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Os capítulos a seguir, com maior detalhamento, serão incorporados à próxima edição do livro Legislação Penal Especial na Visão das Bancas Examinadoras e da Juris- prudência, publicado pela Vestcon Editora, 2012. A inclusão se faz necessária tendo em vista as modificações significativas nas inovações no combate às Organizações Criminosas e ao Crime de Lavagem de Di- nheiro, trazidas pela Lei n° 12.850/2013. Nos capítulos relacionados ao Crime Or- ganizado e à Lavagem de Capitais, foram inseridas as modificações trazidas pela lei, que trouxe disposições importantes no que se refere aos meios de investigação e repressão aos crimes em comento. Para os leitores que já possuem o livro, seguem os capítulos atualizados, de forma que a obra continue sendo subsídio no estudo para concursos públicos, princi- palmente em face das indicações, em nota de rodapé, das bancas e dos concursos nos quais foram cobradas as assertivas. Nos capítulos, foram feitas abordagens dos temas sempre buscando destacar a linguagem e os exemplos utilizados pelas bancas examinadoras. Em azul estão as as- sertivas provenientes de questões de concursos públicos. Quando a assertiva aparece em azul e em itálico é porque a assertiva na questão, originariamente, era verdadeira. Quando aparece apenas em azul, era uma questão falsa que foi adaptada, ou até mes- mo que já fora cobrada em vários concursos, ocasião em que nas notas de rodapé aparece a indicação de “Assunto cobrado”. Bons estudos! Professor Sérgio Bautzer

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Os capítulos a seguir, com maior detalhamento, serão incorporados à próxima edição do livro Legislação Penal Especial na Visão das Bancas Examinadoras e da Juris-prudência, publicado pela Vestcon Editora, 2012.

A inclusão se faz necessária tendo em vista as modificações significativas nas inovações no combate às Organizações Criminosas e ao Crime de Lavagem de Di-nheiro, trazidas pela Lei n° 12.850/2013. Nos capítulos relacionados ao Crime Or-ganizado e à Lavagem de Capitais, foram inseridas as modificações trazidas pela lei, que trouxe disposições importantes no que se refere aos meios de investigação e repressão aos crimes em comento.

Para os leitores que já possuem o livro, seguem os capítulos atualizados, de forma que a obra continue sendo subsídio no estudo para concursos públicos, princi-palmente em face das indicações, em nota de rodapé, das bancas e dos concursos nos quais foram cobradas as assertivas.

Nos capítulos, foram feitas abordagens dos temas sempre buscando destacar a linguagem e os exemplos utilizados pelas bancas examinadoras. Em azul estão as as-sertivas provenientes de questões de concursos públicos. Quando a assertiva aparece em azul e em itálico é porque a assertiva na questão, originariamente, era verdadeira. Quando aparece apenas em azul, era uma questão falsa que foi adaptada, ou até mes-mo que já fora cobrada em vários concursos, ocasião em que nas notas de rodapé aparece a indicação de “Assunto cobrado”.

Bons estudos!

Professor Sérgio Bautzer

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Capítulo VLEI Nº 12.850/2013 – NOVA LEI DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

CONVENçãO DE PALERMO

A Convenção de Palermo conceitua organização criminosa como

todo grupo estruturado de três ou mais pes soas, existentes há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral.

A 5ª Turma do STJ, no julgamento do HC nº 77.771/SP, que versava sobre o crime de lavagem de dinheiro, fez referência sobre a definição de crime organizado para mencionada Convenção:

Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/1998, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1º da Lei nº 9.034/1995, com a redação dada pela Lei nº 10.217/2001, c/c o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transna-cional, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente.

FINALIDADE DA NORMA

A Lei n° 12.850 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação cri-minal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal para combatê-la.

A Lei n° 9.034/1995 tinha por finalidade definir e regular meios de prova e pro-cedimentos investigatórios que versavam sobre crimes resultantes de ações praticadas por quadrilha, bando, associações e organizações criminosas.

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DA REVOGAçãO DOs CRIMEs DE QuADRILhA Ou BANDO

Quadrilha era reunião em caráter estável e permanente de mais de três pesso-as, para o fim de cometer crimes na zona urbana. Era um delito autônomo, previsto no art. 288 do Código Penal. Se a quadrilha fosse armada, os criminosos respon-deriam como incursos no parágrafo único de tal dispositivo.

Bando era a reunião em caráter estável e permanente de mais de três pessoas, para o fim de cometer crimes na zona rural. Era um delito autônomo, que também estava previsto no art. 288 do Código Penal. Se o bando fosse armado, os criminosos responderiam como incursos no parágrafo único de tal dispositivo.

A nova redação do art. 288 do Código Penal não faz menção ao local da prática dos delitos, o conhecido elemento modal ou espacial.

DO CRIME DE FORMAçãO DE MILíCIA

A Lei n° 12.720/2012 acrescentou um dispositivo ao artigo em comento, tipifi-cando o que é milícia:

Constituição de milícia privada Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização parami-litar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.

QuADRILhA Ou BANDO PARA A PRáTICA DE CRIMEs hEDION-DOs Ou EQuIPARADOs

Quando a quadrilha ou o bando forem formados para prática de crimes hedion-dos ou equiparados, os criminosos responderão como incursos no art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos.

QuADRILhA DE BAGATELA

A expressão “quadrilhas de bagatela” procurava distinguir, ao menos no pla-no doutrinário, organização criminosa do crime de quadrilha ou bando, uma vez que a complexidade e abrangência da primeira não permitem sua equiparação ao segundo.

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

Conforme os professores Abel Fernandes, Geraldo Prado e Willian Douglas (2000):

Não se concebe, por exemplo, que “ladrões de galinha associados” sejam vistos do ponto de vista processual, para fim de limitação de direitos com ampliação de poderes probatórios e também cassação de liberdade, de forma idêntica que aos grupos de fraudadores da Previdência ou aos responsáveis pela circulação ilícita internacional de entorpecente.

Com a edição da lei em comento, continuamos a entender que os meios de in-vestigação e repressão ao crime organizado não se aplicam ao mero concurso eventual de agentes. De acordo com a redação do art. 1º da revogada Lei n° 9.034/1995, apa-rentemente, as disposições previstas na norma poderiam ser aplicadas na investigação e no processo de meras infrações penais praticadas em concurso de agentes, o que não correspondia à realidade. Na verdade, o intuito do legislador era que as disposi-ções fossem aplicadas nas investigações e nos processos que versem sobre os crimes praticados por associações criminosas altamente organizadas, tais como as voltadas para o tráfico de drogas, para o financiamento ou custeio do tráfico e para o genocídio.

CONCEITO DE AssOCIAçõEs CRIMINOsAs / CRIME DE AssO-CIAçãO CRIMINOsA

Não havia um conceito taxativo de associações criminosas até a edição da norma em comento. A Lei n° 12.850/2013 alterou o Código Penal, definindo e tipificando o crime de associação criminosa:

Associação CriminosaArt. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de co-meter crimes:Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

CONCEITO DE ORGANIZAçõEs CRIMINOsAs

A Lei n° 12.694/2012 apenas trouxe o conceito de organizações criminosas para o ordenamento jurídico pátrio:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associa-ção, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou

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indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Sustentamos a revogação do dispositivo supra, tendo em vista o que dispõem os parágrafos 1º e 2º do art. 1º da Lei n° 12.850/2013:

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máxi-mas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.§ 2º Esta Lei se aplica também:I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no es-trangeiro, ou reciprocamente;II – às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de su-porte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

CRIME DE FORMAçãO DE ORGANIZAçãO CRIMINOsA

Não havia no Direito Penal a tipificação de formação de organização criminosa, mesmo com o conceito trazido pela Lei n° 12.694/2012.

Sobre o assunto, vejamos o que decidira a Sexta Turma do STJ:

Informativo nº 343 – Sexta Turma – Organização Criminosa. Atipicidade. De-núncia. Inépcia. Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, decidiu que a referência ao instituto da organização criminosa não afeta a tipicidade. Desse modo, como não há, no ordenamento jurídico nacional (Lei nº 9.034/1995), definição desse instituto, descabe a sua imputação, tipificação, anterioridade e taxatividade. Outrossim, a verificação de todas as características de organização criminosa remete ao exame fático-probatório, vedado na via do habeas corpus. (HC nº 69.694-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julg. em 18/12/2007)

No mesmo sentido, já havia decidido a 1ª Turma do STF:

Organização criminosa e enquadramento legal – 3Em conclusão, a 1ª Turma deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor dos pacientes. Tratava-se, no caso, de writ impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida, por considerar que a denúncia apresentada contra eles descreveria a existência de organização criminosa que se valeria de estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

valores, ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja, da qual aqueles seriam dirigentes, em proveito próprio e de terceiros. A impetração sustentava a atipicidade da conduta imputada aos pacientes – lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa (Lei nº 9.613/1998, art. 1º, VII) – ao argumento de que a legislação brasileira não contemplaria o tipo “organização criminosa” – v. Informativo 567. Inicialmente, ressaltou-se que, sob o ângulo da organização criminosa, a inicial acusatória remeteria ao fato de o Brasil, mediante o Decreto n° 5.015/2004, haver ratificado a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transna-cional – Convenção de Palermo [“Art. 2° Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”].[...]Em seguida, aduziu-se que o crime previsto na Lei n° 9.613/1998 dependeria do enquadramento das condutas especificadas no art. 1º em um dos seus incisos e que, nos autos, a denúncia aludiria a delito cometido por organização criminosa (VII). Mencionou-se que o parquet, a partir da perspectiva de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção das Nações Unidas, afirmara estar compreendida a espécie na autorização normativa. Tendo isso em conta, entendeu-se que a assertiva mostrar-se-ia discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o definisse, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Asseverou-se que, ademais, a melhor doutrina defenderia que a ordem jurídica brasileira ainda não contemplaria pre-visão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Realçou-se que, no rol taxativo do art. 1º da Lei n° 9.613/1998, não constaria sequer menção ao delito de quadrilha, muito menos ao de estelionato – também narrados na exordial. Assim, arrematou-se que se estaria potenciali-zando a referida Convenção para se pretender a persecução penal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem se ter o delito antecedente passível de vir a ser empolgado para tanto, o qual necessitaria da edição de lei em sentido formal e material. Estendeu-se, por fim, a ordem aos corréus. (HC n° 96007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 12/6/2012).

Em 2013, a 1ª Turma, antes da edição da lei em estudo, manteve o entendi-mento acima:

HC: cabimento e organização criminosa – 4Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma declarou extinto habeas corpus pela inadequação da via processual e, por maioria, concedeu a ordem de ofício para trancar ação penal, ante a insubsistência da imputação de crimes de participação em organização criminosa e de lavagem de dinheiro, por ausência, respectiva-mente, de tipificação legal e de delito antecedente – v. Informativos 674 e 706.

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Preliminarmente, externou-se o não cabimento do writ quando possível inter-posição de recurso ordinário constitucional. Considerou-se que a Constituição encerraria como garantia maior essa ação nobre voltada a preservar a liberdade de ir e vir do cidadão. Aduziu-se que se passara admitir o denominado habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional previsto contra decisão judicial em época na qual não haveria a sobrecarga de processos hoje notada. Atualmente, esse quadro estaria a inviabilizar a jurisdição em tempo hábil, levando o STF e o STJ a receber inúmeros habeas corpus que, com raras exceções, não poderiam ser enquadrados como originários, mas medidas intentadas a partir de construção jurisprudencial. Asseverou-se que o habeas corpus substitutivo de recurso ordinário careceria de previsão legal e não estaria abrangido pela garantia constante do art. 5º, LXVIII, da CF. Além disso, o seu uso enfraqueceria a Constituição, especialmente por tornar desnecessário recurso ordinário cons-titucional (CF, arts. 102, II, a, e 105, II, a), a ser manuseado, tempestivamente, contra decisão denegatória, para o Supremo, se proferida por tribunal superior, e para o STJ, se emanada de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. Consignou-se que o Direito seria avesso a sobreposições e que a impetração de novo habeas corpus, embora para julgamento por tribunal diverso, de modo a impugnar pronunciamento em idêntica medida, implicaria inviabilizar a jurisdição, em detrimento de outras situações em que requerida.[...]Salientou-se que teria sido proposta a edição de verbete de súmula que, no en-tanto, esbarrara na falta de precedentes. Registrou-se ser cômodo não interpor o recurso ordinário, quando se poderia, a qualquer momento e considerado o estágio do processo-crime, questionar decisão há muito proferida, mediante o denominado habeas corpus substitutivo, alcançando-se, com isso, a passagem do tempo, a desaguar, por vezes, na prescrição. Reputou-se que a situação não deveria continuar, pois mitigada a importância do habeas corpus e emperrada a máquina judiciária, sendo prejudicados os cidadãos em geral. Aludiu-se que seria imperioso o STF, como guardião da Constituição, acabar com esse círculo vicioso. Uma vez julgado o habeas corpus, acionar-se-ia a cláusula constitucional e interpor-se-ia, no prazo de quinze dias, o recurso ordinário constitucional, po-dendo ser manejado inclusive pelo cidadão comum, haja vista que não se exigiria sequer a capacidade postulatória. Entretanto, concedeu-se a ordem de ofício. Sublinhou-se que o STJ deferira a ordem para trancar a ação penal apenas quanto ao delito de descaminho, porque ainda pendente processo administrativo, mas teria mantido as imputações relativas à suposta prática dos crimes de lavagem de dinheiro e de participação em organização criminosa. Rememorou-se julgado da Turma que assentara inexistir, à época, na ordem jurídica pátria, o tipo “crime organizado”, dado que não haveria lei em sentido formal e material que o tivesse previsto e tampouco revelado a referida pena (HC nº 96007/SP, DJe de 8/2/2013). Concluiu-se, diante da decisão do STJ e do aludido precedente, inexistir crime antecedente no que concerne à lavagem de dinheiro. Vencido o Min. Luiz Fux, que acompanhava o re-lator na preliminar, mas não concedia a ordem de ofício por considerar admissível a prática da lavagem de dinheiro por organização criminosa. (HC nº 108715/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 24/9/2013). (HC-108715) (Grifo nosso).

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

O art. 2º, caput, e seus parágrafos da Lei n° 12.850/2013 tipifica o crime de formação do crime organizado e ainda traz disposições penais sobre o tema:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):I – se há participação de criança ou adolescente;II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações cri-minosas independentes;V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.§ 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.§ 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.§ 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.

DA INVEsTIGAçãO E DOs MEIOs DE OBTENçãO DA PROVA

Os meios de investigação e formação de provas previstos na Nova Lei de Com-bate ao Crime Organizado podem ser aplicados tanto na fase extrajudicial (inquérito policial) como na judicial (processo-crime).

O rol do art. 2º da Lei nº 9.034/1995 não era taxativo, sendo que outras me-didas investigatórias poderiam ser adotadas no combate ao crime organizado, como, por exemplo, a interceptação telefônica, prevista na Lei nº 9.296/1996. O mesmo vale para a Lei nº 12.850/2013.

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Dispunha o art. 2º da Lei nº 9.034/1995:

Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11/4/2001)I – (Vetado).II – a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;III – o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial; (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11/4/2001)V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11/4/2001)Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração. (Parágrafo incluí do pela Lei nº 10.217, de 11/4/2001)

Rege o art. 3º da Lei em estudo:

Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:I – colaboração premiada;II – captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;III – ação controlada;IV – acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;V – interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;VI – afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;VII – infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;VIII – cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e mu-nicipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.

Segundo a Lei n° 12.850/2013, o sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das di-ligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento. Determinado o depoimento do investigado, seu defensor terá assegurada a prévia vista dos autos, ainda que classificados como sigilosos, no prazo mínimo de 3 (três) dias que antecedem ao ato, podendo ser ampliado, a critério da autoridade responsável pela investigação.

AçãO CONTROLADA

A ação controlada, que estava prevista no inciso II do art. 2º da Lei n° 9.034/1995, também é conhecido como diferido, retardado, postergado, ação controlada ou in-terdição policial. Atualmente está previsto no inciso III do art. 3º e no art. 8º da Lei em estudo.

Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concre-tize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.§ 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.§ 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter infor-mações que possam indicar a operação a ser efetuada.§ 3º Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.§ 4º Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.

Rege ainda o art. 9º da norma em comento:

Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

A lei que dispõe acerca da prevenção e repressão de ações praticadas por or-ganizações criminosas estabeleceu a figura da ação controlada, o que significa que, em determinados casos, a autoridade policial poderá retardar a prisão em flagrante dos investigados, desde que os mantenha sob estrita e ininterrupta vigilância.1

1 Assunto cobrado nas seguintes provas: Cespe/Secad-TO/Delegado de Polícia Civil/ 2008; TRF-3ª Região/10º Con-curso/Juiz Federal Substituto; OAB-GO/3º Exame de Ordem/2004; OAB-MG/1º Exame de Ordem/2005; Cespe/PC-PB/ Agente de Investigação e Escrivão/2009.

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A ação controlada deve ser concretizada no momento mais eficaz para a for-mação de provas e o fornecimento de informações.

Por meio da imposição legal, a autoridade policial e seu agentes poderão re-tardar a prisão em flagrante quando estiverem diante de estado flagrancial de crimes praticados por organizações criminosas.

Outro ponto a ser ressaltado é que não há necessidade de se saber o local da sede do grupo da organização criminosa para haver o flagrante retardado.

Ainda aqui é importante lembrar que a ação controlada afasta a obrigatorieda-de da prisão em flagrante realizada pelas autoridades e seus agentes, prevista no art. 301 do CPP, quando encontrarem alguém em flagrante delito.

Não há necessidade de autorização judicial. Contudo, na Lei de Drogas, será exigida decisão judicial para se utilizar da chamada entrega vigiada, que é um meio de investigação que consiste basicamente no monitoramento das ações de traficantes de substâncias entorpecentes.

O flagrante prorrogado não poderá ser confundido com outras modalidades de flagrante, tais como o provocado, esperado ou o forjado.

DIFERENçA ENTRE ENTREGA VIGIADA E AçãO CONTROLADA

A entrega vigiada pode ser definida como uma técnica de investigação pela qual a autoridade judicial permite que um carregamento de drogas enviado ocultamente em qualquer tipo de transporte possa chegar ao seu destino sem ser interceptado, a fim de se poder identificar o remetente, o destinatário e os demais participantes dessa manobra criminosa (JESUS, 2002).

Tal modalidade de investigação está prevista no art. 53, II, da Lei de Drogas, in verbis:

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judi-cial e ouvido o Ministério Pú blico, os seguintes procedimentos investigatórios:[...]II – a não atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a iden tificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

Nota-se que a entrega vigiada tem por objetivo identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição de drogas, en-quanto na ação controlada a finalidade é de reunir maior número de provas contra membros de organizações criminosas.

A entrega vigiada não está prevista na Nova Lei de Combate ao Crime Orga-nizado.

A entrega vigiada necessita de autorização judicial, o que não ocorria no fla-grante prorrogado, até a edição da Lei n° 12.850/2013.

Assim decidiu o STJ:

Pretende-se afastar, por falta de prévia manifestação do MP, a decisão que de-feriu a busca e apreensão em sede de investigação requerida pela autoridade policial, bem como reconhecer a ilegalidade do ato praticado pela polícia, que “acompanhou” o veículo utilizado para o transporte de quase meia tonelada de cocaína, retardando a abordagem. Quanto ao primeiro tema, vê-se que não há dispositivo legal a determinar obrigatoriamente que aquela medida seja precedida da anuência do membro do Parquet. Ademais, a preterição de vista ao MP deu--se em razão da urgência da medida, bem como da ausência, naquele momento, do representante do MP designado para atuar na vara em questão. Já quanto à segunda questão, a ação policial controlada (art. 2º, II, da Lei nº 9.034/1995) não se condiciona à prévia permissão da autoridade judiciária, o que legitima o policial a retardar sua atuação com o fim de buscar o momento mais eficaz para a formação de provas e fornecimento de informações”. (HC nº 119.205-MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julg. em 29/9/2009)

INTERCEPTAçãO AMBIENTAL

A interceptação ambiental, que não pode ser confundida com a telefônica, es-tava prevista no inciso IV do art. 2º da Lei nº 9.034/1995, e pode ser definida como a captação da conversa entre dois ou mais interlocutores por um terceiro desconheci-do deles, que esteja nas proximidades ou no mesmo ambiente em que se desenvolve a conversa.

Já a escuta ambiental é a mesma captação, realizada com o consentimento de um dos interlocutores, no mesmo ambiente ou não em que se desenvolve o diálogo.

Nas duas hipóteses há necessidade de autorização judicial. Já a gravação am-biental não necessita de autorização judicial e pode ser definida como a captação da conversa entre interlocutores por um deles sem o conhecimento do outro.

Sobre o assunto, o que há de mais moderno é a possibilidade de se realizar a escuta ambiental em escritório de advocacia, desde que o local seja utilizado para acobertar a prática de infrações penais. Senão vejamos o que dispõe o Informativo nº 529 do STF:

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

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Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período No-turno – 5Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de captação acústica e acesso a documentos no am-biente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, aden-trara o local três vezes durante o recesso e de madrugada. Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei nº 9.034/1995, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos. Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser reali-zadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao pú-blico, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei nº 8.906/1994 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondên-cia, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB. Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Aduziu-se que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito à ampla defesa, não sendo admissível que a inviola-bilidade transforme o escritório no único reduto inexpugnável de criminalidade. Enfatizou-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quan-do em conflito prático segundo os princípios da concordância. Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por en-contrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico--jurídico constitucional, já que a restrição consequente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invasão do escritório

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF. (Inq nº 2.424/RJ, Plenário, Rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20/11/2008)

A título de exemplo, suponha que, por determinação judicial, tenha sido instalada escuta ambiental no escritório de advocacia de Pedro, para apurar a sua participação em fatos criminosos apontados em ação penal. Nessa situação hipotética, se essa es-cuta foi instalada no turno da noite, quando vazio estava o escritório em tela, eventual prova obtida nessa diligência não será ilícita, pois não haverá violação ao domicílio, pois preenchidos os requisitos legais2.

INFILTRAçãO DE AGENTEs DE POLíCIA EM ORGANIZAçõEs CRI-MINOsAs

Rege a nova Lei de Combate ao Crime Organizado:

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.§ 1º Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.§ 2º Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.§ 3º A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade.§ 4º Findo o prazo previsto no § 3º, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.§ 5º No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração.Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.Art. 12. O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.§ 1º As informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigi-das diretamente ao juiz competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do

2 Assunto cobrado na seguinte prova: Cespe/TRF 5ª Região/Juiz/2009.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

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delegado de polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.§ 2º Os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanha-rão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente.§ 3º Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.Art. 14. São direitos do agente:I – recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;II – ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas;III – ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;IV – não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

No passado, a infiltração de agentes estava prevista no inciso V do art. 2º da revogada Lei nº 9.034/1995.

Infiltração quer dizer, segundo Cobra (1997),

[...] o trabalho de agente de polícia consistente na sua introdução em determi-nado meio, sem que sua real atividade seja conhecida, para nele trabalhar ou viver, temporariamente, como parte integrante do ambiente, com a finalidade de descobrir ou apurar alguma coisa.

Continua não sendo possível a infiltração de particulares em organizações cri-minosas.

A Lei n° 12.850/2013 passou a regular a atuação do agente infiltrado quando inserido no seio de uma organização criminosa. A Lei nº 9.034/1995 não previa seu modo de atuação, muito menos se ele poderia praticar delitos para preservar sua verdadeira identidade.

Permite a lei que, mediante autorização judicial, venham a atuar como agentes infiltrados apenas os agentes de polícia, não havendo menção aos chamados agentes de inteligência.

Assim, a lei não permite que venham a atuar como agentes infiltrados os membros do Ministério Público, agentes da Polícia Rodoviária Federal, ou, ainda, os presos que venham a colaborar para o desmantelamento da organização criminosa.

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

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DO ACEssO A REGIsTROs, DADOs CADAsTRAIs, DOCuMENTOs E INFORMAçõEs

O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e ad-ministradoras de cartão de crédito.

As empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens.

As concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cin-co) anos, à disposição das autoridades mencionadas, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais.

DOs CRIMEs OCORRIDOs NA INVEsTIGAçãO E NA OBTENçãO DA PROVA

A Lei n° 12.850/2013 trouxe novos crimes para o ordenamento jurídico pátrio:

Art. 18. Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito:Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.Art. 20. Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes:Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.Art. 21. Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo:Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.

JuIZ INQuIsIDOR

A revogada Lei nº 9.034/1995, mais especificamente em seu art. 3º, previa a hipótese de diligências realizadas pessoalmente pelo juiz ainda na fase do inquérito.

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

Dispunha o art. 3º da Lei nº 9.034/1995:

Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça. (Vide Adin nº 1.570-2, Pleno, de 11/11/2004, que declara a inconstitucionalidade do art. 3º no que se refere aos dados “Fiscais” e “Eleitorais”)§ 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.§ 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto cir cunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.§ 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de divulgação.§ 4º Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.§ 5º Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Mi-nistério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça.

O dispositivo em comento foi submetido ao crivo do Supremo Tribunal Federal. No julgamento da ADI nº 1570/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. em 12/2/2004, Tribunal Pleno, foi declarada a inconstitucionalidade do dispositivo no que se refere a dados fiscais e eleitorais. O guardião da CF decidiu que:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 9.034/1995. Lei Comple-mentar nº 105/2001. Superveniente. Hierarquia superior. Revogação implíci-ta. Ação prejudicada, em parte. “Juiz de Instrução”. Realização de diligências pessoalmente. Competência para investigar. Inobservância do devido processo legal. Imparcialidade do Magistrado. Ofensa. Funções de investigar e inquirir. Mitigação das atribuições do Ministério Público e das Polícias Federal e Civil. 1. Lei nº 9.034/1995. Superveniência da Lei Complementar nº 105/2001. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreen-

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

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são de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pes-soalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, art. 129, I e VIII e § 2º; e 144, § 1º, I e IV, e § 4º). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte.

Segundo Nucci (2010, p. 289): “Em conclusão, no entanto, com equívoco ou sem ele, pode-se deduzir não mais estar em vigor art. 3º da Lei nº 9.034/1995”.

A Lei n° 12.850/2013 não possui dispositivo análogo ao estudado neste tópico.

IDENTIFICAçãO CRIMINAL DOs ENVOLVIDOs COM ORGANIZA-çõEs CRIMINOsAs

Regia o revogado art. 5º da Lei de Combate ao Crime Organizado:

Art. 5º A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil.

A identificação criminal é composta pela identificação datiloscópica (coleta de impressões digitais) e pela identificação fotográfica.

Um dos atos que compõem o indiciamento formal de um suspeito é a identifi-cação criminal, conhecida nos meios policiais como “tocar piano”.

A identificação tem sua razão de ser no fato de que cada ser humano possui saliências papilares únicas, o que o diferencia dos demais.

Antes da promulgação da CF de 1988, o STF sumulou o seguinte entendimen-to: “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indicia-do já tenha sido identificado civilmente” (Súmula nº 568, STF).

Em 1988, a CF passou a dispor, em seu art. 5º, LVIII: “O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.”

Tendo em vista se tratar de uma norma constitucional de eficácia contida, para regulamentá-la foi editada a Lei nº 10.054/2000, posteriormente revogada pela Lei nº 12.037/2009.

Rege a atual Lei de Identificação Criminal que o civilmente identificado por do-cumento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando:

•o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

•o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indi-ciado;

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

•o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações con-flitantes entre si;

•identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despa-cho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

•constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

•o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expe-dição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não serão submeti-dos à identificação criminal os indiciados que se envolvam em ações praticadas por organizações criminosas. Apesar de o art. 5º da revogada Lei nº 9.034/1995 estipular a obrigatoriedade de identificação criminal, tal dispositivo foi revogado tacitamente pela extinta Lei nº 10.054/2000, como pode ser percebido pelo RHC n° 12.968-DF, (5ª Turma) do Superior Tribunal de Justiça:

Penal. Recurso Ordinário em Habeas corpus, art. 4º da Lei nº 7.492/1986 e arts. 288 e 312 do Código Penal. Identificação Criminal dos Civilmente Identificados. Art. 3º, caput e incisos, da Lei nº 10.054/2000. Revogação do art. 5º da Lei nº 9.034/1995. O art. 3º, caput e incisos, da Lei nº 10.054/2000 enumerou, de forma incisiva, os casos nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5º da Lei nº 9.034/1995, o qual exige que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime or-ganizado seja realizada independentemente da existência de identificação civil. Recurso provido.

A tese sustentada da revogação perdeu força, como se vê diante da leitura da Lei nº 12.037/2009, que não traz mais em seu bojo o rol taxativo de crimes em que o indiciado ou acusado obrigatoriamente deveria ser submetido à identificação criminal. Assim, dependerá da análise do caso concreto para que a Autoridade determine a submissão do indiciado ou acusado da prática de infração penal ao processo datilos-cópico ou fotográfico.

Sustentávamos que, por se tratar de norma especial editada para se reprimir a atuação de organizações criminosas, o art. 5º da revogada Lei nº 9.034/1995 conti-nuava em vigor, mesmo com a edição da Lei nº 10.054/2000.

A Lei n° 12.850/2013 silenciou acerca da obrigatoriedade da submissão dos membros do crime organizado à identificação criminal, devendo então ser observada as regras gerais, previstas na Lei nº 12.037/2009.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

22

COLABORAçãO PREMIADA

É um benefício dado ao membro do crime organizado como consequência da delação de envolvidos com o crime organizado e a elucidação das infrações penais por eles praticadas.

Os requisitos para concessão do benefício:

•adelaçãodeveestarrelacionadaaumainfraçãopenalpraticadapelaorgani-zação criminosa;

•adelaçãodeveserespontânea,semquetenhaexistidoanteriorsugestãodeterceiro. O delator é quem deve procurar as Autoridades Públicas para que haja a formalização da delação;

•eficáciadadelação,possibilitandooalcancedeumadasfinalidadeselencadasnos incisos do artigo 4º da Nova Lei de Combate ao Crime Organizado.

Sobre o assunto rege a Lei nº 12.850/2013:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).§ 3º O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao co-laborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

§ 4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:I – não for o líder da organização criminosa;II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.§ 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a for-malização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.§ 8º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requi-sitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.§ 9º Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompa-nhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações.§ 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincri-minatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.§ 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colabora-dor poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.§ 13. Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor.§ 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.Art. 5º São direitos do colaborador:I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser foto-grafado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

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VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados;II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.§ 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.§ 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.§ 3º O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5º.

Vale mencionar que outras leis trazem em seu bojo a colaboração premiada:

•art.159doCódigoPenal,sobrecrimesdeextorsãomediantesequestro(re-dação dada pela Lei nº 9.269, de 2/4/1996, ao § 4º do art. 159 do CP);

•Leinº8.072,de25/7/1990,sobrecrimeshediondos(art.8º,parágrafoúnico);

•Leinº8.137,de27/12/1990,sobrecrimescontraaordemtributária,econô-mica e contra as relações de consumo (art. 16, parágrafo único);

•Leinº9.613,de3/3/1998,sobrelavagemdedinheiro(art.1º,§5º);

•Leinº9.807,de13/7/1999,sobreprogramadeproteçãoavítimasetestemu-nhas (art. 14).

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

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LIBERDADE PROVIsóRIA

A última modalidade de liberdade provisória vedada ou proibida do sistema processual penal deixou de existir com a revogação da Lei n° 9.034/1995.

Rezava o art. 7º da revogada Lei: “Não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa.”

A liberdade provisória é concedida ao réu preso cautelarmente. É uma garantia constitucional prevista no art. 5º, LXVI, da CF, que diz que “ninguém será levado à pri-são ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

A fiança é a garantia real prestada pelo preso para garantir sua liberdade, apre-sentando dupla finalidade: substituir a prisão, isto é, o indiciado ou acusado obtém sua liberdade mediante o recolhimento de determinado valor, que pode ser em bens ou dinheiro; proporcionar a reparação do dano, a satisfação da pena de multa, da pena pecuniária e custas processuais, no caso de o indiciado ou acusado ser condenado.

Pela leitura do revogado art. 7º da Lei do Crime Organizado verificava-se que os indivíduos que tivessem intensa e efetiva participação na organização criminosa não teriam o direito da liberdade provisória com ou sem fixação de fiança.

Dessa forma, apesar da existência de vedação expressa à liberdade provisória no revogado diploma, tal dispositivo deveria ser interpretado de acordo com o art. 312 do Código de Processo Penal. Se estivessem ausentes os requisitos da prisão preventiva, o membro de organização criminosa poderia responder ao processo em liberdade.

Na jurisprudência, como referência o HC nº 61.631 (5ª Turma) do Superior Tribunal de Justiça, que tratava da concessão da liberdade provisória aos membros de organização criminosa:

Habeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecente e posse irregular de arma de fogo. Pedido de liberdade provisória indeferido. Superveniência de sentença condenatória que mantém, nos termos do decreto constritivo anterior, o cárcere cautelar. Inexistência de motivação válida. Necessidade da custódia provisória não demonstrada. Precedentes.1. A custódia cautelar do Paciente está sendo mantida, na hipótese, pelos fun-damentos da decisão que lhe negou o benefício da liberdade provisória, apenas em face da vedação trazida pela Lei dos Crimes Hediondos e em argumentos abstratos, desprovidos de qualquer suporte fático, que não podem respaldar a prisão provisória.2. Mesmo para os crimes em que há vedação expressa à liberdade provisória, como é o caso do Estatuto do Desarmamento, da Lei dos Crimes Hediondos e a das Organizações Criminosas, prestigia-se a regra constitucional da liber-dade em contraposição ao cárcere cautelar, quando não houver demonstrada a necessidade da segregação.

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

3. Exige-se concreta fundamentação judicial para se decretar ou manter a prisão cautelar, com demonstração dos pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de desres peito ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.4. Ordem concedida para revogar a prisão provisória do ora Paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada. (Grifo nosso)

Cumpre ressaltar que a Lei nº 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, reproduziu o disposto na CF, ao dizer que não será concedida fiança nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, o que se inclui as ações praticadas pelas organizações criminosas.

Agora a liberdade provisória permitida sem a fixação de fiança pode ser conce-dida, uma vez que a Lei n° 12.694/2012 diz que em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá de-cidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especial-mente concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão de seu membros.

Em síntese, o crime de formação de organização criminosa é inafiançável, po-rém admite liberdade provisória sem a fixação de fiança, como ocorre com os crimes hediondos e equiparados.

Quadro Comparativo

Crimes Hediondos e terroris-

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Crimes de Tráfico – arts. 33, caput e § 1º, arts. 34 a 37, todos da Lei n° 11.343/2006.

Tortura Racismo (crime de precon-ceito – Lei

n° 7.716/1989)

Ação de Grupo Armado Civil ou Militar contra Es-tado Democrático de Direito e a Or-

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Punido com pena de reclusão.

PRAZO PARA ENCERRAMENTO DA INsTRuçãO CRIMINAL

A instrução criminal é a fase do processo em que são produzidas as provas em juízo, com a incidência da ampla defesa e do contraditório. Os elementos informativos

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

28

colhidos durante o inquérito policial, sem a incidência dos mencionados princípios, serão produzidos novamente, agora observado o devido processo legal.

Dispunha o art. 8º da Lei nº 9.034/1995:

Art. 8º O prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos por crime de que trata esta Lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e de 120 (cento e vinte) dias, quando solto.

O prazo de encerramento da instrução criminal não pode ser confundido com o prazo de encerramento do inquérito policial.

Com a reforma do Código de Processo Penal, há novos prazos para conclusão das audiências de instrução e julgamento.

Sustentávamos que, diante dos novos prazos dispostos no Código de Processo Penal, houve a revogação do art. 8º do Crime Organizado.

Segundo o art. 400 do Estatuto Processual Penal, no procedimento ordinário a audiência de instrução e julgamento será realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias.

Já o art. 412 do CPP diz que, no procedimento do júri, a primeira fase (o cha-mado sumário da culpa) será concluída no prazo máximo de 90 (noventa) dias.

No procedimento sumário previsto no art. 531 do CPP, a audiência de instru-ção e julgamento será realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias.

O excesso de prazo durante a instrução criminal pode ensejar a revogação da prisão cautelar do acusado, mas tal premissa será flexibilizada de acordo com o caso concreto. Vejamos o que já decidiu o STJ:

HC nº 58.462-MS (5ª Turma) – STJHabeas corpus. Tráfico Internacional de Drogas, Lavagem de Dinheiro, Sonegação Fiscal etc. Conexidade entre os crimes. Competência da Justiça Federal. Criação de vara especializada. Redistribuição dos feitos. Competência em razão da ma-téria, portanto, absoluta. Questões já resolvidas nos conflitos de competência anteriormente suscitados. Alegação de excesso de prazo na custódia cautelar. Feito complexo. Necessidade de dilação dos prazos para encerramento da ins-trução criminal. Incidência do princípio da razoabilidade.1. Alegações de litispendência entre ações, nulidade da instrução criminal e incom-petência do juízo processante. Questões que restaram prejudicadas em decor-rência do superveniente julgamento pela Eg. Terceira Seção do CC nº 57.838-MS e do CC nº 51.139-MS, por mim relatados, ocasião em que fora determinada a reunião dos processos e declarada a competência do Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande – SJ/MS.2. Mesmo com os percalços decorrentes dos conflitos de competência suscitados – todos já devidamente solucionados – , nenhuma desídia teve lugar na condução da fase instrutória. O feito, outrossim, denota evidente complexidade, tendo

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

em vista o grande número de pessoas em tese envolvidas nas ações delituosas imputadas à organização criminosa que, dentre outras atividades, dedica-se ao tráfico internacional de drogas, com atuação em vários Estados da Federação.3. Os prazos indicados para a consecução da instrução criminal servem apenas como parâmetro geral, porquanto variam conforme as peculiaridades de cada processo, razão pela qual a jurisprudência uníssona os tem mitigado.4. Nesse contexto, consoante o princípio da razoabilidade, resta devidamente justificada a necessária dilação do prazo para conclusão da fase instrutória, mor-mente quando se tem em conta a complexidade do feito.5. Habeas corpus julgado parcialmente prejudicado e, no mais, denegada a ordem.

A Lei n° 12.694/2012 diz que em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

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•inclusãodopresonoregimedisciplinardiferenciado.

O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

O colegiado, cuja competência se limita ao ato para o qual foi convocado, será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.

As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicida-de resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial, sendo que a reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via ele-trônica.

As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exce-ção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamen-tando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento.

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Os crimes previstos na Lei n° 12.850/2013 e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário previsto no Código de Processo Penal, sendo que a instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu.

DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE

Regia o art. 9º da revogada Lei n° 9.034/1995: “O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta lei”.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se manifestando no sentido de que so-mente será imposto ao réu o recolhimento provisório quando presentes as hipóteses do art. 312, do CPP, havendo, assim, uma releitura da sua Súmula nº 09: “a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.

O STJ já decidiu:

HC nº 65.174-MG (5ª Turma) – STJHabeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecentes. Prisão em flagrante. Crime hediondo. Liberdade provisória. Denegação. Ausência de motivação concreta. Constrangimento ilegal. Superveniência de sentença condenatória. Indeferimento do direito de apelar em liberdade. Falta de fundamentação da prisão cautelar. Ilegalidade.1. A prisão provisória é uma medida extrema e excepcional, que implica sacrifício à liberdade individual, sendo imprescindível, em face do princípio constitucional da inocência presumida, a demonstração dos elementos objetivos, indicativos dos motivos concretos autorizadores da medida constritiva.2. O advento de sentença condenatória não legaliza, de per si, custódia cautelar carente de fundamentação legal, motivada apenas na hediondez do crime de tráfico. A negativa do apelo em liberdade, no caso, deve apresentar fundamentos concretos da imprescindibilidade da medida.3. Mesmo para os crimes em que há vedação expressa à liberdade provisória, como é o caso da Lei dos Crimes Hediondos e a das Organizações Criminosas, a teor da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, remanesce a necessidade de fundamentação concreta para o indeferimento do pedido, prestigiando-se, assim, a regra constitucional da liberdade em contraposição ao cárcere cautelar, quando não houver demonstrada a necessidade da segregação. Precedentes.4. Ordem concedida em relação aos Pacientes e habeas corpus concedido de ofício ao corréu Sólon Queiroz Gonçalves, para determinar que sejam colocados em liberdade provisória, durante processamento da apelação interposta, sem prejuízo de eventual decretação de custódia cautelar, devidamente fundamentada.

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Capítulo V – Lei nº 12.850/2013 – Nova Lei de Combate ao Crime Organizado

Assim como no art. 7º da revogada Lei n° 9.034/1995, o operador do Direito deveria interpretar o art. 9º de acordo com o art. 312 do Código de Processo Penal. Se estivessem ausentes os requisitos da prisão preventiva, o membro de organização criminosa poderia apelar em liberdade.

Cumpre ressaltar que o art. 595 do CPP foi revogado pela Lei nº 12.403/2011, sendo que se o réu condenado fugir depois de haver apelado, atualmente, não será declarada deserta a apelação.

REGIME DE CuMPRIMENTO DE PENA

A progressão de regime consiste na passagem do regime mais rigoroso para outro mais brando de cumprimento de pena privativa de liberdade.

Há três regimes de cumprimento de pena: o fechado, o semiaberto e o aberto. O Brasil adota o sistema progressivo.

A revogada Lei n° 9.034/1995 determinava que o condenado por crime decor-rente de organização criminosa iniciaria o cumprimento da pena no regime fechado, podendo progredir para o semiaberto e em seguida para o aberto.

Note que a Lei de Execução Penal prevê, no § 2º do art. 52, que estará sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

O regime disciplinar diferenciado tem as seguintes características: duração má-xima de trezentos e sessenta dias, não levando em conta a hipótese da aplicação quando do cometimento de nova falta grave; o recolhimento em cela individual; vi-sitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de sol.

A Lei n° 12.694/2012 diz que em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente, a progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena, a concessão de liber-dade condicional, transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima e inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

REFERêNCIAs

COBRA, Coriolano Nogueira. Manual de investigação policial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

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GOMES, Abel Fernandes. Crime Organizado e suas conexões com o Poder Públi-co: Comentários a Lei nº 9.034/1995: Considerações críticas/ Abel Fernandes Gomes, Geraldo Prado e Willian Douglas. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.

JESUS, Damásio de. Entrega vigiada. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus. 2002. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

SOUZA Nucci, de Guilherme. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. Editora Revista dos Tribunais. 5ª edição, 2010.

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Capítulo VIICRIMEs hEDIONDOs

E EQuIPARADOs

Em 2012, o Plenário do STF declarou inconstitucional a obrigatoriedade do iní-cio do cumprimento da pena em regime fechado, no caso de condenação por crimes hediondos ou equiparados. Vejamos notícias extraídas do site www.stf.jus.br, acesso em 12/7/2012, às 22h28:

Condenado por tráfico pode iniciar pena em regime semiaberto, decide STF.Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) conce-deu, durante sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta-feira (27), o Habeas Corpus (HC) nº 111.840 e declarou incidentalmente* a inconstitu-cionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, com redação dada pela Lei nº 11.464/2007, o qual prevê que a pena por crime de tráfico será cumprida, inicialmente, em regime fechado.No HC, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo pedia a concessão do habeas para que um condenado por tráfico de drogas pudesse iniciar o cum-primento da pena de seis anos em regime semiaberto, alegando, para tanto, a inconstitucionalidade da norma que determina que os condenados por tráfico devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado.O julgamento teve início em 14 de junho de 2012 e, naquela ocasião, cinco mi-nistros se pronunciaram pela inconstitucionalidade do dispositivo: Dias Toffoli (relator), Rosa Weber, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso. Em sentido contrário, se pronunciaram os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que votaram pelo indeferimento da ordem.Na sessão de hoje (27), em que foi concluído o julgamento, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto acompanharam o voto do relator, minis-tro Dias Toffoli, pela concessão do HC e para declarar a inconstitucionalidade

* O controle incidental de constitucionalidade se dá em qualquer instância judicial, por juiz ou tribunal, em casos concretos, comuns e rotineiros. Também chamada de controle por via difusa, por via de defesa, ou por via de exceção. Ocorre quando uma das partes questiona à Justiça sobre a constitucionalidade de uma norma, prejudicando a própria análise do mérito, quando aceita tal tese. Os efeitos (de não subordinação à lei ou norma pela sua inconstitucionalidade) são restritos ao processo e às partes, e em regra, retroagem desde a origem do ato subordinado à inconstitucionalidade da lei/norma assim declarada.

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do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990. De acordo com o entendimento do re-lator, o dispositivo contraria a Constituição Federal, especificamente no ponto que trata do princípio da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI).

E mais:

Lei nº 8.072/1990 e regime inicial de cumprimento de pena – 7É inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990 (“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: [...] § 1º A pena por crime previsto nes-te artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deferiu habeas corpus com a finalidade de alterar para semiaberto o regime inicial de pena do paciente, o qual fora condenado por tráfico de drogas com reprimenda inferior a 8 anos de reclusão e regime inicialmente fechado, por força da Lei nº 11.464/2007, que instituíra a obrigatoriedade de imposição desse regime a crimes hediondos e asseme-lhados – v. Informativo 670. Destacou-se que a fixação do regime inicial fe-chado se dera exclusivamente com fundamento na lei em vigor. Observou-se que não se teriam constatado requisitos subjetivos desfavoráveis ao paciente, considerado tecnicamente primário. Ressaltou-se que, assim como no caso da vedação legal à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico – já declarada inconstitucional pelo STF –, a definição de regime deveria sempre ser analisada independen-temente da natureza da infração. Ademais, seria imperioso aferir os critérios, de forma concreta, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucional-mente ao indivíduo. Consignou-se que a Constituição contemplaria as restri-ções a serem impostas aos incursos em dispositivos da Lei nº 8.072/1990, e dentre elas não se encontraria a obrigatoriedade de imposição de regime ex-tremo para início de cumprimento de pena. Salientou-se que o art. 5º, XLIII, da CF, afastaria somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena. Vencidos os Mi-nistros Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que denegavam a ordem. HC nº 111.840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27/6/2012. (HC-111840)

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CAPÍTULO XIILAVAGEM DE DINhEIRO

COMENTÁRIOS SOBRE A LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO (LEI Nº 9.613/1998 – COM AS ALTERAçõES

PROMOVIDAS PELA LEI Nº 12.683/2012)

A Lei nº 9.613/1998 dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores.

Rege, ainda, a prevenção da utilização do sistema financeiro para os crimes de lavagem de dinheiro e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf.

Em 2012, ocorreram alterações profundas na norma em comento para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

hIsTóRICO

Conforme nos ensina Nucci (2009, p. 826), o termo lavagem de dinheiro vem da cultura norte-americana, tendo em vista que na década de 20 do século passado,

[...] quando a Máfia criou várias lavanderias para dar aparência lícita a negócios ilícitos, ou seja, buscava-se justificar, por intermédio de um comércio legalizado a origem criminosa do dinheiro arrecadado [...].

FAsEs DA LAVAGEM DE DINhEIRO

É oportuno citar os ensinamentos de Andreucci (2009, p. 388):

a) Conversão, também chamada de ocultação ou colocação (placement), em que o dinheiro é aplicado no sistema financeiro ou transferido para outro local – normalmente, movimenta-se o dinheiro em pequenas quantias – para diluir ou fracionar as grande somas.

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b) Dissimulação, também chamada de controle ou estratificação (empilage), que objetiva dissociar o dinheiro de sua origem, dificultando a obtenção de sua ilega-lidade (rastreamento) – geralmente o dinheiro é movimentado de forma eletrô-nica, ou depositando em empresas-fantasma, ou misturado com dinheiro lícito.c) Integração (integration), fase final e exaurimento da lavagem de dinheiro, em que o agente cria explicações legítimas para os recursos, aplicados, agora de modo aberto, como investimentos financeiros ou compra de ativos (ouro, ações, veículos, imóveis etc.) podem surgir as organizações de fachada.

DOs CRIMEs DE “LAVAGEM” Ou OCuLTAçãO DE BENs, DIREITOs E VALOREs

Antes das alterações promovidas pela Lei n° 12.683/2012, existia um rol taxati-vo de crimes no art. 1º, que eram chamados de antecedentes, pois os bens, direitos e valores a serem ocultados deviam ser provenientes da prática de tais delitos.

Regia o art. 1º da lei em comento:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movi-mentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;II – de terrorismo e seu financiamento;III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção3;IV – de extorsão mediante sequestro;V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;VI – contra o sistema financeiro nacional;VII – praticado por organização criminosa.VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira [...]

O artigo em testilha passou a ter a seguinte redação:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, mo-vimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)I – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)II – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)III – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)IV – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)V – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

3 Assunto cobrado na seguinte prova: OAB-RS/1° Exame/2007.

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

VI – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)VII – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)VIII – (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Objeto Material

É a coisa sobre a qual recai a conduta da pessoa, no caso, o bem, objeto ou valor proveniente do crime.

Objeto Jurídico

Conforme Nucci (2009, p. 829), o “[...] objeto jurídico é complexo envolvendo a ordem econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, a paz pública e a admi-nistração da justiça”.

O objeto jurídico é o bem protegido pelo Direito Penal e, nesse caso, eles são vários, por isso o festejado autor diz que é complexo.

Elemento subjetivo

Os crimes previstos na Lei de Lavagem são dolosos. É discutível se seria possí-vel a prática dos crimes de lavagem de dinheiro com dolo eventual.

Não podemos deixar de citar o Professor Renato Brasileiro (2009):

Acerca do tema em debate, merece destaque a jurisprudência norte-americana que admite a prática do delito de lavagem de dinheiro através da denominada willfull blindness, conscious avoidance doctrine ou ostrich instructions, literalmente a doutrina da “cegueira deliberada”, de “evitar a consciência” ou “instruções de avestruz” [...]

Citando Sérgio Moro, Renato Brasileiro nos ensina:

a willful blindness doctrine tem sido aceita pelas cortes norte-americanas quando há prova de:a) que o agente tinha conhecimento da elevada possibilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos eram provenientes do crime; e b) que o agente agiu de modo indiferente a esse conhecimento. Restará configurado, portanto, o dolo eventual, quando estiver comprovado que o agente tenha deliberado pela escolha de permanecer ignorante a respeito de fatos quando tinha essa possibi-lidade, ou seja, conquanto tivesse condições de aprofundar seu conhecimento quanto à origem dos bens, direitos ou valores, preferiu permanecer alheio a esse conhecimento.

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Prossegue o festejado autor:

O caso United State vs Campbell, 977 F.2d 854 (4th Cr. 1992), decidido pelo Quarto Circuito Federal, pode ilustrar a utilização da referida doutrina. E. C. foi acusada de crime de lavagem de dinheiro. Ela, agente imobiliária, teria atendido M. L., traficante de drogas, em uma transação imobiliária. L. teria se apresentado como legítimo empresário. Tiveram vários encontros de negócios nos quais ele aparecia com carros de luxo, certas vezes com um porsche vermelho, outras com um porsche dourado. Em um dos encontros mostrou a Campbell uma maleta contendo U$ 20.000,00 em dinheiro a fim de demonstrar a capacidade financeira para adquirir um imóvel. Finalmente, fecharam negócio acerca de um imóvel, tendo o traficante concordado em pagar por ele U$ 182.500,00 e convencido Campbell a aceitar o pagamento de U$ 60.000,00 por fora e celebrar o contrato escrito pela diferença. Os U$ 60.000,00 foram pagos em dinheiro em pequenos pacotes de compras. Dentre as provas produzidas, encontra-se depoimento de testemunha segundo a qual Campbell teria declarado que o dinheiro poderia ser proveniente de drogas. O júri federal recebeu as seguintes instruções: “O elemento do conhecimento pode ser satisfeito por inferências extraídas da prova de que o acusado deliberadamente fechou os olhos para o que, de outra maneira, lhe seria óbvio. Uma conclusão acima de qualquer dúvida razoável da existência de propósito consciente de evitar a descoberta pode permitir inferência quanto ao conhecimento. Colocado de outra maneira, o conhecimento do acusado acerca de um fato pode ser inferido da ignorância deliberada acerca da existência do fato. Depende inteiramente do júri concluir acerca da existência de deliberado fechar de olhos e as inferências devem ser extraídas de qualquer evidência. A demonstração de negligência não é suficiente para concluir acerca da presença de vontade ou conhecimento. Eu previno vocês que uma acusação de cegueira deliberada não os autoriza a concluir que o acusado agiu com conhecimento por-que ele deveria saber o que estava ocorrendo quando da venda da propriedade ou que, em exercício de adivinhação, ele deveria saber o que estava ocorrendo ou porque ele foi incauto ou tolo em reconhecer o que estava ocorrendo. Ao contrário, o Governo deve provar acima de qualquer dúvida razoável que o acusado motivadamente e deliberadamente teria fechado os olhos para a origem do dinheiro utilizado para a aquisição do imóvel. Transcreve-se, por relevante, o seguinte trecho da decisão do Quarto Circuito: “O Governo deve apenas demonstrar que o acusado tinha conhecimento de que a transação destinava-se a lavar produto ilícito. A distinção é crítica em casos como o presente, no qual o acusado é uma pessoa distinta do indivíduo que é a fonte do dinheiro sujo. Está claro pelos autos que Campbell não agiu com o propósito específico de lavar dinheiro de droga. Seu motivo, sem dúvida, era fechar o negócio imobiliário e coletar sua comissão sem se importar com a fonte do dinheiro ou com o efeito da transação em ocultar parte do preço da venda. Todavia as motivações de C. são irrelevantes. Nos termos da lei, a questão relevante não é propósito de C., mas sim seu conhecimento do propósito de Lawing.

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

sujeito Ativo

Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa, in-cluindo aquela que praticou os chamados crimes antecedentes.

Nos termos da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1988, são puníveis os fatos nela previstos como crime, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.

sujeito Passivo

É o Estado.

Tentativa

É cabível a forma tentada nos crimes em estudo, porém é de se ressaltar que não era necessário que o legislador fizesse, no § 3º do dispositivo em comento, a menção sobre o cabimento da tentativa, pois subsidiariamente se aplica o Código Penal às leis penais especiais quando elas não dispuserem de maneira contrária.

CONDuTAs EQuIPARADAs

Nos parágrafos 1º e 2º do art. 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro estão as con-dutas equiparadas:

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:I – os converte em ativos lícitos;II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores pro-venientes de infração penal;II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

Objeto Material

É a coisa sobre a qual recai a conduta da pessoa, no caso o bem, objeto ou valor proveniente do crime.

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Objeto Jurídico

Conforme Nucci (2000, p. 829), o “[...] objeto jurídico é complexo envolvendo a ordem econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, a paz pública e a admi-nistração da justiça”.

O objeto jurídico é o bem protegido pelo Direito Penal e, nesse caso, são vários, por isso o festejado autor diz que é complexo.

Elemento subjetivo

Os crimes previstos na Lei de Lavagem são dolosos.

sujeito Ativo

Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa, incluindo aquela que praticou as chamadas infrações penais antecedentes.

sujeito Passivo

É o Estado.

Tentativa

É cabível a forma tentada nos crimes em estudo, porém é de se ressaltar que não era necessário que o legislador fizesse, no § 3º do dispositivo em comento, a menção sobre o cabimento da tentativa, pois subsidiariamente se aplica o Código Penal às leis penais especiais, quando elas não dispuserem de maneira contrária.

habitualidade

Diz o § 4º que a pena será aumentada de um a dois terços, para quem de maneira reiterada ou por meio de organizações criminosas ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes das infrações penais antecedentes.

Forma habitual

Na vigência da redação antiga, o professor Nucci (2009, p. 834) ensinou:

a circunstância prevista neste parágrafo diz respeito à reiteração criminosa, vale dizer, cometer a lavagem de dinheiro, quando os delitos antecedentes são pre-vistos nos incisos I a IV, várias vezes. Não é a transformação do delito em crime habitual.

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

CONCEITO DE ORGANIZAçõEs CRIMINOsAs

No julgamento do HC nº 77.771/SP (5ª Turma), que versava sobre o crime de lavagem de dinheiro, fez-se referência sobre a definição de crime organizado:

Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/1998, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1º da Lei nº 9.034/1995, com a redação dada pela Lei nº 10.217/2001, c/c o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transna-cional, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente.

Com a incorporação da Convenção de Palermo, temos o conceito de crime organizado, delimitado no art. 2º, alínea a, da Convenção de Palermo, senão vejamos:

Grupo criminoso organizado – grupo estruturado de três ou mais pessoas, exis-tente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

A Lei nº 12.694/2012 trouxe o conceito de organizações criminosas para o ordenamento jurídico pátrio:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associa-ção, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Sustentamos a revogação do dispositivo supra, tendo em vista o que dispõem os parágrafos 1º e 2º do art. 1º da Lei n° 12.850/2013:

§ 1° Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máxi-mas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.§ 2º Esta Lei se aplica também:I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no es-trangeiro, ou reciprocamente;

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II – às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de su-porte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

Em 2009, a 1ª Turma do STF iniciou julgamento para definir se há crime de organização criminosa no ordenamento jurídico nacional. Vejamos:

Organização Criminosa e Enquadramento Legal – 1A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida por considerar que a denúncia apresentada contra os pacientes descreveria a existência de organização criminosa que se valeria da estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja, da qual aqueles seriam dirigentes, em proveito próprio e de terceiros. A impetração sustenta a atipicidade da conduta imputada aos pacientes – lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa (Lei nº 9.613/1998, art. 1º, VII) – ao argumento de que a legislação brasileira não contempla o tipo “organização criminosa”. Pleiteia, em consequ-ência, o trancamento da ação penal. O Min. Marco Aurélio, relator, deferiu o writ para trancar a ação penal, no que foi acompanhado pelo Min. Dias Toffoli. (HC 96007/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 10/11/2009).

Organização Criminosa e Enquadramento Legal – 2Inicialmente, ressaltou que, sob o ângulo da organização criminosa, a inicial acusatória remeteria ao fato de o Brasil, mediante o Decreto nº 5.015/2004, haver ratificado a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo (“Artigo 2 Para efeitos da presente Con-venção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;”). Em seguida, aduziu que, conforme decorre da Lei nº 9.613/1998, o crime nela previsto dependeria do enquadramento das condutas especificadas no art. 1º em um dos seus incisos e que, nos autos, a denúncia aludiria a delito cometido por organização criminosa (VII). Disse que o Parquet, a partir da perspectiva de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção das Nações Unidas, afirmara estar compreendida a espécie na autorização normativa. Tendo isso em conta, entendeu que tal assertiva mostrar-se-ia discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Asseverou que, ademais, a melhor doutrina defenderia que a ordem jurídica brasileira ainda não contempla previsão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Realçou que, no rol taxativo do art. 1º da Lei nº 9.613/1998, não consta sequer menção ao delito

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

de quadrilha, muito menos ao de estelionato – também narrados na exordial. Assim, arrematou que se estaria potencializando a referida Convenção para se pretender a persecução penal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem se ter o delito antecedente passível de vir a ser empolgado para esse fim, o qual necessitaria da edição de lei em sentido formal e material. Estendeu, por fim, a ordem aos corréus. Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia. (HC nº 96007/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 10/11/2009).

Em 2012, a referida Turma concluiu o julgamento:

Organização criminosa e enquadramento legal – 3Em conclusão, a 1ª Turma deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor dos pacientes. Tratava-se, no caso, de writ impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida, por considerar que a denúncia apresentada contra eles descreveria a existência de organização criminosa que se valeria de estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja, da qual aqueles seriam dirigentes, em proveito próprio e de terceiros. A impetração sustentava a atipicidade da conduta imputada aos pacientes – lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa (Lei n° 9.613/1998, art. 1º, VII) – ao argumento de que a legislação brasileira não contemplaria o tipo “organização criminosa” – v. Informativo 567. Inicialmente, ressaltou-se que, sob o ângulo da organização criminosa, a inicial acusatória remeteria ao fato de o Brasil, mediante o Decreto n° 5.015/2004, haver ratificado a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transna-cional – Convenção de Palermo [“Art. 2° Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”].[...]Em seguida, aduziu-se que o crime previsto na Lei nº 9.613/1998 dependeria do enquadramento das condutas especificadas no art. 1º em um dos seus incisos e que, nos autos, a denúncia aludiria a delito cometido por organização criminosa (VII). Mencionou-se que o parquet, a partir da perspectiva de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção das Nações Unidas, afirmara estar compreendida a espécie na autorização normativa. Tendo isso em conta, entendeu-se que a assertiva mostrar-se-ia discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o definisse, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Asseverou-se que, ademais, a melhor doutrina defenderia que a ordem jurídica brasileira ainda não contemplaria pre-visão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organiza-ção criminosa. Realçou-se que, no rol taxativo do art. 1º da Lei n° 9.613/1998, não constaria sequer menção ao delito de quadrilha, muito menos ao de

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estelionato – também narrados na exordial. Assim, arrematou-se que se estaria potencializando a referida Convenção para se pretender a persecução penal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem se ter o delito antecedente passível de vir a ser empolgado para tanto, o qual necessitaria da edição de lei em sentido formal e material. Estendeu-se, por fim, a ordem aos corréus. (HC n° 96007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 12/6/2012) (HC-96007)

Em 2013, a 1ª Turma, antes da edição da lei em estudo, manteve o entendi-mento acima:

HC: cabimento e organização criminosa – 4Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma declarou extinto habeas corpus pela inadequação da via processual e, por maioria, concedeu a ordem de ofício para trancar ação penal, ante a insubsistência da imputação de crimes de participação em organização criminosa e de lavagem de dinheiro, por ausência, respectiva-mente, de tipificação legal e de delito antecedente – v. Informativos n°s 674 e 706. Preliminarmente, externou-se o não cabimento do writ quando possível inter-posição de recurso ordinário constitucional. Considerou-se que a Constituição encerraria como garantia maior essa ação nobre voltada a preservar a liberdade de ir e vir do cidadão. Aduziu-se que se passara admitir o denominado habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional previsto contra decisão judicial em época na qual não haveria a sobrecarga de processos hoje notada. Atualmente, esse quadro estaria a inviabilizar a jurisdição em tempo hábil, levando o STF e o STJ a receber inúmeros habeas corpus que, com raras exceções, não poderiam ser enquadrados como originários, mas medidas intentadas a partir de construção jurisprudencial. Asseverou-se que o habeas corpus substitutivo de recurso ordinário careceria de previsão legal e não estaria abrangido pela garantia constante do art. 5º, LXVIII, da CF. Além disso, o seu uso enfraqueceria a Constituição, especialmente por tornar desnecessário recurso ordinário cons-titucional (CF, arts. 102, II, a, e 105, II, a), a ser manuseado, tempestivamente, contra decisão denegatória, para o Supremo, se proferida por tribunal superior, e para o STJ, se emanada de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. Consignou-se que o Direito seria avesso a sobreposições e que a impetração de novo habeas corpus, embora para julgamento por tribunal diverso, de modo a impugnar pronunciamento em idêntica medida, implicaria inviabilizar a jurisdição, em detrimento de outras situações em que requerida.[...]Salientou-se que teria sido proposta a edição de verbete de súmula que, no en-tanto, esbarrara na falta de precedentes. Registrou-se ser cômodo não interpor o recurso ordinário, quando se poderia, a qualquer momento e considerado o estágio do processo-crime, questionar decisão há muito proferida, mediante o denominado habeas corpus substitutivo, alcançando-se, com isso, a passagem do tempo, a desaguar, por vezes, na prescrição. Reputou-se que a situação não deveria continuar, pois mitigada a importância do habeas corpus e emperrada a máquina judiciária, sendo prejudicados os cidadãos em geral. Aludiu-se que

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

seria imperioso o STF, como guardião da Constituição, acabar com esse círculo vicioso. Uma vez julgado o habeas corpus, acionar-se-ia a cláusula constitucional e interpor-se-ia, no prazo de quinze dias, o recurso ordinário constitucional, po-dendo ser manejado inclusive pelo cidadão comum, haja vista que não se exigiria sequer a capacidade postulatória. Entretanto, concedeu-se a ordem de ofício. Sublinhou-se que o STJ deferira a ordem para trancar a ação penal apenas quanto ao delito de descaminho, porque ainda pendente processo administrativo, mas teria mantido as imputações relativas à suposta prática dos crimes de lavagem de dinheiro e de participação em organização criminosa. Rememorou-se julgado da Turma que assentara inexistir, à época, na ordem jurídica pátria, o tipo “crime organizado”, dado que não haveria lei em sentido formal e material que o tivesse previsto e tampouco revelado a referida pena (HC n° 96007/SP, DJe de 8/2/2013). Concluiu-se, diante da decisão do STJ e do aludido precedente, inexistir crime antecedente no que concerne à lavagem de dinheiro. Vencido o Min. Luiz Fux, que acompanhava o re-lator na preliminar, mas não concedia a ordem de ofício por considerar admissível a prática da lavagem de dinheiro por organização criminosa. (HC 108715/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 24/9/2013). (HC-108715) (Grifo nosso).

Não havia no Direito Penal a tipificação de formação de organização criminosa, mesmo com o conceito trazido pela Lei n° 12.694/2012.

Sobre o assunto, vejamos ainda o que decidiu a Sexta Turma do STJ:

Informativo nº 343 – Sexta Turma – Organização Criminosa. Atipicidade. De-núncia. Inépcia. Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, decidiu que a referência ao instituto da organização criminosa não afeta a tipicidade. Desse modo, como não há, no ordenamento jurídico nacional (Lei nº 9.034/1995), definição desse instituto, descabe a sua imputação, tipificação, anterioridade e taxatividade. Outrossim, a verificação de todas as características de organização criminosa remete ao exame fático-probatório, vedado na via do habeas corpus. (HC nº 69.694-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julg. em 18/12/2007)

Porém, o art. 2º, caput, e seus parágrafos da Lei n° 12.850/2013 tipificou o crime de formação do crime organizado e ainda traz disposições penais sobre o tema:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.§ 1° Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.§ 2° As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.§ 3° A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

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§ 4° A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):I – se há participação de criança ou adolescente;II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações cri-minosas independentes;V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.§ 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.§ 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.§ 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.

Espécie de Ação Penal

Nos crimes previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro, a ação será pública in-condicionada.

Nos termos da Lei nº 9.613/1998, nos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, a decisão condenatória relativa à infração penal antecedente não é condição de procedibilidade para o exercício da ação penal.

Delação Premiada

Dispõe o § 5º do art. 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro:

A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Delação premiada trata-se de redução de pena como consequência da delação de envolvidos com lavagem de dinheiro e a elucidação das infrações penais por eles praticadas.

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

A delação premiada, segundo o mestre Luiz Flávio Gomes (1997), é:

A delação premiada ocorre quando o acusado não só confessa sua participação no delito imputado (isto é, admite sua responsabilidade), senão também “delata” (incrimina) outro ou outros participantes do mesmo fato, contribuindo para o esclarecimento de outro ou outros crimes e sua autoria.

Segundo Nucci (2008):

A delação premiada, que significa a possibilidade de se reduzir a pena de um crimi-noso que se entregar o(s) comparsa(s). É o “dedurismo” oficializado, que apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se de quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um dos seus membros possa se arrepen-der, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.

Requisitos

•deve estar relacionada a um crime de lavagem de dinheiro;

•deve ser espontânea, sem que tenha existido anterior sugestão de terceiro. O delator é quem deve procurar as Autoridades Públicas para que haja a formalização da delação;

•eficácia da delação, possibilitando a elucidação da infração ou a localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Benefícios

Dependendo do caso concreto, o indivíduo que delatar os coautores do delito em apreço, possibilitando a elucidação das infrações penais ou a localização de bens, direitos ou valores objeto do crime terá como benefícios:

•reduçãodepenade1/3a2/3;

•iníciodocumprimentodapenaprivativadeliberdadeemregimeaberto;

•substituiçãodapenaprivativadeliberdadeemrestritivadedireito;

•perdãojudicial.

Damásio de Jesus (2009) nos ensina que:

O argumento de que não seria cabível em fase de execução, por ser o momento de concessão dos benefícios (redução de pena, regime penitenciário brando, substituição de prisão por pena alternativa ou extinção da punibilidade) o da sentença, não nos convence. O art. 621 do CPP autoriza explicitamente desde a redução da pena até a absolvição do réu em sede de revisão criminal, de modo

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que este também deve ser considerado um dos momentos adequados para exame de benefícios aos autores de crimes, inclusive em relação ao instituto ora analisado. Exigir-se-á, evidentemente, o preenchimento de todos os requisitos legais, inclusive o de que o ato se refira à delação dos coautores ou partícipes do(s) crime(s) objeto da sentença rescindenda. Será preciso, ademais, que esses concorrentes não tenham sido absolvidos definitivamente no processo originário, uma vez que, nessa hipótese, formada a coisa julgada material, a colaboração, ainda que sincera, jamais seria eficaz, diante da impossibilidade de revisão criminal pro societate.[...] Uma das hipóteses de rescisão de coisa julgada no crime é a descoberta de nova prova de “inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial de pena” (art. 621, III, do CPP). Parece-nos sus-tentável, portanto, que uma colaboração posterior ao trânsito em julgado seja beneficiada com os prêmios relativos à “delação premiada”.

A delação premiada está prevista de forma esparsa na legislação pátria, senão vejamos:

•CódigoPenal(art.159,§4º–extorsãomediantesequestro);

•LeidosCrimesHediondos(Leinº8.072/1990,art.8º,parágrafoúnico);

•Leinº8.137/1990,sobrecrimescontraaordemtributária,econômicaecontraas relações de consumo (art. 16, parágrafo único);

•Lein°12.850/2013,queéaNovaLeideCombateaoCrimeOrganizado;

•leiquedispõesobreoprogramadeProteçãoaVítimaseTestemunhas(Leinº 9.807/1999, arts. 13 e 14);

•LeideDrogas(Leinº11.343/2006,art.41);

•CrimescontraoSistemaFinanceiroNacional (Leinº7.492/1986,§2º,do art. 25);

•OrdemEconômica/Cade(Leinº8.884/1994,art.35).

DIsPOsIçõEs PROCEssuAIs EsPECIAIs

Rege o art. 2º da lei em comento:

Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:I – obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes pu-nidos com reclusão, da competência do juiz singular;II – independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento.III – são da competência da Justiça Federal:

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;b) quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federa.§ 1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que des-conhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.

Procedimento

O procedimento processual a ser observado na lei em tela é o comum ordinário, uma vez que a pena máxima dos crimes de lavagem de dinheiro é igual ou superior a 4 anos.

Competência

Não havia necessidade de o legislador inserir na lei o inciso III do art. 2º uma vez que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 109, IV, que é de competência da Justiça Federal as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.

O STJ possui matéria sumulada sobre o assunto:

Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes co-nexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal. (Grifo nosso)

Denúncia

Conforme apregoa Nucci (2009, p. 835):

[...] a denúncia por lavagem de dinheiro pode ser oferecida com base em indícios da existência do crime antecedente, mas o julgamento não pode ser proferido. Ou se prova a existência de delito anterior ou aguarda-se o término do proces-so que o apura e a demonstração da sua materialidade. De fato, a punição dos autores do crime antecedente é necessária.

Capez (2008, p. 609) diz que:

[...] a lavagem de dinheiro, para sua existência, depende da prática de um crime antecedente, no caso, os elencados no art. 1º da lei. Esse fato anterior deve ser típico e antijurídico, não se exigindo, entretanto, a culpabilidade do seu autor.

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Assim haverá o crime de lavagem ainda que o autor do delito antecedente seja inimputável. Disso decorre que a absolvição do agente fundada na sua imputa-bilidade (CPP, art. 386, V) não impede a configuração do crime de lavagem de dinheiro.

Conclui o nobre professor:

[...] o crime de lavagem de dinheiro restará afastado se o autor do crime ante-rior for absolvido com fundamento no art. 386, I, III, V, do CPP (quando estiver provada a inexistência do fato; quando não constituir o fato infração penal ou quando existir circunstância que exclua o crime).

Liberdade Provisória com ou sem Fiança

No passado, o art. 3º da lei em estudo tinha a seguinte redação:

Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória4 e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentada-mente se o réu poderá apelar em liberdade. (Grifo nosso)

Era um dos exemplos de liberdade provisória proibida ou vedada, pois não era possível conceder liberdade provisória com ou sem a fixação de fiança ao indiciado ou ao réu que tivesse praticado crime de lavagem de dinheiro.

A liberdade provisória é concedida ao réu preso cautelarmente. É uma ga-rantia constitucional prevista no art. 5º, LXVI, da CR, que diz: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

A fiança é a garantia real prestada pelo preso para garantir sua liberdade. Tal garantia tem dupla finalidade: substituir a prisão, isto é, o preso obtém sua liberdade mediante o recolhimento de determinada garantia, que pode ser em bens ou dinhei-ro; proporcionar a reparação do dano, a satisfação da multa e custas processuais, no caso de o acusado ser condenado,

O dispositivo deve ser interpretado de acordo com as regras do art. 312 do Código de Processo Penal. Se estiverem ausentes os requisitos da prisão preventiva, o criminoso poderá responder ao processo em liberdade.

Sobre a inconstitucionalidade da proibição da liberdade provisória, o professor Luiz Flávio Gomes ensina:

Afronta a dignidade da pessoa humana (TOURINHO FILHO, 1994, p. 83 e ss), a manutenção ou decretação de uma prisão sem necessidade. Apoiando-se na

4 Assunto cobrado na seguinte prova: FCC/TRF-3ª Região/Analista Judiciário/Área Judiciária/2007.

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

doutrina de Odone Sanguiné, Rogério L. Tucci, Gomes Canotilho, Castro de Souza, Magalhães Gomes Filho etc., afirma que a proibição de liberdade provisória equivale a uma pena antecipada, isto é, de modo oblíquo, restaurou-se a prisão compulsória. Não se pode o legislador, com critério abstrato, substituir o juiz na tarefa de prender ou mandar soltar, que é eminentemente concreta. O legislador não pode, a pretexto de atualizar a concretização dos direitos fundamentais, instituir uma legislação de tais direitos. A proibição da liberdade provisória viola, ademais, o princípio da proibição do excesso [...]. O legislador brasileiro tem que se convencer, definitivamente, de que não pode restringir direitos e garantias fundamentais sem que haja expressa previsão constitucional [...]. Há excesso le-gislativo na proibição de liberdade provisória, com ou sem fiança. Nessa proibição está o que podemos chamar de inconstitucionalidade formal, isto é, o legislador não tem possibilidade (jurídica) de proibir a “liberdade provisória”.

E continua:

A regra geral, evidentemente, é a liberdade. Dentre outros dispositivos, infere-se tal conclusão do inciso LXI do art. 5º da CF, que começa dizendo “ninguém será preso....”. Sendo a liberdade individual um dos clássicos direitos fundamentais (e de primeira geração, obviamente), procurou o Congresso Constituinte dotá-la de uma disciplina muito especial. Inúmeros são os dispositivos constitucionais dedicados ao tema da prisão e da liberdade. Não só foi preservada a clássica garantia em sentido negativo (o Estado não pode invadir a liberdade humana desmotivadamente), [...]. Só e exclusivamente dentro do devido processo legal é que pode ser decidida a privação ou concessão da liberdade. Não são critérios legislativos abstratos e genéricos, fundados em periculosidade presumida, que podem fazê-lo. Só os critérios judiciais concretos é que são os indicados pela Magna Carta, para tal finalidade. No Brasil, em síntese, quem deve decidir sobre a prisão cautelar de alguém ou sobre soltura é exclusivamente o judiciário. O que o legislador pode fazer é “autorizar” a liberdade provisória, com ou sem fiança, visando contrabalançar o poder do juiz. Nunca, no entanto poderá proibi-la além das hipóteses excepcionais previstas pela própria Constituição (crimes hediondos, por exemplo). Conceber a impossibilidade de liberdade provisória em razão de determinação legislativa não autorizada constitucionalmente, por fim, significa admitir a prisão compulsória às avessas, isto é, tratar o acusado – que é presumido inocente – como se fosse culpado (GOMES; CERVINI, 1995, p. 140-143).

O Poder Político, já tivemos ocasião de dizer, está deveras perdido frente ao fenômeno do crime organizado. Já não sabe mais o que fazer (as polícias não conseguiram dominá-lo, as forças armadas tampouco). Num momento muito infeliz, onde se observa inclusive certo abalo emocional, acabou tendo outra recaída e mais uma vez incidiu no crasso erro político-criminal autoritário de ten-tar conter a criminalidade com a restrição de direitos e garantias fundamentais. Esquecendo-se que tais direitos e garantias, quando individuais, são intangíveis,

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intocáveis, por força da cláusula pétrea estabelecida no art. 60, § 4º, inc. IV, da CF, não conseguiu conter seu atávico impulso (que encontraria explicação, alguns dizem, na evolução darwiniana inconclusa do homem) e pôs no texto legal uma proibição absolutamente inconstitucional, qual seja, a proibição de liberdade provisória a quem foi preso em flagrante e teve intensa participa-ção na organização criminosa. Que a participação efetiva em crime organizado possa justificar, nos termos do art. 312 do CPP, em decisão fundamentada, a decretação da prisão preventiva é uma realidade incontestável. Mas entre uma decisão “judicial” fundamentada (como manda o texto constitucional) e uma decisão “legislativa” (genérica, abstrata e apriorística) há uma grande distância (GOMES; CERVINI, 1997, p. 173).

Mesmo com a exclusão do art. 3º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1988, não há impedimento para que, em caso de sentença condenatória, o réu apele em liberdade.

O Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando no sentido de que somente será imposto ao réu o recolhimento provisório quando presentes as hipóteses do art. 312 do CPP, havendo, assim, uma releitura da Súmula nº 09. (Julgados recentes: RHC nº 23.987/SP, 5ª Turma, e HC nº 92.886/SP, 5ª Turma).

Medidas Assecuratórias

Rege o art. 4 º da Lei nº 9.613/1998:

Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.§ 1° Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. § 2° O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração pena.§ 3º Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º. § 4º Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

O professor Nucci (2009, p. 837) nos ensina que

[...] sempre que houver a possibilidade de se assegurar futura indenização à vítima ou a reparação do dano à pessoa ofendida, inclusive o Estado, bem como o pagamento de despesas processuais e custas, além das pecuniárias, o juiz deve decretar medidas de cautela, tornando indisponíveis os bens do suspeito ou acusado [...]

O sequestro será levantado se a ação penal não for intentada no prazo de 60 dias, contado da data em que ficar concluída a diligência.

Da Incidência do art. 366 do Código de Processo Penal nos Processos que Versem sobre Crime de Lavagem de Dinheiro

Dispunha a antiga redação do § 3º do art. 4º da Lei de Lavagem de Dinheiro:

§ 3º Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, nos casos do art. 366 do Código de Processo Penal.

Já o § 2º do art. 2º dizia que: “No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Código de Processo Penal”.

Havia uma aparente incongruência na lei, uma vez que o § 3º determina a apli-cação do art. 366 do CPP, enquanto o § 2º do art. 2º proíbe a aplicação da referida norma processual. Qual norma prevalecia?

Apesar da existência de diversas correntes doutrinárias sobre o tema, acompa-nhávamos o entendimento do professor Nucci (2009, p. 837):

A restituição de coisa considerada indisponível pelo juiz deve ser feita diretamente ao acusado. Evita-se, com isso, o uso de interposta pessoa, perpetuando-se a dúvida quanto à origem [...] se o acusado foi citado por edital e está ausente, querendo seus bens de volta, o mínimo que se espera é o seu comparecimento pessoal em juízo para reclamar o que, em tese, legitimamente lhe pertence [...].

A recente reforma na lei em estudo resolveu a celeuma, como podemos ver pela leitura do § 2º do art. 2º:

No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor dativo.

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Nos termos da Lei nº 9.613/1998, o juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo--se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.

AçãO CONTROLADA

Dispõe o art. 4º-B da Lei de Lavagem de Dinheiro:

Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações.

Trata-se da chamada ação controlada, prevista também na Nova Lei de Combate ao Crime Organizado.

A ação controlada, que estava previsto no inciso II do art. 2º da Lei n° 9.034/1995, também é conhecido como diferido, retardado, postergado, ação controlada ou in-terdição policial. Atualmente está previsto no inciso III do art. 3º e no art. 8º da Nova Lei de Combate ao Crime Organizado:

Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concre-tize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.§ 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.§ 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter infor-mações que possam indicar a operação a ser efetuada.§ 3º Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.§ 4º Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.

Rege ainda o art. 9º da norma em comento:

Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

A lei que dispõe acerca da prevenção e repressão de ações praticadas por or-ganizações criminosas estabeleceu a figura da ação controlada, o que significa que, em determinados casos, a autoridade policial poderá retardar a prisão em flagrante dos investigados, desde que os mantenha sob estrita e ininterrupta vigilância.5

A ação controlada deve ser concretizada no momento mais eficaz para a for-mação de provas e o fornecimento de informações.

Por meio da imposição legal, a autoridade policial e seu agentes poderão re-tardar a prisão em flagrante quando estiverem diante de estado flagrancial de crimes praticados por organizações criminosas.

Outro ponto a ser ressaltado é que não há necessidade de se saber o local da sede do grupo da organização criminosa para haver o flagrante retardado.

Ainda, aqui, importante lembrar que a ação controlada afasta a obrigatorieda-de da prisão em flagrante realizada pelas autoridades e seus agentes, prevista no art. 301 do CPP, quando encontrarem alguém em flagrante delito. A ação controlada não poderá ser confundida com outras modalidades de flagrante, tais como: provocado, esperado e forjado.

Na Lei de Drogas, também será exigida decisão judicial para se utilizar da cha-mada entrega vigiada, que é um meio de investigação que consiste basicamente no monitoramento das ações de traficantes de substâncias entorpecentes.

Diferença entre Entrega Vigiada e Ação Controlada

A entrega vigiada pode ser definida como uma técnica de investigação pela qual a autoridade judicial permite que um carregamento de drogas enviado ocultamente em qualquer tipo de transporte possa chegar ao seu destino sem ser interceptado, a fim de se poder identificar o remetente, o destinatário e os demais participantes dessa manobra criminosa (JESUS, 2002).

Tal modalidade de investigação está prevista no art. 53, II, da Lei de Drogas, in verbis:

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judi-cial e ouvido o Ministério Pú blico, os seguintes procedimentos investigatórios:[...]II – a não atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

5 Assunto cobrado nas seguintes provas: Cespe/Secad-TO/Delegado de Polícia Civil/2008; TRF 3ª Região/10º Con-curso/Juiz Federal Substituto; OAB-GO/3º Exame de Ordem/2004; OAB-MG/1º Exame de Ordem/2005; Cespe/PC-PB/Agente de Investigação e Escrivão/2009.

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Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a iden tificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Nota-se que a entrega vigiada tem por objetivo identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição de drogas, en-quanto na ação controlada a finalidade é de reunir maior número de provas contra membros de organizações criminosas.

A entrega vigiada não está prevista na Nova Lei de Combate ao Crime Organi-zado. Ela necessita de autorização judicial, o que não ocorria no flagrante prorrogado, até a edição da Lei n° 12.850/2013.

Assim decidiu o STJ:

Pretende-se afastar, por falta de prévia manifestação do MP, a decisão que de-feriu a busca e apreensão em sede de investigação requerida pela autoridade policial, bem como reconhecer a ilegalidade do ato praticado pela polícia, que “acompanhou” o veículo utilizado para o transporte de quase meia tonelada de cocaína, retardando a abordagem. Quanto ao primeiro tema, vê-se que não há dispositivo legal a determinar obrigatoriamente que aquela medida seja precedida da anuência do membro do Parquet. Ademais, a preterição de vista ao MP deu--se em razão da urgência da medida, bem como da ausência, naquele momento, do representante do MP designado para atuar na vara em questão. Já quanto à segunda questão, a ação policial controlada (art. 2º, II, da Lei nº 9.034/1995) não se condiciona à prévia permissão da autoridade judiciária, o que legitima o policial a retardar sua atuação com o fim de buscar o momento mais eficaz para a formação de provas e fornecimento de informações”. (HC nº 119.205-MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julg. em 29/9/2009)

Na ação controlada, Autoridade Policial e seus agentes efetuarão a prisão em flagrante dos membros de organizações criminosas no momento mais eficaz do pon-to de vista da formação de provas e fornecimento de informações. Com a edição da Nova Lei de Combate ao Crime Organizado, passa a ser necessária autorização judicial para realização de tal meio de investigação, o que não ocorria na Lei n° 9.034/1995. Vozes na doutrina se insurgiam contra a antiga disposição acerca da não necessidade da autorização no referido meio:

Termo inicial da ação controlada: considerada em harmonia com a infiltração de agente policial, a ação controlada deve ter operacionalização e escolha do momento da ação a cargo do delegado de Polícia responsável pela equipe, após saber do Promotor de Justiça a necessidade probatória – qualitativa e quanti-tativa adequada para a propositura da ação penal. Haverá situações em que o material probatório colhido poderá consistir em verdadeira prova a ser utilizada também durante o processo. Sempre imprescindível, nos termos da lei, a

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Capítulo XII – Lavagem de Dinheiro

autorização judicial, até para que esta não se revele “ação descontrolada”. Será portanto a autorização judicial que determinará o “termo inicial” da sua prática. Imagine-se o exemplo em que um mau policial efetivamente dá guarida ou proteção a um grupo criminoso durante um assalto. Sem prévia autorização judicial, é dizer, sem necessário controle judicial, fácil seria a sua argumentação de utilização de ação controlada – decorrente de decisão tomada por conta própria, e com isto poderia ter sua responsabilização penal afastada. Em caso de não comunicação prévia acompanhada da autorização, a ação controlada estaria vedada pelo policial e sua eventual participação/atuação em organiza-ção criminosa não terá, até prova em contrário, o possível acobertamento da excludente de antijuridicidade, o estrito cumprimento do dever legal. Assim, com a autorização judicial a excludente torna-se mais visível, ao passo que sem ela a presunção toma sentido contrário, de que o policial tenha atuado criminosamente; a não ser que o policial demonstre o contrário, como, por exemplo, a inafástavel necessidade de sua atuação de emergência, sem tem-po hábil ou devido requerimento judicial. Como a ação controlada deve ser praticada por agente infiltrado e a Lei nº 10.217/2000 prevê expressamente a necessidade de autorização judicial para esta operação – infiltração de agentes (“mediante circunstanciada autorização judicial”) – torna-se dedutivo que ambas (ação controlada e infiltração dos agentes) deverão ser autorizadas judicialmente (MENDRONI, 2009, p. 105-106). (Grifo nosso)

Dos Efeitos da Condenação

São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:

•aperda,emfavordaUnião–edosEstados,noscasosdecompetênciadaJustiça Estadual –, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

•ainterdiçãodoexercíciodecargooufunçãopúblicadequalquernaturezaedediretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º da Lei de Lavagem de Dinheiro, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada.

A União e os Estados, no âmbito de suas competências, regulamentarão a forma de destinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido declarada, assegurada, quanto aos processos de competência da Justiça Federal, a sua utiliza-ção pelos órgãos federais encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes previstos na Lei nº 9613/98, e, quanto aos processos de competência da Justiça Estadual, a preferência dos órgãos locais com idêntica função.

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Os instrumentos do crime sem valor econômico cuja perda em favor da União ou do Estado for decretada serão inutilizados ou doados a museu criminal ou a enti-dade pública, se houver interesse na sua conservação.

Para o professor Nucci (2009, p. 838) o “efeito é automático e não precisa ser proclamado na sentença condenatória”.

REFERêNCIAs

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial., 5. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASILEIRO, Renato. Legislação Criminal Especial. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2009. (Coleção Ciências Criminais; 6, coordenação Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha).

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – legislação penal especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Enfoques criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/1995) e politico-criminal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

_____;_____.____. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

JESUS, Damásio de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal Bra-sileiro. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 2 abr. 2009.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: Aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

_____. Manual de direito penal: parte geral, parte especial. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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CAPÍTULO XIIILEI DE DROGAs

Em 2012, o Plenário do STF declarou inconstitucional a proibição de concessão de liberdade provisória para os que cometerem os chamados crimes de tráfico, pre-vista no art. 44 da Lei de Drogas6.

Vejamos o que o site www.stf.jus.br noticiou acerca do tema, em 10 de maio de 2012:

Regra que proíbe liberdade provisória a presos por tráfico de drogas é incons-titucionalPor maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente habeas corpus para que um homem preso em flagrante por tráfico de drogas possa ter o seu processo analisado novamente pelo juiz responsável pelo caso e, nessa nova análise, tenha a possibilidade de responder ao processo em liberdade. Nesse sentido, a maioria dos ministros da Corte declarou, inci-dentalmente*, a inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes.A decisão foi tomada no Habeas Corpus (HC 104.339) apresentado pela defesa do acusado, que está preso desde agosto de 2009. Ele foi abordado com cerca de cinco quilos de cocaína, além de outros entorpecentes em menor quantidade.

ArgumentosO relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a regra prevista na lei “é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios”.

6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Plenário, HC nº 104.339/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10 de maio de 2012. Dispo-nível em: http://migre.me/92vK4. Acesso em: 11 de maio 2012.

* O controle incidental de constitucionalidade se dá em qualquer instância judicial, por juiz ou tribunal, em casos concretos, comuns e rotineiros. Também chamada de controle por via difusa, por via de defesa, ou por via de exceção. Ocorre quando uma das partes questiona à Justiça sobre a constitucionalidade de uma norma, prejudicando a própria análise do mérito, quando aceita tal tese. Os efeitos (de não subordinação à lei ou norma pela sua inconstitucionalidade) são restritos ao processo e às partes, e em regra, retroagem desde a origem do ato subordinado à inconstitucionalidade da lei/norma assim declarada.

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O ministro afirmou ainda que, ao afastar a concessão de liberdade provisória de forma genérica, a norma retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, “analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais”.Segundo ele, a lei estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigató-rio, na medida em que torna a prisão uma regra e a liberdade uma exceção. O ministro lembrou que a Constituição Federal de 1988 instituiu um novo regime no qual a liberdade é a regra e a prisão exige comprovação devidamente fun-damentada.Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes indicou que o caput do art. 44 da Lei de Drogas deveria ser considerado inconstitucional, por ter sido editado em sentido contrário à Constituição. Por fim, destacou que o pedido de liberdade do acusado deve ser analisado novamente pelo juiz, mas, dessa vez, com base nos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.O mesmo entendimento foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Celso de Mello e pelo presidente, ministro Ayres Britto.

Fiança e liberdade provisóriaDe acordo com o ministro Dias Toffoli, a impossibilidade de pagar fiança em determinado caso não impede a concessão de liberdade provisória, pois são coisas diferentes. Segundo ele, a Constituição não vedou a liberdade provisória e sim a fiança.O ministro Toffoli destacou regra da própria Constituição segundo a qual “nin-guém será levado à prisão ou nela mantida quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

Liberdade como regra“A regra é a liberdade e a privação da liberdade é a exceção à regra”, destacou o ministro Ayres Britto. Ele lembra que chegou a pensar de forma diferente em relação ao caso: “eu dizia que a prisão em flagrante em crime hediondo perdura até a eventual sentença condenatória”, afirmou, ao destacar que após meditar sobre o tema alcançou uma compreensão diferente.O presidente também ressaltou que, para determinar a prisão, é preciso que o juiz se pronuncie e também que a continuidade dessa prisão cautelar passe pelo Poder Judiciário. “Há uma necessidade de permanente controle da prisão por órgão do Poder Judiciário que nem a lei pode excluir”, destacou.O ministro Celso de Mello também afirmou que cabe ao magistrado e, não ao legislador, verificar se se configuram ou não, em cada caso, hipóteses que justi-fiquem a prisão cautelar.

DivergênciaO ministro Luiz Fux foi o primeiro a divergir da posição do relator. Ele entende que a vedação à concessão de liberdade provisória prevista no art. 44 da Lei de Drogas é constitucional e, dessa forma, negou o habeas corpus. O ministro afir-

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Capítulo XIII – Lei de Drogas

mou que “a criminalidade que paira no país está umbilicalmente ligada à questão das drogas”.“Entendo que foi uma opção do legislador constituinte dar um basta no tráfico de drogas através dessa estratégia de impedir, inclusive, a fiança e a liberdade provisória”, afirmou.

Excesso de prazoO ministro Marco Aurélio foi o segundo a se posicionar pela constitucionalidade do artigo e afirmou que “os representantes do povo brasileiro e os represen-tantes dos estados, deputados federais e senadores, percebendo a realidade prática e o mal maior que é revelado pelo tráfico de entorpecentes, editaram regras mais rígidas no combate ao tráfico de drogas”.No entanto, ao verificar que o acusado está preso há quase três anos sem con-denação definitiva, votou pela concessão do HC para que ele fosse colocado em liberdade, apenas porque há excesso de prazo na prisão cautelar.O ministro Joaquim Barbosa também votou pela concessão do habeas corpus, mas sob o argumento de falta de fundamentação da prisão. Ele também votou pela constitucionalidade da norma.

Decisões monocráticasPor sugestão do relator, o Plenário definiu que cada ministro poderá decidir in-dividualmente os casos semelhantes que chegarem aos gabinetes. Dessa forma, cada ministro poderá aplicar esse entendimento por meio de decisão mono-crática.

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CAPÍTULO XVIIICRIMEs PREVIsTOs NO

CóDIGO DE TRÂNsITO BRAsILEIROANÁLISE DO ARTIGO 306 DO CTB – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Rege o art. 306 do CTB:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determi-ne dependência: (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou (Incluí-do pela Lei nº 12.760, de 2012)II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capa-cidade psicomotora. (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012) § 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoo-lemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Objetividade Jurídica

Visa garantir a segurança viária de forma imediata e a incolumidade pública de forma mediata.

Objeto Material

Veículo conduzido.

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Sujeito Ativo e Passivo

O sujeito ativo pode ser pessoa que dirige veículo automotor, com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoa-tiva que determine dependência. O sujeito passivo é a coletividade.

Elemento Subjetivo

É o dolo. “É a intenção de conduzir o veículo estando embriagado” (CAPEZ, 2009, p. 322). Não existe a forma culposa.

Tentativa

Inadmissível, vez que se o agente estiver consumido quantidade inferior a 6 (seis) decigramas, por exemplo, cometerá mera infração administrativa. Importante ressaltar que na redação original do art. 306 do CTB, não havia previsão sobre a quan-tidade de decigramas aceitável, como se observa a seguir:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. (Grifo nosso)

APLICAçãO DOs BENEFíCIOs PREVIsTOs NA LEI Nº 9.099/1995

É cabível apenas a suspensão condicional do processo.

Consumação

Ocorre no momento em que o indivíduo dirige o veículo automotor com capa-cidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

Ação Penal

Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.

O antigo art. 306 da Lei nº 9.503/1997 dispunha ser crime “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Tratava-se de crime de perigo concreto7, e não de dano8, nem perigo abstrato9 e muito menos de menor potencial ofensivo10.

7 Vunesp/OAB-SP 132° Exame/Questão 58/Assertiva d.8 Assunto cobrado na seguinte prova: Vunesp/OAB-SP 132° Exame/Questão 58/Assertiva a.9 Assunto cobrado na seguinte prova: Vunesp/OAB-SP 132° Exame/Questão 58/Assertiva b.10 Assunto cobrado na seguinte prova: Vunesp/OAB-SP 132° Exame/Questão 58/Assertiva c.

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Capítulo XVIII – Crimes Previstos no Código de Trânsito Brasileiro – Análise do Artigo 306 do CTB – Embriaguez ao Volante

Há decisão do STJ no sentido de que se não houve a exposição da coletividade a perigo, o fato é penalmente atípico:

STJ – REsp 608078 / RSEMENTA PENAL. RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CRIME DE PERIGO CONCRETO. POTENCIALIDADE LESIVA. NÃO DEMONSTRA-ÇÃO. SÚMULA 07/STJ.I – O delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/1997, por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração da potencialidade lesiva. In casu, em momento algum restou claro em que consistiu o perigo, razão pela qual impõe-se a absolvição do réu--recorrente (Precedente).II – A análise de matéria que importa em reexame de prova não pode ser objeto de apelo extremo, em face da vedação contida na Súmula 7 – STJ (Precedente). Recurso desprovido. (Grifo nosso) (STJ, REsp 608.078-RS, rel. Min. Felix Fis-cher, 5ª Turma, DJU de 16/8/2004).

Capez (2009, p. 318) diz que

de acordo com a nova redação legal, não é mais necessário que a conduta do agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, bastando que dirija embriagado, pois presume-se o perigo. Assim, não se exigirá que a acusação comprove que o agente dirigia de forma anormal, de forma a colocar em risco a segurança viária.

usO DO BAFÔMETRO

Se a medida constatada for até 0,13 mg/l de ar alveolar, levando-se em consi-deração a tolerância do Decreto nº 6.488/2008 e a margem de erro da Portaria do Imentro nº 06/02, o agente de trânsito não deverá lavrar auto de infração e deverá liberar o veículo.

Agora se a medida constatada for de 0,14 a 0,33 mg/l de ar alveolar, o agente de trânsito deverá lavrar o auto de infração, recolher a carteira de habilitação, e libe-rar o veículo a outro motorista devidamente habilitado.

Por fim, se a medida constatada for igual ou superior a 0,34 mg/l de ar alveolar, o agente de trânsito militar deverá lavrar o auto de infração, recolhendo a carteira de habilitação mediante recibo que sujeitará o autor a ser conduzido em auto de prisão em flagrante11 pela prática do delito previsto no artigo 306 do CTB. A 1ª via será forneci-da para Autoridade Policial, para que seja anexado aos autos do inquérito.

11 Delegado de Polícia Substituto de Santa Catarina/2001/Questão 34/Assertiva II. Obs: Prova de 2001, antes da edição da nova lei.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL NA VISÃO DAS BANCAS EXAMINADORAS E DA JURISPRUDÊNCIA

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RECusA AO usO DO BAFÔMETRO

Se o condutor do veículo se recusar a se submeter ao exame do bafômetro ou em não havendo equipamento à disposição, caso existam traços de embriaguez, o agente de trânsito deverá encaminhar o motorista ao plantão policial. Na unidade, o Delegado de Polícia analisará a situação flagrancial e se for o caso, encaminhará o con-dutor ao Instituto Médico Legal, para que seja feito o exame preliminar de embria-guez. Caso seja constatado pelo médico-legista que o periciando está embriagado, o responsável pelo flagrante retornará à delegacia para lavratura do auto de prisão.

No período de vigência da Lei nº 11.705/2008, a ausência do teste do bafô-metro gerava a atipicidade da conduta. Vejamos o que decidiu recentemente o STJ:

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. EXAME. ALCOOLEMIA.Antes da reforma promovida pela Lei nº 11.705/2008, o art. 306 do CTB não especificava qualquer gradação de alcoolemia necessária à configuração do de-lito de embriaguez ao volante, mas exigia que houvesse a condução anormal do veículo ou a exposição a dano potencial. Assim, a prova poderia ser produzida pela conjugação da intensidade da embriaguez (se visualmente perceptível ou não) com a condução destoante do veículo. Dessarte, era possível proceder-se ao exame de corpo de delito indireto ou supletivo ou, ainda, à prova testemu-nhal quando impossibilitado o exame direto. Contudo, a Lei nº 11.705/2008, ao dar nova redação ao citado artigo do CTB, inovou quando, além de excluir a necessidade de exposição a dano potencial, determinou a quantidade mínima de álcool no sangue (seis decigramas por litro de sangue) para configurar o delito, o que se tornou componente fundamental da figura típica, uma elementar obje-tiva do tipo penal. Com isso, acabou por especificar, também, o meio de prova admissível, pois não se poderia mais presumir a alcoolemia. Veio a lume, então, o Dec. nº 6.488/2008, que especificou as duas maneiras de comprovação: o exame de sangue e o teste mediante etilômetro (“bafômetro”). Conclui-se, en-tão, que a falta dessa comprovação pelos indicados meios técnicos impossibilita precisar a dosagem de álcool no sangue, o que inviabiliza a necessária adequa-ção típica e a própria persecução penal. É tormentoso ao juiz deparar-se com essa falha legislativa, mas ele deve sujeitar-se à lei, quanto mais na seara penal, regida, sobretudo, pela estrita legalidade e tipicidade. Anote-se que nosso sis-tema repudia a imposição de o indivíduo produzir prova contra si mesmo (au-toincriminar-se), daí não haver, também, a obrigação de submissão ao exame de sangue e ao teste do “bafômetro”. Com esse entendimento, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal. Precedente citado do STF: HC nº 100.472-DF, DJe 10/9/2009. HC 166.377-SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 10/6/2010.

A constatação de que o condutor está embriagado poderá ser obtida mediante vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direitos admitidos, observado o direito à contraprova.

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Capítulo XVIII – Crimes Previstos no Código de Trânsito Brasileiro – Análise do Artigo 306 do CTB – Embriaguez ao Volante

Jurisprudência

Com base no princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si

mesmo, muitos se socorreram do Judiciário, requerendo a ordem de habeas corpus preventivo, para que não fossem submetidos ao teste do bafômetro, livrando-se as-sim da multa administrativa e da responsabilização no âmbito criminal. O STJ não encampou a tese. Vejamos:

HC. TESTE. BAFÔMETRO.O habeas corpus preventivo é cabível quando haja fundado receio de que o pa-ciente possa vir a sofrer coação ilegal a seu direito de ir, vir e permanecer. Não se pode considerar como fundado receio o simples temor de, porventura, ter o paciente de se submeter ao chamado teste do bafômetro ao trafegar pelas ruas em veículo automotor. Uma vez que não existe qualquer procedimento investigatório direcionado ao paciente, não está configurada a ameaça à sua liberdade de loco-moção, mesmo que em potencial. Assim, a Turma negou provimento ao recurso. (RHC 25.311-MG, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 4/3/2010).

REFERêNCIA

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 318. v.4.

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