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claude Lévi-strauss baseia-se no estudo da aíe dos Índios da costn Ììr Ìr , ,r , .r ,dos Estados unidos-arte..cuio estudo, ao revelá-la, torna possrv(,r rrrr,r r , .var a cabo aproÍundada ref lexáo, ref lexáo gue se situa numa porlrprrcrrv,r, , , , . ,nal, sobre as questoes Íundamentais dá estética e da histôrrrr rr,r ,,,.GÌaÍismo, plást ica e cor são aqui reveiados no seu verdadeiro papel, o r l ' ; rr , ; , , , ,Ìrr a um povo, a uma escola, a um período, dist inguir-se dog s€us vrrr, ,r , , ,clos seus rivais ou dos seus predecessores.
1. O Mundo de Ulisses, M. t. Fintev2. A ldeia de História, R. G. Cottinòwood3. Teorias da Arte, Arnold Hauser-4. O Renascimènto ltaliano, Jacob BuÍckhaÍdt5. O Suicídio, Emile Dur*heim6. A Linguística do Sécuto Xx,
Georges Mounin7. Geogratia Humana, l, Md OerÍuauL GeograÍia Humana ll, Ma OeÍruau9. Barroco e Classicismo I, Victor Taoié
10. UÍòanismo Contsmoorâneo.Hans Mausbach
11. Barroco e Classicismo lt, Victor Tarté12. Problemas de ìnvestigaçáo em Sciotogia
Urbana, Manuel Castalls13. Conc€itos Íundamentais da Linguísticâ. An-
dré Maninat14. A Investigação nas Ciâncias Sociais, Joâo
FeÍeira de Almêida o José MâdureiÍa pinto15. Cãpitalismo e Modèma T€oÍia Sociat, An-
lhony Giddens16 E_s_!149ral AgráÍias sm poíiugat (195O-
-1970). Eduardo ds FÍeitas, Joáo Fsreirade Almeida s Manuot Vilaverde Cabral
17. Teorias do Vator e DistÍibuiçáo dssd€Adam Smith, Maurice Oobb
'18. O Eslado nas Sociedades OeD€ndonEs_- O caso da Amórica Lalina, EnÍious Go-mariz Moraoa
19. A Divisáo Sôciat do Trabatho t.E. OuÍkheim
20. A Divisáo Sociat do Trabâlho il,E. DuÍkheim
21. A Era das Revolueõ€s, E. J. Hobsbilm22. Oa CÍise do Feudãlismo ao NascimeÍìio do
Capitalismo, G. Conto23. A Tsra, Planeta Vivo, Jsan Tricaít24. Eça, Discípulo de Machado?. Atbeno
Machado dâ Rosa25. Sêmântica Gsrativa, Michet Gatmiche26. Filosoíia e Filosofia Espontânoa dos Cien-
tislas, L. Althusssí27. AEta do CaDital, E. J. Hobsbawm28. Cinc€ Autor€s HistoÍiais, Graça Alneida
Rodriou€s29. Teoriãs e História da Arquitedura.
ManÍrado ÍatuÍi30. Estudos de HistóÍia LitoÍáía, Graça Almsida
RodÍioues31. ïeoriã Económica do Sistoma Foudat.
Witold Kula32. As Filosotias da NaUÍeza, paoto Câsini33. Os Grancles Sist€mas Jurldicos,
Mario G. Losano34. Inlroduçào à L€itura de Plâtáo,
Aloxandro KovÍó35. O Valor na
-Ciôncia Emnúnicn. Clâudto
38. Oialóclica, Lívio SichrrÍkr39. A Rovolucão Come(rrl (Ir hlnikì r! '
95O-135O. Rob€rl S toÍrt/40.41.42.43.
4445.46.47.
48.49
Antropologia Polí t ica. í ì rxrr tn 'r I lnt , Í ' r ,Como se ía uma Íosrì . t , r l lx i l t , | , .A Fi losí ia do DesâÍ lr ,3. l r Í i l t ' rd ' i l r ar. i .Organizaçóos Pol l t icas l rrkrrur ru, i ' , ' ,
OEA e OUA - Antón(t .kr ,ó | ' i ' r ' , ' r " Ì 'A Pró-Hisiór ia. DonrÍ í ì (Jí ì : Í xìr rrv l t r ' , 'O Sigrc. Umberlo FmHistór ia eCiênoi ìs 1; íx.r i i l , | , !ú, ;u, / l l r ,Renascimento o F|rrr i r : , r : l r rrú, , . , , , ,Ocidental , Êmin PantÍ , ,kyCiôncìaeFi losof ia t ì ( ì ( , i i l t , ' r , l * , , , , r
A Via das Máscaras. ( lhru(t . , | óvr . , ,
363l
NaoolmniProudhon a Maff. GooÍ069 GurvllchAr Rãqíáã do Môt(ío Smtolôgkí',F Duilh6hn
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EDITORIAL PRESENCA/ MARTINS FONTES
zações propostas parecem, pois, inaceitáveis; mas daí nãodecorre que as genealogias esboçadas sejam falsas: cadauma delas poderá ser uma rami,ficação de uma genealogiamais longa, tronco comum cuja recordação se tenha perdidodevido à sua antiguidade ou tenha sido propositadamenteesquecido por poder dar consistência a direitos de concorren-tes prioritários.
Mesmo considerando prováveis algumas obliterações, o,smecanismos pelos quais certo tipo de máscaras se espalhounum vasto território por herança, casamento, conquista ouadopção continuam visíveis. Podemos assim ver tambémcomo, articulados com estes, outros mecanismos invertema imagem da primeira máscara onde, antes de se interrom-per, a propagação perde força. O exemplo que discutimosresumidamente, para homenagear um sábio que nunca pensouque fossem incornpatíveis a análise estrutural e as investi-gações etno-históricas, mostra pelo menos como nos factosse pode engendrar uma transformação mítica.
II
A ORGANTZAçÃO SOCTAL DOS KWAKTUTL (t)
Na pri,rneira parte deste livro (p. 78) evocámo's rapi-damente a organização social dos Kwakiutl e indicámosque ela levanta problemas muito complexos. Na hora actual,em que as instituições tradicionais se encontram, em grandeparte, desintegradas, os observadores e os analistas já sótêm testemunhos antigos que permitam tentar identificar anatureza dessas instituições. Pelas suas hesitações e pelosseus primeiros esboços, a obra de Franz Boas- a quemdevemos o essencial das informações disponíveis acerca dosKwakiutl - põe bem em evidência as dificuldades.
Estabelecidos na ,parte noroeste da ilha de Vancouvere na costa continental em frente dela, os Kwakiutl estavamdistribuídos por agmpamentos locais a que Boas dá o nomede <<tribos>>. Boas observa, nos seus primeiros trabalhos,que essas tribos se subdividiam em formações mais peque-nas e do mesmo tipo todas elas, compreendendo cada umaurn número variável de unidades sociais a que se chama((gens)) porque, ao contrário dos vizinhos setentrionais, todosmatrilineares - Tsimshian, Haida e Tlingit - , os K'wakiutltêm uma orientação patrilinear e apresentam, a este respeito,certas afinidades com os povos de língua salish que comeles confinam a sul.
C) Republicado com algumas modificações e acrescentos segundoa versão original: <<Nobles Sauvages>>, in: Culture, scíence et, dëveloppe-ment. MéIanges en I'honnewr de Charles Morazê, Toulouse, Privat, 1979.
t42 143
Mas as dificuldades logo aparecem, e Boas tem delas
plena consciência. Em primeiro lugar, é impossível aÍirmar
pretende a teoria dos sistemas unilineares - que
as <<gentes>> são exógamas, pois cada indivíduo se'considera,
em farte, membro da <<gensn de seu pai e, em parte, mernbro
da cle sua mãe. Além disso, subsistem aspectos matrilineares'
pois entre os aristocratas (os Kwakiutl formam uma socie-
dade estratificada) o esposo toma o norne e as armas (ern
sentido heráldico) do sogro e entra assim na linhagem dal
esposa. Nome e armas passam 1lara os filhos; as raparigas Iconservam-nos e os ra'pazes perdem-nos ao casar e adoptar Ioutros, os das esposas. Por conseguinte, os emblemas nobi- \liárquicos transmitem-se, praticamente' pela linha feminina Je todo o homem solteiro recebe os de sua mãe' Mas há-
outros factos que militam em sentido oposto: o pai é o chefe
da família, não o irmão da mãe; e, principalmente' a auto-
ridade sobre a ((gens)) transmite-se de pai para filho' No
fim do século xx muitos indivíduos de nascimento nobre
reclamavam títulos herdados nas duas linhas (Boas, 1889)'
Estas incertezas explicam que' numa segunda fase da
sua reflexão, ilustrada por lndianísche Sagen (1895) e pela
grande obra sobre a organização social e as sociedades secre-
tas dos Kwakiutl (1897), Boas tenha rnodificado a sua pers-
pectiva e a terminologia. Até então tinha principalmente
ãproximado os Kwakiutl dos povos matrilineares que se lhes
seguem a norte da costa; daí a sua primeira imp'ressão de
quu, ,ru* fundo de instituições comuns, e portanto matrili-
i,r"ur.r, os Kwakiutl tinham evoluído em sentido patrili'
near. Alguns anos depois, munido de novas observações'
Boas impressiona'se ainda mais com as semelhanças na
organizaçáo s,ocial dos Kwakiutl e dos Salish - a leste e a
sul. Em ambos os casos as unidades básicas da estrutura
social parecem formadas pela suposta descendência de um
antepassado mítico que construiu residência num determi-
nado local - mesmo se, depois disso, essa comunidade de
aldeia teve de deixar o território original e unir-se a outras
comunidades do mesmo tipo, sem por isso perder a memória
dn sua origem. Ora, os Salish são patrilineares e Boas vê-se
144
obrigado a inverter a hipótese inicial. Julga agora que osKwakiutl, originalmente patrilineares como os Salish, evo-luíram parcialmente para um regime matrilinear pelo contactocom os vizinhos setentrionais. Chama, então, às subdivisõesda tribo <<sept>>, conforme o sentido inicial da palavra, Ç[u€,na antiga lrlanda, designava um grupo bilateral de ascen-dentes; e renuncia a ((gens)), que substitui por <<cÌã> para
melhor acentuar a coloração matrilinear actual deste últimotipo de agrupamento. Esses clãs, sublinha Boas, podem ser
designados de três maneiras: uns têm um nome colectivo,forrnado segundo o do fundador; outros chamam-se pelo nome
do local de origem; outros, enfim, adoptam um nome hono-
rífico como (<os ricos>), <<os grandes)), ((os chefes>>, (os que
primeiro recebem>> (nos potlatch), <<aqueles sob cujos passos
a terra treme>>, etc.Precisando as indicações que anteriorrnente dera, Bo'as
explioa que, aquando do casamento, <<a mulher ttaz em dotel
ao rnarido,, a posição e os títulos do pai; mas o marido não Ifica a possuí-los como pro'priedade 'pessoal, antes os detém Iem benefício do'filho. E corno o pai da mulher, por sua vez, ìtinha adquirido esses títulos da mesma maneira (...), fica Iestabelecida uma regra de descendência puramente femi- Inina - embora sempre por intermédio do marido>>. Que esta -
regra híbrida milita pela anterioridade de um regime patri-
linear e não rnatrilinear, corno primeiro pensara, encontra-'oBoas demonstrado por muitos factos: o filho da irmã nãosucede a seu tio', a residência nunca é uxori- o'u matri-locale, ,por fi'm, e principalm,ente, as tradições lendárias vêemna descendência patrilinear do primeiro antepassado mas'culino a origem dos clãs e das tribos - ao contrário dospovos matrilineares do norte, que dão esse papel à descen-dência das irmãs.
Nem Durkheim nem Mauss que, em 1898-1899 e enrI"905-1906, respectivam,ente, discutiram as interpretaçõesde Boas; nem, cinquenta anos depois, Murdock aceitaram ahipótese de um regime matr,ilinear poder substituir directa-rnente um regim,e patrili'near; caberia a Goodenough (1976)realizar esta demonstração. Mas, pelo, menos para os autores
t45
franceses, não havia dúvida quanto à natureza fundarnen-
talmente matritinear das instituições kwakiutl; discor-
dando de Boas, sustentavam eles que a basg destas
instituições era u- iitiaçao uterina' Não insistia Boas'
desde 1895-1897, na existência de um regime sucessório nas
famílias nobres? Do pai para o filho mais velho (quer seja
rapaz quer seia 'upu-túuit
mas também' por casamento' do
pai da esposa para o genro e' por intermédio ::1t^t:,::9
os filhos nascituros' orJ' este segundo modo de transmitt:: I
tinha tai innportância aos olhos dos Kwakiutl que um indivi \
duo desejoso de <<entrar numa casa)) onde não houvesse filhas | '
para casar desposava simbolicamente um filho e' não havend" lX
filhos, uma pafte ao to'po - um braço ou uma perna - do I
chefe da casa ou até uma peça da mobília' JUm importante artigo de Boas'publicado em 1920 marca
um novo rumo do seu pensamento' É que' entretanto' ele
tinha formado e posto a trabalhar um informador excepcio-
nalmente dotado: Cuo'ru Hunt' filho de pai escocês e mãe
tlingit mas nascido, educado e casado entre os kwakiutl'
Inquiridor exemplar, Hunt' recolheu ao-longo de anos milhares
de páginas "o*
t"fo'-es sobre a cultura kwakiutl que iam
das receitas cuUnarias da dona de casa até às tradições
dinásticas das linhagãs nobres e das, técnicas artesanais até
aos mitos. ora esseá materiais, organizados e publicados por
Boas (1921), ou'ifu'u*-"o a .reinterpretar os
11]1't^,n""possuía. Deles resu"ltava' em primeiro lugar' que' mals que a
tribo o'u o sept, a unidade fundamental da sociedade kryakiutl
era aquela que Boas designara sucessivamente por (gens))
e <<c1ã>> contot-u -o
u'pt"to patrilinear ou matrilinear que
the parecia oominani"' ttoep-ois de muito hesitan>' Boas
renuncia a estes termos e resigna-se a utilizar o nome indí-
gena numrym, 'porque <<esta unidade social apresenta catac'
terísticas tão especiais que os termos ((gens>' <<c1ã>> ou
mesmo <<sib>> induziriam em erro))'
De facto, Hunt afirma muitas vezes de maneira cate-
górica - e todas as genealogias nobres que ele recolheu o
confirmam - q"; ï'-"o0"'- kwakiutl ((nunca mudam de
l4t i
nome desde a origem, desde que o primeiro ser humanoapareceu na terra; pois os nomes não podem sair da famÍliados principais chefes dos numaym, antes devem ir para ofilho mais velho do chefe principal (...). E esses nomes nãopodem ir para o marido da filha: nenhum nome, a começarpor aquele que a criança recebe aos dez meses e até elatomar o nome do pai - o nome do chefe principal. EssesÍÌornes são charnados <<,nomes do mito>>. Entre a dízia denomes (é melhor entender: títulos) que um nobre kwakiutladquire em toda a sua vida, alguns - os mais importantes -continuam, pois, a ser propriedade da linhagem. Quanto aosoutros: <<os únicos nomes de um chefe principal de numoymque podem ser dados por ocasião de um casamento são osque esse chefe obteve dos sogros juntamente com os privi-légios; pois não pode transmitir ao genro os seus própriosprivilégios. Parece, portanto, que os títulos de nobreza se1agrupavam em duas categorias: os que não podiam sair da \linhagem e eram transmitidos de pai para filho ou filha por Ìdireito de primogenitura e os que o genro recebia do sogro Ipor intermédio da esposa mas para transmissão aos filhos. IEssas duas categorias (que, porém, os Kwakiutl negavam Ique fossem de naturezas diferentes) recordam respectiva-mente - observa Boas - , mutüís mutandís, por um lado,os morgados europeus; e, ,por outro, o modo de transmissãoclas jóias de família, que em teoria são propriedades de umalinhagem mas passam de mãe para filha quando esta casa.
Já se disse que os nomes e privilégios mencionados porHunt constituem, essencialmente, títulos de nobreza; de facto,incluem o direito exclusivo ao uso de emblemas figurados,comparáveis às armarias, e também de divisas, cantos, danças,funções nas sociedades secretas (conforme a terminologia deBoas, discutida por Mauss): confrarias que, entre o início eo fim do inverno - estação ritual - , substituern a sociedadecivil que vigora durante o resto do ano.
Todavia, as riquezas d,o numnym nã,o eram exclusiva-mente de ordem espiritual. Além dos objectos ornament.ais,como máscaras, toucados, pinturas, esculturas, travessas ccri-moniais, etc., incluíam um domínio fundiário constituído por
l'|'7
terras de caça e de colheita, cursos de água, locais de pesca
e de barragens lque serviam também para a pesca) ' 'ltt:t
direitos territoriais átu* a"tu*ente defendidos: os legítimos
nr^"*ilttos não hesitavam em matar os intrusos'
Finalmente, ,o -rà,,
artigo de 1920, Boas completa as
suas informaçoes sobre o casámento' A exogamia de :!::1:
era mais frequente, como mostra- o simbolismo guerrerro
dos ritos matrimoúis; mas também são observáveis casos
muito claros de endogamia - por exemplo entre meio-irmão
e meia-irmã de mães ãiferentes ou entre o filho mais velho de
um pai e a sobriritru' nputu impedir - diz Hunt - que os
n.ì"í"*t"t suium au-tá*iìiu' Procedendo deste modo' conser-
vam entre eles os pti"itegio"' Mas também acontecia que' na
ausência de filhos, o gttt"'o' esposo de uma filha única' suce-
desse ao sogÍo na clhefia do numaym deste' Esse homem
mudava, portanto, â" ""*"V*;
se tivesse vários filhos enviava
uns para o seunLlmaym deorigem' para lhe sucederem' e con-
servava consigo o'-ït'oot' u ti* de assegurarem a perpe'
tuação do numaym da mãe' De um modo geral' no caso de
casamento entre cônjuges do mesrno.grau, os filhos podiam
ser repartidos ettã'ií "u*y^
matãrno e parterno e 'atê'
parece, os dos avôs ou bisavôs; mas cada indivíduo mantinha
uma certa liberdaie ã" ut"offt"' de tal modo que a filiação no
numaym, teoricamÀnte regida pelo- direito agnático' se apro-
ximava, de facto, -ã"
"* ãi't"*u de sucessão cognática'
Até à ,"u *oi'u' sobrevind a em 1942' Boas não deixou
de reflectir u""'"u ão' Kwakiutl nem de elaborar os materiais
recolhidos durante doze estadias sucessivas' escalonadas ao
longo de meio sec"i"' Publicados em 1966' os seus inéditos
apresentam u 't'u
Ut'i*a concepçã o do nurnaym (ou' como
the chamou posreriorm enle, numayma): <<Tais como foram
descritos o, nu*oi"*"o qo" precede' p'oderíamos pensar que
são análogo, *oJ'ltibs" 'ltrãs; ou 'gentes' de outras tribos;
mas a s.ru "sp"ciul "o"'titt'içao
não nos permite aplicar-lhes
cstes termo'' futa"Ao rigorosamente' o ni^^y^o não é patri-
lincar, pois - d";;; ã"-""oto' limites - uma criança de um
ou rlo o,rrro ,""o";;" ser atribuída por disposições testa-
ttttrttl.frrias u ou"ìï'i"lt"ãu'-ti"rtut de que descende ou até a
l4H
uma linha com que não tenha parentesco>>' Que vem então
a- ser um numayma? Para bem entender a sua estrutura'
escreve Boas, <<mais vale não ter em conta os indivíduos quo
o co,mpõem e considerat em vez disso que o numayma con-
siste num certo número de posições sociais' A cada uma
dessas posições estão ligados um norne' um (posto))' um
<<lugar a conservar>), isto é: uma categoria e privilégios' As
categorias e os privilégios existem em número limitado e
formam uma hierarquia nobiliárquica ("')' É esse o esque-
leto do numayma; os indivíduos, durante a sua vida' podem
ocupar várias posições e tomam os nomes a elas ligados>>'
De resto, é difícil afastar a impressão de haver neste
último estádio do pensarnento de Boas um regresso em força
dos aspectos matrilineares - apesar da repetida afirmação
de uma predominância patrilinear' Jâ por Hunt se sabia que
os germanos do mesmo pai podem casar entre si e que o
mesmo se não dá com os germanos da mesma mãe' Boas
acrescenta que, à pergunta <<de quem és tu-otr de quem é
ele - filho?>>, sempre se ouve responder com o nome da mãe'
O sogro proclama que, ao casar com a sua filha' o genro
(entra no seu numaymcL>> As testemunhas do casamento
fazem coro: <<Agora o genro entra na casa do sogro para
aumentar a gtandeza do seu nome))' Por conseguinte' na
altura da morte de Boas e numa época em que as institui-
ções tradicionais já tinham desaparecido quase por complcto'
o problema da sua naluteza- patrilinear - continua dc pó;
assim como o da coexistência de ambos os princÍpios' nÍl
hipótese da sua intervenção conjunta (mas' ncsso cilso'
segundo que modalidades?)' Compreende-se portanl"o quo
Boas haja renunciado a incluir o numdymo numo tipologiu
da organização social; rejeitando todas as cittcgorias suus
conhecidas por nenhuma delas ser aplicávcl' llrlus ttÍto podc
dar uma definição do numaymo e resigna-sc it tlcscrcvô-lct
comoumtipodeestruturasemequivalct t tct t t lsetrquivosdaetnologia.
t49
Ora, esse equivalente existe fora da América' especial-
mente na Polinésia e na Indonésia' na Melanésia e até
em África, embora, em todos os seus estudos dedicados de
há vinte e cinco anos a esta parte aos sistemas ditos não-
-unilineares (que melhor seria chamar indiferenciados' a fim
cle os distinguir d";;;";as bilaterais' que são unilineares
mas em duplicado) t'l ' "t etnólogos não o tenham reconhe-
cido naquilo que '"àíá*u
ete ã' Podemos encontrar duas
razões Para isso' 'de
Em primeiro lugar' este tip-o de instituição não corncl
com nenhum dos #t-;tn* de ãescendência- unilinear' bili-
near, indiferenciada- ' QUê são tendencialmente tratados
como se fossem "I"go'iu'
separadas mas que nas institui-
iá., ao tipo do numayma se entrelaçam'
Para ter a certezadisto, basta considerar mais de pe.rto
a ârea geogtâflca onde se estabeleceram os Kwakiutl' Os
seus vizinho, *uir"iï;;";; os Nootka e os Bella coola'
têm as mesmas instituições'-u' qtlÏ' como entre os Kwa-
kiutl, se fazemu*putt'u' de um sistema de parentesco do
tipo dito havaiano (em que germanos e primos são designados
pela mesma patavrà) e de uma regra de descendência indife-
renciada. De facto' nada ot' quase nada distingue o minmints
bella coola dt ';'*y*"
tal como foi descrito no caso dos
i(wakiutl.
C) Num sistema bilateral ou ambilateral' elementos sempre bem
determinados do estatuto rcs19af tU: :1i":*tttdos'
uns na linha paterna
eoutrosnal inha*ui"" ' ì 'Umsistemaindiferenciado'pelocontrár io 'é um sistem" u- nt" - consoante os c,asos ê' Pof vezes' conforme
a opção de cada i"i**"uAo ou dos seus ascendentes - qualquer ele-
menio do """t*"o
ïiã" J"ïtrunsmittl^:* qualquer das duas linhas'
Nos Kwakiutl, 'u JJãu"tentos do estatuto respectivamente transmr-
ticlos na lintra agná-icu u no' cadamento Íossem de natureza diferente'
o sistema 'u'i"
uluïtiir'-t'-"u'o contrário' seria indiferenciado' o actual
trr't.tt<Itl da u""u^""iulu" disponível não permite decidir esta questão'
Se, porém, nos deslocarmos um pouco tnais lrlnp"tt ltttt 'tt
norte, tudo parecerá modificar-se' Os Tsimshian t'Ôttt tltrt sttt-
tema de parentesco ;;;ú i;úYês; o dos Haida c dos 'l'lirtp'll
aproxima-se do tipo crow; e todas estas três tribos s{lo I't'ttn-
camente matrilineares' No entanto' em nenhum 1":|t'.:..1i'l-
casos se encontra' "ï'
t'"iauaes de base da estrutura socittl'
aquela composição homogénea que seria de esperar nunt
regime de descendc*iu "ãifi"ear'
Entre os T'simshian' rtrui$
que de unidades, trata-se de agregados constituídos por untu
linhagem dominantl ã ã" ""tÃt
ãue the estão' subordinados
sem que corn ela tenham, seÍnpre, raços de parentesco. Entre
os Haida e os ftingit '--i'"u'ait'"t híbrido do regime da pro-
priedade resulta dã vários factores: abandono de antigos
dornínios e aquisição de outros' por ocupação e uso; conces-
são de domínios "
ì-ú*"t"s; iransferência de títulos para
compensação de u"u"i"io' ou de outros danos; anexação
por vizinhos Ae Oireitos ou títulos na ausência dos herdeiros
naturais, etc"Corno aplicar de maneira tão pouco rígida umas regras
de descendência e ã" 'uces'ão
formuladas em lslrnss tão
estritos? o problema não se põe em relação aos Kwakiutl, aos
Nootka e uos neiu óootu, que exploram a fundo (e mesmo
mais, se pensarmos nos pseudo-casamentos dos Kwakiutl) a
elasticidade oo set 'i'**u
cognático e podem' desse modo'
revestir toda a "'pã"i"
de manobras sociopo;líticas com os
ouropéis ao p"'""i"'co' Mas' pelo contrário' as regras dos
Tsirnshian, d"' ;;i;; s aos Tlingit parecem' à primeira
impressão, demasiado rígidas para que se deslize de um
plano para o outro; e também o papel do parentesco propria-
mente dito se r"ririú",'*tivo pãlo qual as combinações ins-
piradas por outros *On"l' aparecem mais às claras' Em
ambos os casos'a vida local mistura inextricavelmente os
laços que resuttaà da t'istotia política ou económica ou que
por ela sao criados "o-
ot laços que reclamam basear-se em
genealogias reais ou supostas'
Os Yurok, pequena população -costeira
do norte da Cali-
fórnia, ot",""""'-"o' o"ito exemplo-. da.manelll^:o'tttn, uto
regra de descendència unilinear se dissolve' por assim dïzcr'
l l - r l
I ttO
a-o contacto com instituições do tipo que temos vindo a con-siderar. De facto, os Yurok, ao contrário dos Tsimshian, dosHaida e dos Tlingit, são patrilineares. Mas Kroeber, que osestudou assiduamente (os Yurok têm, na sua obra, um lugarquase comparável ao dos Kwakiutl na obra de Boas), acen-
tua que <<todavia, um grupo de aparentados nunca está cir-
cunscrito, corno o estariam um clã, urna comunidade de aldeia
ou uma tribo. Esbate-se gradualmente em inúmeras direcções
e funde-se com outros também em inúmeras direcções>>. Por-
tanto, entre os Yurok, <<o parentesco funciona de modo bila-
teral e, portanto, difuso, pelo menos em certa medida; de
maneira que não existia qualquer unidade social formada por
indivíduos aparentados uns com os outros, actuando em con-junto e capazes de acção colectiva otganizada>>.
É notável que, em tal situação, Kroeber não queira reter
senão os aspectos negativos. Os Yurok - escreve - <<não
têm sociedade, enquanto tal, nem organizaçã,o social (...). Na
a-usência de governo, não conhecem autoridade (...). Os
homens (chamados chefes) são indivíduos que, pela sua for-
tuna e pelo seu talento pata a conservar e tltilizar, reuniram
ern volta das suas pessoas um agregado de parentes, clien-
tes e semi-dependentes a quem prestam assistência e protec-
ção (...). Termos tão familiares como 'tribo', 'comunidade
de aldeia', 'chefe', 'governo', 'clã' não podem ser utilizados
a respeito dos Yurok a não ser com extrema prudência ('..).
Tomados no seu sentido habitual, são-lhes totalmente inapli-
cáveis>>.É difícil conceber que uma colectividade humana que se
distingue das outras pela língua e pela cultura possa ser tão
invertebrada. Na realidade, as instituições que estruturam
a sociedade yurok existem: são, em prirneiro lugar, as cin-
quenta e quatro <<cidades>> pelas quais se distribui a popula-
ção; e, principalmente, no interior de cada uma delas, as((casas)). Eis a palavra: a mesma, de resto, que os Yurok
usam, na sua língua, para designar esses estabelecimentos,em princípio perpétuos, com um nome descritivo inspiradopcla localização, a topografia local, a ornamentação da
l5: Ì
fachada, a função cerim,onial, nonl(ì osrjo do rlttitl <Icriva ocio ou dos seus proprietários.
Assim, por exemplo, o senhor da c: l ts lr lur ' r i1r,ot tor, r tacidade de On'len-hipur, chama-se F{a'ii1;otìttt 'r; olrin; c o tLtcasa meitser, na cidade de Ko'otep, Ke-nlci tsot ' . ( )r ; t t 'ss; tscasas, ern qrìe Kroeber só considera a técnicit <It' cottst.t'ttt;lìoe a função utilitária i(só fala delas no capítulo cftr llrrtrllrool,tcf the Indians of Californio dedicado à ctlltura trral.crirtl dosYurok; e omite a sua existência quando passa ao tritl lttttcltltrda organização social), constituem, de facto, pessoas Ittotrtis.
Todos os textos indígenas, recoihidos pelo próprio Krot:lrt't '
ou pelo seu colaborador indígena Robert Spott, o estabclr'-
cem de modo indiscutível. Assim, a propÓsito da dissolt"t<.:lìtr
de um casamento: <<Uma jovem de Sa'a tinha contraído urn
casamento pleno (isto é: pelo quai fora pago um preço elc-
vado) na casa wôgrvu de Weitspus>>. O marido morreu e,passado algum tempo, ela resolveu regressar à cidade natal
com a filha ainda pequena. <<Os parentes entregaram, por-
tanto, o pagamento matrimonial à casa wôgwu de Weitspusporque queriam ficar com a criança' Mas a casa wÔgwu só
quis aceitar metade para que a ctiança não passasse a ser
ilegítima (..). De iguai rnodo, se a mulher tivesse sido
morta, ou se tivesse morto ou ferido outra pessoa, a corn-pensação pecuniária deveria ser repartida pelas duas casas>>.
Neste caso, como em todos os demais que fervilham nos
textos, não são os indivíduos nem as famílias quem actua:
são as casas, únicos sujeitos de direitos- _ellev_91es' Quando,junto ao leito de morte de K'e-(t)se'kwetl, da casa tsekwetl
de Weitspus, a mulher e a sobrinha disputaram a herança do
nroribundo, este decidiu a favor da sobrinha antes de expirarporque, disse, <<a fortuna não lhe pertencia pessoalmente mas
sim à casa tsekwetl>>.Mesmo que se tenha escrúpulos em exprimir dúvidas, ti
lícito perguntar se Kroeber não terá procedido mal ao des-crever a otganização social dos Yurok exclusivamente ctrtfunção dos aspectos que lhe faltam. Mas, se houve faltit,csta é menos do grande professor que da etnologia sua cotì-
l l t : Ì
temporânea, que não dispunha, no seu arsenal institucional,do conceito de casa mas apenas dos de tribo, aldeia, clãe linhagem.
Ora - e é esta a segunda das razões que anuncifsl6s -,para reconhecer a casa, teria sido necessário que os etnólo-gos olhassem para a história: pata a da idade Média euro-
peia, certamente, mas também pata a do .Iapão dos períodos
Ileian e seguintes, para a da Grécia antiga e para muitas
outras ainda. Para ficarmos pela nossa Idade Média, é muito
reveladora a comparação da definição dada por Boas para
c numaymqkwakiutl (vide p. 149) com a que nos vem da pena
de um medievalista europeu ao procurar estabelecer com
ev.actidão o que é uma casa. Depois de sublinhar que a
linhagem nobre (Adelsgeschlecht) não coincide com a linha-
gem agnática e é mesmo, muitas vezes' desprovida de base
biológica, renuncia a ver nela mais que uma <<herança espiri-
tual e material, que compreende a dignidade, as origens, o
parentesco, os nornes e os símbolos, a posição, o poderio e a
riqueza, e é assumida (...) em atenção à antiguidade e à dis-
tinção das outras linhagens nobres>>. Como se vê, as lingua-
gens do etnólogo e do historiador são praticamente idênticas.
Estamos pois, sem dúvida, em presença de uma única e
mesrna instituição: pessoa moral detentora de um domíniíì
composto simultaneamente por bens materiais e imateriais Ic que se perpetua pela transmissão do nome, da fortuna
" | Ìdos títulos em linha real ou fictícia, tida como legítima sob / 'a condição única de esta continuidade poder exPrimir-se na /linguagem do parentesco ou da aliança e, as mais das vezes, Iem arnbas ao mesmo temPo. l
Na memória a que acabamos de fazet menção, Schmid
observa que a origem das casas medievais se mantém obscuraporque até ao século xt, cada indivíduo era conhecido por
um só nome. Na verdade, os nomes simples e não recorrentesrrada ou muito pouco nos podem dizer; mas os nomes antigoscompõem-se, por vezes, a partir de nomes de ascendentes.Ora, não é de excluir que existam relações entre as váriasrn<rdalidades observáveis desse procedimento e certas varia-
t5,1
ções da estrutura social: belo tema cm l)orsl)octiva para acolaboração enrfe linguistas, etnólogos c hist.oriadorcs.
Na Idade Média, o processo mais antigo Í'oi t.irlvt-.2 umacombinatória fechada ou em campo fechado: puis <:lrarrradosEberhart e Adalhilt chamam a seus dois filhos luìÌ ritpiìz cuma rapaúga, Adalhart e Eberhilt, respectivarnonl.c. Hárnenos de quarenta anos observei o mesmo proccsso nu Arrra-z6nia, mas estendido a três gerações. Os nomes mcrovÍngiose carolíngios ilustram uma combinação mais livrc, l)or scraberta na escolha e utilização dos morfemas. Os príncipcsmerovíngios chamam-se Théodebert, Charibert, Childcbcrt,Sigebert, Dagobert; mas também Théodoric, Théodebald...Na família de Carlos Magno vamos encontrar Hiltrudc,Himiltrude, Rotrude, Gertrude, Adeltrude, etc.; mas o mor-fema inicial Rot- produz ainda: Rothaïde Rothilde; o mor-fema inicial Ger-: Gervinde, Gerberge; e o morfema inicialAdel-: Adelinde, Adelchis, Adelaide, etc. Por outras pala-vras, o mesmo radical admite vários sufixos, o mesmo sufixovários radicais e o sistema antroponímico é capaz de engen-drar formas novas por enxameação - digamos - em direc-
ções opostas. Fechada num caso e aberta no outro, é sempreuma combinatória. Uma terceira fórmula, que vigora sempreem determinadas famílias ou regiões, caracteriza-se pelasrepetições periódicas: o nome do neto reproduz o do avôpaterno ou o nome do filho da irmã o do tio uterino.
Assim, a alternância dos Pepinos e dos Carlos nos pri-meiros Carolíngios: re5ra geral, do avô paterno para o ncto,mas o segundo Pepino, sucessor do seu tio uterino, era I'ilhoda filha do Pepino origem da linhagem. As três fórmulas queindicámos não formam uma série evolutiva: cocxistctrt, lturvezes, no tempo. E todas elas se encontram tambónr cnt.ro osíndios a que fomos buscar os nossos exemplos. Os Kwakiutlutilizam ambos os tipos de combinatória, a I'ccltitclrt t' aaberta, e dizem <<cortar o nome em dois>> llara clcsigtìnr urnaforma mista. Quanto à fórmula periódica, podc scr obscr:-vada nos Tsimshian, que acreditavam na rcirrcarnaçÍio tlo avôna pessoa do neto.
155
É verdade que os sistemas de parentesco europeus nao
são do tipo havaia; ;; ; dos K-wakiutl nem do tipo
iroquês como o d";';ti*;;ian nem do tipo crow como os
aos ttaida e dos Tlingit' Os :i't"*-u-:,:"'of"t" são habitual-
mente relacionado' "ã* o tipo esquimó' que se caractetlza
ffi " +ì; "*':-,* ^ï'f;:**"gt#ï": ïï::ï.4 ilÏï::e irmãs e os prlmos' tJustrrYe'!v'
:^;^ ^^-; ' rnr{e nâ mesma
esta distinçao, o u'iiigo 'i"u*u
fralcês confunde na mesr
designação os primos e os parentes mais afastados' Para
primeiro significado"ão-t"t'o'primo" Littré ainda sugere:
<<Diz-se de todos ";n;";;t
o"ìr1ta3t que não aqueles que
têm um nome t*ã"*;- assimilaÇão cornparávet :'i""
fazem os sistemas havaianos entre germanos e pnmos'
salvo pelo desfasamento de um grau' As-sim' dá aproximada-
mente a mesma riO"tã"a" de disfarce das manobras sociais
""-p"ft i""s sob a capà do parentesco'
***
Ora, as casas medievais europeias apresentam todos os
traços tantas """"'-fu'udoxais-q":'
em relação aos Kwa-
kiutl, causavam o J*futuço de Boas e' relativamente à
outros povos, "o"titïïï- "ti"t
dificuldades aos etnÓlogos'
Vejamoi esses traços um por uT ,---, ,.
Europeia ou ináia' u "u'u
possui um domínio' que con-
siste em riquezas iãáeriais e riquezas materiais' O chefe
da casa é rico, àt;;;;t mesmo imensamente rico' corno
sublinha Montesquieu ao analisar o testamento de Carlos
Magno; de qualque'-áoao' é suficientemente rico para que a
sua fortuna constitua um instrumento político e um meio
de governo. tuf como '"
Ai' em Gérard de Roussillon: (<Dar'
eis as suas torres'ã"u*uiutt'' As riquezas da casa incluem
também os nomes' títulos e prerrogativas hereditárias -
aquilo a que se "f'u*ot'u
<<honrarias>> - ' 4 que se deve acres-
centar, tal como #;; i-Jio'':tb:1t de origem sobrenatu-
ral: a capa de S' Martirúo' a Sagrada Ampola' a bandeira
l6B
de S. Dinis, a coroa de espinhos' etc' Fora da França: a
lança sagrada de Constantino' a coroa de Santo Estêvão ou'
na falta dos obÍecio'' u "u
recordação: assim' temos o
graal e a lança aas i""aus arturianas' a quc a abadia de
Glastonbury lançou sortilégio para aumento do prcstÍg'io dos
"""ï:,ï;:ï asota o parentesco fictício; a antiga l'rança
também não se coibiu de recorrer a ele' Alguns cronistas'
Drovavelmente a isso obrigados' pretendera m fazet descender
ãs Capetos Ao" Cu'-oringiãt p"iu taz!7 extremamente l'rnta-
sista de a av6*ut"'ltï ãã trË"'iq"e I ter sido casada em pri-
meiras núpcias "o*-l-t"t
V' o úiti'mo Carolíngio' morto sem
deixar herdeiro' N; ;é*1" xr' o dtlque da Borgonha' Eudes-
-ÏIenri, quis que ;;* genro Otto'Guilherme perpetuasse
a sua linhagemr N; ;;"1ï lx' Luis da Provença pretendeu
ter ascendência caro;tíngia-menos. por a mãe seri:-tt"
linhagem n," noo-'i"t-ïiilt" adoptivì de carlos-o-Gordo'
E conhece-r" o nunJi n* iï"r- dúrante a guerra dos cem
Anos, a adopção â" g'áou'ao V ool- Carlos VI e Isabel da
Baviera u* autri*ïlro ão p.oprio fitho, o futuro carlos vII'
A existênci" ;;;; át i<*urti"tl de uma linha sucessória
que vai do avô "";;;;";
por intermédio da filha e do marido
desta ainda "ao
a"i** dL alimentar discussões no seio dos
etnólogos. O'", t"ã-tipo de sucessão parece ter sido muito
frequente ,'u uitã -Ë*opu'
onle- oor várias ocasiões se
pôs a questão o" -íuUuo
se ìs mulherãs podiam <<Ïazet ponte
e passagemu, ot.r 'u:ãt
se' tendo um filho' lhe podiam trâns-
mitir direito, qo" ãias proprias não podiam exercer (fora
o caso de atguns-fu"oo, específicos que podiam ser herda'
dos por mulheres)' Ainda hâ.rcu1 iecordámos a adopção
de Eduar o v; u.áu adopção baseou-se, entre outras coisas,
no facto Ae o Uisavo' Eduãrdo II' genro de Filipe-o'Belo' ter
podido subir ao trono de França em caso de sucessão per
ux.orem.No secuú xvl' Montaigne troça da importância que
os seus "orrr.*porárreos
dao à figura das armas, pelo facto
de <<um genro '"i' u t'u"tportá-la para outra família>>'
Com efeito, foram inúmeros os contratos de casamento
que davam uo g;;; o direito' mas também impunham a
157
obrigação, de tomar as arÏnas do sogro que não tivesse her'
deiros do sexo masculino, para as transrnitir aos filhos' Já
no século xI tomava vulto ã lenda segundo a qual o último
Carolíngio, Luís V, morto em 987' legara' juntamente com- o
leino, a mulher ou a filha ao primeiro rei Capeto' Na Escócja'
na Bretanha, no Maine e em Anjou' a filha herdava os títulos
r" "a"
houvesse filho; o genro - incomíng husband' como
se diz em inglês - tomava- os iure uxoris ao ((entrar na
casa)) - que é a mesma expressão dos Kwakiutl' Por von-
tade de Henrique I, a coroa de França passaria para- :eu
cunhado Baldúno da Flandres se o legítimo herdeiro'
Filipe I, morresse na juventude; nesse caso' o conde da
niunat"t, geffo de Roberto-o-Pio' tornou-se herdeiro per
uxorem.Boas surpreendera-se porque' a despeito da sua orienta-
ção patrilinear, os Kwakiutl davam semlpre o nome da,mãe
quando se lhes perguntava de quem eram filhos (vide p' 149)'
Num interessante ãrtigo, D' Herlihy observa e comenta o
lugar não despiciendo ãue e dado ao matrónimo' em vez do
patrónimo, petos textos juridicos da Idade Média euro'peia'
Considerando a generalidade do fenómeno' as causas histó'
ricas e locais avançadas por Herlihy não parecem absoluta'
mente convincentes. Tal como os nobres lnvakiutl que se
vangioriavam de possuir títulos herdados em ambas as linhas'
os Capetos aplicaram-se à aquisição de uma ascendência
carolíngia tanto na linha paterna corno na linha materna'
mas só o conseguiraln em três fases: primeiro' graças ao
parentesco fictício (p' 157); depois' apenas na linha-mat€rna''p"to
"uru*ento de Luís VII com uma descendente dos Caro-
iingios que foi mãe de Filipe Augusto; e este' ao casar' por
sua vez, "orn
o*u Carolíniia, pôãe finalmente legar a dupla
ascendência ao filho Luís VIII'
Tal como strcede entre os Kwakiutl' os Nootka e os
Bella coola, durante muito tempo punha-se em lugar princi-
pal aquela das duas linhas que mais prestígio proporcionava'
Schmid cita o caso de um senhor feudal chamado Gerold que
era, teoricaÍnente, origem da casa e teve um filho Ulrich
e uma filha Hildegardl ora, os documentos nunca citam os
1õ8
Geroldingern; foi Ulrich, e não o pai, quem fundou uma
casa, a dìs Udalrichingern, sem dúvida por causa da glória
proporcionada pelo casamento da irmã com Carlos Magno'
A casa nasceu, assim, da sua aliança com os CarolÍngios;
mas quem lhe deu o nome foi o irrnão e não a irm6'
Vindo ao de cima, o princípio patrilinear abafou as
antigas tendências de ponderação das vantagens de uma
e outra linha e de manutenção de um equilíbrio entre elas.
MasháusospopulaÏesqueconservamvestígiosdessasten.dências. Na região do Languedoque-Provença' e talvez tam-
bém noutros locais, ainda hoje se observa um esforço de pre-
servação da simetria entre as duas linhas' Em Bouzigues' na
comuna de Hérault, dá-se o nome do pai do pai ao filho mais
velho e o do pai da mãe ao mais novo; e, simetricamente'
o nome da mãe da mãe à filha mais velha e o da mãe
do pai à mais nova. O efeito de espelho é ainda mais visível
se considerarmos o parentesco espiritual: o pai do pai e
a mãe da mãe são padrinho e madrinha do filho e da filha
mais velhos; o pai da mãe e a mãe do pai são-no dos
mais novos. Por outro lado, acrescenta-se por vezes ao
nome um sobrenome' mas só têm direito a fazë-lo os habi-
tantes da aldeia. Quer isto dizer que, além da dualidade
paternos/maternos, se tem de dar lugar à dualidade entre
os <<naturais>> e os de fora.
Esta segunda forma de dualismo aparece já nas leis
bárbaras, em que persiste uma competição sucessorial - em
graus, de resto, variáveis - entre as linhas directa e cola-
íeral, por um lado, e os vicini, por outro; este termo denota
um esiatuto jurídico cujas regras precisam o modo de aqui-
sição (Lei sálica,' títuto XLV). O dualismo da filiação e da
residência ressalta também da existência simultânea daquilo
que, mesmo no caso dos nwmaymo kwakiutl, se pode chamar'
óo-o ,tu antiga Europa, ((nomes de raça)) e ((nomes de
terra>>.Parece que, na Idade Média, os descendentes cogná'
ticos ou agnáticos de um antepassado ilustre tomavam nomes
derivados do dele: Leitname em alemão. Juntava-se-lhe depois
o nome de terra; e o nome antigo desempenhava a função de
159
nome próprio colectivo' Por altura dos séculos XII e XIII teria
corneçado o uso' pelos membros da mesma família' de nomes
cterivados das suas propriedades fundiárias e dos seus palá-
cios; tomava-se o 1.,o*. uo receber a herança, que tanto
podia ser materna como paterna' Os nomes de terra desem-
penharam então o papetr de nomes verdadeiros' e ao mesmo
tempo afirmava-se o carácter da residência como centro de
u"çáo política. A habitação de um nobre passou a ser uma
(casa nobre>), na medida em que representava o ponto cen-
tral de ctistalização do poderio, que dali dimanava'
Não podemos ir no passado dos Kwakiutl suficiente-
mente longe para descobrirn'los se' entre eles' se deu a
mesma evolução. Mas, na época ern que Boas os conheceu'
as numvyma designavam-se a eles próprios ou com nomes
de raça, termos colectivos derivados do nome do fundador
naítico, ou com nomes de terra, que remetiam para o local
de origem real ou suposto; um terceiro tipo de designação'
por teimos honoríficos, tendia a suplantar esses dois: uma
àvoltrção comparável, taïvez, àquela que, na Europa, atenuou
gradualmente a conotação geográfica dos nomes das casas
] Bourbon, orléans, Valois, Sabóia' orange' Hanover' etc'
- e thes associou principalmente valores de poderio e de
prestígio.Trata-seounãodeumaconvergência,nemporrsso
deixa de haver nisto uma dialéctica da filiação e da resi-
dência como traço comuln' e sem dúvida fundamental' das
sociedades <<de casasr>. Tanto nas Filipinas como noutras
regiões da Indonésia, e tarnbém em muitas partes da Mela-
nésia e da Polinésia' os observadores iá' hâ muito assinala-
ram os conflitos de obrigações resultantes da dupla pertença
a um grupo de descendência bilateral e a uma unidade resi-
denciai: aldeia, lugarejo ou aquilo que, na nossa terrninologia
administrativa, designaríamos por <<bairro) ou (quarteirão>>'
Quando as unidades de base da estrutura social estão
cstritamente hierarquizadas e quando esta hierarquia distin-
guc também os mernbros individuais de cada unidade con-
soante a sua ordem de nascimento e a proximidade em
lr,lar,rir<l ao antepassado comum, é evidente que as alianças
l ( i ( l
matrimoniais, contraídas no interior ou no clxtcri<lr, só podem
realizar-se entre cônjuges de estatutos dil 'crctlttrs ('). Nessas
sociedades o casamento é, portanto, incvitavt:ltttcntt-', aniso-
gâmico. Não podendo escotrher senão entrc a lripol,,rtt.ttia c a
hipergamia, tambérn neste aspecto essas socicdadtrs t'Ôm dc
combinar dois princípios. Utna memória redigi<Ia, 1lt'ovavcl-mente, entre 1484 e 1491 e intitulada tres Honneurs <le lrt <:our
- verdadeiro tesouro de observações etnográficas publicadrr
no século XVIII por La Curne de Sainte-Palaye - pircr bom
às claras este aspecto. A sua autora é Aliénor de Poitit:rs,
viscondessa de Furnes, filha de uma dama-de-honor dtr
Isabel de Fortugal que acompanhou a atna quando esta loi
casar com Filipe-o-Bom' Ora, esta minuciosa descrição dos
usos vigentes na corte da Borgonha sugere qì're a terrninolo-
gia francesa do parentesco por afinidade tal como a conhe-
cemos hoje em dia, terâ resultado de uma espécie de deslize
semântico. No século XV os epítetos <<beau> e <<belle>>, apos-
tos ao termo de parentesco, eram usados por uma pessoa
de estatuto superior quando se dirigia a outra situada rnais
abaixo numa rede de parentesco directo ou colateral ou
ainda por aliança: quando, em 1456, o delfirn, futuro Luís XI,
revoltado contra o pai, se foi refugiar na corte da Bor-
gonha, chamou <<be1-oncie>r a Filipe-o-tsorn ajoelhado diante
dele. <<MadaÍne ma soeur)) e <<Belle-soeun eram os termos
com que se falava a parentes prÓximos mas que tinham
feito casamentos desiguais.É, pois, apenas devido ao carácter hipergâmico ou hipo-
gâmico do casamento que estes termos ocorriam principal-
mente nas conversas entre parentes por aliança' O dtlque
da Borgonha, João-sem-Medo, ajoelhava diante da nora'
Michèle de França, e chamava-lhe <<Madame>>; esta respon-
dia tratando-o, por <<Beau-père>>. Igualmente, Filipe-o-IJrttlt tl
(t) <<L'Astrëe é um romance da nobreza ("')' A prìtrtcirrt pr't'
gunta que um nobre punha a outro nobre quando sc olì(lolìllÍlvrtltl
era sernpre, e continua a ser, a seguinte: <<A que casa, a tlttr' l:rtrlllitt
pertence?>>. E a esse nobre é dado um determinado lutÌrtr t t i t l r i t ' t r tr-
quia consoante a resposta.>> N. El ias, Ld socíété d<t cttu|( l) i t ' f f Í i / i : t t ' l t t t
Gesellschaft, 1969), Paris, Gallirnard, 1974, p. 291.
l ( ; l
a mulher, Isabel, chamavam <<Madame>> a sua nora Catarina'
filha do rei Carlos VII, e ela chamava-lhes <<Beau-père>> e
<<Belle-rnère>>. No entanto - nota a autora -' esta maneira
pãf" q*f dois interlocutores assinalavam os respectivos esta-
tutos so era permitida, e mesmo prescrita' nos graus supe-
riores da nobreza: reis e rainhas' príncipes e princesas'
duques e duquesas; era proibida às casas de graus inferiores
(sy comme de Comtesses, Vice-Comtesses' Baronnesses' dont
if; -
grand nombre par plusieurs Royaumes et Paystl e)'
Nestas casas, <<ne leur ãppartient aussy d'appeler leurs
pu""tr, Beau'cousín oa Belle-cortsifle' sinon autrement que
mon cousin et ma cousine, et quiconque en use autrement
ãrr"-ai", est, il doibt estre notoii à chacun que cela se fait
par gloire et présomption et doibt estre réputé pour nul'
à cause que ce ,oti "ho'"'
volontaires' déréglées et hors do
raisoru> (').Assim se explica que o uso de <<beau>> e <tbelle>>' reser-
vado às casas de sangue real ou próximas do trono' tomasse
uma conotaçao puramente honorífica aos olhos da burguesia'
Ainda no século xvIII, a Enciclopédia de Diderot e d'Alem-
bert observa, no artigo <<Bru>l (<<nora>>) ' que <<belle-fille é de
uso mais fino>>. a cãnotaçao de um estatuto relativamente
inferior, perceptível apenas aos primeiros utiliza9-ol:::, o"
passou despercebida aos outros ou foi rapidamente esquecida'
Nas sociedades <<de casas))' e ao contrário do que os
etnólogos observam noutros casos, os princípios da exoga-
mia e da endogamia já não são mutuamente exclusivos'
Como vimos a respeito dos Kwakiutl' o casamento exÓgariãl
serve para captai novos títulos e o casamento endÓ8amo I
;; ";itt quì, depois de adquiridos' eles saiann da casl
(t) <<Tais como as de Condessas' Viscondessas e Baronesas' de
que há um grande número em rnuitos Reinos e Países>r (N' T')'
(') <Não lhes àabe também chamar aos seus parentes Beou-
-cousín ou Belle-cousine, mas unicamente meu Primo ou minha Prima'
c a quem Orr", n* nooceda de modo diferente do que fica dito'
deve ser-lhe teito t'oiar que isso se faz por glória e presunção e
rklvc ser considerado sem nenhum efeito' por serem coisas caprichosas'
l'ora das regras e sem razão)) (N' T')'
I ( ; i Ì
i
I
É então de boa estratégia utilizar conjunli.rrrrcnlc rrntlr()s os
princípios, consoante o ternpo e a oportrruidirtkr, pirnr tttitxi-
mizar os ganhos e minimizar as perdas.
Do mesmo modo, as casas europeias senì l l l ' t ' l t r ;sot ' i l t t ' l t t t t
as duas práticas: o casamento a distância e o cltslttttt 'ttltr
muito próximo. As genealogias apresentam muitos cxt:tttl l los
de casamentos próximos qìle reproduzem todas as fot'ttuts
clássicas conhecidas dos etnólogos: com a prima cruzada,patrilateral ou matrilateral, ou até, poderíamos quase dizt'i',
<<à australiana)), como foram os casos de Filipe-o-Bom e dc
Francisco I, que casaram, um e outro' com a filha do filho
do irrnão do pai do pai... Também podernos encontrar exem-
plos de troca generalizada, corno se verifica entre a inicial
casa capetiana, a casa da Borgonha e a casa de Autun'
O casamento de Carlos VIItr com Ana da Bretanha, pelo
contrário, foi- diplomaticamente falando - muito afastado,pois tinha por finalidade preparar a reunião da Bretanha
à coroa de França; mas o contrato restabelecia logo o equi-
líbrio ao estipular que, em caso de morte do marido, a
viúva casaria em segundas núpcias com o ocupante seguintedo trono: foi, de facto, o q-ue se passou, quando o duque
de Orléans sucedeu ao prirno segundo com o nome de
Luís XII. Na geração seguinte, inverteu-se o ritmo: ao pri-
meiro casamento de Fratrcisco I em grau próximo seguiu-se
ír sua união, afastada, com Eleonora de Habsburgo, irmã
cle Carlos V.Entre os povos sen'l escrita, tal como na Europa, tam-
bém o cálculo político inspira e cornanda este movimento
a.lternado de expansão e de retracção das alianças matrirno-niais. Em vários locais e em diversas épocas, causas igual-
mente políticas levaram à conciliação de dois outros prin-
cípios também antagónicos: o direito hereditário e o direito
conferido pelo voto. Foi para ultrapassar essa oposição que
rrs primeiros Capetos fizetam coroar os filhos, sistematica-nlente, em vida. Tinham, com efeito, de assegurar o con-scntimento - tácito que fosse - dos dignitários do reino
llara reforçar os direitos ainda incertos do sangue e dit
lrrimogenitura: jurata fidelítate ab omnibus regni principilttts,
| ( i : Ì
T
como se escreveu, de forma reveladora - embora em cir-
cunstâncias diferentes - a propósito da sucessão de.' Henri-
que I. Os Kwakiutl e alguns dos seus vizinhos possuíam um
regime sucessório análogo e não menos ambíguo' Era de uso
o pai transmitir publicamente ao filho de dez ou doze anos
todos os seus títulos durante um potlatch que proporcionava
a ocasião, mas além disso traduzia a necessidade de obter
o consentimento colectivo e de neuttalizat publicamente
eventuais pretendentes' Diferida no primeiro caso (já que
o herdeiro não,reinará senão depois de morto o pai) e ime-
diata no outro (em que o'pai não desfruta já de qualquer dos
títulos depois de os transmitir), a fórmula que consiste em
um pai fazer herdar o filho ainda em vida fornece, aqui corno
ali, um meio (talvez o tsnico possível) de vencer a antinornia
entre o direito da raça e o direito'da eleição.
Em todos os planos da realidade social, da família ao
Estado, a casa é, portanto' uma criação institucional que
permite conciliar forças que, onde quer que seja, parecem
não poder aplicar-se senão com exclusão uma da outra,
devido às suas orientações contraditórias. Descendência patri-
Iinear e descendência matrilinear, filiação e residência, hiper-
gamia e hipogamia, casamento próximo e casamento' afas-
iado, raça e eleição: todas estas noções, que habitualmente
servemaosetnÓlogosparadist inguirunsdoso'utrososváriostipos conhecido's de sociedade, reúnem-se na casa' como se
o espírito (no sentido do século xvltr) desta instituição tra-
duzisse, em última análise, urn esforço para superar' em
todos os domínios da vida colectiva, princípios teoricamente
inconciliáveis' Ao meter - por assim dizer - <<dois coehof
no mesmo saco)' a casa realiza urna espécie de viragem Itopológica do interior para o exterior e substitui uma duali-
|dade interna por umra unidade externa' O que se aplica tam- J
bém às mulheres, ponto sensível de todo o sistema, que este
temdedef in i rcombinandodoisparâmetros:oseuestatutosocialeosseusatract ivosfís icos-podendosempreumdelesservir para contrabalançar o outro' No Japão dos séculos x
e xI, o ctã Fujiwara assegurou de modo duradouro o seu
podernosassuntospúbl icosfazendocasar,sistematicamente,
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as suas irmãs e filhas com os herdeiros do trono inrpuliirl.Em sistemas desses, de facto, as rnulheres, habilmentc rrrani-puladas, desempenham o papel de operadores do poder. Aossucessivos casamentos de Leonor da Aquitânia (e de tantaspessoas da sua condição e do seu sexo) corresponde o cos-tume kwakiutl de obrigar as raparigas da alta nobreza aquatro casamentos sucessivos, cada um dos quais lhes con-feria um grau de honorabilidade suplementar.
Como explicar estas propriedades tão especiais, masrecorrentes em diverso's pontos do mundo, das sociedades<<de casas>>? Para as compreender temos de voltar rapida-rnente aos povos índios pelos quais corneçámos este estudo.Entre os Tsimshian e os Tlingit, o neto podia suceder direc-tamente ao avô paterno em nomes e títulos apesar do regimede descendência matrilinear vigente. É que ambas essassociedades estavam divididas em metades exógamas: real-m'ente, para os Tlingit, e praticarnente para os Tsimshian,cujas quatro fratrias, de prestígio desigual, tendiam a rea-lizar casamentos duas a duas. Em sistemas como esses, emque alternam as gerações agnáticas, é normal, ou pelomenos frequente, que avô e neto reproduzam as respectivasmetades.
Mas não há qualquer simetria entre estes sistemas e odos Kwakiutl e das sociedades da Europa medieval, sistemaque, concorrentemente com um regirne sucessório de direitopaterno, fazia do neto herdeiro directo ou indirecto - con-forme os casos - do avô materno. Nem a herança do filhoda filha, nem a do genro per uxorem, seriam cornpatíveiscom uma regra de descendência unilinear. Na linha materno,como na linha paterna, tal regra impediria que qualqucr clc-mento do estatuto pessoal pudesse pertencer ao mosnìotempo a um filho de filha e a um pai de mãe.
Para interpretar o sistema é portanto preciso rocorrorà hipótese de um conflito latente entre os ocupnntt's dttcertas posições na estrutura social. As mais antigus dt:scrl-
ções de Boas são tão precisas gue não parece duvitltttttt t1ttn,nas casas nobres de que provinham os scus inlirrnrttcfttrtrg,essa tensão entre linhagens - que constitui o prtnl.o fulcrul
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do sistema - dava preponderância relativa à casa materna'
Nos Bella Coo'la - cuja otganizaçáo social também rloutros
aspectos parece ter siáo muito prÓxinaa da dos Kwakiutl - 'os observadores viram as coisas do mesmo modo: <<O irmão
de uma mulher casada no exterior também dá nomes aos
filhos desta irmã' como marca suplementar da sua incorpo-
ração na família ancestral>>' Esta preponderância relativa do
laão materno confirma o nosso comentário a certos naitos
kwakiutl (vide P. 77).
Porém, esta preponderância nunca é francamente aceite
pela outra parte: o pai, que tomou mulher' vê no filho um
Lembro privilegiado da sua linhagem tal como o avô
materno, que cedeu essa mesma mulher' vê no neto um mem-
bro de purt" ittt*i.a da sua. É na intersecção destas perspec-
tivas antitéticas que se situa, e talvez se constitui' a casa'
E na sequência disso, comio num jogo de espelhos' a oposi-
ção inicial reflecte-se em to'dos os planos da realidade social;
ãa tambem conta da equivalência estrutural que se pensa
qo" o, regimes de descendência não puramente indiferen-
ciada (porque de orientação unilinear) estabelecem entre o
filho da filha e ou o filho ou o sobrinho uterino'
Estes conflitos corno que encaixados uns nos otrtros e
as so,luções sempre de duplo sentido que as sociedades <<de
casas)) thes dão resultam, em última análise, do mesmo
estado de facto: estado esse em que os interesses políticos
e eco,nórnicos' que tendem a invadir o campo social' não
tomaram ainda a dianteira aos <<velhos laços de sanguer> -
como diziam Marx e Engels' Para se exprimirem e se repro-
duzirem, esses inter"r,u, tê*, inevitavelmente' de ir buscar
a linguagem do parentesco' apesar de ela thes ser hetero-
gen"ã; Jom efeito, não há outra disponível' E' inevitavel-
mente também, só para a subverter a adoptam' Todo o fun-
cionamento das casas nobres, europeias ou exóticas' implica
uma confusão de categorias noutras paragens tidas como
correlativas e opostas' e que daí ern diante serão'tratadas
como se fossem intermutáveis: a filiação vale a aliança' a
uli"rrçu vale a filiação' Desde então a troca deixa de ser
o lugãr original de ulna fenda cujos bordos sÓ a cultura pode
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reaproximar. Também ela encontra o seu princípltl numa
continuidade que é de ordem natural e nada impedo Jó quc'
quando houver necessidade, a aliança venha substitulr <l
parentesco pelo sangue.Com as sociedades <<de casas>> vemos' pois, formur-ro
uma rede de direitos e de obrigações cujas linhas entrccru-
zadas cortam as malhas da rede que ela vem substituir: o
que anteriormente estava unido separa-se agota e o quo
anteriormente estava separado une-se. verifica-se como quc
uma contradança entre os laços que a cultura deve tecer
e aqueles em que antes se reconhecia a obra da natureza -
mesmo que, como na maior parte dos casos' isso fosse uma
ilusão. Promovida assim a segunda natuteza, a cultura ofe-
rece à história um palco à sua medida; fazendo aderir uns
aos outros os interesses reais e os pedígrees míticos, pro-
porciona fundamento absoluto aos empreendimentos dos
grandes.
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