parafalar de mim mesmo e nisso segui a recomendaccedilatildeo do proacuteprio Nietzsche ldquosejahomem e natildeo me sigardquo fui pelo meu proacuteprio caminho busquei achar um ateacute porisso demorei tanto nesse processo e acabei tendo apenas um mecircs para escrevero trabalho Tambeacutem ousei pagar o preccedilo dessa escolha e tudo o maisnietzscheanamente ldquoeu fiz a guerra pelos meus proacuteprios pensamentosrdquo Todo otrabalho escrito e tambeacutem a defesa eacute a uma luta pessoal por ideacuteias minhas porexemplo a ideacuteia de um enfrentar o direito dentro de seu campo por excelecircncia queeacute o processo a ideacuteia de relacionar a bricolagem ao pensamento de Nietzsche etambeacutem trazer a ideacuteia do rizoma do Deleuze junto a ideacuteia de colocar minhabiografia no final como justificativa tudo isso embora fundamentado em Nietzschesatildeo ideacuteias minhas que coloquei agrave prova Natildeo podia tambeacutem admitir Nietzschecomo louco porque se a ideacuteia foi trazecirc-lo para dentro da loacutegica de um processose admito Nietzsche como louco estou desertando do meu papel de advogado ecolaborando com a acusaccedilatildeo embora seja uma saiacuteda retoacuterica ela resulta numamedida de seguranccedila Ou seja o louco no direito eacute visto dentro do processo comoalgueacutem que deve ser medicado controlado E o proacuteprio Michel Foucault eu tenteiargumentar nesse sentido mas naquele instante me faltou as palavras ele traz adiscussatildeo do normal e do anormal e vai dizer que a loucura eacute um conceitoinventado para capturar a subjetividade para disciplinaacute-la controlaacute-la assujeitaacute-laPor isso seria um contrasenso aceitar a loucura de Nietzsche ou melhorconcordar com aqueles que o acusam Nietzsche de louco Eu entendi o que aprofessora colocou mas a potecircncia no meu ver vem do traacutegico e natildeo do loucoachar que gente como Artaud Van Gogh Beethoven e tantos filoacutesofos eintelectuais que marcaram a histoacuteria incluindo o proacuteprio Freud eram loucos ouanormais e por isso extraordinaacuterios acho que aiacute sim estamos indo para umcaminho romacircntico da loucura enaltecendo a loucura e a colocando num patamarde natildeo sofrimento mas de triunfo Penso que fui para outro caminho eu ressalteio sofrimento de Nietzsche em vaacuterias ocasiotildees como aquele que trancado nosanatoacuterio iraacute ldquouivarrdquo ou como aquele que ignorado pela amada iraacute tentaraacute suiciacutedioA potecircncia do traacutegico soacute pode ser retratada a meu ver se destacado que o traacutegicoexige a experiecircncia da dor essa travessia E nisso apontei tambeacutem para odilaceramento de Dioniso como um modo de exemplificar mas ali na defesa mefaltaram algumas palavras para isso que agora eacute escritoFalar em processo ou inqueacuterito eacute algo que faz mais sentido para o coacutedigo

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linguumliacutestico do direito mesmo contudo o que se estaacute a explorar eacute bastanteevidente trata-se de um processo inquisitorial contra Nietzsche em que natildeo haacutecontraditoacuterio e nem ampla defesa se condena de antematildeo No Brasil a realidadedo processo penal eacute bastante semelhante a isso no inqueacuterito que seria omomento investigatoacuterio jaacute se colhem provas ou se produzem as provas que seratildeotrazidas para o processo e atraveacutes de um exerciacutecio de retoacuterica eacute dada acondenaccedilatildeo Quando na realidade o processo deveria ser o momento dediscussatildeo e debate sobre o conteuacutedo da acusaccedilatildeo mas eacute o inqueacuterito comomomento anterior em que natildeo haacute contraditoacuterio mesmo decisivo para estabelecera culpa e a condenaccedilatildeo por isso a escolha do inqueacuterito como uma ecircnfase maiornessa culpa na pressa em se estabelecer a condenaccedilatildeo passando por cima detodas as garantias possiacuteveis demonstrando na praacutetica que o direito eacute muitasvezes um circunloacutequio usado como melhor conveacutemVejo que a Profordf Nadja acabou explicando melhor a questatildeo eacutetica porque osingular eacute tambeacutem do coletivo E a palavra individual natildeo eacute boa porque vai deencontro agraves acusaccedilotildees de Nietzsche como individualista que os marxistascostumam fazer E ela ressaltou que isso tem algo de freudiano tambeacutem e temmesmo A minha experiecircncia com a psicologia foi importante nesses cinco anosprincipalmente com a psicanaacutelise ela ficou submersa no trabalho mas a ProfordfNadja conseguiu perceber as sutilezas e o eco do que natildeo foi dito As palavrasldquodesejordquo ldquotravessiardquo quando as uso estou pensando em psicanaacutelise Inclusive omeu primeiro trabalho acadecircmico apresentado perante uma banca chamava-seldquoPedagogia discrepanterdquo e a inspiraccedilatildeo para o discrepante veio de uma palestrasobre Lacan em que se dizia que ele era um discrepante A inspiraccedilatildeo para fazera minha defesa de peacute do modo como foi vem de dois filmes que assisti um deleseacute Danton e o processo da revoluccedilatildeo em que o ator Gerard Depadier queinterpreta Danton fica quase sem voz porque faz a sua proacutepria defesa e o outro eacuteo ldquoprocesso do desejordquo filme que me foi cedido pela Dra Vacircnia Mercer em quetambeacutem o acusado faz a sua proacutepria defesa Por fim a inspiraccedilatildeo final a de fazerdesse trabalho um diaacutelogo de subjetividade veio de uma conversa com o ProfAlbano Pepe num evento de direito e psicanaacutelise em que ele me sugeriu isso econfesso que natildeo entendi como isso se daria na praacutetica mas depois de comeccedilar eagora com o trabalho terminado entendo sim e vejo que eacute mesmo a saiacuteda paratrabalhar com o pensamento de Nietzsche Por que ler Nietzsche no Direito Soacutepoderia ser pessoal

Leandro Pode deixar Profordf Nadja eu quero mesmo te agradecer pela gentileza deter vindo de ter aceito e peccedilo desculpas por ter lhe causado a anguacutestia doestranhamento (risos)

Profordf Nadja Eu jaacute estou acostumada (risos)

Leandro Mas o objetivo mesmo foi o de trazera gente apesar de ocupar omesmo preacutedio ocupar o mesmo espaccedilo dividimos o mesmo xerox direito epsicologia mas os alunos natildeo conversam natildeo trocam Eu acho que talvez sejaineacutedito eu natildeo lembro de ter visto na graduaccedilatildeo uma banca com uma professora

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da psicologia Entatildeo o objetivo foi realmente trazer um diaacutelogo interdisciplinar neacuteQue natildeo eacute por acaso que natildeo eacute casual Nietzsche escreve no Aleacutem do Bem e doMal que a psicologia era para ele a rainha de todas as ciecircncias ele coloca isso ese diz influenciado por Dostoieacutevski que estaacute no meu trabalho tambeacutem nessecartaz Dostoieacutevski que

Profordf Nadja Posso fazer uma pergunta

Leandro Sim

Profordf Nadja Quando vocecirc diz isso eu li isso aqui eu jaacute tinha ouvido outras vezesNietzsche falar que a psicologia eacute a rainha das ciecircncias e eu queria te perguntarse vocecirc vecirc aiacute uma criacutetica muito boa a psicologia Porque ele colocar como ciecircnciae como rainha da ciecircncia no campo iluminista no campo totalizador de umaverdade para mim soa como uma criacutetica enorme porque eu tambeacutem faccedilo omesmo mas enfim vocecirc vecirc ou natildeo ou acha que eacute um elogio mesmo

Leandro Bem eu acho professora ou pelo menos eu entendi assim queNietzsche tem uma implicacircncia muito grande com os filoacutesofos da eacutepoca que paraele eram filoacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos Nietzsche vai dizer inclusive que osfiloacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos natildeo entendiam muito de mulheres Entatildeo elevai ironizar os filoacutesofos e vai se colocar em outro campo o proacuteprio Nietzsche vaiassumir eu natildeo sou filoacutesofo eu natildeo sou filoacutesofo a semelhanccedila de Kant de Hegele de outros filoacutesofos sistemaacuteticos eu sou outra coisa ele se quer outra coisa elequer se outrar-se Nietzsche se potildee como a alteridade radical mesmo aquelaalteridade que eacute difiacutecil de ser alcanccedilada impossiacutevel de ser compreendidaalteridade radical mesmo E Nietzsche se coloca assim principalmente por causada literatura e quando ele lecirc Dostoieacutevski ele encontra em Dostoieacutevski elementospara se afirmar enquanto psicoacutelogo entatildeo a filosofia de Nietzsche ela naverdade e nisso o Prof Antocircnio Edmilson que infelizmente natildeo pode estar aquihoje a gente estudando laacute na PUC no grupo de estudos Nietzsche o ProfEdmilson falou quepelos estudos neacute Que a filosofia de Nietzsche eacute uma fisioporque passa pelo corpo assim como o poder passa pelo corpo para Foucaulttambeacutem eacute uma fisio-psicologia eacute uma fisio-psicologia porque quando Nietzschevai estudar por exemplo o niilismo quando vai falar do Deus estaacute morto porexemplo ele vai fazer um diagnoacutestico cliacutenico de um estado da civilizaccedilatildeo Agora aProfordf Acircngela no seu artigo fala do ainda somos devotos fala do niilismo Querdizer existe um diagnoacutestico cliacutenico um diagnoacutestico de psicoacutelogo o olhar queNietzsche lanccedila sobre os problemas eacute um olhar de psicoacutelogo Portanto natildeo eacutedespropositado quando Nietzsche elogia a psicologia no meu ver Nietzsche estaacutecriticando os filoacutesofos sistemaacuteticos a filosofia do modo tal como ela era feita afilosofia dogmaacutetica e se colocando em outro departamento arriscando ser outracoisa uma alteridade radical E o objetivo do trabalho foi justamente essemartelar nesse sentido neacute E quando a professora fala assim que eu deveriaadmitir Nietzsche como louco mesmo eacute na verdade o Foucault traz essa questatildeodo normal e do anormalEacute na verdade o que eu quis trazer foi a potecircncia doNietzsche traacutegico e aiacute natildeo seria o Nietzsche louco seria o Nietzsche traacutegico

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algueacutem que paga o preccedilo do despedaccedilamento do dilaceramento Tem aquelemito o mito que Nietzsche usa que eacute o mito do Dioniso o Dioniso grego claroque Nietzsche reinterpreta esse mito natildeo eacute o mito exato Dioniso o que Nietzschefalaele fala do dilaceramento e Nietzsche foi um pouco assim ele pagou o preccedilodo pensamento dele Era algueacutem que tinha uma sauacutede debilitada era algueacutem queviva com mal estares altos e baixos e pagou o preccedilo dele querer ser o que eacute aeacutetica neacute O subtiacutetulo da uacuteltima obra do Nietzsche essa obra aqui que Nietzscheescreve antes do colapso de Turim que eacute o Ecce homo Nietzsche escreve aquicomo algueacutem se torna o que eacute Quer dizer aqui Nietzsche faz um trabalhobiograacutefico na verdade eacute um trabalho de justificaccedilatildeo ele vai dizer que a obra deletem muito a ver com a vida dele ele usou a vida dele como mateacuteria-prima da obradele e foi nesse sentido que eu quis colocar a minha biografia no final tambeacutempara demonstrar que o trabalho estava justificado na minha vivecircncia eu queriajustificar para vocecircs da banca principalmente porque que eu escolhi fazer umtrabalho tatildeo diferente tatildeo fora tatildeo outro tatildeo marginal por que escolher umtrabalho assim Jaacute que eu carecia de uma seacuterie de limitaccedilotildees jaacute que natildeo tinhaconhecimento da liacutengua alematilde para interpretar Nietzsche Nietzsche foi um grandeconstrutor um grande neologista um grande eacute ele trabalhou sempre ele era umfiloacutesofo entatildeo ele trabalhava com significados entatildeo para perceber as sutilezasda liacutengua eacute preciso compreender Nietzsche no original e eu carecia dessaslimitaccedilotildees Mas por que pagar esse preccedilo pelo trabalho A biografia vem nessesentido como Nietzsche fez no Ecce homo na obra dele ele justifica ele inclusivefaz prefaacutecios para as obras que ele jaacute tinha publicado e que ele muda de opiniatildeopor exemplo das primeiras obras dele ele muda de opiniatildeo para as uacuteltimas entatildeoele faz prefaacutecios para rever alguns pontos inclusiveE interessante nessatraduccedilatildeo do Paulo Ceacutesar de Souza tem um trecho interessante em que ele citauma reuniatildeo em que Freud em uma reuniatildeo na sociedade psicanaliacutetica de VienaFreud e seus alunos disciacutepulos se reunem para discutir justamente essa obra aquio Ecce homo o Caso Nietzsche entatildeo o que Freud vai dizer Freud vai dizer trecircscoisas vai dizer primeiro que ele natildeo vai considerar Nietzsche louco porque eleacha porque ele entende que a forma estaacute preservada a obra do Nietzsche natildeoestaacute contaminada pela loucura isso o Freud que diz e ningueacutem havia alcanccediladoantes e dificilmente algueacutem tornaria a alcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo quealcanccedilou Nietzsche isso o Freud dizendo e em terceiro lugar ele vai dizer quenatildeo vai ler natildeo vai ler o Nietzsche para natildeo deixar que a cliacutenica aquilo que eleestava constatando clinicamente seja contaminado pela leitura do Nietzsche Issoeacute um dos raros momentos em que Freud cita Nietzsche mas curiosamente Freudnatildeo cita Nietzsche nem nas cartas eacute muito curioso isso porque a diferenccedila deidade de Freud para Nietzsche eacute de doze anos somente e haacute uma pessoa emcomum entre Nietzsche e Freud que eacute a Lou SalomeacuteNietzsche se apaixonouperdidamente por uma jovem russa de vinte anos chamada Lou Salomeacute e vaitentar suiciacutedio inclusive vai pedir ela em casamento duas vezes e tenta suiciacutediona uacuteltima E ela vai se separar vai romper com Nietzsche e vai se relacionar comFreud mais tarde jaacute mais velha vai trocar cartas com o Freud Portanto Freudconhecia Nietzsche de um modo indireto atraveacutes de Lou Salomeacute e por essedocumento aqui ele conhecesse tambeacutem a obra mas evitava ler o Nietzschequem fala isso eacute tambeacutem o Prof Oswaldo Giacoacuteia Jr da Unicamp quando estava

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aqui em Curitiba que vai dizer a outra obra do Nietzsche muito importante que eacute aGenealogia da Moral quando Freud abre essa obra aqui do Nietzsche ele tambeacutemse assusta a mesma reaccedilatildeo da professora o Freud tambeacutem se assusta porqueparece que ele constata que Nietzsche jaacute tinha escrito antes dele algumas coisasque Freud clinicando estava encontrando estava percebendo identificando Haacuteentatildeo inclusive uma relaccedilatildeo de proximidade alguns criacuteticos apontam entre essaobra do Nietzsche e a obra o Mal Estar na Civilizaccedilatildeo do FreudEacute entatildeo a ProfordfAcircngela colocou e eu tinha esquecido de responder eacute que aqui no Genealogia daMoral Nietzsche fala de um direito arcaico de um direito fundado na diacutevidainclusive haacute uma relaccedilatildeo proacutexima entre a obra O Mercador de Veneza doShakespeare aquela cena em que o judeu Shylock vai cobrar um naco de carneuma incisatildeo do peito de Antocircnio para Shylock ofendido moralmente porque elejudeu e a filha estava indo para o lado dos cristatildeos entatildeo ele vai requerer peranteum tribunal que seja arrancado um pedaccedilo de carne do peito de Antocircnio querealmente estaacute sentado ali recebendo a cobranccedila porque havia um contratoassinado que exigia isso Quer dizer Nietzsche cita natildeo o Shakespeare mas citaa cena Eacute muito interessante isso e o Giacoacuteia nesse trabalho aqui junto namesma coletacircnea que o seu o Prof Giacoacuteia fala da genealogia do direito e faladessa questatildeo assimEntatildeo haacute uma relaccedilatildeo misteriosa entre Freud e Nietzscheque natildeo eacute uma relaccedilatildeo expliacutecita mas existe entatildeo o fato de trazer a Profordf Nadjatambeacutem foi o fato de mostrar para a professora que eacute da psicologia e psicanalistamostrar essa alteridade radical e sentir qual seria a reaccedilatildeo neacute dessa alteridaderadical presente no trabalhoE o fato de haver esse fluxo descontiacutenuo eacute o fato deter escolhido mesmo a metodologia mais plural possiacutevel para abarcar o Nietzschepor exemplo quando eu escolhi trabalhar a perspectiva do rizoma do DeleuzeDeleuze trabalha o rizoma da seguinte maneira ele vai ramificando o texto eescreve o texto por platocircs que podem ser lidos independentemente Portanto omeu trabalho eu natildeo sei se eu consegui atingir o objetivo porque eu tentei fazerneacute Eu li tentei entender e tentei fazer Eu natildeo sei se cheguei ao objetivo demontar um texto de tal modo que ele pudesse ser lido de forma descontiacutenua dametade do iniacutecio do fim sempre fora de ordem inclusive eu citei vaacuterias vezes asmesmas coisas eu repriso algumas questotildees eu repito algumas questotildeesjustamente porque a ideacuteia eacute montar um texto descontiacutenuo que possa ser lido deforma independente os capiacutetulos de forma independente como quer a ideacuteia doDeleuze no rizoma nos platocircs que para o Deleuze circulariam vaacuterios deviresClaro que eu natildeo vou entrar em polecircmica porque o Deleuze contesta apsicanaacutelise neacute Escreve o Anti-Eacutedipo tudomas

O que se calou Faltou dizer que uma referecircncia para esse Nietzsche comopsicoacutelogo eacute dada pela professora da USP Scarlett Marton num artigo publicadocomo Nietzsche psicoacutelogo das profundezas

Profordf Nadja Todos eles neacute Deleuze Feacutelix Guattari o proacuteprio Foucault fazcriacuteticas maravilhosas a psicanaacutelise Maravilhosas no sentido de serem azedas(risos)

Leandro Entatildeo justamente o objetivo final do trabalho foi principalmente a partir

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desse texto aqui falar desse direito um pouco arcaico e quando a professora falade uma outra eacutetica de uma outra cidadania acho que foi esse o objetivo mesmoe talvez fosse talvez fosse esse mesmo o compromisso em falar da minhabiografia porque na minha biografia na minha histoacuteria acadecircmica eu tentei meenvolver com projetos de extensatildeo tentei me envolver com comunidades meenvolvi com comunidades Entatildeo eu cheguei a participar do Rondon fui para aAmazocircnia Oriental quer dizer conheci comunidades conheci questotildees sociaismuito urgentes muito fortes foram experiecircncias radicais tambeacutem de alteridaderadical tambeacutem que geraram estranhamento e que vocecirc demora um pouco paraabsorverpara absorver um pouco isso Entatildeo a ideacuteia de criticar o direito tal comoele acontece inclusive fazendo menccedilatildeo direta a faculdade a faculdade comotemplo inclusive falei com o Prof Luiacutes Fernando a faculdade eacute um templo e temuma semelhanccedila com o tempo Eacute como se a faculdade o templo neacute E a nossafaculdade parece o paternon grego eacute como se ela fosse a prisatildeo do tempoporque o que justifica o direito eacute a tradiccedilatildeo o direito conservador elitista o direitoproprietaacuterio o que justifica esse direito eacute a tradiccedilatildeo e se vocecircs andarem peloscorredores veratildeo uma seacuterie de laacutepides nomes de professores quadrosprofessores jaacute falecidos que parece um mausoleacuteu o templo parece um mausoleacuteuE o interessante eacute que Nietzsche quando fala que Deus estaacute morto ele fala que asIgrejas satildeo tuacutemulos de Deus e daiacute eu questiono no trabalho se a faculdade e oque se ensina de direito aqui natildeo eacute tambeacutem algo que eacute uma fantasia porque natildeoexiste eacute um tuacutemulo o direito natildeo estaria aqui o direito estaria fora Inclusive eufaccedilo a provocaccedilatildeo eacute preciso para conhecer o direito nomadizar-se neacuteNomadizar-se significa sair do teu lugar ou mesmo natildeo sair mas viajar aquidentro por exemplo ir laacute na psicologia ter contato com os outros que estatildeo laacute aalteridade que estaacute laacute sem sair do preacutedio mas indo para o outro lado ou indopara o soacutetatildeo ou indo para o poratildeo Quer dizer foi esse o movimento que eu quisdescrever de criacutetica ao direito para pensar uma outra eacutetica possiacutevel eu acho que aProfordf Nadja acertou quando falou em uma outra cidadania possiacutevel talvez umaoutra cidadania um outro homem ou uma outra consciecircncia natildeo sei eu aindanatildeo tenho clareza sobre issoMas a ideacuteia da vida como obra de arte tambeacutemquer dizer a questatildeo esteacuteticaesteacutetica que natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo eacute precisocolocar que a esteacutetica natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo natildeo eacute o lugar do vazio existeum valor poliacutetico e de engajamento na esteacutetica tambeacutem inclusive natildeo eacute por acasoque o Glauber Rocha estaacute aqui aqui tem tambeacutem o Eles natildeo usam black-tie queeacute o filme que vai ser exposto daqui a pouco tem o Terra em Transe quer dizer aesteacutetica tem o valor poliacutetico de engajamento e de contestaccedilatildeo tambeacutem Portanto aideacuteia de uma outra eacutetica de uma esteacutetica foi nesse sentido nessa linha mais oumenos de mostrar uma poliacutetica que natildeo eacute da matriz marxista e nem de uma outralinha mas uma poliacutetica nietzscheana um outro tipo de poliacutetica uma outra formade se engajar eu acho foi mais ou menos nesse sentido

O que se calou Talvez pelas perguntas e para onde rumou a discussatildeo como eunatildeo iniciei a defesa abrindo ela com uma apresentaccedilatildeo do trabalho eu comecei jaacutetendo que responder a Profordf Acircngela isso num certo sentido atrapalhou minhaordem mental se eacute que havia alguma deveria improvisar totalmente e por oacutebvioalgumas coisas escaparam o que poderia ter sido dito natildeo foi Por exemplo eu

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deixei de mencionar em detalhes os aspectos relativos ao ldquodireito como produto doesclarecimentordquo ldquoo crepuacutesculo do direitordquo e a ldquoaurorardquo isso natildeo foi mencionadoapenas eacute sutilmente inferido quando eu falo do templo como mausoleacuteu A menccedilatildeoao Glauber Rocha eacute por causa do trabalho que apresentei em Montevideacuteo em queexplorei o cinema para falar de um direito engajado o mesmo com o Eles natildeousam black-tie que no mesmo dia logo que sai da banca natildeo deu muito tempopara comemorar eu jaacute estava na sala da poacutes para acompanhar a exibiccedilatildeo do filmee ajudar a debatecirc-lo fui indicado pelo grupo PET onde participei como voluntaacuteriopara compor a mesa junto da Profordf Luciana do curso Positivo Felizmenteocorreu tudo bem o debate foi excelente Agora tambeacutem escrevo depois de jaacute terido para o Rio Grande do Norte foram trecircs dias de viagem trecircs para ir e trecircs paravoltar a experiecircncia em Natal foi maravilhosa a recepccedilatildeo do trabalho foi boadefendi laacute a minha monografia de novo soacute que para o puacuteblico da filosofiaNovamente tal como descrito na USP me lancei na aventura sem saber onde iaficar e como ficar natildeo conhecia ningueacutem e acabei sendo muito bem acolhido laacute

Profordf Nadja Vocecirc fala foi uma marca freudiana ele natildeo contar quem ele liaAssim eacute difiacutecil vocecirc saber quais foram os filoacutesofos que embasaram algumaspessoas acreditam que mais Schopenhauer do que Nietzsche mas ele disse quenatildeo lia ningueacutem ateacute mesmo para natildeo se contaminar com as ideacuteias e ele queriadeixar a cabeccedila dele livre para construir a sua proacutepria teoria O que eu acho quenatildeo era bem assim porque ele era um leitor aacutevido uma pessoa extremamenteculta entatildeo certamente eu acho que a participaccedilatildeo do Nietzsche na obra deledeve ter sido bem maior do que ele falou Mas Leandro eu acho que tambeacutem temum outro aspecto que a gente deve levar em conta como vocecirc jaacute disse datemporalidade entre os dois de ser muito proacutexima e o solo germacircnico tambeacutem deser o mesmo solo em que eles se formaram eu acho que por isso mesmo temasque perpassam os dois autores neacute Temas que os dois se deparam se dedicame de formas diferenciadas porque Freud eacute antes de tudo um sistemaacutetico emboraele traga a ideacuteia de um sistema inconsciente em que a loacutegica cartesiana natildeo eacute aloacutegica que sustenta e organiza os processos inconscientes Ele no entanto foi umracionalista do iniacutecio ao fim Ele tentou da melhor forma possiacutevel sistematizar asubjetividade mesmo Mas acho que alguns temas vatildeo ultrapassar ou entrelaccedilaros dois E eu li algumas coisas aqui em relaccedilatildeo ao instinto e ao corpo e a relaccedilatildeocorpo e psique que eacute trabalhada em Freud o tempo todo a partir natildeo de umaloacutegica cartesiana dualista ele traz uma outra perspectiva e eu acho me pareceque Nietzsche tambeacutem vai abordar isso E a questatildeo tambeacutem da transformaccedilatildeo doinstinto se eacute que a gente pode dizer isso e o conceito de pulsatildeo em Freudaparece assim eacute a ruptura do homem com algo natural instintivo e que produzuma outra forma de subjetivaccedilatildeo e de estar no mundo Entatildeo eu acho que odualismo a posiccedilatildeo traacutegica do homem como vocecirc traz no Mal Estar naCivilizaccedilatildeo Freud constata isso que natildeo parece ser uma postulaccedilatildeo pessimistamas traacutegica mesmo no sentido de vocecirc ter que padecer desse mal estar dessadivisatildeo desse resto que eacute impossiacutevel de ser superado mas por isso mesmovocecirc tem que viver e transformar o mundo Entatildeo eu acho assim a gente podetomar alguns temas que perpassam os dois mas acho que tambeacutem por contadessa proximidade geograacutefica e temporal era o que se pensava na eacutepoca era o

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que estava a ser pensado natildeo apenas atraveacutes da Lou natildeo apenas por isso maspor serem dois pensadores igualmente preocupados com o que eles estavamvivenciando Acho bacana vocecirc pensar nisso tambeacutem neacute Mas e a questatildeo daloucura que vocecirc esbarra aiacute em Freud quando ele diz assim que o Nietzsche natildeoeacute louco porque ele traz uma sistematizaccedilatildeo dos livros dele daquilo que ele lecirc eargumenta de uma maneira bastante soacutelida o que ele quer Mas a questatildeo daloucura na psicanaacutelise eacute muito difiacutecil tambeacutem de a gente pontuar o que que eacute aloucura ou a sanidade eu acho que eacute o solo mesmo da psicanaacutelise quando elarompe com essa dicotomia e rompe de uma forma positiva que eacute aquela que eutentei te falar no iniacutecio de vocecirc sustentar a loucura sustentar um pensamentodiferenciado e a potecircncia dessa possibilidade de construccedilatildeo Freud eu acho temuma forma beliacutessima de nos apresentar conceitos determinados movimentospsiacutequicos que ele quer porque ele vai ao extremo da paranoacuteia por exemplo paradizer assim em algum lugar todos noacutes somos paranoacuteicos e ele mostra isso deuma forma imensa de uma forma assim que vocecirc natildeo escapa de produzir umnuacutemero de movimentos paranoacuteicos em determinados graus e tudo omaisEnfim mas ele faz essa passagem de algo que seria considerado comopatoloacutegico para mostrar que de perto de perto todos noacutes somos um poucopatoloacutegicos eacute soacute uma questatildeo de ver uma questatildeo que sempre nos escapa Oque eu acho bacana de ver tudo isso eacute mas enfim era isso

Prof Luis Fernando Muito obrigado Professora

Profordf Nadja Eu que agradeccedilo

Prof Luiacutes Fernando Professor Serbena por favor

Prof Serbena Posso falar daqui jaacute que eacute para quebrar a formalidade (risos)

Prof Luiacutes Fernando Natildeo (risos) Mas aiacute vocecirc natildeo vai sair bem na foto

Prof Serbena Boa tarde a todos alunos amigos colegas natildeo sei se algumfamiliar do Leandro Profordf Nadja Profordf Acircngela Prof Luiacutes Fernando tambeacutemquero agradecer ao Leandro pelo convite Essa eacute a uacuteltima oportunidade neacuteLeandro Que tenho de fazer algumas observaccedilotildees para vocecirc no teu trabalhodentro da histoacuteria acadecircmica vou procurar convencecirc-lo novamente de algo que jaacutetinha dito para vocecirc mas vou tentar talvez ser mais preciso e acho que emalgum sentido as coisas jaacute comeccedilaram a melhorar comeccedilando pelo teu cartazvocecirc teve a ousadia de apresentar esse cartaz que parece o de um aluno daoitava seacuterie (risos) no Evinci

Leandro O de baixo o de baixo

Prof Serbena Acho que jaacute melhorou a apresentaccedilatildeo do cartaz no uacuteltimocongresso

Leandro Eacute que o outro foi pago pela universidade mesmo foi pago pela

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universidade o de cima o de cima (risos)

Prof Serbena Ah ok mas jaacute melhorou esse eacute um ponto positivo Satildeo raacutepidas asobservaccedilotildees sobre o seu trabalho Como vocecirc fala muito de metodologia vocecirc dizaqui na paacutegina sessenta e seis por que ler Nietzsche no direito O trabalhocientiacutefico eacute puacuteblico quando vocecirc escreve escreve para um leitor universal entatildeonatildeo haacute problema em lertenho que confessar que por muito tempo natildeo tiveresposta para essa pergunta ardilosa por que ler Nietzsche no direito pois feitapor aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica estatildeo de tal modo refeacutens dospadrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute por recortes secccedilotildees quesempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um modo de voltar ametodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total de criteacuterio deponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que Nietzsche por todaa longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer serventia para umapesquisa acadecircmica no campo do Direito E vocecirc diz mais abaixo aqui Se minhasituaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo acadecircmicaagora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado de Nietzschenessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que natildeo levaratildeo feacuteem meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas tambeacutem porque natildeosou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse trabalho seja aprovadopara me diplomar Aiacute vocecirc continua com esse raciociacutenio Dessa forma queesperanccedilas ter na aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e dechegada na razatildeo acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegiconatildeo tem pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo decurso de Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegicado ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco quenatildeo fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esseeacute o meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar umacondenaccedilatildeo faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Bem vocecircescreveu isso esperando um tipo de professor como eu jaacute disse para vocecircfelizmente vocecirc natildeo conviveu e natildeo foi orientado por esses professores que tenhatalvez uma visatildeo mais estreita do que seja metodologia cientiacutefica ou metodologiade trabalho cientiacutefico Eu vou dizer vou tentar mostrar para vocecirc que eu natildeoconcordo inclusive com essa visatildeo que vocecirc tem de metodologia vocecirc tem umavisatildeo muito estreita de metodologia a metodologia natildeo vai estreitar ouimpossibilitar vocecirc fazer um trabalho de interpretaccedilatildeo de exegese sobre oNietzsche na aacuterea de direito Vocecirc fala em muitas passagens de sua monografiaque Nietzsche natildeo eacute lido no direito e etc eu acho que vocecirc poderia ser maispreciso na tua afirmaccedilatildeo o que talvez vocecirc quer mencionar eacute que Nietzsche natildeo eacutelido na faculdade de direito da UFPR ou natildeo eacute muito lido deveria ser maisestudado etc Entatildeo vocecirc deveria trocar essas afirmaccedilotildees e especificar melhor Ecreio que na filosofia do direito fora do Brasil natildeo existe essa Nietzsche eacute umfiloacutesofo jaacute digamos assim um filoacutesofo claacutessico ningueacutem vai questionar alegitimidade de um trabalho sobre Nietzsche Entatildeo se vocecirc for na biblioteca temum perioacutedico que eacute um perioacutedico de filosofia do direito francecircs satildeo vaacuterios anos ehaacute tomos publicados anualmente em que vocecirc vai encontrar artigos sobre oNietzsche na biblioteca tambeacutem tem cadernos de filosofia do direito um perioacutedico

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italiano em que tambeacutem vocecirc vai encontrar trabalhos sobre a filosofia doNietzsche Entatildeo eu queria dizer para vocecirc que pode parecer que vocecirc estaacutesendo o primeiro pela primeira vez vocecirc estaacute trazendo Nietzsche para o Direitomas essa perspectiva eacute ainda um pouco limitada dentro da filosofia do direitohoje natildeo falando totalmente mas no plano mais universalista internacional deoutros paiacuteses de outras universidades Nietzsche eacute um filoacutesofo sobre o qual muitose escreveu muito se escreveu sobre o seu impacto inclusive no direito Mas euvou tentar lhe falar tambeacutem um pouco sobre metodologia e vou usar umametaacutefora para explicar para vocecirc o que eu quero dizer laacute no curso de Letras seestuda muita coisa mas digamos que eles estudem o realismo fantaacutestico ou oteatro do absurdo mas nem por isso quando vocecirc estuda o teatro do absurdovocecirc pode ser sem sentido toda histoacuteria e narrativa tem comeccedilo e fim sem issovocecirc natildeo conhece os personagens natildeo sabe em que contexto eles estatildeo umexemplo disso eacute a peccedila esperando Godot Mas nem por isso se vocecirc vai fazerum trabalho sobre o esperando Godot vocecirc vai fazer um trabalho absurdo Vocecircnatildeo pode fazer um trabalho de monografia sobre o teatro do absurdo semcomeccedilo meio e fim E ou seja eu natildeo sou especialista na criacutetica literaacuteria masquando vocecirc um estudo acadecircmico universitaacuterio sobre um autor de literaturaexiste alguns cacircnones da metodologia utilizados entatildeo quando vocecirc vai estudaressas peccedilas ou esses autores se usa metodologia cientiacutefica Acho que vocecirc sedeixou contaminar pelo teu objeto de estudo e o teu trabalho traz traccedilos dafilosofia do Nietzsche acho interessante soacute que eu acho que vocecirc poderia ir maislonge usando metodologia cientiacutefica como vocecirc fez aqui no seu cartaz um cartaztecnologicamente superior ao cartaz primitivo te permite que vocecirc vaacute mais longeEntatildeo estudando Nietzsche sobre uma outra perspectivavocecirc consegue ir maislonge do que essa paixatildeo pelo Nietzsche Agora natildeo veja as minhas palavras eunatildeo quero matar a sua paixatildeo o seu entusiasmo pelo Nietzsche que eacuteextremamente positivo Mas para terminar olha a Profordf Nadja eacute da psicologia elida a todo momento com a loucura ou com a doenccedila mental etc etc e satildeodoenccedilas com as quais tambeacutem haacute um tratamento metodoloacutegico neacute Existemvaacuterias correntes na psicologia psicologia transpessoal sistecircmica analiacutetica vaacuteriastaacute mas ainda assim quando se estuda a loucura existe para o psicanalista opsicoloacutego psicoterapeuta estudam do ponto de vista metodoloacutegico existe umaapreensatildeo metodoloacutegica Soacute para terminar por exemplo os antropoacutelogos quandofazem um trabalho de pesquisa dissertaccedilatildeo tese eles tambeacutem fazem com essaradicalidade que vocecirc experimentou o antropoacutelogo vai para o campo e o trabalhode campo eacute ele mesmo ele se despe de toda a sua cultura e vai tentar viver eaprender por exemplo a liacutengua de uma determinada comunidade indiacutegena natildeosoacute isso mas usa tambeacutem substacircncias entorpecentes para entender essa culturaE ainda assim existe meacutetodo O antropoacutelogo mergulha numa determinada culturaele vai e depois ele volta e depois que ele volta ele consegue relatar e transporisso para o discurso antropoloacutegico e tambeacutem tem uma metodologia Vocecirc citouLevi-Strauss ele eacute de uma das correntes uma antropologia dita estruturalistaEntatildeo quero dizer para vocecirc que natildeo daacute para abrir matildeo vocecirc foi contaminado porNietzsche e gostaria de dizer que eacute preciso lapidar vocecirc foi contra a metodologiaclaro mas a metodologia na verdade natildeo trabalha contra mas a favor de vocecircAteacute entendo que haveria professores que iriam reprovar o teu trabalho como pode

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ser que houvesse mas vocecirc teve natildeo sei se sorte ou conduziu por esse ladoprofessores que conseguem analisar a sua perspectiva Mas eu creio na filosofiaa filosofia permite vocecirc fazer esse tipo de especulaccedilotildees e eu diria para vocecircamadurecer metodologicamente eacute preciso que vocecirc faccedila isso Vocecirc jaacute estaacutefazendo por que vocecirc tem pontos que vocecirc chegou e que poucas pessoaschegam na universidade vocecirc tem curiosidade intelectual vocecirc tem autonomiaintelectual vocecirc vai atraacutes dos livros etc dos professores vocecirc consegueestabelecer contato vocecirc participa de congressos vocecirc tambeacutem escreve artigosisso eacute fundamental Eu disse para vocecirc tudo isso que vocecirc estaacute fazendo eacutemetodologia o fazer acadecircmico com o qual vocecirc pode traduzir essa paixatildeo quetem por Nietzsche mas ela tem que ser racionalizada Vocecirc natildeo pode transformara sua monografia num ato de coragem acadecircmica e cutucar o perigo com varacurta daqui a pouco vocecirc estaacute defendendo a monografia na beira da janelaporque eacute mais perigoso entatildeo toma cuidado Ou seja metodologia acho quevocecirc ainda natildeo usou natildeo eacute essa metodologia que vocecirc apontou metodologia seestuda se escreve vocecirc estaacute nesse processo Esse eacute um conselho que estou lhedando vocecirc pode ir mais longe pode continuar na carreira acadecircmica utilizandometodologia Essa eacute a primeira observaccedilatildeo que eu gostaria de fazer a segunda eacuteque o teu texto traduz um pouco a tua maneira de falar entatildeo eu anotei aqui umacertase o Prof Vieira estivesse aqui vocecirc iria provar do remeacutedio porque o ProfVieira lecirc linha por linha e corrige vocecirc corrige o texto todas as viacutergulas quefaltam etc Eu comecei a fazer isso na paacutegina trecircs entatildeo eu vou soacute rapidamentemencionar um natildeo sei vocecirc eacute consciente disso neacute Natildeo preciso mencionar neacuteOlha vocecirc escreve aquiquando perguntei sobre quem era Nietzsche ao meuProfessor de Filosofia do ensino meacutedio ponto vocecirc colocou viacutergula ele natildeo merecomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem olecirc a loucura tambeacutem vocecirc colocou viacutergula eacute ponto tambeacutem e faltou um acraseado Vocecirc passa os pontos finais vai emendando uma frase na outra Vocecirccita o Nikos Kazantzaacutekis e comeccedila a falar dele e perde o raciociacutenio da frase emque vocecirc havia comeccedilado Entatildeo eu acho que vocecirc tambeacutem deveria fazer ou darpara uma outra pessoa fazer daacute para analisar melhor a linguagem escrever commais cuidado Ler a frase que vocecirc fez e construir ela de modo gramaticalmentecorretoEacute o que mais olha aqui uma observaccedilatildeo de cunho filosoacutefico e se natildeouma provocaccedilatildeo vocecirc eacute um leitor que defende Nietzsche apaixonadamente masdo ponto de vista filosoacutefico Nietzsche natildeo concordaria em vocecirc o defender assimvocecirc vem estudando Nietzsche a um bom tempo em filosofia vocecirc tem que ler osautores e depois ler outros autores tambeacutem Entatildeo eu acho que do ponto de vistada filosofia o que vocecirc faz com Nietzsche estuda profundamente vocecirc tem quefazer com todos os filoacutesofos com Tomaacutes de Aquino Santo Agostinho natildeo terpreconceito fazer com Heidegger com Kant com Hegel enfim aiacute vocecirc conseguecolocar os filoacutesofos numa perspectiva da histoacuteria da filosofia porque eu creio queo proacuteprio Nietzsche natildeo concorda com o argumento de autoridade eu creio que oteu trabalho acaba quando vocecirc trabalha soacute com o Nietzsche ou os inteacuterpretescomo o Foucault vocecirc estaacute lendo a perspectiva francesa do pensamento acercade Nietzsche mas existem outras perspectivas e vocecirc eacute consciente disso aiacute paradar um passo aleacutem eacute preciso talvez ler alguns autores em outras liacutenguas paravocecirc dar um salto Eu sei que vocecirc estaacute dando jaacute um salto vocecirc sai aqui de

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Curitiba e vai para o Uruguay vai para a Amazocircnia etc e intelectualmentetambeacutem precisa dar esse salto entatildeo eacute preciso abandonar a liacutengua de origem emesmo que a gente natildeo tenha estudo tentar ler em francecircs em inglecircs emitaliano em alematildeo e na medida do possiacutevel dar esses saltos E com umaobservaccedilatildeo que jaacute fiz a vocecirc a filosofia que se faz no Brasil eacute muito influenciadapela filosofia que eacute feita na Franccedila a escola de filosofia da USP foi umacontinuaccedilatildeo do departamento francecircs eles iam nas grandes universidades daFranccedila e ofereciam dinheiro para que viessem para a USP o departamento defilosofia da USP era quase que todo formado por franceses Entatildeo a filosofia quese espalha pelo paiacutes atraveacutes da USP tem um cunho francecircs mas natildeo eacute a uacutenicafilosofia possiacutevel e laacute no departamento da USP sempre tem um professor que eacuteespecialista num determinado filoacutesofo por exemplo vocecirc conhece a ScarlettMarton ela eacute a filoacutesofa oficial do Nietzsche aiacute vocecirc natildeo bem nenhum outroprofessor escrevendo sobre Nietzsche porque eacute de outro departamento O que eugostaria de te dizer eacute que em geral isso eacute contra o espiacuterito do filoacutesofo em filosofiaos filoacutesofos natildeo tem dono E as autoridades que se tem em filosofia as vezes natildeofaz muito sentido e aiacute eu acho aiacute eacute uma provocaccedilatildeo que te faccedilo eacute preciso comoa Profordf Acircngela citou um choque da filosofia analiacutetica que eacute uma das filosofiastambeacutem possiacuteveis quando Nietzsche fala e escreve aqui por aforismas etc eupara mim tenho um pouco de reserva com isso porque para mim o autor comeccedilaa se tornar obscuro e na obscuridade a gente natildeo entende claramente as coisasEntatildeo seria interessante talvez vocecirc rever isso tambeacutem que as vezes o teu textopode passar uma ideacuteia de uma certa obscuridade que na verdade nametodologia a gente tem que evitar o proacuteprio Nietzsche numa passagem diz quea pessoa que tem uma intelectualidade pouco profunda ela escreve textosdifiacutecieis porque daiacute as aacuteguas satildeo turvas e parecem profundasEntatildeo eu prefiroas aacuteguas claras mesmo que sejam rasas Mas aiacute eacute um embate que eu diria queestaacute acima do teu trabalhoMas enfim eu te falei da metodologia aiacute vocecirc vecirc seisso te serve ou natildeo se vocecirc prefere ser contra a metodologia mas vejo que temuma visatildeo estreita de metodologia E agora tambeacutem eacute preciso uma uacuteltimaobservaccedilatildeo que eacute vocecirc ancorar o seu trabalho no direito A banca parece muitomais de um curso de filosofia do que de um curso de direito Entatildeo natildeo quero tequer dizer que vocecirc tenha que escrever sobre direito mas a gente estaacute dentro deuma faculdade de direito entatildeo vocecirc natildeo pode abandonar completamente o temaCreio que vocecirc natildeo abandonou vocecirc discute aqui justiccedila discute eacutetica discuteestado esses temas satildeo temas da filosofia do direito natildeo vejo problema algumem relaccedilatildeo a isso agora vocecirc poderia ter utilizado os filoacutesofos do direito aiacute satildeoos claacutessicos Kelsen Hart Bobbio tem vaacuterios Dworkin O proacuteprio Kelsen nessetema da justiccedila se aproxima muito do Nietzsche ele natildeo acreditava num conceitode justiccedila creio que o combate era mais ou menos parecido com o combate doNietzsche contra as visotildees estaacuteticas naturalistas religiosas acerca do direitoEntatildeo eu diria para vocecirc olha se vocecirc tivesse feito um trabalho trazendo osfundamentos filosoacuteficos nietzscheanos dentro da obra de Kelsen seria umexcelente trabalho Seria uma maneira de ancorar o teu trabalho dentro de umaperspectiva mais proacutexima do direito Mas eu digo isso com uma reserva soacute paradizer para vocecirc que a filosofia do direito precisa dessa interiorizaccedilatildeo se natildeo vocecircfica num discurso puramente filosoacutefico para mim natildeo tem problema nenhum em

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vocecirc escrever sob o ponto de vista estritamente filosoacutefico ou por exemplo sobreas relaccedilotildees entre Freud e Nietzsche mas a monografia ela eacute juriacutedica e seriapreciso ancorar melhor seu trabalho dentro do direito eu acho que faltou essaancoragem Entatildeo eu quero parabenizar vocecirc pelo seu trabalho quero dizer quevocecirc deve continuar com a sua paixatildeo concordo com vocecirc que no Brasil noacutestemos um certo marxismo que diz aqui acho que isso eacute um pouco de preconceitoque eacute o marxismo de tecircnis importado diria que no Brasil aqui existe o marxismode cobertura um marxismo de zona sul e a classe meacutedia brasileira natildeo estaacutedisposta a abrir matildeo de muitos de seus privileacutegios porque ela vive as vezes emcondiccedilotildees ateacute superiores ao de muitos paiacuteses ditos desenvolvidose eu concordocom vocecirc E pela sua histoacuteria pelo seu perfil no fundo vocecirc eacute um vencedor queconseguiu superar inuacutemeras dificuldades e diria para vocecirc que a filosofia eacute umcampo difiacutecil nada eacute faacutecil e vocecirc assim como vocecirc gosta bastante de Nietzschedigo que eacute preciso diversificar um pouco os seus autores e eacute uma maneira deprogredir em filosofia Entatildeo eu sou um pouco ceacutetico eu natildeo tenho filoacutesofopreferido eu gosto de Nietzsche mas natildeo daacute para levar a seacuterio e tentar aplicartudo o que Nietzsche escreve se natildeo inviabiliza muitas coisas como vocecirc mesmodiz em um ato de coragem correr o risco de inviabilizar a sua proacutepria monografiaMas ela natildeo vai ser inviabilizada e nem vamos te transformar num maacutertiracadecircmico e transformar a sua histoacuteria numa trageacutediaIsso natildeo acontece porqueeu e o Prof Luiacutes Fernando jaacute te conhecemos e vocecirc vem progredindo mas eucreio que vocecirc tem que usar a metodologia a seu favorSobre o ponto de vista daobra de Nietzsche eu natildeo poderia dar muitas contribuiccedilotildees porque faz muitotempo que eu natildeo leio NietzscheMas como vocecirc fez vocecirc transformouNietzsche num reacuteu no fundo ele natildeo eacute reacuteu ele eacute um intelectual claacutessico jaacute e ofato dele natildeo ser estudado no direito eacute uma limitaccedilatildeo local mas isso eacute aqui emoutros lugares natildeo eacute assim entatildeo Nietzsche natildeo eacute reacuteu vocecirc natildeo tem toda essatodo esse caso que vocecirc trouxe aqui essa relaccedilatildeo que vocecirc quermencionarmas eu acho que isso faz parte do teu progresso intelectual e etcSatildeo essas as observaccedilotildees que eu gostaria de fazer para vocecirc e mais uma vez teparabenizar pelo trabalho

O que se calou Seraacute que Nietzsche gostaria que eu o defendesse assim Bemeu jaacute disse que escrevi o trabalho e fui laacute para me defender a Profordf Nadjapercebeu isso E isso eacute parte da honestidade que confessei durante todo otrabalho para defender Nietzsche deveria me colocar na frente dele para receberas pancadas deveria me colocar no processo tambeacutem como um reacuteu cumprindoaiacute um duplo papel sendo aquele reacuteu que faz uma autodefesa como nos filmesque citei Tambeacutem natildeo escrevo de modo obscuro pelo menos eu acho quem estaacuteme lendo agora que o diga tambeacutem eu procuro ser claro e conciso sem perder oconteuacutedo da discussatildeo como recomendava o proacuteprio Nietzsche ao falar de simesmo ldquoeu escrevo em dez frases o que os outros escrevem num livro ou o quenatildeo escrevem num livrordquo Quem tinha a fama de ser um filoacutesofo obscuro eraHeidegger que em Ser e Tempo apresenta uma linguagem analiacutetica exaustiva eque vai ao fim da vida adotar um estilo muito proacuteximo ao de Nietzsche isso euexplico no trabalho Deixei tambeacutem claro que existia uma metodologia antes fizuma caricatura da metodologia e da forma que se adota e se estima nos trabalhos

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acadecircmicos de direito fiz isso para criticar evidentemente O trabalho tem temasoacute que esse tema eacute uma pergunta aiacute cabe quem ler aqui tambeacutem dizer seraacute quenatildeo eacute mais honesto ter uma pergunta como tema Natildeo eacute mais coerente ter apergunta E haacute introduccedilatildeo soacute que natildeo eacute a usual eacute um proacutelogo em que faccedilo umexerciacutecio de sobrevocirco por todo o trabalho como aponta Foucault no teatrofilosoacutefico ldquoldquoPois Foucault mostrava que todos os bons movimentos em Nietzsche se fazem dealto a baixo a comeccedilar pelo movimento da interpretaccedilatildeo Tudo o que eacute bom tudo o que eacutenobre participa do vocirco da aacuteguia natildeo estaacute a prumo e desce E os lugares baixos natildeo satildeoefetivamente interpretados senatildeo quando eles satildeo investigados isto eacute atravessados apresentadossob outro aspecto e retomados por um movimento que vem do altordquo p 22Haacute tambeacutem desenvolvimento e ele se daacute por um constante perguntar ereperguntar e uma conclusatildeo que se daacute pelo cruzamento de minha biografiapessoal e acadecircmica Como Nietzsche eacute um autor natildeo lido pelo direito ou porgente do direito e isso eu jaacute expliquei tambeacutem eacute no plano nacional e no dasproduccedilotildees livros trabalhos etc que falo Era preciso desenvolver o trabalho como Nietzsche e tendo sim outras vozes eu natildeo deixei de diversificar oscomentadores de Nietzsche no meu trabalho estatildeo como testemunhas de defesajaacute que o protagonista eacute Nietzsche estatildeo Foucault Deleuze Derrida AgambenLevi-Strauss Giacoacuteia Jr entre outros Natildeo eacute um trabalho de uma voz soacute e nemcoloco Nietzsche num altar como um santo natildeo quero no trabalho me colocarcomo disciacutepulo do Nietzsche com uma biacuteblia na matildeo querendo converter a todosEu me coloco como companheiro na frente dele isso deixei claro tambeacutem ao falardo colapso de Turim Eu desconheccedilo possiacuteveis relaccedilotildees de Kelsen comNietzsche jaacute que esse autor eacute antes de tudo um dos expoentes do positivismojuriacutedico e influenciado por Kant jaacute que um dos seus postulados mais conhecidos eacuteo da ldquonorma fundamentalrdquo que se assemelha ao imperativo categoacuterico kantiano eisso eu menciono no meu trabalho sutilmente para justamente combater comoabstracionismo da metafiacutesica

Leandro Eacuteeu tenho que agradecer ao Prof Serbena tambeacutem porque o ProfSerbena me deixou este ano trabalhar a iniciaccedilatildeo cientiacutefica e trabalhar a monitoriacontigo quer dizer o Prof Serbena viabilizou que este estudo fosse possiacutevel asviagens que eu fiz Fui para a USP apresentei trabalho na USP fui paraMontevideacuteo semana passada vou para o Rio Grande do Norte daqui a duassemanas quer dizer sempre com o apoio da universidade e graccedilas ao fato dereceber bolsa para pesquisar Se natildeo recebesse bolsa para pesquisar eu teria queestagiar me vincular a algum lugar que fosse meio periacuteodo ou que fosse integrale natildeo teria como viajar natildeo teria nem como iniciar um estudo desse porte natildeoteria meios natildeo teria ferramentas e natildeo teria tempo para fazer os estudos efrequumlentar bibliotecas Eu tenho que agradecer tambeacutem ao Prof Serbena porqueadvogou tambeacutem a minha bolsa eu natildeo tinha mais bolsa porque a universidadeparece que natildeo ia conceder porque parece que havia limitaccedilatildeo de recursos e daiacutehouve um problema burocraacutetico e o Prof Serbena ligou e intermediou a relaccedilatildeoquer dizer foi graccedilas a isso que eu tive condiccedilotildees de fazer esse trabalho e mededicar o uacuteltimo ano de faculdade a pesquisa e as atividades acadecircmicasQuanto a questatildeo metodoloacutegica que o professor colocou a filosofia do direito eutomo cuidado ao colocar no meu trabalho que o objetivo natildeo eacute olhar o direito com

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ldquodrdquo maiuacutesculo o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo o que eacute o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo senatildeo eacute o direito que eu procuro caracterizar como o direito da modernidade eu citoPaolo Grossi por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes Fernando para caracterizar melhoresse direito da modernidade direito que tem a lei como fonte absoluta e recusatodas as outras eacute um direito do absolutismo juriacutedico eacute um direito que se colocacomo saber superior as outras ciecircnciasEntatildeo o meu trabalho para fazer essediaacutelogo interdisciplinar para poder conversar com a professora da psicologia comtodos os outros eu precisava colocar o direito como mais um saber operaacuteriocomo mais um saber operaacuterio entatildeo tirar o direito de uma condiccedilatildeo absolutaacima das outras ciecircncias para colocar o direito como um saber operaacuterio ao ladodos outros para poder dialogar com os outros Portanto a passagem que o ProfSerbena leu eacute uma passagem que eu vou desenvolvendo para chegar nessaconclusatildeo nessa afirmativa o objetivo do trabalho eacute fazer filosofia do direitosimsoacute que direito com ldquodrdquo minuacutesculo o direito como mais um saber operaacuterio quese relaciona com os outros saberes Quer dizer esse foi o objetivo e o trabalhoparte de uma contestaccedilatildeo metodoloacutegica quando eu estou contestando ametodologia eu estou contestando um tipo de metodologia eu estou contestandouma forma de proceder dentro da academia que eacute justamente a tradiccedilatildeo Atradiccedilatildeo acadecircmica exige na maioria das vezes trabalhos que satildeo verdadeirasfichas de leitura vocecirc pega um artigo do coacutedigo processual civil o CPC e vocecircficha na visatildeo de quatro ou cinco autores e esse eacute o trabalho monograacutefico eacute otrabalho monograacutefico feito como obrigaccedilatildeo como desencargo Em nenhummomento eu tomei isso como obrigaccedilatildeo ou como desencargo eu queria criticaresse tipo de trabalho que eacute um trabalho de coleta doutrinaacuteria jurisprudencial oulegislativa eu quis fazer uma outra coisa como colocou a Profordf Nadja umtrabalho marginal de alteridade Portanto necessariamente deveria ser umacriacutetica a metodologia tal como a gente conhece tradicionalmente dentro do cursode direito neacute Natildeo que eu negue por completo a metodologia Teve um outrotrabalho meu que eu apresentei na banca de ingresso ao PET eu faccedilo parte doPET Direito aqui na faculdade que eacute um grupo de pesquisa aqui do direito equando eu apresentei esse trabalho que era sobre a biopoliacutetica de Foucault euapresentei um trabalho que natildeo tinha paraacutegrafo natildeo tinha espaccedilamento haviaobjetivo plano de trabalho mas natildeo tinha nem paraacutegrafo (comoccedilatildeo espanto) eeu submeti perante a banca esse sim era um trabalho completamente semmetodologia era um trabalho inclusive difiacutecil de ler porque a fonte era uma fontereduzida (mais comoccedilatildeo e espanto) Eu fiz issotalvez por uma certa ingenuidademinha nunca tinha feito pesquisa antes nunca tinha feito um projeto antesInclusive no mesmo dia em que eu entrei pela primeira vez no teu grupo deestudos (grupo da Profordf Nadja) foi o dia em que eu defendi e fui aprovado laacute nogrupo porque o Prof Celso Ludwig que eacute professor da casa a quem agradeccedilotambeacutem no trabalho porque me ofereceu espaccedilo no grupo de estudos dele e aProfordf Vera Karam que eacute vice-diretora da faculdade hoje que tambeacutem agradeccediloporque esteve comigo no Sajup e no grupo de direito e literatura os dois deramparecer favoraacutevel ao meu trabalho quer dizer mesmo assim elescompreenderam que o conteuacutedo era mais importante do que a forma e naquelemomento eles deram parecer favoraacutevel quer dizer eu poderia ter sido reprovadona banca do PET e fui aprovado felizmente porque foi no PET que eu comecei a

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aprender a fazer pesquisa aprender a desenvolver melhor a curiosidadeintelectual neacute Inclusive esse trabalho tem a formataccedilatildeo tem paraacutegrafo temespaccedilamento quer dizer eacute um trabalho que eacute mais inteligiacutevel

Prof Serbena Natildeo era para ter isso

Leandro Natildeo Natildeo Natildeoaquele deveria ter tambeacutem e natildeo tinha aquele estavacompletamente fora de qualquer metodologia possiacutevel natildeo seguia regra nenhumada ABNT esse aqui ainda segue algumas regras (risos)

Prof Serbena Mas natildeo precisava ser assim

Leandro Entatildeo professor eu soacute dei um exemplo para tentar problematizar umpouco eacute que eu quero dizer que tem uma metodologia aqui quando eu falo noLevi-Strauss por exemplo quando falo no rizoma do Deleuze eu estou dizendo euestou apontando para metodologias Satildeo metodologias que eu tentei a do Levi-Strauss tentei torcer um pouco e me apropriar dela porque eacute uma metodologiaestruturalista ainda a do Deleuze natildeo a do Deleuze era mais simples

Prof Serbena Vocecirc pode fazer assim soacute que eacute mais difiacutecil e quando vocecirc fazer eusar o Deleuze ou o Levi-Strauss vocecirc vai ter que fazer um trabalho de extensaargumentaccedilatildeo para justificar porque vocecirc estaacute introduzindo aquele meacutetodo ouporque vocecirc estaacute criticando aquele meacutetodo entende Vocecirc natildeo consegue fazerem duas ou trecircs paacuteginas isso fazer isso eacute muito difiacutecil eacute muito difiacutecil eu concordoque pode fazer mas discordo um pouco da maneira como eacute feito natildeo eacute faacutecil vocecircpode fazer claro que pode mas eacute muito mais difiacutecil vocecirc natildeo pode passar porcima natildeo pode colocar o Levi-Strauss como nota de rodapeacute porque natildeo eacute umautor de nota de rodapeacute vai ter que dedicar um capiacutetulo inteiro explicar o meacutetodoestruturalista e eacute difiacutecil fazer isso

Leandro Maso Levi-Strauss natildeo estaacute em nota de rodapeacute inclusive eu coloqueiem destaque junto com o juiz de Santa Catarina que eacute o Alexandre Morais daRosa que para os que natildeo conhecem o Alexandre Morais da Rosa eacute um juiz deSanta Catarina que defendeu uma tese de doutorado sobre a bricolagem nodireito Quer dizer foi a partir dele que eu tomei conhecimento do meacutetodo do Levi-Strauss ateacute entatildeo eu natildeo conhecia Levi-Strauss nunca tinha lido e foi peloAlexandre jurista e juiz de Santa Catarina que eu tomei conhecimento dapossibilidade de trabalhar uma bricolagem dentro do direito quer dizer eacute uma tesede doutorado Claro que o meu objetivo natildeo foi o de chegar ao niacutevel de tese dedoutorado mestrado mesmo entatildeo eu tive que me conter dentro de minhaslimitaccedilotildees tentei trazer o Alexandre para justificar junto com o Levi-Strauss tentarexplicar o que eu entendia por bricolagem junto com o Levi-Strauss tentei trazerisso dentro do corpo do texto e eacute claro assim como a Profordf Acircngela apontou eunatildeo me debrucei especificamente sobre temas do Nietzsche como o niilismo porexemplo porque soacute o niilismo do Nietzsche tem vaacuterias acepccedilotildees tem o niilismorusso tem vaacuterias o proacuteprio termo niilismo assume caracteres polissecircmicos nafilosofia do NietzscheNietzsche possui vaacuterias visotildees do problema ateacute porque a

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filosofia do Nietzsche eacute perspectivista Se fosse para falar soacute sobre niilismo ousobre a morte de Deus eu levaria daria para fazer uma tese de doutorado sobreum tema do Nietzsche soacute o niilismo ou soacute a bricolagem como fez o professorAlexandre Morais da Rosa que trouxe a bricolagem num processo penal Entatildeo omeu objetivo natildeo foi chegar ateacute esse ponto entatildeo eu tive me conter dentro delimites limites que eu proacuteprio me impus e limites da proacutepria condiccedilatildeo de tempoeu tinha um mecircs para escrever o trabalho e o Prof Luiacutes Fernando eacute testemunhaateacute o uacuteltimo dia o trabalho natildeo estava concluso Eu vim pela manhatilde numa sexta-feira pela manhatilde e trouxe a uacuteltima folha as uacuteltimas folhas do trabalho e inclusiveatrasei a reuniatildeo do departamento do Prof Luiacutes Fernando ele teve que ler ateacute ofim o meu trabalho para que eu pudesse daiacute depois colocar as notas de rodapeacutecolocar as notas inclusive

Prof Serbena O Prof Luiacutes tem aula daqui a pouco e me fez um pedido para natildeofalar mais e se puder tambeacutem aiacute

Leandro Eu vou ser breve vou ser breveNatildeo eacutea questatildeo eacute queficaramlacunas no trabalho mas ficaram porque o tempo natildeo me permitia que eurevisasse o trabalho de forma completa neacute As viacutergulas inclusive tem trechos emparecircnteses que estaacute laacute nota de rodapeacute a ser inserida ou fonte a ser colhida quenatildeo foi colocado porque foi um lapso Eu escrevi o texto inteiro e coloquei asnotas depois ficou alguns lapsos formais E a questatildeo de compreender oNietzsche em outras liacutenguas eacute realmente uma limitaccedilatildeoO Joseph estaacute aqui e meindicou o Nietzsche em francecircs a revista aqui na faculdade me passou a fontemas eu natildeo tenho acesso ainda em outra liacutengua eu espero ter ainda um diaQuer dizer satildeo limitaccedilotildees minhas ainda ler o Nietzsche em francecircs Nietzsche eminglecircs mas agradeccedilo as referecircncias professor e eacute issoAcho quea questatildeo doscomunistas de tecircnis importadoquer dizer eacute o Prof Luiacutes Fernando natildeo gostoumuito porque eacute a militacircncia trotskista eu tive uma militacircncia maoiacutesta maseucritico

Prof Serbena Mas ele pode usar tecircnis importado

Leandro Natildeo mas eu critico no sentido de uma estrateacutegia mesmo argumentativauma estrateacutegia argumentativa porque para Nietzsche o comunismo era umcristianismo para as massas neacute Entatildeo o Nietzsche tem uma criacutetica visceral aocomunismo natildeo sei se ele tinha lido Marx mas ele conhecia o movimentocomunista Entatildeo Nietzsche faz uma criacutetica aos comunistas mas tambeacutem faz umacriacutetica aos liberais tambeacutem eu natildeo deixei de criticar os liberais tambeacutem O ProfLuiacutes Fernando falou laacute ah vocecirc natildeo criticou os almofadinhas de terno e gravatanatildeo eu critiquei tambeacutem eu falei que os liberais satildeo submissos dentro da loacutegicanietzscheana porque o liberalismo eacute um gregarismo para o Nietzsche Entatildeo eacutenesse sentidoeacute eu acho que eacuteah vou deixar o professor (Luiacutes Fernando) falarum pouco depois eu respondo

Prof Luiacutes Fernando Bom o orientador natildeo fala Eacute dispensaacutevel o comentaacuterio bomsoacute gostaria de agradecer aos colegas pela leitura e pelos apontamentos o que

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demonstrou que eacute muito difiacutecil de fato a elaboraccedilatildeo de um trabalho numaperspectiva diversa e como as vezes se cai mesmo em contradiccedilotildees acho quealgumas foram apontadas aqui e acho que satildeo bastante interessantes Como aproacutepria ideacuteia de um processo mesmo talvez seja uma contradiccedilatildeo quer dizer vocecirclida com uma loacutegica que eacute tradicional para trabalhar com Nietzschee dentrodesse processo bate de frente com questotildees que levam a um certo grau deexagero na contraposiccedilatildeo que na verdade talvez natildeo seja isso como a ProfordfNadja colocou talvez fosse mais interessante assumir a loucura fosse maisinteressante quebrar mais radicalmente a loacutegica de um processo ao inveacutes dedefendecirc-lo num processo ou mesmo a negaccedilatildeo do processo fosse uma coisamais nietzscheana ou natildeo sei mas enfim haacute vaacuterias coisas aiacute que podemospensar depois ou mais tarde aiacute num boteco Gostaria de pedir entatildeo que vocecircsse retirem um pouco para que a mesa delibere

O que se calou Faltaram essas palavras finais eu imaginava que o orientadorpudesse falar e que depois dele eu teria ainda mais que fosse cinco minutos oumenos para dizer mais algumas coisas Primeiro natildeo vejo como contradiccedilatildeo oprocesso isso foi colocado de forma insistente no trabalho escrito o que sebuscou com o processo foi uma estrateacutegia argumentativa para trazer Nietzschepara o direito e por dentro fazer o embate no territoacuterio do inimigo como jaacute disseSobre a loucura eu tambeacutem jaacute disse e sobre a quebra mais radical eu vejo queela acontece e estaacute escrita no trabalho tambeacutem em dois momentos ateacute repetidosnum deles ldquoSe julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve serbanido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve queldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presentenos aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muitocertamente natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquoaponta Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos oacusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lomesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deveser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso quenatildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do carrasco que lecirc asacusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria acondenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute aindamotivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacuteldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro E tambeacutemldquoQuiccedilaacute muito temor da sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente ajuriacutedica e muita vontade de verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aquido reacuteu Nietzsche o louco o banido para as sombras como julgaacute-lo temendoainda as sombras Talvez os acusadores tivessem que se abster para alegar aineacutepcia de suas acusaccedilotildees seria preciso realizar uma criacutetica radical de suasverdades abalar de tal modo as convicccedilotildees dos administradores do direito quesem a muleta ou altar vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiampor quais verdades basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila opalco dos casuiacutesmos ou decisionismos apontaria os atuais administradores dalei mas cabe objetaacute-los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildeesda feacute no iacutedolo mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga

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Com base em queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as acusaccedilotildees econdenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se descubra que oocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso que venccedilamos asua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser conquistado e jamaisdado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem como a superaccedilatildeo dohomem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho pronto construiacutedo Seeacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que estatildeo acostumados aser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou melhor esses acusadoressubmissos de Nietzsche pois bastante niilistas para confessar que precisam seescorar em alguma coisa para se manter de peacuterdquo Exatamente isso quem julga Setrata de um teatro mesmo de uma estrateacutegia argumentativa sem contradiccedilotildees haacuteuma escolha e um sentido evidente em tudo isso a loacutegica do processo eacute quebradapor dentro e seu coacutedigo eacute subvertido e entatildeo quem pode julgar Com base emque

(alguns minutos depois)

Prof Serbena Faltou trazer Wagner para a apresentaccedilatildeo

Leandro O professor me deu a ideacuteia neacute O professor me deu a ideacuteia neacute Mas oNietzsche natildeo concordaria muito com o Wagner porque Wagner se converteu aocristianismo e era nacionalista tambeacutem neacute

Prof Serbena Entatildeo tira o Wagner

Prof Luiacutes Fernando Entatildeo noacutes a comissatildeo de avaliaccedilatildeo por unanimidade abanca decidiu pela aprovaccedilatildeo do trabalho do Leandro Nascimento Mantau com anota nove e meio (aplausos)

O que se calou Por conversas informais depois soube que perdi meio ponto porquestotildees meramente formais mesmo as viacutergulas que faltaram etc De qualquermodo me sinto vitorioso e contente porque foi mesmo um desafio titacircnico

Segue agora um texto que foi o meu primeiro trabalho escrito na faculdade epublicado numa das folhas acadecircmicas revista do curso de direito da UFPR Ele eacute

o Tuareg eacute uma interpretaccedilatildeo que fiz de uma muacutesica cantada por Gal Costa naeacutepoca dos grandes festivais de MPB eu busquei interpretaacute-la de acordo com oque havia lido ateacute entatildeo de filosofia e mesclando vaacuterios outros matizes Faccedilo

questatildeo de publicar junto da minha monografia como registro e tambeacutem para queseja percebida que nesse trabalho inicial jaacute se percebe o geacutermen daquilo que seraacute

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mais desenvolvido na monografia algumas ideacuteias jaacute estatildeo ali presentes mesmoque ainda intuitivamente de modo bruto necessitando ainda mais leituras e um

trabalho maior As preocupaccedilotildees finais com Nietzsche e o Oriente resultaram numartigo escrito nesses dias aproveitando a monografia como ldquotudo pode servirrdquo nabricolagem eacute o artigo Nietzsche amp a experiecircncia miacutestica Incursotildees pelo Oriente

com Nikos Kazantzaacutekis e Gibran Khalil Gibran

Ainda sobre o miacutestico muitos foram os que me perguntaram sobre a ldquoboinardquocolorida que as vezes eu uso na faculdade ou quando estou por aiacute Trata-se de

um quipaacute muccedilulmano tal como o usado pelos negros malecircs que vieram comoescravos para o Brasil era gente muita culta e que organizou uma revolta por

aqui soacute que o meu tem siacutembolos esoteacutericos todo feito a matildeo incluindo ascosturas eacute um trabalho artesanal e amador que ganhei de presente eacute uma

bricolagem que simboliza a alteridade e vesti-lo eacute como encarna-la dentre ossiacutembolos haacute um druida que significa ldquopovordquo em razatildeo disso o chamo de ldquoquipaacutevolksrdquo e os demais satildeo siacutembolos astecas e incas significando a coragem (a

aacuteguia) a sabedoria (o terceiro olho) e a loucura ou o infinitoE a propoacutesito meu nome Leandro significa homem-leatildeo

Ele eacute o Tuareg

As leis natildeo bastam

Os liacuterios natildeo nascem da

lei Meu nome eacute tumulto

e escreve-se na

pedra

Ele eacute o indiviacuteduo fortemente mesticcedilado da genealogia dos nocircmades berberesQue nasceu e cresceu guerreando caminhando dia e noite entre montanhas e odeserto escaldante visitando muitos lugares e dialogando com os transeuntescomo um andarilho que estaacute aiacute no mundo curioso por saber sempre mais

Ele eacute a imagem do espiacuterito livre o anti-heroacutei natildeo comportado e natildeocompatimentado que age como um vagabundo que natildeo estaacute ajustado e nem

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domesticado Ele eacute um fora-da-lei um bandoleiro presenccedila maldita aos homensmas bendito aos deuses

Pois com muita feacute e com ele soacute para pra orar

Pois pela direccedilatildeo do sol e das estrelas

No oacuteasis escondido aacutegua ele vai achar

Pois o homem de veacuteu azul o prometido de alaacuteh

Confiado pelas forccedilas coacutesmicas eacute o Tuareg invenciacutevel Ele vai para a guerra como coraccedilatildeo sereno e o espiacuterito em pazAssim como o andarilho e a sua sombracaminha para o olho do furacatildeo compreendendo a liccedilatildeo do Bhagavad-Gita deque a primeira virtude do homem eacute ousar a ser ele mesmo sublimando anatureza que lhe foi inculcada Deve buscar viver segundo sua proacutepria lei emedida respeitando uma uacutenica instituiccedilatildeo A sua proacutepria alma

Seguindo os saacutebios conselhos de Krishna o arqueiro Arjuna aprendeu que eacutepreciso manter a mente firme e o coraccedilatildeo cheio de fervor se isso for conseguidoa cabeccedila se torna tatildeo somente uma viacutescera do coraccedilatildeo esse eacute o atributodaqueles que satildeo demasiadamente humanos

O Tuareg natildeo eacute arqueiro mas tem uma cimitarra a tira colo e eacute com essaespada capaz de decepar num soacute golpe que ele iraacute abrir um buraco no real parase inscrever subjetivamente e garantir seu lugar na histoacuteria Eacute o homem que estaacutesempre pronto para o que der e vier em constante tensatildeo com o seu entornoComo um Pajeuacute o tipo completo de lutador primitivo-ingecircnuo feroz edestemoroso ndash simples e mau brutal e infantil valente por instinto heroacutei sem osaber

Para o Tuareg tudo eacute permitido ele natildeo tem o que justificar eacute inocente Como osprimitivos antes da chegada dos pastores Eacute um fora-da-lei e por isso estaacute alheioas normas rompendo com a ficccedilatildeo de um Direito sem lacunas ele eacute um furo naordem juriacutedica e prova viva de que nem tudo ela pode dar conta eacute assim que elefaz a sua proacutepria justiccedila O Tuareg eacute um justiceiro

Sendo assim esse homem transfigura-se numa figura mitoloacutegica e miacutestica paraaleacutem do bem e do mal Que para ser compreendido eacute preciso suspendertemporariamente a descrenccedila Egrave quando a atmosfera de sonho oniacuterica passa ase confundir com o real Acaba a diferenccedila entre a imaginaccedilatildeo e a realidadeIsso porque ningueacutem ouve o mito na mesma posiccedilatildeo em que se escuta umatestemunha Ele tem uma dimensatildeo proacutepria de verdade ou quiccedilaacute seja umaverdade que natildeo poderia ser dita de outro modo

O Tuareg desde cedo descobriu que para alcanccedilar a sabedoria e aprender avoar eacute preciso se nomadizar deixar o ninho experimentando o processo do

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desenraizamento do dilaceramento do in-diziacutevel a sensaccedilatildeo de aporia Eacute comesse movimento que ele vai para uma eacutepoca em que natildeo havia propriedadeassim o Tuareg consegue quebrar o espelho e desanda a falar sem a lei domestre

Eacute quando o Tuareg realiza o processo de catarse ele iraacute se expurgar paramelhor se fruir corresponde ao momento do estranhamento e da sensaccedilatildeo davertigem labiriacutentica que exige audaacutecia para correr o risco do impossiacutevel Isso fazdele um espiacuterito errante caminhante pelo deserto e a boca seca como imagino ados profetas e dos eremitas Vivendo livre e sem lei aceitando o inaceitaacutevel e semantendo no insustentaacutevel tendo que consentir nesse gesto ou morrer

Se Lanccedilando a deriva da mais profunda solidatildeo que eacute a solidatildeo do criminososabendo que natildeo jogar o jogo da mentira pode ser a chave para superar amorte Isso faraacute do Tuareg um Carcaraacute que natildeo morre de fome Egrave a proacutepriaconsciecircncia do abandono que faz o homem se aventurar na vida a margem daverdade O reencontro com a erracircncia o seu aiacute no mundo do absurdo radical eabismal da condiccedilatildeo humana daquele que voa para o coraccedilatildeo da tempestadeiraacute provocar o colapso e o renascimento das proacuteprias cinzas Eacute assim que oandarilho regressa e se restitui O Tuareg renasce como a fecircnix

Mergulhado na erracircncia e renascendo como a ave mitoloacutegica o Tuareg descobreque estaacute condenado a ser livre caminhando no mundo e sem desculpas Esseabsurdo de sua condiccedilatildeo humana iraacute conduzi-lo ao re-ligamento Ele vai seencontrar com a sua revolta sua paixatildeo sua liberdade O Tuareg quer viver semabdicar de nenhuma de suas certezas sem dia seguinte sem ilusotildees e semresignaccedilatildeo Ele iraacute se reafirmar na revolta

Eu me revolto logo existo assim fala o Tuareg

Eacute o homem que se reconciliou com a sua rebeldia e com a opacidade do mundoele luta contra tudo aquilo que se modalizou se normalizou Uma pelejaenlouquecida e insensata feita com energia e luminosidade proacuteprias dasubstacircncia poeacutetica

Ele sabe que viver eacute muito perigoso mas compreende que sem o risco nada valea pena assim ele vive perigosamente pois este eacute o segredo para se realizarCompreendendo que quando somos reconhecidos por vadios nos julgam natildeopelos atos mas pela reputaccedilatildeo que nos criaram Mesmo assim o Tuareg natildeotem vergonha de ser ele mesmo e nem medo das consenquumlecircncias do que fala

Ele entende que somos aiacute no mundo para inquietar e jamais devemos nospoupar Porque a inquietude eacute mais fecunda que acreditar em uma soacute respostaTrata-se de suportar a dor de manter em aberto a interrogaccedilatildeo Se contentarcom o provisoacuterio mesmo que se almeje o definitivo

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O Tuareg sabe que para natildeo morrer de sede deve aprender a beber em todosos copos Assim como aquele que quer permanecer limpo deve aprender a sebanhar em aacutegua suja Ele chega nessas conclusotildees por muitos caminhos natildeosubindo numa escada soacute sempre se interrogando e submetendo agrave prova seusproacuteprios caminhos o Tuareg natildeo tem medo de se queimar na proacutepria chama

Isso faz dele um oniacutevoro cultural algueacutem que sabe que esta vida estaacute cheia decaminhos ocultos que constituem tambeacutem a pluralidade desse homem que serecusa a trilhar uma soacute vereda Ele quer dizer que toda a univocidade estaacutefadada ao fracasso O significado em si mesmo eacute aquele que natildeo significa coisaalguma O raciociacutenio juriacutedico da teleologia que visa agrave satisfaccedilatildeo de requisitosloacutegicos e uniacutevocos natildeo presta a compreensatildeo do Tuareg

Assim o Tuareg retorna eternamente e vem para festejar uma nova manhatildesempre com um amor incondicional de quem ama o proacuteximo como a si mesmoele se abre ao Outro deixando que este Outro seja ele mesmo sem pedir nadaem troca Eacute um sentimento de alteridade mas nunca sem antes alterar-se a simesmo Esse homem jamais vai passar anestesiado pela multidatildeo tudo ele estaacutevendo Eacute a figura do guerrilheiro intangiacutevel eacute o antagonista que vecirc e que natildeo eacutevisto como os sertanejos na caatinga

Pois ele eacute guerreiro

Ele eacute bandoleiro

Ele eacute justiceiro

Ele eacute mandingueiro

Ele eacute o tuareg

Nego os roacutetulos quecolocam para mim ereafirmo antes de tudo afidelidade a mim mesmo eagraves minhas ideacuteias

Eu natildeo sou dos seus

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Referecircncias Utilizadas

Muacutesica Tuareg cantada por Gal Costa nos festivaisNatildeo morre de fome alusatildeo agrave muacutesica Carcaraacute de Joatildeo do Vale o ex-pedreiro eanalfabeto que se tornou um dos maiores compositores da muacutesica popularbrasileiraOntologia poeacutetica de Carlos Drummond de AndradeEdgar Morin obra Meus DemocircniosGrandes Sertotildees Veredas de Joatildeo Guimaratildees Rosa referecircncia ao Riobaldopara quem viver eacute muito perigosoOs Sertotildees de Euclides da Cunha referecircncia ao Pajeuacute parte a LutaAssim Falava Zaratustra de NietzscheSeacuterie de Preleccedilotildees sobre a obra de Albert Camus O Estrangeiro do nuacutecleo deDireito e Psicanaacutelise da UFPRO Homem Revoltado de Albert CamusVocirco para o Coraccedilatildeo da Tempestade demandas com o pensamento deNietzsche Obra de Antoacutenio Duarte Henrique LopesSeacuterie de Preleccedilotildees coordenadas por Christoph Tuumlrcke com o tiacutetulo Nietzscheuma provocaccedilatildeoSeacuterie de Preleccedilotildees em torno da obra de Jacques Derrida publicadas em livro demesmo nomeBhagavad-Gita a sabedoria dos Vedas

Page 4: LEANDRO NASCIMENTO MANTAU O Caso NIETZSCHE: várias

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Proacutelogo

Por que ler Nietzsche no Direito Eacute pela questatildeo que esse trabalho se

constitui a potecircncia da questatildeo e natildeo um tema o estudo do pensamento de um

autor como Nietzsche natildeo se faz por recortes metodoloacutegicos em sua obra como

os fieacuteis da razatildeo acadecircmica esses ldquomeacutedicos legistasrdquo costumam fazer Antes

de tudo trata-se de um diaacutelogo de subjetividade eacute o que se tentaraacute aqui Qual o

tema que vocecirc pesquisa O que no Direito a partir de Nietzsche Por que ir tatildeo

longe estudando Nietzsche Satildeo com essas e outras perguntas que este trabalho

pretende dialogar algumas foram feitas a mim por pessoas que souberam da

intenccedilatildeo desse estudo meu desejo de estudar Nietzsche e o Direito quando esse

estudo era apenas um projeto natildeo esboccedilado sem comeccedilo meio e fim totalmente

aberto Para empreender esse trabalho sabia na eacutepoca que natildeo poderia ter

projeto que precisaria estudar Nietzsche como aquele que segue agrave deriva

mergulhando num labirinto sem chegada o objetivo natildeo seraacute de responder agraves

indagaccedilotildees mas levar a outras questotildees trazendo algumas pistas

Nietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo deslizapara a situaccedilatildeo abstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamentoconcreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seu estilo eacute diretamentepoliacutetico por isso os aforismas as poesias o tom combativo as repulsase as predileccedilotildees Ele natildeo serve aos ldquosenhores brancosrdquo agrave Escola aoscostumes agraves disciplinas Nietzsche eacute todo poliacutetica eacute todo a questatildeo oua parte sensiacutevel e intelectual da questatildeo que racha o dispositivo desilecircncios e abstraccedilotildees das ldquofilosofiasrdquo e da ldquohistoacuteria da filosofiardquo doldquohomemrdquo e da ldquohumanidaderdquo Ele eacute ou nele se encontra aquela partegrave e animal do pensamento que o insere sem distacircncia ndash semdefesas e fugas ndash na concretude comovente da questatildeordquo Cf p 77 (CfESCOBAR sano p77) A ldquofactibilidaderdquo do Nietzsche e a potecircnciade seu pensamento enquanto questatildeo ldquoEacute preciso rachar a ldquoteia dearanhardquo da Razatildeo para restituir a plena combustatildeo da questatildeordquo CfESCOBAR idem)

Uma possiacutevel resposta de onde derivariam todas outras eacute a de Nietzsche

como um filoacutesofo que interroga o Poder compreendido como emaranhado de

poderes e criacutetico de um direito enquanto discurso instituiccedilatildeo lei contrato

ldquosujeitosrdquo e outras abstraccedilotildees o direito (com d minuacutesculo mesmo) eacute uma

2

invenccedilatildeo do homem e tem relaccedilatildeo estreita com o poder ou os poderes

Nietzsche eacute o filoacutesofo que pensaraacute o poder sem encerraacute-lo dentro de uma teoria

segundo Foucault1 A resposta eacute dada por um leitor confesso de Nietzsche e que

ao contraacuterio dele eacute relativamente lido e estudado no direito teraacute o filoacutesofo alematildeo

como caixa de ferramentas para constituir seus proacuteprios pensamentos Natildeo

apenas Foucault Derridaacute2 aluno deste tambeacutem seraacute leitor de Nietzsche

acompanham essa relaccedilatildeo autores como Heidegger3 Deleuze4 Albert Camus5 e

ateacute mesmo o autor mais na moda como Giorgio Agamben6 Nietzsche suscitaraacute

reflexotildees distintas como a heideggeriana e a francesa da contracultura7 e

apropriaccedilotildees na literatura e outros campos da arte eacute autor que se ldquoauto-define

como extemporacircneo que soacute seria lido e compreendido dois seacuteculos agrave frente vai

antecipar algumas reflexotildees dos pensadores da Escola de Frankfurt sobre o

1 Nietzsche eacute o filoacutesofo do poder que pensou o poder sem se encerrar numa teoria poliacutetica Ouacutenico sinal de reconhecimento que se pode ter para um pensamento como o de Nietzsche eacute fazecirc-lo ranger gritarNietzsche ofereceu como alvo essencial digamos ao discurso filosoacutefico arelaccedilatildeo de poderrdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Riode Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p 1432 Autor lido no Direito quando se trata de diaacutelogo com a Literatura destaca-se nesse trabalho assuas obras Forccedila de lei e Gramatologia

3 Um dos pensadores mais influentes do seacuteculo XX Martin Heidegger escreveu dois tomos sobre asua interpretaccedilatildeo de Nietzsche nesse trabalho tive acesso ao volume I com o entendimentocorroborado pelo tradutor brasileiro das obras Marco Antocircnio Casanova quando em palestra emCuritiba no ano de 2007

4 Notabilizou-se com a sua obra Nietzsche e a Filosofia trabalhou com Michel Foucault naMicrofiacutesica do Poder dialoga na entrevista ldquoos intelectuais e o poderrdquo Ainda publicou com FeacutelixGuattari a obra Mil Platocircs em que se utilizaraacute o primeiro volume que trata da ideacuteia de ldquorizomardquo

5 Autor que transitava entre literatura e a filosofia chegou a ganhar o precircmio Nobel de literaturacom a obra O estrangeiro seraacute aproveitada a sua anaacutelise sobre niilismo e Nietzsche em O homemrevoltado

6 No Direito tem sido bastante lido ultimamente principalmente a obra ldquoO estado de exceccedilatildeordquo

7 ldquoToma-se como mola de nossa cultura moderna a trindade Nietzsche Freud Marx Poucoimporta que todo mundo fique desarmado com isso Marx e Freud satildeo talvez a mola de nossacultura poreacutem Nietzsche eacute completamente diferente eacute a mola de uma contra-culturardquo CfDELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-10

3

capitalismo e a barbaacuterierdquo segundo Giacoacuteia8

Interrogando o Poder Nietzsche faraacute o diagnoacutestico com olhar cliacutenico de

psicoacutelogo das profundezas acerca do problema do niilismo que se daacute

propriamente na constataccedilatildeo da decadecircncia dos valores das instituiccedilotildees no que

se deve incluir o Direito a pretensatildeo de universalidade proacutepria da Modernidade

assim a sentenccedila sobre a ldquomorte de Deusrdquo significa tambeacutem a morte do projeto do

esclarecimento iluminista Cabe portanto retomar o estudo do pensamento de

Nietzsche natildeo apenas dos seus leitores mais ceacutelebres e contemporacircneos

Recuperemos Nietzsche Escrevia Antocircnio Cacircndido9 depois da segunda guerra

mundial para uma criacutetica do presente Eacute fundamental desfazer os equiacutevocos que

a interpretaccedilatildeo e malversaccedilatildeo do pensamento nietzscheano levou a ser teoacuterico do

nazifascismo a estigmatizaccedilatildeo do pensamento de Nietzsche considerado um

louco banido das academias tratado como herege devido as maacutes

compreensotildees de seu pensamento muitos jaacute escreveram para desmistificar os

equiacutevocos nessas leituras mas eles ainda permanecem talvez porque seja

conveniente que Nietzsche natildeo seja lido colocado como autor proibido ou maldito

Felizmente comigo a estrateacutegia surtiu efeito contraacuterio quando perguntei sobre

quem era Nietzsche ao meu Professor de Filosofia do ensino meacutedio ele natildeo me

recomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem o

lecirc a loucura tambeacutem certamente algo de misterioso reside em seu pensamento

natildeo me refiro agraves leituras miacutesticas de Nietzsche pela literatura como a de Nikos

Kazantzaacutekis10 formado em Direito pela Universidade de Atenas e que se dedicaraacute

a literatura publicando entre outras obras A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo

apresentando um Jesus ldquonietzscheanordquo proacuteximo ao Zaratustra quanto ao seu

8 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho9 Cf posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas TradRubens Rodrigues Torres Filho 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

10 Assim como Oswaldo Giacoacuteia Juacutenior formado em Direito pela USP e atualmente professor deFilosofia na UNICAMP Kazantzaacutekis teve sua passagem pelo direito tambeacutem e suas obras tecircmforte tonalidade nietzscheana aqui seraacute aproveitada ldquoA uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristordquo que foi produzidapara filme por Martin Scorsese em obra homocircnima e ldquoAsceserdquo

4

modo de vida e Ascese ldquoquando cabe ao homem salvar Deus o deus que eacute

labirinto de carnerdquo11 mas me refiro a potecircncia da criacutetica nietzscheana a qual

requer do leitor o constante ruminar a leitura cuidadosa do filoacutelogo de seus

aforismas que satildeo marcas de intensidade a energia que pulsa eacute vital vem do

corpo a recomendaccedilatildeo de Nietzsche eacute a de que ldquose deve escrever com sangue

porque sangue eacute espiacuteritordquo12 Nietzsche se coloca no texto usa a sua vida como

mateacuteria-prima do pensamento um pensamento nocircmade como aponta Deleuze13

Por isso a leitura de Nietzsche e um trabalho com o seu pensamento requer o

esforccedilo de levar a potecircncia para algum lugar isso eacute trabalho de subjetividade

trazecirc-lo para si se apropriar pensar com atraveacutes e aleacutem de Nietzsche

recomenda Gerard Lebrun14 organizador da ldquocoleccedilatildeo os pensadoresrdquo obras

incompletas de Nietzsche

Cabe tambeacutem pensar contra Nietzsche15 ele natildeo quer seguidores natildeo

quer ser um pastor prefere ser um bufatildeo16 algueacutem com muacuteltiplas faces E assim

durante o seacuteculo XX Nietzsche foi lido e interpretado de forma diversa Heidegger

11 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese salvatore dei Trad Ivo Barroso Rio de Janeiro Recordsano p 88

12 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 Do ler e escrever ldquoDe tudo o que se escreve apreciosomente o que algueacutem escreve com seu proacuteprio sangue Escreve com sangue e aprenderaacutes que osangue eacute espiacuteritordquo p 66

13 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 9-17

14 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

15 A referecircncia eacute de Roberto Machado ex-aluno de Foucault e Deleuze em sua obra Zaratustratrageacutedia nietzscheana Ainda traz as referecircncias do proacuteprio Nietzsche ldquoeacute preciso pocircr-se em guardacontra mimrdquo ldquosecirc um homem e natildeo me sigas sigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo CfMACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997p 77

16 Aponta o proacuteprio Nietzsche em seu Ecce homo ldquonada tenho de fundador de religiatildeo Natildeoquero ldquocrentesrdquo creio ser demasiado malicioso para crer em mim mesmo nunca me dirijo agravesmassasTenho um medo pavoroso de que um dia me declarem um santo perceberatildeo por quepublico este livro antes ele deve evitar que se cometam abusos comigoEu natildeo quero ser umsanto seria antes um bufatildeoTalvez eu seja um bufatildeordquo p 109 Cf NIETZSCHE FriedrichWilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo PauloCompanhia das Letras 1995

5

pensa um Nietzsche os franceses outro em algum lugar eles se encontram que eacute

o proacuteprio Nietzsche um lugar que eacute tambeacutem um natildeo-lugar jaacute que natildeo legou um

sistema sua obra eacute inacabada e manteve-se plural muacuteltipla Dentre os inuacutemeros

temas o Direito eacute abordado ldquosutilmenterdquo por Nietzsche e a sua sutileza eacute a de

quem faz filosofia a golpes de martelo o martelo que serve para destruir e

construir o martelo que tambeacutem eacute usado como instrumento terapecircutico eacute uma

cliacutenica que vem antes do proacuteprio Freud e sua psicanaacutelise e um dos textos que

mais suscita a investigaccedilatildeo nietzscheana no Direito eacute a Genealogia da Moral o

qual segundo Giacoacuteia ldquoFreud ao abrir assustado logo o fecha com medo de que

os resultados cliacutenicos obtidos fossem influenciados pelo que Nietzsche havia

escritordquo17 Contudo o texto da Genealogia traz referecircncias sobre um direito

originado na diacutevida no sentido de culpa oriundo da obrigaccedilatildeo o que daria direito

ao credor de satisfazer o creacutedito empenhando inclusive uma pena corporal ao

devedor como satisfaccedilatildeo de um sentimento de vinganccedila ldquoarrancando um naco de

carnerdquo eacute a cena do Mercador de Veneza18 e eacute provaacutevel que Nietzsche tenha lido

e se influenciado por Shakespeare assim como leu tambeacutem Stendhal Tolstoi

Dostoievski sendo que este uacuteltimo natildeo foi encontrado em sua biblioteca particular

suspeita-se os bioacutegrafos e estudiosos do legado nietzscheano que algumas

obras capitais para Nietzsche e suas reflexotildees foram retiradas pela sua irmatilde a

qual desejava preservar uma certa originalidade do irmatildeo em relaccedilatildeo a algumas

temaacuteticas19

Eacute sabido que Nietzsche tambeacutem se incomodava da maacute compreensatildeo de

17 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

18 Refere-se ao 4ordm ato 1ordf Cena (cena do Tribunal) em que Shylock o judeu mercador exige acoleta civil de uma libra de carne de Antocircnio por contrato registrado em cartoacuterio devido aoinadimplemento da obrigaccedilatildeo Por traacutes dessa cobranccedila transparece o sentimento de vinganccediladaquele que viu sua filha perdida aos cristatildeos o que lhe custou a injuacuteria e o desprezo dasociedade local Cf Shylock e a vinganccedila ndash o princiacutepio de satisfaccedilatildeo no direito penal Trad JuarezTavares do original de Frauke Drews (Universitaumlt Frankfurt Main) p 1-12 Texto da Jornada deDireito e Psicanaacutelise ocorrida no Curso de Direito da UFPR no ano de 2007 sobre a obra ldquoOMercador de Venezardquo de Shakespeare19 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008

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seu pensamento na eacutepoca que ainda estava luacutecido seus livros natildeo vendiam e

volta e meia a criacutetica o atacava ou jaacute o apropriavam na direccedilatildeo nazifascista

movimento ainda incipiente em 1887 comentaraacute em cartas a sua preocupaccedilatildeo20 e

o seu Ecce homo sua autobiografia uacuteltimo livro antes do colapso de Turim para

que ldquoouccedilam o que ele eacute () iraacute escrever eu sou assim tal e tal e natildeo me

confundamrdquo21 Se corresponderaacute com Georg Brandes criacutetico literaacuterio judeu que

divulgaraacute a obra de Nietzsche na Europa do Norte dele teraacute imensa gratidatildeo22

Brandes foi pessoa bastante influente na intelectualidade da eacutepoca curiosamente

mantinha correspondecircncia e amizade com Ibsen que escreveu entre outras obras

O Inimigo do Povo nela o personagem Dr Stockmann vai dizer ldquoo mais solitaacuterio eacute

o mais forte dos homensrdquo ao que se sabe Nietzsche natildeo conhecia Ibsen e vice-

versa mas essa afirmaccedilatildeo eacute bastante nietzscheana23 Diante de tudo isso dos

20 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p 53

21 Cf Prevendo que dentro em pouco devo dirigir-me agrave humanidade com a mais seacuteria exigecircnciaque jamais lhe foi colocada parece-me indispensaacutevel dizer quem sou Na verdade jaacute se deveriasabecirc-lo pois natildeo deixei de ldquodar testemunhordquo de mimNessas circunstacircncias existe um devercontra o qual no fundo rebelam-se os meus haacutebitos e mais ainda o orgulho de meus instintos queeacute dizer Ouccedilam-me Pois eu sou tal e tal Sobretudo natildeo me confundamrdquo p 17 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

22 ldquoA tarefa de traccedilar uma imagem de mim seja do pensador seja do escritor e poeta parece-meextraordinariamente difiacutecil A primeira tentativa maior desta natureza foi feita no inverno passadopelo distinto dinamarquecircs dr Georg Brandes que lhe deve ser conhecido como historiador literaacuterioEle realizou sob o tiacutetulo de ldquoO filoacutesofo alematildeo Friedrich Nietzscherdquo um longo ciclo de palestrassobre mim na Universidade de Compenhague cujo ecircxito segundo me foi informado deve ter sidoimenso Ele fez uma audiecircncia de trezentas pessoas interessar-se vivamente pela audaacutecia deminhas colocaccedilotildees e como ele proacuteprio me diz tornou o meu nome popular em todo o Norterdquo p131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

23 Destaque para a carta do Conde Prozor para a irmatilde de Nietzsche Elisabeth Foerster-Nietzscheescrita a bordo do paquete ldquoPrinz Waldemarrdquo entre Lisboa e Rio de Janeiro Terminada emPetroacutepolis em 30 de outubro de 1904 que eacute publicada na ediccedilatildeo como prefaacutecio p 96 a 146 Eacutedocumento que comprova que Georg Brandes trocava cartas simultaneamente com Ibsen eNietzsche e que o Assim Falava Zaratustra de Nietzsche a primeira parte de 1883 eacute publicada nomesmo ano de O inimigo do Povo A despeito das semelhanccedilas a carta aponta que Nietzscheconhecia Ibsen superficialmente e tinha dele impressotildees equivocadas enquanto Ibsendesconheceria ateacute o nome de Nietzsche natildeo obstante Brandes o conhecer e admirar e segundo odocumento histoacuterico possuir uma ascendecircncia e influecircncia intelectual sobre a obra de Ibsen CfHENRIK IBSEN Um inimigo do povo Trad Vidal de Oliveira estudo criacutetico de Otto MariaCarpeaux Rio de Janeiro globo 1984

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preconceitos que sofreu do seu banimento que natildeo eacute causal ao contraacuterio eacute

proposital antes porque o proacuteprio Nietzsche abandona sua caacutetedra de filoacutelogo na

Basileacuteia e vai criticar o academicismo e dogmatismo e os pretensos intelectuais

que encontrou como ldquofilisteus da culturardquo e segundo porque Nietzsche foi

vinculado a tradiccedilatildeo totalitaacuteria fascista que repudiava propositalmente e terceiro

porque seu pensamento eacute muacuteltiplo natildeo eacute sistema e o trabalho de desmistificaccedilatildeo

requer que se alcance as alturas do seu pensamento eacute preciso de focirclego para

esse empreendimento Quem o leu encontrou nele ferramentas para a subversatildeo

da racionalidade moderna e iluminista ainda muito presente nas academias

assim considerado culpado sem direito ao contraditoacuterio e a ampla defesa

Nietzsche seraacute mandado ao cadafalso como autor maldito natildeo seraacute lido e

estudado no Direito logo ele um autor que interroga o Poder um questionador da

autoridade um genealogista

Evidentemente tratar Nietzsche como um autor da literatura eacute uma

estrateacutegia natildeo estudaacute-lo eacute outra eacute preferiacutevel o caminho mais curto a leitura dos

contemporacircneos que aprenderam com ele como Foucault e mais atualmente

Giorgio Agamben Este uacuteltimo um Professor de Esteacutetica que do lugar de fala

esteacutetico traz reflexotildees sobre poliacutetica sobre poder sobre o direito o Estado

Nietzsche foi um nocircmade que transitou por esses campos sem ficar neles Natildeo eacute

faacutecil ler Nietzsche diante da polifonia de sua linguagem mas tambeacutem natildeo eacute faacutecil

ler os manuais de Direito e as enfadonhas doutrinas jaacute repisadas inuacutemeras vezes

a desculpa pelo seu esquecimento no Direito que eacute espaccedilo de poder ou de

poderes talvez resida naquilo que ele mesmo considerou ldquomeu pensamento eacute

dinamiterdquo24 talvez para o Direito essa seja a confissatildeo que o inquisidor gostaria de

obter para condenar o reacuteu Afinal o Direito eacute o lugar da ordem da tradiccedilatildeo da

conservaccedilatildeo das coisas da harmonia da justiccedila Mas ldquoo que eacute a Justiccedila

Pergunta Nietzsche senatildeo eacute o lugar onde tudo pode ser pago A justiccedila assim

24 ldquoEu natildeo sou um homem sou dinamiterdquo p 107 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995

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como todas as coisas boas acaba por suprimir a si mesmardquo25 E o curso de Direito

ldquoformardquo administradores da Justiccedila seja na aacuterea puacuteblica ou privada o operador

juriacutedico quando natildeo eacute um autocircmato da lei serve-se do Direito dos coacutedigos para

defender pretensotildees Realizar um trabalho com Nietzsche no Direito eacute fazer do

trabalho de conclusatildeo do curso de Direito um ldquoexerciacutecio de tirociacutenio juriacutedicordquo na

defesa do reacuteu do maldito do pensamento de Nietzsche o desafio que se propotildee

a quem estudou no reino da codificaccedilatildeo eacute a da defesa do decodificador por

excelecircncia eacute a tentativa de salvar uma causa perdida que foi dada por anos como

perdida afinal como defender o pensador que natildeo quer disciacutepulos que confessa

seu crime sem pudor ele quer destruir os iacutedolos e a justiccedila e o Direito se constroacutei

sobre iacutedolos Como ser advogado de Nietzsche Como ser advogado desse

louco Que se confessa louco26 jaacute que eacute tido pela sociedade assim a qual tem o

poder de condenar o juiz fala pela sociedade investido por ela da autoridade

puacuteblica para assujeitar ao estatuto da lei Nietzsche fala por paraacutebolas e pela boca

de seu personagem Zaratustra as pessoas natildeo entendem o que ele fala como

salvar Nietzsche de sua condenaccedilatildeo Como tiraacute-lo das sombras Eacute preciso

denunciar que esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo

fornecidos por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios27 o que natildeo permite nem

sequer alegar a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria

com base num atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores

querem impingir Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de

uma longa histoacuteria de estelionatos cometidos contra Nietzsche

25 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 62

26 Nietzsche certamente se sentiria lisonjeado vendo-se considerado louco ele que sublinhou opapel da loucura nas grandes revoluccedilotildees espirituais (em Aurora) e que se propunha iniciar a maiordelas p 134 Cf posfaacutecio de Paulo Ceacutesar de Souza In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Eccehomo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia dasLetras 1995

27 A propoacutesito escreve Carlos Henrique de Escobar organizador de Por que Nietzsche ldquose justificanatildeo apenas como mais um dos renascimentos filosoacuteficos deste pensador Mas na tentativa agoraradical (Deleuze Klossowski Lyotard Colli e Montinari) de assegurar a pureza e a forccedila de seupensamento De restituiacute-lo das ldquoleiturasrdquo apropriadoras que as filosofias mesmas que ele combateu(platonismos cristianismos hegelianismos direitismos de todos os tipos etc) tecircm sustentado arespeito da sua filosofia desde o ldquosurtordquo de Turim ateacute os nossos diasrdquo p 7

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Eacute preciso advogar o seu pensamento sem fundamentalismo tiacutepico das

seitas dos grupos dos partidos fundamentalismo que cria iacutedolos e alccedilar

Nietzsche a condiccedilatildeo de iacutedolo seria uma contradiccedilatildeo performativa ao seu proacuteprio

compromisso filosoacutefico de destruiacute-los isso seria condenaacute-lo de antematildeo e o

reconhecimento da falecircncia do empreendimento da defesa antes de comeccedilar

Para aleacutem dos fundamentalismos cabe advogar o pensamento de Nietzsche

como exerciacutecio argumentativo de combate agraves pretensotildees sustentadas por aqueles

que baniram Nietzsche das academias seja voluntariamente ou

involuntariamente ao privilegiar o pensamento sistemaacutetico metafiacutesico dialeacutetico (e

jaacute me disseram que a dialeacutetica resolveu todos os problemas da histoacuteria da

filosofia) e o proacuteprio estatuto de filoacutesofo eacute questionado sobre Nietzsche talvez ele

mesmo natildeo seja um filoacutesofo como informa Deleuze28 Eacute preciso apanhar a forccedila e

a intensidade de Nietzsche para inverter os argumentos de acusado passar para

acusador inverter os papeacuteis se Nietzsche foi condenado e banido do Direito como

pensador do Poder cabe restituir o seu lugar ou abrir forccedilosamente um lugar

mesmo que isso custe o reconhecimento das fraturas e as (in)suficiecircncias do

discurso juriacutedico Para o empreendimento de defesa de Nietzsche seratildeo

convocados testemunhas de defesa os seus leitores os seus comentadores

claacutessicos e mais atuais mesmo que com testemunhos oferecidos em diferentes

situaccedilotildees (lugares e compreensotildees) trata-se fazecirc-los convergir como

instrumentos de prova desse Nietzsche como filoacutesofo do Poder e estudioso do

Direito

O desafio natildeo eacute simples e ainda natildeo sou advogado sou bacharel mas

que seja uma tentativa que seja esse trabalho apenas um grito Pela liberdade

Daquele que estaacute no cadafalso dos autores malditos daquele que eacute deixado para

traacutes como sombra e poeira ou pior daquele que eacute lido indiretamente que soacute se

ouve falar pela boca dos outros e que tem seu legado expropriado para servir

28 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

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como discurso ineacutedito e a gloacuteria alheia29 Natildeo se trata de devolver meacuterito ao

Nietzsche mas de um exerciacutecio de petulacircncia e inconformismo ao modo como as

coisas foram ditas ateacute entatildeo sobre ele e contra ele e ainda uma denuacutencia sobre o

que se calou

Enfim romper o silecircncio o que requer arriscar a proacutepria cabeccedila natildeo soacute

pela escolha de uma pergunta e natildeo de um tema para a monografia de conclusatildeo

de curso de Direito natildeo soacute pela recusa do recorte metodoloacutegico positivista e

tambeacutem pela escolha de um autor como Nietzsche e natildeo os velhos cacircnones

juriacutedicos vocecirc iraacute fazer uma tese de doutorado Natildeo farei meu exerciacutecio de

ldquotirociacutenio juriacutedico me arranjando nos meios limites como conseguir mesmo que

seja soacute um grito natildeo uma tese natildeo uma conclusatildeo Trabalhar como advogado de

Nietzsche exige se colocar a deriva dialogando com a sua proacutepria subjetividade

ldquofiacutesica da paixatildeordquo testando na sua proacutepria carne vivendo a experiecircncia de si

ousar o nomadismo a viagem dentro e fora que eacute intertransdisciplinar afinal

argumentos onde os achar

Nietzsche eacute um dos ldquobens quase universaisrdquo do traacutegico e sua constantepulsaccedilatildeo para aleacutem das ordens das disciplinas e dos sentidosSuaforccedila eacute manter-se veneno e resistir agraves perlaboraccedilotildees (muacuteltiplas eeficazes) da produccedilatildeo e reproduccedilatildeo Nietzsche eacute sempre agora eoacuterfatildeoTudo isso enfim que me impede de ler Nietzscheldquometodologicamenterdquo como jaacute disse como se coubesse situa-lo naseacuterie diferenccedilas multiplicidades perspectivismos afirmaccedilotildeesNatildeocertamente Nietzsche natildeo faz parte da ldquofilosofiardquo ndash ele pertence aosmateriais do pensamento ndash e eacute preciso hoje que aqueles que seaproximam de Nietzsche o saibam E pensamento aqui materiais dopensamento como uma fiacutesica da paixatildeo (o que vai por nossa conta)Cf ESCOBAR sano p 75-76)

Eacute preciso ir fora mesmo permanecendo dentro30 eacute preciso confundir os

censores fazer passar por monografia uma defesa ou fazer da defesa a proacutepria

29 Significa que talvez aquilo que o direito apanha de Foucault dos pensadores da Escola deFrankfurt como Benjamin e agora de Agamben natildeo seja original deles mas de Nietzsche e estenatildeo eacute lido de forma alguma

30 O nocircmade natildeo eacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetio viagens emintensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeo os que se movem agrave maneira dosmigrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeo se movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar nomesmo lugar escapando aos coacutedigos Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 17

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monografia um trabalho subterracircneo para defender esse psicoacutelogo das

profundezas Quiccedilaacute todo esse esforccedilo seja apenas a minha justificativa de Por

que ler Nietzsche no Direito

Para comeccedilar a articular uma defesa de Nietzsche no Direito como

estudioso das relaccedilotildees de poder algueacutem que as interroga que levanta a potecircncia

da questatildeo eacute importante primeiro demonstrar o que se trata o anuacutencio da ldquomorte

de Deusrdquo contra aqueles que o acusam de ateiacutesmo de ser herege eacute importante

demonstrar que essa eacute a maior demonstraccedilatildeo de feacute possiacutevel porque Nietzsche

critica os aspectos ciacutenicos da Igreja jaacute que sua criacutetica eacute um ataque agraves instituiccedilotildees

e ao Poder que elas sustentam mas a sua criacutetica natildeo eacute apenas negativa ela

tambeacutem positiva Nietzsche quer que dos escombros surja alguma coisa A ldquomorte

de Deusrdquo eacute a morte do ldquoesclarecimentordquo do projeto da Modernidade suas

promessas seus universalismos Eacute preciso apontar a ousadia de sua criacutetica

quando a Europa vivia o comeccedilo dos nacionalismos a crenccedila no projeto kantiano

e hegeliano de filosofia o que inclui os movimentos poliacuteticos de entatildeo o

marxismo o anarquismo etc demonstrar nessa primeira etapa o Nietzsche criacutetico

da Modernidade se faz para apontar a sua forccedila poliacutetica daquele que recusa os

engajamentos partidaacuterios para um outro tipo Ao resgatar a criacutetica nietzscheana

da Modernidade mesmo que se amparando na voz de suas testemunhas seus

leitores claacutessicos o que se faz eacute lembrar ao Direito a virulecircncia de seus ataques

que satildeo ao Poder representado tambeacutem pelo Direito e suas mitologias os ideais

sagrados que lhe fornecem legitimidade

Eacute o momento estrateacutegico para desmistificar as leituras apoliacuteticas de seu

pensamento tambeacutem Falar da ldquomorte de Deusrdquo eacute tocar o problema do niilismo os

outros grandes temas nietzscheanos satildeo a vontade de poder a genealogia o

eterno retorno e a transvaloraccedilatildeo dos valores31 todos eles exigiriam um trabalho

soacute para eles ainda mais numa loacutegica do ldquorecorterdquo acadecircmico desde logo esse

trabalho natildeo eacute um recorte natildeo irei esquartejar ou ldquodespostejarrdquo aquele que estou

a defender ldquoNietzscherdquo

31 A ldquotransvaloraccedilatildeo dos valoresrdquo eacute traduzida ainda como ldquotransmutaccedilatildeordquo ou na traduccedilatildeo de PauloCeacutesar de Souza como ldquotresvaloraccedilatildeordquo

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Trata-se de defendecirc-lo sem ldquorecortesrdquo ateacute porque nessas condiccedilotildees

qualquer recorte seria arbitraacuterio e criminoso isso exige que o empreendimento

deste trabalho se decirc como passagem pelos temas nietzscheanos natildeo para ficar

neles mas para atravessaacute-los esse eacute o movimento de leitura de Nietzsche que se

daacute em movimento de signos eacute o texto que anda nocircmade para iniciar a segunda

etapa da estrateacutegia deste trabalho que eacute a criacutetica da linguagem do Direito como

criacutetica ao Poder por traacutes dos conceitos se esconde uma moral A qual conduz o

direito a seu ocaso ao crepuacutesculo de suas verdades32 e o jogo consiste em

quantas dinamites satildeo necessaacuterias para explodir o fundamento de onde surgem

os valores na busca de uma possiacutevel aurora ao direito O que interessa eacute fazer a

apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem33 enquanto jogo de intensidades que

corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe outro sentido uma hermenecircutica do

fragmento para colar se deve usar a tinta pessoal seria o sangue o proacuteprio Ou

para natildeo assustar os jurados que se use a metaacutefora daquele que trabalha um

mosaico cortando e recortando revistas jornais e com o uso de cola pincel e

tinta vai sujar os proacuteprios dedos na atividade e que assim seja pois se implica no

que faz haacute um comprometimento eacutetico no sentido niezstcheano com a

bricolagem como empreendimento de uma vontade de poder que agenciou-se

das peccedilas eacute como uma fabriqueta de bombas que se deve compreender essa

bricolagem que fornece recursos criativos para novas explosotildees com um tipo de

dinamite que natildeo se perde ao estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser banido e

nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que ldquoseu

pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente nos

aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito certamente

32 Eacute uma alusatildeo agrave obra ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo de Nietzsche e tambeacutem a sua criacutetica a ldquovontadede verdaderdquo tiacutepica da racionalidade moderna

33 A bricolagem eacute enunciada por Levi-Strauss no seu Pensamento Selvagem acerca do trabalhodo mitopoeacutetico em que tudo pode sempre servir A sua presenccedila no trabalho um estruturalistaquer significar a ruptura com a leitura metodoloacutegica de Nietzsche que o compreende dentro deuma corrente ou ldquotimerdquo natildeo se trata de reforccedilar a imagem de Nietzsche poacutes-moderno poacutes-estruturalista mas de utilizar-se das mais variadas saiacutedas argumentativas para defenderNietzsche para aleacutem de bem e mal para aleacutem dos ldquotimesrdquo

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natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquo34 aponta

Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos o acusam e

o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lo mesmo ao

custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deve ser

problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso que natildeo

iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre35 iraacute rir do carrasco que lecirc as

acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria a

condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute ainda

motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacute

ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho a loacutegica natildeo seraacute a do que foi citado muita

coisa se deixou de citar mas natildeo deixaram de influenciar a escrita deste trabalho

por isso seratildeo referenciadas tambeacutem jaacute que o ldquorizomardquo eacute algo que se ramifica

para fora da ldquomoldurardquo Este trabalho precisa ser superado tambeacutem entatildeo

conteraacute referecircncias que fornece caminhos para ir aleacutem A constituiccedilatildeo dele eacute por

platocircs os quais podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico

Quem foi Nietzsche Breviaacuterio de acusaccedilotildees

Nietzsche ldquoo loucordquo ldquoo nazistardquo ldquoo anarquistardquo ldquoo apoliacuteticordquo ldquoo heregerdquo ldquoo

idealista romacircnticordquo ldquoo filoacutesofo da literaturardquo ldquoo metafiacutesicordquo ldquoo intelectual da

burguesiardquo ldquoo irracionalistardquo entre outras acusaccedilotildees talvez poucos tenham

34 ldquoOs que lecircem Nietzsche sem rir e sem rir muito sem rir frequentemente e agraves vezes com um risolouco eacute como se natildeo lessem Nietzscherdquo p 15 Cf DELEUZE Gilles Pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

35 Ambos iratildeo se converter ao cristianismo no final da vida O que eacute bastante curioso no caso deSartre que se notabilizou como um dos expoentes do existencialismo ateu

14

recebido tantas e tatildeo diacutespares acusaccedilotildees como Nietzsche o que torna urgente a

tarefa de uma leitura cuidadosa de seus escritos a do bom filoacutelogo que deve

prestar atenccedilatildeo nos sentidos muacuteltiplos das palavras dos neologismos e da

paroacutedia o primeiro desafio eacute o da linguagem para isso eacute preciso ldquoruminarrdquo o

proacuteprio Nietzsche nos fala36 Tantas e tatildeo distantes acusaccedilotildees quiccedilaacute resultado da

audaacutecia desse pensador que ousou derrubar iacutedolos mobilizando a criacutetica para

diferentes acircngulos certamente muitos foram os que se sentiram atingidos pelo

seu perspectivismo a reaccedilatildeo eacute cada um a seu modo dar uma satisfaccedilatildeo aos

seus pares acusando Nietzsche de alguma coisa sempre a convir com sua opccedilatildeo

ideoloacutegica e teoacuterica a fim de defender a sua posiccedilatildeo melhor o seu dogma37 a sua

confraria assim involuntariamente contribuiacuteram para criar a figura de Nietzsche

como um ldquoinimigordquo a ser exorcizado e banido de algum modo mesmo ao custo de

uma apropriaccedilatildeo tentando apanhaacute-lo de algum modo enjaulaacute-lo condenaacute-lo ao

ostracismo acadecircmico Enfim tantas acusaccedilotildees e condenaccedilotildees ao inveacutes de

conseguirem seu intento destruir o pensamento Nietzsche enredando-o nas

malhas de seus julgamentos acabou por fortalececirc-lo mas como O

transformaram no ldquoinimigordquo de quase todas as confrarias Seraacute que ele estava

certo ao dizer que aquilo que natildeo o matava o fortalecia De qualquer modo natildeo

comecemos o estudo do Caso Nietzsche sem antes fazer um breviaacuterio de suas

acusaccedilotildees passemos pelas imputaccedilotildees e responsabilizaccedilotildees que seu

pensamento recebeu E assim voltar agrave pergunta Quem foi Nietzsche

Ele foi um ldquoloucordquo

Em janeiro de 1889 aos 44 anos de idade o pensador que escrevia por

aforismas abraccedila um cavalo que estava sendo chicoteado pelo seu dono a cidade

36 ldquoEacute certo que praticar desse modo a leitura como arte faz-se preciso algo que precisamente emnossos dias estaacute bem esquecido ndash e que exigiraacute tempo ateacute que minhas obras sejam ldquolegiacuteveisrdquo - para o qual eacute imprescindiacutevel ser quase uma vaca e natildeo um ldquohomem modernordquo o ruminarrdquo p 14-15 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998

37 Vale nota para a pretensatildeo de criar conceitos ontoloacutegicos tiacutepica da racionalidade moderna Eainda sobre as acusaccedilotildees serve a loacutegica freudiana de que se impotildee algo ao outro para excluiacute-lona tentativa de ignorar aquilo que natildeo quer ver em si proacuteprio

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era Turim na Itaacutelia Nietzsche voltando a sua hospedagem desanda a escrever

cartas para as poucas pessoas que conheciam e lhe davam atenccedilatildeo seus livros

natildeo vendiam vivia aqui e ali de favores e de uma pequena quantia que recebia de

sua aposentadoria da caacutetedra de filologia na Basileacuteia a qual abandonou por

problemas de sauacutede principalmente de visatildeo dores de cabeccedila que sempre o

acompanharam desde a juventude Em suas cartas assina com nomes diferentes

assumindo muacuteltiplas identidades Os que recebem os bilhetes se assustam e

quando chega algueacutem onde ele estaacute encontra um Nietzsche mergulhado no

silecircncio emitindo sons inaudiacuteveis Levado a uma cliacutenica para tratamento eacute

internado deixado em quarto fechado os depoimentos satildeo os de que Nietzsche a

noite uivava como um lobo38 o diagnoacutestico meacutedico da eacutepoca eacute a de que o seu

estado eacute degenerativo eacute a ldquoloucurardquo Em casa cuidado a princiacutepio por sua matildee

enquanto permanecia imoacutevel sentado olhando o horizonte infinito agraves vezes

gritava para silenciar novamente como as vagas do mar ningueacutem nunca mais

soube o que se passava com ele o que pensava o que queria era um homem

abandonado aos cuidados dos outros deixado numa cama vai servir de espeacutecime

para a exibiccedilatildeo dos curiosos39 muitos queriam saber quem era o ldquoloucordquo

Nietzsche E quem cobrava o ingresso desses visitantes era a proacutepria irmatilde dele a

Sra Elisabeth quem ldquocuidaraacuterdquo do espoacutelio intelectual do irmatildeo e vai administrar de

um modo muito peculiar ela era alinhada que com os ideais anti-semitas e

simpatizante do nazismo

Muito provaacutevel mas natildeo certo eacute a hipoacutetese de que Nietzsche tenha

contraiacutedo siacutefilis na juventude numa saiacuteda pelos bordeacuteis da antiga Pruacutessia40

quando cumpriu serviccedilo militar obrigatoacuterio e que o seu colapso tenha sido a

38 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

39 ldquoNa Villa Silberblick em Weimar onde desde 1897 ficava o Arquivo Nietzsche a irmatilde mandarainstalar um estrado onde se apresentava ao puacuteblico como maacutertir do espiacuterito um Nietzsche absortoem si mesmo A irmatilde era suficientemente wagneriana para conseguir extrair efeitos sublimes earrepiantes do destino do irmatildeo p 291-292 Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia deuma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 200540 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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manifestaccedilatildeo avanccedilada da doenccedila a qual jaacute vinha afetando o seu organismo

provocando algumas interrupccedilotildees na sua produccedilatildeo intelectual como atestam

algumas de suas cartas Se a sua obra estaacute contaminada pela ldquoloucurardquo ou que

ele a tenha produzido ela sob o efeito de narcoacuteticos alguns o acusam de usar

haxixe para aplacar as dores terriacuteveis de cabeccedila ao passo que outros afirmam

que Nietzsche sequer bebia aacutelcool e ainda natildeo recomendava que se bebesse

cafeacute para natildeo obscurecer o espiacuterito (isso o proacuteprio Nietzsche fala no Ecce

homo41) os bioacutegrafos e comentadores de Nietzsche natildeo chegam nunca ao

consenso mas ao que se sabe Nietzsche apaixonou-se por uma jovem russa de

20 anos chamada Lou Salomeacute a mesma que mais tarde iraacute se envolver com o

poeta Rainer Maria Rilke e tambeacutem se corresponderaacute com Freud Ela mesma iraacute

escrever um livro sobre o Nietzsche que conheceu Todavia Lou transformou-se

numa grande decepccedilatildeo para Nietzsche que ao pedi-la duas vezes em casamento

e recebendo a recusa tentou na uacuteltima o suiciacutedio com a ingestatildeo de remeacutedios

ficou muito mal mas natildeo morreu ao que parece o que natildeo lhe matava o

fortalecia42 Tomado de um ecircxtase criativo em 10 dias Nietzsche iraacute escrever a

primeira parte de o Assim falou Zaratustra E natildeo iraacute parar mais de escrever a sua

uacuteltima obra vai ser a sua confissatildeo autobiograacutefica Ecce homo ou como se tornar

aquilo que se eacute E o colapso deixaraacute a reticecircncia como o final de sua escrita em

nomes muacuteltiplos imagens diacutespares tantas como as acusaccedilotildees que receberaacute Se

Nietzsche vivia em estado depressivo e de ldquobipolaridaderdquo com alteraccedilotildees de

humor como vai descrever Lou em seu livro o que suscitaraacute as interpretaccedilotildees

daqueles que vatildeo apontar que se Nietzsche tivesse conhecido Freud este o teria

curado isso jaacute rendeu um best-seller43 mas tatildeo estreita eacute essa visatildeo ou mais essa

imputaccedilatildeo ao Nietzsche como ldquodoenterdquo que vai expor Foucault que Freud teria

41 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

42 Cf HALEacuteVY ibidem

43 Trata-se do livro ldquoquando nietzsche chorourdquo de Irvin Yarlon que jaacute rendeu um filme homocircnimo Eacutepreciso criticar essa obra como uma ficccedilatildeo que confunde aqueles que natildeo conhecem os textos deNietzsche e sua biografia aleacutem de explorar o contato de Nietzsche com Freud e a psicanaacutelise quenunca houve tambeacutem aponta para um Nietzsche amargurado e ressentido o que depotildeeprofundamente contra a sua filosofia da afirmaccedilatildeo da vida

17

rechaccedilado essa hipoacutetese curar Nietzsche de que Esse eacute um assunto que

alimenta outras polecircmicas sobre o silecircncio que Freud guardou de Nietzsche natildeo

o mencionando nem sequer em cartas enquanto eacute sabido que conhecia o

pensamento dele e mais ainda a mulher que o levou ao desespero44 Segundo

Paulo Ceacutesar de Souza45

Em 1908 numa das reuniotildees semanas da pequena SociedadePsicanaliacutetica de Viena na casa do dr Sigmund Freud o tema propostopara discussatildeo foi Ecce homo Durante a reuniatildeo ndash que tratou sobretudodo ldquocasordquo Nietzsche natildeo de suas ideacuteias ndash Freud fez trecircs observaccedilotildees deinteresse Disse que o livro natildeo podia ser desconsiderado como produtode insacircnia porque nele se preservava o domiacutenio da forma Disse queningueacutem havia antes alcanccedilado e dificilmente algueacutem tornaria aalcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo alcanccedilado por Nietzsche devido agravesemelhanccedila entre as percepccedilotildees do filoacutesofo e as investigaccedilotildees dapsicanaacutelise (evitava-o para preservar a independecircncia de espiacuterito) edevido agrave riqueza de ideacuteias daquelas obras que o impedia de ler maisque metade de uma paacutegina ()

Curiosamente Nietzsche no Aleacutem de Bem e Mal no aforisma 23 iraacute

proclamar a psicologia como rainha das ciecircncias e se dizer um psicoacutelogo das

profundezas (talvez influenciado pela obra de Dostoieacutevski memoacuterias do subsolo)

Eacute preciso descer ateacute o inconsciente Freud sabia que Nietzschetrabalhara aplicadamente nisso antes dele Em sua autobiografia eleescreve que por muito tempo evitara os textos de Nietzsche porquemuitas vezes as ideacuteias e intuiccedilotildees deste () coincidiamespantosamente com os laboriosos resultados da psicanaacutelise Porquequeria alcanccedilar reputaccedilatildeo cientiacutefica ateacute entre as ciecircncias naturais apsicanaacutelise reprimiu ser cerne esteacutetico-nietzschiano Isso significava natildeo

44 Ramnoux pergunta a Foucault ldquoA partir de 1910 Freud encetou relaccedilotildees com Lou Salomeacute semduacutevida fez um ensaio ou uma anaacutelise didaacutetica de Lou Salomeacute Portanto devia existir atraveacutes deLou Salomeacute uma espeacutecie de relaccedilatildeo meacutedica entre Freud e Nietzsche Poreacutem Freud natildeo podiafalar dela O que acontece de fato eacute que tudo o que Lou Salomeacute publicou depois no fundo fazparte de sua anaacutelise interminaacutevel Haveria que entendecirc-lo nesta perspectiva Prosseguindoencontramos no livro de Freud Moiseacutes e o Monoteiacutesmo onde haacute uma espeacutecie de diaacutelogo entreFreud e o Nietzsche da Genealogia da Moral Como pode observar exponho vaacuterios problemassabe vocecirc algo mais Responde Foucault ldquoNatildeo rigorosamente natildeo sei mais nada Com efeitosurpreendeu-me o estranho silecircncio agrave parte uma ou duas frases de Freud sobre Nietzscheinclusive na sua correspondecircncia Isto eacute algo de verdadeiramente enigmaacutetico A explicaccedilatildeo pelaanaacutelise de Lou Salomeacute eacute de fato de que natildeo poderia dizer maisrdquo Cf p 39-40 Debate doColoacutequio do Royaumont In FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud eMarx Paris 197545 Posfaacutecio de Ecce homo p 133 In NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutemse torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

18

se queria admitir que nessas teorias sobre a alma havia em jogo maisinventar do que encontrar O proacuteprio Nietzsche jamais duvidara dissopara ele a vontade de saber - natildeo soacute na investigaccedilatildeo da alma - ligava-sesempre agrave forccedila imaginativa A comunidade psicanaliacutetica estimulada porNietzsche no comeccedilo manteve distacircncia dele para sua proacutepria grandedesvantagem Nietzsche tinha a intuiccedilatildeo e sobretudo a linguagem para oaltamente diferenciado processo pulsional na fronteira do inconscienteCf SAFRANSKI 2005 p 295-296)

O expediente da ldquofisio-psicologiardquo nietzscheana em sua estrateacutegia

genealoacutegica eacute o de colocar em duacutevida o valor dos valores ou o proacuteprio

fundamento dos valores cabe assim das imputaccedilotildees ldquoo loucordquo ldquoo doenterdquo ldquoo

toxicocircmanordquo fazer a pergunta sobre a origem desses conceitos e a de quem

acusa Devolver a imputaccedilatildeo como questatildeo aos acusadores A ldquoloucurardquo eacute mais

um conceito inventado como os demais para apanhar a subjetividade no controle

incitando uma possiacutevel cura sinalizando a ldquonormalidaderdquo como regra diria

Foucault46 Julgar a sanidade na produccedilatildeo filosoacutefica de um autor eacute para natildeo

cometer injusticcedila a tarefa de submeter toda a histoacuteria da filosofia ao mesmo

exame cliacutenico da ldquonormalidaderdquo daqueles que julgam aiacute quem satildeo os ldquoloucosrdquo e

os ldquoluacutecidosrdquo quem deteacutem a luz para julgar Talvez seja preciso desconfiar dos

acusadores antes de fazer o estudo das imputaccedilotildees que dirigem a Nietzsche

Incluindo os responsaacuteveis pelas acusaccedilotildees mais rasteiras como a do Nietzsche

zooacutefilo pois teria um amor excessivo pelos animais o que o motivou a agarrar-

se ao cavalo em Turim assim tentam buscar respostas alguns acusadores mais

inescrupulosos Quiccedilaacute eles busquem em Nietzsche uma justificativa ilustre para a

sua proacutepria zoofilia ou agem com a maacute-feacute dos estelionataacuterios Nietzsche natildeo

era defensor dos animais como se sabe que Schopenhauer o foi mas comparava

o homem a um animal47

Nesse sentido eacute possiacutevel ler o episoacutedio de Turim48 como o momento em

46 Segundo Roberto Machado no seu prefaacutecio ldquopor uma genealogia do poderrdquo ldquoeacute o hospiacutecio queproduz o louco como doente mental para Foucault personagem individualizadordquo Cf p 19 InFOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 197947 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 p 1948 A 3 de janeiro de 1889 Nietzsche sai de casa Na Piazza Carlo Alberto observa um cocheirobater em seu cavalo Nietzsche se joga no pescoccedilo do animal chorando para o proteger p 289

19

que um animal chicoteava outro sendo este o cavalo que carrega nas costas o

ocircnus do trabalho que soacute daacute lucro para o ldquoanimal chicoteadorrdquo que age no miacutenimo

com bastante ingratidatildeo (em Assim Falava Zaratustra Nietzsche fala das trecircs

transmutaccedilotildees de que para superar o homem proacuteximo ao animal eacute preciso que

saiba antes ser um carregador o exemplo dado eacute o do camelo que carrega o

peso dos valores estabelecidos somente aprendendo e conhecendo o ofiacutecio do

carregador pode o homem atravessar a ponte que o separa do aleacutem-do-

homem49) O cavalo por ser um carregador aleacutem de suportar sua condiccedilatildeo de

animal ferramenta de transporte ainda carrega os outros mesmo o chicoteador

que se julga muito superior a ele e que sendo o seu dono leva todo o lucro do seu

ofiacutecio de carregador devolvendo o chicote como pagamento Nietzsche ao

caminhar pelas ruas de Turim vecirc a cena e se potildee na frente do chicoteador que se

vecirc obrigado a interromper o castigo ao animal Natildeo se trata de piedade ou de

amor excessivo zooacutefilo como querem acreditar os compassivos e os verdadeiros

zooacutefilos que acusam querendo trazer o filoacutesofo para o seu time entrar na

frente do supliciador de matildeos nuas foi um ato de coragem e o modo encontrado

para tomar parte naquela luta em que um animal chicoteava o outro de modo

bastante covarde sendo o outro mais forte e mais pesado soacute podia estar

amarrado e preso pois apanhava sem poder fugir Nietzsche interveacutem natildeo para

impedir nada compassivamente mas para lutar ao lado de um nobre

carregador contra o animal chicoteador natildeo eacute defesa de animais que se fala

mas de lutar ao lado de um companheiro (Zaratustra tinha apenas dois

companheiros que lhe seguiam natildeo sendo seus disciacutepulos era a aacuteguia e a

serpente50) eacute assim que Nietzsche luta pondo-se a frente com o que tem no

momento o proacuteprio corpo correndo o risco de apanhar tambeacutem e de perecer

como seu companheiro animal carregador O colapso de Turim eacute como

Cf SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo PauloGeraccedilatildeo Editorial 200549 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p 51-53

50 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

20

descrevem esse Nietzsche que se agarra ao cavalo como um ato de insanidade

assim julgam esses supostos meacutedicos acusadores ou seriam benzedores da

verdade afinal nem sequer analisaram Nietzsche mas fornecem diagnoacutestico sem

sequer ter tocado no paciente satildeo assim benzedores e curandeiros pois

ministram a medicina da verdade sem os criteacuterios meacutedicos e portanto

deveriam ser denunciados por charlatanismo Jaacute que sem a possibilidade do

exame cliacutenico do paciente para se falar de Nietzsche e levantar hipoacuteteses sobre

ele antes deveriam os acusadores travestidos de meacutedicos ao menos ter lido o

que ele escreveu

Esses diagnoacutesticos apressados de loucura e insanidade satildeo fornecidos

por charlatotildees ou mesmo estelionataacuterios o que natildeo permite nem sequer alegar

a insanidade do reacuteu para fugir as condenaccedilotildees ateacute porque seria com base num

atestado falso e uma admissatildeo da culpa que os acusadores querem impingir

Diante do que essa defesa eacute tambeacutem uma luta e o contar de uma longa histoacuteria

de estelionatos cometidos contra Nietzsche

Ele foi um intelectual do nazismo

Mais adequado seja dizer que Nietzsche foi apropriado pelo nazismo

trazido para as malhas vestiram nele a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees

ideoloacutegicas e quem fez esse favor ao movimento nacional-socialista foi a proacutepria

irmatilde de Nietzsche a Sra Elisabeth Pouco antes de voltar a Europa e encontrar o

irmatildeo ldquodoenterdquo teria empreendido viagem com o cunhado de Nietzsche para o

Paraguai com o fim de fundar uma colocircnia chamada Nova Germacircnia a qual teria

por objetivo propagar o ideaacuterio do movimento nacional-socialista e tambeacutem o anti-

semitismo contudo o empreendimento natildeo daacute certo o cunhado de Nietzsche iraacute

se suicidar e Elisabeth viuacuteva voltaraacute para ldquocuidarrdquo de Nietzsche51 Ao que se sabe

por cartas eacute que Nietzsche jaacute se incomodava com as maacutes compreensotildees que

faziam do seu pensamento irritava que natildeo o entendessem ou melhor que natildeo o

soubessem ler o que vai motivaacute-lo a escrever no Ecce homo ldquoouccedilam ouccedilam-me

51 Cf HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes de Lacerda e WaltenirDutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

21

eu sou tal e tal e portanto natildeo me confundamrdquo numa eacutepoca que seus livros natildeo

vendiam chegou a financiar do proacuteprio bolso com seus parcos recursos a

publicaccedilatildeo de um dos livros de seu Zaratustra um intelectual judeu de projeccedilatildeo na

criacutetica literaacuteria o estenderaacute a matildeo eacute Georg Brandes Nietzsche iraacute nutrir profunda

gratidatildeo a esse judeu52 o qual iraacute ajudar na divulgaccedilatildeo do pensamento dele pela

Europa do Norte principalmente

Tambeacutem o anti-semitismo procurou apoio em Nietzsche Sobre esseproblema jaacute se disse quase tudo Eacute inegaacutevel que Nietzsche foi anti-anti-semita porque para ele o anti-semitismo representava figuras odiadascomo seu cunhado Bernhard Foumlster e sua proacutepria irmatilde Ele desprezavaos componentes populares e nacionais alematildees Via no movimento anti-semita dos anos oitenta a rebeliatildeo dos mediacuteocres que injustificadamentebancavam os senhores apenas por se sentirem arianos Diante dessesanti-semitas Nietzsche estava disposto ateacute mesmo a afirmar o valorracial alto dos judeus e defendecirc-lo (Cf SAFRANSKI 2005 p 309)

Tambeacutem assim todos os fragmentos e cartas em que Nietzsche atacava

as pretensotildees anti-semitas e o ideaacuterio da ldquoraccedila arianardquo defendidos pelo nacional-

socialismo seratildeo suprimidos pela Sra Elisabeth que ainda publicaraacute uma obra

que Nietzsche nunca escreveu chamada Vontade de Potecircncia a qual se

constituiraacute de um arranjo arbitraacuterio de fragmentos53 de Nietzsche e ainda outras

partes reescritas por ela com colaboradores seus pares do movimento o que

52 Nietzsche exprime sua gratidatildeo a Georg Brandes de uma maneira bastante reveladora em umacarta em que escreve ldquoTudo o que ainda deveremos a esses senhores judeusrdquo O elogio ao judeuBrandes constituindo de maneira impliacutecita um ataque contra o anti-semitismo em plena ascensatildeono Reichrdquo Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de JaneiroRelume Dumaraacute 1994 p 20

53 Vale nota para o que afirma Deleuze a propoacutesito das falsificaccedilotildees do texto de Nietzsche O queaprendemos antes de tudo neste coloacutequio eacute quanto havia em Nietzsche de coisas escondidasdisfarccediladas Por vaacuterias razotildees Em primeiro lugar por razotildees de ediccedilatildeo Natildeo tanto por haverfalsificaccedilotildees a irmatilde foi o parente abusivo que figura no cortejo dos pensadores malditos poreacutemseus principais danos natildeo constituem a falsificaccedilatildeo dos textos As ediccedilotildees existentes sofrem deleituras mal feitas ou deslocamentos e sobretudo de cortes arbitraacuterios operados na massa denotas poacutestumas A ldquoVontade de potecircnciardquo eacute um exemplo ceacutelebre Pode-se dizer tambeacutem quenenhuma ediccedilatildeo existente mesmo a mais recente satisfaz as exigecircncias criacuteticas e cientiacuteficasnormais Por isso o projeto de Colli e Montinari nos parece tatildeo importante editar enfim as notaspoacutestumas completas apoacutes a cronologia mais rigorosa posiacutevel seguindo periacuteodos quecorrespondem aos livros publicados por Nietzsche Acabaraacute entatildeo a sucessatildeo de um pensamentode 1872 e de outro de 1884 Colli e Montinari quiseram nos explicar seu trabalho a proximidade desua conclusatildeo e noacutes nos regozijamos de que a ediccedilatildeo deles surja tambeacutem em francecircsrdquo p 19Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade dePotecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Riode Janeiro Achiameacute sano

22

faraacute de seu irmatildeo um intelectual do movimento ldquotraraacute honra a famiacuteliardquo a ela que

um dia receberaacute a visita do proacuteprio Hitler nos Arquivos Nietzsche em que daraacute a

ele a bengala do irmatildeo

No comeccedilo da primeira guerra Nietzsche jaacute era tatildeo popular que oZaratustra junto com o Fausto de Goethe e o Novo Testamento foipublicado numa ediccedilatildeo especial para os soldados do front num total decento e cinquumlenta mil exemplares (Cf SAFRANSKI 2005 p 301)

Toda essa fraude soacute seraacute desvendada definitivamente em meados da

deacutecada de 60 do seacuteculo XX pois jaacute se suspeitava de algo estranho com a

chamada ediccedilatildeo criacutetica das obras completas de Nietzsche inclusive dos seus

fragmentos e cartas empreendida pelos dois italianos Colli e Montinari que iratildeo

se empenhar como filoacutelogos no empreendimento de mostrar que ateacute falsificaccedilotildees

de texto e recortes nos escritos e ideacuteias apresentadas por Nietzsche foram feitos

por sua irmatilde e a ldquoequipe de estelionataacuteriosrdquo com o fim de enredar o irmatildeo na

camisa-de-forccedila do movimento deles

Os anti-semitas que Nietzsche desprezava podiam pois utilizar muitobem alguns dos pensamentos dele como estiacutemulo embora a imagem daraccedila senhorial ariana que projetassem natildeo correspondesse agrave imagem denobreza que Nietzsche usava a como ideacuteia diretora Foi o que tambeacutemse observou nos nacional-socialistas Usaram Nietzsche masmultiplicavam-se as vozes que preveniam do espiacuterito livre dele ErnstKrieck um influente filoacutesofo nacional-socialista sentenciou irocircnicoResumindo Nietzsche era um adversaacuterio do socialismo adversaacuterio donacionalismo e adversaacuterio da ideacuteia de raccedila Se omitirmos essas trecircsorientaccedilotildees intelectuais talvez ele tivesse dado um excelente nazista(Cf SAFRANSKI 2005 p 311)

Ele foi um ldquoanarquistardquo

Nietzsche ousou lanccedilar dinamite sobre ldquoiacutedolosrdquo dentre a constelaccedilatildeo

deles haacute tambeacutem o Estado ldquoesse monstro-friordquo54 O estado para Nietzsche natildeo

comeccedila como um contrato55 e sim por um ato de violecircncia de conquista e de

dominaccedilatildeo de um povo nocircmade e com o Estado comeccedilam as coisas ldquoboasrdquo

54 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

55 Idem p 75

23

inventadas para garantir a civilizaccedilatildeo como os governos as leis o Direito e com a

civilizaccedilatildeo o ldquohomem aprende a tapar o nariz diante de si mesmo e a se

envergonhar de suas propensotildeesrdquo56 o comeccedilo de tudo eacute um grande teatro da

mentira para Nietzsche por traacutes de todas essas coisas ldquoboasrdquo haacute muito sangue

derramado muita dor e sofrimento57 Essa leitura de Nietzsche iraacute favorecer a

apropriaccedilatildeo anarquista do seu pensamento Tanto que a primeira recepccedilatildeo que se

tem notiacutecia de Nietzsche no Brasil data do comeccedilo do seacuteculo XX com um grupo

de anarquistas de origem espanhola58

Contribui tambeacutem para essa interpretaccedilatildeo a figura do andarilho no seu

pensamento daquele que estaacute no mundo a proacutepria sorte Nietzsche foi um pouco

assim tambeacutem E ainda recai sobre ele a culpa sobre um suposto ateiacutesmo

militante A imputaccedilatildeo a Nietzsche de ser ldquoanarquistardquo deve ser devolvida aos

acusadores como mais um ldquoestelionato intelectualrdquo que ignora o conteuacutedo dos

seus escritos pervertendo-o afinal nos seus textos tambeacutem fala contra o

ldquoanarquismordquo como mais um iacutedolo a ser derrubado As leituras que acusam

Nietzsche de ldquonazistardquo ldquoanarquistardquo tentam estabelececirc-lo como fundamento

desses ldquomovimentosrdquo que natildeo se movimentam para aleacutem de suas certezas o que

privilegia os fundamentalismos as seitas e a manutenccedilatildeo das confrarias as mais

diacutespares o que deve ser denunciado como um crime de ldquoestelionato intelectualrdquo

pois o proacuteprio pensamento de Nietzsche foi possiacutevel enquanto criacutetica radical dos

fundamentos

Ainda recai sobre Nietzsche a imputaccedilatildeo de ldquoapoliacuteticordquo em um de seus

aforismas escreve ldquoEu sou o uacuteltimo alematildeo apoliacuteticordquo59 mais uma vez parece

56 Ibidem

57 Ibidem

58 Cf MARTON Scarlett Extravagacircncias ensaios sobre a filosofia de Nietzsche Satildeo PauloDiscurso editorial 1999 sp

59 Nietzsche diz isso por ocasiatildeo do nacionalismo do Estado Bismarckiano natildeo quer se sentir partedaquela poliacutetica Por outro lado sou talvez mais alematildeo do que ainda podem ser os alematildees dehoje meros alematildees do Reich ndash eu o uacuteltimo alematildeo antipoliacuteticordquo p 26 Cf SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

24

difiacutecil o empreendimento de defesa de algueacutem que o tempo todo ldquoproduz provas

contra si mesmordquo ldquoEu preferiria ser um bufatildeo a um santordquo (Ecce homo) Mas

tudo isso continua sendo a tentativa de inserir Nietzsche numa malha conceitual a

servir ao ldquomovimentordquo de algueacutem Ao que parece essas apropriaccedilotildees ligeiras de

Nietzsche que se fundam numa raacutepida leitura de seus aforismas tendem a

esquecer a recomendaccedilatildeo de Zaratustra aos seus ldquodisciacutepulosrdquo para natildeo segui-lo

cegamente afinal ldquoZaratustra natildeo quer ser um pastor eacute antes de tudo um

bandido um criminosordquo (Assim falou Zaratustra) Nietzsche natildeo quer ser alccedilado a

condiccedilatildeo de iacutedolo ou liacuteder de uma causa o que faraacute o seu Zaratustra dizer que

prefere companheiros a disciacutepulos que o ldquosigam na condiccedilatildeo de estarem

seguindo a si mesmosrdquo (Assim falou Zaratustra) Essa seria a ldquoapoliacuteticardquo

nietzscheana contra aquilo que se diz ldquopoliacuteticardquo que se sente no direito de se

chamar de ldquopoliacuteticordquo como se julgam ldquonormaisrdquo e ldquoverdadeirosrdquo mais do que os

outros A imputaccedilatildeo de Nietzsche como ldquoapoliacuteticordquo deve ser devolvida aos

acusadores com a pergunta sobre quem satildeo os ldquoseres poliacuteticosrdquo

Ele foi o homem que matou Deus

Essa eacute uma das mais conhecidas imputaccedilotildees a Nietzsche a de ldquoheregerdquo

jaacute pintaram as paredes da Sorbone um dia com a frase ldquoNietzsche matou Deus e

Deus matou Nietzscherdquo Uma das obras capitais de Nietzsche eacute O Anticristo cujo

tiacutetulo jaacute eacute motivo para uma acusaccedilatildeo automaacutetica A leitura de um suposto ateiacutesmo

em seu pensamento demanda a pergunta sobre quem a faz e que interesse tem

nela Com o anuacutencio da ldquomorte de Deusrdquo Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia

ou natildeo de Deus portanto jaacute natildeo se trata de um ldquoateiacutesmordquo ou ldquoceticismordquo afinal

para Nietzsche essa eacute a ldquopostura covarderdquo60 o que Nietzsche constata eacute o

fenocircmeno do niilismo da ausecircncia de valor nos valores absolutos se Deus estaacute

morto natildeo foi Nietzsche quem o matou foi o proacuteprio homem ldquoDeus estaacute morto e

fomos noacutes que o matamos somos assassinos de Deus as Igrejas satildeo tuacutemulos

delerdquo dizia o homem ldquoloucordquo ou seria de acordo com as traduccedilotildees o homem

60 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

25

perturbado por uma torrente de lucidez ou ainda possuiacutedo que fala na Gaia

Ciecircncia no aforisma 125

O louco Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna empleno dia e saiacutea correndo pela praccedila puacuteblica gritando sem cessarldquoProcuro Deus Procuro Deusrdquo Mas como ali havia muitos que natildeoacreditam em Deus o seu grito provocou grande riso ldquoTeraacute se perdidocomo uma crianccedilardquo dizia um ldquoEstaraacute escondido Teraacute medo de noacutesTeraacute viajado Teraacute emigradordquo Assim gritavam e riam todos ao mesmotempo O louco saltou no meio deles e trespassou-os com o olhar ldquoParaonde foi Deusrdquo exclamou eacute o que lhes vou dizer Matamo-lovocecircs eeu Somos noacutes noacutes todos os seus assassinos Mas como dizemosisso Como conseguimos esvaziar o mar Quem nos deu esponja paraapagar o horizonte inteiro O que fizemos quando rompemos com acorrente que ligava esta terra ao Sol Para onde vai ela agora Paraonde vamos noacutes proacuteprios Longe de todos os soacuteis Natildeo estaremosincessantemente caindo Para diante para traacutes para o lado para todosos lados Haveraacute ainda um acima um abaixo Natildeo estaremos errandoatraveacutes de um vazio infinito Natildeo sentiremos na face o sopro do vazioNatildeo faraacute mais frio Natildeo aparecem sempre noites cada vez mais noitesNatildeo seraacute preciso acender os candeeiros logo de manhatilde Natildeo ouvimosainda nada do barulho que fazem os coveiros que encerram DeusAinda natildeo sentimos nada da decomposiccedilatildeo divina Os deuses tambeacutemse decompotildeem Deus morreu Deus continua morto E fomos noacutes que omatamos Como havemos de nos consolar noacutes assassinos entreassassinos O que o mundo possui de mais sagrado e de mais poderosoateacute hoje sangrou sob nosso punhal quem nos haacute de limpar destesangue Que aacutegua nos poderaacute lavar A grandeza deste ato natildeo eacute muitogrande para noacutes Natildeo seraacute preciso que noacutes mesmos nos tornemosdeuses para simplesmente parecermos dignos dela Nunca houve accedilatildeomais grandiosa e quaisquer que sejam aqueles que poderatildeo nascerdepois de noacutes pertenceratildeo por causa dela a uma histoacuteria mais elevadado que ateacute aqui nunca foi qualquer histoacuteriardquo O louco calou-se depois depronunciar estas palavras e voltou a olhar para os seus auditorestambeacutem eles se calaram e o fitavam com espanto Finalmente atirou alanterna no chatildeo de tal modo que se partiu e se apagou ldquoChego cedodemaisrdquo disse ele entatildeo ldquoo meu tempo ainda natildeo chegou Esseacontecimento enorme estaacute ainda a caminho caminha e ainda natildeochegou ao ouvido dos homens O relacircmpago e o raio precisam detempo a luz dos astros precisa de tempo as accedilotildees precisam de tempomesmo quando foram efetuadas para serem vistas e entendidas Estaaccedilatildeo ainda lhes estaacute mais do que as mais distantes constelaccedilotildees eforam eles contudo que a fizeramrdquo Conta-se que nesse mesmo dia estelouco entrou em diversas igrejas e entoou o seu Reacutequiem aeternam DeoExpulso e interrogado teria respondido inalteravelmente a mesma coisaldquoO que satildeo estas igrejas mais do que tuacutemulos e monumentos fuacutenebresde Deusrdquo (Cf NIETZSCHE 2005 p111-112)

Como diraacute Foucault em As Palavras e as Coisas a morte de Deus eacute

tambeacutem a morte de seu assassino

26

Em nossos dias e ainda aiacute Nietzsche indica de longe o ponto deinflexatildeo natildeo eacute tanto a ausecircncia ou a morte de Deus que eacute afirmadamas sim o fim do homem (este tecircnue este imperceptiacutevel desniacutevel esterecuo na forma da identidade que fazem com que a finitude do homemse tenha tornado o seu fim) descobre-se entatildeo que a morte de Deus e ouacuteltimo homem estatildeo vinculados natildeo eacute acaso o uacuteltimo homem queanuncia ter matado Deus colocando assim sua linguagem seupensamento seu riso no espaccedilo do Deus jaacute estaacute morto mas tambeacutem seapresentando como aquele que matou Deus e cuja existecircncia envolve aliberdade e a decisatildeo deste assassiacutenio Assim o uacuteltimo homem eacute aomesmo tempo mais velho e mais novo que a morte de Deus uma vezque matou Deus eacute ele mesmo que deve responder por sua proacutepriafinitude mas uma vez que eacute na morte de Deus que ele fala o que elepensa e existe seu proacuteprio assassinato estaacute condenado a morrerdeuses novos os mesmos jaacute avolumam o Oceano futuro o homem vaidesaparecer Mais que a morte de Deus ou antes no rastro desta mortee segundo uma correlaccedilatildeo profunda com ela o que anuncia opensamento de Nietzsche eacute o fim de seu assassino eacute o esfacelamentodo rosto do homem no riso e o retorno das maacutescaras (FOUCAULT1990 p 402)

Em Assim falou Zaratustra quem matou Deus e o confessa eacute o ldquouacuteltimo

homemrdquo o homem do ressentimento Cabe compreender o anuacutencio da ldquomorte de

Deusrdquo como uma criacutetica da Modernidade ou melhor do projeto do esclarecimento

que coloca a razatildeo no altar da autoridade daquela que diz a ldquoverdaderdquo satildeo as

mitologias da modernidade que iratildeo ocupar o lugar do Deus morto e sepultado

pelas instituiccedilotildees Escreve Roberto Machado em seu Zaratustra trageacutedia

nietzscheana que

Nietzsche natildeo quer provar que Deus natildeo existe como faziam os ateusO que lhe interessa eacute mostrar como e por que surgiu e desapareceu acrenccedila de que haveria um Deus A ldquomorte de Deusrdquo condiccedilatildeopressuposto histoacuterico dos principais temas expostos no Zaratustra eacute aconstataccedilatildeo do niilismo da modernidade eacute o fato de que ldquoa feacute no Deuscristatildeo deixou de ser plausiacutevelrdquo eacute a evidecircncia de que a feacute em Deus queservia de base agrave moral cristatilde se encontra minada de que desapareceuo princiacutepio em que o homem cristatildeo fundou sua existecircncia eacute odiagnoacutestico da ausecircncia cada vez maior de Deus no pensamento e naspraacuteticas do Ocidente moderno Dizer que Deus morreu significa dizercomo faz ldquoo insensatordquo que o homem matou Deus Mas esse homempode ser facilmente identificado eacute o homem moderno o homem reativoldquoo mais feio dos homensrdquo que por natildeo suportar aquele que via toda avergonha e a fealdade ocultou no acircmago de seu ser vingou-se dessatestemunha Eacute o homem moderno o responsaacutevel pela perda daconfianccedila em Deus pela supressatildeo da crenccedila no mundo verdadeirooriginaacuterio da metafiacutesica claacutessica e do cristianismo pela substituiccedilatildeo dateologia pela ciecircncia do sono dogmaacutetico pelo sonho antropoloacutegico doponto de vista de Deus pelo ponto de vista do homem A expressatildeoldquomorte de Deusrdquo eacute a constataccedilatildeo da ruptura que a modernidade introduz

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na histoacuteria da cultura com o desaparecimento dos valores absolutos dasessecircncias do fundamento divino Significa portanto a substituiccedilatildeo daautoridade de Deus e da Igreja pela autoridade do homem consideradocomo consciecircncia ou razatildeo a substituiccedilatildeo do desejo de eternidade pelosprojetos de futuro de progresso histoacuterico a substituiccedilatildeo de umabeatitude celeste por um bem-estar terrestre (MACHADO 1997 47-48)

A morte de Deus eacute tambeacutem a morte do homem escreve Foucault porque

o homem eacute um conceito inventado pela razatildeo iluminista no altar da ldquoverdaderdquo altar

porque eacute laacute que habitam os valores religiosos e de uma moral do ressentimento

com essa ldquoboardquo invenccedilatildeo seraacute assentado o humanismo e a pretensatildeo de

universalidade os ldquodireitos do homem e do cidadatildeordquo o que Nietzsche pretende eacute

criticar o projeto do esclarecimento o seu conteuacutedo de mentira na pretensa

verdade que sustenta e portanto apontar o homem como assassino de Deus eacute

demonstrar o seu anti-humanismo Aos que imputam ao Nietzsche a condiccedilatildeo de

ldquoheregerdquo ldquoanticristordquo ldquoateurdquo devem ser perguntados sobre que tipo de

ldquohumanismordquo professam ou ainda se natildeo satildeo cuacutemplices desse assassinato

Os autores da chamada Escola de Frankfurt principalmente na obra

Dialeacutetica do Esclarecimento de 1944 escrita por Adorno e Hockeimer no auge da

Segunda Guerra Mundial e republicada na deacutecada de 60 sem modificaccedilotildees

segundo atestam os autores no prefaacutecio61 iratildeo apontar o quanto esse

ldquohumanismordquo moderno conteacutem a semente da barbaacuterie da destruiccedilatildeo da vida do

aniquilamento ou seja conteuacutedo de ldquoanti-humanidaderdquo como apontam na uacuteltima

seccedilatildeo do livro ldquoo anti-semitismordquo Eacute certo que o diagnoacutestico de Nietzsche

contribuiu para essas anaacutelises dos pensadores de Frankfurt Oswaldo Giacoacuteia Jr

no seu Nietzsche amp Para Aleacutem de Bem e Mal escreve que Nietzsche antecipa

61 Frankfurt abril de 1969 (sobre a nova ediccedilatildeo alematilde) ldquoNatildeo nos agarramos sem modificaccedilotildees atudo o que estaacute dito no livro Isso seria incompatiacutevel com uma teoria que atribui agrave verdade umnuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacuterico como algo de imutaacutevel O livro foiredigido num momento em que jaacute se podia enxergar o fim do terror nacional-socialista Mas natildeosatildeo poucas as passagens em que a formulaccedilatildeo natildeo eacute mais adequada agrave realidade atual Quanto agravesalteraccedilotildees fomos muito parcimoniosos que o costume na reediccedilatildeo de livros publicados haacute mais deuma deacutecada Natildeo queriacuteamos retocar o que haviacuteamos escrito nem mesmo as passagensmanifestamente inadequadas Atualizar todo o texto teria significado nada menos do que um novolivrordquo Cfp9-10 In ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do esclarecimentofragmentos filosoacuteficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985

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algumas das conclusotildees dos frankfurtianos62 assim como traz a possibilidade de

Walter Benjamin trabalhar uma histoacuteria a ldquocontrapelordquo63 ou seja uma histoacuteria que

natildeo se daacute pelo progresso de um ldquohumanismordquo evidente ldquoverdadeirordquo ldquouniversalrdquo e

ldquoemancipadorrdquo Eacute nessa direccedilatildeo que Foucault lecirc Nietzsche na deacutecada de 60 o

momento em que ocorre a revisatildeo criacutetica de todas as suas obras comprovando a

fraude realizada pelo ldquomovimentordquo nazi-fascista Infelizmente os pensadores de

Frankfurt ainda leram Nietzsche sob a aacuteurea do ldquoestelionato intelectualrdquo que

sofreu o que demonstra que as falsificaccedilotildees do pensamento foram de tal modo

vulgares e ambiacuteguas que ainda permitiram uma leitura que depunha contra o

totalitarismo tal como a realizada pelos pensadores de Frankfurt que no contexto

de perseguiccedilatildeo Adorno e Horkheimer jaacute tinham imigrado para os EUA enquanto

que Walter Benjamin se suicida com medo de ser pego pelas forccedilas fascistas

basta lembrar tambeacutem que a Dialeacutetica do Esclarecimento natildeo sofreu revisotildees no

texto original muito embora reconheccedilam os autores que ldquoalgumas temaacuteticas ali

mereceriam uma outra leiturardquo Como certamente mereceria uma outra leitura a

conclusatildeo a que chegam nessa obra de que ldquoNietzsche ainda eacute um pensador que

realiza o Esclarecimentordquo ora se o leram enquanto no auge do nazi-fascismo

aquele Nietzsche lido pelo ldquomovimentordquo certamente era o autor que legitimava a

barbaacuterie da razatildeo esclarecida E natildeo o criacutetico mordaz do Esclarecimento que se

conheceraacute melhor depois da deacutecada de 60 Todavia ainda haacute a insistecircncia em

acusar Nietzsche de ldquoateiacutesmordquo de ser ldquometafiacutesicordquo e ateacute ldquomiacutesticordquo jaacute se disse que

Nietzsche natildeo quer discutir a existecircncia ou natildeo de Deus e a recomendaccedilatildeo dos

ateus de deixar ao homem a responsabilidade pela sua proacutepria vida e natildeo a uma

figura transcendente continua para Nietzsche uma ldquometafiacutesicardquo ao final deposita

no homem as esperanccedilas de um futuro melhor ainda haacute no ldquoateiacutesmordquo muito

humanismo

62 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem de bem e mal 2ed Rio de JaneiroJorge Zahar 2005 sp63 ldquoInspirado em Nietzsche e em sua oposiccedilatildeo agrave tirania do real contra as ondas da HistoacuteriaBenjamin propotildee uma histoacuteria a contrapelo para negar o cortejo triunfal onde cada monumento decultura eacute tambeacutem um monumento de barbaacuterierdquo Cf p 133 PEREIRA Luiacutes Fernando LopesDiscurso histoacuterico e direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursosdo direito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

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Coerentemente Nietzsche iraacute dizer que tambeacutem o ldquohomem precisa ser

superadordquo64 e para ele o ldquoateiacutesmordquo e ateacute o ldquoceticismordquo natildeo possuem ainda

coragem de ultrapassar a visatildeo do ldquohomemrdquo esse conceito Novamente se trata

de devolver aos acusadores essas imputaccedilotildees e questionaacute-los sobre o sentido

delas e antes sobre o fundamento delas e deles Albert Camus no seu O homem

revoltado vai dizer que a criacutetica de Nietzsche eacute contra os aspectos ciacutenicos da

Igreja a instituiccedilatildeo que teria traiacutedo os ensinamentos do Cristo por isso

constituindo-se em tuacutemulos de Deus65 O uacuteltimo e uacutenico Cristatildeo foi morto na

cruz escreve em O Anticristo66 ao que parece Nietzsche reconhecia apenas a

figura de Jesus no meio de uma torrente de mal entendidos quanto aos seus

ensinamentos O que daacute margem a quem o acusaraacute de ser ainda um crente ou

um miacutestico Esse aspecto eacute corroborado pela tese de que Nietzsche teria lido

Tolstoi para quem o reino de Deus estaacute em voacutes o autor russo teria no final da

vida abandonado toda a riqueza e a vida confortaacutevel para uma vivecircncia de

mendicacircncia e de andarilho renegando inclusive as obras que lhe deixaram

famoso Ana Karenina e Guerra e Paz Contudo difiacutecil provar embora haja

suspeita porque a biblioteca pessoal do filoacutesofo foi tambeacutem objeto de fraude pela

Sra Elisabeth e sua equipe de estelionataacuterios que desejavam acreditar total

originalidade ao pensamento de Nietzsche retirando possivelmente algumas das

obras que foram lidas e que mais influenciaram a ele dentre elas Tolstoi e

Dostoieacutevski

Mesmo assim falhando no seu empreendimento de ocultar evidecircncias

restou uma carta de Nietzsche em que ele confessaraacute ter lido Dostoieacutevski e se

impressionado com o autor russo que caracterizaraacute como um psicoacutelogo das

profundezas muito embora tambeacutem diga que o autor russo estaacute em contradiccedilatildeo

64 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

65 ldquoSe ele ataca particularmente o cristianismo visa apenas agrave sua moral Por um lado deixasempre intacta a pessoa de Jesus e por outro os aspectos ciacutenicos da Igrejardquo p 89 Cf CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

66 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm O Anticristo Maldiccedilatildeo ao cristianismo Trad Paulo Ceacutesarde Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 2007 sp

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profunda com o pensamento dele67 Sabe-se que Dostoieacutevski ao participar de

movimentos poliacuteticos de matizes ateiacutestas eacute preso e mandado agrave Sibeacuteria em que iraacute

desenvolver uma concepccedilatildeo de feacute pessoal num Deus que natildeo eacute a cristatilde Sabe-se

tambeacutem que curiosamente Tolstoi leu Nietzsche ao menos o Assim falou

Zaratustra e teria apoacutes essa leitura confessado uma certeza sua a de que

Nietzsche estava completamente louco quando o escreveu68 Nietzsche

consideraraacute Jesus um profeta do pacifismo e um idiota69 mas cabe entender

melhor que Jesus eacute esse lido por Nietzsche o proacuteprio conceito de idiota que ele

usa eacute bastante similar ao de Dostoieacutevski na obra O Idiota se trata do ingecircnuo do

pobre de coraccedilatildeo do bonzinho Explorando mais a fundo a perspectiva

nietzscheana de Jesus lecirc-se a obra de Nikos Kazantzaacutekis o escritor grego que se

formou em Direito na Universidade de Atenas e se tornaraacute depois autor de

literatura para quem na obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Jesus natildeo eacute muito

distante de Zaratustra quanto ao seu modo de vida perspectiva essa corroborada

por Albert Camus e tambeacutem por Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche

bufatildeo dos deuses70 Trata-se de um Jesus que eacute refrataacuterio agrave formaccedilatildeo de seitas

que natildeo quer ser cegamente seguido eacute um Jesus de carne e osso natildeo divinizado

e colocado no altar como fizeram os romanos por decreto Eacute antes um homem que

diante da uacuteltima tentaccedilatildeo a vida de rebanho confortaacutevel e feliz aceita o custo

traacutegico de seu sacrifiacutecio na cruz

Cada momento da vida de Cristo eacute um conflito e uma vitoacuteria Ele superouo encanto irresistiacutevel dos simples prazeres humanos superou astentaccedilotildees transubstanciou incessantemente a carne em espiacuterito e seelevou Ao atingir o topo do Goacutelgota ainda galgou a Cruz Mesmo aliporeacutem sua luta natildeo estava terminada A tentaccedilatildeo ndash a uacuteltima tentaccedilatildeo ndashesperava por ele na proacutepria Cruz Diante dos olhos esmorecidos doCrucificado o espiacuterito do Mal num lampejo momentacircneo desdobrou a

67 Cf LAVRIN Janko Nietzsche uma introduccedilatildeo biograacutefica Trad Carlos Neacutelson Coutinho Riode Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1974 sp68 Cf SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo de Jesus InRelatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo de Ernani Pinheiro ChavesUniversidade Federal do Paraacute 2008 sp69 Cf NIETZCHE O Anticristo ibidem

70 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

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visatildeo ilusoacuteria de uma vida tranquumlila e feliz Pareceu a Cristo que elehavia optado pela estrada amena e sossegada dos homens Casara-see tivera filhos As pessoas o amavam e o respeitavam Agora velhosentado ao portal de sua casa ele sorria com satisfaccedilatildeo quandorecordava os anseios de sua juventude Como fora sensato queesplecircndida decisatildeo tomara ao escolher o caminho dos homens Queinsanidade ter desejado salvar o mundo Que alegria ter escapado dasprivaccedilotildees das torturas da CruzEntretanto Cristo imediatamentesacudiu a cabeccedila com violecircncia abriu os olhos e viuA Tentaccedilatildeo seesforccedilou ateacute o uacuteltimo instante para desvia-lo do caminho e a Tentaccedilatildeofoi subjugada Cristo morreu na Cruz e naquele instante a morte foi parasempre derrotada (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988 p 7-8)

Kazantzaacutekis apresenta o relato de quem sabe o que teraacute que passar e que

tem medo disso e tenta como todo homem evadir-se de seu compromisso mas

continua sempre perturbado pelas visotildees que tem das coisas tal como o homem

louco de a Gaia Ciecircncia 125 possuiacutedo que estaacute pelo anuacutencio que tem que

fazer Zaratustra tambeacutem enfrenta uma uacuteltima tentaccedilatildeo expotildee Nietzsche

Coloco a superaccedilatildeo da compaixatildeo entre as virtudes nobres narreipoeticamente como a ldquoTentaccedilatildeo de Zaratustrardquo um momento em quelhe vem um grito de socorro em que a compaixatildeo busca surpreende-locomo um uacuteltimo pecado subtraiacute-lo de si mesmo Permanecer senhor dasituaccedilatildeo manter a altura de sua tarefa limpa dos impulsos mais baixos emiacuteopes que agem nas chamadas accedilotildees desinteressadas eis a prova auacuteltima prova talvez que um Zaratustra deve prestar ndash sua verdadeirademonstraccedilatildeo de forccedila (Cf NIETZSCHE 2003 p 29)

O Jesus nietzscheano quer companheiros e natildeo disciacutepulos e natildeo quer ser

visto como um pastor guiando ovelhas e sabe que para chegar a ser o que se eacute o

Cristo teraacute que testar na sua proacutepria carne os valores que afirma o que natildeo isenta

os outros de terem de fazer o mesmo O que difere da visatildeo salvacionista

humanista messiacircnica que eacute depositada natildeo sem propoacutesito em seus

ensinamentos vide diaacutelogo Jesus e Paulo presente na obra de Kazantzaacutekis

Eu crio a verdade forjo a verdade com obstinaccedilatildeo anseio e feacute Natildeo meesforccedilo por encontraacute-la Eu mesmo a construo Faccedilo com que seja maisalta do que o homem e assim o homem eacute obrigado a crescer Sequisermos que o mundo seja salvo eacute necessaacuterio (vocecirc estaacute meouvindo) eacute absolutamente necessaacuterio que vocecirc seja crucificado e euvou crucificaacute-lo quer vocecirc queira quer natildeo Pouco se me daacute se vocecircfica aqui sentado neste povoado miseraacutevel fabricando berccedilos cochos efilhos Se quer mesmo saber ordenarei que o ar assuma a sua forma ocorpo a coroa de espinhos os cravos o sangueTudo isso faz parte domecanismo da salvaccedilatildeo Todos os detalhes satildeo indispensaacuteveis E emtodos os cantos da terra inuacutemeros olhos se ergueratildeo e veratildeo vocecirc no

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ar crucificado Choraratildeo e seu pranto lavaraacute de suas almas todo opecado No terceiro dia poreacutem farei com que vocecirc ressurja dos mortospois natildeo haacute salvaccedilatildeo sem ressurreiccedilatildeo O inimigo mais terriacutevel o inimigodefinitivo eacute a morte Eu abolirei a morte Como Fazendo com que vocecircressuscite como Jesus o filho de Deus o Messias mdash Mas natildeo eacuteverdade Vou aparecer e gritar que natildeo fui crucificado que natildeo ressurgidos mortos que natildeo sou DeusPor que estaacute rindo mdash Pode gritar oquanto quiser Natildeo tenho medo de vocecirc Na verdade nem mesmopreciso mais de vocecirc A roda que vocecirc pocircs em movimento jaacute estaacuterodando quem conseguiraacute controla-la Para ser sincero enquanto vocecircestava aiacute falando por um aacutetimo ocorreu-me o desejo de atacaacute-lo eestrangula-lo para evitar que vocecirc por acaso revelasse sua identidadedemonstrando para essa pobre humanidade que nem chegou a sercrucificado Mas logo me acalmei Por que ele natildeo teria o direito degritar perguntei a mim mesmo Os fieacuteis cairatildeo sobre vocecirc e o lanccedilaratildeona pira para morrer queimado por blasfemar mdash Serei seu apoacutestolo quervocecirc queira quer natildeo Construirei a vocecirc e a sua vida seusensinamentos sua crucificaccedilatildeo e sua ressurreiccedilatildeo exatamente conformemeus desejos Natildeo foi Joseacute o carpinteiro de Nazareacute quem o gerou Fuieu Eu Paulo o escriba de Tarso na Siciacutelia (Cf KAZANTZAacuteKIS 1988p 490-491)

Jesus morre pelo seu anuacutencio e natildeo ldquopara salvar os outrosrdquo morre porque

ousou desafiar as autoridades da eacutepoca os poderes constituiacutedos a propoacutesito

Zaratustra diz ldquoamo aquele que morre pelo seu anuacutencio e que seu proacuteprio

anunciar o leva ao fimrdquo71 Os que acusam Nietzsche de ldquocrenterdquo o fazem por sua

biografia foi realmente um homem de soacutelida formaccedilatildeo religiosa filho de pastores

protestantes e desde jovem lia a biacuteblia foi criado para suceder o pai o qual morre

precocemente o que deixaraacute marcas profundas talvez uma revolta contra o Deus

ldquocastigadorrdquo na juventude escreveraacute um ensaio sobre as origens do mal Todavia

haacute que se acautelar diante de mais essa imputaccedilatildeo chamar Nietzsche de ldquocrenterdquo

eacute ignorar que seus escritos enfrentam justamente o problema da ldquocrenccedilardquo a culpa

a maacute consciecircncia e o ideal asceacutetico engendrados por uma moral que soacute se

sustenta na ldquocrenccedilardquo naquela que se transmite para formar e dominar ldquorebanhosrdquo

e natildeo raro se estabelece nos altares da verdade com iacutedolos de madeira

Agora se ainda insistem em acusar Nietzsche de ldquoprofeta de uma nova

crenccedilardquo eacute preciso que os acusadores antes de ter Nietzsche como artigo sua feacute

releiam a advertecircncia dele em Ecce homo ldquoeu preferiria ser um bufatildeo a um santo

sou disciacutepulo de Dionisordquo Isso ainda fornece material para outras incansaacuteveis

71 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

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tentativas de ldquoestelionatordquo

Ele foi um ldquomiacutesticordquo Um ldquoidealista romacircnticordquo Um ldquonostaacutelgicordquo a querer a volta aomundo grego

Nietzsche escreve numa de suas cartas como teve a visatildeo mais abissal e

terriacutevel de todas a do eterno retorno foi numa de suas caminhadas pelas

montanhas quando parou diante de uma pedra ldquoem forma de piracircmiderdquo

Contarei agora a histoacuteria do Zaratustra A concepccedilatildeo fundamental daobra o pensamento do eterno retorno a mais elevada forma deafirmaccedilatildeo que se pode em absoluto alcanccedilar eacute de agosto de 1881 foilanccedilado em uma paacutegina com o subescrito ldquoseis mil peacutes acima doshomens e do tempordquo Naquele dia eu caminhava pelos bosques perto dolago de Silvaplana detive-me junto a um imponente bloco de pedra emforma de piracircmide pouco distante de Surlei Entatildeo veio-me essepensamento Se poreacutem contarmos para frente a partir daquele dia ateacute oparto suacutebito acontecido nas mais inverossiacutemeis circunstacircncias emfevereiro de 1883 ndash a partir finalfoi concluiacuteda exatamente na horasagrada em que Richard Wagner morria em Veneza - resultam entatildeodezoito meses de gravidez (Cf NIETZSCHE 1995 p 82)

Acusaacute-lo de ldquomiacutesticordquo eacute buscar nele algo de misterioso fantaacutestico Tenta

se fundamentar essa imputaccedilatildeo em outros elementos tais como aquele que

ousou ir mais longe na compreensatildeo das coisas enxergou a ldquomorte de Deusrdquo e o

ldquoeterno retornordquo segue a isso os onze anos em que Nietzsche esteve em silecircncio

ldquomorto de olhos abertosrdquo escreve Escobar no seu Nietzsche dos companheiros72

esse foi o preccedilo que pagou pela ldquodescobertardquo Kazantzaacutekis iraacute escrever uma obra

intitulada ldquoAsceserdquo que resume entre outras algumas de suas proacuteprias

conclusotildees das leituras de Nietzsche elas o trazem para o campo do ldquomiacutesticordquo na

Ascese natildeo eacute Deus que deve salvar o homem mas o contraacuterio o homem que

deve salvar Deus engajando-se na luta Deus natildeo eacute transcendente mas estaacute no

corpo ldquoDeus eacute um labirinto de carnerdquo73 Nesse sentido outro autor da literatura

influenciado por suas leituras de Nietzsche eacute Herman Hesse que escreveraacute entre

72 Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio de Janeiro 7Letras2000 sp73 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo pauloAacutetica 1997 sp

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outras obras Sidatha e O Lobo da Estepe Cabe mencionar tambeacutem Gibran Khalil

Gibran que escreveraacute poemas de beleza e tonalidade ldquomiacutesticardquo com as suas

leituras nietzscheanas destaca-se a sua obra O Profeta e o poema ldquoo loucordquo que

na sua descriccedilatildeo assemelha-se ao aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia ldquoo homem

loucordquo cita-se Gibran Khalil

Perguntais-me como me tornei louco Aconteceu assim Um dia muitotempo antes de muitos deuses terem nascido despertei de um sonoprofundo e notei que todas as minhas maacutescaras tinham sido roubadas ndash assete maacutescaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas ndash ecorri sem maacutescara pelas ruas cheias de gente gritando ldquoLadrotildees ladrotildeesmalditos ladrotildeesrdquo Homens e mulheres riram de mim e alguns correrampara casa com medo de mim E quando cheguei agrave praccedila do mercado umgaroto trepado no telhado de uma casa gritou ldquoEacute um loucordquo Olhei paracima para vecirc-lo O sol beijou pela primeira vez minha face nua Pelaprimeira vez o sol beijava minha face nua e minha alma inflamou-se deamor pelo sol e natildeo desejei mais minhas maacutescaras E como num transegritei ldquoBenditos benditos os ladrotildees que roubaram minhas maacutescarasrdquoAssim me tornei louco E encontrei tanto liberdade como seguranccedila emminha loucura a liberdade da solidatildeo e a seguranccedila de natildeo sercompreendido pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisaem noacutes74

Antes que satisfeitos os acusadores queiram logo condenar Nietzsche no

rol dos pensadores ldquomiacutesticosrdquo ou de que sua filosofia ldquopagatilderdquo traga o geacutermen do

ldquomisticismordquo eacute preciso destacar que essas satildeo leituras de Nietzsche feitas por

outros autores satildeo ainda apropriaccedilotildees de seu pensamento e se acusam

Nietzsche de ldquomiacutesticordquo e de ldquopagatildeordquo eacute porque desejam caracterizaacute-lo dentro de

uma feacute ldquolegiacutetimardquo ou ldquoverdadeirardquo como algueacutem que estaacute fora dela querem com

isso subsiacutedios para a sua condenaccedilatildeo como ldquomalditordquo Ou talvez todo esse

empenho na condenaccedilatildeo ligeira no julgamento preacutevio seja motivado pelo medo

ao pensador que ousou declarar que seu ldquoofiacutecio era derrubar iacutedolosrdquo75 atacando o

problema do fundamento das verdades causando o estremecimento das

ldquocertezasrdquo Se julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve ser

banido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve que

74 Cf KHALIL GIBRAN Gibran O Louco Trad Mansour Challita Rio de Janeiro AssociaccedilatildeoCultural Internacional Gibran 1977 sp

75 Derrubar iacutedolos (minha palavra para ldquoideaisrdquo) ndash isto sim eacute meu ofiacutecio p 18 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995

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ldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presente

nos aforismas nietzscheanos76 enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e

ressentidos o acusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por

incriminaacute-lo mesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem

que deve ser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao

cadafalso que natildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do

carrasco que lecirc as acusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e

porque mereceria a condenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a

sua risada eacute ainda motivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de

que ele eacute ldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro

Ao escrever se confessando ldquodisciacutepulo de Dionisordquo77 os acusadores ou

seria melhor dizer detratores de Nietzsche o chamaratildeo de ldquoidealista romacircnticordquo e

de querer um retorno ldquonostaacutelgicordquo ao mundo grego antigo Baseiam-se na leitura

do idealismo alematildeo desde Novalis ateacute Houmlderlin em que a figura de Dioniso

aparece nos pensamentos e poesias da eacutepoca tambeacutem se amparam numa

suposta leitura romacircntica de Nietzsche nos seus primeiros livros ainda

influenciado por Schopenhauer78 e um ldquoromantismordquo wagneriano Novamente os

76 Sarah Kofman diz ldquoLer um filoacutesofo como Nietzsche eacute assistir um espetaacuteculo cocircmico Eacutecompreender que o talento proacuteprio ao lt gecircnio gt filosoacutefico seu talento mais dissimulado eacute umtalento cocircmico A universidade natildeo lhe perdoaraacute jamais ele retira dos filoacutesofos sua seriedade esua senilidade os desembaraccedila de seus vestuaacuterios de conceitos cinzas ele nos faz rirrdquo p 75Alguns motivos deleuzianos por Carlos Henrique de Escobar In ESCOBAR Carlos Henrique(Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

77 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad PauloCeacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995 sp

78 ldquoEle natildeo se deixaraacute arrebatar pela filologia mas pela filosofia no momento em que lhe chegaragraves matildeos a obra de Schopenhauer Em outubro de 1865 ele descobrira num antiquaacuterio de Leipizgos dois volumes de ldquoO mundo como Vontade e Representaccedilatildeordquo comprando e lendo-osimediatamente e depois como relata em suas autobiografias ficou por algum tempo embriagadoo mundo ordenado pela razatildeo pelo sentido histoacuterico e pela moral natildeo era o verdadeiro mundo lia-se ali Atraacutes ou por baixo dele pulsa a verdadeira vida a vontaderdquo p 37 Em Schopenhauer comoEducador Nietzsche descrevera por exemplo suas experiecircncias com Schopenhauer como umajovem alma encontra o princiacutepio baacutesico de seu verdadeiro eu atravessando a fileira de modelos sobcuja influecircncia esteve Uma alma decidida e exaltada descobriraacute o caminho de mais intensidadeCada modelo age como estiacutemulo para si proacuteprio Conduzidos pelos modelos devemos sair de noacutesmesmos para chegar ao cume de nossas possibilidades O verdadeiro eu escreveu Nietzscheaquela vez natildeo eacute encontrado em noacutes mesmos mas por cima de noacutes p 237-238 Cf SAFRANSKIRuumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial2005 Para Nietzsche ldquoa vontade natildeo eacute como quer Schopenhauer uma unidade dinacircmica mas

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ldquoestelionataacuteriosrdquo satildeo ligeiros em recortar a obra de Nietzsche e aproveitando-se

de sua natildeo sistematicidade o encaixam dentro de sua sistematicidade seja na

histoacuteria do romantismo ou a do idealismo nostaacutelgico agem em nome de seus

ldquoiacutedolosrdquo nisso contribuem para a condenaccedilatildeo de um pensador que trabalhou para

derrubar ldquoiacutedolosrdquo ldquoessa a minha palavra para ideaisrdquo79

Eacute sabido que Nietzsche iraacute amadurecer rompendo com o pessimismo

schopenhauriano80 e tambeacutem com o wagnerianismo e ainda que pouco antes de

seu colapso empreenderaacute um trabalho de revisatildeo de suas obras incluindo as que

satildeo utilizadas para fundamentar essas imputaccedilotildees quando escreveraacute prefaacutecios e

tambeacutem o Dioniso nietzscheano natildeo eacute exatamente o deus grego do vinho eacute uma

interpretaccedilatildeo nietzscheana do mito assim como o Zaratustra nietzscheano natildeo eacute

o mesmo profeta iraniano que supostamente existiu

Natildeo me foi perguntado deveria me ter sido perguntado o queprecisamente em minha boca na boca do primeiro imoralista significa onome Zaratustra pois o que constitui a imensa singularidade destepersa na histoacuteria eacute precisamente o contraacuterio dissoZaratustra eacute maisveraz do que qualquer outro pensador Sua doutrina apenas ela tem averacidade como virtude maior ndash isso eacute o contraacuterio da covardia doldquoidealistardquo que bate em fuga diante da realidade Zaratustra tem maisvalentia no corpo do que os pensadores todos reunidos Falar a verdadee atirar bem com flechas eis a virtude persa ndash Compreendem-me Aauto-superaccedilatildeo da moral pela veracidade a auto-superaccedilatildeo domoralista em seu contraacuterio ndash em mim ndash isto significa em minha boca onome Zaratustra (Cf NIETZSCHE 1995 p 110-111)

A figura de Dioniso eacute invocada como maacutescara mais uma das vaacuterias de

um pensamento que se potildee como ldquoteatro de maacutescarasrdquo segundo Deleuze81

um tumulto de tendecircncias diferentes um campo de combate de energias que lutam pelo poder p274 idem

79 Cf NIETZSCHE Ecce homo Ibidem

80 ldquoSchopenhauer embora pessimista verdadeiramente ndash tocava flautaDiariamente apoacutes arefeiccedilatildeordquo Cf p 86 retirado do aforisma 186 de Aleacutem do Bem e Mal In NIETZSCHE FriedrichWilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1992

81 ldquoNietzsche eacute talvez profundamente homem de teatro Ele natildeo fez somente uma filosofia de teatro(Dioniacutesio) ele introduziu o teatro na proacutepria filosofia E com o teatro novos meios de expressatildeoque transformam a filosofiardquo p 29 Conclusotildees (do VII Coloacutequio Internacional de Royaumont

37

Trata-se de enfrentar a moral da eacutepoca a cultura a poliacutetica e o poder

trabalhando para aleacutem de bem e mal e natildeo um apelo como querem os detratores

na tentativa de acusar Nietzsche de ldquonostaacutelgicordquo do mundo grego de um voltar

para traacutes quanto a isso diraacute Zaratustra ldquocomo a vontade pode querer para traacutes A

vontade natildeo pode querer para traacutesrdquo82 Eacute certo que Hitler desejava reconstruir o

centro de Berlin com monumentos semelhantes ao da acroacutepole grega as imagens

dos deuses musculosos e nus ilustrando sauacutede e forccedila semelhantes ao que

pretendia a propaganda fascista com o ldquohomem do idealrdquo da ldquosupremacia racialrdquo

e enredar Nietzsche nesse empreendimento eacute ser cuacutemplice desse ldquoestelionatordquo O

que torna mais necessaacuteria a tarefa de ser advogado de Nietzsche como aponta

Albert Camus

Na histoacuteria da inteligecircncia com exceccedilatildeo de Marx a aventura deNietzsche natildeo tem equivalente jamais conseguiremos reparar a injusticcedilaque lhe foi feita Sem duacutevida conhecem-se filosofias que foramtraduzidas e traiacutedas no decurso da histoacuteria Mas ateacute Nietzsche e onacionalsocialismo natildeo havia exemplo de que todo um pensamentoiluminado pela nobreza e pelo sofrimento de uma alma excepcionaltivesse sido ilustrado aos olhos do mundo por um desfile de mentiras epelo terriacutevel amontoado de cadaacuteveres dos campos de concentraccedilatildeoDevemos ser advogados de defesa de Nietzscherdquo (Cf CAMUS 1999 p97-98)

Demonstrando que essa volta ao mundo grego a acusaccedilatildeo de Nietzsche

ldquonostaacutelgicordquo eacute cuacutemplice do crime fascista ao pensamento dele que pretendeu

fazer propaganda do super-homem nietzscheano quando na realidade os

homens seguidores do Fuumlhrer natildeo foram mais do que seres instrumentalizados

natildeo foram mais do que ldquosub-homensrdquo83

ldquoNietzscherdquo) Sobre a Vontade de Potecircncia e o Eterno Retorno In Por que Nietzsche (Org)ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

82 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

83 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999p 98

38

Ele foi um defensor da ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo Um ldquointelectual daburguesiardquo da ldquodireitardquo

No seacuteculo XX com a ascensatildeo da alternativa comunista ou leituras do

marxismo dentre as vaacuterias o leninismo stalinismo o maoiacutesmo como aponta

Camus talvez aleacutem do Nietzsche tambeacutem Marx sofreu pelas apropriaccedilotildees na

tentativa de se fazer uso de sua autoridade intelectual para legitimar regimes

totalitaacuterios Camus escreve num periacuteodo em que jaacute se questionava os caminhos

desses regimes supostamente ldquomarxistasrdquo todavia alguns intelectuais da eacutepoca

que buscavam fazer uma leitura originaacuteria dos escritos de Marx com o objetivo de

resgatar o sentido de sua filosofia apressavam-se em trazer novas justificaccedilotildees e

diante da apropriaccedilatildeo fascista do pensamento de Nietzsche desse ldquoestelionatordquo

aproveitaram-se para cometer um ldquoestelionatordquo ainda maior que foi o de imputar a

Nietzsche a condiccedilatildeo de ldquointelectual da burguesiardquo da ldquodireitardquo defensor da

ldquoaristocraciardquo e da ldquoescravidatildeordquo aleacutem de outras qualificaccedilotildees similares para uma

larga carta de acusaccedilotildees em que se buscava contrapor Marx ao Nietzsche

ldquofascistardquo e apontar caminhos libertadores e de solidariedade na esteira dos

ldquomovimentosrdquo ldquocomunistasrdquo que liam ao seu modo o marxismo Tanto Nietzsche

como Marx foram pensadores que viveram no seacuteculo XIX natildeo se tem registro se

Nietzsche leu Marx jaacute que este era mais velho que ele mas eacute sabido que

Nietzsche conhecia e criticava o comunismo com a sua crenccedila na igualdade e

tambeacutem entendia o comunismo como um ldquocristianismordquo para as massas

enxergando um artigo de feacute no discurso daqueles que defendiam levar a

consciecircncia ao povo esclarecendo-o de sua condiccedilatildeo Para Nietzsche isso natildeo

seria muito diferente do discurso religioso que com o mesmo motivo vai ateacute o

povo com o catecismo buscando convertecirc-los a sua feacute Nesse sentido tambeacutem

iraacute rechaccedilar a ideacuteia de ldquoigualdaderdquo transmitida de modo quase messiacircnico de que

as diferenccedilas seriam abolidas e todos alcanccedilariam a igualdade no comunismo Eacute

justamente contra um discurso encobridor de diferenccedilas que se insurge o

pensamento de Nietzsche e que o faz desconfiar das saiacutedas apresentadas pelas

leituras dialeacuteticas seja dos hegelianos de direita seja a dos hegelianos de

esquerda dentre eles Marx A propoacutesito disso cabe mencionar o trabalho de

39

Habermas84 fazendo a advertecircncia para a leitura habermasiana da deacutecada de 80

que para combater as interpretaccedilotildees nietzscheanas dos franceses vai reler a luz

de Heidegger e com uma tonalidade kantiana defensora da modernidade por

mais paradoxal que pareccedila seraacute nessa obra que Habermas enunciaraacute a sua

alternativa pela accedilatildeo comunicativa contudo o seu livro eacute abundante no resgate

histoacuterico dos diversos matizes da filosofia reputada por ele como moderna

Nietzsche se potildee como antidialeacutetico85 com a sua filosofia da vontade de poder o

que vai gerar outras acusaccedilotildees como a de Nietzsche ldquoirracionalistardquo e

ldquonaturalistardquo

Os intelectuais ldquomarxistasrdquo como que investidos da autoridade de ldquodonosrdquo

de Marx fazendo dele seu partido seu artigo de feacute iratildeo acusar Nietzsche de

intelectual da burguesia logo o autor que foi um criacutetico da moral burguesa e do

liberalismo Novamente o expediente dos acusadores eacute o de vestir em Nietzsche

a camisa-de-forccedila de suas concepccedilotildees ideoloacutegicas tatildeo raacutepidos que ignoram a

autocriacutetica do seu partido jaacute que Marx viveu as expensas de Engels e sua

famiacutelia que eram burguesia para uma eacutepoca em que as diferenccedilas sociais eram

gritantes86 Eacute assim que esses acusadores de Nietzsche natildeo muito diferente dos

fascistas em nome de seu iacutedolo que natildeo eacute mais o Reich trataratildeo de realizar a

84 Trecircs Perspectivas Hegelianos de esquerda hegelianos de direita e Nietzsche p 57 a 88 Etambeacutem A entrada na Modernidade Nietzsche como ponto de viragem p89 a 108 InHABERMAS Juumlrgen O Discurso Filosoacutefico da Modernidade Trad Ana Maria Bernardo LisboaPublicaccedilotildees Dom Quixote 1990

85 Sobre essa antidialeacutetica nietzscheana cabe lembrar a observaccedilatildeo de Escobar sobre o temaldquoPara Nietzsche a dialeacutetica eacute uma forma de reconciliaccedilatildeo ao contraacuterio Nietzsche anseia por umatransvaloraccedilatildeo que se daacute pela afirmaccedilatildeo do positivo e do negativo da vida do martiacuterio e da alegriao que constituem os materiais dessa vida afirmada Cf p 80 ESCOBAR Carlos Henrique de Ogato agrave deriva da Razatildeo In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

86 Marx legou o conceito de praacutexis de proletariado e de revoluccedilatildeo mas recebia ajuda para soacuteescrever natildeo foi proletaacuterio de chatildeo de faacutebrica e natildeo apoiou a comuna de Paris talvez um dosmaiores episoacutedios de contestaccedilatildeo da ordem que esteve vivo para ver e nem fez uma revoluccedilatildeode outro tipo com ningueacutem natildeo exerceu a praacutexis de sua proacutepria teoria acreditava que soacute seriapossiacutevel acontecer a revoluccedilatildeo no mais alto estaacutegio do desenvolvimento das forccedilas produtivasnum paiacutes tal como a Inglaterra industrial de seu tempo muito distante da Ruacutessia e da China semi-feudais ainda no seacuteculo XX onde acontecerem revoluccedilotildees em seu nome e disse tambeacutem que aditadura do proletariado faria a transiccedilatildeo do socialismo para o comunismo quando o espectrodeixado pela ditadura dos partidaacuterios dos representantes da consciecircncia da classe foi oGulag o campo de concentraccedilatildeo a miseacuteria e a exclusatildeo dos proletaacuterios para os quais aigualdade de todos e a promessa do comunismo nunca chegou

40

faccedilanha de fazer o estelionato do estelionato Ora alccedilar Marx a condiccedilatildeo de

iacutedolo antiburguecircs santo revolucionaacuterio e acusar Nietzsche de idealista

burguecircs eacute de tal modo cocircmico a despeito da iacutendole criminosa que esse agir

com a feacute dos inquisidores quando condenam os malditos acaba ignorando que o

ofiacutecio de Nietzsche foi o de derrubar iacutedolos este o seu nome para ideais

Talvez esses acusadores agindo como maliciosos donos de Marx o tenham

colocado no altar feito por eles posiccedilatildeo que um criacutetico das religiotildees como

alienaccedilatildeo natildeo teria aceitado contudo diversos movimentos no seacuteculo XX

promoveram revoluccedilotildees com base numa leitura proacutepria do marxismo Dessas

muitas apropriaccedilotildees do que escreveu Marx e das atrocidades perpetradas em seu

nome jaacute houve material para muitos processos o que demandaria a reabertura

desses inqueacuteritos e se descobrir a que levou os estelionatos intelectuais Na

contramatildeo dos detratores marxistas de Nietzsche Foucault na deacutecada de 60 iraacute

participar de um coloacutequio na Franccedila em que apresentaraacute um trabalho intitulado

Nietzsche Freud e Marx que apontaraacute nesses trecircs autores similaridades quanto

ao modo de interpretar os signos do Ocidente o que possibilitaria pensar uma

nova hermenecircutica uma teoria de interpretaccedilatildeo

Marx Nietzsche e Freud situaram-nos ante uma possibilidade deinterpretaccedilatildeo e fundamentaram de novo a possibilidade de umahermenecircuticaInterrogo-me se natildeo se poderia afirmar que FreudNietzsche e Marx ao envolverem-nos numa interpretaccedilatildeo que se virasempre para si proacutepria natildeo tenham constituiacutedo para noacutes e para os quenos rodeiam espelhos que nos reflitam imagens cujas feridasinextinguiacuteveis formam o nosso narcisismo de hoje (Cf FOUCAULT1975 p 17)

Foucault tambeacutem em entrevista com Deleuze intitulada os intelectuais e

o poder publicada em seu livro a Microfiacutesica do Poder iraacute tecer comentaacuterios

sobre a mania dos intelectuais de falarem como representantes ou partidaacuterios

de algueacutem ou de alguma coisa ignorando que os proacuteprios excluiacutedos tecircm seu

proacuteprio discurso e praacuteticas evidentemente que naquele momento referia-se ao

discurso sobre as prisotildees que na sua iacutendole salvacionista e bem intencionada

recusava-se a enxergar que os proacuteprios presos deveriam falar por si mesmos

Eacute justamente nisso que parte outra acusaccedilatildeo de tonalidade marxista a

41

de Nietzsche individualista e de defensor de um aristocratismo A despeito de

caber o questionamento sobre o que estaacute por traacutes dessa iacutendole coletivista que

acusa eacute importante esclarecer do que se trata esse aristocratismo nietzscheano

Logo natildeo se trata de um referencial social ou de classe natildeo se estaacute a defender

uma aristocracia financeira e uma elite econocircmica quando utiliza as palavras

nobre ou aristocraacutetico Nietzsche se refere a vontade de poder a um modo de

pensar a filosofia que se daacute como choque constante de forccedilas em que uma

provisoriamente se coloca acima da outra mas em constante luta Isso quer dizer

alcanccedilar a vontade de poder em seu mais alto grau significaria o estado nobre

de espiacuteritos livres enquanto que a sujeiccedilatildeo a dominaccedilatildeo proacuteprias do espiacuterito

de rebanho significaria o estado de escravo Portanto nada tem a ver com a

temaacutetica soacutecio-econocircmica87 e na perspectiva nietzscheana um escravo no sentido

comum do termo mesmo assujeitado nas galeacutes pode se insurgir contra a sua

posiccedilatildeo desde que demonstre possuir essa vontade de poder no mais alto grau e

consiga assim dobrar a forccedila impor a ela sua proacutepria lei hierarquizando a seu

modo natildeo eacute de hierarquia social que se fala aqui mas da forccedila o que eacute proacuteprio

de um agir que eacute considerado por Nietzsche como nobre por isso esse escravo

seria um aristocrata Tal como o cavalo de Turim a relinchar e a dar coices o

animal carregador um nobre digno de ser um companheiro de Zaratustra-

Nietzsche Cabe esclarecer que para Nietzsche a vontade de poder eacute luta

constante nos corpos eacute visceral ela os atravessa como energia fluiacuteda no devir

Ainda eacute absurda a leitura que pretende trazer o pensamento de Nietzsche e sua

ideacuteia de aristocracia para a temaacutetica da Repuacuteblica de Platatildeo88 a do rei filoacutesofo

87 Explica tambeacutem assim Giacoacuteia Jr In GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Nietzsche amp Para aleacutem debem e mal 2ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 E ainda A despeito da sua religiosidade etambeacutem da sua filiaccedilatildeo ao estoicismo que ainda assim conteacutem muito dos ensinamentos deHeraacuteclito Cleantes pode ser considerado um exemplo daquele que soube se tornar umldquoaristocratardquo um ldquonobrerdquo no sentido nietzscheano de trabalhar com a vontade de poder na proacutepriavida ldquoSegundo a tradiccedilatildeo Cleantes natildeo se distinguia tanto pela inteligecircncia quanto pelasqualidades morais pouco comuns ex-pugilista praticava a filosofia como um ldquosegundo Heacuterculesrdquopor ser pobre trabalhava a noite puxando aacutegua nos jardins para poder estudar durante o diardquo CfHUISMAN Denis Dicionaacuterio dos filoacutesofos Satildeo Paulo Martins Fontes 2001 p 216-217

88 Nietzsche eacute um pensador maldito porque ousou desafiar a tradiccedilatildeo aqueles que se articulamcom ele como companheiros num coro traacutegico vatildeo ser expulsos da polis como acontecia com ospoetas traacutegicos na Repuacuteblica de Platatildeo e ainda banidos para o confinamento como loucos

42

Aleacutem de criacutetico ferrenho do platonismo muito embora esse Platatildeo lido por

Nietzsche seja uma apropriaccedilatildeo dele89 mesmo assim o que Nietzsche propugna

em seus escritos eacute uma inversatildeo do platonismo e o filoacutesofo como guerreiro e natildeo

entronado talvez seu modelo seja mais proacuteximo ao do espartano que do

ateniense sem querer com isso absorver ao Nietzsche as imputaccedilotildees cabiacuteveis ou

natildeo aos espartanos afinal essa longa carta de acusaccedilotildees jaacute eacute grande

contraditoacuteria e densa o suficiente

Ele foi um irracionalista Um vitalista Um filoacutesofo da literatura

Os arautos da razatildeo e seus genuiacutenos representantes destilam a faacutecil

imputaccedilatildeo de irracionalista a Nietzsche a de filoacutesofo da literatura pensador da

arte ou como trabalha na dimensatildeo da vontade de poder o acusam de

abandonar a razatildeo e de deixar o exame das coisas a uma vontade a intuiccedilatildeo

aos sentidos caindo num vitalismo naturalismo das coisas Ora o que

Nietzsche faz eacute forccedilar a razatildeo a se questionar em seu impeacuterio em sua vontade

de verdade opondo a ela o jogo de forccedilas da vontade de poder natildeo se trata de

abandono da razatildeo mas levaacute-la a um questionamento radical colocando as suas

verdades como problema apontando o conteuacutedo de inverdade em suas

verdades90 pois satildeo mentiras que esqueceram de que o satildeo provoca Nietzsche

E para realizar a criacutetica dos fundamentos em que se ampara a proacutepria razatildeo que

destila essas acusaccedilotildees Nietzsche faz uso do perspectivismo ataca as

verdades e os iacutedolos por acircngulos diversos o que parece aos leitores

acostumados com a linearidade dos filoacutesofos mais dogmaacuteticos o expediente de

um louco de algueacutem que o tempo todo se contradiz de onde acusam

internados teratildeo no seu encalccedilo a poliacutecia as escolas o exiacutelio a medicina Cf Escobar p 76ldquoCabe entatildeo a arguacutecia da loucura para se antepor ao constrangimento da lei e agrave ilusatildeo deinteligibilidade platocircnicardquo p 77 idem Alguns motivos deleuzianos In ESCOBAR CarlosHenrique (Org) Dossier Deleuze Rio de Janeiro Hoacutelon Editorial 1991

89 O Platatildeo de Nietzsche e o Nietzsche de Platatildeo texto de Giacoacuteia Jr que explora essa temaacuteticasem referecircncia

90 Cf texto de Nietzsche na coletacircnea os pensadores ldquoverdade e mentira no sentido extra-moralrdquoIn NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

43

novamente Nietzsche de irracionalista tatildeo acostumados que estatildeo a ler os

arautos da razatildeo que falam a verdade para eles enquanto Nietzsche natildeo traz

nenhuma verdade Demonstrar que essa verdade transmitida pelos outros natildeo

passa de uma catequese de um esquematismo dogmaacutetico desses filoacutesofos

apegados a sistemas Nietzsche compara essa vontade de verdade como

vontade de sistema e provoca dizendo que esses filoacutesofos jamais saberiam de

mulheres91

Nietzsche natildeo eacute sistemaacutetico e natildeo se quer assim para isso se utiliza do

perspectivismo enquanto realiza a filosofia a golpes de martelo fazendo ataques

contundentes em diversos pontos das estruturas construiacutedas sobre o legado

daqueles que se dizem racionais ou melhor os produtores da verdade

Portanto cabe devolver a imputaccedilatildeo de irracionalista que natildeo eacute distante da

outra a de louco aos acusadores requerendo tambeacutem o exame das verdades

e das razotildees destes e que intuito tecircm nessa acusaccedilatildeo questionando se natildeo eacute

a preservaccedilatildeo de alguma tradiccedilatildeo modo de pensar ou verdade dita que se quer

absoluta e irrefutaacutevel Quando Nietzsche trata do perspectivismo afirma que natildeo

haacute fatos tudo eacute interpretaccedilatildeo92se tudo eacute interpretaccedilatildeo isso tambeacutem seria uma

interpretaccedilatildeo logo a interpretaccedilatildeo segue ao infinito93 todavia antes que os

racionalistas imputem uma suposta inconsequecircncia nesse meacutetodo Nietzsche

elege a vida como criteacuterio de seu perspectivismo cujo valor natildeo pode ser

avaliado eacute o olho que natildeo pode olhar para si mesmo94 Aiacute quem sabe os mais

apressados e satisfeitos em encontrar a verdade das coisas acusem Nietzsche

de vitalista ou naturalista queiram colocar essa camisa-de-forccedila nele para

aplacar a necessidade de prender logo esse louco que tudo questiona e

certamente eacute um problema para vaacuterias confrarias

91 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 sp

92 Ibidem

93 Cf FOUCAULT Michel Theatrum philosoficum Nietzsche Freud e Marx Paris 197594 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

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Contudo a vida para Nietzsche natildeo eacute um ponto estaacutetico no tempo ela

deve ser vista no devir eacute vida enquanto corpo e natildeo como metafiacutesica de

compreensatildeo de todas as coisas eacute vida sofrida dura e que deve ser superada

ou melhor ultrapassada vergada pela vontade de potecircncia que lhe atravessa

num jogo numa luta Eacute natildeo compreendendo esse procedimento nietzscheano

que os ligeiros acusadores reclamam do caraacuteter contraditoacuterio e paradoxal dos

aforismas de Nietzsche e o chamam novamente de irracionalista sendo que

num jogo numa luta de forccedilas as interpretaccedilotildees devem se enfrentar devem

entrar num embate exigir a linearidade o que querem os donos das camisas-de-

forccedila metodoloacutegicas seria acabar com o jogo por um ponto final a esse embate

de forccedilas de interpretaccedilotildees Incansaacuteveis os detratores de Nietzsche ainda

questionam a sua condiccedilatildeo de filoacutesofo e o menosprezam cometendo outro

duplo crime julgar a literatura um saber menor querendo enquadraacute-lo nela na

tentativa de assim dar a Nietzsche a condiccedilatildeo que acham que ele merece Esse eacute

o esforccedilo de expulsar Nietzsche da filosofia para mandaacute-lo para a literatura que

deve ser denunciado por incomodar muito a confraria dos filoacutesofos acham que a

soluccedilatildeo eacute logo bani-lo para outro departamento se bem que essa visatildeo

compartimentalizada do saber natildeo eacute sem sentido tambeacutem e vem a atender a

alguns propoacutesitos e conveniecircncias

Essas estrateacutegias maliciosas dos acusadores principalmente essa de

mudar Nietzsche de departamento para natildeo ter que se incomodar com ele eacute

recurso fundado em alguns estereoacutetipos principalmente relacionados ao modo de

escrita nietzscheana que eacute dita como filosoacutefico-poeacutetica por aforismas e ao seu

Assim Falava Zaratustra que eacute obra que narra a trajetoacuteria de um personagem e

suas metamorfoses sendo essa a obra capital de Nietzsche considerada por ele

mesmo assim escreve no seu Ecce homo

Entre minhas obras ocupa o meu Zaratustra um lugar agrave parte Eacute tambeacutemo mais profundo o nascido da mais oculta riqueza da verdade poccediloinesgotaacutevel onde balde nenhum desce sem que volte repleto de ouro ebondade Aqui natildeo fala nenhum ldquoprofetardquo nenhum daqueles horrendoshiacutebridos de doenccedila e vontade de poder chamados fundadores dereligiotildees Eacute preciso antes de tudo ouvir corretamente o som que saidesta boca este som alciocircnico para natildeo se fazer deploraacutevel injusticcedila aosentido de sua sabedoria Aiacute natildeo fala um fanaacutetico aiacute natildeo se ldquopregardquo aiacute

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natildeo se exige feacute eacute de uma infinita plenitude de luz e profundeza defelicidade que vecircm gota por gota palavra por palavra ndash uma delicadalentidatildeo eacute a cadecircncia dessas falas Tais coisas alcanccedilam apenas osmais seletos natildeo eacute dado a todos ter ouvidos para ZaratustraEle natildeoapenas fala diferente ele eacute diferente(Cf NIETZSCHE 1995 p 19

Contribui tambeacutem a variada recepccedilatildeo artiacutestica e literaacuteria que teve o

pensamento nietzscheano como inspirador autores da literatura como Thomas

Mann Nikos Kazantzaacutekis Albert Camus Hermann Hesse todos tiveram

produccedilotildees literaacuterias com tonalidades nietzscheanas Todavia eacute preciso destacar

que por traacutes da tentativa de considerar Nietzsche um literato estaacute tambeacutem a

tripla acusaccedilatildeo de apoliacutetico de contemplativo de natildeo engajado como se

tambeacutem a literatura fosse o tipo penal e lugar para onde devem ir os que se

encaixam nessas trecircs imputaccedilotildees o que natildeo deixa de ser uma distorccedilatildeo e maacute-feacute

na proacutepria ideacuteia que se faz da literatura Que Nietzsche teve impacto na esteacutetica

isso natildeo quer dizer que a esteacutetica que se produz por influecircncia dele em seus

vaacuterios niacuteveis seja no cinema no teatro e na literatura natildeo tenham conteuacutedo

poliacutetico e de engajamento como contestaccedilatildeo da ordem E ainda a imputaccedilatildeo de

contemplativo estaacute tambeacutem embutida na carga de significados da palavra

filoacutesofo como o nefelibata algueacutem que vive nas nuvens ora todo o

desenvolvimento filosoacutefico de Nietzsche se daacute como criacutetica radical da filosofia

contemplativa que para ele comeccedila com Soacutecrates e Platatildeo e tem seu ponto de

culminacircncia na modernidade aferrada ao kantismo Assim a filosofia de Nietzsche

conteacutem uma pragmaacutetica de abertura ao mundo95 ou como sugere Foucault toda

teoria deve ser vista como uma praacutetica96 para quem os textos de Nietzsche

constituem uma caixa de ferramentas97 eacute uma filosofia de criacutetica ao Poder nas

variadas relaccedilotildees que os constituem de questionamento da ordem e que sinaliza

um outro tipo de engajamento natildeo partidaacuterio e que vai depender do

95 Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo O perspectivismo de Nietzsche In palestra no VI Congressode Filosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba no ano de 2008 notas de proacuteprio punho

96 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro EdiccedilotildeesGraal 1979 sp97 Ibidem

46

agenciamento da forccedila contida em seus aforismas98 Nesse sentido deve-se

perguntar aos acusadores se contemplativos natildeo satildeo eles ao esperar que os

textos lhes tragam verdades

Ramificar o pensamento sobre o exterior eacute o que literalmente osfiloacutesofos nunca fizeram mesmo quando falavam de poliacutetica mesmoquando falavam de passeio ou de ar puroNietzsche coloca de modomuito claro se vocecirc quer saber o que eu quero dizer encontre a forccedilaque daacute sentido pelo menos um novo sentido ao que eu digo Ramifiqueo texto sobre essa forccedila Desta maneira natildeo haacute problema deinterpretaccedilatildeo de Nietzsche natildeo haacute senatildeo problemas maquinar o textode Nietzsche procurar com que forccedila exterior atual eacute preciso passaralgo uma corrente de energiaEacute ao niacutevel do meacutetodo que se coloca aquestatildeo do caraacuteter revolucionaacuterio de NietzscheEacute isso tratar oaforisma como um fenocircmeno que aguarda novas forccedilas que o vecircmldquosubjugarrdquo ou faze-lo funcionar isto eacute faze-lo explodir (Cf DELEUZEsano p 13-14)

Ele foi um niilista Um poacutes-moderno

Martin Heidegger quando daacute uma conferecircncia sobre Nietzsche afirma

Nietzsche eacute o nome da coisa para o seu pensamento99 a sugestatildeo eacute a de que

Nietzsche eacute um niilista e este eacute o uacuteltimo instante de uma longa histoacuteria do

pensamento metafiacutesico Eacute sabido que esse empreendimento de Heidegger tem

por objetivo afirmar seu proacuteprio pensamento sobre Nietzsche fazendo uma

apropriaccedilatildeo que eacute conveniente a seu ideaacuterio de quem deseja ser ele e natildeo

Nietzsche o primeiro antimetafiacutesico De qualquer modo ainda repercute

facilmente aos acusadores ligeiros sempre atentos as classificaccedilotildees e

simplificaccedilotildees das coisas a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute niilista e mais uma

vez eacute ele proacuteprio quem produz provas contra si mesmo tornando mais difiacutecil a

sua defesa ao dizer que ele eacute o uacuteltimo niilista100 Eacute preciso apontar que

98 ldquoNietzsche eacute o uacutenico (senatildeo um dos uacutenicos) pensamento que natildeo desliza para a situaccedilatildeoabstrata das ldquofilosofiasrdquo ele eacute um pensamento concreto todo carne todo paixatildeo todo trama Seuestilo eacute diretamente poliacuteticordquo Cf Escobar p 82 O gato agrave deriva da Razatildeo In Por queNietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

99 HEIDEGGER Martin Nietzsche I Trad Marco Antocircnio Casanova Rio de Janeiro ForenseUniversitaacuteria 2007 sp

100 Contido em NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens RodriguesTorres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978Eacute preciso esclarecer isso segundo Camus ldquoCom Nietzsche o niilismo torna-se pela primeira vez

47

Nietzsche realiza o diagnoacutestico do niilismo cuja relaccedilatildeo eacute estreita com o anuacutencio

da morte de Deus e que o seu filosofar a golpes de martelo natildeo quer apenas

destruir mas tambeacutem abrir espaccedilo para uma atividade criativo-afirmativa de novos

valores Por isso natildeo deixa de ser um estelionato desse Heidegger ainda

analiacutetico ex-integrante das forccedilas nazi-fascistas e que leu no original assim como

Nietzsche desde os preacute-socraacuteticos ateacute os maiores expoentes da histoacuteria da

filosofia quem sabe na ambiccedilatildeo de superar a todos incluindo Nietzsche para se

auto-proclamar o primeiro anti-metafiacutesico Decorre assim a imputaccedilatildeo de

Nietzsche como niilista o que corrobora as acusaccedilotildees que seguem das leituras

apressadas e confortaacuteveis desses que desejam ver Nietzsche estaacutetico em algum

lugar quem sabe numa parede esperando seu fuzilamento Nietzsche natildeo eacute um

niilista eacute antes o filoacutesofo que constata o niilismo como psicoacutelogo como um cliacutenico

e vai apontar para uma transvaloraccedilatildeo ou ultrapassamento do niilismo eacute esse o

seu anuacutencio se niilista fosse Nietzsche estaria proacuteximo dos sub-homens nazistas

e natildeo do que almeja sua filosofia o aleacutem-do-homem natildeo como ponto metafiacutesico

no tempo mas como dilaceramento do conceito homem atravessado pela vontade

de poder a ideacuteia do aleacutem-do-homem para-aleacutem-do-homem supra-humano ou

super-homem a depender da traduccedilatildeo eacute nada mais que um rearranjo das forccedilas

em luta no seu mais alto grau

Se acreditou que para Foucault como para Nietzsche era o homemexistente que se ultrapassava ndash em direccedilatildeo a um super-homem querocrer Nos dois casos eacute uma incompreensatildeo a respeito de Foucaultassim como a respeito de Nietzsche (sem falar ainda na questatildeo da maacute-vontade e da estupidez que aacutes vezes inspira os comentaacuterios sobreFoucault como tambeacutem no caso de Nietzsche)O super-homem nuncaquis dizer outra coisa eacute dentro do proacuteprio homem que eacute preciso libertara vida pois o proacuteprio homem eacute uma maneira de aprisiona-la A vida setorna resistecircncia ao poder quando o poder toma como objeto avidaQuando o poder se torna biopoder a resistecircncia se torna poder davida poder-vital que vai aleacutem das espeacutecies dos meios e dos caminhosdesse ou daquele diagramaE eacute no proacuteprio homem que eacute precisoprocurar para Foucault tanto quanto para Nietzsche o conjunto das

conscienteEle reconheceu o niilismo e examinou-o como fato cliacutenico Dizia-se o primeiro niilistarealizado da EuropaPara Camus porque levou o niilismo ateacute os seus limites e soube tirarconsequecircncias disso o meacutetodo de Nietzsche eacute um meacutetodo de revoltardquo Cfp 86-87 CAMUSAlbert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record 1999

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forccedilas e funccedilotildees que resistemagrave morte do homem Cf DELEUZE 1991p94-100)

Heidegger talvez arrependido do seu engajamento com o nazismo e sua

colaboraccedilatildeo vai se refugiar na floresta negra e deixaraacute de trabalhar a filosofia

analiticamente estranhanhamente para quem acusou Nietzsche de niilista e

metafiacutesico querendo assim afirmar a sua proacutepria filosofia na mais alta estatura

como momento inicial da criacutetica que se daacute como anti-metafiacutesica esse Heiddeger

no final da vida ele viveu quase 100 anos em comparaccedilatildeo com Nietzsche para

buscar na linguagem poeacutetica algo muito proacuteximo ao estilo nietzscheano a

derradeira superaccedilatildeo da metafiacutesica assim terminou a ambiccedilatildeo heideggeriana

Aponta Gadamer no segundo volume do seu Verdade e Meacutetodo seguidor de

Heidegger e lido no Direito quando se trata da hermenecircutica filosoacutefica

O encontro com o cenaacuterio francecircs significa um verdadeiro desafio paramim Derrida assevera que o Heidegger tardio natildeo rompeu realmentecom o logocentrismo da metafiacutesica Ao perguntar pela essecircncia daverdade ou pelo sentido do ser Heidegger segue falando segundoDerrida a linguagem da metafiacutesica que considera o sentido como algoque estaacute agrave matildeo e que eacute preciso encontrar Nessa questatildeo Niertzscheteria sido mais radical Seu conceito de interpretaccedilatildeo natildeo significa abusca de um sentido simplesmente dado mas a posiccedilatildeo de sentido aserviccedilo da vontade de poder Somente assim rompe-se com ologocentrismo da metafiacutesica Natildeo resta duacutevida de que para fugir dalinguagem metafiacutesica o Heidegger tardio elaborou ele proacuteprio sualinguagem semipoeacutetica Sobretudo ao defrontar-me com os francesestenho plena consciecircncia de que minhas proacuteprias tentativas de traduzirHeidegger denunciam meus limites e mostrando sobretudo ateacute queponto eu mesmo estou preso agrave tradiccedilatildeo romacircntica das ciecircncias doespiacuterito e do legado humanista (Cf GADAMER 2002 p 384-385)

Oacutebvio que natildeo se trata de menosprezar o legado do filoacutesofo da floresta

negra101 Heidegger iraacute influenciar os pensadores denominados ldquopoacutes-modernosrdquo

tambeacutem em tom de acusaccedilatildeo e natildeo causal sempre eacute a busca de uma

101 Eacute preciso ressaltar que Martin Heidegger iraacute influenciar aleacutem dos pensadores ditos ldquopoacutes-modernosrdquo tambeacutem Hannah Arendt que eacute lida no Direito quando se trata de pensar aldquodemocracia radicalrdquo ela foi sua aluna ou talvez mais do que isso e ainda o pensador da modaGiorgio Agamben que foi seu ex-aluno por indicaccedilatildeo de Arendt Deve-se ainda defenderHeidegger das acusaccedilotildees de pensador ldquonazistardquo embora tenha se filiado ao movimento aleacutem doarrependimento posterior a sua obra natildeo estaacute ldquocontaminadardquo por ideacuteias fascistas anti-semitas ecoisas do gecircnero como apresenta o trabalho do Professor da UNICAMP ex-aluno de HeideggerZeljko Loparic Heidegger Reacuteu ndash Um ensaio sobre a periculosidade da filosofia Campinas SPPapirus 1990

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caracterizaccedilatildeo e a tentativa de afirmar um perfil mais verdadeiro que os outros

os poacutes-modernos e aiacute natildeo haacute consenso nos limites da caracterizaccedilatildeo que eacute dada

por outrem ou seja quer dizer que os acusados de o serem natildeo concordavam

necessariamente com essa simplificaccedilatildeo muito conveniente agraves academias do

saber compartimentalizado mas dentre eles Foucault Deleuze Derridaacute Cabe

destaque para a filosofia da teacutecnica desenvolvida por Heidegger quando escreve

dois tomos sobre Nietzsche a compilaccedilatildeo de suas preleccedilotildees eacute o embate de seu

pensamento contra o de Nietzsche que produz o que resultaraacute em sua filosofia da

teacutecnica102 Essa filosofia da teacutecnica seraacute uacutetil aos desenvolvimentos da leitura de

Foucault sobre poder principalmente a formulaccedilatildeo de um poder que se exerce

sobre as populaccedilotildees sobre o corpo o biopoder Corrobora essa influecircncia

Deleuze quando escreve obra em memoacuteria ao falecimento de Foucault de

mesmo nome em que apresenta uma citaccedilatildeo do proacuteprio Foucault em que aponta

que ldquoTodo o meu devir filosoacutefico foi determinado pela minha leitura de Heidegger

Mas reconheccedilo que foi Nietzsche quem venceurdquo p 121

Ou seja muito embora recorram a Heidegger os poacutes-modernos diante

da crise das epistemologias e das certezas depois do holocausto nazista e do

gulag comunista querem achar uma terceira via e iratildeo buscar inspiraccedilatildeo no

Nietzsche que a partir da deacutecada de 60 com a ediccedilatildeo criacutetica de toda a sua obra

recuperada do estelionato fascista comprovadas as fraudes serviraacute de

trampolim para o desenvolvimento de novas visotildees dos problemas e suscitaraacute

outras respostas as velhas perguntas diante de um mundo cada vez mais

complexificado Todavia como aponta Deleuze em Conversaccedilotildees

Em publicaccedilatildeo no Libeacuteration 2 e 3 de setembro de 1986 entrevista aRobert Maggiori quando se pergunta a Deleuze que ldquoNa Chronique decircsideacutees perdues Franccedilois Chacirctelet ao evocar a amizade muito antiga comvocecirc com Guattari com Scheacuterer e Lyotard escreve que vocecircs eram doldquomesmo timerdquo e tinham ndash marca talvez da verdadeira conivecircncia ndash osldquomesmos inimigosrdquo Vocecirc diria o mesmo de Michel Foucault Vocecircseram do mesmo time Deleuze responde ldquoPenso que sim Chacirctelettinha um sentimento vivo disso tudo Ser do mesmo time eacute tambeacutem rir

102 GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclo mutaccedilotildeesnovas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de 2007 notasde proacuteprio punho

50

das mesmas coisas ou entatildeo calar-se natildeo precisar ldquoexplicar-serdquo Eacute tatildeoagradaacutevel natildeo ter que se explicar Tiacutenhamos tambeacutem possivelmenteuma concepccedilatildeo comum da filosofia (Cf DELEUZE 1995 p 108)

Ele Foucault e outros nomes comumente relacionados ao poacutes-

modernismo se viam como parte de um mesmo time pensavam parecido e

discordavam pouco ou seja acaba sendo estranha a acusaccedilatildeo de Nietzsche

como poacutes-moderno o que se fez foi uma leitura dele mais uma mais um tipo de

apropriaccedilatildeo talvez menos mentirosa natildeo chegou ao niacutevel do estelionato como

as leituras fascistas mas ainda assim eacute preciso contestar a acusaccedilatildeo do

Nietzsche como poacutes-moderno porque essa eacute tambeacutem uma leitura de quem faz e

sabe que eacute parte de um mesmo time para natildeo dizer confraria igrejinha e coisas

do gecircnero Embora Foucault Deleuze Derridaacute e outros sejam testemunhas

interessantes com coisas a dizer no sentido de defender Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o Poder que discute poliacutetica que contesta dogmas e que tem sua

utilidade no Direito eacute preciso natildeo perder a vigilacircncia criacutetica no sentido de que

Nietzsche natildeo pensou apenas aquilo que eles confirmarem ou avalizarem em

seus testemunhos mais uma vez para trabalhar uma defesa de Nietzsche seraacute

preciso agir nietzscheanamente aborrecendo as confrarias se preciso for

pensando contra elas tambeacutem Haacute quem acuse Nietzsche de poacutes-moderno

justamente por confudi-lo com algum time fazem isso ingenuamente ou

propositalmente pela longa lista de acusaccedilotildees deve-se acreditar mais na segunda

hipoacutetese e nesses intentos propositais de ensinar aos outros o Nietzsche poacutes-

moderno ou precursor do poacutes-moderno que natildeo deixa de ser um eufemismo

ainda pouco lisonjeiro eacute que se faz a condenaccedilatildeo subreptiacutecia do seu pensamento

enquanto pertencente a uma escola um time uma seita novamente cabe

devolver mais essa imputaccedilatildeo aos acusadores sobre que escolas e que

confrarias eles querem sustentar com isso qual o objetivo e qual o anseio guarda

essa vontade de verdade de sistema de caracterizaccedilotildees Talvez assim

perceba-se que por traacutes da acusaccedilatildeo de Nietzsche poacutes-moderno haacute os

defensores do neokantismo de um retorno da modernidade ou das boas

coisas das luzes como quer Habermas na sua ideacuteia de accedilatildeo comunicativa que

se baseia na igualdade dos falantes no poder deliberativo e na democracia

51

validada pela participaccedilatildeo e a confianccedila na representaccedilatildeo ou ainda a defesa

daqueles que pretendem superar o paradigma linguiacutestico ao propor a

transmodernidade103 nisso eacute conveniente a leitura e a condenaccedilatildeo do Nietzsche

poacutes-moderno porque se trata antes de uma condenaccedilatildeo ao europeu

colonizador e da busca de um pensamento identitaacuterio latino-americano Por traacutes

dessas condenaccedilotildees maliciosas deve-se enxergar a pretensatildeo desses

acusadores desejosos de colocar a camisa-de-forccedila em Nietzsche que eacute a de

suas concepccedilotildees ideoloacutegicas os quais esperam obter um miacutenimo de criteacuterio para

orientar melhor seus julgamentos ou validar seus preacute-julgamentos Quiccedilaacute o

objetivo desses acusadores seja o de fundar novas igrejas ou de conquistar

espaccedilo para o seu time jogar

Ele eacute mais um pensador eurocecircntrico

Realmente as costas de Nietzsche satildeo bem largas sem trocadilho

poucos tem folhas tatildeo longas de acusaccedilotildees muitas delas motivadas por

verdadeiros estelionatos intelectuais e apropriaccedilotildees maliciosas leituras raacutepidas

e um pouco de maacute-feacute tambeacutem quando natildeo muito de teimosia daqueles que satildeo

crentes em seus iacutedolos os quais ou foram tocados diretamente pelo martelo

nietzscheano ou tem receio de que o seja por uma via indireta Como dizia

Nietzsche eacute o instinto de conservaccedilatildeo de quem teme a destruiccedilatildeo104 que

assola o iacutentimo dos acusadores ou detratores mas para saber eacute preciso deixar

que acusem as proacuteximas imputaccedilotildees da lista satildeo a de que Nietzsche eacute apenas

mais um autor eurocecircntrico e a mais cocircmica eacute uma leitura maliciosa do

Nietzsche como um zooacutefilo em virtude do famoso episoacutedio de Turim que natildeo

estaacute distante da acusaccedilatildeo do louco Nietzsche De fato Nietzsche nasceu e viveu

na Europa importante frisar que foi um andarilho porque a seu modo frequumlentou

diversas localidades das montanhas nos Alpes ateacute a proacutepria Turim sempre

103 Referecircncia ao filoacutesofo latino-americano Enrique Dussel que na sua obra Eacutetica da Libertaccedilatildeoconsidera Nietzsche aleacutem de ldquoirracionalistardquo ldquopensador esteacuteticordquo tambeacutem ldquomais um eurocecircntricordquo

104 NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

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variando climas como aponta Maria Cristina Franco Ferraz em seu Nietzsche o

bufatildeo dos deuses105 esse expediente era parte de uma medicina que Nietzsche

aplicava a si mesmo acreditava que assim podia controlar melhor seus estados

de sauacutede conseguindo alcanccedilar o que denominava de a grande sauacutede aquela

que o fazia escrever a maior parte de suas obras em estado de explosatildeo criativa

e em suas cartas diz pressentir que ainda morreria por causa de um desses

estados106 isso ainda alimenta as acusaccedilotildees de Nietzsche como miacutestico

profeta mas de fato o seu uacuteltimo ano de produccedilatildeo teoacuterica 1888 talvez tenha

sido o mais intenso de sua vida que foi bastante curta se comparada a de

Heidegger e ao colapso que acomete a Nietzsche em janeiro de 1889 Natildeo se haacute

registro de preocupaccedilotildees latino-americanas em Nietzsche apenas uma breve

sugestatildeo de sua vontade de vir para o Meacutexico trabalhar107 isso no auge dos

transtornos a decepccedilatildeo com Lou Salomeacute a briga com a famiacutelia afinal a Sra

Elisabeth natildeo soacute fraudou a obra do irmatildeo como tambeacutem foi partiacutecipe no

rompimento de Nietzsche e Lou plantando intrigas108 assim chegou Nietzsche a

pensar em sair da Europa para se afastar de tudo definitivamente Contudo o

Nietzsche que vem para a Ameacuterica Latina vem pelo sobrenome da Sra Elisabeth

e se instala no Paraguai ela chega com o marido e estaacute nesse momento brigada

com o irmatildeo que jaacute natildeo aprovava a vinculaccedilatildeo ao nazi-fascismo e ao anti-

semitismo que a irmatilde adotara com o genro O objetivo dos dois eacute o de fundar uma

105 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

106 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

107 Nietzsche considera a possibilidade de passar um tempo na Tuniacutesia ldquoQuero viver um bomtempo entre os muccedilulmanos e ali onde sua feacute eacute mais rigorosa assim certamente haacute de aguccedilarmeu discernimento e minha visatildeo de tudo que for europeurdquoNietzsche desiste de sua viagem agraveTuniacutesia porque laacute irrompe a guerra Agora sonha com o planalto do Meacutexico Por que ficar naEuropa A obra cuidaraacute de que ele natildeo seja esquecido por alirdquo Cfp 201 SAFRANSKI RuumldigerNietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left Luft Satildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

108 Essa hipoacutetese eacute sustentada por Maria Cristina Franco Ferraz em seu ldquoNietzsche o bufatildeo dosdeusesrdquo sp E tambeacutem por HALEacuteVY Daniel Nietzsche uma biografia Trad Roberto Cortes deLacerda e Waltenir Dutra Rio de Janeiro Campus 1989 sp

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colocircnia chamada Nova Germacircnia para propagar esses ideais todavia o

empreendimento resulta um fracasso e assim apenas a irmatilde retorna para a

Europa o seu marido havia se suicidado nisso termina a breve histoacuteria dos

Nietzsche na Ameacuterica Latina Com base nisso os acusadores que sentem

arrepios ao ouvir a palavra eurocentrismo comodamente sentem-se

confortaacuteveis em imputar a condenaccedilatildeo do Nietzsche como pensador

eurocecircntrico um colonizador apenas um numa outra longa lista de

conquistadores da Ameacuterica cujo legado deve ser abolido e substituiacutedo pela busca

da identidade originaacuteria encoberta nesses anos todos seacuteculos de colonizaccedilatildeo Eacute

nesse sentido que se fala em transmodernidade como uma nova matriz

epistemoloacutegica que parte da vida dos excluiacutedos e natildeo da linguagem como faz o

europeu Habermas e tambeacutem natildeo como Nietzsche muito embora na

constelaccedilatildeo de imputaccedilotildees seja ateacute difiacutecil escolher uma suficiente para ele basta

a condenaccedilatildeo de louco poacutes-moderno o que importa eacute tirar Nietzsche e todos

os outros do caminho e facilitar o empreendimento desses acusadores e

engenheiros de paradigmas ou melhor empreiteros de igrejas Natildeo eacute a toa que

um dos grandes marcos teoacutericos da linha transmoderna eacute um teoacutelogo ou ex-

teoacutelogo109 que prega uma filosofia da libertaccedilatildeo de alteridade de pluralidade e

que parte dos oprimidos um pensador que enfrenta o colonizador Ora difiacutecil

natildeo concordar com esse discurso ele eacute muito sedutor ainda mais no Brasil

quando nossa histoacuteria parece acontecer sempre como conciliaccedilatildeo e natildeo como

ruptura De fato o modo como se constituiu a histoacuteria brasileira eacute de uma

independecircncia e uma repuacuteblica uma democracia sempre por decreto natildeo

oriunda de uma luta de um enfrentamento de forccedilas de convulsatildeo social haacute

historiadores que contam que o dia seguinte da proclamaccedilatildeo da repuacuteblica muitos

achavam que ainda se vivia o impeacuterio no Brasil Quando estudam a histoacuteria desse

109 A referecircncia eacute Dussel embora seja criticado pois a estrateacutegia de defesa adotada aqui eacutenietzscheanamente a de atacar tambeacutem cabe historicizar o advento da chamada ldquoteologia dalibertaccedilatildeordquo e a sua participaccedilatildeo em episoacutedios importantes da histoacuteria brasileira como aperseguiccedilatildeo na ditadura militar muitos padres teoacutelogos intelectuais se engajaram na luta contra aditadura e pereceram ou foram torturados tiveram um fim traacutegico Ou seja naquele contexto osldquoteoacutelogos da libertaccedilatildeordquo aceitaram o custo traacutegico nietzscheano do seu anuacutencio (o engajamentocontra a tirania poliacutetica contra o dogmatismo) e pereceram foram excomungados da Igreja

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modo os acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico entendem ter

encontrado o ponto fraco dessa defesa e jaacute satisfeitos colocam o capuz no reacuteu

e o mandam para o cadafalso ou seria o patiacutebulo afinal eacute chegado o tempo do

oprimido comeccedilar a enfrentar o colonizador entatildeo eacute o momento de trazer a

guilhotina para caacute o mais europeu dos instrumentos de supliacutecio E os

engenheiros de novos paradigmas acusadores detratores e inquisidores bradam

a sentenccedila do banimento ao mais um europeu Nietzsche porque natildeo lhes

interessa o legado do colonizador agora querem escrever a sua proacutepria histoacuteria

ao seu modo Ora o Nietzsche filoacutesofo natildeo eacute o mesmo Nietzsche cujo sobrenome

andou por aqui e teve o intento de colonizar o pensador Nietzsche natildeo quer

convencer ningueacutem de suas ideacuteias e nem ser pastor de igreja eacute antes um

destruidor dos velhos valores morais das eacuteticas religiosas e do ressentimento eacute

algueacutem que exorta pelos criadores de novos valores110

Eacute quando os acusadores policialescamente se preparam para decretar a

condenaccedilatildeo definitiva do Nietzsche como mais um eurocecircntrico que se deve

objetar pelo fundamento do que se chama transmoderno filosofia da libertaccedilatildeo

e de sua eacutetica Realmente ser advogado de Nietzsche natildeo eacute faacutecil a depender

da acusaccedilatildeo mais inescrupulosa a pena pode ser capital eacute preciso aceitar viver

perigosamente111 o que requer um empenho de retoacuterica e argumentaccedilatildeo juriacutedica

que conduz aos limites mais severos

As acusaccedilotildees satildeo fortes e ao mesmo tempo muito faacuteceis o elemento

geograacutefico parece inquestionaacutevel muitas condenaccedilotildees criminosas foram jaacute

arquitetadas com base em acusaccedilotildees de liame faacutecil natural o proacuteprio nazismo se

legitimava num direito natural e selecionava as pessoas quanto ao fenoacutetipo

nada mais natural agora haacute um desejo a ser satisfeito por parte de quem acusa a

tentativa de levar ao banimento intelectual esse Nietzsche alematildeo de bigodes

absurdamente grandes e louros Ora mas Nietzsche ao contraacuterio do que se diz

110 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

111 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

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natildeo foi um alematildeo e sim um apaacutetrida Depois da vitoacuteria de Bismarck e a

unificaccedilatildeo alematilde Nietzsche natildeo assume a identidade alematilde continuaraacute

apaacutetrida jaacute que a Pruacutessia que nasceu natildeo existia mais Ainda por vaacuterias vezes

brincaraacute com o fato escarnecendo dos alematildees como um povo que natildeo sabia

apreciar a cultura que mal sabiam quem eram devido a sua existecircncia enquanto

paiacutes ainda recente112 Portanto trata-se de um homem que eacute andarilho apaacutetrida e

que estaacute fora da jurisdiccedilatildeo de qualquer Estado de Direito como julgaacute-lo Como

condenaacute-lo Ah sim continua sendo ainda um europeu mesmo que seja pelos

lugares que vagou que esteve que nasceu Condenemos mais esse europeu

Natildeo eacute alematildeo mas eacute europeu O empreendimento de defesa se torna mais

dramaacutetico porque eacute sempre um trabalho contra uma maioria contra uma multidatildeo

ao que parece os acusadores satildeo incansaacuteveis mas eacute preciso dizer que a filosofia

de Nietzsche natildeo se encerra na europa ou que o tuacutemulo dela natildeo pertence a um

ponto geograacutefico ou antes que eacute um pensamento sem tuacutemulo sem geografia

Logo apressam-se os carrascos a atar o noacute goacuterdio da poacutes-modernidade ao

pescoccedilo de Nietzsche para lanccedilaacute-lo agrave forca Afinal como pode haver algo sem

localizaccedilatildeo geograacutefica Algo que natildeo morre eacute qualquer coisa menos humano

Soacute pode ser ideacuteias poacutes-modernas Antes de mais essas acusaccedilotildees ligeiras eacute

preciso esclarecer que esse apaacutetrida natildeo tem lugar geograacutefico embora tenha

vivido sempre na europa natildeo se deixou viver em um soacute lugar foi andarilho natildeo

soacute como homem mas tambeacutem no pensamento a razatildeo nietzscheana eacute nocircmade e

o trabalho de seu pensamento eacute um nomadizar-se113 os acusadores natildeo

aceitando essas objeccedilotildees ainda insistem no chavatildeo poacutes-moderno Deleuze para

eles o eacute como se a tese jaacute estivesse derrotada por testemunhos suspeitos mas

a falta de escruacutepulo daqueles que interrompem a defesa trazendo sempre as

mesmas condenaccedilotildees ao palco mesmo as jaacute contra-argumentadas eacute sinal de

que temem perder uma causa certa com o intento da condenaccedilatildeo do pensamento

112 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994

113 Cf DELEUZE Gilles O Pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano sp

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nietzscheano de algum modo seja pelo transmoderno e seu banimento da

academia de direito onde nunca deveria ter ousado entrar Eacute assim que a defesa

nesse trabalho sobre-humano pois sempre no limiar sente que haacute uma chance

de vencer a causa ou na pior das hipoacuteteses tornar mais difiacutecil a tarefa dos

acusadores portanto eacute preciso insistir com as testemunhas mesmo que falem

sob a suspeita da jurisdiccedilatildeo natildeo para responder as imputaccedilotildees mas fazecirc-las

explodir Deleuze aponta que o pensamento de Nietzsche eacute desterritorializado e

que ler esse pensamento eacute se pocircr a deriva

Lemos um aforisma ou um poema do ZaratustraO uacutenico equivalenteconcebiacutevel seria talvez ldquoser conduzido comrdquoSomos conduzidos ndash umaespeacutecie de canoa da Medusa ndash haacute bombas que caem em volta dacanoa a canoa deriva em direccedilatildeo a regatos subterracircneos glaciais oubem em direccedilatildeo a rios toacuterridos o Orenoco o Amazonas pessoasremam juntas pessoas que natildeo se supotildee obrigadas a se amarem quese agridem que se devoram Remar junto eacute compartilhar dividir algofora de toda lei de todo contrato de toda instituiccedilatildeo Uma deriva ummovimento de deriva ou de ldquodesterritorialidaderdquo eu digo de uma maneiramuito fluida muito confusa pois se trata de uma hipoacutetese ou de umavaga impressatildeo sobre a originalidade dos textos nietzscheanos Umnovo tipo de livro (Cf DELEUZE sano p 12)

Nos seus uacuteltimos escritos Nietzsche apresenta um tema que denominou a

ldquogrande poliacuteticardquo114 a qual parte de uma compreensatildeo da poliacutetica para aleacutem das

fronteiras do entatildeo Estado de Direito ou seja uma poliacutetica de controle do mundo

natildeo mais a romacircntica poliacutetica dos interesses locais autoacutectones que no momento

em que escrevia era a poliacutetica de Bismarck dos Estados-Naccedilatildeo de governos

nacionalistas e autoritaacuterios que conseguiam formar identidades com a forccedila de

exeacutercitos

De algum modo esse tipo de poliacutetica de matizes ldquomodernosrdquo para

114 Sobre o tema destaca-se o trabalho de Jorge Luiz Viesenteiner ldquoA Grande Poliacutetica emNietzscherdquo ldquoTrata-se precisamente de compreender a Grande Poliacutetica a partir do vieacutes que o termoagon encerra em torno de si bem como todo o cortejo pluralista que acompanha um tal contextoagoniacutestico Imprimindo pois um sentido radicalmente conflitual agrave Grande Poliacutetica noestabelecimento do agon do campo de batalha para os filoacutesofos legisladores natildeo se trata mais deabsolutizaccedilotildees dogmaacuteticas que se auto-excluem mas ao contraacuterio trata-se preferencialmente doestabelecimento de uma arena que consiste muito mais na integraccedilatildeo em proveito da manutenccedilatildeoda tensatildeo do conflito Eacute justamente num tal terreno que os senhores da Terra ndash os legisladores dofuturo ndash satildeo capazes da criaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo e sobretudo do cultivo global da Terrardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p161

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Nietzsche padecia de viacutecios de origem ldquotodo Estado comeccedila como uma terriacutevel

tirania espero ter afastado a ideacuteia romacircntica de que se comeccedilava por um

contratordquo115 A crenccedila num povo ldquocomumrdquo numa ldquocivilizaccedilatildeordquo sob a eacutegide da paz e

da ldquoboa consciecircnciardquo o que Nietzsche sinalizava era o ldquoembusterdquo da poliacutetica como

dominaccedilatildeo imperialista do mundo para longe de qualquer romantismo o que

levaria as duas Guerras Mundiais que ocorreram no seacuteculo XX Mais uma vez natildeo

se trata de um pensador ldquoniilistardquo mas de um cliacutenico de algueacutem que iraacute fazer um

diagnoacutestico que terrivelmente se confirmou natildeo eacute ldquomais um erocecircntricordquo mas um

criacutetico da poliacutetica ldquoglobalrdquo que natildeo eacute atributivo exclusivo da europa a qual jaacute

perdeu o direito de posse dos ldquoideaisrdquo do ldquoesclarecimentordquo e da ldquocivilizaccedilatildeo como

melhor dos mundosrdquo haacute muito tempo desde Colombo ateacute Cortez Os ldquoideais do

esclarecimentordquo jaacute natildeo conhecem geografia satildeo tambeacutem apaacutetridas Esse eacute o

diagnoacutestico do Nietzsche ldquoapaacutetridardquo um psicoacutelogo que enxerga o problema com

um ldquopathosrdquo de distacircncia116 o qual recomenda como ferramenta de criacutetica ou o de

servir das coisas com lente de aumento117 e se quisermos compreender essa

ldquogrande poliacuteticardquo eacute preciso se pocircr agrave deriva para aleacutem dos romantismos

Aos acusadores do Nietzsche como ldquomais um eurocecircntricordquo eacute preciso

objetar-lhes tambeacutem sobre seu novo artigo de feacute a ldquotransmodernidaderdquo Nisso os

criacuteticos do eurocentrismo nunca se potildee em criacutetica natildeo fazem a criacutetica voltar-se

contra si mesma acham-se na condiccedilatildeo de descobridores de Eldorado quando

na verdade o Eldorado foi uma invenccedilatildeo estrateacutegia dos verdadeiros autoacutectones

da Ameacuterica natildeo dos intelectuais que falam por eles para fazer os incaultos se

115 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 74

116 pathos ainda mais misterioso o desejo de sempre aumentar a distacircncia no interior da proacutepriaalma a elaboraccedilatildeo de estados sempre mais elevados mais raros remotos amplos abrangentesem suma a elevaccedilatildeo do tipo ldquohomemrdquo a contiacutenua ldquoauto-superaccedilatildeo do homemrdquo para usar umafoacutermula moral num sentido supra-moralrdquo Cf p 169 trecho retirado do aforisma 257 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Aleacutem do bem e mal preluacutedio a uma filosofia do futuro TradPaulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

117 Nunca ataco pessoas ndash sirvo-me da pessoa como uma forte lente de aumento com que se podetornar visiacutevel um estado de miseacuteria geral poreacutem dissimulado pouco palpaacutevel p 32 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1995

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perderem muitos morreram e foram dizimados pela feacute no suposto Eldorado118 e

quiccedilaacute esse tenha sido um dois maiores atos de bufonaria da histoacuteria um instante

nietzscheano antes mesmo de Nietzsche Aos acusadores e defensores do

transmoderno eacute preciso dizer-lhes que o eurocecircntrico estaacute em nossa liacutengua

portuguesa em nossa origem colonial de instituiccedilotildees tambeacutem portuguesas um

Estado carola para natildeo dizer administrado por religiosos natildeo que a religiatildeo

seja um problema (o proacuteprio Nietzsche criacutetico da religiatildeo dizia que se ela serve

para aumentar a potecircncia da sua vida entatildeo a professe) O que eacute problemaacutetico no

discurso dos transmodernos eacute o esquecimento de que a dominaccedilatildeo das

Ameacutericas se deu pelo esclarecimento e pela cruz como os dois gumes de uma

mesma espada Os teacuteoricos da libertaccedilatildeo emancipaccedilatildeo agem quase como

teoacutelogos e falam dentro de uma loacutegica da comunidade do gregaacuterio e de

valores humanistas que natildeo satildeo outra coisa senatildeo mais umas invenccedilotildees

eurocecircntricas Ora esses acusadores de Nietzsche como mais um eurocecircntrico

conseguem ser mais crentes nas invenccedilotildees eurocecircntricas do que ele Por sorte

que os verdadeiros autoacutectones ameriacutendios os quais natildeo sabiam o que era a

cruz antes de Colombo e Cortez e que podem ter desaparecido pelo genociacutedio

promovido por esses homens esclarecidos morrendo pela espada ou pela

conversatildeo ao menos souberam fornecer sinais de um Eldorado que se existe

ou natildeo nunca foi encontrado Ao contraacuterio do que se passa no Brasil hoje em que

muitos outros Eldorados jaacute se achou paiacutes completamente atrelado ao governo

do mundo tanto politicamente como economicamente numa histoacuteria de natildeo

ruptura mas sempre conciliaccedilatildeo Por isso eacute preciso denunciar esses acusadores

de Nietzsche enquanto crentes nessa filosofia da libertaccedilatildeo que natildeo rompeu

com o ideaacuterio de dominaccedilatildeo embutido na cruz e o quanto esse novo paradigma

transmoderno ainda cheira a moderno

118 A propoacutesito cabe citar o filme ldquoAguirre a coacutelera dos deusesrdquo com a participaccedilatildeo do cineastabrasileiro Ruy Guerra numa produccedilatildeo de Werner Herzog

59

Ele foi um imoral Um voluntarista

A faacutebrica engenhosa de acusaccedilotildees tambeacutem imputa a Nietzsche a

condiccedilatildeo de imoral e de voluntarista seria Nietzsche um filoacutesofo que eacute contra a

repressatildeo dos instintos e como tambeacutem eacute contra os partidarismos os

engajamentos por meio de projetos no sentido marxista do termo acaba sendo

tido como um voluntarista se natildeo um individualista mais um defensor do

espontaneiacutesmo poliacutetico querendo com isso caracterizaacute-lo como menos poliacutetico

para natildeo dizer apoliacutetico ou pensador menor De fato quem acusa o faz

inescrupulosamente eacute um trabalho faacutecil muitas vezes a imputaccedilatildeo eacute dada por

alguma histoacuteria que se espalhou natildeo involuntariamente quando se ouviu dizer tal

coisa sobre Nietzsche e de fato o empenho ateacute aqui foi de mostrar a longa

histoacuteria de estelionatos cometidos contra ele por isso eacute ainda comum que

pairem no ar muitas acusaccedilotildees sobre ele talvez nem todas ainda relacionadas

nessa reabertura de inqueacuterito Podem ser que outras surjam o que torna o ofiacutecio

de advogado de Nietzsche um serviccedilo quase impossiacutevel pois quando natildeo haacute

resposta a dar as imputaccedilotildees a contra-argumentaccedilatildeo se daacute por converter a

acusaccedilatildeo numa potente questatildeo que ao menos sirva para desmantelar os

acusadores na sua feacute inquisitorial o trabalho de retoacuterica juriacutedica se daacute como um

lanccedilar de dinamites que se natildeo for suficiente para vencer a causa ao menos

consiga empataacute-la o objetivo eacute evitar a condenaccedilatildeo capital essa sim a real vitoacuteria

dos acusadores os colecionadores de antiguidades Para quem acusa

Nietzsche eacute mais um velho pensador que natildeo deve ser lido porque natildeo traz

contribuiccedilotildees para o presente e todo o ofiacutecio juriacutedico comeccedila em advogar o

contraacuterio Eacute preciso demonstrar que Nietzsche eacute um destruidor criacutetico radical dos

valores de uma moral burguesa de rebanho o que natildeo quer dizer e tambeacutem

como o dionisiacuteaco em seus aforismas que sejam indicaccedilotildees de um Nietzsche

defensor do erotismo exacerbado da orgia da imoralidade afinal essas

acusaccedilotildees tem forte tonalidade moralista eacute de se suspeitar que quem ofereccedila

essas imputaccedilotildees a Nietzsche o tenha como um ameaccedilador da dignidade e dos

bons costumes como um lobo mau Nesse sentido acusar Nietzsche de

imoral eacute uma reaccedilatildeo compreensiacutevel para quem sente os seus valores tocados

60

pela filosofia dele Todavia eacute importante revelar mais esse estelionato cometido

contra Nietzsche o que o filoacutesofo defende eacute que sejam criados novos valores a

liberdade nietzscheana natildeo eacute a liberdade do liberalismo eacute uma liberdade que

depende de uma lei119 que eacute autoimposta pelos espiacuteritos livres o pensamento

que exige o ultrapassamento constante requer disciplina e uma certa limpeza

consigo mesmo um outro tipo de ascese120 Quando Zaratustra faz o seu anuacutencio

do super-homem e de que Deus estaacute morto logo compreendem-no mal

distorcem as palavras dele como tentam fazer esses acusadores de Nietzsche

como defensor da imoralidade o que entenderatildeo os uacuteltimos homens do

anuacutencio de Zaratustra eacute que o homem tem todos os direitos natildeo significa que

grandes coisas satildeo possiacuteveis como quer Zaratustra mas que todas as

pequenas coisas satildeo autorizadas Compreendem que se Deus estaacute morto natildeo

existem mais moral nem dever nem regra de vida confundem o imoralismo com

a imoralidade121

Nietzsche eacute um defensor do imoralismo e natildeo da imoralidade eacute preciso

que se entenda a diferenccedila disso antes de acusaacute-lo levianamente A exigecircncia

por novos valores e pelo aleacutem-do-homem requer o ultrapassamento da visatildeo

decadente dos uacuteltimos homens aqueles que entendem mal o anuacutencio de

Zaratustra cabe portanto compreender que a morte de Deus natildeo eacute suficiente se

natildeo for animada por uma nova exigecircncia a virtude da vontade de potecircncia Se

compreendem como tudo eacute permitido natildeo haacute moral e natildeo haacute eacutetica o resultado

eacute o niilismo os uacuteltimos homens satildeo niilistas e quem acusa Nietzsche de ser

imoral tambeacutem eacute suspeito de o ser Para o filoacutesofo a vontade de nada esse

niilismo pode conduzir agrave extrema decadecircncia muito mais baixa do que a antiga

119 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999 sp

120 Nisso se relacionam as posiccedilotildees de Antocircnio Cacircndido no posfaacutecio da coleccedilatildeo os pensadorestambeacutem a visatildeo de Kazantzaacutekis a despeito de sua miacutestica e ainda Nietzsche no Zaratustraquando sentencia ldquotornai-vos duros ofiacutecio do guerreiro Cf NIETZSCHE Friedrich WilhelmAssim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

121 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

61

moral ao niilismo mais extremo122

O fato de Nietzsche escrever por aforismas paraacutebolas e de modo natildeo

sistemaacutetico contribui para que aleacutem dessas imputaccedilotildees recaia tambeacutem a de

pensador antieacutetico ou de que natildeo exista eacutetica possiacutevel com Nietzsche Enxergaacute-

lo assim eacute um outro modo de continuar vestindo nele a roupa de lobo mau

certamente esses inquisidores jaacute tecircm alguma eacutetica pronta com a qual acusam

desejando preservaacute-la Nisso a acusaccedilatildeo do Nietzsche antieacutetico aproxima-se a

da dele como anarquista querendo nisso apontar tambeacutem nele um retorno ao

estado de natureza de barbaacuterie com a aboliccedilatildeo da ordem de qualquer estatuto

ou regra Ora essa eacute uma estrateacutegia tatildeo niilista e folcloacuterica que talvez pouco ou

nada queira dizer sobre o que os proacuteprios anarquistas pensam Claro que para

averiguar seria necessaacuterio reabrir mais esse inqueacuterito pois quiccedilaacute tambeacutem os

anarquistas tenham sofrido muito com a maliacutecia de outros estelionataacuterios Mas

essas mateacuterias satildeo temas de outros processos cujo conteuacutedo natildeo pode ser

trazido por apensamento a este trabalho que jaacute eacute um mergulho no processo de

condenaccedilatildeo do pensamento nietzscheano motivado por acusaccedilotildees levianas de

muacuteltiplas direccedilotildees O desafio para afirmar uma eacutetica nietzscheana estaacute no

pensamento de um autor que combate universalismos natildeo os promove e

tambeacutem de algueacutem que natildeo fez de sua filosofia uma lista de dogmas cuja leitura

sistemaacutetica pudesse lograr respostas vaacutelidas Assim os acusadores sentem-se

mais encorajados em ter achado mais uma vez o noacute da filosofia nietzscheana um

pensamento sem eacutetica onde nenhuma saiacuteda eacute possiacutevel ainda mais para quem

estaacute acostumado com receitas eacuteticas dadas a priori por pensamentos que lhes

ditam a verdade Certamente natildeo eacute desse tipo de eacutetica que se trata quando se

estuda Nietzsche ele natildeo eacute um professor de verdades querer julgaacute-lo como um

eacute a conduta que tipifica mais esse estelionato A eacutetica presente em Nietzsche eacute

a que estaacute disponiacutevel para os homens que se obteacutem123 eacute a eacutetica de homens

122 Cf PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Rio deJaneiro Jorge Zahar 2003 p 36

123 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978

62

que se assumem tragicamente como criadores de valores as suas proacuteprias

virtudes ou seja satildeo legisladores de si mesmos A eacutetica nietzscheanamente estaacute

incutida na sentenccedila que eacute subtiacutetulo de seu Ecce homo torna-te aquilo que tu

eacutes o que indica natildeo uma receita natildeo uma verdade mas uma pista eacute o seu

anuacutencio pelo qual aceitou perecer124 ou seja o seu anuacutencio final indica a sua

eacutetica que se daacute enquanto filosofia experimentada na proacutepria vida no proacuteprio

corpo eacute uma acuteetica de quem testa na proacutepria carne suas verdades de quem

ousa assim viver perigosamente para colher da vida maior fecundidade125 Eacute

portanto viver natildeo conforme as velhas taacutebuas mas criar novas as suas

experimentaacute-las correndo o risco de natildeo saber de natildeo ter certeza de agir sem

fiador sem algueacutem que valida a priori sem obedecer a uma verdade alheia

que natildeo a sua verdade conquista e gravada com o proacuteprio sangue

Nas leituras miacutesticas de Nietzsche essa eacutetica seraacute a daquele que

consegue ouvir a voz de seu coraccedilatildeo o grito de sua alma o mais profundo apelo

por ser aquilo que eacute o que exige a travessia pelo deserto da solidatildeo daquele que

chega a cidade e encontra as portas fechadas e ainda lhe roubam seus animais

o deixando sem montaria e comida126

Nietzsche ainda escreveraacute em cartas que um dos motivos de abandonar

sua caacutetedra na Basileacuteia natildeo foi soacute o seu precaacuterio estado de sauacutede mas tambeacutem a

necessidade de ouvir mais a sua voz e menos a voz dos outros precisava sair do

ambiente acadecircmico muito preso agraves reproduccedilotildees do discurso e das verdades

alheias para ouvir e escrever o que lhe ditava sua proacutepria voz que soacute balbuciava e

pedia liberdade

Apenas meus olhos puseram fim agrave bibliofagia leia-se ldquofilologiardquo estava

124 ldquoamo aqueles que anunciam o aleacutem-do-homem e perecem pelo seu anuacutenciordquo Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira 2003 sp

125 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

126 Cf Nietzsche em Humano demasiado humano seleccedilatildeo de aforismas contida em NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filho posfaacutecio de AntocircnioCacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

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salvo dos livros nada mais li durante anos ndash o maior benefiacutecio que meconcedi ndash Aquele Eu mais ao fundo quase enterrado quase emudecidosob a constante imposiccedilatildeo de ouvir outros Eus (- isto significa ler)despertou lentamente tiacutemida e hesitantemente ndash mas enfim voltou afalar Nunca fui tatildeo feliz comigo mesmo como nas eacutepocas mais doentiase dolorosas de minha vida basta olhar Aurora ou ldquoO andarilho e suasombrardquo para compreender o que foi esse ldquoretorno a mimrdquo umasuprema espeacutecie de cura(Cf SAFRANSKI 2005 p 75-76)

Certamente com Nietzsche se estaacute a falar de uma eacutetica de espiacuteritos

livres que conseguem impor a si mesmos sua lei dobrando as forccedilas a seu favor

como ultrapassamento do homem acostumado a ser levado como rebanho

pelas verdades dos outros Os acusadores nunca satisfeitos iratildeo imputar ao

Nietzsche a condiccedilatildeo de ter uma eacutetica individualista o que eacute outra fraude

leviana Nietzsche eacute um criacutetico do individualismo burguecircs que eacute assentado numa

moral de rebanho tambeacutem critica o liberalismo o que natildeo deixa de ser um

niilismo tal como a voracidade consumista hoje o eacute pois nunca satisfeita busca

uma identidade pelas coisas eacute nesse sentido que o rebanho burguecircs se curva

perante outros ideais seu individualismo eacute um deles127 a crenccedila na autonomia

da vontade nos negoacutecios nos contratos A eacutetica nietzscheana natildeo estaacute aiacute para

ser comprada tal como um artigo de feacute natildeo eacute eacutetica da libertaccedilatildeo com

rudimentos de religiatildeo natildeo eacute catecismo e conversatildeo de ningueacutem muito menos

cadeias velhas com tintas novas

A eacutetica nietzscheana exige que seja experimentada testada na sua

proacutepria carne exige um engajamento traacutegico o lanccedilar de dinamites requer

comprometimento com o que se lanccedila responsabilidade com o agir num esforccedilo

de alteridade radical que natildeo quer disciacutepulos mas companheiros Uma eacutetica e

127 Agraves vezes o valor de uma causa se mede natildeo pelo que se alcanccedila com ela mas pelo que eacutepreciso pagar por ela pelo que ela nos custa Eis aqui um exemplo disso As instituiccedilotildees liberaisdeixam de ser liberais tatildeo logo sejam estabelecidas em seguida nada eacute mais sistematicamentenefasto para a liberdade do que as instituiccedilotildees liberais Sabe-se muito bem o que elas trazemconsigo minam a vontade de poder erigem como sistema moral o nivelamento dos cumes e daescoacuteria da sociedade tornam tudo mesquinho covarde e estroacuteina ndash nelas eacute sempre o animalgregaacuterio que triunfa Liberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153retirado de o ldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Escritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad NoeacuteliCorreia de Melo Sobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

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alteridade que resultam da contundecircncia do agir e de sua forccedila de contaacutegio128

Natildeo se trata de uma eacutetica dada aprioristicamente e nem de uma alteridade

como reconhecimento do outro sem antes uma alteridade de si que exige o

colocar-se na accedilatildeo o teste de fogo que natildeo pode ter medo de se queimar

(Nietzsche a propoacutesito fala que natildeo se pode ter medo de se queimar em sua

proacutepria chama129 ou seja natildeo temer a sua destruiccedilatildeo nesse agir a sua

autocriacutetica criacutetica dentro da criacutetica) Os inquisidores prontos a defender sua feacute

acusaratildeo a accedilatildeo descrita como voluntarismo espontaneiacutesmo e ateacute como

idealismo afinal fugiu aos padrotildees costumeiros ou melhor ousou contrariar a

tradiccedilatildeo Pois eacute como contestaccedilatildeo da tradiccedilatildeo que se daacute essa eacutetica

nietzcheana derrubando os iacutedolos os ideais abalando a feacute neles ousando

profanar o lugar sagrado o altar em que se concebeu as verdades para o

homem esse animal de rebanho cuja longa histoacuteria de domiacutenio daacute se o nome

de tradiccedilatildeo

O engajamento nietzscheano eacute traacutegico porque enfrenta uma onda de

costumes amparados por valores morais culturais incutidos desde sempre eacute

uma luta quase impossiacutevel como eacute a advocacia nessa causa Afinal os adversaacuterios

tecircm sempre uma eacutetica um paradigma um partido um iacutedolo para definir o

que eacute certo e errado e senatildeo fosse o bastante ainda satildeo a maioria Nietzsche

sabia disso e uma eacutetica ao seu modo soacute pode ser o empenho que poucos

conseguiratildeo e na adversidade Natildeo se trata de voluntarismo mas um

comprometimento visceral na proacutepria carne com a accedilatildeo eacute o comprometimento

daquele que se implica na sua tarefa o que eacute diferente do comprometimento dos

partidaacuterios que agem em nome do partido com o respaldo dos outros e da

128 A ldquoeacuteticardquo nietzscheana sinaliza diretamente para uma poliacutetica traacutegica ldquoUma poliacutetica que deveinaugurar seus companheiros (criaacute-los) e a si mesma cujo poder estaacute na contundecircncia da accedilatildeo enuma seduccedilatildeo onde o poder engajador fundamental natildeo eacute a sua lsquoverdadersquo mas seu poder maacutegicode envolvimentordquo Cf ESCOBAR Carlos Henrique Nietzsche (dos ldquocompanheirosrdquo) Rio deJaneiro 7Letras 2000 p 379129 ldquoComo se renovar sem antes se tornar cinzasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

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deliberaccedilatildeo130

A acusaccedilatildeo de voluntarismo e espontaneiacutesmo eacute tentativa leviana de

imputar a essa eacutetica nietzscheana algum conteuacutedo de desresponsabilidade

quando se trata de um maacuteximo de responsabilidade porque natildeo se age em nome

de ningueacutem a natildeo ser daquilo que traccedilou para si mesmo com o custo traacutegico da

proacutepria vida e todos os que se engajam desse modo agem como companheiros e

natildeo disciacutepulos e seguidores de partido ou seita pois agem na condiccedilatildeo de

estarem seguindo a si mesmos131 Importante trazer o substantivo seita proacuteximo

ao de partido porque natildeo soacute se assemelham enquanto praacuteticas sectaacuterias

segregadoras mas tambeacutem se trata de rechaccedilar a ideacuteia de um terrorismo

nietzscheano de confundir essa accedilatildeo traacutegica com a dos fundamentalismos

portanto antecipando possiacuteveis outras acusaccedilotildees levianas Desse modo natildeo eacute

porque natildeo se segue projeto ou receita que uma accedilatildeo nietzscheana nos

termos apontados seria espontacircnea e idealista ou de rebeldes sem causa eacute

antes resultado de um diagnoacutestico do presente por isso natildeo espontacircneo

constataccedilatildeo da falecircncia dos a priores e do proacuteprio partido eacute accedilatildeo que se daacute

sem fiadores sem a crenccedila nos ideais dos outros e sem querer converter

ningueacutem a essa ideacuteia Se outros trabalharatildeo juntos eacute pela forccedila de contaacutegio e da

virulecircncia desse agir cuja afirmaccedilatildeo requer criatividade para confundir os coacutedigos

do poder132

O engajamento natildeo eacute gratuito natildeo eacute espontacircneo natildeo se esconde atraacutes

de slogans de partido e a accedilatildeo natildeo eacute voluntaacuteria eacute estrateacutegica Eacute assim que o

pensamento de Nietzsche talvez traga uma eacutetica natildeo escrita natildeo pronta uma

130 ldquoO pensamento quer a sua plenitude ndash a accedilatildeo poliacutetica quer sua contundecircnciaO acasorestituiacutedo ndash a poliacutetica nas raiacutezesrdquo p 74 ldquoA accedilatildeo sem modelos sem identidades sem pai seminstituiccedilotildees ou regrasrdquo Cf p 83 Escobar Carlos Henrique de O gato agrave deriva da Razatildeo In Porque Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

131 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

132 ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura uma tentativa dedecodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativa que consistiria em decifrar os coacutedigosantigos presentes ou futuros poreacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo p 11 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade InPor que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

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eacutetica a ser obtida por quem tiver condiccedilotildees de fazecirc-lo e dessa eacutetica abre-se

uma poliacutetica traacutegica nietzscheana133 Aos acusadores cabe a sugestatildeo de ouvir

mais a sua voz e menos a dos outros

Por que ler Nietzsche no Direito

Tenho que confessar que por muito tempo natildeo tive resposta a essa

pergunta ardilosa pois feita por aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica

estatildeo de tal modo refeacutens dos padrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute

por recortes secccedilotildees que sempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um

modo de voltar a metodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total

de criteacuterio de ponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que

Nietzsche por toda a longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer

serventia para uma pesquisa acadecircmica no campo do Direito

Assim confessar que natildeo tinha respostas ateacute as veacutesperas dessa redaccedilatildeo

eacute produzir provas contra si mesmo e prejudicar o empreendimento de defesa

desse Nietzsche reacuteu Pois entatildeo o que seraacute que iratildeo pensar esses acusadores se

for ainda mais sincero levando a virtude da probidade ao seu mais alto grau134

e disser que ateacute agora natildeo tenho respostas e certamente duvido se um dia as

terei Se minha situaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo

acadecircmica agora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado

de Nietzsche nessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que

natildeo levaratildeo feacute em meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas

tambeacutem porque natildeo sou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse

trabalho seja aprovado para me diplomar Dessa forma que esperanccedilas ter na

aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e de chegada na razatildeo

133 Cf MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar aser aquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008 p 485-503134 Sobre a virtude da ldquoprobidaderdquo em Nietzsche e sua relevacircncia Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR OswaldoLabirintos da alma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP1997 sp

67

acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegico natildeo tem

pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo de curso de

Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegica do

ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco que natildeo

fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esse eacute o

meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar uma condenaccedilatildeo

faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Mas antes da

condenaccedilatildeo como mais um onamismo intelectual permitam-me as uacuteltimas

palavras direi que natildeo se trata mesmo de um trabalho de feacute nem nas minhas

argumentaccedilotildees nem sobre o que trouxe a respeito de Nietzsche eacute antes um

diaacutelogo de subjetividade enquanto tirociacutenio juriacutedico para aleacutem do objetivismo do

recorte acadecircmico Assim o ponto de partida eacute o reacuteu Nietzsche acusado de

muitos crimes e que paga uma pena perpeacutetua resultado de estelionatos

cometidos contra ele eacute o que se estaacute a sustentar O trabalho comeccedila na defesa

de algueacutem natildeo de um pedaccedilo natildeo de um recorte na razatildeo acadecircmica Eu

estudo nessa faculdade e espero me diplomar nela para operar o direito e natildeo

para ser meacutedico legista natildeo fiz recorte algum pois esse seria um corte no reacuteu

um crime de lesatildeo corporal o que para um leigo na arte meacutedica poderia causar a

mutilaccedilatildeo do reacuteu levando-o a oacutebito nesse caso se estaacute a falar da filosofia de

Nietzsche Natildeo pretendo mataacute-lo de novo E nem agir tatildeo criminosamente como

os estelionataacuterios que durante anos operaram recortes arbitraacuterios em sua

filosofia mesmo que em nome da razatildeo acadecircmica Se assim fosse o trabalho

jaacute comeccedilaria errado jaacute estaria dando motivos para ter minha oab cassada antes

mesmo de consegui-la afinal estaria sendo antieacutetico em meu ofiacutecio de

advogado de Nietzsche e poderia tambeacutem ser acusado de profanar o seu

cadaacutever como necroacutefilo que em nome da razatildeo acadecircmica essa pretensa

medicina legal operaria um recorte em sua filosofia que eacute cauterizada em sua

proacutepria carne Pois o pensamento de Nietzsche estaacute nos seus ossos no seu

sangue no seu corpo eacute visceral Natildeo se trata de fazer onamismo intelectual

violar cadaacutever nenhum ou construir um novo altar O trabalho de advogar

Nietzsche comeccedila primeiro por confissotildees de falta de saber natildeo soacute o juriacutedico de

68

uma faculdade ainda natildeo concluiacuteda mas as dificuldades de conhecer o proacuteprio

reacuteu jaacute que natildeo conheccedilo a liacutengua em que Nietzsche escrevia o alematildeo e tambeacutem

natildeo leio em inglecircs ou francecircs por enquanto para consultar as publicaccedilotildees

internacionais a seu respeito sobretudo a Nietzsche-Studien135 o que torna o

ofiacutecio mais complicado porque se a longa cartas de acusaccedilotildees a Nietzsche eacute

proacutediga os elementos para contestaacute-las satildeo sempre limitados e passam

necessariamente pelas confissotildees de limitaccedilatildeo do proacuteprio defensor enquanto que

os acusadores se julgam sempre bastante preparados e apoiados em argumentos

reiterados Mais uma vez se produz provas contra si mesmo o que num

processo desses pode ser fatal quando quem acusa estaacute a espreita aguardando

que se decirc motivo para condenar Agindo assim acabo complicando a situaccedilatildeo

abalo a feacute nas minhas defesas prejudico o reacuteu podendo gerar a perda da causa

Mas seria esconder ou dissimular os fatos confessados a proacutepria condenaccedilatildeo do

reacuteu a morte do seu pensamento eacute disso que se trata Eacute um ato de probidade136

que manteacutem o pensamento de Nietzsche defensaacutevel pois exige outro tipo de

responsabilidade que natildeo a contratual mas uma que se daacute sobre a minha proacutepria

vida

Portanto natildeo eacute apenas uma reabertura de inqueacuterito sobre Nietzsche eacute

tambeacutem um colocar-se em julgamento na frente dos animais chicoteadores

como companheiro numa luta que exige um custo traacutegico partilhando de uma

mesma sentenccedila A condenaccedilatildeo do seu pensamento como inuacutetil ao direito eacute

tambeacutem a minha reprovaccedilatildeo acadecircmica Afinal ou se vive perigosamente para

colher maior fecundidade da vida e se desafia o establishment ou se faz a

135 Notoacuteria publicaccedilatildeo internacional sobre Nietzsche fundada em 1972 por Wolfgang Muumlller-Lautercom artigos nas versotildees em inglecircs alematildeo e francecircs Muumlller-Lauter foi tambeacutem coordenador doArquivo Nietzsche onde estaacute o espoacutelio intelectual do filoacutesofo Cf prefaacutecio de Scarlett MartonProfessora da USP para A doutrina da vontade de poder em Nietzsche obra de Muumlller-Lautertraduccedilatildeo de Oswaldo Giacoacuteia Jr

136 Para os ldquoespiacuteritos livres muito livresrdquo termos como probidade intelectual virtude auto-supressatildeo da moral natildeo fazem mais sentido senatildeo como ldquoironiardquo como ldquofoacutermulasrdquo de se tornarainda inteligiacuteveis para aqueles que se mantecircm prisioneiros dos preceitos moraistermos comovirtude dever probidade natildeo podem mais ser senatildeo maacutescaras que ela natildeo pode dispensar paraa realizaccedilatildeo de sua tarefa para a formulaccedilatildeo de seu problema precisamente o de revelar o idealmoral da vontade de verdade como um problema Cf GIACOacuteIA JUacuteNIOR Oswaldo Labirintos daalma Nietzsche e a auto-supressatildeo da moral Campinas SP Editora da UNICAMP 1997 p 144-145

69

opccedilatildeo pelos arautos da razatildeo acadecircmica que seduzem o rebanho nos dois

casos haacute um preccedilo a pagar escolhi o mais difiacutecil

Ama o perigo Que haveraacute de mais difiacutecil Eacute isto que eu quero Qual ocaminho a seguir O que sobe o mais escarpado Este eacute o que eu tomosegue-me (KAZANTZAacuteKIS sano p 45 fragmento 12)

A Vontade que interroga o Poder

Optar pela pergunta e natildeo por um tema eacute entender que na questatildeo

reside a potecircncia que pode dinamitar as pretensotildees dos meacutedicos legistas

sempre dispostos a encontrar um corte adequado aos seus estudos Ora

academicamente e filosoficamemte o tema deveria ser sempre a pergunta e

quem discorda que tente provar o contraacuterio Este trabalho eacute todo ele pergunta

sem resposta exerciacutecio de questionamento militante como argumentaccedilatildeo juriacutedica

As defesas apresentadas satildeo tambeacutem outras perguntas cuja estrateacutegia se baseia

no retorno da potecircncia da questatildeo aos acusadores que por serem muito crentes

em suas certezas natildeo tem nenhuma ou pouca feacute nas defesas apresentadas137

Portanto trata-se de devolver a questatildeo com potecircncia multiplicada em direccedilatildeo agraves

estruturas desses edifiacutecios de certezas e fazecirc-las vir abaixo num movimento

escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo138 Natildeo se trata de querer reinventar a roda de

ensinar como se deve proceder ou de se fazer tese de doutorado natildeo se trata

137 cuidado eu sou um forte e vigoroso vento tomai cuidado ao cuspir contra o vento CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

138ldquoExplorar a fundo seus meandros alcance e implicaccedilotildees mostra-se como requisito indispensaacutevelpara podermos compreender o sentido de sua filosofia A reviravolta da noccedilatildeo de sujeito requer umtrabalho paciente e meticuloso de ruminaccedilatildeo voltado ao repasse criacutetico dos caminhos trilhadospara estabelececirc-la agrave penetraccedilatildeo audaciosa em seus mais recocircnditos domiacutenios e agrave exploraccedilatildeo doslimites insertos em seus referenciais constitutivos Numa atividade subterracircnea lenta mas vigorosao filoacutesofo alematildeo vai instalando explosivos nas rachaduras do solo subjetivo submetendo-o a ummovimento escorpiano de auto-aniquilaccedilatildeo Contudo para que a explosatildeo alcance proporccedilotildeesradicais faz-se necessaacuterio enlaccedilar os cartuchos da dinamite destruidora com o estopim feito dematerial genealoacutegico Eacute atuando nessas duas frentes que Nietzsche pretende desencadear acataacutestrofe do sujeito entendida como ponto alto de inflexatildeo do pensamento metafiacutesico tradicional eabertura de novos horizontes filosoacuteficos Cf ONATE Alberto Marcos O crepuacutesculo do sujeito emNietzsche ou como abrir-se ao filosofar sem metafiacutesica Satildeo Paulo Discurso Editorial 2000 p 18

70

de catecismo mas de uma contestaccedilatildeo a ele do modo como as coisas sempre

foram feitas metodologicamente sem escrever uma tese sobre Natildeo eacute apanhado

de perguntas com respostas e nem se quer provar uma tese eacute o desafio de fazer

algo diferente na graduaccedilatildeo de correr o risco deixando de lado as reproduccedilotildees

doutrinaacuterias legislativas e jurisprudenciais e os compilados de fichas de leituras

esses catecismos que satildeo valorados academicamente como trabalhos de

monografia Aqueles que estatildeo acostumados a seguir a cartilha da tradiccedilatildeo e

dos manuais ouvindo mais a voz dos outros que a de si mesmos certamente iratildeo

imputar a este meu trabalho a condiccedilatildeo de tese ou de petulacircncia ou arrogacircncia

de quem almeja uma tese Ora o que fiz e estou fazendo agora eacute ouvir um pouco

a minha proacutepria voz advogando Nietzsche dialogando-o com a minha

subjetividade sem a pretensatildeo de concluir de responder as perguntas de

reinventar a roda ou promover a beatificaccedilatildeo dele lustrando as suas botas pois

se fizesse isso estaria mais proacuteximo do catecismo das reproduccedilotildees acadecircmicas

esses sim onamismos intelectuais do gozo sem prazer obras de estudantes

fieacuteis escudeiros de professor Certamente se tivessem lido Nietzsche teriam

visto a maior homenagem que um estudante pode fazer a seu professor eacute a de

roubar dele a sua coroa Ouvi mais a sua proacutepria vozrdquo139 Nietzsche irritou-se uma

vez com aqueles que chamou de filisteu na academia eram gente que apenas

reproduzia o que os outros jaacute tinham escrito quando natildeo muito imiscuiacutedos numa

loacutegica corporativista e clientelista buscavam algum benefiacutecio com esse servilismo

acadecircmico Nietzsche abandona a sua caacutetedra e vai viver como andarilho a sua

filosofia seraacute um meacutetodo de revolta140 pois se esforccedilaraacute por trazer aos seus

aforismas a potecircncia de uma maacutequina de guerra para interrogar o Poder visto de

modo muacuteltiplo difuso o que exige para um melhor desempenho dessa maacutequina

o ataque na estrateacutegia perspectivista Foucault escreve na Microfiacutesica do Poder

que Nietzsche foi filoacutesofo que pensou o poder sem enredaacute-lo numa teoria do

139 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

140 Cf CAMUS Albert O homem revoltado Trad Valerie Rumjanek Rio de Janeiro Record1999

71

poder141

Nietzsche eacute um criacutetico do Poder nas suas mais variadas manifestaccedilotildees

incluindo o proacuteprio Direito e a faculdade em que este trabalho eacute apresentado

afinal satildeo campos de exerciacutecio de poderes estaacute aiacute toda a pertinecircncia juriacutedica

buscada pelos farejadores de heresias diante do altar acadecircmico O trabalho

poderia concluir por isso mas natildeo eacute conclusivo haacute muito mais a falar Nietzsche

desenvolve uma filosofia que trabalha com o jogo de forccedilas de intensidades de

energias142 se trata de uma filosofia da vontade de poder A potecircncia estaacute o

tempo todo em jogo em luta em combinaccedilotildees sempre provisoacuterias tal como no

acircion heraclitiano eacute constante movimento devir Essa vontade atravessa os

corpos e os constituem do iniacutecio ao fim da vida tudo eacute vontade de poder no seu

grau mais alto ou mais baixo segundo Deleuze nas conclusotildees do coloacutequio de

Royaumont ldquoNietzscherdquo sobre a vontade de poder ou de potecircncia a variar pelas

traduccedilotildees dizia que

Se tudo eacute maacutescara se tudo eacute interpretaccedilatildeo avaliaccedilatildeo o que eacute que haacuteem uacuteltima instacircncia jaacute que natildeo haacute coisas a interpretar nem avaliarcoisas a mascarar Em uacuteltima instacircncia natildeo haacute nada salvo a vontade depotecircncia que eacute potecircncia de metamorfose potecircncia de modelar asmaacutescaras potecircncia de interpretar e de avaliarEacute preciso entenderldquovontade de potecircnciardquo Natildeo se trata de um querer-viver pois como o queeacute vida poderia querer viver Natildeo se trata de um desejo de dominar poiscomo o que eacute dominante poderia desejar dominar Zaratustra dizldquoDesejo dominar poreacutem quem quereria chamar isto um desejordquo Avontade de potecircncia natildeo eacute entatildeo uma vontade que quer a potecircncia ouque deseja dominar Uma tal interpretaccedilatildeo com efeito teria doisinconvenientes Se a vontade de potecircncia significava querer a potecircnciaela dependeria evidentemente dos valores estabelecidos honrasdinheiro poder social visto que estes valores determinam a atribuiccedilatildeo eo reconhecimento da potecircncia como objeto de desejo e de vontade Eesta potecircncia que a vontade quereria ela natildeo a obteria senatildeo selanccedilando numa luta ou num combate Bem mais perguntemos quemquer a potecircncia desta maneira quem deseja dominar Precisamenteos que Nietzsche chama de escravos de fracos Querer a potecircncia eacute aimagem que os impotentes se fazem da vontade de potecircncia Nietzschesempre viu na luta no combate um meio de seleccedilatildeo poreacutem quefuncionava ao contraacuterio e que vinha em benefiacutecio dos escravos e dos

141 Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de JaneiroEdiccedilotildees Graal 1979142 O instinto eacute forccedila vontade atividade e pode-se aumentar essa lista de sinocircnimos daterminologia nietzscheana acrescentando potecircncia energia intensidadeCf MACHADO RobertoNietzsche e a Verdade 2ed Rio de Janeiro Rocco 1985 p 102-103

72

rebanhos Entre as maiores palavras de Nietzsche encontra-se ldquotem-sesempre de defender os fortes contra os fracosrdquo Sem duacutevida no desejode dominar na imagem que os impotentes se fazem da vontade depotecircncia encontra-se ainda uma vontade de potecircncia poreacutem no maisbaixo grau A vontade de potecircncia no seu grau mais alto sob a formaintensa ou intensiva natildeo consiste em cobiccedilar nem mesmo em tomarporeacutem a dar e a criar (DELEUZE sano p 21-22)

Haacute que se afastar logo a leitura metafiacutesica dessa vontade de poder de

matiz heideggeriano pois natildeo se trata de princiacutepio de fundamento de nada o que

seria estancar o movimento e colocaacute-lo numa garrafa essa eacute a tarefa dos

miacutesticos a querer apreender o democircnio numa garrafa a vontade de poder natildeo

eacute maquinaccedilatildeo diaboacutelica e muito menos saiacuteda metafiacutesica eacute movimento Por isso

Deleuze afirmar que os aforismas de Nietzsche tambeacutem satildeo essa vontade de

poder cuja potecircncia dependeraacute das forccedilas que atuaratildeo sobre eles para agenciaacute-

los143 Eacute no agenciamento dessas forccedilas que se mobiliza a maacutequina de

guerra144 e a sua artilharia contra as colunas do templo da faculdade de direito

para ver o que sobra dela Mas antes que me acusem de criminoso ao me

apresentar com esse Nietzsche145 uma arma perigosa sem ter o porte dela eacute

preciso que se diga que se trata apenas de uma metaacutefora pois o preacutedio da

faculdade de direito lembra o paternon grego Contudo natildeo eacute sem sentido do

ponto de vista nietzscheano jaacute que a virulecircncia de sua filosofia da vontade de

poder eacute trabalhar por ataques nos fundamentos dinamitando-os A estrateacutegia natildeo

pode ser outra que natildeo o questionamento militante que interroga o Poder

143 Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBARCarlos Henrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano

144 Os nocircmades inventaram uma maacutequina de guerra contra o aparelho de Estado Nunca a histoacuteriacompreendeu o nomadismo nunca o livro compreendeu o fora Ao longo de uma grande histoacuteria oEstado foi o modelo do livro e do pensamento o logos o filoacutesofo-rei a transcendecircncia da Ideacuteia ainterioridade do conceito a repuacuteblica dos espiacuteritos o tribunal da razatildeo os funcionaacuterios dopensamento Cf DELEUZE Gilles Mil Platocircs vol1 rizoma Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio deJaneiro Ed 34 1995 p 35

145 De que modo entendo o filoacutesofo como um terriacutevel corpo explosivo diante do qual tudo correperigo de que modo tanto distancio meu conceito de filoacutesofo de um conceito que inclui ateacute umKant para natildeo falar dos ruminantes acadecircmicos e outros professores de filosofia Cf NIETZSCHEFriedrich Wilhelm Ecce homo como algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza SatildeoPaulo Companhia das Letras 1995 p70-71

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combatendo os poderes variados que o sustentam O Direito serve ao poder com

sua rede de mitos sujeito de direito legalidade lei ordem constituiccedilatildeo o cidadatildeo

e o criminoso entre outros a linguagem juriacutedica eacute proacutediga em mitos como toda

linguagem mas sobretudo a que serve ao direito pois serve ao poder Aleacutem

disso o Direito eacute espaccedilo em que haacute choques de forccedilas pois em tudo haacute vontade

de poder o que indica que essas forccedilas podem ser agenciadas talvez algum

sentido outro ainda pode ser buscado nessa razatildeo instrumentalizada que eacute o

Direito esse produto do esclarecimento O Direito eacute espaccedilo privilegiado do

Poder onde ele tem sua proacutepria corte os Tribunais que tambeacutem dizem o que eacute o

direito dos outros e evidentemente tambeacutem condenam e julgam a periculosidade

ou natildeo dos acusados A faculdade de direito eacute responsaacutevel por formar

administradores da justiccedila e os que a representaratildeo falando em nome dela

jurando dizer a verdade com honestidade de modo eacutetico pelos outros e para

os outros em nome da sociedade A essa altura os engenheiros de paradigmas

transmodernos146 ou natildeo mas defensores da praacutexis talvez destilem alguma

acusaccedilatildeo do tipo a de que este trabalho sobre Nietzsche e Direito natildeo tem a ver

com nada e que tambeacutem natildeo serve a sociedade que soacute eacute uacutetil o trabalho que

serve a sociedade que resolve um problema dela concreto Ora do altar

acadecircmico esses acusadores ligeiros falam de sociedade problemas dela

cidadania democracia o concreto quando nesse altar de maacutermore quem

estuda eacute uma elite que teve o meacuterito de ser aprovada no concurso vestibular eacute de

uma elite proprietaacuteria que se trata muitas vezes filha da burguesia da classe

meacutedia alta de um grupo de privilegiados que se autodenominam os bons os

justos a defender os excluiacutedos Eacute gente que advoga a praacutexis mas que natildeo

sabe o que eacute labor braccedilal certamente porque tem algum legiacutetimo membro dos

excluiacutedos a fazer os serviccedilos de casa Isto porque eacute provaacutevel que exista mais

146 A referecircncia eacute Dussel que trabalha dentro da perspectiva da ldquofactibilidaderdquo e do ldquoparadigma davida concretardquo Todavia cabe esclarecer que o movimento de criacutetica aos ldquotransmodernosrdquo eacute adefesa de Nietzsche que eacute apontado por Dussel como ldquoirracionalistardquo p 346 e filoacutesofo daldquoburocratizaccedilatildeo nazi-fascistardquo p354 ambas imputaccedilotildees presentes na sua obra Eacutetica dalibertaccedilatildeo E ainda que essa criacutetica natildeo ignora que aqueles que tecircm Nietzsche como ldquonefelibatardquotalvez sejam tambeacutem os ldquoengravatadosrdquo ou ldquoalmofadinhasrdquo que satildeo o estereoacutetipo do estudantede direito que natildeo consegue enxergar para aleacutem dos coacutedigos Assim Nietzsche natildeo eacutedevidamente lido e interpretado nem pelos ditos ldquoprogressistasrdquo (transmodernos ou natildeo) e muitomenos pelos mais ldquotradicionaisrdquo dentro do direito

74

ideal do que concreto nas formulaccedilotildees socialmente corretas daqueles que

falam pelos excluiacutedos147 e talvez aiacute se descubra mais inutilidade em seus

trabalhos do que a pretensa utilidade que advogam mais conteuacutedo de embuste

que verossimilhanccedila mais os problemas inferidos sobre a realidade que

conhecimento e vivecircncia dela Assim a academia eacute uma longa histoacuteria desses

sofistas da sociedade gente que no afatilde de falar pelos outros faz da sociedade

um conceito reificado ao seu discurso apropriado para seduzir e convencer de

que satildeo mais verdadeiros que os outros ou que fazem o bem satildeo solidaacuterios

com a dor alheia Seria interessante um dia perguntar ao excluiacutedo o que ele acha

e o que entende desse discurso afinal a liacutengua do direito eacute ferramenta de poder

e as vezes pouco inteligiacutevel e bom que o seja senatildeo todo mundo entenderia a lei

e falaria por si mesmos natildeo precisaria mais de advogados e talvez nessa

constataccedilatildeo tenha mais verdade do que piada

A faculdade tem a aparecircncia de um templo cujas paredes satildeo

impermeaacuteveis ao excluiacutedo de que falam esses filhos da elite do ensino

particular ou seriam os comunistas de tecircnis importado O excluiacutedo oprimido

proletaacuterio luacutempemproletaacuterio no mais das vezes soacute entra na academia pelo

discurso alheio por uma leitura que fazem e que a julgam ideal ou sobre os

problemas deles preocupada com eles Ora com isso tambeacutem sou estudei

minha vida toda em escolas puacuteblicas da periferia de Curitiba e diferente dos

comunistas de tecircnis importado aprendi na proacutepria pele o que eacute o labor braccedilal

assim como os meus pais por isso natildeo falo pelos outros a natildeo ser por mim e

meus companheiros de jornada natildeo tenho a cartilha da praacutexis comigo e nem

147 Na Microfiacutesica do Poder haacute o diaacutelogo de Foucault e Deleuze intitulado ldquoos intelectuais e opoderrdquo nele ambos desenvolvem o tema de que o intelectual se acostumou a falar pelos outrosquando essa ldquoalteridaderdquo esse ldquooutrordquo natildeo eacute ouvido nem fala por si soacute eacute falado ldquoporrdquo algueacutemapanhado no discurso de uma ldquorepresentaccedilatildeordquo Eacute importante fazer essa referecircncia porque aacademia eacute o lugar por excelecircncia desse tipo de discurso ldquopor algueacutemrdquo ainda mais quando asatividades de extensatildeo satildeo negligenciadas aiacute sequer se conversa com esse ldquooutrordquo ldquoPara noacutes ointelectual teoacuterico deixou de ser um sujeito uma consciecircncia representante ou representativaAqueles que agem e lutam deixaram de ser representados seja por um partido ou um sindicatoque se arrogaria o direito de ser a consciecircncia deles Quem fala e age Sempre umamultiplicidade mesmo que seja na pessoa que fala ou age Noacutes somos todos pequenos gruposNatildeo existe mais representaccedilatildeo soacute existe accedilatildeo accedilatildeo de teoria accedilatildeo de praacutetica em relaccedilotildees derevezamento ou em rederdquo Cf DELEUZE Gilles Os intelectuais e o Poder In FOUCAULTMichel Microfiacutesica do poder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979

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quero vender uma a ningueacutem mesmo que sob o roacutetulo da utilidade Pois vivo

para aleacutem dos muros da faculdade na periferia vivo na contradiccedilatildeo social

mergulhado na praacutexis que experimento na proacutepria carne sem circunloacutequios que

massageiam a liacutengua e o ego desses representantes do povo Cabe portanto

implodir148 a feacute desses comunistas de tecircnis importado partidaacuterios ou de

novos paradigmas ou estelionataacuterios do velho Marx talvez aiacute esteja toda a

utilidade desse trabalho fora a pertinecircncia juriacutedica jaacute citada mas o seu valor

social residindo no empenho nietzscheano de derrubar no chatildeo o doce dessas

crianccedilas ricas e de dissipar os seus castelos de areia E muitos iacutedolos tecircm

seus castelos suas confrarias sempre a parte da sociedade mesmo quando

se dizem ponte para elas eacute preciso explodir essas vaacuterias paredes eacute o trabalho de

um incendiaacuterio a faculdade puacuteblica ainda estaacute muito distante da sociedade que a

sustenta Quem sabe colocar a vontade para interrogar o Poder seja um ato de

preocupaccedilatildeo social

Criacutetica da Modernidade ou o Direito como produto do esclarecimento

Natildeo soacute o Direito mas tambeacutem a sua linguagem codificada seus mitos

ficccedilotildees seus iacutedolos tudo produto do esclarecimento O Direito foi uma oacutetima

maquinaria inventada para coagir populaccedilotildees legitimar Estados governos e

assegurar Poder O Direito eacute instrumento de domiacutenio e daqueles que anseiam por

mais poder tambeacutem uma ferramenta de conquista Quem controla a justiccedila diz o

que eacute o direito a lei149 interpreta segundo os seus desiacutegnios ou quiccedilaacute de seu

time Como toda boa invenccedilatildeo Moderna o Direito como produto do

esclarecimento garantidor de direitos humanos-fundamentais e as liberdades

individuais das luzes tambeacutem pode legitimar a barbaacuterie a justiccedila eacute cega mas os

148 Desde que uma teoria penetra em determinado ponto ela se choca com a impossibilidade deter a menor consequumlecircncia praacutetica sem que se produza uma explosatildeo se necessaacuterio em um pontototalmente diferente Cf DELEUZE Gilles Ibidem

149Importante compreender esse direito do paradigma da Modernidade inscrito na loacutegica doabsolutismo juriacutedico em que a lei eacute a uacutenica fonte do direito excluindo todas as outras Segundodefiniccedilatildeo de Paulo Grossi ldquoO que eacute o Direitordquo p 1 a 34 In Primeira liccedilatildeo sobre direito TradRicardo Marcelo Fonseca Rio de Janeiro Forense 2006

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seus astuciosos representantes natildeo o satildeo O Estado nazista adotava

estratagemas juriacutedicos tal como estado de exceccedilatildeo com o fim de suspender os

direitos e as garantias individuais dos judeus e legitimar o genociacutedio150 Tal

como todas as boas coisas inventadas acaba por suprimir a si mesma151

Quanto ao estado de exceccedilatildeo a propoacutesito da obra de Giorgio Agamben

ex-aluno de Heidegger apresentado a este na eacutepoca por Hannah Arendt e

Professor de Esteacutetica em Veneza que escreve desse lugar de fala e trata de

temas pertinentes ao Direito Constitucional como o poder constituinte e estado

de exceccedilatildeo O que demonstra que a Esteacutetica natildeo eacute o lugar do idealismo como

sempre tem algueacutem para acusar e tambeacutem que pela esteacutetica se consegue

intensificar o debate da poliacutetica e do poder Agamben natildeo soacute porque estaacute na

moda mas por ser pensador que atua na arte literalmente jaacute foi ator de cinema

no filme de Paolo Pasolini O Evangelho Segundo Satildeo Mateus 1964 mas natildeo

apenas por isso pelo fato de trabalhar com a Esteacutetica certamente conhece

Nietzsche ainda mais porque eacute possiacutevel apontar leituras dele nos seus mestres jaacute

citados Agamben tambeacutem interage em suas obras com o pensamento de

Foucault e por isso seraacute oportunamente convocado a testemunhar nesse

trabalho em defesa de Nietzsche

Eacute preciso apontar para a criacutetica a legitimidade que investe o Direito das

luzes pois soacute eacute bom para os esclarecidos quando serve mais para otimizar a

administraccedilatildeo da justiccedila deles O estado de exceccedilatildeo na visatildeo de Agamben

natildeo eacute privileacutegio das tradiccedilotildees antidemocraacuteticas152 pois para ele o estado de

exceccedilatildeo tambeacutem estaacute presente na democracia

150 Cabe a referecircncia agrave obra de STEINER Jean-Franccedilois Treblinka Trad Christiano MonteiroOiticica Prefaacutecio de Simone de Beauvoir Satildeo Paulo Nova Fronteira 1978 Trata-se de relatosobre ldquotreblinkardquo que foi um dos maiores campos de concentraccedilatildeo nazista o autor vai reconstituir anarrativa pelo testemunho dos sobreviventes e contar a surpreendente histoacuteria de resistecircncia nolimiar da trageacutedia Sem ldquoidealismordquo talvez Foucault tenha acertado quando disse na suaMicrofiacutesica que ldquoonde haacute poder haacute resistecircnciardquo

151 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

152 Cf AGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 p 30

77

Desse modo a presenccedila da exceccedilatildeo faz implodir a crenccedila na democracia

como o sistema perfeito e tambeacutem demonstra que o direito garantidor de

liberdades sabe fazer o contraacuterio quando conveacutem E essa discussatildeo natildeo eacute sem

sentido quando se trata de Poder Direito Nietzsche como demonstra Oswaldo

Giacoacuteia Jr153

Se a exceccedilatildeo eacute o dispositivo original graccedilas ao qual o direito se refere agravevida (e aqui eacute conveniente atentar para o peso semacircntico e filosoacuteficotanto do dispositivo quanto de original) entatildeo a consequumlecircncia inevitaacuteveleacute que a violecircncia se institui como fato juriacutedico primordial e o direito natildeopode mais figurar como o posto como a negaccedilatildeo ou a supressatildeo daviolecircncia mas como a instituiccedilatildeo original e violenta da transiccedilatildeo e dapassagem da natureza agrave sociedade e agrave civilizaccedilatildeo da zoe agrave bios dobicho homem ao zoon politikon Ora essa inscriccedilatildeo da violecircncia nocoraccedilatildeo do direito e da poliacutetica constitui talvez o elemento fundamentaldaquilo que em Nietzsche poderiacuteamos reconhecer como uma filosofiado direito (Cf GIACOacuteIA Jr 2006 p95)

Quiccedilaacute ainda mais semelhanccedilas entre Foucault Agamben e Nietzsche

sejam descobertas quando se trata de criticar os poderes que investem o Direito

de sua aura canocircnica Quando Deus morreu os mais astuciosos chamados

por Nietzsche de os uacuteltimos homens os niilistas resolveram colocar o bezerro

de ouro no altar vazio tratava-se de alccedilar a ordem do sagrado outros iacutedolos

nisso os homens do esclarecimento foram muito competentes agiram como

artiacutefices da Modernidade cujo Direito que conhecemos eacute um dos seus filhos O pai

eacute a razatildeo e a maternidade incerta pois natildeo se sabe quanto tempo demorou essa

gestaccedilatildeo porque natildeo eacute de ontem que o homem busca regular a sua vida e a dos

outros Para Nietzsche a origem do Direito estaacute na diacutevida moral diacutevida que

poderia em certas condiccedilotildees autorizar ao credor impingir ao devedor o seu

creacutedito requerendo um naco de carne154 quando o Direito ao pagamento do

creacutedito se investe como direito sobre a vida sobre o corpo Continuando esse

153 Mais sobre o diaacutelogo de Agamben e Foucault em torno do pensamento de Nietzscheprincipalmente no que toca a temaacutetica do poder assinala GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo Odiscurso e o direito In FONSECA Ricardo Marcelo (Org) Direito e discurso discursos dodireito Florianoacutepolis Fundaccedilatildeo Boiteux 2006

154 A propoacutesito Genealogia da Moral paacutegina muito provaacutevel que Nietzsche tenha sido influenciadopela leitura que fez de Shakespeare em o Mercador de Veneza haacute uma cena que retrata essedireito que Nietzsche problematiza quando Shylock perante o tribunal requer um naco de carnepor excisatildeo do peito de Antocircnio cobra uma diacutevida moral

78

debate Agamben trataraacute do homo sacer que eacute a figura que representa a vida

nua a qual pode ser morta que ningueacutem se importa155

Nesse sentido eacute uma tematizaccedilatildeo de uma leitura de Foucault a qual

aproveita a filosofia da teacutecnica de Heidegger formulada por ele do debate com o

pensamento de Nietzsche o que mais uma vez demonstra a pertinecircncia da leitura

de Nietzsche no Direito A discussatildeo no plano biopoliacutetico natildeo envolve tatildeo

somente o poder sobre o corpo como relatado da eacutepoca do direito arcaico da

diacutevida trata-se do debate mais atual sobre um direito que pretende controlar a

vida em todos os seus acircmbitos poder-saber sobre a populaccedilatildeo como diria

Foucault como tambeacutem as modalidades de exerciacutecio na geraccedilatildeo em laboratoacuterio

as pesquisas sobre o genoma as ceacutelulas-tronco como tambeacutem o debate sobre o

iniacutecio da vida descarte dos embriotildees excedentes156 como tambeacutem sobre o

teacutermino da vida o direito agrave morte como a eutanaacutesia Isso aponta para um Direito

oriundo do esclarecimento que salvo algumas adaptaccedilotildees emendas

reformulaccedilotildees conteacutem muito ainda do arcaico na sua origem e exerciacutecio

A linguagem ou o Ocaso do Direito

A linguagem fornece elementos que sustentam as decisotildees

encaminhamentos julgamentos eacute sempre um operar dos coacutedigos dos signos

linguiacutesticos como exerciacutecio de argumentaccedilatildeo juriacutedica campos de Poder O Direito

se orgulha muito de sua linguagem ela chega as vezes a ser tatildeo canocircnica como

seus dogmas afinal os dogmas se sustentam tambeacutem por linguagem Existe

aquela histoacuteria meia piada e um pouco de verdade que se o Direito fosse

escrito de modo popular natildeo haveria mais a necessidade de advogados ou

operadores do direito todos poderiam falar por si mesmos Hoje existem os

juizados especiais em que eacute permitido as pessoas comuns relatarem suas

demandas e arguumlir suas pretensotildees sem a necessidade de advogado eacute o

155 Cf AGAMBEN Giorgio Homo Sacer o poder soberano e a vida nua Trad Henrique BurigoBelo Horizonte Editora UFMG 2002 sp

156 Segundo Projeto de Lei nordm9099 tramitando no Congresso Nacional art 9ordm sect 4ordm

79

princiacutepio da celeridade e do acesso agrave justiccedila que satildeo corolaacuterios de um Direito

que se quer mais democraacutetico e avanccedilado contudo para as causas de maior

monta eacute imprescindiacutevel o advogado natildeo soacute porque exigiriam maior conhecimento

teacutecnico mas talvez porque se trata de proteger um campo de poder garantidor de

direitos mas tambeacutem de honoraacuterios Entatildeo estudamos para ser operadores do

Direito trabalhando com os seus conceitos

A criacutetica nietzscheana vai demonstrar que a linguagem esconde uma

moral a qual imputa um significado na relaccedilatildeo loacutegica da gramaacutetica aleacutem do

fetiche que a linguagem traz em termos de metafiacutesica Se tudo eacute interpretaccedilatildeo

natildeo haacute fatos toda explicaccedilatildeo eacute perspectiva a linguagem seraacute a exteriorizaccedilatildeo da

potecircncia dos dominantes Desse modo eacute preciso advogar a filosofia de Nietzsche

como genealogia de um estado de coisas a crise da Modernidade e do

esclarecimento iluminista e a decadecircncia de suas instituiccedilotildees no que se deve

incluir o Direito Para tanto o princiacutepio da interpretaccedilatildeo deve ser o proacuteprio

inteacuterprete aquele que se compromete ldquoeacuteticamenterdquo com aquilo que critica Assim

cabe pensar ldquocomrdquo e ldquoatraveacutesrdquo de Nietzsche mobilizar a paroacutedia e o jogo de

intensidades que requer o engajamento na arte traacutegica interrogando o Poder O

meacutetodo de interpretaccedilatildeo a partir de Nietzsche anuncia Foucault no coloacutequio de

Royamount dialogando Nietzsche Marx e Freud como nova hermenecircutica para

operar a genealogia dos signos do Ocidente Diante da crise da Modernidade e

suas instituiccedilotildees a ldquomorte de Deusrdquo entendida como a ldquomorte do esclarecimentordquo

e criacutetica da razatildeo iluminista afirma Foucault

Em Nietzsche estaacute claro que a interpretaccedilatildeo permanece semacabarSe a interpretaccedilatildeo natildeo se pode nunca acabar isto quersimplesmente significar que natildeo haacute nada a interpretar Natildeo haacute nadaabsolutamente primaacuterio a interpretar porque no fundo jaacute tudo eacuteinterpretaccedilatildeo cada siacutembolo eacute em si mesmo natildeo a coisa que se ofereceaacute interpretaccedilatildeo mas a interpretaccedilatildeo de outros siacutembolosE eacute umarelaccedilatildeo mais de violecircncia que de elucidaccedilatildeo a que se estabelece nainterpretaccedilatildeo De fato a interpretaccedilatildeo natildeo aclara uma mateacuteria que como fim de ser interpretada se oferece passivamente ela necessitaapoderar-se e violentamente de uma interpretaccedilatildeo que jaacute estaacute ali quedeve trucidar revolver e romper a golpes de marteloDesta mesmaforma Nietzsche apodera-se das interpretaccedilotildees que satildeo jaacute prisioneirasumas das outras Natildeo haacute para Nietzsche um significadooriginalNietzsche diz que as palavras foram sempre inventadas pelasclasses superiores natildeo indicam um significado impotildeem uma

80

interpretaccedilatildeo (Cf FOUCAULT sano p 21-24)

Nesse sentido cabe advogar o pensamento de Nietzsche como filoacutesofo

que interroga o poder para a criacutetica do Direito De onde emerge a importacircncia do

estudo da linguagem nietzscheana do uso da paroacutedia da estrateacutegia de se

apropriar do significado dado157 para que seja reinterpretado e funcione de modo

inaudito158 ou como aponta Vattimo fazer a re-escrita paroacutedica do texto

metafiacutesico159 A linguagem nietzscheana estabelece um jogo de intensidades

proacuteprio do meacutetodo genealoacutegico que imporaacute uma interpretaccedilatildeo no perspectivismo

cujo criteacuterio seraacute a vida no seu fluxo amor fati

ldquoMinha foacutermula para a grandeza no homem eacute amor fati nada quererdiferentemente seja para traacutes seja para frente seja em toda aeternidade Natildeo apenas suportar o necessaacuterio menos ainda oculta-lo ndashtodo idealismo eacute mendancidade ante o necessaacuterio ndash mas amaacute-lo(CfNIETZSCHE 1995 p51)

Se natildeo existem fatos mas tudo eacute interpretaccedilatildeo segundo Nietzsche as

palavras nada mais satildeo do que interpretaccedilotildees e ldquomaacutescarasrdquo Nos cabe interpretar

as interpretaccedilotildees realizando a pergunta de por quem interpretou Recomenda

Foucault

A interpretaccedilatildeo encontra-se diante da obrigaccedilatildeo de interpretar-se a simesma ateacute o infinito de voltar a encontrar-se consigo mesma Daqui sedesprendem duas consequumlecircncias importantes A primeira refere-se aque a interpretaccedilatildeo seraacute sempre sucessivamente a interpretaccedilatildeo deldquoquemrdquo natildeo se interpreta realmente quem propocircs a interpretaccedilatildeo Oprinciacutepio da interpretaccedilatildeo natildeo eacute mais do que o inteacuterprete e este talvezseja o sentido que Nietzsche deu a palavra ldquopsicologiardquo A segundaconsequumlecircncia refere-se que ao interpretar-se sempre a si mesma natildeopode deixar de voltar-se sobre si mesmaA morte da interpretaccedilatildeo eacutecrer que haacute siacutembolos que existem primariamente originalmenterealmente como marcas coerentes pertinentes e sistemaacuteticasrdquo (CfFOUCAULT sano p 26)

157 Uma relaccedilatildeo de forccedilas que se inverte um poder confiscado um vocabulaacuterio retomado evoltado contra seus utilizadores uma dominaccedilatildeo que se enfraquece se distende se envenenae uma outra que faz sua entrada mascarada Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder TradRoberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 28158 Cf MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 sp

159 Cf VATTIMO Gianni As aventuras da diferenccedila o que significa pensar depois de Heidegger eNietzsche Ediccedilotildees 70 Lisboa 1980 sp

81

Com Nietzsche a interpretaccedilatildeo se daacute como relaccedilatildeo de forccedilas dinacircmica e

pragmaacutetica pois interpretar eacute abrir-se para o mundo160 Ao desmoralizar a

autoridade da linguagem Nietzsche abre espaccedilo para uma eacutetica daquele que se

implica no texto lido161 se comprometendo com o que critica para isso natildeo pode

tomar o mestre como iacutedolo mas questionar constantemente os fundamentos

Eacute preciso ldquose pocircr em guardardquo contra o mestre162 e aprender a pensar com

e atraveacutes de Nietzsche como criacutetica ao Poder Aqueles acostumados a ler o

Direito pelos coacutedigos parados no tempo da metafiacutesica pelas doutrinas

jurisprudecircncias e suas reproduccedilotildees certamente se ofenderatildeo com o expediente

nietzscheano de subverter a linearidade promovendo deslocamentos de

intensidades no texto163 seja pela paroacutedia ou pela re-escrita dele faz naufragar a

metafiacutesica164 partindo-a com a potecircncia que lhe atravessa dobrando os signos

explodindo o texto em fragmentos para serem bricolados

Nesse momento desta defesa cabe trazer o testemunho do antropoacutelogo

Claude Leacutevi-Strauss na sua obra o Pensamento Selvagem sobre a ideacuteia de

bricolagem

Em nossos dias o bricoleur eacute aquele que trabalha com suas matildeos estaacuteapto a executar um grande nuacutemero de tarefas diversificadas a regra de

160 Cf GIACOacuteIA JUNIOR Oswaldo As duas mutaccedilotildees de Nietzsche In palestra do ciclomutaccedilotildees novas configuraccedilotildees do mundo ocorrida no Sesc da Esquina em Curitiba no ano de2007 notas de proacuteprio punho

161 Ataco somente causas em que natildeo encontraria aliados em que estou soacute ndash em que mecomprometo sozinhoNunca dei um passo em puacuteblico que natildeo me comprometesse ndash este eacute o meucriteacuterio do justo obrar Cf NIETZSCHE p 32 Ecce homo idem

162 Nietzsche indica que ldquoeacute preciso se pocircr em guarda contra mim tambeacutemrdquo afinal ele natildeo quer servisto como um santo

163 Faccedila rizoma e natildeo raiz nunca plante Natildeo semeie pique Natildeo seja nem uno nem muacuteltiplo sejamultiplicidades Faccedila a linha e nunca o ponto A velocidade transforma o ponto em linha22 Sejaraacutepido mesmo parado Linha de chance jogo de cintura linha de fuga Cf DELEUZE Gilles MilPlatocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995p 34-35

164 ldquoO que se encontra no comeccedilo histoacuterico das coisas natildeo eacute a identidade ainda preservada daorigem eacute a discoacuterdia entre as coisas eacute o disparaterdquo Cf FOUCAULT Michel Microfiacutesica dopoder Trad Roberto Machado Rio de Janeiro Ediccedilotildees Graal 1979 p18

82

seu jogo eacute sempre arranjar-se com os ldquomeios-limitesrdquo isto eacute umconjunto sempre finito de utensiacutelios e de materiais bastante heteroacuteclitosporque a composiccedilatildeo do conjunto eacute o resultado contingente de todas asoportunidades que se apresentaram para renovar e enriquecer oestoque ou para mantecirc-lo com os resiacuteduos de construccedilotildees e destruiccedilotildeesanteriores (Cf LEVI-STRAUSS 1989 32-33)

Para que a ideacuteia fique mais clara para o campo juriacutedico importante trazer

tambeacutem o testemunho do juiz de direito e doutor pela mesma universidade que

defendo este trabalho Alexandre Morais da Rosa que trabalhou o meacutetodo de

Levi-Strauss no processo penal como colagem de significantes aponta que

ldquoJogo de palavras em que a liacutengua eacute o teatro exercitando-se com saber + sabor

o trabalho de deslocamento de significantes de suspensatildeo de significacircncia de

deslizamentos isto eacute bricolagemrdquo (Cf ROSA 2006 379) Nisso quem faz a

bricolagem eacute aquele que

Executa um trabalho sem que exista um plano riacutegido previamentedefinido mas que se deixa levar pelos utensiacutelios que possui agrave matildeoconstruindo remontando colando () No caminhar da construccedilatildeoqualquer material pode ser importante pois sua loacutegica eacute lsquoisso semprepode servirrsquo diversamente do engenheiro que estaacute encerrado nos limitesde seu projeto ou seja natildeo descarta os significantes que natildeoconformam com sua preacutevia ideacuteia (Cf ROSA 2006 364)

Eacute certo que Deleuze Foucault Derridaacute iratildeo se queixar da presenccedila dessa

estranha testemunha (Levi-Strauss) que eacute apontada no meio cientiacutefico como

estruturalista enquanto que eles se consideram natildeo-estruturalistas165 Ele natildeo eacute

do nosso time Certamente essa eacute uma reaccedilatildeo perigosa ainda mais quando eacute

na frente dos acusadores sempre a espreita querendo farejar situaccedilotildees para

novas imputaccedilotildees ao Nietzsche reacuteu Mas como jaacute havia avisado ao contestar as

acusaccedilotildees de poacutes-moderno natildeo se trata de um Nietzsche de um time o

exerciacutecio dessa advocacia natildeo se arranjaraacute com a fianccedila de nenhuma confraria

165 Nem Deleuze nem Lyotard nem Guattari nem eu nunca fazemos anaacutelise de estrutura natildeosomos absolutamente estruturalistas Se me perguntasse o que faccedilo e o que os outros fazemmelhor do que eu diria que natildeo fazemos pesquisa de estrutura Faria um jogo de palavras ediriaque procuramos fazer aparecer o que na histoacuteria de nossa cultura permaneceu ateacute agoraescondido mais oculto mais profundamente investido as relaccedilotildees de poderrdquo Cf FOUCAULTMichel A verdade e as formas juriacutedicas Trad Roberto Machado Rio de Janeiro PUC-Rioeditora 2002 p 30

83

natildeo eacute defesa associada a ningueacutem o compromisso eacute apenas com o reacuteu Quanto a

bricolagem antes da testemunha prosseguir Derridaacute expotildee que eacute preciso que os

etnoacutelogos tambeacutem saibam fazer bricolagens natildeo apenas falem delas166 Fazer a

bricolagem com os signos jogar com eles promover o jogo de intensidades

ousando deslocar os mitos da linguagem embaralhando-a confundindo os

censores Ora essa bricolagem estruturalista de Levi-Strauss natildeo estaacute muito

distante na perspectiva da vontade de poder do modo de agir daquele time de

qualquer modo uma investigaccedilatildeo de semelhanccedilas e dessemelhanccedilas natildeo cabe

nesse processo sob pena de perder de vista a mateacuteria e ser julgado como

deserto

O que interessa eacute fazer a apropriaccedilatildeo nietzscheana da bricolagem

enquanto jogo de intensidades que corta e cola o texto metafiacutesico dando-lhe

outro sentido uma hermenecircutica do fragmento para colar se deve usar a tinta

pessoal seria o sangue o proacuteprio167 Ou para natildeo assustar os jurados que se

use a metaacutefora daquele que trabalha um mosaico cortando e recortando revistas

jornais e com o uso de cola pincel e tinta vai sujar os proacuteprios dedos na

atividade e que assim seja pois se implica no que faz haacute um comprometimento

eacutetico no sentido niezstcheano com a bricolagem como empreendimento de

uma vontade de poder que se agenciou das peccedilas168 eacute como uma fabriqueta de

bombas que se deve compreender essa bricolagem que fornece recursos

criativos para novas explosotildees com um tipo de dinamite que natildeo se perde ao

estourar eacute sempre possiacutevel re-aproveitar

Esse eacute o pensamento nietzscheano aplicado na bricolagem Ainda em

Deleuze no livro Mil Platocircs que escreve em parceria com Feacutelix Guattari encontra-

166 Cf DERRIDA Jacques Gramatologia Trad Miriam Schnaiderman Satildeo Paulo Perspectivaed Da Universidade de Satildeo Paulo 1973 sp

167 Soacute aprecio o que eacute escrito com o proacuteprio sangue Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm AssimFalou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003

168 A relaccedilatildeo de uma maacutequina de guerra com o fora natildeo eacute um outro modelo eacute um agenciamentoque torna o proacuteprio pensamento nocircmade que torna o livro uma peccedila para todas as maacutequinasmoacuteveis uma haste para um rizoma Cf DELEUZE Gilles GUATTARI Feacutelix Mil Platocircscapitalismo e esquizofrenia vol1 Trad Aureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p36

84

se a ideacuteia de rizoma

Resumamos os principais caracteres de um rizoma diferentemente dasaacutervores ou de suas raiacutezes o rizoma conecta um ponto qualquer comoutro ponto qualquer e cada um de seus traccedilos natildeo remetenecessariamente a traccedilos de mesma natureza ele potildee em jogo regimesde signos muito diferentes inclusive estados de natildeo-signos Ele natildeo temcomeccedilo nem fim mas sempre um meio pelo qual ele cresce etransborda Oposto a uma estrutura que se define por um conjunto depontos e posiccedilotildees por correlaccedilotildees binaacuterias entre estes pontos erelaccedilotildees biuniacutevocas entre estas posiccedilotildees o rizoma eacute feito somente delinhas linhas de segmentaridade de estratificaccedilatildeo como dimensotildeesmas tambeacutem linha de fuga ou de desterritorializaccedilatildeo como dimensatildeomaacutexima segundo a qual em seguindo-a a multiplicidade semetamorfoseia mudando de natureza O rizoma procede por variaccedilatildeoexpansatildeo conquista captura picada Oposto ao grafismo ao desenhoou agrave fotografia oposto aos decalques o rizoma se refere a um mapaque deve ser produzido construiacutedo sempre desmontaacutevel conectaacutevelreversiacutevel modificaacutevel com muacuteltiplas entradas e saiacutedas com suaslinhas de fuga (Cf DELEUZE 1995 p 31-32)

Este trabalho e essa defesa eacute um pouco bricolagem e um pouco rizoma

tanto que natildeo teraacute bibliografia e sim um manancial rizomaacutetico com uma lista de

afluentes que formaram esse trabalho

Um rizoma natildeo comeccedila nem conclui ele se encontra sempre no meioentre as coisas inter-ser intermezzoEntre as coisas natildeo designa umacorrelaccedilatildeo localizaacutevel que vai de uma para outra e reciprocamente masuma direccedilatildeo perpendicular um movimento transversal que as carregauma e outra riacho sem iniacutecio nem fim que roacutei suas duas margens eadquire velocidade no meio (CfDELEUZE 1995 p 37)

A constituiccedilatildeo dele eacute por platocircs

No rizoma circula estados todo tipo de ldquodeviresrdquo um rizoma eacute feito deplatocircs serve-se da palavra platocirc para designar algo muito especialuma regiatildeo contiacutenua de intensidades vibrando sobre ela mesma e quese desenvolve evitando toda orientaccedilatildeo sobre um ponto culminante ouem direccedilatildeo a uma finalidade exterior Cada platocirc pode ser lido emqualquer posiccedilatildeo e posto em relaccedilatildeo com qualquer outro Para omuacuteltiplo eacute necessaacuterio um meacutetodo que o faccedila efetivamente nenhumaastuacutecia tipograacutefica nenhuma habilidade lexical (Cf DELEUZE 1995 p32-33)

Os platocircs podem ser lidos de modo independente e fora de ordem natildeo

poderia ser diferente no empreendimento de criacutetica agrave linguagem do ponto de vista

nietzcheano subtraindo da metodologia da razatildeo acadecircmica sua sacralidade

para ousar profanaacute-la na danccedila de signos que eacute o jogo luacutedico tal como aponta

85

Agamben na sua obra profanaccedilotildees169

Talvez desse jogo luacutedico o Direito possa aprender alguma coisa o que

portanto natildeo eacute nenhum onamismo intelectual de que se trata mas de um

engajamento aprendido pelas descobertas feitas por uma odisseacuteia para aleacutem do

texto metafiacutesico juriacutedico que nesse nomadismo traz outras abordagens Como

aponta Agamben citando Walter Benjamin eacute preciso que o Direito seja operado

de modo luacutedico natildeo para devolvecirc-lo ao seu uso canocircnico mas para libertaacute-lo

completamente dele170 Quiccedilaacute seja mais adequado falar que a linguagem do

Direito eacute o seu niilismo por escrito e isto ainda o levaraacute a seu Ocaso

O Direito em crise ou o crepuacutesculo de suas verdades

Os acusadores ou farejadores de heresias perante o altar da razatildeo

acadecircmica poderatildeo eacute meu vaticiacutenio julgar que ateacute aqui soacute vieram depor na

defesa testemunhas da filosofia talvez com a exceccedilatildeo de um antropoacutelogo todos

eram leitores de Nietzsche e por isso seus depoimentos natildeo deveriam ser

considerados jaacute que satildeo suspeitos para afirmar alguma coisa Aleacutem do mais

este eacute um trabalho de conclusatildeo de curso de Direito e natildeo de filosofia com o f

minuacutesculo mesmo e que diante dos testemunhos trazidos se deveria julgar que eacute

no maacuteximo um trabalho de filosofia sobre o Direito e natildeo de Filosofia do Direito

Com isso pretenderiam os acusadores ligeiros em deslegitimar o que foi dito ateacute

aqui novamente apontar a inutilidade desse trabalho inserindo-o como um mero

exerciacutecio esteacutetico pois fala sobre o Direito do ponto de vista da filosofia para natildeo

serem rigorosos em demasia e convencer os jurados os acusadores diriam que o

trabalho teve o meacuterito de ao menos trazer as ideacuteias de um pensador que natildeo eacute

estudado pelo Direito o reacuteu Nietzsche mas que nada aleacutem disso natildeo logrou

trazecirc-lo para o Direito no maacuteximo ilustrou uma histoacuteria do direito com as ideacuteias

nietzscheanas E se natildeo trouxe ao Direito foi principalmente pela ausecircncia de

169 Cf AGAMBEN Giorgio Profanaciones Trad Flaacutevia Costa y Edgardo Castro Buenos AiresAdriana Hidalgo editora 2005 sp

170 CfAGAMBEN Giorgio Estado de exceccedilatildeo Trad Iraci D Poleti Satildeo Paulo BoitempoEditorial 2004 sp

86

testemunhos de intelectuais do Direito eis aiacute a fundamentaccedilatildeo uacuteltima dos

acusadores sua tentativa de imputar uma condenaccedilatildeo definitiva a do reacuteu como

um autor inuacutetil ao Direito trata-se de arguumlir a ausecircncia de testemunhos

propriamente juriacutedicos e nisso vencer a causa por ausecircncia de provas materiais

da defesa Vale tudo desde que se declare a condenaccedilatildeo do reacuteu para a

satisfaccedilatildeo do acusadores essa sim onamista natildeo de um gozo sem prazer mas

a satisfaccedilatildeo daqueles que buscam solitariamente no Direito o prazer quase sexual

de suas respostas mesmo que ao custo do escalpelamento do reacuteu essa

dissecaccedilatildeo ciruacutergica que eacute a retoacuterica juriacutedica no seu intento de condenar por

juiacutezos a priori e talvez nesse onamismo tambeacutem haja um pouco de sadismo

cujo empreendimento desses acusadores ou seriam torturadores seria o de

arrancar as unhas do reacuteu ao escalpelo para que confesse logo sua culpa e pare

de dar trabalho ao juacuteri com sua estranha presenccedila Contra esse empreendimento

autosatisfeito da acusaccedilatildeo cabe opor os princiacutepios do contraditoacuterio e da ampla

defesa e da presunccedilatildeo de inocecircncia do reacuteu corolaacuterios do Estado Democraacutetico de

Direito jaacute que na ecircnfase acusatoacuteria o que se nota eacute uma presunccedilatildeo de culpa

Esse processo penal que temos ao que parece eacute bastante inquisitoacuterio pois nega a

legitimidade da defesa e o tempo todo busca produzir provas que confirmem o jaacute

decidido Isso demonstra que o Direito quando busca solitariamente o prazer de

responder as suas demandas com justiccedila a despeito de toda a objetividade de

suas normas seus princiacutepios seus a prioris age muitas vezes com o

subjetivismo proacuteprio dos detratores Tatildeo ligeiros na acusaccedilatildeo que negam os

princiacutepios que a prioristicamente datildeo a razatildeo de ser ao Direito que alegam

representar Ora esses acusadores representantes do Direito da lei da

ordem da justiccedila em nome da democracia ou com o poder conferido pelo

povo com o seu subjetivismo se colocam para fora do Direito isso sim o que

deve ser denunciado que nenhum direito tecircm nos seus circunloacutequios senatildeo

aquele que avaliza as suas verdades

Eacute preciso contestar a legitimidade dos que acusam e alegar natildeo soacute a

pertinecircncia juriacutedica deste trabalho como o fato de ser um trabalho de filosofia

mas do Direito Natildeo apenas como exerciacutecio de advocacia para defender o

87

Nietzsche reacuteu mas como questionamento radical das verdades juriacutedicas o que

soacute poderia acontecer como um colocar de dinamites dentro do Direito Trata-se

de Filosofia do Direito como quiserem os acusadores de f maiuacutesculo pouco

importa jaacute que o trabalho se reconhece natildeo onamista pois recusa a visatildeo dos

saberes compartimentados se eacute trabalho de conclusatildeo de um curso de Direito

solitaacuterio no seu templo eacute antes o resultado de um nomadismo universitaacuterio

portanto natildeo eacute Direito estrito senso Quiccedilaacute o problema do Direito e a filosofia de

Nietzsche eacute o colocar em duacutevida dos fundamentos seja a sua vontade de

verdade vontade de sistema ou mais claramente falando o seu caraacuteter estrito

senso o qual investe o recorte acadecircmico e tambeacutem aquele que se daacute sobre a

realidade que julga o direito que vive no templo natildeo vai a rua natildeo se nomadiza

Assim o Direito de que se orgulham os acusadores ao falar em seu nome seria

qualquer outra coisa menos direito Pois na sua vontade de sistema o Direito

precisa reduzir as coisas cortaacute-las diminuiacute-las natildeo soacute as iniciais dos outros

saberes minuacutesculos perante Ele mas tambeacutem trabalhar na loacutegica do estrito

senso para satisfeito ou seria autosatisfeito fazer justiccedila Nesse sentido o

nomadismo potildee em risco essa loacutegica do recorte proacutepria aos operadores e

meacutedicos legistas do direito e da lei para forccedilar a estrutura a uma criacutetica radical de

seus fundamentos entrando no templo da faculdade de Direito com um outro

anuacutencio tal como no aforisma 125 de a Gaia Ciecircncia um homem louco entrou

em diversas igrejas sendo expulso de todas elas ousou dizer que Deus estava

morto e que foi o proacuteprio homem que o matou e que aquelas igrejas natildeo eram

mais do que tuacutemulos dele171

Talvez seja preciso dizer dentro do templo do Direito que este lugar natildeo

eacute mais do que seu tuacutemulo e que seu cadaacutever o tempo todo eacute conspurcado pela

loacutegica do estrito senso do corte dos legistas e dos operadores que falam em seu

nome seus proacuteprios assassinos homicidas do Direito Natildeo se fez a autoacutepsia mas

eacute de supor que uma das principais causas tenha sido o d maiuacutesculo sobreposto

aos demais saberes com a autoridade do mais verdadeiro pois alccedilado a

171 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Gaia ciecircncia Trad Heloisa da Graccedila Burati Satildeo PauloRideel 2005 sp

88

condiccedilatildeo de iacutedolo que do seu altar responde pelos desiacutegnios de justiccedila Eacute

preciso contestar a supremacia do maiuacutesculo ousar derrubar mais esse iacutedolo

como apenas mais um nome para um ideal e quem sabe desprovido do seu

caraacuteter canocircnico para se assumir como uma invenccedilatildeo do homem tatildeo minuacutescula

quanto as outras possa aprender a dialogar com os outros saberes e a duvidar de

suas verdades O direito no minuacutesculo tatildeo igual aos outros natildeo melhor ou

maior e mais adequado seria dizer que este trabalho eacute de filosofia do direito e

abolido estaacute o maiuacutesculo pois esse eacute um obstaacuteculo arrogante ao nomadizar

universitaacuterio Continuemos a defesa trazendo entatildeo testemunhos de intelectuais

do direito agora sempre no minuacutesculo como os civilistas O direito da

racionalidade moderna eacute da loacutegica proprietaacuteria direito herdado do coacutedigo

napoleocircnico o qual serviu de modelo ao coacutedigo civil de 1916 aponta Fachin e

ainda De 1916 para o novo coacutedigo civil de 2002 natildeo se mudou muito em termos

de estrutura172 Eacute o direito do ter e natildeo do ser que foi legado pelo

esclarecimento o que para natildeo se cometer injusticcedila Fachin acredita numa

leitura do direito civil pela constituiccedilatildeo na superaccedilatildeo da dicotomia do sujeito

separado do objeto pela razatildeo moderna a qual trabalhou intuito de cortar a

realidade a seu gosto simplificando-a nos coacutedigos A tentativa eacute de interpretar os

coacutedigos atraveacutes dos princiacutepios constitucionais que conteriam a saiacuteda para o

verdadeiro direito e para a realizaccedilatildeo da justiccedila Cabe trazer o testemunho dos

penalistas aos quais o processo penal eacute inquisitoacuterio ou conforme Juarez Tavares

Eacute um direito penal que age com presunccedilatildeo de culpa173 ou ainda conforme

Pavarini Eacute um direito penal da modernidade com traccedilos de preacute-modernidade174

172 Cf FACHIN Luiacutes Edson Direitos fundamentais e os desafios do direito privado brasileirocontemporacircneo a partir da incidecircncia constitucional In Painel de Direito Civil semana acadecircmicado Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacuteprio punho em setembro de2008

173 Cf TAVARES Juarez Sistema penal e direitos fundamentais In Painel de Direito Penalsemana acadecircmica do Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPR Anotaccedilotildees de proacutepriopunho em setembro de 2008

174 Cf PAVARINI Massimo Democracia consenso social e penalidade As tendecircncias atuaisnas poliacuteticas penais e de encarceramento no mundo Escola de Altos Estudos da CapesDepartamento de poacutes-graduaccedilatildeo em direito da UFPR anotaccedilotildees de proacuteprio punho setembro de2008

89

Esses testemunhos satildeo resultado de um apanhado de notas tiradas de palestras

havidas nesses uacuteltimos dias nas veacutesperas da escritura da monografia ou com ela

jaacute em andamento

Essa confissatildeo acentua a escolha deste trabalho pela bricolagem

quando tudo pode servir175 natildeo haacute projeto anterior todo este trabalho derivou

da pergunta por que ler Nietzsche no direito E estaacute a deriva das provaacuteveis

respostas navegando os afluentes de um rizoma Foram apresentados o

testemunho de alguns intelectuais do direito nessa defesa eacute preciso denunciar a

ineacutepcia dos que acusam o abandono do juriacutedico neste trabalho afinal estudiosos

do direito acabaram de ser convocados a depor contra a racionalidade moderna

que investe esse direito produto do esclarecimento Ao ensejo tambeacutem cabe a

denuacutencia de que muito se valoriza ainda a filosofia do direito que parta do

referencial kantiano metafiacutesico da norma fundamental e que o direito eacute ainda

muito crente nas verdades da razatildeo moderna legada pelas luzes com sua

pretensatildeo de universalidade travestida da bondade da pregaccedilatildeo dos direitos

humanos e princiacutepios abstratos Nisso cabe tambeacutem criticar o quantum de

racionalidade moderna que estaacute presente tambeacutem nas constituiccedilotildees que se

arrogam cartas de princiacutepios sendo que todas foram escritas por representantes

do povo este o nome para quem ocupa as cadeiras do poder As constituiccedilotildees

natildeo satildeo a saiacuteda miraculosa para a verdade dos direitos e da justiccedila o que se

fosse verdade poderia salvar um direito que no seu altar faz muitas

promessas Natildeo haacute messianismo na constituiccedilatildeo como jaacute se descobriu que natildeo

haacute nos coacutedigos o que jaz positivado nelas tambeacutem satildeo coacutedigos mesmo que mais

sofisticados Tambeacutem satildeo simplificaccedilotildees da realidade ao gosto dos legisladores

da eacutepoca sempre dispostos a realizar uma nova emenda no texto os homens que

exercem o seu poder em nome deles mesmos ou de seu time Eacute preciso

derrubar o iacutedolo profanaacute-lo natildeo apenas lhe retirando a supremacia da inicial

maiuacutescula mas tambeacutem a feacute nos seus cacircnones natildeo para colocaacute-la em outro

175 Cf ROSA Alexandre Morais da Decisatildeo Penal Bricolage de Significantes Rio de JaneiroLuacutemen Juacuteris 2006 sp e tambeacutem Cf LEVI-STRAUSS Claude O Pensamento Selvagem TradTacircnia Pellegrini Campinas SP Papirus 1989 sp

90

lugar transportando-a dos coacutedigos para a constituiccedilatildeo Atualmente o direito

sustenta uma desfuncionalidade que eacute a sua proacutepria funcionalidade176 conforme

Lecircnio Streck jurista e leitor de Heidegger e Gadamer os quais tambeacutem foram

leitores de Nietzsche

Eacute a crise do direito e o crepuacutesculo de suas verdades cuja palavra natildeo eacute

sem sentido do ponto de vista filoloacutegico segundo o dicionaacuterio177 crepuacutesculo se

trata da luminosidade indecisa que precede o nascer do sol ou persiste algum

tempo depois do ocaso crepuacutesculo tambeacutem quer dizer o proacuteprio ocaso e uma

decadecircncia gradual Esse eacute o diagnoacutestico nietzscheano para um direito da

tradiccedilatildeo conservador elitista e filho da modernidade que cresceu brincando

nos escombros da preacute-modernidade cuja histoacuteria se confunde com a da

propriedade para Wolkmer jurista e historiador que escreve na sua obra histoacuteria

do direito no brasil desde os primeiros momentos as faculdades de direito

serviram para formar as elites os administradores da justiccedila e do poder

A implantaccedilatildeo dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil em 1827um em Satildeo Paulo e outro em Recife (transferindo de Olinda em 1854)refletiu a exigecircncia de uma elite sucessora da dominaccedilatildeo colonizadoraque buscava concretizar a independecircncia poliacutetico-cultural recompondoideologicamente a estrutura de poder e preparando nova camadaburocraacutetico-administrativa setor que assumia a responsabilidade degerenciar o paiacutes (Cf WOLKMER 1999 80)

Ainda paira no templo do direito onde ele eacute ensinado aquela

luminosidade indecisa que vem depois do ocaso ou como um sinal de que ele

estaacute proacuteximo numa decadecircncia gradual

A Gaia Ciecircncia ou ldquoaurorardquo do direito

O crepuacutesculo eacute tambeacutem aquela luminosidade indecisa que precede o

nascer do Sol nisso o sentido da palavra se confunde com o de aurora (cujo

sentido filoloacutegico quer dizer luz que precede o nascer do Sol aurora tambeacutem

176 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

177 ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

91

quer dizer princiacutepio178) Aurora tambeacutem eacute o nome para uma obra de Nietzsche

que iraacute escrever muitas auroras ainda natildeo brilharam inspirado por leituras

miacutesticas do Rig-Veda livros da sabedoria indiana179 A presenccedila da palavra

crepuacutesculo tambeacutem estaacute em outro livro de Nietzsche o crepuacutesculo dos iacutedolos

ou como filosofar a golpes de martelo o qual comeccedila com a descriccedilatildeo de quatro

erros apontando para uma criacutetica radical da modernidade Aurora crepuacutesculo

esse jogo de intensidades foi o modo que achou de atacar as luzes mostrando

o conteuacutedo de sombra que escondem

Desse modo o reacuteu Nietzsche exprime o seu pensar acusado de miacutestico

por alguns e considerado obscuro por outros dentre eles Heidegger que teria

dito que a verdadeira filosofia de Nietzsche se depreende de suas cartas e natildeo de

seus aforismas os quais para esse Heidegger analiacutetico mais dissimulavam a

filosofia dele do que a explicitavam Eacute a insistecircncia na metaacutefora tal como a de seu

Zaratustra personagem solar que iraacute viver algumas metamorfoses enfrentando a

rejeiccedilatildeo puacuteblica de suas ideacuteias de seu anuacutencio banido ao deserto teraacute que

aprender a viver natildeo apenas na luz mas tambeacutem nas sombras conhecer o

crepuacutesculo para enxergar a aurora (como se renovar sem se tornar cinzas Eacute o

mito da fecircnix segundo Nietzsche em seu Zaratustra interpretado por Maria

Cristina Franco Ferraz180)

Isso quer dizer que eacute preciso viver o niilismo seja pela constataccedilatildeo da

morte do iacutedolo seja pela insistecircncia desses uacuteltimos homens seus assassinos

em tentar ocultar e conspurcar o cadaacutever com outras crenccedilas no lugar e viver no

sentido nietzscheano eacute o nomadizar-se com o espiacuterito de aventura e correndo

riscos Eacute preciso aceitar o niilismo para ultrapassaacute-lo esse eacute o teste para a

vontade de poder que exige o aleacutem-do-homem uma tarefa para quem conseguir

dobrar e agenciar as forccedilas sobrevivendo ao jogo delas que subsume os

crentes o rebanho e seus pastores na feacute do iacutedolo inespugnaacutevel O

178 Segundo ROCHA Ruth MinidicionaacuterioSatildeo Paulo Scipione 1996 sp

179 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

180 Ibidem

92

ultrapassamento do niilismo eacute a transvaloraccedilatildeo dos valores um empenho

eacutetico de trecircs metamorfoses segundo Nietzsche o camelo o leatildeo e a crianccedila181

Eacute a assunccedilatildeo de uma responsabilidade traacutegica muitas auroras ainda natildeo

brilharam e quando soacute se enxerga sombra e crepuacutesculo pouca esperanccedila haacute e

qualquer bezerro de ouro vira iacutedolo sinal do messianismo desse modo de

pensar decadente e niilista O caminho da transvaloraccedilatildeo eacute o que se daacute como

nomadizar-se como travessia da crise como atravessamento de forccedilas que se

chocam com o fundamento de onde nascem os valores talvez natildeo ainda o iacutedolo

derrubado que se fala este permanece no altar mas da pedra fundamental que

sustenta o templo ou esse mausoleacuteu sepulcro suntuoso Talvez depois da

explosatildeo causada por essas dinamites nietzscheanas brilhe uma possiacutevel

aurora ao direito agora visto como gaia ciecircncia pois alegre e luacutedico Escreve

Nietzsche na Gaia Ciecircncia aforisma 108

Depois de Buda ter morrido sua sombra foi mostrada em uma cavernadurante seacuteculos uma sombra enorme e aterradora Deus morreu mastal como os homens durante milecircnios ainda haveraacute cavernas nas quaisse mostraraacute sua sombra Enquanto a noacutes eacute tambeacutem necessaacuterio quevenccedilamos a sua sombra (Cf NIETZSCHE 2005 p101)

E o templo em que se ensina o direito eacute tambeacutem o lugar onde reina uma

sombra aterradora a de suas verdades dogmas teacutecnicas conceitos

arbitrados ou fetichizados porque instrumentalizados pelos operadores do direito

esses administradores vestindo terno e gravata ou agrave social que tatildeo logo adentram

ao culto dessa sombra jaacute incorporam os seus preceitos morais O ocaso do

direito eacute a sombra que paira no templo lugar que eacute erigido pela tradiccedilatildeo seja

na faculdade no foacuterum nos gabinetes a sombra esconde o direito que eacute velado

pelos seus administradores com o cinismo daqueles que comparecem ao veloacuterio

do proacuteprio crime Eacute o rebanho catequizado ou acostumados ao palavroacuterio dos

outros que natildeo entende o anuacutencio de Zaratustra e logo iratildeo julgaacute-lo louco ou

ainda um novo pastor a defender a imoralidade a ausecircncia de qualquer valor

moral ou eacutetica encontrando assim justificativas para a total permissividade deles

181 ldquoDas trecircs metamorfosesrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra TradMaacuterio da Silva12ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

93

mesmos Natildeo suficientemente fortes o bastante para se justificarem ainda

precisam acreditar em alguma coisa Assim acostumados ao direito dos coacutedigos

das cartilhas ao culto da razatildeo acadecircmica leia-se ornamental julgaratildeo

qualquer empreendimento que escape ao lugar comum de inuacutetil de heresia

como natildeo direito Dessa forma eacute que esses seguidores da sombra

demonstram seu desejo pelo iacutedolo o direito com d maiuacutesculo acima dos

demais saberes porque mais legiacutetimo que todos e para isso inescrupulosamente

cometeratildeo toda sorte de falsificaccedilotildees como for mais conveniente Esse natildeo eacute

apenas o comportamento dos niilistas mas tambeacutem eacute o dos realizadores do

niilismo Por essas palavras entenda-se natildeo a figura daqueles que acreditam mas

a daqueles que precisam acreditar em alguma coisa que tem o iacutedolo como

muleta dai nos Zaratustra esse super-homem que vocecirc fala (gritam os homens

na praccedila182) agem como crentes com submissatildeo pois sem o iacutedolo ou sem um

novo natildeo saberiam sustentar em andaimes seguros a sua proacutepria existecircncia Com

iacutempeto semelhante tambeacutem se comportam os adeptos da razatildeo ornamental

assiacuteduos leitores da doutrina repisada dos manuais juriacutedicos que na condiccedilatildeo de

aristocratas do conhecimento vestindo agrave social julgam e advogam a causa dos

outros com a feacute no poder do direito da lei dos coacutedigos ou da constituiccedilatildeo Eacute se

assenhorando do direito como objeto da verdade que natildeo eacute mais do que a

muleta para as suas convicccedilotildees que procuraratildeo reafirmaacute-las quando acusam

Nisso os aristocratas do conhecimento em relaccedilatildeo a sociedade que lhes provecirc

o ensino puacuteblico gratuito e de qualidade tambeacutem satildeo uma elite de

administradores da justiccedila do direito do poder da poliacutetica da lei e da ordem

Para essa elite o direito dos outros satildeo os seus honoraacuterios sua posiccedilatildeo simboacutelica

na escala social e a filosofia um saber minuacutesculo artigo de luxo que desejam que

lhes seja dado como ilustraccedilatildeo assim como lhe satildeo dadas as liccedilotildees no templo

e as transmitiratildeo Eacute preciso que se diga que os acusadores de Nietzsche como

filoacutesofo da aristocracia ainda ignoram que a proacutepria elite o desconhece pois

querem-no como um artigo de luxo um ornamento qualquer coisa menos como

182 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

94

dinamite Satildeo os liberais da razatildeo econocircmica cujo liberalismo183 eacute outro nome

para esconder sua submissatildeo niilista natildeo eacute a liberdade visceral nietzscheana do

torna-te aquilo que tu eacutes

Por isso quando manifestei interesse no estudo de Nietzsche no direito

logo essa elite refeacutem da sombra veio me aconselhar a apenas citar o filoacutesofo no

texto do trabalho de monografia afinal o que tem a ver esse filoacutesofo ou o que ele

tem a dizer ao direito senatildeo paraacutebolas e literatura Quiccedilaacute muito temor da

sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente a juriacutedica e muita vontade de

verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aqui do reacuteu Nietzsche o louco o

banido para as sombras como julgaacute-lo temendo ainda as sombras Talvez os

acusadores tivessem que se abster e alegar a ineacutepcia de suas acusaccedilotildees para

tanto seria preciso realizar uma criacutetica radical de suas verdades abalar de tal

modo as convicccedilotildees dos administradores do direito que sem a muleta ou altar

vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiam por quais verdades

basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila o palco dos casuiacutesmos

ou decisionismos apontaria os atuais administradores da lei mas cabe objetaacute-

los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildees da feacute no iacutedolo

mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga Com base em

queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as

acusaccedilotildees e condenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se

descubra que o ocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso

que venccedilamos a sua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser

conquistado e jamais dado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem

como a superaccedilatildeo do homem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho

pronto construiacutedo Se eacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que

183 ldquoLiberalismo claramente isto significa animalizaccedilatildeo gregaacuteriardquo Cf p 153 retirado de oldquoCrepuacutesculo dos Iacutedolosrdquo divagaccedilotildees de um intempestivo 38 CfNIETZSCHE Friedrich WilhelmEscritos sobre Poliacutetica as ideologias e o aristocratismo (Org) e Trad Noeacuteli Correia de MeloSobrinho Rio de Janeiro Editora da PUC-Rio Satildeo Paulo Loyola 2007

95

estatildeo acostumados a ser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou

melhor esses acusadores submissos de Nietzsche pois bastante niilistas para

confessar que precisam se escorar em alguma coisa para se manter de peacute

Quanto a isso responde Zaratustra O caminho natildeo existe184 Isso segundo

Jacques Derrida seria uma aporia185 o lugar sem saiacuteda sem opccedilotildees tal como

um muro que bloqueia a passagem Mas antes que jubilosos por compreender

que a filosofia de Nietzsche eacute sem saiacuteda sem caminho sem possibilidade e logo

lhe imputem a condiccedilatildeo de ser niilista Eacute preciso que se diga que nem a aporia

do Derrida nem o anuacutencio de Zaratustra satildeo uma declaraccedilatildeo de conformismo

diante de um muro Para Derrida a aporia conduz a um movimento de busca

infinito em que a proacutepria ideacuteia de justiccedila se insere como o inalcanccedilaacutevel ibidem a

justiccedila deve ser pensada como desconstruccedilatildeo constante quem faz seu

depoimento agora eacute um leitor de Nietzsche bastante atento ao que este escreveu

e tambeacutem um ex-aluno de Michel Foucault Se a busca eacute infinita assim como a

interpretaccedilatildeo dos signos deve o ser para Foucault eacute preciso apontar para a

multiplicidade do anuacutencio de Zaratustra natildeo existe o caminho mas muitos

caminhos muitas possibilidades tantas que o proacuteprio ser se exaure no devir

Sobre isso ainda testemunha DerridaA justiccedila como possibilidade da desconstruccedilatildeo a estrutura do direito ouda lei da fundaccedilatildeo ou da auto-autorizaccedilatildeo do direito como possibilidadedo exerciacutecio da desconstruccedilatildeo Eacute tarefa infinita a da interpretaccedilatildeotratam-se de infinitas memoacuterias culturais religiosas filosoacuteficas ejuriacutedicas o que torna os problemas infinitos neles mesmos porqueexigem a experiecircncia da aporia que tem relaccedilatildeo com o miacutesticowittgensteiniano (DERRIDA 2007 p 28-29)

Esse miacutestico de Wittgenstein eacute aquele momento em que se deve calar eacute o

momento do silecircncio porque nada pode ser dito Infinitos neles mesmosrdquo como a

experiecircncia labiriacutentica do mergulho no abismo nietzscheano o ultrapassamento

para o aleacutem-do-homem contudo Nietzsche natildeo estanca na aporia natildeo conhece

uma antes se espatifca contra o muro para ultrapassaacute-lo mesmo ao custo do

184 CfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Rio deJaneiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 p233185 Cf DERRIDA Jacques Forccedila de Lei o ldquofundamento miacutestico da autoridaderdquo Trad LeylaPerrone-Moiseacutes Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sp

96

despedaccedilamento daquele que tenta mesmo que derrubando o muro do silecircncio

sobre si mesmo quanto a isso cabe a imagem de um Nietzsche que antes de

mergulhar num silecircncio de onze anos trancado depois do colapso seguia uivando

num grito louco pela liberdade186

O que Nietzsche natildeo conseguiraacute dizer mais ele tentaraacute uivar seja de

dor de desespero ou como louco ou ainda um bufatildeo satisfeito pelo que fez a

medicina da eacutepoca natildeo soube afirmar certeza sobre nada e hoje soacute podemos

especular daquela eacutepoca soacute sobrou a imagem de quem em silecircncio olhava para o

horizonte infinito187

O horizonte natildeo eacute sem sentido do ponto de vista filoloacutegico e filosoacutefico para

Nietzsche como assinala o testemunho de Hans-Georg Gadamer antes dele

falar eacute preciso que se diga que o Nietzsche lido por Gadamer natildeo eacute

necessariamente o mesmo lido por Foucault Deleuze Derridaacute por esse time

essa eacute a polissemia de Nietzsche que no seu uivo traacutegico acaba se colocando

para aleacutem de bem e mal e contra todas as confrarias sem time Agora deixo

Gadamer dar seu testemunhoA linguagem filosoacutefica empregou a palavra horizonte sobretudo desdeNietzsche e Husserl para caracterizar a vinculaccedilatildeo do pensamento agravesua determinidade finita e para caracterizar o ritmo de ampliaccedilatildeo docampo visual Aquele que natildeo tem um horizonte eacute um homem que natildeovecirc suficientemente longe e que por conseguinte supervaloriza o que lheestaacute mais proacuteximo Ao contraacuterio ter horizontes significa natildeo estarlimitado ao que haacute de mais proacuteximo mas poder ver para aleacutem dissoAquele que tem horizontes sabe valorizar corretamente o significado detodas as coisas que pertencem ao horizonte no que concerne aproximidade e distacircncia grandeza e pequenez (Cf GADAMER 1997 p399-400)

186 Esse relato adveacutem da leitura de FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dosdeuses Rio de Janeiro Relume Dumaraacute 1994 sp e sobre o miacutestico de wittgenstein areferecircncia eacute MANTAU Leandro Nascimento KUNZE Cristiana Montibeller Deus nopensamento de Nietzsche e de Wittgenstein In Caderno de Resumos do VI Congresso deFilosofia Contemporacircnea da PUCPR Curitiba Editora Champagnat 2008 Wittgenstein foi um dosmaiores loacutegicos que jaacute existiu era homem de feacute leu tolstoi provavelmente o mesmo livro queNietzsche leu o reino de deus estaacute em noacutes e o carregava debaixo do braccedilo nas trincheiras daprimeira guerra mundial natildeo se sabe se conheceu a filosofia de Nietzsche

187 Nota para o viacutedeo de veracidade sempre questionaacutevel no chamado siacutetio de armazenamentoyoutube wwwyoutubecomwatchv=alHu-nGqDHY gravada segundo informaccedilotildees de amigospelos irmatildeos lumiacuteere provavelmente com as primeiras tecnologias de cinema desenvolvidas emque aparece a imagem de Nietzsche absorto olhando o infinito em seus uacuteltimos dias

97

Eu ensino a voacutes o amor ao mais distante188 natildeo estar limitado ao mais

proacuteximo eacute natildeo aceitar o que recomenda a catequese do amor ao proacuteximo e a

tradiccedilatildeo da visatildeo estrito senso do direito que o supervaloriza perante os outros

saberes mas ousar o nomadizar-se como condiccedilatildeo para visualizar o significado

das coisas do proacuteprio direito assim soacute seraacute possiacutevel amar e valorizar ao mais

proacuteximo depois de vagar pelo mais distante esse seria o pathos de distacircncia

nietzscheano que ensina um distanciar-se estrateacutegico das coisas para ver ateacute

que altura foram construiacutedas as torres189 Quiccedilaacute para enxergar que os iacutedolos

cultuados satildeo de barro e o templo um mausoleacuteu Eacute conhecida as polecircmicas

entre Derridaacute e Gadamer em torno da hermenecircutica cuja noccedilatildeo de horizonte eacute

constitutiva para Gadamer a hermenecircutica se daacute como processo de fusatildeo de

horizontes190 contudo os dois foram convocados natildeo para polemizar entre si

mas para auxiliar na defesa do Nietzsche reacuteu por isso ao ouvir o testemunho

Derridaacute natildeo se conteacutem e pede a palavra assim vem para completar o dito pelo

outroUm horizonte como seu nome indica em grego eacute ao mesmo tempo aabertura e o limite da abertura que define ou um progresso infinito ouuma espera (Cf DERRIDA 2007 p 51)

Ideacuteia que se associa a de Gadamer quando este define o que eacute horizonte

e fala em Nietzsche o amor ao distante tambeacutem eacute uma espera pelo aleacutem-do-

homem quem poderaacute redimir o passado o presente no porvir191 Todavia eacute

preciso ler que para Derrida

A justiccedila natildeo espera uma decisatildeo justa eacute sempre requeridaimediatamente de pronto o mais raacutepido possiacutevel O momento de

188 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

189 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad Rubens Rodrigues Torres Filhoposfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza 2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 sp

190 Cf STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica daconstruccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado 2001 sp

191 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Genealogia da moral uma polecircmica Trad Paulo Ceacutesar deSouza Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 sp

98

decisatildeo eacute de urgecircncia e precipitaccedilatildeoA decisatildeo justa rasga o tempo edesafia as dialeacuteticas p 52 A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por issoque a justiccedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedicoou poliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeodo direito e da poliacutetica (Cf DERRIDA 2007 p 51-55)

A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta (radical) eacute inapreensiacutevel

eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento (que excede o caacutelculo)

segundo Derrida ibidem Quando Zaratustra faz seu anuacutencio o homem deve ser

superado para que venha o aleacutem-do-homem no porvir ensina tambeacutem o amor

ao distante e que eacute preciso que se aprenda a declinar Zaratustra atormentado

pelo seu anuacutencio pelo que tem que dizer sabe que deveraacute perecer como

anunciador eacute o preccedilo a ser pago a experiecircncia traacutegica como a do deus que eacute

despedaccedilado em sua peregrinaccedilatildeo ao Oriente esse eacute o destino de Dioniso E tal

como o Jesus de Kazantzaacutekis o Zaratustra de Nietzsche parece temer o seu

destino natildeo sabe anunciar suas ideacuteias e elas natildeo satildeo audiacuteveis e nem

compreendidas pelo puacuteblico que as distorce rapidamente nem o proacuteprio Nietzsche

a escrever alucinadamente a primeira parte de Assim Falava Zaratustra em dez

dias mesmo com o uso da paraacutebola natildeo consegue se fazer claro e seu livro natildeo

iraacute vender o que lhe custaraacute o desgosto profundo ateacute mesmo seus amigos iratildeo

dizer que natildeo entenderam palavra alguma e se afastaratildeo tendo-o por louco192

Eacute preciso ter coragem de querer o que jaacute se sabe193 E Zaratustra precisa reunir

forccedilas para fazer o que jaacute sabe deveraacute caminhar como criminoso natildeo como um

pastor de rebanho como bandido porque deixado a solidatildeo como inimigo de

todas as confrarias pois enxotado de todas as igrejas que o acusaratildeo de

herege esse eacute tambeacutem o destino do reacuteu Nietzsche andando de pensatildeo em

pensatildeo e vivendo de favores afinal essa eacute a visatildeo mais aterradora a de estar na

sombra

O medo que toma o Jesus de Kazantzaacutekis e o Zaratustra de Nietzsche eacute o

mesmo demasiado humano de que ningueacutem iraacute lhe salvar do seu destino nem

192 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 sp

193 Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor1997 sp

99

anjos os homens superiores reis magos ou Deus Estaacute abandonado a sua

proacutepria sorte o que faz Zaratustra sentir que ele eacute apenas um anunciador natildeo eacute

ainda o aleacutem-do-homem pois sente-se um aleijado na ponte quase esmagado

pela sensaccedilatildeo do iacutempio daquele que ousou dizer que Deus estaacute morto O seu

anuacutencio eacute uma carga absurda que precisa suportar como o grito desesperado e o

sangue dos que satildeo crucificados diante do Jesus de Kazantzaacutekis considerado

pela comunidade local como um traidor jaacute que trabalha como carpinteiro que

aleacutem de moacuteveis tambeacutem fabrica cruzes194 eacute assim que o Zaratustra de Nietzsche

ao sair da caverna onde existe a sombra como personagem solar e apoliacuteneo iraacute

fazer o seu anuacutencio na praccedila para descobrir depois que ao abrir a boca ele

tambeacutem fabricou cruzes O peso do accediloite e do que fabrica do grito atormentado

que natildeo o deixa dormir eacute muito intenso o Jesus de Kazantzaacutekis tambeacutem grita e

uiva com suas visotildees abissais aleacutem de ser visto como traidor seraacute tido ainda

como louco ou possuiacutedo pelo democircnio ibidem

Natildeo eacute a toa que com essa obra A Uacuteltima Tentaccedilatildeo de Cristo Kazantzaacutekis

chegou a ser ameaccedilado de excomunhatildeo pela Igreja ortodoxa e natildeo o deixaram

ter um enterro cristatildeo195

O Zaratustra de Nietzsche tambeacutem teraacute de suportar muito esse eacute o preccedilo

de sua primeira metamorfose se tornar um camelo um animal carregador Se

vivia em seguranccedila o Jesus de Kazantzaacutekis precisaraacute enfrentar a mais profunda

solidatildeo do deserto enquanto Zaratustra tambeacutem faraacute sua travessia bastante

ferido e atormentado pelas moscas da feira aqueles que encontra no caminho e

que parecem roubar-lhe alguma coisa na tentativa de arrebatar-lhe a coragem

que lutou para conquistar e com dificuldade sustenta as moscas da feira

(passagem do capiacutetulo de Assim Falava Zaratustra196 as moscas agem como as

tentaccedilotildees para o Jesus de Kazantzaacutekis na tentativa de achatar a potecircncia)

194 Cf KAZANTZAacuteKIS Nikos A uacuteltima tentaccedilatildeo de Cristo Trad Waldeacutea Barcellos Rio deJaneiro Rocco 1988 sp

195 Cf Joseacute Paulo Paes prefaacutecio in KAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus TradJoseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Aacutetica 1997

196 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

100

Eacute assim que Roberto Machado afirma

O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevelfoi destruiacutedo por seus inimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivioPor quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso e inalterado eacute a sua almasua vontade (Cf MACHADO 1997 98)

O que resta daquele que aceitou perecer pelo seu anuacutencio eacute a vontade de

poder que pulsa em algum lugar do ser cuja intensidade da carga o faz sucumbir

essa vontade se manifesta no despedaccedilamento na explosatildeo quando tudo se

consuma para o Jesus de Kazantzaacutekis ou quando tudo comeccedila para o Zaratustra

de Nietzsche esse eacute o princiacutepio ou a aurora pois a sua descoberta na solidatildeo

profunda eacute de que

A vontade eacute o princiacutepio que torna possiacutevel a libertaccedilatildeo do niilismoContudo a vontade natildeo pode querer para traacutes (impotente contra o queestaacute feito) Eis a mais solitaacuteria anguacutestia da vontade (Cf MACHADO1997 98)

O traacutegico eacute o lugar dessa vontade ela eacute o priacutencipio da segunda

metamorfose de Zaratustra a do homem-leatildeo daquele que deveraacute natildeo apenas

carregar mas tambeacutem combater pelos valores que mesmo conquistou eacute preciso

que aprenda a defender as suas descobertas e tambeacutem a comunicar a sua seiva

Zaratustra iraacute querer companheiros e se quem o segue seratildeo disciacutepulos essa

palavra tem outro sentido para Nietzsche e para o Jesus de Kazantzaacutekis

Ser disciacutepulo de Zaratustra eacute eleger-se a si mesmo eacute ser solitaacuteriocriador de seus proacuteprios valores ser seu disciacutepulo eacute em vez depermanecer fiel a seu ensinamento isto eacute em vez de imita-loultrapassa-lo supera-lo no caminho do super-homem Eacute preciso pocircr-seem guarda contra mim (Nietzsche) ldquoSecirc um homem e natildeo me sigassigas apenas a ti mesmo A ti mesmordquo (Cf MACHADO 1997 78)

ldquoOs criadores satildeo duros e o mais nobre eacute duriacutessimordquo ldquodas velhas e novas

taacutebuasrdquo197 Todos os criadores satildeo duros eacute a verdadeira marca de uma natureza

dionisiacuteaca O homem-leatildeo deve aprender a rugir alto a leonina sabedoria

conquistada ao custo traacutegico do peso que carregou que ainda estaacute presente nas

197 Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Assim Falou Zaratustra Trad Maacuterio da Silva12ed Riode Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2003 sp

101

cicatrizes e feridas natildeo fechadas mas agora vive com o peso sem se incomodar

tornou-se leve pois deixou de ser animal carregador superou esse estaacutegio o

ultrapassou Eacute com uma vontade desse tipo que o heroacutei traacutegico teraacute de enfrentar

um titatilde que ainda impotildee uma sombra eacute o tempo do deus Cronos o titatilde escreve

Roberto Machado

O segredo que Zaratustra descobre eacute que o passado eacute o grande desafiopara que haja uma verdadeira redenccedilatildeo e que soacute pela vontade eacutepossiacutevel recuperar o que nele morreu p 99 idem

Esse homem-leatildeo natildeo eacute Zeus que de acordo com a mitologia grega

enfrentou e derrotou Cronos no princiacutepio do que conhecemos por universo

tambeacutem natildeo possui raios e a constelaccedilatildeo oliacutempica para lutar a seu lado a luta de

Zaratustra eacute ainda solitaacuteria como a do Jesus de Kazantzaacutekis abandonado e

negado pelos seus disciacutepulos mesmo na versatildeo biacuteblica Certamente a luta

contra Cronos natildeo pode ser ganha natildeo por um homem que sangra sofre e natildeo

tem super poderes que natildeo eacute divino Mas Nietzsche eacute leitor dos preacute-socraacuteticos

da mitologia grega e conhece a histoacuteria de Aquiles daquele que escolheu a

destruiccedilatildeo a morte no campo de batalha como meio de lograr o tempo vencecirc-lo

e se eternizar Escreve em Assim Falava Zaratustra

Deveis procurar o vosso inimigo e fazer a guerra pelos vossospensamentos E se o vosso pensamento for vencido que a vossaretidatildeo lance ainda assim um grito de vitoacuteria Natildeo o trabalho mas aluta Que o trabalho seja luta e a paz uma vitoacuteria Vivei a vida deobediecircncia e de guerra Que importa viver muito tempo Que guerreiroquer ser poupado (Cf NIETZSCHE 2003 73-74)

Sabe portanto que os deuses invejam os homens natildeo porque sua vida

perante a eternidade eacute um piscar de olhos mas porque cada instante pode ser o

uacuteltimo Por isso jaacute sabe o homem-leatildeo que precisa usar o que lhe restou a

mateacuteria viva que ainda pulsa nele a sua vontade como meio e possibilidade de

ultrapassar o tempo vencecirc-lo Quando estaacute na cruz aparece a uacuteltima tentaccedilatildeo ao

Jesus de Kazantzaacutekis eacute a alternativa confortaacutevel de uma vida comum e feliz para

Aquiles era o desconhecimento histoacuterico o desaparecimento ao Zaratustra de

Nietzsche eacute o muro do passado a uacuteltima sombra o peso mais pesado ainda

natildeo carregado que lhe aparece sob a forma de um democircnio ao Jesus de

102

Kazantzaacutekis tambeacutem aparece um democircnio mas sob a forma de anjo assim

escreve Nietzsche no aforisma 341 da Gaia Ciecircncia

O peso mais pesado E se um dia ou uma noite um democircnio lheaparecesse na sua suprema solidatildeo e lhe dissesse Esta existecircncia talcomo a leva e a levou ateacute aqui vai ser necessaacuterio a vocecirc recomeccedilaacute-lasem cessar sem nada de novo muito pelo contraacuterio A menor dor omenor prazer o menor pensamento o menor suspiro tudo o quepertence agrave vida voltaraacute ainda a repetir-se tudo o que nela haacute deindizivelmente grande e de indizivelmente pequeno tudo voltaraacute aacontecer e voltaraacute a verificar-se na mesma ordem seguindo a mesmaimpiedosa sucessatildeo esta aranha tambeacutem voltaraacute a aparecer estelugar entre as aacutervores e este instante e eu tambeacutem A eterna ampulhetada vida seraacute invertida sem descanso e vocecirc com ela iacutenfima poeira daspoeiras Natildeo lhe lanccedilaria por terra rangendo os dentes e amaldiccediloandoesse democircnio A menos que jaacute tenha vivido um instante prodigiosos emque lhe responderia Vocecirc eacute um deus nunca ouvi palavras tatildeo divinasSe este pensamento lhe dominasse talvez lhe transformasse e lheaniquilasse havia de lhe perguntar a prooacutesito de tudo Quer isto E oquer outra vez Uma vez Sempre Ateacute o infinito E esta questatildeo teriasobre vocecirc um peso decisivo e terriacutevel Ou entatildeo seraacute necessaacuterio quelhe ame a si proacuteprio e que ame a vida para nunca mais desejar outracoisa aleacutem dessa suprema confirmaccedilatildeo (Cf NIETZSCHE 2005 sp)

Tudo isso foi escrito com o objetivo de justificar a opccedilatildeo natildeo niilista da

vontade de poder em face do desafio de superar a sombra Portanto natildeo se

trata de uma saiacuteda platocircnica da caverna em busca da luz aquela que ofusca aos

olhos tal como no mito da carvena198 a superaccedilatildeo nietzscheana eacute uma cena de

extremo combate pois eacute autoconsciente de sua tarefa deveraacute viver

perigosamente para ultrapassar o niilismo e o templo lugar dos seus

realizadores A palavra templo guarda semelhanccedila com a palavra tempo o que

natildeo eacute casual como nada eacute num texto que se propotildee a defesa do ex-filoacutelogo e

neologista Nietzsche O templo tal como o tempo eacute uma resistecircncia a essa

vontade afirmativa simboliza um passado de histoacuteria e tradiccedilatildeo tal como os

quadros paredes e laacutepides com nomes de professores a enfeitar os salotildees e

corredores Existe no templo do direito muito do culto a memoacuteria dos

antepassados de onde adveacutem a sua iacutendole conservadora elitista e sua

justificaccedilatildeo histoacuterica talvez por isso necessita o direito erigir templos para ser a

198 Quando o homem apenas enxerga sombras como projeccedilotildees da realidade nas paredes dacaverna enquanto natildeo consciente de que a realidade eacute o que estaacute fora da caverna

103

casa de Cronos natildeo um museu mas um lugar de culto um mausoleacuteu onde se

guarda e se preserva as reliacutequias que confirmam as suas verdades O templo eacute

o lugar do tempo do direito e provavelmente mais faacutecil seja ser acusado de

louco e enxotado dele do que lograr convencer os outros de que esse deus estaacute

morto e que esse templo natildeo eacute mais do que tuacutemulo dele Nisso haacute dois tipos

de ilusotildees que satildeo alimentadas a de que o direito vive dentro dele assim como o

tempo que o justifica Muito forte satildeo essas crenccedilas tanto como as verdades do

direito erigido na tradiccedilatildeo da modernidade Diante do que cabe a lembranccedila de

outro heroacutei da eacutepoca de Aquiles trata-se de Ulisses aquele que astuciosamente

enganou Polifermo199 para tentar lograr o direito e o tempo dele no seu proacuteprio

territoacuterio o seu templo encontrando passagens secretas outros caminhos ainda

natildeo percorridos e assim encontrar um modo de ultrapassamento

Quiccedilaacute seja preciso mesmo um pouco de espiacuterito de ulisses para aceitar

a odisseacuteia e enganar o direito ciclope porque se quer com d maiuacutesculo

absoluto na sua pretensatildeo de regulaccedilatildeo da sociedade e do tempo A aurora tem

por princiacutepio essa vontade de poder de ulisses esperteza astuacutecia coragem

para lograr o adversaacuterio invenciacutevel divino ou semi-divino ou que se acha sagrado

como as verdades que fundamentam o direito Natildeo haacute como vencer a luta mas

haacute caminhos a percorrer meios para enganar eacute preciso se pocircr em combate se

implicar na tarefa e ousar a profanaccedilatildeo e isso pode abrir espaccedilo para repensar o

direito e a justiccedila natildeo para trazecirc-los a tona porque natildeo ressuscitaratildeo no lugar

nomeado para eles como aponta Nietzsche

ldquoSoacute haacute ressurreiccedilatildeo onde haacute tuacutemulosrdquo e que a vontade eacute a ldquodestruiccedilatildeode todos os tuacutemulosrdquo Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedianietzschiana Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 sp Como jaacute

199 Ulisses ou Odisseu a depender da traduccedilatildeo enfrenta Polifermo um ciclope e com astuacutecia furao olho do titatilde Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape1995 p 13 a 29 ldquoO Homero das reflexotildees de Nietzsche expressa bem a proposiccedilatildeo de que asdisputas emblematicamente caracterizadas sob o signo de agon satildeo tomadas como um radicalconflito pluralista de perspectivas entendido como condiccedilatildeo de legislaccedilatildeo e criaccedilatildeo axioloacutegicardquo CfVIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo Paulo Annablume 2006 p177

104

apontado por Derridaacute A justiccedila eacute um porvir Talvez seja por isso que ajusticcedila na medida em que ela natildeo eacute somente um conceito juriacutedico oupoliacutetico abre ao porvir a transformaccedilatildeo a refundiccedilatildeo ou refundaccedilatildeo dodireito e da poliacutetica p 55 idem

Isso requer um engajamento traacutegico a astuacutecia do guerreiro daquele que

engana a bruxa Circe e natildeo se deixa apanhar pelo feiticcedilo que transformava

homens em porcos200 o que eacute muito diferente da soluccedilatildeo miraculosa desses

operadores e administradores do direito que manipulam as regras e os princiacutepios

consoante seus interesses para os benefiacutecios seus e do time em que jogam

auferindo lucros e vantagens esses satildeo os espertos ao modo Circe e mais se

parecem com os porcos enfeiticcedilados por ela

Natildeo deiteis fora o heroacutei que haacute na tua alma conserva a sua mais altaesperanccedila Um homem nobre eacute obstaacuteculo no caminho de todos poiscoisas novas quer criar e novas virtudes diferente dos libertinos queandam por aiacute emporcalhando tudo CfNIETZSCHE 2003 p 70)

O ultrapassamento do niilismo requer o ocaso o crepuacutesculo a

precipitaccedilatildeo tiacutepica da decisatildeo que rasga o tempo e desafia as dialeacuteticas 51-52 p

como aponta Derrida eacute o mergulho das duas metamorfoses de Zaratustra a do

camelo e a do homem-leatildeo do homem possuiacutedo pelo seu anuacutencio que se

encaminha para a terceira metamorfose a da crianccedila luacutedica o caminho para a

transvaloraccedilatildeo A gaia ciecircncia eacute alegre e luacutedica porque nasce da aurora cujo

princiacutepio eacute a vontade de poder afirmativa que atraveacutes do jogo consegue suplantar

os esquemas prontos e criativamente enganar os censores inventando

possibilidades e fazendo outro uso do direito natildeo o canocircnico Dessa forma

Agamben no seu estado de exceccedilatildeo comentando Walter Benjamin aponta

Um dia a humanidade brincaraacute com o direito como as crianccedilas brincamcom os objetos fora de uso natildeo para devolvecirc-los a seu uso canocircnico esim para libertaacute-los definitivamente dele O que se encontra depois dodireito natildeo eacute um valor de uso mais proacuteprio e original e que precederia odireito mas um novo uso que soacute nasce depois dele Tambeacutem o uso

200 Cf HOMERO A Odisseacuteia Adaptaccedilatildeo Stella Maris Bortoni Satildeo Paulo Paumape 1995 p 30-43 A Circe era uma bruxa na epopeacuteia de Homero que transformava os homens em porcos parabrincar com eles para Nietzsche a Circe da humanidade eacute ldquoa moral falsificou no cerne ndashmoralizou ndash todas as questotildees psicoloacutegicasrdquo Cf NIETZSCHE Friedrich Wilhelm Ecce homocomo algueacutem se torna o que eacute Trad Paulo Ceacutesar de Souza Satildeo Paulo Companhia das Letras1995 p 58

105

que se contaminou com o direito deve ser libertado de seu proacuteprio valorEssa libertaccedilatildeo eacute a tarefa do estudo ou do jogo E esse jogo estudioso eacutea passagem que permite ter acesso agravequela justiccedila que um fragmentopoacutestumo de Benjamin define como um estado do mundo em que esteaparece como um bem absolutamente natildeo passiacutevel de ser apropriado ousubmetido agrave ordem juriacutedica (Cf AGAMBEN 2004 p 98)

Cabe re-citar Derridaacute A justiccedila como experiecircncia da alteridade absoluta

(radical) eacute inapreensiacutevel eacute a condiccedilatildeo da histoacuteria eacute chance do acontecimento

(que excede o caacutelculo) p 55 idem A gaia ciecircncia ou a aurora do direito eacute a

experiecircncia do excesso tal como a criatividade artiacutestica porque resultado dessa

vontade de poder que atua agenciando as forccedilas num movimento de alteridade

radical na pluralidade do devir mesmo que ao custo traacutegico do exaurimento

daquele que se propotildee a essa tarefa E quiccedilaacute a vitoacuteria sobre a sombra tambeacutem

seja um novo comeccedilo quando numa transvaloraccedilatildeo de todos os valores muda-se

o princiacutepio de onde se originam os valores ele eacute deslocado nesse nomadismo da

vontade empurrado para outro lugar com o impacto E quem se propor a esse

desafio aceita tambeacutem perecer por isso eacute uma tarefa tatildeo absurda quanto nobre

em que o preccedilo a ser pago eacute alto e requer o investimento da proacutepria vida Eacute

preciso amar esse destino para se comprometer com ele de tal modo que o

anuacutencio do eterno retorno seja uma benccedilatildeo divina para querer todas as coisas

assim como ocorreram e para que tudo retorne outra vez E o reacuteu Nietzsche se

comprometeu com a sua tarefa ateacute o dilaceramento esses acusadores ligeiros e

estelionataacuterios deveriam ter antes mais respeito por um homem que pagou um

preccedilo tatildeo alto para trazer a sua mensagem Toda hybris se paga bastante caro

tanto para os gregos quanto para NietzscheEm todos os lugares eacute a loucura que

abre caminho para o novo pensamento que rompe o interdito de um costume de

uma supersticcedilatildeo respeitadardquo201

Tornar-se o que se eacute no direito Ou como coloquei o Nietzsche em praacutetica

Esse trabalho de conclusatildeo do curso de direito eacute resultado de um

nomadismo universitaacuterio pensando o direito para aleacutem da loacutegica do estrito senso

201 Cf FERRAZ Maria Cristina Franco Nietzsche o bufatildeo dos deuses Rio de Janeiro RelumeDumaraacute 1994 p130

106

e se recusando ao recorte da razatildeo acadecircmica se fez a pesquisa na

contingecircncia dos devires participando de grupos de estudos e tomando notas

aqui e ali no acaso das situaccedilotildees aproveitando dos diaacutelogos e provocaccedilotildees

surgidas das conversas nesses cinco anos de faculdade Buscou-se realizar o

trabalho com a base empiacuterica oriunda das experiecircncias vividas e testadas na

proacutepria carne Natildeo houve escolha de tema e nem projeto desenhado antes o

desenvolvimento se deu colocando-se a deriva tal como na odisseacuteia E assim

escrevo agora no prazo de dois dias as linhas finais deste trabalho quando o

trabalho todo natildeo levou mais de vinte e poucos menos de um mecircs natildeo por

negligecircncia mas porque as ideacuteias jaacute estavam sendo ruminadas haacute algum tempo

sem ainda o tratamento mecacircnico e visual Tambeacutem o esforccedilo foi o de trazer o

maacuteximo de conteuacutedos possiacuteveis filosofia literatura direito psicologia agenciando

os saberes e as forccedilas na defesa do reacuteu Nietzsche acusado de muitos crimes

tanto quanto a multiplicidade de seu pensamento pode indicar E num tempo

reduzido diante da dificuldade do trabalho de exercer essa advocacia sem

diploma ainda no amadorismo e na diletacircncia de tratar da defesa do filoacutesofo sem

a formaccedilatildeo filosoacutefica literaacuteria e menos ainda a juriacutedica o que se escreveu e se

continua por enquanto eacute a exteriorizaccedilatildeo provisoacuteria do que se conseguiu agenciar

daquilo que valeu a pena ser dito e expressado muita coisa ainda se deixa de

fora pois mereceria um burilamento maior e o ruminar necessaacuterio a

problematizaccedilatildeo da defesa Pois que assim seja fique uma parte de fora e que

nas reticecircncias perdure o desejo202

Ateacute pouco tempo natildeo se sabia como comeccedilar esse trabalho muito menos

do que tratar sobre Nietzsche a uacutenica coisa que havia de certeza eacute que se

tentaria trazer esse filoacutesofo para o Direito numa espeacutecie de diaacutelogo que ateacute entatildeo

nunca havia visto Haacute alguns meses atraacutes nada existia apenas esse desejo e foi

o trabalho dele o resultado dessas paacuteginas que seguem por isso o pouco tempo

202 Paraacutefrase de Cyro Marcos por PHILIPPI Jeanine Nicolazzi Direito e Psicanaacutelise brevesapontamentos acerca do estatuto da lei In CUNHA PEREIRA Rodrigo da (Coord) Anais do ICongresso Brasileiro de Direito de Famiacutelia ndash Repensando o Direito de FamiacuteliaBelo Horizonte DelRey 1999 sp

107

de escrita o que natildeo eacute sem sentido do ponto de vista da psicologia empregada

quando para transmutar o desejo a paixatildeo o caos em mateacuteria bruta seria

necessaacuteria a tensatildeo o desespero a exaltaccedilatildeo o sentimento do excesso contra o

tempo de Cronos Trata-se de uma psicologia que requer o mergulho no profundo

oceano de noacutes mesmos para trazer agrave superfiacutecie os tesouros escondidos e

conquistados alguns ateacute entatildeo desconhecidos porque nunca antes foram

expressos ou natildeo havia sido dada a oportunidade Esse mergulho eacute o do

naacuteufrago que perdido natildeo sabe para onde ir ou como se salvar eacute tambeacutem a

daquele que sabe que deve dar braccediladas contra a correnteza e natildeo pode paacuterar

em algum lugar deveraacute chegar natildeo se sabe qual ou ainda como um operaacuterio que

deve quebrar muitas pedras a golpes de marreta antes que comece a construir

alguma coisa Tal empreendimento pode ser comparado tambeacutem com a de quem

deveraacute fazer um mosaico colando e recortando pilhas e pilhas de papeacuteis para

montar um conjunto sujando as proacuteprias matildeos essa eacute a bricolagem quando o

luacutedico trabalha com os signos dando-lhes sentido novo Esse era o grande

desafio como executar um trabalho relacionando Nietzsche e Direito com d

maiuacutesculo sem seguir nenhum precedente nenhum jurista com a exceccedilatildeo de um

juiz203 escreveram ou escrevem sobre Nietzsche dentro da aacuterea satildeo reflexotildees

que tangenciam mas natildeo trazem o campo juriacutedico como problema

Diante da inexistecircncia de um ponto de partida ou de apoio o trabalho

estaria fadado ao fracasso antes de comeccedilar seria morrer na praia Natildeo havendo

um modo de comeccedilar na perspectiva da razatildeo acadecircmica que exige marcos

teoacutericos soacutelidos na aacuterea que o trabalho estaacute vinculado e tambeacutem um recorte

epistemoloacutegico uma delimitaccedilatildeo do tema entre outros requisitos a alternativa que

restou diante do muro foi a de dinamitaacute-lo lanccedilar pelos ares os modelos os limites

preacute-dados para estourando com eles a marteladas achar um espaccedilo no meio do

nada na sombra da desolaccedilatildeo do niilismo Entatildeo jaacute sabia que teria que escrever

tudo desde a primeira linha ateacute a uacuteltima todo um trabalho ineacutedito talvez nunca

203 Nota para MELO Eduardo Rezende Nietzsche a Justiccedila criacutetica e transvaloraccedilatildeo Satildeo PauloPerspectiva Fapesp 2004 e ainda para VIEIRA Joseacute Roberto Interpretaccedilatildeo da morte de Deusem Nietzsche In Revista da faculdade catoacutelica de administraccedilatildeo e economia Adecon CuritibaFae 1991

108

antes realizado no campo juriacutedico como trabalho de conclusatildeo de curso Tambeacutem

jaacute conhecia das suspeitas e das provaacuteveis imputaccedilotildees principalmente a daqueles

que me acusariam de tentar realizar um trabalho de doutorado uma tese na

graduaccedilatildeo como se fosse uma heresia ousar andar fora dos modelos e desafiar a

tradiccedilatildeo Com isso tambeacutem buscavam me desacreditar tomando o meu esforccedilo

por impossiacutevel ou ainda aleacutem disso bastante pretensioso ora como pode um

estudante de direito falar de um pensador que pouco se estuda ateacute mesmo na

filosofia Como pode querer saber mais do que aqueles que estudam filosofia

Igualmente outras barreiras eram colocadas ao empreendimento quando me

perguntavam O que sobre Nietzsche O que no direito se aproxima de

Nietzsche

ldquoPerguntaratildeo por que relatei realmente todas essas coisas pequenas eseguindo o juiacutezo tradicional indiferentes estaria com isso prejudicando amim mesmo tanto mais se estou destinado a defender grandes tarefasResposta essas pequenas coisas satildeo inconcebivelmente maisimportantes do que tudo o que ateacute agora tomou-se como importanteNisso exatamente eacute preciso comeccedilar a reaprenderrdquo (Cf NIETZSCHE1995 p 50)

Muitas vezes ou todas as vezes natildeo estava pronto para responder natildeo

tinha e quem sabe ainda natildeo tenho respostas mas apenas algumas impressotildees

as quais vieram a tona a pouco tempo quiccedilaacute jaacute estivessem guardadas bem fundo

ainda de todo desconhecidas Por isso esse trabalho soacute veio a superfiacutecie como

um exerciacutecio de psicologia de profundezas requerendo o engajamento traacutegico do

mergulho de apineacuteia sem qualquer garantia ou sustentaccedilatildeo Natildeo havia receita ou

projeto tudo deveria ser construiacutedo ao custo de uma destruiccedilatildeo E tambeacutem natildeo

seria eu a responder nada o proacuteprio Nietzsche deveria o fazer eu apenas seria

um mero assistente ou narrador desse processo

Assim a um mecircs do prazo final da entrega do trabalho completo e

nenhuma paacutegina escrita as interrogaccedilotildees somavam-se a outras numa carga

equivalente a responsabilidade e a exigecircncia desse empreendimento Natildeo tinha

mais tempo para elucubrar divagar e refletir possibilidades era preciso comeccedilar a

quebrar as pedras e quem sabe se tivesse mais tempo natildeo teria ainda percebido

o oacutebvio que sempre esteve na minha frente e que no desespero dos uacuteltimos dias

109

marcava a sua insistecircncia na forma da pergunta Por que ler Nietzsche no Direito

Ateacute entatildeo jaacute tinha lido e relido muitas coisas sem chegar a uma resposta nem

mesmo a uma saiacuteda da pergunta o que tambeacutem parecia impossiacutevel foi quando

Foucault apontou o debate sobre o poder e colocando Nietzsche como seu

referencial expliacutecito na Microfiacutesica do Poder

Hoje fico mudo quando se trata de Nietzsche No tempo em que eraprofessor dei requumlentemente cursos sobre ele mas natildeo mais o fariahoje Se fosse pretensioso daria como tiacutetulo geral ao que faccedilogenealogia da moral Nietzsche eacute aquele que ofereceu como alvoessencial digamos ao discurso filosoacutefico a relaccedilatildeo de poder Enquantoque para Marx era a relaccedilatildeo de produccedilatildeo Nietzsche eacute o filoacutesofo dopoder mas que chegou a pensar o poder sem se fechar no interior deuma teoria poliacutetica A presenccedila de Nietzsche eacute cada vez maisimportante Mas me cansa a atenccedilatildeo que lhe eacute dada para fazer sobreele os mesmos comentaacuterios que se fez ou que se faraacute sobre Hegel ouMallarmeacute Quanto a mim os autores que gosto eu os utilizo O uacutenicosinal de reconhecimento que se pode ter para com um pensamentocomo o de Nietzsche eacute precisamente utilizaacute lo deformaacute lo fazecirc loranger gritar Que os comentadores digam se se eacute ou natildeo fiel isto natildeotem o menor interesse (Cf FOUCAULT 1979 p 143)

E tambeacutem na Verdade e as Formas Juriacutedicas

Com Platatildeo se inicia um grande mito ocidental o de que haacute antinomiaentre saber e poder Se haacute o saber eacute preciso que ele renuncie ao poderOnde se encontra saber e ciecircncia em sua verdade pura natildeo pode maishaver poder poliacutetico Esse grande mito precisa ser liquidade Foi essemito que Nietzsche comeccedilou a demolir ao mostrar em numerosos textosjaacute citados que por traacutes de todo saber de todo conhecimento o que estaacuteem jogo eacute uma luta de poder O poder poliacutetico natildeo estaacute ausente dosaber ele eacute tramado com o saber (Cf FOUCAULT 2002 p 51)

Assim foi que enxerguei um meio de ultrapassar a sombra de ludibriar

os censores e de ter alguma chance no combate titacircnico que me propus a travar

ou seja lograr trazer Nietzsche para dentro do Direito ainda com d maiuacutesculo

para no proacuteprio territoacuterio juriacutedico desenvolver a criacutetica e justificar seu uso

enquanto filoacutesofo dentro da pertinecircncia juriacutedica do trabalho Mais enquanto

filoacutesofo do que enquanto pensamento era preciso defender o autor que natildeo eacute lido

ou estudado tanto quanto os seus inteacuterpretes contemporacircneos os quais

confessam em suas obras ter em Nietzsche a fonte ou o referencial baacutesico de

partida Para justificar o uso de seu pensamento nesse trabalho seria preciso

antes partir das inuacutemeras acusaccedilotildees feitas para qualificar ou dizer quem foi

110

Nietzsche Natildeo apenas como um pensador trazido de empreacutestimo de outra aacuterea

de saber para enriquecer um trabalho juriacutedico enquanto citaccedilatildeo mas como

protagonista eis que se achou o lugar dele nesse trabalho Nietzsche seria o reacuteu

do processo constituiacutedo pelas suas inuacutemeras acusaccedilotildees e caberia a mim o

trabalho de ser seu advogado mesmo sem diploma

Natildeo eacute propriamente um processo mas um inqueacuterito em que se condena

de antematildeo de uma causa que jaacute foi abandonada e esquecida talvez sob a

motivaccedilatildeo dos natildeo poucos estelionatos cometidos a seu pensamento que para

serem provados necessitariam de uma investigaccedilatildeo histoacuterica para reabrir esse

inqueacuterito deveria trazer provas novas ou afirmar e justificar no campo juriacutedico algo

diferente do usual sobre Nietzsche Para tanto teria que dialogar os saberes e

agenciaacute-los nesse empreendimento a filosofia a literatura a psicologia e o direito

com d minuacutesculo pois retirado da sua condiccedilatildeo de autoridade sobre os demais

o juriacutedico precisaria dividir espaccedilo nesse trabalho como mais um saber operaacuterio

Assim foi definido o tiacutetulo do trabalho O caso Nietzsche a reabertura de um

inqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildees Jaacute

que

O Inqueacuterito eacute precisamente uma forma poliacutetica uma forma de gestatildeode exerciacutecio do poder que por meio da instituiccedilatildeo judiciaacuteria veio a seruma maneira na cultura ocidental de autenticar a verdade de adquiriras coisas que vatildeo ser consideradas como verdadeiras e de as transmitirO inqueacuterito eacute uma forma de saber-poderrdquo (Cf FOUCAULT 2002 p78)

Mas o que me levou a assumir esse ocircnus Quando poderia seguir os

outros e fazer um trabalho estritamente juriacutedico doutrinaacuterio jurisprudencial por

que complicar as coisas Para trazer do subterracircneo algumas impressotildees devo

relatar traccedilos relevantes de minha trajetoacuteria ateacute aqui Tudo comeccedila aos meus

dezesseis anos no meu primeiro emprego um estaacutegio de trecircs meses nas feacuterias

de 2000 para 2001 numa biblioteca o Farol do Saber Fernando Pessoa haacute

poucos metros da minha casa consegui essa oportunidade porque essa biblioteca

eacute vinculada a Escola Municipal Professor Guilherme Butler onde estudei do preacute

ateacute a quarta-seacuterie do primaacuterio e laacute a diretora minha professora na terceira seacuteria

Vera Regina me conhecia e me ajudou minha matildee Dona Marly tambeacutem foi

111

fundamental para levar aquele menino ainda assustado ateacute sua primeira

experiecircncia profissional me forneceu apoio indo comigo na central de estaacutegio

quando mal sabia caminhar sozinho pela cidade acostumado a viver no meu

bairro a Vila Hauer agora sem o vila soacute Hauer Meus pais Sr Leonardo e Dona

Marly desde cedo trabalharam e natildeo puderam seguir os estudos minha matildee

criou-se oacuterfatilde e cuidada pelos outros natildeo pode estudar e ainda tinha que cuidar da

casa fazendo os serviccedilos domeacutesticos Jaacute meu pai desde menino aprendeu a

dirigir e ajudar no armazeacutem dos meus avoacutes paternos que nunca conheci e era

uma eacutepoca em que era normal deixar os estudos para trabalhar minha matildee soacute fez

a primeira seacuterie do primaacuterio e meu pai soacute ateacute a quarta-seacuterie Infelizmente natildeo

puderam exercer o potencial deles meu pai tem facilidade com caacutelculos

provavelmente teria se encontrado bem na aacuterea de exatas um matemaacutetico um

engenheiro natildeo se sabe chegou a trabalhar como motorista numa empresa de

engenharia e hoje eacute motorista particular de uma meacutedica A minha matildee tem uma

sensibilidade com crianccedilas talvez pudesse ter sido uma oacutetima pedagoga contudo

teve que crescer oacuterfatilde cuidando das crianccedilas dos outros e hoje eacute dona de casa e

cuida da gente ainda Meus pais sabiam que eu precisava continuar meus

estudos em 2001 jaacute seria meu uacuteltimo ano no ensino meacutedio estudava no Coleacutegio

Estadual Segismundo Falarz e teria poucas ou nenhuma chance de passar no

vestibular e na eacutepoca natildeo havia cotas teria que passar na federal jaacute que as

particulares natildeo poderia pagar Por isso a urgecircncia de comeccedilar um estaacutegio

guardar o dinheiro e pagar um cursinho No Farol o estaacutegio era um pouco

monoacutetono nas feacuterias poucas pessoas iam e natildeo havia televisatildeo computador

raacutedio nada eu que soacute lia algum livro quando era obrigado a fazer trabalho para a

escola agora estava cercado por vaacuterios e comecei a folheaacute-los por curiosidade

Era preciso passar o tempo e comecei a ler alguns peguei alguns livros de

literatura depois fui para a filosofia Na eacutepoca crescia em mim uma revolta via

meus antigos colegas de escola alguns jaacute me acompanhavam desde muito cedo

todos estavam jaacute migrando para os cursinhos iriam fazer o uacuteltimo ano do ensino

meacutedio e se preparando para o vestibular Enquanto que eu natildeo tinha essa

possibilidade os pais deles podiam pagar e os meus natildeo nisso fui percebendo o

112

meu lugar no mundo e as diferenccedilas sociais que antes era apenas estudos de

sociologia comecei a sentir na proacutepria carne junto com o medo de natildeo saber o

que viria depois afinal o vestibular era algo proacuteximo e ao mesmo tempo distante

para as minhas possibilidades naquele momento Lembro que pensava em

desenvolver jaacute meu potencial criacutetico e achei na filosofia um caminho para poder

explicar o que estava vivendo e o que deveria fazer precisaria da determinaccedilatildeo

da forccedila e da astuacutecia do guerreiro pois jaacute sentia a presenccedila dos titatildes que vinham

Quando acabou o estaacutegio no Farol jaacute tinha despertado e natildeo pararia mais de ler e

de estudar entro no uacuteltimo ano de ensino meacutedio e me transfiro para o noturno e

vou em busca de estaacutegio em periacuteodo integral depois de muita andanccedila chego a

uma empresa de creacutedito imobiliaacuterio que existia na eacutepoca fui contratado para

trabalhar no arquivo o trabalho era simples davam os nuacutemeros dos processos

para a gente e tiacutenhamos que escalar as prateleiras em busca dos documentos

esse trabalho levava o dia todo e assim foi por quase um ano Ao mesmo tempo

estudava a noite e comecei a participar mais das aulas apresentando opiniotildees As

aulas de filosofia sociologia e histoacuteria comeccedilaram a me interessar mais

justamente pela possibilidade de fazer uma criacutetica social Na filosofia logo comecei

a trocar ideacuteias com o professor e um dia perguntei sobre um tal de Nietzsche

agora natildeo lembro de onde tive a primeira impressatildeo mas tinha ouvido falar e foi

assim que o questionei a respeito O professor apenas riu e disse que era um

filoacutesofo maluco algueacutem que enlouqueceu e deixava quem o lia tambeacutem louco era

um pensador muito perigoso Na eacutepoca ele me recomendava a leitura dos

pensadores escolaacutesticos Satildeo Tomaacutes de Aquino e Santo Agostinho mas ateacute hoje

nunca os li o relato dele sobre o tal pensador maluco me impressionou e guardei

a curiosidade soacute fui o ler no final do ano quando descobri que no proacuteprio farol em

que trabalhei havia um livro sobre ele era o Nietzsche da coleccedilatildeo os pensadores

Eacute assim que comeccedila a minha trajetoacuteria Natildeo irei passar no primeiro vestibular e

nem no segundo quando apenas estudava tinha guardado todo o dinheiro e

investido num cursinho natildeo dos melhores mas aquele que podia pagar Daquela

eacutepoca do primeiro cursinho lembro de Ronaldo com a visatildeo criacutetica e percepccedilatildeo

aguccedilada da realidade mais de alguns rostos que natildeo consigo dar nomes agora

113

mas que natildeo vou esquecer porque foram importantes nessa trajetoacuteria Era jaacute o

ano de 2003 e o meu objetivo jaacute era passar em Direito desde o ano anterior e a

justificativa era simples precisava ajudar a minha famiacutelia no Direito pensava

encontraria meios de ascensatildeo social e de retornar tudo isso a eles pois devo

tudo a meus pais minha famiacutelia no que inclui a minha irmatilde Janice Tambeacutem

devido a criacutetica que jaacute ensaiava desde que descobri a leitura era um sentimento

de justiccedila muito grande uma revolta por natildeo ter condiccedilotildees que pudesse facilitar

minha caminhada natildeo soacute as materiais mas jaacute comeccedilava a notar as

desigualdades e tambeacutem os poderes que perpassam as estruturas e assujeitam

Como havia gasto todo meu dinheiro e deveria comeccedilar tudo do zero natildeo poderia

ser mais estaacutegio jaacute havia concluiacutedo o ensino meacutedio entatildeo fui em busca de

emprego vendo as oportunidades nessas centrais espalhei curriacuteculos mas natildeo fui

chamado Foi quando um ex-vizinho Sr Sebastiatildeo que havia conseguido montar

sua proacutepria empresa me chamou para uma entrevista ele me daria a oportunidade

de trabalhar na sua pequena empresa de metalurgia como auxiliar de produccedilatildeo

O trabalho era duro deveria ajudar na carga e descarga dos materiais brutos accedilo

ferro e outros e tambeacutem na limpeza das maacutequinas torno freza ainda no chatildeo da

faacutebrica foi a minha experiecircncia de labor braccedilal como operaacuterio que forjou meu

caraacuteter naquele momento era normal se machucar e cortar a matildeo e os dedos com

o cavaco que eacute a limalha de ferro cortado quando limpava as maacutequinas e

tambeacutem natildeo tinha qualquer experiecircncia para me cuidar melhor estava

aprendendo que se queria alguma coisa deveria estar disposto a pagar o preccedilo

com o investimento da vida do corpo e do sangue derramado Era preciso vencer

a batalha se quisesse vir a ser um guerreiro e salvar minhas esperanccedilas foi

quando me matriculei num cursinho melhor com os primeiros recebimentos e

cheguei a conciliar trabalho e estudo a noite por algum tempo ateacute os limites da

minha forccedila jaacute quase dobrado pelo cansaccedilo Percebi que mesmo que estudasse

natildeo teria o rendimento necessaacuterio a enfrentar o vestibular em direito na federal e

que estaria apenas me iludindo e mais uma vez estava fadado ao fracasso

Nessa eacutepoca o acaso conspirou a meu favor e meu pai que estava

desempregado conseguiu o emprego de motorista particular de uma meacutedica onde

114

estaacute ateacute hoje e nisso investiu parte de seus ganhos natildeo na casa mas em mim

para que eu completasse os estudos e apenas estudasse Natildeo podia mais

fracassar na minha segunda tentativa agrave seacuterio a primeira foi uma tentativa que fiz

ao sair do ensino meacutedio soacute para conhecer a prova sabia que natildeo tinha chance

alguma Naquele momento natildeo era dinheiro soacute meu era da minha famiacutelia e

lutava tambeacutem por eles e felizmente fui aprovado no exame para o ingresso no

curso de direito noturno da federal em 2004 Uma vez dentro do curso logo vi que

natildeo estava numa faculdade e sim numa universidade e como natildeo entrei apenas

por mim mas por todos aqueles que amo a minha famiacutelia natildeo poderia me

conformar em fazer apenas direito eacute assim que comeccedila o meu nomadismo

universitaacuterio de que este trabalho eacute consequumlecircncia No primeiro ano com bastante

disposiccedilatildeo em desenvolver a criacutetica que jaacute ensaiava me convidam para participar

de uma reuniatildeo do dito partido da esquerda da faculdade antes de comeccedilarem

as aulas passo a frequumlentar as suas reuniotildees e jaacute conheccedilo alguns veteranos mal

sabia que essa suacutebita experiecircncia poliacutetica tambeacutem tinha a ver com Nietzsche

Nietzsche afirma que o filoacutesofo eacute aquele que mais facilmente se enganasobre a natureza do conhecimento por pensaacute-lo sempre na forma deadequaccedilatildeo do amor da unidade da pacificaccedilatildeo Ora se quisermossaber o que eacute o conhecimento natildeo eacute preciso nos aproximarmos daforma de vida de existecircncia de ascetismo proacutepria ao filoacutesofo Sequisermos realmente conhecer o conhecimento saber o que ele eacuteapreendecirc-lo em sua raiz em sua fabricaccedilatildeo devemos nos aproximarnatildeo dos filoacutesofos mas dos poliacuteticos devemos compreender que satildeorelaccedilotildees de luta e de poder ndash na maneira como as coisas entre si oshomens entre si se odeiam lutam procuram dominar uns aos outrosquerem exercer uns sobre os outros relaccedilotildees de poder ndash quecompreendemos em que consiste o conhecimento (Cf FOUCAULT2002 p 22-23)

Tambeacutem no primeiro ano conheccedilo o Serviccedilo de Assessoria Juriacutedica

Universitaacuteria Popular - Sajup projeto de extensatildeo do curso coordenado pela

Professora Dra Vera Karam em que vislumbrei a possibilidade de ir para aleacutem

dos muros da universidade e conhecer o direito no diaacutelogo com as comunidades

Passo a me envolver bastante com o projeto mas ainda assim sentia a

necessidade de trabalhar com outros saberes na praacutexis extensionista natildeo poderia

ser soacute o direito jaacute pressentia que ele natildeo traz todas as respostas Eu precisava

me manter na faculdade tinha meus gastos de transporte xerox alimentaccedilatildeo e

115

entatildeo cadastrei um pedido de bolsa permanecircncia que foi aceito quando tive a

imensa sorte mais uma vez o acaso jogando a favor fui alocado para exercer

atividade de apoio na aacuterea juriacutedica e sob a orientaccedilatildeo de Vanir assistente social

do escritoacuterio modelo que nesses primeiros instantes foi quase uma matildee para

mim ela coordenava tambeacutem os estagiaacuterios da federal no Projeto Prisatildeo em

Flagrante no Foacuterum Criminal e me levou para cumprir minhas horas de estaacutegio laacute

quando comecei a ter contato com a realidade do direito o encarceramento das

pessoas mais pobres o drama das famiacutelias e dos sem-direitos O Projeto muda

de nome para OAB=Cidadania coordenado pela Dra Lucia Belloni em que me

seraacute dada a oportunidade de estagiar junto de advogados que iratildeo prestar

orientaccedilatildeo juriacutedica gratuita e realizando ainda o trabalho com a execuccedilatildeo penal e

a progressatildeo de regime com visitas ao complexo carceraacuterio de Curitiba e regiatildeo

metropolitana entrevistando e auxiliando aqueles que muitas vezes satildeo os

esquecidos da sociedade banidos ignorados e malditos muitas vezes estatildeo

encarcerados e jaacute pagam a sua pena antes do julgamento condenados de

antematildeo Por mais um desses acasos o estaacutegio ocorria no preacutedio histoacuterico que eacute

a verdadeira sede do centro acadecircmico hugo simas conhecido como palaacutecio da

liberdade e assim aprendi um pouco da histoacuteria dessa entidade representativa

dos estudantes de direito da federal trabalhando naquele preacutedio numa eacutepoca que

trilhava meus primeiros passos no direito jaacute conhecendo a realidade atroz das

comunidades aos presiacutedios onde o poder se manifesta de modo mais expliacutecito e

cruel eacute poder sobre o corpo Daqueles momentos no Projeto guardarei a

lembranccedila de Theoacutephilo colega de faculdade que tambeacutem estagiava laacute e que

juntos chamaacutevamos aquele espaccedilo que por obra do acaso era o preacutedio de nosso

centro acadecircmico de cahs=casa Afinal o acaso nos colocou na nossa casa o

cahs como entidade cunhou a expressatildeo palaacutecio da liberdade para aquele lugar

por causa da luta contra a ditadura em que aquele espaccedilo se manteve aberto

apesar de toda a repressatildeo Infelizmente poucos estudantes sabem que a

cahs=casa ou a verdadeira habitaccedilatildeo do cahs eacute laacute e natildeo no subsolo do campus

santos andrade O primeiro ano ainda foi o periacuteodo da odisseacuteia universitaacuteria fui

ateacute a reitoria e fiz disciplina em filosofia embora natildeo conclusa tambeacutem andei

116

pelos corredores a esmo ateacute encontrar a pedagogia Foi quando conheci as

meninas do centro acadecircmico de pedagogia integrantes do movimento estudantil

popular revolucionaacuterio - mepr que segue a linha maoiacutesta de engajamento eu

conhecia muito pouco do marxismo mas hoje posso dizer que o aprendizado da

praacutexis a percepccedilatildeo aguda dos problemas e combativa admiro e reconheccedilo que

aprendi do contato com aquelas meninas Se pouco tinha lido do marxismo fui

conhececirc-lo melhor na praacutexis sem circunloacutequios teoacutericos mas sempre uma

experiecircncia visceral Evidente que a teoria natildeo se perde e comecei a participar do

nuacutecleo de estudos da pedagogia de makarenko204 Nesse momento jaacute tinha

convidado alguns colegas do direito para tambeacutem dele participar estudaacutevamos na

perspectiva da educaccedilatildeo popular e visando o trabalho com comunidades

chegamos a fazer visitas em aacutereas sateacutelites de Curitiba quando conhecemos

gente bastante humilde Desses estudos veio tambeacutem o contato com o

movimento estudantil quando corajosamente em menos de vinte e cinco pessoas

lanccedilamos uma chapa para o dce era a resistecircncia e luta rebelar-se eacute justo

confiavam em mim e sai como um dos coordenadores gerais da chapa fizemos

uma campanha indo a quase todos os confins da federal lembro de ter ido ateacute o

campus na escola teacutecnica onde revi o Ronaldo da eacutepoca do primeiro cursinho

que jaacute fazia seu curso de bacharelado em informaacutetica Nessa peregrinaccedilatildeo

conheci e revi pessoas foi uma experiecircncia de bastante dedicaccedilatildeo entrega e luta

a qual natildeo podia ser ganha eacuteramos muito poucos e tambeacutem enfrentaacutevamos os

interesses de grupos poliacuteticos partidaacuterios e do capital eleitoreiro nessa eacutepoca

conheci os meandros obscuros da poliacutetica os corporativismos e os clientelismos

daqueles que almejam o poder Nisso tambeacutem sou grato agrave criacutetica radical

promovida pelo mepr pois me fez enxergar a poliacutetica sem ingenuidade utopia ou

romantismos

204 Anton Semioacutenovitch Makarenko viveu na antiga URSS e desenvolveu sua pedagogia advindatoda ela da praacutexis no trabalho com jovens delinquumlentes na colocircnia Gorki e Dzerjinski experiecircnciarelatada em sua obra Poema Pedagoacutegico em 3 volumes tendo como princiacutepios uma pedagogiavoltada ao povo uniatildeo do ensino e da produccedilatildeo direccedilatildeo coletiva (a escola para Makarenkodeveria ser dirigida por educadores e educandos) e auto gestatildeo financeira a experiecircncia quesegue eacute relatada em mais detalhes em trabalho Visotildees sobre um direito plural apresentado emEvento de Direitos Humanos e Pluralismo Juriacutedico da UFSC publicado no site do encontrowwwnepeufscbrcongresso

117

Atraveacutes do nuacutecleo makarenko viajei no ano de 2005 para Belo Horizonte

quando fomos apresentar seminaacuterio sobre nossos estudos numa escola popular

mantida por trabalhadores praticamente todo nuacutecleo esteve presente Natildeo

eacuteramos muito mas a qualidade das nossas discussotildees e a profundidade valeu

Voltaria ainda naquele ano a mesma cidade para participar do Encontro Nacional

de Estudantes de Pedagogia quando apresentei junto de uma estudante de

pedagogia oficina sobre makarenko Mas esses eram os uacuteltimos momentos do

nuacutecleo com algumas pessoas assumindo outros afazeres jaacute prestes a concluiacuterem

seus cursos eu era o uacutenico ali receacutem-ingresso os outros jaacute se encaminhavam

para o final o nuacutecleo acabou Mas a memoacuteria da convivecircncia do aprendizado da

praacutexis do jantar aacuterabe na casa do companheiro Adnan que fazia direito numa

particular e economia na federal ao mesmo tempo isso natildeo seraacute esquecido

tambeacutem companheiro de chapa do dce junto das meninas do movimento Joana

Viviane Juciane Alessandra Monalisa isso tambeacutem natildeo seraacute esquecido

acrescento por oacutebvio a presenccedila fraterna do colega do curso de direito na federal

musicista e poeta Ricardo Pazello que alegrava as nossas rodas de conversa

com o seu violatildeo quando atendia os nossos pedidos para tocar a muacutesica de

Vandreacute cipoacute de aroeira Soube recentemente que Adnan estaacute no Liacutebano das

meninas o que sei eacute que a militacircncia continua no comitecirc de defesa da revoluccedilatildeo

agraacuteria e de Ricardo sei que estaacute fazendo o mestrado em direito na ufsc pois em

sua casa me hospedei ainda este ano quando participei de congresso laacute sobre

pluralismo juriacutedico e direitos humanos No ano de 2004 ainda o nomadismo me

levou a conhecer a psicologia o uacutenico curso que divide espaccedilo com o direito ainda

no campus santos andrade muito embora jaacute se tenha a notiacutecia de que estatildeo na

iminecircncia de serem retirados o que eacute uma pena Na psicologia participei de um

grupo de estudos sobre Jung que eacute algueacutem que chegou a escrever uma

interpretaccedilatildeo sobre o Zaratustra de Nietzsche que soacute ouvi falar mas natildeo li

Tambeacutem aprendi um pouco sobre a noccedilatildeo de sincronicidade e percebecirc-la no

cotidiano Nesse periacuteodo jaacute estava bastante envolvido no partido de esquerda

frequumlentando vaacuterias reuniotildees em saacutebados agrave tarde e comecei cedo e tambeacutem logo

percebi graves contradiccedilotildees Percebi que se quisesse ser um membro do partido

118

deveria enquanto calouro me mostrar antipaacutetico e antisocial com a gente do outro

partido o considerado da direita como se eu precisasse agir de forma mal

educada com os outros para fazer prova de minha fidelidade Mas eu natildeo poderia

tratar mal ningueacutem ainda mais quem natildeo conhecia continuava conversando com

todos independente das facccedilotildees Eu jaacute mantinha contato com o pessoal do

mepr e mesmo laacute eles os conhecidos como radicais terroristas loucos

tambeacutem vistos como malditos pelo setor pois volta e meia lanccedilavam panfletos

criticando as reformas universitaacuterias Mesmo os radicais nunca me exigiram

provas de fidelidade pois sabiam que o trabalho o empenho corporal era a uacutenica

prova exigiacutevel ou a que mais importava Logo habitando os dois mundos a

realidade da santos andrade e a da reitoria conhecendo o movimento estudantil

nesses dois espaccedilos fui notando o conteuacutedo de simulacro nas praacuteticas do partido

de esquerda do direito

ldquoNietzsche na forccedila da sua criacutetica e na radicalidade dos seus propoacutesitosescandaliza a esquerda imbecil que paulatinamente vai se convertendoaos rituais e aos objetivos do poder que combatiardquo (Cf ESCOBARsano p 7)

Natildeo me queriam como companheiro e sim como um disciacutepulo crente

um cego a seguir e a fazer o que os mais velhos mandavam fosse ofender ou

atacar sem o saber aqueles que eram tidos por inimigos me queriam para o

seu time e para a posiccedilatildeo mais atrasada possiacutevel porque quem fazia os gols e

dirigia o time era sempre uma elite natildeo disposta ao diaacutelogo ou a ceder

Percebi que era uma cuacutepula que dava a linha ao partido e tambeacutem que

os outros partidaacuterios laacute estavam por amizade natildeo por qualquer causa propoacutesito

ou diretriz de iacutendole revolucionaacuteria ou engajada mas para marcar encontros para

sair depois fazer programas juntos natildeo para discutir a poliacutetica ateacute porque muitas

vezes essa jaacute estava decidida por uma meia duacutezia que eram de fato os seres

poliacuteticos e que negociavam em nome de todo o partido Ou seja logo percebi

que o partido era outro nome para confraria ou igrejinha Isso me fez aos

poucos investir mais energia do lado da reitoria sentia que neles o engajamento

era agrave seacuterio eram mais coerentes com o seus discursos tanto que ateacute hoje ainda

militam em outro seguimento que natildeo o movimento estudantil mas continuam

119

E tudo ficou mais claro para mim na disputa ao dce quando sai pela

chapa do mepr se bem que a maioria era independente eu nunca fui do

movimento sempre participei como independente muito embora dentro do

direito os proacuteprios partidaacuterios sobretudo aqueles que me cobravam provas de

fidelidade esses logo me acusavam de traidor ou faziam intrigas pelas costas

mesmo querendo me desestabilizar emocionalmente ou me segregar de algum

modo dentro do partido esses insistiam em me rotular de maoiacutesta stalinista

e outros istas como se por andar ao lado daquelas meninas necessariamente

fosse do movimento delas e tambeacutem como se eu fosse pior do que eles por estar

trabalhando com os malditos e loucos da reitoria Ora esses que me acusavam

se diziam verdadeiramente comunistas ou socialistas e diziam tudo isso sem

notar o tecircnis importado no peacute nessa eacutepoca vi que o partido da esquerda tinha

muitos comunistas de tecircnis importado gente bem nascida como entendi

aquele pessoal filho de uma elite econocircmica que ao entrar na faculdade puacuteblica

compreende ser socialmente correto fazer o discurso pelos mais pobres ou

mesmo se dizer seus representantes e falar em nome deles

Descobri que os partidos no curso de direito satildeo coisa muito antiga e

estatildeo arraigados na estrutura do templo fazendo parte de sua tradiccedilatildeo muitos

professores satildeo ex-integrantes de partidos alguns ateacute financiam campanha a

qual no meu tempo natildeo era nada barata ultrapassando os cinco mil reais O

problema natildeo era o partido da esquerda que diante do que via na reitoria era

apenas um simulacro a estrutura era falha e permitia essas distorccedilotildees e soacute

posso falar pelo que vivi e conheci Foi para fazer prova do conteuacutedo de

simulacro da poliacutetica acadecircmica partidaacuteria no direito que vesti e apoiei a chapa

de oposiccedilatildeo ao grupo da esquerda ou seja se me chamavam de traidor

quando estava com eles agora contra eles eu era algueacutem da direita fui

censurado ateacute pelos mais proacuteximos mas sabia que se queria fazer uma criacutetica agrave

farsa daquela disputa de times e natildeo de poliacutetica deveria cauterizar no corpo

aquela opiniatildeo natildeo bastava apenas discursar contra as eleiccedilotildees ou me abster

delas era preciso fazer ganhar os perversos e caccediloar daquele jogo pois se satildeo

times eacute questatildeo apenas de camisa natildeo de engajamento visceral tal como

120

aprendi no conviacutevio da reitoria mas de disputa de vantagens

ldquoO que eacute aristocraacutetico Que se tenha permanentemente de ldquoexpressarrdquondash ldquoserdquo expressar Que se procure situaccedilotildees em que se tenhaconstantemente necessidade de gestos Que se abandone a felicidadeao maior nuacutemero a felicidade enquanto paz de espiacuterito virtudeldquoconfortordquoQue se procure instintivamente pesadas responsabilidadesQue se saiba fazer em todo lugar inimigos pior tambeacutem de simesmo Que se contradiga constantemente o grande nuacutemero natildeopelas palavras mas por accedilotildeesrdquo fragmento poacutestumo XIV 15 [115]227-228 (Cf NIETZSCHE 2007 p355)

Dessa experiecircncia com a direita natildeo levei nada apenas mais um roacutetulo

ou mais um motivo para os da esquerda pois foram derrotados e ficaram mais

virulentos comigo Eacute preciso que se esclareccedila que nunca fui do tal partido da

direita como cheguei a ser do da esquerda e tambeacutem que minha experiecircncia

nesse partido acabou antes que me retirassem de laacute logo depois das eleiccedilotildees

do cahs de 2004 nunca mais frequumlentei reuniatildeo alguma e ao contraacuterio das

versotildees que me chegaram aos ouvidos depois eu natildeo fui expulso do partido sai

por conta proacutepria O mesmo natildeo aconteceu no Sajup comecei a participar

ativamente tambeacutem em 2004 e percebendo a ausecircncia dos demais cursos na

praacutexis extensionista trouxe por convite estudantes de outros cursos psicologia

pedagogia economia e comeccedilamos a desenvolver atividade no Coleacutegio Estadual

Hildebrando de Arauacutejo com estudantes secundaristas laacute em que realizaacutevamos

oficinas sobre temas-geradores ou seja partindo com problemas da realidade

deles para no final confeccionar um jornal em parceria conosco como expressatildeo

de alteridade Tudo ia muito bem mas para os integrantes mais velhos do grupo a

presenccedila de gente de outros cursos era um problema queriam o projeto apenas

para o direito e restrito ao direito a loacutegica a ser operada segundo os desiacutegnios

deles era a do estrito senso soacute estudantes de direito poderiam participar

Assim quando outros estudantes compareciam as reuniotildees tratavam-nos

mal isso passou a me incomodar muito jaacute que fui o responsaacutevel pela entrada

deles no projeto Percebi o quanto o Direito com d maiuacutesculo sustenta uma

pseudo superioridade aos demais saberes e o quanto isso eacute bastante negativo e

opressor numa loacutegica de alteridade e pluralidade ainda mais quando se tem em

conta uma perspectiva intertransdisciplinar Os debates dentro do projeto

121

comeccedilaram a ser bastante acirrados em torno dessas questotildees e ainda contra o

meus argumentos depunha minha condiccedilatildeo de calouro o que trazia aos

veteranos em maioria a sensaccedilatildeo de estarem certos foi assim que numa

dessas reuniotildees o grupo sempre teve autonomia e foi auto-gestionado decidiram

e votaram a minha expulsatildeo Por acaso ou natildeo esse pessoal tambeacutem fazia parte

de uma mesma igreja e provavelmente compreendiam aquele espaccedilo numa

loacutegica similar tanto que um dia ateacute me convidaram para participar de um culto

deles eu fui e tambeacutem num retiro deles mas natildeo me converti a sua feacute eu

preferi guardar a minha Natildeo foi a palavra expulsatildeo que usaram e sim um

eufemismo para isso a palavra afastamento diziam que eu poderia voltar

quando quisesse depois oacutebvio que nunca mais voltei As pessoas de outros

cursos deixaram de participar tambeacutem e comigo saiacuteram em solidariedade dois

colegas do direito mais proacuteximos o jaacute mencionado Ricardo e mais o Tisserant

com quem aprendi o exemplo do autodidata

Depois da experiecircncia do Sajup jaacute era 2005 e tinha acabado tambeacutem o

Projeto da OAB havia sido fechado na sede histoacuterica do cahs manteve-se apenas

no foacuterum criminal havia perdido o estaacutegio tambeacutem os espaccedilos que eram

abundantes estavam se exaurindo e desaparecendo o sajup me expulsou

abandonei o partido da esquerda o nuacutecleo makarenko estava nas uacuteltimas

depois de tudo isso natildeo sabia mais para onde ir estava como um naacuteufrago Ainda

mais porque tinha perdido as ilusotildees num messianismo do Direito agora via ele

como um direito de d minuacutesculo e o quanto de simulacro havia em sua vontade

de verdade e pretensatildeo de justiccedila ainda mais depois de ter conhecido na

proacutepria carne o banimento e a exclusatildeo dos malditos Todo esse relato faz

sentido numa espeacutecie de finalizaccedilatildeo deste trabalho monograacutefico conclusatildeo nunca

conclusa pois eacute relato de uma experiecircncia de vida ainda em aberto ainda por ser

escrita mas para justificar que este trabalho comeccedilou no contato com os

malditos do caacutercere e os da poliacutetica e tambeacutem com a experiecircncia do

naufraacutegio Para ficar pior os meus colegas foram tambeacutem afastados de mim

quando pensaacutevamos em criar algo novo rapidamente a estrateacutegia foi a de

convidaacute-los para outro espaccedilo apenas eles e natildeo a mim jaacute que quem fazia o

122

convite era um partidaacuterio daquela esquerda Certamente eram mais do que

colegas e sim companheiros de jornada para onde eles iam natildeo podia ir natildeo

naquele momento eu deveria enfrentar a solidatildeo de Zaratustra205

Do crepuacutesculo deve vir a aurora dediquei aquele ano aos estudos e

compreendi a liccedilatildeo de Zaratustra

A solidatildeo de Zaratustra natildeo dispensa os homens E por isso lanccedila odesafio de viver no meio deles ou com o mundo sem esse sentimento deperda sem esvaziamento enfraquecimento ibidem

Precisaria aprender a viver de outro modo e dentro do templo encontrar

meios de lograr os iacutedolos vencer os titatildes e enganar os Polifermos precisaria

desenvolver a astuacutecia e a dureza do guerreiro para conviver em ambientes hostis

e sobreviver aos mais de trecircs anos de curso que havia ainda pela frente precisava

encontrar meios para sobreviver afinal natildeo entrei na faculdade por uma questatildeo

apenas minha vim pelo amor de minha famiacutelia e natildeo poderia desistir apesar de

todas as decepccedilotildees Eu vi que o nomadismo para fora natildeo podia mais se

realizado daquele modo frequumlentando muito as coisas de fora da santos andrade

perdia aulas no direito e me comprometia seria preciso re-aprender isso agora

para um nomadismo dentro do preacutedio um nomadismo sem sair do lugar como

aponta de Deleuze

ldquoSeria necessaacuterio um nomadismo mais profundo o dos verdadeirosnocircmades ou ainda o nomadismo daqueles que nem se mexem e quenatildeo imitam nada Eles agenciam somenterdquo CfDELEUZE GillesGUATTARI Feacutelix Mil Platocircs capitalismo e esquizofrenia vol1 TradAureacutelio Guerra Neto Rio de Janeiro Ed 34 1995 p 34 O nocircmade natildeoeacute algueacutem que forccedilosamente se move haacute viagens no mesmo siacutetioviagens em intensidade e mesmo historicamente os nocircmades natildeo satildeoos que se movem agrave maneira dos migrantes ao contraacuterio satildeo os que natildeose movem e que se potildeem agrave vida nocircmade para ficar no mesmo lugarescapando aos coacutedigos Sabe-se bem que o problema revolucionaacuteriohoje eacute encontrar uma unidade de lutas pontuais sem cair na organizaccedilatildeodespoacutetica e burocraacutetica de um partido ou do aparelho do Estado umamaacutequina de guerra que natildeo repetisse o aparelho de Estado umaunidade nocircmade ligada ao exterior que natildeo repetisse a unidade

205 O ldquomelhor melrdquo de Zaratustra o que lhe era mais querido e vulneraacutevel foi destruiacutedo por seusinimigos Mesmo ferido Zaratustra continua vivo Por quecirc Algo nele eacute invulneraacutevel silencioso einalterado eacute a sua alma sua vontade Cf MACHADO Roberto Zaratustra trageacutedia nietzschianaRio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 p 98

123

despoacutetica interna Eis talvez o mais profundo de Nietzsche agrave medida deseu rompimento com a filosofia tal como ela se manifesta no aforismater feito do pensamento uma maacutequina de guerra ter feito do pensamentouma potecircncia nocircmade Cf DELEUZE Gilles O pensamento nocircmadeIn Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR Carlos Henrique de Rio deJaneiro Achiameacute sano

Assim descobri que o campus da santos andrade guarda um labirinto de

cultura e arte atravessando seus corredores para os lugares natildeo percorridos pela

gente do direito se acha um teatro as bailarinas da danccedila moderna o coral a

orquestra filarmocircnica e o curso de artes cecircnicas Passei a frequumlentar esses novos

espaccedilos dentro do velho templo ora indo para o soacutetatildeo ou para os subterracircneos

sempre descobrindo algo diferente e aprendendo ao consultar esses

oacuteraacuteculos206 encontrei ateacute um museu Natildeo esquecerei o dia em que sai de uma

aula de direito para entrar no palco que ensaiava um grupo de tango era uma

histoacuteria de Jorge Luiacutes Borges entrei pelo lugar errado e fiquei por ali abaixado ou

as vaacuterias vezes que assisti os ensaios do grupo de danccedila moderna e

contemporacircnea apreciando a beleza dos movimentos e das bailarinas nesse

tempo acabei conhecendo algumas que natildeo esquecerei tambeacutem

Na Canccedilatildeo da danccedila Zaratustra depara com um grupo de mocinhasque danccedilam Ele quer danccedilar junto embora o espiacuterito de gravidade oimpeccedilaPortanto Zaratustra quer danccedilar mas em sua auto-referecircnciaele fica refletindo sobre a danccedila em vez de danccedilar e fala com umabailarina que com isso impede de danccedilar e ao mesmo tempotransfigura como imagem significante da vida que danccedilaSoacute na danccedilase tornam supeacuterfluas aquelas perguntas que voltam a atormentaacute-loquando se esvazia do local da danccedila O quecirc Ainda estaacute vivoZaratustra Por quecirc Para quecirc Atraveacutes do quecirc Para onde OndeComo Natildeo eacute loucura ainda estar vivo A sabedoria que quer investigara vida e ao mesmo tempo deseja distacircncia A sabedoria ainda seraacutedionisiacuteaca se espanta os prazeres Pelo menos com as jovens quedanccedilam Zaratustra natildeo se torna o Dioniso que tambeacutem gostaria de serNatildeo conseguiu muita coisa contemplamos atraveacutes dos veacuteus apalpamosatraveacutes de redesZaratustra briga com sua sabedoria que o impediu dedanccedilar Soacute na danccedila consigo dizer a paraacutebola das coisas mais altas eagora minha mais alta paraacutebola permanece impronunciada em meucorpo Zaratustra estaacute cansado ferido Mas natildeo demora muito elesuperou suas feridas Declara orgulhoso que ressurgiu de novo datumba de sua vida Existe em mim algo que natildeo pode ser ferido nementerrado algo que rompe rochedos eacute a minha vontade (CfSAFRANSKI 2005 p 256-257)

206 Eacute uma referecircncia aos oraacuteculos que aparecem nas epopeacuteias homeacutericas dos preacute-socraacuteticos queforam lidos por Nietzsche o oraacuteculo traz uma mensagem uma visatildeo um sinal eacute um sentidopossiacutevel para o acaso que tambeacutem aparece na filosofia de Nietzsche e que serve a apropriaccedilatildeomiacutestica de seu pensamento

124

Natildeo posso deixar de mencionar as vezes que fui ao soacutetatildeo do templo e

ouvi Beethoven Mozart e a muacutesica claacutessica tocada com brilhantismo a despeito

da falta de estrutura pelos muacutesicos da orquestra filarmocircnica da federal incluindo

na eacutepoca a Anna Luisa menina que toca violino e viola claacutessica e que nesses

encontros e desencontros da vida esteve presente tambeacutem na minha trajetoacuteria

me incentivando na cultura e na muacutesica A arte fez surgir uma aurora ao direito

quando tudo parecia sombra e decepccedilatildeo Tanto foi que ateacute comecei a fazer

aulas de danccedila de salatildeo e cheguei a frequumlentar um baile isso por incentivo de

colegas do direito que descobri que faziam aulas tambeacutem isso foi em outro lugar

mas natildeo no templo ainda na santos andrade natildeo esquecerei das aulas de

histoacuteria da arte da professora Vanessa que a despeito de ser muito jovem

tambeacutem me incentivava a seguir os estudos nessa aventura interdisciplinar ela

que tambeacutem frequumlentou os bancos de direito mas preferiu a arte Esse foi o

nomadismo que aprendi a fazer sem sair do lugar Naquele ano ainda incluo

tambeacutem o Festival de Inverno de Antonina quando participei de oficina de arte

cecircnica sobre o uso da voz O ano de 2006 comeccedilou com estaacutegio novo havia

utilizado minhas economias para me manter no ano anterior agora era hora de

voltar ao trabalho e sou imensamente grato ao pessoal que conheci na

corregedoria do Tribunal de Contas que cumprimento na pessoa da Dra Cristina

e tambeacutem do corregedor agrave eacutepoca Dr Fernando agradeccedilo natildeo soacute a oportunidade

pelos dois anos de estaacutegio mas pelo que aprendi natildeo soacute enquanto teacutecnica

juriacutedica mas como sabedoria humana sou grato ainda porque nesse estaacutegio

podia almoccedilar economizava esse dinheiro e quando natildeo podia mais pela

proibiccedilatildeo do almoccedilo aos estagiaacuterios a Dra Cristina pagava para a mim sempre

com muita confianccedila o que nunca esquecerei tambeacutem a paciecircncia nas

orientaccedilotildees do trabalho fazendo sugestotildees e incentivos bem como os vaacuterios

colegas do dia-a-dia e os que por laacute passaram Isabel Cleusa Seacutergio cito a eles

para cumprimentar a todos que fizeram parte dessa jornada Nesse estaacutegio

sempre fui muito bem acolhido nas confraternizaccedilotildees de final de ano e

aniversaacuterio sentiacuteamos que eacuteramos parte viva do coletivo e natildeo apenas uma peccedila

descartaacutevel a Dra Cristina chegou a me presentear com um livro de Nietzsche A

125

Genealogia da Moral E ainda sabia reconhecer a importacircncia desses meus

estudos me incentivando no caminho da filosofia da pesquisa e das

investigaccedilotildees sociais como a liberaccedilatildeo que tive para ir ao Projeto Rondon na

Amazocircnia Oriental numa experiecircncia de mais de vinte dias e para voltar ao

estaacutegio sem quebra de contrato pois a loacutegica aplicada foi a de um direito que

escapa ao estrito senso Num desses acasos ainda conheci nesse estaacutegio

Gilberto e Oswaldo Giacoacuteia Neto sobrinhos do grande inteacuterprete brasileiro de

Nietzsche cujo testemunho eacute arrolado nesse trabalho devo ressaltar que satildeo

todos pessoas simples

Com a tranquumlilidade que o estaacutegio me fornecia pude ousar o trabalho

voluntaacuterio na organizaccedilatildeo do II Encontro de Direito e Cultura Latino-Americanos

organizado pelo cejur entidade representativa da poacutes-graduaccedilatildeo em direito da

federal atuei ajudando a divulgar o evento colando cartazes em vaacuterios lugares e

tambeacutem apresentei o meu primeiro trabalho acadecircmico resultado de estudos

variados a Pedagogia Discrepante escolha de liberdade O mesmo trabalho eu

re-apresentaria na Jornada Cientiacutefica do Pet Direito com a avaliaccedilatildeo do Prof Dr

Celso Ludwig de que se tratava de uma bricolagem o que ainda natildeo sabia do

que se tratava e indicou a leitura da obra do Prof Dr Alexandre Morais da Rosa

Quando tambeacutem submeti um trabalho sobre a biopoliacutetica de Michel Foucault ao

ingresso como voluntaacuterio no Programa O Pet programa de educaccedilatildeo tutorial

sempre foi visto por mim como mais uma dessas confrarias soacute que natildeo poliacutetica

e sim intelectual ou ainda como uma filial daquele partido da esquerda os

quais nos debates se diziam que eram pesquisadores enquanto os outros para

eles natildeo eram Portanto sabia que teria dificuldades por mais que me

empenhasse na elaboraccedilatildeo do projeto sabia que encontraria resistecircncia dentro do

grupo para a minha aprovaccedilatildeo e chegou a meus ouvidos que em reuniatildeo desse

partido da esquerda algueacutem havia vaticinado que eu natildeo entraria no Pet e se

fosse pela loacutegica da razatildeo acadecircmica do direito estrito senso muito provaacutevel

que natildeo conseguisse mesmo eu natildeo tinha haacutebito em escrever projeto o meu natildeo

tinha paraacutegrafo natildeo seguia as regras de espaccedilamento e tambeacutem do recorte

epistemoloacutegico Tinha tudo para fracassar e para o que vaticiacutenio se cumprisse

126

Contudo por um desses acasos bem-vindos na banca avaliadora estavam dois

professores que pensam para aleacutem da loacutegica do direito estrito senso Vera Karam

e Celso Ludwig os dois deram parecer favoraacutevel ao meu ingresso e nisso talvez

um desses comunistas de tecircnis importado tenha queimado a liacutengua Estava

comeccedilando a desenvolver a astuacutecia do guerreiro furando os olhos de alguns

Polifermos logrando os censores ou aqueles que estatildeo sempre dispostos a

opor um novo obstaacuteculo

ldquoAo niacutevel do que ele escreve e do que ele pensa Nietzsche procura umatentativa de decodificaccedilatildeo natildeo no sentido de uma decodificaccedilatildeo relativaque consistiria em decifrar os coacutedigos antigos presentes ou futurosporeacutem uma decodificaccedilatildeo absoluta ndash fazer passar algo que natildeo sejacodificaacutevel ndash confundir todos os coacutedigosrdquo Cf DELEUZE Gilles Opensamento nocircmade In Por que Nietzsche (Org) ESCOBAR CarlosHenrique de Rio de Janeiro Achiameacute sano p 11

Em setembro de 2006 eacute meu ingresso como voluntaacuterio no grupo pet direito

ufpr e ateacute hoje faccedilo parte sob a tutoria do Prof Dr Abili ao qual sou grato por ter

me deixado pesquisar aquilo que gosto porque em determinado momento larguei

o projeto inicial para pesquisar Nietzsche mesmo sem saber o que pesquisaria

ainda Tambeacutem sou grato ao coletivo do Pet a todos que por laacute passaram desde a

minha entrada ateacute agora cumprimento a todos sem distinccedilatildeo porque de algum

modo ou outro todos contribuiacuteram para meu crescimento seja pelos estudos

coletivos ou nessa pesquisa que virou trabalho de monografia agora

A Odisseacuteia ainda precisa continuar e comecei a participar do Nuacutecleo de

direito Cooperativo e cidadania vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr sob

a orientaccedilatildeo do Prof Dr Gediel laacute vou reencontrar os amigos que haviam sido

afastados de mim E novamente logrando Poliferno comeccedilo a frequumlentar os

estudos do grupo e a participar de suas atividades na sequumlecircncia apresentando

trabalho sobre o cooperativismo dos luacutempemproletaacuterios pela liberdade no

seminaacuterio organizado pelo nuacutecleo e continuo frequumlentando ateacute o final do primeiro

semestre de 2007 quando o reacuteu Nietzsche faz sua primeira exigecircncia era preciso

escrever um trabalho no direito sobre ele O meu aprendizado e minhas leituras

que vinham desde antes da faculdade natildeo eram suficientes para escrever um

trabalho muito menos natildeo sabia sobre o que escrever por onde comeccedilar Pelo

127

que se nota desse relato o Nietzsche que coloquei em praacutetica eacute o aprendizado

obtido mediante experiecircncia que soacute consigo transpor em palavras porque depois

fiz a leitura mas sem o saber intuitivamente ou natildeo por forccedila do acaso busquei

uma praacutexis nietzscheana a despeito de toda tonalidade marxista desse conceito

Foi assim que o primeiro trabalho escrito sobre Nietzsche no direito iraacute ser

Nietzsche e Poliacutetica Traacutegica ou como se tornar aquilo que se eacute Um trabalho

que natildeo teria acontecido por causa das afliccedilotildees do desespero de natildeo saber

praticamente um segundo naufraacutegio pois era tempo de entregar projeto de

monografia e o prazo derradeiro se aproximava foi quando encontrei um desses

oraacuteculos numa tarde na biblioteca puacuteblica era o Prof Dr Guilherme Roman

Borges algueacutem que haacute tempos atraacutes assombrou a faculdade realizando um

trabalho de monografia sobre Michel Foucault tatildeo pesado quanto um tijolo natildeo soacute

pelas dimensotildees mas pela acuidade expositiva e argumentativa sobretudo Foi a

simplicidade e a humildade do Prof Guilherme que foi o incentivo preciso naquele

momento Ele me orientou a estudar o Nietzsche e fazer da monografia a

oportunidade de uma explosatildeo assim mal sabia ele que acabou fornecendo

foacutesforo para um incendiaacuterio Sem conhecer ainda as teacutecnicas de manejo da

poacutelvora nietzscheana a primeira tentativa acabou explodindo em mim e me

ferindo um pouco jaacute que esse trabalho natildeo teve avaliaccedilatildeo tatildeo positiva da banca

que o avaliou na Jornada do Pet daquele ano Mesmo tendo o explosivo falhado

na primeira tentativa havia material para outras explosotildees Foi o que aconteceu

no Evinci de 2007 quando apresentei a pesquisa do resumo Desafios e

confrontaccedilotildees hermenecircuticas para a efetividade dos direitos fundamentais

prestacionais quando trouxe a figura de Nietzsche num dos slides e a sua frase

escreva com sangue e veraacutes que sangue eacute espiacuterito num diaacutelogo de alteridade e

pluralidade com o seu pensamento Do crepuacutesculo vem a aurora o que parecia

como um fracasso surgiu como uma vitoacuteria o Prof Guilherme solicitou que meu

artigo sobre Nietzsche apresentado no Pet fosse enviado para a revista raiacutezes

juriacutedicas e assim ele foi publicado207

207 MANTAU Leandro Nascimento Mantau Nietzsche e a Poliacutetica Traacutegica ou como chegar a seraquilo que se eacute In Raiacutezes Juriacutedicas revista do curso de direito da Universidade Positivo v4Curitiba Universidade Positivo 2008

128

Em 2008 eacute o ano que dedicarei fundamentalmente as pesquisas e ao

estudo para odisseacuteias ainda maiores Aproveitando da poacutelvora jaacute reunida

confeccionarei outros artefatos explosivos e encaminharei o primeiro deles para

um congresso de filosofia na USP que eacute aprovado depois outro trabalho para um

congresso de pluralismo juriacutedico e direitos humanos da UFSC que tambeacutem eacute

aprovado depois para outro congresso de filosofia agora da UFPR depois um

trabalho seraacute encaminhado para a jornada de pesquisadores da AUGM em

Montevideo tambeacutem eacute aprovado na sequumlecircncia mais um trabalho eacute encaminhado

para evento de filosofia na UFRN a federal de Natal Rio Grande do Norte essas

duas uacuteltimas peregrinaccedilotildees ainda aconteceratildeo para cruzar o continente latino-

americano do extremo sul ao norte do equador com a vontade de poder elevada a

sua mais alta tonalidade Diante do que tenho que ser grato ao Prof Dr Cesar

Serbena pelo estiacutemulo ao estudo da filosofia no direito e pelas oportunidades

concedidas nesse uacuteltimo ano como seu monitor na disciplina de filosofia do

direito c e tambeacutem como meu orientador na iniciaccedilatildeo cientiacutefica com a bolsa

UFPRTN cujo plano de trabalho eacute A projeccedilatildeo filosoacutefica e literaacuteria do pensamento

de Nietzsche no Direito ou como pensaacute-lo depois da explosatildeo nietzscheana

Aspectos para um Direito a marteladas Tenho que lhe agradecer ainda pelos

serviccedilos prestados como meu advogado pois cheguei a receber a notiacutecia de que

teria que fazer minhas pesquisas sem bolsa ao que parece me avisaram que a

ufpr natildeo tinha dinheiro para bancar bolsa por isso alguns ficaram sem receber

incluindo eu e o Prof Serbena reivindicou o meu direito conhecendo de minhas

dificuldades de meu interesse pela pesquisa e da necessidade fundamental da

bolsa jaacute que sem ela natildeo teria como empreender essa Odisseacuteia ela seria

abortada antes de comeccedilar trocada por um estaacutegio em alguma aacutegua-furtada para

garantir sobrevivecircncia acadecircmica Era o desespero de um terceiro naufraacutegio jaacute

que contra a burocracia as chances eram iacutenfimas contudo mais uma vez a

insistecircncia e a astuacutecia lograram os censores mais um titatilde estava vencido a

bolsa de monitoria era minha Ainda sou grato ao Prof Serbena por assinar os

meus pedidos de passagens para a universidade pois sem essa ajuda natildeo

129

poderia empreender esse nomadismo Ele eacute tambeacutem o meu co-orientador dessa

monografia cujo orientador eacute o Prof Dr Luiacutes Fernando que um dia

inesperadamente foi surpreendido por algueacutem que vinha lhe falar num peacute de

vento a notiacutecia de que desejava a sua orientaccedilatildeo para esse trabalho ou melhor a

sua autorizaccedilatildeo sua assinatura Surpreso pelo convite nunca esquecerei a sua

reaccedilatildeo Mas vocecirc acha que eu tenho condiccedilotildees de te orientar num trabalho sobre

Nietzsche Foi a sua humildade a simplicidade e a percepccedilatildeo para aleacutem da

loacutegica do direito estrito senso de quem jaacute perambulou pelos caminhos da arte da

esteacutetica e do engajamento poliacutetico que tambeacutem viveu seu nomadismo que

motivaram a minha escolha como a uacutenica possiacutevel naquele momento Pois

tomado do desespero de um naufraacutegio precisava entregar um projeto de

monografia que natildeo sabia qual seria e sobre o que apenas sobre Nietzsche e

alguma coisa relacionada ao direito Foi por ter me estendido a matildeo no naufraacutegio

iminente que serei imensamente grato ao Prof Luiacutes que junto com o Prof

Serbena estatildeo empenhando seu creacutedito acadecircmico nessa aposta bastante

perigosa porque eacute nietzscheana Nesse nomadismo de 2008 nos uacuteltimos

instantes da graduaccedilatildeo agradeccedilo pelas pessoas que conheci inesperadamente e

que me ofereceram abrigo quando cheguei numa madrugada de segunda-feira em

SP a maior metroacutepole do paiacutes e sem saber quem eu era sem me conhecer

ofereceram a sua casa e uma cama para deitar falo do amigo Bruno Morais e de

sua irmatilde que muito amavelmente como natildeo existe mais nem nas cidades

pequenas do Brasil me ofereceram tamanha hospitalidade e confianccedila muito

obrigado por intermeacutedio da colega Liacutevia que tambeacutem pouco me conhecia apenas

de um encontro ocorrido ano passado aqui a quem tambeacutem sou grato porque

sem essa hospedagem solidaacuteria natildeo teria como apresentar meu trabalho na USP

sobre Nietzsche amp a aventura poliacutetica Tambeacutem nessa viagem conheci o largo do

satildeo francisco mas natildeo para frequumlentar o evento em homenagem a ldquopontes de

mirandardquo que ocorria ao mesmo tempo estive laacute junto de Bruno e seus colegas no

projeto Terra Tomada que naquele instante organizavam o encontro deles em

defesa da reserva raposa serra do sol jaacute que o projeto deles eacute de defesa dos

direitos indiacutegenas com uma praacutexis de extensatildeo numa comunidade Por mais um

130

desses acasos ousei encaminhar um trabalho para a USP sem saber como faria

para ir ou como ficar laacute era uma semana de evento e no final tudo acabou bem

ainda conheci pessoas e aprendi coisas preciosas comeccedilo a acreditar que a sorte

acompanha os audazes ou como diria Goethe ouse ouse fazer e o poder lhe

seraacute dado (cito sem referecircncia uma passagem que guardei quando era

estagiaacuterio no Farol)

Tambeacutem em 2008 comecei a frequumlentar o Grupo de estudos Nietzsche

coordenado pelo Prof Dr Antonio Edmilson Paschoal da PUCPR ao qual sou

grato pois muito gentilmente aceitou a minha participaccedilatildeo no grupo mesmo

sendo aluno de direito com a frequentaccedilatildeo desse espaccedilo adquiri mais coragem

para enfrentar os titatildes que ainda viriam pois cercado de gente com bastante

estudo sobre Nietzsche incluindo o colega do curso de filosofia da federal Joatildeo

Paulo os estudos se desenvolveram melhor Joatildeo ainda me apontou para a

existecircncia de outro grupo de estudos Nietzsche essa na Universidade Positivo

nos confins do campo comprido outro lado da cidade para mim e assim passei a

frequumlentar as reuniotildees em alguns saacutebados de manhatilde procurando equilibrar os

compromissos na santos andrade jaacute que fazemos disciplinas optativas nesse

horaacuterio Esse outro grupo eacute coordenado pelo Prof Dr Roberto Wu a quem

tambeacutem sou grato pela simpatia de me acolher nos seus estudos Como numa

aventura mitoloacutegica encontramos natildeo soacute titatildes mas tambeacutem alguns oraacuteculos que

apontam caminhos encontrei assim a estudiosa de Wittgenstein e professora em

Joinvile a Cristiana a quem sou grato pois me incentivou nos estudos quando

estava ainda preocupado com os meus proacuteximos passos natildeo soacute ofereceu o

conforto de suas palavras como o apoio para inscrever um trabalho no Congresso

de Filosofia Moderna e Contemporacircnea ocorrido no uacuteltimo mecircs de agosto na

PUCPR desse congresso tambeacutem participaram o Prof Dr Oswaldo Giacoacuteia Jr e

tambeacutem a Prof Dra Scarlett Marton Eu e Cristiana apresentamos um trabalho

intitulado Deus no pensamento de Nietzsche e Wittgenstein E ainda outro

artigo que publicaremos em parceria que eacute sobre sofrimento e felicidade no

pensamento de Nietzsche esse numa revista da Univille Ao que me parece hoje

aquela ousadia do primeiro artefato que explodi sobre Nietzsche estaacute longe de ser

131

um fracasso pelo contraacuterio a explosatildeo dele soacute poderia ser em mim pois se

explodir natildeo eacute privileacutegio soacute dos terroristas fui o que disse ao Prof Dr Mauro da

Unicamp quando pedi a palavra no Evento sobre oacutedio fanatismo e terrorismo e

disse que Nietzsche foi tambeacutem algueacutem que explodiu com a sua proacutepria dinamite

Eu me pergunto quem eacute hoje o jovem homem nietzscheano Seraacuteaquele que prepara um trabalho sobre Nietzsche Eacute possiacutevel Ou seraacute oque voluntaacuteria ou involuntariamente pouco importa produz enunciadossingularmente nietzscheanos no curso de uma accedilatildeo de uma paixatildeo deuma experiecircncia Eacute igualmente possiacutevel A meu ver um dos textosrecentes mais belos mais profundamente nietzscheanos eacute o texto queRichard Deshayes escreve ldquoViver natildeo eacute sobreviverrdquo poucos momentosantes de receber uma granada durante uma manifestaccedilatildeo Os doistalvez natildeo se excluam Talvez se possa escrever sobre Nietzsche ealiaacutes produzir no decorrer da experiecircncia enunciadosnietzscheanos (Cf DELEUZE sano p 9)

O Prof Mauro falava em evento organizado pelo nuacutecleo de direito e

psicanaacutelise vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da federal E a psicologia mais

a psicanaacutelise foram tambeacutem lugares pelos quais passei nesses nomadismos

Tudo comeccedila em 2004 num saacutebado pela manhatilde quando frequentava as jornadas

lacanianas coordenadas pela Prof Dra Silvane Marchesini quando no congresso

trazia jaacute preocupaccedilotildees nietzscheanas sou grato a Prof Silvane pelo apoio

incentivo e reconhecimento nessas aventuras de quem tambeacutem abriu seu

consultoacuterio sua biblioteca e forneceu material para pesquisa Nesse sentido sou

grato a Prof Dra Vania Mercer psicanalista em Curitiba por ter aberto as portas

de sua casa e de seu consultoacuterio bem como de sua biblioteca para incentivar

minhas pesquisas e meus estudos tambeacutem pela leitura paciente de minhas

bricolagens E ainda sou grato a Prof Dra Nadja Pinheiro do curso de psicologia

da federal que com muita amabilidade me acolheu no seu grupo de estudos da

obra de Michel Foucault a Histoacuteria da Loucura e tambeacutem pelo incentivo e pela

leitura paciente de meus estudos sobre Nietzsche Assim como nessa interseccedilatildeo

direito e psicanaacutelise tambeacutem agradeccedilo outras pessoas as incontaacuteveis que

conheci no nomadismo universitaacuterio gente de variados cursos ideacuteias e

experiecircncias engajamentos Dentro da academia nesse nomadismo sem sair do

lugar que aprendi a fazer tenho que agradecer ao Prof Dr Ricardo Marcelo que

132

me recebeu no seu Nuacutecleo de direito histoacuteria e subjetividade vinculado agrave poacutes-

graduaccedilatildeo em direito da federal em que estudamos obras de Michel Foucault e

Giorgio Agamben as quais me trouxeram subsiacutedios para essa empreitada

tambeacutem aproveito ao ensejo e agradeccedilo a sua esposa Prof Dra Angela

Fonseca que possui mestrado em Nietzsche e com muita simpatia aceitou

minhas insistecircncias em discutir o filoacutesofo e minhas pretensotildees quando natildeo

esquecerei o cafeacute que tomamos numa manhatilde que natildeo vi passar devido ao prazer

de falar sobre aquilo que gostamos Tambeacutem sou grato ao Prof Dr Celso Ludwig

natildeo apenas pela sugestatildeo da bricolagem e tambeacutem pela avaliaccedilatildeo positiva na

banca do Pet mas tambeacutem por ter me acolhido em seu Nuacutecleo de estudos

filosoacuteficos - Nefil vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo em direito da ufpr Agradeccedilo ainda

ao Prof Dr Luiacutes Edson Fachin que me concedeu a oportunidade de conhecer dos

diaacutelogos e debates em torno do direito civil-constitucional em seu Nuacutecleo Virada

de Copeacuternico vinculado agrave poacutes-graduaccedilatildeo tambeacutem que ainda me concedeu a

oportunidade de viajar com o grupo para o Rio de Janeiro para acompanhar o

evento organizado pelo Prof Dr Gustavo Tepedino da UERJ Sobre a

bicolagem sou imensamente grato ao Prof Dr Alexandre Morais da Rosa que

com muita generosidade vem dialogando comigo e me incentivando a continuar

fazendo bricolagens desafiando o establishment e ousando quebrar

paradigmas Ao Prof Alexandre meu agradecimento fraterno a quem chegou a

me enviar seu livro sobre a bricolagem no direito por correio de presente o que

me inspira e daacute mais coragem Nesse nomadismo para fora tenho que agradecer

ao Prof Dr Cid Aimbireacute do curso de farmaacutecia da UFPR o qual orientou a equipe

que representou a instituiccedilatildeo no Projeto Rondon Amazocircnia Oriental que atuou no

interior do Estado do Paraacute ao tio Cid como acostumamos a trataacute-lo meu

agradecimento pelo exemplo de simplicidade retidatildeo de caraacuteter e confianccedila bem

como toda a equipe que comigo esteve em Canaatilde dos Carajaacutes estudantes de

pedagogia enfermagem medicina biologia e farmaacutecia todos gravados na minha

memoacuteria e agora nessas paacuteginas que registram experiecircncias nocircmades Natildeo

posso deixar de citar meu amigo Rodrigo fanfarratildeo pois algueacutem que conheci na

eacutepoca de cursinho e que tambeacutem me acompanha na faculdade e natildeo esquecerei

133

do pela liberdade que bradei numa assembleacuteia acadecircmica que desejava

aumentar o curso de direito para seis anos natildeo conseguiram e nem dos Jogos de

Veratildeo de 2008 Tambeacutem agradeccedilo ao amigo e testemunha de algumas aventuras

Prof Dr Rafael Zanlorenzi que me conheceu quando ainda era um calouro

trazendo perguntas nietzscheanas num evento de direito e psicanaacutelise e depois

me emprestou livros me deu um sobre Heidegger sempre com muita

generosidade tem me acompanhado Tambeacutem agradeccedilo aos inuacutemeros

interlocutores e pessoas que estiveram nas vaacuterias caminhadas e outras que

estaratildeo e ainda sequer conheccedilo Ainda devo agradecer aos que estiveram

comigo nesses cinco anos alguns conheci bem outros apenas sutilmente e ainda

outros apenas de vista satildeo meus colegas de sala aos quase cem que

frequumlentaram comigo a sala de aula desde o iniacutecio ateacute o fim proacuteximo sou grato a

todos sem distinccedilatildeo pois assim como apontei a respeito do Pet todos de algum

modo contribuiacuteram para o meu aprimoramento seja intelectual mas

principalmente enquanto ser humano cumprimento a todos igualmente

O meu muito obrigado ainda ao Prof Dr Joseacute Roberto Vieira pela sua

generosidade e sabedoria de quem leciona Direito Tributaacuterio mas ainda assim

natildeo se deixa levar pela visatildeo do direito estrito senso pois eacute algueacutem que conheci

numa palestra de Oswaldo Giacoacuteia Jr sobre as mutaccedilotildees de Zaratustra no Sesc

da esquina O Prof Vieira eacute homem de larga cultura filosoacutefica chegou a orientar o

Prof Serbena no seu doutorado sobre loacutegica e aleacutem disso tem grande

conhecimento de literatura Esse eacute um relato infindaacutevel e continuaraacute em aberto

como as viagens que ainda devo fazer precisei escrever tudo isso para

demonstrar que usei a minha vida como mateacuteria prima desse trabalho aceitando

que a tarefa de escrever com o proacuteprio sangue e tambeacutem para me colocar em

julgamento na frente do reacuteu daquele que eacute chicoteado pelos outros Das

experiecircncias vividas das decepccedilotildees aventuras desventuras dos juacutebilos e

preocupaccedilotildees nada alteraria pois tudo que escrevi eacute aquilo que provei na proacutepria

carne e o que superei

soacute se escreve aqui sobre aquilo que mesmo viveu e superouCfNIETZSCHE Friedrich Wilhelm Obras Incompletas Trad RubensRodrigues Torres Filho posfaacutecio de Antocircnio Cacircndido de Mello e Souza

134

2ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 p128

O grande ato de bufonaria contra o tempo a forma de lograacute-lo e aquilo

que jaacute se passou eacute ser querido de novo eternamente e justificado pela vontade

elevada a sua mais alta potecircncia soacute compreendo isso agora diante da urgecircncia

de entregar esse trabalho em definitivo em poucas horas Agradeccedilo por fim a

meus pais Marly Benedita Santos Nascimento e Leonardo Mantau e tambeacutem a

minha irmatilde Janice Nascimento Mantau a vocecircs devo tudo e a condiccedilatildeo de ter

chegado ateacute aqui aleacutem da certeza que natildeo combato sozinho pois comigo estatildeo

vocecircs e meus antepassados208 Se deixei de seguir o caminho dos outros passar

num concurso puacuteblico ou estagiar em tempo integral para desde o princiacutepio

auxiliar em casa foi porque algo me convocava para essa tarefa pois toda essa

odisseacuteia essa luta constante me faria mais forte para o que ainda viraacute e natildeo

podia estancar essa marcha por vocecircs e por mim necessito ir sempre mais longe

Se aquele que anuncia o eterno retorno de todas as coisas surgisse em

minha frente eu o receberia como um emissaacuterio divino pois diria SIM

OUTRA VEZ

Curitiba em 3 de outubro de 2008

208 CfKAZANTZAacuteKIS Nikos Ascese os salvadores de deus Trad Joseacute Paulo Paes Satildeo PauloAacutetica 1997 sp

135

Manancial rizomaacutetico ou os afluentes desse meu rizoma

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PHILIPPI Jeanine Nicolazzi Direito e Psicanaacutelise breves apontamentos acercado estatuto da lei In CUNHA PEREIRA Rodrigo da (Coord) Anais do ICongresso Brasileiro de Direito de Famiacutelia ndash Repensando o Direito de FamiacuteliaBeloHorizonte Del Rey 1999

PIERRE Heacuteber-Suffrin O ldquoZaratustrardquo de Nietzsche Trad Lucy Magalhatildees Riode Janeiro Jorge Zahar 2003

ROCHA Ruth Minidicionaacuterio Satildeo Paulo Scipione 1996

ROSA Alexandre Morais da Decisatildeo Penal Bricolage de Significantes Rio deJaneiro Luacutemen Juacuteris 2006

SAFRANSKI Ruumldiger Nietzsche biografia de uma trageacutedia Trad Lya Left LuftSatildeo Paulo Geraccedilatildeo Editorial 2005

SENA Allan Davy Santos Nietzsche Tolstoacutei Dostoieacutevski e o idiotismo deJesus In Relatoacuterio do CNPq 2008 graduaccedilatildeo em filosofia sob a orientaccedilatildeo deErnani Pinheiro Chaves Universidade Federal do Paraacute 2008

STEINER Jean-Franccedilois Treblinka Trad Christiano Monteiro Oiticica Prefaacuteciode Simone de Beauvoir Satildeo Paulo Nova Fronteira 1978

STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeohermenecircutica da construccedilatildeo do Direito3edPorto Alegre Livraria do Advogado2001

TAVARES Juarez Sistema penal e direitos fundamentais In Painel de DireitoPenal semana acadecircmica do Cahs Salatildeo nobre do curso de direito da UFPRAnotaccedilotildees de proacuteprio punho em setembro de 2008

VATTIMO Gianni As aventuras da diferenccedila o que significa pensar depois deHeidegger e Nietzsche Ediccedilotildees 70 Lisboa 1980

VIEIRA Joseacute Roberto Interpretaccedilatildeo da morte de Deus em Nietzsche InRevista da faculdade catoacutelica de administraccedilatildeo e economia Adecon CuritibaFae 1991

VIESENTEINER Jorge Luiz A grande poliacutetica em Nietzsche Satildeo PauloAnnablume 2006

YARLOM Irvin D Quando Nietzsche chorou Trad Ivo Korytowski Rio deJaneiro Ediouro 2005

WOLKMER Antocircnio Carlos Histoacuteria do Direito no Brasil Rio de JaneiroForense 1999

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Desafio Titacircnico (aquilo que foi dito na defesa e o que se calou)

O que se calou Escrever agora depois de ter feito a degravaccedilatildeo de tudo essetrabalho demorado e que teve que esperar para ser realizado diante das uacuteltimasresponsabilidades na faculdade significa continuar fazendo ainda o trabalho dodesejo agora colocando o que falta para fora resgatando algumas coisas Naverdade depois que terminou a defesa e quem ler poderaacute constatar isso houveuma castraccedilatildeo uma interrupccedilatildeo do processo eu ainda precisava responder maisFaltaram aqueles minutos de consideraccedilotildees finais para que pudesse responder asprovocaccedilotildees e questotildees que foram postas Assim a sensaccedilatildeo depois da defesafoi a de que ficou faltando bastante coisa Embora satisfeito com o trabalhoescrito o qual foi realizado sem abrir concessotildees sejam elas metodoloacutegicasepistemoloacutegicas ou ideoloacutegicas sentia que muito se calou na defesa natildeo foiexpresso talvez em parte pela tensatildeo do momento ou mesmo pela ausecircncia detempoEntatildeo agora o que se calou volta para deixar a sua marca nesse trabalhoque seraacute impresso e deixado na biblioteca da faculdade como um registro quiccedilaacutemais completo e mais pleno do que foi dito e do natildeo foi dito mas pensadoruminado nesses diasEssa eacute uma parte da monografia que nasceu poacutestumaassim como Nietzsche

Curitiba 18 de dezembro de 2008

O que se calou A defesa aconteceu no dia 5 de novembro de 2008 uma quarta-feira por volta das 16 horas e durou 2 horas e 15 minutos aproximadamente foiuma banca mais longa que o comum afinal estava previsto que seriam seisprofessores na banca Contudo infelizmente o Prof Vieira (direito UFPR) pormotivos de sauacutede e o Prof Edmilson (filosofia PUCPR) por motivos derepresentaccedilatildeo acadecircmica e viagem natildeo puderam estar presentes e foramausecircncias sentidas no debate A sala escolhida foi coincidentemente a mesma emque estudei quando calouro foi no ldquoboulevardrdquo Estavam presentes osprofessores Luiacutes Fernando (histoacuteria do direito UFPR) Ceacutesar Serbena (filosofia dodireito UFPR) Acircngela Fonseca (filosofia do direito da Universidade Positivo)Nadja Pinheiro (psicologia UFPR) Muitos amigos compareceram gente que fazparte do texto como eu direi a sala estava quase cheia registro ainda a presenccedilada Dra Vacircnia Mercer psicanalista em Curitiba e tambeacutem compareceu nosprimeiros instantes da defesa O atual diretor da faculdade o Prof RicardoMarcelo tambeacutem esteve presente no iniacutecio dos trabalhos assistindo

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Prof Luiacutes Fernando Damos iniacutecio a sessatildeo de defesa da monografia do alunoLeandro Nascimento Mantau com o tiacutetulo O caso Nietzsche a reabertura de uminqueacuterito a histoacuteria dos estelionatos cometidos e das vaacuterias condenaccedilotildeesAgradeccedilo jaacute formalmente a presenccedila dos colegas que colaboraram na leitura eque vatildeo colaborar na discussatildeo do trabalho do Leandro O Prof Serbena a ProfordfAcircngela a Profordf Nadja da psicologia E passo jaacute diretamente a palavra para aconvidada mais distante a Profordf Acircngela que vem de outra instituiccedilatildeo para quecomece entatildeo com a arguumliccedilatildeo do candidato muito obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Eu gostaria de agradecer tambeacutem o convite de participarda banca eacute sempre um prazer trabalhar e poder discutir o autor que noacutesgostamos colocar um trabalho agrave prova de certa maneira E o trabalho do Leandrofoi para mim um trabalho bastante sui generis em diversos aspectos Primeiroporque jaacute tinha um contato com o Leandro antes o Leandro que se diziatotalmente sem tema e que na verdade ele apresenta aqui um Nietzsche que numcerto momento natildeo sei se de extrema sinceridade como vocecirc mesmo coloca natildeotem um tema um fio condutor e tudo mais E eu vou te falar algumas coisas aquiLeandro sobre a maneira de eu entender o teu trabalho sobre o que eu achei doteu trabalho Eu acho que num determinado aspecto vocecirc quis fazer uma defesaapaixonada do Nietzsche mas uma defesa tatildeo apaixonada que talvez seja umacoisa que eacute absolutamente inovador num certo sentido mas por outro lado euacho que a proacutepria voz do Nietzsche natildeo vou falar voz do Nietzsche porque aquinatildeo tem que ter a voz do Nietzsche tem que ter a voz do Leandro mas eu diriaque o pensamento do Nietzsche que de certa maneira em alguns momentos ficouem segundo plano por que Talvez porque por uma coisa que vocecircs mesmocolocou aqui com uma intenccedilatildeo tua que eacute de natildeo fazer recortes vocecirc colocouaqui quero trabalhar com o pensamento do Nietzsche sem fazer nenhumainterrupccedilatildeo nenhum recorte E ao fazer isso eu vejo um probleminha aqui que eacute oseguinte claro que eacute oacutebvio ia dizer que quando vocecirc tenta dar conta do mundointeiro acho que o mundo inteiro escapa da matildeo da gente mas sobretudo comNietzsche eu acho que vocecirc na verdade fez uma traiccedilatildeo com Nietzsche Vocecircquerer dizer que natildeo tem como recortar o pensamento do Nietzsche vocecirc faz queeu entenda que existe uma certa unidade uma totalidade um sistema que natildeopode de nenhuma maneira ser visto em algumas partes em alguns temas e euacho que Nietzsche permite isso sim aliaacutes o Nietzsche eacute um autor que eacute claro agente tem que compreender a visatildeo dele de um modo mais aberto de um modomais amplo mas eu acho que ele tem temas que satildeo trabalhados de inuacutemerasmaneiras diferentes os mesmos temas e ele mesmo abre essas diferentesinterpretaccedilotildees sobre um mesmo problema e essa eacute a estrateacutegia dele de trabalhodo Nietzsche a estrateacutegia do Nietzsche eacute justamente isso como eacute que eu vouproblematizar esse tema sob os mais variados pontos de vistas possiacuteveis e agente como leitor do Nietzsche querendo dar conta desse problema que eletrabalha a gente natildeo precisa digamos assim esmiuccedilar todos os meandrosporque talvez seja uma tarefa impossiacutevel de fazer isso E ao ser uma tarefaimpossiacutevel o que acontece entender Nietzsche acaba sendo entender Nietzschepor partes o Nietzsche inteiro que vocecirc quis dar conta ficou por partes emdeterminados ocasiotildees aqui Essa eacute a minha primeira visatildeo aqui Natildeo acho que

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seja um grandisiacutessimo problema mas acho que natildeo tem nenhum natildeo haacute nadadigamos assim natildeo haacute nada de ruim em a gente querer selecionar determinadotema em Nietzsche e esmiuccedilar esse tema tentar trazer de uma maneira maisanaliacutetica e isso natildeo significa fazer filosofia analiacutetica Segundo lugar aqui abricolagem que o Leandro tanto fala eu achei divertido na verdade eu me divertimuito lendo o seu trabalho isso eu achei bacana no iniacutecio eu tava falando puxavida acho que o Leandro estaacute fazendo jargatildeo do Nietzsche que vocecirc queria seaproximar tanto do Nietzsche que vocecirc usava inclusive uma linguagemnietzscheana mas depois eu comecei a me divertir tanto com o seu texto que eufalei ele ateacute que conseguiu em determinados momentos um tom nietzscheanoque vocecirc mesmo fala a ironia aliaacutes Nietzsche tem muito de ironia eacute claro quetodo mundo que sabe minimamente de Nietzsche vai ver que Nietzsche tem muitode ironia mas eu natildeo sei se concordo com o Deleuze que a filosofia do Nietzscheeacute soacute irocircnica soacute uma filosofia irocircnica e cocircmica o proacuteprio Nietzsche vai dizer emuma passagem bastante forte que ele preferia ser mal compreendido natildeo sercompreendido a ser compreendido por que Por que o percurso da compreensatildeoera um percurso aacuterduo e sofrido demais e ele natildeo gostaria de largar os seusleitores nesse percurso ou seja natildeo eacute tatildeo cocircmico o caminho assim eu acho queNietzsche exige uma disciplina bastante severa do seu leitor ele carrega a gentepor caminhos que natildeo satildeo tatildeo divertidos assim natildeo satildeo tatildeo confortaacuteveisPortanto o riso e a ironia sim mas natildeo eacute apenas a ironia e o riso emNietzscheMas bem o que gostaria de falar da bricolagem eacute bricolagem tudoserve seraacute que tudo serve para Nietzsche Leandro Essa eacute uma questatildeo que eute passo por que Por que Nietzsche eacute o filoacutesofo do gosto eacute o filoacutesofo que vaifazer seleccedilatildeo natildeo eacute poliacutetica natildeo entenda mal o que eu quero dizer aqui natildeo eacuteseleccedilatildeo mas Nietzsche eacute justamente o filoacutesofo que vai avaliar o que eacute afirmaccedilatildeo eo que eacute negaccedilatildeo de vida Entatildeo se tudo serve a gente entra naquele vale tudoque em Nietzsche natildeo eacute possiacutevel o vale tudo por que que natildeo eacute possiacutevel um valetudo Por que interpretaccedilotildees negadoras depreciativas e que restringem a forccedilanaquilo que ele vai ver sobre a vida natildeo satildeo possiacuteveis em Nietzsche entatildeo todasas interpretaccedilotildees ele reconhece que satildeo existentes mas nem todas satildeo vaacutelidas enem todas tecircm o privileacutegio de serem boas interpretaccedilotildeesMas enfim a genteteria muita coisa a falar aqui pena que a banca tem que ser um pouco raacutepida e agente poderia falar muito muitomas eu gostaria na verdade de atentar agravequiloque vocecirc estava se preocupando em colocar que eacute a leitura de Nietzsche nodireito como ler Nietzsche no direito Por que natildeo eacute tatildeo faacutecil assim e na verdadenatildeo eacute tatildeo faacutecil assim colocar Nietzsche no direito Natildeo eacute faacutecil colocar Nietzsche nodireito se a gente tenta fazer uma leitura usal do direito mas eu acho queNietzsche eacute um autor muito interessante para o direito absolutamenteinteressante natildeo soacute interessante mas como um autor que vai trabalhar com odireito de uma maneira que poucos autores trabalham Eu vi aqui que em algunsmomentos vocecirc vai falar do estado o estado como esse repressor o estado quearrebanha e tudo o mais e aiacute eu vejo mais uma certa leitura marxista do que oNietzsche porque eacute claro que a gente pode ver o Nietzsche fazendo a criacutetica dorebanho mas eu acho que o interessante aqui da relaccedilatildeo de Nietzsche e o Direitonatildeo estaacute tanto na criacutetica aos estatutos aos coacutedigos aos jogos de sistemas quevatildeo digamos assim impossibilitar e sustentar a vida gregaacuteria porque isso eacute uma

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coisa que natildeo eacute original do Nietzsche muitos autores de uma certa maneira vatildeocriticar as formas como se daacute a reuniatildeo a vida poliacutetica a vida gregaacuteria e tudo omais Eu acho que o interessante aqui eacute perceber como que o Nietzsche vaitrabalhar o indiviacuteduo eacute possiacutevel falar que Nietzsche vai colocar o indiviacuteduo contraa gregariedade A vida coletiva e gregaacuteria E aiacute a gente entra num campo muitointeressante claro que natildeo o Nietzsche a forccedila de Nietzsche para trabalhar nodireito uma das possiacuteveis leituras que eu vejo eacute justamente a criacutetica asubjetividade a criacutetica ao sujeitoAh a criacutetica do sujeito natildeo eacute nada de novorealmente natildeo eacute nada de novo mas o modo como Nietzsche faz isso no momentoem que ele faz isso eacute uma coisa que merece nota porque Nietzsche natildeo vaicriticar o sujeito simplesmente do modo como estamos acostumados esse sujeitoao qual se presta do direito o sujeito racional o sujeito com todos esses atributosde capacidade autonomia liberdade etc o Nietzsche estaacute muito foi muito paraaleacutem disso digamos que ele radicalizou muito mais O problema do homem vistoenquanto sujeito enquanto indiviacuteduo para Nietzsche natildeo eacute que ele eacute apenas umailusatildeo que o direito vai se apropriar a partir do seu edifiacutecio a partir dessa visatildeo dehomem a questatildeo aqui eacute que para Nietzsche ele vai na verdade vai destruir osujeito ele vai dizer que natildeo haacute homem enquanto sujeito natildeo haacute homemenquanto isso que eacute fixo natildeo haacute homem enquanto isso que existe e eacute aiacute que estaacuteo que podemos prender de Nietzsche por que Por que Nietzsche vai querer dizerpara a gente o seguinte a proacutepria leitura de homem eacute uma leitura inventada o tipohomem eacute uma construccedilatildeo E eacute quando noacutes vamos querer entender por que queNietzsche estaacute falando para a gente que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo que agente pode voltar para o direito por que que o tipo homem eacute uma invenccedilatildeo Porque Nietzsche vai dizer para a gente que o homem eacute uma folha ao vento natildeo haacutenatildeo existe ele comeccedila a existir quando inventa a si mesmo e como que ele vaiinventar a si mesmo Vocecirc sabe a gente comeccedila a voltar para a noccedilatildeo de corpopara Nietzsche o homem eacute um acontecimento fortuito uma reuniatildeo de impulsosque nesse intervalo fortuito que eacute o homem faz com que exista a vida humana soacuteque dentro desses instintos dentre desses impulsos existe um que se torna osoberano que eacute a capacidade intelectual e tudo o mais Entatildeo portanto a reuniatildeodesses do corpo e do intelecto que vatildeo se comvatildeo se dizer vatildeo conceber a simesmos como um eacute aquilo que permite o processo de hominizaccedilatildeo formaccedilatildeo dohomem do tipo homem quais satildeo as praacuteticas que permitem essa construccedilatildeo dohomem Praacuteticas juriacutedicas absolutamente arcaicas antigas que Nietzsche vaidizer que satildeo praacuteticas que permitem a formaccedilatildeo de uma consciecircncia de umamemoacuteria a formaccedilatildeo de uma ideacuteia de si mesmo enquanto um centro umaunidade natildeo no sentido moderno de sujeito ainda mas ou seja a possibilidade deuma leitura de homem ou seja a gente jaacute pode prever aqui em Nietzsche algueacutemque estaacute querendo dizer o que na verdade O que que estaacute aqui Leandro deabsolutamente radical em Nietzsche Nietzsche estaacute querendo dizer que satildeopraacuteticas juriacutedicas arcaicas que vatildeo possibilitar a proacutepria formaccedilatildeo de uma dadaconcepccedilatildeo de homem ou seja se toda a filosofia de Nietzsche eacute compreender oque que eacute o homem Qual eacute o tipo de homem Por que que eacute uma ilusatildeo E porque noacutes necessitamos criar essa ilusatildeo Quais satildeo as nossas necessidades debase para formar essa crenccedila O Direito eacute um instrumento que vai auxiliar naformaccedilatildeo dessa ilusatildeo ele vai auxiliar nessa crenccedila entatildeo homem e direito aqui

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homem e praacuteticas juriacutedicas eles andam de matildeos dadas na sua formaccedilatildeo entatildeo aproacutepria ideacuteia de homem eacute uma ideacuteia que natildeo se afasta de praacuteticas juriacutedicas emNietzsche Que eacute uma leitura que eu acho sensacional e que quem tem feito issoeacute o Giacoacuteia vocecirc mesmo colocou aqui e citou isso um texto dele em que ele vaitrazer essa ideacuteia para a gente entatildeo eacute isso que haacute de radical Natildeo eacute o direitocomo uma forma de repressatildeo do indiviacuteduo porque aiacute estariacuteamos advogandocontra o Nietzsche por que Porque se a gente acha que o direito eacute uma forma derepressatildeo contra o indiviacuteduo entatildeo haacute o indiviacuteduo haacute uma forma de liberdade nofim das contas natildeo haacute Se eu saio da vida gregaacuteria e tento analisar o indiviacuteduonem mesmo o indiviacuteduo enquanto uma potecircncia libertadora autocircnoma etc sobresi mesmo natildeo existe o que existe eacute o homem que criou a si mesmo enquantoideacuteia de homem e isso foi possiacutevel tambeacutem por conta de praacuteticas juriacutedicas Achoque esse eacute um fio muito interessante para trabalhar com Nietzsche no direito Maspor fim vou soacute te colocar uma questatildeo jaacute que devemos ser breves aqui que eacute oseguinte dentre as inuacutemeras leituras que vocecirc trouxe de Nietzsche vocecirc natildeotrouxe soacute uma leitura de Nietzsche vocecirc trouxe vaacuterias leituras de NietzscheNaquele capiacutetulo em que vocecirc vai trabalhar com se Nietzsche foi um imoral ouum voluntarista Vocecirc aceita a ideacuteia de que haacute uma eacutetica em Nietzsche e isso eacuteuma coisa que eacute um pouco controversa na verdade tem um autor que eacute bastantecaro para mim que eacute o Michel Haar ele vai advogar a existecircncia de uma eacutetica emNietzsche eacutetica da afirmaccedilatildeo da vida Soacute que isso eacute controverso Acontece quenos termos que vocecirc colocou essa eacutetica em Nietzsche vocecirc colocou que a eacuteticaem Nietzsche seria uma eacutetica contra qualquer universalidade e eacute verdadeNietzsche eacute um autor que vai trabalhar contra qualquer contra os totalitarismos dametafiacutesica contra a universalidade etc Mas vocecirc coloca aqui que os homensse assumem como criadores de valores legisladores de si mesmos dobrando aforccedila a seu favor ultrapassamento do homem como rebanho e aiacute eu mepergunto como que eacute essa eacutetica em Nietzsche que vocecirc estaacute lendo aqui Por quetalvez seja soacute uma questatildeo de linguagem vocecirc me explicando aqui eu possachegar a uma conclusatildeo diferente mas quando vocecirc coloca aqui para mim ohomem enquanto legislador de si mesmo e criador de seus valores isso pareceque estaacute um passo antes da criacutetica radical ao sujeito em Nietzsche porque dar asi mesmo as suas proacuteprias leis eacute uma capacidade do eu do sujeito e esse eu eesse sujeito enquanto sujeito capaz de regar a si mesmo nesses termos tatildeoiluministas eacute algo que natildeo haacute em Nietzsche natildeo sei se vocecirc percebe o que euestou querendo dizer legislador de si mesmo em Nietzsche natildeo eacute dar a si mesmodessa maneira como se fosse algo clarividente uma autoconsciecircncia que ohomem tem para regrar a si mesmo conduzir a si mesmo eu acho que essa seriauma percepccedilatildeo bastante iluminista ainda dentro do Nietzsche entatildeo como que eacuteessa eacutetica que vocecirc aceita e diz ainda ser uma eacutetica do traacutegico Por que a eacutetica dotraacutegico eacute justamente o contraacuterio de uma eacutetica iluminista entatildeo como eacute quefunciona isso Bom eu acho que a gente teria muitas outras coisas para falaraqui mas eu te convido para a gente fazer mais cafeacutes para a gente conversarsobre Nietzsche

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O que se calou Primeiro ponto que gerou um desconforto e vai me levar a umaecircnfase maior eacute a honestidade que eu assumi para defender Nietzsche ainda maisdepois da Profordf Acircngela ter dito que eu teria feito uma traiccedilatildeo com Nietzsche pornatildeo ter seguido uma metodologia usual na academia que eacute a do recorte etc Bemeu natildeo disse que natildeo eacute possiacutevel recortar o pensamento de Nietzsche e nemignorei o fato de haver os temas nietzscheanos apenas fiz uma escolha por umoutro tipo de abordagem que foi a de ldquopassar pelos temas sem ficar nelesrdquo semverticalizar em um deles escolhi trabalhar um outro aspecto da profundidade queeacute aquela que se daacute horizontalmente e por expansatildeo E esse tambeacutem eacute umquestionamento metodoloacutegico que estaacute impliacutecito no trabalho se natildeo se eacute maisprofundo e mais coerente trabalhar horizontalmente que verticalmente diferentedo que fazem os especialistas que sabem as vezes muito de uma coisa e ignoramquase por completo todas as outras jaacute que se especializam tanto num soacute pontoque se desconectam do resto A profundidade no sentido nietzscheano natildeo eacutevertical mas na perspectiva do jogo de maacutescaras tal como apresenta Foucault noteatro filosoacutefico rdquoEacute necessaacuterio portanto que o inteacuterprete desccedila que se converta como disseNietzsche no ldquobom escavador dos baixos fundosrdquoEacute que se o inteacuterprete deve ir pessoalmente ateacuteo fundo como um escavador o movimento de interpretaccedilatildeo eacute pelo contraacuterio o duma avalanche oduma avalanche cada vez maior que permite que por cima de si se vaacute despregando aprofundidade de forma cada vez mais visiacutevel e a profundidade torna-se entatildeo um segredoabsolutamente superficial de tal forma que o vocirco da aacuteguia a ascensatildeo da montanha toda estaverticalidade tatildeo importante em Zaratustra natildeo eacute sem sentido restrito senatildeo o reveacutes daprofundidade a descoberta de que a profundidade natildeo eacute senatildeo um jogo e uma ruga da superfiacutecieAgrave medida que o mundo se revela mais profundo aos olhos do homem damo-nos conta deque o que significou profundidade no homem natildeo era mais do que uma brincadeira decrianccedilasrdquo Cf p 18-19E justamente eacute a vontade de sistema ou a vontade de verdade como expotildeeNietzsche que motiva as classificaccedilotildees os recortes e as sistematizaccedilotildees esse eacuteoutro questionamento colocado pelo trabalho esse eacute mais expliacutecito Se aquelesque agem com essa vontade de sistema natildeo se parecem mais com os meacutedicoslegistas a conspurcar cadaacuteveres ou a lesionar com o bisturi no afatilde de produzirconhecimento ou seja quem seraacute que comete a traiccedilatildeo A minha opccedilatildeo pelo natildeorecorte tambeacutem vem pelo sentido que li a filosofia de Nietzsche pela minha leiturarecortaacute-lo seria tambeacutem uma rendiccedilatildeo uma cooptaccedilatildeo e a admissatildeo de fraquezae da ausecircncia de uma vontade de poder que pede sempre saiacutedas criativas e dedeslocamento do usual e natildeo de conciliaccedilatildeo com ele Portanto escolhi o caminhoque me permitisse elevar ao maacuteximo essa vontade de poder ir mais longe e oengraccedilado como poderatildeo ler eacute que o tempo todo a banca me incita a seguir ocaminho deles ou caminho tradicional o argumento eacute de que eu conseguiria irmais longe assim seguindo eles nada mais ldquocontra-nietzscheanordquo Jaacute que paraNietzsche eacute preciso que se busque sozinho os seus caminhos mesmo quesubvertendo os coacutedigos como aponta DeleuzeA bricolagem foi outro tema polecircmico muito jaacute tive a oportunidade de observar nafaculdade que se ironiza e se comenta aos cantos com sarcasmo quando naverdade eacute uma abordagem seacuteria apresentada por Levi-Strauss no PensamentoSelvagem e que virou tese de doutorado com o Prof Alexandre Morais da RosaDe qualquer modo a polecircmica eacute o trabalho com Nietzsche na bricolagem como jaacutehavia me avisado o Prof Alexandre eu estaria duplamente assumindo o ocircnus com

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isso ele que disse que minha saiacuteda nietzscheana com a bricolagem eacutecompletamente viaacutevel apontou para a incompreensatildeo dos outros e de que iriaacabar no banco dos reacuteus como louco e de fato como afirmo na defesa e notrabalho escrito ter Nietzsche como reacuteu foi tambeacutem estar junto dele no mesmobanco ou o mesmo ldquobarcordquo O vaticiacutenio dele se cumpriu O que natildeo se entende eacutecomo que na bricolagem tudo pode servir quando Nietzsche eacute o filoacutesofo do gostoDiante disso eacute preciso que se diga que Nietzsche eacute tambeacutem o filoacutesofo doestocircmago quando ele recomenda que o seu leitor deve aprender a ruminar eacutepreciso que se tenha estocircmago para isso eacute ser um oniacutevoro comer de tudo masconseguir digerir tudo pode servir sim Desde que se tenha estocircmago para isso ena bricolagem natildeo eacute um ldquotudo pode servirrdquo alienado eacute feita uma seleccedilatildeo haacute umtrabalho de deslocamentos de significantes para dar um sentido a coisa e essesentido eacute dado por uma subjetividade que se implica haacute uma cola pessoal quemfaz a bricolagem deixa um pouco de si no experimento Quando defendia o meutrabalho levei dois cartazes duas bricolagens um deles foi feito a matildeo papelkraft tinta guache gravuras deixe inclusive a marca dos meus dedos afinal abricolagem eacute um trabalho amador apresentei esse no Evinci O segundoapresentado em Montevideacuteo com ajuda de custos da UFPR foi feito em maacutequinamas continuava bricolagem pelo jogo das imagens e o modo improvisado que foirealizado Enfim eacute esse trabalho em que haacute uma seleccedilatildeo e um processo deresignificaccedilatildeo das peccedilas agrave disposiccedilatildeo tendo o inteacuterprete ou o realizador dabricolagem como algueacutem que vai digerir e se implicar isso eacute bastantenietzscheano Haacute uma disciplina da leitura em Nietzsche certamente a ideacuteia doruminar faz parte dessa disciplina natildeo a ignoro e inclusive Nietzsche exige queos seus leitores possuam vivecircncias e experimentem em si mesmos algumasvivecircncias para compreendecirc-lo melhor ele fala isso no Ecce homo a respeito doseu Zaratustra que eacute um livro que na visatildeo de Nietzsche para que sejacompreendido eacute necessaacuterio que o seu leitor acumule algumas vivecircncias Portantoessa disciplina de leitura de Nietzsche mais do que o ruminar e a leitura atenta defiloacutelogo eacute requerido uma praacutexis um colocar-se em praacutetica e esse colocar-sesignifica uma vivecircncia pessoal uma experimentaccedilatildeo de si tambeacutem um colocar-seem prova e nisso justifica-se ainda mais o porquecirc do uacuteltimo capiacutetulo ser ldquoo comocoloquei o Nietzsche em praacuteticardquo Quero dizer jaacute estaacute impliacutecito na obra deNietzsche no seu pensamento que para ser compreendido eacute necessaacuterio umdiaacutelogo de subjetividade com eleQuando Nietzsche fala do seu criteacuterio de avaliaccedilatildeo e diz que tudo serve desde queajude a expandir a vontade de poder ele natildeo isenta nem mesmo a religiatildeo haacutequem possa ser religioso e natildeo ter uma postura depreciativa da potecircnciaMais um aspecto polecircmico foi a eacutetica ela estaacute presente no meu trabalho comouma questatildeo pessoal eu explico isso e natildeo eacute despropositado na filosofia deNietzsche natildeo eacute algo que estou forccedilando ou distorcendo basta olhar o subtiacutetulode Ecce homo ldquocomo algueacutem se torna aquilo que se eacuterdquo Ou seja exige-se umpercurso que natildeo eacute de modo algum tranquumlilo eacute uma travessia que natildeo estaacute isentada dor da experiecircncia do erro e do acerto vive-se o niilismo e a decadecircncia e eacutenecessaacuterio aceitar o preccedilo do perecimento haacute um custo traacutegico nisso Acreditoque fui claro nisso natildeo entendo o porquecirc da natildeo compreensatildeo jaacute que natildeo eacute depostura iluminista que se trata natildeo eacute ldquodar a si mesmordquo de modo clarividente

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porque aqueles que desejam que lhes seja dado o ldquoaleacutem-do-homemrdquo satildeo osuacuteltimos homens esses incapazes de serem eles mesmos de ousarem essepercurso traacutegico pedem que Zaratustra lhes decirc de presente essa eacute a posturailuminista que Nietzsche combate sua filosofia E se haacute uma forma de liberdadeela adveacutem desse processo intenso visceral a liberdade com sangue ardente queeacute o tempo todo conquistada e posta agrave prova esse eacute o sentido de liberdade queadoto e que eacute estreitamente ligado ao de eacutetica no sentido nietzscheano comoapresento Haacute uma singularidade que deve encarnar isso e aceitar o preccedilo deviver perigosamente aiacute a palavra individualidade natildeo eacute nem a melhor paracaracterizar esse processo

Prof Luiacutes Fernando Obrigado Acircngela Entatildeo eu passo a palavra para vocecircLeandro e aiacute vocecirc traz o seu trabalho acho que seu trabalho merece uma formadiversa entatildeo achei que comeccedilar pelas perguntas antes de vocecirc apresentarapesar de uma forma aparentemente linear embora com certeza natildeo fosse linearo seu trabalho mas fosse mais interessante Agora vocecirc pode ter o tempo deapresentar as questotildees que vocecirc acha centrais bem como responder

Leandro Quantos minutos

Prof Luiacutes Fernando Natildeo vou limitar acho que isso seria pouco coerente deixoque vocecirc exponha com bom senso

Leandro Peccedilo licenccedila para falar de peacute entatildeo posso

Prof Luiacutes Fernando Tudo bem

Leandro Bem quero agradecer antes a todos que vieram agradeccedilo a todosmesmo apesar dos pesares a Profordf Vania Mercer apesar de tudo estaacute aquitambeacutem agradeccedilo aos professores da banca ao Prof Luiacutes Fernando e ao ProfSerbena por terem confiado em mim confiado que eu chegaria ateacute aqui nesseempreendimento fizeram uma aposta comigo uma aposta nietzscheana perigosaporque nietzscheana muito obrigado Obrigado as professoras que vieramtambeacutem Bemo trabalho como antecipou a Profordf Acircngela eacute um trabalho que natildeosegue um tema eacute um trabalho que comeccedila pela pergunta eacute um trabalho que eacutetodo ele pergunta qual eacute a pergunta que leva o trabalho Eacute a pergunta por que lerNietzsche no Direito Eacute essa pergunta insistente foi essa pergunta que memotivou a fazer esse trabalho escrever o trabalho todo em menos de um mecircsnum estado de tensatildeo porque eu precisava entregar o trabalho e natildeo tinha poronde comeccedilar por que Nietzsche natildeo eacute um autor lido no direito a gente lecirc oMichel Foucault a gente lecirc o Giorgio Agamben a gente lecirc comentadores deNietzsche mais contemporacircneos como Deleuze Gadamer por exemplo nahermenecircutica mas ningueacutem lecirc Nietzsche Eu tenho aqui o trabalho do Prof Vieiraque infelizmente natildeo pode vir problemas de sauacutede ele trabalha Nietzsche numainterpretaccedilatildeo da morte de Deus em Nietzsche a Profordf Acircngela Fonseca numtrabalho num artigo no livro publicado Criacutetica da Modernidade tambeacutem fez um

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trabalho sobre Nietzcshe e o professor e juiz em Satildeo Paulo Eduardo Rezende deMelo faz um trabalho sobre Nietzsche e a Justiccedila quer dizer satildeo as referecircnciasas poucas que encontrei mais proacuteximas do direito Mas nenhuma referecircncia eraexatamente aquilo que eu queria ainda explorar Natildeo tinha entatildeo por ondecomeccedilar natildeo tinha um tema qual foi a soluccedilatildeo encontrada para trazer Nietzschepara o direito Foi trazer Nietzsche como um reacuteu de um processo como seNietzsche fosse um reacuteu de um processo que eacute construiacutedo pelas acusaccedilotildees aoNietzsche as inuacutemeras acusaccedilotildees ao Nietzsche acusaccedilatildeo de que ele eacute umniilista acusaccedilatildeo de que ele eacute um intelectual da burguesia que ele eacute umintelectual da direita acusaccedilatildeo de que ele eacute um nefelibata um idealistasatildeo asvaacuterias acusaccedilotildees ao Nietzsche principalmente a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacuteum louco O fato da Profordf Nadja estar aqui quando conversei com ela eu disseque a questatildeo do Nietzsche louco o trabalho natildeo comeccedila natildeo tem como trazerNietzsche para a academia e legitimar a utilizaccedilatildeo do Nietzsche se vocecirc natildeocomeccedilar rebatendo a acusaccedilatildeo de que Nietzsche eacute louco e de que a obra deleestaria contaminada pela loucura Portanto partir das acusaccedilotildees ao Nietzschepara dizer quem foi Nietzsche quer dizer eacute o primeiro ponto do processo que naverdade natildeo eacute um processo eacute um inqueacuterito como diz o Foucault no livro aVerdade e as Formas Juriacutedicas o inqueacuterito eacute a forma de saber e poder portantoo inqueacuterito eacute quando o sujeito jaacute estaacute condenado de antematildeo Nietzsche portantonatildeo eacute usado na academia e nem lido na academia eacute tido como autor malditocolocado de lado a gente prefere ler os autores mais contemporacircneos a ler oproacuteprio Nietzsche mesmo que o Foucault vaacuterias vezes diga que Nietzsche eacute oreferencial dele ele fala isso na Microfiacutesica do Poder fala isso na Verdade e asFormas Juriacutedicas quer dizer mesmo que autores mais contemporacircneos insistamque Nietzsche eacute o seu referencial principalmente a partir da deacutecada de 60 quandoNietzsche eacute relido tirado das falsificaccedilotildees e as falsificaccedilotildees a Nietzsche foramcometidas pela proacutepria irmatilde do Nietzsche quer dizer a irmatilde do Nietzsche foiaquela parente que foi laacute e usou a imagem do irmatildeo falsificou os trabalhos deNietzsche gerou a apropriaccedilatildeo nazista do pensamento de Nietzsche Desfazeresses equiacutevocos foi o primeiro passo para dizer quem foi Nietzsche para depoistentar dizer por que ler Nietzsche no direito Mas que quis deixar bem claro otempo todo que eu natildeo quis fazer nenhum recorte a Profordf Acircngela estaacute certa eunatildeo quis fazer recorte porque se eu pegasse um recorte eu acho que aiacute sim euestaria sendo criminoso e sendo traidor do Nietzsche se eu recortasse opensamento de Nietzsche Eacute claro que Nietzsche tem grandes temas como oniilismo a transvaloraccedilatildeo dos valores a morte de Deus quer dizer Nietzsche temvaacuterios temas que ele aborda na sua filosofia soacute que a filosofia de Nietzsche natildeo eacutesistemaacutetica ela natildeo eacute um sistema Entatildeo daacute a impressatildeo de que eu estoutratando Nietzsche como uma totalidade mas natildeo eacute Eacute porque eu peguei o reacuteuNietzsche como um reacuteu como algueacutem que estaacute num processo e eu tentei aiacute natildeorecortar ele natildeo agir como um meacutedico legista a minha intenccedilatildeo natildeo foi agir comoum meacutedico legista a pegar o bisturi e a cortar um pedaccedilo do Nietzsche paradecodificar esse pedaccedilo do Nietzsche natildeo foi esse o meu objetivo O meuobjetivo foi ter Nietzsche como um reacuteu e eu cumprir um papel difiacutecil praticamenteimpossiacutevel de fazer que eacute tentar advogar o pensamento de Nietzsche natildeo soacute opensamento como o pensador tambeacutem natildeo soacute o pensamento como o pensador

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tambeacutemQuer dizer tentar fazer a advocacia de Nietzsche mesmo sem terdiploma nem sequer me formei nem sequer sou bacharel ainda preciso que otrabalho seja aprovado Entatildeo eu tentei fazer um trabalho que eacute um trabalhoamador e eacute um trabalho ateacute diletante por que eu qual a necessidadecomoachar argumentos neacute como achar argumentos para defender Nietzsche Jaacute queNietzsche natildeo eacute sistemaacutetico jaacute que eu tenho um reacuteu aqui na minha frente eutenho um reacuteu aqui na minha frente que eacute viacutetima de acusaccedilotildees e de falsificaccedilotildeesde sua obra e de seu pensamento como defender esse autor Eu tive que aiacute fazerum trabalho que eacute um trabalho bastante complicado na graduaccedilatildeo o meu objetivonatildeo foi fazer uma tese de doutorado por exemplo eu natildeo estou aqui para chegara uma conclusatildeo com esse trabalho Entatildeo eu busquei ferramentas seja nafilosofia mesmo seja na literatura seja na psicologia para poder me arranjar nosmeios limitesQuando a Profordf Acircngela falou da bricolagem por exemplo eu peccedilolicenccedila para levantar esse trabalho que estaacute aqui esse de baixo esse trabalhoaqui eacute uma espeacutecie de bricolagem em que vocecirc utiliza por exemplo as imagensas figuras vocecirc combina elas para dar um sentido a elas quer dizer essa eacute umabricolagem um trabalho que apresentei no Evinci orientado pelo Prof Serbenaque eacute Nietzsche Direito e Literatura quer dizer e esse eacute um trabalho queapresentei semana passada em Montevideacuteo no Uruguay que eacute um trabalho queenvolve cinema arte e direito eacute um trabalho que tem Glauber Rocha natildeo eacute sobreNietzsche especificamente mas esse trabalho todos eles me ajudaram a chegarateacute aqui quer dizer eacute um trabalho que eacute constituiacutedo por vivecircncias A Profordf Acircngeladisse que eu assumo assumi um tom nietzscheano mas eacute que na verdade qual aforma encontrada para defender Nietzsche para tornar defensaacutevel Nietzsche foiassumir uma honestidade profunda com Nietzsche aquilo que o Oswaldo Giacoacuteiacoloca como a virtude da probidade a virtude da probidade eu tive que confessaro meu desconhecimento do Nietzsche mesmo eu natildeo leio Nietzsche em alematildeonatildeo leio em francecircs e nem em inglecircs natildeo pude consultar as obras maisrecomendadas sobre Nietzsche como a Nietzsche-Studiem que eacute umapublicaccedilatildeo internacional do Nietzsche Quer dizer eu tive que me amparar noslivros traduzidos e no fato de eu ser estudante de direito sou estudante de direitotenho minhas limitaccedilotildees natildeo frequento o curso de filosofia ou seja tive que meorientar sozinho nesse trabalho Nisso eu tenho que agradecer de novo o LuiacutesFernando e o Serbena porque eles confiaram as cegas em mim porque eu natildeotinha projeto eu natildeo tinha roteiro eu natildeo sabia por onde comeccedilar e estava a ummecircs de entregar o trabalho e natildeo tinha escrito uma paacutegina sequer Portanto foium trabalho mesmo de diaacutelogo de subjetividade eu tive que dialogar a minhasubjetividade com o pensamento de Nietzsche para poder ser honesto com oNietzsche para poder aiacute sim defender o Nietzsche Entatildeo o trabalho comeccedila pelapergunta Por que ler Nietzsche no Direito E como a professora coloca a leiturado Deleuze foi muito importante Eacute na verdade eu natildeo quis vincular o Nietzschea nenhuma corrente de pensamento por isso eu trago vaacuterias leituras deNietzsche eu natildeo quis que Nietzsche fosse visto como poacutes-moderno Vattimo porexemplo Gianni Vattimo vecirc Nietzsche como precurssor do poacutes-modernismo natildeoquis colocar Nietzsche como poacutes-estruturalista como o Foucault admite ser comoo Deleuze tambeacutem entende que eacute eu natildeo quis colocar Nietzsche como metafiacutesicocomo Heidegger coloca quer dizer eu quis trazer um pouco dessa polissemia do

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Nietzsche Eu quis explicar dentro do direito quem foi Nietzsche Entatildeo para tentardefender Nietzsche das acusaccedilotildees claacutessicas a ele eu quis trazer todas asvertentes possiacuteveis literaacuterias filosoacuteficas e ateacute miacutesticas do Nietzsche Eu citei oGibran Khalil Gibran citei o Nikos Kazantzaacutekis que fazem leituras miacutesticas doNietzsche tambeacutem trouxe esses autores para que eles natildeo ficassem escondidosneacute Ou ignorados da leitura eu quis trazer todos elesE Deleuze a professorafalou que eacute uma leitura cocircmica Deleuze e a Sarah Kofman naquele coloacutequiocoloacutequio de Royaumont dizem que quem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muito eacuteporque natildeo leu direito Nietzsche natildeo conseguiu entender Nietzsche porqueNietzsche tem essa questatildeo da bufonaria ele diz que prefere ser um bufatildeo a serum santo Mas o fato eacute que Nietzsche um dos fatos de Nietzsche natildeo ser trazidopara o direito ou natildeo ser trazido para a academia eacute o fato dele ser um autor quedespreza a academia a gente tem que lembrar que Nietzsche abandonou acaacutetedra na Basileacuteia para fazer filosofia ele largou a universidade por questotildees desauacutede mas ele dizia que aqueles que estavam na faculdade eram filisteus queapenas reproduziam reproduziam o que os outros diziam e ele precisava ouvir avoz dele entatildeo ele sai da faculdade e vai fazer filosofia neacute Entatildeo eacute preciso trazernatildeo soacute o aspecto cocircmico do Nietzsche mas tambeacutem o aspecto poliacutetico doNietzsche E aqui nesse cartaz debaixo aqui tem uma foto do maio de 68 essafoto aqui tem Deleuze tem Foucault tem Sartre no paacutetio da Sorbone essamovimentaccedilatildeo da deacutecada de 60 natildeo eacute uma movimentaccedilatildeo que toma comoreferencial o marxismo estrito senso apesar do Sartre ter se vinculado aomaoiacutesmo o Foucault natildeo era vinculado a um partido marxista Foucault liaNietzsche e percebia um aspecto poliacutetico do Nietzsche inclusive o Foucault vaidizer na Microfiacutesica do Poder que o grande meacuterito do Nietzsche foi trazer asrelaccedilotildees de poder como elemento central da discussatildeo as relaccedilotildees de poderDeleuze a mesma coisa Deleuze participa daquela entrevista com Foucault quese chama os intelectuais e o poder Portanto o objetivo do trabalho foi trazer natildeosoacute o aspecto cocircmico e irocircnico a questatildeo da criacutetica a linguagem neacute PorqueNietzsche pega a linguagem e usa a linguagem contra aqueles que utilizam dalinguagem por exemplo ele pega o texto metafiacutesico e torna o texto metafiacutesicouma arma contra aqueles que utilizam por exemplo eacute o Zaratustra o Zaratustra eacuteuma paroacutedia de trechos da biacuteblia Ele utiliza o texto contra aqueles que colocam otexto quer dizer ele pega os coacutedigos e inverte a forccedila dos coacutedigos ele transformaaquilo que eacute colocado contra ele numa arma contra aqueles que colocamporisso que o exerciacutecio de defesa do Nietzsche o tempo todo no meu trabalho foi detentar inverter as acusaccedilotildees Quando chamavam Nietzsche de niilista eu tentavamostrar o que o que estaria por traacutes daqueles que acusam Nietzsche de niilista Oque estaacute por traacutes seraacute daqueles que acusam Nietzsche de nazista por exemploou de filoacutesofo da direita Por isso eu critico o proacuteprio Marx Eu critico tambeacutemoutro autor que eacute estudado aqui no direito que eacute o Enrique DusselEnriqueDussel eacute um teoacutelogo ou ex-teoacutelogo que trabalha uma eacutetica mas eacute uma eacutetica quetem um aspecto religioso por traacutes Eacute evidente queeu faccedilo uma meaculpa euexplico que Dussel se inseriu naquele processo contra a ditadura contra arepressatildeo ele militou foi um dos integrantes da igreja que militou contra umaspecto da ditadura um aspecto importante quer dizer entatildeo cumpriu um papelimportante eu fiz essa meaculpa por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes

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FernandoEacutemaso que eu quis colocar eu quis colocar que Nietzsche daacuteespaccedilo para uma outra eacutetica possiacutevel que natildeo eacute uma eacutetica de fundo religioso eacuteum outro tipo de eacutetica eacutetica daqueles que se colocam que se arriscam queaceitam o preccedilo de viver perigosamente E uma das referecircncias para essa eacuteticapossiacutevel que eu desenvolvi como uma questatildeo pessoal mesmo precisava explicaruma utilidade poliacutetica e eacutetica para Nietzsche precisava dar uma utilidade eacutetica epoliacutetica para Nietzsche ateacute para trazer Nietzsche para o direito tambeacutem para queele natildeo fosse o pensador da esteacutetica somente para que ele natildeo fosse visto comoum pensador da literatura somente Entatildeo quem que eu trouxe para esse diaacutelogosobre eacutetica e poliacutetica Eu trouxe os franceses Foucault Deleuze eu trouxe oAntocircnio Cacircndido por exemplo que fala numa possiacutevel eacutetica nietzscheana no livrono posfaacutecio famoso que ele escreve depois da Segunda Guerra Mundial depoisdos genociacutedios Antocircnio Cacircndido surpreendentemente relecirc Nietzsche e vai dizerque eacute preciso recuperar Nietzsche Um outro autor importante eacute um autor do Riode Janeiro que eacute comentador do Deleuze que eacute Carlos Henrique Escobar eacuteCarlos Henrique Escobar foi algueacutem que foi militante chegou a ser torturado naditadura ficou surdo de um dos lados e ele estuda Marx mas tambeacutem estudavaNietzsche e ele escreve sobre uma poliacutetica nietzscheana uma poliacutetica traacutegicanietzscheana ele tem dois livros importantes que eacute Nietzschedos companheirose o Zaratustra e o corpo traacutegico de Zaratustra Portanto foi tentada dar umautilidade para esse Nietzsche a insistecircncia na eacutetica eacute uma eacutetica daqueles que searriscam mesmo e eu acho que Deleuze Deleuze fornece uma chave de leiturapara isso eu ateacute citei o Deleuze na parte final do trabalho quando eu tento trazerfalar da minha experiecircncia pessoal na faculdade falo da minha experiecircncia antesda faculdade Eu relato detalhes da minha vida questotildees pessoais bastanteiacutentimas por exemplo o fato de eu ser ter sido trabalhador braccedilalassim eu faloisso com orgulho quer dizer eu tive que experimentar as agruras tive que viverisso intensamente a flor da pele para poder a partir de laacute de todo esse histoacutericodesenvolver o trabalho neacute O fato de eu estar de vermelho hoje tambeacutem eacutesimboacutelico pelo fato de que Nietzsche recomenda que eacute preciso escrever comsangue porque somente aquilo que vocecirc escreve com sangue eacute tem valor elecoloca isso no Zaratustra portanto eu tive que colocar um pouco da minha vidapessoal como mateacuteria-prima do trabalho O trabalho natildeo seria possiacutevel em menosde um mecircs se eu natildeo tivesse que colocar um pouco de mim no trabalho Entatildeo naverdade colocar Nietzsche como um reacuteu de um processo significa natildeo ficar naposiccedilatildeo assistindo o sofrimento do Nietzscheeu coloquei aqui a foto doNietzsche nos seus uacuteltimos dias Nietzsche nos seus uacuteltimos dias eacute uma fotoassustadora e talele jaacute estaacute ficou onze anos como algueacutem morto de olhosabertosNatildeo eacute colocar Nietzsche laacute e ficar assistindo gloriosamente neacute o fimtraacutegico dele eacute tambeacutem se colocar no processo eacute tambeacutem se colocar na frente doreacuteu para receber as pancadas receber as chicotadas Eacute famoso o episoacutedio emque Nietzsche ele abraccedila um cavalo que estaacute sendo chicoteado pelo seu donomuitos vatildeo dizer ah Nietzsche era um louco ele abraccedilou o cavalo foi a uacuteltimacena de Nietzsche depois ele eacute encontrado e levado para um sanatoacuterio Querdizer eacute preciso entender aquela cena como algueacutem que vai laacute e se coloca nafrente de um companheiro porque o cavalo a gente deve compreender dentro dafilosofia do Nietzsche que o cavalo eacute um animal carregador e o animal carregador

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eacute um nobre Nietzsche sempre usa a ideacuteia da aristocracia do nobre do escravonatildeo no sentido soacutecio-econocircmico no sentido marxista mas no sentido da vontadede poder portanto o cavalo eacute como se fosse o camelo ele eacute um animalcarregador ele eacute um nobre portanto Nietzsche se coloca na frente do nobre docompanheiro dele para evitar que o cavalo seja chicoteado pelo dono Portanto omeu trabalho aqui eacute tambeacutem se colocar na frente do Nietzsche eacute evitar queNietzsche seja de novo neacute mandado para o ostracismo acadecircmico Eacute o trabalhode trazer Nietzsche para o direito e trazer Nietzsche como um problema tambeacutemapontar alguns problemas no direito no campo juriacutedico quer dizer natildeo bastavatrazer Nietzsche como um reacuteu do processo mas era preciso trazer a utilidade deNietzsche para o direito Portanto quando eu falo quando eu falo de um direitorepressor por exemplo ou falo dos coacutedigos na verdade eu estou tentandomostrar uma forma de subverter os coacutedigos mesmo O Deleuze coloca isso nopensamento nocircmade que o nocircmade por exemplo eacute aquele quenatildeo soacute aqueleque consegue sair para fora mas aquele que consegue fazer a viagem e senomadizar sem sair do lugar portanto eu explico no uacuteltimo ponto do trabalhocomo eu consegui colocar o Nietzsche em praacutetica como eu consegui fazer umcerto nomadismo acadecircmico sem sair do lugar Aqui estaacute a Anna aqui estaacutealgumas pessoas que fazem parte do texto as pessoas que estatildeo aqui algumasfazem parte do texto foi curioso porque em determinado momento eu fiz umnomadismo que natildeo foi somente ir para a reitoria sair daqui da santos andrade foitambeacutem ir para o soacutetatildeo e para o poratildeo do preacutedio da santos andrade aqui do ladotem um teatro poucas pessoas sabem que tem um teatro quer dizer eu passei afrequentar esses espaccedilos e foi a partir dessas vivecircncias desses trabalhos comoesses cartazes que estatildeo aqui foi a partir dessas experimentaccedilotildees dessasvivecircncias muacuteltiplas que eu fui elaborando esse Nietzschequer dizer e faltandoum mecircs para entregar o trabalho que eu precisei condensar toda essa energia foium trabalho psicoloacutegico a Profordf Nadja sabe do que eu estou falando a ProfordfVania tambeacutem vocecirc tem o desejo vocecirc tem o desejo soacute que vocecirc precisatrabalhar o desejo para que o desejo seja transmutado em mateacuteria transmutadoem trabalho quer dizer eu tinha apenas o desejo e a paixatildeo visceral de trabalharo Nietzsche mas eu natildeo tinha ainda ferramentas para transmutar o Nietzsche emtrabalho foi no final no desespero que eu consegui fazer isso foi um trabalhopsicoloacutegicoMas eu acho que paro por aqui depois eu respondo mais daiacute taacutebom obrigado

Profordf Acircngela Fonseca Na verdade muita coisa ficou de fora aqui mas eu achoque soacute para finalizar aqui uma coisinha que eu deixei de falar vocecirc mesmoLeandro ao fazer isso vocecirc retomou umas coisas muito discutidas no direito hojeinclusive vocecirc falou um pouco do Agamben Eu acho que o Nietzsche eacuteprecurssor das ideacuteias do Agamben muito antes de a gente discutir Agamben porexemplo a gente perceber que a invenccedilatildeo do tipo homem anda de matildeos dadascom as proacuteprias praacuteticas juriacutedicas eacute querer dizer o que eacute querer dizer queenquanto o homem deixa a sua vida naquele estado apenas animal e comeccedila aqualificar a si mesmo que noacutes podemos falar de direito Natildeo eacute a relaccedilatildeo de vida epoliacutetica que Agamben fala Natildeo eacute justamente isso ou seja a vida qualificada vaiser a vida poliacutetica e aiacute que entra o direito a exceccedilatildeo da vida nua da vida

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enquanto zoeacute simplesmente Nietzsche jaacute tinha jaacute estava falando isso ou seja ohomem enquanto homem que eacute o homem em que implica o direito ele soacute eacutepossiacutevel quando a vida no seu sentido originaacuterio ou natildeo esse originaacuterio natildeo eacute umalinguagem muito nietzscheana sentido originaacuterio mas enfim a sua vida a vida nosentido mais animal ainda natildeo qualificada ainda natildeo inventada eacute deixada paratraacutes ela tem que ser arrancadaMas soacute para finalizar eu acho que tem umaqualidade o seu trabalho que a gente estaacute tatildeo preocupado em esmiuccedilar otrabalho que a gente natildeo fala neacute Eu acho que uma qualidade em seu trabalhoque eacute o interesse real o interesse autecircntico isso eacute uma coisa muito difiacutecil de agente encontrar hoje em dia vocecirc fala bastante do altar da razatildeo acadecircmica e talde uma maneira bastante irocircnica e realmente eacute uma criacutetica que vale em diversosmomentos sobretudo na produccedilatildeo do conhecimento acadecircmico em diversasocasiotildees a gente vecirc o fazer pelo fazer aqui a gente vecirc realmente ointeresseMas eu acho que para vocecirc defender o Nietzsche por exemplo ahdefendi o Nietzsche queria defender o Nietzsche mas eu acho que em algunsmomentos defender o Nietzsche por exemplo dizem que ele eacute um niilista queriadizer que ele natildeo eacute um niilista bom eu como leitora quero saber bom o que que eacuteo niilismo qual eacute a visatildeo de niilismo em Nietzsche e porque que essa visatildeo deniilismo natildeo eacute vaacutelidaPor isso que eu acho o primeiro momento dessa defesaexcelente neacute Amor e tudo o mais mas no segundo momento vamos abrir neacute eexplicar significa tal tal e tal eacute trabalhado dessa e dessa maneira eu acho queessa eacute uma coisa que soacute vai acrescentar para o teu trabalho soacute vai fazer que essadefesa apaixonada tenha digamos assim muitas muitos sustentaacuteculos

O que se calou Talvez o que eacute mais antigo no direito seja o exerciacutecio de retoacuterica eargumentaccedilatildeo antes mesmo dos coacutedigos e do legislado o que fiz em meutrabalho foi retomar essa potecircncia constituinte do direito se eacute que se pode chamarassim e fui ao extremo da retoacuterica e da argumentaccedilatildeo para subverter a loacutegica dodireito no ambiente do processo como se isso fosse o retorno do ldquorecalcadordquo jaacuteque dentro da faculdade de direito natildeo se estuda retoacuterica e argumentaccedilatildeo o quepoderia ir ateacute mesmo aleacutem jaacute que temos um curso de artes cecircnicas no mesmopreacutedio em que estudamos e um teatro tambeacutem Poreacutem ambos satildeo espaccedilosmarginais e natildeo frequumlentados pela gente do direito O que fiz portanto foi tentartrazer um pouco disso para a minha defesa puacuteblica usando esse potencial que eacutemarginal na defesa do trabalho marginal e colocando todo esse arsenal paradesbaratar a loacutegica conservadora do direito estrito senso Eu defendi o meutrabalho de peacute como se estivesse num juacuteri o tom de voz era as vezes exaltadoporque eu natildeo falava apenas para os membros da banca mas para todos os queali vieram tentava gesticular tambeacutem e ser convincente e veemente em minhascolocaccedilotildees afinal ali eu cumpria o papel de advogado E exatamente isso quenatildeo foi bem compreendido o que acontecia naquele instante era um teatro aminha monografia eacute um teatro afinal natildeo existe o Nietzsche reacuteu essa eacute apenasuma estrateacutegia argumentativa E escolher o processo natildeo eacute por acaso jaacute que esseeacute o campo por excelecircncia de um direito do paradigma da modernidadeconservador tradicional e elitista por isso eu escolhi fazer o mais difiacutecil que eraenfrentar esse direito no seu campo ousar lutar e vencer no territoacuterio do inimigoNatildeo haacute nenhuma contradiccedilatildeo nisso eacute uma estrateacutegia argumentativa em que

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aqueles que acusam o Nietzsche satildeo os que natildeo o lecircem que o desprezam ou quetem uma leitura contaminada por um senso comum E quando afirmo tambeacutem queNietzsche natildeo eacute lido no direito me refiro natildeo a faculdade de direito da UFPRsomente mas ao contexto nacional do campo juriacutedico afinal embora se leia por aiacuteNietzsche natildeo haacute produccedilotildees cientiacuteficas sobre Nietzsche dentro do campo juriacutedicotrazendo o seu pensamento no direito Por que caso houvesse certamente eu asteria encontrado e teria usado em meu trabalho como andaimes que facilitariamminha caminhada a verdade eacute que natildeo existe mesmo E outra coisa natildeo vejo oporquecirc da ausecircncia de uma caracterizaccedilatildeo detalhada dos conceitos possaatrapalhar porque na loacutegica do processo e da advocacia procurei afirmar eapontar o aspecto que me interessava Nisso fui bastante honesto ateacute mesmo como serviccedilo que busquei prestar toda a significaccedilatildeo que natildeo me ajudaria na defesaficou de lado Talvez se eu buscasse detalhar soacute iria tomar mais tempo e medistanciar do objeto do processo a defesa do reacuteu e por isso prejudicaria a defesaou arruinaria o empreendimento da forma como me propus fazer

Leandro Eu queroeu quero falarBem eu quero agradecer a Profordf Acircngelaprincipalmente por colocar o aspecto da criacutetica do sujeito neacute em Nietzschequando a gente tomou um cafeacute para conversar sobre Nietzsche agradeccedilo aprofessora pela gentileza insisti muito para que a gente pudesse conversaragradeccedilo pela paciecircncia e pela generosidadeApontou o caminho da criacutetica dosujeito soacute queeu ainda queria falar do sujeito mas natildeo podia fugir do aspectoda poliacutetica dessa eacutetica era uma questatildeo pessoal para mim Entatildeo eu precisavaarranjar um meio de explorar ao maacuteximo possiacutevel as possibilidades de NietzscheE eu tambeacutem sou grato a um outro professor que natildeo estaacute aqui presente que eacute oProf Guilherme Borges O Prof Guilherme Borges eacute algueacutem que se formou aquina faculdade trabalhando Foucault fez uma monografia que eacute quase um tijolosobre Foucault desse tamanhoMas natildeo soacute por isso eacute pela dimensatildeo criacutetica dotrabalho dele Eu encontrei ele na biblioteca puacuteblica uma vez e ele me motivou afazer o trabalho sobre Nietzsche disse que eu precisava fazer uma explosatildeodesse Nietzsche na graduaccedilatildeo ainda Entatildeo ele me motivou a fazer esse trabalhome deu coragem quando eu pensava que era impossiacutevel trabalhar esse dessaforma Entatildeo o objetivo foi justamente explorar ao maacuteximo Nietzsche abrir mesmoo leque de possibilidades para que caso eu queria continuar na carreiraacadecircmica tentar um mestrado eu possa ter vaacuterias saiacutedas vaacuterias alternativasvaacuterios meios possiacuteveis de enxergar o Nietzsche Acho que nisso eu tentei serhonesto tentei ser perspectivista ao maacuteximo Tentei seguir a recomendaccedilatildeo doFoucault tambeacutem quando Foucault escreve esse trabalho aqui que eacute um trabalhointeressante que ele relaciona Freud Nietzsche e Marx que eacute o teatro filosoficumque ele apresentou no coloacutequio de Royaumont na Franccedila na deacutecada de 60 emque ele aponta que Freud Marx e Nietzsche tem uma relaccedilatildeo no sentido de terde fornecer elementos para uma hermenecircutica do fragmento quer dizer tantoMarx como Freud como Nietzsche forneceriam ferramentas para entender ossignos do ocidente Foucault trabalha de maneira bastante inteligente nesseaspecto e coloca que Nietzsche principalmente Nietzsche forneceria elementospara vocecirc ter uma interpretaccedilatildeo em que o inteacuterprete se coloca no texto se implicano texto haacute uma implicaccedilatildeo eacutetica do inteacuterprete no texto Por isso o meu trabalho eacute

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um constante perguntar e reperguntar De fato falta mesmo falta a Profordf Acircngelaestaacute certa falta ter uma explicaccedilatildeo mais criteriosa talvez dos conceitos Mas euexplico isso no proacutelogo do trabalho no proacutelogo do trabalho eu explico que oobjetivo natildeo eacute ficar nos temas nietzscheanos como niilismo ficar na vontade depoder ficar no eterno retorno ficar na transvaloraccedilatildeo dos valores eacute falar de todosos temas dar uma amarraccedilatildeo a esses temas tendo Nietzsche como um reacuteu doprocesso Quer dizer apenas o Nietzsche enquanto pessoa apenas o Nietzschefaz convergir as interpretaccedilotildees mais variadas sobre Nietzsche quer dizer ainterpretaccedilatildeo do Foucault do Heidegger do Deleuze da literatura doKazantzaacutekis do Thomas Mann de outros vaacuterios que interpretaram Nietzsche paraum sentido todas natildeo podem fugir do fato de que existe o autor quer dizer elasconvergem para o autor Entatildeo a uacutenica amarraccedilatildeo possiacutevel de todo esse temaque estaacute disperso e nisso eu segui a recomendaccedilatildeo do Deleuze tambeacutemDeleuze disse que para ler Nietzsche eacute preciso se colocar a deriva eacute preciso secolocar a deriva e deixar se deixar levar pela leitura deixar ela fluir Entatildeo eu natildeoli o Nietzsche metodologicamente o proacuteprio Carlos Henrique Escobar no mesmotrabalho porque ele organiza uma coleccedilatildeo chamada Por que Nietzsche Que satildeotextos do coloacutequio de Royaumont na Franccedila em que fala Deleuze fala o Colli e oMontinari que satildeo os dois italianos que retraduzem o Nietzsche que recompilamNietzsche quer dizer eu trouxe o Carlos Henrique por exemplo para justificar aleitura natildeo metodoloacutegica do Nietzsche por exemplo entatildeo de fato faltou mas oobjetivo natildeo foi esse mas explorar ao maacuteximo as possibilidades do Nietzsche esoacute sobre a questatildeo poliacutetica mesmo eu gostaria de citar o trabalho do Deleuze laacutequando o Deleuze coloca que quem satildeo os nietzscheanos Quem satildeo osnietzscheanos Seraacute que eacute aquele que faz um trabalho sobre Nietzsche ele dizque talvez mas ele concorda que talvez nietzscheanos os nietzscheanos sejamaqueles que ao mesmo no curso da experiecircncia produzem enunciadosnietzscheanos Acho que meu objetivo nesse sentido quando eu coloquei a minhavida em diaacutelogo com o Nietzsche coloquei a minha subjetividade em diaacutelogo como Nietzsche para tentar ser mais honesto com o Nietzsche eu acho que tenteinesse sentido voluntaacuteria ou involuntariamente eu acabei produzindo algunsenunciados nietzscheanos por exemplo a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia dabricolagem eacute dada pelo Levi-Strauss que eacute um estruturalista O Foucault oDerrida e o Deleuze natildeo concordariam em ter o Levi-Strauss na mesma bancaque eles ou no mesmo trabalho que eles porque eles epistemologicamentedivergiam Mas o sentido que eu quis dar a ideacuteia da bricolagem a ideacuteia do rizomaque eacute o tema que o Deleuze explora no Mil Platos foi justamente fazer umaapropriaccedilatildeo disso neacute nietzscheanamente mesmo Nietzsche tambeacutem faziaapropriaccedilotildees do texto biacuteblico por exemplo e direcionava contra os utilizadores Eacutetentar pegar a bricolagem como meacutetodo e tentar ser ao maacuteximo honesto e pluralcom o Nietzsche jaacute que Nietzsche reuacutene uma seacuterie de interpretaccedilotildees oNietzsche segundo o Deleuze eacute uma multiplicidadeEssa ideacuteia do doagenciamento por exemplo o Deleuze diz que para natildeo haver problemas deinterpretaccedilatildeo com Nietzsche eacute preciso que vocecirc opere uma vontade de poderuma vontade de poder que vaacute se apropriar ou agenciar o tema agenciar aqueleelemento e trazecirc-lo para si quer dizer eacute esse o criteacuterio que Deleuze adota parainterpretar Nietzsche O Foucault vai dizer na Microfiacutesica do Poder que fazer

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Nietzsche ranger ranger eacute a forma que ele conhece de se manter honesto comNietzsche e se as pessoas vatildeo dizer se ele estaacute sendo nietzscheano ou natildeopouco importa o que importa eacute usar o Nietzsche como caixa de ferramentas esseeacute o Foucault falando Entatildeo o meu processo de desenvolvimento do trabalho foiesse eacute foi ao mesmo tempo o de trazer Nietzsche e desenvolvernietzscheanamente o trabalho para ser honesto com o proacuteprio NietzscheAchoque eacute isso

Prof Luiacutes Fernando Eu agradeccedilo e passo a palavra a Profordf Nadja e agradeccedilonovamente a colaboraccedilatildeo na leitura

Profordf Nadja Bem comeccedilar pelo agradecimento tambeacutem eu que agradeccedilo oconvite e a princiacutepio quando o Leandro me convidou a minha pergunta foi maispor que Por que ele sabe que eu natildeo sou uma leitora de Nietzsche e eu fiqueiassim muito intrigada com o convite que vocecirc me fez e preocupada em estar aquihoje porque sinceramente eu nunca li Nietzsche na minha vida mas lendo o seutrabalho eu tive a plena certeza do porquecirc do convite era isso mesmo que vocecircqueria algueacutem que nunca tenha lido Nietzsche ateacute para perceber a grandeza daobra o que vocecirc queria dizer o poder ler a partir de outro lugar ou a partir de umlugar que no mue entendimento eacute o lugar afetivo Leandro eu conheci ele eutenho um grupo de estudos de Foucault do outro lado do preacutedio do lado dapsicologia e um dia noacutes estaacutevamos reunidos jaacute haacute a algum tempo e ele apareceuna porta era um aluno que eu natildeo conhecia sabia que natildeo era um dos nossosalunos da psicologia e ele perguntou eacute aqui o grupo de Foucault Eu falei poisnatildeo e ele estaacute aberto para alunos que natildeo satildeo de psicologia E eu falei seja bemvindo neacute Entatildeo o Leandro era sempre olha tem ateacute algueacutem do direito que loacutegicolaacute a gente fala que o outro lado do preacutedio eacute sempre mais importante que eacute o ladodo direito mas noacutes contaacutevamos com uma personalidade do outro lado do preacutedioconosco e ele sempre foi assim um leitor muito interessante com a gente porqueele trazia uma outra perspectiva porque laacute a gente estaacute inserido na perspectiva dapsicologia e o Leandro trazia sempre algum outro olhar alguma outra forma deentender vocecirc sempre foi muito bem vindo laacute e eu entendi o seu convite para queeu estivesse aqui hoje a partir daiacute A partir desse lugar da marginalidade o fato deter algueacutem de fora aqui e a partir da afetividade porque eu acho que o seutrabalho eacute permeado do comeccedilo ao fim pela paixatildeoque vocecirc falou E foi assimque sinceramente foi a monografia mais estranha que eu li na minha vida (risos)ela natildeo se assemelha a nenhuma monografia tese de doutorado dissertaccedilatildeo demestrado e olha que eu jaacute li muitas na minha vida e foi a uacutenica Ela natildeo eacute nadaacadecircmica Ela eacute um texto completamente outro e o que me deu assim pavor deestar aqui hoje por que eu falei o que eu vou falar para aquelas pessoas meudeus do ceacuteu por isso porque eacute completamente inusitado e eu fiquei pensandoquem seraacute o orientador desse menino que teve essa coragem de assinar embaixoe fiquei muito intrigada em conhecer vocecircs dois embora eu conheccedila o irmatildeo doSerbena e tudo a ver com o teu irmatildeo acho que ele tambeacutem assinaria algumacoisa marginal diferente inusitada enfim gostei de conhecer vocecircs dois porqueachei bem bacana assim a possibilidade de algo novo de algo diferente de algoque possa ser acolhido com respeito porque eu concordo plenamente com a

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Acircngela quando ela disse assim vocecirc estaacute aqui na monografia natildeo eacute outra coisa anatildeo ser vocecirc do comeccedilo ao fim O interesse que vocecirc tem pelo texto o interesseque vocecirc tem pelo autor genuinidade com que vocecirc se entrega ao seu trabalhorealmente traz a qualidade dele e eacute uma qualidade que eu diria assim outra quenatildeo pode ser lida pelos olhos da academia que se for lida traraacute inuacutemerosproblemas de metodologia de natildeo recorte isso que a Acircngela falou tambeacutem osconceitos natildeo satildeo explicitados entatildeo vocecirc fica na duacutevida se Nietzsche natildeo eacutelouco mas que conceito de loucura vocecirc estaacute utilizando eu fiquei tentandocompreenderMas uma dica minha Leandro natildeo tente dizer que ele natildeo eacute loucoeu acho que ele eacute completamente louco (risos) e eacute esse completamente loucoque traz a potecircncia do pensamento dele porque se ele fosse normal como noacutesnatildeo estariacuteamos falando dele a gente natildeo estaria lendo ele ele natildeo teria trazido acontribuiccedilatildeo que trouxe ele seria noacutes assim totalmente normal Entatildeo assuma aloucura dele eu acho que esse eacute o grande ponto dele soacute uma pessoacompletamente louca poderia ter escrito uma obra tatildeo maravilhosa quanto a deleEntatildeo procura pensar a loucura por um outro lugar natildeo do lugar assimromantizado porque aqui eu acho que vocecirc esbarrou um pouco na romantizaccedilatildeoda loucura e a loucura tem um potencial de sofrimento muito grande mesmo ecomo eu sou da psicologia isso me toca muito particularmente porque eu achoque satildeo pessoas que permitem que a gente possa se ver como normal mas elescarregam a carga da dor para noacutes nos alivia disso entatildeo eu acho que se vocecirctomasse a via da potecircncia do pensamento natildeo normal natildeo cotidiano vocecirc trariauma outra perspectiva de ler o trabalho do Nietzsche por aiacute e demonstrar quejustamente por que ele eacute louco que ele eacute tatildeo bom e tatildeo extraordinaacuterio mas enfimessa eacute uma outra coisa que eu ia falar depoisE assim ler a monografia doLeandro foi isso foi o susto foi o espanto foi a natildeo compreensatildeo inicial um textoque eacute afastado de mim em termos filosoacuteficos jaacute que falei natildeo eacute um autor que eutrabalho afastado de mim por ser do direito tambeacutem eu desconheccedilo e as vezesquando vocecirc fala assim isso eacute um inqueacuterito ou eacute um processopara mim natildeo seique diferenccedila eacute essa que vocecirc estaacute colocando (risos) para mim isso natildeo faznenhum sentido a loacutegica do direito natildeo eacute a loacutegica que eu utilizo neacute Natildeo eacute aloacutegica argumentativa que eu utilizo entatildeo ler o seu trabalho foi extremamentedifiacutecil eu diferente da Acircngela eu natildeo ri (risos) eu natildeo me diverti tanto eu meangustiei do comeccedilo ao fim (risos) porque eu falei gente eu natildeo consigoacompanhar eu voltava para entender um pouco melhor o que vocecirc estavadizendo ateacute que laacute pelas tantas eu tive acho eu assim um insight de que aotomar Nietzsche como um reacuteu e aiacute eu comecei a fazer todas as minhas fantasiaspossiacuteveis com um advogado que estaacute defendendo algueacutem com toda a sua paixatildeoe que natildeo estaacute portanto preocupado com a verdade mas estava preocupado emfazer aqueles que o leiam acreditar naquilo Pelo menos eacute assim a minha fantasiacom os advogados e se um dia eu precisar de um eu vou te chamar porque euacho que vocecirc vendo o teu peixe maravilhosamente bem (risos) e com paixatildeoporque eu acabei acreditando em tudo o que vocecirc me disse (risos) no que estaacuteescrito aqui E pensando assim natildeo vou procurar essa verdade acadecircmica qual oconceito de loucura que vocecirc estaacute utilizando qual o conceito de sanidade epatologia para entatildeo tentar ler seu trabalho de uma forma menosacadecircmica abrimatildeo menosrigorosa acabei abrindo matildeo e tentar entender entatildeo qual a sua

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loacutegica neacute O que vocecirc estava querendo demonstrar de que forma vocecirc estavaquerendo demonstrar De qualquer maneira eu continuo assim achando que talcomo Acircngela assim que ao tentar fazer tudo algumas coisas ficaram soltas demaise a gente se perde demais no seu texto porque vocecirc vem trazendo patamaresfilosoacuteficos biograacuteficos histoacutericos eacuteticos que para um leitor fica muito difiacutecil de teacompanhar Havia momentos em que eu natildeo sabia bem onde me situar parafazer essa leitura entatildeo talvez por uma condescendecircncia com os leitores vocecircpossa daqui para frente a ser um pouco mais um pouco mais restrito ateacute parapermitir que a gente consiga te acompanhar um pouco mais entatildeo acho assimtrazendo um desses patamares ou dois desses para que natildeo fique no mesmotexto tantas informaccedilotildees variadas e propostas de leituras variadas natildeo estoufalando nem da gama de autores que vocecirc traz como vocecirc bem disse eu queriatrazer uma interpretaccedilatildeo religiosa do Nietzsche uma interpretaccedilatildeo filosoacuteficaautores que falavam da biografia do Nietzsche enfim autores variados natildeo estounem falando das diferentes perspectivas teoacutericas estou falando dos diferentesmatizes que vocecirc utiliza para ler o Nietzsche e traz ele nesses diversos matizesneacute Entatildeo fica assim no meu processo de leitura de vez em quando jaacute natildeo sabiamais onde eu estava amparada para poder te entender Como que a biografia doNietzsche entrava na obra do Nietzsche como justificar o que ele estava trazendoem termos de conceitos a partir da biografia ou a partir da filosofia enfim e aiacuteficava mesmo muito difiacutecil para eu ler e talvez isso possa ser trabalhado por vocecircde um modo mais simples e mais faacutecil de compreensatildeo e de acompanhamento desua loacutegicaDito isso Leandro eu comecei a pensar que tipo de contribuiccedilatildeo eupoderia trazer para o seu trabalho jaacute que eu sou completamente marginal a tudoisso mas depois eu entendi assim vocecirc precisava de algueacutem o teu trabalho eacutemarginal entatildeo vocecirc precisava de algueacutem tambeacutem marginal a ele neacute E quepudesse sustentaacute-lo na diferenccedila entatildeo eu entendi um pouco por aiacute vocecirc ter mechamado claro que vocecirc natildeo estava esperando que eu trouxesse a contribuiccedilatildeoque a Acircngela trouxe a respeito do universo conceitual nietzscheano Entatildeo euachei assim Leandro tentando imaginar porque que vocecirc trouxe a tua biografia aofinal eu achei beliacutessimo mas eu posso ser uma professora da psicologia quegosta dessas coisas e gosta da afetividade ser posta embora eu nunca deixei quemeus alunos fizessem isso obviamente (risos) Eu achei beliacutessimo porque vocecirc vaiconstruindo a tua histoacuteria de vida e eu que trabalho a partir da psicanaacutelise ahistoacuteria de vida eacute aquilo que a gente trabalha e eacute por onde a partir de vocecircrecontar a sua histoacuteria de vida para um outro que eacute o analista essa histoacuteria devida toma um outro sentido uma outra construccedilatildeo eacute possiacutevel e um outrosignificado eacute possiacutevel Acho que esse eacute o seu momento neacute Na conclusatildeo decurso de graduaccedilatildeo acho que vocecirc se deparou com isso neacute Com a sua histoacuteriae com a possibilidade de transformaccedilatildeo de uma histoacuteria que no nosso paiacutes natildeo eacutemuito comum de ser transformada como vocecirc mesmo disse por ter nascido natildeo eacuteberccedilo de ouro a dificuldade que eacute vocecirc se transformar num advogado Entatildeo euacho assim vocecirc ao recontar a sua histoacuteria para o outro reconta a histoacuteria detodos noacutes de uma possibilidade de uma construccedilatildeo outra que natildeo soacute eacute no meuentender nietzscheano mas eu a tomei totalmente freudiano de vocecirc poderfazer do seu desejo aquilo que te movimenta e que te transforma mas para issovocecirc necessita de um outro que te escute e eu acho que eacute aiacute que estamos

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fazendo agora a banca eacute esse outro que estaacute te escutando e estaacute permitindoentatildeo que o seu desejo se afirme a partir de um outro lugar natildeo mais como alunotalvez nessa passagem para um profissional do direito mas sobretudo comoalgueacutem que fala de um lugar especiacutefico que eacute o seu neacute Eu acho que vocecircutilizou Nietzsche mas natildeo para falar dele mas para falar de vocecirce falar do teupotencial da sua possibilidade de transformaccedilatildeo da possibilidade detransformaccedilatildeo natildeo soacute interna quando vocecirc diz assim a minha monografia eacute umtrabalho de psicologia mas eacute um trabalho de psicologia sobretudo para o outroporque a tua trajetoacuteria de vida vocecirc estaacute preocupado com vocecirc eacute claro que estaacutemas vocecirc estaacute preocupado com o outro que estaacute do lado e foi por isso que vocecircme foi achar laacute vocecirc poderia ter passado cinco anos aqui e nunca ter me vistoEntatildeo como que a tua transformaccedilatildeo permitiu a minha transformaccedilatildeo porque euestou aqui tem a Paula que estaacute aqui porque tem dois alunos meus quechegaram mas tiveram que ir embora mas eu chamei porque te conhecemtambeacutem enfim nessa possibilidade de se transformar vocecirc transforma outraspessoas tambeacutem E utilizando Nietzsche para dizer olha eacute assim que a gente vivearriscando indo ao encontro do outro natildeo tendo medo de encontrar as pessoasse abrindo para a diferenccedila nada mais freudiano Natildeo biograficamente porqueFreud era completamente obsessivo natildeo deixava nem as pessoas chegaremperto mas em termos teoacutericos era isso que ele dizia viva vaacute vaacute de encontro asua verdade vaacute de encontro ao seu desejo acho que eacute isso que vocecirc fez na suamonografia e graccedilas a Deus que vocecirc conseguiu dois professores queassinassem embaixo ainda bem que natildeo fui eu porque eu ia dizer assim natildeo(risos)eu natildeo tenho essa coragem toda derrepente eacute porque eles satildeo homensEnfim pensando nisso tudo acho que foi por isso ainda que vocecirc me chamouacho que a tua histoacuteria a tua monografia faz essa passagem magistral entre issoque eu estou falando que eacute do singular mas que eacute do coletivo ela fala um poucode todos noacutes ela natildeo eacute soacute tua embora vocecirc traga a tua biografia eacute umabioagrafia que podia ser minha ou que podia ser de alguns deles ou que podiaser de qualquer cidadatildeo brasileiro neacute Mas que encarna na sua singularidadenessa possibilidade de transformaccedilatildeoEu acho que era isso Leandro que eugostaria de trazer para vocecirc e fechando numa questatildeo que vocecirc apresenta emrelaccedilatildeo a eacutetica e da eacutetica do direito eu fiquei pensando sobre o que que ele estaacutequerendo me dizer sobre a eacutetica do direito porque por um lado a gente faz umafantasia de que o direito natildeo eacute eacutetico basta vocecirc pagar e aquele que pagar teraacute omelhor advogado eu sei que eacute arriscado falar isso aqui mas eacute assim que eacute aminha perspectiva acho que o imaginaacuterio social traz isso e eu falo arriscadodizer mas eu falo tambeacutem do mesmo lugar porque sei tambeacutem que quem temdinheiro paga um bom psicanalista que natildeo tem natildeo paga entatildeo assim de certaforma estamos num mesmo lugar Mas vocecirc toca uma questatildeo da eacutetica que eacute umlugar que eu acho que a gente poderia pensar para aleacutem disso que eacute o encontroque eu jaacute falei com a experiecircncia e da sustentaccedilatildeo de uma cidadania outra quenatildeo essa e nem que a gente seja abarcado por esse lugar daquele que pagarmais nos teraacute de uma melhor formaE eu lembrei jaacute que vocecirc falou tanto deFoucault e foi ele que nos fez encontrar ele fala num dos livros dele sobre a vidacomo obra de arte de vocecirc poder construir a sua vida a partir daiacute ou seja estarsempre aberto para o outro para o diferente para o outro em construccedilatildeo para

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poder sair dessas amarras mesmo que a coletividade nos faz que a sociedadenos faz de podermos ser vistos como profissionais do dinheiro que eacute aquele quemais paga teraacute um melhor profissional E eu acho que o que vocecirc traz eacute isso noacutespodemos construir um outro tipo de vida profssional e tambeacutem uma outra eacuteticaprofissionalEntatildeo eacute isso eu gostaria de te dar os meus parabeacutens te agradecermais uma vez pelo convite te pedir desculpas pela pouco contribuiccedilatildeo que euposso dar para o seu trabalho mas eu me sinto bastante honrada de estar aquientatildeo ainda bem que vocecirc me chamou a despeito de meu pouco conhecimentosobre o que vocecirc trouxe pela obra nietzscheanae mesmo depois de formadopode voltar a ler conosco Foucault quando vocecirc quiser

O que se calou O que chama mais a atenccedilatildeo na fala da Profordf Nadja foi que elaacertou bastante no comentaacuterio primeiro porque de fato eu usei Nietzsche parafalar de mim mesmo e nisso segui a recomendaccedilatildeo do proacuteprio Nietzsche ldquosejahomem e natildeo me sigardquo fui pelo meu proacuteprio caminho busquei achar um ateacute porisso demorei tanto nesse processo e acabei tendo apenas um mecircs para escrevero trabalho Tambeacutem ousei pagar o preccedilo dessa escolha e tudo o maisnietzscheanamente ldquoeu fiz a guerra pelos meus proacuteprios pensamentosrdquo Todo otrabalho escrito e tambeacutem a defesa eacute a uma luta pessoal por ideacuteias minhas porexemplo a ideacuteia de um enfrentar o direito dentro de seu campo por excelecircncia queeacute o processo a ideacuteia de relacionar a bricolagem ao pensamento de Nietzsche etambeacutem trazer a ideacuteia do rizoma do Deleuze junto a ideacuteia de colocar minhabiografia no final como justificativa tudo isso embora fundamentado em Nietzschesatildeo ideacuteias minhas que coloquei agrave prova Natildeo podia tambeacutem admitir Nietzschecomo louco porque se a ideacuteia foi trazecirc-lo para dentro da loacutegica de um processose admito Nietzsche como louco estou desertando do meu papel de advogado ecolaborando com a acusaccedilatildeo embora seja uma saiacuteda retoacuterica ela resulta numamedida de seguranccedila Ou seja o louco no direito eacute visto dentro do processo comoalgueacutem que deve ser medicado controlado E o proacuteprio Michel Foucault eu tenteiargumentar nesse sentido mas naquele instante me faltou as palavras ele traz adiscussatildeo do normal e do anormal e vai dizer que a loucura eacute um conceitoinventado para capturar a subjetividade para disciplinaacute-la controlaacute-la assujeitaacute-laPor isso seria um contrasenso aceitar a loucura de Nietzsche ou melhorconcordar com aqueles que o acusam Nietzsche de louco Eu entendi o que aprofessora colocou mas a potecircncia no meu ver vem do traacutegico e natildeo do loucoachar que gente como Artaud Van Gogh Beethoven e tantos filoacutesofos eintelectuais que marcaram a histoacuteria incluindo o proacuteprio Freud eram loucos ouanormais e por isso extraordinaacuterios acho que aiacute sim estamos indo para umcaminho romacircntico da loucura enaltecendo a loucura e a colocando num patamarde natildeo sofrimento mas de triunfo Penso que fui para outro caminho eu ressalteio sofrimento de Nietzsche em vaacuterias ocasiotildees como aquele que trancado nosanatoacuterio iraacute ldquouivarrdquo ou como aquele que ignorado pela amada iraacute tentaraacute suiciacutedioA potecircncia do traacutegico soacute pode ser retratada a meu ver se destacado que o traacutegicoexige a experiecircncia da dor essa travessia E nisso apontei tambeacutem para odilaceramento de Dioniso como um modo de exemplificar mas ali na defesa mefaltaram algumas palavras para isso que agora eacute escritoFalar em processo ou inqueacuterito eacute algo que faz mais sentido para o coacutedigo

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linguumliacutestico do direito mesmo contudo o que se estaacute a explorar eacute bastanteevidente trata-se de um processo inquisitorial contra Nietzsche em que natildeo haacutecontraditoacuterio e nem ampla defesa se condena de antematildeo No Brasil a realidadedo processo penal eacute bastante semelhante a isso no inqueacuterito que seria omomento investigatoacuterio jaacute se colhem provas ou se produzem as provas que seratildeotrazidas para o processo e atraveacutes de um exerciacutecio de retoacuterica eacute dada acondenaccedilatildeo Quando na realidade o processo deveria ser o momento dediscussatildeo e debate sobre o conteuacutedo da acusaccedilatildeo mas eacute o inqueacuterito comomomento anterior em que natildeo haacute contraditoacuterio mesmo decisivo para estabelecera culpa e a condenaccedilatildeo por isso a escolha do inqueacuterito como uma ecircnfase maiornessa culpa na pressa em se estabelecer a condenaccedilatildeo passando por cima detodas as garantias possiacuteveis demonstrando na praacutetica que o direito eacute muitasvezes um circunloacutequio usado como melhor conveacutemVejo que a Profordf Nadja acabou explicando melhor a questatildeo eacutetica porque osingular eacute tambeacutem do coletivo E a palavra individual natildeo eacute boa porque vai deencontro agraves acusaccedilotildees de Nietzsche como individualista que os marxistascostumam fazer E ela ressaltou que isso tem algo de freudiano tambeacutem e temmesmo A minha experiecircncia com a psicologia foi importante nesses cinco anosprincipalmente com a psicanaacutelise ela ficou submersa no trabalho mas a ProfordfNadja conseguiu perceber as sutilezas e o eco do que natildeo foi dito As palavrasldquodesejordquo ldquotravessiardquo quando as uso estou pensando em psicanaacutelise Inclusive omeu primeiro trabalho acadecircmico apresentado perante uma banca chamava-seldquoPedagogia discrepanterdquo e a inspiraccedilatildeo para o discrepante veio de uma palestrasobre Lacan em que se dizia que ele era um discrepante A inspiraccedilatildeo para fazera minha defesa de peacute do modo como foi vem de dois filmes que assisti um deleseacute Danton e o processo da revoluccedilatildeo em que o ator Gerard Depadier queinterpreta Danton fica quase sem voz porque faz a sua proacutepria defesa e o outro eacuteo ldquoprocesso do desejordquo filme que me foi cedido pela Dra Vacircnia Mercer em quetambeacutem o acusado faz a sua proacutepria defesa Por fim a inspiraccedilatildeo final a de fazerdesse trabalho um diaacutelogo de subjetividade veio de uma conversa com o ProfAlbano Pepe num evento de direito e psicanaacutelise em que ele me sugeriu isso econfesso que natildeo entendi como isso se daria na praacutetica mas depois de comeccedilar eagora com o trabalho terminado entendo sim e vejo que eacute mesmo a saiacuteda paratrabalhar com o pensamento de Nietzsche Por que ler Nietzsche no Direito Soacutepoderia ser pessoal

Leandro Pode deixar Profordf Nadja eu quero mesmo te agradecer pela gentileza deter vindo de ter aceito e peccedilo desculpas por ter lhe causado a anguacutestia doestranhamento (risos)

Profordf Nadja Eu jaacute estou acostumada (risos)

Leandro Mas o objetivo mesmo foi o de trazera gente apesar de ocupar omesmo preacutedio ocupar o mesmo espaccedilo dividimos o mesmo xerox direito epsicologia mas os alunos natildeo conversam natildeo trocam Eu acho que talvez sejaineacutedito eu natildeo lembro de ter visto na graduaccedilatildeo uma banca com uma professora

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da psicologia Entatildeo o objetivo foi realmente trazer um diaacutelogo interdisciplinar neacuteQue natildeo eacute por acaso que natildeo eacute casual Nietzsche escreve no Aleacutem do Bem e doMal que a psicologia era para ele a rainha de todas as ciecircncias ele coloca isso ese diz influenciado por Dostoieacutevski que estaacute no meu trabalho tambeacutem nessecartaz Dostoieacutevski que

Profordf Nadja Posso fazer uma pergunta

Leandro Sim

Profordf Nadja Quando vocecirc diz isso eu li isso aqui eu jaacute tinha ouvido outras vezesNietzsche falar que a psicologia eacute a rainha das ciecircncias e eu queria te perguntarse vocecirc vecirc aiacute uma criacutetica muito boa a psicologia Porque ele colocar como ciecircnciae como rainha da ciecircncia no campo iluminista no campo totalizador de umaverdade para mim soa como uma criacutetica enorme porque eu tambeacutem faccedilo omesmo mas enfim vocecirc vecirc ou natildeo ou acha que eacute um elogio mesmo

Leandro Bem eu acho professora ou pelo menos eu entendi assim queNietzsche tem uma implicacircncia muito grande com os filoacutesofos da eacutepoca que paraele eram filoacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos Nietzsche vai dizer inclusive que osfiloacutesofos sistemaacuteticos e dogmaacuteticos natildeo entendiam muito de mulheres Entatildeo elevai ironizar os filoacutesofos e vai se colocar em outro campo o proacuteprio Nietzsche vaiassumir eu natildeo sou filoacutesofo eu natildeo sou filoacutesofo a semelhanccedila de Kant de Hegele de outros filoacutesofos sistemaacuteticos eu sou outra coisa ele se quer outra coisa elequer se outrar-se Nietzsche se potildee como a alteridade radical mesmo aquelaalteridade que eacute difiacutecil de ser alcanccedilada impossiacutevel de ser compreendidaalteridade radical mesmo E Nietzsche se coloca assim principalmente por causada literatura e quando ele lecirc Dostoieacutevski ele encontra em Dostoieacutevski elementospara se afirmar enquanto psicoacutelogo entatildeo a filosofia de Nietzsche ela naverdade e nisso o Prof Antocircnio Edmilson que infelizmente natildeo pode estar aquihoje a gente estudando laacute na PUC no grupo de estudos Nietzsche o ProfEdmilson falou quepelos estudos neacute Que a filosofia de Nietzsche eacute uma fisioporque passa pelo corpo assim como o poder passa pelo corpo para Foucaulttambeacutem eacute uma fisio-psicologia eacute uma fisio-psicologia porque quando Nietzschevai estudar por exemplo o niilismo quando vai falar do Deus estaacute morto porexemplo ele vai fazer um diagnoacutestico cliacutenico de um estado da civilizaccedilatildeo Agora aProfordf Acircngela no seu artigo fala do ainda somos devotos fala do niilismo Querdizer existe um diagnoacutestico cliacutenico um diagnoacutestico de psicoacutelogo o olhar queNietzsche lanccedila sobre os problemas eacute um olhar de psicoacutelogo Portanto natildeo eacutedespropositado quando Nietzsche elogia a psicologia no meu ver Nietzsche estaacutecriticando os filoacutesofos sistemaacuteticos a filosofia do modo tal como ela era feita afilosofia dogmaacutetica e se colocando em outro departamento arriscando ser outracoisa uma alteridade radical E o objetivo do trabalho foi justamente essemartelar nesse sentido neacute E quando a professora fala assim que eu deveriaadmitir Nietzsche como louco mesmo eacute na verdade o Foucault traz essa questatildeodo normal e do anormalEacute na verdade o que eu quis trazer foi a potecircncia doNietzsche traacutegico e aiacute natildeo seria o Nietzsche louco seria o Nietzsche traacutegico

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algueacutem que paga o preccedilo do despedaccedilamento do dilaceramento Tem aquelemito o mito que Nietzsche usa que eacute o mito do Dioniso o Dioniso grego claroque Nietzsche reinterpreta esse mito natildeo eacute o mito exato Dioniso o que Nietzschefalaele fala do dilaceramento e Nietzsche foi um pouco assim ele pagou o preccedilodo pensamento dele Era algueacutem que tinha uma sauacutede debilitada era algueacutem queviva com mal estares altos e baixos e pagou o preccedilo dele querer ser o que eacute aeacutetica neacute O subtiacutetulo da uacuteltima obra do Nietzsche essa obra aqui que Nietzscheescreve antes do colapso de Turim que eacute o Ecce homo Nietzsche escreve aquicomo algueacutem se torna o que eacute Quer dizer aqui Nietzsche faz um trabalhobiograacutefico na verdade eacute um trabalho de justificaccedilatildeo ele vai dizer que a obra deletem muito a ver com a vida dele ele usou a vida dele como mateacuteria-prima da obradele e foi nesse sentido que eu quis colocar a minha biografia no final tambeacutempara demonstrar que o trabalho estava justificado na minha vivecircncia eu queriajustificar para vocecircs da banca principalmente porque que eu escolhi fazer umtrabalho tatildeo diferente tatildeo fora tatildeo outro tatildeo marginal por que escolher umtrabalho assim Jaacute que eu carecia de uma seacuterie de limitaccedilotildees jaacute que natildeo tinhaconhecimento da liacutengua alematilde para interpretar Nietzsche Nietzsche foi um grandeconstrutor um grande neologista um grande eacute ele trabalhou sempre ele era umfiloacutesofo entatildeo ele trabalhava com significados entatildeo para perceber as sutilezasda liacutengua eacute preciso compreender Nietzsche no original e eu carecia dessaslimitaccedilotildees Mas por que pagar esse preccedilo pelo trabalho A biografia vem nessesentido como Nietzsche fez no Ecce homo na obra dele ele justifica ele inclusivefaz prefaacutecios para as obras que ele jaacute tinha publicado e que ele muda de opiniatildeopor exemplo das primeiras obras dele ele muda de opiniatildeo para as uacuteltimas entatildeoele faz prefaacutecios para rever alguns pontos inclusiveE interessante nessatraduccedilatildeo do Paulo Ceacutesar de Souza tem um trecho interessante em que ele citauma reuniatildeo em que Freud em uma reuniatildeo na sociedade psicanaliacutetica de VienaFreud e seus alunos disciacutepulos se reunem para discutir justamente essa obra aquio Ecce homo o Caso Nietzsche entatildeo o que Freud vai dizer Freud vai dizer trecircscoisas vai dizer primeiro que ele natildeo vai considerar Nietzsche louco porque eleacha porque ele entende que a forma estaacute preservada a obra do Nietzsche natildeoestaacute contaminada pela loucura isso o Freud que diz e ningueacutem havia alcanccediladoantes e dificilmente algueacutem tornaria a alcanccedilar o grau de introspecccedilatildeo quealcanccedilou Nietzsche isso o Freud dizendo e em terceiro lugar ele vai dizer quenatildeo vai ler natildeo vai ler o Nietzsche para natildeo deixar que a cliacutenica aquilo que eleestava constatando clinicamente seja contaminado pela leitura do Nietzsche Issoeacute um dos raros momentos em que Freud cita Nietzsche mas curiosamente Freudnatildeo cita Nietzsche nem nas cartas eacute muito curioso isso porque a diferenccedila deidade de Freud para Nietzsche eacute de doze anos somente e haacute uma pessoa emcomum entre Nietzsche e Freud que eacute a Lou SalomeacuteNietzsche se apaixonouperdidamente por uma jovem russa de vinte anos chamada Lou Salomeacute e vaitentar suiciacutedio inclusive vai pedir ela em casamento duas vezes e tenta suiciacutediona uacuteltima E ela vai se separar vai romper com Nietzsche e vai se relacionar comFreud mais tarde jaacute mais velha vai trocar cartas com o Freud Portanto Freudconhecia Nietzsche de um modo indireto atraveacutes de Lou Salomeacute e por essedocumento aqui ele conhecesse tambeacutem a obra mas evitava ler o Nietzschequem fala isso eacute tambeacutem o Prof Oswaldo Giacoacuteia Jr da Unicamp quando estava

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aqui em Curitiba que vai dizer a outra obra do Nietzsche muito importante que eacute aGenealogia da Moral quando Freud abre essa obra aqui do Nietzsche ele tambeacutemse assusta a mesma reaccedilatildeo da professora o Freud tambeacutem se assusta porqueparece que ele constata que Nietzsche jaacute tinha escrito antes dele algumas coisasque Freud clinicando estava encontrando estava percebendo identificando Haacuteentatildeo inclusive uma relaccedilatildeo de proximidade alguns criacuteticos apontam entre essaobra do Nietzsche e a obra o Mal Estar na Civilizaccedilatildeo do FreudEacute entatildeo a ProfordfAcircngela colocou e eu tinha esquecido de responder eacute que aqui no Genealogia daMoral Nietzsche fala de um direito arcaico de um direito fundado na diacutevidainclusive haacute uma relaccedilatildeo proacutexima entre a obra O Mercador de Veneza doShakespeare aquela cena em que o judeu Shylock vai cobrar um naco de carneuma incisatildeo do peito de Antocircnio para Shylock ofendido moralmente porque elejudeu e a filha estava indo para o lado dos cristatildeos entatildeo ele vai requerer peranteum tribunal que seja arrancado um pedaccedilo de carne do peito de Antocircnio querealmente estaacute sentado ali recebendo a cobranccedila porque havia um contratoassinado que exigia isso Quer dizer Nietzsche cita natildeo o Shakespeare mas citaa cena Eacute muito interessante isso e o Giacoacuteia nesse trabalho aqui junto namesma coletacircnea que o seu o Prof Giacoacuteia fala da genealogia do direito e faladessa questatildeo assimEntatildeo haacute uma relaccedilatildeo misteriosa entre Freud e Nietzscheque natildeo eacute uma relaccedilatildeo expliacutecita mas existe entatildeo o fato de trazer a Profordf Nadjatambeacutem foi o fato de mostrar para a professora que eacute da psicologia e psicanalistamostrar essa alteridade radical e sentir qual seria a reaccedilatildeo neacute dessa alteridaderadical presente no trabalhoE o fato de haver esse fluxo descontiacutenuo eacute o fato deter escolhido mesmo a metodologia mais plural possiacutevel para abarcar o Nietzschepor exemplo quando eu escolhi trabalhar a perspectiva do rizoma do DeleuzeDeleuze trabalha o rizoma da seguinte maneira ele vai ramificando o texto eescreve o texto por platocircs que podem ser lidos independentemente Portanto omeu trabalho eu natildeo sei se eu consegui atingir o objetivo porque eu tentei fazerneacute Eu li tentei entender e tentei fazer Eu natildeo sei se cheguei ao objetivo demontar um texto de tal modo que ele pudesse ser lido de forma descontiacutenua dametade do iniacutecio do fim sempre fora de ordem inclusive eu citei vaacuterias vezes asmesmas coisas eu repriso algumas questotildees eu repito algumas questotildeesjustamente porque a ideacuteia eacute montar um texto descontiacutenuo que possa ser lido deforma independente os capiacutetulos de forma independente como quer a ideacuteia doDeleuze no rizoma nos platocircs que para o Deleuze circulariam vaacuterios deviresClaro que eu natildeo vou entrar em polecircmica porque o Deleuze contesta apsicanaacutelise neacute Escreve o Anti-Eacutedipo tudomas

O que se calou Faltou dizer que uma referecircncia para esse Nietzsche comopsicoacutelogo eacute dada pela professora da USP Scarlett Marton num artigo publicadocomo Nietzsche psicoacutelogo das profundezas

Profordf Nadja Todos eles neacute Deleuze Feacutelix Guattari o proacuteprio Foucault fazcriacuteticas maravilhosas a psicanaacutelise Maravilhosas no sentido de serem azedas(risos)

Leandro Entatildeo justamente o objetivo final do trabalho foi principalmente a partir

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desse texto aqui falar desse direito um pouco arcaico e quando a professora falade uma outra eacutetica de uma outra cidadania acho que foi esse o objetivo mesmoe talvez fosse talvez fosse esse mesmo o compromisso em falar da minhabiografia porque na minha biografia na minha histoacuteria acadecircmica eu tentei meenvolver com projetos de extensatildeo tentei me envolver com comunidades meenvolvi com comunidades Entatildeo eu cheguei a participar do Rondon fui para aAmazocircnia Oriental quer dizer conheci comunidades conheci questotildees sociaismuito urgentes muito fortes foram experiecircncias radicais tambeacutem de alteridaderadical tambeacutem que geraram estranhamento e que vocecirc demora um pouco paraabsorverpara absorver um pouco isso Entatildeo a ideacuteia de criticar o direito tal comoele acontece inclusive fazendo menccedilatildeo direta a faculdade a faculdade comotemplo inclusive falei com o Prof Luiacutes Fernando a faculdade eacute um templo e temuma semelhanccedila com o tempo Eacute como se a faculdade o templo neacute E a nossafaculdade parece o paternon grego eacute como se ela fosse a prisatildeo do tempoporque o que justifica o direito eacute a tradiccedilatildeo o direito conservador elitista o direitoproprietaacuterio o que justifica esse direito eacute a tradiccedilatildeo e se vocecircs andarem peloscorredores veratildeo uma seacuterie de laacutepides nomes de professores quadrosprofessores jaacute falecidos que parece um mausoleacuteu o templo parece um mausoleacuteuE o interessante eacute que Nietzsche quando fala que Deus estaacute morto ele fala que asIgrejas satildeo tuacutemulos de Deus e daiacute eu questiono no trabalho se a faculdade e oque se ensina de direito aqui natildeo eacute tambeacutem algo que eacute uma fantasia porque natildeoexiste eacute um tuacutemulo o direito natildeo estaria aqui o direito estaria fora Inclusive eufaccedilo a provocaccedilatildeo eacute preciso para conhecer o direito nomadizar-se neacuteNomadizar-se significa sair do teu lugar ou mesmo natildeo sair mas viajar aquidentro por exemplo ir laacute na psicologia ter contato com os outros que estatildeo laacute aalteridade que estaacute laacute sem sair do preacutedio mas indo para o outro lado ou indopara o soacutetatildeo ou indo para o poratildeo Quer dizer foi esse o movimento que eu quisdescrever de criacutetica ao direito para pensar uma outra eacutetica possiacutevel eu acho que aProfordf Nadja acertou quando falou em uma outra cidadania possiacutevel talvez umaoutra cidadania um outro homem ou uma outra consciecircncia natildeo sei eu aindanatildeo tenho clareza sobre issoMas a ideacuteia da vida como obra de arte tambeacutemquer dizer a questatildeo esteacuteticaesteacutetica que natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo eacute precisocolocar que a esteacutetica natildeo eacute o lugar da alienaccedilatildeo natildeo eacute o lugar do vazio existeum valor poliacutetico e de engajamento na esteacutetica tambeacutem inclusive natildeo eacute por acasoque o Glauber Rocha estaacute aqui aqui tem tambeacutem o Eles natildeo usam black-tie queeacute o filme que vai ser exposto daqui a pouco tem o Terra em Transe quer dizer aesteacutetica tem o valor poliacutetico de engajamento e de contestaccedilatildeo tambeacutem Portanto aideacuteia de uma outra eacutetica de uma esteacutetica foi nesse sentido nessa linha mais oumenos de mostrar uma poliacutetica que natildeo eacute da matriz marxista e nem de uma outralinha mas uma poliacutetica nietzscheana um outro tipo de poliacutetica uma outra formade se engajar eu acho foi mais ou menos nesse sentido

O que se calou Talvez pelas perguntas e para onde rumou a discussatildeo como eunatildeo iniciei a defesa abrindo ela com uma apresentaccedilatildeo do trabalho eu comecei jaacutetendo que responder a Profordf Acircngela isso num certo sentido atrapalhou minhaordem mental se eacute que havia alguma deveria improvisar totalmente e por oacutebvioalgumas coisas escaparam o que poderia ter sido dito natildeo foi Por exemplo eu

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deixei de mencionar em detalhes os aspectos relativos ao ldquodireito como produto doesclarecimentordquo ldquoo crepuacutesculo do direitordquo e a ldquoaurorardquo isso natildeo foi mencionadoapenas eacute sutilmente inferido quando eu falo do templo como mausoleacuteu A menccedilatildeoao Glauber Rocha eacute por causa do trabalho que apresentei em Montevideacuteo em queexplorei o cinema para falar de um direito engajado o mesmo com o Eles natildeousam black-tie que no mesmo dia logo que sai da banca natildeo deu muito tempopara comemorar eu jaacute estava na sala da poacutes para acompanhar a exibiccedilatildeo do filmee ajudar a debatecirc-lo fui indicado pelo grupo PET onde participei como voluntaacuteriopara compor a mesa junto da Profordf Luciana do curso Positivo Felizmenteocorreu tudo bem o debate foi excelente Agora tambeacutem escrevo depois de jaacute terido para o Rio Grande do Norte foram trecircs dias de viagem trecircs para ir e trecircs paravoltar a experiecircncia em Natal foi maravilhosa a recepccedilatildeo do trabalho foi boadefendi laacute a minha monografia de novo soacute que para o puacuteblico da filosofiaNovamente tal como descrito na USP me lancei na aventura sem saber onde iaficar e como ficar natildeo conhecia ningueacutem e acabei sendo muito bem acolhido laacute

Profordf Nadja Vocecirc fala foi uma marca freudiana ele natildeo contar quem ele liaAssim eacute difiacutecil vocecirc saber quais foram os filoacutesofos que embasaram algumaspessoas acreditam que mais Schopenhauer do que Nietzsche mas ele disse quenatildeo lia ningueacutem ateacute mesmo para natildeo se contaminar com as ideacuteias e ele queriadeixar a cabeccedila dele livre para construir a sua proacutepria teoria O que eu acho quenatildeo era bem assim porque ele era um leitor aacutevido uma pessoa extremamenteculta entatildeo certamente eu acho que a participaccedilatildeo do Nietzsche na obra deledeve ter sido bem maior do que ele falou Mas Leandro eu acho que tambeacutem temum outro aspecto que a gente deve levar em conta como vocecirc jaacute disse datemporalidade entre os dois de ser muito proacutexima e o solo germacircnico tambeacutem deser o mesmo solo em que eles se formaram eu acho que por isso mesmo temasque perpassam os dois autores neacute Temas que os dois se deparam se dedicame de formas diferenciadas porque Freud eacute antes de tudo um sistemaacutetico emboraele traga a ideacuteia de um sistema inconsciente em que a loacutegica cartesiana natildeo eacute aloacutegica que sustenta e organiza os processos inconscientes Ele no entanto foi umracionalista do iniacutecio ao fim Ele tentou da melhor forma possiacutevel sistematizar asubjetividade mesmo Mas acho que alguns temas vatildeo ultrapassar ou entrelaccedilaros dois E eu li algumas coisas aqui em relaccedilatildeo ao instinto e ao corpo e a relaccedilatildeocorpo e psique que eacute trabalhada em Freud o tempo todo a partir natildeo de umaloacutegica cartesiana dualista ele traz uma outra perspectiva e eu acho me pareceque Nietzsche tambeacutem vai abordar isso E a questatildeo tambeacutem da transformaccedilatildeo doinstinto se eacute que a gente pode dizer isso e o conceito de pulsatildeo em Freudaparece assim eacute a ruptura do homem com algo natural instintivo e que produzuma outra forma de subjetivaccedilatildeo e de estar no mundo Entatildeo eu acho que odualismo a posiccedilatildeo traacutegica do homem como vocecirc traz no Mal Estar naCivilizaccedilatildeo Freud constata isso que natildeo parece ser uma postulaccedilatildeo pessimistamas traacutegica mesmo no sentido de vocecirc ter que padecer desse mal estar dessadivisatildeo desse resto que eacute impossiacutevel de ser superado mas por isso mesmovocecirc tem que viver e transformar o mundo Entatildeo eu acho assim a gente podetomar alguns temas que perpassam os dois mas acho que tambeacutem por contadessa proximidade geograacutefica e temporal era o que se pensava na eacutepoca era o

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que estava a ser pensado natildeo apenas atraveacutes da Lou natildeo apenas por isso maspor serem dois pensadores igualmente preocupados com o que eles estavamvivenciando Acho bacana vocecirc pensar nisso tambeacutem neacute Mas e a questatildeo daloucura que vocecirc esbarra aiacute em Freud quando ele diz assim que o Nietzsche natildeoeacute louco porque ele traz uma sistematizaccedilatildeo dos livros dele daquilo que ele lecirc eargumenta de uma maneira bastante soacutelida o que ele quer Mas a questatildeo daloucura na psicanaacutelise eacute muito difiacutecil tambeacutem de a gente pontuar o que que eacute aloucura ou a sanidade eu acho que eacute o solo mesmo da psicanaacutelise quando elarompe com essa dicotomia e rompe de uma forma positiva que eacute aquela que eutentei te falar no iniacutecio de vocecirc sustentar a loucura sustentar um pensamentodiferenciado e a potecircncia dessa possibilidade de construccedilatildeo Freud eu acho temuma forma beliacutessima de nos apresentar conceitos determinados movimentospsiacutequicos que ele quer porque ele vai ao extremo da paranoacuteia por exemplo paradizer assim em algum lugar todos noacutes somos paranoacuteicos e ele mostra isso deuma forma imensa de uma forma assim que vocecirc natildeo escapa de produzir umnuacutemero de movimentos paranoacuteicos em determinados graus e tudo omaisEnfim mas ele faz essa passagem de algo que seria considerado comopatoloacutegico para mostrar que de perto de perto todos noacutes somos um poucopatoloacutegicos eacute soacute uma questatildeo de ver uma questatildeo que sempre nos escapa Oque eu acho bacana de ver tudo isso eacute mas enfim era isso

Prof Luis Fernando Muito obrigado Professora

Profordf Nadja Eu que agradeccedilo

Prof Luiacutes Fernando Professor Serbena por favor

Prof Serbena Posso falar daqui jaacute que eacute para quebrar a formalidade (risos)

Prof Luiacutes Fernando Natildeo (risos) Mas aiacute vocecirc natildeo vai sair bem na foto

Prof Serbena Boa tarde a todos alunos amigos colegas natildeo sei se algumfamiliar do Leandro Profordf Nadja Profordf Acircngela Prof Luiacutes Fernando tambeacutemquero agradecer ao Leandro pelo convite Essa eacute a uacuteltima oportunidade neacuteLeandro Que tenho de fazer algumas observaccedilotildees para vocecirc no teu trabalhodentro da histoacuteria acadecircmica vou procurar convencecirc-lo novamente de algo que jaacutetinha dito para vocecirc mas vou tentar talvez ser mais preciso e acho que emalgum sentido as coisas jaacute comeccedilaram a melhorar comeccedilando pelo teu cartazvocecirc teve a ousadia de apresentar esse cartaz que parece o de um aluno daoitava seacuterie (risos) no Evinci

Leandro O de baixo o de baixo

Prof Serbena Acho que jaacute melhorou a apresentaccedilatildeo do cartaz no uacuteltimocongresso

Leandro Eacute que o outro foi pago pela universidade mesmo foi pago pela

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universidade o de cima o de cima (risos)

Prof Serbena Ah ok mas jaacute melhorou esse eacute um ponto positivo Satildeo raacutepidas asobservaccedilotildees sobre o seu trabalho Como vocecirc fala muito de metodologia vocecirc dizaqui na paacutegina sessenta e seis por que ler Nietzsche no direito O trabalhocientiacutefico eacute puacuteblico quando vocecirc escreve escreve para um leitor universal entatildeonatildeo haacute problema em lertenho que confessar que por muito tempo natildeo tiveresposta para essa pergunta ardilosa por que ler Nietzsche no direito pois feitapor aqueles que no acircmbito da pesquisa acadecircmica estatildeo de tal modo refeacutens dospadrotildees da metodologia de pesquisa que se daacute por recortes secccedilotildees quesempre essa pergunta me pareceu uma armadilha Um modo de voltar ametodologia do recorte como uma acusaccedilatildeo da ausecircncia total de criteacuterio deponto de partida e de chegada ou pior uma acusaccedilatildeo de que Nietzsche por todaa longa carta de imputaccedilotildees jaacute lida eacute um autor sem qualquer serventia para umapesquisa acadecircmica no campo do Direito E vocecirc diz mais abaixo aqui Se minhasituaccedilatildeo jaacute estava complicada perante os acusadores da razatildeo acadecircmicaagora que desandou mesmo assim como trabalhar como advogado de Nietzschenessa causa dos estelionatos cometidos contra ele sendo que natildeo levaratildeo feacuteem meus argumentos natildeo soacute porque natildeo sou advogado mas tambeacutem porque natildeosou ainda nem bacharel em direito e dependo que esse trabalho seja aprovadopara me diplomar Aiacute vocecirc continua com esse raciociacutenio Dessa forma queesperanccedilas ter na aprovaccedilatildeo de um trabalho que natildeo tem ponto de partida e dechegada na razatildeo acadecircmica natildeo tem tema natildeo tem recorte epistemoloacutegiconatildeo tem pertinecircncia juriacutedica pois se trata de uma monografia de conclusatildeo decurso de Direito e natildeo de filosofia com o f minuacutesculo um saber menor na loacutegicado ldquocompartimento universitaacuteriordquo ainda mais com Nietzsche esse louco quenatildeo fala nada com nada Ainda se fosse Filosofia do Direito mas nem isso Esseeacute o meu vaticiacutenio sobre o que diratildeo os acusadores felizes por achar umacondenaccedilatildeo faacutecil a esse trabalho dentro da sua razatildeo acadecircmica Bem vocecircescreveu isso esperando um tipo de professor como eu jaacute disse para vocecircfelizmente vocecirc natildeo conviveu e natildeo foi orientado por esses professores que tenhatalvez uma visatildeo mais estreita do que seja metodologia cientiacutefica ou metodologiade trabalho cientiacutefico Eu vou dizer vou tentar mostrar para vocecirc que eu natildeoconcordo inclusive com essa visatildeo que vocecirc tem de metodologia vocecirc tem umavisatildeo muito estreita de metodologia a metodologia natildeo vai estreitar ouimpossibilitar vocecirc fazer um trabalho de interpretaccedilatildeo de exegese sobre oNietzsche na aacuterea de direito Vocecirc fala em muitas passagens de sua monografiaque Nietzsche natildeo eacute lido no direito e etc eu acho que vocecirc poderia ser maispreciso na tua afirmaccedilatildeo o que talvez vocecirc quer mencionar eacute que Nietzsche natildeo eacutelido na faculdade de direito da UFPR ou natildeo eacute muito lido deveria ser maisestudado etc Entatildeo vocecirc deveria trocar essas afirmaccedilotildees e especificar melhor Ecreio que na filosofia do direito fora do Brasil natildeo existe essa Nietzsche eacute umfiloacutesofo jaacute digamos assim um filoacutesofo claacutessico ningueacutem vai questionar alegitimidade de um trabalho sobre Nietzsche Entatildeo se vocecirc for na biblioteca temum perioacutedico que eacute um perioacutedico de filosofia do direito francecircs satildeo vaacuterios anos ehaacute tomos publicados anualmente em que vocecirc vai encontrar artigos sobre oNietzsche na biblioteca tambeacutem tem cadernos de filosofia do direito um perioacutedico

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italiano em que tambeacutem vocecirc vai encontrar trabalhos sobre a filosofia doNietzsche Entatildeo eu queria dizer para vocecirc que pode parecer que vocecirc estaacutesendo o primeiro pela primeira vez vocecirc estaacute trazendo Nietzsche para o Direitomas essa perspectiva eacute ainda um pouco limitada dentro da filosofia do direitohoje natildeo falando totalmente mas no plano mais universalista internacional deoutros paiacuteses de outras universidades Nietzsche eacute um filoacutesofo sobre o qual muitose escreveu muito se escreveu sobre o seu impacto inclusive no direito Mas euvou tentar lhe falar tambeacutem um pouco sobre metodologia e vou usar umametaacutefora para explicar para vocecirc o que eu quero dizer laacute no curso de Letras seestuda muita coisa mas digamos que eles estudem o realismo fantaacutestico ou oteatro do absurdo mas nem por isso quando vocecirc estuda o teatro do absurdovocecirc pode ser sem sentido toda histoacuteria e narrativa tem comeccedilo e fim sem issovocecirc natildeo conhece os personagens natildeo sabe em que contexto eles estatildeo umexemplo disso eacute a peccedila esperando Godot Mas nem por isso se vocecirc vai fazerum trabalho sobre o esperando Godot vocecirc vai fazer um trabalho absurdo Vocecircnatildeo pode fazer um trabalho de monografia sobre o teatro do absurdo semcomeccedilo meio e fim E ou seja eu natildeo sou especialista na criacutetica literaacuteria masquando vocecirc um estudo acadecircmico universitaacuterio sobre um autor de literaturaexiste alguns cacircnones da metodologia utilizados entatildeo quando vocecirc vai estudaressas peccedilas ou esses autores se usa metodologia cientiacutefica Acho que vocecirc sedeixou contaminar pelo teu objeto de estudo e o teu trabalho traz traccedilos dafilosofia do Nietzsche acho interessante soacute que eu acho que vocecirc poderia ir maislonge usando metodologia cientiacutefica como vocecirc fez aqui no seu cartaz um cartaztecnologicamente superior ao cartaz primitivo te permite que vocecirc vaacute mais longeEntatildeo estudando Nietzsche sobre uma outra perspectivavocecirc consegue ir maislonge do que essa paixatildeo pelo Nietzsche Agora natildeo veja as minhas palavras eunatildeo quero matar a sua paixatildeo o seu entusiasmo pelo Nietzsche que eacuteextremamente positivo Mas para terminar olha a Profordf Nadja eacute da psicologia elida a todo momento com a loucura ou com a doenccedila mental etc etc e satildeodoenccedilas com as quais tambeacutem haacute um tratamento metodoloacutegico neacute Existemvaacuterias correntes na psicologia psicologia transpessoal sistecircmica analiacutetica vaacuteriastaacute mas ainda assim quando se estuda a loucura existe para o psicanalista opsicoloacutego psicoterapeuta estudam do ponto de vista metodoloacutegico existe umaapreensatildeo metodoloacutegica Soacute para terminar por exemplo os antropoacutelogos quandofazem um trabalho de pesquisa dissertaccedilatildeo tese eles tambeacutem fazem com essaradicalidade que vocecirc experimentou o antropoacutelogo vai para o campo e o trabalhode campo eacute ele mesmo ele se despe de toda a sua cultura e vai tentar viver eaprender por exemplo a liacutengua de uma determinada comunidade indiacutegena natildeosoacute isso mas usa tambeacutem substacircncias entorpecentes para entender essa culturaE ainda assim existe meacutetodo O antropoacutelogo mergulha numa determinada culturaele vai e depois ele volta e depois que ele volta ele consegue relatar e transporisso para o discurso antropoloacutegico e tambeacutem tem uma metodologia Vocecirc citouLevi-Strauss ele eacute de uma das correntes uma antropologia dita estruturalistaEntatildeo quero dizer para vocecirc que natildeo daacute para abrir matildeo vocecirc foi contaminado porNietzsche e gostaria de dizer que eacute preciso lapidar vocecirc foi contra a metodologiaclaro mas a metodologia na verdade natildeo trabalha contra mas a favor de vocecircAteacute entendo que haveria professores que iriam reprovar o teu trabalho como pode

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ser que houvesse mas vocecirc teve natildeo sei se sorte ou conduziu por esse ladoprofessores que conseguem analisar a sua perspectiva Mas eu creio na filosofiaa filosofia permite vocecirc fazer esse tipo de especulaccedilotildees e eu diria para vocecircamadurecer metodologicamente eacute preciso que vocecirc faccedila isso Vocecirc jaacute estaacutefazendo por que vocecirc tem pontos que vocecirc chegou e que poucas pessoaschegam na universidade vocecirc tem curiosidade intelectual vocecirc tem autonomiaintelectual vocecirc vai atraacutes dos livros etc dos professores vocecirc consegueestabelecer contato vocecirc participa de congressos vocecirc tambeacutem escreve artigosisso eacute fundamental Eu disse para vocecirc tudo isso que vocecirc estaacute fazendo eacutemetodologia o fazer acadecircmico com o qual vocecirc pode traduzir essa paixatildeo quetem por Nietzsche mas ela tem que ser racionalizada Vocecirc natildeo pode transformara sua monografia num ato de coragem acadecircmica e cutucar o perigo com varacurta daqui a pouco vocecirc estaacute defendendo a monografia na beira da janelaporque eacute mais perigoso entatildeo toma cuidado Ou seja metodologia acho quevocecirc ainda natildeo usou natildeo eacute essa metodologia que vocecirc apontou metodologia seestuda se escreve vocecirc estaacute nesse processo Esse eacute um conselho que estou lhedando vocecirc pode ir mais longe pode continuar na carreira acadecircmica utilizandometodologia Essa eacute a primeira observaccedilatildeo que eu gostaria de fazer a segunda eacuteque o teu texto traduz um pouco a tua maneira de falar entatildeo eu anotei aqui umacertase o Prof Vieira estivesse aqui vocecirc iria provar do remeacutedio porque o ProfVieira lecirc linha por linha e corrige vocecirc corrige o texto todas as viacutergulas quefaltam etc Eu comecei a fazer isso na paacutegina trecircs entatildeo eu vou soacute rapidamentemencionar um natildeo sei vocecirc eacute consciente disso neacute Natildeo preciso mencionar neacuteOlha vocecirc escreve aquiquando perguntei sobre quem era Nietzsche ao meuProfessor de Filosofia do ensino meacutedio ponto vocecirc colocou viacutergula ele natildeo merecomendou a sua leitura por ser um filoacutesofo que enlouqueceu e que leva quem olecirc a loucura tambeacutem vocecirc colocou viacutergula eacute ponto tambeacutem e faltou um acraseado Vocecirc passa os pontos finais vai emendando uma frase na outra Vocecirccita o Nikos Kazantzaacutekis e comeccedila a falar dele e perde o raciociacutenio da frase emque vocecirc havia comeccedilado Entatildeo eu acho que vocecirc tambeacutem deveria fazer ou darpara uma outra pessoa fazer daacute para analisar melhor a linguagem escrever commais cuidado Ler a frase que vocecirc fez e construir ela de modo gramaticalmentecorretoEacute o que mais olha aqui uma observaccedilatildeo de cunho filosoacutefico e se natildeouma provocaccedilatildeo vocecirc eacute um leitor que defende Nietzsche apaixonadamente masdo ponto de vista filosoacutefico Nietzsche natildeo concordaria em vocecirc o defender assimvocecirc vem estudando Nietzsche a um bom tempo em filosofia vocecirc tem que ler osautores e depois ler outros autores tambeacutem Entatildeo eu acho que do ponto de vistada filosofia o que vocecirc faz com Nietzsche estuda profundamente vocecirc tem quefazer com todos os filoacutesofos com Tomaacutes de Aquino Santo Agostinho natildeo terpreconceito fazer com Heidegger com Kant com Hegel enfim aiacute vocecirc conseguecolocar os filoacutesofos numa perspectiva da histoacuteria da filosofia porque eu creio queo proacuteprio Nietzsche natildeo concorda com o argumento de autoridade eu creio que oteu trabalho acaba quando vocecirc trabalha soacute com o Nietzsche ou os inteacuterpretescomo o Foucault vocecirc estaacute lendo a perspectiva francesa do pensamento acercade Nietzsche mas existem outras perspectivas e vocecirc eacute consciente disso aiacute paradar um passo aleacutem eacute preciso talvez ler alguns autores em outras liacutenguas paravocecirc dar um salto Eu sei que vocecirc estaacute dando jaacute um salto vocecirc sai aqui de

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Curitiba e vai para o Uruguay vai para a Amazocircnia etc e intelectualmentetambeacutem precisa dar esse salto entatildeo eacute preciso abandonar a liacutengua de origem emesmo que a gente natildeo tenha estudo tentar ler em francecircs em inglecircs emitaliano em alematildeo e na medida do possiacutevel dar esses saltos E com umaobservaccedilatildeo que jaacute fiz a vocecirc a filosofia que se faz no Brasil eacute muito influenciadapela filosofia que eacute feita na Franccedila a escola de filosofia da USP foi umacontinuaccedilatildeo do departamento francecircs eles iam nas grandes universidades daFranccedila e ofereciam dinheiro para que viessem para a USP o departamento defilosofia da USP era quase que todo formado por franceses Entatildeo a filosofia quese espalha pelo paiacutes atraveacutes da USP tem um cunho francecircs mas natildeo eacute a uacutenicafilosofia possiacutevel e laacute no departamento da USP sempre tem um professor que eacuteespecialista num determinado filoacutesofo por exemplo vocecirc conhece a ScarlettMarton ela eacute a filoacutesofa oficial do Nietzsche aiacute vocecirc natildeo bem nenhum outroprofessor escrevendo sobre Nietzsche porque eacute de outro departamento O que eugostaria de te dizer eacute que em geral isso eacute contra o espiacuterito do filoacutesofo em filosofiaos filoacutesofos natildeo tem dono E as autoridades que se tem em filosofia as vezes natildeofaz muito sentido e aiacute eu acho aiacute eacute uma provocaccedilatildeo que te faccedilo eacute preciso comoa Profordf Acircngela citou um choque da filosofia analiacutetica que eacute uma das filosofiastambeacutem possiacuteveis quando Nietzsche fala e escreve aqui por aforismas etc eupara mim tenho um pouco de reserva com isso porque para mim o autor comeccedilaa se tornar obscuro e na obscuridade a gente natildeo entende claramente as coisasEntatildeo seria interessante talvez vocecirc rever isso tambeacutem que as vezes o teu textopode passar uma ideacuteia de uma certa obscuridade que na verdade nametodologia a gente tem que evitar o proacuteprio Nietzsche numa passagem diz quea pessoa que tem uma intelectualidade pouco profunda ela escreve textosdifiacutecieis porque daiacute as aacuteguas satildeo turvas e parecem profundasEntatildeo eu prefiroas aacuteguas claras mesmo que sejam rasas Mas aiacute eacute um embate que eu diria queestaacute acima do teu trabalhoMas enfim eu te falei da metodologia aiacute vocecirc vecirc seisso te serve ou natildeo se vocecirc prefere ser contra a metodologia mas vejo que temuma visatildeo estreita de metodologia E agora tambeacutem eacute preciso uma uacuteltimaobservaccedilatildeo que eacute vocecirc ancorar o seu trabalho no direito A banca parece muitomais de um curso de filosofia do que de um curso de direito Entatildeo natildeo quero tequer dizer que vocecirc tenha que escrever sobre direito mas a gente estaacute dentro deuma faculdade de direito entatildeo vocecirc natildeo pode abandonar completamente o temaCreio que vocecirc natildeo abandonou vocecirc discute aqui justiccedila discute eacutetica discuteestado esses temas satildeo temas da filosofia do direito natildeo vejo problema algumem relaccedilatildeo a isso agora vocecirc poderia ter utilizado os filoacutesofos do direito aiacute satildeoos claacutessicos Kelsen Hart Bobbio tem vaacuterios Dworkin O proacuteprio Kelsen nessetema da justiccedila se aproxima muito do Nietzsche ele natildeo acreditava num conceitode justiccedila creio que o combate era mais ou menos parecido com o combate doNietzsche contra as visotildees estaacuteticas naturalistas religiosas acerca do direitoEntatildeo eu diria para vocecirc olha se vocecirc tivesse feito um trabalho trazendo osfundamentos filosoacuteficos nietzscheanos dentro da obra de Kelsen seria umexcelente trabalho Seria uma maneira de ancorar o teu trabalho dentro de umaperspectiva mais proacutexima do direito Mas eu digo isso com uma reserva soacute paradizer para vocecirc que a filosofia do direito precisa dessa interiorizaccedilatildeo se natildeo vocecircfica num discurso puramente filosoacutefico para mim natildeo tem problema nenhum em

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vocecirc escrever sob o ponto de vista estritamente filosoacutefico ou por exemplo sobreas relaccedilotildees entre Freud e Nietzsche mas a monografia ela eacute juriacutedica e seriapreciso ancorar melhor seu trabalho dentro do direito eu acho que faltou essaancoragem Entatildeo eu quero parabenizar vocecirc pelo seu trabalho quero dizer quevocecirc deve continuar com a sua paixatildeo concordo com vocecirc que no Brasil noacutestemos um certo marxismo que diz aqui acho que isso eacute um pouco de preconceitoque eacute o marxismo de tecircnis importado diria que no Brasil aqui existe o marxismode cobertura um marxismo de zona sul e a classe meacutedia brasileira natildeo estaacutedisposta a abrir matildeo de muitos de seus privileacutegios porque ela vive as vezes emcondiccedilotildees ateacute superiores ao de muitos paiacuteses ditos desenvolvidose eu concordocom vocecirc E pela sua histoacuteria pelo seu perfil no fundo vocecirc eacute um vencedor queconseguiu superar inuacutemeras dificuldades e diria para vocecirc que a filosofia eacute umcampo difiacutecil nada eacute faacutecil e vocecirc assim como vocecirc gosta bastante de Nietzschedigo que eacute preciso diversificar um pouco os seus autores e eacute uma maneira deprogredir em filosofia Entatildeo eu sou um pouco ceacutetico eu natildeo tenho filoacutesofopreferido eu gosto de Nietzsche mas natildeo daacute para levar a seacuterio e tentar aplicartudo o que Nietzsche escreve se natildeo inviabiliza muitas coisas como vocecirc mesmodiz em um ato de coragem correr o risco de inviabilizar a sua proacutepria monografiaMas ela natildeo vai ser inviabilizada e nem vamos te transformar num maacutertiracadecircmico e transformar a sua histoacuteria numa trageacutediaIsso natildeo acontece porqueeu e o Prof Luiacutes Fernando jaacute te conhecemos e vocecirc vem progredindo mas eucreio que vocecirc tem que usar a metodologia a seu favorSobre o ponto de vista daobra de Nietzsche eu natildeo poderia dar muitas contribuiccedilotildees porque faz muitotempo que eu natildeo leio NietzscheMas como vocecirc fez vocecirc transformouNietzsche num reacuteu no fundo ele natildeo eacute reacuteu ele eacute um intelectual claacutessico jaacute e ofato dele natildeo ser estudado no direito eacute uma limitaccedilatildeo local mas isso eacute aqui emoutros lugares natildeo eacute assim entatildeo Nietzsche natildeo eacute reacuteu vocecirc natildeo tem toda essatodo esse caso que vocecirc trouxe aqui essa relaccedilatildeo que vocecirc quermencionarmas eu acho que isso faz parte do teu progresso intelectual e etcSatildeo essas as observaccedilotildees que eu gostaria de fazer para vocecirc e mais uma vez teparabenizar pelo trabalho

O que se calou Seraacute que Nietzsche gostaria que eu o defendesse assim Bemeu jaacute disse que escrevi o trabalho e fui laacute para me defender a Profordf Nadjapercebeu isso E isso eacute parte da honestidade que confessei durante todo otrabalho para defender Nietzsche deveria me colocar na frente dele para receberas pancadas deveria me colocar no processo tambeacutem como um reacuteu cumprindoaiacute um duplo papel sendo aquele reacuteu que faz uma autodefesa como nos filmesque citei Tambeacutem natildeo escrevo de modo obscuro pelo menos eu acho quem estaacuteme lendo agora que o diga tambeacutem eu procuro ser claro e conciso sem perder oconteuacutedo da discussatildeo como recomendava o proacuteprio Nietzsche ao falar de simesmo ldquoeu escrevo em dez frases o que os outros escrevem num livro ou o quenatildeo escrevem num livrordquo Quem tinha a fama de ser um filoacutesofo obscuro eraHeidegger que em Ser e Tempo apresenta uma linguagem analiacutetica exaustiva eque vai ao fim da vida adotar um estilo muito proacuteximo ao de Nietzsche isso euexplico no trabalho Deixei tambeacutem claro que existia uma metodologia antes fizuma caricatura da metodologia e da forma que se adota e se estima nos trabalhos

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acadecircmicos de direito fiz isso para criticar evidentemente O trabalho tem temasoacute que esse tema eacute uma pergunta aiacute cabe quem ler aqui tambeacutem dizer seraacute quenatildeo eacute mais honesto ter uma pergunta como tema Natildeo eacute mais coerente ter apergunta E haacute introduccedilatildeo soacute que natildeo eacute a usual eacute um proacutelogo em que faccedilo umexerciacutecio de sobrevocirco por todo o trabalho como aponta Foucault no teatrofilosoacutefico ldquoldquoPois Foucault mostrava que todos os bons movimentos em Nietzsche se fazem dealto a baixo a comeccedilar pelo movimento da interpretaccedilatildeo Tudo o que eacute bom tudo o que eacutenobre participa do vocirco da aacuteguia natildeo estaacute a prumo e desce E os lugares baixos natildeo satildeoefetivamente interpretados senatildeo quando eles satildeo investigados isto eacute atravessados apresentadossob outro aspecto e retomados por um movimento que vem do altordquo p 22Haacute tambeacutem desenvolvimento e ele se daacute por um constante perguntar ereperguntar e uma conclusatildeo que se daacute pelo cruzamento de minha biografiapessoal e acadecircmica Como Nietzsche eacute um autor natildeo lido pelo direito ou porgente do direito e isso eu jaacute expliquei tambeacutem eacute no plano nacional e no dasproduccedilotildees livros trabalhos etc que falo Era preciso desenvolver o trabalho como Nietzsche e tendo sim outras vozes eu natildeo deixei de diversificar oscomentadores de Nietzsche no meu trabalho estatildeo como testemunhas de defesajaacute que o protagonista eacute Nietzsche estatildeo Foucault Deleuze Derrida AgambenLevi-Strauss Giacoacuteia Jr entre outros Natildeo eacute um trabalho de uma voz soacute e nemcoloco Nietzsche num altar como um santo natildeo quero no trabalho me colocarcomo disciacutepulo do Nietzsche com uma biacuteblia na matildeo querendo converter a todosEu me coloco como companheiro na frente dele isso deixei claro tambeacutem ao falardo colapso de Turim Eu desconheccedilo possiacuteveis relaccedilotildees de Kelsen comNietzsche jaacute que esse autor eacute antes de tudo um dos expoentes do positivismojuriacutedico e influenciado por Kant jaacute que um dos seus postulados mais conhecidos eacuteo da ldquonorma fundamentalrdquo que se assemelha ao imperativo categoacuterico kantiano eisso eu menciono no meu trabalho sutilmente para justamente combater comoabstracionismo da metafiacutesica

Leandro Eacuteeu tenho que agradecer ao Prof Serbena tambeacutem porque o ProfSerbena me deixou este ano trabalhar a iniciaccedilatildeo cientiacutefica e trabalhar a monitoriacontigo quer dizer o Prof Serbena viabilizou que este estudo fosse possiacutevel asviagens que eu fiz Fui para a USP apresentei trabalho na USP fui paraMontevideacuteo semana passada vou para o Rio Grande do Norte daqui a duassemanas quer dizer sempre com o apoio da universidade e graccedilas ao fato dereceber bolsa para pesquisar Se natildeo recebesse bolsa para pesquisar eu teria queestagiar me vincular a algum lugar que fosse meio periacuteodo ou que fosse integrale natildeo teria como viajar natildeo teria nem como iniciar um estudo desse porte natildeoteria meios natildeo teria ferramentas e natildeo teria tempo para fazer os estudos efrequumlentar bibliotecas Eu tenho que agradecer tambeacutem ao Prof Serbena porqueadvogou tambeacutem a minha bolsa eu natildeo tinha mais bolsa porque a universidadeparece que natildeo ia conceder porque parece que havia limitaccedilatildeo de recursos e daiacutehouve um problema burocraacutetico e o Prof Serbena ligou e intermediou a relaccedilatildeoquer dizer foi graccedilas a isso que eu tive condiccedilotildees de fazer esse trabalho e mededicar o uacuteltimo ano de faculdade a pesquisa e as atividades acadecircmicasQuanto a questatildeo metodoloacutegica que o professor colocou a filosofia do direito eutomo cuidado ao colocar no meu trabalho que o objetivo natildeo eacute olhar o direito com

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ldquodrdquo maiuacutesculo o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo o que eacute o direito com ldquodrdquo maiuacutesculo senatildeo eacute o direito que eu procuro caracterizar como o direito da modernidade eu citoPaolo Grossi por recomendaccedilatildeo do Prof Luiacutes Fernando para caracterizar melhoresse direito da modernidade direito que tem a lei como fonte absoluta e recusatodas as outras eacute um direito do absolutismo juriacutedico eacute um direito que se colocacomo saber superior as outras ciecircnciasEntatildeo o meu trabalho para fazer essediaacutelogo interdisciplinar para poder conversar com a professora da psicologia comtodos os outros eu precisava colocar o direito como mais um saber operaacuteriocomo mais um saber operaacuterio entatildeo tirar o direito de uma condiccedilatildeo absolutaacima das outras ciecircncias para colocar o direito como um saber operaacuterio ao ladodos outros para poder dialogar com os outros Portanto a passagem que o ProfSerbena leu eacute uma passagem que eu vou desenvolvendo para chegar nessaconclusatildeo nessa afirmativa o objetivo do trabalho eacute fazer filosofia do direitosimsoacute que direito com ldquodrdquo minuacutesculo o direito como mais um saber operaacuterio quese relaciona com os outros saberes Quer dizer esse foi o objetivo e o trabalhoparte de uma contestaccedilatildeo metodoloacutegica quando eu estou contestando ametodologia eu estou contestando um tipo de metodologia eu estou contestandouma forma de proceder dentro da academia que eacute justamente a tradiccedilatildeo Atradiccedilatildeo acadecircmica exige na maioria das vezes trabalhos que satildeo verdadeirasfichas de leitura vocecirc pega um artigo do coacutedigo processual civil o CPC e vocecircficha na visatildeo de quatro ou cinco autores e esse eacute o trabalho monograacutefico eacute otrabalho monograacutefico feito como obrigaccedilatildeo como desencargo Em nenhummomento eu tomei isso como obrigaccedilatildeo ou como desencargo eu queria criticaresse tipo de trabalho que eacute um trabalho de coleta doutrinaacuteria jurisprudencial oulegislativa eu quis fazer uma outra coisa como colocou a Profordf Nadja umtrabalho marginal de alteridade Portanto necessariamente deveria ser umacriacutetica a metodologia tal como a gente conhece tradicionalmente dentro do cursode direito neacute Natildeo que eu negue por completo a metodologia Teve um outrotrabalho meu que eu apresentei na banca de ingresso ao PET eu faccedilo parte doPET Direito aqui na faculdade que eacute um grupo de pesquisa aqui do direito equando eu apresentei esse trabalho que era sobre a biopoliacutetica de Foucault euapresentei um trabalho que natildeo tinha paraacutegrafo natildeo tinha espaccedilamento haviaobjetivo plano de trabalho mas natildeo tinha nem paraacutegrafo (comoccedilatildeo espanto) eeu submeti perante a banca esse sim era um trabalho completamente semmetodologia era um trabalho inclusive difiacutecil de ler porque a fonte era uma fontereduzida (mais comoccedilatildeo e espanto) Eu fiz issotalvez por uma certa ingenuidademinha nunca tinha feito pesquisa antes nunca tinha feito um projeto antesInclusive no mesmo dia em que eu entrei pela primeira vez no teu grupo deestudos (grupo da Profordf Nadja) foi o dia em que eu defendi e fui aprovado laacute nogrupo porque o Prof Celso Ludwig que eacute professor da casa a quem agradeccedilotambeacutem no trabalho porque me ofereceu espaccedilo no grupo de estudos dele e aProfordf Vera Karam que eacute vice-diretora da faculdade hoje que tambeacutem agradeccediloporque esteve comigo no Sajup e no grupo de direito e literatura os dois deramparecer favoraacutevel ao meu trabalho quer dizer mesmo assim elescompreenderam que o conteuacutedo era mais importante do que a forma e naquelemomento eles deram parecer favoraacutevel quer dizer eu poderia ter sido reprovadona banca do PET e fui aprovado felizmente porque foi no PET que eu comecei a

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aprender a fazer pesquisa aprender a desenvolver melhor a curiosidadeintelectual neacute Inclusive esse trabalho tem a formataccedilatildeo tem paraacutegrafo temespaccedilamento quer dizer eacute um trabalho que eacute mais inteligiacutevel

Prof Serbena Natildeo era para ter isso

Leandro Natildeo Natildeo Natildeoaquele deveria ter tambeacutem e natildeo tinha aquele estavacompletamente fora de qualquer metodologia possiacutevel natildeo seguia regra nenhumada ABNT esse aqui ainda segue algumas regras (risos)

Prof Serbena Mas natildeo precisava ser assim

Leandro Entatildeo professor eu soacute dei um exemplo para tentar problematizar umpouco eacute que eu quero dizer que tem uma metodologia aqui quando eu falo noLevi-Strauss por exemplo quando falo no rizoma do Deleuze eu estou dizendo euestou apontando para metodologias Satildeo metodologias que eu tentei a do Levi-Strauss tentei torcer um pouco e me apropriar dela porque eacute uma metodologiaestruturalista ainda a do Deleuze natildeo a do Deleuze era mais simples

Prof Serbena Vocecirc pode fazer assim soacute que eacute mais difiacutecil e quando vocecirc fazer eusar o Deleuze ou o Levi-Strauss vocecirc vai ter que fazer um trabalho de extensaargumentaccedilatildeo para justificar porque vocecirc estaacute introduzindo aquele meacutetodo ouporque vocecirc estaacute criticando aquele meacutetodo entende Vocecirc natildeo consegue fazerem duas ou trecircs paacuteginas isso fazer isso eacute muito difiacutecil eacute muito difiacutecil eu concordoque pode fazer mas discordo um pouco da maneira como eacute feito natildeo eacute faacutecil vocecircpode fazer claro que pode mas eacute muito mais difiacutecil vocecirc natildeo pode passar porcima natildeo pode colocar o Levi-Strauss como nota de rodapeacute porque natildeo eacute umautor de nota de rodapeacute vai ter que dedicar um capiacutetulo inteiro explicar o meacutetodoestruturalista e eacute difiacutecil fazer isso

Leandro Maso Levi-Strauss natildeo estaacute em nota de rodapeacute inclusive eu coloqueiem destaque junto com o juiz de Santa Catarina que eacute o Alexandre Morais daRosa que para os que natildeo conhecem o Alexandre Morais da Rosa eacute um juiz deSanta Catarina que defendeu uma tese de doutorado sobre a bricolagem nodireito Quer dizer foi a partir dele que eu tomei conhecimento do meacutetodo do Levi-Strauss ateacute entatildeo eu natildeo conhecia Levi-Strauss nunca tinha lido e foi peloAlexandre jurista e juiz de Santa Catarina que eu tomei conhecimento dapossibilidade de trabalhar uma bricolagem dentro do direito quer dizer eacute uma tesede doutorado Claro que o meu objetivo natildeo foi o de chegar ao niacutevel de tese dedoutorado mestrado mesmo entatildeo eu tive que me conter dentro de minhaslimitaccedilotildees tentei trazer o Alexandre para justificar junto com o Levi-Strauss tentarexplicar o que eu entendia por bricolagem junto com o Levi-Strauss tentei trazerisso dentro do corpo do texto e eacute claro assim como a Profordf Acircngela apontou eunatildeo me debrucei especificamente sobre temas do Nietzsche como o niilismo porexemplo porque soacute o niilismo do Nietzsche tem vaacuterias acepccedilotildees tem o niilismorusso tem vaacuterias o proacuteprio termo niilismo assume caracteres polissecircmicos nafilosofia do NietzscheNietzsche possui vaacuterias visotildees do problema ateacute porque a

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filosofia do Nietzsche eacute perspectivista Se fosse para falar soacute sobre niilismo ousobre a morte de Deus eu levaria daria para fazer uma tese de doutorado sobreum tema do Nietzsche soacute o niilismo ou soacute a bricolagem como fez o professorAlexandre Morais da Rosa que trouxe a bricolagem num processo penal Entatildeo omeu objetivo natildeo foi chegar ateacute esse ponto entatildeo eu tive me conter dentro delimites limites que eu proacuteprio me impus e limites da proacutepria condiccedilatildeo de tempoeu tinha um mecircs para escrever o trabalho e o Prof Luiacutes Fernando eacute testemunhaateacute o uacuteltimo dia o trabalho natildeo estava concluso Eu vim pela manhatilde numa sexta-feira pela manhatilde e trouxe a uacuteltima folha as uacuteltimas folhas do trabalho e inclusiveatrasei a reuniatildeo do departamento do Prof Luiacutes Fernando ele teve que ler ateacute ofim o meu trabalho para que eu pudesse daiacute depois colocar as notas de rodapeacutecolocar as notas inclusive

Prof Serbena O Prof Luiacutes tem aula daqui a pouco e me fez um pedido para natildeofalar mais e se puder tambeacutem aiacute

Leandro Eu vou ser breve vou ser breveNatildeo eacutea questatildeo eacute queficaramlacunas no trabalho mas ficaram porque o tempo natildeo me permitia que eurevisasse o trabalho de forma completa neacute As viacutergulas inclusive tem trechos emparecircnteses que estaacute laacute nota de rodapeacute a ser inserida ou fonte a ser colhida quenatildeo foi colocado porque foi um lapso Eu escrevi o texto inteiro e coloquei asnotas depois ficou alguns lapsos formais E a questatildeo de compreender oNietzsche em outras liacutenguas eacute realmente uma limitaccedilatildeoO Joseph estaacute aqui e meindicou o Nietzsche em francecircs a revista aqui na faculdade me passou a fontemas eu natildeo tenho acesso ainda em outra liacutengua eu espero ter ainda um diaQuer dizer satildeo limitaccedilotildees minhas ainda ler o Nietzsche em francecircs Nietzsche eminglecircs mas agradeccedilo as referecircncias professor e eacute issoAcho quea questatildeo doscomunistas de tecircnis importadoquer dizer eacute o Prof Luiacutes Fernando natildeo gostoumuito porque eacute a militacircncia trotskista eu tive uma militacircncia maoiacutesta maseucritico

Prof Serbena Mas ele pode usar tecircnis importado

Leandro Natildeo mas eu critico no sentido de uma estrateacutegia mesmo argumentativauma estrateacutegia argumentativa porque para Nietzsche o comunismo era umcristianismo para as massas neacute Entatildeo o Nietzsche tem uma criacutetica visceral aocomunismo natildeo sei se ele tinha lido Marx mas ele conhecia o movimentocomunista Entatildeo Nietzsche faz uma criacutetica aos comunistas mas tambeacutem faz umacriacutetica aos liberais tambeacutem eu natildeo deixei de criticar os liberais tambeacutem O ProfLuiacutes Fernando falou laacute ah vocecirc natildeo criticou os almofadinhas de terno e gravatanatildeo eu critiquei tambeacutem eu falei que os liberais satildeo submissos dentro da loacutegicanietzscheana porque o liberalismo eacute um gregarismo para o Nietzsche Entatildeo eacutenesse sentidoeacute eu acho que eacuteah vou deixar o professor (Luiacutes Fernando) falarum pouco depois eu respondo

Prof Luiacutes Fernando Bom o orientador natildeo fala Eacute dispensaacutevel o comentaacuterio bomsoacute gostaria de agradecer aos colegas pela leitura e pelos apontamentos o que

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demonstrou que eacute muito difiacutecil de fato a elaboraccedilatildeo de um trabalho numaperspectiva diversa e como as vezes se cai mesmo em contradiccedilotildees acho quealgumas foram apontadas aqui e acho que satildeo bastante interessantes Como aproacutepria ideacuteia de um processo mesmo talvez seja uma contradiccedilatildeo quer dizer vocecirclida com uma loacutegica que eacute tradicional para trabalhar com Nietzschee dentrodesse processo bate de frente com questotildees que levam a um certo grau deexagero na contraposiccedilatildeo que na verdade talvez natildeo seja isso como a ProfordfNadja colocou talvez fosse mais interessante assumir a loucura fosse maisinteressante quebrar mais radicalmente a loacutegica de um processo ao inveacutes dedefendecirc-lo num processo ou mesmo a negaccedilatildeo do processo fosse uma coisamais nietzscheana ou natildeo sei mas enfim haacute vaacuterias coisas aiacute que podemospensar depois ou mais tarde aiacute num boteco Gostaria de pedir entatildeo que vocecircsse retirem um pouco para que a mesa delibere

O que se calou Faltaram essas palavras finais eu imaginava que o orientadorpudesse falar e que depois dele eu teria ainda mais que fosse cinco minutos oumenos para dizer mais algumas coisas Primeiro natildeo vejo como contradiccedilatildeo oprocesso isso foi colocado de forma insistente no trabalho escrito o que sebuscou com o processo foi uma estrateacutegia argumentativa para trazer Nietzschepara o direito e por dentro fazer o embate no territoacuterio do inimigo como jaacute disseSobre a loucura eu tambeacutem jaacute disse e sobre a quebra mais radical eu vejo queela acontece e estaacute escrita no trabalho tambeacutem em dois momentos ateacute repetidosnum deles ldquoSe julgam Nietzsche um autor ldquoperigosordquo e que por isso deve serbanido e nisso ele mesmo produz prova contra si mesmo quando escreve queldquoseu pensamento eacute dinamiterdquo cabe atentar para o alto grau de bufonaria presentenos aforismas nietzscheanos ldquoquem lecirc Nietzsche e natildeo ri e natildeo ri muitocertamente natildeo aprendeu a ler Nietzsche e natildeo compreendeu o que escreverdquoaponta Deleuze enquanto ataca as verdades mais ldquosagradasrdquo e ressentidos oacusam e o condenam previamente ao tempo que se esforccedilam por incriminaacute-lomesmo ao custo de uma apropriaccedilatildeo e de um ldquoestelionatordquo a imagem que deveser problematizada entatildeo eacute a de um suposto Nietzsche levado ao cadafalso quenatildeo iraacute pedir clemecircncia como fez Wagner Sartre iraacute rir do carrasco que lecirc asacusaccedilotildees as perguntas deste trabalho sobre quem foi ele e porque mereceria acondenaccedilatildeo que lhe imputam Nietzsche ri e natildeo implora e a sua risada eacute aindamotivo para outra acusaccedilatildeo ligeira por parte dos ldquocrentesrdquo de que ele eacuteldquodiaboacutelicordquo Essa suposta imagem poderia ser uma cena de teatro E tambeacutemldquoQuiccedilaacute muito temor da sombra haja por traacutes da ilustraccedilatildeo propriamente ajuriacutedica e muita vontade de verdade para manter seus juiacutezos Ora trata-se aquido reacuteu Nietzsche o louco o banido para as sombras como julgaacute-lo temendoainda as sombras Talvez os acusadores tivessem que se abster para alegar aineacutepcia de suas acusaccedilotildees seria preciso realizar uma criacutetica radical de suasverdades abalar de tal modo as convicccedilotildees dos administradores do direito quesem a muleta ou altar vazio desaprenderiam a julgar a condenar natildeo saberiampor quais verdades basear seus juiacutezos ou preacute-juiacutezos Se tornaria a justiccedila opalco dos casuiacutesmos ou decisionismos apontaria os atuais administradores dalei mas cabe objetaacute-los se o direito jaacute natildeo eacute ou tem sido o lugar das convicccedilotildeesda feacute no iacutedolo mais do que direito e justiccedila quem pode julgar Ou quem julga

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Com base em queA proacutepria forma do tribunal pertence a uma ideologia da justiccedila que eacute ada burguesia Cf FOUCAULT 1979 p 74

Dinamitando o fundamento em que se sustentam as verdades as acusaccedilotildees econdenaccedilotildees para enxergar mais longe aleacutem de bem e mal se descubra que oocaso eacute o caminho para a aurora do direito Antes eacute preciso que venccedilamos asua sombra Esse eacute um empreendimento que deve ser conquistado e jamaisdado de presente Zaratustra anuncia o aleacutem-do-homem como a superaccedilatildeo dohomem um ultrapassamento para o qual natildeo haacute caminho pronto construiacutedo Seeacute assim seraacute preciso encontrar um Iratildeo dizer aqueles que estatildeo acostumados aser guiados pela liccedilatildeo ou pelo caminho dos outros ou melhor esses acusadoressubmissos de Nietzsche pois bastante niilistas para confessar que precisam seescorar em alguma coisa para se manter de peacuterdquo Exatamente isso quem julga Setrata de um teatro mesmo de uma estrateacutegia argumentativa sem contradiccedilotildees haacuteuma escolha e um sentido evidente em tudo isso a loacutegica do processo eacute quebradapor dentro e seu coacutedigo eacute subvertido e entatildeo quem pode julgar Com base emque

(alguns minutos depois)

Prof Serbena Faltou trazer Wagner para a apresentaccedilatildeo

Leandro O professor me deu a ideacuteia neacute O professor me deu a ideacuteia neacute Mas oNietzsche natildeo concordaria muito com o Wagner porque Wagner se converteu aocristianismo e era nacionalista tambeacutem neacute

Prof Serbena Entatildeo tira o Wagner

Prof Luiacutes Fernando Entatildeo noacutes a comissatildeo de avaliaccedilatildeo por unanimidade abanca decidiu pela aprovaccedilatildeo do trabalho do Leandro Nascimento Mantau com anota nove e meio (aplausos)

O que se calou Por conversas informais depois soube que perdi meio ponto porquestotildees meramente formais mesmo as viacutergulas que faltaram etc De qualquermodo me sinto vitorioso e contente porque foi mesmo um desafio titacircnico

Segue agora um texto que foi o meu primeiro trabalho escrito na faculdade epublicado numa das folhas acadecircmicas revista do curso de direito da UFPR Ele eacute

o Tuareg eacute uma interpretaccedilatildeo que fiz de uma muacutesica cantada por Gal Costa naeacutepoca dos grandes festivais de MPB eu busquei interpretaacute-la de acordo com oque havia lido ateacute entatildeo de filosofia e mesclando vaacuterios outros matizes Faccedilo

questatildeo de publicar junto da minha monografia como registro e tambeacutem para queseja percebida que nesse trabalho inicial jaacute se percebe o geacutermen daquilo que seraacute

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mais desenvolvido na monografia algumas ideacuteias jaacute estatildeo ali presentes mesmoque ainda intuitivamente de modo bruto necessitando ainda mais leituras e um

trabalho maior As preocupaccedilotildees finais com Nietzsche e o Oriente resultaram numartigo escrito nesses dias aproveitando a monografia como ldquotudo pode servirrdquo nabricolagem eacute o artigo Nietzsche amp a experiecircncia miacutestica Incursotildees pelo Oriente

com Nikos Kazantzaacutekis e Gibran Khalil Gibran

Ainda sobre o miacutestico muitos foram os que me perguntaram sobre a ldquoboinardquocolorida que as vezes eu uso na faculdade ou quando estou por aiacute Trata-se de

um quipaacute muccedilulmano tal como o usado pelos negros malecircs que vieram comoescravos para o Brasil era gente muita culta e que organizou uma revolta por

aqui soacute que o meu tem siacutembolos esoteacutericos todo feito a matildeo incluindo ascosturas eacute um trabalho artesanal e amador que ganhei de presente eacute uma

bricolagem que simboliza a alteridade e vesti-lo eacute como encarna-la dentre ossiacutembolos haacute um druida que significa ldquopovordquo em razatildeo disso o chamo de ldquoquipaacutevolksrdquo e os demais satildeo siacutembolos astecas e incas significando a coragem (a

aacuteguia) a sabedoria (o terceiro olho) e a loucura ou o infinitoE a propoacutesito meu nome Leandro significa homem-leatildeo

Ele eacute o Tuareg

As leis natildeo bastam

Os liacuterios natildeo nascem da

lei Meu nome eacute tumulto

e escreve-se na

pedra

Ele eacute o indiviacuteduo fortemente mesticcedilado da genealogia dos nocircmades berberesQue nasceu e cresceu guerreando caminhando dia e noite entre montanhas e odeserto escaldante visitando muitos lugares e dialogando com os transeuntescomo um andarilho que estaacute aiacute no mundo curioso por saber sempre mais

Ele eacute a imagem do espiacuterito livre o anti-heroacutei natildeo comportado e natildeocompatimentado que age como um vagabundo que natildeo estaacute ajustado e nem

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domesticado Ele eacute um fora-da-lei um bandoleiro presenccedila maldita aos homensmas bendito aos deuses

Pois com muita feacute e com ele soacute para pra orar

Pois pela direccedilatildeo do sol e das estrelas

No oacuteasis escondido aacutegua ele vai achar

Pois o homem de veacuteu azul o prometido de alaacuteh

Confiado pelas forccedilas coacutesmicas eacute o Tuareg invenciacutevel Ele vai para a guerra como coraccedilatildeo sereno e o espiacuterito em pazAssim como o andarilho e a sua sombracaminha para o olho do furacatildeo compreendendo a liccedilatildeo do Bhagavad-Gita deque a primeira virtude do homem eacute ousar a ser ele mesmo sublimando anatureza que lhe foi inculcada Deve buscar viver segundo sua proacutepria lei emedida respeitando uma uacutenica instituiccedilatildeo A sua proacutepria alma

Seguindo os saacutebios conselhos de Krishna o arqueiro Arjuna aprendeu que eacutepreciso manter a mente firme e o coraccedilatildeo cheio de fervor se isso for conseguidoa cabeccedila se torna tatildeo somente uma viacutescera do coraccedilatildeo esse eacute o atributodaqueles que satildeo demasiadamente humanos

O Tuareg natildeo eacute arqueiro mas tem uma cimitarra a tira colo e eacute com essaespada capaz de decepar num soacute golpe que ele iraacute abrir um buraco no real parase inscrever subjetivamente e garantir seu lugar na histoacuteria Eacute o homem que estaacutesempre pronto para o que der e vier em constante tensatildeo com o seu entornoComo um Pajeuacute o tipo completo de lutador primitivo-ingecircnuo feroz edestemoroso ndash simples e mau brutal e infantil valente por instinto heroacutei sem osaber

Para o Tuareg tudo eacute permitido ele natildeo tem o que justificar eacute inocente Como osprimitivos antes da chegada dos pastores Eacute um fora-da-lei e por isso estaacute alheioas normas rompendo com a ficccedilatildeo de um Direito sem lacunas ele eacute um furo naordem juriacutedica e prova viva de que nem tudo ela pode dar conta eacute assim que elefaz a sua proacutepria justiccedila O Tuareg eacute um justiceiro

Sendo assim esse homem transfigura-se numa figura mitoloacutegica e miacutestica paraaleacutem do bem e do mal Que para ser compreendido eacute preciso suspendertemporariamente a descrenccedila Egrave quando a atmosfera de sonho oniacuterica passa ase confundir com o real Acaba a diferenccedila entre a imaginaccedilatildeo e a realidadeIsso porque ningueacutem ouve o mito na mesma posiccedilatildeo em que se escuta umatestemunha Ele tem uma dimensatildeo proacutepria de verdade ou quiccedilaacute seja umaverdade que natildeo poderia ser dita de outro modo

O Tuareg desde cedo descobriu que para alcanccedilar a sabedoria e aprender avoar eacute preciso se nomadizar deixar o ninho experimentando o processo do

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desenraizamento do dilaceramento do in-diziacutevel a sensaccedilatildeo de aporia Eacute comesse movimento que ele vai para uma eacutepoca em que natildeo havia propriedadeassim o Tuareg consegue quebrar o espelho e desanda a falar sem a lei domestre

Eacute quando o Tuareg realiza o processo de catarse ele iraacute se expurgar paramelhor se fruir corresponde ao momento do estranhamento e da sensaccedilatildeo davertigem labiriacutentica que exige audaacutecia para correr o risco do impossiacutevel Isso fazdele um espiacuterito errante caminhante pelo deserto e a boca seca como imagino ados profetas e dos eremitas Vivendo livre e sem lei aceitando o inaceitaacutevel e semantendo no insustentaacutevel tendo que consentir nesse gesto ou morrer

Se Lanccedilando a deriva da mais profunda solidatildeo que eacute a solidatildeo do criminososabendo que natildeo jogar o jogo da mentira pode ser a chave para superar amorte Isso faraacute do Tuareg um Carcaraacute que natildeo morre de fome Egrave a proacutepriaconsciecircncia do abandono que faz o homem se aventurar na vida a margem daverdade O reencontro com a erracircncia o seu aiacute no mundo do absurdo radical eabismal da condiccedilatildeo humana daquele que voa para o coraccedilatildeo da tempestadeiraacute provocar o colapso e o renascimento das proacuteprias cinzas Eacute assim que oandarilho regressa e se restitui O Tuareg renasce como a fecircnix

Mergulhado na erracircncia e renascendo como a ave mitoloacutegica o Tuareg descobreque estaacute condenado a ser livre caminhando no mundo e sem desculpas Esseabsurdo de sua condiccedilatildeo humana iraacute conduzi-lo ao re-ligamento Ele vai seencontrar com a sua revolta sua paixatildeo sua liberdade O Tuareg quer viver semabdicar de nenhuma de suas certezas sem dia seguinte sem ilusotildees e semresignaccedilatildeo Ele iraacute se reafirmar na revolta

Eu me revolto logo existo assim fala o Tuareg

Eacute o homem que se reconciliou com a sua rebeldia e com a opacidade do mundoele luta contra tudo aquilo que se modalizou se normalizou Uma pelejaenlouquecida e insensata feita com energia e luminosidade proacuteprias dasubstacircncia poeacutetica

Ele sabe que viver eacute muito perigoso mas compreende que sem o risco nada valea pena assim ele vive perigosamente pois este eacute o segredo para se realizarCompreendendo que quando somos reconhecidos por vadios nos julgam natildeopelos atos mas pela reputaccedilatildeo que nos criaram Mesmo assim o Tuareg natildeotem vergonha de ser ele mesmo e nem medo das consenquumlecircncias do que fala

Ele entende que somos aiacute no mundo para inquietar e jamais devemos nospoupar Porque a inquietude eacute mais fecunda que acreditar em uma soacute respostaTrata-se de suportar a dor de manter em aberto a interrogaccedilatildeo Se contentarcom o provisoacuterio mesmo que se almeje o definitivo

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O Tuareg sabe que para natildeo morrer de sede deve aprender a beber em todosos copos Assim como aquele que quer permanecer limpo deve aprender a sebanhar em aacutegua suja Ele chega nessas conclusotildees por muitos caminhos natildeosubindo numa escada soacute sempre se interrogando e submetendo agrave prova seusproacuteprios caminhos o Tuareg natildeo tem medo de se queimar na proacutepria chama

Isso faz dele um oniacutevoro cultural algueacutem que sabe que esta vida estaacute cheia decaminhos ocultos que constituem tambeacutem a pluralidade desse homem que serecusa a trilhar uma soacute vereda Ele quer dizer que toda a univocidade estaacutefadada ao fracasso O significado em si mesmo eacute aquele que natildeo significa coisaalguma O raciociacutenio juriacutedico da teleologia que visa agrave satisfaccedilatildeo de requisitosloacutegicos e uniacutevocos natildeo presta a compreensatildeo do Tuareg

Assim o Tuareg retorna eternamente e vem para festejar uma nova manhatildesempre com um amor incondicional de quem ama o proacuteximo como a si mesmoele se abre ao Outro deixando que este Outro seja ele mesmo sem pedir nadaem troca Eacute um sentimento de alteridade mas nunca sem antes alterar-se a simesmo Esse homem jamais vai passar anestesiado pela multidatildeo tudo ele estaacutevendo Eacute a figura do guerrilheiro intangiacutevel eacute o antagonista que vecirc e que natildeo eacutevisto como os sertanejos na caatinga

Pois ele eacute guerreiro

Ele eacute bandoleiro

Ele eacute justiceiro

Ele eacute mandingueiro

Ele eacute o tuareg

Nego os roacutetulos quecolocam para mim ereafirmo antes de tudo afidelidade a mim mesmo eagraves minhas ideacuteias

Eu natildeo sou dos seus

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Referecircncias Utilizadas

Muacutesica Tuareg cantada por Gal Costa nos festivaisNatildeo morre de fome alusatildeo agrave muacutesica Carcaraacute de Joatildeo do Vale o ex-pedreiro eanalfabeto que se tornou um dos maiores compositores da muacutesica popularbrasileiraOntologia poeacutetica de Carlos Drummond de AndradeEdgar Morin obra Meus DemocircniosGrandes Sertotildees Veredas de Joatildeo Guimaratildees Rosa referecircncia ao Riobaldopara quem viver eacute muito perigosoOs Sertotildees de Euclides da Cunha referecircncia ao Pajeuacute parte a LutaAssim Falava Zaratustra de NietzscheSeacuterie de Preleccedilotildees sobre a obra de Albert Camus O Estrangeiro do nuacutecleo deDireito e Psicanaacutelise da UFPRO Homem Revoltado de Albert CamusVocirco para o Coraccedilatildeo da Tempestade demandas com o pensamento deNietzsche Obra de Antoacutenio Duarte Henrique LopesSeacuterie de Preleccedilotildees coordenadas por Christoph Tuumlrcke com o tiacutetulo Nietzscheuma provocaccedilatildeoSeacuterie de Preleccedilotildees em torno da obra de Jacques Derrida publicadas em livro demesmo nomeBhagavad-Gita a sabedoria dos Vedas

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