121
 elo mu  o int eiro  an t igos a lu no s de [a cques Lecoq - a to re s, d ir et or es de t ea t ro , cen ógrafos, auto res teatrai s e at é a r qu i te to s - semp re faze m r eferência a s eus e n si n am e n to s . M as quem f oi I acques L eco q ? Qu al f oi seu percurso ? Qu a i s são os obj et ivos e os to dos d o seu en s iname nto? O  orpo p oéti o fruto d e nume rosas e nt re vi st as c on ce di d as a J ea n - el Ca rasso e Jean C l a ud e La llias, responde a e ss as q uestões. Da mimodinâmic à geodr mátic d a m áscara n eutr a a os grande s territórios dramát icos  drama c om m edia d ell a rte, bufão , tragédia, c l ow n ), I acques Lecoq n os a presenta sua Escola I nt e rn acional d e T eatro, pe rmitind o qu e a companhemos,passo a pa s so , s e u trabalho p edagógico. E sta pub l ic a çã o d o Sena c S ão P aulo e do Sesc Sã o Paul o v isa difundi r, e ntre est udan tes,profi ssionais e a dmiradores do teatro, os m ét od os e result ados de um a das mai s r evo lu ci on á ri as e e fic ient es p edagogias cont emporânea s el aboradas pa r a a c ompre ensã o d a a r t e c ên i c a, a ss im corno pa r a o exercí cio das r ias at ividades que el a c ompreende , c orno atuão, dirão, c enog r a fi a e o utras.  

LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Livro traduzido para o português por Marcelo Gomes. Edição Sesc SP, 2010.

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 elo mu  o inteiro an tigos a lu no s de [a cques

Lecoq - a to re s, d ir et or es de t ea tro , cen ógrafos, autores

teatrais e até a rqu ite to s -

semp

re fazem referência a seus

ensinamentos. Mas

quem

foi Iacques Lecoq ?

Qu

al foi

seu percurso? Qua is são os obj etivos e os mé to dos d o

seu en s

iname

nto? O

  orpo p oéti o

fruto de nume rosas

e ntre vistas c on ce did as a J

ean

-  abriel Ca rasso e Jean

Claude Lallias, responde a essas questões.

Da mimodinâmic à geodr mátic d a m áscara n

eutr

a aos

grande

s

territórios

dramát

icos  

drama

c

omm

edia dell arte,

bufão

, tragédia, clown), Iacques Lecoq nos apresenta

sua Escola Int e

rn

acional de Teatro, pe

rmitind

o

que

acompanhemos, passo a pa sso, seu

trabalho

pedagógico.

Esta pub licação do S en ac São Paulo e do Sesc São Paulo

visa difundir, entre estudantes,profissionais e admiradores

do teatro, os m ét od os e resultados de uma das mai s

revo lu ci on á ri as e eficientes p edagogias

contemporânea

s

elaboradas para a co mp reensão da arte cênica, assim corno

par

a o ex ercício das

vár

ias at ividades

que

el a c

ompreende

,

corno atuação, direção, c

enog

rafia e outras.

 

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  ORPO POÉT O

 m ped gogi d ri ção te tr l

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Tradu

zido

de

Le corps

p ét q

ue

z

enseignement de la cr éation th éâtrale

Iacques Lecoq com a co labo

ração

de Jean -Gabriel Carasso e de Iea

n C

l

aud

e Lallias

©

Actes Sud, 1997 .

Proibida

a

reprodu ção sem autorização expressa.

To dos o s direitos des ta ediçãoreservados às:

  ditora Senac SiloP aulo

RuaRui Barbosa,377 - I  an da r - Bel aV

ista

- CEP 01326 010

Ca ixa Postal 1120 - CEP

0103

2-970 - São Paulo - SP

Tel.  l I

2187-4450 - Fax

{Ll )

2187-4486

E-mai : ed

ítor

arç sp.senuc.br

Horne

page:

ht

tp://

www

.

edit

orasenacsp.com.br

S S

São Paulo

EdiçõesSES SP

Av. Álvaro R

am

os, 991 - Belen z

inho

CEP 033 31 00 0 - São P

aulo

- SP

Tel.:  l I) 2607 8000

Ecmal l: edicoes@ed

icoes.sescsp

.org.br

Home

page: htt p://www.sescsp.org.br

©

Ediç ão bras ileira: Edit o ra SenacSão Paulo e Edições SESCSP, 2010

Dados Internacionais

de Cat a logação na P

ublicação

 CIP)

 Câmara Brasileirado Livro

SP. Brasil 

Lecoq, Iacques

O corpo

poét

i co : uma pedagogia da cr iação teatral   Iacques

 e coq

com

a

co laboração de Jean-Gabriel Carasso e de Jean

Claude Lallias ; tr

aduç

ão de

Mar

celo Gomes . - São Pa

ulo

: Editora

Senac São Pau l 

EdiçõesS ESC SP 2010.

Títuloo riginal: Le

co rps

poétique:

un

enseignement de la

création th éàtrale

Bibliografia.

ISBN 978

 85  7359 931 2

 Edi to r aS ena c São Paulo)

ISBN 978 -8

5 7

995-000-1  Edições SESC SP)

o

  RP

POÉT O

Uma

pedagogia

da criação

teatral

JACQUES LECOQ

  om a colaboração de

Jean Gabriel arasso e de[ean  luudeLallias

TRAD

 Ç Ã

MARCELO G

OMES

1. Representação teatral - Estudo e ensi

no

2. Teatro - Es tudo e

ensino 1.Carasso , Jean -Gabriel. 11.Lallias, Ie

an Cl

aude,  

Títul

o.

10-00745 CDD-792.07

Índice para catálogo

sistemático

:

1. Ar te teatral : Estudo e ensino 79 2.07

e d i ã s

SESC@[?

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  i çõ s

  ~

SERVi

ÇO

NAC

IONAL

DE

APRENDIZAGE

M

COMERCI

AL - SENAC SP

 DM INI STR ÇÃO R EGIONAL DO

SEN

C NO ES T

 D

O DE  Ã  PA ULO

Presidente do Conselho Regional:

Abram

Szajm

an

Diretor do Departamento Regional: Luiz Fra nci s co d e A. Salgado

Superintendente Universitário e de Desenvolvimento Luiz Carlos D

our

ado

EDI TORA

S EN SÃo

P ULO

Conselho Editorial:

Luiz Fra nci sco de A.Sa

lgad

o

Luiz Car los Dourado

Da

rcio

Sayad Maia

Lucila

MaraSbrana

Sciotti

Marc us Vin ici us Bari li Alves

Editor Ma rcus Vinicius Barili Alves

Coordenaçãod e Prospecção e Produção Edit orial: Isabel M. M. Alexandre

Superv isãode Produçâo Editorial  Pedro Barros

Edição deTexto Lu izGuasco

Preparação de Texto: Cristina

M

arques

Revisão de Texto Daniel Viana Edna Viana 

Iussara

Rodrigues Gomes Rinaldo Mile si

Projeto Gráfico Capa e Editoração Eletrônica nton io Carlos De  ngelis

Fo to d a Capa: Patric

k Lecoq

Impressão e Acabamento Crom ose te Gráfica e Editora Ltd a

Gerência Comercial  Marcus Viniciu

s Barili

 lve

s

Supe rvisão de Vendas: Rubens Gonç alves Folha

Coo rdenação Administrat iva CarlosAl berto Alves

SERViÇO S

OC

IAL

D O C O

MlÕRCIO - SESCSP

 DM INISTR ÇÃO R EGIONAL D O S S  NO ES T DO DE SÃo PAULO

Presidente do Conselho Regional:Abram Szajman

Diretor Regional Dan ilo Santos de Miranda

Super intendentes

Comunicação Social  Ivan Giannini

Técnico-Social:

Ioel

Naima

yer

Pad

ula

  min

istração  Luiz De

oclécio

Mass

aro

Galina

Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli

EDIÇÕ

SESC

SP

Gerente Marcos Lepisco po

Gerente Adjunto Évelim Lúcia Moraes

Coordenação Editorial  Clívia Ramiro

Produção Editorial:

Iulíana Gardim

Colaborado ra desta edição: Marta

Co

labone

 umár o

No t a da ed ição brasi

lei

ra 9

  Quando um

ch

or a

o out

ro

ri  

Ricardo

Napol

eão

Um ponto fixo em movimento 19

Jean

 Gab

riel Carasso e [ean

 Claude

Lallias

I.

  VIAGEM P

ESSOAL 25

Do

esporte

ao teatro 27

A

aventura italiana 30

Rever Paris

33

Uma

escola

em movimento

35

Encont rar seu lugar 38

A viagem da Escola 41

Por

um

jovem

teatro de criação 43

A bus ca

das

permanências 50

 

O MUNDO

E SEUS MOVIMENTOS   55

Um a

página em b ranco 57

1

IMPROVISAÇÃO 59

5

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6

o silêncio an

tes da palavra

,

59

Reinterpretação e interpretação 59

Rumo às estruturas da

interpr

etação 65

A

máscara

neutra 68

A neutralidade 68

A viagem el

emental

75

Identificar se com a natureza 77

Transpor 79

A abordagem pelas artes, 81

O

fundo poético comum

81

As cores do arco  íris

83

O

corpo das palavras 86

A música como parceira 89

Máscaras e

contramáscaras

91

Os níveis dejogo / interpretação

91

Entrar na

forma

96

Os personagens

10 1

Estados paixões sentimentos

Lugares e meios

10 4

Restrições de estilo

1 6

2 . T É C N I C A

DO S

M O V I M E N T O S

9

Preparação corporal

e

vocal

9

Dar sentido ao

movimento 9

Acrobacia

dramática

114

Nos

limites do corpo 114

Análise do s

movimentos 116

Partir dos

mov

imentos naturais da vida

Fazer surgir as atitudes

123

Buscar a economia das ações físicas 126

Analisar as dinâmicas da natureza  3

Estudar os animais 138

As leis do movimento com   maiúsculo 4

3. O T EA TR O D O S A LU NOS 143

Os autocursos e as enquetes 43

IH. Os

C A M I N H O S

DA CR IA Ç Ã O 14 9

Ge od ram ática , 151

1. As L I N G U A G E N S DO G E S T O

,

157

Da

p

an

t

om i

m a

aos

q

uadr

os

mí mi

cos,

15 7

2.

OS GR

A

ND ES

T

E R R I T Ó

R

IOS DR A M Á T I C O S 163

O me

lodra

ma 163

Os grandes sentimentos

163

A

co m m ed

ia

de ll arte 168

Comé

dia

hu

mana

168

Roteiros e táticas de in terpretação 173

Os b uf

ões

178

O mistério o grotesco o fantástico 17

8

  ou tro corpo 186

A

tragéd

ia,

19 1

  coro e o herói 19

1

 

equilíbrio do

prati

cável 199

A necessidade dos textos

2  5

Os clown s,

213

Buscar o

pr

ó

pr

io clo

wn

213

Os burlesco os absurdos as variedades cômicas 2 2 2

3. O LABO

RA

R

IO

D E

E ST U DO D O

M OV

IM E

N

TO  LEM , 22

7

IV. A B E R T U R A S

23

1

Créditos

f

ot ográfico

s,

23 9

7

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 ot

d

edição br sileir

Ia

cq

ues Lecoq

ch

egou ao

un

iverso

do

teatro

or

iundo do es -

po

rte. Preocupad

o com a

prep

ar ação do cor po do ator pa

ra

a

e

xp

ressão

cri

ou

  a p

artir

de

pe

squis

as e de p rop

os

ta

s de exer-

cícios po r ele elaborados um do s mais

fecund

os mé todos d e

compreensão da

arte

teatral e da formação dos profissionais

que a exercem  

As

vivênci

as

que

esse método p roporcion a assim com o os

caminhos que Lecoq t r ilhou para estabelecê lo são rel atadas

em O corpo poético 

u

pedagogia da criação teatral livr o

qu e resu ltou de um a série de entrevis tas concedidas a Jean-

Gabriel

Caras

so e

Iean Claude

Lallias

O Senac São Paulo e o Sesc São Paulo se unem nesta pu -

blicação não só po r

reconhecerem

seu valor ar t ís tico e

pe -

dagógico

ma s também

po r

julgarem seu conteúdo um ric o

depoimento sobre a trajetória de um dos mais sensíveis e re -

vo

lucionários

homens de

teatr

o

do

século

 

9

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  uandoum  

r ou t

ro

ri

Ricardo apoleão

A frase

qu e

intitula este prefácio é um presente qu e

recebi

de

me u

professor Iacques

Lecoq após dois a no s d e convivência

c o n tí n ua c o m ele na Escola Internacional de

Teatro

Iacques

Lecoq

localizada

n a r u a d o Faubourg

Saint-Denis

em

Paris.

Essa f rase deveria orientar

mi nha

comm nde

apresen

-

tação final

de

curso em que eu faria o

qu e

quisesse

como

quisesse nu m espaço de tempo definido   evidentemente m e

apropr iando de um a da s linhas estudadas na Escola: másca

ras bufão

comedia

dell

arte

melodrama

tragédia ou clown.

Receber

su a própria frase correspondia a um

momento

de

liberdade

coerente co m

a

proposta pedagógica da

Esco 

Ricardo Napoleão

é

ator

e

diretor

de

teatro.

F

ormou-se em

1994 na

École

In

ternationale

de Théâtre

Iacques Lecoq

e

desde

então

dirige

e atua em

espe

-

tácul

os

no

Brasil e exterior além de ministrar palestras sob re a

criati

vidade

aliada à con sciência corporal.

11

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la:

am

pl a b em estrut

ur

ad a e  ao m es mo

temp

o livr e e ra -

dicalment e p rov

ocadora

. A ca da a

luno

er a

atribu

íd a

uma

escolhida p or Lecoq. Ela

servia

co mo um a pr o

vocação

para a

p rimeira criação pessoal 

qu e

seria

apresentada publicamente

 

com o resultado de um percurso.

A  om

m nd 

er a o fim

da

linha   ma s o

início

de um outro

caminho: o público entra ri a na sala

onde

fazíamo

s experi

m entos a q

ua

l

para

n ós funcionara at é ali c

om

o

um

ver

dadeiro ringue de boxe - po is segundo Lecoq  a noção de

esp aço de ri tm o e de urgência

t em mui to

a ve r

co m

o boxe; o

público tem

ur g

ência e n ós

pa

r a

caminharm

os com el e

nã o

devem os ign

or a

r es sa ne cessidade.

Minha

apresentação final de u   se em 1994.

Lecoq

havia

for necido com o recurs o

para

desenvo

lver

esse

trab

al ho um a

palhe ta com cores va riadas: desde as técnicas corpora is a té

suas análises

minuciosas de movimento passando pelo apro

fund

ament

o da

base

de

seu ensino:

a máscara neutra . Havia

explorado ao

máximo

nossa capacidade de

reinterpretar tudo

o que se m ovimenta a

partir

de um olhar

aprimorado fosse

o

do

bufão

do palhaço ou o da tragédia grega. As

técnicas esta

va m a nosso

dispor gravadas

principalmente no corpo pron

tas

para

eclodir. Cabia a

nó s

escolher

como

e

quando

usá  las.

Monsieur

Lecoq ficava na plateia

junto do público . Ele no s

entregava o

palco

. Sabia da impor tância da autonomia.

Muitas

vezes

seu a mi go

Peter

Brook

vinha assistir a e ss as

criações. Iacques Lecoq

e

Peter

Brook trocavam

imp ressões so

br e o qu e acabavam de ver

acompanhando

a evolução de ge-

rações qu e

retratavam

o momento presente fazendo refleti r a

vida

fora

. A

afinidade entre Brook

e Lecoq está intimamente

relacionada

à busca p or u m teatro vivo

onde

o corpo seja real-

12

me nte um a pre sença con c

re

ta qu e

possa

se

expandir

no esp

o.

Onde o ato r se mov imen te pa ra cr ia r um a p

oe

sia p rópria

in -

tensa e p u lsante .A possibilidade de co

mp

letar um espaço vazio

co m a for ça transfo rmad

or a

que é o trabalho de

Peter

Brook

está na pe

dagogia

de senvolvida por [acq ues Le co q. Tra t

a s

e

da

expansão co rpórea de d

ar

voz ao co

rp

o ca la do. Trata se d e

um a

com p

reensão

m aior da p

oé t

ica

ap

r is

io n

ad a

em

n os so s

corpos de um

novo

co rpo po éti co -

rec

riado sem pre.

Termin ad o o cu rso ao

me

despe

di r de Mo n sieu r L

ec o

q

no

escri

tó r io

qu e

ele m

an

t i nha

na

Escola

en

t reguei-l

he

um

cristal q ue gu ardava comigo

havia

muito t

empo

. Trazid o da s

terras on de n asci d as Minas Gerais ... Er a

um

símbolo qu e eu

entrezava em

azrad

ecirnento.

o c

on s

igo

descrever

a er n

o

I:> I:>

çã

o qu e senti

ao

p

rese

n tea r lh e aquela pedra b rut a - m ais

um a pe dr a br ut a do Brasil.

Er

a um

crist

al que tr

azia

comi go

desde m e u p rimeir

o t

rabal

h o n a

Eu ropa.

Ele o ol

ho

u e

si m

ples descreveu o

qu e

via:   Um cristal

atra

vessa o ou tro .

Pouc o de pois

da

conclusão do cu rso criei com Fr ançois

e Pascale fi

lh

os de [acques Lecoq  um

grupo

de

pesqu

isas

o Réseau

International

de

Théâtre Anten

a -   cujos

trabalhos

culmin

aram

c

om

a m on tagem

da

peça Z Z p

ar

a

quatro clowns de

pa

íses dist

intos.

Para iss o contamos co m

o ap o io de

Violette Lecoq

 

i rmã

mais

velha

de Iacques

Lecoq 

qu e

nos ofereceu um

palco

c

onstruíd

o improvisadamente na

granja

onde

residia -

em

Palluau sur Indre

na

região central

da Franca

-

qu e durante

seis

meses

 

funcionaria como nossa 

sede.

Ao

pé da lareira

ao

final

d e c ad a e ns aio

ou v

íamos

t nt 

Violette

nos conta r episódios muito especiais de sua vida  fre

quentemente

ligados

à h

is t

ória de

se u

irm ão [acques Diante

13

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do fogo, escutei narrações

incríveis

sobre a vida

dessa

mulher

que ch ego u a ser

confinada

em campo de

concentração

p or

ter

participado

da Resistência francesa

.

Nessa época, ti ve o p razer de ser convidado po r Fay Lecoq

para vir ao Brasil ,

du ran

te a realiz

ação do

Fest ival Internacio

nal

de

Teatro da

cidade de

São Paulo em 199

5.

Era a p r

im

eira vez

que

as

máscaras neutra

s v

iajavam

sem

o

professor Lecoq

,

qu

e,

devido

a seu s compromissos ,

não

po

deria

estar no Brasil, naquela que

seria

sua primeira vez . Peda

gogicamente

a máscara neut ra tem uma impor tâ

nc

ia crucial.

Essa

máscara

quando adequadamente

utilizada

,

pode definir

o

trabalho de um ator ; pode libertá-lo de amarras muito comuns

no exercício da profissão. Ela

pos

sibilita um reconhecim ento

da

realidade

corpórea de cada

pessoa

. Por meio

da

análise de

movimento o ator

passa

a

compre

ender com o co

rp

o, e não

somente com o

intelecto.

Essa

sabedoria Iacques

Lecoq desen

volveu de maneira absoluta, e sua sensibilidade apontava as

direções de que neces

s

itávamos

. Para

mim

alu

no recém

-for

mado

, vo ltar a

me

u

país

e colaborar na realização da

pr

im eira

oficina da p

ed

agogia Lecoq aqui ministrada era

um

p resen te.

Estava

em Londres , a trabalho, n o a no de 1999, quand o

François

Lecoq

aviso

u

-m e

de q ue Lecoq h avia falecido.

 Fi

cou invisível : pensei .

Atravessei o

Canal

da Mancha n o Eu

ro

star e, chegand o a

Paris pela

manhã

ain

da

pu

de ver o c

or

p o

ser

c

onduz

ido

pa r

a

dentro da igreja, seu s a luno s em silêncio .   conquist a do si

lêncio, um tem a im po

rt

a

nt

e do

pe

rcurso : im

aginei.

Mas aquele

silêncio

ti

nh

a uma densid

ad

e

especia

l. No bal

cão da

qu

ela igreja,

vi a

a emoção nos olhos de alg

un s

alu no s

14

que ainda estavam no p rimeiro ano da Escola. Havia atoresde

tod a a parte... Despedida.

Após a cer im ônia, François Lecoq me c

on

vidou para ir à

Montagny, onde, ao lad o da casa de campo q

ue

muito fre

quentamos, Iacqu es Lecoq

seria enterrad

o.

Naquela casa , repleta de m áscaras, havia um a alegr ia no

ar. . . e um a t risteza

que

a t

ud

o

perpassava.

Ali, f ique i longo

t

em

po em compan

hia

de Vio

lette

Lec

oq

, de qu em sentia

mu

i

ta saudade. Nã o n os reencontrávamos de sde Z  P  P Z  P

Nã o nos

víam

os desde as últimas

gargal

hadas d iante do fogo.

Pa ra ela não devia ser fácil se despedir do

irm

ão ma is

moço

.

Elegante

Vi

olette tinh

a olhos t ristes.

Mas

era só.

Um br inde foi feito

entre

os amigos, os pa lhaços os atores,

os filhos , e a esposa, Fay Lecoq.

Quando o caixão ia ser baixado, um vento

repen

tino, rit

mad

o,

derrub

ou

u

ma

 or eille

b

ranca

,

qu e

se

deit

ou

na

co

va

abe r ta no chão. Então, do

meio

do grupo , naquela

tarde

quase

cinza

do

interio r da França alguém de repente atra

vessou

o

silênci

o: era um at

or

, que se lembrou de jogar um nariz ver

melho na terr a, como um a semente para que brotasse.

o tempo passou e, numa

das

ocasiões em que regressei a

Paris fui rever

meu

querid

o amigo François

Lecoq.

Encon

trei-o no mesmo escritório onde subíamos para saber se ha

víamos passado para o segundo ano. Tudo estava ali , in

tact

o.

Aquele

mesmo

esc

ritório

,

onde

recebi

minha

frase de

pr e

sente

estava

em silêncio .

Num armário repleto

de

pedras , reconheci em meio a e las

um a

de corverde

-esc

ura esculp ida pela natu

reza

com o um a

máscara ...   Um a

máscara

engraçada pensei. Um pouco triste

15

Page 10: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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se a olhássemos de

um

cer to ângulo ... Era o p resente que eu

havia

dad

o a meu

professo

r alguns anos

antes.

Observando -a

bem

via

-se

c

om clareza

a simplicidade do

cristal que suti lmente a atravessava em um m ovimento que

como um gesto podia m

ostra

r o

infinit

o.

 Quando

um

chora o outro ri lembrei .

E ao novamente recordar essa frase enquanto escrevo este

prefácio relembro também que após nossa apresentação final

Lecoq dissera a mim e a

meus

colegas

qu e

entenderíamos

o

que havia se passado ali após cinco anos. Na

época

entretanto

eu não que

ria

aguardar nada. Porque

haveria

de espera r cinco

anos

para compreender

um a experiência tão viva?

Hoje porém

entendo o

que

aquele

comentári

o calava a

fim de que

viéssem

os a descobrir cada qual a seu tempo   seu

verdadeiro significado: som os absolutamente livres da técnica

que Lecoq

nos transmitiu.

Ela parece

se

diluir como

a

másca

ra

neutra

de Amleto Sartori.

Muitos de nós diretores autores ou atores

gostamos de

cumprir o ofício

entalhar

a madeira

esculpir

o espaço

mis

turar as

tintas.

Mui to s de nós  

fotógrafos cineastas

palhaços

ou pais de belas crianças   seguimos pelo mundo à nossa

ma

-

neira com nossas criações distintas livres. Porém 

sabemos

quenão

há movimento sem

ponto fixo e

que

cada

um

impri-

me o seu ritmo à própria obra.

Além de conhecer essa liberdade aprendi com Lecoq que

um

artesão

deve

sempre estar atento

e

pronto

para

aprender.

E de fato aprendo muito com meus alunos. Aprendo sempre

quando

ent ro em cena. Gosto da

dúvida.

Procuro

deixar

o

ritmo me levar.

16

No

Brasil pude agradecer a

Ariane

Mnouchkine anos

m ai s tar de pelo fato de ela ter me fal ado acerca da Escola de

Lecoq. Foi

du

rant e um estágio

na   artoucherie

em Par is qu e

ela

di

sco rreu

cert

a vez

sobre

s

eu

mes

tre

. Encantado com o

e

xtraor din

ário t rabalho do Théâ tre du

Sol

eil resolvi perm

a

nece

r em P

ar

is e

estudar

com Iacques Lec

oq

.

Lecoq nos

ensina

a ver as coisas de outro ângulo dá fo r-

ça ao m ovim en to

de

n ossas palav

ra

s

inspi

ra n ossos ges tos

faz

-n

os ver além do óbvio.

Qu

ando faz a re lação entre c

or

po

e espaço realidade e ficção o im pulso de cr i

ar

e o de repe tir

mergulhamos nos n íveis de jogo propostos nos exercícios e

entram

os em cont

ato

com um m un

do

a ser descoberto. Pas-

samos a nã o

temer

nosso imaginár io e ao

conviver

com cu l-

turas

dist

in

tas c

om

alunos do

mu

nd o t

od

o

ampliam

os no

ssa

visã

o estética.

Lecoq nos aproxima dos verdadeiros

sátiros

  abre-nos a

cena. Traduz a

comédia

e a tragédia da vida cotidiana  nos

a tinta e os pincéis. Dá -n os autonomia e caminhos pa r a

sermos

livres.

E o

mestre

tinha razão: descobrir a poesia do

corp

o requer

trabalho   dedicação vontade e disp onibilidade sempre.

No mais estar pronto é tu do.

17

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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ponto ixo

 m movim nto

Jean -Gabriel Carasso  / [ean  laudeLallias 

No

campo da

pedagogia teatral Iacques Lecoq

é

um mestre

no sent ido

próprio

do termo.

Pedagogo

embasado no mundo

e em

seus

movimentos no que h á de

universal

no

teatro ele

constitui

um

 ponto fixo a part ir do qua l numerosos a lunos

puderam aprumar-se, descobrir-se,  educar -se , há mai s d e

cinquenta anos tendo

suas diferenças

culturais

respeitadas

assim como sua história seu imaginário suas possibilidades

e

seus

talentos.

De Phil ippe Avron

a

Ariane

Mnouchkine

de

Luc Bondy

a

Steven

Berkoff, de

Yasmina

Reza a

Michel Azama

e

Alain

Gautré de William Kentridge

a

Geoffrey Rush ou

a Christo -

Jean -Gabriel Carasso antigo aluno de Iacques Lecoq, dir ige, em Par is , a As

sociação

Nac ional de Pesquisa e de Ação Teatral ANRAT).

Iean-Claude Lallias é professor de Letras

no

Instituto Universitário de For

mação de Docentes da Academia de Créteil.

19

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phe Mar t

ha

ler do Footsbarn

Travelling

Theatre ao Théâtre

de la Iacquerie dos Mummenschantz ao Nada

Théâtre

ou ao

Théâtre de la Complicité ... - a

exaustiva

lista difícil de ser

to

t

almente

relacionada seria surpreendente

 

a diversidade das

formas e as aventuras teatrais apoiadas em seu

ensinament

o

testemunham a dimensão criativa de sua pedagogia longe

dos

modelos

e das

técnicas esclerosadas.

Iacques Lecoq ocupa  no entanto um lugar p ara doxal.

Atores

auto

res

diretores

cen

ógrafos

e também arquitetos

educadores psicólogos esc ritores e mesmo

religiosos

... são

i

nú ros

os

que

se referem a

seu t raba

lh o

sejam

eles dire

tamente

egressos

da escola sejam indiretamente   alunos de

seus

alunos. Outros ainda  aí se inspiram sem mesmo saber

de onde prov

êm

suas

propostas.

Formador

conhecid

o no

mundo

todo  ele é relativamente pouco

ou

mal conhec ido

em

seu próprio pa ís.

Quem conhece

sua pedagogia? Quem

conhece as

raízes

de seu ens inamento?

Suas evoluções? Seus

princípios?

Suas

dú vidas e suas pesquisas?

Quem

conhece a

trajetória desse

homem

e as ref lexões que ele traz para a

pe

dagogia teatral?

Quem

sabe de verdade o que é feito há mais

de cinquenta anos

cada

dia da

semana

quando às dezenas

os alunos se esforçam para descobrir as leis do

movimento

do

espaço da

interpretação

da forma? Tal

desconhecimento

provavelmente

seja

devido à dificuldade de transmitir empa

lavras a

experiência viva de

um a

pedagogia teatral. Apenas

o

corpo

comprometido com esse trabalho

pode verdadeiramen

te sentir a justeza de um

movimento

a precisão de um gesto a

evidência

de

um espaço.

Apenas

o ator que está no

jogo pode

perceber o

desvio

a hesitação o e rro que o pedagogo aten -

20

to

lhe

ap

on

t a. Somente um gru po

de

alu nos totalmen te im

plicado

ness

a aventura está em co ndições de   compreender

parcial ou tota

lmente

o qu e se deve fazer  pois o tea tro e seu

trabalho

de corp

o são c

ois

as ligadas a

um

a ex

periênciaviv

ida

de transmissão or al e de longo p razo ind ispensáveis numa

iniciação . Fixar po r escrito um pensamento

pedagóg

ico fun

dado na

pr á

tica d ireta do o lhar e da t roca é arriscar a red uzir

seu sentido fazendo com que

perca sua

dinâm ica. Porém ...

  a uma via

gem pa

cien te   n o

cora

ção da Escola  que essa s

páginas conv idam o leito r. M ês a mês   ao longo d e numerosas

entrevis tas este livro ganhou fo rma 

essenci lizou se

em

to r

no dos princípio s que estru turam

um a

pedagogia do teatro

elab

orada ao longo das experiênc ias . Iacques Lecoq nos con

duz

 

pass

o a pa sso c

om

seu vocabu

lá r

io im

agétic

o e preciso  

aos confin

s de s

ua

pr óp r

ia b usca: a d as fontes c

om

partilha

da

s

po r todas as

cri

ações.

Com

paci

ênc

ia e

generosida

de ele ex

plica

aponta os eventua is obstáculos ao longo do caminho os

desvios os impasses... Ele fica à

espr

eita   fascinado por

cert

os

enigmas

da relação entre

o h

omem

e o cosmos dos

quais nas

ce o jogo teatral.

A todo

instante surgem

at rás do gosto quase científico

pela observação da vida e de seus m ovimentos o o lhar do

poeta

o

júbil

o de um a descobert a o p razer

de

formular uma

lei

que

torne

tu d

o mais c la ro e m ais

simples. Quantas

vezes

no

entanto

nós o

surpreendem

os po

ntuando um a

afi

rm

a

çã

o

ou

um a

tomada de

part ido com um

sorriso; e dep

ois

  com

um silêncio que apenas um

 n

ão?

in t

errogativo fazi a vibrar?

Como

se

toda

essa

certeza

devesse

sem

cessar perm

anecer

numa

zona de instabi l idade  de um m ovimento do pensa-

2 1

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mento o ponto fixo

também

está em mo

viment

o A viagem

aqu

i empreendida despudorada e não desprovida de hum

or

leva nos aos

mais

altos planosdo teatro e a horizontes sempre

mais amplos: a uma sabedoria do corpo poético

Que

estas páginas sejam

como

aluviões férteis

para

um

teatro a ser

continuamente

semeado

22

À min mu

lher y Lecoq

 

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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I

VI G M P SSO L

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lacques Lecoq

sport o

t tro

Cheg

ue i

ao

teatro por m eio do espo

rte

. D e

sde

os 17 anos num a

academia de ginástica  nas

rotações

en avant n as

ba

rras

pa ra

le

las e

na bar ra

fixa 

descobri

a

geometria

do m

oviment

o.

Qu

a

n-

do se faz um a  llem n e ou um s u t

de flanc

o movimento do

corpo no

espaço

é

de

ordem puramente abstra ta.

Descobri

  aí

sensações extraordinár ias que

estendia

pa r

a a vida cot id

iana.

No metrô refazia os movim entos

dentro

de mim me sm o sen

ti a

jus tos

então

todos os tempos muito

mais

do que na reali

dade. Eu

treinava no

estádio

Roland Garros e 

quand

o ia fazer o

salto

em

altura saltava  

como

se

com

a

sensação

de

saltar

dois

metros .Adorava co

rr

er mas era especialmente

sens

ível à poesia

do esporte

- q

uando

o sol

aumenta

ou

diminui

a

sombra

d

os

atletas no

estádio

quando

o r itmo da corr id a se instala. Vivi

intensamente essa poesia

do

esporte.

Em

1941

eu

era a luno na escola de educação

física

de

Ba

gatelle quando encon

trei Iean

 Ma rie Conty. Primeiro coloca

27

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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I

I

I

I

I

I

I

I

J

do

na Politécnica, jogador internacional de basque

te,

aviador,

com Saint-Éxupéry,

nas

rotas

da

Aéropos

tale, ele era , en t ão , o

responsáve

l pela

educação

física na França.

Amigo

de Antonin

Ar

taud e de Iean -Louis

Barrault,

interessava-se

pel

as relações

en tre esportee teatro.Graças a ele , descobri o teatro, na época da

Ocu

pação,

por meio das dem onstrações feitas por Iean -Lou is

Ba

rrault em suas

p

er

f

orm

a

nce

s de

o ho m em cavalo.

Essa foi

um a emoção marcante. Iean -Marie Conty esteve no começo

de

L

Education Par

le Ieu

Drama

ti que (EPJB), um a escola ba

seada em métodos não convencionais, fundada por Iean-Lou is

Barrault (com Roger Blin, André Clave, Marie-H élene Dasté e

Clau de Ma

rtin).

Em 1947, eu ali ensina

r iaexpr

essão corp oral.

Fiz

mi

nhas primeiras aulas de te

at r

o n a asso ciação Tra

va

il et Culture (

TEC).

Com Claude Mart

in ,

alun o de

Char l

es

Du llin,faz íamos improvisações

em mímica

e com Jean

Sér

y, um

a

nt i

go

dança

r i

no

da O

per

a conve

rtid

o a um a

esp

écie de d

an

ça natu r al, im provi

sáv

amos dançando L hy mn e

au

soleil ou

La d an se du f eu . Como pr

atic

áv

am

os

esp

o r te s (um

dos

meus

compan

heiros,

Gabriel Cousin , poeta e autor dramático , era

um belo co

rr

edor) ,

utiliz

ávamos sempre como primeira

lin

g

uage

m os

gest

os do

esp

o rte : e u n adava; ele c

orria Esporte

,

moviment o e t

eatro

estavam

, p ara

mim

, associados.

Na Lib

eraçã

o, a par tir da expenencia do

TEC, c ri

amos ,

en t

re

amigos

, o grupo d

os

 Aur

ochs

  [Au

ro

ques].

Depois

nos

r

eun

im

os

com

Luiggi

Ciccione

- n

osso

pr

ofe ssor de educação

física na escola de Bagatelle - , G

abriel

Cousin e

Jean Séry

, para

fo rma r   Les c

om

pagnons

de

la Sa

inr-Iean

[Os

aprendizes

da

São João] . Durante esse exultant e períod o de volta

à

liberda

de, realizam os grandes m

anifestações,

como a primeira pe-

28

regr inação dos escotei ros da França,

em

Puy

-en-Velay,

sob

a

direção

de

Douking;

ou o

retorno dos prisioneiros,

em

Char

t res .A

chegada

de um trem de prisioneiros

havia

sido

recons

ti tuída: nas

muralhas,

diante de milhares

de

pessoas reunidas

no gramado, cantávamos, dançávamos

e

fazíamos

mímica de

canções de Charles

Trenet.

Por

ocasião

de um a apresentação

em Grenoble, Jean Dasté

veio

ver

Les compagnons e convidou

alguns de nós

para nos juntarmos

aLes Comédiens de Greno

ble, companh ia que

estava

se constitu indo. Foi o começo de

minha atividade teatral profissional.

Assumi o t reinamento da companhia. Era

preciso, agora,

não mais treinar atletas,

mas

um rei ,

uma

rainha,

personagens

de teatro, prolongamento natural do

estudo do s gestos espor

tivos. Não me

dei

conta

da

transição.

Jean Dasté

me fez

descobrir

a

interpretação

com

máscara

e

o

japonês, duas fontes que

me

marcaram profundamente

.

Em L Exode um a   figuração

com

mímica e máscaras cr iada

po r

Ma r

ie-Hél

êne

e

Jean Dasté,

todos os atores usavam um a

máscara dita  nobre , que hoje em dia

ch amamos

de másca

ra   neutra . Guardo também a lembrança de um nó japonês,

O que

murmura

o rio

Sumida em

que fazíamos mímica do s

movimentos de um

barco,

enquanto

nossas vozes evocavam

os son s do rio.

Ret

om and o em pa rt e o trabalho de

Iacques

Co p

eau, de

quem

Da

sté

havia sid o

aluno, nós nos apresentávamos em

Gr

enob

le e em t

od

a a região.

De

s

cobri

ali o

espírito

dos

 Copiaux  , essa vontade de dirig ir-se a um público popular,

Experiment o de Coupeau, de l

evar

tea tro com me ios sim ple s a au diências

in terioranas francesas. [N. E.]

 

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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com um tea tro simples e direto . Cop eau fo i par a m im

um

a

refer ência, ass im com o Charles

Dullin

, da mesma família tea

tr a

l. No ss a ju

ventude

se reco

nheci

a no esp

írit

o da escola

qu

e

ele havia fundado em Paris.

Deix

ei Gren

oble

no fim de 1947, p r

imeiro

para

ensinar

na

E

PJD

, d

ep

ois

fui

p

ar

a C

oblenç

a, n a Alemanha,

onde

fui

animador dramático dos Ren contres fran co -allemandes de la

jeneusse [E

nc

ont ros franco-alemães da juventude] . Durante

seis

me

ses, fiz mi nhas

pr im

eiras c

onferênci

as

-demonstraçã

o

nas escolas norm ais da Renânia, utilizando a m áscara  no

bre para mostrar, tan to para p rofessores quanto par a alunos ,

o movimento e a expressão dr

amátic

os. Gos to

de imaginar

que de

snazifi

quei um

pou

co a

Alemanh

a: eu p ropunha um

movimento

-teste,

d e descontr ação, qu e con sisti a em le

vanta

r

os

braços

e

depois

so ltá-los. . . C

onstatei

que eles f

aziam

esse

gesto

de

maneira

ligeir

a

men

te d

iferen

te da nossa. Eu os

ensi

ne i, en tão, a relaxar

v ntu

 

it

l n

 

Em

194

8, a pedido de Gianfr an co De Bos io e L ie ta Papa

fava,

dois

alunos italiano s qu e vieram pa ra f azer o curso n a

es

cola

EPJD em Paris, fu i passa r t rês meses

na

Itália, apenas

para v

er

.. . e a

cabei ficand

o ali

po r

oito

an

os Tive a sorte de,

pr imeiramente, trabalh

ar

no teatro un iversitário de Pádua ,

com a possibil

idade

de interligar en sin o e criação. Descobri

a commedia dell

 arte

. Como

tivéssemos necessi

dade d e más

caras, De Bosio me apresentou ao escu ltor Amleto Sa

rt

ori,

que

n os abriu s

eu

atelier. Eu mesmo modelava as primeiras

30

 

máscaras

em papelão, reutiliz

and

o a t écni ca de Das

té,

até o

d ia em que Sartori me propôs que ele mesmo as fizesse . Fe

liz iniciativa Fo i ele o primeiro a

redescobrir

a fabr icação

de

máscaras em c

ou

ro para a commedia dell'arte, que havia pra

ticamente

desaparecido

. Em Pádua,

eu

ia

observar

os peões

vendendo seu gad o

na

fei ra de pecuária, depois Sartori me

levava

nas espeluncas

d a

periferia da

c

idade

para

comer carne

de cavalo defumada, no meio daqueles a quem ele chamava

de   ladrões de ca

valos

 .

Sen

ti naqueles

bairro

s o qu e

poderia

ser uma

autêntica

commedia dell arte , em

qu

e os personagens

estão permanentemente n a urgência

de

viver. Não era

um a

commed ia dell arte livresca, mas a de Ruzzante, enraizada na

vida do campo , próxima das origens.

Demos,

en t ão, a esse

autor,

o

lugar que

lhe era m erecido,

representando

  a

 oschett uma de suas peças que

estava

esquecida.

Carlo Ludov

ici, o

arlequim

da célebre companhia

d ialetal de

Cesco

Baseggio, em Veneza,

ensinou

-me as atitu

des

do personagem,

qu e ele própr io havia recebido de um ve

lho arlequim .A

partir

desses mo

vimentos

, criei um a ginástica

de arlequ

im

, que po ste riormente pude ensi

nar.

Todas essas

descober tas foram da maio r

importânc

ia para a continuidade

do meu traba

lho.

Em seguida, convidado po r Giorgio Strehler e Paolo

Gras

si, ch eguei no Piccolo Teatro,de Milão, para juntamente com

eles cri

ar

a escola do Piccolo. A

criação

de

um a

escola

dent

ro

de um teatro

prov

oca, l

og

o de início,

um

a grand e pe rgun

ta

:

com o fazer pa ra qu e ela n ão seja a escola de apenas um t eatro

m a s a escola de tod os os te atros?A esc

ola

de um

teatro

é sem

p re ambígua, o encenador quer f

orma

r alun os à su a im agem

31

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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e ficar com os melhores. Não sou partidá

ri

o de uma

ta l

po s

tura , pois se corre o risco de se cristalizar nu m estilo único.

Felizmente, no Piccolo, nã o

havia

pequenos papéis a

serem

distribuídos

entre

os

alunos, pois

bonsatores já os

representa

vam

havia mais

de

dez

anos

Durante

esse

período,

apresentei

Sartori

a

Strehler. Foi

assim

que

ele

começou

a fazer

máscaras

de couro para o Piccolo

Teatro.

Quando

me ped ir am par a criar os

mo

vimentos do coro

de Electra de S ófocles, eu nem imaginava que, no Piccolo, fa

ri a

um a descoberta ainda

maior:

a tragédia grega e o coro.

Dei continuidade a essa pesquisa em Siracusa, criando vários

outros coros: Íon Hécuba Os sete contra Tebas Hércules.

Na

época, os coros eram

interpretados

po r dança

rinos

e dançari

nas em estilo expressionista. Para

renovar

os movimentos do

coro

antigo, cuja

forma

estava cristalizada, precisei

inventar

novos gestos. Não

imaginava,

na

época, quanto

esse trabalho

também influenciaria minha pedagogia.

Meu

período

italiano seguiu em meio a

diversas

aventu

ras. Franco Parenti, a to r do

Piccolo,

chamou Dario Fo (que

saía da

escola

de

Belas-Artes

de Milão), Giustino Durano

( um a to r-cantor), Fiorenzo Carpi

(o músico

do Piccolo Tea

tro)

e a mim, para elaborarmos um

teatro de

revista político

e

polêmico sobre

a

atualidade

italiana: Le doi gt dans l oei l e,

posteriormente,

na

temporada

seguinte

Les saints

 

lier.

Essa

aventura renovou radicalmente

o

espírito

do

teatro de

revista

italiano,

nã o só pelo

novo

comprometimento que

ela

consti

tuía, mas

também

pelas

formas de l inguagem

corporal

utili

zadas. Esses espetáculos obtiveram grande

sucesso.

32

Com

Parenti, fundamo s, em

seguida

, a Companhia Par

en

ti-Lecoq,

qu

e tinha por ob jetivo encenar a

ut

ores novos . Am

bição difícil: todo o

di nheiro

que

havíamos

ganhado co m os

satíricos teatros de revista p erdemos m on tando  s cadeiras

e A c an tora careca de

Euge

ne Io n esc o

em 1951-1

952 ), e Le

d éluge

de Ugo Betti.

Nesse mesmo período, dirigi M im e m usic n

 

2, de Lucia

no

Beri

o, cuja prime ir a core ografia foi minha . Depois, Anna

Magnani

me

telefono u para criar certas sequências do

teatr

o

de revista  ui est en sc ênei

qu

e marcava seu re tor no ao teatro ,

depois de um a longa c

arre

ir a no cinema. Foi um a expe riênc ia

inesquecível, a

de a juda

r essa

gr

a

nd e da

ma

do tea t

ro a   reen

contrar

seu público

 . Enfim , com o ator, pa rticipei das filma

gens da p rime ir a tr ansmissão de tea tro de variedades p a

ra

a

televisã

o italiana e m

on

tei

numerosas

pant

om

imas cômicas.

Aliás, fiz um pou co de c inema à Warner. Extraordinári a lem

brança, a das minhas corridas de treina

ment

o, pela manhã, na

Cinecittà, passando de um cen á

ri

o a outro.

  v r

  aris

Com

duas

descobertas

fundamentais fei tas na It ália - de

um

lado

, o reencont ro com a comédia italiana,

de out ro ,

a

tragédia grega e seu coro - volte i a Paris em 1956. Em

minha

despedida

,

Arnleto Sart

or i

ofereceu-me

todas

as

máscaras

de

couro da

commedia dell arte, o que me permi tiu torná-las co

nhecidas

na França

e, depois, no

mundo todo

. Rapidamente

abri a

Escola,

com um pequeno grupo de a lunos, ao mesmo

tempo que dava prosseguimento a um t rabalho de cri

ação.

33

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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M inha

primeira

exper

iência frances

a fo i a i

ntrodução

da

interpretação com máscaras , em La famille Arlequin um es-

petáculo

de

Iacques

Fabbri e Claude

Santelli

, com uma equipe

em que a tuavam

atores jovens

pouco

conhecidos:

Raymond

Devos,

RosyVarte, Claude Pi éplu,

André

Gilles, Charles Char-

raso

Também

Philippe Tiry participava da aventura

.

Em

seguida, foi o

Th

éâtre

National

Populaire,

no qual

fi-

quei p

or

t

rês

anos , ten do sido convidado por Jean Vilar. Ele me

chamou para cria r as cenas

de

movimento dos espetáculos.

Quando firmamos a

parceria, Vilar

me disse:

 Faça

de tu do,

menos

m

ímica

.

Rapidamen

te ele

compreendeu

que,

quan

-

do eu falava de m

ímica,

'

tratava-se

de algo completamente

distin to

da mímica convencional que

existia

na época. Aliás,

dirigi

a peça de Gabriel

Cousin

L aboyeuse et l

 automate no

Théâtre

Quotidien, de Marselha (TQM). Durante esse

mes

-

mo

período

,

Marcel

Bluwal

fez

c om que

eu

entrasse

na

tele

-

visão francesa

para participar

de

programas

para jovens. Fu i

o autor de 26 comédias mudas, um a

série intitulada:

La belle

equipe

realizada po r Ange Casta, com

os

atores

da Escola.

A Escola se

desenvo

lvia rapidamente e

precisei

fazer

uma

escolha. Decidi, então, dedicar-m e totalmente à

pedagogia,

não para abrir um

simples

curso , mas para fundar

uma

escola

verdadeiramente grande. Na

verdade,

sempre

quis e gostei de

ensinar,

mas

ensinar,

sobretudo, para

conhecer.  

ensinando

que posso continuar minha busca, no

sentido

de conhecer

o

movimento

.

 

ensinando

que

compreendo

melhor como

tudo se movimenta.

 

ensinando

que descobri

que

o

corpo

Para distinguir a mím ica, c

om

o compreendida po r Lecoq, da   mímica c

on

-

vencionaI, esta úl t ima é colocada entre aspas . [N.T.]

34

sabe

coisas que a

cabeça

ainda não

sab

e Essa pesquisa me

fascina e, aind a hoje, desejo co

mp

artilhá-la.

 m

es ol

mmov m n to

A Esc ola foi fundada n o dia 5 de dezembro de 1956, n o

número 94 d a r ue d 'Amsterdam, em Paris. De pois, um mês

mais tarde , tr ansferi

da

para os estúdios de

dança

n o número

83 da ru e

du

Bac, onde

ficou

por onze anos . O curso começou

com máscara neutra e com

expressã

o co rporal, commed ia

dell'arte,

co r

o e tragédia grega, pan t

omim

a branca, figuração

em mímica, máscaras

express

ivas, música e, como

base téc

nica, a acrobacia dramática e a m ím ica de ação. Muito rap i

damente,

acrescente i

um trabalho

sobre

impr

ovisaçãO falada

e escrita.

Í amos do

silêncio à palavra po r

meio

do

qu

e

vi r

ia

constituir

o

grande

tema

da

Escola:

A Vi ag

em

.

Ao

fim

de

três

anos, em 1959, formei uma companhia com

alguns

alunos :

Liliane

de

Kermadec,

Hélene Chatelain, Nico

le de Surmont, Philippe Avron, Claude

Evrard,

Isaac Alvarez,

Yves

Kerboul,

Elie Presmann, Edouardo Manet . Com eles,

realizei um espetáculo baseado em mímica, intitulado Car

-

nets de voyage

que mostrava as

diferentes direções

da

mím

ic a,

aberta ao teatro e à dança, assim como eu os concebia. Esse

espetáculo comportava coro com máscaras, música concreta,

figuração

em

mímica, pantomima branca, número cômico,

melodrama

coletivo

e

commedia

dell

'arte.

Em 1962, apareceram

pela primeir

a vez os clo

wns.

Ex-

plorando o domínio

do

derrisório e

do cômico, descobri

 a

busca

do

seu

próprio clown ,

que daria

ao at

or

uma

grande

 

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Na Escola rue du Faubourg aint Denis 57  Paris.

liberdade para

si

mesm

o. Essa exp lo

raçã

o

pr o

v

oco

u a abe

rtu

ra de um vasto território dramático e enc

ontrou

seulugar  em

seguida, em

numerosos espetáculos.

No

mesmo período,

co -

mecei a trabalhar

com

as

máscaras do carnaval

de Bali

 más

-

caras larvárias antes da maquiagem

para

a festa e

também

investiguei a abordagem

dos

textos

dramáticos.

Tendo se

ampliado,

em 1968 a Escola   que funcionava

num

espaço muito apertado

nuns

estúdios de dança   deslo

cou-se para um a antiga fábrica de balões   na rue de la Quin -

tine. Nesse novo espaço, ela ganhou sua verdadeira dimensão.

Os clowns desenvolveram-se em grandes grupos. Pela primei

ra vez fazíamos encomendas aos alunos do

pr

imeiro ano: nó s

os

mandávamos par

a fazer pesquisas

em diferentes

ambien-

tes  alimentando ass

im ,

os espetáculos que apresentavam na s

sessões noturnas.

Os eventos

de maio de 1 96 8 confirmaram

o

ensino

da Escola

e o

desejo dos

a luno s de

nela trabalhar

.

Fomos

certamente um a das ra ras escolas que funcionaram

durante esse

período.

A juventude explodia, enquanto

nó s

ex

plodíamos os gestos e os textos, em busca de

uma

linguagem

que lhes devolvesse o sentido. No mesmo ano, a pedido de

Iacques Bosson 

arquiteto

e professor muito

criativo,

t

ornei

-

me professor da

Escola

Nacional de Belas-Artes  Université

de Paris 6 ,

em

Paris. Comecei minhas pesquisas sobre os

es

paços

construídos e a adaptação da

pedagog

ia

do movimento

na

formação de arquitetos. Essa experiência

durou

vinte

anos

e muito contribuiu

para

a minha

pedagogia

do

teatro,

espe-

cia lmente no qu e d iz respeito ao espaço

do

jogo. Esse trabalho

levaria à

criação de um

departamento

de cenografia

no seio

da

Escola: o Laboratório

do Es tudo

do Movimento  LEM .

37

I

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ncontr r seu

lug r

De 1972 a

1976,

f omos d e um lugar p ara o utro, d o

Thé âtre

de

la Ville ao Centro

Americano

(um vasto espa

ço

sem aquec imento , onde dávamos

aulas

enrolados

em

cobertores ), com

um

breve retorno à ru e de la Quintine.

Naquelas condições

particularmente

difíceis,

vi abrirem-se

diante

de mim novos

te rr i tór ios dramáticos, que

ia m am

pliar o campo

da minha pedagogia

e conduzir a

novas

cria

ções: o melodrama e os bufõe s, o s

quadros

mímicos, os

mímicos-contadores . A pantomima da s imagens

substituía

a das palavras . O melodrama lutava contra seu clichê

gran

diloquente e

revelava

grandes sen timentos escondidos. Os

bufões apossavam-se de todas as paródias , ao mesmo tempo

que faziam surgir um a

nova dimensão

sagrada. Os contado

res

descobriam

novas

linguagens

gestuais.

Em

1976,

enfim,

descobrimos nosso verdadeiro espaço, no núme ro 57 da r ue

du Paubourg-Saint-Denis:

a

ex-Central

de Boxe, um

antigo

ginásio onde se

praticava

a ginást ica de

Amoros (p ione iro

da educação física na França), construído c em ano s antes,

em 1876. Um verdadeiro símbolo Ali, as

multidões

e as

tr i

bunas,

nascidas dos

protestos

de 1968, ganharam impulso e

humanizaram o coro trágico - como o melodrama humani

zaria o herói, recolocando

-o

nas situações do cotidiano. A

commedia

dell'arte,

ligeiramente

esclerosada

nas sua s

fo r

mas,

sofreu

um a

reviravolta

e

retornou.

Ela liberou, então,

a   comédia humana ,

d a q ua l

havia nascido,

mas q ue

havia

pouco

a pouco

esquecido

. Nos espetáculos,

os

clowns pe r

deram

seus narizes ,

mas

os

conservaram na pedagogia. O

cômico estendeu

-se

ao burlesco e ao

absurdo,

com o renas -

38

cimento do cabaré e do teatro de revis ta . Os bu fões fize ra m

c om que

outros terri tórios surgissem: o

do mistér i

o o

do

fantástico,

o do grotesco. Em seguida, tudo começou a se

misturar,

gerando

um a

grande química

dramática : o

melo

drama e o

coro

(o melocoro os clowns e os grotescos,

os

quadros mímicos

e o drama, os bufões e o

mistério,

a

melo-

mímic

Nossa viagem pedagógica horizontal

pelas

vastidões geo

dramáticas

desdobrou

-se progressivamente numa

segunda

viagem, verticalizando-se:

trabalhando

ao

mesm

o

temp

o a

elevação dos níveis

de

interpretação e a exploração

da

s pro

fundezas poéticas.

A dinâmica

das pal av ra s, das cor es

  da s

paixões

e a essencialização abstrata do s f enômenos da v ida

conduziam

à

bus ca de

um denominador

comum.

Ma s

essa

busca implica conservar um a distância e se possível, o humor

necessário:

nunca

se esquecer de

que

o objetivo

da

viagem

.. .

é a própria viagem

Ainda

hoje, a

Escola

está em

permanente

movimento, a evolução

prossegue.

As

lições

são

diferentes

a

cada dia ,

ma s numa

ordem de progressão muito precisa. Os

alunos podem nos

levar

a questionar certos

aspectos,

ma s há

algo que permanece, e a

proposta

pedagógica é

muito

be m

construída. Algumas vezes me

dizem:

 Uma

vez

construída,

n ão temos liberdade .   exatamente o contrário Ainda

qu e

possamos dar

a impressão,

vistos

de fora, de

qu e

fazemos

sempre

a

mesma

coisa,

na

verdade tudo

muda. . .

mas lenta

mente Não

andamos a grandes

passadas,

somos

mais

pare

cidos com o

mar:

os

movimentos

das

ondas,

na superfície,

estão mais visíveis

d o q ue

os que e st ão po r baixo 

mas todos

esses

movimen to s vêm do

fundo.

Na

Escola, há

sempre

essa

39

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40

ideia   submarina . Mesmo se, algum as vezes, p om os a cabeça

para fora rapidamente mergu lhamos

de

volta

entre

uma e

outra onda. A

Escola

comemorou,

em

dezembro de 1996, seu

aniversário

de

40

anos

.

 

gem

d

scol

A pedagogia

da

Escola desenvo l

ve-se

em dois anos, ao longo

dos quais

um duplo

caminho é

percorrido

:

de um lado

, a

pista

do i nt er pr et ar da

improvis ção

e

de sua s regras

 ; de

outro

a técnic dos

mo

vim ntos e

sua

análise. Essas duas pis tas sã o

complementadas pelos   utocursos

em

que é elaborado o tea

t ro dos

próprios

alunos .

No começo da aprendizagem pesquisamos a interpreta

ção

psico

lógica silenciosa; depois a

pa rti r de

um est do n utro

-

um

estado de calma e de curiosidade

 

começa a verdadeira

viagem

pe

dagógica na descobert a das

dinâmicas

da

natureza.

Os elementos matérias

a

nimais cores luzes sons

e

palavras

são reconhecidos

no

corpo mími o m   ção e

servem

à

inter

pretação dos personagens.

São desenvolvidosdiferentes níveis

de in

terpretação desde

a reinterpret ção à

máscara

expressi

va, da

máscara

de

personagem

à

máscara abstrata

,

passando

41

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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p or fo

rm

as e

estrutur

as. D ifi

cu

ld ades

enc

on t ra

das

n os

esti

los

ajudam a construir a

realidade

de o u t r a maneira. A

parte téc

nica,

baseada

na

análise dos m ovimentos ,

segue

as temáticas

de

impr

o

visação

.

Exercícios

preparam

o

corpo humano para

recebe

r e exp

ressar-se

melhor  p r e p a r a ção co r p o r al e v oc al ,

acrobacia dramática, análise

das ações

físicas) . Essa

primeira

parte da viagem

é

acomp

anhada

a

bordando

-se as

linguagens

da poesia, da pintura e d a m

úsic

a.

A se g u n d a parte d a vi agem co

me

ça com

um

estud

o so

br

e a li

nguagem

d os ges tos. Ela p

repara um

a

expl

oração dos

difer

e

ntes

territór ios dram

átic

o s,

em

sua

extensão

, e

em

sua

re

laçã

o e

aderência

a

um f undo poético   omum

e co m a gran

deza

d o s níveis

de

interp

reta

ção. Essa

viagem geodramática

se

dá em três

dimensões:

extensão, elevação

e

profundidade.

Ernbasa

-se

em cinco

territór ios

principais

, que geram outros,

conhecidos na

história do teatro e reconhe

cidos

ria v

ida atual:

o melodrama

 os

grandes sentimen

tos ,

a commedia d ell arte

 comédia

humana ,

os

bufões

 do

grotesco

ao mistério , a

tragédia  o

coro

e o h erói), o

clown

  o

burlesco

e o

absurdo ,

aos

quais

se

juntam

as

variedades cômicas

. . .

Uma

técnica aplicada

a es se s

dife

rentes territórios faz a

carpintaria

da

interpretação

; e o aporte

de

t extos

dramáticos

enrique

ce a

criaç

ão em cad a

um

d os ter ritórios.

A cad a

etapa, aplicam

-se diferentes t ratamentos

do

exercício:

»

método

evolutivo,

que

vai

d o

mais simples

ao

mais

complexo;

» mé todo

das transferências

qu e

passa

de

uma

cnica

cor

po

r al a um a

expressão

dramática

 justificativa dra

-

42

 

mática das

ações

físicas,

t ransferência das dinâmicas da

na t

ur

ez a p ar a a s pe rs o n ag e n s e

sit

uações);

» aum

ento e d

im

inuição d o gesto, d o e

qu

ilíbrio

à

re

sp i

-

raçã

o;

» gamas

e n íveis d e in

terpr

etação;

»

u nião do

gest

o e da vo z;

»

ec

on

om ia de m ov imentos, acidentes e de svios;

» pass

agem do

rea

l ao imaginário;

»

de

sco

be rt a d a interpret

açã

o e de suas regras   as regr as

n ascem d a p rópria i

nterpre

tação);

» m ét

od

os d e restr

içõ

es  de espaço, de tem p o e de

mero .

Pesquisas

t

raduzidas

em e

spe

táculos, e u m a

prova

t écnica

 o

enc

ad ea

me

n to d e vinte

mov

im ent os)

ence

rra m o p r i me i r o

an o.

Encomendas

aos al

un

os co

nc lue

m as

ativida

d es d o

se

gund

o an o.

São realiz

ad

os

espetácul

os, ligad os aos temas

expl

o

ra d

os ,

ao l

ong

o d o segundo

ano:

sã o

cr i

ações dos a lunos,

apresen

tações públicas

organizadas

em eventos três

vezes na t empo

rada .

O m ovimento, trazido pelo corpo humano, é n osso

gu

ia

permanente

n essa viagem q u e vai da vida ao teatro.

  r

um

jovem

te tro de ri ção

O objetivo da E sc ol a é a

realização

de um jovem tea tro de

criaçã

o, que trabalhe linguagens em que a interpretação física

d o at

or esteja

presente. O a to de

criação

é suscitado de

modo

permanente, sobretudo

po r

meio da improvisação primeiro

4 3

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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 j

po

nt

o

de

pa

rtida

par a qua

lque

r cri ação. A Escola visa a um

teatro de art e  mas a pedagogia do tea tro é mais vasta

que

o próprio teatro. Na verdade sempre concebi

meu

trabalho

com um dup lo ob jetivo: de um

lad

o meu interesse está no

tea tro;

de

ou tro

na

vida .

Sempre ten

te i

forma

r pessoas qu e

ficassem bem nos dois lados. Talvez seja um a utopia,

ma s

gos

t

ar i

a

que

o

alun

o estivesse

vivo

na

v

id

a e f

osse

um

artista

no

palco. Além do ma is

nã o

se trata apen as de f

ormar

atores,

mas

de

prepara

r todos os

artista

s

de

teatro: au tores, diretores,

cenógrafos e

ator

es.

Uma

das originalidades d a Escola é

forn

ecer

um a

base tão

amp la e permanente quan to possível sabendo que, em segui

da cada um far á desses elementos o seu próprio caminho. Os

alunos que seguem nosso percurso adquirem um a inteligên

cia de in terpretação e desenvol

vem

seu imaginário. Isso lhes

permitirá inventar seu próprio teatro ou

interpretar

textos   se

assim o

desejarem,

mas de um a

maneira nova.

A interpreta

ção é o prolongamento de

um

ato

criador.

No centro do

processo pedagógico,

a  mprov s ção é às

vezes confundida com a expressão  Mas quem se expressa

não

está,

necessariamente,

em s it ua ção d e

criação

.

Claro,

o ideal seria que criasse e se expressasse ao mesmo tem

po;

esse

seria

o

grande equilíbrio.

Infelizmente,

muitos

se

expressam  deliciam-se com enorme prazer, e se esque

cem de que

não podem

fruir sozinhos esse

gozo

: o

público

também precisa

Muitos

professores costumam confundir

essas duas noções .

A diferença

entre

um ato

de

expressão e

um a to de

criação

consiste no

seguinte

: no ato de

expressão,

interpreta -se para

 

si me

smo,

mais do que

para

o público.

Sempre

observo se o

ato r emana algo  se desenvolve em torno de si um espaço em

que os

esp

ectad

or

es estão

pre

se

nt

es. Muitos abs

or

vem esse es

paço

voltam

-no par a si

mes

mos deixando o

público

de for a 

tornand o   privativa a aç

ão.

Se alguns se sentem melhor de

pois da aula tra ta-se de um a aquisição suplementar m as me u

obj e

tivo

o é

  cu

rar as p ess

oas

por

me i

o do teatro. Num

processo

de

cri a ção o obje to criado

não mai s

pertence a

seu

cr iad or. O objetivo é realizar o ato de cr i ação: dar um fruto

qu e se de

spren

de da árvore

Em mi nha pedagog ia sempre privilegiei o m undo de fora,

não o de dent ro. A bu sca de si mesmo

das

p r

óp

r ias sensações

ín t

imas, pouco in teressa a nosso tr

ab

a lho. O eu é sempre de

mais. É p reciso ver co

mo

os seres e as coisas se mov imen t am e

com o eles se refletem

em

n ós.

É prec

iso pri

vi

l egiar o horizon

tal o vertical o que e

xis

te de

manei

ra

intang

ível for a de si. A

pessoa

se revelará a ela mesma em rel ação a esses

apoi

os no

m undo exterior. E  se o aluno for diferente, isso será vist o nes

se reflexo. Nã o

busco nas lembranças

psicológicas p

rofundas

um a fon te de

cr i

ação em q

ue

 o g rito da vida se confundiri a

com o grito da ilusão  . Prefiro a distância do j

og

o entre

mim

e

o personagem, que permi te melhor

interpre

tar.

Os

ato res in

terpretam

ma l os textos

que

lhes dizem

respei

to em demasia.

Emitem

um tipo

de voz

branca,

pois assumem pa ra si um a

par te do

texto

 

sem

conseguir

-la

ao

públ

ico.

Acre

ditar ou

identificar-se

não

é suficiente, é preciso interpreta r.

Diante de um a improvisação, de

um

exercício faço cons-

tatações que não se devem confundir com opiniões

Qu

ando

 5

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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P rimeiro ano

Segundo an o

Encomendaslowns

 ragédia

Co

mmedia

de ll arte

Melodr

ama

Bufões

 

Ling uagem

dos gestos

de

estilo

Música

Poesia

 intura

Matérias

 6

  squema pedagógico 

7

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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o pn eu de um carro es tour a, isso não é u

ma

opinião, é u

ma

ve

rd

ade  Eu constato. Opiniões só

podem

s er e nunciadas de

poi s, a p

artir de

um a referência ao

fato

real. A co

ns t

a

tação

é

feita

pe l

o

professor, circundado de a lunos.

Quand

o co

nstat

o

algum a co

isa,

h á e m mim uma ressonância do s a

lu n

os n aqui

lo que vou dizer. Cabe a

mim

f

ormular

a constatação, mas é

im p

o

rtan

te

qu e

ela sej a c

ompartilhada por todos. Pou

co

in te

ressa se, depois de

um a

improvisação

, um pr ofess or de teatro

tem

v

ontade

de d izer:

 gost

o disso . . . , ado ro aq

uilo

. . . . Cada

um

p

od e

g

ostar ou nã o

d o

qu e vi u

, is

so

é

um a

o ut

ra

coisa. A

c

on s

t

ataçã

o é o

olhar que

se foc a

na

coi sa vi

va,

t

en

t a

nd

o ser o

m ai s objetivo possível.

A crítica

feita

a um trabalho

o é

um a

cr ítica do

be m

o u do mal, é um a crítica do justo do longo demais do curto

 em is 

do

interessante

do

desinteressante  

Isso pode

parecer

pretensioso, ma s

só no s interessa

o

qu e

é justo:

uma dimen

são ar tística, uma emoção, um ângulo, um a relação de cores.

Tudo

i sso exis te em

obras que, independentes da dimensão

histór ica, duram. Isso todo s

podem

senti-lo, e o

público

sabe

perfeitamente

quando

é

justo

Se ele nã o sabe p or quê, nó s

devemos sabê-lo, poi s somos , a lém de

tudo

.. . especialistas.

Sempre intervenho em

f unção de

um a referência ao mo

v im en to . Por que o interesse está cain d o? Po r

qu e

temos a

impressão de qu e

algo

nunca

va i

terminar?

São constatações

simples, a serviço de um a organização viva; aliás,

toda

orga

nização viva

p rovém do

movimento,

como um a

subida,

um a

descida,

um r i tmo. Podemos reencontrar essa

organização

em

cada uma das improvisações.Nesse sentido, a Escola também

48

 

é

um a

escola do olhar. Qualquer

um

pode dar um tem a d e

improvisação, o p rob lema é

sabe

r o qu e se d

ir

á de

po

is

o

se

trata

de

transm

itir

um

saber

automáti

co, m as

de

te

nt ar

com p re en de r junto,

de

en con t ra r ent re o aluno e o p r

ofe

s

so r um p

on

to m ai s alt o , que faça com que o professor diga

a seus alunos co i

sas

que n u nca pod eria te r

di t

o sem eles e,

nos alunos , suscite, p o r meio d a vo

nt

ade, da cu r iosidade, um

con h eci

me

nto.

Os p

on

to s de v

ista são, no

en t

an

to ,

be

m -v in

dos:

é p reci

so qu e,

em

seu t raba lh o d ramático, os alunos

te

nham ideias

e op iniões, m as , se nã o est i

vere

m an coradas n o re al, ess as

ideias

se

o inúteis. O

mesm

o fen

ômen

o existe na

pintura:

Co

rot,

Céz

anne

ou Soutine

pudera

m p i

nt a

r tod o o

ti p

o

de

árvo res, t r ansfigurá-las, ca p ta r

um

a faceta, trabalhar

um a

ce r

ta

lum i

no

si

da

de,

mas

se

o

existis

se

  a

Árvore

 

naquilo qu e

pinta ram , nada te r ia

acontecid

o Voltamos sempre à obser

vação das coisas, a o mai s próximo poss ível

da

natureza e

da

realidade

humana .

Acredit

o

muito

nas pe rmanências ,

naqu

ilo

qu e

é a  Árvore de todas as

árvores

 , a  Máscara de todas as

m áscaras': o  Equilíbrio de todos os equilíbrios . Talvez

essa

tendência pessoal

constitua

um obstáculo,

ma s

é um obstá

cu lo necessário. A partir de uma referência

reconhecida,

qu e

tende à

neut

ralidade, os alunos encontram su a

própria

posi

ção.

Logicamente, essa

neutralidade absoluta e universal

nã o

existe

, é

apenas

um a

tentação

.

 

por

isso

qu e

o

erro

é

interes

sante. O

absoluto

nã o

pode

viver

sem

o erro. A diferença entre

o

polo

geográfico e o polo magnético do globo

me

interessa

muito. O

norte

n

ãoest

á exatamente

no

norte

um

ângu

lo

e, felizmente, esse ângulo

existe.

O erro não somente é aceito,

49

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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mas é

necessário

para que a

vida

continue, exceto se

for mu i

-

to grave.

Um erro

grave é

catastrófico,

mas um

pequeno

erro

é essencial

para

se

viver

melhor.

Se

não houver erro,

ces sa o

movimento.  

a

morte

usc

d s

perm nên i s

Ao

lado da improvisação,

a segundagrande

pista

da Escola

diz respeito

à

análise dos movimentos .

O movimento não é

um

percurso,

é uma dinâmica, outra coisa que

um simples

deslocamento

de

um pon to

a

outro.

O qu e

importa

é

como

o

deslocamento

é fei to. O

fundo dinâmico

do

meu ensino está

constituído pelas

relações de

ritmos, de espaços

e

de

forças.

O

importante

é a

parti r do corpo humano

em

ação,

reconhe

cer

as leis

do

movimento: equilíbrio desequilíbrio oposição

altern ância compensação ação reação.

Leis

que

se

encontram

não

só no

corpo do ator, mas

também

no

do

público

. O es-

pectador sabe

perfeitamente

se há

equilíbrio

ou

desequilíbrio

numa

cena. Existe

um corpo coletivo

qu e

sabe

se

um espe

táculo está

vivo ou não.

O fas tio

coletivo

é

um

sinal

d o n ão

funcionamento orgânico de um

espetáculo.

As leis

do

movimento

organizam todas

as

situações tea

trais. A

escrita

teatral

é

uma estrutura em movimento

.

Os

te -

mas po

dem mudar,

pois

pertencem ao

mu

ndo

das ide

ias mas

as

estruturas

de

interpretação

permanecem li gadas ao movi-

mento

e a

suas

leis

imutáveis

.

Em arquitetura, ao concretar

a

abóbada,

se se

exagerar

no

cimento, tudo desaba. No teatro,

às vezes se

vai longe demais sem saber

se tudo

vai vir abai

-

xo .

 

preciso

então,

encontrar dent ro de nós

essa

arquitetu

-

ra. Os movimentos

exterio

res

são

aná

logos aos

mov imentos

50

interi

ores,

a lingu

age

m é a me

sm

a . D es

cobr

ir a

poética da s

permanências, que faz

nascer

uma

escrita

  eis a

minha

grande

fascinaçã

o.

Sempre

defendi

a

ideia de uma pedagogi

a

da mím

ica aber

ta.

Fazer mímica

é  

para

o

ator,

para

a

escrita

e

para

a

inter

-

pretação

 

um ato fundamental,

o

a to p rime ir o da criação

dramática.

No cen tro

ponho

a

ação

da

mímica

no ato

como

se fosse o próprio

corpo do

teatro:

poder

interpretar sendo

um outro,

poder dar

a

ilusão

de qualquer coisa.

Infelizmente,

a

palavra

tornou-se

capciosa, codificada, esclerosada. Send

o

assim, preciso

especificar aquil

o

que entend

o

po r

mímic

.

A

 mímica congelou-se a partir do momen to em que se

desli

-

gou do

teatro. Voltou-se

para si

mesma

e

apenas um certo vi r

-

tuosismo pôde lhe da r

sentido.

O teatro

francês

acabou po r

rejeitá

-la completamente, para além de suas fronteiras,

como

sendo um espetáculo

em si.

Mas

o

ato

da mímica

é

um

grande

ato, um

a to da

infância:

a criança faz mímica do mundo para

reconhecê-lo

e preparar

-se

para vivê lo . O

teatro

é

um jogo

que dá

continuidade a e sse fato. O termo

 mímica , hoje

em

dia, está tão

reduzido que é

preciso

encontrar

outros.

 

po r

isso

que, a lgumas

vezes

utilizo

o termo

mimismo (tão

bem

esclarecido

po r Marcel Iousse em seu Anthropologíe du geste

qu e não se confundirá com mimetismo O mimetismo é um a

representação

da forma; o

mimismo

é a

busca

da dinâmica

interna do sentido.

Fazer

mímica

é faire corps avec incorporar-se a para com

preender

melhor. Aquele

que manipula

tijolos

durante um di a

inteiro,

e

po r

vários

dias

chega

a

um momen to em que n ão

sabe

mais

o que

está manipulando.

Tal ação se torna automá-

51

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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tica. Se l

he pe d

i rmos

para

fazer a m

ím i

ca

da manipulaçã

o d

os

tijo los, ele

encontra

rá a sensação desse

ob

jeto seu peso, seu vo

lum e. Em pedagogia, esse

fenômeno

é interessante: fazer mí

mica

pe

rm ite redescobrir a

coisa

com

mais frescor. O ato de

fazer

mímic

a é aqui um conhecimento.

Não

vamos

confundir

essa mímica pedagógica com a arte da mímica que

atinge

a

grandeza da transposiçã

o,

especialmente

no

teatro

n ô

japonês

quand o o ator, apenas com o vibrar do

leque

faz mímica de

sua raiva.

Existe

igua

lmente um a mímica escondida que se encon

tra em tod as as a

rte

s. T

od

o verdadei

ro

artista é um m

ímico

.

Se

Picas

so pôd e p in

ta r um touro

a seu modo , foi

po r

antes

já te r v i

sto

tan tos tou ros,

que

essencializou - primeiramente,

nele mesmo - o Tou ro, para seu

gest

o poder surgir depois.

Fez mím ica A mímica fei

ta

po r pintores escultores é muit o

boa , faz

parte

do

mesmo

fenômeno. Uma

mímica

imersa que

faz n ascer cr

iações

tão diversas, em todas as

artes

. Eis por que

pude passar do ensino

do

teatro ao da arquitetura, inventan

do os a rquitetos-mímicos . Eles fazem mímica dos

espaços

exis tentes , pa ra conhecê-los; e, depois, dos espaços a serem

construídos

antes

mesmo

de realizá-los para

que

essas reali

zações

sejam

vivas.

Par a mim

a

mímica

é

parte integrante

do

teatro

, e

não

um a arte separada

. A

mímic a d e que

gosto é a do

id

entifi

car-se às coisas, para dar-lhes vida mesmo quando a palavra

está presente. Os italianos

conhecem

isso muito

bem.

Passei

a

entendê

-los

melhor

vendo Marcello

Moretti

em  rlequim

servidorde dois amos ou

ainda

Vittorio Gassman ou

Dario

Fo.

Fui inspirado po r essa

comédia

típica - em mímica mas tam

bém

falada

à italiana - e, em seguida adaptei -a pa ra o ensino.

52

Eis a

razão

de

nu

n ca ter posto,

no nome

da Escola, a palavra

mímic

isolada. No começo, pus  Mímica, educação do ator ;

depois,  M

ím i

ca e teatro ,  M ím ica, mo vimento, te

at

ro ,

para

en tão, definir : Escola In t

ern

acion al de T

ea

tro.

A grande força da Escola são os aluno s. São pe rm anen

tem

e

nt e

con

vidados

a ob

ser

var a si m es

mo

s e

of

erec

er

-

no

s

seu própr

io

teatro

. Mesmo s

uger

indo te

mas

, f

azen

do p rop

o

s

ições

, p rov

ocando-

os , im po ndo-l

hes

dificulda des, só

pode

m os apr ofunda r o trabalho se eles estive rem int eressados. No

en tanto, mu

it

as veze s os alunos são co

ntra

d itór ios.   preciso,

ao mesmo tempo o

uvi-los

e não escutá-

los

demais.

 

tam

bém necessário opo r

-se

, br igar, p ara

levá-l

os a

um

verdad

ei

ro espaço poético.

Alg

umas vezes, essa d imensão é di fícil de

at ingir. À

sua

falta

de imaginaçã

o, é p reciso responder com o

fantástic

o,

com

a

belez

a,

com

a l

oucura

da

belez

a.

Os

p rofessores também

participam da

ev

oluçã

o da Escola.

Todos os professores

qu e

me acompanham são antigos alu

nos , e, assim, temos um a linguagem em comum e as mesmas

referências cada

qual

com

sua

personalidade. A busca curiosa

e a p

rocura

do conhecimento são algo comum a

todos

nós.

Entre os

professores que tr

ouxeram sua colaboração à

Esco

la, Antoine

Vitez

tem

um

lugar e spec ia l: é o único que

não

foi me u aluno.

Na

Escola,

de

1967 a 1969, deu seus

primeiros

passos como professo r

de

teatro.

Eu lhe hav ia con fiad

o um

trabalho sobre a

abordagem

de

textos

que distinguimos de

interpretação   Mais tarde no Conservatório Nacional de Arte

Dramática

ele

conservou

essa concepção

fundamental.

53

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Quarenta a no s a pó s

sua

abertura, a

Escola permanece

para

m im um

l ugar de

busca

permanente  Sempre se

apro

-

fundando,

dia a dia ela se torna cada vez mais interessante. A

novidade não é

em

si indispensável. Ir ao fundo de alguma

coisa permite descobrir que ela contém tudo.

Você passa sua

vida

numa gota d água e vê o mundo

54

  mun o   s us movim ntos

Page 30: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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  uxar empurrar

m

págin

m r

 n

 

Vindos de

diferentes

países os alunos

sã o

ad m itidos 

para

um

t rimes tre de

experiência no

primeiro

ano.

Têm em mé dia

e nt re 2 4 e 25 anos e j á t razem um a

vivência

teatral. Geral-

mente

os estrangeiros

concluíram

um a escola de

teatro

em

seus

próprios países;

os

o u tr os j á p as sa ra m po r

diferentes

estágios

ou works ops 

preciso

então começar eliminando

as formas

parasitárias

  qu e

nã o lhes

pertencem retirar

tu d

o

aquilo

qu e

possa

impedi

  lo s

de encont ra r a vida e m s ua

for-

ma mais

próxima

daquilo que ela

é.

Temos de reti rar

u m p ou -

co

daquilo

qu e

sabem

n ã o p a ra

simplesmente

eliminar o qu e

sabem mas para criar um a página em branco disponível para

receber os

acontecimentos

externos.

Despertar

neles

a grande

curiosidade indispensável

à qualidade da interpretação   eis

o objetivo do pr imeiro ano.

Ao

longo deste primeiro

an

o de

descoberta

de

conhe

-

c

imento

plantamos as

raízes

da

interpretação

e da

criaçã

o

57

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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principalmente

a p

arti

r

da

improvisaç

ão

e d a a nálise d

os movi-

mentos da

vida.

Uma ligação

co

nstante une essesdois

aspectos.

Trata se de trazer para fora

po r

meio da

impro

visação o qu e

está dentro;

a técnica ob jeti

va

do m ovimento por outro

lado

 

permite  no s concluir o

proces

so inverso de f

or a

para dentro.

No ter re no d a improvisaçã

o

sucedem

  se

algumas gran

-

des

etapas

de trabalho desenhando

o

percurs

o

pedagógico

do

pr imeiro ano.

Paralelamente é abordada a

análise dos movi -

mentos nu m percurso

também

estruturado e progressivo. Esse

trabalho é

acompanhado

de um a preparação corporal e vocal

de aulas de

acrobacia dramática

de

malabarismo

e de lutas.

o an o

to d

o

oferecemos aos

alunos a

possibil

idade

de

um a

pesquisa

de

criação pessoal a partir do s autocursos  Nesse

trabalho

se m

professor os alunos

recebem

cada semana  um

t em a q ue d ev em t ra ta r

à

su a maneira

.

 

se u

próprio

teatro.

Esse

espaço de liberdade

é

essencial

por

permitir nunca mais

esquecer

o

objetivo

principal da Escola: a

criação.

Ao mesmo

tempo facilita tam b ém a

aplicação de

tudo aquilo qu e é tra-

ba lhado nas aulas e revela o ta lento dos

alunos

  seu senso de

interpretação e de

escrita

dramática.

Os

t r ês

eixos de traba lho

d o p rimei ro

an

o tratados

em

separ

ad o

na s páginas

qu e

seguem

na

real idade es tão es tre i-

tamente ligados e imbricados

ao

l on go d e todo esse período.

 mprovi

sação análise dos

movim ntos e

criação pessoal

pe r-

manentemente se cruzam e completam

  se

p ar a p ôr o aluno

em co ntato   o

mais

próximo

possível

co m o mundo e

seus

movimentos

.

58

  mprovis

ção

 

silên ntes

d

p l vr

REINTERPRETAÇÃO E INTERPRETA ÇÃO

Po r

meio d a

reinterpretação psicológica silenciosa ab

ordam

os

a improvisação. A

reinterpreta ção

é a

maneira

mais s imples

de rest i tu ir

os

fenômenos da

vida.

Se m nenhuma transpo-

sição

  se m

exagero

  o

mais

fiel

poss

ível ao real à

psicologia

dos indivíduos

os

alunos sem preocupar  se co m o público 

fazem

reviver

um a

situação:

um a sala de aula um a feira um

hospital

o metrô . .. A

interpretação vem mais

tarde quando

o ator consciente d a d imen sã o

teatral

um

ritmo um a

medida uma duração um

espaço

um a forma à su a impro -

visação agora

para

um público.

Nas

transposições teatrais

mais

audaciosas

a

interpretação

pode

estar

muito

próxima

da

reinterpretação

ou distanciar se

dela

intensamente; porém

jamais deve esquecer

o ponto

em

qu e

está

ancorada ou

seja

59

Page 32: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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na re alida de. Uma grande par te da min

ha

pedagog ia co

ns

iste

em

fazer os alunos descob rirem essa lei .

Co

meçamos pe lo

silênci

o, pois a pal avra ignora, n a ma io

ria das vezes, as

ra

ízes de onde s

aiu

, e é desejável que

desde

o

princípio, os alunos se coloqu em no âmbito da ingenuidade ,

da

in

ocênci ae da cu rios

idade

.

Em

t

oda

s as

rela

ções

human

as ,

aparecem du as gra

ndes

zonas silenciosas: an tes e depo is da

palavra.

Antes, ainda não fal

am

os, encontramo -nos

num

es

tado de pu dor ,

que

permite à

pal

avra nascer do silêncio, a

ser

mais fo rte , por tan to , evitan do o discurso, o exp

licativ

o. O tra

balho sob

re

a natureza humana, n essas situações silenciosas,

pe

rmite

encont

ra r

os momentos em que a pa lavra

ainda

não

existe. O ou

tr

o silêncio é

O

do depois, quando

o há ma is

nad a a dizer. Este nos i

nt e

ressa menos

As

primeiras

improvisa

ç

ões servem para

eu obser v

ar a

qualidade de interpre tação dos alunos: Como interpretam ·

coisas muito simples? Como se calam? Alguns

acham que

es

t ão d iant e de um a restrição que lhes impediria de falar; mas

não impeço nada, apenas

lhes

pe ço

para que silenciem

pa ra

melhor compreende r o debaixo das palavras.

Desse silêncio

do is meios de sair: a palavr a ou a

ação. Em determinado momento

quando

o silêncio está

pe

sad o demais o

tema

se libera e a palavra assume o lugar. Po

demos então

falar,

mas

só se for necessário. O outro

meio

é o

da

ação:  Faço

alguma

coisa ,

No começo

, os

alunos

querem

de todas as maneiras agir, provocar situaçõ es

gratuitamen

te .

Fazendo isso , ignoram

completamente

os

outros

atores e não

jogam / não in

terpretam

com   Mas o jogo / a interpretação só

60

pode esta

be

lecer- se na relação com o outro.

É

p reciso fazê-los

entende r esse fen ômeno essen

cia

l : rea

gir é

rea lçar a pr opos

ta

que vem

do

mun do

de

fo ra . O mundo

in t

er io r revela -se

por

re a

ção às provocações que vêm do m undo exterio r. Para

jogar in te rpretar, de nada adiant a ir

busca

r em si a pr ópr ia

sensibi

lidade

, su as le

mbranç

as, o mund o d a

sua

i

nfânc

ia.

Par

ad

o

xa

l

mente

, um dos temas

ma i

s a

ntigos de

i

mp

rovi

sação, queproponho n o com eço do ano, é O quarto de criança

Vocês

voltam

depois deum

longo

período

para

rever seu quarto de

quando eram

pequenos

Fizeram uma longa viagem

para

isso  vocês

param

diantedaportaea abrem

Como

vão abri la?Como entrarão? Vo

cês

redescobrem o quarto: nada mudou cada objetoes á em seu lugar

Vocês

encontram

todas

assuas coisinhas de

quando

eram pequenos:

os brinquedos os

móveis

a cama

Essas

imagens do passado voltam

até vocês a té o momento e m qu e o presente reaparece E aí

vocês

deixam oquarto

O quar to desse tema não é o da minha  n ância mas um

qu ar to d e cri

ança

, ond e se interpret a a redescobe r

ta.

A di

n

âmica

da lembrança

importa

m ais que a

lembrança

em si.

O

que acont

ece ao chegar a um lugar qu e se acredita es tar

descobrindo pela primeira vez? De repente , um estalo:  Já vi

isso . Estamos em

um a

imagem presente e,

repentinamente

,

chega uma im

agem

do passado. É a relação entre essas du as

imagens que

constitui

a

interpretação.

Logicamente aquele

que

improvis

a faz um a

busca na

própria memória, m as essa

lembrança também pode se r imaginária.

Eu

me lembro

de

te r dado esse tema po r ocasião de um

estágio na Alemanha. Uma moça h avia interpretado a redes

coberta de um anel em sua ve

lha

caixinha de

joias.

Instintiva-

6 1

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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mente, ten tou colocá-lo n um dedo , m as o an el era pequeno

demais.

Então

ela o pôs em seu dedo m ínimo.

Essa

improvi

sação provocou uma enorme

em

oção. Mas será que ela havia

inventado esse anel? Ou ser á que

está

vam

os di

ante

de um a

lembrança real? A

impr

ovisação, às vezes ,

mex

e com coisas

muito íntimas, mas elas pertencem àquele que

interpreta

.

Nunca peço aos alunos

para encontra

r

em

si

um

a

lembrança

verdadeira.Não

quero

en trar

emsua

in t

imidade

n em em seus

segredos.

Esse tema é i

nterpretad

o

individualmente

,

diante dos

ou

tros alunos. Tratando-se de

uma interpreta

ção diante

de

um

público, não det ermino

um tempo

fixo para que se realize,

mas fico atento à d

uraç

ão dram ática

que

se instala,

pa

ra

qu e

isso seja interess

ante

e

ju

sto. A improvisação é fei ta

em

m í

mica: assim,

renova-se

a

sensação

em

relação

aos

objetos

e

é possível im

aginar

mu

it

os

ob

jetos

sem nenhu

m

objet

o

real

para atrapalhar-se.

o grande tema-piloto

que domina

as

primeiras improvi

sações silenciosas, é A Espera O principal motor

da interpre

tação está nos olhares:

olhar

e

ser olhado

Na vida esperamos

o tempo

todo

, em toda parte com pessoas que não conhece

mos: no banco, no dentista. Essa espera nunca é abstrata; ela

se nutre de diferentes contatos: age -se e r eage-se. Ten

tamos

recuperar isso

na

improvisação e, também,

observando

a v

ida

real. Pois a lembrança

não

é suficiente

para

a interpretação.A

cada momento precisamos voltar à percepção

do que

é vivo:

olhar as pessoas

andando na

rua

esperar numa fila , observar

seus comportamentos.

62

O tem a proposto é o

da

  união psicológica qu e situo de

propós

ito,

num

con tex to clichê ;

be

m bu

rguê

s,

ma

s

qu

e po

deria estar em qualque r

ou

t ro espaço, até indefin

id

o.

Vo cê foi convidado para ir à

casa

deuma senhora muito

rica

.

para

par-

ticipar deum coquetel.

por

volta dasc nco da tarde . numa sexta'feira

Nin

guém

se conh

ece.

No

chão. um grande tapete persa; no teto. um

lustre venezi

ano:

naparede. um

quadro renasc

entista. seguramente

falso Do outro lado uma pequena co luna com

um va

so chinês mui,

to bon ito:

é

um apartamento no segundo andar. chique. em Paris. no

  éme

arrondissement. com

uma

grande sacada estilo 1925 1930 de

frente para

um

aaveni

da No

fundo

um serviço completo

com

coqu

etéis

uísque.sucos defruta. petiscos..

C

hegam cinco

pess

oas. na entrada,

uma

apósa outra;

o

introdu

zidas

porum mordomo: passam por

uma

outraporta.porum corredor eal-

guém lhesdiz:

 É

aqul . Oprimeiroa entrar não

sa

beque éo primeiro:

c

hega

e

não

ní  u

é

Apen

as ele.

Um seg

undo

c

hega

,

depois

um

terce

iro. um quarto , um quinto ... Obviamente a anfitriã ja

mais

virá

Confron

tam se. então com umasituação

silenc

iosa.emque

não

ous

am

fa

lar

seme

lhante à

das

salas

deespera.

Esse

trabalho

faz

com

que apareçam muitas

derivações.

Por um lado , aspectos pantomímicos quando os alunos

substituem

po r gestos, palavras

q ue n ão

podem

dizer;

ou

quando fazem caretas para expressar-se.

Po r

outro lado mui

tas vezes, eles

veem

. . . antes

de

ver Antes

d e ter

visto, eles

indicam

que veem: é só um simulacro. Fazem o gesto

antes

mesmo

d e t er s id o

encontrada a sensação

motora. Quando

a primeira pessoa entra

el a não

s abe que é a primeira. Há

portanto esse tempo extremamente importante, da surpresa

63

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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que é o próprio tempo da

interpre

tação do at

or

. Ele, ator, co

nhece o

fim

da

peça,

não o personagem

Nas

entradas

que

se sucedem, surgem também os e fe i

tos

de mimetismo da

duração

e

da distância

. Os

primeiros

dois

atores

a

entrar impõem um tempo

que,

imperativamen

te, deve s er quebrado pelo

terceiro, caso

se queira que isso

continue

vivo.

É

preciso

qu e

se

encontre

um

ritmo e

não

um

an mento O andamento é

geométrico

, o

ritmo

é orgânico.

O andamento pod e

ser

definido , enquanto o ritmo é muito

difícil de ser apreendido. O

ritmo

é a resposta a um elemento

vivo. Pode

ser

uma

espera,

o u uma ação. Entrar

no r itmo

sig

nifica

entrar

exatamente no grande motor

da

vida. O

ritmo

está

no fundo

das

coisas, como um

mistério.

Evidentemente,

não digo isso aos alunos,

senão nã o conseguiriam

fazer

mais

nada. Eles têm de descobri-lo.

F

requentemente,

nesse

t ipo de

situação, as pessoas se

posi

cionam

numa

relação simétrica. Instalam-se

a

igual distância

umas das

outras, alinhadas lado a

lado, uma

atrás da

outra

ou em círculo .. . estamos, então, na mesma situação do fe

nômeno das entradas baseadas em andamento. Disposições

que só

podem ser militares ou rituais, que não são in

terpre

táveis dramaticamente. Qualquer grupo ten d e a inscrever

-se

em

um a geometria

da batida, do andamento,

que

não pode

ser confundida com a

geometria

dinâmica. Cada um dos pe r

sonagens deve

estar, ao mesmo

tempo, no

grupo e,

diferen

temente, encontrar seu tempo pessoal , seu espaço particular .

A situação inversa também se apresenta:

alguém

entra e,

para parecer original custe o que custar, age como um caso

clínico, adotando um

compor

tamento dos mais extravagan

tes. Estamos, então, do lad o oposto ao d o m imetismo e

ao

64

do

aspect

o cordeirinho Obv iamente ,

nã o

é o

que

buscamos,

ainda

que

isso possa

significar um a

provocação interessante

para os

ou tros.

Caso ti

vessem

alguma dificuldade para reagir,

ao menos aí eles te riam um a chance de reação. Mas a reação

seria então coletiva:  todos contra um .

Como

o nascimento

de um

coro, diante

do herói acidentado

RUMO Às ESTRUT

URAS DA

INTERPRETAÇÃO

Depo is de um primeiro trabalho

sobre

A Espera  retoma

mo s o tema a partir de sua s  depurações . Pa ra reto

rnar

ao

tema, abandon amos a

dimensão

anedótica, conservando

dele

apenas o motor: apresentam -se, então, outros temas, outras

imagens, outras situações, outros personagens.

Duas

pessoas secruzam  param pelo olhar e cria se uma situaçào

dramática s lenciosa

após

o cruzamento Depois  uma terceira pessoa

passa e observa asduasprimeras seguida uma

quarta

queolha

astrêsprimeiras 

Pouco a pouco encontramos, po r acumulação, o tema

an

terior, porém apenas

em

sua estrutura. Não há mais imagens,

um

suporte preestabelecido, mas s implesmente

um

motor

dramático,

qu e

pode ser desmontado, analisado. Dessa es

trutura

de

base, podemos tirar e realçar diferentes

subtemas,

que

podem ser

recompostos sob

o tema geral:

 Aquele

qu e

.. .  .

Reduzidos a esse

motor,

os temas

psicológicos

livram

-se

de

seu caráter

anedótico

e

chegam

a momentos particulares

de

interpretação,

que permitem olhar

com

grande precisão um

detalhe qu e, a partir

daí,

to rna-se o grande tema. ''Aquele que

acredita qu e . . . masnão  : aquele qu e acredita que o esperam,

65

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aquele que acred

ita qu e o dete

sta

m,

aquele qu

e acredi

ta

ser o

mais forte, aquele que acredita qu e sorriem para ele .

Você está sentado em umcafé. Àsua frente. numa outra mesa.alguém

lhe

faz um

sinal discreto com a

mão.

Você sepergunta

se

o

conhece

ou

não. Por

educação.

responde domesmo

modo.

Ooutro. já mais

à

von

tade.

então

vai

fazer

coisasum

pouco

mais malu

cas: comgestos

mais

amplos. vai

brincar

com umobjeto. sorrir.

Pouco

a

pou

co.

estab

elece-se

uma conivência entrevocês dois. umdiálogo de gestosou deexpres

sões faciais. Por

fima pe

ssoa

selevanta.

vem

até

você. sorrindo

.

Você

.

por sua vez.

se

levanta para recebê-Ia... mas ela

passa

pertoe vaina

direção

dealguémqueestava atrás de

você

o

importante,

aqui  é a

escala dinâmica

ascendente, em

que é

precis

o

trabalhar

todas as suas nuances. Elaboran

do essa situação progressivamente, chega-se à constituição

de

um a

verdadeira

estrutura

que,

se a

desenvolvermos, nos

aproximaremos das estruturas de interpretação da commedia

dell

'a rte.

As

situações são levadas

ao

limite:  Alguém estácom

medo,

recua;

ar lequim tem medo, esconde-se embaixo do t a

pete,

ou

em si mesmo . Sempre tentamos leva r as situações

p ar a a lém do real inventar um a interpretação que

não seja

mais reconhecível na vida, para, juntos,

constatar

que o teatro

vai mais

longe

. Ele prolonga a

vida,

transpondo -a. Descoberta

essencial

 

A noção de

escala

evidencia os diferentes momentos

da

progressão

de

uma situação

dramática. Eu a

inseri n o t ema

 eis sons que,

numa

au la coletiva realizamos em improvisa

ção

técnica.

66

Enquanto vocês

fazem um

trabalho físico. uma ação

que

empenha

o

corpo  

umgesto repetitivo s

errar madeira.

pintar

uma

p

arede,

var

rer).

vão

ouvir ses

sons

. tendo  cada um. uma importãncia diferente. O

primeiro. vocês nãoescutam.  Is

so

nãoquerdizerquenãohaja

reação.)

Ose

gundo.

vocês escutam,

mas não

lhedãon

enhum

aaten  oespecial.

Oterceiro é importante:vocês até

esperam

para ver

se

ele se repete.

 omoelenão se repete

você

s não

vão

mais

prestar

at

enç

ãoni

sso

. O

quarto

é muito importantee

vocês acham

quesabemde onde  

vem.

oqueos

deixa

tranquilos. Oquinto

não

confirma o que

v ês

estavam

esperando. Finalmente. o sexto e último é um avião passando sobre

suas cabeças.

Essa escala bem est rutu rad

a  serve

de

referência

para

todas as esca

las

que , em seg ui da se rã o vistas em

nume

rosas s

it u

aç ões

teatrais.

O exercício não só é

pa

r t i

cu l

ar

mente

útil

para compreender

a

di n

âm ica de

progressã

o

de

um

m o

viment

o

mas,

também

  p

ar

a

conhecer,

de

maneira

t écn ica , os

mo

vimentos qu e a

esca

la

impõe. Com

o a ação

se modifica segundo a im portância

do s

sons? Será que o

gesto

mud

a em fun ção d a im p

ortância

qu e

lhe

é dada   a

partir daquilo que se ouve? Quais relações existem entre

ação e reação?

Em

resposta a e ss as

perguntas

 

constatamos que

a ação

deve sempre

preceder a reação . Quan to maio r

for

o tempo

entre

a ação e a

reação, maior será

a intensidade dramática; se

o ato r

sustentar

esse

nível, maior será

a interpretação te

atral.

A

força dramática será proporcional

ao

tempo

de

reação.

O

princípio

da escala que usamos com frequência, é um exce

lente meio para descobrir essa lei e para melhorar os níveis de

interpretação.

67

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Nesse trabalho, primeiramente indico aos alunos as dife-

rentes articulações do tema, antes que o desenvolvam;

depois,

eu mesmo emito os sons num

tambor.

Eu me torno o diretor

d o t ema, o que me obriga a da r um ritmo à sequência dos

diferentes sons. Não posso emitir esses sons em intervalos

regulares,

a cada cinco segundos.

Preciso

encontrar

um

rit -

mo favorável para a realização da

interpretação:

se eu

esperar

tempo demais,

ou

se for rápido demais , perco o tema. Para

essa au la coletiva, o pedagogo torna-se diretor.

o conjunto das primeiras experiências visa a atrasar o

su r

-

gimento

da palavra.

As

instruções

da interpretação si

lenciosa

levam

os

a

lunos

a descobrir esta lei

fundamental do

teatro: é do

silêncio

que

nasce o verbo. Paralelamente , vão descobrir

que

o

movimento só pode nascer da imobilidade. O res to não passa

de

comentár

io e gesticulação.  Fique

quieto, jogue,

e o teatro

surgirá ':

esse

poderia ser

o

nosso lema. De

modo

paradoxal,

isso faz

eco

com as

estátuas

que se

en

contram na entrada

dos

templos khmer, em

qu e

uma abre a bo ca , enqu an to a outra a

fecha.  No começo, falamos; em segui da, nos calam os': elas di-

zem. Minha pedagogia reivindica justamente o

contrá

rio

más r

neutr

NEUTRALIDADE

O trabalho com a

máscara

ne utra vem depois da inter-

 r t ção ps icológic silencios

m as, de fato, é o começo da

viagem. A experiência

me

most rou que co m essa máscara

aconteciam coisas

fundamentais

, o

que

as

tornou

o ponto

central da

minha

pedagogia.

68

A máscara

neu

tr a é um objeto particular.  

um rosto,

dito

neutro em equilíbrio, que propõe a sensação física da calma .

Esse

objeto

colocado no

rosto

deve servir para que se sinta o

est do de neutr lid de que

precede

a ação, um

estado

de re -

cept ividade ao

que

nos

cerca,

sem

conflito

interior. Trata

-se

de

uma

máscara de

referência, um a

máscara de fundo,

um a

máscara

d e apo io p ar a

todas

as

outras

máscaras. Sob

todas

as máscaras,

sejam

expressivas ou da commed ia dell'arte,

há um a máscara neutra

que

reúne

todas

as

outras.

Quando

o aluno

sentir

esse

estado

neu tro do início,

seu

corpo esta-

disponível, como um a página em

branco,

na

qual

poderá

inscrever-se a  escrita do drama.

Uma boa máscara neutra é muito difícil d e se r feita. Ob -

viamente, isso n ão tem n ad a a ver com as máscaras brancas

utilizadas

nos

desfiles ou

na s

manifestações de rua. Essas são

máscaras

inanimadas, exatamen

te o contrário

da

neutra. Uti

l izamos máscaras de couro, fabricadas

po r Arnleto

Sartori,

que descendem da máscara

nobre

de Jean Dasté. A nobre era

um pouco japonizante , ma s

tinha,

em

comum

com a

neu

-

tra, o fato de se r igualmente um a

máscara

da calma, sem um a

expressão particular,

em

estado de equilíbrio.

Um a máscara

neutra,

com o todas as

outras

máscaras,

aliás, n ão pod e aderir ao

rosto.

Tem de conservar

uma

cer -

t a d istância do

rosto,

pois é

justamente

com essa distância

que o a to r p ode verdadeiramente jogar. Também é preciso

que ela

seja

ligeiramente maio r do que o rosto. A d

imensão

real

de

um rosto,

que

se encontra, po r exemplo,

nas máscaras

mortuárias,

não facilita o jogo

nem

sua

força express

iva.

Essa

observação

é válida para todas as máscaras.

69

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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  máscara neutra criadapor  m eto Sartori

A

más

cara neutra desenvolve essencialmen te a presença

do ator

no

espaço que o envolve. Ela o coloca em

esta

do de

descobe rta de abe r tu ra de d isp o nibilid

ade

para receber per

m itindo qu e ele olhe ouça sin ta toque coisas elernerrtares

n o frescor de um a p rimeir a vez. En tra se n a má scara neu

tr

a

como em um personagem   com a di ferença de qu e

aqui

n ão

há p

ersonagem

m as

um

ser gen érico neutro

Um

per

so

na

-

gem

tem conflitos

um a

h

istóri

a um

pa

ssado  

um

c

on

texto

paixões. A m áscara neutra  ao contrário está em es

ta

do de

equilíbrio d e e con

omia

de m o

viment

os. Movimenta  se na

m

edida

ju

sta n a ec

on

om ia de gestos e d e ações. Tr a bal h a r o

movimento a pa r

ti r

do neutro fo rnece p

on t

os de apoio es -

senciais para a

interpretaçã

o que virá

depoi

s.

Como

conh ece

o equilíbrio o ator expressa

mu i

to melh or os

desequi l

íb ri os

dos

pers

onagens

ou dos conflitos. E par a os que n a vida   es-

tão mui to em conflito consigo mesmos

com

seus

pr óprios

corpos

a

máscara neutra

auxilia

 os a

encontr

ar

um

po

nt o

de

apoio onde

a respiração é l ivre. Para t

od

os a

máscar

a neutra

torna-se

um referencial.

Sob um a máscara neu tra o

rosto

d o ator desaparece  e

percebe

-se

o

corpo

mais intensamente. Geralmente se fala

com

alguém

olhando-o

n o rosto .

Com

um a

sca ra neu -

t ra o qu e se vê é o corpo in tei ro do at

or .

O olhar

é

a m ás -

cara

e o

rosto

o

corpo Todos

os moviment

os

se revelam  

então de maneira potente. Ao reti rar sua máscara  se o at or

a

ut il izou bem seu

rosto

está relaxad

o.

Eu

p

oderi

a

nã o te

r

visto o qu e fez ma s o

simples

fato de observa r seu ros to n o

final

permite

que eu saiba

se

realmente usou

ou

nã o

a m

ás

cara . A

máscara ex traiu dele

alguma

coisa

 

desp

oj ando-o

de um

artifíci

o . Está agora com

um

be lo rosto disponível.

71

Page 38: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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I

Uma vez qu e essa dispo nibilidade tenha sido adquirida a

máscara pode ser re t

i

rada sem receio da gesticulação

o u do

ges to exp

licativo.

Com a máscara neutra se termina sem

máscara 

A primeira lição é a descoberta do

objeto.

Começo m os

trando

a

máscara . Para poder senti-la

  os

alunos

a t

ocam,

põem no r

osto

  experimentam

diversos

gestos.

Essa

a

pr

o

ximaçã

o é importante,

pois

  às vezes essa máscara prov

oca

reações surpreendentes no primeiro contato: alguns têm sen

sação de su foc ar não a suportam no

rosto;

outros,

um

pouco

mais

raros,

arrancam

a

máscara. Sempre que, pela

primeira

vez

pass

am

pela máscara neutra,

pergunto

aos

al

un

os o que

sentiram, que digam algo  nem que seja um a palavra apenas.

Alguns não dizem nada, e tudo bem. Outros descobrem

seus

corpos':

ou const at am que   tudo é mais

lento' : Todas

essas

impressões

 

manifestadas diretamente após

a primeira

expe

riência

 

dispensam qualquer comentário.

Elas

são justas

.

Dei

xo

que

falem. Não se

deve dizer

como fazer para interpretar

bem

sob

a máscara neutra. Um

técnico

poderia

dizê-lo,

mas

um

pedagogo

não se permite. Dizer

aos

alunos seria o me

lho

r

me i

o

para

eles nã o

conseguirem

m ais

usá-l

a.

Ficari

am

demasiado preocupados

com

seu uso correto, quando

 

antes

de tudo

devem vivenciar

sensações.

O

primeiro tema pedagógico

é o

do

Despertar

Em estadode repouso.dei

ados

no chãoe relaxados. peço aosalunos

que despertem

pela

primeravez .

 ma

vez

despe

rta amáscarao que

elapode faze   amoelapodesemovimentar

72

O tem a é desenvolv

id

o em exercício coletivo com uns

sete

ou

oi t

o fazen

do,

os outros assisti

nd

o

mas cada

um in t

er preta

seu

pr

óprio

despertar.

Nã o se trata de

um

a

im

provisação

rea

lista:

indicando que

é a

primei

ra vez

essencializa se

o tem a

pa r

a to

rn á-l

o ge

néric

o.

Essa

impro

visaçã

o leva

sempre

às

mesmas

co

ns tatações

.

Alguns

alunos

têm

a

tendênci

a a m

ov

imentar primeiro as

mãos,

os pé s para d

escobrir seu própri

o c

or

po - é quand o

um fen

ômeno e

xt r

aordinário se apresen ta a ele s: o

Espaço

  É

necessári

o

dize

r-lh es qu e

o

es t

amos fazendo

um

exercício

etn

ológ ico que pou co importa saber quantas fala nges tem o

homem,

qu e

de nada

adianta d iscu

ti r

com

seu própri

o co

rp

o

ma s

que,

de manei ra mais sim ples

est am

os descobrindo o

Mundo Outros

tentam entrar

em c

ontat

o com alguma outra

máscara  qu e esteja no mesmo ri

tm

o. Olham-se

insistent

e

ment

e

s em que

nenhum

do s do i

s

poss

a

responder.

Na

reali

dade, uma máscara neutra

nunca

se com unica

frente

a

frente

 

com

outra. O que uma máscara

neutra

poderia dizer à outra?

Nada

Podem apenas encontrar

-se juntas, lado

a

lado,

diante

de um acontecimento externo que lhes interessa.

Ao longo dessas primeiras abordagens  às vezes

circula

no

grupo

um a

i de ia : a

máscara

neutra

teria um a

dimensão

mística ou filosófica.

Alguns

gostariam que ela não fosse nem

homem nem mulher.

Aí é

preciso trazê-los para

a

observação

dos

corpos: homem

e

mulher são bem diferentes

. A

máscara

neut ra não é um a

máscara simbólica.

A

ideia

de

que todos os

indivíduos se assemelham é ao mesmo tempo  justa e total

mente falsa .

Universalidade

não é

uniformidade. Paradesmis

-

73

Page 39: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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ti fica r esse aspecto p r o p onh o então temas particularmente

realistas da vid a co tidiana

clichês

bem melodramáticos para

demonstrar

qu e a neutralidade se encon

tr a

também

nesses

temas. N o cas o p o r exemplo o  deus ao navio

Um

amgo muitoquerido

embarca

num

navio

para irmuto longe.do

outro lado do

mundo

. e sup

õe-se

quenão será nun

ca mais

visto.

  o

momento

desua partida. precip itamonos noquebra-mar. na saídado

porto.

para

dar-lhe umúltimoacenodeadeus.

Esse tema d a vida cotidiana é descrito

com

pessoas n o porto  

nu m

cenário todo enevoado  che io de

apitos das embarcações

mas

que poderia

também ser

trabalhado

numa

plataforma de

estação ferroviária na part ida de a lgum trem

ou

em qualquer

outro lugar. O essencial não é a carroceria

do

tema. Queremos

é que apareça a estrutura motora

do

adeus . Observamos então

como

funciona

o adeus em sua dinâmica.

Um

verdadeiro adeus

não

é um

 at é log o : é

um ato

de

separação.

Faço parte dealg

uém. temos

o

mesmo co rpo.

um

corpo

a

dois

. e. de

repente.

uma

parte

desse co rpo

es

capa.

Vou tentar retê-Ia...

mas

de

pois.. . nào

se foi.

es

tou

separado

deumapartedemim.

mas

ai

nda

co

nse

rvo algo deinefáve. umtipo de tristeza do

co

rpo umadordo

co

rpo

. Enfim.assumo

 

ade

us

Essa estrutura motora não está ligada a um contexto pa r-

ticular nem a um personagem e só a máscara neutra permite

tocar a

dinâmica

p

rofunda da situação.

O adeus

não

é

um a

ideia

é um fenômeno que se pode observar quase que cien-

tificamente. Trabalhar esse tema é um

excelente

meio de ob -

servar o ator de sentir sua presença

s eu s en ti do de

espaço

74

de ve r se os se us gestos e seu co r p o p e r t e

ncem

a tod os se el e

con segue tender ao denominado r com u m

do

gesto reconh e -

cível p o r t

od

os:

o

 d

eus de todos os

 deu

ses

Com a

scara

neutra  cada

um

sente o

que

pertence a todo mundo e é aí

que as

nuances

aparecem com força. Ess as nuances não vêm

dos

personagens

  p

ois não existem

 

mas das diferenças

d e

qualquer natureza entre

as

pessoas que interpretam

.

Os

co r-

p os sã o di ferentes mas se assemel

ham

naquilo que os une : o

adeus. Ess e fenômeno coletivo an

unci

a o co ro que

ab

o rd are-

m os ma is ta rd e.

A VIA

GE

M E

LEMENTAL

O

grande tema

p iloto

da

máscara

neu

t ra é a

Viagem ele-

mental Nessa

viagem

pela natureza

  a

ndam

os co

rrem

o s es-

calamos

saltam

os . Esse tema é interpretado

individualmente

sem interferência

dos

outros atores mesm

o

que vários

alun o s

o façam ao mesmo tempo .

Ao nascer dodia.vocês saem do mar e descobrem. ao longe uma flo

resta.paraonde vão

se

dirigir.Vocês cruzam aarea da

praia

. e depos

ent

ram

na flo

res

ta. Ali.

em

meo a ár

vores

e ou

tras

plantasque. pro

g

ressivamente. vão

setornando

cada vez

mas

densas

.

vocês

b

usca

ma

sada.De repente. uma surpresa: vocês saemdafloresta e e

ncon

tram

umamontanha. Vocês

 absorvem

  a

imagem dessa

montanha.

dep

ois

se

põem

a

sub

i-Ia: osprimeiros aclives. suaves. atéos rochedos. che

gando até a parede vertical.

que

é

prec

isoescalar g

rimpando.

  o topo

damontanha. descortina

-se uma vas

ta

paisagem

: umrioqueatra

vess

a

umvae.mais adiante a planície e por fim no fundo. o deserto.Voc

ês

descem

amontanha . atravessam a

corre

nteza dorio. andamna planí

cie

. cruzamo

deser

to e.aofinal,osolsepõe

75

 

Page 40: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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A natureza aqui proposta é calma neutra

em

equilíbrio.

Nã o é

um a

natureza para  escoteiros co m um prático ma-

nu al de utilização

qu e

distanciaria o homem da natureza.

A natureza fala diretamente ao neutro.

Quando

atravesso

a floresta eu sou a floresta. No t op o d a mo nt an ha t en ho a

impressão de qu e

meus

pés são o vale e d e q ue s ou

e u m es

-

mo

a mo nt an ha . Uma p ré  identificação

começa

a surgir. A

Viagem elemental tema ma

ior predispõe ao

grande trabalho

co m as identificações . Trata  se t amb ém d e um a viagem sim-

bólica. Essa experiência permite levar os

alunos

à

poét ica do

tema: evocamos

A

divina

comédia

de Dante

A tempestade

de Shakespeare A resistível ascensão de   rturoUi de Brecht.

A

travessia

d o r io pode

ser

comparada à passagem da adoles-

cência à fase adulta com todos os movimentos da natureza

refletindo se nos sentimentos: as correntezas  os turbilhões

os saltos as quedas os

redemoinhos

as

ressurgências

de

um a

margem

à

outra.

Como

faço

com outros movimentos expan

-

do

ao máximo as possibilidades p ara q ue os

alunos

possam

alimentar

a

Viagem

com outras imagens q ue n ão só as de

um

simples périplo geográfico.

Nu m seg un do moment o

recomeçamos

a

improvisação

sobre o mesmo tema

mas numa

dimensão extrema sob in -

tempéries.

 mar está furioso e

se

  jogado na

pra

ia

por

uma onda. Omar   varrido

por

uma tempestade.   floresta

progressivamente vai

pegando fogo.

Quando se chega à montanha háum terremoto crateras

vão

se

abrin

-

do. Depois despenca se

natorrente que está muito acima de

seu nível

normal. agarrando se

às árvores; e por

fim. chega se

aodeserto

onde

novamente sopra

uma tempestade deareia.

76

Antigamente a

Viagem também atravessav

a a cidade

a nt es d e c he ga r ao deserto . Preferi reti rar daí a cidade

po r

t ra ta r se de um espaço

construído

ligado à arquitetura às

formas

para as

quais

desenvolvemos um a linguagem dife-

rente

da

linguagem

da

ação natural as mimagens Trabalha-

mos a cidade portanto num

outro

momento

da

manhã ao

pô r

do sol passando de

um

estado de calma a

um

estado de

revolução.

Essas improvisações em situação  limite l ev am o s

alunos a

viver

si tuações pelas quais nunca passaram   a f azer

movimentos muito difíceis que

jamais

realizaram em suas vi-

das p ara q ue o corpo

aja no

limite

dessas

possibilid

ades

na

urgência

e no

imaginário.

IDENTIFICAR  SE

CO M

A

NATUREZA

A terceira fase do trabalho com a máscara neutra é consti-

tuída

pelas identificações

Logicamente não se trata de ident i-

ficar se completamente o

qu e

seria grave mas

de

interpretar

o identificar se. Co m a máscara

proponho

aos alunos

qu e

se

tornem

primeiro elementos

da natureza: a água o ar a terra

e o fogo.

Para

identificar se co m a água eles interpretam o mar e

também

os

rios

os

lagos

as poças as gotas. Procuramos nos

aproximar das dinâmicas da água sob todas as formas das

mais suaves às

mais

violentas.

Estou diante do

mar euoobservo. euo respiro. Minha respiraçãoentra

em

harmonia com

o

movimento

das ondas e progressivamente a ima-

gem

se inverte e eu

mesmo me

transformo no

mar

 

77

Page 41: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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o ar é principalmen te o vento percebido a partir de todos

os objetos que põe

e m m o

vimento:

um a

folha  

um a

placa me

tálica um pano

tremulando. São

os ventos contrários , as

co r

rentes

de ar

tu d

o aquilo

que sopra

  que eriça 

que turbilhona.

A

terra

é ao

mesmo

tempo,

aquela que

se

pode modelar,

amassar, e também a árvore, que para

mi m

é o elemento mais

simbólico

da

terra.

Ali

plantada

.

Para

um

ator,

trabalhar

a

árvore

é

da

maior

importância.

Ele

tem

de conseguir

ficar ver

dadeiramente plantado no solo, co m

o

cor po em equilíbrio.

Uma atriz que precise interpretar A gaivota de Chekhov, não

conseguirá planar,

fazer um a

deriva

aérea

  a nã o ser qu e co

nheça, antes, o que é estar enraizada.

Enfim,

o

fogo

é o fogo: o mais

exigente do s elementos,

porque

ele

só pode se r

ele

mesmo

Paralelamente a essas

identificações

co m os elementos, às

vezes

evoco

certos

autores, começando po r Gaston Bachelard,

verdadeiro analista da imaginação da

matéria,

que,

em

O

ar

e os sonhos traz

desse

elemento um olhar profundo. Para os

que eventualmente se interessarem

po r

essas reflexões é im

portante,

no entanto, qu e essas

referências

venham

depois

da

experiência vivida co m

a

máscara,

e

nã o antes.

Poderíamos dizer que o vento furioso é o símbolo da có

lera pura da cólera sem objetivo sem pretexto. Os gran

des escritores dos temporais [

...

] gostam desse aspecto:

o temporal sem aviso a tragédia física sem causa [

...

] Ao

viver-se intimamente as imagens do furacão aprende

se o que é a von tade fur iosa e desmedida . O ven to em

seu excesso é a cólera que está em to da e em nenhuma

parte

que

nasce e renasce dela mesma

que

se contorce

78

 

e destorce. O vento

ame

aça e ruge  mas só assume

uma

f

orma quand

o

encon

tr a a poeira: visível ele se t

orn

a

insignificante.. .

 

Depoi

s

dos

elementos naturais as

identificações

vão se r

f ei ta s a

partir de diferentes maté

rias: a madeira, o papel  o

papelão,

o metal   os

líquidos.

O

objeti

vo

do a to r

é

expandir

o

c ampo de s u

as

referências

e

sentir

t

odas

as

nuances

qu e

exis

tem de

um

a

matéria

à

outr

a e a té mesmo , dentro de

um

a

matéria. O p

astoso,

o

oleoso,

o

cremoso,

o

viscoso

. . .

possuem

dinâmicas

diferentes

.

Desej

o qu e os alunos

entrem

no

gost

o

das co isas ex

atamente

como

um gou

rmet consegue reconhe

cer

as

diferenças sutis entre

vários

sabores.

A

aquisição dessa

sut i leza das nuances implica um trabalh

o de

longa duraçã

o

que

terá

sequ

ência com as

cores,

as

luzes,

as

palavras,

os ri

t

mos, os

espaços,

naquilo

que chamamos

de

fun o poético co-

mum A

máscara neutra terá, então

 

desaparecido

.

TRANSPOR

As

identificações constituem um momento

de trabalho, e

devem reverter para

a

dimensão dramática.

Para isso

utilizo

a

metodologia das transferências

que consiste

em

apoiar

-se

na

dinâmica

da natureza, dos

gestos

de

ação, dos

animais  das

maté r ias, pa ra ,

daí, servir

a

finalidades expressivas, co m

o

intui to de interpretar melhor a natureza humana. A meta é

atingir um nível

de

transposição teatral, fora da interpretação

realista.

Gaston

Bachelard,

L air et les songes

 Pa ris: José Co r

ti

1943 pp. 256-257 .

[Tradução livre para o português .]

79

Page 42: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Du as abord

agen

s são po ssíveis nessa

metodolo

gia. A pr i

meira

cons

iste

em h um a

nizar

um

elemen

to ou um an im al,

dar lhe um comportamento, fazer co m que tome a pa lavra,

co locá-lo em re

lação

com

ou

tros . . . Fazer o fogo fala r é ex

pressar a angústia

ou

a ra iva . Hu man izar o ar é

real

ça r a fal ta

de

po n

to s de apo io, o movimento pe

rpétu

o, os ritmos ind eci

sos do

vento

que

se mo vim e

nt a para

lá e

pa

ra cá , sem nunca

p

render

  se

a

lugar

nenhum

.

Numa

manh

ã.omar acorda

No banheiro. o vento sepenteia

Aárvore se

veste

Al

guém

raivosobate

à

pora... é o fogoquechegou

Qu

atroárvores

se

encontram num banco. cumprimentam se.

ape

rtam se

asmãos

e

conve

rsa

m.

In

terpre

tar um a árvore a ponto

de

fazê la fala r e agi r

como um personagem humano é comprometer se em um a

transposiçãopoética do personagem .Neste

caso

é interessan

te constatar que o

texto

pr onunciado nã o

pode

ser realis

ta

; ele

é

necessariamente

transposto. Impõe

  se

um a

escri

ta da ár vo

re;

que

utilize,

po r exemplo palavras próximas

às do teatro

do absurdo. O

tipo

de tr nsferên i

permite descobrir

que no

teatro a própria

palavra

assim como os

gestos

do

corpo

de

vem atingir um certo nível de transposição.

A segunda

possibi

lidade de transferência consiste e m in -

verter o fenômeno. Pa rte-se

do personagem

humano

qu e

p

rogressivamente em certos

m om en to s d a

interpretação

deixa transparecer os elementos ou os

animais

qu e o cons

tituem

profundamente . Vejamos, po r

exemplo um homem

que

procurando alguma

coisa

em sua car teira fará surgir o

80

camundon go qu e há dentro

dele

um ou tro começará a quei-

mar de r

aiv

a ou de

amor

, etc. Nessas ide

nt

ifi

cações

de p

oi s

de te r expe rim en tad o o m aior nú m ero po s

sív

el de di

nâ m

i

cas na turais ou animais, o ator  o u o autor) est á p ro

nt o

pa ra

serv i

r s

e

dessas

expe r iê

nc i

as, às vezes de m

od

o inconscien

te, p

ar

a al

imen

ta r os person

age

ns que deve interpretar  ou

esc

reve

r) , e assim m ostrar a

lguns

de seus tr aços pro

fun

do s.

Ele adquire um a sér ie d e referê ncias, ao

me

s

mo

te

mp

o m uito

comp lexas e pr ecisas, so b re as qua is se ap oiará .

o

pr

incipal resu lt ado do tr abalho de ident ificaç

ão

são os

t r ç do s que se in screv

em

no corpo de cada um os circ uitos

fís

icos

de pos itados no co rpo , no s quais circula m paralela

me nte em oções dram áticas qu e, assim , encon t ra m seu cam i

nh

o pa ra se expressar. Essas experiências,

qu e

vão do silêncio

e da

im o

bilidade ao m

ovi me

nto m áxi

mo

passando po r n u

m erosas d inâmicas intermediárias, permanecem para sempre

gravadas

no

corpo do

ato

r. E ne le vão

despertar

no m omento

da

interpretação. Qua ndo às vezes vários anos depo is, o a to r

tiver um texto pa ra interpretar,esse texto fará ressoar o co rp o

e ele va i encontrar aí um a matéria ri ca e disponível pa ra a si

tuação expressiva. O ator

poderá

,

então

tomar a pa

lavra

co m

conhecimento de

causa.

Po is, na verdade a na tureza é nossa

pr

im eira linguagem . E o co

rp

o

rememor a

 

o

r

d gem

pel s  rtes

O F U ND O P O ÉT IC O C OM U M

De

início

nosso

trabalh o

nã o

se apoia nu m texto ne m em

qualquer t ipo

de

teatro referencial seja

oriental

balinês ou

81

Page 43: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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ou t

ro . Como pri

me

ir a leitura, temos a

penas

a

vida

.

É

p reciso,

en tão, reconhecer essa

vida po r meio

do

corpo mímico

po r

meio d a

reinterpretação

a partir d a qual a imag inação im

pele

o aluno a outras dimensões e a outras

regiões

. A partir

da reinterpretação psicológica primeira, efetuamos ascensões

em direção a diferentes n íveis de interpretação, espec

ialmente

graças

às máscaras. Elas

permi

tem,

no

segundo ano, chegar

aos grandes teatros, que são a commedia dell arte e a tragé

dia. Essa

ascensão

progressiva caracteriza o p rimeiro ano da

Escola.

Paralelamente, uma segunda

viagem

ac

ontece em

pr ofun

didade.

Ela nos

leva

ao

encontro da

vida

essencializ

ada

naqui

lo que costumo chamar de fundo poético comum Trata-se de

um a

dimensão

abstrata, feita

de

espaços,

de

luzes,

de

cores,

de

matér

ias, de

sons, que

se encont ram em cada

um

de

nós

.

Esses

elementos estão depositados

em

nós,

a

partir

de nossas

diversas

experiências,

de

nossas sensações,

de

tudo

aquilo

que

vimos,

escutamos, tocamos, apreciamos.

Tudo isso

fica

em

nosso co

rpo

e constitui o

fundo

comum a

partir

do qual

sur

girão impulsos,

desejos

de

criação.

 

preciso, en tão,

em

meu

processo

pedagógico, atingir esse

fundo poético comum para

não ficar na v ida ta l qual ela é, ou ta l qual ela surge . Os a lu

nos

poderão,

assim,

ascender novamente rumo a um a criação

pessoal.

Quando

vemos

o

mar em movimento, um

elemento

ou

uma matéria, a água, o óleo .. .

estamos diante

de movimentos

objetivos,

que

podemos

identificar,

e

que, dentro

daquele

que

observa,

trazem

sensações

semelhantes.

Mas existem

coisas

82

que são imóveis e nas quais

podemos, no

entanto, igua

lm

e

nt

e

re

conh

ecer as

di nâmica

s.

São

as

co r

es, as palavr as, as arqu it e

tu

ra s. N ão podem os ver nem a fo rma nem o m ovime

nt

o de

um a c

or ,

porém a em oção qu e ela no s dá po de nos colocar em

m ovimento, em moção a té mesmo em emoção Buscamos

ex

pressar

essa

emoçã

o

particular graças

às mi

magens po r

meio

de

gest

os

o

repe

rt

o

riados

no

rea

l.

O

pr o

cesso mimod

inâmico estabele

ce os r it

mo

s, os espa

ços e as f

or

ças dos obj e

to

s im óveis.

Observa

nd o a torre Eiffel,

cada um pode se

nt

ir um a emoção dinâmica e pô r essa em oção

em movim

ento. Trata-se de um a dinâmica ao mesmo tem po

de en raizament o, de conexão ve

rtical,

de veloc i

da

de regres

siva, que não terá n a

da

a ver com a ten ta t

iva

de

rep resenta

ção imagét

ica

(figuração feita de mímica desse

mo

num en

to .

Ma is d o qu e um a figu ração, é uma emoção. O term o em oç ão

significa et

im ologicamente:  p ôr em mov imen to . De

fa t

o,

todos os d ia s,

sem

sabê

-l o,

fazem

os m

ímica

do

mun

do

qu e

nos cerca.

Quando se

ama

, ins t

in

tiv amente,

faz-se mím ica

em

si,

do ou

tr o.

Na

Escola,

trata-se

de

projetar,

para

fora de

si

mesm

o, esse elemen

to , em

vez de m

antê

-lo dentro, e essa

sa í

da é, prim

eiramente,

um reconhecimento, antes de tornar

-se,

eventualmente, um a to d e conhecimento e de criação. O t ra

balho do poeta, seja ele p into r, escritor ou ato r, con s

iste

em

deixar

-se

alimentar

po r

todas essas

experiências.

As

CORES

DO ARCO-ÍR IS

Abordam

os ,

p rimeiro, as cores e as luzes.

 

estranho cons

tatar que,

qualquer que seja

o

país,

a cultura,

quando

se trata,

po r

exempl

o, das cores , os mesmos

mov

imentos aparecem.

83

Page 44: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Para além das diferenças simbólicas em

todos

os l

ug

ares

do

mundo o

fund

o poé ti co é o m e

sm

o: azu l é o Azul

Para umgrupo compoucos

alunos

me

ncion

o diferentes

cores

e

peço

para

reagirem o mais rápdo possível. sem pensar. expressando o mo-

vimento interor

que lhes

chega.Em se

guida

. tento

todas

as

core

s do

arco íris antesded

eixá los

escolherdi ferent

es

cores

que

se

encontram

na sala   trabalho a partirdas quais eles propõem movimentos.

 

espectadores tentam.

então descobrir

quais sãoas cores que

eles

nos

apresentam.

Exist e um te

mp

o um espaço

um

ritmo um a luz que são

justas para cada cor. Descobrimos j un to s que se um movi

mento dura

tempo

d

emais

se

vai

longe de

mais

per de

sua

c

or

.

Por exemplo os alunos sem pre fazem pa ra o ve

rmelho

m o

vimentos de

expl

osão

ma

s a part i rdo mom en to em que essa

e

xpl

osão

ocorre

  a cor desap

arece

do

mo

viment

o e se

torna

luz. O vermelho em

su

a verdade existe apenas um pouco antes

da e

xpl

osão na tensão di nâmica

muit

o forte desse inst

ante

.

Quando os alunos

fazem

esse t ipo de exercício fico

pa r

ticularmente

atento

à qualidade dos movimentos que eles

propõem . Observo se esses m

ovimentos surgem

de seu s co r

pos

ou

se saíram de um a

imagem

paralela 

espécie

de ca

rtão

postal

qu e

procuram ilustrar ou se ainda se trata de u mmo

vime nt o simbólico representação exte r io r da cor que tentam

nos descrever. Aí 

entã

o é

precis

o lim p ar o

movimento

eli

m inar o supérfluo   para leva r os

alu

nos progressivamente ao

fundo

do corpo ao

ma

is

próximo possível

da co r ve

rdadeira

.

Inominável

84

O trabalho pedagógico consiste em chamar a atenção para

os excessos

de

movimento

sem jamais indicar

o que tem de

s

er

fei to. D

evo

deixar

um a dúvida

no ar: cabe

aos

alunos

des

cobrir

aquilo

que

o professor

sabe  O pedagogo enfim tem

de

questionar-se

o tempo todo encontrar o fres co r e a in o

cência do olhar a fim de evitar que qualquer clichê se im po

nha por m

ínimo que

seja

.

Esse

trabalho

está a serviço

de

um a aproximação à poesia

à pintura e à música. A

part

ir

da

análise das cores os alunos

tr abalham em

seguida

de maneira

mais

comple

ta

em um

quadro

em um a

pintura. Suas

observações

de obras de

ar t

e es

pecialmente nos m useus é o ponto de

partida

de uma tradução

mimodinâmic Ainda aqui não se tra ta de re fazer a ilustração

do quad ro nem de explicar c

om

o ele é percebido interpretado

mas de comparti lhar  diretamente o espír

ito

da obra.

É

apaix

on

an

t e co

nstata r

a

diferen

ça en tr e o t

ra

b

alh

o nas

c

or

es isol

ad

a s e o nos quadros.

Num

a ob ra pi

ctóri

ca as cores

en cont ram -se deslocadas de

sua origem

  criando

uma

di nâ

mica

di

fere nte. O amarelo qu e se en cont ra em Van Go gh

o

se m ov imenta do m esm o je ito qu e o ama r elo isol ado; ele se

m ovimenta com o o violeta.

Nas

ob ras de Chagall a contra

d ição é forte en tr e o alto e o baixo ent re terra e céu. Se os

alunos tentarem representar tal ob ra têm de

desc

onfiar de

um a

apresentação

que

vá isolar cada eleme

nt

o : de

um

lad o o

aspecto terreno de outro as pers

on

agens flutuando no ar.

É

a

pass

agem

de

um

ao

outr

o a

maneir

a

de

enraizar-se

ou

de

alçar-se a tensão entre os dois elementos qu e constituem o

essenc

ial da obra de

Chagall

e qu e eles têm de nos

restituir.

Estamos aqui no cerne de um verdadeiro

propósito artístico.

85

Page 45: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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87

Salvatore Qu asimodo,

La terre incomparable,

trad. Tristan Sauvage   Alain

Iouffr oy (Par is: Pie rre

Segher

s, 1959). [  E DE REPENTE É NOITE   Cada

um está s ó no c

or

açã o   da terra   t raspassado por um raio de sol :   e de

re

pe

nte é noite

 

Salvatore Quasimodo, Poesias, ed . b ilín gue, tr ad. Ge

rald

o

Holanda Cavalcanti (Rio de Janeiro: Record, 1999 ), pp. 18-1 9. (N. T.  ] .

ET

SOUDAINEMENT LE

SaIR

Ch  cun est seulsur le coeur

de la terre

transpercé p r u n rayon de soleil:

et souda

inement

le soir

ED E SUBITO SERA

Ogn uno sta solo sul cor

della terra

trafitto da

um

raggio di sole:

ed

à

subito sera

gua

ut ilizada

, as

palavra

s não t

êm

a m esma

aderênci

a ao

cor

po .

Fazemos um

longo trabalho a pa rti r

das

diferentes línguas:

francês, inglês, alemão, italiano, jap onês, espanhol, etc . Para o

verbo pegar

(prendre) ,

po r

exempl

o, os alunos franceses fa

zem corpo com a co isa que pegam, fechando os dois b

raços

na

parte super ior do

corpo. Não se trata de pegar este ou aquele

objeto,

mas

de

pegar

em

geral, de

pegar tudo,

até

a si

mesmo

Para esse mesmo verbo, os alemães d izem

Ich

neh

me,

e fazem

o gesto de

aproximar, junta

r Em inglês,

I t ake,

eles a

rr

ancam  

I

sso

mostra, evidentemente, o problema da

traduçã

o no âmbi

to poético.  Pego minha mãe pelo br aço

não po d

e

ser

traduzi

do po r

  junto

minha

m ãe

pel

o

braço': nem po r

  arranco minha

mãe pelo

braço . A

melhor

t radução de

um poema me parece

ser, então, a mimodinâmic a

verdadeira colocação

do poema

em movimento, que a

tradução

, apenas po r meio de pa lavras,

praticamente

o

consegue

atingir nunca.

A d inâmica desse p oem a encontra -se

no

inter

io r

de cad a

palavra:

sole

é

dife

rente de

  soleil (so

l),

raggio

é mais enér

g

ico

do que   rayon (raio), etc .

Cada

língua escolhe,

na q

uilo

que n omeia, um elemento em

particular

.

Cos

tumamos tr a -

Esse trabalho é

conduzid

o coletivamente po r um grupo

de

alu

nos

qu

e,

quando

o conseguem,

embora

se mo

vimentem

ind

ividualmente, fazem par te de um

corpo

comum . Num

ou

tro

mom

ento, os que desejam e que têm o

sent

ido da arquite

tura,

podem

che

gar até a depurar a

obra

para, dela, conservar

ap en as a est r

ut

ura.

 

então é possível

interp

retar

estruturas

abstrat

as de

diferentes

pi

nt

ores. Em

Pollock,

o p

ro

cesso é

pa r

ticularmente interessan te, pois é p reciso observar os

quadros

pondo

-os no

chão. Mergulha

-se

em

Pollock, po r

me io de ca

madas sucessivas, numa estrutura laminada que nos conduz

às regiões as mais pro funda s e, ao fim, angust

iantes, pois,

no

fundo, não há pon to s de apoio

Adotamos um

pro

cesso semelhante para a

poesia: traba

lhamos com as pa lavras antes de chegar aos textos poéticos,

bem como, em

músi

ca,

jogamos

com as

sonoridades

antes de

entrar

na

s

obras

mus

icais.

o CORPO DA S PALAVRAS

As palavras são abordadas

pelo

s ve

rbos,

aqueles que trazem

a ação, e pelos subs tantivos, que representam as coisas nomea

das. Considerando a palavra com o um

or

ganismo vivo, busca

mos o

corpo das

p

lavras.

Pa ra isso , é preciso esco lher aquelas

que oferecem um a real d inâmica corpo ral. Os verbos prestam

se a isso mais facilmente: peg ar, levan

ta r

,

que

brar, serrar. . . são

ações que ali

ment

am

o

próp

rio

ve rbo:  Eu

ser

ro

traz,

em

si,

a dinâm ica do m ovimento. Em francês,  a manteiga

(le beur-

re)

já está espalhada, enquanto,

em

ing lês

(th e bu tter),

ela nos

chega agl

uti

nada, em forma de tablete De aco rdo com a lín -

86

Page 46: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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balhar c om p alavras

qu e

se

referem

à alimentação, po is elas

pertencem ao corpo , principalmente em

francês,

na t radi

ção rabelaisiana

qu e

prefere sopa a  c aldo : Com os alunos

- inclusive os que

nã o

falam francês

 

todas essas

palavras

ganham movimento. E, curiosamente, esses acabam compre

endendo

e falando muito

bem

a nossa l íngua, pois se

apoiam

na d in âm ic a d a

palavra. Existe aí

um

formidável

c ampo d e

trabalho para

o

aprendizado das

línguas.

Das palavras, passamos à poesia.

Leio para

os alunos

al

guns poemas e el es

escolhem

um, c om o qual sintam vonta

de de

trabalhar. Em pequenos grupos

de três

ou

quatro,

vão

da r

movimento ao poema. O trabalho consiste

em

encontrar

o

verdadeiro

movimento coletivo, que é outra

coisa

do qu e a

soma dos movimentos

individuais

. Proponho poemas de Hen

ri

Michaux, de

Antonin Artaud, de Francis

Ponge,

de

Eugene

Guillevic

.. .

cada um trazendo um elemento particular.

Fogo,

em

Artaud; água,

em

Paul Valéry,

quando

ele fala

do

mar, e

t ambém em

Ponge,

quando ele

descreve

as

 gotas d água

que

escorrem nos vidros num d ia de chuva .. .

Ou

ainda Charles

Péguy,

em  la Meuse endormeuse et douce à

mon

enfance Es

sas palavras

escorregam

na planície com a mesma lentidão do

rio.

um a aderência

às

emoções

físicas da paisagem.

Apparemment,

Tu ne faispas de gestes.

Tu es assis làsans bouger,

Tu regardes n importe quo í,

Mais en toi

Il y a des

mouvements

qui tendent

88

Dan

s une espece de sphere

A saisir,

à

pénétrer,

A donner corps

A j e ne sais quels flottements

Quipeu

à

peu deviennent des rnots,

Des bouts

de phrase,

Un

rythme

s y

met

Et

tu

acquiers un bien 

Quando

fazemos um

  mercado dos poe ta s : cada a luno

traz um poema de

qu e

gosta, apresenta-o

em

sua l íngua ori

ginal e fazemos a mesma coisa:

constituem-se grupos

para

entrar n o

text

o, nã o importa a l íngua em que tenha

sido

pr o

posto. Isso

nos permit iu

descobrir vários poetas estrangeiros,

entre eles

os

nórdicos,

pouco conhecidos

na

França.

Muitos

alunos que nunca liam poesia, depois dessa experiência

na

es

cola,

começam

a se interessar. A poesia é,

pa ra mim,

o

maior

dos alimentos.

 

MÚSICA COMO

PARCEIRA

A abordazern dos sons e

da

música faz parte do

mesmo

:>

processo. Trabalhamos

a partir

de diferentes sons

e,

depois,

Eugene

Guillevic, Le sorti des rnots

em

 r t poétiqu (: aris: G.allimardl

NRF, 1989). [ Aparentemente,   Você não faz gestos.   Voce esta ali sentado,

imóvel,

/ Você olha qualquer coisa,   Mas em

você

/ Há movimentos que

tendem   Numa

espécie de esfera

 

A

apreender,

a

penetrar,  

A

dar

corpo

 

A

não

sei

que

flutuações   Que pouco a pouco se tornam   ~ ~ v r s ~ ~ ç o s

de

frase,   Então

surge

um r itmo   E você adquire um bem. (Traduçao livre

para o português.) ]

89

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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com obras musicais de Bartók  Bach  Satie

Stra

vinski  Mi les

Davis. . .

Tudo

aquilo que

não

sevê

na

música nós

visualizamos

como se fosse matéria, um organismo em movimento. Entra

mos em seu espaço

nós

a agitamos, a

puxamos, lutamos com

ela.

Para reconhecê

-la nós a incorporamos.

Peço aos

alunos

que reconheçam os movimentos internos da música: quando a

música

se

reúne,

ao ficar

espiral

  explodir cair... Isso

não

signi

fica absolutamente um a

interpretação,

que é de outro âmbito.

Podemos jogar totalmente contra Bartók, ter um ponto

de

vis

ta uma opinião,

um

esclarecimento,

um a

interpretação pessoal

diferente dependendo da

personalidade,

da

época,

da cultura,

mas antes de jogar contra, é preciso

jogar com

A

Lição

p r

rtók

é

muito estruturada.

Divide-se em vá

rios

momentos.

Na

escuta da obra, convém, primei

ro, visuali

za r o

que

acontece

no

espaço.

Tentamos, em seguida,

tocar

os

sons

que se

deslocam;

depois pesquisamos

para

ver se os sons

nos

empurram,

nos

puxam,

ou

se

nós

é

qu e

os

empurramos

ou

que os puxamos.

Enfim,

vamos pouco a pouco ent rando

em

aderência

com

eles.

 

só a partir

dessa

aderência que é

possível escolher um

ponto

de vista estar

a favor contra

ou

com Quer dizer

estabelecer

um a

relação

de

jogo,

pois o

ob

jetivo é sempre o de jogar com a música, como faríamos com

um personagem,

para

evitar que

ela seja

apenas ilustrativa

da

interpretação ou pr eencha os vazios como é muito comum

fazer-se em

teatro

.

Essas distintas

abordagens

mimodr mátic s

são essenciais

para o e

nriquecimento da

interpretação do

ator. Quando

o

ator levan ta um braço, o público

tem

de receber

um

ritmo,

um som,

uma luz

um a

cor. A dificuldade pedagógica é a

de

te r

90

o olhar suficientemente t reinado para

discernir,

entre diferen

tes

gestos propostos, qual expõe o

gesto

explicativo o formal,

ou

o poético

justo.

Pouco a pouco, os próprios alunos

chegam

a

te r um

olhar sutil

sobre

as

nuances

dos gestos. Na realidade,

o público deveria

te r

esse mesmo olhar . . . então descobriria

r iquezas desconhecidas. Mas o

comum

é

oferecer

-lhe

tama

nh a

quantidade de banalidades,

que

isso se torna praticamen

te

impossí

vel. A

formação

do o lhar é tão

importante

quanto

a formação da criatividade. De nada

serve oferecer

um

bom

vinho àqueles que não

podem apreciá-lo

o que chamo de

cultura: poder realmente apreciar as coisas.

 ásc r s   ontr

más r s

Os NÍVE IS DE JOGO / INTERPRETAÇÃO

A

máscara neutra

é um a

máscara

única, é a Máscara de

to

das

as

máscaras. Depois de

-la experimentado,

abordamos

toda

espécie de

máscaras outras ,

as mais diversas possíveis,

que reunimos sob o termo genérico de máscaras expressivas .

Se máscara neutra existe apenas uma , há um a inf inidade de

máscaras expressivas.

Quer fabricadas pelos

próprios alunos,

que r j á existentes, essas máscaras

trazem

consigo um nível

de

interpretação,

ou

melhor,

elas o impõem. Interpretar com

um a máscara

expressiva é

alcançar um a

dimensão essencial

do jogo teatral, envolver o

corpo

inteiro sentir a

intensidade

de

um a emoção e

de

um a expressão que, mais uma vez vai

servir

como

referência

para

o

ator

.

A

máscara

expressiva faz

su r

gir as

grandes linhas

de um

personagem.

Ela

estrutura e

simplifica

a interpretação, pois

9 1

incumbe ao

corpo

atitudes

essenciais. Ela depura sua inter

ator. Meu objetivo é

qu

e ch eguem a criar um a

máscara

que

Page 48: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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pretação, filtra

as complexidades do olhar

psicológico,

impõe

atitudes piloto

ao conjuntodo corpo.

Ainda que seja

muito

su

t il , a interpretação com a máscara expressiva sempre se apoia

numa estru tura de base, inexistente

na

interpretação

sem

máscara. Eis

po r

que esse trabalho é indispensável à

formação

do ator. Qualquer

que seja

s

ua

forma,

todo

teatro aproveitará

mui to da experiência d o a tor que tiver interpretado com a

máscara.

Nisto,

o ensino não funciona diretamente, mas

  po r

tabela': como acontece com certos treinamentos esportivos .

Para te rmos um

bo m

arremessado r

de peso,

é

preciso

fazer

com

que ele corra; para formarmos um bom judoca, é preciso

fazer com que ele pratique musculação. Tal recurso também

se faz necessário no campo do teatro. Toda a Escola é indireta,

nunca

nos di rigimos

em

linha

reta aonde queremos que os

alunos cheguem. Se alguém

me

diz:   Gos ta r ia de ser c1own ,

eu

o

aconselho

a f azer

máscara

neutra,

fazer coro

. Se ele

for

c1own, isso ficará claro

A

noção

de máscara expressiva

abrange

a das máscaras lar-

várias

das

máscaras tipo

enf im das

máscaras utilitárias

que,

a priori não

são feitas

para

o

teatro.

Ao fazermos um  mercado

de

máscaras , cad a aluno rea

liza

u ma má

scara que testamos

juntos.

Nessa primeir a fase,

peço aos

alunos

para não colocar as próprias máscaras. É pre

ferível experimentar,

antes,

as dos

outros,

manterem

-se di s

tanciados de

sua

rea liza

ção,

para

ver,

de fora,

sua

máscara

em

movimento. Algumas máscaras

são,

às vezes, muito bonitas,

ma s isso não basta. Uma boa

máscara de

teatro tem

de

poder

mudar de

expressão

seguindo

os movimentos

do

corpo

do

 

realmente

se mex

As confecções

iniciais

apontam vários erros, interessantes

para o aprendizado. Frequentemente, no

momento da

criação

das

primeiras

máscaras, os alunos põem o rosto no gesso ou

então fazem um a

máscara exatamente

com as

dimensões

de

seu

próprio rosto. Mas já dissemos

que

a

interpretação

com

máscara

necessita

de

uma distância, indispensável,

entre

a

máscara

e o

rosto do ator. É preciso, para

isso, que a máscara

seja mai or ( ou menor ) d o q ue o

rosto.

Um a máscara expres

siva feita

na dimensão

exa ta do rosto do ator ou,

pior,

que lhe

co le no rosto é impraticável.

É um a

máscara

morta

De

nada adianta

contemplar

durante horas, sabe-se lá com

que

concentração

míst

ica, uma máscara, antes de interpretá-la .

É preciso

dar-lhe un s

trancos. Tentamos,

muito rapidamente,

colocá-la

em

diversas situações: ela

está

contente':  está tr is

te':   está enciumada ,  ela é esportiva . Provocando a máscara

em várias direções,

buscamos descobrir se ela responde ou não.

Só começamos verdadeiramente a conhecer a máscara quando

ela res is te ao

tranco Logicamente,

uma

mesma

máscara

não

responde

a

todas

as provocações, e só algumas situações po

dem revelá-la. O  mercado

das máscaras

 

permite

livrar-se do

supérfluo no campo de trabalho. Depois disso, trago as

s-

caras expressivas que representam t ipos, personagens muito

partic

ulares.

Os

alunos tentam chegar o mais próximo pos

sível desses

personagens,

en trar na

máscara, sem

nunca

fazer

caretas po r debaixo,

sem imitá-la,

exteriormente,

sem se

olhar

nu m

espelho. Entrar numa

máscara

é

sentir o que a faz nas

cer, encontrar o fundo da máscara , buscar aquilo em

que, no

93

 

íntimo, ela ressoa. Depois disso será possível interpretá-la

vin

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do de dentro.   diferença das meias-máscaras

da commedia

dell arte. as máscaras expressivas são máscaras inteiras, com as

quais o ator não fala. Elas representam tipos frequentemente

inspirados na

vida cotidiana. Arnleto

Sartori

inspirava-se

nos

rostos

das

pessoas da rua e

dos professores

da

Universidade

de

Pádua. Inspirava-se

também como

quer uma certa tradição

em personagens da vida política. Essas máscaras podem ser um

pouco ofensivas,

mas não

são caricaturas. O

que

importa é

que

possam manifestar, a parti r do momento em que as interpreta

mos, uma

complexidade

de sent imentos. Uma máscara que só

represente a expressão congelada

do momento

a de um sorri

so permanente por exemplo,

não

pode ficar mui to t empo em

cena; só

pode

fazer

uma

passagem. Uma

boa

máscara expressi

va

tem

de podermudar ficar triste, alegre, feliz, sem nunca ficar

definitivamente congelada na expressão de um instante. Est a é

uma

das maiores

dificuldades para

a

sua

confecção.

A máscara expressiva pode ser abordada em dois apoios.

Aose considerar,

po r

exemplo a

máscara

chamada

do

 jesuí

ta ,da

qual uma par te

do

rosto desigual

é mais forte do que

a outra ela pode ser interpretada de um lado sentindo-se

 jesuíta , buscando a psicologia do personagem o que leva a

determinado comportamento a movimentos

corporais pa r

ticulares de onde surge uma certa form Do out ro lado

po

demos nos deixarlevarpela própria forma tal como proposta

pela

estrutura

da

máscara. Esta

se

torna

então

como

um

veí

culo, arrastando todo o corpo no

espaço

em

movimentos

es

pecíficos,

que

dão vida ao personagem. Nosso   jesuíta nu nca

ataca de frente: ele, primeiro, segue as linhas

oblíquas

e as cur -

94

 

merc do d s másc r s

vas

propostas

pela máscara; em seguida  cede a sentime ntos e

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emoções que

acompanham

esses movimentos   O personagem

nasce assim da forma.

E NT RAR NA FORMA

Essa manei ra de e nt ra r n a forma encontramo la mais

particularmente

nas

máscaras larvárias.

Descobertas no s anos

1960 no carnaval de Basileia na Suíça sã o grandes máscaras

simples

que

ainda não chegaram a definir

 se

nu m verdadeiro

rosto

humano.

Elas têm

apenas

o u u m nariz

grande

ou

um a

forma de bola

ou

parecem um a ferramenta de impacto ou de

corte Nós as trabalhamos e m d ua s

direções.

A

primeira

é em

direção

a

personagens

e

situações, cari

-

caturados u m p ou co à ma ne ir a d e certos desenhos humo-

rísticos As

máscaras vestem se

co m

figurinos verdadeiros

chapéus 

como

na vida comum e exploramos diversas

si-

tuações realistas

qu e t r anspomos para

o

nível das máscaras.

Na outra direção buscamos a  nim li e ou a dimensão

fantástica da

máscara.

 ã

seres vindos

de

fora

 que

foram capturados cujas reações vamos

testar Personagens

realistas

em

aventais brancos

sem máscaras vão

conduzir

 s testes: fazem   s

máscaras

andar

cutucam nas

com

um

bas-

tão assustam nas

  e

observam suas reações

Essa pesquisa leva

à

descoberta de um a população indefi-

nida desconhecida bizarra   Essa exploração do corpo inaca-

bado

necessariamente

diferente provoca

o

imaginário.

Expandimos nossas explorações

para

as máscaras uti -

litári s máscaras

de

hóquei no gelo de

soldadores de

96

[acques Lecoq com a máscara de   jesuíta :

esquiado res, etc. Todas essas são máscaras

de

proteção : para

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proteger-se do frio, do fogo,

da

luz, do vento.

Também

são

máscaras

de

disfarce

, que favo recem uma a tmosfera de es-

pion agem , de armações clandestinas a face oculta

das

coisas.

  preciso no

entanto prestar

atenção pois mesmo

que nu

merosos objetos

possam

servir

para

a confecção

de

másca

ras,

nem

todas

podem

ser utilizadas

como

tal.

Uma

panela

na

cabeça, um escorredor de macarrão não passam de másca-

ras

quebra-galho

 . Nesse campo de

exploração das

máscaras

onde

numerosas abordagens

são possíveis,

busco sempre

a

ve rdadeira máscara de te atro aquela

que t ra z

uma humani

dade mpõ uma transposição e possibilita um certo nível de

 

terpretação.

Após te r

conduzido

essa primeira

expenenci a da i nt er

-

pretação

com

máscara proponho

qu e

se faça exatamente o

in

verso

do

qu e

,

aparentemente

a

máscara sugere. Por exem

-

plo:

um a máscara que

ofereça ev

identemente

a expressão de

um  imbecil será,

primeiro interpretada

como tal. O per-

sonagem será de preferência idiota, tímido atrapalhado.

Em

seguida consideramos o personagem como

um sábio genial

seguro de si,

surpreendentemente

inteligente . O ator interpre-

ta então

o que chamamos de cont ramáscara fazendo apa-

recer

um segundo personagem po r

trás da mesma máscara

trazendo

um a

profundidade bem

mais interessante. Desco-

brimos

assim

que

as pessoas

não

têm necessariamente o

ros to daqui lo que são

e

que

há um

traço

marcante para

cada

personagem.

Uma terceira

etapa

pode

ser atingida

com certas

máscaras:

interpretar

num mesmo

personagem

a

máscara

e

a

contramáscara ao

mesmo

tempo.

98

 

áscaras larvárias

Diferente da m á

sca

ra ne utra a m áscara

expressi

va dá a

pre

ciso

s. A dim ensão simbólic a é um a d im ensão im portante

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partir dos mesmos temas acesso ao que chamo de

deriv ções

dos personagens. Quando utilizan do um a

máscara

ne u tra

um homem e

um

a

mulher

se

encontram

su a relação é essen-

cial

direta.

Não segue ne n

hum

traçado oblíquo

ou

alterado .

O homem e a mulher se

veern

  a

vançam

um para o

outro

em

l inha reta  nenhum obstáculo vem perturbar lhes a

relaçã

o.

Com a más

cara expres

siva o

mesmo

t

em a

p

od

e

transformar

se em:

o

hom

 m

e amulherse encontram  nocorreio Ee v m bus arseo 

eelaosvende

É a mesma situação os sentimentos são

idênticos

 

ma s

os

pe rson

agens

o podem

seguir

um a linha reta. Surgem

en -

t

ão

  t

od

as as

deri

vações dramáticas: eles se

veem

.. . e vão; an

d

am de

lado; um se aproxima o

outro

recusa etc. Esse tema

poderia obviamente se r interpretado sem máscaras . Mas isso

o

permitiria

expandir a

interpretação

destacá la

eliminar

os detalhes em benefício do grande circuito das atitudes. Não

é o t ema que

importa ma s

o modo de

interpretar

e o nível

de transposição

atingido

. Co m a máscara os gestos

aumen

t am o u d im in ue m. O

olhar qu e

tanta importância te m n o

jogo ps icológico

é substituído pela

cabeça e pelas mãos que

a partir de então  adqu irem um a importância

muito

grande.

É po r isso

qu e

o emprego de

objetos

reais

enriquece muito

a

interpretação

das

máscaras

expressivas.

É necessário

observar que

as máscaras tais

como

as vis-

lumbro n ad a t êm a ver co m certas máscaras simbólicas da

dança  teatro do Oriente que tem

gest

os codificados   muito

100

do teatro mas

vem de poi s do n

os

so

tr

aba lho : não se p

odem

real

izar

gestos

simbó

lic

os

cod ificados

se m

alimentá-los

da-

qu ilo

qu

e compõe a

vi d

a. Algumas das grandes máscaras

or ientais são as de Bali em bo ra lá sejam in te rpre tadas de

m aneira pantomím ica. N

ós

as in terp re tam

os diferentemente

 

co m

o

certas máscaras africana s

qu e

às vezes

utilizamos ma s

sem

busca

r  lhes a dimensão simbólica original.

Na verdad

e

as maiores másca

ras são as

do

nô japonês: um mo vimento

muito leve da cabeça para baixo é o s

uf i

ciente pa

ra

ce

rr a

r as

pálpebras e mudar de fo ra pa ra dentro o olhar

p rson g

TAD

OS   PA IXÕES

SE

NTIMENTOS

Todo

o trabalho cumprido no primeiro

an

o

tende

a um

objetivo maior: culminar

na interpretaçã

o do

person gem

Com o acolheram um

element

o um a co r  um inseto  os alu

no s deverão estar aptos a acolher um personagem ainda que

esse processo seja

mais

difícil. Quando abordamos os

perso

nagens

meu maior

temor é o do voltar-se para o

personagem

 

quer

dizer

quando os a lunos

falam de si

mesmos

se m um a

verdadeira interpretação. Se o personagem e a pessoa forem

apenas

um

a interpretação nã o existe. Se essa osmose funcio

na no s d oses do cinema

ps

icológic

o a interpretação teatral

deve

transportar

a

imagem

até

o

espectad

or.

H á u ma

grande

diferença entre atores qu e expressam

sua própria vida

e os

qu e

realmente

interpretam.

Para isso a máscara terátido

um a

grande importância.

Os

a lunos terão aprendido a interpre-

101

tar ou tra coisa

que

não e le s

mesmos,

não

deixando

de im

tod as as nu ances: ele é orgulhoso, mas

altiv

o ; ele é

colérico,

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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pl i

ca

r-s

e in tensamente n isso. Não in terpretam a

si

m esmos,

in te rp retam consigo mesmos Eis aí toda a ambiguidade do

trabalho do a to r.

Para evitar

o fenô

meno

da

osmose

e para servir

de

apoio a

este m is lém qu e desejam os, servimo-n o sm u i to de animais.

Cada per

so nagem

pode ser identificado, em

parte,

com um

ou

vá rios

animais

. Se

um

pe rson

agem

está

baseado

n a pr e

sunção do peru , será preciso assegurar-se de que o per u esteja

efeti

vamente presente

na in terpretação do ator. Não há um a

ide

nt i

ficação

total entre ator e personagem, m as um a relação

sempre

tria

ng u

lar , n este caso, o

peru,

o a

to r

e o personagem

Começo pedindo a cada alu no que pr oponha um

pr

imeiro

personagem,

liv

remente

in sp irado em a

lgu

ma

observação

fei

ta

na rua

ou

en t

re as p ess

oa

s de seu c

on

vívio.

Basta

 

diverti

r-se

tentando ser um a outra pessoa. Buscamo s, primeiro,

de

finir

o

caráter

desse personagem . O caráter não são as paixões do

personage

m,

nem

os es tados de esp

írit

o

qu

e o a

nim

am , n em

mesmo as si tuações na s quais se encontra: são as

lin has de

força que o

defi

nem. Elas têm de poder ser expressas em três

pa lavras. Tal

pe rso

nagem será:  orgulhoso, generoso e coléri

co . Fazendo isso, simplificamos ao m

áximo

a definição q

ue

estabelece um a estrutu ra

de

base que p

ermite

ao

ato

r inter

p re tar. Com

tr

ês bastões, podemos construir um primeiro es

paço: a cab

an

a

é

um

a casa Doi s

element

os

não

b

astari

am

,

poi s o equilíbr io ser ia in stável. P

ara

a

arq

uitetura, seja a do

personagem ou a

da

casa, o tripé é indi

spensá

vel. Quando os

três ele

ment

os tiverem sido defin idos , podemos ent ão

bu

scar

102

 

ma s

gent il . Progressivamente, os atores

trazem

suas

próprias

nuances,

sua própria com plexidade,e

assim seu personagem

constrói-se

sobre p

onto

s d e apo io sól idos e um a est

rutura

clara .

Os alunos chegam na aula com seu pe rsonagem , ca racte

rizados. Alguns

s aem de casa nos personagens,

a tal

po n

to

que algumas

vezes não os

reconhecem

os,

de

tanto que se

transformaram fisicamente.

Nós

os recebemos , então, como a

alunos

novos: eles acompanham a au la

de

movimento ou

de

acrobacia, mas em

seus

personagens .

 

ao mesmo

temp

o en

gr aç ado e muito cansativo; é po r isso que, então, decidimos,

entre

nós, por meio

de

um sinal, quando parar

de

interpretar,

para relaxar antes

de

recomeçar. Po is, quer

quei ra quer

não,

o

personagem

tende sempre a colar

na

pessoa. Vale lembrar

que os alunos im provisam seu próprio

texto,

e que nã o têm a

di stânci a necessár ia qu e um texto escrito

por um

autor ofere

ce.   po r isso que insist o

para

que apresentem um

verdadeiro

perso

n

agem

de teatro, que r dizer,

um personagem

saído da

vida, não um pe rsonagem da vida A diferença é delicada mas

essencial.

Quan do eles se

aprese

ntam,

um por

um ,

diante

dos

outros,

per

gu

n t amos so

br e

s

ua

identida

de

:

nom

e,

ida

de, estado civil,

s

ua

orig

em,

seu tr abalho. . . e eles devem poder responder.

De

pois disso, nós os colocamos  m situação para

que

seu caráter

se revele. Pois, p

or

c

er t

o, não existe

personagem sem situação

.

Apenas a situação lhe permite revelar-se .  F

aça

-nos viver ': pe

dem os

 eis p ersonagens à procura de

um

autor

de Pirandello.

 Se sou avarento, peça

-m

e

dinheiro

': poderia

dizer Harpagão

103

LUGARES

E MEIOS

Vi, algumas vezes,

a lunos sustentarem persona

gens que

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Para observar

como eles se comportam, agrupo os alunos/

personagens em grandes   famílias (os dos escritórios, os das

fábricas, os das

un iversidades

. ..  .

Do

ponto

de vis

ta

dramático, sempre surge um a distância

interessante entre

o

que

dizem os personagens ao

responder

às

perguntas

e o

que realmente

fazem , numa dada

situ

ação.

Ninguém nunca faz exatamente o que diz. Colocamos o per

sonagem

em

situações da vida em

família

, de s eu meio de t ra

balho,

de

férias

ou quando precisa recepci

onar alguém. Nós o

dispom os, pr imeiro, em seu próprio meio, antes de

lhe

pr o

por situações que o t irem do contexto,

ou

situações acidentais

que o revelem de outro

modo

, a si

próprio

e

aos

espectadores.

A pane do elev dor

ou

O descarrilamento do

trem

estabelecem,

na urgência,

um a relaçã

o

entre

pessoas

que

jamais teri

am

se

encontrad

o.

A reunião dos  ondôminos

também é muito

rica

de

humanidade.

Num prédio. acabam de ch

ega

r novos moradores Decidem

conv

idar

seus vizinhos para conhecê

 los.

  h

egam

progressi

vamen

te os de cma.

osde baixo os que moram ao lado.. . Durante a c

onve

rsa alguns des-

cobre

mquetrabalhamna me

sm

a área que outros.

mas

não no

mes

mo

local... Acaba se por descobrir que alguns sêc em

prega

dos e outros

diretoresdame

sm

a empresa.

  o

nstrangmento

Nesse

t ipo de si tuação, os personagens revelam-se: alguns,

tím idos, são capazes de um a autoridade

terrível,

assumem

o

comando

sempre de

modo

surpreendente.

Tal

abordagem

evidencia

o personagem escondido

em

cada personagem,

este

outro - oposto - , que um conflito ou uma situação excepcio

nal

faz

surgir.

Descoberta

importante para

o ator.

104

não os deixavam mais . Pa ra lutar con tr a esse perigo, nunca fi

camos muito tem po com um

me s

mo personagem. Passamos

rapidamente

de

um

a

outr o

,

um

pouco como

aque

les

grande

s

at o

res

de c inema que podem falar beste ir as nos bastidores,

depoi

s en tr am imediatamente em seu

pers

o

nagem

par a um a

t

omada

e, em seguida, vo ltam à sua conve rsa .

Depois qu e trabalharam um pr im eiro p

er

son agem , peço

aos alunos que escolham um seg

und

o, o ma is d istan te pos

sível do p rimeiro. De m

od

o geral , eles apresen tam alterna

tivamente

um

pers

onagem

em flexão e o

u tr o em

extensão:

um

personagem de tipo p

opu

lar ,

desc

ont raído,

ma

is livre; e

um mais tímido, vestido de maneira clássic a, c

om

atitudes

mais

formais. Essas variações to rnam-se ainda ma is i

nteres

santes quando surgem sem que

nenhum

a instrução lhes seja

imposta.

Esse

segundo

pers

on

agem

é

trabalhad

o

de

m

ane

ir a

diferente. Nós o questionam os fisicamente. Pergunto quais

são os que

gostam

de ser vistos ,  os que não são vistos ,  o s

que acham

que são vistos ,

 os que

foram

vistos mas que n ão

são mais ,  os que sabem aonde vão (os p rogramados) ,  os

que não sabem aonde vão , etc.

Depos

d isso,

posso

ser ainda

mais preciso:  o s que vão ao fu tebol ,  os que vão dançar sá

bado à noite : os que

vão ao

museu ,   os que vão

ao

sex shop .

Observamos

os personagens

em diferentes situações,

ou ,

me

lhor ainda, observamos suas reações quando saem

dessas

si

tuações. Tentamos

determinar

os

lugares,

ou

os

meios, mais

favoráveis para

que

os personagens se

revelem.

Tais situações

de interpretação levam

a

um a

análise téc

nica,

etapa

necessária para a c

onstruçã

o do personagem.

105

Colocamos

em evi

dência a

relação

que ele estabelece com o

menta de vozes, de imagens, a multiplicação

dos

biombos . . .

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esp

aço: há aqueles

qu

e são  puxados para trás ': os que são

 empurra

dos

para a frente : etc.

Uma terceira et

apa

me leva a pedir-lhes

qu

e

escolham dois

outros pers on a

gen

s, muito dife

ren

te s e c

om p

lementares u m

do

outro,

que um

me

sm o ator terá, ago r a, de fazer com que

vivam juntos. Trata -se de um a cen a de perseguição, de espera,

de procura, em volta de um biombo.

No palco encontra  se um biombo

com

dois painéis . desenhando. na

frente um espaço aberto; e  atrás. um

escondido.

Chega um primeiro

personagem.

que procura porum

outro.

chama o. nàoo encontra. vai

c

hecar

atrás... Muito

rapidamente.

com a

ajuda

deum

elemento

dofi-

gurino oucom um

acessório

. o ator muda depersonagem e reaparece.

interpretando o outro perseguido pelo primeiro.

Os

alunos

devem

desenvolver esse tema po r todos os m eios

im agináveis . Tra ta -se de interp reta r a ilusão e a multiplicida

de dos per sonag en s, a

mudan

ça de figurino, de acessó rios,

de voz ; de ap resentar os personagens de cos tas , de fre nt e . . .

O

id

ea l ser ia fazer

com que

o público visse, em de term inado

m omento, os dois juntos

estrições  e estil

 

Essas

impr

o

visações

sã o e

xp l

orada

s em au la c

oleti

va e, de

pois, os alun os trabalham com as mesmas propos tas em au-

tocursos

Organizo companhia

s de c inco a tores e peço que

interp

ret em

dez

pe rson agens. Aí tudo é p

ossí

vel:

desdobr

a-

106

O hotel da livre troca é

um

tema muito estimulan te: temos aí

as por tas que ba tem, os armários onde as pessoas se escon

dem, confusões

de todo

tipo.

Tocamos,

ao mesmo tempo, na

virtuosidade

e no prazer da interpretação

(do

jogo), que, para

mim, são

dimensões

importantes do

ator

.

Sendo

a ideia peda

gógica, tanto nesse exercício como

nos

anteriores,

sempre

a

de obrigar

o aluno a interpretar um

personagem,

ou vários, o

mais distante possível de si mesmo.

Termino

a abordagem

dos personagens

pedindo a um

grupo de atores, organizado em  companhia , para que faça

um a cen a

com cenário,

figurino,

obje

tos, e numerosos

perso

nagens. Como eles tendem a se espalhar pelo espaço, coloco

um a restrição:

podem utilizar um espaço muito reduzido,

de doi s metros po r um . Nesse tablado pequeno, limitado, eles

têm de tornar vivos os

maiores

espaços possíveis.

Perdidas numa imensa floresta duas pessoas estão se

procurando;

uma não sabe onde a outraestá mas depois acabam se encontrando.

Elas

podem

. fisicamente estar a cinquenta centímetros

uma

da

outra.

mas. teatralmente. a várias centenas de metros;

chamar

 se desde um

vale

  é

as alturas de uma colina mas estando

realmente

  uma de

costas

paraa

outra.

Esse tema é fei to a

dois, depo

is a trê s, quatro

ou

cinco ato

res, sendo o lim ite de sete, em dois m etros

quadrados.

Esse

exercício se in sere na tradição do cabaret que facilita a

inv

en

ção de formas teatrais, impondo restrições muito gra ndes de

espaço. Eu me lem bro de um western completo, com cavalos,

pe rseg

ui

ções, b rigas,

saloon

feito com m aest ria no

mi

nús

culo tablad o do La Rose Rouge célebre ca ba ré par

isiense

do

107

pós-guerra  Ma s sobretud o te rm ina m

os

o

tr a

ba lho

co

m os

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personagens

l embrando que

o teatro deve se r

semp

re

um

jogo.

É preciso divertir-se

  e a Escola

é

um a

escola

feliz. Nã o

devemos interrogar-nos com angúst ia qual a maneira mais

ou

me nos correta de

entra rem

cena: basta entrar

com

p razer

8

1

I

I

 

écnica

dos movimentos

A

técnica dos movime

nt

os co

nstitu i o segu

ndo eix

o d a minha

pe d

agog

ia . Aqu i vou expô -l a de m ane ira in dep end ente me s

mo

que

na

pr á

tica

ela

sempre es

teja

extremamente

lig

ada à

interpretação. Ao longo de

todo

o pe rcurso do s alunos  

el a

acompanha

a improvisação e

sua

criação pe ssoal. Ela

vem

como preparação como

um

apoio o u um prolongamento dos

diferentes

componen t e s

do

aprendizado . A técnica dos mo

vi

-

mentos

reúne

três aspectos d istintos:

de um

lado  a preparação

corporal e vocal

de outro a

acrobacia  r mática

e p or fim   a

 náli

se dos movimentos  que no segundo ano se

transforma

em

técnicas aplicadas aos diferente

s territó ri

os

dramático s.

 reparação corporal   vocal

DAR

SEN

TI

D O AO

MOVIM

E

NTO

o

es tudo

d a a natomia do c orpo human

o serviu -m e para

d es

envolver

um a prepar

ação

corporal

analítica

  com vistas à

109

expressão pondo em

jogo separadamente

cad a p

arte

do co r

de de exercícios gera lmente utilizados na maioria dos

aque

ci

men tos corpo

ra

is

mas

dando- lhes um sent ido

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po: os pés as pernas o quadril o peito os omb ros   o pescoço,

a cabeça os braços as

os para disso ap reender seu te

or

dramático. Constatei q

ue

 

qu

a

ndo

m

ovimento

  por

exempl

o

a cabeça em direções puramente geométricas, para o lad o

para

a frente , para t

s

.. .   ou

ço

olh

o

sint

o

medo

.

No

teatro,

realizar um mo

vimento

nunca é um

ato

mecânico,

ma s

um

gesto

j ustificado

E pode se r ou

po r

um a

ind

ic

açã

o

ou

po r

uma ação ou ainda, p or um

aconteciment

o interno . Levanto

um br aço

pa

ra indicar

um

esp aço ou

um lugar, para

pegar

um

objeto nu

ma

esta

nte

ou até porque

sin

to em mim alguma

coisa que m e faz levantá-lo. A indicação a ação o estado são

três

mane

iras de justificar um movimento. Co r respondem

às três

grandes

orientações teatrais: a

indicação

está próxima

da pantomima   a aç ão está do lado da commedia dell'arte e

o estado nos leva ao drama. Qualquer que

seja

o

gesto

que o

ator realiza tal gesto se

insere numa relação

com

o

espaço que

o cerca e faz nascer nele um estado emotivo particular. Uma

vez

aind

a o espaço do fora se ref le te no

espaço

do

dent

ro. O

mundo

 imita

-se   em mim, e me nomeia

A preparação corporal não visa a alcançar um modelo cor

poral nem a impor formas teatrais preexistentes .

Eladeve

aju

da r

cada um a atingir a

pleni tude do

movimento justo, sem

que o corpo esteja

  em

demasia s em que ele parasite aq ui

lo que deve

transportar

. Ela se apoia, então,

primeiramente,

numa

ginástica dramática

na

qual cada

gesto

atitude

o umo

vimento

é justificado  

Emprego

exercícios

elementares,

como

balançar os braços flexões anteriores

ou

flexões

la t

erais

do

tronco, divisão do peso naspernas, enfim,

um a

bo a quantida-

110

extensào com os braços levantados uma queda do tronco leva  

uma flexão

do

corpo:

depois revertendo omovimento um retorno

à

posição inici l

Realiz

ar

esse movimento segu indo uma progressão preci

sa   é exemplar daquilo qu e fa

zem

os com o con junto da   ná s-

tica dramática

Começamos

po r realizá -lo de u

ma

man eira

mecânic

a

simple

s p

ara

descob r irmo s seu per c

ur

so. Tent a

mos, em seguida, amplia r o movimento par a ir a té seus li

mites, re al

izand

o -o no m aior espaço possível. Num

ter

ceiro

tempo   concentramo-nos pa rticularmente em do is momen

to

s impo rtantes do movim ent o  para daí descobr ir a dinâmi

ca

dram

ática: de

um

lado o m om ento do início em

exte

nsão

p

ouc

o an tes de o t

ro

nco ser levado pela queda; de

outro

lado  

aquilo que marca o fim do movimento o re tor no do tronco

e

dos br a

ços à

posiçã

o

vert

ical

quand

o o c

orp

o se

encontr

a

novamente em extensão e quando o m ov imento vai mo rr er

imperceptivelmente, na

imobilidade

.

Esses dois momentos, que seg

uem

e p

recedem

a at itude

de

extensão  t razem um estado

dramático forte.

A suspensão que

precede

a partida insere-se na d

in âmica

do r isco da

queda,

e

traz um sentimento de angús ti a, que surge de maneira mu ito

evidente. Inversamente, a

suspensão

do retorno insere-s e

na

dinâmica da aterrissagem  do retorno à calma, da abo rdagem

progressiva

em

direção

à

imobilidade

e

à

serenidade

.

Em seguida colocamos em jogo a respiração. O movimen

to é realizado na expiração completa, no ir e v ir  com a in s-

 

pi r

açã

o

in

te rvindo apenas na atitude im óvel da extensão, em

apneia a lta. A

part

ir desse

controle

da resp iração,

começo

a

m edir as consequ ências, pedem aos atores pa ra que ati nj

am

limites extremos do movim

ento

.

É,

na verdade , sua p ró pria

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sugeri

r imagens pa ralelas,

que fazem

entrar o movimento

em

sua dimensão dramática. O aluno imagina -se, então, sempre

com o mesmo movimento,

diante do

mar, harmonizando-se

com

o ritmo

das

ondas.

Isso

pode fazer

pensar numa bolinha

lançada no ar que cai, com essa fascinação do

começo

e

do

fim

do

mo

viment

o:

qual

é est e

instante

de

imobilidade

en

tr e

o subir e o descer? A bolinha fica

suspensa

no ar?

De que

modo? Num m ovimento

desse

tipo, no instante preci so da

suspensão , o teatr o aparece. Antes, não passa de esporte To

dos aqueles que viram

Nijinsk

i dançar contam que ele ficava

suspenso no ar. Mas como?

A ginásti dr máti

é

acompanhada de um a dimensão

vocal, pois

seria

absurdo quererseparar

voz

e corpo. Cada gesto

possui um a sonoridade, um a voz, e tento fazer comque os alu

nos

a descubram.A emissão

de uma

voz

no

espaço é da mesma

natureza que a realização de

um

gesto:

como

lanço

um disco

num estádio, lanço minha voz no espaço, tento atingir um ob

jetivo,

dirijo-m e

a alguém a um a

certa distância.

Tanto

nas

on

das domar , como nos saltos de uma bola

ou

em qualquer outro

movimento, gesto, respiração e voz são realizados juntos. No

movimento,

podem ser lançados um

som, um a

palavra,

um a

frase, uma sequência poética o u um texto dramático.

A abordagem analítica

do s

movimentos do corpo

huma

no

pede,

da parte

do pedagogo,

um

conhecimento

objetivo

da ana tomia . Quantos erros, geralmente extremamente peri

gosos para

os

atores, foram ou

ainda são cometidos po r pr o

fessores que nada

conhecem

do corpo humano Alguns, sem

 

angúst ia d o lim it e que eles impõem a

seus

al

un

os , às vezes

com um a

dimensão

pe rversa, at é mesmo sádic a. Confundem

o prazer da interpre tação

com

a angústia do ex

ercíci

o O

que

pode ser

aceitá

vel na aventura de um ar tista é inadmissível do

po n

to

de

vista

pedagógico.

Minha concepção da p rep aração co rporal c

ontrad

iz, em

parte , n um erosos mét

od

os de m ov imen to propostos aos

atores. Na mai oria d as vezes, trata-se

de

ginást ica, d irei,   de

consolação ,

cuj

o p rincipal objetivo

é

fazer bem àquele que a

pratica. Os di

versos métod

os de relaxamento ou de

bem -esta r

que invadem os cursos de formação tea tral podem , eventu

almente,

servir para

acalma

r algumas

ang

ústias ou para res

tabelecer um certo equilíbrio interior da pessoa, mas nunca

dizem

respeito à relação c

om

a interpretação. No entan to , o

único

real

equilíbrio interior, para

um ator, é

a interpretação

Recuso o aspecto consolador, que incita o professor a ser ,

de t odas

as

maneiras,

querido

de

seus alunos. Esse processo

é demagógico. Peguem um

intelectual ingênuo

,

faça-o

fazer

qualquer

coisa

no chão, respirando, ao som de

um a

música

doce e ele

ficará

feliz .

Na maioria

dos casos, isso é complacên

cia.

Marchamos

, lado a lado, sob a

bandeira da complacência

Uma ginástica

estritamente

esportiva também é insuficien

te

para

o ator.

Conheci atores extremamente duros

na

sala

de

ginástica que, no entanto, se movimentavam maravilhosamen

te no

palco,

e outros mu ito flexíveis

no

t reino mas incapazes de

fazer surgir uma ilusão. Uns tinham talento de ator, outros

não

113

Outra inutilidade está na aprendizagem precoce dos ges

to s

formais que

pertencem

a estilos ou a

códigos

oriundos de

sai

em parafuso do cor po d a mãe; antes de se arrastar ou de

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teatros consagrados, como os do Oriente, po r exemplo, ou da

dança

clássica. Esses gestos formais  ass im nascidos de uma

prática

insuficiente,

criam,

no

corpo do

ator, circuitos físicos

que, em seguida,

são muito difíceis de serem

justificados,

es

pecialmente pelos jovens atores.

Conservam

  na

maioria

dos

casos apenas uma

forma

estetizante . A

rigor,

a esgrima,  t i

chi

a equitação . . . podem

ser técnicas

de apo io ou de mu

dança de hábitos corporais, mas nunca podem substituir um a

real educação do corpo do

a tor que

vive o mundo

da

ilusão.

Enfim, os exercícios

d e d in âm ic a d e

grupo - tomar-se

pelas

mãos

antes

de entrar em cena - são simpáticos

para

o

grupo.

Não para

a

trupe Vários diretores,

sempre muito

in

teligentes,

mas sem

nenhum

conhecimento

real das prát icas

corporais, eles mesmos, às vezes com pouca

relação com

o

próprio

corpo, ficam presos

a esse

t ipo de

exercício.

São mais

atraídos

pelo   significado do movimento do

que

pela própria

ação. Ouço dizer

que na

Austrália,

o

ator

teria

um

 guru : que

nos Estados Unidos ele seria acompanhado por um   psi Na

Itália,

ele en tra em cena e interpreta Compartilho desta últi

ma

con

cepção

.

 crob ci dr mátic

No s

LIMITES

DO CORPO

Os movimentos acrobá

ticos são

aparentemente

gratuitos.

Eles

não

 servem para

nada,

a

não

ser para interpretar. São

os

pr

imeiros

movimentos

naturais da

infância. Uma

criança

114

caminhar,

seus

primeiros contatos com o chão se dão a partir

de um

movimento

de

cabeça

que a impulsiona em cambalho

ta

lateral.

Meu

objetivo consiste em fazer o

ator

reencontrar

essa liberdade de movimento, predominante na criança antes

que

a

vida

social lh e

imponha

outros comportamentos,

mais

convenientes.

A

  crob ci

dr mátic começa po r piruetas e cambalho

tas

cuja dificuldade aumenta, progressivamente, para t rans

formar -se em saltos pela janela, depois em saltos

mortais,

tentanto l iberar o

ator,

o

quanto possí

vel da gravidade.

Tra

balhamos,

ao mesmo tempo, a flexibilidade, a força o equilí

brio (nas mãos , na cabeça, nos ombros .. .   a leveza

(todos

os

saltos),

sem

nunca esquecer,

ainda

aqui, a justificativa dramá

tica do

movimento.

Um a

cambalhota

pode se r acidental - eu

topo

com um obstáculo, caio e saio rolando -   como pode

se r

um

elemento de transposição

da

interpretação:  Arlequim

põ e

-se a r ir

chegando

a da r uma

camba

lhota

Por me io

do

jogo acrobático, o ator atinge

um

limite de expressão dramá

tica.

  po r

isso

que

trabalhamos a

acrobacia

dramática

du

rante

dois

anos

inteiros, adaptando-a no

segundo

ano p ar a

os territórios dramáticos que

são

explorados. Existe também

um a acrobacia bufonesca particularmente interessante, fei

ta

de

quedas

no chão, às vezes violentas, pirâmides catastró

ficas que desmoronam, sendo

possíve

is

graças

aos figurinos

bem

almofadados de certos bufões.

O m l rismo é complementar à abordagem acrobática.

Começa

com um a

bolinha,

depois duas, três,

quatro, cinco

ou mais .. . mas,

principalmente,

ele cont inua com objetos

115

da

vida cotidiana,

pratos,

copos

, e se

integra, para t e rm

inar

numa

sequência (o

restauran-

mímica de a

ção

. Na

époc

a, eu p ra tic ava o

t

od

o natural de

Georges Hébert: pu xar empurr r escalar andar correr saltar

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te, a

loja

. . .).

Em seguida,

surgem as lutas:

da r

e

receber

um a

bofetada, um pontapé,

puxões

de cabelos,

torcer

o nariz, co

meçar uma briga coletiva, dando o máximo de ilusão à ba l-

búrdia, sem

que ela jamais aconteça, realmente. Quem recebe

a bofetada, ou cujos cabelos são puxados po r alguém, conduz

o jogo e provoca a ilusão. Confirma-se aqui um a lei essencial

do teatro, já observada: a reação cria a

ação

Acrescentam

-se,

finalmente, os objetos:

um a

cadeira

que

voa, um a

mesa para rolar

po r

cima,

etc . São também traba

lhadas as defesas ou

seja,

acompanhar e da r segurança ao

mo

-

vimento acrobático para evitar a q ue da d o a tor. Num salto

mor ta l, uma mão pos ta na parte baixa das costas pode ajudar

a realizar o

movimento

sem risco. Essa defesa é, por sua vez,

dramatizada:  Eu

me

abaixo

para apanhar

um

objeto,

o

outro

personagem rola sobre as minhas

costas,

eu me levanto para

ver o que aconteceu e, ao levantar-me, ajudo-o a realizar seu

salto . O domínio t écni co de t odos esses movimentos acro-

báticos,

quedas

e saltos, malabarismos e lutas,

tem apenas

um

objetivo verdadeiro: da r ao

ator uma

maior l iberdade de

in

-

terpretação.

 nális s movim ntos

A

análise dos

movimentos do corpo

humano

e

da

nature

-

za, das

ações

físicas

no

que t êm de econômico, est á na base

do trabalho corpora l da Escola. O que p ra tiquei, na realida-

de

da

minha vida esportiva, transmiti naturalmente, numa

116

lev nt

ar carregar

t

acar defen er se n r. Essas ações gra-

vam

circu

it

os

físicos no

corp

o sensível, e neles se

inserem

as

emoções. Sentimentos, humores e paixões se expressam

po r

meio de gestos, de

atitudes

e de movimentos análogos aos das

ações físicas . É importante para os jovens atores

saber

como

o corpo  puxa , como  empu rra , a

fim

de poder, se for o caso,

expressar todas as maneiras particulares, de

um

personagem,

de

  puxar ou

de

  empurrar .Analisar um a ação física não é

em itir

um a opinião, é ap reen

de r

um c

onhec

imento, base in -

dispensável para a

interpretaçã

o.

P A RTIR DOS MOVIMENTOS NATU RA IS DA V IDA

Começo pela

an álise dos movimentos d o corpo humano,

a partir d e trê s movimentos

naturais

que se

conhecem

da

vida:

ondulação 

on ul

ção invertida

e

eclosão.

Descobri a ondulação 

como

princípio de todos os grandes

esforços, no estádio. Foi

em

Grenoble, no palco do teatro, que

descobri a eclosão. Fo i

na

rue du Bac, quando a Escola

come

-

çou,

que criei a ondulação invertida

descobrindo

aí o

sentido

dos

conflitos

e dos personagens. Haviam sido encontrados os

três princípios do corpo

humano

que comandam a movimen-

tação assim como as três

vias da

minha pedagogia.

Paraalém do movimento físico em si, a ondulação, a eclo-

são

e a

ondulação

invertida são,

com

efeito,

três vias análogas

da

interpretação com máscara. A eclosão corresponde à más-

cara neutra;

a

ondulação,

à

máscara

expressiva,

em sua

pr i-

meira imagem; a ondulação invertida remete à contramáscara.

 

Esses m ovimentos resum em em si três p

osi

ções dramá ticas:

estar com ser a favor  ser contra

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p

 

p

.

Locomoção ondulatória 

1

Ondulação 

Eclosão

A

ondulação

é o primeiro m

ovimento

do corpo huma

no o

de

t

odas

as loco

moções. Na

água o peixe

ondul

a

para

avançar.

No chão a serpente também ondula . Uma criança

engatinhando

também ondula; e o

homem

em pé

continua

a

ondular. Se observarmos com um a câmera as

pessoas

saírem

do metrô constataremos pela análise de seus

movimentos

que

sobem e descem:

seguem uma

l

inha ondulatória.

T

oda

ondulação parte de um ponto d e a po io para chegar a um

ponto de

aplicação.

A ondulação apoia-se no so lo e p

rogres

sivamente

transmite

o esforço a todas as partes do corpo até

o

po n

to

de

aplicação. Essa

transmissão

pode se r

observada

ao

soprarmos na água e a onda deslocar-se quase que indefini

damente.

Essa

ondulação

se

encontra

no

quadri l do homem

que anda.

O

quadri

l

leva

o

restante

do corpo

a

uma

dupla

ondulação natural :

uma lateral como

nos

tubarões;

outra

vertical

como no s

golfinhos.

A ondulação é o motor de todos

os esforços físicos do corpo humano :

 empurrar

/

puxar

e

  empurrar

-se

/ puxar-se .

A ondulação invertida é o

mesmo

movimento

que

o pre

cedente realizado ao contrário.

Em

vez de partir

do a po io

dos pés no

chão

parto da

cabeça

que começa

o movimento

apoiando-se

num

ponto

que me provoca

do

espaço de fora .

A imagem do pássaro ajuda a

realizar

esse movimento:

Um

páss ro

está

 

min

h

frente

eu

o

vejo o longe

  le se

elev

na

ve

rt

ic l cim

d minh c beç

meuolh

ro

  comp nh

e

v i descer

119

eudes p re

ço

 

le

desceu  eu o

vejo

no

 

ão  epois eles  i

voando

no

horiz

onte

em

 cruz

alta , em pé pe rn as e b ra ços ab ert os, esticados mais

alto do que a hori zon tal . A eclosão consiste em ,

sem ruptura

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Em tal movimento a partir da cabeça o corpo inteiro

põe-se à disposição do

evento.

Entramos numa

relação

que

não

é apenas

de

ação

mas d e

indicação dramática Se a ondu

l ação é uma ação voluntária atuando

de

um pon to a outro

para

me deslocar

ou

deslocar

a

ondulação

invertida

sempre

serve a um a reação

dramática.

Qualquer dr m na verdade

inverte as técnicas

da

ação .

A

ondu

lação

e a

ondulação

invertida têm

em comum

quatro grandes at itudes de passagem: o corpo para a frente

o corpo no zênite, o

corpo para

trás e o corpo compacto. Peço

aos alunos

que

adotem sucessivamente essas atitudes;

depois

dentro

desses

percursos

físicos,

que

sintam as diferentes

pa s

sagens das idades da vida: a infância a idade

adulta

a ma

turidade a velhice. A posição

do

corpo para a frente com a

lombar arqueada a

cabeça

levada adiante nos

sugere um es-

tado de infância, à imagem

do Arlequim

. A at itude do corpo

vertical remete à máscara neutra à matu

ridade

do

homem

em sua idade

adulta

. O

outono

da vida período de d

igestão

faz-nos passar

para

tr ás do eixo

vertical recolhidos. É

a idade

do recolhimento Enfim, na velhice nos dobramos para reen

contrar o feto.

Em equilíbrio

com

os

dois

movimentos

precedentes

a

eclosão desenvolve -s e a partir

do

centro. No

começo

,

trata-se

de uma

ati

t

ude

compacta no

solo

com o corpo

ocupan

do o

menor

espaço possível

para chegar no fim do movimen to

120

passar de

um a ati tude à outra ,

cada

segmento do corpo

agin

do no mesmo

tempo.

Os braços e as

pernas

chegam

simulta

neamente em

pos

ição

estendida

sem

que nenhuma parte

do

corpo preceda

outra.

A dificuldade é encontrar precisamente

esse equilíbrio e essa dinâmica

sem

obstáculo . Muitas vezes, o

alt

o do co

rp o

chega antes

do

b raço, s

implesmente porque

as

pessoas pensam mais nessa parte do corpo. A eclosão é um a

sensação global a ser descoberta

qu e

pode ser realizada em

do is sentidos: em expansão ou em concen t ração.

Após ter t rabalhado

cada

um dos mo vimentos de bas e

p rop

on h

o os

tr t mentos

do exercício. Chamo

tr t mento

um conjun to de variações destinado a explorar diferentes

possibilidades do movimento. A partir do gesto simples ana

lisado

provoco experimentalmente

c omo em genética di

ferentes manipu lações a fim de ajudar os alunos a expandir

seu

campo expressivo.

Os grandes princípios

dos tratamentos

técnicos são:

  umentoe diminuição equilíbrio e respiração de-

sequilíbrio e progressão São aplicados a

todos

os movimentos

analíticos de

base e depois a todas as

ações

físicas, para serem

enfim

adaptados

à própria interpretação e aos sentimentos.

Sempre

começamos po r   ument r

o movimento ao

ximo para aí buscarmos o limite de espaço até o equilíbrio.

Aumentar

a

ondulação

ao

máximo

é

chegar

a

pos

ições

de

equilíbrio no espaço para a frente e para trás. Depois disso

adotamos o processo inverso para diminuir o mesmo mo

vimento, até o ponto d e n ão pod er mais

pe

rcebê-lo de fora.

121

Tocamos,

então, o limite oposto, ou seja, a respiração,

numa

imobilidade aparente.

que

conhecemos Essa concepção é muito diferente da abo r

dagem

que

se observa

em certas

formações de

atores, em que

  I

i

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Equilíbrio

e

respiração

são limites

extremos

de

qualquer

movimento,

e podem

ser adaptados

à

interpretação do

ator.

Improvisando, geralmente

partimos

de

um a

situação

simples

para aumentá-la

ao máximo, aumentar os

sentimentos

até o

l imite ext remo, antes de reduz i-la. Partindo do sor ri so , t en

tamos

morrer de

rir,

antes de a tingi r um riso intermediário.

O a tor que praticou esse exercício, que experimentou o limi

te

superior do

riso, estará disponível para reagir muito su

tilmente em qualquer

drama

psicológico, de maneira viva. A

dimensão

completa

do

riso estará

presente em sua interpreta

ção. Nesse processo,

passamos do expressionismo ao impres

sionismo, do corpo

que interpreta

aos

olhos

que

interpretam:

o corpo deposi ta seus movimentos nos olhos.

Exploramos, enfim, a situação

para

a lém dos

limites:

em

purrar um mov imento para além do equilíbrio é provocar o

desequilíbrio, en tr a r na queda; e, para evitar essa queda, in

ventamos

a locomoção. Avançamos Essa

regra

é válida tanto

para o

movimento

físico quanto para o dos sentimentos.

No trabalho do

ator,

importa começar

interpretando,

pr i

meiro, muito

grande

para sentir as linhas de força, os gran

des traços simples do personagem. Em seguida, vai chegar o

momento de

matizar,

em

uma

interpretação mais íntima.

A

interpretação

psicológica deve ser uma

resultante

da

inter

pretação

aumentada no

espaço

.

Sempre

fico

impressionado

com o fato de que alguns dos grandes atores, capazes de um a

interpretação ínt ima muito potente, começaram po r

outras

dimensões: Jean Gabin fez mu

sic hall

antes de tornar-se o ator

 

se

começa

po r pedir-lhes que interpretem  pequeno , para

depois aumentar progressivamente a interpretação. De n ad a

adianta Eis po r

que

eles se

tornam

externos, fabricam as

coisas,

FAZER SURGIR

AS

ATITUDES

É preciso, quando abordamos a

máscara

neutra, fazer com

que , do corpo , sur ja uma série de

atitudes

que assegurem a

estruturaçãodo movimento, para além do gesto natural. Cha

mo  titu e um tempo forte,

apreendido

no interior de um

movimento, na

imobilidade.

É um

momento de

pausa, que

pode ser posto

no

começo,

no

fim o u n um

momento

impor

tante

de

mudança.

Quando levamos

um movimento até

seu

limite,

descobrimos

um a atitude.

Conduzo

esse

trabalho

a

partir

de

 nove

atitudes ,

numa

série repertoriada que peço aos alunos para realizar de modo

encadeado.

Esse exercício dá

ao quadri l,

ao tronco e à cabeça um rigor

que vem

contrariar

o movimento natural. Em favor de um a

abordagem artificial, indispensável a qualquer transposição

artística  à

máscara

neutra, à commedia dell'arte .. . ), inter

pretamos contra a natureza para melhor falar

dela.

Uma vez

realizado o encadeamento da

série

e dominadas as atitudes,

intervêm novamente

os

tratamentos:

 ument r

/

diminuir

equilíbrio / respiração

depoisvêm as

justificativas

dramáticas,

que

deixamos

para

os alunos descobrir (observo, viro para

trás, etc.). Intervêm

igualmente todas as variações possíveis,

  3

especialmente as da res piração. Se

apli

carmos ao

mov

im en

to um a contrarrespiração, sua justificativa será diferente. O

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4 . A

abertu r

a

à

frente

Z  mesa

6. A

saída

de quadril, em espe lho

  o sarnurai

5. A saída de quadril

jO\

9. A mesa

 

O

sam

urai

  snoveatitudes 

3.O grand e arlequim n  1

7. O

rola

m

ent

o com a

bertura

à fren te 8. O grand e arl e qu im n  Z

Se

rea lizarmos

esse m o

vimento inspirando, enquanto

le

vantamos o braço, e depois, na volta, expir

ando,

vamos no s

encontrar num

sentimen

to

positi

vo

de adeus .

Se

fizermos

o

contrário,

levantar o braço na expiração e voltá-lo na

inspira

ção, o

estado

dramático

ser

á,

então, negati

vo:

não

quero d izer

adeus, mas s  u ob rigado a fazê-lo Outra possibilidade:

insp

i

rar, fazer o m ov

imento

em

apnei

a alta e

expirar

depois

do

gesto,

atingimos

aí a

saudação

fascista.

Enfim, o inverso ainda

é

possível: exp

ira

r, faze r o

mo

vi

mento

em apn e

ia baixa,

inspirar. Tenho

,

sem dúvid

a, um a

baioneta nas costas que me

obriga

a fazê-lo. Todas essas n u

ances de

respiração são aplicadas nas nove atitudes,

mudando

profundamente as justificativas dramáticas

produzidas.

exemplo d  O

  us

é, sem

dúvida

, o mais significativo:

 s toudepé. lev nto um br ço n  verti l p r dizer deus  lguém

As nove ati t ud es e suas justificativas dramáticas são

inte

ressantes, po r

serem portadoras de várias contradições.

 O

grande

arlequim , em movimento

de recuo

do

quadril,

pode

sugerir tanto uma sensação

de reverência,

quanto um

gesto de

medo ou de do r

de

barriga. Nunca há apenas

uma

justifica

tiva:

muitas

vezes

também

é possível o

contrário daquilo

que

aparenta. Todas as

grandes atitudes

são portadoras de múlti

plas possibilidades

e,

nisto

,

são

eminentemente

teatrais

e

pe

dagogicamente

ricas.

Cabe

aos

alunos

aventurar-se, descobrir

todas

as possibilidades,

especialmente nas passagens

de

uma

atitude

à outra. Cabe

a eles

descobrir

a

importância, para

o

124

ator  de conservar a estruturação

dessas

at itudes  

inclusive

a

da versão reduzida a

mais íntima

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A noção de a titude está presente

em

t

odos

os grandes ato-

res qualquer qu e

seja

o

estilo

ou a natureza do t ea tr o q ue

interpretam

pois

na verdade o público quer ler atitudes. No

teatro a nã o

ser

qu e se trate de um a reivindicação temporária

para

lutar contra

um a

codificação

fixa e

esclerosada

de

certas

atitudes o gesto vago é

indesejável Foi

a grande experiên-

cia do

Living Theatre no fim

do s

anos

1960 ao

explodir po r

meio

do grito a codificação Mas

depois

dessa revolta neces-

sária foi preciso reconstruir O qu e

desejo

para

meus

alunos é

a

descoberta:

partir do

gesto

natural mais simples para chegar

ao teatro o mais

elaborad

o possível. Pois quanto mais cons-

truído é o teatro maior ele é.

 

scalar 

t \ f ~ ~

Levantar   carregar

Tocar o sino.

Passa ra barreira

BUSCAR

A

EC O N O M I A

DA S

AÇÕES FÍSICAS

A mímic da ação é nossa base para analisar as ações fí-

sicas do homem Consiste em reproduzir um a ação f ís ica o

mais

próximo

possível do qu e ela é sem

transposição

fazen-

do mímica do

objeto

do

obstáculo da resistência Para

isso

utilizo

os gestos dos

grandes

ofícios

 o barqueiro, o lavrador,

o

escavador,

o

lenhador ,

ou ainda das grandes

modalidades

esportivas

 barra fixa, halterofilismo .

A mímica

da

ação

tam-

bé m

trata da

manipulação

de objetos:

  brir

um

m l fech r

um

porta,

tom r um

xícara de chá.

Sem nunca passar pela

psicologia

buscamos a ação fí-

sica q ue mais se aproxime da máxima economia p ar a q ue

ela

sirva

de

referência

Como antes esses movimentos são

116

primeiro, analisados de um ponto de vista

técnico,

antes de

serem expandidos ao máximo e, depois, reduzidos, para daí

A m ímica de ação nos faz descobrir qu e

tudo

o que o ho

mem faz em su a vid a pode ser res

um

id o em duas ações es

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descobrir o conteúdo dramático, a fim de escapar das f

ormas

esclerosada

s da

 mímica .

Para

evitar a

tendência

à simples técnica

ou

ao virtuosis

m o gratui to , não nos detemos n a

análise

de m ovimentos iso

lados,

ma

s inserimos os

gest

os em sequências d ramatizadas,

com um começo e

um

f im . A sequência da

 parede ,

const i

tuída de 57

atitu

des muito p recisas, permite um

encadeam

en

to em

um

movimento global.

Você es

se

ndopersegudo

numa

cid

ade.

e

es

conde-seembaixode

uma

marquis

e

numa

rua sem

saída.

Ape

sso

a que o perseguepassa na sua

frente e nãoo vê Suaúnica

sa

ída

é

ummuro.do outrol

ado

da

rua. que

você

deve

pular.

Vo

cêselança em direçãoa

e  escala

-oesalta

do outro

lado. Infelizment

e.seuperse

guid

oroviuejá

es

táali.

à sua es

pera

Essa sequência é analisada

atitude po r atitude, que

os alu

nos trabalham, uma após a outra. Só quando as conhecerem

bem

é que

poderão deixá-las

de

lado,

para se compromete r

com a busca da interpretação e descobrir o r itmo da sequên

cia. Trata-se

aqu

i de um a disciplina do corpo a serviço

da

in

terpretação.

De

uma restrição a serviço

da l iberdade

.

A mesma sequência é, em

seguida,

proposta em autocurso  

num balé coletivo

qu e

suprime o

sentido

das ações e

qualquer

dimensão dramática,

para

conservar apenas os

moviment

os ,

com um a música. Várias regras

podem

ser dadas:

um mo

vi

mento pode se r

repetido

várias

vezes, individual

ou coletiva

mente, j un to o u em alternância.

128

sen cia is: empu

rr

ar e puxar . Não fa

zem

os n

ada

senão isso

As va ri ações poss íveis são  se r empu rr ado e ser p

ux

ado ,

 empurra r-se e

pu

x

ar-se

  e encon t ram s

eu lug

ar em m últiplas

direções:

em

frente,

pa ra os l

ad

o s, para

trá

s, n a dia

gon

al . . .

Ch

amei

isso

de

a rosácea das f orças

Trata-se

de um

espa

ço

direcional

a

daptável

a todos os

mo

vimentos do homem, s

ejam

eles físicos

ou

psicológicos , um

simples movimento do b raço

ou

um a paixão devorad or a,

um g

es t

o da cabeça ou um desejo profun do, tudo nos

leva

ao

 empurrar /

pu

xar .

Arl

equim

ser

ecu

saa ir

à

gueria. Todo

mundo

á suavoltatenta

conven-

-Iaa ir.

 le

começa r

ecusando

categoricamente

.

obstinado. e  pouco

a pouco. vai se dei

xan

do convencer. para. enfi  aceitar.

Todos ficam

contentes. masele

mud

a  e

opinião.

dizendo quenãovai mais.. .

para

dep

ois

finalmente. detidir quevai sozinho para o

tto t

na

primeira

linha pronto para maar tudo aquilo que SI mexer. Tenta se. então.

fazê lo

compree

nder que isso podeser

perig

oso que talvez

foss

e me

lhor ficar na retaguarda.Masdenadaadianta.

Éele

queagora

assume

suadecisão comtodaa força . ecadaumtentaconvencê-lodocontrário.

A estrutura motora desse tema (mudança b rusca de si

tua

ção

pode resumir-se,

essencialmente, no

 empurrar / puxar ,

com va riação dos

níveis

e, depois,

inversão

das

forç

as:

Empurroalguém

para

que avan

ce

... ele resiste

 ss umo uma

posição inversa I o puxo pelamão... eleresiste

Pux

o maisforte... ele mepuxanosentido

contrário

Puxoaindamaisforte... ele cede

129

 l

vem  omigo... e me ultr p ss

Eeme leva  om ele.. . resisto

Solto... eleescapa

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Três

direções

principais estão contidas na rosácea das

f orças: as verticais  as hor zontais

e

as diagonais 

A ação do

remado r

(sentado

ou d e p é),

assim

como a do serrado r, é ho

rizontal.   o ir e vi r entre empurr r e pux r Tocar o si no, esca

lar , le

vantar, carregar,

arremessar um

disco são ações

verticais.

Enfim , os movimentos diagonais são os do lenhador, ou do

ba

rqueiro,

qu e

faz

sua

balsa

avança

r com um a longa vara.

Essest rês movimentos relacionam-se a três diferentes mun-

do s

dr

amáticos. O   empurra

r/ p

uxar de frente corresponde ao

 vo cê e eu': Há o diá

logo

com um outro, que se encontra na

co

mmedia

dell'arte

ou

no clown. O

movimento

vertical insere

o homem entre

céu

e

terra,

entre o

zênite

e o

nadir,

num acon

tecimento trágico. A

tragédia

é sempre vertical: os deuses estão

no

Ol

impo

.

Os

bufões

também,

mas

no outro

sentido

:

são deu-

ses

subterrâneos

. Quanto à diagonal, ela é sentimental, lírica,

ela escapa sem

qu e

se saiba

onde

vai cair. Estamos, aí, diante

dos

grandes sentiment

os

do

melodrama.

Todos os territórios do teatro podem ser, de

modo

muito

p reciso, situados no espaço; e os

movimentos

físicos

que

es

tudamos, dos mais simples aos mais complexos, inserem -se

nessas dimensões dramáticas.Amo, puxo

Odeio

,

empurro

 

ANALISAR

AS

DINÂMICAS

DA NATUREZA

  análise

dos

movimentosdo corpo humano sucede a aná-

lise dos movimentos da

natureza:

os elementos, as matérias e

130

Rosácea das forças 

os animais,conduzida paralelamente às id  tific ções O s m o

vimentos

suscitados

pela improvisação

são retomados de

ma

neira

técnica,

tentando

ressaltar

as

diferentes

partes do corpo

o h

omem

, empurra-o,

puxa-

o. Mas, inver sa me nt e , o

ho

m em

pode agir s

ob

re o ar, fazê-lo m over-se, c

om

um leque.

P

or

fim , trabalhamos a

terra

com o

uma

massa a ser m o

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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a í

engajadas.

Os

quatro

elementos

  a

água

, o fogo, o ar e a terra ) sã o

abordados em suas diferentes manifestações. Para a água , va

mos

descobrir

o

tanque,

o lago, o

rio,

o

ma r

.

Observam

os ,

po r exemplo, os movimentos

de

um corpo n o m ar: é alçado

pela água,

repuxado pela correnteza

, numa lu ta lateral

pa

ra

pen

etrá-lo.

A água é um a resistência m óvel c

ontra

a qu al é

preciso lutar para reconhecê-la. É só a partir d o quadril que

essa sensação global pode ser transmitida ao conjunto do cor

p o. Insistimos no comprometimento do quadril ,

pa r

a evi ta r

os ge st os dos braços e das mãos

que

tenderiam a si gni fi car o

ma r

sem jamais senti-lo.

O

fogo nasce

do inter ior. Sua fonte b ro ta da respiração e

do diafragma. No fogo, dois movimentos se

dist inguem: de

um

lado

, a

combustão; de

outro, a

chama.

Começamos

pela

combustão, no nível do diafragma, para descobrir progres

sivamente os ritmos do f og o e, rapidamente , constatar que

a justificativa dramática se encontra na ra iva. As

chamas

chegam em um segundo

momen

to e, depois

disso

, podemos

trabalhar

outras

imagens interessantes,

po r

e

xemplo

, a água

fervendo.

Descobre-se o ar pelo voo. Correndo pela sala de ensaio,

com

os braços estendidos em

f orma de

planador,

sentimos

a

possibilidade de nos apoiarmos no ar, que não é vazio, mas

um

elemento de sustentação . Todo o

corpo

é solicitado. Em sua di

mensão

extrema, o ar, tornando-se  grandes ventos : age sobre

 3 

I

t

delad

a,

qu

e podemos

compr

imir, apl a ina r , e sti r ar .

Aqu

i, a

s

ensaç

ão

pa rt e

d as mãos e da m anipulação, para estender-se

ao corpo t

od

o. Se é fácil sentir se n s

ações

a partir das

os ,

também é impo rtante empenha r o r es

to

d o corpo, o qu adril,

o

plex

o, n u m a co n f

ro

n

taçã

o c

om

u m a t

erra

a

rgilo

sa

imagin

á

r ia . D a terra, que

eu

manipulo, to rno -me, p

aulatinamente,

a

arg ila mani p

ulada

.

A pr i

ncip

al característica da s matéria s é serem passivas

e manifesta

rem-s

e po r suas reações. Só se podem analisar

se

us

movimento s quando e la s são

agredid

as. É preciso atira r,

am

assar, rasgar, quebrar um a maté

ri a pa ra poder observ

ar

su

a

reação. Portanto, nesse processo, p resta-se atenção p ar a n ão

confundir a matér ia com o

objet

o que el a

constitui

. Quando

se

jog

a

um

a

bola

de

madeira

n o

chão, não

é a

madeira que

rola,

é a bola . Se a bol a for de chumbo, ela rolará diferen

temente, m as

sempre

rolará. Mas é a madeira

ou

o próprio

chumb

o que in teressa.

Para

aborda r

tecnicamente

sua análise,

reuni diferentes

t ipos de matérias.

Primeiro, as que , a o a gir-se sob re e la s, podem ser com

primidas:

o chumbo at irado ao chão, a terra

que

se esmaga,

um

fio de arame que

entortamos. Tantas

matérias que,

uma

vez

agredidas, não se modificam mais. A analogia dramática

poderia ser:  O

que

foi dito, está di to

As matérias elásticas, ao contrário,

um a

vez

esticadas,

têm

um a espécie de

nostalgia

da

form

a inicial,

ainda

que não vol -

133

tem

to t almen t e a se r o

que e ram.

numerosas variantes:

as

g

om

as, as b

or racha

s,

algum

as fibras. Q u

an

to mais

puxa

mos,

in

teto de zinco abarcado pelo olhar, ela corre em

camada

muito

fina,

ondeada

por causa de correntes

muito

varia-

das

devido

a imperceptíveis

ondu

lações e bossas da co-

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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m ais elas se cansam e m enos voltarão à forma ic ial. a -

ticamente, é

mu

ito in

te

ressante

essa

d inâmica da nosta

lgia

e

da f

adig

a.

Em seguida, vêm as m arc as , as

ma

n cha s, as dob rad uras, as

ru

gas qu e obser

vam

os

no s

papéis

qu e am assamos,

q

ue tam

-

bém

tent

am

vo

lt

ar à su a

forma

anterior,

m as com

muit o ma

is

dificuldad

e qu e as m atérias elás tic as .Surge,

en t

ã o , a d

im

ensão

puramente trági

ca, di f

er e

nt

e,

dependendo da natureza

e da

qualidade do

papel

ut ilizado

. A

tragé

d

ia do

papel

jorn

al

nã o

é

a mesm a do papel de seda; o

dr

am a do p apel p ar a em br u lh

ar

carne

é diferente d

aque

le

do

p ape l

de

ca rtas reciclado.As cica-

tr

izes

são

n um e

ro

sas,

na

n ostalgia do p araíso perd ido

En fim ch egam as

qu

ebr as, as fiss

ur

as, os vid

ro s

tr in cados,

os v

idros

r

ach

ados, as exp l

osões.

Aq

ui ,

talv

ez

m

ai

s

do

que

em

ou tro lug ar, estão em jogo n ossas qu eb ras , n ossas diversas fis-

su

ras.

A chuva, no

pátio

em

que

a

olh

o cair, desce em

anda

mentos

muit

o diversos. No

centr

o, é

um

a fina c

ort

ina

(ou rede)

descontínua, um

a

queda implacá

vel mas rela-

tivamente len ta de gotas prova

velmente

ba

stant

e leves,

uma precipitação

sempiterna

sem vigor, uma fração in-

tensa do meteoro

pu

ro. A p

ouca

distância das

paredes

da

direita e da esquerda caem com mais ruído gotas mais

pesadas, individuadas.

Aqui

parecem do tamanho de um

grão de trigo, lá de uma ervilha, ad iante quase de uma

bola de gude. S

obr

e o rebordo, sobre o

parapeit

o da ja -

nela a chuva

corre

ho

rizonta

lmente ao passo que na face

inferior dos

me

smos obstáculos ela se

suspende

em ba-

las convexas.

Seguind

o toda a superfície de

um

p

equen

o

134

f

 

bertura. Da calha contígua

onde escoa com a

contenção

de

um r iacho fundo sem grande

declive, ca i de

repente

em um filete perfeitamente vertical,

grosseiramente

en-

trançado, até o solo,

on

de se rompe e espirra

em

agulhe-

tas brilhantes.

Cada

uma de suas formas tem um

andamento particu

-

lar; a cada uma

corresponde um ruído par

ticular. O todo

vive

com intensidade,

com o

um

me

canismo

complica-

do, tão preciso quanto casual, como

uma

relojoaria cuja

mo

la é o

peso

de uma dada massa de

vapor

em precipi-

ta

ção.

O rep ique no solo

dos

filetes verticais, o gluglu das ca-

lhas, as

minúsculas batidas

de

gongo

se

multiplicam

e

ressoam

ao mesrno

tempo

em

um

concerto

sem

mono -

tonia, nã

o

sem

delicadeza.

Q

uando

a mola se distende, certas engrenagens po r al-

gum tempo continuam a funcionar, cada vez mais len-

ta

men

te, depois t

od

a a ma

quinaria

p

ara

. En

tão

, se o sol

rea

pare

ce, t

ud

o logo se desfaz, o brilhante aparelho eva-

pora: choveu.

1

Pa ra al ém da

ag

ressão físi

ca ,

as

maté ria s

têm cap

acidad

e

de ser t r

an

sf

orm

adas pelo fr io e p e

lo calo

r. As

fusões

, as ev

a

por aç õe s , as solidificações são r icas em an alogias d ram áticas,

qu e se e

nc

on

tram,

al iás, n a l

inguage

m

co rren

te : eu m e de

rr e

-

to p o r

vo

cê ,

 e

sse hom

em é um bloc

o de g

elo

,  a im ag

em

e

st

á

con

gela

da ,  el es qu eb r ar am a

promess

a ,

 s ua

agressivi

da de

Francis Ponge,  P luie , em  e part i des choses (Paris: Galimard, 1948).

[ Ch uva , Textos  trad. Júlio Castarlon

Guimarães,

em www. usp.br/

revista

usp/Ol/08-francis .pdf.

 N.

T.) ]

135

 

  C

me

esmag

ou

. . .

aptam

os essas expressões ao

da letra 

no

corpo

das palavras.

Graças ao cozimento, a cozinha também

oferece

grandes

ro amassá- lo com o um papel. Um ator

apropr

ia -se do

outro,

am assa

-o

e j

og

a-o no ch ão  

dep

o is o segundo p

rosseg

u e soz i

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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possibilidades de

análise

e de representação. Ao

quebrar

um

ovo e

jogá

-lo na frigideira qual chega primeiro, a

clara

ou a

gema? Cada um dos alunos vai fritar po r exemplo, um ovo

para constatar  antes de representar,

que

a

gema

chega depois

da clara

mais rápida. Depois

disso

observam

-se

na

fr

igideira

os diferentes estágios

da

fritura: o tremor gelatinoso

da

clara

a vibração dos primeiros calores a sol idificação progressiva :

as bordas que começam a dourar, até a fritura total. Seguimos

analit icamente a Paixão do ovo

desde

a postura

até

o omelete

A análise técnica das

matérias

passa,

enfim, da m anipu

lação da matéria à interpretação

d a mat é

ria em si. Quando

tratamos dos óleos  os

alunos começam sendo

a embalagem

do óleo

no

interio r da

qua

l graças aos

movimentos

do qua

dril  eles

podem

sentir a dinâmica do óleo contido, antes

de

vertê-lo ao ch ão e de tornar-se naquele momento, o próprio

óleo. Observamos, então, a queda do óleo

que

sai

da l t l

garrafa com força e precipitação, e depois quando se espalha

pelo solo n ão terminando nunca. Tudo é uma questão de rit

mo e de fluidez difícil de atingir quando

cotovelos

e joelhos 

rentesao solo vêm

nos

lembrar que temos um esqueleto.Tec

nicamente é

importante

re te r o movimento, não se espalhar

muito rapidamente

para

po

de r

ir o

ma

is longe possível n o

tempo

e no espaço.

O corpo do ou tro pode se r utilizado igualmente

como

se

fosse uma matéria: torcer

um

corpo

como

uma barr a

de

fer -

136

nho

a reação do   p apel que se desdo

br a

. Esse

tipo

de exercício

implica

um a

cer ta p recisão da p arte dos atores tan to daquele

que age quanto do que reage para assegurar um a verdadei

ra

continuidade

da resistência  do começo ao fim do movimen

to. Uma experiência

semelhante

é feita

com

uma bexiga: um

alun o i

nfl

a o outro pr ogressivamen te e variando os r itmo s

do sop ro

de p

ois solta-o

br utalmen

te no ar ou ao con

trári

o

fura-o para

qu e

estoure.

Aind

a aí a rep resen

ta

ção é feita a

do is numa relacão de es

cuta

e de reação preparatória para

 

qu alqu

er

interpreta ção do at or.

Ao

términ

o dessas e

xpe

r i

ênci

as os alunos

ter

ão

sentid

o

todas

as

nu ance

s possíveis en t re as m atérias e o

in teri

or de

cada um a

de l

as as qualidades dos

óleos,

das

fumaças,

dos pa

péis,

dos metais

das

madei

ras,

etc. A dinâmica

das ma

térias

torna-s e uma linguagem que lhes servirá ao longo de

seus

tra

balhos

artísticos.

Poderão dizer-se: Você é óleo demais; você

não é chumbo o

suficiente;

sej a diamante . Essa linguagem

analógica é ao mesmo tempo,

ric

a e

precisa,

e

está

a lém de

qualquer abordagem

psicológica.

Se alguém entrasse na

sala

no

momento em que estamos representando as matérias,sem

saber

do

que

se

t rata, sem dúvida pensaria

que

estamos num

exercício trágico.

Um papel amassado, um

tablete de c

aldo de

galinha

qu

e se

dissolve num

líquido, todos são movimentos

de

extrema

densidade trágica

. A

tragédia

da

matéria

provém

de

seu

caráter

passivo. Ela é vítima

137

ESTUDAR OS ANIMAIS

A análise dos movimentos

dos animais

vai conduzir-nos

o trabalho

com

os animais permitiu-me definir, progres-

sivamente,

um a gin ástic nim lesc

A

flexibil

idade vertebral

é

buscada po r

analogia

nos movimentos

do gato ; o

trabalho

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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mais diretamente ao corpo do homem, a serviço

da

criação do

personagem.

Em geral,os

animais

se parecem

com

a gente,

com

seus corpos, suas patas,

sua

cabeça. É mais fácil, então, tratar

deles do que dos elementos

ou

das matérias. A busca do corpo

animal

começa pelos

pontos de

apoio:

como

se

sustentam no

solo?

Como

são

constituídos seus apoios? Em que

diferem

dos

nossos?

Descobrimos

os pés que

  tamancam ,

qu e ficam muito

pouco

tempo

em

contato

com

o

solo

(como as mulheres de

salto

alto

 ; os pés

chatos dos plantígrados;

os

pés

espalmados

dos

patos

que se

  desenrolam

( como no andar de Carlitos);

as patas das moscas que ,

  ventosam

e colam

no

chão

.. .

Po r

isso,

convido

os alunos a imaginar que o

piso

da sala de ensaio

está queimando, como uma praia sob o sol do meio-dia, o qu e

os obriga a encontrar a dinâmica particular dessa caminhada.

Passamos

aí,

diretamente, da

análise

à

representação.

Buscamos,

depois, as ati tudes dos

animais.

Quais são as

atitudes possíveis de um cão? De quatro, fazendo graça, deita-

do ,

em

guarda .. .

Cada um

apresenta algumas

posturas, pe r

-

mitindo

ao

grupo

que, a

partir daí, determine umas

quinze.

A lguns anima is o fe recem r itmos l en to s

excepcionais,

entre

eles,

o

camaleão. Ele

se

desloca

sem

qu e sua

cabeça

nunca

re -

ceba

o

mínimo choque vindo das patas .

Situação

ideal para

espionagem Também a passagem

da

descont ração ao aler ta

é

um

elemento particular da dinâmica animal.

O

cão passa

imediatamente da defesa ao

ataque,

do sono à

vigilância

. São

muitas

as dinâmicas analisadas que vêm a enriquecer

forte

mente

a representação dos personagens.

138

das omoplatas vem

do

tigre; o alongamento da coluna ver

tebral v em d o suricato, ereto

no

deserto

em

pleno estado

de

vigia. Nessa

ginástica, nã o

se

trata

de

representar

suas capa

cidades

excepcionais, mas

de

reencontrar

os

movimentos

elementares

e

orgânicos dos animais . Para trabalhar os

m

o

vimentos do

pescoço e

da

cabeça, a referência ao

cachorr

o é

particularmente apropriada.

  homem

brinc

com seu ão om

um bolinh

Tal proposição ,

interpretada por

dois a lunos, desenvolve

um t r aba lho com

a vivacidade

de

resposta,

qu e

se

concentra

principalmente na

cabeça e

em

seu conjunto.

Co m

efeito,

um

cão

nã o

move o s o lh os ,

ele

move a

cabeça,

o qu e

nos c on

-

duz diretamente a o j ogo da máscara . Os a lu no s j á es tão

no

movimento da representação com máscara, mas a inda não

o

sabem.

As

locomoções

fazem

parte

das pesquisas mais marcantes

da abordagem animal. Tratamos aí principa lmente do qua-

drúpede

 o

andar

de

quatro)

e

também

do s

répteis (a ondu

-

lacão de

base),

do

voo dos pássaros,

do nado

do s peixes.

Um a

  z mais: a terra, o ar, o mar

Andamos

de quatro, galopamos,

trotamos, saltitamos .. . tantos movimentos particularmente

difíceis de

realizar para

os

humanos.

No começo, a lguns alunos recusam o chão, evitam levar o

peso

do

co rpo sobre os braços,

andando

apenas

com

a

ponta

dos dedos . Ag indo ass im,

tentam

conservar um a segurança

139

nas pernas,

mas

não

fazem

nada além de um

simula

cro

do

andar de quat ro . Só quando acei tam realm en te confron tar -se

levantando-se o braço opos to . . . . Essas noções

podem

pare

cer abstratas,

no entan to

nu m palco elas são

muito concretas,

e

impor tan tes na

minha

pedagogia. Servem

particularmente

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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com o ch ão e dele se serv ir é qu e podem pr ogr edi r.

Aqui é essenc ial a observação rea l dos animais.Vejo mu ito

ra p idamente os qu e têm ga tos e os que não

têm

, os que

ob s

er

vam

os

ins

e tos e os que os im a

gina

m . O s pr im ei ro s inter pre

tam, os outros   significam .   p reciso

ma

nd á-lo s ao zoo lóg ico

para que vejam, analisem, ainda qu e às vezes isso sej a d ifícil:

o andar da

giraf

a ou o do

urso

são

de gr

a

nd

e comp le

xi

d ad e e

deixam dúvidas.

As LEIS DO

MOVIMENTO,

COM M MA IÚ SCULO

A an álise do s movimentos e

videnci

a, en fim,

algumas

leis

genéri s

que vou

resumir

do segu i

nt

e m

od

o :

1. não há ação sem re ação;

2. o

mo

vimento é contínuo, ele avança sem parar;

3. o m ovimento se

mpre

provém de

um

de sequilíbrio, em

busca do equilíbrio ;

4. o próprio equilíbr io es tá em m ovimento;

5. não

movimento

sem

ponto

fixo;

6. o m ovimento eviden cia o

pont

o fixo ;

7. o ponto fixo também

está

em movimento .

Esses princípios p

odem

ser

complementado

s pelas resul

tantes d o j og o permanente entre equilíbrio e desequilíbri o

de forças,

qu e são

as

oposições

 para

ficar

d e

, o

home

m

opõe-se

à gravidade .. .  , as  lternân i s

 o di

a se

alte

rn a com

a noite, como o ris o com o choro

.. .

  , e as  ompens ções  le

var

um a

mala

com o braço

esquerdo obriga

a compensação,

140

na

direção

da

cena: saber posicionar

-s e em

relação a

um

po n

to

fixo,

numa dada

situação. Se todos se

movimentarem

ao

mesmo t empo no

palco,

o movimento desapare

ce, devido

à

falta

de ponto

fixo.

Tudo

se torna

incompreensível

e ilegível.

 

importan

te qu e

o

próprio ator possa situar

-s e

em

relação

ao

outro,

numa

relação clara de escuta e de resposta .

Paradoxalmente, esse trabalho

sobre

o movimento, qu e

parece

aplicar-s e na interpretação e na direção,

deveria servir

sobretudo à

escrita. Sejam quais forem

os

temas

abordados,

as ideias expressas, as fábulas ou as

formas

utilizadas, é indis

pensável que um a escrita teatral seja

estruturada

do

ponto

de

vista dinâmico.   preciso,

também, um

começo e um fim, pois

todo

movimento que não te rmina nunca começou.

Saber

te r-

minar

é essencial.

14 1

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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1

 

t  tr

dos

 lunos

 s

 uto ursos

 

s

enquetes

Chamamos

 uto ursos

às seções

de uma hora

e

me i

a

po r

d ia

em

qu e

os

alun

os trabalham em

pequenos grupos

 

sem

a aju -

da do

s professores numa realização a partir de um tema que

proponho

e

que

eles

apresentam no

fim

de semana

para toda

a escola reunida   o

teatro

deles 

Os autocursos

estão ligados

à

temática de improvisação

abordada n os cu rsos  

Quando

trabalhamos

a

interpretação

psicológica silenciosa os auto -

cursos tratam

desse

aspecto

do

trabalho;

e o

mesm

o

acontece

quando

abordamos a

máscara neutra

as

máscaras

expressi-

vas etc

O

primeiro tema

proposto é

de grande s impl ic

i

dade.

Pe-

ço

  lhes qu e

se

di

vidam em

grupos de cinco

ou

sete

e

interp

re -

tem o

seguinte

tema:

 m lo

c l

um  ontecimento

143

Di

ante de ta l sim p licidade, às vezes se

sentem

perdidos.

 O que

é pr a fazer? , me

perguntam.

E

eu lá

sei? Qu

anto

temp

o? O

tempo de

algo interessante A

única instruçã

o

que

 

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vale

é

a de faz

er silêncio

e que acon teça algo. Como no teatro

Um

segundo

tema significativo

engloba

, na mesma inter

pre

taçã

o, o todo da classe.

 epresent r

a vidanapraça deum

vil rejo

na Fanç oude um tlde

dezinh

. desde manhã aodespert r. até a noite alta.

Os alunos de

vem

sentir, e faze r-n os sentir, a p rogre

ssã

o

rítmica da vida ao longo de um dia completo, realizando to

das as ações reais

qu e podem

existir : a

limpeza,

os

encontros,

as compras, as refeições, a missa, a f ei ra . .. Essa experiência

coletiva, no âmbi to

da

reinterpret ção

é

particularmente in

teressante pois reúne, em

menos

de vinte minutos  mais que

isso

é

sempre longo demais) , o

conjunto

das d inâmicas pro

fundas

de um

d ia de

vida.

Constatamos,

e

ntão,

evi denciados,

os grandes tempos fortes da vida coletiva: o momento em

qu e

a França para,

ao

comer, a retomada progressiva

do

trabalho,

o crepúsculo, a vida noturna, as so lidões

da

noite .. . O tra

balho

é

realizado em quinze

dias,

com

um

primeiro esboço

depois da

primeira

semana.

Um terceiro tem a , o do Êxodo muito sensível no perí

o

do

do pós

-gue

rra,

atualmente

encontra um

novo

eco. Pro

ponho

esse

tema

paralelamente

ao

t rabalho da

interprtação

com

máscara.

Os alunos

o

constroem

e

repetem -no sem más

cara,

depois

o

ap resentam com máscara

. Todas as formas de

êxodo aparecem: as migrações do campo p ar a as cidades, as

144

o  ntários sobre asapresentações 

m ultidões q

ue

f

ogem

da

guerra

e dos b

ombar

deios. .. Eles

pro jetam, assim, suas preocupações atuais e

inserem-nas

num imaginário que l

hes diz

respeito.

Meu

comentár io

tr

ata

conflitos possíveis

apa

recem . Difere

ntemente

do  estág io , em

que todos se ab r açam e choram ao seu término, com a espe

rança

de se reverem um dia , a Esco la é um l

ocal

de lutas de

tensões e crises se expressam timulam a

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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sempre

ap enas d a estrutura da

interpretação

e do m ovimen

to dramático da improvisação. Tudo

deve

estar

leg

ível para o

público. Daí a pesquisa de um a escrita e de um a linguagem.

No fim

do an

o, os

  ocursos

transf

ormam

-se

em

enquetes 

Os alunos escolhem um local ou um meio qu e não c

on h

ecem,

na vida cotidiana , para observá- lo e

nele

integrar-se durant e

qu atro semanas. Nã o se t ra t a de

um a

enquete

no

sentid

o jor

na

lístico do term o,

que

se satisfaria com uma

simples

ob ser

vação e

com

algumas conversas com as pessoas

mas

de um a

verdadeira

integração

num

me i

o de

vida

, a fim de

sentir

,

de

dentro, o que acon tece. Alguns alunos ficaram várias semanas

no hospital do Hôtel-Dieu em

Paris

alimentaram os doentes

e

ajudaram

os médicos. Outros se in t eg ra r am à

vi d

a de um

quartel de bombeiros

. . . A

partir dessa vivência

,

constroem

um espetáculo

curto utilizando

as

formas

teatrais

qu e

lhes

pareçam mais bem adaptadas

para

transmitir o

que sentiram

.

Os resultados desses

trabalhos são apresentados

po r ocasião

das noites abertas ao público.

Diferentemente da improvisação, que se baseia principal

men

te na interpretação os   utocursosenfatizam a

direção

a

escrita de

um a cena

, e também o indispensável trab

alho

cole

tiv

o do

teatro.

No começo do primeiro ano os alunos não se

conhecem são muito gentis muito bem-educados uns com

os outros. Ao

l ongo do

tempo quando o comprometimen

to se torna mais vivo, as

relações

se transformam e todos os

146

 

cr

iativid

ade

. Alguns alu n os algu

mas

vezes

me procuram

e se

queixam:  Eles não querem

tr a

ba lha r comigo . En

o só te

nho

um a re

sposta

par a dar:  Trabalhe com eles . Pondo -se a

serviço

dos outros

eles descobrem

uma d imen

são imp

ortan

te do tr ab alho tea

tr

al. Po r meio dessas tensões e cr ises, viven

ciam

a expe riê

nc

ia de uma

companhia.

A

terceira etap

a é ma is

calma. Depois de um certo tempo, os alunos se conhecem , es

colh

em -se e as te

nsões

se

acalmam.

Eu l

he

s

sugi

ro , n o

entant

o,

qu e não tr ab alhem semp re com os mesmos com

panheiros

,

para que se deixem p

ro

vocar po r outras personalidades.

Enfim, os   utocursos fazem surgir relativamente

rápido

as fu

nçõ

es de uns e

de outro

s: o

di

r et o r, o

au

tor o

ator

. . .

todos su rge

m com fo

rça

.

Aquele

que

quer

absol

utamente

o

po d er não é

nec

essar

iamente

o qu e o obtém; um a certa per

so nalida d e di screta po de revelar-se m uito

pr

esente e se r elei

ta, de fato, po r seus camara

da

s.

Nes

se

trabalho

autôno

mo

manifes

ta

m -se todos esses movim en tos intern os na vi

da

de

um

grupo.

 

um a

bo a

coisa

qu

e fut uros atores os descubram

ao longo da Escola.

147

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  minhos d ri ção

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  spetáculo dosalunos

eodr m 

ic

Ao fim do pr

im

ei ro a

no

  cerca de um terço dos alunos é se-

lecionad

o para continuar o segundo a

no

  Essa seleção pode

ser

difícil

  às

vezes doloros

a e nunca estamos l

ivre

s de

um

er ro No entan to tentamos se r o m ais justos possível c

on s

i-

derar o ator

sem

ferir a pessoa   e n ossa escolha nã o prejulga

o qu e os

alunos

poderão fazer em

outro

lugar

ou m a

is

ta

r-

de

  O p

rincipal

cr

itéri

o

de

seleção d iz respeito à

ca pacidade

de in terpretação do at

or

Isso não significa que n o fu turo

todos vão escolher

s er a tores

Alguns seguem out ro s cam i-

nhos para a

escrita

ou para a direção ma s os terri tó r ios

dr a

-

máticos

abordados no segundo ano só

podem

ser realmente

explorados po r meio

da

interpretação t ratada em seu ma is

alt o n ível p

reciso

  então que os alunos

deem

pr ova de

grandes qualidades nesse âmbito Um

verdadeir

o conheci-

ment o d o t ea tro passa inevi tavelmente pela forte

experiên

-

cia da interpretação 

151

Ao longo do p

ri

m eiro ano , te re mos pla

ntado

as ra ízes,

adubado o

terre

no,

revolvid

o a terra. Teremos

cumprido

tr ês

viagens: de um a parte, a observação e a redescoberta da

vida

ta l qu al ela é, p or

me i

o da rei t rpret ç ão graças à

disponibi

h

ierarqu

ias. A t

ragé

di a evoca o grand e canto do povo,o desti

n o do heró i. O mi stér io nos questiona sobre t

ud

o aquilo

qu

e

permanece in co m p reensível, do nascimento à m o

rte,

o antes

e o depoi s, o d ia v o r dos de e do r .

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lidade d a m á sc a ra n e ut r a; t e re m os , d e

outra parte, elevado

os

níveis de interpretação, de

jo g

o,

co m

as máscaras expressivas;

e, d e a in da out ra , enfim , te r emo s e x p lo r a do as profundezas

da

poesia,

da s

palavras,

das

cores,

d os s on s. O primeiro

an

o

constituiu um t r abal ho ext r emamente

preciso,

qu e vai ficar

com o refe rência: um a árvore, q ualquer qu e seja, será  a Árvo

re  . E

va i

ser p

recis

o continuar a observá-la se m parar.

O

segundo

an o é muito diferente. Nã o se trata de um a se

q

uência lógica

do primeiro, ma s de

u m salto

qualitativo

para

um a outra

dimensão,

pa ra a exploração geodr mátic de va s

to s territó rios, com apenas u m objetivo: a criação

dramática.

P

rimeiramente

, abordamos as linguagens

do

corpo e as

do

gest

o. Em seguida, entramos

no s

grandes

sentimentos

do

me

lodrama; depois,

na

comédia

huma na

d a c o m m ed i a

dell arte.

O segundo trimestre é dedicado ao s bufões, depois à tragédia

e ao

coro,

e,

po r fi m

, a o mis tér io e s u a lo u cu r a . O

clown

e as

variedades

cômicas

  burlescos, excêntricos,

absurdos

.. .

)

oc u

pa m o

terceiro

trimestre. O an o começa chorando, passa pelo

coletivo

do coro e t e rm i n a n a solidão, no riso

Um tal percurso explora as diferentes facetas d a n a tu re

za

humana:

o mel odr ama

no s leva aos

g r a nd e s s e n time n to s ,

ao

espírito de justiça.

Na commedia dell arte , descobrimos a

comédia humana,

as

pequenas

intrigas,

a

trapaça,

a

fome,

o

desejo,

a u r gê n cia d e

viver

. O s b u fõ es caricaturam o mundo

ta l como ele é, enfatizam a dimensão grotesca do p o de r , d a s

152

bo pr o ocad uses imaginá io

Enfim

, o

clo

wn te m a li

be rd a

de de fazer ri r,

m o st r

and o -se

co m

o é, em

su a

so

lidã

o.

Ma s

um perig

o ma ior no s

es p

ia: as

referência

s

cu

lturais

qu

e a

co m

p a

n h

am

esses

territ

ór

ios

dr

amát

ic o

s. C

ad

a

um

t

ra z

o seu imagin

ár

io do p assado, suas ima gens, suas lei t u ras , e

também

seus

clichês

. Todo m

un d

o pr e

tende

sabe r o qu e o

m elodram a, a co mme d ia dell' ar te ou a

trag

édia eram , ma s

qu em p

od e

dizer com o

realmente

se

en

c

en

avam as t ragé

di

as na Grécia?

O u

,

na

It á lia, a c

omédia

italiana? Nen h

um a

referê ncia p od e su bst itu ir a verd adeira cri aç ão, reinventada

a

cada

di a na

Es c

o la . Para além do s

es t

ilos ou dos gêneros,

buscamos descobrir

os

motores d interpret ção em

ob ra

em

c a d a te r ritó rio , p ar a q ue

insp

irem a criação. Essa, sempre,

deve

cont i nuar sendo

d e n os so

temp

o.

Me u

processo

visa

a favorecer a e me rg ê n cia d e

um te atr o

em

qu e o

ator

está em ação, u m teatro

do mo

vimento,

ma s

,

sobretudo, um

teatro d o i ma gi ná rio . Ao

longo

do

segundo

ano,

nã o se trata mais

apenas

de ve r e de   re)conhecer a rea

lidade, ma s de imaginá-la e d a r -lh e f o rma . Abordamos esses

t er ri t óri os como se o teatro fosse para s e r r e inventado.

A

ênfase

é

dada à visão

poética,

para desenvolver

o imagi

nário

criativo

d os alunos. A d

ificuldade

é

nã o

perder o

essen

cial, e saber as

dinâmicas

da

natureza

e

das relações

humanas

que consti t uem os motores d interpret ção pois o público as

reconhece. Essas

dinâmicas

são referências comuns,

indispen

-

153

sáveis tan to para ator qua nto pa

ra

espectado r. Estão em a

çã

o

em todas

as formas de

teatro, incl

usive

nos ma

is a

bs t

ratos. O

rea l também está na abstração Devemos permanentemente

m

eia-má

s

cara,

os

objetos,

o coro ?

Como funcionam

as lin

guag

en

s, e com o m is

turá

-las?

Enfim, a terceira pergu

nt

a trata dos textos Quais textos

dr am áti co s po dem vir a

en r

iqu ecer a exploração de cada ter

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observar essas leis dinâmicas do tea tr o .

 

po r isso que o se

gundo an o é p r

incipalmente

v

oltad

o para a escri

ta,

no se

nt i

do de estrutura da in terpretação. Um ato r só pode rea lmente

i

nterp

retar

quand

o a es

trutura mo

tora

da

in terpretação lh e

pe

rm

ite fazê -lo .

Não

ab

ordam

os o teatro em sua dimensão simbólica , ta l

qual se

ma

n ifesta em certos grandes teatros orientais. O teatro

simbólico é um teatro acabado, com o seria um cristal.

Quan

do uma matéri a está saturada, cristaliza-se n um a geometria

estr ita,

imutáve

l. Essa permanência caracteriza o nô japonês

ou o

k t k

li Eles at ingiram fo rmas

comple

tas, perfeitas, as

ma i

s

apropriadas

a seu gr

au de

ex

igência

. Se os

atores

desses

teatros devem,

é c la ro ,

en

trar

nessas

formas

e ali

mentá

-las,

eles não têm de inventá

-las

. Eu prefiro t rabalh ar com teatros

cu

jas formas estão

po r

vir.

Três

sér

ies

de qu

estões o ri en tam nossa exploração

geo-

dr mátic A p rimeira diz respe it o às   post s no jogo da in

terpretação. O

que

,

da na

t

ure

za

huma

na , é

represent ado

no

melodrama,

na comm ed ia dell  a rte,

na

t ragédia. . .?

Qu a

is

elemen

tos do comportamento

hu m an o e

qual

co

rpo

se en

contram, aí , pos tos em

movimento?

Quais são os motores

dramát

icos desses

territórios?

A segunda pergunta refer e

-se

às lingu gens Quais são as

linguagens

mais

apropriadas para expressar essas apostas? A

154

ritório?

O segundo

ano

é cons

tr

u

íd

o com

ba

se

ne

ssas t rês ques

t

ões

,

su

be n

ten

di

da

s po r

um a

solicitação s

imp

les ao s alu nos :

 Contem

-nos

u

ma

h

is t

ória .

155

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  s ling

u

 ge

ns

do

  sto

 a p ntomim

os qu ros mími

co

s

Antes de abor da r a exploração dos territórios

dramát

i-

cos começamos o segundo an o p or u m t rabalho com as lin-

guagens

do

gesto

co m

a

expressão

do corpo e m

diferentes

direções. Essa abordagem

destina se

a enriq

uecer todas

as ex-

plorações que

em

seguida serão

propostas aos

alunos

e vão

lhes

oferecer um a base

comum de

linguagens.

Na p ntom m té cnica

  limite

  os gestos substituem as

palavras. Nela o nd e n o

discurso

utilizaríamos um a palavra

é preciso utilizar

um

gesto

para

lh e da r significado. Essa lin-

gu a

gem tem origem no teatro das feiras em qu e

era

preciso

fazer  se compreender nu m ambiente

muito

barulhento mas

sobretudo

devido

à

interdição

de falar

imposta

à

sociedade

do s atores italianos

para

nã o

entrar

em

concorrência

com a

Comédie Française. A

pantomima

nasceu de

um a

restrição

157

como a existente nas prisões, onde os detentos se comunicam

por meio de gestos; ou , ainda, c

om

o se faz n a Bo lsa de Valores

n os di as

atuai

s. Essa té cn ica, em parte tradiciona  pens amos

em Deburau - é um

 b e

co sem saída do te

atro

, n a m ed id a

seu

corp

o, um ator representa a porta,

que

outro ator vai abrir

e fecha r  o corpo

de

um torna -se, então, o cenário

do

outro ;

o u um ator desenha

virtualmente

um a

casa

no

espaço:

o

teto,

as paredes, as

janelas,

a

porta,

para ela tomar

forma para

o

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em que del

a só se

po d

e sair

pel

o vi rtuosismo.

É pre

ciso sa

be

r desenhar objetos e imagens no espaço, en c

on

tra r atitudes

sim

bólicas

 algumas delas existentes no teatro or iental) ...

C

ha

m ei p

nt

omim

  br nc -

te

rm

o em p

res ta d

o

das

pa n

tomima

s de

ép oc

a, em que se rep resen tava um Pierr ô - à p

an

t

omim

a qu e se limita a f azer g

es t

os par a t

radu

zir pa lav

ras

.

Ess a té cn ica utiliza p r inci

palm

en te

gest

os de

os, levados

po r

at itudes do co

rp

o. Impõe, inevitavelmente, um a sintaxe

diferent e daquela da linguagem falada .

 Você

é bonita, venha

c

om

igo ,va

mos

n

adar pa

ssará a ser :  Você e eu . .. vo cê

bo n

i

ta .. . ir j

untos

. . .

na

da r .. . ali . Na

construçã

o d a f rase , estamos

num a lógica

diversa,

que obriga a um esclarecimen t o, um a

economia e um a prec

isão

daquilo que se que r dizer.

Frequentemente,

os

alunos

tendem

a

refazer gestos

da

vida

co tidiana, que parasitam a linguagem da pantom ima. Mas

esta

so

licita gestos

-limites,

que v ã

o além do cotidiano,

inse

rindo-se num tempo diferente do da l

inguagem

falada. Outra

armadilha está na careta, utilizada para

subs

tituir

cada pala

vra. É

p reciso t rabalh armos

para retornar

ao

rost

o -máscara,

que pode mudar

de

expressão

ao longo da frase,

segundo

os

sentimentos que

são expressos, ma s

não a cada palavra .

A

figur ção mímic

segunda l inguagem es tudada , des ta

vez consiste

em

represent ar pelo corpo, não mais palavras,

mas objetos, arquiteturas, elementos decorativos de cena. São

oferecidas duas possibilidades p rincipais:

po r

exemplo, com

158

bl

ico

e

para um pe rsonagem pode

r

entrar ou

sair dela. Ain

da

que limitada, essa linguagem facilita uma abo rdagem técni

ca da a rt iculação dos gestos, que, na sequência, vai se

reve

la r

particularmente

út i

l.

Os

qu d

ros mímicos

linguagem

mui to p róxima do

cine

ma ,

em sua sequência, restituem, pelo gesto , a dinâmica con

t

ida

no in terior das im agens .

Não

se tr at a aqu i de representar,

sozinho,

pa

lavras

ou

objetos,

ma

s de expressar co let ivame n te

ima

gens

. Imaginemos um pe

rson

agem que desce a subter râ

neos escuros u tilizando apen as

um a

vel a. Os atores po

derão

repr e

sentar

a

ch

am a , a fumaça, as s

ombra

s nas paredes, os

degr

aus

da

escada

. . . Todas as im ag

en

s p

ode

rã o ser

suge

r

id a

s

pe

lo s

ator

es em

mo v

im

ento

,

nu

m jogo sile

nc

ioso.

Um

dos

pr

im eiro s exercícios cons

iste em

encadear im agens, corno as

que fizemos , um dia, do m

on

te Sain t-Michel, por exemplo.

Os

alunos c

omeçava

m a dar f

orma

aomonte visto de longe primera

pelasmãos

depois

peo co rpo sozinhosouj unt

os

m

seg

uida eles nos

faziamentrar progressvamente na

imag

em Oespaço se am

pliava

S b

no

ssos olhos

a

vanç

á

vamos

pela

esreita

faixa

li

gando

o continene à

ilha  de

xando

omar

bate

r deumladoedeoutro 

Entrávamos

noátrioda

cidade for

tificada

 

cami

nháva

mos

na ruaestreita ssm

que

estávamos

diante

dorestauran

te aMere

Po

ulard entrá

vamos

 pormeode

suas

ima-

gens

 norestaurante chegávamos aoprato uma

omele

te paraacabarmos

se

ndo dev

oradosj untamentecomela

159

Um tal

travelling 

em con tinuidade, impõe a

utilização

de

um repertório part icularmente variado de gestos. Notem

os

qu e

certas

imagens virtuais

realizadas

hoje em dia po r um

computador ut il izam o mesmo mecanismo.

meteóricos

fazem o

público

ver um

 eco

domedo

que

o persona

gem

s t

e

que evidentemente 

os

outros protagonistasnão

veem.

Os

contadores mímico s

ap licam e

ssa

s

di

fe

rentes

lingua-

gens

às narr ativ as fa ladas. A

prop

osta consiste em contar

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Nos autocursos

peço a

um grupo de

a lunos que

reconsti

-

tua um filme

inteiro, sem

palavras,

unicamente com gestos.

Os

quadros

mímicos podem fazer

referência

a todas as

técnicas

do cinema: primeiro s planos,

p

lanos gerais

,

flash   back.. . en

-

fim, tudo o

qu e

constitui a linguagem moderna das imagens ,

com

seus

ritmos,

seus flashes

meteóricos, suas elipses, trans-

postas aqui nu m a dimensão teatral.

Aprofundan

do

essa pesquisa, viemos aí exp

lorar

os gestos

escondidos,

as

emoções, os es tados

profundos dos persona

gens,

qu e

expressamos pelas

mímicas São, de algum modo,

  doses sobre o estado dramát ico in te rno do personagem.

Sem nunca representar os sentimentos,

nem explicá-los,

o

a tor propõe

g

estos instantâneos que

,

numa

outra

lógica, ex

pressam

o

estado

do personagem

nu m

dado

momento

(tipo

de

aparte

corporal

numa

fase da

representação

 .

Aguém temde ir aoseu superior hie

rárqu

ico para pedi

r lhe

alguma

coisa.

Chegando diante

daporta 

 se

invadido

poruma

sensação

de

inquietação.  O quevou lhedizer? Nestemomento

preciso. gestos

vêm

darimagema esse sentimento Não gestos explicativos. descritivos do

estado.

mas

movimentos

mais

abstratos que permitem exter

ioriza

r

elementos naturalmente esconddos no comportamen to cotdiano 

l

bate

na

porta

 entra

sente

medo

 

Aqu

i o ator

ainda

não

representa

o

medo

tremendo ou balbuciando;  ss medo que o habi ta é posto em

gesto por eie mesmo ouporumouvárosoutros atores  ss s gestos

16

um a

h

is tór i

a,

alte

rnando às vezes a

ssociando )

es

sas diferen

-

tes

linguagen s

com

um a

narrativa . Isto pod e se r feito in d i-

vidualme nt e (o mesm o

at

or é, ao mesmo tempo, n arrador

e

mímic

o

ou

em

grupo

,

quand

o um co

nt a

d

or

é ass

ociado

a vári

os

micos.

Exploramos essa

relaçã

o em todas as

suas

dimensões , d a m ais

íntima

 o con tador-mímico d e mesa, qu e

representa

c

om

as mãos  

até

à

ut

iliz

açã

o do maior

espa

ço

(o s

contad

ores

-m í

micos

de tablado,

acompanh

ados de mú sicos,

de um

cor o , de um herói

.. .

  . E

sse

t

raba

lho se i

nsere na

g

ra n

-

de

tr

adi

çã

o dos co n ta d

ores,

qu e existe em n

um

er o

so

s p aíses,

na

China

ou na Africa, onde a nar ra tiva é acompanhada de

sugestã

o

de

imagens.

Em todas

essa

s propostas, o s

alu

n

os de

scobrem

diferentes

formas de l inguagens mímicas:

a linguagem de situação

 es -

to u

sentad

o lendo um

livro

,

algu

ém arranha a

porta,

eu m e

viro.

Arranha mais ainda, s into medo. A porta se abre . .. um

gato entra ;

a linguagem de ação

 ca rr ego

um

saco de batatas,

levo

-o na s

costas.

Eu o ponho no

carro,

entro no

carro,

dou

a

partida

e vou embora);

a linguagem de sugestão (o

lho

Paris

a

partir

da col ina de

Montmartre,

e

sugiro

tudo o que

vejo

: a

leveza

do ar,

os te tos

dos prédi

os,

a to

rr

e Eiffel.

Faço

com

que

as

imagens existam f or a de

mim,

de

modo

impressionista);

a

mímica

profunda (encontrar

gestos

para

dizer

o que nã o

tem

imagem, de um espaço in ter io r . Ao longo

do

ano todo,

es-

161

sas linguagens serv

irão para

os   teatros curtos desenvo lvidos

na Escola. Alguns vão conservar esses t ipos de l inguagem em

suas

experiências

teatrais futuras.

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No plano pedagógico, ta l trabalho no começo do ano faz

com que o g rupo todo ent re no

jogo

d e modo progressivo e

técnico.  

um a

espécie

de aquec imento , antes de

mergulhar

nos terr i tór ios dramáticos. O importante é não ficar na d i-

mensão

técnica das linguagens,

mas d e

sustentá-la, sem ces-

sar, com estados dramát icos. De nada serve saber interpretar

um sol , s e a dinâmica so l

ar

estiver

ausente do

gest

o De na da

serve sugeri r a lua, se a palidez

não aparecer

no r i tmo do m o -

vimento

162

  s grandes territórios dramáticos

 me

 o

r

ma

 

G R

ANDE

S SE

NTIMENTOS

Na Escola, o melodrama nasceu por volta

de

1974, em resp

os

-

ta a um a

questã

o

qu e

na

época me

preocupava

muito:

 

Po

r

que, quando a lguém diz um a

coisa em

que acredita, alguns

aceitam o que é dito, enquanto outros caçoam? .

Diante

dessa

questão, decidi explorar as duas vias possíveis. De

um

lado ,

 crer em tu do , no

amor

, na família, na honra. Pedi aos atores

que debatessem

para impor essa convicção ao

público

, o que

fez aparecer o melodrama . Por outro lado, eles   caçoaram de

tu d

o , de Deus,

da Guerra

do

Vietnã, da

a id s, e i sso fez com

que

nascessem os bufões.

No

melodrama,

todos

os grandes sentimentos

estão

em

jogo: o bem e o mal; a moral com a inocência, o

sacrifício,

a

163

tr aição .. . O ob jetivo é chegar a

um a

interpretação suficien

temente

forte

par a que, a

part ir da

expressão

desses

gr andes

sen

timentos, os espectadores

sejam

levados às lágrimas. Re

almente buscamos

fazer

chorar. Mas tal dimensão só pode

cionante

. Quem va i abrir a porta? Como se

dará

o reconheci

mento do so ldado e de su a mulher? Como encontrar o tempo

justo da

des

coberta, da

surpresa?

Os alunos têm

um a

situa

ção para ser construída e um timing muito específico pa

ra

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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ser

at ingida se os

personagens acredita

rem efetivamen te em

tudo,

com

muita força, até o

sacrifíc

io . É o bem con t ra o mal,

a coragem

diant

e

da

covard ia , a moral cont ra a corrupção.

Com

o tempo,

cada

vez mais, os alu

nos

aderiram a esse ter

ri

tório

melodramático e a seus temas de moral e de jus tiça.

O melodrama traz à baila o

arrependimento,

o remorso,

o rancor, a vergonha, a vingança. H á sempre um a referên

cia ao

temp

o, e é po r isso que, no ter r

itório

melodramático,

impõem -se

dois

grandes temas principais: O

Retorno

e

A Par-

tida

Começamos

po r

trabalhar

O retorno do soldado 

tema

muito antigo do teat

ro

popular.

  pós

vários anos

naguerra umsodado reencontra sua casa isolada na

planície numa noitede inverno emqueneva muito l batenaporta

lguém abre Perto da lareira eleen

contra

sua mulher dois filhos   e

um novo marido  a o

havia

dado como morto mas o

reconhece

l

também

mas

nada dizem

l

pede abrigopara aquela noite Éacolhido

reconfortado aquecido  Por

ocasião

de cenas emqueo soldado es-

tará sozinho

com

diferentes personagens

descobriremos

ao longo da

improvisação que uma

das

crianças é sua a outra não Finalmente 

como a mulher

parece

feliz o soldadoparte 

Ne sse

tr

ab

alh

o, dois elemen tos ch am am a aten ção do pe

da

gogo. P

or

um

la

do,

a

su t

il

eza

do j

og

o tá tico,

qu

e

perm i

te

dirigir o foco à sur p r esa , ao ri

tmo

, às reaç

õe

s. Tudo aqu i é

represen

tad

o n o olhar,

no s

silêncios,

de

m

od

o mu ito erno-

164

I

4

I

ser controla

do.

Por ou

tro

lado,

eu

me interesso p elo j ogo

dos

atores . Eu lhes

peço

que

acreditem fortemente naquilo

que in terpretam, para que o público também possa acreditar

nisso . Não se trata, nunca, de enfatizar o aspecto dramático,

para cair no clichê melodramático,

mas s im

de pô r

em

cena

um a

situação de todos os tempos, que enc

ontramos,

aliás, no

teatro de

Ruzzante,

ou

no

de

Brecht.

Para aprofundar

essa

pesquisa, o

tema

é dividido em

sub

temas . Batem na por ta , h á

uma

reação O soldado entra, sua

mulher o reconhece Cada sequência é analisada de mod o

preciso,

com os alunos se al ternando nas diferentes fases da

interp re

tação

.

A partida

p r

a

 méric

que proponho em

seguida, cor

responde

ao grande tem a do exílio. Um sicil iano deixa sua

i

lh

a, levando um a velha ma la amarrada

com

barbantes. De

pois dos adeuses di lac erantes, no porto de Palerm a , ele par te

pa

ra

a

Améri

ca par a fazer fortuna .

 Há nos

Esta

dos

U

nidos

ci

dades qu e se ch am

am

Fo rtuna , Eur

eka,

gritos que ess es exila

dos

de ram quando ali

ch

egaram ) Encont ramos esse tem a em

situa ções m ais atua is, p

or

exemplo: a do tra balh ador af ricano

qu e de ix a seu vi la r

ejo

par a vir à França gan har o pão que vai

alimentar sua família, d eixando-a a trás de si para i sso. Nesse

t

em

a

 rn

ultipistas ,

de i

xo q

ue

os a

lu

nos escol

ha

m as situações

que

dese

jam explorar. Eles po dem tan to t rat ar d a

p rtida

em

si, da

chegada num local novo das dificuldades encontradas

165

quanto

da

famil ia que ficou no pai s de origem,

da

carta que

chega.

Podem passar de um tema

a

outro,

em contraponto ou

em

paralelo,

como b em entenderem. Com os t emas do me

lodrama, tocamos

a tragédia do povo,

dos

homens

diante de

-[

 

LIU OV

 NDREIEVN - Den tro de dez minutos já não

estaremos aqui...

 Com

o olhar acaricia a sala. Adeus,

meu velho e querido lar Passará o inverno e quando

chegar de novo a primaveravocê desaparecerá da faceda

terra

...

será demolido

Quanta

coisa viram estas pare

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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suas dificuldades para sobreviver, muito diferente do que será

a

grande

tragédia, na

qual

vão confrontar-se com os deuses

Uma das principais dificuldades que persegue

o

aluno

é o

medo de assumir, realmente, os grandes sentimentos diante

de um público que, às vezes,

pode r ir

disso . O t rabalho do

melodrama

obriga o ator a impor suas convicções

em

públi

co. Ele

não pode duvidar

daquilo que vai dizer. O que

para

ele

é verdade também o será para o público. É muito importante

que os alunos sejam treinados para assumir essa dimensão.

Evidentemente, se devem p ôr em cena

um a

paródia, porque

o

autor

assim o pediu  Alfred Iarry, po r exemplo), eles

não

devem, de jeito nenhum, instalar-se

numa

interpretação que

seja

a

paródia da

paródia.

É

preciso evitar, enfim, as armadilhas preparadas pelos cli

chês. Falar do

melodrama

em nenhum caso quer dizer fazer

referência a um

estilo

de interpretação, mas, sim, descobrir e

ressaltar aspectos específicos da natureza humana. O

melo

drama

nã o

é um a forma antiga; ele está, hoje em dia, ao nosso

redor,

na

casa

daquele que espera

que

o telefone

toque

para

um novo trabalho, numa família atingida pela

guerra, na

casa

de um h omem qu e deixa seu país .. .

Para enriquecer

esse te

rr

itório,

trazemos textos

dramáti

cos

que

lh e correspondem. Pode se r um a cena

de

O jardim das

cerejeiras, de Chekhov.

166

f

I

1

l

j

 

des Beija a f i lha com carinho. Minha querida filhinha,

meu

tesouro

Como

você resplandece

...

Os olhos são

como dois diamantes . . . Vocêestá feliz,não é?Sim?

ÁNI

- Oh, muito, mãezinha, muito Pois

uma

nova vida

começa agora 1

Encontramos,

nessa passagem, a

dinâmica

dos adeuses,

que havíamos

estudado na

máscara neut ra . Na

cena, os

per

sonagens

deixam

a casa onde viveram, seja com arrependi

mento,

seja com esperança.

Para descobrir

a diversidade

do s

pon to s de vista possíveis, estudamos todas as maneiras de

fazê -lo: rindo, sem voltar

-se

para

trás,

rompendo

com

o pas

sado, com um grande olhar nostálgico .. .

A f orma d e

linguagem

que melho r

corresponde

ao

te r

ritório

melodramático

inspira-se nos

quadros mimicos. Ela

acentua

os atalhos indispensáveis e utiliza um a

linguagem

emflash const i tuída de imagens meteóricas - que diminuem

tem po e espaço - que o público

hoje

em dia está habitua

do a reconhecer im ediatamente. Associa, então, a imagética

melodramática - as crianças abandonadas nas escadarias das

igrejas

- e as formas modernas do cinema. Chamo

isto

de me-

lomimica.

Anton Chekhov, La Cerisaie , acte V, trad . Génia

Cannac

et

Georges

Perros

(Paris: L'Arche, 1961). [ O jardim das cerejeiras , V Ato, em Teatro Il, trad.

Gabar Aranyi

 São Paulo:

Veredas, 2003).

 N. T ]

167

  ommedi

de

rte

COMÉDIA

HUMANA

A commedia

dell

 arte e

suas máscaras

foram introduzidas

f

f

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na

minha pedagogia

desde o

começo da

Escola. Infelizmen

te, ao longo

do

tempo,

surgiram

clichês, um a maneira dita  à

it a

liana

de

representar começou

a se

expandir

. Jovens atores

fizeram estágios

de commedia

dell

 arte

aqui

e

acolá,

e a

in

-

terpretação

empobreceu-se.

O

própri

o termo

começou

a

me

in

co

moda

r. Fui

levad

o,

portanto,

a

vira

r do avesso esse fenô

me no ,

par a da

í

descobrir

o

qu e

havia por t rás dele, ou seja, a

comédia hum n Desde então, tomando um caminho muito

ma is amplo , encontramos uma

grande

liberdade

d e i n

venção.

Nesse território, estão em jogo as grandes trapaças

da

na

tureza humana: fazer acreditar, iludir, aproveitar de

tudo;

os

desejos são urgentes ; os pe rsonagens,

em estado

de  sobre

vivência .

Na

commedia

dell arte, todo

mundo

é

ingênuo

e

esperto;

a fome, o amor, o dinheiro animam os personagens.

O tema de base é preparar um rm dilh po r

qualquer

mo

tivo:

para

te r uma garota,

dinheiro

ou comida.

Rapidamen

-

te, os personagens,

levados

po r suas bobagens,

encontram-se

presos

em suas

próprias

intrigas . O fenômeno,

levado

ao

extremo, caracteriza a comédia humana e evidencia o fun -

do

trágico

qu e t ra z d en tr o d e si.

Longe

do

clichê saltitante,

Arlequim

realmentetenta compreender

o

qu e

está acontecen-

do com ele, sem

conseguir.

Surge, então, o limite da natureza

humana: p or q ue n ão

somos

mais in te

ligentes

para

compre

ender

melhor?

Todos os personagens t êm medo de tudo : de

se r apanhados,

de

errar, de morrer .. . É esse

medo

profundo

168

i

 

.

I

i

t

1

i

I

Pantalone  máscara utilizadap or

[acques

Lecoq

que faz nascer a avareza de Pantalon e: ele gua

rda tu d

o Este

fundo trágico é um elemento essencial qu e Mol iere usa em

suas

peças

.

Inicialmente, peço aos

alunos

que fabriquem suas

pr ó

desconfiar da

mecânica

e voltar, sempre, às situações em

que

a

complexa

humanidade dos personagens

pode aparecer.

A commedia dell  arte é um a

arte

da infância. Passa-se

muito rapidam

ente de

um a

situação

a

outra

  de um estado a

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prias

meias-máscaras. A

primeira

instrução é a de

realizar

a

meia-máscara de

um

personagem que gostar iam de interpre

tar,

sem

nenhuma referência à commedia dell arte. A partir

de máscaras

muito

simples 

progressivamente

eles adicionam

um

nariz, um a cor, um

big

ode . ..

Descobrimos

ju n

tos

o

pos

sível

jogo

dessas máscaras, suas

características,

as lig

ações que

elas podem te r umas com as outras.

 

apenas num segundo

m omento que trago as

másca

ras

tradicionais

da commedia

dell arte:

Arlequim

e

Pantalone

  e também Brighella

Capitão

 

D

outo r

Tartália

. ..

Da t radição, f icaram dois personagens principai s: Arle

quim   o servidor, e Pantalone  seu patrão.

Pouco

a

pouco,

o

Arlequim primit ivo

 

conhecido

como zanni ingênuo

e

ma

roto, oriundo

dos campos

de Bérgamo,

tornou-se travesso,

inteligente  intrigante. Em Moliere, ele se chama Scapino, de

po is

de

uma evolução, durante mais

de

dois séculos, do perso

nagem. Pantalone,

mercador de Veneza  hom

em de neg

ócios,

t raf icante de riquezas vindas do Oriente Médio, é muito in

teligente . Ele

é

roubado

 p or

amor achando, ingenuamente,

qu e é sempre am ado po r belas moças. Da í a

pie

dade

que

se

pode

ter

po r

ele . Essa d imensão t rágica no

cômico

faz o pú

blico rir  jamais os personagens.

Se os

ro t

e

iros

são

a

estrada

a

ser seguida,

a q

ual

pouco

a

pou co foi

deta

lhada com o público e se esta

estrada

se afi r

mou

com

a tr ad ição transmitida

d e p ai para

filho é preciso

170

ou t

ro. Arlequim

pode

ch

or

ar a morte de

Panta

lone e  rapida

mente, alegrar

-se

com a sopa que

está pr

onta N isto a com

media

constitu i um

território

muito cruel mas sob re tudo um

terr itório fabuloso para o jogo. Os temas propostos são parti

cularmente simples:   rlequimse coça ou A rlequim come espa-

guete Pantalone conta seu dinheiro lguém chamando alguém

pod e t orn ar-se um grande tema   com a condiç

ão,

evidente

men te de

qu e

o que é chamad o não ven ha En tre o ch am ad o

de

um

e a chegad a do outro, pode existir

mu

it o te

atro.

Nem todos os temas pod em se r t rabalh ad os em impro

vi

sação . Alguns im plicam

um a

pr eparação que os alunos reali

z

am

nos

au tocursos

O pe

da

gogo est á ate

nto

a

dois elemento

s

compleme ntares: de um

lad

o o roteiro a h istória os pon

tos

de

passagem ob rigatór ios dos atores quando improvisam

jun tos; de

ou tro,

e isto

é

m ais imp

or

tan te ele tem de insist ir

no mo tor da interpretação. O m otor  não é o qu e interpretar 

ma s como é p reciso

interpretar.

Quais são as for ças

que

estão

em jogo?

Quem

puxa?

Quem

empurra?

Quem

se puxa, quem

se

empur

ra?

Quem é

puxado, quem

é

empurrado? Responder

a essas pergunt as simples é da r u

ma

di

nâmica ao percurso. Se

o roteiro for linear

de

um pon to a ou tro, o mo

to r

será dinâ

mi c

o e b

usc

ar á o relevo

in d

ispensável

para

a

interpretação.

Essa

d inâmica sobe ou desce

nunc

a permanece horizontal e

na commedia del l arte   ela ultrapassa os comportamentos co -

17 1

tidianos, para atingir uma

dimensão

imaginária . Não

rimos,

mo r

remos de rir

Na commedia dell'arte / com

éd

ia

humana,

o estilo de i

n

terpretaç ão é levado ao máxim o, as si

tu a

ções lev

ada

s a seus

fazem,

mas

constatei

que, com

suas p róprias máscaras, eles

ficam

mais livres para adaptar os princípios

de

tal

inte

rp

reta

ção. Assim que se fala

de

Arlequim ou de Pantalone, a preten

sa tradição ch eg a e os pe

rt

urba.

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extremos . O ator ati nge um

nível

m uito alto de i

nterp r

etação,

e o público pode

observa

r as consequências de um comport a

mento .. . até a mor te.

Neste

caso, falsa

Pantalone está

em

casa.

  o

ntando

seu

dinhe

iro.

É

avisado

de

que

al-

guém chegou e

quer

vê-lo. Ee pergunta quem é. Não

se

sabe Ele é

altor Sim

Ve

lho? Sim anda

assim?

Sim Então ele

sabe

quem

é:

seu amigo

Brigante

quevem lhe

pedir

de

volta

o

dinheiro

empre

stado

.

 Nào

quero

vê-lo elediz. Tarde demai

s Brigante

entrou.

Abraços...

 Caro amigo. que prazer..  Representa-se a comédia da amizade.

Depois disso, chegam os l zzi

Trazem uma

cadeira: linda . dirá

Brigante já calculando quanto ela

cu

stou.  É uma

cadeira muito velha .

responderá

Pantalone

...

Aq

ui

, o m

otor

principal

da

inte

rp

reta

çã o se

 a

pr

ecia

r/

depreciar . Um

far

á qu estão de depreciar o

que

possui , en

quanto o outro tentará aprecia r tudo

aqu

ilo que poderia

lh

e

pertencer. Em seguida, Brigante

tentará

falar

da

razão pela

qual veio: o pagamento da d ívida, enquanto Pan

ta l

on e evitará

o ass

un t

o, falará de ou tra

coi

sa , desviará a conve rsa. Este será

o

grande

motor do rodeio, até o momento

fatídico

em que

Brigante chega e di z:

 Me dê

o meu

dinheiro

. E Panta

lone

morre

de infarte

Para

depois ressuscitar, é c la ro , as

sim

que

Brigante

sa i

em busca de

um

médico, po is a m orte, aqui, não

passa de

um

estratagema.

Os alunos

podem

interpretar esse t ipo de tema tanto com

as

máscaras

tradicionais quant o com as que eles mesmos

172

ROTEIROS E TÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO

Prioritariamente,

meu

olh

ar repousa na capacidade

dos

alunos em desenvolver

um

senso tático

de

in

te r

pretação.

Como chegam a subir ou descer

uma situação?

Como

condu

zem um a inversão de situação  o ladrão roubado . ..  ? Como

trabalham numa troca

ri

tmada da

palavra?

A

língua

italiana é

ma is adequada para isso do qu e a francesa, mais en trecort ada,

menos

fluida.

Uma das dificuldades

encontradas

com as meias

-máscaras

é a ligação com a voz. No pr ime

iro

ano, os alunos pouco fa

laram e, de repente, su rge u

ma

grande liberdade da palavra.

Agora

ten

dem a uti

lizar suas

pr

óp

rias

voz

es, o qu e é impossí

vel com a m áscara. O

trabal

ho consiste, po rt

an t

o,

em

encon

tra r a voz do personagem ,

uma

voz públ

ica

, n a d imensão d a

inte

rpretaç

ão

com

másca

ras. Assim como, com um a m

ásc

ar a,

é i

mp

ossível movimentar -se c

om o

fazemos n a vid a c o

ti d

ian a,

com uma me ia- máscar a, n ão se pod e dizer um texto sem

qu

e

ele sej a essencializado. Com ela, o

pr ó

prio texto está

masc

ar a

do

o há nenh

um a

possibilidade de interp re tação psicoló

gica. O d iálogo tende ao

bottee risposte

(golpe e

resp

ost a), que

os aman

tes

represen tam sem máscara.

Os

personagen s da comédia

italiana

navegam

permane

n

temen te

en

t re dois polos contraditórios. Arlequim é, ao me s-

173

m o te

mp

o, ingênuo e

ma l

icioso, o Capi

tã o

é fo rt e e m

ed ro

so ,

o

Doutor

sabe tudo e

o

conhece

n

ad

a, Pan ta l

on

e é,

ao

m es

m o tempo, chefe da empresa, senho r

de

si e totalm

en

te louco

n o

am

or. Lev

ad

a ao

máximo,

essa

du a

l

idad

e é ex t

rem

amente

A MULHER:

A

razã

o.. .

o H O

ME

M : O dever. . .

A MU L

HE

R:

Salvou-a.

o H O

ME M

: Liberou- o.

A

MU

LH ER :

Bárbaro

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nca.

Na commedia dell

 a

rte, mor re-se d e tudo: de

in

veja, de

f

ome, de

a

mor

, d e

ciúme

.

Nesse

se

ntid

o, es se t

erritório

dr a

mático prolon g

a o

qu

e a vid a

tr a

z. O

níve l da in

t

erpretaçã

o

se rá, por tan to, levado ao m áximo, até à ac ro bacia. No

entan

to, c

om o

é

im p

ossíve l

mante

r -se sempre n o estado ex

trem

o

do sentimento -

o se

pode morrer ou

te r fome

permanen

tem

ente

 

o

personagem

é

sempre br utalmente

levado de

um

sentimen

to a

outr

o. Aquele

qu e

ri demais acab a

chorando:

as

sim ,

podemos

co

nstatar

que,

en

t re e o

riso

e o choro,os

gesto

s

são os mesmos.Ar lequim que ri ou

que ch or a

ro la pelo

chão

do

mesmo jeito

Os lazzi constituem o principal

espaço

da interpretação da

commedia dell arte. Num

livro de

commedia

de ll  arte, o

mo

mento

mais interessante é aquele

em que não há nada escrito,

o qu e significa lazzi   Apenas o ator, po r mei o d e s eu j ogo e de

sua presença cômica,

pode

fazer

com que

exista essa

parte

do

texto . A precariedade

aparente do

rote i ro deve

-se

à dificul

dade

de

pô r no papel o que se deve fazer para

ser

engraçado,

tocante, convincen te . Fa lt a o ator

em

ação . A grande diferença

entre as

gags

e os

lazzi

é

que

estes

sempre têm um a

referência

humana.

A

gag

pode ser puramente mecânica

ou

absurda,sair

de

um a

lógica

para

propor uma outra, o lazzo sempre enfatiza

um

elemen

to da humanidade

dos personagens.

 7

O H O

ME M

: Miserável 

A M ULHER:

O que você disse?

o H O M E M : O que você m

urmur

ou?

A M ULH ER :

Eu disse

que

te odeio.

o

H O MEM:

Eu disse

que

te detesto.

A MU LH ER:

Que não posso mais te ver.

o

H O ME M : Que

não posso mais te suportar.

A

MU L

HE R : Vocêrejeita esses laços .. .

o H O MEM: Você rejeita esses grilhões .. .

A

MULH

ER : Que você considerava de ouro.

O H O ME M :

Que você considerava de diamante.

A M U

LHER

: Eles se revelaram falsos.

o

H O MEM:

Na

verdade eram

de vidro.

A M U LHER :

Ferro dourado 

o H OMEM : Diamantes falsos

A M ULHER :

Foi

po r

isso

que

os despedacei.

o H

OM E

M: Foi

por

isso que os quebrei.

A MU LHER:

Agora estou contente

o H OM EM : Agora estou livre

A M U LH ER :

Vai,

joga

fora esses laços

o

HO MEM: Vai, acaba com esses grilhões

A MU LH

ER

: Estou livre

o

H

OMEM

:

  U independente

A MULHER:

Fora da escravidão

o H O

MEM:

Por

cimade qualquer obstáculo

A MU LHER: O nó está desfeito

o

H O ME M :

OS laços, destruídos

2

Con sta

nt

Mie,  Le mépris contre le m épris ,

em La c om m edia dell arte

(Par is:

LaPleiade, 1927 ). [Tradução l ivre par a o

portuguê

s.]

 75

Arlequim

e

Erig

uela estão encar

regados

depreparar a refeição

para

os

convidados.  les põem a mesa e começam indicando o lugar de cada

convidado

depois

põem

 se

aimaginar. progressivamen te todoomenu

que será servido Do pequenoprazer das entradas à maisextrema gu-

interpre

tação se dava de pai para filh o ,

de

m odo muito es

truturado. Os comediantes i talianos tinham um repertório de

interpretação que

utilizavam

nos

bons momentos . Quando

o

Piccolo Teatro

apresentou, em Pa ris,

 rlequim servidor de

dois

amos

  de Goldoni, Giorgio Strelher era extramemente es

Page 90: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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lodice para terminar totalmente saciados   imaginarão um imenso

festim do qual logic mente  nunca participa

rão.

Na comm

edia

dell arte ,

princ

ipalmente

realista,

igual

me

nte

os objetos estão

em

jogo de mo do fabu lar. O bastão

de Arlequim pod e s e r v i r de rab o, pode substitui r sua mão

quando ele qu i

ser

saudar alguém .. .

sem

toc á-lo . A bolsa de

Pan

ta lone pode ficar pendurada en t re as pe rnas. O objeto,

aqui,

nunca

é

um

simples ac

essório

, ele pe

rmit

e o desenvol

vimento

de um imaginário muito forte.

É

po r isso que nun ca

fazemos mí

mica dos

objetos

,

nós

os

ut i

l

iza

mos, re almente.

Da commedia dell

 arte

real, ficaram po

uc

os textos, sal

vo os

roteiros

e

os

bott e e risposte.

Ab

or d

amos, assi

m,

p ara

lel am ente os au tor es que se serviram

dess

e terreno:

Mo

liere,

Ruzzan te, Gozzi, Goldoni, e também Shakesp eare

ou

Goethe.

É

im

pressionante

ver quant

os

au

tores, emsuas

ob ras poéticas,

fo ra m influencia

do

s

pel

os comediantes

itali

an os

que

percor

ri am a Euro

pa

.

Minha

preferência pedagógica vai ao começo

da

commedia dell  arte, com Ruzzante.

Cheg

amos

também

ao Moliere das p rimei

ras

peças, o

das

farsas, e

não

o Moliere

mais psicol

ógico

, de Dom [uan ou O   isantropo.

Associa-se com demasiada frequência a commedia

dell arte à

noção de imp ro

visaçã

o. Mas

ali

nada havia de

improvisado. Ainda que inventassem

variações

, a prática

da

176

trito em sua d ireção e intencionava respeitar tudo o que fora

escrito.

Um dia , quando ele

estava

ausente da sala, os come

diantes

alongaram

o espetáculo em vinte minutos. O

diretor

encolerizou-se ao descobrir essa permissividade 

A

técnica

do corpo que

aplicamos

é a de

todos

os

teatros

de máscaras, em tod o o mundo. Nessa forma de teatro, para

q

ue

o co rpo fale

ao

público, afirmamos, ele tem de ser pe r

feitamente articulado. Cr iei, portanto, um a ginástica

para

o

Arlequim . A

dimensão

acrobática está igualmente presente,

justificada, com o

sempre,

pelo drama. Quando

Pantalone

,

raivoso, dá um salto m ortal para trás, o público não deve di

zer

:

 Q

ue bel

o sa

lto

mo

r

ta

l ,

ma

s Que raiva . P

ar

a c

heg

ar a

um tal n ível de comp rome t imento fí sico e ju stificar tal gesto,

é p reciso um a carga

em

ot i

va

e

xt

raord

iná

r ia e,

ao

me sm o tem

po , um perfeit o

savoir fa ire

técn ic o de s

al t

o

mo r

tal.

Os ex

age

ro s m ais corren tes são os g

ri t

os , as gesticula

ções, a superinter

pret

ação in útil.

Quando

os alu

no s

n ão são

suf icientemente fo rtes pa ra

ati

ngir o n ível

de

in terp retação

e

xigido,

em vão eles tentam compensar isso pelo gr ito. P

or

isso,

dificilmente

atores muito jovens ac

eitam

a commedia

dell arte . Aos 20 anos,

os a lunos

ain da não

têm

a vivência

necessária,

falta

-lhes especialmente a d imensão trágica, ele

mento consti tuti vo im po r tant e desse

terri

tório. Se, apesar de

tudo, fazem

os

esse trabalho n a Escola, não é

pa

ra um a utiliza-

177

ção

imediata, ma s pa ra que guardem a lembrança

desse

n ível

de interpretação em

seus

corpos e mentes, para que possam

ser

vir-se

disso

mais tarde.

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Pesquisar

uma commedia dell'a rt e contemporânea foi  

muitas vezes o s

onho

de pessoas de teatro.Alguns

dese

jaria

m

re

nov

ar os

arquétipos para

inseri -los

na atualidade

social

ou

política.

Esse

procedim

ento sempre

me

pareceu discutí

vel pois, historicamente, na commedia dell'arte, as relações

sociais são imutáveis. Há os

senhores

e os

serv

idores, m as o

propósito

nã o é mudar a sociedade. T

rata

-se

de

mostrar a na

tureza humana em suacomédia feita de trapaças e de compro

metimentos

  indispensáveis à sobrevivência dos personagens.

Arlequim nã o faz greve: ele dá

um

jeito Pantalon e nunca de

creta falência ainda que o

simule

A commedia dell'arte

está

em

tod os os lugares, em todos os tempos, enquanto

houver

patrões e servidores indispensáveis a seu jogo. Esses

elemen

tos

permanentes da  omédi

hum n

me

interessam,

para

que

os alunos - que, evidentemente,

são

 contemporâneos - pos

sam in

ventar

o teatro de seu tempo.

 

ufõ s

o

MISTÉRIO,

o GROTESCO,

O

FANTÁSTICO

Respondendo

à

minha

interrogação

sobre

o

comportamen

to

daqueles

 que não acred i tam

em

nada e zombam de tudo':

os

bufões passaram,

ao

longo

desses

anos,

po r

um a

evolução

m uito

grande. Sua

abordagem diversificou-se dando acesso a

um território

muito

vasto

que er a

preciso

descobrirmos.

178

 s bufões do mistério

A primeira et ap a foi a da

p ródi

Consistia em simples-

mente zombar do outro imitando-o .

Quando

alguém anda

na

ru a,

bas

ta imitar seu jeito para

qu e

apareç a a zombar ia e a

paró

dia. Acontece o mesm o com a

voz

com o com p

or t

am en

to . A

im

itação con

stit

u iu um prime

iro

nível, relativam

ente

máscara. Diante

desses

corpos

bufonescos os personagens pa -

rodiados aceitavam mais

facilmente que

  loucos zombassem

deles;

era

mais inconsequente . Não havia conflito algum

entre

o bu fã o e aquele de quem ele zombava.

Retomamos

aí o tr a-

d icional  bobo

da

corte , que, longe de estar realmente imerso

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g

entil

, do

sar

casmob ufão.

A se

gund

a etapa fo i zo m

ba r

não apen as do qu e o

outro

fazia,

mas

s

obretud

o, de suas c

on

vicções

ma

is p

rofun

das.

Eu

p

ed

ia a a lguém , po r exemplo, que fizesse ao p

úblic

o um

dis c

urso

sensato

um

a

ap

resentação cien

tífica

ou m at emát i-

ca

e,

durant

e esse tempo, um o ut ro

pe

r

sonag

em se enc

ar

-

re gava de fazer o público rir, imitan do o orador . Fazendo

is so, observei qu e, qu an do um pe rso nagem em t rajes ur ba-

nos zombava de out ra pessoa vestida do

mesm

o modo isso

se tornava in suportável. Esse p roced

iment

o atingiu m u ito

rapidamente um a form a de ma lda

de

, difíc il

de

ass um ir, e

pa r

eceu-m e

in disp e

ns

ável di ferenciar qu

em

zom b a: ele n ão

po

d ia ser i

n

ti

co

àquel

e q

ue

era

mo

t ivo de z

om b

aria. Ele

tin

ha

de ser out ro .

Procurei, e

nt ã

o, fab ricar um

outro

co

rp o

, um corpo de

bu f

ão . .. i

nf l

ado . . . gordo Pedi

aos

alu

no

s

que

se tr an

sformas

sem , aumentando nádegas, barrigas. A partir daí surgir

am

for

ma s

m ui

to interessant

es: algumas m oças muito m ag ra s,

descon

fo rtáveis

com seus corpos

, começaram a

da r vida

a

enormes figuras, com pei tos grandes nádegas go rdas . Inver-

samente , destacamos os

corpos

longilíneos compridos,

de

outros alu

no

s. Po r

meio

dessa t

ransf

ormação

corporal

nesse

co rpo reinven tado e a

rtifici

al, de repente eles se sentiam m ais

livres.

Ousavam

fazer

coisas

que j amais teriam fei to com seus

própr

io s corpos .

Nesse sentid

o, o

corpo

inteiro tornava-se

180

na loucura ,

pode

expressar todas as

verdades. Num corpo

de

bufão aquele que zomba pode tomar a palavra e dizer coi -

sas inacreditáveis, até caçoar

do incaço ável :

da

guerra da

fome no

m undo

de

Deus. Os bufões

nos

fizeram conhece r a

aids, antes de que todos tomassem consciência dessa doença.

Puderam representar a procissão d a mor te d o amo r e, na

tr ansposição bufonesca

fazer-nos aceitar o inaceitável.

Observei que

aqueles que zombam assim

de tudo inclu

sive dos valores mai s f or tes, abriam espaço para o mistério

das coisas. Eles atingiam o grande território da tragédia. Seu

sar

casmo migrava

para o trágico um pouco como a

violên

-

cia

do

texto

de

Steven

B

erkoff

at

inge

no

fim das

con t as , a

beleza.

Esse fenômeno fo i para mim uma g rande descoberta.

En t

ão

m e per

gu n

te i: de on

de vi n

ham esses bu f

õe

s? Eles

não

po

diam vi r d e

um

esp aço realista,

da

rua do metrô. Eles vêm

então, de outros lugares: do mistério da noite do céu e da

ter ra Sua função não consistia em zombar de um indivíduo

em

part

icul

ar, por

ém de

m od o mais geral, de tod os nós, da

soc

iedad

e em g

eral.

Bufões se d iver

tem

, poi s se divertem o

tempo t

od

o, imitando a vida dos homens. F

aze

r um a guer-

ra

, lutar,

estripar

-se os deixa felizes. No en tant o, eles

nunca

represen

tam

a

guerra na

cro

no

l

og

ia l

ógic

a de um a histó

ria

que se desenro la. Eles trazem um text o part icu

lar:

aq uele que

ma ta o ou tro se d iverte tanto, que ele pede p

ar a

faz

er

de

novo

.

181

E eis

que

se m atam mutuamente rep et idamente apenas pelo

p razer. Para interpreta r

Apareceram,

então,

os atalhos as elipses específicas da

interpretação dos

bufões:

aq

uele que estava ferido era

ra

pidamente

tratado,

levado

ao hospital. Par a que o hospital

Vi

mo

s

ba

ndos

de pequen

os bufões trazer até nós a

en orme

cabeça

de

um profeta, já

sem corpo que antes de desabar to

ta lmente, vin ha anuncia r o m istério. .. Nos bandos também

descobrim

os a figura do in ocente, qu e pode passear no meio

dos ou

tros

  sem nunca alte ra r a ordem das co isas. Estranha

~ ~ ~ · ~

1

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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existisse e

ra

preciso mortos . Pa

ra que

houvesse

mortos,

era

preciso

que

se

matassem

. Pa ra que se

matassem

 

era

preciso

que fizessem

um a

guerra .. . Esse

tipo

de situação

mostrava

o caráter absurdo da organização da v id a dos homens. Os

bufões falam essencialmente da

dimensão

social das re lações

humanas, paradenunciar o absurdo disso. Eles falam também

do

poder,

de

sua hierarquia,

inve rtendo-lhes os valores . Cada

bufão

tem alguém

acima dele

e a

lguém

abaixo. Ele

admira um

e é admirado

po r

out ro.

Apena

s aquele que estiver n o limite

mais baixo

dessa hierarquia nã

o é admirado por

ninguém.

É

ele quem

vai

pixar

 Abaixo

as

ar

mas nas paredes dos banhei

ros,

único meio de exp re ss ar o ridículo. Aquele que det ém

o

poder

- o

príncipe,

o

diretor,

o

presidente,

o

rei

-

decide,

quando quer e po r simples capricho, que aqui a guerra já du

ro u o suficiente e qu e

agora

é preciso fazê -l a em out ro lugar.

E todos o seguem Na

verdade

  os

bufões

funcionam na inver

são dos poderes: o mais débi l dirige .

A partir dos bufões solitários, pesquisamos como eles po

diam

reunir -se para descobrir q

ue

viviam em   ndos

  Um

bando

de

bufões idealmente, é

constituído

p or um grupo de

cinco

pessoas, e nele pode haver uma

verdadeira

conivência.

Mai sdo que cinco,

é o

coro

que

surge,

mas

voltaremos

a fa

la r disso

.

Um

bando de bufões é dirigido

p or um

chefe. Todo

o bando está aí para

ajudá-l o

a

formular

o

que

ele vai dizer.

182

figura. Um

er

ro necessário

Ao l

ongo do t empo ,

os bufõe s fizeram surgir a

lgumas

grandes

famílias

: a

do

m istério depois a do

po d

er e  po r

fim,

a mais lo uca e manifes

ta

  a

da

ciência. Essas três fam ílias no s

levam a

determinar

  hoje

em

d ia t

rês

te rritórios difere

ncia

dos qua se a

utôno

mos: o

mistério

o

grotesco

e o

f n tástico

o

mistério

gira em tor no da

crença

  quase religiosa. O s

bufões do mistér io são adivinho s. Eles conhecem o fut u ro .

Sabem quando o fim do mundo v

ir á

e

podem

an

un ciá-l

o.

Conhecem o

mistér

io qu e

vem

antes do

nasciment

o e o

que

es

depois

da

m orte.

São

os p rofetas.

 

bufões do mistério

che

gam

à

noite

em procissão

  dançam ao som

de percu

 

ões aquecendo assm o

es

paço Trazem consgo a Palavra

adormecida  diabinhos desp

ertam

seu profetaque  como ilumnado

seergue para anunciar o fimdo

mundo

Os bufões fazem mimca

das

ima

gens

do

Apoc

alipse e se divertem fazendo paródia

Apó

s ter visto

o futuro a Pa

lavra

de

smo

rona  Ea é levada noite adentro ao som de

tambores 

Ne

stemomento  grandes textos do mistérioedesua beleza

são ditospelos bufõesdo diabo

Eles falam como

que interroga o céu ; como

Dante,

em

A

divin

a comédia Os bufões ingleses residem em Shakespe

are. Fizemos os

bufões dizerem

os

maiores

textos dos maio

res poetas. Quem, melhor do

que um

bufão, pode

dizer um

183

tex to

de Antonin

Artaud? Paradoxalmente

ele

será mais bem

compreendido

nessa

f orma do

qu

e em

todas

as

outra

s,

di tas

 poéticas

. O

maiores

loucos

são

os

poetas

 

Ah , dá

-nos crânios

de brasas

Crânios qu

ei

ma

do s pelos raios do céu

Crân

ios lúcidos cr ân ios reais

E traspassados pela tua presença

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Os grotescos estão

próximos da

caricatura.

Eles se

aproxi

mam

dos

pe

rsona

g

ens de nossa

vida cotidiana, c

om

o alguns

desenhos humorísticos podem representá

-

los

. Jamais

ques

tionam

os

sentiment

os

ou

a

ps

ico

log

ia, m as s

emp

re a

fun

ção

social. Os

desenhos

de Daumier,

nas

sér ies

sobre

as

pr o

fissõe s,

têm

e

ssa

dime

nsão.

No

rep

er tó rio teatral,

um

personagem

como

Ubu

de

Iarry

pertence a esse mundo.

Hoje em dia,

su r

gem com forç a os

f antásticos

Apoiam-se

especialmente no

mundo eletrôn ico, científico, ma s

também

na imaginação

mais

a

lu

cina

da

. Vimos p

erso

nag

ens com

rias cabeças, h omens-anima is, bufões com a cabeça n a ba r

riga. Aqui

são

po

ssíveis t

oda

s as lo

ucu

ras: elas constituem a

liberdad

e

do

ator e

sua

beleza.

O te

rm o bufão

c

ob

re,

po

r tan

to

a

go r

a,

um

te rr

itór

io ex

t

remam

ente vasto , cu jo s c

on torn

os n

ão podem

os

delimi

tar

de

m

od

o defi

ni t

ivo.

É

por isso q ue p eço

ao

s alunos a m ais

am p

la exp lo ra ção

des

se t

erreno

a

fim de qu

e se a

venturem

s

uce

ssivamente

ness

as

três

grandes

direções.

Ass im são

ob

r i

gados a

o

ficar

na

primeira

imagem mas

comprometer-se

verdade iramen te com a cr iação.

Vamos

deixar

claro

qu e

um

bufão nã o

pode pertencer

ao mesmo tempo, a três

registros

m as nos bandos, n o entanto, algumas m isturas são possíveis.

O

fantástico pode ladear

o

mistério ou

,

ainda um bufã

o

do

mistério

pode

metamorfose

ar-se

num grotesco

, e

passar

do

primeiro ao

segundo sem que

se

saiba mui to bem qual dos

 8

Faz-nos na scer no s céus de dentro

Cober tos de preci

píci

os

em

torrentes

E qu e uma v

ertigem nos

at ravesse

Com uma un

ha incande

sce

nte

Sacia-nos temos fome

De comoções intersiderais

Ah derrama em

nós

lavas astrais

No

lugar de

nosso sang

ue

D

esamarra-nos

.

Div

ide

-nos

Com tuas mãos

de

bras

as co

rtantes

A

bre-nos

essas vias cham ejantes

O

nde

se morre

mais

longe qu e a

morte

Faz nosso cérebro vacilar

No cerne de sua própr ia ciência

E ar ran c a- no s a i

nt

eligência

Com as

garras

de um

novo t ífon ?

 

Art aud

,  P riere [O ração

J,

em Obras

 o

pletas:Tric Trac du

  iel

1 (Pa

n s: Gallímard, 1970). [Tr

ad

ução livr e par a o p

or

tuguês.]

 85

dois re

presen

ta o ou tro. Um ba n d o de

bufões

fantásticos ent ra

em cena . . . de repente se tr a

ns

forma

nu m

bando de pequeno s

grotescos.Situação incômoda

em qu e o pú b

lico perde

a

segu-

rança d e s ua

lógica

, para atingir

um a

outra di

mensã

o

pa ra que p or si sós descubram os

element

os

qu e

acabo d e

evo car e, eventu almente, t ragam outros.

Co meço, com o

sempre

pelo co r po . A

primeira

aborda

gem é m ui to simples: peço a cad a um que desenhe um bufão

Page 95: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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o O U T RO C O R P O

A

linguagem

específica dos bufões apareceu co m a pesqui-

sa dos ges tos e das ações que este  outro corpo podia faze r.

Alguns

se

aproximaram do corpo human

o, no

esp

írito do

bo

neco

da

Michelin tipo

de bola

hum

an a desmesu

rada; outros

se distanciaram

diss

o co

nsideravelmente.

Um a de

minhas

grandes descobertas foi constatar como a

dimensão

interna-

cional

da Escola

aparecia co m for ça, pelo fundo bufonesco

que cada cultura traz. A Am érica do

Sul

expressou seu caráter

fantástico

co m

seus

animais

voadores, seus

homens animais.

Os

franceses reencontraram

seu fundo

rabelaisiano

de

cozi

nheiros

bons viv nts

Os bufões

ingleses

estão

próximos

das

figuras

de

Hogarth.

Os espanhóis v ivem a tragédia

da

festa.

Os i talianos estão n a d an ça, no canto e na música. Os nó r

dicos são mais misteriosos

entre

o dia e a noite na loucura

do

crepúsculo. A Alemanha

trouxe

seus

grandes

mitos fan

tásticos. Os asiáticos fizeram renascer os

dragões

e os diabos.

Esse te

rr

itório dramático

certamente

mais

do

qu e os outros

evidencia as profundas diferenças

culturais dos

alunos.

D o p on to de vista pedagógico o território

do s

bufões é

particularmente

difícil de

conduzir

principalmente po r

es

t armo s p ermanent ement e em b us ca d e p ro ce di me nt os

de

criação.

É

preciso portanto pô r

os alunos

em movimento

186

numa folha

de

pa pel. Nes te mo

mento

do trabalho, os

alu

nos

não sabem absolut amente nada do

qu

e far emos, nem o qu e

esse te rrit

ór i

o

signific

a. Cada um dese

nh

a seu

bu f

ão como

ima

gin

a, e, em seguida , o rga nizo um a

leitura

comentad a

dos desenho s. Iden t if ico rap idamen te os que têm um a visão

 cultural da coisa : pequenos guizos nas pontas dos chapéus

cônicos lembranças carnavalescas. . . Há , aind a, os que se en

caminham para a loucura com cabelos er içados

.. .

E

mbora

con servados , esses de

senh

os não são u tilizados.Eu os devolvo

aos al unos no

fim

do pe rcurso, c

om

o um elem en to de refle

xão pessoal. Sem com en t

ár

io .

Em

seguida, eles têm de criar, co

rp

ora

lmen

te ,seu bufão. Tra

zem

os tecidos,

enchimentos

ro upas, objetos, faixas, cordões, e

cada um tenta livremente inventar seu corpo de bufão. Juntos,

procuramo

s os movimentos

que

os animam. Os que têm as ná

degas

gordas

dive rtem -se fazen do-as

balança

r, ou tro s brincam

com

seus longos rabos, ou se coçam

co m

suas unhas desmesura

das. Nessa fase do trabalho, in sisto

pa

ra que os figurinos nunca

sejam definitivos, nem

muito

elaborados.   impor t

an

te

qu e

se

jam

provisórios, relativamente sumários descartáveis, e

qu e

pos-

sam

evoluir

na

pesquisa antes

de, eventualmente, cumprir

seu

objetivo e chegar a

um

a forma mais definitiva.

Ninguém é

mais

criança

do

qu e um bufão ne m

mais

bufão do

que

um a

criança.  

po r isso qu e , paralelamente

187

ao

trabalho

c

om

o co

rp

o de

cada

um

en

c

aminham

os

pela

improvisação um a fase

preparat

ór ia à dimensão bufonesca 

c

om

o

tema A I

 

ância

Ten t

amos reencontrar

a infância po r

diferentes

abordagens

.

Um pr imei

ro

tema

propos to é o

da

pr aça onde as crianças

proferir elucubrações  sempre de modo r

itual

muito organi

za

do

. Ne sse

caso

os próprios at

ore

s

o s

abem

o que fazem 

mas

o f

aze

m Esses ri to s

o prov

oc

am n

enhum conflito po i

s

não existe rivalidade en tre bu f

õe

s.

Nunca

um en tre eles ficar á

com raiva do outro. Es

o n um a hierarquia muito organiza

da

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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brincam

nu ma caixa de areia  de polícia e ladrão de

pega

-p ega .. .

Buscamos todos

os

comportament

os

possíveis

nessa

situaçã

o: a

brincadeira

  a

maldade

  a te

rnur

a a

briga

  a p osse

o riso. Não se trata

de

represen

ta r

exteriormente

personagens

in

fanti

s n em de mergulhar na

in f

antilidade mas de reencon

trar o estado de

infância

su a

sol

idão su as exigências suas

pulsões  sua

busca

de regras todos

elemen

to s

qu e

  na

obra

vão est ar na

dimensã

o bufonesca.

Em

seguida

proponho que as c ri anças representem os

adultos  

Eles brincam de p p i

e

m mãe

brincam

de

avião

ma s

p

odem também brinca

r

de gu erra um pouco como

fa

ziam as crianças do Líbano

co m

as metralhadoras de madei-

ra.

Depois disto invert

o a

proposta

 

sugerindo que

os

  dultos

brinquem

como as crianças 

Os guardas de fronteira: cada um

de um lad o de um a corda posta no chão - quem p

isar

na co r

da t em

de arrumá-la etc.

Muito

rapidamente descobrimos

que

essa

brincadeira denuncia muito

fo r

temen

te o gosto

da

posse

e do poder sobre o Outro.

Em seus rituais os bufões

nã o

invocam o céu

cospem

nele Eles

chamam

as forças da terra. Estão

d o la do d o

diabo

no

nadir.

Saindo da terra assumem forma humana . Inven

ta m

ritos

qu e

lhes

pertencem totalmente

incompreensíveis

para

os

profanos que somos

.

Cump

re m estranhas procissões

cerimônias particulares desfiles com tambores. Um bando de

bufões pode começar a

bate r com

o pé a dançar a cantar a

 

e ace

it

a. H á os que

bate m

e os

qu

e

ap anham

. E est á

tu d

o

be

m .

Os qu e devem

apanha

r pedem mais g

ostam

disso

. Cad a um

sustenta e ac

eita su

a

po s

ão

na

s

oci

e

dade

dos

bu f

õe

s

qu

e é 

para

eles a so cie

d ad e i d

eal. Log icam

en t

e essa soci

edade

é a

n ossa

Os

bu

fões se

mpr

e v

êm

diante do p úblico

para

re

pr

esenta r

a sociedade.A pa rtir daí tod os os temas são p ossíveis: a guer-

ra

a televisão o Con selho de Min istros ou

qu a

lquer outro

evento da atualidade

font

es

in

esg

ot á

veis de

in

spiração e de

in ter pretação. Às vezes

fantasi

am

 se

de personagens de no ssa

s

ociedade:

põe m um quepe um a roupa religiosa e se aven tu

r

am

a

representar

esses

personagens

.

Ma s

o

fazem

à

sua

ma

neira voltando sempre ao bufão inicial que sempre se

diverte

com o personagem que representa. Se decidem representar o

sindicalismo nunca

entrarã

o na ps icologia

de

ta l ou ta l per

so

nagem conhecid

o

como

o f ar iam os

cômicos da

televisão 

mas representarão de modo provocativo. Farão

um a

mani

festação   co m eles

mesm

os

passand

o

alternadamente ora

do

lad o dos manifestantes  or a do lad o

dos

po liciais apenas p

or

prazer.

O

trabalho

dos buf õe s e st á l igado a um espírito de brin

cadeira

adaptável

a

diferen

tes

situaç

ões.

Tud

o

aqui

está

na

maneira

de fazer no texto proposto n o nível

da

interpreta

ção. Os alun os escrevem

seu

s te

xt

os

numa

outra lógica. Se

  9

ab ordam uma situação, os bufões vão de formá-la, torcê-la,

colocá-la

em jogo

de

modo

não

ha b

itual. Num texto,

apenas

pelo prazer, poderão repetir dez vezes a mesma palavra, avan

ç

ar

, recuar. Eles vão  ufoniz r a situação.

Estam

os no puro

reino

da

loucura organizada

t

r gé

i

O

CORO

E O

HE R

Ó I

A

tragédia

é o ma i

or

territó

ri

o dramático e o maior

teatro

qu

e est á para ser fei to. Na

Escola

, nós a abo rdamos a partir

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Como

ocorre

no

segundo

an o

todo, esse

trabalho explora

um

terri

tório completamente desconhecido. As referências,

quando

existem,

vêm

dep

ois. Se às vezes

pudemos

dizer

 Ta

l

interpretação faz pensa r em Jerônimo Bosch, no s mistérios

da Idade

Média, no carnaval. .. ': essas referências nunca es-

tive ram em ment e n o começo dessa aventura . O que hoje sei

dos bufões descobri

na

prática

do cor po em

movimento, na

impro

visação

, e

nã o

nos livros n em em

uma trad

ição que nos

di ta ri a não sei que t ipo de savoir faire 

Os

bufões, po r nature

za, impõem

urna

pedagogia da

criação.

Ao f im des sa exploração, algumas questões ficam,

ainda

hoje, sem resposta.

Os

bufões

podem

ser autossuficientes?

Podem, sozinhos, const i tuir um espetáculo? Ou funcionam

paralelamente à

tragédia? Podem

intervir na

tragédia?

E,

inver

samente, até que ponto a tragédia pode

intervir

no

território

dos bufões? Para tentar respo

nder

a essas questões

proponho

abordar sucessivamente os bufões e depo is a tragédia, antes

de tentar todas as misturas possíveis. Tenho a lembrança, ex-

traordinária,

de um bando de

bufões

que, como servidores,

t raziam em seu s ombros

um

coro trágico,

punham-no

diante

de um

público

e depois

desapareciam

. O coro, então, entabu

lava

um

texto

de

tragédia grega. Visão sublime

9

de

descobertas que

eu

havia feito

sobre

o co ro, em Si

racu

sa, e

que

aplicamos principalmente

numa

perspectiva pedagógica.

Longe de

um a

abordagem

histórica

da

tragéd

ia an tiga, de

seu

s

sup

ostos códigos, procuramos reinventar o

qu

e po de ser

um a

tragédia

nos dias

de

hoje.

O

território

trágico

permance

um a grande

in

te rrogação

acerca

da

relação com os deuses, com o

dest

ino, com a trans-

cendência.

Algo

bem diverso de

um a

questão de

seita

ou de

rel igião Hoje, quando se encontram maravi lhados

diante

do cosmos, os homens de ciência estão bem mais próximos

dessas

questões

. Estão

diante de um mistéri

o

que

leva o ho -

mem par a a lém de si mesmo . Fundamentalmente, a mesma

pesquisa está

na

origem

do

território

da

tragédia

e

de

su a

aproximação com os bufões. Como os deuses nos

dias

de hoje

desapareceram,

os

bufões

ocuparam seus lugares e os

substi

-

tuíram. Esperamos que eles queiram ir embora um

dia,

para

da r

lugar

a um a

outra

coisa: a inserção

do

homem, ao mesmo

tempo,

na sociedade e no cosmos,

sem

conflito . . . Artistas e

cientistas

estão aí para levar adiante essa missão

Para os alunos, a

grande

experiência

da

tragédia é a

desco

-

berta

dos

laços . Eles

descobrem

o

que verdadeiramente

signi -

fica

  estarem

ligados ,

ao

mesmo tempo

junt

os

e

num

espaço

.

Falar po r

me

io da

boca

do out ro , n a voz

comum do

coro, é

estar

totalmente

e ao mesmo tempo ancora do na realidade

 9  

de um persona

gem

vivo e experimentar um a d

im

ensão qu e

tr an sce nd e o ser humano Tod o o tr abalho do ato r co nsiste

em estabelecer um a ligação

entre

esses dois polos

aparen

te -

m en te con tra

di

tór ios entre os

qu

ais ele po de f icar di

vidid

o

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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o

  oro trági o 

Dois elementos p rincipais estruturam o territór io da tr a -

gédia: o

coro

e o herói.

Um

coro

entra

em cena

ao

som

de

percussões que dão

ritmoaocoeti-

vo Ele ocupa todo o espa

ço

depois sepostdone

numa

parte dopalco

fazendo isso  elelibera um

novo espaço

e

cria uma

espécie de

chamado

aoherói Mas

quem pod

e vir a ocupar esse espaço?

Qual equilíbrio se

pode

encontrar hoje

em

dia  entreum

coro

e umherói

A fi m de no s prepararmos para a exper iênc ia do coro e

do

herói  conduzimos um trabalho

preliminar

co m as multi-

dões e os

oradores.

A

multidão

é tratada

po r meio

de

impro

-

visação  O primeiro tema proposto consiste em representar o

Hyde

Park

  o

parque londrino onde

 

todo

domingo pessoas

sobem nu m

estrado

e tentam ch am a r a

atenção

dos transeun -

tes e apresentar lhes um discu rso 

Imaginamos uma grande praça onde todo

mundo

passea e pedimos

a um aluno que chame a

atenção

dos outros  deto

das

as mane ras

possíveis Q

uando

ele

consegue

  temde

convence

r da

importã

ncia do

assunto polêm icosobre o qualeledefende umponto devistaem que

acredita:

favorá

ve ou

não

ao aborto  

imigraçã

o energa

nuclea

r A

natureza do d

iscurso importa menos

do que a

capac

i

dade

doator de

cap

tar

se

u públi

co

193

Insisto para

que

os alunos verdadeiramente interpretem

conscientes

de qu e

defendem um pon to de vista não neces

sariamente

seu.

Essa distância

me parece

essencial: vale

mais

na interpretação ser favorável à p en a d e mor te q uand o se é

pessoalmente

contra

ou vice-versa Notemos que às vezes,

essa

improvisação

é

também um momento

de

verdade para

o

noi te de

Natal interpretado po r um ator

a lemão d iant e de

um a mult idão em continência com suásticas

nos

braços. In

terpretação

um pouco difícil

de suportar . Outra lembrança:

 Catalunha livre , sermão pela

independência

da Catalunha

lançado

a part ir do

terraço

da Escola, com os

transeuntes

ajuntando-se para

compor a

multidão que escuta

.. .

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próprio ator: assim que o público se entedia ele

vai

embora.

Num segundo momento esse

exercício

é complementado

pela

entrada de um segundo

personagem que

vem se

opor

ao

primeiro proferindo

argumentos

contrários.

Constituem -se

,

então

dois grupos cada

um

à escuta de um dos

oradores

:

eles

começam

a fo rmar as premissas

do

coro. Determino fi

nalmente

um

 m aestro ,

um

diretor improvisado exterior à

interpretação que ajuste

o

t odo da

improvisação e

ponha or

dem

nessa grande

confusão dê a palavra alternativamente a

um e outro orador também à

multidão

e assegure assim a

organização

rítimica

da

interpretação .

o texto trágico não se improvisa.

Ele

pede

um a

escrita.

Para dar voz aos

oradores

abandonamos

então a improvisa

ção

e chamamos os grandes textos

da

vida pública: o discurso

de Angela Davis; os textos de André Malraux

po r

ocasião da

mudança das

cinzas

de Jean Moulin

ao Panteão;

ou

Charles

de Gaulle proferindo

 Viva

o

Québec

livre , em Montreal; o

de Martin Luther King . . . enfim to d os os grandes discursos

que

carregaram

multidões . O ator

que

vai dizer o texto re

constitui com os

outros

alunos o local e o

ambiente

onde ele

foi

pronunciado

.

Organiza

a encenação no

espaço

da

Escola,

e

interpre ta a situação.

Tivemos

com essa proposta

alguns

momentos memoráveis: o

di s

curso de Hitler

aos

SS,

numa

194

Por meio

dessas

experiências os alunos experimentaram

o nível

emocional

que r eú ne

multidão

orador e

texto.

O

orador

anuncia

o herói; e a

massa

a

humanidade

do

coro.

A

passagem da mult idão ao coro

significa um

salto no

nível

de

interpretação o mesmo

salto

se

opera

entre a interpretação

psicológica e a

interpretação

com máscara. O coro trágico é

um a multidão levada ao

nível

da máscara.

Como o coro está

sempre

reagindo a

um

evento

ou

a uma

palavra fazemos um trabalho

preparatório

que

trata

do

coro

re tivo

Um grupo de

alunos

recebe

a inst rução de

fazer

o

público entender o que ele está vendo unicamente

po r

suas

reações a um evento: um jogo de futebol um filme,

um a

tou

rada . ..

Um

grupo deespectadores os camarotes de

um

teatro depalco italia-

no

assiste

auma

encenação

A

cortina se

levanta opalco se ilumina  o

espetáculo

começa Chega a

grande

cena deamor

entre

Romeu e

Julie-

ta s reações

dos

espectadores

são

suficientespara

nos

fazer imaginar

o

que

está

acontecendo

em cena: um

olhar mais atento

no levantar da

cortina

uma aproximação sensivel

de dois

atores

ao reencontro dos

amantes um

leve

movimento de

rosto

 

Vários personagens e situações devem chegar até

nó s

po r

meio

do coro re tivo 

Um

procedimento

difícil e deli

cado pois

195

nã o basta

apenas ver

a coisa e,

men os a in

da,  

panto

rn

imá

-Ia ,

mas é

precis

o,

também encontrar

a linguagem pa ra qu e o pú

blico

perce

ba a

dinâmica

e a

emoção

do qu e

está acontecendo.

Para que isso convença, t

od

os os meios

são vál idos especial

mente

a linguagem

analógica

que

chamamos

de dupl im -

gem

Nesse caso um a

imagem aparece paralelamente

a

um a

bl

oco estáti

co.

Cinco

a

partir daí começa

a ha

ver

movimento

mas cada um se encontra indiv idualizado . Seis, não se pod e

ma

is perd

er

te

mp

o, é

pr

eciso repar ti r em do is par a fa

zer

du

as

vezes três.

Set

e é um núme ro interess

an

te: um c

orife

u pod e

s

urg

ir, acompa

nhado

p

or

dois m eio-co

ros

de três. O

ito

é um

núm

ero d uplamente m assivo.

Com

nove co meça a m ultidã o :

 

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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outra: um

lenço

cai no

palco

. . . o

programa

de

um

espectador

também

  O

que acontece

n os camar

otes

é

análog

o à

situaçã

o

no palco

c

om

uma

grande suti

leza.

O coro é o elemento essencial

que sozinho

permite o

sur

gimento de

um verdadeiro espaço trágico. Um coro nã

o é

geo

métrico;

ele é

orgânico. Como um

corpo coletivo,

possui

um

centro de gra

vidade pr

olo ngamentos, um a

respiraçã

o.  

um

tipo

de célula

que pode assumir formas

diferentes

segundo

a

situação

em que se encontra. Ele pode

ser

o

mensageiro

de con

trad

ições,

seus

membros podem às vezes,

opor

-se

entre

si, em

subgrupos , ou ao contrário unir-se para juntos

dirigirem-se

ao público . Não

consigo

imaginar um a tragédia sem coro.Mas

como

reunir

esses

personagens? Como

fazer

viver

esse corpo

coletivo? Como fazê

-lo respirar

movimentar-se como

um

or

ganismo

vivo,

evitando

a

coreografia estetizan

te

ou

a

geometria

militar?

Elemento dos mais

importantes de

minha pedagogia

o

coro

constitui

para

aqueles

qu e

dele

participaram a mais

bela

e

emocionante

das

experiências

teatrais.

O

coro constitui-se

de

um

grupo de

sete

ou quinze pessoas.

Esses

números são precisos pois cada

número

traz

em

si

um a

dinâmica específica. Uma pessoa é a

solidão

. Duas correspon

dem

a

alguém

e

seu opos

to . Três

são uma unidade. Quatro um

196

um a companhia de

nove

pessoas parte em todas as d ireções.

Dez

é a

dez

e

na

. . .

até

doze

a de zena  Em treze, o c

or

o c

om

eça

a n ascer. Quatorze é um núm ero   inamovível sempre falta al

gu

ém.

Quinz e, c

om

o

no rugby  

é o n

úmero

ideal:

um

corifeu ,

dois

me io-cor

os de sete, q

ue

des

i

gn

am

do

is subcorifeus e m ovi

mentos mar avilhosos qu e se torn am possíveis.

Pa r

a além di sso,

é a

invas

ão,

inevit

avelm

ente

mili

ta r . Par a de scobrir e co

ns t

atar

essas evidências,

proponho

um exe

rcício

si

mples.

Um

grupo

deal

unos ocupa

t

odo

o

espa

çodasalaandand

o o

sinal.eles

se reúnem a dois

três cinco

.   t etc

Ju

nt o

s,

obser

vam

os c

om

o

ch

eg

am

a

or

ga

nizar

-s e e como ,

em

seguida

esses

grupos podem

,

ou não

, ser pos

tos

em m o

vimen

to. Outro ti p

o de exercício:

Um coro se movimen ta sem

qu e se saiba quem o di rige

A

regr

a i

nterna

, qu e o

públ

ico

o

conhece

mas que os alunos

descobrem

é

que aq

uele que d i

rige

é n

ecessariame

n te o qu e é vis

to

p or t

od

os os ou

tros.

Ou

ainda: Fazer o coro respirar alarga ndo ao máx imo as distâncias

entre seus  ompon

en t

es 

Para além de

um a

ce

rta

distância , o

coro nã o existe, ele

explode

. Eis o limite da r

up tu ra

, tã o caro

aos arquitetos .

Na

interpretação

trágica

o

cor

o

prevê aconselha toma

as

dores está

presente mas nunca se compromete

com

a

ação.

197

Lembremos

que

o co ro

grego

original nã o

estava no

mesmo

plano

que os atores.

Apresentava-se

em outro

espaço

e,

rea

gindo, fazia a relação

entre

o público e os heróis. Na tragédia

grega, aliás, nunca vemos os embates: o coro apenas

reage

a

histórias, fatos. A

grande

lei do

coro

trágico é a

de nunca

ficar

do lado da ação, mas sempre no da

reação.

O coro é,

afinal

,

mas com o elemen to de referê

nc

ia par a to da a constitu ição es

pacial de um gr upo. O co ro é a ordem do movimento.

o EQUILÍBRI O

DO PRA

TI CÁVE L

O

nascime

nto do coro começa com um dos m ais be los

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marcado pela

sabedoria. Sempre se fala

do

coro dos

velhos

mas não são necessariamente velhos personagens arcados so

bre

suas bengalas, os

sábios

são os mensageiros simbólicos de

uma sabedoria imemorial. No co

meço

, o

coro

não é

mi

sto,

tr abalhamos separadamente o coro dos homens e o d as m u

lheres. Os

mais

be lo s coros são

sempre

os

das mu

lheres,

po

is

elas têm um profundo sen t ido de coesão e de solidariedade .

Elas são a garantia do essencial.

Os movimentos dramát

icos

de

um

co ro podem s er d e

term inados

por sentimentos

ou

apoiar

-se no s

movimentos

trágicos

da

natureza. As

matérias

especialmente

oferecem

uma

linguagem

trágica

que pode

ser utilizada

.

Uma pedri

nha de açúcar

que

se desmancha um papel

qu e

é amassa

do

um papelão que se dobra um pedaço de madeira que se

rompe um

tecido

qu e

rasga . . .

são

alguns dos

muitos

movi

mentos profundamente

trág

icos

. A partir daí é interessante

dissolver

um coro trágico, amassá-lo

ou

rasgá-l o .

Reinves

timos

aqui po r ana logia tod o o t rabalho desenvol

vi

do no

pr imeiro ano co m as identificações das mat

ér i

as.

O gran

de

risco é c

hegar

a

um

co ro

mi

lita r izado organi

zado dema

is, l impo , cla

ro

,

em que

to d

o

mun

do anda

ju

nt

o,

porém sem vida . Os diretores,

em

geral, gos t am m

uito

desse

trabalho n ão

apenas para

pô r

um

cor o

em

seus espetáculos,

198

exercícios invent

ados na Escola: O

 qu líbrio do p r ticável

Tra ta -se

de

um

jo g

o

basead

o no equ ilíbrio e desequilíbrio

de

um

pratic

ável,

po

st

o

em

m o

viment

o pelo

de

sl

ocamen

to

dos atores.

Um

praticável

de

fo rm a re ta ngular é d

elim

it

ado

por bancos

de

2 metros de comprimento. Dez bancos dois

par a

cad

a largura, três para cada com p rimento) envolvem o

espaço, sobre os quais vêm sentar-se os par ticipan tes . O es

pa ço de jogo deve ser ob rigatoriamen te um re tângulo e n ão

um círculo, p

ois

o círculo só pe rm it e um único m ovimento

verdadeiro: rodar A arquitetura da Maison de la Radio de

Paris

prova isso ) Ou , então, surge um a atmos

fera

ri tualísti

ca , com um

fogo

no centro e to dos que o cerc am

pa

rticipa

m.

  po r

isso

que

o te a

tr o

é d if íc il de s

er

rep resentado em um a

arena. A pista do circo é feita

pa r

a cavalos e não par a

pe

r

sonagens

, não

permitindo

nenhuma di nâm ica . O ret ângulo,

inversamente permite todos os grandes caminhos d in âmi cos,

as

retas

as pa ralelas, as diagonais, que

lib

eram e estr uturam

múltiplas possib ilidades dramáticas.

Esse praticável

reta

ngular é

imag

inado em equilíbrio so

br e um

eixo

central. Um ator,

sozinho

, qu e t om a um

lug

ar

na p arte central, conserva o

praticá

vel em equilíbrio . Se ele se

posic

ionar

fora dessa

parte

põ e

o

praticável

em

desequ

i

líb

rio,

fazend o com que se incline.   preciso, en tão que um

segun

do ator intervenha para restabelecer o

equi

líbrio escolhendo

199

um l

ug

ar favor ável

em

fu n ção do primeiro. Os

jo

ga

do r

es, no

começo

estão repartidos em tor no do

praticá

vel, e c

onsidera

se

que apesar de suas

diferenças

todos têm o

mesm

o

pes

o e

valor. Não vamos

interpretar

um a historieta

de um

praticá-

vel re alista em movimento mas buscaremos te r a sensação

de

plenitude

e de vazio, sensação

sentida

ao mesmo tempo

Um a vez bem compreendida

essa

reg r a , o que deman da

um longo te

mpo

de experime

ntaçã

o, podemos m

odific

ar o

esp aço, aumentan do o praticável  40 centím

etro

s sup lemen-

tares e

nt

re os b

anc

os ). Mas , s

obretudo

pod em os nos ocupar

com a

qualidade do

j

ogo

e

tr

a

ba

lhar as noções de te  o e de

esp ço

Entre o público e os jog

ad

ores, instala-se um a relação

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po r aqueles

que

estão

no pr a

ticá

vel e po r

aqueles que ficam

sentad

os nos bancos.

1=

Uma primeira regra servedebase.Oprati ável estávazio. levanta-52

e

toma uma posição

no

ce

ntro

 que

nãoéo

ponto preciso

delnterssc

ção

das diagonas. mas um pequeno território vivo. no qual ele

pode

deslocar -sesemprovocar inclinação).  esquenta  oespaço

para

que

ele

comece

aexistir;

depo

i

s

qu

ando

o

tempo

lhe

parece

adequado.de

cide

d

esloc

ar-se.

causan

doumdesequilíbrio dopraticável. entào.

levanta

-see

toma

umlugar nopraticável

para

reequilibrá -Io A partir

deste

momento.

o jogo é

dese

n

cadeado

e é que vai conduzr: ele

se desloca paradiferentes Jugares.

seg

uindoritmos

pessoa

is e. a cada

vez. A deve restabelecer o

equ

ilíbrio. também

mudando

deposição.

Qu

ando

se faznecessário. A  d

ecide

nãomas responder ao

deseq

ui

líbriode o queprovoca um

nov

o desequilíbrio dopraticáve l. cha

mando a ent

rada

de  t sse te

rcei

rojog

ador

ter

na-se

. então. o novo

condutor dojogo.  A  e reagem a

seus movimen

tos para manter

o

equilíbrio.

atéque decidam. por

sua vez.

juntos.

mas

sem

combina

ção.

nàomais

fazê

-lo.  les

provocam. então.

umnovodesequilíbrio que

leva

à entrada

de

um quarto

jogador. etc.Ojogo sepro

onga. assim.

co

m um

número

c

rescente

de

atore

s. que

restabe

lecem

s

parar o

desequilíb rio

provocado

por aquee

que

conduz

.

quand

oosoutrosnão

respondem mais.

200

secreta , que

o é feita de nenhuma relação direta

ma

s de um a

pr e

sença

com

um

no

espaço . Sentados nos bancos, os partici

p

an

tes

sen

tem

pe r

feit

amente

se o t

emp

o e o espaço

represe

n

tados são justos, eles   sabem se est á longo ou curto demais, se

os lugares tomados são bons . O público é o depositári o desse

sab

er

e,

apenas

com

sua presença

, ajuda os jog

ad

ores a m an ter

os tem pos justos. Ele vê os erro s daquele que que r entrar n o

p raticável, mas nã o há lugar par a ele . Esses err os são, aliás, n e

cess

ár i

os e

devem

ser aceitos , para

que

o j

og

o continue, pois

as d istâncias e os tempos

não

são geométricos.

Constatamos que os atores t

omam

instint

ivamente lu

gares que se situam numa

geometr ia element

ar, ligada a um

número.

Em

três

eles tendem a

formar um

tr iângulo equilá

tero; em

quatro

um

quadrado;

em cinco

um círculo.

Essas

posições já

observadas

nas improvisações psicológicas silen-

ciosas, não permi tem nenhuma situação

dramática

represen-

tável. Elas só podem ser justificadas p or um ritual

que

tenda

ao monumental.

Da í

a pesquisa

de

uma repartição diferente

dos

lugares

com

ritmos capazes

de

fazer viver situações

dr a

máticas. Um a to r pesa mais na periferia do praticável

do

que

no centro

da í

a necessidade de

um a

distribuição diversificada

dos lugares

para

equilibrá

-lo.

Estar progressivamente de acor

do com o tempo com o espaço e com os outros ta l é a aposta

desse jogo.

201

Fazemos acontecer,

depois

, diversas ações

dramáticas,

em

função dos lugare s tomado s pelos atores. A relação de espaço

entre eles decide a situação. A palavra pode intervir em certos

momentos de imob il

id

ad e dos atores . O jogo entre os atores

pode ser d ireto se permanecerem unidos pelos olhares, ou

indiret

o se seus

olhare

s se dir igi rem

pa r

a fora. Fazend o isso,

d a p arte de cad a um , uma gr an d e sensibilidade em rel

açã

o

aos

outros

. Vemos frequentemente dois pretenden tes a co r i

feu ficarem

diante

do

he

rói: um est á

sobrando

o

equilíbr io do

pra

ticável

pe

de

u

ma

concent ração extre

ma

;

a

duração

do exercício não pode u

ltr

apassar um a hora

po r

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realiza

mo

s a

encenaçã

o

de

um a peça não e

scrita

. O

equ

ilibrio

do

pratic

ável

é o ex

er

cício

de

todas as

encen

ações.

1=1+

J...

Um

a

seg

unda regra. vinda da primera, permte o nascimento, diane

doherói.deumcoro ede

seu

corifeu .

Na primeira regra

, cada atortem

o mesmo

peso

(l

=l

na segunda. o ator queentra é equilibrado pelo

peso det

odos

osoutros  1

=

+...). O

começo

dojogo é o

mesmo

A

entra no

pra

tic

áve

l.

depoi

s fazentrar B , queconduz. A 

decide

,

em

se

guida

. f

azer

com queentre

 

e, neste

mom

ento,a regram

uda

. Uma

vez

encontrad

o seu ponto de equilíbrio,

  es

pera que A e 8 se

reúnam

num

ponto deequilibr io. Apartir deste instante, A mas 8

têmjuntoso me

smo

pesoque

C .

Ca

daator que entraem

se

quênca

prov

oca

o reagrup

am

ento det odos aqueesquejá

se enco

ntram no

palco. até omomentoemqueo oitavoqueentrarconduziráumgrupo

desete. Ee

se

ráoprimeroh

erói

diantedoprimeiro coro.

Quando

quiser, o

herói

deixa-se cair no chão, dando as

sim o sinal

da

explosão do coro. Então, seis atores se

retiram

do espaço, para deixar um , im óvel, diante do herói: o corifeu

terá sido,

assim,

deixado pelo coro; exclusivamente ele terá o

direito de falar em nome de todos. Insisto no

fato

de q ue o

corifeu

é

escolhido pelos outros,

quando

se

reti ram: não

é ele

quem, destacando

-se, decide

sua

função. Este

momento pre

ciso do exercício é

particularmente

difícil de realizar e solicita,

202

seção.

Numer

osas

va

riantes po dem se r imaginadas, com di

fer entes estilos de jogos,

pode

ndo ir

de

um realism o ma is c

o-

tidiano até um a tr ansposição c

om

máscaras.

Alg

un s desvios,

regul arm ent e, cha

ma

m a minha atenção: aqu ele que gu ia

no luga r do out ro ':

 aquele que ro uba a en trada do outro ,

 aquele

que

f

alsament

e a

credita

e

star

no bom lug

ar

 : aqu ele

q

ue

não aceit a ced

er

o seu l

ug

ar' :   aquele

qu e

não sen te

que

O

tempo passa':   aquele que hesita e perde o l

ug

ar  :

aq

uele

que, ao con trário, en tra no palco e

mbor

a

o haja

lugar

p

ara

ele   .   C ad a um desses desvios provoca um err o

mín

i

mo

e

qu eb r a o jogo.

Tive a opo r tu nid a de d e aplicar esse trabalho do co ro em

vár

ias circunstâncias,especia

lmente com

Jean Vilar,

no

Teatro

N

aci

onal Popular, quando ele representava o cori

feu

do coro

de

A

nt

ígona

Como eu colaborasse com a encenação,Vilar me

perguntou

on de

de

via se p

osicionar

e sugeri

qu e

ficasse

no

fu nd o do palco,

escondido

no coro, para

surgir

com força só

quando o coro fosse embo ra. Fiz uma coisa

semelhante na

Itália no

t ea tro de

revista   uem

está

em

cena?

quando

toda

a

companhia , umas sessenta pessoas, representava na

primei-

ra cena

um a

festa

popular em

Roma

,

com

seus cantos

e

suas

danças. De repente, a sirene de aler ta

soava,

como em Roma

cidad

e aberta 

de Rossellin i, e a multidão ia embora, para dar

203

lugar, no m eio do palco, à

grand

e A

na Ma

gn ani, imóvel

em

sua pe quen a saia

pret

a ,

ca

ntando um a canç ão do Trastevere,

popular bairro

de

Roma. Bel as

lembranças

Na tragédia , d iante

da

lei divina,

do

destino ,

os homen

s

não

são responsáveis po r seus atos,

estão

nas mãos

do s

deuses,

preencher o espaço deixado pelo vazio da solidão. Havíamos

entreabe r to um a porta.

A N

ECESSIDAD

E

DO S

TEXTOS

A

di

m en s

ão

trágica é abo r da da a

pa r

ti r d e textos ant igos

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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que tu d

o conduzem. As

paixões humanas,

o gosto

pelo poder

,

o ódio, o am or, o ciúme . . . vêm desafiar as vontades d ivinas e

conduzem os he róis à morte. O povo, sempre presente, assiste

a e sse s eventos e

tece

comentários. Se,

no

caso

do

coro, foi po s

sível fazê-lo

re

nascer, a questão do he rói revelou-se muito mais

delicada. A

part

ir do m

omento

em qu e

o se desejava ficar

c

om

os modelos antigos,

qu e havia um a recusa

ao

herói mo

n

umen

tal que nos impõe um a

cert

a imagem da tragédia,

qu

al

pe

rson

agem suficientemente

forte po d

ia

opo

r-se, hoje

em

dia,

a

um coro em

movimento?

Qual poderia ser

o herói de nos so

tem po? Essa busca

em

direção a

uma humanidade

do persona

g

em

lev

ou -no

s,

durante vinte

anos,

a

múltiplas

pesquisas

.

Paradoxalmente, foi o

melodrama que

fez surgir o

heró

i

moderno.

O

homem

de todos

os dias, qu e vive

sozinho em

su a casa, na

vida cot idiana

mais simples, tornou-se

o

herói

 o

anti-herói ) do coro trágico. Os

alunos sentiram

necessidade

de apoiar

esse personagem

com um , em um coro

no

qual se

misturavam igualmente

alguns

bufões. O

pe

rsonagem

nã o

v ia o s que o ci rcundavam, mas ele era apoiado, aconselhado

pelo

coro

que

o

ajudava, falava com

ele, expressava suas vo

zes

interiores.

Co m

esse

anti-herói melodramá

tico

,

apareceu

o grande

tema

da

solidão,

que une

profundamen

te

melodra

ma

e tragédia. O coro, de

uma

maneira

muito humana , v inha

204

 

ou m odernos e

nã o

apenas

de

text os escrito s e

sp

ecific

amen

te

pa r

a coros, mas t

am

bém de

outr

os te

xt

os

qu e

nos a ju

da m

a

at i

ngir

um

a

dime nsão

excepci

onal de

exp

ressão. U tilizo, lo

gicame

nt

e, os

gr

andes

textos

gregos , Ésquilo,

Eurípedes,

f

ocle

s, e

também

Racine ou , m ais

pr

ó

xím

os de n ós ,

Antonin

Ar taud,

Bo

th

o S

traus

s, M ichel Azama, Steve n Ber

ko

ff. Utili

zo também o

magnífico texto

de um a t

ragédi

a da n at ur eza,

escrito por Leonardo da Vinci p ar a descreve r a

di n

âmica

do

d i

vio,

an tes de pint

á-lo (v

er página

seg

uinte).

Nosso objetivo nã o é o de chegar a uma encenação com

pleta, mas

de concentrarmo

-nos

na

constituição

do

coro e no

c

om p rometiment

o do

corpo

e d a v

oz. Entramos

nes

ses

tex

t

os pe l

o

corpo. Sem

nunca

passar

p or um

trabalh

o de

me

sa :

tomamos os caminhos da m mo nâmic Como havíam

os

feito

com

a música e

com

a pintura, agor a são os

text

os qu e

são explorados. Pedimos aos atores

para

buscar

um a

ade

rência corporal ao texto, a suas

imagens,

su as palavras , su as

dinâmicas, a

partir

do

movimento

. Aderênc ia

o é

anál

ise

ou interpretação do

texto. A interpretação deste

consiste em

esclarecê

-l o

segundo

várias facetas:

em

função

d a é po ca

e

do

contexto,

pode

-se insistir

na

faceta social, psicológica ou

moral.

Essa

escolha

será

de

responsabilidade do direto r. Meu

procedimento pedagógico preserva

-se

de qualquer interp

re

tação textual e respeita a constante

da s

dinâm

icas

internas do

texto, sem

tomada

de posição

  priori

205

Oh Que rumores assustadores escutam-se no ar obscu

ro

rasgado

pelo furor

do

trovão e pelas

fulgurâncias

de

seus trem

ores,

e que devastam e passam, abatendo tud o

o que está

na

sua frente Oh Quantos destes

você

viu

tampa

r seus ouvidos com suas mã os para não escutar

o imenso rumor que enche o ar tenebroso do furor dos

ventos

misturados à c huva , e aos t rovões celes tes e ao

Num p rime ir o

momento,

gesti

culamos

o text o fa

land

o -o,

sem

p re ocupação com a con str u ção. O s

gest

os qu e su

rgem

sã o

heter

óc l

itos. Esse tr aba lh o d e base serve pa ra liberar o texto no

co rp o, p ara qu e

este

ú l timo não c

onsti

tu a

um

obstáculo. Uma

vez aprendido o te

xt

o ,

afirmamos

a géstica d inâm ica, qu e se rá

da da sozinha, em si lênci o. Pouco a pouco, nasce um a estrutur a

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206

furor dos raios Outros não se limitam a

fechar

os

olhos,

ma s põem suas mãos sobrepostas e as

apertam

para não

ver o cruel destino que a có le ra de Deus faz à espécie

humana.

Oh

Que desespero, e quantos loucos se pre

cipitam

do

alto

dos

rochedos Veem-se os ramos de um

grande carvalho

carregados

de homens levados ao ar

pela impetuosidade

do

vento.

Seja quantas forem, as

barcas

estã o viradas, umas total

mente,outras em pedaços, sobrepessoas que se

esforçam

por sua salvação,

com

atitudes e mo

vimentos

dolorosos ,

sentindo a morte ameaçadora. Ou tros, desesperados,

se

suicidam,

não podendo suportar tal angústia; uns

jogam-se dos rochedos, outros estrangulam-se

com

as

próprias

mãos; outros,

tomando seus filhos rapidamente,

jogam-nos

do

aterro;

outros batem-se

com

suas

armas,

matando-se a si próprios; outros, caem de joelhos, supli

cando a Deus.

Oh Quantas mães

choram

seus filhos

afogados

, que elas

sustentam em seus

joelhos,

erguendo seus braçosabertos

em direção ao céu e com o berro de uma voz que amal

diçoa a

cólera

divina;

outros, mãos

juntas e crispadas,

mordem -se com um

dente

cruel

como

se se

devorassem,

ou

rezam suplicantes, esmagados por uma

imensa

e in

suportável dor.

Leon

ardo da Vinci , Le déluge nova tradução segundo o   odex vaticanus com

comentário contínuo de

Péladan

(Paris: Delgrave, 1910). [Tradução livr e para

o po rtuguês.]

do texto , a partir da nebulo s

id

a

de

do começo. Co

rrigimos

, en

t ão, a qu al idade dos ges to s e, depo is, conversando nas

pequ

enas

 cúpu la s  de cinco a sete al

unos

em círculo, p esquisa

mo s os

gestos

ma

is justos. Um dos alunos , esc

olhid

o com o

melh

or m í

mico

pe lo grupo , põe-se no

centro

e

di

rige o d iscu rso do co

ro

,

pro feri do p elos outros, na im obi lida de. D a ges t iculação à im

o

b

ilida

d e, o text o será aprendido . A segu

nd a

p arte do

tr

abalho é

a

da

s esco

lh

as, d a

di

st rib

ui

ção das vozes, pa ra ressaltar o

sen

ti

do do te

xto,

sem p reocu pação sign ifican te com a interpre tação.

Numa terceira parte, pe ço, en

fim,

em au tocu rso, para

encena

r o

texto escolhid o a fim de ap resentá-lo ao p úb lico, sej a na

im

ob i

lidade,

seja

em

mo

vimen

to, seja com g

estos

expressivos .

Levanta do chão duro esta

cabeça

,

infortunada Ap ruma teu pescoço

Não mais existem Troia nem ra inha.

A sorte muda, deves resignar-te .

Hás de voga r ao fluxo das cor rentes,

hás de vogar ao gosto do destino.

É vão esforço pretender opor

a frágil nave desta vida às ondas.

Navega Entrega-te ao azar dosventos

]

Quantas

razões eu

tenho

- ai de

mim

para chorar

nessa

calamidade

a perda de meus filhos,

meu

m arido,

207

minha querida pátria.. . Ai de m im

Dou

rado

faust

o antigo em que vivi,

meu fim me faz

saber que

nada és

Convém

calar? Talvez falar. .. Chorar. ..

Um pes o enorme

oprime

os

meus

cansados

sofridos

membros

nesta posição,

caída

aqui no

chão desconfortável.

Armam -lhe a enorme fronte aterradores chifres;

Escamas amarelas recobrem seu corpo;

Touro indomável, tumultuoso d ragão,

Sua

anca

se

curva

em

dobras

tortu

osa

s.

Aos seus longos

mugidos es t

remece a praia.

O céu vê com horror est e m

on

st ro selvagem.

Page 106: LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Dói-me

a cabeça

.. .

Quanta

do r

nas têmporas . ..

Meus flancos doem tanto . .. Mal consigo

mover-me

para

em nova posição

continuar ch

orando as

minhas

mágoas

entre queixumes

e incessantes lágrimas.

É a músi

ca

restante aos infelizes

aniquilados por desastres tão

terrívei

s

que

fazem silenciar todos os can tos .

a

vega Entrega-te ao azar dos ventos 

e é todo o coro

que

se

encontra

lançado nu m

movimento de

deriva levado

po r

esse grito,

em

busca

de

um

r itmo, de um movimento, de

um a entonação. O

objetivo

aqui não

é

encontrar não

sei qual

coreografia do coro

em movimento , mas

chegar, finalmente,

à imobilidade

do

ator, que t er á percebido, em seu corpo, a

dinâmica e a emoção desse percurso. Quando um

ator,

depois

de te r feito exercícios,

disser

esse

texto, imóvel,

o espectador

qu e

fechar

os olhos terá de vê -lo movimentar

-se

.

Quando os alunos exploraram alguns

textos

curtos, e

quando

os conhecem , trabalhamos o domínio da

voz

.

A onda vem,

rompe

-se e vomita

aos

nossos

olhos,

Entre

vagas de

espuma,

um monstro furioso.

Eurípides, LesTroyennes ,texto em francêsde IacquelineMoatti (Paris:

L

Arche,

1961). [ Astroianas', em Sófocles   Eurípides, Electra e

As

troianas trad. Mário

da Gama Kury (Rio de Janeiro: Civilização, 1965). (N. T.)]

208

Os monstros furiosos 

da fala de Teremane

o podem

ser expressos com

um a

voz

pequen

a, que

venha

da cabeça. Ao

conhecimento da fúria trágica,

é

ind

ispensá

vel o

comprome

t imento do corpo

inteiro. O

at

or pode se r

ajudado po r outros

,

qu e o

puxam,

o empurram, o seguram, para que ele sinta fi

sicamente as

dinâmicas

do texto.

Gra

ças a e ss e tipo

de

exercí

cio,

adaptado

a cada texto,

constatam

os q

ue

a voz se modifica,

para tornar-se um a

verdadeira voz de corpo s

ozinha

, capaz de

carregar a dimensão trágica verdadei

ra.

Os ato res

gu

ardarão

um

traço

dessa relação

física com o

text

o. Eles a terão incor

porado,

antes

de vislumbrar qualquer interpretação.

Conduzimos, também,

um

t rabalho

com

a voz

comum

do

coro.

O coro trágico fala

com

um a

voz

única; então é preciso

qu e o grupo de

atores

p

ossa

atingir es sa d imensão

coletiva

.

Para falar

junto,

diferentes técnicas são utilizadas: enquanto

um

aluno enuncia

um texto aprendid o po r todos, outro tenta

falar o

mesmo

texto po r

meio

da

boca

do

primeiro; po r

acu

mulação,

outros vêm

juntar-se, at é atingir

um a

voz comum

do g ru po . Cad a um

sente,

então, a impressão de

ser falado

pelos outros. Essa voz

comum

é

normalmente emocionante

e

muito

bela.

Lamento

que, hoje em

dia,

ela não

esteja

suficien-

Jean Racine,  Le récit de Th éramene [ F ala de Terema

ne

em Pedra trad. Joa

quim Brasil Fontes (São

Paulo

:

Iluminuras,

2007) . (N . T.)]

209

temente presente

nos

numerosos espetáculos trágicos que,

certamente po r razões econômicas, se contentam com coros

de

três

ou quatro atores.

A dimensão internacional da

Escola põe

atores estrangei

ro s diante de textos

franceses.

  interessante observar quan

to

um a

articulação atenta da língua valoriza a

escrita.

Todos

se esforçam para reencontrar o valor das

palavras,

e esse es-

(A m ~ n n i n h e o menin inh o estão

num

espaço vaz io,

en

voltos em

escundao.)

A

MENININHA:

Tchac Ela arranca um braço de sua boneca . Minha

boneca perdeu um braço

num b

ombardeio.

o MENININHO: Rápido

Precisamos

cauterizar a ferida pra

não san

grar.

A

MENININHA:

C ê tá louco.   uma boneca, não

sangra

.

o

MENINIr-:HO:

Precisa

cauterizar assim mesmo.

 

assim que

se faz.

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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forço é recompensado. Várias

experiências

teatrais

recentes,

ocorridas na França com

atores estrangeiros, confirmaram

o interesse desse

procedimento:

Antoine Vitez, Peter

Brook,

Ariane

Mnouchkine .. . Para conduzir bem esse

trabalho,

ain

da é preciso

que

os textos ofereçam um corpo fazendo com

que os atores

possam

senti-los,

deixando

um pouco de

lado

a cabeça. Essa presença se manifesta principalmente nos ver-

bos

que permitem, ou

não, o comprometimento físico. Mas

não são todos os textos que se prestam a esse exercício. Os de

Ionesco

ou

os de Pinter não levam em con ta o corpo inteiro,

f icam mais

na

cabeça . Beckett é

um a

exceção: tem fôlego, uma

respiração. Um teatro maior sempre chama o corpo

em

seu

todo: ao

mesmo

tempo o quadril, o

plexo

e a

cabeça.

No prólogo de

  roisades

Michel Azama prat ica

o botte

e risposte da commedia dell'arte, aqui a serviço da tragédia.

  atalho

dos diálogos,

pela

ação

no

presente, faz a

situação

avançar

até a conclusão.

Muitos alunos

tornaram-se escritores

depoi s da

Escola. Não

ousaria

dizer que começaram a escre-

ver graças à Escola, mas talvez tenham

começado

a escrever

de out ro modo

a

part i r da

Escola.

Alguns

o

conf irmam. De

minha

parte,

eu me

reconheço em

seus textos,

no sent ido de

que eles

trazem

um a diferença entre o  discurso e a palavra .

 

discurso só fica nas palavras,

ma s

a

palavra

chama o corpo.

  território da tragédia o demonst ra com enorme força.

210

 Ele cauteriza o ombro da boneca com um palito de fósforo. Ela tá fe-

dendo. O plástico queima igualzinho às pessoas

quando

elas são quei

madas

.

A

MENININHA:

Ela é uma boneca legal. Cuidado Ela sofreu um a ex-

plosão de bomba . Tchac Tchac Uma perna e outro braço

o MENININHO:

C ê

exagerando.

Você vai

acabar

matando ela.

A MENININHA: Queima Queima Ah Como fede,

que

maravilha Po

demos

tirar tudo,

enquanto

a gente não tirar a cabeça ela

não

morre.

o MENININHO:

Morre,

sim.

A

MENININHA:

Não.

o

MENININHO: Morre,

sim.

Bom,

então, se

você

não tá com

ciúmes

porque é

que

chorando?

Abro o pacote? '

A

MENININHA: Não quero nem saber. Vou cuidar da minha boneca

senão ela vai ficar pretinha

como meu p rimo quando

perdeu

um

braço.

o MENININHO: Olha

um

caminhão .

Um

caminhão

-pipa

. Olha

de controle remoto

A

MENININHA: Não

nem

aí. Que bobeira.  

brinquedo de

menino.

o MENININHO : Escuta. Não fica chateada. Olha. Ponho o caminhão

aqui, pertinho d e m im . E te dou isso.   o controle remoto. Você

aperta nesse botão e o caminhãovem até você.

Tudo bem?

Você nã o

mais chateada?

Você brinca

comigo?

A MENININHA:

Tudo bem,

vai .. .

me

dá.

(O men_ino

está

a

vários

metros

de distância

da

menina.

Ela

aperta

um botão do controle remoto. O caminhão explode. O menininho

faz um

voo

e cai

no chão, inerte.)

A MENI;,INHA: ? qu e é que você fez? Não é um brinquedo legal, né?

O

qu e

e esse

brinquedo?

Você não

morreu,

né?

(Ela

se aproxima do menininho.) 

Michel Azama, Croisades (Paris: Théâtrales, 1989). [Tradução livre para o

por

tuguês.]

211

s

 lowns

BUSCAR O PRÓPRIO CLOWN

A

escola

t ermina com riso com os downs e as variedades

cômicas:

os burlescos, os absurdos, os

excêntricos.

Ao

longo

do

tempo,

esse território revelou

-se

pouco a pouco e assumiu

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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  solidão do clown 

uma

importância tã o

grande quanto a da

máscara neutra.

Os

dois emolduram a pedagogia da Escola. No começo, esse tra

balho só

durava dois ou

três dias.

Agora,

estende-se

po r várias

semanas, tamanho foi o interesse dos alunos, o que me levou

progressivamente

a aprofundar-m e

nesse

campo.

Os downs

apa re ce ram nos anos

1960

quando

eu me

perguntava sobre

as relações

entre

a commedia

dell arte

e

os

downs de c ir co . A

principal

descoberta se deu enl resposta a

um a pergunta

simples:

o

down

faz r ir mas como? Solicitei

um

di a

aos

alunos

par a que se

pusessem

em círculo -

lem

brança da pista

- e

no s

fizessem

rir.

Um após

o

outro,

eles

tentaram

umas palhaçadas, umas

cambalhotas,

un s jogos de

palavras fantasiosos, tudo em vão O resultado foi catastrófi

co.

Sentíamos

algo

preso

na garganta, uma

angústia no

peito,

tudo

se tornava

trágico. Quando

se

deram conta desse fracas

so pararam

com

a imp rovisação e

foram

sentar-se

desapon

tados, confusos perturba dos .

Foi

então,

vendo-se

naquele

estado

de

fraqueza, qu e to d os se puseram a rir n ão

do

pe r

sonagem que pretendiam apresentar, mas da própr ia pessoa,

assim, despida.

Encontramos

O down não existe fora

do ator

que

o

interpreta.

Somos todos downs.

Achamos que

somos

belos, in teligentes e fortes,

mas temos

nossas fraquezas,

nosso

derrisório, que,

quando

se

expressa,

faz rir. Ao longo das pr i-

  3

meiras expe

riências, co

ns

tatei

que

a

lguns

a

lunos

, cujas

pernas

eram

tão finas que n em ousavam mostrá -las,

encontravam

no

clown uma possibilidade de

exibi

r sua magreza e de jo

gar com isso, para

grande prazer

dos espectadores.

Podiam,

enfim

, existir tal como

e ram, com

inteira liberdade, e f azer

rir. Essa

descoberta, da transformação

de

uma fraqueza

pes

Você entra consciente desua força você é

bonito

inteligente

você

chega

como

vencedor

Você

fazalguma coisa quepra

você é

muitoim-

portante para nos mostrar   s

força

e essa superioridade   mas não

consegue

Monsieur

loyal o árbitrodo jogo

pergunta

então do que

  trata

Você

  tá seguro de

fazer

iss Você trabalhou isso durante

muitotempo?

está

fazl ndo  st número

pela

primeira vez?   z

  _ . ~ 1

I

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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s

oal

em força teatral, foi

de

tanta importância para a defini

ção

de

uma

abordagem personal izada dos c1owns, p ar a uma

pesquisa  de seu próprio clown , que se tornou

um

princípio

fundamen tal.

Para mim, a re ferência ao circo , inevitável assim

qu e

se

evoca o c1own, está muito distante . Na minha infância tinha

visto, no circo

Medrano, em

Montmartre, os Fratellini, Grock,

e o tr io

Carioli,

Portos e Carletos, mas na Escola não bus

cávamos esse t ip o de clown. Salvo a dimensão cômica, não

tínhamos

nenhuma

referência

de

estilo

ou de forma,

e mesmo

os

alunos não conheciam

esses clowns.

Abordavam

a pesquisa

de

maneira

mais

livre.

Fo i Pierre Byland

,

alu

no

da Escola

an

tes

de ser

professor,

quenos t rouxe

o famoso n r z v rm lho a

menor máscara do mundo,

que

ia permitir

tirar

do

indivíduo

sua ingenuidade

e

sua

fragilidade.

A pesquisa do clown próprio d e cada um é, primeira

mente, a pesquisa de seu próp rio r

idíc

ulo . Diferen

teme

nte da

commedia dell arte, o ator não tem de entrar num persona

gem

preestabelecido

(Arlequim, Pantalone

. .. ). Deve desco

brir nele mesmo a parte c lown que o habita. Quanto menos

se

defender

e

tentar representar

um

personagem, mais

o

ator

se deixará

surpreender po r

suas

próprias

fraquezas,

mais

seu

clown aparecerá com força.

214

.1

I

j

como amador?

Em

resposta

a essas

pergunt

as, o at

or

deve j

ogar

o

jogo

da

verdade : quan to mais for ele mesm o, pego em flagrante delito

de fr aqueza, mais engraçado ele será . De modo algum deve

representar um papel ,

mas

deixar surgir, de m ane ira muito

psicológica, a

in ocên

cia

que está

dentro

de

le e qu e se

mani

festa p or oc

asiã

o do fiasco, do fracasso de sua ap resen tação.

o se podem

enumer

ar os

tem

as dos clo

wn

s: a vida

in

teira

é

um desses

tem

as .. . pa ra o s clowns Qu ando o ato r

en -

tr a

em

cena com

seu nariz

vermelho ,

seu rosto apresenta um

estado de disponibi lidade sem defesa. Ele acredita que possa

ser recebido com

toda

a

simpatia

do público (do mundo), e é

surpreendido

pelo

silêncio

que

o acolhe, pois se considerava

um a

pessoa

importante.

Sua reação humilde desencadeia no

público pequenos

r isos . O clown , ultrassensível aos

outros,

reage a tu do o

que l he

chega, e viaja, então,

entre

um

sorriso

simpático e um a expressão triste .

Nesse

primeiro contato, é

importante para o

pedagogo observar

se o ator não precede

às intenções, se ele

está

sempre em estado de reação e de su r

presa s em que seu jogo seja  conduzido

(cos

tu

mamos

dizer

 t el

efonado ), reagindo antes que tenha nascid

o um

motivo

para fazê -lo.

215

o

clown é aquele

qu e

 faz fi

asc

o , que

fracassa

em seu nú

mero

e, a partir

daí

,

põ e

o espectador

em estado de superio

ridade.

Por

esse insucesso, ele desvela

sua natureza

humana

profunda

que

nos

emocio

na e nos faz rir . Mas não

basta

fra-

.

cassar

com qualquer coisa, ainda

é

preciso

fracassar

naquilo

que

se sabe fazer, isto é, um a proeza Peço a

cada a luno que

faça

alguma

coisa

que

somente ele, na sala, saiba fazer: um

  lguém

entraemcena e

descobre

o

público

 

Esse

tema

faz o ato r en tr ar d iretament e na dimensão do

clown. A grande dificuldade consiste em

encontrar

de car a a

d imensão justa, em interpretar verdadeirame

nt

e su a pessoa,

ser

um

clown - e não faze r um

clo

wn  . Se ele ent ra no es

petáculo de seu próprio ridículo, o

ator

está perdido. Não se

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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grande écart vira r os dedos

pa

ra t

rás,

assobiar de um mod o

diferente. Pouco

importa

o

virtu

osism

o do

gest

o, a

proeza

existe quando o

aluno

é o ún ico a poder realizá-la. O

trabalho

do clown consiste, então, em re

laci

on ar talento e fiasco .

Peça

a

um

cl

ow n que dê

um salto m o

rtal

, ele não co

nsegue

.

Dê-lhe

um

chute

no traseiro , e aí ele o faz sem se dar conta Nos

do

is

casos, ele nos faz rir. Se ele

não conseguir nunca, caímos no

trágico.

Como sempre, o procedimento pedagógico ao abordar o

cl

own

é progressivo. Começamos por uma seção

de

mau gos

to, a

mais

desenfreada possível (aquilo a

qu e

chamamos de a

 grande besteirada

 ) .

Vocês vão sefantasiar como para umanoite de

festa

T

razemos uma

mala

co

m acessó rios  figurinos diversos   da umpõe uma barba um

bigode um

chapéu

e bri

nca

numa dimensãode libe

rdade

total

Essa

dissimulação de sua própria pessoa l ibera os

atores

de

suas

máscaras

sociais. Eles

têm

a

liberdade

de fazer

  o q ue

quiserem , e tal liberdade faz surgir comportamentos pessoais

insuspeitados. Progressivamente, retiramos

o

figurino

para

chegar ao clown, com a aparição do

n r z

vermelho que abor

damos

no tema

da

descoberta do público.

216

i

I

i

I

I

J

I

representa um clown ,

é

prec

iso

se r, com o quando

no ssa

na

tureza profunda vem à

luz,

nos pr ime iros

medos

da infância.

D iferentemen te de outros

pers

onagens do

teatro

, o

clo

wn

tem um contato direto e

imedia

to com o público, só pode vi

ve r

com e sob o olha r dos

ou

tros. Não se representa um clown

di n t e de um

público

, joga-se com ele. Um clown

que

entra

em cena ent ra em contato com tod as as pessoas qu e consti

t uem o público, e seu

jog

o é

influenciado

pelas reações desse

público. O exercício é importante

pa r

a o

ator

em formação,

que

sente

aí um a relação

muito

forte e viva com o

público

.

Se o

clown

não

ligasse

para

as

reações

do

público,

ele

mer

gulharia

no

seu

 fiasco e terminaria em caso clínico.

Um

dia

pedi

a Raymond

Devos que

viesse

da r

uma aula

de

clown. Ele

improvisou

de

modo magistral, a partir

de

um

de

cadeira

sobre

seu pé. A

mínima

reação, um gesto, um riso, um a pa la

vra, vinda

do

público era para ele a

ocasião

de

um

início de

jogo.

Lembrança impressionante de

um

grande

clown

Pa ralelamente, buscamos no corpo

certas

maneiras es

condidas. Observando o

caminhar

natural de cada um , iden

tificamos

os

element

os

característicos

(um

braço que balança

mais d o que outr o,

um

p é que v ira p ar a dentro, uma barriga

ligeiramentepara a frente, uma cabeça

quepende de

lado) que,

217

prog

ressi

vament

e, exageramos para chegar a

uma

transposição

pessoal.

Com

os alunos,

busco

suas

próprias

maneiras de elo

wn com o Groucho

Marx

, Carlitos ou Iacques Tat i tinham as

suas , tão ca rac terísticas. Par a um

clown

nunca se trata de com-

por

externament

e, ma s sempre a partir de algo pessoal.

Ao me smo tempo, um tr aba

lho

técnico é conduzido

com

gusto toma a posição eooutroseaproveita

para

dar lhe um chute no

traseiro. OClown br

anco

começa a rir. li  Ugustil tenta segurar a onda.

rindo também..•paralivrara cara

PassaosegundoAugusto.OprimeroAugustoquer apica r lheamesma

brinca

deira e

pede lhe

que tomea pos

çã

o.Osegundo

conhec

e bema

históriae nãosedeixalevar f ingequenãoentende

Pa

rae

xplica

r l

he

oprmerofazuma demonstração. t

oma

aposção... e leva um

se

gundo

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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relação aos gestos

pr

oibidos,

aque

les

que

o

ator

nunca pôde

. . 1

 And

t

 

F

xpressar

na

sua V da

S

O a

. e c

orretamen

e.

lque

re

to

  Pare de mexer n o cabelo  Tantas inj

unções

que fazem

com que alguns gestos fiqu

em

no fundo do corpo da criança

sem

nunca

poderem ser expressos . Esse

trabal

ho

bem

psico

lógico

ao ator

uma maio r l iberdade de jogo

. É

útil

que os

alun

os tenham essa experiência de liberdade , q

ue

se en

con

trem s

em

de fesas

naq

ui

lo

a

que

chamo o

pr m

iro clown

As referências ao circo

rea

pa re

cem

quando se abordam os

fenômenos

do

trio

.

Os clowns

de

cir

co

são

muitas

vezes um

trio: o

Clown

branco o Augusto e o se

gu

ndo Augus

to . Qual

quer

sit

uação envolvendo

downs

impõe um a

hie ra r

quia entr e

eles. Isto é evidente no célebre tr io dos Irmãos Marx, e tam

bém em to das as duplas :

Arlequim

e Brig

hella

o Go rdo e o

Magro

. . . Um é semp re apo io do outro. No teat ro , a d upla me

pa rece p referível, assim como num procedi

ment

o

pe d

ag

óg

i

co , para p erm it ir a cada clow n situar -se em rela

ção

a ou tro .

Es sa pesq

ui

sa sob re a hi e

ra

rquia é feita p ri ncipalmente com o

tem a da brinc deir e do duplo fi  sco

o

Cown branco

faz

umabrincadeira com o primeiro A

ugusto

.

 le

lhe

pede

paraabaxar.

pernas

flexonadas

para apan

har um

objeto

. OAu 

218

chute. Dupofi

asc

o

Iniciando esse

trabal

ho,

ach

ava que os clo

wns seriam

algo

temporár io ,

um

a etapa da pesquisa liga da a determ in ad a

época num a pedagogia em evo lução. Hoje em

dia

, cons

ta t

o

qu e os

alu

nos querem esse trabalho, que sempre o conside

ram

como um dos

tempos

fo rtes da viagem pedagógica da Es

cola.

Sem

vida os

downs

toc am

um a

d imensão

psico

l

óg ica

e teatral

muito

profunda.

Adq

uiri

ram

a

mesma

i

mportância

que a

másca

ra neutra mas numa d ireção oposta . Quanto

ma is a máscara neutra se revela um elemento coletivo, um

de

nominador comum

qu e

pode

ser

compartilhad

o

po r

todos

mais o

clown

ressal

ta

o ind

ivíduo

em

sua singularid

ade . Ele

desmistifica a pretensão de cad a um de ser superior ao outro.

Parado

xalmente

to camos o limite con trário da

abordagem

pe d

agógica levada

ao

longo do aprendizado. Durante

mes

es,

ped i aos alunos que observassem o mundo e que o deixassem

refleti r-se neles.

Com

o clown , eu lhes p

eço

p

ar

a que sejam

eles

mes

mos , o ma is profundamen te possível, e

que

observem

o efei to que produzem no m undo, a saber ,

no

público.

Fazem

entã

o, d

iante do

blico, a experiência

da

liberdade e

da a u

ten

ticidade.

219

o clo

wn

não precisa de conflitos; ele está permanente

mente em conflito, especialmente consigo me smo . Esse fenô

meno

requer

uma enorme

atençã

o

do pedagogo

pois se

trata

de um a passagem psicológica difícil para os atores , e qualquer

interpret

ação

pseudopsicanalítica

deve

ser evitada

.   preciso

cuidar

pa

ra qu e os alunos não ent rem no j ogo de seu

pró

p

ri o

clown pois é o terr itó r io dramático que

mais

aproxima

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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o ator de sua própria pessoa . Na verdade o clown

nunca

deve

ser

doloros

o

pa

ra o ator. O público

o

caçoa

diretamente

dele; sente -se superior e ri, o que é completamente diferente.

Além do

mais

, o a

to r es t

á

com

um a espécie de m

áscara

,

em

parte protegido pelo nariz vermelho.Nã o é à toa que , quando

esse t rabalho chega ao fim

de

pois de

dois

a

nos

na Escola, os

alu

nos

estã

o

habitua

dos a co

mprometer

-se

com

o

jogo

, a

conhecer-se e a se mostrar. Não é sempre assim nos

numero-

sos estágios de

clown

propostos aqui e acolá, que só oferecem

um a abordagem

superfic

ial, e redutora de

um trabalho

que

necessita de

todas

as fases

an

te r

iores.

De propósito

disponho esse

trabalho

no

fim do

per

cur-

so, pois o clown exige uma

forte

exp eriência pessoal do ator.

Na trad ição do

circo, os

clowns em

geral,

são

f

eitos pel

os ve

lhos arti

sta

s. Os jovens ainda estão nas proezas  corda bamba ,

trapézio,

etc

.), e,

como

os

velho

s

não são ma

is capazes disso,

tornam -se clowns, expressão de uma maturidade. De uma sa

be

doria

Em  ut

urso

os alunos preparam um

m ero que , claro,

vão

con

se

guir

realizar, pois já o

ap r

esentaram com grande

su

cesso

num

país distante .. . evidentem ent e resu ltará num   fias

co .

Procuram

par a isso,o

figurino

mais conven ien te ,a partir

220

Varied

 

es cômicas na ex Central de Boxe

de

roupas

muito gran des ou muito

pequenas

,

que,

po r si sós ,

já const it uem um fracass o: o

chapéu

não

cabe

n a c

abe

ça, os

sapatos são gran des demai s, a calça muito c

ur t

a . ..

Dep

ois

disso, eles experimen tam o fiasco':

que

pode

apresentar

-se

d e dua s

m aneiras. Existe o fiasco da

pretensão

: quando o

clown só faz um número ru im qu e ele acha genial: anuncia-se

a pe rfo rm an ce do século e ele dá

uma

simples cambalhota ou

tenderem. Nesse

trabalho

final, aparecem todas as fantasias,

os imaginários, as personalidades

próprias

de cada um. Essas

criações partem para

várias direções

: o clown com

ou

sem

nariz vermelho, o burlesco, o absurdo, os excêntricos. Ad e

mais,

a dimensão internacional da Escola ressalta as diferentes

mot ivações do riso , de um país a outro. Aquilo que faz rir os

ingleses nã o vale necessariamente para um italiano ou para

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faz um malabari

sm

o fácil, c

om

três bolinhas. O

outro

 fiasco

é o do

 a

cidente ,

quand

o o clo

wn nã

o

consegu

e f

azer

aquil

o

qu

e deseja: um a queda em desequilíbrio de um banquinho ,

um tombo por cont a de um s

al t

o

sim

ples .. .

Num a outr a etapa do trab

alh

o, col

ocamos

os

clowns

em

si tuações da vid a c

ot

idiana. Pesquisamos famílias de clowns ,

o pa i, a m ãe, os f il hos Os clowns se mudam . . . Eles

passam

suas férias num clube

procuram

emprego.. . Trabalhamos al-

gu ns t

em

as no limite da realidade e da ficção. Por exemplo:

Os clownsensaiam uma peçade teatro. Não é para representar

a peça

 à

mo

da

dos

cl

owns, ma s

são clowns

que tentam

en

sai

ar

um a pe ça e nã o conseguem. Aparecem

tantas

coisas

que

a pe ça, evidentemente,

nunca

se rá ensaiada; serão apenas de

sastres

e

proezas

inesperadas. Em

todas

essas

situações, cada

clown apa rece com força,

em seu

ridículo e, às vezes, em

sua

dimensão

trágica.

  BURLESCOS, OS ABSURDOS,

AS

VARIEDADES CÔMICAS

Enfim, proponho aos

alun

os qu e realizem

um espetáculo

, a

part

ir de

todas

essas

experiências

e

que

criem, de verdade,

um a sequência

de clown, escrita

e ensaiada

c omo b em en

-

222

um japonês, ma s é importante qu e os clowns, de onde que r

que

venham,

façam

o

mundo

intei ro r ir

.

Alguns elementos

do riso são analisados de maneira técnica. A imagem dupla é

um exemplo

disto:

M . Hulot conserta

seu

ca

rr

o ; ele e st á

en

ch en d o a câm a

ra

de ar de

um

pneu , que escapa, ro lando

po r

um a es

trada ou

tonal. Folhas colam no

pneu, que

va i terminar

sua co

rrid

a n um cemit ério.

Hulot

acaba, então,

num

enterro,

com um a coroa de fl

or e

s na mão.. . pura associação de jdeias

e im agem dupla, técnica mui to utilizada po r Charles Chaplin:

Ca rli tos, pe

rseg

u i

do ,

põe um

abajur

na cab eça e finge

se r

o

supo rte da l

âm

pada.

As variedades côm icas são prolongamentos do

trabalho

do

clo

wn

, m arcados po r car

ac t

er í

stic

as particula

res

. O burlesco

repousa n a

gag

fenôm en o

ma i

s d ifícil de realizar n o teatro

do

qu e no cinema,

po

is sempr e inverte os dados da realidade, no s

aproximan do do desenho an im ad o: um l

en

hador corta um a

árvore

que,

em vez

de

cai r . . . voa  

Três alpinistas esgotados descobrem três cadeiras aproxi

mam s

e delas com a maior dificu ldade e no

mome

nto em que

vão alcançá-las

 

põem

-nas nas costas e c

ontinu

am

a su

bid

a

Esse

tema, repres

entado recent emente

pe

los alunos , transgri

de a realidade e provoca o

ri s

o.

223

o   surdo chama duas ló gicas que se confrontam.

Per

gun

to meu caminho a alguém ,

qu

e

me

indica um a

ru

a à direita. ..

vou pa ra a esqu erda Na verdade, vou buscar minha m ala , o

qu e jus tifica meu movimento mas o

outro

(assim com o o pú

blico não sab e. Como não compreende , a si

tu a

ção lhe parece

absurda. O

ex

cênt

rico

faz as coisas diferentemente dos ou tros.

Põe o cen t ro das coisas em

outro

lu

gar

. Ele vai pent ear os ca

ser eles mesmos descobrirem-se. A máscara neutra e o clown

emolduram a aventura

pedagógica da

Escola, uma no

come

ço,

outra no

f im. Os atores

não

vão gua rdar essas m áscaras e

vão avent

ur ar -se em suas próprias criações; mas conservam

a marca e o espírito . E ter ão tido, assim a experiência funda

mental da criação: a solidão

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belos . .. com um ancinho. Um out ro ,excêntrico virtuose, to

cará

piano

.. .

com

os pés.

Esse te rr i tór iop õe em

pr

ática a acrobacia, o m alab

ar

ismo,

a música, o canto. Trabalham os os movimen

tos

ligados ao

clown: chutes, brincadeiras com um chapéu no chão ; b r inca

mos

com

as palavras tom ando- as ao pé da le tra: se  a noite

cai r , o clown vai p rocu ra r on de ela ca iu  Muitos alunos to

cam um ins

tr

umento e c

ad

a ano c

on

stituímos um a orquestra

no esp

ír

ito do cabaré ou do

teatro

de rev is ta. Gostaria

que

os alunos se exer citassem no cabaré cômico na p rodução de

m

ero

s

bem

cu

rt o

s,

com

no

máximo dez minutos.

Infeliz

mente,

o existem m ais lugares em que jovens atores possam

apresentar suas criações, como era o caso, no pós -guerra , em

vários

cabarés par isienses.

Pede-se

-lhes imediatamente que

realiz

em

os

one

 m n

shows

de

um a

hora, o

que

é extrema

mente

di fícil, quando estes deveriam resultar de numerosas

pesquisas das for

mas

breves.

Todos

os a

lun

os passam pela

experiência

do clown mas

poucos con tinuarão nesse registro . Alguns t êm natureza cô

mica: basta que entrem em cena

para

que o público morra

de ri r. Nosso trabalh o pedagóg

ico

consiste

em permi ti r-lhes

224

225

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t ut

uras de

p ix ões

humanas

c

  l or tório

de  stu o 

movimento  lEM

Desde

1976 juntou -se à Escola um departamento de ceno

grafia

experimental criado

em colaboração com o

arquiteto

Krikor

Belekian.

Os estudos dur am um ano e são abertos aos

alunos

da

Escola interessados

nessa

linguagem e a outros vi n -

dos de fora: arquitetos cenógrafos artistas plásticos  O LEM

propõe duas atividades que

correspondem

e interagem com a

pedagogia

geral da

Escola: um a atividade

de

movimento que

põe em jogo o corpo mímico e um a atividade de criação para

realização de

construções

cenográficas

 

Todo espaço habitável t raz «propostas

dramáticas

e in -

fluencia o comportamento dos que ali vivem ou dos

persona

-

gens que aí atuam. Nossas atitudes nosso andar a velocidade

de nossos passos modificam-se quando mudamos de espaço.

Não and amos d o mesmo modo em um a igreja gótica ou em

um a

igreja

romana

 

Antes

de

construir

um local habitável

227

para as representações

da

vida ou para as do teat ro , o impor

tante

é

reconhe

c

er pr eviamente

o

que deverá

viver

.

Eu me

lembro

de um

de m eu s a lunos de

arquitetura qu

e

me

fez visi

tar

na montanha o

chalé

qu e

ele

ainda não havi a construído.

Ele

me

fez

viver

os es

paços como

se es

tivéssemos dentro

deles:

ele

recebia

a

luz

v in da d e

um a

janela, d epois p assava

pelas

portas , subia ao sótão,

abaixava -se para

nã o ba t

er

a cabeça

no

teto ... Depois de alguns anos pude

ver

o chalé pronto mas eu

A

realização

de projetos conclui o ano do

LEM.

Trata

-se de

colocar

em espaço

cenográfico

um tema proposto

seja

em

relação

direta

com

a vida  uma lembrança

um a paisagem

.. .),

seja

a partir de uma obra musical

plástica

poética ou literária

 Stravinski

Mi r ó, Saint

-Iohn Perse

, Dom Quixote

A

divina

comédia Fausto ... .

Sobre esses temas, os alunos constroem

estruturas

portáteis pequenos

teatros sem

atores

ou qualquer

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já o conhe

cia

 

P

ropomos um

a sensibilização prévia do co

rp

o

aos

espa

ços

a qu e ele pert

en

ce: prime

iro

em estado de neutralidade;

d

epois em

e

xpressã

o d ra

mátic

a. Pra

ticamo

s um a

reinterpre-

tação

d

os

espaç

os cons

t ruíd

os

, par a daí r

eco

l

he

r

im

press

ões

co rp o r ais e, depois,

m imagens

par a daí extrair a d inâmi

ca

 mimagem

de

observ

ação

pa

ra o

conheciment

o do

re a

l,

mimagem

p ré -cr i

ativ

a, ten

do

em vista

rea

lizações

fu t

u

ra s

).

Trat a-se de desen

vo l

ver, ainda , o olhar

do

co rp o sob re a ob

servação

do real.

Ne

sse

esp

aço

de

t ra

ba

lho,

estudamos

s

ucess

i

vamente

o

c

am

in h

ar hu man

o, pa ra c

ompreender

as leis do m o

vimen

to

e os espaços do corpo; em segu

ida

as p

aixões hum

anas do

ci

úm

e ao

orgu

l

ho tendo como

referê

ncia

o

estad

o de

calm

a;

po r fim , as cores e suas d inâmicas , sua

extensão

,

su

a força ...

até

se u combate. Cada

um

a

dessas

e

xplorações termina po r

um trabalho em que pedi

mo s

ao s participantes que constru

am

- n o

ate

liê,

po r

meio de objetos

experimentais

  estruturas

e formas

realizadas com materiais simples

:

varas de made

ir a,

papelões

fitas,

terra

... ) - as di

nâmicas assim reconhecidas

Es

ses

ob je t

os

desenvolvem-se em

figu

rinos máscaras maquetes.

228

outra invenção pessoal

qu e eles ponham em

mov imento

sem

nenhuma

preocupação

com

a

ilustração mas sim

com

a

pes

quisa

das

dinâmicas internas que possam mostrar

no espaço.

Tomar como tema

Hamlet

de Shakespeare nã o consiste

evidentemente em

aprender

a

fazer

o

cenário

do

primeiro

ato

da peça

mas

em

fazer

com

qu e o futuro

cenógrafo descubra

que

deve construir espaços na expectativa

do drama a

se r

re

presentado.

Quando for escrever no espaço

a

cenografia de

Hamlet

ele

será

o

responsável pela densidade do

drama.

Terá

com

pr

e end i do e sentido que

não

se representa diante de

um

cenário ,

mas dentro de

um

espaço construído

p

ara

a

ação

do

ato r

na si tuação.

Qualquer t ema dramático

necessita

de

um

lugar adapta

do a seu bom

desenvolviment o

. O corpo

mímico explora

os

tem as de um dr ama n

um

espaço

nu para daí extrair

os

mo

viment

os in te rn os. Ser á possível , a

partir

de en t

ão

construir

me lh or o local de sua m anifestação.

Ass im o L

EM

desenvolve

um

olhar sobre

os

e

sp

aços em

m ov

ime

n

to

lig

ad

os ao jogo do ator . Ele

aprend

e a co

ns tr

u ir o

in

vis

ível,

da r

c

or

po e

mov

im

en to ao

que aparente

mente não

229

os tem. O percurso

do

LEIvI permanece sendo

um a

experiên

cia prát ica, que nenhuma transmissão

escrita

saberia substi

tuir. Ele

coloca

o aluno diante de si mesmo .

O ensino que

é

dado

apoia

-se em algumas

bases referen

ciais: o

equilíbrio,

o

estado

de

calma,

o

ponto

fixo a economia

das ações

físicas . Não se deve

ver nesses

termos

nada

d e a b

soluto,

mas guardar

-lhes um a certa

flexibilidade

que

dê lu

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gar

ao

  humor

de

fundo

A calma é

mantida po r

duas forças

contrárias, que

lutam

. O

equilíbrio

é

visto

em movimento

. O

ponto

fixo

move-se

em

torno de

si

mesmo, sem

se

perder.

A

economia

das

ações

físicas

renova

-se

no corpo de cada um.

Não há

movimento

sem pon to

fixo. Se

não

o encontra

mos,

é preciso

inventá-lo

230

 V

bertur s

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233

A pedagogia implementada

na Escola

ao lon go desses qu a-

r en ta anos conheceu,

n o mundo

inteiro, pr

olongamentos

extremamente

diversificados

.

Tanto em

termos

de escrita

dr a -

mática

 no

sentido

amplo ab

rangendo ta n

to

au

t

ores

como

criadores de espetáculo sem

texto ,

quanto no que

diz respei

to

à

interpretação,

à

encenação

ou à

cenografia antigos alu

nos realizaram espetáculos

de

seus

tempos. Não citarei

a

qu

i

nenhum nome em

particular  

seria preciso

cita r

todos,

céle-

bres ou

desconhecidos   e

deixo

a cada

um

o t rabalho de fa-

zer referência

  se assim o desejar, ao aprendizado qu e recebeu .

No

fim

do

segundo ano, a lguns grupos constituíram-se

para formar companhias,

preferindo

dar continuidade a um a

criação coletiva

esboçada na Escola

em

vez de integrar

tea

-

tros

existentes.

Essa postura me pareceu particularmente

significativa

do

jovem teatro

de

criação qu e

desejo

qu e exista.

Ao longo dos

anos, destacaria mais

particularmente o traba

lhodos Mummenschantz, que levaram muito além a pesquisa

sobre

as

máscaras

e as

formas.

O

Footsbarn

Travelling

Thea

tre

com sede na

Cornuália

antes

de

emigrar

para a

Auvergne

 

tentou reencontrar a autenticidade

dos grandes

textos. O Mo-

f

I

 

I

 

v

in

g

Pi

ctu re

Mim

e Show fez o público conhecer os quadros

m

ím

icos. O Th

éâ t

re de la I

acquer

ie a

ven

t

ur

ou -se

pe

lo grotes

co

soci

al. O Nada

Théâ

tre

desen

volv

eu sua

criação

po é

tica a

partir dos obj etos. O Th éâtre de la

Compl

icité

enceno u um a

nov a linguagem, p ar a um tea t ro dos dias de hoje. Sem esque

cer

o Théâtre de la [eune Lune, em Minneapol is, e tan tos ou

tros que seguiram um caminho semelhante .

 

Tudo o

qu e

está descrito ,

com

um a defi

niç

ão

peda

gógica

p recisa, começando pelos grandes

territórios

dramáticos ta is

qu ais os tr

ato,

evoca as mescl s É só ultrapassando as frontei

ras, pa ssando de um terr it ó ri o a outro, superpondo -os, que

a verdadeira criação pode nascer e que novos territórios des

pontam. Teat ros puros são pe

rig

osos. O qu e seria um puro 

mel

odrama, ou

uma tragédia  pura ?

A pu reza é a

morte

O

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Po r si só, o ens ino da Escola export

ou -

se a

num

eros

os

pa

íses. Fo ram criad as escolas em B

olonha

, Bruxelas, Milão ,

Londres, Madri, Barcelon a . . . Do conservatór io de Québec à

academia de Glasgow, passando pelo Japão,

Chile,

Austrália . . .

mu i

t

os

dos

antigo

s

aluno

s

ensinam

,

po r su

a vez,

segund

o

sua

pró p ri a sensibilidade. Pa ra além dos  mé todo s , o que nos

une é o aspecto pioneiro da pedagogia que,

em conta to

com

jovens estudantes, prefigura

teatr

os que virão. Uma

escola

de

tea t ro nã o p od e ficar na esteira dos teatros já consagrados .

É

precis

o,

ao contrário,

ser,

em

parte, visionária

e,

po r

me i

o

da

invenção

de

novas linguagens,

ajuda

r na

renovação do

pró

prio teatro. Foi o

que

fizemos,

redescobrindo

as máscaras, o

coro

, os clowns, os bufões. .. que

enriqueceram numerosas

criações

teatrais.

Como

a Escola privilegia a interp retação criativa, o

jog

o,

m

ais

do

que

a

inte

rp retação convencional,

como

ela

suscita

autores mais do

que se

apoia

em textos já existentes, posso, às

vezes,

pressentir

o teatro que est á

po

r vir. Preciso, para

ta n

to

, continuar exigente

em

relação às

permanências

e

atento

às

evoluções propostas pelos jovens alunos. Estar sempre

em

mo vimento

4

caos é ind ispensável à criação,

mas um

cao s .. . organizado ,

q

ue

p e rmit a a

cada um enco

n

trar

sua

s

próprias

raízes e s

eus

p róp ri os im

pulsos.

Ass

im

como se

abriu

para o teatro, a

mímica abriu

-se

mais

la rgament

e

para

o

mov

imento e, especialmente,

para

a

dança.

Al

guns co reógraf

os

voltaram

a

buscar no tea tro

dos gestos o

qu e a d

ança

havia perdido,

renovando

assim,

em parte,gr

aças

a esse en con tro, a dan ça contempor ân ea.Reconheço, hoje em

dia , e ss e espíri to de

pe

s

quisa nu

m trabalho com o o

d a Com

pan

hia Bouvie

r/

Oba

dia

, dois ex-alunos.

Gostari a de in dicar, enfim, como a pedagogia

m

 mo nâ

-

m ic p

oderi

a ser útil em mu itos dom íni os da ap rendizagem

al

ém

do teatro, seja

em

di f

eren

te s artes

ou

em

ou t

ra s disci

plina

s do c

onhe ciment

o. Aquilo q

ue

realizei na form ação

de

a

rqui

t

et

os, n ão pa

ra

que se tor nassem atores, mas para que

construíssem

m e

lhor

,

respeitando

os m

oviment

os do

co r

po

hum an o no esp aço , po de ser vi

slum

b r

ad

o do mesmo

mo

do

po r outras ar tes: a música, as artes pl

ást

i cas - esboçam os o

trabalho neste sentido - e também a literatu ra, a dança, etc.

Es sa p

ostu

ra pedag ógic

a

po

de

ser

ada

pt

ad a a q

ua

lq

ue

r

edu

cação

ar t

ística: c

ompromet

er o corpo

mím

ico p

ara

o reconhe

cimen

to do real pe r

mite

a ca

da

um incorpor r o

mundo que

  5

o circunda antes de pintá-lo de escrevê

-lo,

de

cantá-lo,

de

dançá-lo

.. .

As formas propostas seriam  então, sem dúvida,

mais

sentidas

e

menos cerebrais.

Atualmente, um a dificuldade nos persegue. Sofremos

um

período

de teat ro

 cheio

de

truques , muito externo

e

esteti

zante, com numerosos efeitos de moda.

Alguns

espetáculos

querem, a todo custo, criar um

evento, surpreender

o público.

r

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7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral

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Os

jovens

alunos

rejeitam, com razão, ta l t ipo de

teatro.

Eles

se or ien tam para

formas

mu ito mais simples, porém mais

fortes,

enraizadas

nas coisas

da

vida,

que

cada

um pode com

preender.

Buscam

a

verdade

na ilusão, e n ão n a mentira

Aliás

po r

qu e eles

vêm

à Escola? Por que, às vezes jovens

artistas atravessam o mundo para vi r fazer

nossos

cursos?

Não podem encon tr ar em

seus

países

algo

que

os satisfaça?

Para essas perguntas, que sempre me faço a resposta é sim

ples: eles buscam um a verdade, um a autenticidade, um a base

qu e

dure par a a lém dos

modismos.

Para tal aspiração

 

preciso

responder com a maior honestidade, sem nenhuma demago

gia. Eles

precisam

encontrar,

diante deles,

um a

palavra

forte,

um a referência .

236

Tudo semove.

Tudo evolui progride.

Tudo ricocheteia e reverbera.

De um ponto a outro nada de linha reta.

De um porto a um porto uma viagem.

Tudo se move também eu

A alegria e a tristeza e também o embate.

Um

ponto

indeciso desfocado confuso se desenha

Ponto

de convergências

Tentação de

um ponto

fixo

Numa calma de todas as paixões

Ponto de apoio e ponto de chegada 

Naquilo que não tem

nem

começo nem fim.

Nomeá-lo

Torná-lo vivo

Da r

-lhe autoridade

Para

compreender

melhor aquilo que se move

Para compreender melhor o Movimento.

J.L.

Belle-Ile -en -Mer agosto de

1997

.

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C RÉ DITOS FOTOG

RÁ F

ICOS

M ichele

Laurent:

p 26 70

Alain

Ch a

mbaretaud: p

56 95

145 192 22 1 226

Patrick Lecoq: p   36 97  9 9 169

Richard Lecoq

: p   150

 

R : p 79 2 12

Os desenhos

são

de

Iacques Leco

q  

239