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Lentulus _ Encarnações de Emmanuel - Pedro de Campos

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  • No foram poucos os contatos medinicos feitos com o mdium Chico Xavier que o informaram sobre o fato de Emmanuel, seu mentor, ter vivido na Roma Antiga, em pocas distintas, movimentando dois personagens ilustres da famlia dos Lentulus. Segundo esses contatos, a primeira personalidade teria sido cnsul da Repblica, na poca de Ccero, quando se chamara Pblio Cornelius Lentulus Sura, patrcio ilustre e chefe da conjurao de Catilina, em Roma. A segunda personalidade teria sido seu bisneto, Pblio Lentulus, senador romano que se deslocou para a Palestina, na poca de Pncio Pilatos, e ali conheceu Jesus em circunstncias especiais, alm de ter escrito uma carta com informaes importantes sobre a personalidade e a fisionomia de Jesus.

  • NINTRODUO

    as comemoraes do centenrio de nascimento e do oitavo ano damorte de Francisco Cndido Xavier ocorreram inmeros eventos

    para lembraraqueleque foio expoentemximodoespiritismonoBrasil.Dentreesseseventosestolanamentodestelivro.ChicoXaviernasceunoanode1910, em2deabril,ms comemorativodo lanamentodeO Livrodos Espritos, obra fundamental que ele tanto prezou durante toda a suavida.

    O corao de Chico Xavier deixou de bater em 2002, no dia 30 dejunho,aos92anos,numdomingo festivo,quandoterminavamos jogosdacopa do mundo no Japo e o Brasil vencia a Alemanha, tornando-sepentacampeo mundial de futebol. Naquele dia, s 19h20, embora noestivesse acostumado a assistir futebol, Chico perguntou quem haviavencido a partida, depois se deitou como de costume, fez as suas preces,levantouasmosparaoscuseentregousuaalmaaDeus,desencarnandoem seguida. O relgio marcava 19h30, quando sua misso na Terra foiencerradacomplenoxito.

    Na histria da literatura medinica no Brasil, no houve ningummaior que Chico Xavier. Sua enorme quantidade de livros e mensagenstrouxeconsoloparauma ininidadedepessoasqueperderamseusentesqueridos e, por meio dele, puderam contatar os parentes mortos. Almdisso, seus livros legaramaomundoconhecimentosdavidaespiritual atento desconhecidos, lanando novas claridades para elucidar a vida naoutra dimenso. E ele o fez no por lances ilosicos, mas pelo contatoefetivocomosquepartiramparaavidamaiorevoltaramde lcontandosuasexperincias.

    Em tais retornos, os falecidos deram provas inequvocas a seusfamiliareseaosestudiososmaisexigentesdequeavidanoterminacomamortedocorpo,masprosseguenasparagensespirituaisedelpossvelvoltar, comunicando-secomosencarnados.E issoaconteceu tambmcomEmmanuel,espritomentordeChicoXavier,doqualvamosnosdeternestelivro,fazendoumexamedetalhadodeduasdesuasvivnciasnacarne.

    NoforampoucososcontatosmedinicosaChicoqueoinformaramsobreofatodeEmmanueltervividonaRomaAntiga,empocasdistintas,movimentandodoispersonagensilustresdafamliadosLentulus.Segundoessescontatos,aprimeirapersonalidadeteriasidocnsuldaRepblica,na

  • poca de Ccero, quando se chamara Pblio Cornelius Lentulus Sura,patrcio ilustre e chefe da conjurao de Catilina, em Roma. A segundapersonalidadeteriasidoseubisneto,PblioLentulus,senadorromanoquese deslocou para a Palestina, na poca de Pncio Pilatos, e ali conheceuJesus em circunstncias especiais, alm de ter escrito uma carta cominformaesimportantessobreapersonalidadeeafisionomiadeJesus.

    Essa carta hmuito faz parte de um conjunto de documentos tidoscomo apcrifos pela Igreja, mas, possivelmente, responsvel em grandeparte pela isionomia de Jesus observada hoje nas obras de arte e nasestampas da mdia em todo o mundo. Essa carta tambm foi motivo desriosestudosnestaobra.

    Embora Emmanuel tenha dado algumas informaes sobre a suaencarnaocomoLentulusSurano livroH2000Anos, a verdadequeele no desenvolveu esse tema em livro especico, de modo quetivssemosdetalhesdaquela sua vida. Sugestivamente, tal silnciopareceter sidoproposital,poisaindahojeexiste literaturavindadaAntiguidade,contando passagens importantes daquele personagem histrico, fato quepermite a pesquisa e a elaborao de biograia relativamente boa, sem anecessidadedeoespritomostrarquemfoiparaesclareceroassunto.

    Onossopropsitonestaobrafoirealizarumtrabalhoraiz,decunhobiogrico. Para isso, usamos as literaturas disponveis de autores daAntiguidade,poissassimpoderamosterumavisohistricamaisprecisade quem foi Lentulus Sura. Tentamos observar como ele fora em suapoca, qual o seu estilo de vida, o que fez como senador da Repblica equaisascircunstnciasqueolevaramaterumamorteprematura.

    No temos dvida ao dizer que este trabalho veio preencher umalacunanaliteratura,principalmenteaesprita,poisoslivroshistricoshojeremanescentes apresentam-se, de modo geral, numa verso antiga dolatim,oferecendolinguagemforadousocorrente,oquedesestimulaasualeitura.Noobstanteasgrandesdiiculdadesparasanartalinconveniente,pois amaneiradeescrevernaAntiguidadeeradiferentedaqueestamosacostumados, ainda assim procuramos contornar tais diiculdades semalterar a histria nem a sua linguagem solene. Por outro lado, oscomplementosdeordemteolgica,porassimdizer,colocadosnotexto,sofacilmente identiicados em lances especicos, que no deformam ahistria, apenas recuperam os aspectos transcendentais da alma numaticaespiritista-doutrinria.

    Nas vrias passagens histricas, as verses do latim aquiapresentadasprocuramdardicoumjeitomaisvariadoecorrente,ora

  • variandoaqualidadedosvocbulosesubstituindoasdiversasiguras,oraalterando a sua posio ou usando sinnimos mais atuais. O intuito foifacilitaraleituraetorn-lamaisagradvel,emharmoniacomamaneiradeescrita dos tempos atuais, mas sem alterar o signiicado e o mrito dostextos originais e das tradues clssicas do latim que foram usadas.Inserimostambmvriasnotasderodap,detalhandoasocorrnciaseospersonagens histricos. A nossa inteno foi dar melhor entendimento acertaspassagensdahistria,napretensodetermosumestudodavidadeLentulusSuraomaiscompletoefidedignopossvel.

    Quanto ao segundo Lentulus, tambm examinado nesta obra,podemosairmarsemreceioqueeste,osenadorPblioLentulus,noteveemRomaprojeosuicienteparaigurarnoslivrosdehistria.Razopelaqualtivemosdenosdeternosregistrosdaobra H2000Anos,dadosporEmmanuel no como ico, mas como relato histrico. Ele mesmoconirmou isso de forma categrica, em um de seus livros, dizendo: Nonos propomos romancear, fazer literatura de ico, mas sim trazer aosnossos companheiros do cristianismo redivivo, na seara esprita, brevepgina da histria sublime dos pioneiros da nossa f (Ave, Cristo Introduo).

    Todos os seus livros que reportam lances da Roma Antigaobedeceramaessemesmopensamentoderelataraverdade,constituindohistria, segundo os preceitos espiritistas. Por isso, izemos um profundoexamedolivroH2000anos,checandodetalheseconfrontando-oscomahistria,numatentativadeconirmarounoaveracidadedosargumentose de avaliar a efetiva estada do autor na Palestina, onde emergiu aEpistolaeLentulii, cartanaqualeledescreveacontrovertidaPhysiognomiaChristi,hojemundialmenteconhecida.

    A investigao histrica foi imprescindvel para exame dos doispersonagens,poistodossabemquenosefazhistriasemdocumentosouvestgios, matrias que comprovem os fatos. Ao reproduzir, nesta obra,partes importantes da literatura Antiga, foi possvel a construo de umcorpo biogrico nico, chegando a bom termo. Pudemos ter a realidadevividaporaqueleshomensdistanciadosamaisdedoismilanosdonossotempo, como se os tivssemos diante dos olhos, tal como numa tela decinema.

    Cabe-nos aqui, sobretudo, listar as fontesutilizadas, pois foramelasas verdadeiras responsveis pelos fatos histricos aqui narrados.Tentaremos coloc-las numa ordem de importncia, embora seja muitodicil deinir com exatido qual autor teria inluenciado mais uma

  • narrativa ou outra, principalmente quando se tm dois ou trs grandesexpoentesliterriosconcorrendosobreummesmoassunto.

    certo airmarque a historiograia latina remonta ao tempodo reiNumaPomplio, quandoos sacerdotes comearamaanotarosnomesdosmagistrados consulares que participavam de seus eventos. Os chamadosFastos Consulares tiveram assim o seu incio e, depois, os principaisacontecimentos de governo foram colocados nosAnnalles, para consulta.Porvoltadoano320antesdaEraCrist,oSenadoromanoencarregouopontice maximus de redigir osFastos e exp-los no templo, dando apblicooregistrodosacontecimentos,tornando-osoficiais.

    MarcoTlioCcero(106-43a.C.)parecetersidooprimeiroamostrarasdiferenasentreahistoriograiaeaanlisedahistria,emseutrabalho,De Oratore (II, 12:52). Devemos a Ccero os principais registros paracomposiodeumesboobiogricodosenadorPblioCorneliusLentulusSura,noobstanteestivessemelesemladosopostos.

    QuandoLcioSergiusCatilinareuniuemtornodesiosdescontentesde todos os partidos, formando com eles uma espcie de coligao paraderrubar a Repblica, Ccero, como cnsul, foi o seu principal alvo.AsCatilinrias formam um total de quatro discursos proferidos por Ccero,sendo os dois primeiros em sua defesa, atacando Catilina. Nos terceiro equarto discursos, Ccero ataca o pretor Lentulus Sura e os demaisconjurados, presos por ele enquanto tramavam com os embaixadoresgauleses; o terceiro discurso, em particular, dirigido ao povo, em 3 dedezembrode63a.C.,noqualCceromostraa tramarealizada;oquartoumdiscurso feito dois dias depois, no Senado, em5 de dezembro, com omesmo objetivo, mas exigindo dos senadores a imputao de pena aosrus. Nesses dois ltimos discursos vemos a excepcional capacidadeoratria de Ccero, aliada, como sempre, aos seus extraordinriosconhecimentos jurdicos, fatos que lhe deram o ttulo demaior advogadode Roma. Neles, a reconstituio dos atos do pretor Lentulus Sura fascinanteenosmostra,comclareza,atramaengendrada.

    Em outras obras de Ccero pudemos encontrar informes adicionais.Destacamos em particular o livroBruto, onde feita uma anlise crticados oradores da Repblica, dentre os quais vamos encontrar LentulusSura.EsendoCcerofrancoopositordeLentulus,oseucomentrioumacrticadodesempenhodelenoSenado,mas,aindaassim,umdocumentohistrico. EmAs Filpicas, produzida anos depois, Ccero ataca MarcoAntnio,enteadodeLentulus,mostrandotodaasuaaverso.Eemoutrasobras pudemos observar o seumododepensar, as suas crenas e a sua

  • ilosoia de vida, ajudando-nos a entender melhor o homem Ccero, taiscomoemPr-Sila,CartasaticoeDaRepblica.Essasobrastambmforamalvosdenossaspesquisas.

    Neste livro, num degrau abaixo de Ccero, est Caio Salstio Crispo(86-35 a.C.). Nele vamos observar a historiograia de Roma desde o seuincio atquaseo inal daRepblica. Salstio viveuna pocadeLentulusSura, e tinha 23 anos quando ocorreu o movimento para derrubar ogoverno de Ccero. Embora fosse amigo de Caio Jlio Csar e de algunsconjurados, no participou da trama. Os seus relatos na Conjurao deCatilina so o que temos de mais imparcial, por assim dizer, paraavaliarmos os dois lados da contenda. Preferimos icar com Salstio paravermosa interfernciadeMarcoCato,o Jovem,quandoacusouLentulusSuranoSenado,eaatuaodadefesa,feitaporJlioCsar.

    SalstiosepreocupouemdemonstraradepravaodoscostumesdaRomaaristocrtica.E comoa suaobra foipublicadaem42a.C.,doisanosaps amorte de Csar, seu principal aliado, acabou sendo atacado pelosopositores, aos quais era visto como falso moralista, sob alegao de elenofazeremRomaoquepreceituavaaosoutros.Mas,aindaassim,emsuapoca, tal postura era comum aos romanos em geral, Salstio no eraexceo.

    Nomenos importantequeCcero e Salstio temoso escritor gregoPlutarcodeQueroneia(46-120d.C.),omaiorbigrafodaAntiguidade.Seuestudodosgrandeshomensdopassado levouemconsideraooaspectopsicolgicoe ticodosbiografados. Foium tipo simptico, timonarradorda histria, considerado ntegro e objetivo em seu trabalho. Com as suasobras,pudemosreconstituiroambienteemqueviveuoex-cnsulLentulusSura e seus contemporneos. Servimo-nos fartamente das vidas de JlioCsar, Ccero, Cato o Jovem, Cato o Censor, Antnio eBruto. Essasvidas,conformeocartermoralistadePlutarcoaodestacarasqualidadesdecadaum, serviramdeespelhoparaaposteridade.Plutarco foioautorprediletodemuitos,inclusivedensprprios,nestetrabalho.

    De valor signiicativo temos tambm o escritor grego Dion Cssio(155-235 d.C.), que publicou uma histria romana de quase mil anos,abrangendo o perodo de 753 a.C. at 229 d.C., em 80 volumes,mas queno chegaram em sua totalidade at ns. Felizmente, os que maisinteressavam ao estudo foram encontrados: Histria Romana, volumeXXXVII, 30-42 e volume XLVI, 20. Dion Cssio foi autor detalhista, tendosidoconscienciosoemuitolidonaAntiguidadetalvezomaispopularatapocabizantina.

  • Caio Jlio Csar (101-44 a.C.), aps o julgamento de Lentulus Sura,quando escreveuDe Bello Gallico estava preocupado com a guerra nasGlias,razopelaqualnadafalousobreasuaatuaonoSenado,masnoslegou informes importantes sobre o tempo em que vivera o druida AllanKardec,nasGlias.Vamosdetalharissonaobra.

    De igual valor temos o poeta Ovdio (43 a.C.-17 d.C.), que no sededicou a uma carreira poltica, mas, na suamaturidade, dentre as suasinmerasobras, escreveu OsFastos,emqueexaltouasfestasromanas,oscultos e as lendas latinas, explicando as suas origens. Em seus relatos,pudemosobservarascrenasquemaisteriaminluenciadoLentulusSuraemsuaderrocada.

    CaioSuetnioTranquilo(70-160d.C.),porsuavez,comofuncionrioda corte deAdriano teve acesso farta documentao histrica, fato quelhe facilitou escreverA Vida dos Doze Csares , dentre as quais est a deCaio Jlio Csar. Na vida de Cludio, informou que os judeus foramexpulsosdeRoma,incitadosqueestavampelascoisasdeCresto(Cristo),assim comoos druidas e sua religio;mostrou como se vivia noprimeirosculo. Alm de Suetnio, consultamos tambm Cornlio Tcito (55-120d.C.), suaHistria e seusAnais, ambos escritos sobTrajano, fundamentaisaoconhecimento.

    Dos autores atuais, cabe-nos ressaltar aqui o excelente trabalho doprofessor italiano Guglielmo Ferrero, em sua magistral obra, Grandeza eDecadnciadeRoma, em seis volumes, nos quais d enfoque especial aosfenmenos econmicos e sociais da Roma Antiga, notadamente nos doisprimeirosvolumes,quetratamdapocaemqueviveuLentulusSura.

    Num enfoque diferenciado do mundo Ocidental, foi vlido tambmconhecer amaneira russade tratar aGuerraCatilinria, naobra Histriada Antiguidade, onde os autores Diacov e Covalev apresentam osconjurados como os verdadeiros defensores do povo, valorizandosobremaneiraaatuaodasforasdeesquerdanaRomaAntiga.

    Todososautoresmencionadoscontriburamcomestaobra,emnossatentativa de montar um esboo biogrico do senador Pblio CorneliusLentulusSura.No temosdvidaaoapresentareste trabalhocomoobrade raiz, pontodepartidaparaoutros autoresque, conhecendomelhor apersonalidadedeLentulusSuraedeseuscontemporneos,possam fazernovosdesenvolvimentoseestenderoestudo.

    Numdesdobramentohistrico, segundoaDoutrinaEsprita,defensoradapalingenesia, o esprito de Lentulus Sura teria voltado Terra para

  • encarnarseubisneto,PblioLentulus;equandoadulto,naPalestina,estesegundo Lentulus teve um fascinante encontro com Cristo. O retrato deJesus dado naCarta de Pblio Lentulus ao Imperador Tibrio Csar fazparte de um conjunto de documentos tidos pela Igreja como apcrifos,chamadoCiclodePilatus.TantoaencarnaodePblioLentulusquantoacartaqueele teriaescrito sero focosdedetidoexameneste livro,pois deconhecimentogeralqueosenadorPblioLentulus,facesatribulaesdavida,conformeobservadoemH2000Anos,nopdecompletaroseucursushonorum,icandoemplanosecundrionahierarquiadeRoma,semconseguirdestaquehistrico.Contudo,porele ter sidooautordo famosoapcrifo, nada mais justo do que fazermos uma investigao sria edetalhadacombaseemoutrosautoresantigos,paravermossehvestgiosdequeatalcartafosseconhecidanaAntiguidade.

    Tal pesquisa no se fez simples, pois, naquele tempo, os fatosreligiosos no eram de interesse do Imperador, a no ser que houvessemovimento perigoso ao governo. Para complicar, excetuando-se oshistoriadores que seguiram a linha da histria oicial, nenhum autorcristo,ataoicializaodocristianismo,deteve-seem informaros feitosde governo, salvo de passagem, apenas para servirem de base a outrosargumentosdeteorreligioso.

    Os autores cristos tinham pouco interesse nos feitos pagos, osquaislheseramantagnicos,assimcomonosfeitosdeCsar,dedicando-semais doutrinadoCristo e fazendouma literaturaquaseexclusivamentereligiosa.Noerampesquisadores,mascrticosdospagosedosgnsticos,comquemdisputavamaprimazia;selimitavamacompilaraBbliaeadarinformes baseados neste ou naquele autor clssico. Portanto, os arquivospara investigarmosaEpstolaLentulideveriamestarnogovernoImperial,eosautoresquetiveramacessoataisarquivosdeveriamsercristos,paranos trazerem luz as coisas do Cristo. Mas tais fontes so parcas,minguadasousimplesmentenomaisexistentes.

    Oautorclssicoqueseempenhouemnarraralguns fatoshistricosenvolvendooscristosfoiojudeuFlvioJosefo(37-103d.C.).Instrudonaescoladosfariseus,eraconhecedordolatimedogrego,tendoescritonesteltimoidiomaaHistriadosHebreus ,almdeoutrasobras.Apsarevoltados judeus, em 66 d.C., tendo obtido a cidadania romana, na poca dosFlvios, da qual tirou seu nome, teve acesso a documentos oiciais, emespecial aos arquivos de Tibrio, nos legando informaes importantessobreosAtosdePilatos.OsseusrelatosmostramqueochamadoEvangelho

  • de Nicodemos, dado hoje como apcrifo, j era conhecido no tempo deTibrio; o episdio dos estandartes narrado por ambos os documentos,assimcomooutraspassagens importantes, sugerindo-nosquemuitacoisasobre Jesus deveria existir nos arquivos oiciais, mas que, seguramente,notinhamaimportnciadehoje,napoca.Vamosobservarissoemmaisdetalhesnestaobra.

    SooschamadosPaisdaIgreja,homensmagnicos,queviveramnossete primeiros sculos da Era Crist, que nos do os melhores informessobre a sugestiva existncia daEpstola Lentuli. Podemos ver algunsvestgiosemJustinodeRoma,nascidoporvoltadoano100,queaoredigira suaApologia, nos d conta de j ter conhecimento dasAtas ouAtos dePilatos,nosquaisestariaaPhysiognomiaChristi.

    Vamos observar em seguida Irineu de Lyon, bispo da Glia, o qualescreve, em 177,Contra Heresias , obra que menciona que na poca dopapa Aniceto (154-166 d.C.) j se conhecia em Roma aPhysiognomiaChristi,vindadesdeapocadePilatos:osgnsticos tinhamseapropriadoda imagem e feito os seus santinhos, abominados pelos Pais de Igrejanaquelapoca.

    Depois veremos Tertuliano, o primeiro a identiicar os espritosfazendoasmesasgiraremnaAntiguidade,autordafamosaApologtica,noano197,dandocontadequePilatosinformouaTibriooicialmentetudooque se passara com Jesus, conirmado, assim, a existncia dasAtas dePilatos.

    Emseguidaveremosomaisconceituadodetodososautorescristos,Eusbio de Cesareia (260-340 d.C.), amigo do famoso imperadorConstantino Magno (306-337 d.C.), autor conceituado por ter escrito osCnones, obra que deu contornos gerais histria universal, traduzidapara o latim pelo eminente So Jernimo. de Eusbio aHistriaEclesistica,naqualvamosencontrarinformaessobreamortedePilatosemsintoniacomasinformaesdePblioLentulus,mostradasemH2000anosdeletambmainformaodequeTibriosoubetudodeJesuspormeio de Pilatos: os milagres, a ressurreio etc. E tambm dele ainformao de que, nas escolas, as crianas tinham diariamenteensinamentossobreJesusesobreosAtosdePilatos ,entojconhecidosedosquaisfazemparteaEpstolaLentulieaPhysiognomiaChristi,aindaquetais ensinamentos tivessem sido deformados pelo imperador Maximino,queosmoldaraaosseusinteresses.

    VeremostambmosescritosdeGiovanniDamasceno(675-749d.C.),igura santiicada da Igreja grega do Oriente. Em sua Epistola ad

  • Theophilum Imperatorem , endereada ao imperador Teilo, mostra aPhysiognomiaChristi nos moldes daEpstola Lentuli. Em seguida veremosGernimoXavier(1549-1617),emsuaobraHistoryChrist queaofalardaLife of Christ conta que aPhysiognomia Christi, nos moldes daEpstolaLentuli, j era conhecida antes do sculo VIII. Em outras palavras,Gernimo conirma sculos depois os informes de Damasceno, emborativesse de amargar, em seu livro, o timbre de obra espria, dado pelaIgrejanapocaemqueaInquisiocorriasolta,inibindoatodoscomoseupoderdedecisosobreavidaeamorte.

    Nesta obra vamos observar em detalhes todas essas passagens, nointuitodeoferecerumavisomaisampladacartadePblioLentulusedetudoqueenvolvea suaveracidadee a suahistoriograia.No inal, vamosexaminar o livroH2000anos, do esprito Emmanuel, psicografado porFrancisco Cndido Xavier, no qual se observa a vida de Pblio Lentulus,bisneto de Lentulus Sura, quando esteve na antiga Palestina e conheceuJesus.Vamosveralguns lancesdesseencontroea inlunciadeleemsuavida, que acabou por transformar uma queda vertiginosa, durante a suaatividade na conjurao de Catilina, em vitria completa do esprito,verificadaemencarnaesposteriores.

    Antes de inalizar preciso dizer que no havia como realizar umtrabalho dessa envergadura sem nos valermos dos testemunhos alheios,pois, faz-lo exclusivamente por meio dos espritos, numa inquirioevocativa,demodonenhumteriavalorhistrico.Porconseguinte, tivemosdenosvalerdosdocumentoshojedisponveisparamontarahistoriograiaapresentada. Contudo, no nos furtamos o direito de obter dos espritosinformaes para chegarmos a certos documentos capazes de compor agraiahistricaapresentada.Noobstante,seesseconjuntodefatores,emalguma parte do livro, hipoteticamente, chegou a deformar a verdade oumostr-la apenas sob determinado ngulo, no foi porque tivemos essainteno; mas, talvez, porque os documentos j no mais existem pararecuperao, deixando nosso trabalho restrito quilo que pudemosencontrar, s informaes que pudemos obter, s fontes que julgamosconfiveisesnossasinterpretaesdepontostidoscomocontroversos.

    Parainalizar,gostariadedizeraosespiritistasque,nodecorrerdosrelatosdavidadeLentulusSura,sepoderdeduziromotivodeoespritoEmmanuel, ao longo de sua extensa literatura em particular quandoescrevera sobre Paulo de Tarso , nunca ter feito uma nicameno aonomedeErasto,companheirodePauloemembrodamesmadoutrina.Semdvida, ao longodestaobra, examinandoopassadodeambosnoperodo

  • anterior a Cristo, talvez se possa deduzir que Emmanuel, sabendo que oprprioErastopoderiafalarporsimesmo,preferiusilenciar,notadamentee mPaulo e Estevo. Fiel ao seu princpio tico exemplar, de maneiraacertadadeixouaocontemporneodaRomadeCcero,ouasimesmoemobramais especica, a deciso de falar de um passado comum. Algumasanotaes sobre o passado de ambos, obtidas por informes espirituais,poderoservistasemcaptuloespecicoedevemserreletidas.Porcerto,as experinciasmilenrias de Emmanuel lhe indicaramquemelhor seriano falar dos Cates e dos Cceros da Antiguidade, pois eles prpriospoderiam faz-lo, aos espiritistas, no momento oportuno, irmanados nomesmoidealcristo.

    PedrodeCampos

  • C1

    LENTULUS,OSURA

    aroleitor,vamosdeincioobservarosdadosbiogricosdisponveisealgumas informaes gerais sobre Publius Cornelius Lentulus Sura 1,

    para nos captulos seguintes entrarmos nos pormenores de sua vida.LentulusSuravinhadaprestigiosagensCornlia, famliapatrciadasmaisimportantesdaRomaAntiga, cujaprocedncia seperdenopassadomaisremoto da origem e formao da cidade. Essagens romana data dasprimitivas organizaes tribais, da poca em que as habitaes eramrsticas e situadas nas colinas desnudas de Roma, desde a poca deRmulo.

    Dentreosvrios cls tribaisdepastorese lavradoresali existentes,erarotinacomumchamaremunsaosoutrospelaocupaoquetinhamnodia a dia. Assim, nas colinas da Roma Antiga, os primeiros criadores decarneiro foram chamados deCornelius, enquanto os plantadores delentilha, surgidos ao longo do tempo, foram apelidados deLentulus, eramlavradoresgeiseindolentesnocultivodaterra.

    Os Cornlios tinham no lar os seus prprios deuses, os seus cultosreligiososeassuasprpriastradies,asquaissetransformaramemleisfamiliares, distinguindo-se das demais pela prtica de enterrar oscadveres,porexemplo,comoalternativaaoantigocostumedecremarosmortos, um ato que a tudo consome e a memria do morto apagadafacilmente.Oenterramento familiarexigiadosparentesahonraperptuaaomorto,comoumdeusdefamlia,equeseusdescendentessereunissemnojazigo,emcertodia,paradepositaremaliassuasoferendas.

    Assim nasceram os deuses lares, ou seja, os protetores familiares,seresde luzprpria,cuja imagemeraacesaemcadacasarioparticular.Oesquifedomortoilustre,porsuavez,deviasersaudadonotmuloe,comotempo, essa prtica gerou um centro de gravitao no qual a grandefamlia, chamadagens, acrescida de clientes e servos, agrupava-se,formandoumconjuntodeindivduosligadosentresipeloslaosdagens.

    No decorrer dos sculos, como classe de comando nos vriosperodos da histria, agens Cornlia se tornou das mais importantes enumerosas. E na ocupao dos cargos pblicos da magistratura,

  • sobressaiu-senopostodecnsul,tidocomoomaiselevado,oqualocupoupor 106 vezes, conforme registra a histria, mais do que o fez qualqueroutrafamliadaRomaAntiga.

    Ainda no perodo de reinado, os Cornlios se dividiram em vriosramospatrcios,juntandoaonomedesuagensoutrasdenominaes,comoLentulus,Clodianus,Cipio,Cetego,Dolabella,Sila,Cinaeoutros.Osramosplebeus incorporados ao sobrenome foram poucos, como os Balbi eMarcelus,descendentesdeescravoslibertos.

    Os Lentulus, em particular, constituram uma das ramiicaespatrcias mais prsperas de Roma, formando famlias de grandeparticipao e inluncia na vida poltica da cidade. Foi apenas durante operododaRepblicaqueapareceramalgunsLentulusdeorigemplebeia,em razo dos libertos que adotaram o sobrenome de seus senhores,coligando as suas denominaes ao clssico Cornelius Lentulus,originriodasprimeirasfamliasromanas.

    Lentulus Sura era um homem de origem patrcia. A incluso dapalavra Sura, em seu sobrenome, tevemotivo poltico, assim como hojealgunso fazemparaagregaraonomeumapelidoque se tornoupopular.Aps o servio militar, ainda no incio de sua carreira, por conveninciapessoal e pelo perodo de cinco anos, entre 86 a 82 a.C. (quatro anos amaisqueo rotineiro), Lentulus serviunas ileirasdeLcioCorneliusSila,atobterasuaquestura.

    Em 81 a.C., ano em que Roma tinha como cnsul Gneo CorneliusDolabella, o patrcio Sila foi nomeado ditador pelo Senado. Ento colocouLentulus como seu questor na Glia Cisalpina. Lentulus foi seu lugar-tenente, responsvel pelo pagamento dos soldados e pelo levantamentodosespliosdeguerra.

    Aps essa questura, CaioCorneliusVerres chamouLentulus a juzoparaprestardepoimento,acusando-ode tergastomalodinheiropblico.Julgado no Frum conforme o regimento, acabou sendo absolvido. Nesseentremeio,numasessodoSenado,SilachamouLentulusparaexplicar-sedatalacusao.Emplenrio,elesaiucomaevasivadebochadademostrarasuaperna(sura,emlatim),justiicando-se,assim,emgestos,comofaziamosmeninosde sua poca, osquais, num jogodepla,mostravamapernamachucada ao juiz e pediam a este para punir o adversrio faltoso.Lentulussediziavtimadacontingncia,efoiabsolvidodaacusao.

    Na realidade, enquanto questor, alm de beneiciar a si prprio,beneiciara tambm os anseios de remunerao dos oiciais de Sila,prevalecendo-se de seu cargo, como faziam quase todos em sua poca.

  • Contudo,oepisdiodemostrarapernaganhoutantanotoriedadequelherendeu publicamente o cognome de Sura, alm de ter lhe conferidotambmgrandepopularidadeebenefcioeleitoreiro.

    Lentulus, o Sura, foimagistrado de Roma por vrias vezes. Numade suas magistraturas, foi acusado de extorso, mas conseguiu serabsolvidoporMarcoTerncioVarro.Em75a.C.,possvel identiic-lonahistria como pretor da mbria, provavelmente em Hortenese, cidadecortadapelaviaFlamnia,enoanoseguinte,em74a.C.,comogovernadordaSiclia.Trsanosdepois,em71a.C., chegouaopostomaiscobiadodapolticaromana,sendoeleitocnsul.

    Nessa poca daRepblica eram eleitos dois cnsules para atuaremna administrao alternadamente, um cada dia. E como tinha de haverconcordnciaentreosdois,cadaqualtinhapoderdevetosobreooutro,eassimexerciamopoder,emsintoniamtua.Tratava-sedeumaprecauoparaevitarosabusostidosemRomanoperododereinado(753-510a.C.),emqueapenasumacabeamandava,tomandodecisesindevidas.

    Como atribuies do cargo, o cnsul devia convocar o Senado,presidir a sesso, pedir ou dar a palavra aos senadores, cumprir asdeliberaes, comandar o exrcito, nomear seus oiciais, presidir ascerimnias pblicas; alm de, em poca de guerra ou de calamidadepblica,decretara leimarcial,oestadodestioe indicaroditadoraserreferendadopeloSenado,oqual,naemergncia,teriapoderesabsolutosporumperododeseismeses.

    Paraocuparocargodecnsul,as leisdaRepblicaexigiama idademnimade40anosparaospatrciosede42paraosplebeus.Surachegouao consulado recebendo o ttulo honorico de cnsul ancio, enquantoseu colega, tambm eleito, Gneo Audio Orestes, icou com o ttulo decnsul jovem, em razo de ser mais novo e de ter exercido menosmagistraturas.IssodavaaSuracertaprimazia.

    OanodenascimentodeLentulusSuranooicialmenteconhecido.Mas se considerarmos as leis da Repblica que na poca exigiam idademnima para concorrer ao consulado, e tendo recebido, aps ser eleito, ottulohonoricodecnsulancio,podemosfazeralgunsraciocniosparachegar aoanoaproximadode seunascimento. Se considerarmosquenaseleies de 72 a.C., Sura tinha no mnimo 40 anos, pois no poderia secandidatar se no tivesse no mnimo essa idade, podemos dizer quenasceraantesde112a.C.

    Nomesmomote de raciocnio, os patrcios ricos e de boa formao,aps cumprirem os passos necessrios para disputar o consulado, no

  • demoravamafaz-lo.MasSuratinhaatrasadoasuatrajetriapoltica,porservir quatro anos a mais que o rotineiro nas ileiras de Sila. Portanto,acrescentadosessesquatroanosaoclculodeseunascimento,feitosobreoanocalculadonadisputadoconsulado,chega-sea116a.C.Comcerteza,Lentulus havia nascido entre 112-116 a.C. Em razo do ttulo de cnsulancio, obtido por ele quando eleito, optamos por considerar o seunascimentonoanomaisantigodentrodaestimativa:116a.C.

    Noinciode70a.C.,apsterminarseuconsulado,Lentulusesperavareceberummandatolucrativo,exercendoocargodeprocnsulemalgumaimportante provncia senatorial, mas havia angariado tantos inimigos erecebido tantas acusaes enquanto cnsul que os censores empossadosnaqueleano,LcioGlioPublcolaeGneoCorneliusLentulusClodianus,oacusaramdelevarvidainfameedesregrada.

    Em razo disso, ao receber o agravo do Senado, Lentulus foiconsiderado praticante de atos condenveis do ponto de vista social emoral. Ento, desacreditado de seus prstimos na vida poltica, perdeu areputao e o cargo de senador que ocupava. Em outras palavras, foicassado do direito de ocupar um assento no Senado, juntamente comoutros63senadores,sendoexpulsodocolgiosenatorial.

    Nessa nova condio, se quisesse retornar ao Senado, deveriacumprir novamente uma extensa escalada de acesso, o chamadocursushonorum,ocupandocargosinferioresnaadministraoerenovando-senopercurso,atchegarnovamenteaotopoepleitearumcargodehierarquiasuperior,como,porexemplo,procnsul(governador)emalgumaprovnciaromana.

    Mesmo decado, Lentulus, que era um homem insistente, nodesanimou. Prosseguiu em sua nova escalada e logo se fez questornovamente.Nessecargo,tinhaporatribuioorecebimentodeimpostosemultas,avendadosdespojosedosprisioneirosdeguerra,acunhagemdemoedas e os pagamentos em dinheiro da administrao. Em caso deguerra, acompanhavaocnsul comoseu lugar-tenente, substituindo-oemcasodedoena, ferimentoououtranecessidade.Assim, comoquestoremexerccio,LentuluspdeocuparnovamenteumassentonoSenado.

    Algumtempodepois,emmeadosde64a.C.,eleseelevouaindamais,sendo eleito pretor (juiz) urbano para o ano seguinte. Ento, em 63 a.C.,tomou posse de sua pretura, e voltou a ocupar um lugar de grandedestaquenaadministraodeRomaenoSenadodaRepblica,fazendo-sevozativadosdestinosdopovo.

    Como pretor, embora subordinado hierarquicamente aos dois

  • cnsules emexerccio, encarregava-se de empregar a justia, julgandooscasos que lhe caiam nas mos e promovendo a acusao de outros,chamando-osajuzo.

    Em suma, recuperara-se em poucos anos, fazendo-se polticoastucioso e magistrado de contingncia. Estava de novo na condio dedisputar a primazia do poder. Mas, dessa vez, suas pretenses eramoutras:almdechegaraotopodecomando,queriavingar-sedosinimigos,cujamaioriaestavapresentenoSenado.

    Envoltonumemaranhadodeideiasvingativaseambiciosas,LentulusSura encontrariano cenriopolticodeRomaa chancede transform-lasemrealidade.AderiudecorpoealmaumaconspiraoqueestavasendoformadaporLcioSergiusCatilina,afavordospopulares.

    Seguiu determinado nesse propsito por alguns anos, acreditando,inclusive, num famigerado orculo que previa trs Cornlios subindo aopoder, em anos distintos, para comandar Roma. Segundo a previsosibilina,eleseriaoterceiro.Entosecolocoudentrodeumalutairrefletida.

    1 As informaes sobre ele esto embasadas em autores clssicos: Ccero Catilinrias III, IV,FilpicasII,Pr-Sila25;SalstioConjuraodeCatilina;PlutarcoCcero17;SuetnioJlioCsar;DionCssioHistriaRomana,XXXVII.30-42,XLVI.20.(N.A.)

  • E2

    GUERRA,POLTICAEVIDAPARTICULAR

    mmeados de 72 a.C., Pblio Cornelius Lentulus, o Sura, fora eleitocnsul para o ano seguinte. Durante o processo eleitoral, Roma

    vivenciava uma revolta de escravos sem precedentes, surgida de modoinesperado.

    Spartacus,umgladiadornascidonaTrcia,nordestedaGrcia, foraaprisionadoemsua terrae sofrera injustiasnumaescoladegladiadoresem Cpua, sul da Itlia, cujo proprietrio era o liberto Gneo CorneliusLentulusBatiatus, umdos10mil jovens libertospor LcioCornelius Sila,apsadesmobilizaode seuexrcito.Depois, quase todosesses libertosadotaram o nome Cornelius, por gratido a Sila, inclusive o instrutorBatiatus.

    Spartacus,porsuavez,erahomemdotadodegrandeforacorporal,hbilcomasarmasedecoragemextraordinria. Iniciarasuarevoltacom200 gladiadores, mas somente 74 deles conseguiram escapar usandoarmas simples como facas, espetos e cassetetes. A guarda local, chamadaparaconterafriadosrevoltosos,foraimpotentepararesolveraquesto.Mas Roma estava disposta a acabar com o movimento e enviou 3 milhomens para neutralizar a rebelio. Sabendo disso, os revoltosos serefugiaramnasencostasdomonteVesvio,espera.

    Para o pretor romano em operao, o melhor seria isolar osrevoltosos nas escarpas do Vesvio. Ele, ento, fechou a nica sada domonte e esperava que a fome e a sede izessem seu trabalho. Porm, noite, usando cordas, Spartacus descera com os melhores homens eatacara de surpresa. Os guardas, despreparados, vendo aquelesgladiadores treinados para matar, e acostumados a ver seus feitos naarena,fugiramemdisparada,deixandonapressatodasasarmas.

    Spartacus haveria de tirar o melhor proveito da situao,fortalecendotodososseushomenscomasarmasapreendidas.Sentindo-semais coniante, deslocou-se para o norte da Itlia, querendo alcanar osAlpes.

    Para sua surpresa, por onde passava os escravos abandonavam assuas fazendas para segui-lo. Depois de atravessar os campos centrais da

  • Itlia, seucontingente j formavaumverdadeiroexrcito.No inciode72a.C.,dispunhade100milhomens.

    EmRoma,acampanhapolticademeadosdesseanoprometiaacabarcomarebelioepromoverumatransiosocialparamelhornomuitoclara,verdade,mascapazdefavorecerospobreserestituiraocampoosescravosfugidosdasfazendas.

    LentulusSura,porsuavez,donodegrandespropriedadesesenhorde escravos, reunira todos os seus empregados, toda a sua clientela e osseus aliados polticos para a campanha eleitoral daquele ano. J haviapercorridotodosospassosobrigatrios,conhecidoscomocursushonorum,paraconcorreraocargodecnsulestavadispostoafaz-lo.

    Aps uma campanha acirrada, cheia de propostas polticaseleitoreiras, Lentulus Sura vencera o pleito e fora eleito com honras. Aposse, segundoa lei, era feita em1de janeirodoano seguinte (no caso,71a.C.),paraomandatodeumano.

    Enquanto o processo eleitoral acontecia, ao norte de Roma, regiocentral da Itlia, os cnsules daquele ano, Lcio Gelius Publcola e GneoCorneliusLentulusClodiano, lutavamexigidospeloSenadoparasufocararebeliodeSpartacus.

    De incio, os cnsules planejaram atacar cada qual uma frente derevoltosos,paranodeix-losescaparparaalmdosAlpes.OsgeneraisdeRomasabiamqueoplanodeSpartacuseraatravessarosAlpesechegarGlia, seguindo depois para a Trcia, sua terra natal, e ali treinar seuexrcito para futuras incurses. Por isso, enquanto Publcola permaneciamais ao sul e, no Monte Galgano, na Aplia, vencera os 20 mil escravoscheiados por Crixo, o lugar-tenente de Spartacus, Lentulus Clodianotentava interceptar o principal contingente rebelde, mais ao norte, numterrenoquesemostravadedifcilacesso.

    Aps algumasmanobras arriscadas, usando todoo seu contingente,ClodianoconseguiuinalmentecircundarSpartacus.Masaconteceuopior:ao ser atacado, os rebeldes conseguiram superar todos os seus capites,alm de tomarem todas as suas armas pesadas, que na fuga alucinanteforam deixadas para trs. Assim, Spartacus armou terrivelmente o seuexrcito,fazendo-semaisfortedoquenunca.

    Faamosaquiumapausa,paradizerqueoexrcitodeLentulusClodiano,durante alguns meses, permaneceu num local prximo sua derrota.Salstio,autordapoca,falaqueClodianoicaranaselevaesprximasaum vale. Contudo, aps muita pesquisa, a localizao exata foi dada

  • somente em pocas mais recentes, pelo historiador Domenico Cini1. Elecontaqueabatalhaforatravadanummontetosco-emilianodosApeninos,entre Pistoia e Bolonha, noValle de Lenta , antiga denominao do hojechamadoValedeLntula,eexplica:

    Estando Lentulus situado no muito longe do ponto mais alto domonte,lugarondeforaderrotadoporSpartacus,avistava-sedaoValedeLntula,assimchamadoporLentulus.

    Hoje, as tradies orais de antigosmoradores do local, passadas degerao a gerao desde a Antiguidade, contam que um cnsul romanoicara acampado ali. A pequena vila de Lntula2 hoje uma estnciahidromineral,cortadapelorioLimentra,comapenasalgumascasas,poucodistantedePistoia,ameiocaminhodaestradaPistoia-Riola.

    Sabe-se,tambm,queasterrasdaregiopertenceramaosveteranosde Sila, de cujo exrcito izera parte Lentulus Sura, quando questor naGlia Cisalpina, em81 a.C. Inclusive, h na regio uma vila chamada Sila,poucosquilmetrosanoroestedeLntula.

    Catilina, por sua vez, aps alguns anos da derrota de LentulusClodiano,maisexatamenteem63a.C.,estevenessaregioporinformaodeSura,ondeformouseuexrcitocomapretensodeinvadirRoma.

    Com certeza, as terras onde Lentulus Clodiano icara sitiado noeram as de sua propriedade, mas sugestivamente as de Lentulus Sura,que, na poca, havia sido eleito cnsul e fazia presso no Senado paraClodianovencerabatalha.

    Poucodepois, teria sidoessaumadas razesdeClodiano (entonocargo de censor e dotado dos poderes que lhe conferiram o posto) paraacusar Sura de espoliar terras contra os interesses da Repblica, crimequeculminariaemsuacassaodoSenado.

    Hoje oVale de Lntula umbelssimo recanto turstico,mas semaexpresso de Pistoia. Parece certo que nessa regio da Toscana icavamalgumaspropriedadesdeLentulusSura.Quaseumacentenadeanosmaistarde, Pblio Cornelius Lentulus haveria de comentar com seu amigo,Flamnio Severus, num dilogo reproduzido emH 2000 anos3, sobreuma imagem de cera, escultura antiga de Lentulus Sura, seu bisavpaterno, enquanto Flamnio se prontiicava a administrar as suaspropriedadesdurantesuaestadana Judeia.Taispropriedades,emoutraslocalidades, no so desconhecidas, sendo algumas delas tambm citadasno livroH 2000 anos, mas no se descarta que as terras de Lntula

  • izessem parte de suas propriedades, j que Sura servira no exrcito deSilaeforaresponsvelpelosdespojosdeguerra.MuitosdosveteranosdeSilapermaneceramnaquelaregio,apsacampanhavitoriosa.

    Retomando a nossa narrativa principal, enquanto Clodiano icara noValede Lntula com seu exrcito, em Roma, Lentulus Sura, dono de muitaspropriedades, empenhava-seem favordessa lutadepoisde, comooutros,ter perdido escravos. Em benecio prprio, considerava que os cidadosdaRepblicanopoderiamsuportarasperdasdeumaderrota.

    Clodiano, sitiado e sem saber a verdadeira condio de seuadversrio, icaranaselevaesdovaleesperandoaajudadePublcolaepornovasaesdoSenado.

    Enquanto isso, Sura, em Roma, j tendo assegurado seu posto decnsul para o ano seguinte, passara a criticar os perdedores comveemncia, colocando todo seu poder poltico contra os dois cnsulesderrotadosefazendo-seinimigodeambos.Contudo,nocontaraqueGneoPompeu Magno, cujo prestgio era grande em Roma, opondo-se a MarcoLicnio Crasso, haveria de realizar importante manobra poltica algunsmeses depois, usando para isso os dois cnsules perdedores. Porconseguinte, Pompeuhaveriadeneutralizar todas as pretensespolticasdeSura.

    No ano seguinte, em 1 de janeiro de 71 a.C., ao tomar posse doconsulado,podendoagoraarticularmelhornoSenado,Sura fariade tudoparacolocarCrasso,donodamaiorfortunadeRoma,frentedoexrcito,em detrimento dos partidrios de Pompeu, com a misso especica dederrotarSpartacus.

    Crassonose fezderogado.Dispondodemuitodinheiro,mobilizoupoderosa foramilitarecomsuacompetnciaarrasouo focoprincipaldarebelio.NabatalhaemLacnia,aprisionou6milescravos,eaolongodos200 quilmetros da Via pia, desde Cpua, perto de Npoles, at Roma,crucificoutodosparadesencorajarnovasrebelies.

    Enquanto isso, Pompeu, ao vir da Espanha, deslocou parte de seuexrcito para prender os escravos desertores, nas imediaes dos Alpes.Comtalmanobra,retiravadeCrassooprivilgiodeumavitriacompleta.

    Roma,noobstanteseverlivredoperigodosescravos, icaraagoraemmeioadoisexrcitos,cujoscomandantesdivergiamentresi.sportasdeRoma, as duas forasmilitares acamparam.NemPompeu nemCrassofizeramadesmobilizaodeseusexrcitos.

    Pompeu,devidamenteassessorado,logoapresentousuacandidatura

  • ao Senado. Crasso, ao saber disso, em oposio, fez o mesmo. Ambosestavamforadoprazodeinscrio.MasoSenado,querendoapaziguarosnimos, inluenciado pelo cnsul Lentulus Sura e por contingncias dasituao, considerouqueambos lutavamem favordaRepblica e aceitouascandidaturas.

    Quase sem esforo, nas eleies de 71 a.C. ambos foram leitoscnsules para exerccio o ano seguinte, de 70 a.C. Durante a posse, poracordomtuo,cadaqualdesmobilizouseuexrcito,numaverdadeirafestapopular.

    LentulusSura, contudo,ao terminarseumandatodecnsul, apenasiniciava sua derrocada, carregando sobre si a carga de srias acusaesjudiciais e o peso de inimigos inluentes, aliados de Pompeu, os quaisdesejavamsuaruna.

    De fato, os generais Clodiano e Publcola, cnsules derrotados porSpartacus,agoranavidapolticaapoiadosporCceroePompeumaisporseoporemaoafortunadoCrassodoquepelacapacidadedelesprprios,eleitos censores para o ano de 70 a.C., haveriam de aplicar em Sura oestigmadadesonra.

    Clodiano, em sintonia com as reformas pretendidas por Pompeu,agora com o poder que o cargo lhe outorgava, haveria de afrontardecisivamenteosinteressesdeSura.

    Napocaretratada,oscensoreserameleitosentreosex-cnsulesdaRepblica. E tanto Clodiano como Publcola no tiveram diiculdade paravenceropleito,oqualocorriaacadacincoanoseconferiamandatode18mesesparaambososcensoresfazeremareformaemRoma.

    Dopontode vista poltico, a tarefamais relevantedos censores eraelaborar a lista senatorial, composta de 600 membros. A antiga lei deOvnioexpressavaque,sobjuramento,oscensoresdeveriamescolherparao Senado os melhores magistrados de todas as categorias, incluindotambm os ex-magistrados. Dentre esses, estavam: edis, questores,tribunos, pretores, cnsules, censores, ditadores, decnviros, trinviros,regentesetc.

    Emborasobjuramento,aescolhaeratarefaarbitrriadoscensores,cujos interesses partidrios poderiam prevalecer. Para diminuir aarbitrariedade,haviaalgumas regrasa seremseguidas, comoescolherossenadores a partir de uma lista atualizada de cidados, de umcensusrealizado a cada cinco anos, com o nome de cada cidado, seu grau deparentescocomosmagistrados,vnculodeclientela, idade,bensprprios,atividades,ganhosetc.

  • Assim, os censores podiam dividir o povo por categoria, riqueza evinculao com agens. Alm de, conforme os costumes, anotar as faltasmorais (cura morum) de cada cidado, no dispostas em leis porexemplodesrespeitoaospais,scrianasesociedade,pelaluxria,pelosdesvariosetc.,impondoaelespenalidades.

    Com tal recenseamento, tanto a tributao como as penalidadespoderiam ser feitas em base factual. Os censores podiam emitir ditosespeciais com fora de lei, punir os cidados faltosos, atribuir impostosextraordinrios,transferirparaestaouquelalocalidadequalquerpessoa,impor o estigma da desonra e alijar o cidado de sua atividade pblica,culminando,porfim,apstodososexames,porcomporalistasenatorial.

    Foiduranteessetrabalho,entreabrilemaiode70a.C.,queLentulusSura fora reprovadoe tivera cassado seudiretode senador. Semdvida,eraumatopoltico.Ejuntocomele,foramdestitudosoutros63senadoresqueemanospassadostinhamsidoprotegidosporSila,conigurandoassimaperseguiopoltica.

    Mas, caso Sura mantivesse as suas aspiraes polticas, deveriarecomear seucursushonorum, fazer uma nova escalada, vindo de baixoparaobterdireitodevoltaraoSenado.

    JliaAntniaeradeilustrefamliapatrcia,dasmaisantigasdeRoma.Erailha de Flvia e do cnsul Lcio Jlio Csar, primo daquele que, algunsanosmais tarde, haveria de dar incio queda da Repblica, fazendo-seditador:CaioJlioCsar(amigodeLentulusSura).JliaeraprimadeCsaremsegundograu.

    Ainda jovem, Jlia se casou com Marco Antnio Crtico, ilho derenomadooradordoSenado.Comele,tiveraquatroilhos:MarcoAntnio,o mais velho, nascera em Roma, a 14 de janeiro de 83 a.C., tornando-sedepois trinvirodeRoma;CaioAntnio,nascidoem82a.C, seriavigorosocomandante militar e poltico da Repblica, tendo ocupado o posto depretor em 44 a.C.; Lcio Antnio, o ilhomais jovem, nascido em 81 a.C.,haveria de ser o brao forte de Marco Antnio durante o SegundoTriunvirato, tendochegadoaopostodecnsul, em41a.C;e tambmumafilha,Antnia,maistardeesposadePblioVatnio,cnsulem47a.C.

    Crtico,porsuavez,apsterminaromandatodepretor,receberaocomando da frota romana no Mar Mediterrneo, em 74 a.C., com aincumbnciadedefender a costa contra os piratas e sustentar o exrcitoromano de Lculo, na terceira guerra contraMitrdates, rei do Ponto.No

  • ano de 71 a.C., durante o consulado de Lentulus Sura, Crtico foi mortopelospiratasnailhadeCreta.

    Jlia, ento viva com os quatro ilhos pequenos e dona de bensconsiderveis, sentiu necessidade de se casar novamente. Como mulherpolitizadaeatuantenasociedaderomana, jconheciaLentulusSura,maisvelho que ela alguns anos, e tinha por ele uma indeinvel atrao deespritodesdemuitojovem.

    Em70 a.C., aps deixar o consulado e ser cassado no Senado, Suraestavacombaixaestimaeressentia-sedafaltadeumanovacompanheira.Nesse tempo, os laos entre os dois se estreitaram, culminando nocasamento. O amor que sentiam culminava agora em convivncia demaridoemulher,emtermoslegtimoselegais.CasadoentocomJlia,eleestavadispostoavoltaraoSenado.

    Durante aRepblica, os cargoshonoricos eram incompatveis comos estipndios de ganho. Por isso, os ocupantes de funes polticas noeram remunerados pelo Estado. Considerava-se, na dialtica poltica, quetrabalhar em favor do povo era motivo de satisfao e orgulho. Naverdade,tratava-sedamaiordetodasashipocrisias.Oscidadosdeposseeram sempre os grandes beneiciados. Todas as benesses oriundas dadominaoeramobtidasnodesempenhodecargospblicoseletivos.

    Suranodemorouasereleito.Obteveocargodequestor.Tratava-sedo mais baixo grau da poltica romana, funo ocupada por quem estapenas comeando a carreira. Mas ele tinha de recomear o seu cursushonorum eestavadispostoa isso,motivadopelocasamento.Almdeque,com a sua experincia, a funo poderia ser muito lucrativa, tendo avantagemlegaldeinseri-lonovamentenoSenado.

    ParaSura,noimportavaostrabalhosaexecutar,poisjosconheciabem. Interessava mais estar prximo aos comandos militares e, comoquestor urbano, teria residncia em Roma, administraria o Tesouro doEstado, guardado no templo de Saturno e seria responsvel por todos ospagamentos feitosnacidade.Ossoldosdospretorianosealgunsdespojosde guerra passariam agora por suas mos. Para ele, a chance derecompor-senavidahaviachegado,emtodosossentidos.

    No campo da crena pessoal, quase todos os adeptos do paganismoacreditavam em orculos. Acreditava-se que os orculos eram respostasdadaspelosdeuses.Talcrena,trazidaparaosdiasatuais,seriaocontatocom espritos imperfeitos, interessados apenas nas coisas materiais. Assibilas consultavamosespritospara saber asocorrnciasdopassado, as

  • coisasimportantesdopresenteeasprevisesparaofuturo.LentulusSuraestava interessadoparticularmenteemter indicaes

    sobreoseu futuro.Ele sabiaqueo trabalhoprofticodassibilashouveraadquiridodesdeopassadoremotonaGrciaenospasesdoOrienteMdioum signiicado especial. A prtica exigia intensos rituais para invocardivindadesereceberrespostas.

    EmRoma,osorculosestavamdisposiodetodoseeramlevadosmuito a srio. O estranho poder das sibilas, tidas como inspiradas pelodeus Apolo, fazia quase todos os polticos consult-las nas situaesadversas.Suranoeradiferente,interessava-sepelosorculos.

    NaItlia,a lendadiziaqueaprincipaladvinhahouverasidoaSibiladeCumas,numtempodistanciadomeiomilnioantesdaEraCrist.Todosos seus poderes diziam vir de Apolo, que lhe dava acesso aomundo dosmortosedosdeuses,inspirando-lhenasprofecias.

    Conformealenda,atalsibilaera,noincio,umamulherbonita,cujospoderes traziam benecios. Em razo de seus atos, o deus Apolo lheprometeraarealizaodeumgrandedesejopessoal.Ento,comoelaviviade modo agradvel, sem qualquer problema e cheia de bens materiais,tomouumpunhadodeareiaepediuaodeusparavivertantosanosquantoosgrosdeareiaque tinhanamo,masseesqueceudepedir tambmaeterna juventude. No contava com o tempo, que a tudo coloca no seudevido lugar. Ento, consumida pouco a pouco, tornou-se amais feia dasmulheres, embora conservasse os mesmos poderes. At que aps novevidas comaparncia centenria, todos os gros de areia foram embora eeladesencarnou,desligando-sedasantigaspretenses.

    AlendadiziatambmqueaSibiladeCumas,emumadesuasvidas,ofereceraaoreiTarqunio,oSoberbo,novelivrosprofticos,abompreo.Mas o rei no quis pagar o preo oferecido. Ela ento queimou trs eofereceu os seis restantes pelo mesmo preo. Mas o monarca rejeitounovamenteeelaqueimoumaistrs,oferecendoostrsltimospelopreodosnove.Ento,comreceiodequeaSibilaqueimassetodososlivros,oreipagou o preo integral e colocou os trs livros restantes no templo deJpiterCapitolino,paraconsultaemsituaesespeciais.

    De incio, os livros se tornaram to preciosos que o Senado icouresponsvel por eles, concedendo acesso apenas aos magistrados paraconsultasobrequestesdeEstado;depois,nocorrerdotempo,aconsultafoi liberada a todos os cidados, exercendo grande inluncia religiosasobreRoma.

  • LentulusSuraconheciataislivros.Mas,noanode83a.C.,osoriginaisdos chamadosLivrosSibilinos foramdestrudos no incndio do templo deJpiter. Em sua poca, esses livros eram to famosos que, aps o fogo,algumas cpias foram requisitadas pelo Estado e colocadas de novo nabiblioteca, continuando a exercer grande inluncia na classe poltica,duranteaRepblica,enoperodoImperial.

    OslivrosicaramnabibliotecadeJpiterCapitolinoatoano405daEra Crist, quando novamente o edicio foi destrudo pelo fogo. Nessapoca, em Roma, a Igreja, ento oicializada, no teve interesse emreproduzi-los, e eles se perderam em deinitivo. Hoje, os relatos contamqueneleshaviatambmumaprofeciasobreCristo,mais isso jamaispdeserconfirmado.

    O patrcio Lentulus Sura, aps terminar seu mandato de questor,faria um esforo alucinado para voltar novamente ao pice do poderromano.E,acreditandopiamentenasprofeciassibilinas,consultouaSibilaEtrusca, tendoobtidodelaumaprevisoconsideradadevalor inestimvelparaele.

    O embuste dava conta de que a exemplo dos trs livros sibilinos,haveria em Roma trs Cornelius subindo ao poder. A imagem mostradaera:CCC.Doisdelesjtinhamcumpridoosseusmandatos:CorneliusCinaeCornelius Sila. Agora, faltava apenas um. Em razo disso, enganado pelasibila,Cornelius Lentulus Sura saiu da fatdica consulta certo de que oterceiro mandatrio seria ele. Teve incio a uma crena nefasta, quelevaria Lentulus ao decaimento, em vez da vitria que tanto almejara demodoimprprio.

    1 CINI, Domenico.Osservazione storiche sopra lantico statodellamontagnapistoiese conundiscorsosopra lorigine di Pistoia del capitano Domenico Cini Dedicate allillustrissimo sig. marchese CarloRinuccini.Firenze:SAR,1737,p.147.DisponvelnaBibliotecaNazionaleCentralediFirenze.(N.A.)2BATTISTINI,Laura.Lentula,p.33,68.(N.A.)3XAVIER,FranciscoC.H2000anos,1parte,cap.1.(N.A.)

  • H3

    URDINDOACONJURAO

    umamximaquediz:Diga-mecomquemandasquetedireiquems.Demodogeral,elarepresentaaobservaocriteriosadasmes,

    quando querem saber o que os ilhos estariam fazendo longe de seusolhos.Ospaissabemqueasamizadesinluenciamereletemosgostos,asideiaseoscomportamentos,numainlunciamtuaentreaspessoas.Umalgicainteriorosfazconsiderarqueoestudanteandacomquemestuda,oidelogocomosmembrosdopartidoeojogadorcomoutrosjogadores.Porserobemeomaldoisfatorescontagiosos,melhorterboasamizadesdoqueocontrrio.

    Quais foram as amizades de Lentulus Sura? Informaes vindas demeiosculoantesdaEraCristdocontadealgumasdelas,comotambmde alguns de seus atos e condutas. Sabemos quem foram os seuscompanheirosdeidealeoquerealizaram.UmdelesforaCatilina,senadorromanoechefedeimportantetramaparaderrubaraRepblica.Lentuluscompartilhavaos seus ideaispolticoseas suasaesparaconcretizarasideias,visandoatomadadopoder.

    Seas literaturas remanescentesdaAntiguidadepouco informamdeSura, o mesmo no se pode dizer de Catilina, cujos relatos so fartos.Estudando a participao de ambos na trama a qual arquitetaram e osrelexos em suas vidas, podemos ter uma ideia, com base na mxima jcitada, de quem foi Lentulus Sura, encarnao do esprito Emmanuelnaquelasuadescuidadapassagemterrena.EsseestudopodeserfeitoaquicomasinformaesdeCaioSalstioCrispo.

    Napocadaconjurao,Salstioeraumjovemde23anos,moodeboacultura,tipoqueemseusescritosrecomendavaaosoutrosfazeroqueele dizia, mas ele prprio no era de fazer o que preceituava. FoicontemporneodeLentuluse inteirou-sebemda tramaedaparticipaode cada conjurado, podendo falar deles com propriedade. Cerca de 15anos depois, Salstio relataria as suas observaes em,De ConiurationeCatilinae1,obraquechegouatnossosdias.

    Com Salstio, e ainda com outros escritores da poca, a visohistricasefazmaisprecisa.ComoamigodeCaioJlioCsar(eeste,amigo

  • deLentulusSura), Salstio seriaoautorcommenor interessepolticoematacarSura.Emseusrelatos,icarealadoocarterdeLentulus,podendoobservar-se os feitos e os dbitos contrados por esse esprito que, emencarnaes futuras, haveria de experimentar na carne omesmo fel quereservaraaseusopositores,para,comisso,renovarasprpriasideias,embusca de sua redeno. Portanto, necessrio se faz aqui seguir comSalstio, examinando a sua obra,Conjurao de Catilina , para vemosaquelasocorrnciasdeperto,comaforavivadahistria.

    Segundo Salstio, todo homem que deseja exceder os animais deveempenhar-separanopassaravidanoesquecimento,talcomoosbrutos,osquais anatureza fezdebruar sobre a terra, semplanejar a vida, semrealizao e escravos dos prprios apetites. A fora do homem est naalma e no corpo; mas, enquanto a alma impera, o corpo lhe obedece eserve. Pela alma, o homem assemelha-se aos deuses, e pelo corpo, aosbrutos.Porisso,Salstiofalaquemelhorseriagranjearaglriacultivandomaisasfaculdadesdaalmaqueasdocorpo.AvidadesfrutadanaTerrato curta que, para perpetuar nela amemria de nsmesmos, apenas ariquezamaterialeabelezadocorposeriaminsuicientes,poissoglriasfrgeis e passageiras. Apenas os dotes do esprito podem dar a glriafulguranteeimortal.

    No obstante, o homem comum questiona se o sucesso da guerradependemaisdas forasdaalmaqueasdocorpo.Contudo,ele sabequeantesdeempreenderaguerraimperiosoreletircomaalma;edepoisdepensarmuito,necessrio se fazexecutara contendademodoengenhoso.Assim, cada uma das foras, tanto a do corpo quanto a da alma,insuficientesquandoisoladas,seauxiliammutuamenteesefazemfortes.

    Por esta razo, no princpio, os reis (primeiro nome dado aossoberanos no mundo), divergindo entre si, dividiram-se entre os quecultivavamasfaculdadesdaalmaeasdocorpo. Issoocorreunumapocaemqueoshomenspassavampelavidasemambio,contentando-secadaqual comoqueeraseu.MasdepoisqueCiro,nasia, eos lacedemnios,naGrcia,comearamasubjugarascidadeseasnaes,quandopassaramatercomocausadaguerraaambiodegovernarospovoseajulgarqueaglriamaiorestavaemexpandiroImprio,inalmente,aexperinciaeaprticalhesensinaramqueotalentoengenhosovaliamuitonaguerra.

    Aobservaoensinaaohomemquesenapazos reiseosgeneraisgovernassem com a mesma aplicao e prudncia com que o fazem naguerra,haveriaemseusEstadosmais igualdadee longevidade.Porcerto,

  • no haveria em tudo apenas transtorno, confuso e mudanas, pois osgovernos se conservam longamente pelasmesmas artes e pelosmesmosregimes com que os Imprios so formados. Porm, se em lugar dotrabalho, da sobriedade e da justia brota a ociosidade, a devassido e odespotismo, ento a fortuna muda de mos e os costumes se alteram.Invariavelmente, o governo sempre passa do menos hbil para o maishbil.Enim,aagricultura,anavegao,aedilidadeetudoomais,sempreobedeceaforadeumespritomaisinstrudo.

    Muitoshomensnomundoseentregamapenasscoisasbanais,como gula, indolncia e grosseria, passando a viver de modo alienado.Assim, imersos numa falta de virtudes e vivendo contra aquilo que lhesserianatural,ocorpolhesserveapenasdeprazereaalma,depeso.Avidaeamortenadalhesalteraontimo,nenhumcrditolhesdadoemconta,e nem deles se ouve falar depois damorte. De fato, s vive com a almaaquele que se ocupa das coisas dignas, legando posteridade uma boaimagem de si prprio, marcada por aes notveis de qualquer gnero.Porm, numa variedade to grande de ocupaes no mundo, a prprianaturezaseencarregadeapontarparacadahomemumaestradadiversa,paracadaqualpercorreroseucaminho.

    Na senda de cada indivduo, sem dvida, brilhante servir Repblica e ter para si o mrito da oratria. O bom orador transmiteemoesesabedoria.Esejanacalmadostemposdepazcomonaagitaodos da guerra possvel para ele realizar grandes feitos e adquirir boafama.

    Deigualmodo,quemescrevepodeserimortalizado.Emesmoqueoescritornoalcanceaglriadosherisporeledescritos,aindaassimpodeterosseusmomentosdeglriaeserimortalizado,comoSalstio.

    Em seu tempo, ele considerava tarefa rdua escrever sobre a vidaalheia.E isso sedevea trsmotivos:primeiroporqueaspalavrasdevemcorresponder aos fatos; segundo porque se o escritor ressalta muito asfalhasdopersonagemdescrito,oherideixadeserheriealgunsleitoresatribuemissoaoressentimentodoescritor,quandonosuamalevolnciae repreenso excessiva das falhas do heri; terceiro porque quando sonarradasasvirtudeseas faanhasdosgrandeshomens,o leitor,debomgrado,acreditanaquiloquejulgafactveletudoomaisacabasendoicooucoisafalsaparaele.

    Salstio, na suamocidade, assim como outros, passou de estudantepara uma vida de trabalho em cargo pblico, onde experimentoumuitosrevezes. Nesse trabalho, em lugar da modstia, do desinteresse e do

  • merecimentoqueaprenderanaescola,encontrouaaudcia,osubornoeamesquinhez. Ainda que sua alma no fosse habituada a essasmalcias eque desprezasse esses e outros vcios, via-se envolvido por eles aindajoveme inexperiente,mas tentadopelamesmaambiode tantosoutros.Se nunca houvera abraado a perversidade de costumes daqueles comquem trabalhava, sentira aomenos amesma ambio dos demais, sendoalvodeataques,deinvejaedaopiniopblicacontrria.

    Cansado desse ambiente, assim que seu esprito pde repousardessas misrias humanas e dos perigos do corpo, consentiu a si mesmopassaro restodavida longedosnegciospblicos. Segundoele,no forasuaintenodesfrutardessepreciosodescansoimersonaindolnciaenaociosidade, nem se entreter com ocupaes meramente manuais, taiscomo: cuidar do jardim ou distrair-se nas caadas. Porm, quando pdevoltar aos estudos, dos quais uma ambio inconveniente lhe haviaafastado,determinou-seaescrevercertaspassagensdahistriadeRomaquelhepareciammaisdignasdememria.

    Procurou, ento, selecionar todo omaterial que pde, e no caso daConjurao de Catilina, foi encontr-lo nos escritos de homensproeminentes como Ccero, Caio Jlio Csar e Cato, o Jovem, alm dosvriosdepoimentosdequemhaviaparticipadodos fatos.Deumostrasdeno apenas ter juntado os relatos, mas entendido os vrios aspectos davidahumanaeasuarelaonocontextodasociedade.Emsuma,quandodecidiuescrever,legouaomundoimportantepartedahistriadeRoma.

    Sem dvida, escrever foimelhor para ele, pois a sua alma pde sever liberta das falsas esperanas, dos medos e dos sentimentosmesquinhos. Nesse estado de esprito, com a maior veracidade possveldeterminou-se a resumir os fatos da Conjurao de Catilina, onde vamosencontrar,tambm,aiguradopretorLentulusSura,chefedosconjuradosemRoma.

    Emsuaopinio,esseacontecimentoeradosmaismemorveis, tantopela novidade do delito intentado em Roma, quanto pelo perigo queenvolveu a todosnaurbe. Porm, antesde comearos relatos, cuidoudefalardoscostumesdolderdaconjurao,LcioSergiusCatilina,cujavidaprivada muito nos interessa saber, pois inluenciou por demais todos osseusseguidores,incluindoLentulusSura.

    Catilinadescendiadefamlianobre,forahomemdotadodeforacorporalede personalidade forte, mas de carter mau e depravado. Desde osprimeiros anos gostava das guerras intestinas, dasmortes, dos roubos e

  • das discrdias civis. Foi assim que passou sua mocidade. Seu corporesistente podia suportar de modo incrvel a fome, o frio e as longasviglias. Tinha o esprito atrevido, inconstante e manhoso. Era ingido edissimulado em suas aes, sempre vido do alheio e prdigo como seu.Homemdepaixes violentas era eloquenteno falar,masdepouco saber.Seu gnio vasto e ambicioso buscava sempre as coisas de alta posio,descomedidaseincrveis.

    DepoisdogovernotirnicodeLcioCorneliusSila,deixou-sepossuirporumardentedesejode tomaropoder e tiranizar aRepblica; e comojulgavaconseguirissocomcertafacilidade,nadalheimportavaosmeios.Acadadia,maisemais,suaalmaferozagitavaospobresecausavaremorsoaosricos,doismalesdasociedadequeelehaviapotencializadocomassuasqualidadesdeagitador.Almdisso,estimulava-oacorrupodoscostumesdeRoma,intensiicadospordoisvciospssimoseopostosentresidequeeraportador:oluxoeamediocridade.

    A ocasio levou Salstio a falar em sua obra tambm sobre oscostumes de Roma. Ento, debruando-se sobre esse tema, falou embreves palavras das instituies erguidas por romanos venerveis,antepassadosdesuagerao.Explicouqualforaogovernoexercidonapaze na guerra, em que patamar a Repblica fora deixada e como ela, demodo insensvel, degenerou de sua condio tima e pura para outraconsideradapssimaedepravada.

    Explicou em seus escritos que os troianos, fugidos aps a guerraperdida, capitaneados ento por Eneias, depois de vagar por diversoslugares se estabelecerame foramosprimeiros ahabitarRoma.Aeles sejuntaramosaborgenes,homensselvagens,semleis,semgoverno,livreseindependentes. Vivendo, ento, dentro dos mesmos muros, com incrvelfacilidade uniam-se uns aos outros, em casamento, mesmo sendodiferentes, com lnguas e costumes diferentes. Assim, no granjearammuito a considerao de outros povos civilizados das redondezas. Porm,depoisqueospovosvizinhosviramaquelesromanoscresceremeicaremforteseprsperos,dotadosdegrandepopulao,debonscostumesecomterritriovasto,aopulncialhescausouinveja,comodeordinriocomumsucederentreoshomens.

    Ento,osreiseospovosvizinhos,cheiosdeambio,sepuseramemguerra contra eles. Nas lutas, os romanos tiverampouca ajuda de outrospovos, os quais, com medo, no quiseram se envolver nos perigos. Osromanos, porm, tanto dentro da Ptria quanto fora dela, no pouparam

  • viglias, trabalhos e preparativos para aumento da sua segurana.Animavam-semutuamente,corriamportodaparteeresistiamaosinimigosempunhandoasarmas,defendendoa liberdadeeo seu territrio.Depoisde afastar o perigo com grande valor, puseram-se a auxiliar os amigos ealiados, granjeando novas alianas e auxiliando mais os outros do querecebendofavoresparasimesmos.

    Naquele incio, seu governo constitucional era monrquico; porm,nos negcios pblicos, era comum consultar um conselho de homens, osquais os anos haviam enfraquecido o corpo, mas a sabedoria houverafortiicado o esprito. Estes, pela idade ou pela semelhana dos cuidadospaternos,eramchamadosPaires(Padres).

    Depois, quando a autoridade real instituda para conservao daliberdadeedaexpansodoEstadoseconverteuemorgulhoetirania,aLeiMagnafoientomudada.Criou-seassimdoischefes,amboscomjurisdioanual. Pensou-se que dessemodo o poder arbitrrio e o despotismo nomais entrariamno coraodeRoma. Foi entoqueosprincipaisdopovocomearam a sobressair-se e a patentear mais e mais os seus talentos.Antes, isso no ocorria porque para os chefes tiranos os homens hbeissomais suspeitos do que os ineptos, e omerecimento alheio sempre osassustava. Depois dessa providncia, parece mesmo incrvel como Romacresceurapidamentecomarestauraodaliberdade,poisopovopassouaterumsentimentouniversaldeamorglria.

    Naquelapocarecuada,ajuventuderomana,emidadedeempunhararmas, logo aprendia a arte da guerra, com trabalhos e exercciosespeciais. A juventude era mais apaixonada pelas belas armas e porcavalos guerreiros do que por banquetes e lupanares. Por isso, para taishomens intrpidos,nohaviacansaonamarchanemlugaresescabrososeinacessveis;tampoucoinimigoarmadoquelhesbaixasseoentusiasmo.Ovalor do homem romano a tudo vencia. Reinava entre eles a maioremulao da glria. Cada qual corria para combater primeiro o inimigo,escalarmaisrpidoamuralhaeservistoeadmiradopelosoutrosfazendotaisproezas.Eramessasassuasriquezas,essaasuareputaoefidalguia.

    vidos de louvor e liberais no dinheiro, queriam glria acima detudo, contentando-se com pouca riqueza. Seria fcil apontar aqui oslugares emque os romanos com recursos e foras inferiores derrotaramgrandesexrcitos.Etambmquecidades,bemprotegidasporsuaposionatural, foram tomadas ponta da espada.Mas tal digresso nos levariaparalongedoassuntoprincipaldestaslinhas.

    Ofatoqueafortunasemprepdemuito.Elacapazderealarou

  • ofuscar todas as coisas,mais pela fantasia doquepela verdade.Os belosfeitos dos atenienses tanto quanto era possvel conhecer na poca deSalstio , foram grandes e brilhantes, mas um tanto menores do que afamalhesassoalha.Todavia,comoosateniensestiverammuitosescritoresportentososecriativos,portodooorbeassuasfaanhasforamcelebradas;eassim,oseuvalorfoiemmuitopotencializado,namedidaemqueaquelesgniosdaescriturapuderamexalt-los,escrevendobeloslivros.

    O povo romano, ao contrrio, nunca teve tanta abundncia deescritores como o povo grego. O mais sbio dos romanos era o maisocupadonas faanhas concretas; assim, para eles, o corpo e o esprito seexercitavamaomesmotempo;eomelhorcidadopreferia,antesdetudo,ver as suas aes louvadas do que narrar em livro o feito de outros;valorizavamaisedificarobrasaescreverlivros.

    Porisso,napazenaguerraosbonscostumeseramrespeitados;emoutraspalavras,aunioeragrande,aestreiteza,nenhuma.Aequidadeeodireitonoseioromanovigoravammaisporhbitodoqueporlei.Enquantoa discrdia, a inimizade e a contenda somente podiam existir contra oinimigo,poisentrecidados romanosdisputava-seapenasomerecimentodavirtude.

    Ocultoaosdeuseserapomposo,masrestritoaoscidadosesempreabertoaosamigos.Aaudcianaguerraeajustianapazdirigiamtantoosnegciosparticularesquantoosafazerespblicos.Hprovasevidentesdeambas as coisas: na guerra havia mais penalidade por descumprimentodasordensecontraordensdoquepor largarabandeiraouabandonaroposto de luta; enquanto o governo, na paz, era respeitado mais pelosbenecios do que pela repreenso, procurando antes perdoar do quevingarasinjrias.

    Foi assimqueo trabalho e a justia elevaramaRepblicadeRomaaopatamarmais alto; pelas armas, os reis adversrios foramdominados;pela fora, as naes ferozes e povos numerosos foram subjugados; pelomaiorpoder,acidadedeCartagogranderivaldoImpriofoiarrasadaatosalicerceseavirtudedopovoromanoabriucomseupodertodososmares e terras. Aps tudo isso, a fortuna material adentrou a Ptria,lagelouo povo e desordenouoEstado.Atmesmoos fortes, que sabiamsuportaro trabalhorduo,osperigos iminentes,os lancesdeataqueeosrigores da m sorte, estes tambm sucumbiram, desgraadamente, aosabordocioedaopulnciaque jamaisdeviamteralmejado.Brotou,porconseguinte, primeiro a cobia das riquezas, e depois, a pretenso dedominar pormeio do governo. Da em diante, todos osmales do Imprio

  • tiveramasuagerminao.O pensamento estreito arruinou a boa-f, a probidade e outras

    virtudes; inspirou o desprezo aos deuses e a venalidade dos homens. Aambiodoscargoslevouohomemfalsidade,adizerumacoisa,masteroutra no corao, a validar as amizades no pelomerecimento,mas pelointeresse, e ter a honra mais exposta na fachada do rosto do que nointerior da alma. Esses vcios todos cresceram aos poucos, recebendoalgumas vezes o castigomerecido.Depois, quando o nefasto contgio dascoisas ms lavrou no homem como peste, o Estado se transtornou e ogoverno,antesjustoetimo,tornou-secrueleintolervel.

    Noprincpio,oespritoromanoseocupavamaisdaambioquedodesapego, pois o vcio de querer tudo era uma espcie de virtude.Porquanto bons e maus, igualmente, tivessem por ambio a honra, aglriaeoscargospblicos,unssefundavamemmeioslcitosparaobt-los,enquantooutros,faltando-lhesomerecimento,faziam-nopelocrimeepelaintriga. Porque o mesquinho s busca o dinheiro, valor que nenhumhomem virtuoso d preferncia; a mesquinhez, composta apenas deveneno,enervaocorpoe intrigaaalma, insacivele sem limites,poisasuacargadoentianopodeserdiminuda,nemcompouconemcommuitodinheiro.

    DepoisqueLcioSila,tendorestabelecidoaRepblicapelaforadasarmas desfez os seus bons princpios com asmais tristes consequncias,ento o furto e o roubo se izeram prtica geral, em que pessoas seapossavam de casas e terras alheias. O vencedor no conheceu maismoderao nem modstia, praticando para com o vencido toda sorte detorpezaedecrueldade.AissoacresciateroprprioSiladeixadoentregar-se ao luxo e devassido, contra sua antiga disciplina no comando doexrcito,nasia,quandohaviaganhadorespeitodetodos.Asamenidadese os prazeres daqueles stios amoleceram facilmente, emmeio ao cio, abravura de seus soldados. Foi ali que o exrcito romano primeiro seacostumou luxuriaeembriaguez.E,porambio,passouaroubardascasas particulares e dos prdios pblicos as esttuas, os quadros e osvasos ricamente trabalhados; passou a saquear os templos e a norespeitar nem o sagrado nem o profano. Os soldados de Sila, depois davitriaalcanada,nadadeixavamaosvencidos;e sea riquezaabalaatonimo do homem virtuoso, por certo no faria diferente aos soldadoscorrompidosnoplenogozodavitria.

    Depoisquea riquezacomeouadarhonraaopovoromanoe,paraacompanh-la, vieram os cargos pblicos, a glria e a inluncia social,

  • ento a virtude icou tbia, a pobreza degradou-se e a probidade viroumalevolncia.

    Najuventuderomana,asriquezasizerambrotaroluxo,oorgulhoea avareza. Veio ento o roubo, a dilapidao e o desprezo aos prpriosbens,tomandovultoacobiadoalheio.Sobreveioaconfusoentreodivinoe o humano, desprezando-se o pudor e a virtude, deixando de existirtambm a considerao para com o prximo e a prudncia em todas asaes.

    ESalstio,emseutempo,vendoaquelasquintasevivendasvaliosasconstrudas maneira de cidade, fez lembrar a todos a simplicidade dostemplosqueosantepassadosromanos,homensreligiosos,tinhamedificadoparaasdivindades.Aqueles,porm,ornaramostemploscomapiedadeeas suas casas com a prpria glria, nada tirando dos vencidos seno osmeios de aqueles voltarem a atacar. Entretanto, estes de sua poca, poracmulo de baixeza e por mxima tirania, despojaram os dominadosdaquiloqueosprprios chefes, aps a campanhavitoriosa, deixaramaosvencidos,comosecomandarumpovofossepraticarinjustia!

    Alm disso, h coisas que somente podem ser crveis aos que asviram, por exemplo, ver os montes nivelados ao cho e os maresentulhados de vivendas particulares. Para tais homens, at as riquezaspareciam objeto de desprezo; porque, podendo desfrutar delas demodohonesto,seempenhavamnoseuabusoenadegradaomoral.

    Enoeramenorapaixodasensualidade,dos lupanaresedoluxo.Homensseprostituam,assimcomomulheres;algunsvendiamempblicoaprpriahonra;enosbanquetes,apareceramasgulodicesmaisesquisitasda terra e domar. O luxo desvairado ensinou a forjar necessidades porantecipao,adormirantesde ter sono, anoesperarpela fomeoupelasede,pelofriooupelocansao.

    Com tais hbitos, a mocidade de Roma exausta de tantos bensprdigos entregou-se com ardor aos crimes. E os espritos, imbudos novcio,nopuderammaisabster-sedosdeleites,procurandotodososmeiosdeganharoquefosseegastartudodemodoaindamaisdesregrado.

    Ento, nessa corrompida cidade, surgiu Catilina, o qual fez muitosamigos.Andava cercadodeuma espcie de tropadehomensmalvados efacnoras, que para ele era fcil ao extremo. A seu lado, estava todocidado impudente, adltero, gluto; todos os que tinham dilapidado osbensptrios,sejanojogo,nasprodigalidades,nagulaounadevassido;osque se viam endividados ao extremo, e aqui vemos a igura de PblioCorneliusLentulusSuraemergirentreeles.

  • ComCatilinaestavatodoaquelequequeriase livrardeumcrimejpraticado, de um estupro ou de qualquer outro; estava o parricida, osacrlego, o condenado judicialmente ou que temia s-lo em breve, emrazodeseuscrimes;estavamosqueviviamdoperjrioedoassassinato;e,inalmente,todoaqueleaquempungiaamaldade,apobrezadeespritoe o remorso esses todos, por convenincia, perilaram com Catilina. Eacasoalgumnovoelemento inocenteviessea tersuaamizade,sujeitando-se aos seus agrados e trato quotidiano, logo haveria de assemelhar-se aele,assimcomoaosdemais.

    Lentulus Sura, amigo de ocasio, estava endividado ao extremo,ambicioso de poder, debochado da administrao pblica corrupta equerendovingar-sedeseusopositores.

    Catilina dava preferncia amizade dos jovens, pois as almaslexveis e juvenis mais facilmente se deixam cair nos enganos. Assim,conforme a idade e o gosto a que cada um estava propenso, a uns davameretrizes, a outros comprava ces e cavalos; enim, no poupavadespesas nem fazia caso da reputao para sujeit-los. Fora dessemeio,havia quem julgasse a mocidade amiga de Catilina como desonesta eimpudica,mas tal rumor se davamais pormotivos diversos do que pelacertezadamoral.

    Catilina, quando jovem, ofendendo as leis humanas e divinas,cometeraestupros:um,aumadonzelanobre;outro,aumasacerdotisadeVesta [espcie de freira hoje]; e ainda outros crimes semelhantes. Porltimo, enamorou-se de Aurlia Orestila, a quem nenhum homem queriaoutracoisaexcetoafortunaeabelezadocorpo.

    Ocorre que Orestila hesitava em casar-se com ele, temendo ter emcasaumenteado j adulto, frutodoprimeiro leito2 de Catilina. Sobreveio,ento, demodo inesperado, amorte desse ilho de Catilina, retirando dacasa o obstculo, mas colocando nas npcias o estigma do sacrilgio,segundo sedizia. Essa ocorrncia parece ter sido, no mbitoparticular, acausa principal de Catilina ter apressado a conjurao que h anosarquitetava.

    A alma impura de Catilina, odiosa dos deuses e dos homens, nosossegavadiaenoitede tantopungireatormentaraprpriaconscincia.Por isso, tinhaeleorostoplido,oolhar feroz,oandaroraapressadooratardio;enim,trazianogestoenaisionomiaoretratointeriordeumaalmaalienada.

    Eraperitoemadestrarosmoosadiversoscrimes,atraindo-oscom

  • os seus presentes. Por dinheiro, aliciava os jovens para dar falsotestemunho e para falsiicar assinaturas; ensinava-os a desprezar apalavra,osbenseosperigos;e,depoisdeapagardesuasalmasoamorreputaoevergonha,colocava-os,ento,emcrimesaindamaiores.

    Quando a ocasio de delinquir no se apresentava, ele prprioincitava os rapazes a surpreender e massacrar qualquer pessoa que ostivesse um dia ofendido, incentivando-os crueldade at mesmo sem omnimo proveito, apenas para o brao e a ndole no se esquecerem docrimeaqueestavamacostumados.

    Confiandoemseuscmplicesenosamigosdeocasio,determinou-sea bater a Repblica. E o fez justamente porque sabia haver em todas asterras muita hipoteca e homens endividados ao extremo, como LentulusSura,equeamaiorpartedosantigossoldadosdeSila,apsperder todosos seus bens, desejava a guerra civil, relembrando os antigos roubos,hauridosdeantigasvitrias.

    Enim, tudoera favorvel rebelio: a Itlia semgrandes forasdedefesa em seu territrio, o exrcito de Gneo PompeuMagno guerreandoempasesdistantes,oSenadosemdesconiardosconjurados,tudoestavaseguro,tranquiloparaogolpe.Taiscircunstnciasfavoreciamosplanosdeumaconjuraovitoriosa.

    Um ano e meio antes de eclodir a revolta, mais exatamente em 64 a.C.,prximoaoprimeirodejunho,comoscnsulesLcioCsareCaioFguloacampanha de aliciamento foi iniciada: primeiro, uns animava-se; depois,outros eram sondados; em seguida, apresentava-se a fora a sermobilizada, a falta de defesa da Repblica e as grandes vantagens dedispararogolpe.Apsaamplaexposiodeideias,osmaisconcordatrioseinsolenteseramconvocadosaparticipardarebelio.

    No curso dessa campanha, aderiram trama osmais atrevidos. Daordem senatorial, encabeando a lista, estava Lentulus Sura, seguido dePblioAutrnio,CssioLongino,CaioCetego,PblioeSrvioSila, ilhosdoex-ditador Sila, Lcio Vargunteio, Quinto nio, Prcio Leca 3, Lcio Bstia,QuintoCrio;enquantodaordemEquestreaderiramFlvioNoblio,LcioEstatlio, Pblio Gabnio e Caio Cornlio; alm destes, aderiram tambmoutrosnobresdevriascolniasemunicpios.

    Entraram ainda, embora de maneira silenciosa e com maisresguardo, muitos nobres romanos, estimulados mais pela cobia degovernardoquepordificuldadefinanceiraouqualqueroutranecessidade.

    Almdestes,favoreciamosprojetosdaconjuraoamaiorpartedos

  • moos, sobretudo os bem situados, os quais, podendo viver no cio, nofaustoenaboa-vida,preferiammaisaaventuradoperigomansidodascoisascertas,maisaguerradoqueapaz.

    Nessetempo,houvequempensassequeMarcoLicnioCrassotivesseconhecimento da conjurao, porque, inimigo de Gneo Pompeu Magno,chefe do exrcito romano, queria ver poderoso a qualquer outro quecontrabalanasseoseupodercomodaquele,persuadidoqueforaemsero primeiro dos conjurados, caso a conjurao surtisse efeito. Inclusive,antesdestaconspirao,outrosconjuradossupostamenteCrasso,CsareLentulusSura, e certamenteCatilina, tinhamurdidooutra conjurao, aqualsermostradaaseguir,comverdadehistrica.

    NoconsuladodeLcioTulloeMnioLpido,em66a.C.,oscnsuleseleitosparaoano seguinte,PblioAutrnioePblioSila, foramacusadosjudicialmente e condenados pelo crime de suborno nas eleies. Catilina,por suavez, acusadoantesde concusso, nopdeapresentar seunomedentrodoprazolegaleforaimpedidodedisputaroconsulado.

    Nessa poca, existia Gneo Piso, moo de origem distinta e poucasposses,masdesumaaudciaedegniointrigante,aquemapobrezaeosmauscostumesimpeliamafomentarrebeliesnoEstado.

    Catilina e Autrnio comunicaram a Piso o tal projeto, perto dasnonas de dezembro (dcimo quinto dia) e planejaram, ento, matar noCapitlio,nascalendasdejaneiro(primeirodiadoano65a.C.),oscnsulesLcio Cota e Lcio Torquato. Quando isso ocorresse, Piso, usurpando astochas consulares, seria recompensado com o comando de um exrcito,paraseapossardasduasEspanhasCiterior [suldaEspanha]eUlterior[suldePortugal].

    Entretanto,oplanofoidescobertoenotinhamaischancedevingar.Com isso, transferiu-se, em cima da hora, a matana para as nonas defevereiro,comaintenodeassassinarnososcnsules,mastambmamaior parte dos senadores. Assim, ali mesmo na Cria, se Catilina notivessedadoosinalcancelandoarebelio,naquelediaseteriacometidoomaishorrendoatentadodesdeafundaodeRoma.

    Depois,comonosejuntoumaisonmerodeconjuradosdispostosapegaremarmas,a tentativadenovaconjurao icaria frustradanaqueleano.

    O jovem Piso, ento na qualidade de questor-propretor, foimandado para a Espanha Citerior a pedido de Crasso, que o tinha porcontrrioaopartidodePompeu.OSenadonorelutouemdar-lheaquelaprovncia.Eassim,Crassopareciaquererafastarpara longedaRepblica

  • um homem perverso como ele; e tambm, porque homens ntegrosjulgavam ter nele um baluarte contra Pompeu, cujo poder comeava apreocuparosseusopositoresemRoma.

    Porm, de modo estranho, Piso acabou sendo morto no caminho,poralgunscavaleirosespanhispertencentesaoseuprprioexrcito.Unsdisseram que os brbaros no poderiam aguentar o sofrimento de umgoverno injusto, soberbo e cruel como seria o de Piso; e outros, que oteriam matado a servio de Pompeu, de quem eram iis aliados.Estranhava-se, contudo, que em outros tempos os espanhis nuncativessem cometido crime semelhante, ainda que com outros governantescruis. Mas, sobre isso, nada pode ser acrescentado, tampouco daquelaintenodegolpeemRoma.

    1 A verso do latim aqui apresentada teve como base as tradues de Fialho Mendona e deBarreto Feio (citados naBiografia), adicionando-sealgunsdadosdeautores clssicosparamelhorentendimentodecertaspassagensenapretensodetermosumestudodavidadeLentulusSuramaiscompletoefidedignopossvel.(N.A.)2 Catilina, antes de casar-se com Orestila, j houvera sido casado em primeiras npcias, masdesconfiava-sequeseufilhofossefrutodeumdeseusamoresaindamaisantigos.(N.A.)3MarcoPrcioLeca, senador rebelado, fez em sua casa asprimeiras reuniesda conjurao. Eraparente de Marco Prcio Cato, o Jovem, que seria mais tarde o grande adversrio de Csar noSenado.(N.A.)

  • A4

    AQUEDADOPRETOR

    ps a frustrao vivida nas tentativas em66 e 65 a.C., Salstio contaque Catilina juntou todos os seus aliados, e no obstante tivesse

    conversado com cada um em particular, julgando sempre til exortar atodos, isolou aqueles que lhe podiam dar maior f e retirou-se para orecintomaisinteriordacasa.Alilhesfezoprimeirodiscurso,querendoseelegercnsulnaseleiesde64a.C.,paraoexerccionoanoseguinte:

    SeeujnotivesseprovasobastantedavossaidelidadeiniciouCatilinaedovossovalor,debaldeseapresentariaansamelhordasocasiesparaconjurar;denadanosserviriaternasmostograndesesperanasde governar, tendoao lado somenteos fracos e iniis. Euno deixaria o certo pelo duvidoso. Porm, como em vrias vezesafrontando os grandes perigos conheci a vossa intrepidez e a vossairmeza,agorameatrevoaconceberomaioremaisinusitadodetodososprojetos;etambm,porqueestoucertodequeosbenseosmalesdavida so para vs omesmo que paramim, pois h reciprocidade emns daquilo que queremos ou no, onde est presente a verdadeiraamizade.Cada um de vs, em particular, j ouviu os meus desgnios. Meu

    nimo,porm,inlama-secadavezmaisquandoconsideroqueespciede sorte nos espera, se no recuperarmos a liberdade pelas nossasprpriasmos. Porque, depois que a Repblica icou sob o poder e adisposio de uns poucos privilegiados, s para esses os reis e osmonarcastributam;paraesses,ospovoseasnaespagamimpostos.Ens, os valorosos e honrados, sejamos nobres ou plebeus somos nofundoapenasagentalha,semnenhumaconsiderao,semautoridade,sujeitos queles mesmos que, se a repblica fosse de fato Repblica,tremeriamnossafrente.Ashonras,oscrditoseasriquezasouestonas mos deles ou onde assim o querem. Para ns s deixam osperigos,asafrontas,ascondenaeseapobreza.Valentes cidados, at quando sofrereis isso?No valemais a pena

    morrer com valor, do que perder com desonra uma vidamiservel einfame?Edepois deperd-la, demodo todesprezvel, sermotivodo

  • escrnio orgulhoso dos outros? Juro pelos deuses e pelos homens:temos a vitria nasmos! H em ns o valor do carter e a fora dajuventude dos anos; neles, pelo contrrio, os anos e a opulnciaenfraqueceramtudo.Faltaapenascomear,orestoserfcil!Poroutro lado,quehomemverdadeiramentehomempoder sofrer

    calado,vendoaquelestocheiosdebensederiquezasdesperdiaremtudo, fazendo ediicaes sobre os montes aplainados e at sobre omar, quando a vs falta o necessrio para viver. Como sofrer caladovendoquetenhamdoisoumaiscasariosriqussimos,enquantovsnotendes sequer um pobre lar em parte alguma?! E por mais quadros,esttuas e baixelas que eles comprem, por mais edicios novos quedesmanchemetornemaediicar,enim,pormaisgastosquedeemaodinheiro desperdiado ainda assim no podem exauri-lo com os seusinterminveis apetites.Vs, porm, emvossa casa tendes apenria, efora dela, dvidas; tendes uma vida presente miservel e um futuroaindapior.Oquevosrestasenoavidainfelizedesgraada?!Enim, porque no acordais? Eis a, vossa frente, a liberdade que

    tantodesejais!Ecomela,diantedosvossosolhos,tendesasriquezas,adignidade e a glria. So esses os prmios que a fortuna reserva aosvencedores. E acrescente-se ainda a empresa prpria, a ocasio devencer, os perigos superados, a pobreza vencida e os magnicosespliosdeguerravosanimaromuitomaisqueasminhaspalavras.Tomai-me por general ou por soldado e nem aminha alma, nem o

    meubraovosdeixaro jamais.Esperover-mecnsul embreve,paraexecutarconvoscoesteprojeto,sequeomeucoraonomeenganaequevsnoestaismaisdispostosaserviremcomoescravosdoqueacomandarcomosenhores.

    Apsessediscurso,oshomenssimplesalipresentes,semesperanasnemposses, pobres coitados imersos em todos osmales da vida, emboralhes parecesse grande a recompensa de apenas perturbar a ordempblica, pediram a Catilina que lhes expusesse qual seria a forma deguerra, quais os prmios pela vitria e que esperanas poderiam ter setomassemparasiessepartido.

    Catilina lhes prometeu a abolio das dvidas, o acesso a cargospblicos e aos da magistratura, os sacerdcios, o saque aos ricos e aextino das riquezas, e tudo mais que saltasse aos olhos, que fosseconsequnciadaguerraedalicenaqueavitriaimpeaovencido.

  • Almdisso,falouquePiso,naEspanhaCiterior,eScioNucerino,naMauritnia,amboscomforteepoderosoexrcitoentrariamnaconjurao.Disse que o posto de segundo cnsul icaria melhor nas mos de CaioAntnio, a quem esperava ter por colega no consulado, pessoa amiga eoprimida por toda sorte de necessidades. Enim, falou que junto comAntniodariaexecuoaissotudo.

    Depois, ento, argumentou contra todos os homens de probidade,incentivando seus partidrios contra eles; e louvou todos os presentes,chamandoa cadaumpelonome: a este, lembravaa suapobreza; quele,osseusdesejos;amuitos,asafrontaseperigosjvividos;emaiorparte,a vitria de Sila que lhes havia dado opulentas presas de guerra. Depoisque todos icaram animados, satisfeitos com as suas promessas,recomendou-lhesqueapoiassemde fatoa suacandidaturaeosdespediuamigavelmente.

    Tempos mais tarde, quando a conjurao naufragou, no faltariaquem dissesse que Catilina, ao inal dessa reunio, uniu por estranhojuramento seus aliados ao mesmo crime, dando-lhes, na taa, o sanguehumano misturado em vinho. Erguendo o clice e brindando a todos,depoisdevriasabominaesaexemplodoquesefazianossacriciosdotemplo,Catilinadescortinaraa todosassuas intenesedissera-lhesque,ao fazerem aquele brinde, cada qual seria cmplice um do outro, paraguardarementresiafrecproca.

    Mas no forampoucos os que julgaram essas e ainda outras coisascom as quais se divulgava a atrocidade dos crimes da conjurao, comocoisas inventadas de propsito por aqueles que queriam diminuir o diodepositado contra Ccero, cnsul durante o compl, em razo da penaimposta por ele aos prisioneiros. Quanto a mim dizia Salstio , notenhoprovasobastanteparaafirmarcoisatohorrvel.

    NessaconjuraoestavaQuintoCrio,homemdeilustrenascimento,masumtipodissolutoecriminosoaoextremo,aquemoscensoreshaviamexpulsadodoSenadopormaucomportamento.

    Crio tinha no menos leviandade do que atrevimento, no podiasilenciar o que ouvia nemocultava os prprios delitos.No era prudentenas aes, tampouco nas palavras. Estava amasiado hmuito comFlvia,mulher nobre. E sendo agora menos amado por ela, porque a falta derecursos o obrigava a ser menos liberal com o dinheiro, de repenteapareceu gabando-se e prometendo-lhe mundos e fundos. Por vezes,ameaavaFlviademorte,casoelanolhefossesubmissa;enim,passouatrat-lamal,foradocostume.

  • Flvia buscou saber o motivo da mudana em seu amante,procurando tirardele todasas informaes.Crionoencobriuo grandeperigoqueaRepblicaestavaprestesapassar.Semcitarafonte,contouaela e a outros tudo que sabia dos planos de Catilina. E no decorrer dotempofezdissoumarotina,dissertandosobreasreunies.

    Essanova foi oquemaisdeunimoaopovo,no cursodas eleies,para entregar o consulado a Marco Tlio Ccero, porque at ali a maiorparte da nobreza ardia de inveja e entendia que entregar o consulado aumhomemnovo, da ordemEquestre, comoCcero, seria uma verdadeiradesonra para os nobres, ainda que lhe fosse merecido. Contudo, nessemomentoemqueRomaestavasobameaadeperigotogrande,ainvejaea soberba desapareceram dos nobres, dando lugar prudncia. E assimCatilina foi preterido pela maioria. Nos comcios foram eleitos cnsules:MarcoTlioCceroeCaioAntnio,esteltimoaquelequeCatilinahouveraapoiadoparaseucompanheironoconsulado.

    A derrota de Catilina causou forte abalo nos conjurados. Mas ele noabrandouoseufuror,aocontrrio,multiplicouaindamaisosseusprojetos.Fez depsitos de armas em alguns pontos da Itlia, em lugaresestratgicos, tomou em sua conta ou na conta de amigos inluentesdinheiroemprestado, remetendosomaconsidervelcidadedeFsulas 1,a seu lugar-tenete de nomeMnlio2, que seria depois o primeiro a fazerguerra.

    Emboraderrotados,aempolgaopormudanascontinuouvivanosrebelados,contagiandooutraspessoas.Aderiramconjuraohomensdetodas as condies e at mulheres de vida fcil. Estas, que na mocidadesupriamas suasdespesas comavendade seus corpos,depois, quandoopeso dos anos se fez sentir e os ganhos diminuram, se puseram emdvidas, sem abrir mo da vida de luxo. Com a ajuda delas, Catilinaesperava sublevarosescravos, atrair seusamantesepr fogona cidade,casocontrrio,osmataria,paranoserdelatado.

    EntretaismulheresestavaSemprnia,quemuitasvezescometeraamaldade prpria da audcia varonil. Era uma mulher que havia sidoafortunadaemquasetudo:nonascimento,nabeleza,nocasamento3enosilhos;sabiabemogregoeolatim,mastocavaedanavarequebrandodemodo imprprio para uma matrona romana. Possua ainda outros dotesincentivadores da luxria, e isso ela prezava mais do que a honra e opudor.Nela, no seria fcil distinguir se faziamenos caso do dinheiro do

  • que de sua reputao, era to lasciva que provocava os homensmais doqueelesaela.

    Semprnia, desde h muito habituada traio, fora cmplice deassassinosesobjuramento,emjuzo,negaratodasassuasfaltas.Debatia-seagoranoabismodeumavidarelativamentepobreparaela,decorrenteda sensualidade decada pelos anos. Porm, ainda assim, no lhe faltavatalento:sabiafazerversoserecit-los,eradetratojovial;emsuaconversa,sabia mostrar-